Coletanea - Volume 2

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    7Isaura Monica Souza ZanardiniPaulino Jos Orso(Organizadores)

    ESTADO, EDUCAOE SOCIEDADE CAPITALISTA

    Programa de Ps-Graduao em EducaoMestrado em Educao - PPGE

    Pr-Reitoria de Pesquisa Ps-Graduao em EducaoUniversidade Estadual do Oeste do Paran

    EDUNIOESTECASCAVEL - PR

    2008

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    Impresso e AcabamentoEditora e Grfica Universitria - EdunioesteRua Universitria, 1619 - E-mail: [email protected] (45) 3220-3085 - Fax (45) 3324-4590CEP 85819-110 - Cascavel-PR - Caixa Postal 701

    2008, dos autores

    Capa:Capa:Capa:Capa:Capa:Ana Paula Silva

    Diagramao e Arte Final da Capa:Diagramao e Arte Final da Capa:Diagramao e Arte Final da Capa:Diagramao e Arte Final da Capa:Diagramao e Arte Final da Capa:Antonio da Silva Junior

    Catalogao:Catalogao:Catalogao:Catalogao:Catalogao:Marilene de Ftima Donadel - CRB 9/924

    Estado, Educao e Sociedade Capitalista / organizao deIsaura Monica Souza Zanardini, Paulino Jos Orso. Cascavel : Edunioeste, 2008.249 p. (Coleo Sociedade, Estado e Educao ; n. 2)

    Vrios autores

    ISBN: 978-85-7644-176-2

    1. Educao - Estudo e ensino (Ps-graduao) - Brasil 2.Pesquisa educacional 3. Educao e Estado - Brasil 4. Ensinosuperior - Aspecto poltico - Brasil 5. Reforma do Estado 6.Poltica e educao - Brasil I. Zanardini, Isaura Monica Souza,Org. II. Orso, Paulino Jos, Org.

    CDD 20. ed. 379.81 378.81

    370.78

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    Isaura Monica Souza ZanardiniPaulino Jos Orso(Organizadores)

    ESTADO, EDUCAOE SOCIEDADE CAPITALISTA

    COLEO SOCIEDADE, ESTADO E EDUCAO(VOLUME 2)

    Programa de Ps-Graduao em EducaoMestrado em Educao - PPGE

    Pr-Reitoria de Pesquisa Ps-Graduao em EducaoUniversidade Estadual do Oeste do Paran

    EDUNIOESTECASCAVEL - PR

    2008

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    UNIVERSIDADE ESTUNIVERSIDADE ESTUNIVERSIDADE ESTUNIVERSIDADE ESTUNIVERSIDADE ESTADUADUADUADUADUAL DO OESTE DO PAL DO OESTE DO PAL DO OESTE DO PAL DO OESTE DO PAL DO OESTE DO PARAN - UNIOESTEARAN - UNIOESTEARAN - UNIOESTEARAN - UNIOESTEARAN - UNIOESTE

    REITORAlcibiades Luiz Orlando

    VICE-REITORBenedito Martins Gomes

    PR-REITOR DE ADMINISTRAO E PLANEJAMENTOGeysler Rogis Flor Bertolini

    PR-REITOR DE GRADUAOEurides Kster Macedo Jnior

    PR-REITOR DE EXTENSOWilson Joo Zonin

    PR-REITORA DE PESQUISA E PS-GRADUAOFabiana Scarparo Naufel

    CONSELHO EDITORIALAlfredo Aparecido Batista

    Ana Alix Mendes de Almeida OliveiraAngelita Pereira Batista

    Antonio Donizeti da CruzClarice Aoki Osaku

    Eurides Kuster Macedo JniorFabiana Scarparo Naufel

    Fernando dos Santos SampaioJos Carlos dos Santos

    Lourdes Kaminski AlvesMaria Erni Geich

    Miguel ngelo LazzarettiMirna Fernanda OliveiraNeide Tiemi MurofusePaulo Cezar Konzen

    Reinaldo Aparecido BariccattiRenata Camacho Bezerra

    Rosana Katia NazzariSilvio Csar Sampaio

    Udo StrassburgWilson Joo Zonin

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    SUMRIO

    Apresentao ......................................................................... 7

    Para um exame das relaes histricas entre capitalismoe escola no Brasil: algumas consideraesterico-metodolgicas ............................................................ 11Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier

    Liberalismo educacional: o receiturio de Milton Friedman ...... 25Roberto Antonio Deitos

    Trazendo o Estado de volta para a teoria:o debate Miliband-Poulantzas revisitado ................................. 39Alvaro Bianchi

    A evoluo do Estado burgus no Brasil:a leitura de Dcio Saes ........................................................... 57Francis Mary Guimares Nogueira

    A reforma do Estado brasileiro no contextoda globalizao e da ps-modernidade .................................... 65Isaura Monica Souza Zanardini

    A reforma do Estado e a descentralizao na rea da educao..79Ireni Marilene Zago Figueiredo

    Polticas sociais e Estado burgus no Brasil ............................ 95Celso Hotz

    Educao superior e sociedade:a mediao do Estado a servio do mercado ........................... 113Claudio Afonso Peres

    O ensino, a pesquisa e a extenso na Universidade ................ 135Paulino Jos Orso

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    CAPES, LATTES, QUALIS: o homo academicusentre aforismos e desaforismos ............................................. 145Joo Virgilio Tagliavini

    A criao e formao na universidade bolivarianae o processo poltico na Venezuela ......................................... 165Maria Lucia Frizon Rizzotto

    O partido poltico, seus parmetros e seuscrculos de participao .......................................................... 177Gilmar Henrique da Conceio

    Partido poltico e democracia burguesa: algunscontrapontos entre a escola marxista e a escola weberiana ..... 209Mrio de Jesus Barboza e Gilmar Henrique da Conceio

    A escola de Estado na perspectiva marxista ............................ 231Amarilio Ferreira Junior e Marisa Bittar

    SOBRE OS AUTORES ............................................................ 245

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    APRESENTAO

    A sociedade constituda por meio de relaes que so marcadaspelo estgio de desenvolvimento das foras produtivas que sintetizamo acmulo de conhecimentos, tecnologias e relaes de foras de cadamomento. Desse modo, o Estado e a educao, sua forma, seucontedo e sua qualidade, decorrem das lutas travadas entre indivduos,grupos e classes sociais. Isto significa dizer que, se a sociedade dinmica, o Estado e a educao tambm o so e, em funo disso,configuram-se de forma diferente em cada contexto histrico. Portanto,para compreend-los, precisamos situ-los como expresso domovimento da sociedade, fugindo das concepes abstratas e a-histricas.

    Tendo essas relaes como pressuposto, este novo volume daColeo Estado, Sociedade e Educao como sugere seu ttulo:Estado, Educao e Sociedade Capitalista apresenta alguns resultadosde estudos que vm sendo desenvolvidos pelo corpo docente e discentedo Programa de Ps-Graduao em Educao do Curso de Mestradoem Educao, da Universidade Estadual do Oeste do Paran, Campusde Cascavel.

    Particularmente, este segundo volume, alm de artigos dedocentes e discentes do Programa, tambm rene artigos de professoresde outros programas de ps-graduao, que em suas pesquisas tratamde temticas ligadas relao entre capitalismo, Estado e educao,reforma do Estado e polticas para o ensino superior.

    O primeiro artigo intitulado Para um exame das relaeshistricas entre capitalismo e escola no Brasil: algumas consideraesterico-metodolgicas, de autoria de Maria Elizabete Sampaio PradoXavier, Professora Livre-Docente da Unicamp, foi publicado pela primeiravez em 1993, nos Cadernos da Escola Pblica. O artigo publicadonovamente em funo da pertinncia do tema, que apresenta astendncias que se colocam no campo da historiografia educacionalbrasileira e, deste modo, procura discutir as relaes entre capitalismoe escola na sociedade brasileira.

    No segundo artigo, Liberalismo educacional: o receiturio deMilton Friedman, Roberto Antonio Deitos, professor do Programa dePs-Graduao em Educao da UNIOESTE, analisa o liberalismoeducacional expresso na obra Capitalismo e Liberdade de MiltonFriedman e, particularmente, chama ateno sobre algumas das

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    proposies desse terico a respeito do papel do governo na educao.Nesse artigo, o autor expe suas reflexes sobre o receiturio deFriedman e suas propostas educacionais para os diversos nveis deensino, bem como apresenta os argumentos polticos e ideolgicosque so arrolados para a poltica educacional brasileira.

    No artigo, Trazendo o Estado de volta para a teoria: o debateMiliband-Poulantzas revisitado, lvaro Bianchi, professor da Unicamp,mostra o debate entre os tericos Ralph Miliband e Nicos Poulanztastravado sobre a teoria do Estado apresentado na revista New LeftReview, entre os anos de 1969 e 1976. Por meio desse debate, o autordiscute os desafios de uma teoria marxista do Estado e da poltica.Segundo ele, a retomada de discusso permitiria uma reformulaodas questes que nortearam a discusso e a redefinio de uma agendapara a pesquisa marxista do Estado e da poltica.

    Francis Mary Guimares Nogueira, Professora do Programade Ps-Graduo em Educao da Unioeste, trata da posio tericade Dcio Azevedo Marques de Saes sobre a Evoluo do EstadoBrasileiro no artigo A evoluo do estado burgus no Brasil: a leiturade Dcio Saes. A autora analisa a posio de Dcio Saes particularmentea partir do artigo A Evoluo do Estado Brasileiro (uma interpretaomarxista), publicado na obra Repblica do Capital: capitalismo eprocesso poltico no Brasil. Seu objetivo apresentar reflexes e,deste modo, contribuir com a discusso sobre uma temtica da cinciapoltica, da economia e da sociologia que, segundo a autora, pertinente para a anlise das polticas sociais e, particularmente, paraas polticas educacionais.

