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Sônia Maria Gentilini COLÉGIO MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE: A UTOPIA POSSÍVEL (Memória e História – 1948/1972) Belo Horizonte Universidade Federal de Minas Gerais 2001

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Sônia Maria Gentilini

COLÉGIO MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE:

A UTOPIA POSSÍVEL

(Memória e História – 1948/1972)

Belo Horizonte

Universidade Federal de Minas Gerais

2001

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Sônia Maria Gentilini

COLÉGIO MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE:

A UTOPIA POSSÍVEL

(Memória e História – 1948/1972)

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do

Programa de Pós-Graduação do Departamento de

História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre.

Área de concentração: História Social da Cultura

Orientadora : Profa. Dra. Regina Helena Alves da Silva

Belo Horizonte

Universidade Federal de Minas Gerais

2001

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Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de História

Dissertação defendida e aprovada,

em _______ de setembro de 2001, pela

banca examinadora constituída pelos

professores:

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Aos municipalinos de ontem e de hoje.

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Agradecimentos

Agradeço aos depoentes que, gentilmente, receberam-me em suas casas e com os quais

procurei desenvolver uma relação de confiança e amizade, laços afetivos que proporcionaram

o afloramento de lembranças e de emoções. A eles, o meu profundo respeito por tornarem

públicos momentos de suas vidas, cujo significado dificilmente uma narrativa escrita

consegue exprimir por completo.

À professora Lena, pelas sugestões e esclarecimentos e por permanecer ao lado do

orientando, compreendendo suas hesitações e inseguranças. “Não é bom que se saiba tudo” é

uma expressão sua que não esqueci; desta forma, a dissertação acabou sendo um grande

aprendizado.

Aos membros da Banca de Qualificação, professoras Íris Goulart e Maria Efigênia

Lage de Resende pelas valiosas sugestões e que foram muito úteis no desenvolvimento da

pesquisa.

Aos professores do Colégio Municipal de Belo Horizonte, que acreditaram no projeto,

e aos professores do Departamento de História Ana Selva, Moacir, Neusa, Luciene, Tânia,

Claudete, Edelson e Ayran, pelas discussões coletivas que tivemos, permitindo a sua

continuidade. À Marina, que demonstrou a sua sensibilidade de artista ao lidar com as

fotografias do Colégio. À Maria Lúcia, funcionária do Colégio Municipal, pela amizade e

pelo estímulo. Obrigado à Fátima, diretora do Colégio Municipal, pela confiança demonstrada

em todos os momentos da realização do projeto.

À Gisélia e Wanessa, minhas ex-alunas, responsáveis pela árdua tarefa de transcrição

das entrevistas.

Sirley, Maria do Carmo e Ivana, do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte,

foram sempre prestativas e atenciosas no atendimento às minhas solicitações.

Ao Jorge, pelo contato proporcionado com muitos ex-alunos do Colégio Municipal,

participando de um de seus alegres encontros de confraternização.

Ao Cássio, amigo de todas as horas.

A meus pais, Ruth e Jovino, pela educação proporcionada, base de minha trajetória de

vida, voltada não só para a realização pessoal, mas também para o sentimento do “outro”.

À Raquel e Laura, minhas filhas, quase “co-autoras” deste projeto, por compartilharem

os momentos de angústia e alegria passados, e pela bondade em me considerarem “doutora”

na vida, antes mesmo do que Mestre em história.

A meus irmãos, Tereza, João, Solange e Jovininho, muito mais do que

agradecimentos, expresso minha gratidão pelo apoio e pela companhia.

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Resumo

O objetivo principal desta dissertação é reconstruir a história do Colégio Municipal de

Belo Horizonte, primeira escola criada e mantida pelo poder público municipal, no período de

1948 a 1972. Sem descuidar do contexto geral do país, o Colégio Municipal é analisado no

interior das condições concretas da cidade, enfatizando os aspectos locais de sua trajetória.

O recurso metodológico utilizado consistiu no cruzamento de documentos escritos e

fontes orais, numa abordagem que procura contemplar tanto os sistemas globais e as

estruturas, quanto as visões subjetivas e individuais, expressas nas falas dos atores que

vivenciaram o processo de instituição do Colégio Municipal.

Tendo como suporte teórico as reflexões entre a história e a memória, tal estratégia de

pesquisa permitiu que o Colégio Municipal fosse visto não somente como o espaço onde se

exerce o controle do poder público, mas o lugar de práticas e relações sociais, significados e

valores que emanam de alunos, professores, funcionários e direção.

Abstract

The main purpose of this dissertation is to reconstruct the history of the first high

school created and supported by the local administration in Belo Horizonte: the Colégio

Municipal de Belo Horizonte, between 1948 and 1972. Although the general aspects of the

country have not been neglected, the history of the Colégio Municipal is analysed within the

specific context of the city. This context allows for unveiling a number of aspects that could

only be understood from that perspective.

The methodology used includes crossing information obtained from written

documentation and oral sources, as the approach seeks to cover both the global systems and

the structures, the subjective and individual views, as expressed by the subjects who

witnessed the creation process of the Colégio Municipal.

A careful research about the history and memory of the school provided the theoretical

framework for the author’s conclusions. The Colégio is seen not only as an institution fully

controlled by the public administration but essencially as a center of social practices and

relations, meanings and values that naturally arise from students, teachers, staff and school

administration.

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Sumário

INTRODUÇÃO 8

1. A CRIAÇÃO DO GINÁSIO MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE EM 1948: “PROMESSA DE CANDIDATO” 22

1.1. A ERA VARGAS E A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO NACIONAL 22

1.2. A (RE)DEMOCRATIZAÇÃO EM 1946 37

1.3. O POVO NO COMÍCIO 40

1.3.1. A INDUSTRIALIZAÇÃO E A METROPOLIZAÇÃO DA CAPITAL 40 1.3.2. A PRIMEIRA ELEIÇÃO MUNICIPAL E AS NOVAS RELAÇÕES ENTRE O PODER PÚBLICO E POPULAÇÃO 44 1.3.3. A CRIAÇÃO DO GINÁSIO MUNICIPAL: “PROMESSA DE CANDIDATO” 49

2. UMA ESCOLA NO PARQUE MUNICIPAL (1948-1954) 58

2.1. AS DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL E AS “LEIS DE EQUIVALÊNCIA” 59

2.2. OS PRIMEIROS ANOS: A ORGANIZAÇÃO DO GINÁSIO MUNICIPAL 62

2.2.1. TRANSIÇÃO, CRISE E “ASSISTÊNCIA SOCIAL” 62 2.2.2. NA MELHOR TRADIÇÃO MINEIRA: “PROGRESSO MATERIAL E APRIMORAMENTO INTELECTUAL” 74 2.2.3. MUDANÇA DE SEDE: DO CENTRO PARA O SUBÚRBIO 81

3. A “UNIVERSIDADE DE SANTO ANDRÉ” (1954 - 1972) 86

3.1. A CRISE DO POPULISMO E A LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL DE 1961 86

3.2. O GOLPE DE 31 DE MARÇO DE 1964, A REFORMA UNIVERSITÁRIA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO

ENSINO PROFISSIONALIZANTE NO 2º GRAU 91

3.3. A AMPLIAÇÃO E A CONSOLIDAÇÃO DO COLÉGIO MUNICIPAL 94

3.3.1. GOVERNOS LOCAIS E EDUCAÇÃO 94 3.3.2. A INSERÇÃO NO BAIRRO LAGOINHA 100 3.3.3. NOS DOMÍNIOS DA CULTURA: O ELO ENTRE O CORPO DOCENTE DO COLÉGIO MUNICIPAL E A UMG 103 3.3.4. A “UNIVERSIDADE DE SANTO ANDRÉ” 106 3.3.5. A “MAIORIDADE” DO COLÉGIO MUNICIPAL E O INÍCIO DE UMA NOVA FASE NOS ANOS 70. 117

CONSIDERAÇÕES FINAIS 121

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 134

DOCUMENTOS 142

ANEXOS 145

ANEXO I: FONTES ORAIS 145

ANEXO II: ROTEIRO DE ENTREVISTAS 146

ANEXO III – MEMBROS DA CONGREGAÇÃO 147

ANEXO IV – RELAÇÃO DE PROFESSORES 148

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Introdução

“Era o tempo ainda dos bondes, era o tempo das árvores na avenida Afonso Pena...O

Ginásio Municipal ficava dentro do Parque. A gente entrava ali, esquina da Bahia, onde tem

aquela casa de flores, e percorria até o centro, até o Ginásio Municipal, sem nenhum

problema..”1 Estas poucas palavras, parte das lembranças de um dos primeiros alunos do

Colégio Municipal de Belo Horizonte, situam o início de uma história que remonta à década

de 40.

Alguns anos depois, “...a gente não sabe contar por que [...] criou-se um pensamento

de que parque não era lugar de escola... Então fizeram aquela casa na Lagoinha e mandaram

o Colégio para lá...”2

No início da década de 70, em suas novas dependências, a sede do Colégio Municipal

foi transferida para o ex-Colégio Marconi, numa outra área da cidade, “...um prédio muito

bom, um dos mais importante, que hoje está tombado, um prédio de uma construção soberba

para a época, e é claro que a prefeitura quis aproveitar essa infra-estrutura completamente

pronta...”3

O objetivo principal deste trabalho é percorrer estes tempos e espaços diferenciados,

reconstruindo a história e a memória do Colégio Municipal de Belo Horizonte, desde a sua

criação em 1948 até o ano de 1972, quando a sua sede é transferida da Lagoinha para outro

bairro da cidade. Para tanto, considero pertinente iniciar mostrando a origem de meu interesse

pela análise deste lugar.

