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DISCUSSÃO Os objectivos fundamentais da cirurgia do colesteatoma são a erradicação da matriz de colesteatoma, a preservação da audição e a prevenção da persistência e recorrência da doença. Existem várias particularidades que devem ser tidas em conta na abordagem do colesteatoma na idade pediátrica, como uma maior taxa de complicações, piores níveis de audição pré- operatória e maiores taxas de recorrência pós-operatória. Tudo isto faz com que o tratamento não seja unânime e que a cirurgia do colesteatoma na criança e no adolescente seja um desafio para o otorrinolaringologista. COLESTEATOMA AVANÇADO EM IDADE PEDIÁTRICA: DESAFIOS DIAGNÓSTICOS E TERAPÊUTICOS Isabel Costa, Berta Rodrigues, António Lima, Daniela Ribeiro, Ana Menezes, Diana Silva, Luís Dias Serviço de ORL e Cirurgia Cérvico-facial do Hospital de Braga HISTÓRIA DA DOENÇA ACTUAL Sexo feminino, 17 anos, sem antecedentes de otites de repetição ou cirurgia otológica prévia; Hipoacusia à direita de agravamento progressivo com 1 ano de evolução; Vertigem rotatória desencadeada com os movimentos posturais; Otorreia e otalgia direitas com 4 meses de evolução, refractárias a tratamento médico. EXAME OBJECTIVO Otoscopia OD - otorreia; pólipo inflamatório nos quadrantes inferiores; espessamento da MT com abaulamento franco nos quadrantes superiores; tecido de granulação atical com aparente destruição da parede postero-superior do CAE; Sem nistagmo espontâneo. HIT com sacada de refixação à direita; Sinal de Hennebert negativo. VIGILÂNCIA PÓS-OPERATÓRIA Fig. 4. Audiograma tonal simples pós-op. INTRODUÇÃO O colesteatoma é um pseudo-tumor inflamatório do tipo epidérmico, de origem congénita ou adquirida, com origem no ouvido médio. Representa 30% das indicações cirúrgicas para otite média crónica na idade pediátrica, sendo que esta frequência aumenta com a idade. O envolvimento das regiões anatómicas vizinhas explicam a maioria das complicações do colesteatoma. Classicamente, estas podem ser divididas em intra ou extra-cranianas. Factores anatómicos, fisiológicos e histológicos distinguem o colesteatoma na criança e no adulto e existem evidências de que, no primeiro grupo, o colesteatoma é mais agressivo do que na idade adulta. Ainda nesta faixa etária, a abordagem cirúrgica mais eficaz é controversa, devendo ser sempre individualizada e baseada nos achados intra- operatórios. Assintomática Mantém vertigem para movimentos de alta frequência Otoscopia- cavidade de mastoidectomia estável Rinne negativo (D); Weber direito Cefaleias fortes, com impacto na qualidade de vida; Otoscopia: cavidade de mastoidectomia estável, epitelizada RM pós-op (Fig. 5) 2 SEMANAS 1 MÊS 3 MESES 5 MESES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: J.Nevoux , M.Lenoir , G.Roger , F.Denoyelle , H.Ducou Le Pointe , E.-N.Garabédian . Childhood cholesteatoma. European Annals of Otorhinolaryngology, Head and Neck Diseases; Volume 127, Issue 4; The pathophysiology of cholesteatoma. Otolaryngol Clin North Am, 39 (6) (2006), pp. 1143-115; M. Bennett, et al.Congenital cholesteatoma: theories, facts, and 53 patients. Otolaryngol Clin North Am, 39 (6) (2006), pp. 1081-1094; Flint, PW et al. Cummings. Otolaryngology Head & Neck Surgery. 6ª edição. Mosby Elsevier. Maio 2017. Fig. 5. Otomastoidite direita residual, c/ocupação por material heterogeneamente hiperintenso em T2, não captante. Ausência de complicações infecciosas intracranianas. RM CE E OUVIDO ( pós - op ) EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO AUDIOGRAMA TONAL SIMPLES ( pré - op ) hipoacusia mista severa direita (fig. 1) Fig. 1 TC OUVIDOS ( pré - op ) Fig. 2. Ocupação de todo o desfiladeiro antro-ático- timpânico e da mastóide hipocelularizada por material de densidade de tecidos moles com extensão ao canal auditivo externo (setas). Erosão do tegmen timpani (cabeça de seta), do scutum e da parede do canal semicircular lateral (seta tracejada), esta última compatível com fístula labiríntica. Coexiste erosão da cadeia ossicular, sobretudo da cabeça do martelo e do corpo da bigorna. Fig. 3. Na cavidade timpânica direita identifica-se lesão que apresenta restrição à difusão e ausência de captação de gadolínio, tratando-se mais provavelmente de colesteatoma no contexto de OMC. A lesão parece estender-se ao labirinto timpânico, registando-se a presença de tecido de granulação peri-lesional, com extensão também ao longo da trompa de eustáquio. A dura do andar médio superiormente à lesão encontra-se espessada e é hipercaptante, traduzindo provável reacção inflamatória dural embora sem alterações que sugiram envolvimento parenquimatoso. RM CE E OUVIDO, sequência de difusão ( pré - op ) TRATAMENTO Submetida a timpanoplastia tipo II e mastoidectomia wall-down do ouvido direito com reconstrução e encerramento de tegmen timpani e mastoideu. Pós-operatório sem intercorrências, com preservação da mímica facial Alta ao 3º dia. ANATOMIA PATOLÓGICA – achados morfológicos compatíveis com colesteatoma. Intra-operatoriamente: 1. Colesteatoma envolvendo a cadeia ossicular (bigorna ausente, cabo do martelo e estribo presentes) e a mastóide remoção do martelo e preservação do estribo 2. Fístula do CSC lateral, sem abertura do canal membranoso, e erosão do tegmen mastoideu em quase toda a sua extensão, sem herniação 3. Erosão do canal de Falópio com exposição do nervo facial na 2ª porção, no joelho e parte da 3ª porção (e confirmação da sua integridade) 4. Colocação de cartilagem sob o tegmen mastoideu 5. Colocação de cera de osso sobre a fístula do CSC e sobre o nervo facial 6. Colocação de cartilagem sobre o estribo e confecção de micro-caixa timpânica 7. Preenchimento da cavidade mastoideia com retalho muscular temporal 8. Colocação de fáscia sobre a micro-caixa timpânica confecção de meatoplastia Fig. 1. Audiograma tonal simples pré-op.