    A professora do Programa de Ps-Graduao em Educao,Isaura Monica Souza Zanardini em seu artigo A Reforma do Estadono contexto da globalizao e da ps-modernidade, que resultadode sua tese de doutorado, trata da reforma do Estado brasileiro comocondio para assegurar sua correspondncia formao socialcapitalista e, desse modo, produzir as condies necessrias para areproduo das relaes de produo. Neste artigo, Zanardini analisaa Reforma do Estado a partir do Plano Diretor da Reforma do Estadopublicado pelo Ministrio da Administrao e Reforma do Estado(MARE) em 1995.

    A professora do Programa, Ireni Marilene Zago Figueiredo,tambm apresenta resultados de sua tese de doutorado no artigo Areforma do Estado e a descentralizao na rea da educao, ondedemonstra como os projetos financiados pelo Banco Mundial para aEducao Bsica, de modo particular, para o Ensino Fundamentalcontriburam para o processo de reforma e modernizao do Estado e

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    de suas instituies pblicas. A autora evidencia que a nfase na reformado financiamento e da administrao das instituies educacionaisarticulada reforma do Estado, tem como uma das estratgias adescentralizao.

    No artigo Polticas Sociais e Estado burgus no Brasil, omestrando Celso Hotz, analisa a incorporao e a alterao das funespelo Estado burgus, na passagem do capitalismo concorrencial aomonopolista, a partir de tenses e conflitos das classes sociais existentese das fraes que as compem e do movimento global do capitalismocontrolado pelo seu ncleo hegemnico. O autor chama ateno paraa implementao de polticas sociais cada vez mais focalizadas, tendoa educao como estratgia ideolgica pautada na eqidade, na justiasocial e no alvio da pobreza, principalmente nos pases perifricos.

    Cludio Afonso Peres, tambm mestrando do Programa, emseu artigo Educao Superior e sociedade: a mediao do Estado aservio do mercado, preocupa-se com a identificao das relaes demediao do Estado com a educao superior e com a sociedade, comnfase nas questes econmicas que norteiam as polticas educacionaise atendem aos interesses do mercado. Ao analisar as mediaes doEstado frente ao Ensino Superior, Peres procura identificar como estainstituio atua nos momentos de crise para estabelecer as mediaesnecessrias em cada momento, visando manuteno das relaescapitalistas de produo.

    No artigo, Ensino, pesquisa e extenso na Universidade, oprofessor do Programa de Ps-Graduao em Educao da Unioeste,Paulino Jos Orso, realiza uma discusso em torno do trip que sustentaa universidade - ensino, pesquisa e extenso - e evidncia que, paracompreender sua qualidade, suas condies, bem como seus desafios,faz-se necessrio trazer presente a organizao social, sua forma deorganizao e a produo da vida material.

    O professor da Universidade de So Carlos, Joo VirgilioTagliavini no artigo CAPES, LATTES, QUALIS: o homo academicus entreaforismos e desaforismos discute a necessidade de realizao constanteda avaliao do ensino superior, principalmente interna, porm semdesconsiderar as relaes mais gerais, em especial nas instituiespblicas, em razo dos princpios constitucionais da publicidade,transparncia e controle dos gastos pblicos pela populao. Mas, oautor tambm trata das repercusses dos chamados indicadoresde avaliao sobre a academia e discute sobre o chamado produtivismoquantitativista e suas implicaes sobre a hierarquia no interior daacademia.

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    10A Professora do Programa de Ps-Graduao em Educao da

    Unioeste, Maria Lucia Frizon, no artigo O Projeto Revolucionrio e acriao da Universidade Bolivariana da Venezuela trata dos aspectoshistricos e conjunturais que ajudam a compreender a emergncia doprojeto revolucionrio bolivariano e identificar as razes que levaram criao dessa universidade como uma alternativa de formao em nvelsuperior.

    No artigo As tipologias de partidos polticos e suas implicaeseducativas, de autoria de Gilmar Henrique da Conceio, professordo Programa, o partido poltico apresentado como agente educativo.Nesse artigo, so apresentadas as concepes fundamentais queorientam a prtica poltica dos partidos polticos a partir doentendimento de que os problemas da educao brasileira so maispolticos do que tcnico-pedaggicos. Seu objetivo abordar aspectosque tratam das idias, conceitos e valores que indicam os parmetros(esquerda, direito e centro) e as tipologias partidrias, uma vez queso os partidos que elaboram a poltica educacional que atingem osdiferentes nveis de ensino.

    O professor Gilmar Henrique da Conceio tambm escrevejunto com o mestrando Mario de Jesus Barboza o artigo Partido Polticoe democracia burguesa: alguns contrapontos entre a escola marxista e aescola weberiana, em que discutem uma questo que consideramextremamente atual: a questo do programa e do partido recolocadano incio do sculo XXI. Os autores partem do pressuposto de que acompreenso do pensamento de Marx e Weber pressupe a clarezade que suas formulaes esto vinculadas ao contexto poltico,econmico, social e cultural do seu tempo, mas que em alguns aspectoscontinuam atuais e podem, deste modo, ajudar a compreender questespostas na contemporaneidade.

    Finalmente, no texto A escola de estado na perspectiva marxistaos professores da Universidade Federal de So Carlos, Amarilio FerreiraJr. e Marisa Bittar, discutem a trajetria histrica que a escola deEstado percorreu no mbito da chamada civilizao ocidental,considerando os percalos que ela teria sofrido desde a AntigidadeClssica grega at a segunda metade do sculo XX.

    Cascavel, novembro de 2008.Os Organizadores.

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    PARA UM EXAME DAS RELAES HISTRICAS ENTRE

    CAPITALISMO E ESCOLA NO BRASIL: ALGUMAS

    CONSIDERAES TERICO- METODOLGICAS (*)

    Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier 1

    A preocupao bsica que vem norteando o meu trabalho depesquisa a de operar uma espcie de reviso historiogrfica, a partirda identificao e da tentativa de superao de alguns vieses presentesna anlise histrica da educao brasileira, e que se devem adeterminadas tendncias, que marcaram e vm marcando a nossahistoriografia educacional.

    De um modo geral, eu diria que h duas grandes tendnciasnessa rea. A primeira delas a que poderamos chamar de tradicional. aquela que concebe o educacional como uma esfera autnoma darealidade e, muitas vezes, como a esfera hegemnica dentro dessarealidade, determinante dos seus rumos e da sua evoluo. Encontra-se, nessa produo historiogrfica, uma mescla de traos positivistas,expressos na preocupao com a descrio e a documentao de fatos,e de traos idealistas, revelados numa interpretao voluntarista doprocesso histrico, centrada nos grandes acontecimentos e nas grandespersonalidades. Quando busca colocar-se numa perspectiva crtica,essa tendncia apela noo do transplante cultural que, em ltimainstncia, seria responsvel pelas inadequaes de nossa realidadeeducacional em relao s reais necessidades do pas. E o transplantecultural explicado, nessa tica, como um resqucio da dominaocolonial, transformado em hbito arraigado, ou, na tentativa de avanarna crtica, como um hbito incrementado pela internacionalizaoeconmica e cultural, promovida pelo avano capitalista.

    A outra grande tendncia parece ser aquela que teve o seuapogeu nos anos 1970 e marca, at hoje (**), a nossa produohistoriogrfica no mbito da educao. Caracteriza-se pela tentativade explicar a realidade educacional brasileira, a partir de uma concepoapriorstica de nossa sociedade e do que toma como suas necessidadesreais. Funda a sua anlise em um paradigma capitalista, em um modelouniversal de sociedade e de escola capitalista e, portanto, em uma

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    concepo de funes tpicas e de relaes supostamente necessriasentre escola e ordem econmico-social capitalista.

    Essa tendncia manifestou-se, e ainda se tem manifestado comoo resultado de duas diferentes vertentes, inspiradas em formulaesde nossa filosofia da educao. Em primeiro lugar, aparece como oresultado da sobrevivncia e da difuso das concepes escolanovistas,que produziram uma interpretao, tornada corrente no senso comum,de que a nossa escola estaria defasada em relao s necessidadesgeradas pelo avano do capitalismo, e isso a transformaria na principalresponsvel pelo atraso do pas. Segundo essa perspectiva, assimcomo h um modelo de sociedade capitalista, h uma escola tipicamentecapitalista, que viabiliza a realizao desse modelo. A pobreza e aextrema desigualdade social seriam, em nosso pas, o resultado deuma realizao lenta e imperfeita desse ideal de sociedade, na ausnciada colaborao de uma escola adequada, instrumento privilegiadode progresso e de reforma social. Na anlise histrica, so esses ospressupostos que se encontram, por exemplo, na base dasinterpretaes que apontam para um suposto conflito, iniciado nosanos 1920 e 1930, entre dois modelos de escola, um conservador eelitista, e outro moderno e democrtico, que expressaria um conflitoentre a oligarquia rural e a burguesia industrial. Admitida essa espciede interpretao, seramos forados a concluir, equivocadamente, quea burguesia industrial ainda no teria conquistado o poder no Brasil.