Pierre Nora localiza, historicamente, o “quando” da memória, lembrando que são nos

momentos de maiores rupturas da continuidade histórica que mais se impõe a necessidade de

preservação do passado. Na base desta crença, está a idéia de “aceleração da história”,

expressão que significa “uma oscilação cada vez mais rápida de um passado definitivamente

morto, a percepção global de qualquer coisa como desaparecida, uma ruptura de equilíbrio”,

em outras palavras, uma quebra da continuidade histórica.4

O “quando” da memória relaciona-se à mundialização, às guerras totais, à rapidez das

comunicações, à penetração das economias modernas nas sociedades tradicionais. Para Nora,

a grande questão é o momento no qual os homens vivem uma contradição gerada pela

1 Entrevista concedida por Isidoro Coelho Linhares. 2 Entrevista concedida por Eny da Rocha Maia Gresta. 3 Entrevista concedida por Henrique Morandi. 4 NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, p. 7.

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distância entre uma memória social, a intimidade da tradição vivida e a história, que é o que

as sociedades condenadas ao esquecimento fazem do passado, porque influenciadas pela

mudança.

As transformações incessantes, a ameaça do esquecimento, levaram o autor a elaborar

a noção de “lugares da memória”. A função dos “lugares de memória” é recompor o elo entre

o passado e o presente, e satisfazer a necessidade de identidade que compõe a experiência

coletiva do homem atual.5

Pierre Nora identifica, entre os lugares da memória os pequenos e grandes

acontecimentos, conferindo a estes últimos a grandiosidade das origens e a solenidade das

rupturas inaugurais. Sendo assim, o Colégio Municipal pode ser considerado um “lugar de

memória”, o lugar das origens, da fundação, carregando consigo um forte sentido simbólico.

O meu interesse pelo assunto surgiu por ocasião das comemorações de seu

cinqüentenário, como primeira escola criada e mantida pelo poder público municipal. Naquela

ocasião, momentos coletivos como a celebração de uma missa e a realização de uma festa

podiam ser vistos como tentativas de “inventar a tradição”,6 através de práticas que

implicavam em uma continuidade em relação ao passado. Iniciei, portanto, o estudo

acreditando, com Nora, que “nenhum lugar de memória escapa aos seus arabescos

fundadores...”7

Outro motivo foram as grandes mudanças que ocorriam na rede municipal de ensino,

na época, com a implantação de uma nova proposta político-pedagógica de ensino. Ao longo

dos mais de dez anos em que lecionei no Colégio Municipal, na minha percepção, havia uma

tensão entre uma escola “antiga” e uma escola real, temporalidades diferentes vividas num

mesmo espaço, muitas vezes, pelos mesmos sujeitos. Surgiu, então, o desejo de recuperar a

memória do Colégio Municipal, recompondo, acredito, como profissional da história, o elo

indissolúvel entre o passado e o presente.

As minhas reflexões teóricas voltaram-se, inicialmente, para a possibilidade de

existência de uma memória nos espaços urbanos de metrópoles, como Belo Horizonte.

Autores como Suzanne Citron falam numa memória “estilhaçada”, em que a crise política,

econômica e cultural dos dias atuais rompe as tradições, os saberes e as práticas que norteiam

o comportamento dos grupos, numa “urbanização sem alma”, que leva à perda da memória

social. 8

5 NORA. P. op. cit. p. 12. 6 A expressão é emprestada de: HOBSBAWM, E. ; RANGER, T. A invenção das tradições, 1984. 7 NORA, P. op. cit. p. 23. 8 CITRON, S. Ensinar a história hoje – a memória perdida e reencontrada , p. 105-107.

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Antes de mais nada, os espaços das cidades, atualmente, subordinam-se aos critérios

do lucro e do consumo. Mais do que isso, segundo Néstor Canclini, tais espaços comportam

uma tal heterogeneidade de populações, de modos diferenciados de reunir, falar e satisfazer as

necessidades, que só é possível falar de muitas identidades e culturas, ao mesmo tempo, locais

e internacionalizadas pelo processo de globalização.9

Há uma relação dialética entre identidade e memória. Alistair Thomson argumenta

que, ao narrarmos uma história, identificamos o que pensamos que éramos no passado, quem

pensamos que somos no presente e o que gostaríamos de ser.10 Mas esta subjetividade, como

lembra Daisy Perelmutter, está sempre dialogando com uma cultura, cujo perfil, por sua vez,

submete-se a um certo modo de subjetivação.11

Como então reencont rar a memória social nos espaços fragmentados da cidade, com

muitas identidades e muitas culturas? Como diz Michel de Certeau, a memória se forma por

encontros externos: “a memória é tocada pelas circunstâncias, como o piano que ‘produz’

sons ao toque das mãos”.12 O grande desafio vencido neste estudo, foi, portanto, o de reavivar

a experiência vivida, no momento próprio, na ocasião, pois “a memória, longe de ser

relicário ou a lata de lixo do passado, vive de crer nos possíveis, e de esperá-los, vigilante, à

espreita”.13

A reconstrução da história do Colégio Municipal revelou memórias vivas,

profundamente individuais mas, ao mesmo tempo, dialogando intensamente com uma

experiência cultural coletiva. A promoção das tradições locais, a reelaboração do que é

próprio em cada lugar, na ocasião, pode ser o ponto de partida de reatamento dos laços das

pessoas com a cidade e, em conseqüência, de formação de uma nova cidadania, deslocada

daquela que diz respeito exclusivamente ao consumo.

As outras preocupações teóricas que se apresentaram para o desenvolvimento deste

estudo dizem respeito à forma como a memória é construída e às relações entre memória e

história. Nesses aspectos, orientei-me, sobretudo, pelas contribuições de estudos elaborados

no campo da Sociologia e da História.

9 CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos - conflitos multiculturais da globalização, 1997. 10 THOMSON, A. Recompondo a memória : questões sobre a relação entre a história oral e as memórias. Projeto História, 1997. 11 PERELMUTTER, D. ; ANTONACCI, M. A. (org.). Projeto História, 1997. Apresentação. 12 CERTEAU, M. A invenção do cotidiano; artes de fazer, p. 163. 13 Ibidem. p. 163.

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Uma referência fundamental para analisar o fenômeno da memória é Maurice

Halbwachs, que publica, em 1950, a sua clássica obra La mémoire collective.14 Na base da

noção de “memória coletiva” está a idéia de que a evocação e a localização das lembranças só

são possíveis se tomarmos como ponto de aplicação os quadros sociais que servem de

referência nesta reconstrução chamada memória.

Maurice Halbwachs evoca as lembranças que permanecem coletivas, e que têm

sentido em relação a um grupo do qual se faz parte, supondo situações outrora vividas em

comum e que só se transformam em memória caso aquele que as lembra sinta-se afetivamente

ligado ao grupo ao qual pertenceu ou ao qual pertence. Para Halbwachs, os acontecimentos

históricos são somente auxiliares da memória, apresentando as divisões do tempo assinaladas

em um relógio ou determinadas pelo calendário.

Quando nos voltamos para aquilo que aconteceu, o que se tem é um tempo coletivo,

fora de nós e fora de todas as memórias individuais. Não é na história aprendida, mas na

história vivida que se apóia a nossa memória. As lembranças, em larga medida, são uma

reconstrução do passado, com a ajuda de dados emprestados do presente.

Nesse sentido, Halbwachs procurou emancipar-se das influências de Henri Bergson.

De uma forma bastante simplificada se, para este último, o passado permanece inteiramente

dentro de nossa memória, e a memória consiste num “progresso do passado ao presente”,15

para Halbwachs, ao contrário, “não subsistem, em alguma galeria subterrânea de nosso

pensamento, imagens completamente prontas, mas na sociedade, onde estão todas as

indicações necessárias para reconstruir tais partes do nosso passado...”16

Memória e história se identificam na medida em que evocam o passado; entretanto,

segundo Halbwachs, tudo opõe um termo ao outro: a história é um quadro de acontecimentos;

as memórias, centros de tradições. A história começa onde acaba a tradição, momento em que

se apaga a memória social. Quando a memória de uma seqüência de acontecimentos não tem

mais por suporte um grupo, o “único meio de salvar tais lembranças é fixá-las por escrito em

uma narrativa seguida uma vez que as palavras e os pensamentos morrem, mas os escritos

permanecem”.17

A memória coletiva é uma corrente de pensamento contínuo, que retém do passado

somente aquilo que ainda está vivo ou capaz de viver na consciência de um grupo que a

mantém. A memória coletiva não se confunde com a memória histórica, já que esta é vista

14 Para a reflexão sobre os conceitos de Maurice Halbwachs, utilizo a publicação A memória coletiva, edição de 1990, da Revista dos Tribunais. 15 BERGSON, H. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito, p. 196. 16 HALBWACHS, M. A memória coletiva , p. 77.

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12

como uma compilação de fatos. A rigor, Halbwachs fazia uma crítica à história

“événementielle”, hegemônica nos estudos históricos de seu tempo.

A memória é diferente da história na forma como se relaciona com o tempo. Costuma-

se dizer tempos históricos, como se houvesse vários tempos ou várias histórias, começando

umas mais cedo, outras mais tarde, mas distintas. Mas a memória não fragmenta o tempo. A

memória não faz ruptura entre o passado e o presente.

A grande contribuição de Halbwachs é a noção de “tempo longo”. Cada grupo tem a

sua própria memória e uma representação do tempo que é só sua. Há tantas representações do

passado quanto grupos existam. Os tempos coletivos não escoam mais rápido para uns do que

para outros. O tempo comum dura, configurando-se um tempo mais ou menos longo, que é o

tempo da memória. Por outro lado, para Halbwachs, a memória coletiva se desenvolve num

quadro espacial.