COLESTEATOMA AVANÇADO EM IDADE PEDIÁTRICA: DESAFIOS ...repositorio.hospitaldebraga.pt/bitstream/10400.23/1226/1/poster.pdf · Audiograma tonal simples pós-op. INTRODUÇÃO O colesteatoma

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DISCUSSÃOOs objectivos fundamentais da cirurgia do colesteatoma são a erradicação da matriz de colesteatoma, a preservação daaudição e a prevenção da persistência e recorrência da doença. Existem várias particularidades que devem ser tidas em contana abordagem do colesteatoma na idade pediátrica, como uma maior taxa de complicações, piores níveis de audição pré-operatória e maiores taxas de recorrência pós-operatória. Tudo isto faz com que o tratamento não seja unânime e que acirurgia do colesteatoma na criança e no adolescente seja um desafio para o otorrinolaringologista.

COLESTEATOMA AVANÇADO EM IDADE PEDIÁTRICA: DESAFIOS DIAGNÓSTICOS E TERAPÊUTICOS

Isabel Costa, Berta Rodrigues, António Lima, Daniela Ribeiro, Ana Menezes, Diana Silva, Luís DiasServiço de ORL e Cirurgia Cérvico-facial do Hospital de Braga

HISTÓRIA DA DOENÇA ACTUAL Sexo feminino, 17 anos, sem antecedentes de otites de repetição ou cirurgia otológica prévia;

Hipoacusia à direita de agravamento progressivo com 1 ano de evolução;

Vertigem rotatória desencadeada com os movimentos posturais;

Otorreia e otalgia direitas com 4 meses de evolução, refractárias a tratamento médico.

EXAME OBJECTIVO Otoscopia OD - otorreia; pólipo inflamatório nos quadrantes inferiores; espessamento da MT com abaulamento franco nos

quadrantes superiores; tecido de granulação atical com aparente destruição da parede postero-superior do CAE; Sem nistagmo espontâneo. HIT com sacada de refixação à direita; Sinal de Hennebert negativo.

VIGILÂNCIA PÓS-OPERATÓRIA

Fig. 4. Audiograma tonal simples pós-op.