    Essa segunda tendncia, que poderia ser denominada modelarou paradigmtica, aparece ainda, e contraditoriamente, como umresultado da assimilao da crtica marxista escola capitalista, atravsdas chamadas teorias crtico-reprodutivistas. Expressa-se na tentativade entender a escola brasileira como um aparelho reprodutor da ordemvigente, e tambm incorre no vezo de universalizar as necessidadesescolares geradas pelo capitalismo, atribuindo nossa escola funesvitais na massificao da ideologia dominante e na formao dapopulao para o trabalho e/ou para o consumo. Segundo essa tica,numa sociedade capitalista, a passagem da populao pela escola essencial para a reproduo das classes sociais, por via da distribuiodiferencial do conhecimento, e para a manuteno da hegemoniaburguesa, atravs da persuaso ideolgica. Se levada a srio essaespcie de interpretao, parece surpreendente a aparente solidez docapitalismo e do Estado burgus no Brasil. Na anlise histrica, essatendncia tem se traduzido na pretenso de uma releitura da histriada nossa escola, que desvende as suas funes enquanto aparelho de

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    Estado, mesmo num perodo em que sequer se podia falar em EstadoBrasileiro, como no perodo colonial, e mesmo que as evidnciasdocumentais e empricas insistam em revelar a pouca importnciaconcedida pelo Estado escola, popular ou de elite, ao longo da nossahistria.

    No mbito de nossa filosofia da educao, vem se constituindo,recentemente, uma nova vertente, que ainda no se refletiu diretamenteem nossa produo historiogrfica (***), e provavelmente no o faa,j que parece justamente secundarizar, se no dispensar, a anlisehistrica, na discusso da problemtica educacional brasileira. aquelaque, inspirada ainda no marxismo, e denominando-se histrico-crtica,pretende superar concepes reprodutivistas e economicistas daescola, atravs de uma crtica da crtica. Para tanto, procuraempreender, pela via terica ou conceptual, a explicitao e a depuraodo modelo marxista de anlise e, atravs dele, do materialismo dialtico,trazer luz o carter contraditrio da escola, a um s tempoconservador e transformador, denunciando a funo ideolgica dasconcepes que negam ou escondem esse potencial emancipador. E,permanecendo no mbito do que poderamos chamar de dialtica deidias, prope uma nova didtica, um novo currculo, uma novamodalidade de administrao escolar e uma nova escola pblica, quemaximizem o carter transformador da educao formal, como seessa fosse apenas uma questo interna da organizao escolar,condicionada conscincia e vontade dos seus agentes. Em outraspalavras, discute a questo como se o predomnio da funoreprodutora ou da funo transformadora da escola no fosse oresultado de determinaes econmicas, polticas e sociais, que abarcame ultrapassam as intenes e os projetos dos nossos filsofos eeducadores. Essa perspectiva acaba, ao contrrio do que pretende,por levar a nossa reflexo educacional de volta ao tratamento autnomoda questo da escola, numa abordagem terica, universalista e intra-escolar, tpica das concepes tradicionais e escolanovistas. Acaba,ainda, por induzir a uma concepo voluntarista da prtica escolar;uma prtica que, sem o respaldo de um diagnstico e de um projetosolidamente assentados numa leitura histrica, fracassa em suasintenes transformadoras e colabora com a reproduo.

    Isso significa que, traduzido em um materialismo mecanicista,nas abordagens crtico-reprodutivistas, ou em um voluntarismoidealista, tal como vem se revelando na proposta histrico-crtica, ouseja, conciliando-se com os traos caractersticos, ou, melhor dizendo,

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    deixando-se absorver pelas tendncias tradicionais de nossahistoriografia, o materialismo histrico parece no ter logrado instalar-se plenamente e alterar efetivamente os rumos da nossa pesquisaeducacional. A realidade atual da produo terica no mbito da histriada educao brasileira revela, portanto, a precocidade da crtica,inspirada nas postulaes da chamada Nova Histria, que se insurgecontra a camisa de fora que o pensamento marxista teria imposto nossa anlise educacional. Essa mesma realidade expe ainda oanacronismo daquela crtica, produzida pelo rano acadmico positivista,que insiste em distinguir as reas da economia, da sociologia e dahistria, denunciando supostos economicismos ou sociologismos nasescassas e frteis tentativas de anlise scio-histrica da nossa educao,no raro identificando-as como abordagens poltico-ideolgicas.Vanguardistas ou anacrnicas, essas crticas historiogrficas (comose pretendem) coincidem no repdio suposta ideologizao da anlisehistrica da educao brasileira, e tal como os reprodutivistas e osdialticos o fazem de modo diferente, a seu modo tendem a levar apesquisa de volta memria escolanovista.

    Superar as indiscutveis insuficincias e as deficincias queverificamos nesse mbito do nosso conhecimento implica, no momento,avanar na compreenso das possibilidades e das implicaes domaterialismo histrico, enquanto referncia terico-metodolgica paraa investigao histrica da educao brasileira. Os desvios queverificamos nas crticas e nas anlises que, inspiradas no marxismo,se difundiram em nossos meios acadmicos e educacionais, parecemdever-se basicamente desconsiderao da dimenso histrica dascategorias de anlise que esse pensamento produziu e produz. Nopode ser outra a explicao para as abordagens paradigmticas, quedistanciam a nossa produo terica da realidade concreta e, noobstante a sua inteno transformadora ou revolucionria, acabamalienando a nossa conscincia educacional e a nossa prtica pedaggica. preciso considerar que a anlise marxista e mesmo a leninista, queavana na compreenso do capitalismo em sua fase imperialista, norespondem satisfatoriamente a questes cruciais relativas aocapitalismo, tal como se manifesta nas formaes sociais ditasperifricas, dentro do sistema capitalista mundial. No permitem acompreenso plena do processo de constituio e funcionamentodessas sociedades capitalistas dominadas; e, no o fazendo, poucorevelam sobre questes, particularmente relevantes quando se investigae se reflete sobre a problemtica educacional, como aquelas que dizem

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    respeito s suas vias prprias de avano e s suas possibilidadesobjetivas de transformao. E isso acontece porque, assim como asanlises de Marx sobre a constituio, o funcionamento e o avanodas sociedades capitalistas, as anlises de Lenine sobre as razes e asimplicaes da dominao imperialista foram efetuadas na perspectivadas sociedades hegemnicas. No chegam a captar, portanto, asingularidade do desenvolvimento capitalista perifrico e a especificidadede suas implicaes polticas e culturais.

    Uma retomada dessas anlises, na perspectiva das sociedadesdominadas, revela uma noo particular, derivada da noo deimperialismo, que a da dependncia estrutural. A dependnciaestrutural o resultado, na sociedade dominada, do imperialismo quese manifesta na sociedade dominadora. Essa nova categoria, que sedesdobra de modelos clssicos e j se incorporou h dcadas nossaanlise sociolgica, parece ainda no ter fertilizado a nossa pesquisaeducacional. por a, ao que tudo indica, que deve se iniciar a nossatrajetria rumo compreenso dos determinantes gerais do modo deproduo capitalista, na direo do desvendamento das determinaesparticulares e histricas da sociedade que temos como objeto. Essasdeterminaes, sem dvida complexas, j que se produzem como oresultado da sntese de fatores internos e externos, manifestam-se noconjunto da sociedade brasileira, desde as relaes econmicas spolticas e culturais. dessa tica que devemos comear a examinar aproduo das ideologias educacionais e da realidade escolar brasileira,superando as anlises que as concebem autnomas ou como produtosimediatos dos transplantes culturais, assim como as interpretaesque, partindo de pressupostos liberais ou marxistas, permanecem nombito dos modelos e deduzem funes gerais da escola, ao invs deinvestigarem as suas funes peculiares, numa sociedade capitalistasingular como a nossa. Colocando-nos em nossa perspectiva, umaperspectiva histrica, somos levados a uma nova apropriao dascategorias do materialismo histrico e a uma compreenso de nossasociedade diversa daquelas a que as dedues, a partir das leis geraisformuladas pelo pensamento marxista, tm induzido filsofos ehistoriadores da educao, em nosso pas. esse, parece-me, o caminhoque se impe, diante da constatao da rigidez que as abordagensparadigmticas impuseram s nossas investigaes e do academicismoa que condenaram os nossos debates educacionais, e no a decretaoprecoce da falncia do materialismo histrico, enquanto instrumentode anlise, ou o seu repdio em nome da desideologizao da pesquisa

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    histrica. Um repdio embutido na crtica epistemolgica ranosamentepositivista e explcito no ps-marxismo para onde se lanouentusiasticamente o anti-marxismo entrincheirado em nossos meiosacadmicos educacionais.

    Diante do quadro geral de nossa produo historiogrficaeducacional, parece extremamente frtil a adoo da noo dadependncia estrutural, como uma nova categoria de anlise para ainvestigao histrica. Assim como parece inevitvel a concentraodessa investigao no exame das estruturas, sem descartar o examedas instncias que medeiam a determinao das estruturas sobre arealidade educacional, enfatizando justamente o processo de produoe expresso da conscincia educacional dos sujeitos polticos, querefletem e reagem s determinaes estruturais. Saindo do mbito dadialtica de idias, impossvel desconsiderar o carter histrico desseprocesso de ao das estruturas e de reao dos sujeitos, numamanifestao concreta, particular e peculiar, das relaes entre sujeitose condies objetivas. Por outro lado, no se deve confundir essanfase no exame das estruturas na produo da realidade educacionalcom a nfase, tpica das concepes mecanicistas, no papel dasestruturas na produo daquela realidade. Se preciso evitar o vis doideologismo, que reduz a anlise histrica ao estudo dos sujeitos,tambm urge no cair em um economismo, que centre o movimentohistrico nas condies dadas. Mas a pesquisa educacional brasileirano tem seno recentemente se ocupado com a questo das estruturas,como revelam as tendncias que predominam no mbito da nossahistoriografia educacional, desistoricizando-as numa abordagemmodelar, que acusa a sobrevivncia dos positivismos e dos idealismos,ainda que travestidos de marxismos. , portanto, porque predominamem nossos estudos histricos tendncias que privilegiam a ao dossujeitos sobre um pano de fundo, um cenrio emprestado das teoriase dos paradigmas econmicos e sociolgicos, que devemos nos ocuparparticularmente com o exame das nossas condies materiais deexistncia.