É sobre o espaço que ocupamos, no qual passamos, ao qual temos acesso e que a cada

momento somos capazes de reconstruir que devemos voltar a nossa atenção, para que

reapareçam as lembranças. Conforme Halbwachs:

“... A maioria dos grupos, não somente aqueles que resultam da justaposição permanente de seus membros, dentro dos limites de uma cidade, de uma casa ou de um apartamento, porém muitos outros também, imprimem de algum modo sua marca sobre o solo e evocam suas lembranças coletivas no interior do quadro espacial assim definido”.18

As conclusões de Halbwachs estão na base dos estudos de muitos autores que têm

utilizado as fontes orais e, por sua vez, têm contribuído para as reflexões sobre a memória.

Trata-se, por exemplo, de Alessandro Portelli, que prefere evitar o termo “memória coletiva”,

uma vez que, para este autor, o ato e a arte de lembrar jamais deixam de ser profundamente

individuais.19

Portelli argumenta sobre a história como arte do indivíduo, pois se a memória pode

existir em elaborações socialmente estruturadas, torna-se concreta apenas quando mentalizada

ou verbalizada pelos indivíduos. Em vista disso, as recordações podem ser semelhantes,

contraditórias ou superpostas, porém, em hipótese alguma, as lembranças de duas pessoas –

assim como as impressões digitais – podem ser exatamente iguais.

17 HALBWAHCS, M. op. cit. p. 81. 18 Ibidem, p. 159. 19 PORTELLI, A. Individualidade, igualdade e diferença. Projeto História, p. 13-49.

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Cada indivíduo extrai memórias de uma variedade de grupos e as organiza de forma

peculiar. Para Portelli, a memória é social e pode ser compartilhada; daí, a expressão

“memória dividida”, para definir a pluralidade fragmentada de diferentes memórias.20

Luz Niethammer, à luz das contribuições teóricas de Halbwachs, interroga: se toda

lembrança significativa é um processo socialmente condicionado por dados do presente, a

memória interior está realmente vazia, ela não guarda conteúdos inconscientes e

involuntários?21

Niethammer faz algumas correções, baseando-se em pesquisas recentes que tendem a

considerar a memória de um modo mais amplo, em vez de confiná- la num depósito de

armazenagem físico, ou num meio de (re)construtivismo social. A memória, para o autor, tem

níveis conscientes e inconscientes, é uma interação altamente complicada de diferentes

agentes de percepção e se forma num processo cultural, mas esse processo não se restringe à

cultura externa. O interessante para Niethammer é descobrir, nos depoimentos, como a

experiência pessoal e a interpretação cultural dessa experiência se entrelaçam.

Mas, qualquer que seja a forma como a noção de memória se apresente, a “memória é

sempre a leitura do vivido”.22

Margarida Neves chama a atenção para a íntima relação entre a memória e o poder,

reconhecendo a dialética entre a lembrança e o esquecimento e as manipulações a que pode

estar sujeita por grupos, classes ou indivíduos que dominam as sociedades. As memórias das

pessoas relacionam-se com a construção de sua identidade pessoal e identidade coletiva,

havendo, portanto, conflitos em torno de sua posse e da interpretação.

Michel de Certeau e Jacques Le Goff abordam duas questões particularmente

pertinentes a este trabalho. Partindo da diferença entre espaço e tempo, Certeau alerta para os

“rodeios” da memória.23 Na composição de um lugar inicial, a memória intervém no momento

oportuno, e torna possível uma transgressão da lei do lugar. Sua mobilização é indissociável

de uma alteração. A memória é móvel, cada lembrança a altera, por isso a escritura científica

tenta incessantemente reconduzir o tempo, “este fugitivo, à normalidade de um sistema

observável e legível”. 24

20 PORTELLI, A. op. cit. p. 13-49. 21 NIETHAMMER, L. O “boom” do conceito de identidade. Projeto História. p. 119-144. 22 SOUZA, M. Os jogos da memória. In: MATTOS, I. R. (org.). Ler e escrever para contar; documentação, historiografia e formação do historiador, p. 204. 23 CERTEAU, M. A invenção do cotidiano; artes de fazer, p. 161. 24 Ibidem. p. 165.

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Le Goff vê como um dos problemas da história contemporânea as relações entre a

memória - história vivida - e a história, o esforço científico em tornar a memória inteligível.25

A introjeção da experiência individual e coletiva, da noção de duração, de tempo vivido, de

tempos múltiplos e relativos, aos quadros mensuráveis do tempo histórico faz com que o

historiador, “num nível muito sofisticado, encontre o velho tempo da memória, que atravessa

a história e a alimenta”.26

Partindo dessas reflexões, este texto, conjugando a ordenação linear de um passado

objeto às experiências subjetivas e individuais narradas oralmente, é tão somente uma

tentativa de quebrar o dogma da continuidade histórica, que não leva em conta a pluralidade

dos sujeitos, nem a dos espaços-tempo, nem a complexidade das relações entre o indivíduo e a

sociedade. Esta proposta não significou, no entanto, suprimir a ordenação cronológica, mas

reconstruir um passado com datas assimiláveis, em torno de alguns grandes marcos

significativos, decifrando-o na “curta” duração dos acontecimentos e na “longa” duração da

memória.

Desta forma, os marcos cronológicos definidos levaram em conta os fatos pontuais de

um contexto mais geral, abrangendo o período que vai de 1948 a 1972, como também o

“tempo” do Colégio no Parque Municipal, o “tempo” do Colégio no Bairro Lagoinha ou do

“São Cristóvão”, como os depoentes comumente se referiram. Tempo e espaço se encontram

na memória; no esforço de contê- los nos limites de um trabalho científico, caberia lembrar

Certeau: “o riso de Nietzsche perpassa o texto do historiador”. 27

Para além do “quando” da memória e de como é socialmente construída, as minhas

reflexões teóricas voltaram-se para o conteúdo da memória. A memória representou a

possibilidade de resgate de um “lugar” da cidade de Belo Horizonte, que é o Colégio

Municipal. Quando as memórias do Colégio Municipal são reavivadas, reconstrói-se a

identidade de um lugar pelos usos e formas de apropriação que as pessoas fazem de um

espaço, sempre em constante transformação.

Segundo Ana Fani A. Carlos, as relações sociais se inscrevem num espaço e tempo

determinados. As áreas do território da cidade se diferenciam pelos modos de apropriação,

pelos usos. A noção de “lugar” está ligada ao uso que se faz do espaço, e não se subordina

exclusivamente ao valor de troca das sociedades contemporâneas: “o lugar representa e fixa

relações e práticas sociais, produzindo uma identidade complexa que diz respeito, ao mesmo

25 LE GOFF, J. História e memória, 1990. 26 Ibidem. p. 13. Grifos do autor. 27 CERTEAU, M. op. cit. p. 154.

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tempo, ao local e ao global”.28 O uso coloca acento sobre as relações entre as pessoas com o

espaço no plano do imediato, no nível das relações próximas. O sentido de um lugar é

essencialmente coletivo.

A abordagem do objeto de estudo é histórico-social, num estudo que procura

contemplar tanto as totalidades, as estruturas “objetivas” e os sistemas normativos, quanto as

particularidades. Esta perspectiva, apontada por Giovanni Levi, fundamenta-se nas

fragmentações, nas pluralidades e nas contradições que se operam nos interstícios deixados

por todos os sistemas, supondo que o contexto e sua aparência são apenas aparentes. A escrita

da história pode proceder a uma “redução da escala de observação”, em que fenômenos

considerados descritos e compreendidos assumem significados novos.29 Acentuar ações

localizadas e acontecimentos individuais não significa, segundo Levi, rejeitar a descrição

formal, e o que constitui o social e o cultural. É possível utilizar as margens de liberdade e as

brechas do contexto, para extrair generalizações mais amplas. Levando em conta esses

pressupostos, detive-me, tanto nas circunstâncias históricas mais globais da criação do

Colégio Municipal de Belo Horizonte, quanto nas especificidades de um contexto local.

Por outro lado, enfatizei igualmente as visões subjetivas e individuais.

Alfredo Bosi, num pequeno ensaio sobre o tempo e os tempos, lembra que a matéria

do passado não se reduz a blocos homogêneos, às macroestruturas, às grandes datas, aos

quadros sucessivos: 1492, 1789, 1922... são apenas “pontas de iceberg”, pontos de luz que

clareiam a densidade dos eventos acumulados por séculos e séculos.30 Quando olhados de

perto, mostram-se animados pela intersubjetividade de homens, mulheres, famílias e grupos

culturais, que não se reduzem às simples classificações das grandes eras.

Que desejos, que pensamentos habitavam o cotidiano, e que ideais e paixões animaram

os atores que estavam por trás daqueles eventos? Para Alfredo Bosi, é preciso avançar,

colhendo o sentido das intenções que informaram a trama social no interior daqueles sistemas

e enxergar significados e valores. Neste sentido, a reconstrução da trajetória do Colégio

Municipal de Belo Horizonte procura manter um equilíbrio entre a experiência subjetiva e

individual narrada pelos atores que interagiram em tempos e espaços múltiplos, e o sistema

social como um todo.

Para contemplar este duplo aspecto, adotei como recurso metodológico o cruzamento

de relatos orais dos sujeitos que vivenciaram o processo de instituição do Colégio Municipal,

e outras fontes tradicionalmente utilizadas para se atingir o conhecimento histórico,

28 CARLOS, A. F. A. Os lugares da metrópole: a questão dos ghetos urbanos, p. 68. 29 LEVI, G. Sobre a micro-história. In: BURKE, P. A escrita da história, p. 133-161.

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constituindo-se o corpus documental de fontes impressas – livros, monografias, teses, leis e

decretos, artigos, relatórios de Prefeitos, jornais e revistas – e fontes orais. Cumpre destacar a

inexistência, para consulta, do Relatório de Prefeito do ano de 1950.