INTRODUÇÃOO colesteatoma é um pseudo-tumor inflamatório do tipo epidérmico, de origem congénita ou adquirida, com origem no ouvido médio. Representa 30% das indicações cirúrgicas para otite média crónica na idade pediátrica, sendo que esta frequência aumenta coma idade. O envolvimento das regiões anatómicas vizinhas explicam a maioria das complicações do colesteatoma. Classicamente, estas podem ser divididas em intra ou extra-cranianas. Factores anatómicos, fisiológicos e histológicos distinguem o colesteatoma nacriança e no adulto e existem evidências de que, no primeiro grupo, o colesteatoma é mais agressivo do que na idade adulta. Ainda nesta faixa etária, a abordagem cirúrgica mais eficaz é controversa, devendo ser sempre individualizada e baseada nos achados intra-operatórios.

Assintomática Mantém vertigem para movimentos de alta frequência

Otoscopia- cavidade de mastoidectomia estávelRinne negativo (D); Weber direito

Cefaleias fortes, com impacto na qualidade de vida;

Otoscopia: cavidade de mastoidectomia estável, epitelizada

RM pós-op (Fig. 5)

2 SEMANAS 1 MÊS 3 MESES 5 MESES

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: J.Nevoux, M.Lenoir, G.Roger, F.Denoyelle, H.Ducou Le Pointe, E.-N.Garabédian. Childhood cholesteatoma. European Annals of Otorhinolaryngology, Head and Neck Diseases; Volume 127, Issue 4; The pathophysiology of cholesteatoma. Otolaryngol Clin North Am, 39 (6) (2006), pp. 1143-115; M. Bennett, et al.Congenital cholesteatoma: theories, facts, and 53 patients. Otolaryngol Clin North Am, 39 (6) (2006), pp. 1081-1094; Flint, PW et al. Cummings. Otolaryngology Head & Neck Surgery. 6ª edição. Mosby Elsevier. Maio 2017.

Fig. 5. Otomastoidite direita residual, c/ocupaçãopor material heterogeneamente hiperintenso emT2, não captante. Ausência de complicaçõesinfecciosas intracranianas.

RM CE E OUVIDO (pós-op)

EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO

AUDIOGRAMA TONAL SIMPLES (pré-op)– hipoacusia mista severa direita (fig. 1)

Fig. 1

TC OUVIDOS (pré-op)

Fig. 2. Ocupação de todo o desfiladeiro antro-ático- timpânico e da mastóide hipocelularizada por material de densidade de tecidos moles comextensão ao canal auditivo externo (setas). Erosão do tegmen timpani (cabeça de seta), do scutum e da parede do canal semicircular lateral(seta tracejada), esta última compatível com fístula labiríntica. Coexiste erosão da cadeia ossicular, sobretudo da cabeça do martelo e do corpoda bigorna.

Fig. 3. Na cavidade timpânica direita identifica-se lesão que apresenta restrição àdifusão e ausência de captação de gadolínio, tratando-se mais provavelmente decolesteatoma no contexto de OMC. A lesão parece estender-se ao labirintotimpânico, registando-se a presença de tecido de granulação peri-lesional, comextensão também ao longo da trompa de eustáquio. A dura do andar médiosuperiormente à lesão encontra-se espessada e é hipercaptante, traduzindoprovável reacção inflamatória dural embora sem alterações que sugiramenvolvimento parenquimatoso.

RM CE E OUVIDO, sequência de difusão (pré-op)

TRATAMENTO Submetida a timpanoplastia tipo II e mastoidectomia wall-down do ouvido direito com reconstrução e encerramento de

tegmen timpani e mastoideu.

Pós-operatório sem intercorrências, com preservação da mímica facial Alta ao 3º dia.

ANATOMIA PATOLÓGICA – achados morfológicos compatíveis com colesteatoma.

Intra-operatoriamente:

1. Colesteatoma envolvendo a cadeia ossicular (bigorna ausente, cabo do martelo e estribo presentes) e a mastóide remoção do martelo e preservação do estribo

2. Fístula do CSC lateral, sem abertura do canal membranoso, e erosão do tegmen mastoideu em quase toda a sua extensão, sem herniação

3. Erosão do canal de Falópio com exposição do nervo facial na 2ª porção, no joelho e parte da 3ª porção (e confirmação da sua integridade)

4. Colocação de cartilagem sob o tegmen mastoideu

5. Colocação de cera de osso sobre a fístula do CSC e sobre o nervo facial

6. Colocação de cartilagem sobre o estribo e confecção de micro-caixa timpânica

7. Preenchimento da cavidade mastoideia com retalho muscular temporal

8. Colocação de fáscia sobre a micro-caixa timpânica confecção de meatoplastia

Fig. 1. Audiograma tonal simples pré-op.