    Na inteno de ultrapassar as tendncias presentes em nossapesquisa e superar os equvocos que vm se cristalizando em nossaliteratura e em nossa prtica educacional, venho recentementeencaminhando as minhas investigaes no sentido da reconstituiodo percurso material e ideolgico do capitalismo no Brasil. Isso metem permitido confrontar os paradigmas que o liberalismo e a prpriacrtica marxista acabaram por forjar, com a realidade que me interessa

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    desvendar. A partir da, parece possvel efetivamente entender e explicaras necessidades educacionais que concretamente emergiram, asideologias e os discursos educacionais produzidos, a legislaoeducacional elaborada e a prtica escolar desenvolvida no pas. Essatentativa de reconstituio e esse ensaio de interpretao tiveram comoponto de partida o exame do processo brasileiro de industrializao eda revoluo burguesa que o sustentou. Foi de importncia estratgicaque as investigaes se iniciassem pelo perodo que se estende dosanos 30 aos anos 60. O capitalismo brasileiro a se consolidou,revelando os seus traos e as suas tendncias particulares. Esse exameilumina a anlise do perodo anterior, na medida em que fornece pistaspara a leitura histrica das formas peculiares de penetrao das relaescapitalistas no Brasil que, por sua vez, sustenta a compreenso dosrumos e dos traos definitivamente configurados na fase final deconsolidao da ordem capitalista nacional. Respalda ainda a, anlisedo perodo posterior, o da realidade contempornea, favorecendo odesvendamento das suas tendncias de desenvolvimento e das suaspossibilidades objetivas de avano e transformao.

    No foi por acaso que grande parte da produo acadmica, nombito da histria e da filosofia da educao, nos frteis anos 70 e 80,concentrou-se nesse perodo. Realizaram-se, contudo, estudos parciaise fragmentados, que no raro tm induzido simplificaes e equvocosna anlise educacional. Apesar de seu indiscutvel valor para ainvestigao histrica que busca a identificao dos determinantes danossa realidade educacional, esses estudos tendem a abordar questes,como a do conflito entre educadores catlicos e renovadores, a doconfronto entre partidrios da escola privada e defensores da escolapblica e a dos debates em torno de projetos de leis educacionais, apartir do exame de matrizes doutrinrias, de modelos societrios e deinteresses poltico-partidrios, desenraizando-as do contexto materialem que se produziram. A concentrao dos estudos desse perodo noexame das estruturas historicamente constitudas, sob as determinaesimpostas pelas relaes capitalistas engendradas em mbito mundial,permitiu apreender essas questes em uma totalidade que lhes confereoutra dimenso e novo significado.

    As investigaes realizadas sob essa tica revelam que, ao longodo perodo em questo, o capitalismo brasileiro se consolidou, napassagem para a fase industrial, as bases de uma ideologia educacionalforam assentadas no movimento pela reconstruo nacional e o nossosistema de ensino sofreu uma reorganizao que lhe definiu a prpria

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    estrutura. Faces de um mesmo processo, esses acontecimentoslanaram as bases e marcaram os rumos da nova sociedade brasileira.Buscar a compreenso das discusses, dos projetos, das realizaeseducacionais e das ideologias subjacentes em doutrinas e em embatespolticos to ineficiente quanto tentar entender o capitalismo brasileiroa partir de um paradigma de desenvolvimento capitalista. Uma visode conjunto da evoluo do pensamento e da legislao educacional,no perodo da consolidao das relaes capitalistas no Brasil, acabarevelando o modo pelo qual os mesmos fatores que determinaram osrumos do desenvolvimento econmico-social do pas condicionaram arenovao da cultura e da educao nacional.

    Segundo os paradigmas econmicos e sociolgicos, aindustrializao um processo pela qual o modo de produo capitalistase constitui plenamente numa determinada formao social, j que omomento em que o capital atinge a rea da produo, revoluciona asforas produtivas e altera globalmente a ordem vigente. No Brasil,esse processo veio consolidar o capitalismo dependente, adequando-se s estruturas geradas pelas formas primitivas de dominaocapitalista que, como apndice das formas avanadas da dominaocapitalista internacional, se instalaram no perodo colonial e sereproduziram, em diferentes ciclos, atravs de sculos. Foi o resultadoda conjugao de fatores internos e externos, ambos ligados superaohistrica da primeira diviso internacional do trabalho, que transformaraas economias perifricas em produtoras de gneros agrcolas econsumidoras de manufaturados. Passava a interessar, ento, aos poloshegemnicos do capitalismo internacional, transformar as economiasperifricas em produtoras de bens industriais de consumo econsumidoras dos chamados bens de capital, numa nova diviso dotrabalho em mbito mundial. Fruto da conjugao dessas injunesexternas com determinaes internas, que expressavam aquelasuperao na falncia do modelo agroexportador, a industrializaobrasileira acabou se processando antes que todos os elementosnecessrios, ainda segundo os paradigmas econmicos, estivessempresentes internamente, o que vinha confirmar, renovar e consolidar ocarter dependente das suas estruturas. A industrializao da economiabrasileira se operava peculiarmente, na ausncia de uma produo eum desenvolvimento cientfico e tecnolgico endgenos, na ausnciade mecanismos formais ou informais de capacitao de mo-de-obrapara as novas atividades e na ausncia de um mercado internosignificativo ou suficiente para sustentar o crescimento industrial. Da

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    a necessidade do recurso importao de tecnologia e, para tanto, decapitais; importao de mo-de-obra, ao menos na fase inicial; e aomercado externo, tendncia que se cristalizar com o esgotamento dochamado modelo de substituio de importaes. A primeiranecessidade se perpetuaria, j que se constituir, a partir de ento epelas prximas dcadas, no modo pelo qual o pas passava a se integrarnas relaes capitalistas internacionais. A segunda seria contornadacrescentemente por mecanismos de treinamento, predominantementefora da escola; e, em consequncia dos compromissos assumidos noprocesso de endividamento externo, a soluo exportadora crescer,apesar da extrema concentrao de renda acabar permitindo que ummercado interno limitado sustentasse alguns setores da produoindustrial.

    Nessas condies peculiares, restringiu-se drasticamente aampliao social do avano econmico, representado pelaindustrializao, que no alterou radical e globalmente a ordem vigente.As contradies internas, inerentes a essa fase de consolidao daordem capitalista, que derivam do processo de superao e/ourearticulao do velho sob o novo, expressando a tenso continuidade/descontinuidade do processo histrico, agravaram-se sob o efeito dascontradies externas, produzidas pela dependncia em relao aocapital internacional. Isso retardou e limitou o processo de superaodo velho, fazendo predominar a continuidade, ou a rearticulao dovelho sob o novo, sobre a ruptura, que se expressa na superao dovelho pelo novo. A nova ordem, assim constituda, alimentava-se dadesigualdade regional do avano, que favorecia a obteno de matrias-primas e de mo-de-obra baratas; acomodava-se desigualdade social,dispensando a ampliao do mercado interno para o crescimento; emantinha o atraso ou o descompasso cultural, recorrendo ao transplantede tecnologias. Essa espcie de acomodao s desigualdades acabariapor agrav-las e a produzir, contraditoriamente, crescimento econmicoe misria social, atravs da marginalizao de grandes contingentespopulacionais do consumo e da prpria produo de bens. 0 rpidoavano tecnolgico propiciado pela importao tenderia crescentementea reduzir a incorporao de mo-de-obra, antes que outros mecanismosde absoro estivessem desenvolvidos, gerando o subemprego no setortercirio e o inchao do servio pblico. Esse avano, que se viabilizoupela mediao do Estado, conciliador de interesses externos e internos,e por via da criao de condies artificiais de crescimento, produziue estimulou uma conscincia burguesa internacionalista e clientelista.

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    A manuteno do nosso histrico superprivilegiamentoeconmico tambm acabou exigindo a conservao dosuperprivilegiamento poltico, que se expressaria em regimes anti-democrticos, abertamente autoritrios, em momentos de mobilizaoda classe trabalhadora, e formalmente democrticos, em ocasies depaz social ou naquelas em que a mobilizao popular conquistavafora de barganha, frente a crises econmicas e dissidncias no poder.No mbito cultural, a revoluo burguesa nacional conservou eperpetuou a tendncia academicista e literria, gestada na sociedadeagrria, patriarcal e escravista. Contriburam para isso as dificuldadesinternas de superao do atraso cientfico, dado o salto qualitativo queimplicava o desencadeamento de um processo de absoro ativa dosmodos de conhecer e de produzir importados, assim como osinteresses externos, diretamente econmico e poltico-ideolgico, namanuteno dos transplantes na forma de absoro passiva. Acelerouainda a incorporao do iderio liberal, num processo eficiente derearticulao ou de acomodao de suas matrizes s condiesparticulares da dominao capitalista vigente no pas, conforme seiniciara j no perodo colonial.