Pelos limites e recortes do trabalho, não foi possível utilizar uma diversificada

documentação escolar – composta por fichas individuais de alunos, provas, atas de exames de

admissão, atas de provas parciais e orais, registros de matrículas, entre outros documentos –

bem como o acervo fotográfico do Colégio Municipal, que merecem um olhar mais detido e

cuidadoso, viável em futuras investigações que, porventura, venham a ocorrer.

A utilização de relatos orais, como procedimento metodológico, requer que sejam

feitas algumas considerações importantes. A entrevista de história oral documenta uma versão

do passado. A riqueza da utilização de fontes orais consiste justamente em captar múltiplas

versões, ampliando o conhecimento do passado, ao acrescentar experiências e visões

particulares.

A subjetividade da fonte é imperiosa. Como esclarece Monique Augras, todo

testemunho é biográfico, implicando numa “rearrumação” de várias lembranças, em que o

depoente transforma reminiscências em um discurso razoavelmente organizado e lógico.31 As

confusões, os erros, as omissões não são negativos, porque demonstram a multiplicidade das

versões sobre o passado e as muitas verdades. As pessoas falam e silenciam, e é preciso estar

atento a isso.

A subjetividade é indissociável da cultura. Se as pessoas interpretam o passado a partir

do presente, todos os depoimentos ancoram-se e dialogam com uma experiência cultural

coletiva de um determinado tempo e de um determinado lugar. Ao fim, o pesquisador que lida

com fontes orais almeja apreender esta experiência coletiva.

As fontes orais possuem um caráter dialógico, possibilitando uma conversa infindável

entre o entrevistador e o entrevistado. O pesquisador da oralidade tem que estar aberto às

reinterpretações e olhar criticamente os passos percorridos. Para Mercedes Vilanova,

conforme Célia Toledo Lucena, “...a história bem feita que queremos fazer é uma história

inacabada.”32

Mais do que a subjetividade da fonte, é preciso levar em conta a subjetividade de

quem pergunta e registra e de quem interpreta; a entrevista de história oral situa-se, portanto,

no campo da intersubjetividade.

30 BOSI, A. A dialética da colonização , p. 19. Grifos do autor. 31 AUGRAS, M. História oral e subjetividade. In: VON SIMON, O. R. M. Os desafios contemporâneos da história oral, p. 27-36. 32 VILANOVA, M. Pensar a subjetividade: estatísticas e fontes orais, p. 46-47.

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Quanto à técnica utilizada, como forma imediata de registro, a gravação tem vantagens

e desvantagens. A gravação é um registro de um encontro mais preciso do que um registro

escrito. O testemunho oral jamais se repetirá exatamente do mesmo modo. Todas as palavras

estão empregadas ali exatamente como foram faladas, somando-se a elas as pistas sociais, as

nuances do humor e da incerteza, as emoções. Quando as falas se transformam em

documentos escritos, muito da qualidade humana do testemunho se perde.

Não foram raros os momentos em que as memórias afluíram, numa paciente

reconstituição, entre lágrimas, vozes trêmulas, mágoas e esperanças. Quem escuta, vive

intensamente os dados das narrativas dos depoentes. Sob este aspecto, o trabalho do

historiador oral deve ter uma profunda dimensão ética, traduzida na sua capacidade de

desvendar relações humanas, guardando um grande respeito ao indivíduo que é, ao mesmo

tempo, objeto e sujeito de seu trabalho.

A coleta dos relatos orais foi feita durante cerca de um ano, iniciando-se pela

identificação e seleção dos entrevistados.33 Foram realizadas 25 entrevistas, em depoimentos

que variaram entre meia hora e duas horas de gravação. Optei pela entrevista livre,

cuidadosamente centrada no tema, seguindo roteiros previamente elaborados.34 O método que

utilizei foi o de “amostragem estratégica”, de que fala Paul Thompson, um tipo de abordagem

mais “tática”, em que a preocupação com a representatividade de cada depoimento é

fundamental. 35 Entretanto, considerei que cada relato tem a sua singularidade.

Consultei os indivíduos mais diretamente ligados aos eventos, entre alunos,

professores e funcionários, homens e mulheres. Para análise do material, não cheguei a

realizar uma divisão por temas, porque percebi uma significação no depoimento como um

todo. Na transcrição dos depoimentos, foi mantida a construção do discurso, a mais original

possível, havendo pequenas correções, apenas quando autorizadas, ou substituindo erros

gramaticais flagrantes.

As dificuldades foram muitas. Pelos limites de tempo e de espaço de uma dissertação

de mestrado, o número de entrevistas foi limitado, em face do universo imenso de pessoas

que, certamente, teriam contribuído com depoimentos valiosos. Procurei, nesse sentido,

privilegiar o grupo dos “fundadores”, modo como são chamados os primeiros professores que

começaram a lecionar no Colégio Municipal. Nem todas as falas puderam ser incluídas no

trabalho. Considero a riqueza das memórias maior do que cabe no curto espaço de um

trabalho acadêmico.

33 Cf. Anexo I: fontes orais. 34 Cf. Anexo II: roteiros das entrevistas.

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A reconstrução da história do Colégio Municipal, como objeto de estudo, levou-me a

considerar alguns aspectos do debate teórico-metodológico que se faz no campo da educação.

No que diz respeito à produção historiográfica, é importante lembrar, como mostra

Marta M. C. de Carvalho, que a investigação histórico-educativa configurou-se, por um lado,

como história das organizações dos sistemas de ensino por políticas educacionais emanadas

do Estado e, por outro, como história das idéias e dos projetos pedagógicos, estudos nos quais,

privilegia-se a legislação.36 A interlocução com a História, sobretudo com a nova História

Cultural, tem permitido dessacralizar esse modo de escrever a história.

Dermeval Saviani expressa a sua preocupação com certas tendências na pesquisa

educacional, que viriam resgatar a liberdade e a autonomia dos sujeitos, chamando a atenção

para a necessidade de se buscar a compreensão global da educação em seu desenvolvimento,

investigando a história pela mediação da sociedade.37 Tais consideração não foram

desprezadas no decorrer do desenvolvimento do trabalho; os relatos orais, expressando

diferentes subjetividades, aliaram-se às macrodimensões do objeto de estudo, descortinando

aspectos até então desconhecidos, e enriquecendo-o significativamente.

Em relação à produção historiográfica, merece destaque, nos estudos sobre a educação

em Belo Horizonte, o trabalho científico de Shirley Aparecida Miranda, cujo recorte de

pesquisa situa-se na linha dos trabalhos de investigação que utilizam a legislação como fonte

privilegiada na pesquisa, cuidando, ao mesmo tempo, dos aspectos históricos mais globais. A

autora dedica algumas páginas ao Colégio Municipal, fazendo uma breve referência ao “poder

social local”. 38

A principal preocupação da pesquisa que desenvolvo a seguir foi desvendar as

condições históricas globais que propiciaram o surgimento e desenvolvimento do Colégio

Municipal de Belo Horizonte, no período de 1948 a 1972, enfatizando o contexto local. Tal

proposta contou com a dificuldade de serem escassos os estudos sobre a cidade de Belo

Horizonte no período específico dos anos 40 aos anos 70. A partir desta preocupação inicial,

outras questões se apresentaram:

Que atores sociais concorreram para a criação e organização do Colégio Municipal?

Quais as práticas sociais destes atores e que significado imprimiram à instituição

escolar?

35 THOMPSON, P. A voz do passado; história oral , 1992. 36 CARVALHO, M. M. C. de. Educação em Revista, p. 5-13. 37 SAVIANI, D. et al. História e história da educação; o debate teórico-metodológico atual, 1998. 38 MIRANDA, S. A. O movimento de constituição da rede municipal de ensino de Belo Horizonte (1897-1992), p. 41. Grifos meus.

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Reconstituída a trajetória do Colégio Municipal, que mudanças (ou persistências)

sofreram os seus projetos iniciais?

Finalmente, cumpre esclarecer em que sentido empreguei o termo “utopia”, a palavra-

síntese, que entendi exprimir a experiência coletiva e humana propiciada pelo Colégio

Municipal de Belo Horizonte. Não cabe aqui discutir, em profundidade, as mais variadas

apreensões e os mais variados significados do conceito. Importa salientar que as leituras

atuais procuram superar a idéia de utopia em nível de senso comum: idéias quiméricas,

irreais, fantasiosas ou irrealizáveis.

De uma forma breve, como mostra Vavy Pacheco Borges, há autores que lembram a

imprecisão ou ambigüidade do termo, em sua origem grega: “eu-topos”, o bom lugar, ou o

“ou-topos”, o lugar inexistente. Esta discussão está ligada ao neologismo criado por Thomas

More, que teria desejado a primeira ambigüidade; há outros autores que aprofundam a

discussão da utopia, no sentido de apontar para os “futuros possíveis” que se sucedem na

história ocidental. 39

Para este trabalho, utilizo alguns traços da utopia, analisados por Francisco José

Calazans Falcon quando estuda o conceito na Modernidade.40 Considerando Baczko, segundo

Calazans, pode-se falar em um espaço-tempo sonhado, mas de fato “inventado” e construído

socialmente. A utopia é uma representação da alteridade, um dispositivo coletivo de

interpretação e unificação do “campo de experiências sociais”, comportando recusas, medos e

esperanças, mas também um “horizonte de expectativas”.41

Retomando Paul Ricoeur, conforme Calazans, a utopia significa que um de “lugar

nenhum” lançou-se um olhar à realidade e que, através de um processo de estranhamento,

abriu-se o campo do “possível”, o espaço das maneiras alternativas de ser e estar no

presente.42

Tomei, assim, a busca da educação pública nos anos 50 e 60 como o espaço e o tempo

da utopia. É importante recuperar as falas dos que viveram estes anos e suas experiências

educacionais, e verificar por que determinadas memórias ficaram esquecidas.

Sob qualquer vertente que a educação pública se apresente - conscientizadora,

profissional, “elitista”- é preciso ligá- la ao contexto da época, quando havia um debate intenso

sobre os rumos da sociedade brasileira e o papel que o ensino público devia cumprir na

transformação da realidade nacional. Rejeitava-se toda uma tradição de desprezo pelas

39 BORGES, V. P. Anos trinta e utopias. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, p. 25-30. 40 FALCON, F. J. C. Utopia e modernidade. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, p. 121-145. 41 BACZKO, B. Les imaginaires sociaux. Mémoires et espoirs collectifs. Paris. 1984. 42 RICOEUR, P. Idéologie et utopie. Lisboa. 1991.

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camadas populares, concebia-se o ensino público como padrão de excelência, procurava-se,

via democratização do ensino, dar soluções às questões mais complexas que se apresentavam

naquele momento.

Voltando a Ricoeur, conforme Calazans, não podemos “imaginar uma sociedade sem

utopia, porque seria uma sociedade sem metas (....). Com a renúncia às utopias, o homem

perderia sua vontade de mudar a história e, com ela, a sua capacidade de a compreender”.43

Com todas as limitações da época, havia metas, e se havia metas, havia utopia.

O texto, a seguir, foi organizado em três capítulos:

O primeiro capítulo – A fundação do Ginásio Municipal de Belo Horizonte em 1948:

“promessa de candidato” – tem como objetivo verificar em que condições históricas o poder

público municipal assume, pela primeira vez, a função educativa na cidade, através da criação

do Ginásio Municipal, em 1948. As condições mais gerais do país são focalizadas, tomando-

se como referência a Revolução de 1930 e o período de (re)democratização, destacando-se as

iniciativas educacionais e seus reflexos na educação municipal.

O segundo capítulo – Uma escola no Parque Municipal (1948-1954) – procura

caracterizar a primeira fase do Ginásio Municipal, de 1948 a 1954, quando o estabelecimento

funcionava no centro da cidade, no Parque Municipal. Sem perder de vista as transformações

que ocorriam no país no plano educacional, analisa-se a reorganização administrativa e

pedagógica do Ginásio Municipal, a sua estruturação como “Colégio” e a as razões que

guiaram a mudança de sede do centro para o bairro Lagoinha, na zona suburbana da cidade.

Neste período, destacam-se não só as tendências dos governos locais em promover não

só o crescimento do ensino médio na cidade, mas também a expansão do ensino primário e a

erradicação do analfabetismo.

No terceiro capítulo – A “Universidade de Santo André” (1954-1972) –, que também

poderia ser chamado de “Nos tempos do professor Guilherme”, procurou-se caracterizar uma

segunda fase do Colégio Municipal de Belo Horizonte, quando funciona no bairro Lagoinha,

contextualizando, como nos capítulos anteriores, os fatos ocorridos. Afirmando-se como

referência no sistema de ensino municipal nas décadas de 50 e 60, buscou-se verificar as

possíveis mudanças ou persistências nos rumos do Colégio, em relação ao seu projeto inicial.

43 RICOEUR, P. op. cit. pp. 462-3.

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“Iniciativa inovadora, pois é o primeiro estabelecimento criado e mantido, no país, pelo poder municipal, para proporcionar ensino secundário

gratuito aos que não dispõem de recursos para fazer face às despesas nos educandários oficiais e particulares, a instituição do Ginásio Municipal suscitou gerais aplausos e mereceu francos elogios, não só da imprensa

mineira, como de prestigiosos órgãos da imprensa e do rádio do Rio e de São

Paulo.” (Prefeito Otacílio Negrão de Lima)44

44 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1949, p. 133.

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1. A Criação do Ginásio Municipal de Belo Horizonte em 1948:

“Promessa de Candidato”

“É ainda na década de 30 que eu vou assentar esta conversa com você...”45 é um

pequeno trecho do depoimento de um dos professores que viveu grande parte da trajetória do

Colégio Municipal, que este texto pretende trabalhar. Ocorrendo numa fase de transição, entre

o fim do Estado Novo e a volta ao Estado de direito, a referência inicial para o entendimento

da criação do “Ginásio Municipal” é o movimento de 1930 e as novas condições da sociedade

surgidas com a (re)democratização do país em 1946, em seus desdobramentos educacionais.

O objetivo deste capítulo é verificar em que condições históricas, globais e locais,

acontece a criação do Ginásio Municipal, em 1948, e que atores sociais envolveram-se no

processo de fundação desta instituição. Por um lado, os princípios que nortearam a atuação do

presidente Getúlio Vargas terão enorme influência nas instituições de ensino surgidas no país,

mesmo após o fim do período ditatorial. Por outro, o Ginásio Municipal é instalado pelo poder

público, para atender “às pessoas pobres e sem recursos”, inaugurando a intervenção do

município na educação, através da criação e manutenção da primeira escola de ensino

secundário de Belo Horizonte.

As memórias dos eventos históricos que dizem respeito à fundação do Colégio

Municipal variam de pessoa para pessoa, conforme a importância que atribuem aos fatos no

momento em que ocorreram e no momento em que são recordados. Com diz Bosi, o indivíduo

faz uma leitura social do passado com os olhos do presente e com a sensibilidade do

momento, havendo um tal modo de viver os fatos históricos que é difícil distinguir o que seja

memória histórica e memória pessoal. Além disso, o sujeito não narra apenas, mas emite

juízos de valor.

Para os idosos, sobretudo, lembrar é uma paciente reconstituição: a memória é

trabalho.46

1.1. A era Vargas e a organização do ensino nacional

Numa rápida retrospectiva, os aspectos fundamentais da educação escolar em Belo

Horizonte até 1930 podem ser entendidos a partir das mudanças operadas em 1889, com o

advento da República.

45 Entrevista concedida por Onofre Gabriel de Castro em Belo Horizonte, 20/05/2000. 46 BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos, 1984.

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Findo o regime monárquico, as bases institucionais sobre as quais se assentou o novo

regime foram o federalismo, o presidencialismo, a secularização das instituições e a ampliação

do regime representativo pelo aumento do contingente eleitoral. Às novas condições,

acrescentaram-se a continuidade de uma estrutura econômica definida pela grande propriedade

cafeicultora, voltada para o mercado externo, e um incremento das atividades industriais que,

no entanto, mantiveram-se em lugar secundário.

O panorama geral da 1ª República, para Maria do Carmo C. de Souza, correspondeu a um

sistema político cujo foco de poder se localiza no Estado, sob a hegemonia dos

economicamente mais fortes, liberal na sua forma, mas oligárquico quanto ao seu efetivo

funcionamento.47

Até 1930, no terreno da educação, a presença do poder central é mínima. A instrução

pública, em todos os seus graus, foi atribuída aos Estados, que não se comprometiam com a

gratuidade e com a obrigatoriedade do ensino nas escolas oficiais. O ensino laico impôs-se

para todas as escolas públicas. Segundo Carlos Roberto J. Cury, o federalismo republicano

teria cedido às pretensões dos grupos oligárquicos dominantes, tendo a educação se inserido na

Constituição como um direito individual, sob o efeito de um liberalismo excludente e pouco

democrático.48

O predomínio dos estados de maior força econômica e demográfica persistiu até os

primeiros anos da década de 20. A partir de então, observam-se alguns sintomas do

enfraquecimento das bases federalistas do regime republicano, como o inconformismo das

classes médias, as revoltas tenentistas e a movimentação antioligárquica dos estados

dissidentes.

Mesmo a Revisão Constitucional de 1926, promovida pelo executivo, visando ampliar as

faculdades e direitos do governo central perante os Estados, não alterou, segundo Alfredo Bosi,

os artigos vigentes em matéria de ensino público. A educação continuou “assunto privado, de

que a República poderia, na prática, desonerar-se”.49

Do ponto de vista das idéias educacionais, desde os primeiros anos da República,

constituíram-se no país correntes pedagógicas distintas que podem ser associadas a diferentes

47 SOUZA, M. C. C. O processo político-partidário na Primeira República. In: MOTA, C. G. (org.). Brasil em perspectiva , p. 167. 48 CURY, C. R. J. A educação e a Primeira Constituinte Republicana. In: FÁVERO, O. (org.) A educação nas Constituintes Brasileiras, 1823-1988, p. 69-80. 49 BOSI, A. A educação e a cultura nas constituições brasileiras. Novos Estudos, p. 64.

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setores sociais.50 Na década de vinte, a pedagogia nova vinculou-se às idéias vigentes nos

Estados Unidos e Europa, conhecidas pelo nome de “Movimento das Escolas Novas”.

Esboçavam-se, ainda nesse período, as duas grandes tendências do pensamento

educacional no país: de um lado, os liberais, partidários das idéias renovadoras, conhecidos

como “profissionais da educação”, defendendo basicamente a gratuidade do ensino, a

laicidade, a co-educação e a responsabilidade pública na educação; de outro, o grupo dos

conservadores, adeptos da pedagogia tradicional que, abrigando facções ligadas à Igreja

Católica, defendiam a subordinação da educação à doutrina religiosa, uma educação

diferenciada para os sexos masculino e feminino, o financiamento do ensino particular pelo

poder público e a responsabilidade da família no processo educacional.

Durante a 1ª República, renovadores e representantes da escola tradicional iniciaram uma

luta ideológica em defesa de seus princípios e projetos, que culminaria na publicação do

“Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em 1932, e se prolongaria até a elaboração do

projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961.