    Como no poderia deixar de ser, as caractersticas peculiaresdessa ordem capitalista geraram exigncias educacionais particulares.No discurso, como nos plos hegemnicos, a escola apontada comofonte de progresso e de justia social; como produtora de riqueza,atravs da produo cientfica e tecnolgica, e como meio de ascensosocial sustentada no mrito ou na competncia pessoal. Esse discursolegitimava, como ainda legitima, a ordem capitalista como o estgiomais avanado de organizao da vida social, apesar dos desvios quepoderia sofrer, na ausncia de uma escola nica, universal e gratuita,que os previna e os corrija, quando dados. Na prtica, no entanto, aescola brasileira passa a ter a tarefa precpua de modernizar a educaoda elite, para prepar-la mais eficientemente para o comando, numasociedade mais complexa e contraditria. No se tratava, portanto, defornecer s classes dominantes, como fazia a escola nas sociedadeshegemnicas, o domnio exclusivo da cincia, e classe dominada otreinamento na utilizao dos recursos tecnolgicos. Tratava-se, sim,de fornecer aos quadros dirigentes das classes dominantes umamentalidade moderna, uma cultura geral slida e habilidades intelectuaisque lhes permitissem desempenhar a tarefa de impor as novas formasde produo e as novas relaes de trabalho, em condies favorveis explorao externa e explorao interna da populao. Como funo

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    complementar e secundria, esperava-se que a escola qualificasse amo-de-obra, dentro dos limites impostos pela dimenso de nossoparque industrial e da prpria oferta de trabalho, restrita pela crescentesofisticao tecnolgica. Nas economias dominantes, o avanotecnolgico e a consequente reduo da absoro e da necessidade dequalificao, em grande escala, da mo-de-obra industrial, j voltava aescola para a tarefa de formao do cidado, reforando o seu papelna produo e difuso de ideologias, na formao do consumidor e nopreparo genrico do trabalhador para as atividades do setor tercirioda economia. Em nosso pas, a soluo para o problema da qualificaoda mo-de-obra se expressaria em medidas de cunhopredominantemente conciliador e demaggico, ou mais propriamente,de carter poltico-ideolgico, como a criao de um ensino mdioprofissionalizante, ineficiente e inadequado s necessidades e spossibilidades da classe trabalhadora, e em medidas pragmticas comoa criao do sistema paralelo de formao profissional, organizado emantido pelas empresas, segundo os seus interesses e as suasnecessidades.

    As discusses, as propostas e a legislao educacional doperodo que se estende dos anos 1930 aos anos 1960 confirmamessas necessidades e essas prioridades. O discurso Pioneiro,particularmente o que se expressou no chamado Manifesto, proclamavae abandonava gradualmente a bandeira da produo e do ensino dacincia e da tecnologia pela valorizao da cultura geral slida eerudita, concluindo com a nfase na prioridade absoluta dos ensinossecundrio e superior, cuja promoo parecia consubstanciar-se nacriao da decantada Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras. Asreformas educacionais empreendidas pelos ministros Francisco Campose Gustavo Capanema, nas dcadas de 30 e 40, que construram osistema nacional de ensino no pas, cuidaram basicamente dareorganizao e da sofisticao dos nveis mdio e superior, mantendoe aprimorando o seu carter literrio e bacharelesco. Os ensinosprimrio e normal, aparentemente secundarizados, foram os ltimosa atrair a ateno do poder pblico e a sofrer a reorganizao legal. Acriao de um ensino mdio tcnico-profissional que, da forma comofoi concebido e se concretizou, desvinculado das exigncias dasatividades econmicas concretas e com uma durao que inviabilizavaa frequncia da classe trabalhadora, foi compensada pela criao dosistema paralelo de formao profissional, o SENAI e o SENAC.

    Verificou-se, a partir de ento, uma expanso ininterrupta do

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    ensino mdio acadmico, acompanhado de um relativo crescimentoda oferta de ensino superior, contrastando com a precariedade daexpanso da escola primria. A luta pela privatizao do ensino, quevenceu a campanha pela sua publicizao efetiva, no texto da LDB,para onde desembocaram os debates, trouxe a tona mais uma vez ohistrico compromisso de nosso poder poltico com a educao deelite. Um compromisso que se desvenda, ao cabo das investigaes,como o produto e o reforo das formas historicamente assumidaspela dominao capitalista no Brasil, do modelo agroexportador aomodelo urbano-industrial, fase do capitalismo dependente eexcludente que aqui se instalou, sob regimes autoritrios oudemocracias restritas, e que prospera, apesar e custa da misriasocial e cultural que vem engendrando.

    Redirecionada por uma nova abordagem tericometodolgica,a pesquisa histrica permitiu definir o perfil do liberalismo educacionalque fundou a constituio de nosso sistema nacional de ensino eimpregnou o pensamento educacional brasileiro, a partir dodesvendamento do perfil da prpria ordem econmico social que seconfigurou no pas. Isso implicou um rastreamento da trajetria docapitalismo brasileiro, da arrancada nacional desenvolvimentista consolidao do modelo de desenvolvimento associado, fundamentodos movimentos e das reformas educacionais dos anos 1930 e 1940,e palco dos debates em torno da Lei de Diretrizes e Bases da EducaoNacional, que definiram a poltica educacional no processo deredirecionamento da poltica de expanso industrial, nos anos 1950 e1960. Superam-se, assim, as interpretaes equivocadas e osjulgamentos histricos apressados a propsito do significado dasrealizaes educacionais desse perodo, ou dos desvios de rota quea se teriam revelado.

    O iderio escolanovista nacional, apesar das interpretaestradicionais, que tendem a apresent-lo como um produto incuo dotransplante cultural, e da prpria memria histrica que legou, ondefigura como a face progressista e adequada da conscincia educacionalnacional, subjugada pelo conservadorismo recalcitrante e atrasado,no representou seno a consubstanciao de um liberalismoeducacional peculiar que atendia s exigncias e refletia, at mesmoem seu discurso democrtico e em sua prtica elitista, as contradiesparticulares do avano capitalista brasileiro. As reformas educacionaisempreendidas a partir de ento, no pas, entendidas na tica tradicionale explicadas no discurso escolanovista como produtos dos interesses

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    imediatos das classes dirigentes, autoritrias, fascistas ou anti-democrticas, e de interesses particulares privatistas, interpretaesque hoje se reforam nas abordagens reprodutivistas e mecanicistas,nada mais intentaram seno concretizar as postulaes bsicas donovo iderio, operando as transformaes necessrias adequaodo sistema educacional ordem que se consolidava.

    As aparentes mudanas de rumo ou desvios do pensamentoe da poltica educacional, desde ento, refletiram e refletem ascontradies inerentes e o prprio avano do processo de rearticulaodos princpios doutrinrios que acompanham as mudanas concretasnas relaes econmicas e polticas no pas. Continuando nesse rumode investigaes, parece indispensvel avanar no desvendamento dopercurso, particular e convergente, da conscincia educacional modernae do capitalismo dependente no Brasil, da reao conservadora de 64,que destruiu as resistncias nacionalistas e populares ao modeloefetivamente consolidado, chamada abertura democrtica. operodo em que o pensamento, a legislao educacional e a escolabrasileira passam por um processo de tecnicizao e de expansocontrolada, que contraditoriamente, negam e reforam o iderio liberal.

    NOTAS

    * Este texto foi produzido no final da dcada de 1980, e publicado, em 1993, nos Cadernos da EscolaPblica. Braslia. SINPRO, n1, pp. 5-23.

    (**) Incio da dcada de 1990.(***) Referncia dcada de 1980.

    REFERNCIAS

    XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado. Poder poltico e educa-Poder poltico e educa-Poder poltico e educa-Poder poltico e educa-Poder poltico e educa-o de eliteo de eliteo de eliteo de eliteo de elite. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1980.

    . Capitalismo e escola no BrasilCapitalismo e escola no BrasilCapitalismo e escola no BrasilCapitalismo e escola no BrasilCapitalismo e escola no Brasil. Campinas : Papirus, 1990.

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    LIBERALISMO EDUCACIONAL:

    O RECEITURIO DE MILTON FRIEDMAN

    Roberto Antonio Deitos

    1. INTRODUO

    Neste texto1 analiso uma tendncia do liberalismo a partir dasproposies de Milton Friedman. Examino o liberalismo educacionalexpresso na obra Capitalismo e Liberdade e algumas das proposiesdo autor sobre o papel do governo na educao, especialmente asproposies gerais para a educao. Tais proposies revelam ospressupostos para a implementao de uma poltica educacional liberale demonstram como deveriam ser organizadas as polticas sob adireo estatal para os nveis educacionais: primrio, secundrio,profissional e superior. Muitas dessas proposies contam comassimilaes e aproximaes em formulaes que vertem naimplementao e nas diretrizes educacionais nacionais nos diversosnveis de ensino e em argumentos polticos e ideolgicos apresentadospara a poltica educacional brasileira.

    As consideraes que aqui apresento tratam de uma tendnciaideolgica do liberalismo educacional que historicamente influencioutendncias ideolgicas da educao brasileira. Trata-se, portanto, datendncia ideolgica do liberalismo, vertida a partir do pensamento deum dos seus expoentes, ou seja, da figura e expresso terico-ideolgicade Milton Friedman. Desse modo, neste artigo, tomo, como refernciaparticular, a obra Capitalismo e Liberdade para analisar as proposiesliberais apresentadas pelo autor, considerando que as proposiesapresentadas nesta obra so a expresso de uma tendncia ideolgicada poltica educacional que revela as premissas liberais, as quais,segundo Milton Friedman, seriam as mais radicalmente clssicas efrteis para a gesto do capitalismo, do mercado e, conseqentemente,da poltica educacional.