Em Belo Horizonte, estabeleceu-se uma polarização em torno da responsabilidade

atribuída ao Estado, à família e às diferentes esferas do poder público em matéria de

direito/dever de educar. A gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário foram estabelecidas

pela Constituição Mineira, que responsabilizou o Estado pela criação e manutenção das escolas

públicas. Desobrigado das funções educativas, o Município limitou-se a subvencionar as

escolas primárias, pagando os seus profissionais.

As iniciativas educacionais em Belo Horizonte foram determinadas pelas reformas

estaduais e visavam mais a estruturação de um sistema de organização escolar, que

privilegiava os níveis de ensino primário e normal. Merece ser lembrada, nesse sentido, a

Reforma João Pinheiro, em 1906, que instituiu os Grupos Escolares e a criação da Escola

Normal Modelo, depois Instituto de Educação, destinada ao preparo de profissionais para

exercer o magistério.

Na década de 20, sob a influência das idéias escolanovistas, começaram a aparecer as

reformas estaduais, que evidenciavam a necessidade de democratização da escola,

50 Essas correntes pedagógicas foram, segundo Ghiraldelli, a Pedagogia Tradicional, a Pedagogia Nova e a Pedagogia Libertária. A primeira, que pode ser associada às aspirações dos intelectuais ligados às oligarquias dirigentes e à Igreja, defendeu a indissolução dos termos educação e instrução, e acabou forjando um método de ensino que resultou no método expositivo de dar aulas. A segunda corrente emergiu no interior de movimentos da burguesia e das classes médias, que buscavam a modernização do Estado e da sociedade no Brasil. Entre outros aspectos, essa corrente enfatizava os “métodos ativos” de ensino-aprendizagem e o lugar do aluno no centro do processo educacional. A terceira corrente vinculou-se aos intelectuais ligados aos projetos dos movimentos sociais populares, e sobretudo aos desejos de transformação social contidos nas propostas do movimento operário de linha anarquista e anarco-sindicalista. Firmou como diretrizes uma educação de base

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possibilitando o acesso às novas camadas sociais que emergiam, o operariado e as setores

médios urbanos. Tais idéias estiveram presentes na Reforma Antônio Carlos – Francisco

Campos, de 1927/1930, no interior das mudanças políticas realizadas nesse período.

O número de escolas oficiais existentes em Belo Horizonte, entretanto, não era

suficiente para atender a toda população infantil em idade escolar. Esse problema se agravava

no nível do ensino secundário porque, concentradas nas mãos de ordens religiosas, as escolas

eram particulares e de acesso restrito às classes altas. A única escola de ensino secundário

oficial existente na cidade era o Ginásio Mineiro, depois Colégio Estadual de Minas Gerais,

transferido de Ouro Preto para a Capital.

Novos elementos seriam acrescentados à educação municipal depois de 1930. Nesse

sentido, a Revolução de 1930 tem sido vista como um divisor de águas na história brasileira,

quanto à natureza do Estado que se consolidou no país a partir deste movimento e as

iniciativas daí decorrentes em todos os campos da vida nacional. Para que a educação e a

cultura sejam compreendidas, é necessário destacar alguns aspectos significativos do

movimento de 1930, no conjunto da trama de acontecimentos que desencadearam a

Revolução.

Se o regime político que existiu no Brasil, com a implantação da República,

caracterizou-se pela consolidação do poder oligárquico dos cafeicultores, principalmente os

paulistas, são freqüentes as análises que reconhecem a primazia do poder central na condução

do processo político, econômico e social do Brasil, após 1930. Trata-se, entre outros, de

trabalhos que procuram explicar o desenvolvimento brasileiro segundo a noção de

“modernização conservadora”, que enfatiza o predomínio da “instância política” e de um

Estado infenso à representação dos grupos sociais. Esta consideração é compartilhada por

Boris Fausto ao formular a noção de “Estado de compromisso”, em seu clássico estudo sobre

a Revolução de 1930.51

Candidato da Aliança Liberal, e tendo sido derrotado nas eleições presidenciais de

1930, Getúlio Vargas ascende ao poder pela via revolucionária, depondo Washington Luís, o

último presidente da chamada “República Velha”. A frente que levou o líder gaúcho ao poder

aglutinou:

“...a classe dominante de uma região cada vez menos vinculada aos interesses cafeeiros (Minas Gerais) e de áreas deles inteiramente desvinculadas (Rio Grande do Sul e Paraíba), contando com a adesão de uma parcela considerável do aparelho militar do Estado. Sua base de apoio é representada por todas as forças

científica e racional, a dicotomia entre instrução e educação e a adaptação do ensino ao nível psicológico das crianças. Cf. GHIRALDELLI JÚNIOR, P. História da Educação, 1994. 51 FAUSTO, B. A Revolução de 1930: historiografia e história , 1976.

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sociais das regiões em dissidência e pelas classes médias dos grandes centros urbanos. O proletariado tem no episódio revolucionário uma presença difusa”. 52

Esta composição de forças sociais de natureza diversa não significou, entretanto, que

os interesses da burguesia cafeeira tivessem sido desprezados, mas a inexistência de oposições

radicais no interior das classes dominantes possibilitou a concretização de um Estado de

compromisso nos anos posteriores a 1930, cuja existência é garantida pelo Exército.

Para Boris Fausto, os primeiros anos da Revolução caracterizam-se pela atenção dada

às diversas frações burguesas. Embora as atividades industriais não tenham sido desprezadas,

isso não significou a dominação política da burguesia industrial.

Segundo Godinho, numa mesma linha de pensamento, o movimento de 1930

corresponderia a um processo de “revolução-restauração”, na medida em que, conduzido por

oligarquias regionais e pelos tenentes, não derrogou o poder oligárquico, preservando, na

nova realidade, elementos da velha ordem em declínio.53 Acomodando diversos interesses de

classes e/ou categorias sociais, a Revolução de 1930 teria tão somente significado um

“rearranjo no bloco no poder oligárquico com a diminuição do peso específico dos

fazendeiros de café de São Paulo”. 54 Progressivamente, a burguesia industrial condicionaria

a ação do Estado, à medida que consolidava as bases de seu poder na estrutura econômica.

De uma maneira geral, os revolucionários da década de 30, enfatizavam a necessidade

da unidade nacional, operada através do Estado, a quem caberia, por seu turno, disciplinar as

forças sociais, em nome do primado ético da Nação.

O Estado de compromisso correspondeu, por outro lado, a uma nova forma de Estado,

que se caracteriza pela maior centralização e pelo intervencionismo ampliado a todas as áreas

da vida nacional. A maior centralização não significou, porém, o fim das oligarquias, mas

agora elas se subordinam ao poder central. Em outras palavras, o sistema que emerge da

Revolução representa a superação de um ordem federalista descentralizada, em que o foco do

poder político e administrativo transferiu-se do Estado para a União.55

Do ponto de vista ideológico, os quadros dirigentes tenderam a abandonar as fórmulas

liberais, vinculando-se às idéias autoritárias e fascistas. Para Getúlio Vargas, conforme

Fausto, era preciso amoldar um

“fascismo brasileiro, nosso, com o intuito de fortalecer a unidade pátria, satisfeita a representação de classes a que tende o socialismo moderno. Não seria um

52 Ibidem. p. 102. 53 DELGADO, I. J. G. Burguesia e Estado – o caso de Minas Gerais: a estratégia de um revés, p. 138. 54 Ibidem. p. 146-147. 55 SOUZA, M. C. C. O processo político-partidário na Primeira República. In: FAUSTO, B. (org). Brasil em perspectiva , 1977.

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fascismo à Mussolini, um fascismo mediterrâneo. Mas, de toda forma um fascismo baseado no fortalecimento do Estado, pela contribuição dos princípios fundamentais de cada classe, bem definidas e atendidas pela administração dos negócios públicos”.56

As grandes transformações ocorridas a partir dos anos 30 tiveram inevitáveis

desdobramentos na área educacional. Desde os primeiros anos, Getúlio Vargas dispensou uma

grande atenção a este setor, que viria cumprir um papel fundamental na consolidação da

ordem política e institucional que se instalava no país. Ao mesmo tempo, o crescimento

populacional, a urbanização e a industrialização foram acompanhados por um aumento da

necessidade de escolarização em todos os níveis, para atender às novas exigências das

atividades econômicas, deslocadas do setor agrário para o secundário e terciário.

Os debates educacionais nos primeiros anos do governo Vargas foram intensos,

envolvendo uma diversidade muito rica de propostas para a sociedade, entre projetos liberais

e conservadores. Destes debates, não estiveram ausentes forças ultraconservadoras como a

dos integralistas, que se inspiravam nas idéias fascistas européias e se organizaram em torno

da A.I.B. (Ação Integralista Brasileira), em contraposição aos aliancistas, aglutinados na

A.N.L (Aliança Nacional Libertadora), entre os quais estavam os comunistas que, desde a

década de 20, lutavam pela defesa da escola pública e pela democratização do ensino.

O Estado procurou controlar as diversas tendências do pensamento educacional e os

projetos que se apresentavam para a construção da “nova” nação brasileira, mediando as

disputas entre as duas grandes forças do pensamento educacional, liberais e católicos. A

legislação de ensino ora conciliou as correntes em oposição, ora favoreceu uma delas. Pendeu,

entretanto, em favor das correntes conservadoras.

Diferentemente das reformas estaduais realizadas na década anterior, que ocorreram de

forma descentralizada, a polí tica educacional de Vargas mostrou-se crescentemente

centralizadora, e voltada para a estruturação de um sistema nacional de ensino, até então

inexistente.