    1 Publicado originalmente na Revista Cincias Sociais em Perspectiva. Universidade Estadual doOeste do Paran - Centro de Cincias Sociais Aplicadas - Campus de Cascavel. Cascavel, PR:Edunioeste, vol. 06, n. 10, jan./jun.2007, p. 137-147.

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    Neste artigo priorizo a anlise das proposies apresentadaspelo autor sobre o tratamento dado poltica educacional,particularmente as proposies para a educao primria, a secundria,a profissionalizante e a superior, retomando e ampliando a anlisesobre o liberalismo educacional expresso nas proposies de Friedman(Cf. DEITOS, 2002, 2003).

    2. AS ARTICULAES DA TENDNCIA LIBERAL DE MILTONFRIEDMAN

    Milton Friedman2 economista norte-americano e idelogo doliberalismo em sua verso conservadora da nova direita, notadamentede uma tendncia que sustenta proposies para as polticasimplementadas nas dcadas de 1980 e 1990 e nos dias atuais.

    Interessante contextualizar a articulao e a convergncia dosdois grandes nomes de uma tendncia liberal ultra-conservadora:Friedman e Hayek. Para Moraes, O grande nome da corrente neoliberal sem dvida Friedrich August von Hayek. Herdeiro da chamada escolaaustraca` de economia, o pensamento de Haeyk um descendentede Carl Menger e, parcialmente, de Von Mises [...] (1996, p. 122).Mas, ainda de acordo com Moraes, O personagem mais famosodesse enredo em certa medida, um astro da mdia Milton Friedman[...] (1996, p. 126).

    Friedman, portanto, na obra Capitalismo e Liberdade, de formamarcante, define-se como um liberal convicto, repudiando outrasverses do liberalismo, especialmente a tendncia ocorrida nos EstadosUnidos quando da implementao das polticas keynesianas,constituintes do chamado Estado de Bem-Estar Social, das quais crtico fervoroso, por entender que desfiguraram e romperam com atradio contra as quais tinha lutado o liberalismo clssico (Cf.FRIEDMAN, 1984, p.14). E, nesse sentindo, afirma:

    Devido corrupo do termo liberalismo, os pontos de vista que erampor ele representados anteriormente so agora considerados

    2 Como consumao e avano de sua tese conservadora, onde o binmio capitalismo e liberdadeso tomados como base originria do livre mercado, recebeu, em 1976, o Prmio Nobel deEconomia, exatamente no auge de um processo de crise do capitalismo. Para Miguel Colasuonno,apresentador de Capitalismo e Liberdade, na traduo para o pblico brasileiro, a obraCapitalismo e Liberdade (publicada em 1962) pode ser considerada o livro-sntese do pensa-mento de Milton Friedman.

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    frequentemente conservadorismo. Mas no se trata aqui de umaalternativa satisfatria. O liberal do sculo XIX era um radical nosentido etimolgico de ir at s razes das questes, e no sentido polticode ser favorvel a alteraes profundas nas instituies sociais. Assim,pois, deve ser o seu herdeiro moderno. No desejamos conservar ainterveno do Estado, que interferiu tanto em nossa liberdade, emboradesejemos, claro, conservar a que a tenha promovido. Alm disso, naprtica, o termo conservadorismo acabou por designar um nmero togrande de pontos de vista e pontos de vista to incompatveis um como outro que, muito provavelmente, acabaremos por assistir aonascimento de designaes do tipo liberal-conservadorismo earistocrtico-conservadorismo.

    Devido em parte minha relutncia em ceder o termo aos proponentesde medidas que destruiriam a liberdade e, em parte, porque no fuicapaz de encontrar uma alternativa melhor, tentarei solucionar essasdificuldades usando o termo liberalismo em seu sentido original comoo de doutrinas que dizem respeito ao homem livre (FRIEDMAN, 1984,p. 15).

    Fundado no que intitula de liberalismo clssico, o autor, em suatese central, sustenta o pressuposto-base da doutrina liberal,apresentada no primeiro captulo desta obra, como sendo a organizaoeconmica, ou seja, o mercado, consubstanciado no que chama decapitalismo competitivo, emergncia da propriedade privada. Emdecorrncia dessa concepo afirma que [...] s h dois meios decoordenar as atividades econmicas de milhes. Um a direo centralutilizando a coero a tcnica do Exrcito totalitrio moderno. Ooutro a cooperao voluntria dos indivduos a tcnica do mercado(FRIEDMAN, 1984, p. 21).

    A tese de que o mercado pode gerar a unanimidade entre osindivduos e regular suas relaes individuais e sociais o eixo centralda doutrina liberal preconizada por Friedman. Desse modo, Friedman,quando analisa o papel do governo numa sociedade livre, afirma que,

    Para o liberal, os meios apropriados so a discusso livre e a cooperaovoluntria, o que implica considerar inadequada qualquer forma decoero. O ideal a unanimidade, entre indivduos responsveis,alcanada na base de discusso livre e completa [...].

    Desse ponto de vista, o papel do mercado, como j foi dito, o depermitir unanimidade sem conformidade e ser um sistema de efetivarepresentao proporcional [...] (1984, p. 29).

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    Para Friedman a base central de toda a ordem social o mercado,compreendido como o regulador das vontades individuais e polticas.Nesse cenrio que aparece particularmente o Estado. Prescreve quea ao do governo se d, basicamente, como legislador e rbitro dojogo do mercado em situaes muito limitadas, quando o prpriomercado, por circunstncias denominadas tcnicas, estariamomentaneamente, impossibilitado de estabelec-las. Nesse aspecto,formula duas classes de casos em que essa situao pode ocorrer; osmonoplios e outras imperfeies do mercado e os efeitos laterais(Cf. FRIEDMAN, 1984, p. 31-34).

    Como conseqncia de uma economia de mercado e para asua apropriada manuteno em nvel internacional em bases tidas comoviveis, defende um mecanismo que considera importante:

    [...] um sistema de taxas de cmbio livremente flutuantes, determinadasno mercado por transaes privadas sem a interveno governamental.Esta a contrapartida apropriada do mercado livre para a norma monetria[...]. Se no a adotamos, falharemos inevitavelmente em expandir area do mercado livre e teremos que, cedo ou tarde, acabar por imporcontroles diretos cada vez mais amplos sobre o mercado [...](FRIEDMAN, 1984, p. 68).

    A defesa de um sistema de taxas de cmbio livremente flutuantespara determinar as relaes econmicas internacionalmente tambm apresentada por Hayek quando, ao criticar as polticas liberaiskeynesianas ao final da dcada de 1970, afirmava que Agora, noentanto, quando o sistema de taxas cambiais fixas parece ter entradoem colapso total, e h poucas esperanas no sentido de que aautodisciplina possa induzir alguns pases a se conterem, restamprecrias razes para se aderir a um sistema que j no surte efeitos[...] (HAYEK, 1985, p. 37).

    Esse mecanismo, apenas aparentemente monetrio, estfundamentado nos princpios bsicos do liberalismo e na manutenode sua organizao econmica central: a propriedade privada e omercado livre, como condio do esforo e da liberdade individual.Portanto a concorrncia efetiva que, segundo Hayek (1987), revelara melhor maneira de orientar os esforos individuais. Desse modo,esse pressuposto determinante e individualmente gerido pela livreatuao dos indivduos no mercado a base para as taxas de cmbiolivremente flutuantes entre e acima de Estados Nacionais e Naes,servindo efetivamente de mecanismo para contribuir com o controledas polticas e aes governamentais de qualquer Estado ou Nao no

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    mercado livre. Esse mecanismo, a que tudo indica, tem um efeito-chave na determinao das relaes econmicas e no enfraquecimentodos Estados Nacionais em relao ao processo de acumulao docapital. Tal processo favorece o desmonte de polticas sociais nacionaisem todas as reas, no momento em que os pases individualmenteno conseguem sobrepor-se, minimamente, frente s oscilaesfinanceiras e cambiais que desestabilizam as economias e favorecem o(neo)imperialismo na fase atual de desenvolvimento e acumulaocapitalista, coordenado hegemnica e ideologicamente pelos pasescentrais do capitalismo mundial, sob a liderana dos Estados Unidosda Amrica (EUA).

    3. O PAPEL DO GOVERNO NA EDUCAO

    Em Capitalismo e Liberdade, Friedman (1984) trata do papel dogoverno na educao, fazendo inicialmente uma distino entreeducao e instruo, afirmando que o governo em grande parte atende instruo. Trata de explicitar como entende o acesso educao e instruo, fazendo severas crticas ao do governo na oferta daeducao ou instruo pblica, o que considera uma extensoindiscriminada da responsabilidade do governo e, conseqentemente,do que entende por Estado capitalista.

    A interveno governamental no campo da educao pode serinterpretada de dois modos, o que constitui a base de seus pressupostospara a discusso e formulao de propostas nessa rea. Para Friedman:

    O primeiro diz respeito aos efeitos laterais, isto , circunstncias sob asquais a ao de um indivduo impe custos significativos a outrosindivduos pelos quais no possvel forar uma compensao, ou produzganhos substanciais pelos quais tambm no possvel forar umacompensao circunstncias estas que tornam a troca voluntriaimpossvel. O segundo o interesse paternalista pelas crianas e poroutros indivduos irresponsveis. Efeitos laterais e paternalismo tmimplicaes muito diferentes para (1) a educao geral dos cidados e (2)a educao vocacional especializada. As razes para a intervenogovernamental so muito diferentes nessas duas reas, e justificam tiposmuito diferentes de ao (1984, p. 83).

    Tomando estes dois pressupostos como referncia, o autor emquesto formula proposies sobre educao, instruo primria,secundria e superior, e trata da preparao vocacional e profissional.Analisando esses diversos nveis de educao, sugere decises que

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    deveriam ser tomadas para a sua realizao no campo da polticaeducacional liberal, afirmando: Nosso sistema atual de educao, longede igualar oportunidades, est fazendo muito provavelmente o contrrio.Torna cada vez mais difcil aos poucos excepcionaisaos poucos excepcionaisaos poucos excepcionaisaos poucos excepcionaisaos poucos excepcionais e elesconstituem a esperana do futuro erguer-se acima de sua pobrezainicial (FRIEDMAN, 1984, p. 89, grifo nosso).

    Friedman entende que um mnimo de educao geral aoscidados contribui de forma razovel para a aceitao de valores queconsidera indispensveis para a estabilidade de uma sociedadeconsiderada democrtica, leia-se regulada pelo capitalismo competitivo,compreendendo a iniciativa privada e, conseqentemente, o mercadolivre como elementos determinantes e indissociveis desse processo.Essa relao de troca voluntria entre os indivduos e o mercadonecessita de uma base elementar de conhecimentos elementares parafazer fluir a troca entre os indivduos e favorecer a circulao demercadorias. Portanto, para Friedman, estaria essa educao elementarcontribuindo, de modo geral, para o exerccio da cidadania numasociedade livre, leia-se sociedade aberta ou capitalista. O processoenvolvendo algum acesso ao conhecimento elementar no podeextrapolar os limites usufrudos nessa sociedade, consideradosestritamente como um substancial efeito lateral, defendendo que,apenas relativamente, o ganho social seria maior para os nveis maisbaixos da instruo, para os quais o governo poderia apresentarsubsdios temporrios e focalizados, jamais polticas sociais que possamter um carter permanente de direito social ou de acesso generalizado populao.

    3.1 A Instruo Primria

    Quanto instruo primria, defende, apenas relativamente, queo subsdio governamental deve ser aplicado em situaes justificadas,como famlias necessitadas, por exemplo, para que isso no interfiraintensamente no mercado, prejudicando a ao voluntria individual.

    Postula, portanto, que a soluo para a exigncia de um mnimode instruo e o correspondente subsdio governamental deveriaromper com o que denomina de nacionalizao das instituieseducacionais pelo governo. Essa nacionalizao, ele considera que afetaas empresas privadas que atuam nessa rea. Para tanto, prope que:

    O governo poderia exigir um nvel mnimo de instruo financiadadando aos pais uma determinada soma mxima anual por filho, a ser

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    utilizada em servios educacionais aprovados. Os pais poderiam usaressa soma e qualquer outra adicional acrescentada por eles prprios nacompra de servios educacionais numa instituio aprovada de suaprpria escolha. Os servios educacionais poderiam ser fornecidos porempresas privadas operando com fins lucrativos ou por instituies semfinalidade lucrativa. O papel do governo estaria limitado a garantir queas escolas mantivessem padres mnimos tais como a incluso de umcontedo mnimo comum em seus programas, da mesma forma queinspeciona presentemente os restaurantes para garantir a obedincia apadres sanitrios mnimos [...] (FRIEDMAN, 1984, p. 86).

    3.2 A Instruo Secundria

    A instruo secundria, considerada um valor econmico doindivduo, deve para Friedman, considerando-se a situao atual,particularmente a apresentada naquele momento nos Estados Unidos,combinar escolas pblicas e particulares em direo desnacionalizaodas escolas pblicas. Desse modo, apresenta como sada para esseprocesso que:

    Os pais que quiserem mandar os filhos para escolas privadas receberiamuma importncia igual ao custo estimado de educar uma criana numaescola pblica, desde que tal importncia fosse utilizada em educaonuma escola aprovada. Essa soluo satisfaria as partes vlidas doargumento do monoplio tcnico. E tambm resolveria o problemadas justas reclamaes dos pais quando dizem que, se mandarem osfilhos para escolas privadas, pagam duas vezes pela educao uma vezsob a forma de impostos e outra diretamente. Tal soluo tambmpermitiria o surgimento de uma sadia competio entre as escolas. Assim,o desenvolvimento e o progresso de todas as escolas seriam garantidos. Ainjeo de competio faria muito para a preocupao de uma salutarvariedade de escolas. E tambm contribuiria para introduzir flexibilidadenos sistemas escolares. E ainda ofereceria o benefcio adicional de tornaros salrios dos professores sensveis demanda de mercado. Com isso, asautoridades pblicas teriam um padro independente pelo qual julgarescalas de salrio e promover um ajustamento rpido mudana decondies de oferta e da procura (1984, p. 89).

    Para Friedman (1984), essas proposies produziriam umconjunto de situaes resultantes de sua consumao em polticasque poderiam resultar em: a) aplicao do bnus (carto magntico,cupom, vale, cdula, bolsa escola, etc.) financeiro (custo/aluno/anual)do governo para os pais individualmente escolherem a escola paraseus filhos; b) aplicao do bnus torna-se determinante para o processo

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    de desnacionalizao progressiva das escolas; c) a desnacionalizaoe a permanncia das escolas aprovadas com padro mnimo impostopara o seu funcionamento, e a competio entre as escolas existentes,permitiriam que as escolas desnacionalizadas ou fechadas fossemvendidas, principalmente material, equipamentos e instalaes, sempresas privadas que desejassem trabalhar nessa rea; d) a aplicaodo bnus desobstruiria o excesso de conformidade gerado pelainterveno governamental ao subsidiar educao, onerando a liberdadeindividual e o livre mercado; e) a aplicao do bnus financeiro individualpermite a livre escolha de escolas, que deveriam ser avaliadas porinstituies independentes do Estado, inclusive para avaliao doscontedos das disciplinas e dos alunos, alm do desempenho dosprofessores, a contratao direta de professores e diminuio dauniformidade salarial, tomando o mrito como a fixao de valores,favorecendo especialmente os considerados mais talentosos que sosempre poucos.

    3.3 A Instruo de Nvel Superior e a Preparao Vocacional e Profissional

    Para a instruo de nvel superior, Friedman no admite apossibilidade de uma nacionalizao justificada como em algumassituaes; de forma muito restritiva, se poderia admitir para o nvelprimrio ou elementar, por exemplo. Desse modo, verifica-se aadmisso da centralidade da educao elementar como elemento apenasrelativamente significativo para o que considera uma sociedade livre, eda negao taxativa da educao superior ofertada pelo Estado. Aproposio para superar e disciplinar o investimento governamentalem ensino superior passaria pela deciso na qual se deveria entenderque:

    Qualquer subveno deve ser passada aos indivduos, para ser utilizadaem instituies de sua prpria escolha, com a nica condio de quesejam do tipo e natureza convenientes. As escolas governamentais quecontinuarem em funcionamento deveriam cobrar anuidades quecobrissem os custos educacionais, competindo, assim, em nvel deigualdade com as escolas no subvencionais pelo governo [...](FRIEDMAN, 1984, p. 94).

    Com relao preparao vocacional e profissional voltada paraa qualificao dos recursos humanos, ele entende que O investimento

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    em seres humanos no pode ser financiado nos mesmos termos oucom a mesma facilidade do investimento em capital fsico [...]. Aprodutividade do capital fsico no depende em geral da cooperaodo que tomou emprestado. A produtividade do ser humano estevidentemente presa a essa dependncia [...] (FRIEDMAN,1984, p.96).

    Friedman admite a interveno do governo somente em situaesocasionadas por uma imperfeio do mercado. Tratar-se-ia de umsubinvestimento em capital humano. Mas argumenta que a nica formaadotada at agora foi a subveno dos treinamentos vocacional eprofissional financiada pelos impostos comuns, o que consideraclaramente imprpria, pois o indivduo no arcar com nenhum doscustos, prejudicando sempre outros indivduos, alega.

    Para no ocorrer prejuzo aos outros indivduos e a subvenono gerar superinvestimento, a soluo proposta seria a de que:

    Os indivduos devem ser responsabilizados pelo custo de seuinvestimento e receber as recompensas. No devem ser impedidos pelasimperfeies do mercado de fazer o investimento, se esto dispostos aarcar com os custos. Um modo de obter tais resultados seria o governoatuar no investimento em seres humanos em termos semelhantes aosdemais investimentos. Uma agncia governamental poderia financiarou ajudar a financiar o treinamento de qualquer indivduo que pudessesatisfazer um padro mnimo de qualidade. Ofereceria anualmente umasoma limitada durante nmero especificado de anos, desde que os fundosfossem utilizados em treinamento numa instituio reconhecida. Emtroca, o indivduo concordaria em pagar ao governo em cada ano futurodeterminada porcentagem de sua renda [...] (FRIEDMAN, 1984, p.99).