Entre os anos 30 e 37, uma das primeiras medidas tomadas por Getúlio Vargas foi a

criação do MESP (Ministério da Educação e Saúde Pública), tendo Francisco Campos como

titular da pasta. Este órgão atuou em todo o sistema educativo, promovendo reformas

educacionais, e fora dele, criando normas e instituições para que a sociedade brasileira se

mobilizasse e participasse civicamente do grande projeto de construção da Nação. É no

campo das reformas educacionais, entretanto, que a atuação do Ministério teve maior impacto.

56 Diário Nacional, 21.1.1932. In: FAUSTO, B. A Revolução de 1930: historiografia e história, p. 111.

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Conforme mostramos, Francisco Campos empreende uma reforma no ensino em

Minas Gerais, ao final dos anos 20, quando secretário de governo. Embora ligado aos

“profissionais da educação”, transitava facilmente entre os conservadores, mediando com

habilidade as disputas entre esses dois grupos. À frente do MESP (Ministério da Educação e

da Saúde Pública), liderou uma reforma na educação, generalizando um modelo de ensino

para o país como um todo.

Os aspectos mais significativos da reforma Francisco Campos foram a criação do

Conselho Nacional de Educação, a estruturação do ensino comercial, o estabelecimento de

diretrizes para o ensino superior e a organização do ensino secundário. Toda atenção foi

dispensada a este nível de ensino, na expressão de Lauro de Oliveira Lima, a única “estrada

real para a universidade”.57

A reforma Francisco Campos estabeleceu, no nível do ensino secundário, a freqüência

obrigatória, dois ciclos, um fundamental e outro complementar, e a exigência de habilitação

nesses ciclos para ingresso no ensino superior. Equiparou todos os colégios secundários

oficiais ao Colégio Pedro II, estabelecimento de ensino modelar, mediante a inspeção federal.

Isso significou que encerrava-se o monopólio estatal do acesso ao curso superior, ampliando a

política de oficialização das escolas privadas.58

Um aspecto interessante que Lauro de Oliveira Lima destaca na atuação de Francisco

Campos é a linha cientificista que ele tentou imprimir à reforma, acrescentando as “novas

humanidades” (Matemática, Física, Química e Biologia) à tradição das letras clássicas.59

Falando em “degenerescência do ensino secundário”, quando, na verdade, este nível

de ensino não existia no país, a reforma instalou um sistema escolar seriado, pondo fim aos

preparatórios, parcelados, bancas examinadoras, que até então caracterizavam o curso

secundário. Ademais, a reforma criou uma série de funções e órgãos (inspetores, inspetorias

seccionais, delegacias de ensino), responsáveis por acompanhar toda a organização da vida

escolar.

Concomitantemente, a orientação estabelecida para o ensino superior foi

particularmente importante. A reforma Francisco Campos previu a criação da Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras e, pela primeira vez, cogitou-se a respeito da formação do

57 LIMA, L. O. Estórias da educação no Brasil: de Pombal a Passarinho, p. 122. 58 Marlos Bessa Mendes da Rocha observa que a equiparação entre escolas públicas e privadas teve como conseqüência uma grande expansão das escolas de ensino secundário privado nas décadas de 30 e 40, provocando o aparecimento de um novo ator educacional, o empresariado do ensino, que não se confunde com o ator privado anterior, constituído pela organização eclesiástica católica. Cf. ROCHA, M. B. M. Tradição e modernidade na educação: o processo constituinte de 1933-1934. In: FÁVERO, O. (org.). A educação nas constituintes brasileiras, 1823-1988, p. 119-138. 59 LIMA, L. O. op. cit. p. 122.

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professor de nível superior e médio. As faculdades de Filosofia caracterizaram, desta forma, a

função de magistério, até então reduzida a um “registro” no Ministério, e exercida por

profissionais recrutados entre as mais diversas profissões.

Os aspectos organizacionais das escolas de ensino secundário após 1930 são

enfatizados nas lembranças de Geraldo Sardinha Pinto:

“Naquele tempo, o ensino era unificado, quer dizer, pela própria lei, pelos atos oficiais que criavam os colégios, fizeram de uma maneira centralizada... Ele (Colégio Pedro II) é que fazia o currículo. A congregação de lá é que fazia o currículo e os outros (colégios) seguiam até certo ponto, quando podiam, quando tinham recursos para isso. Mas, a tendência era seguir, vamos dizer, a perfeição do Colégio Pedro II, como foi feito... Aqui, por exemplo, no meu tempo, o Colégio Estadual era tudo recalcado no Colégio Pedro II. Era chamado equiparado ao Colégio Pedro II, equiparado.

...Eu fui chamado para fazer parte do Colégio Municipal...Mas já era do Colégio Estadual de Minas Gerais, que era o cabeça de sistema de organização de ensino, como a Escola Normal. Quer dizer, todas as escolas que se faziam, se criavam, recebiam uma ficha oficial do Estado. Tinha que ser segundo o modelo oficial.

...Tinha a inspeção que exigia o cumprimento das leis federais que, por sinal, era calcada nas leis federais... A certificação era dada depois de uma fiscalização que era permanente. Ela existia no estabelecimento. Fiscalizava as aulas, fiscalizava a escrita do Colégio, o mandamento do ensino, tudo isso era feito.

As provas eram marcadas, executadas, corrigidas e quem acompanhava aquilo, assistia, era o fiscal federal. Olha aí, o fiscal federal”.60

A reforma Francisco Campos resistiu por onze anos. Representou a primeira

ordenação nacional do ensino, embora não tenha se preocupado com o ensino primário e

normal, que continuou sob a jurisdição histórica dos estados.

Em 1934, após a sua eleição por uma Assembléia Nacional, Vargas passou a governar

como presidente constitucional do Brasil. Neste período, o debate entre as diversas tendências

educacionais não arrefeceu. A grande questão que estava na base das discussões educacionais

entre liberais e conservadores era a polarização entre o Estado e a família em matéria de

direito/dever de educar. Desde que o Estado assumisse a função educativa, o monopólio

exercido pela Igreja Católica no ensino médio sofreria um novo revés, uma vez que este

achava-se abalado desde a Constituição de 1891, pela instituição do ensino laico no Brasil.

A Constituição de 1934, de tendências democratizantes, incorporou ao seu texto idéias

educacionais, tanto conservadoras, quanto liberais. Por um lado, o ensino religioso foi

inserido nas escolas públicas, ao mesmo tempo em que reconhecia o papel educativo dos

estabelecimentos particulares e da família. Por outro, instituiu-se como norma a tendência à

gratuidade do ensino ulterior ao primário, a fim de torná- lo mais acessível.

60 Entrevista concedida por Geraldo Sardinha Pinto em Belo Horizonte, 23/04/2001. Ex-Professor Catedrático, por concurso, do Colégio Municipal de Belo Horizonte, na cadeira de Latim.

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Para Bosi, esta proposta merece destaque por atribuir à União a tarefa progressiva de

fundar e manter escolas secundárias e superiores gratuitas, dando um passo consideráve l para

ampliar a esfera da instrução popular. Nesse campo, as Constituições seguintes não

superariam a Carta de 34.61

Os anos que se seguiram a 1934 foram decisivos para o processo de centralização do

poder e para o fortalecimento do Estado, iniciados por Getúlio Vargas. Em meio ao embate de

diversos grupos e forças sociais, em 1937, precipitou-se um golpe de Estado, iniciando o

período ditatorial de Getúlio Vargas – o Estado Novo – que se prolongou até 1945. O mal

maior em nome do qual se deu o golpe foi a “ameaça comunista” e um suposto plano de ação

revolucionária, o plano Cohen, para a tomada do poder constituído.

Um dos principais grupos que apoiaram Getúlio Vargas foi a alta cúpula das Forças

Armadas, além das novas oligarquias situacionistas dos Estados e municípios, a burguesia,

especialmente a fração industrial, os integralistas e a maior parte da hierarquia da Igreja

Católica.

Entre os intelectuais, um dos mais destacados, Francisco Campos, redigiu a nova

Constituição. Por esta Carta, eram dados amplos poderes ao Presidente, instituía-se um Estado

fortemente centralizado e intervencionista, e eliminavam-se os últimos resquícios do

federalismo que caracterizara a República Velha, através da nomeação de interventores para o

governo dos estados. Também foi importante para a legitimação do Estado Novo a anulação

de toda a oposição e o controle ideológico, através da propaganda e da censura.

No novo sistema político que se instalava, a instância decisiva era o poder pessoal de

Getúlio Vargas, que se identificava com a própria Nação. O Estado Novo era o “Estado

Nacional”, caracterizado por Vargas e seus ideólogos.

Um dos setores em que a intervenção do Estado apresentou-se mais significativa foi

no campo econômico, através da instalação de novas indústrias, fortalecendo o peso da

burguesia industrial no bloco do poder. Criaram-se as condições para o surgimento de uma

“burocracia industrial”, e um novo agente econômico e político, o “tecnocrata”, cuja

influência duraria mais do que o regime varguista.62

Com relação às massas, Getúlio Vargas concedeu aos trabalhadores uma legislação

favorável, que consubstanciava algumas reivindicações históricas dos operários. Ao mesmo

61 BOSI, A. A educação e a cultura nas constituições brasileiras. Novos Estudos, 1986. 62 Otávio Soares Dulci identifica as várias interpretações que põem em destaque o papel central assumido pelo Estado no processo de modernização do país, a partir dos anos 30, como Raimundo Faoro, Boris Fausto, Simon Schwartzman, e que centram a sua atenção nas elites estratégicas que se vincularam ao aparelho estatal: tecno-burocracia, militares, quadros políticos. Para maiores informações sobre estas e outras interpretações, cf.

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tempo, o governo reprimia duramente o movimento operário e restringia a participação

política aos sindicatos, controlados pelo governo. Na tentativa de reforçar os laços com os

trabalhadores, configurou-se no período uma relação personalista entre o Presidente e o povo,

o populismo, que seria, por muito tempo, um componente da vida política brasileira.