    4. CONSIDERAES FINAIS

    Podemos inferir que as proposies apresentadas por MiltonFriedman sustentam um programa liberal, acentuando seu vnculo aoliberalismo clssico (direita renovada) com nuances e capacidadesde mobilizao organizacional e gerencial muito mais dinmicas earticuladas, particularmente na construo de mecanismos de controlee aprimoramento de instituies e agncias reguladoras e controladorasem mbito privado de aes econmicas, poltico-ideolgicas efinanceiras. Os postulados tericos e ideolgicos que alimentam osargumentos e as justificativas estabelecem pragmaticamente como

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    devem ser implementadas diversas polticas, particularmente para aeducao, e sugerem um conjunto de aes que esto impregnadasem diversas orientaes e condicionalidades emanadas dos organismosinternacionais como o BID Banco Interamericano de Desenvolvimento,Banco Mundial e FMI Fundo Monetrio Internacional, e sustentadorasdos empreendimentos progressivamente intensificados nas ltimas duasdcadas, atravs dos financiamentos externos para as reformas deajustes estruturais e setoriais nos diversos pases (Cf. LEHER, 1998;NOGUEIRA, 1999; BAER, 1993, FIORI, 2001; BANCO MUNDIAL,1997; BID, 1999, DRAIBE, s/d.; DEITOS, 2000, 2005).

    Muitos intelectuais e proposies governamentais defendidase/ou implementadas nas ltimas duas dcadas, particularmente a partirde 1990, ganharam fora terica e ideolgica como tendncias liberaisultra-conservadoras em mbito mundial (cf. BANCO MUNDIAL, 1997)e no Brasil. No Brasil, destacam-se algumas das proposies polticaeducacional anlogas ou convergentes com as proposies polticasideologicamente expressas por Friedman, tais como as sustentadaspor Moura Castro (2000); Guiomar Namo de Melo (1990) e Bresser-Pereira (2003).

    No Brasil, diversos programas e polticas educacionaisconfiguram-se nesse cenrio e esto orientadas ideolgica epragmaticamente para a consumao dessas proposies. O governoFHC Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e o governo Lula Luiz Incio Lula da Silva (2003-2006), considerando-se asparticularidades e peculiaridades nacionais, tm sido excelentes epromissores empreendedores dessas premissas na gesto do Estadobrasileiro do alto de seus palcios intocveis. Basta verificar osprogramas de avaliao do rendimento escolar aplicados nos diversosnveis de ensino com vistas a classificar as escolas e torn-lascompetitivas entre si e, conseqentemente, servir de parmetro parao investimento de recursos pblicos. Outra situao a reduo deinvestimento pblico no ensino superior e o avano do setor privadonessa rea. Tambm pode ser observado o maior nmero de crditoseducativos individualizados para pagamento de mensalidades nasinstituies privadas e a criao de subsdios oficiais para polticasfocalizadas e temporrias.

    A transferncia de recursos pblicos para instituies privadasdesenvolverem capacitao profissional cresceu assustadoramente,contando com altos investimentos governamentais e financiamentosexternos pagos pelo Estado. Os cursos profissionalizantes,desvinculados ou no do ensino mdio geral, esto sendo ofertados

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    de forma a atender a necessidades imediatas do mercado em instituiesque recebem apoio e financiamento pblico, mas esto sob controleda iniciativa privada.

    Diversas agncias sociais esto sendo propostas pelasinstituies privadas e algumas pelo prprio governo como forma detransferir aes governamentais para a esfera privada, de maneira quea subveno pblica seja controlada por essas instituies.

    No Brasil, como em muitos pases perifricos e dependentes,avanam programas de voluntariado e caridade privada, como osprogramas Comunidade Solidria, Amigos da Escola, Bolsa Escola, oBolsa Gs, Bolsa Alimentao e Fome Zero, focalizados e destinadospara o alvio da pobreza, patrocinados pelo Estado como polticassociais abrangentes. Tais polticas, focalizadas e alimentadas comoingredientes de uma crena renovada do liberalismo, so a forma paraa designao das caridades aplicveis aos seus fiis, demonstrandoque o Estado brasileiro nunca firmou polticas sociais, e no seu limitecomo Estado capitalista nem poderia propor uma universalizao dapoltica social de maneira substantiva. A manifestao concreta dasrelaes que produzem o Estado capitalista brasileiro atual explicita anegao de qualquer poltica social que efetivamente possa gerar ganhossociais coletivos e estruturais que rompam com o quadro dedecomposio e degenerao social em que estamos imbricados.

    Avanam, tambm, programas de desregulamentao edesnacionalizao de polticas e setores econmicos e sociais, parafacilitar o controle privado para os grupos hegemnicos nacionais einternacionais que, a cada dia, aumentam seus volumes de riqueza ereproduo de capital sem que tenham preocupao alguma com ascomunidades nacionais, com os interesses sociais coletivos que, paraeles, j se tornaram desnecessrias e incmodas, ou consideradasresto de um passado histrico que atrapalha os seus exuberantes desfilesde cosmopolitismo de ccoras (Cf. FIORI, 2001) como integrantes daglobalizao do capital (Cf. MSZROS, 2002) rumo a uma deliberadadestruio de pressupostos e condies sociais, culturais, polticas eideolgicas que possam revelar a realidade e traar rumos sociaisefetivamente humanitrios para a sociedade brasileira.

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    LEHER, Roberto. Da ideologia do desenvolvimento ideologiaDa ideologia do desenvolvimento ideologiaDa ideologia do desenvolvimento ideologiaDa ideologia do desenvolvimento ideologiaDa ideologia do desenvolvimento ideologiada globalizaoda globalizaoda globalizaoda globalizaoda globalizao: a educao como estratgia do Banco Mundialpara alvio da pobreza. So Paulo: USP, Tese (Doutorado), 1998.

  • Estado, Educao e Sociedade Capitalista

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  • Isaura Monica Souza Zanardini e Paulino Jos Orso (Orgs.)

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    TRAZENDO O ESTADO DE VOLTA PARA A TEORIA:

    O DEBATE POULANTZAS-MILIBAND REVISITADO

    Alvaro Bianchi

    Quando publicou The Political System, em 1953, David Eastonpretendia questionar o lugar ocupado pela noo de Estado na anlisepoltica e apresentar um quadro analtico alternativo para estudo dapoltica como um sistema de comportamento e instituies. Opressuposto desse empreendimento encontrava-se na afirmao deque nem o Estado nem o poder constituem um conceito que sirvapara desenvolver a investigao poltica (Easton, 1953, p. 106). Aanlise dos sistemas polticos desenvolvida por Easton e reformuladaa partir do funcionalismo (Almond e Powell, 1966) ou do pluralismo(Dahl, 1956) estimulou um grande nmero de estudos nas maisdiversas reas e permitiu political science estadunidense banir porum longo perodo a noo de Estado do mbito dos estudos sobre apoltica.

    A vitria das teorias sistmicas sobre as chamadas teoriasestadocntricas foi, entretanto, uma vitria de Pirro. Escrevendo em1981, quase trinta anos depois de decretar a morte da noo de Estado,o mesmo Easton constatava, consternado, que o Estado, um conceitoque muitos de ns pensavam que havia sido abandonado um quartode sculo atrs levantou-se de sua tumba para assombrar-nos maisuma vez. (1981, p. 303.) No mesmo ano, o encontro anual da AmericanPolitical Science Association assumia como seu tema central asmudanas do Estado. Nada mal para um morto.

    Os responsveis por esse inesperado renascimento foram osmarxistas e, principalmente, Nicos Poulantzas e Ralph Miliband. Aspublicaes de Pouvoir Politique et Classes Sociales (1968) eimediatamente a seguir de The State in Capitalist Society (1969) marcamuma ruptura no interior do prprio marxismo. Em sua reconstruoda trajetria do marxismo ocidental, Perry Anderson (2004) destacoua subvalorizao da poltica pela teoria marxista do ps-guerra. Nasobras de Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, JeanPaul Sartre, Henri Lefebvre e Louis Althusser, a filosofia e a culturaocupavam os lugares de destaque, enquanto a economia e a poltica

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    encontravam-se relegadas a uma posio secundria, quando no eramsimplesmente ignoradas.

    A publicao desses livros rompe com as nfases at entopostas e traz de novo o Estado e a poltica para o centro do pensamentomarxista. Evidentemente essas obras haviam sido concebidas muitoantes das revoltas estudantis e operrias que agitaram o final dos anos1960 e boa parte da dcada seguinte. certamente um anacronismovincular a produo delas a esse contexto. Michael Newman, em suabiografia de Ralph Miliband, mostra como este estava s voltas comum livro sobre o Estado desde pelo menos maio de 1962 (Newman,2002, p. 185). E Poulantzas se manifestou mais de uma vez a respeitoda poltica nas pginas de Le Temps Modernes sem obter muito eco(cf. os textos reunidos em Poulantzas, 1975). Mas foi em um novocontexto poltico que essas obras encontraram seu pblico e queestimularam uma retomada dos estudos marxistas sobre o Estado e apoltica.

    O impacto desses livros pode ser avaliado pela reao queprovocaram no mainstream da political science estadunidense. Oimpacto ainda mais revelador porque a repulsa que este demonstroupelo marxismo esteve geralmente sustentada pelo desconhecimentoou por uma imagem caricatural deste, e foi marcada sempre por umaindiferena olmpica. Mas o prprio Easton (1981) foi obrigado areconhecer que o sistema poltico encontrava-se sitiado pelo [conceitode] Estado e a atribuir principalmente a Poulantzas essa nova relaode foras. J no bastava a olmpica indiferena e Easton foi obrigadoa lutar em defesa de sua anlise sistmica no campo do adversrio,abandonando a atitude perante teoria marxista que havia caracterizadoo mainstream at ento.

    A resposta de Easton tinha razo de ser. No apenas Poulantzase Miliband haviam desenvolvido de modo original a teoria marxista doEstado, como o haviam feito por meio de uma crtica explcita s teoriashegemnicas na cincia poltica. Citando Runciman, o autor de PouvoirPolitique et Classes Sociales, afi