Na área da educação, uma das principais realizações do Estado Novo foi a criação do

ensino da Filosofia, Ciências e Letras, conforme previsto pela reforma Francisco Campos. Até

então, as escolas que existiam no país eram de caráter estritamente profissional. Esta

modalidade de ensino viria suprir a carência daqueles que desejavam orientar sua atividade

“para a pesquisa desinteressada ou para o magistério secundário ou superior”.63

O plano geral das faculdades de Filosofia foi estabelecido em 1939, com a criação da

Faculdade Nacional de Filosofia, “destinada à formação de trabalhadores intelectuais e de

professores do ensino secundário”.64

Outras realizações significativas foram a criação do INEP (Instituto Nacional de

Estudos Pedagógicos), do INL (Instituto Nacional do Livro), do SPHA (Serviço do

Patrimônio Histórico e Artístico), do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial)

e do SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).

O Plano Nacional que deveria ser elaborado pelo Conselho Nacional de Educação não

foi votado, com o fechamento do Congresso em 1937. As diretrizes educacionais do Estado

Novo foram estabelecidas pela constituição que ordenou juridicamente o novo regime e as

Leis Orgânicas, decretadas entre 1942 e 1946.

Pela Carta de 1937, a educação era, prioritariamente, dever e direito dos pais, que

contariam apenas com a colaboração do Estado. O ensino religioso poderia ser contemplado

nas escolas, sem o caráter de obrigatoriedade e freqüência às aulas. A Constituição era

incisiva ao declarar, como primeiro dever do Estado, o “ensino pré-vocacional e profissional

destinado às classes menos favorecidas”.65 A gratuidade do ensino não excluía o dever de

solidariedade dos menos para com os mais necessitados, de modo que aqueles contribuíssem

para o custeio do ensino destes, através das caixas escolares. No que se refere aos ginásios e

universidades, as disposições da Constituição de 1937 são vagas, ficando diluídas no elenco

das instituições culturais e de ensino que o Estado deveria proteger ou criar.

DULCI, O. S. Empresariado e Política em Minas Gerais. Revista do Departamento de História, 1990. Ver também DELGADO, I. J. G. Burguesia e Estado – o caso de Minas Gerais: a estratégia de um revés, 1995. 63 CAPANEMA, G. Educação. In: SCHWARTZMAN, Simon (org.). Estado Novo, um auto-retrato, p. 370. 64 CAPANEMA. op.cit. 356. 65 CAMPOS, F. O Estado Nacional e suas diretrizes, p. 48.

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As Leis Orgânicas representaram uma continuidade ao esforço iniciado por Francisco

Campos. Decretadas pelo Ministro Gustavo Capanema 66, constituíram-se basicamente em seis

decretos- leis que ordenavam o ensino primário, secundário, industrial, comercial, agrícola e

normal.

Especial atenção era dada ao ensino secundário, através da Lei Orgânica do Ensino

Secundário, de abril de 1942. Enquanto o ensino primário continuava na alçada dos estados e

municípios, a educação secundária foi o ápice do sistema, a área considerada prioritária pelo

ministério Capanema, e aquela em que os seus princípios educacionais seriam mais

explicitamente reafirmados.

O sistema educacional seria organizado para atender à divisão econômico-social do

trabalho. Assim, teríamos uma educação superior, a educação secundária, a educação

primária, a educação profissional e a educação feminina, destinadas respectivamente à elite da

elite, à elite urbana, aos jovens que comporiam o grande “exército de trabalhadores

necessários à utilização da riqueza potencial da nação” e, por fim, às mulheres. A educação

deveria estar, antes de tudo, a serviço da nação, “realidade moral, política e econômica” a ser

constituída.67 Para que as funções do ensino secundário fossem cumpridas, foi dado a este

nível de ensino uma orientação profundamente diferente das outras formas do ensino médio.

Recuperando propostas desenvolvidas anteriormente, o currículo do ensino secundário

deveria ter um conteúdo essencialmente humanístico, submetendo-se a um rigoroso controle

de inspeção e reconhecimento, e era o único que dava acesso ao curso superior. Para os que

não conseguissem ingressar no ensino secundário, através do exame de admissão, restava ir

para o ensino industrial, agrícola ou comercial, que deveria prepará-los para a vida do

trabalho.

Em termos estruturais, a reforma de 1942 dividiu o ensino secundário em dois ciclos:

o ginásio e o colégio. A legislação era tão restritiva que somente os estabelecimentos

destinados ao ensino secundário poderiam ter essas denominações. O primeiro ciclo teria a

duração de quatro anos. O segundo, com três anos de duração, oferecia duas modalidades: o

científico e o clássico.

66 Político, advogado, escritor e professor. Natural de Pitangui. Oficial-de-gabinete do presidente Olegário Dias Maciel, teve participação ativa na Revolução de 1930. De 1931 a 1933 foi Secretário Estadual do Interior e Justiça. De 1934 a 1945, Ministro da Educação e Saúde. Depois de deixar o Ministério, elegeu-se deputado federal (1946-1971) e, em seguida, senador (1971-1979). Pertenceu ao PRM, ao PSD e à ARENA. Cf. MONTEIRO, N. G. (coord.). Dicionário Biográfico de Minas Gerais – Período Republicano – 1889-1991 , 1993. 67 CAPANEMA, G. Conferência feita por ocasião do centenário do Colégio Pedro II em 2/12/1937. In: SCHWARTZMAN, S. et al. Tempos de Capanema , p. 189.

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Os currículos dos cursos ficaram assim constituídos:68

1º ciclo – Ginasial, com 4 séries: Disciplinas Séries

Português....................................................................... I II III IV Latim ............................................................................ I II III IV Francês.......................................................................... I II III IV Inglês............................................................................. II III IV Matemática.................................................................... I II III IV Ciências Naturais.... ...................................................... III IV História Geral................................................................ I II História do Brasil.......................................................... III IV Geografia Geral............................................................. I II Geografia do Brasil....................................................... III IV Trabalhos manuais........................................................ I II Desenho...... .................................................................. I II III IV Canto Orfeônico........................................................... I II III IV 2º ciclo a) Curso Clássico – 3 séries Português................... .................................................... I II III Latim............................................................................. I II III Grego (optativo) ........................................................... I II III Francês...... .................................................................... (optativo) Inglês............................................................................. (optativo) Espanhol........................................................................ I II Matemática.................................................................... I II III História Geral................................................................ I II História do Brasil........................................................ .. I II Geografia Geral............................................................. I II Física............................................................................. II III Química......................................................................... II III Biologia......................................................................... III Filosofia......................................................................... III b) Curso Científico – 3 séries Português....................................................................... I II III Francês.......................................................................... I II Inglês............................................................................. I II Espanhol........................................................................ I Matemática.................................................................... I II III Física............................................................................. I II III Química......................................................................... I II III Biologia......................................................................... II III História Geral................................................................ I II História do Brasil.......................................................... III Geografia Geral............................................................. I II Geografia do Brasil................................. ...................... III Desenho......................................................................... II III Filosofia......................................................................... III

É visível que a principal marca do ensino secundário era o caráter de cultura geral e

humanística dos currículos. Na exposição de motivos da Lei Orgânica do Ensino Secundário,

Gustavo Capanema assim se pronunciava sobre a finalidade específica do ensino secundário:

“formar nos adolescentes uma sólida cultural geral, marcada pelo cultivo das humanidades

antigas e humanidades modernas e bem assim acentuar e elevar a consciência patriótica e a

consciência humanística”.69

68 FONTE: ROMANELLI, O. O. História da Educação no Brasil (1930/1973) , p. 157. 69 Exposição de Motivos da Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1/4/1942. GC 36.03.24/1, pasta 1K, doc.1. In: SCHWARTZMAN, S. et al. Tempos de Capanema , p. 192.

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Como nos referimos anteriormente, Francisco Campos cuidara de introduzir as

ciências nos currículos do ensino secundário. Para Capanema, a formação humanística

clássica, representada pelo latim e pelo grego, deveria predominar sobre a Física, a Química e

as Ciências Biológicas. Essa perspectiva se justificava, segundo Capanema, pela vinculação

de nossa cultura às origens helênicas e latinas, o que não deveria ser rompida.

O Latim, efetivamente, ocupou um lugar singular na organização do currículo, como

lembra Geraldo Sardinha Pinto:

“A disciplina, a língua latina, foi constituída como pedra fundamental e, eu repito, pedra fundamental do currículo das escolas do Brasil. Eu estou insistindo nesse ponto, porque a primeira disciplina que era mencionada era o Latim. Chegou a ponto de, no Colégio Nacional (Estadual), aquele que era aprovado em latim não fazia exame de Português. Por aí se vê a importância que exala o Latim como cadeira fundamental. Agora, por ser a língua, a língua mãe, não é? A língua que faz parte de nossa cultura chamada greco-romana, que é a coisa mais sólida que nós temos na nossa cultura ocidental”. 70

A escola secundária deveria formar também uma verdadeira “consciência patriótica”,

própria de “homens portadores de concepções e atitudes que é preciso infundir nas massas,

que é preciso tornar habituais entre o povo”.71 Tratava-se de formar uma elite exemplar que

guiasse as massas, portanto, na Exposição de Motivos da Lei Orgânica, o ensino secundário

destinava-se “à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão

assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação”.72

Consciência humanística e consciência patriótica, moldando o caráter dos

adolescentes, seriam os instrumentos perfeitos para a organização do Estado e de suas

instituições.

A organização do ensino secundário previa a formação moral e cívica, traduzida na

crença em Deus, na religião, na família e na pátria. Não era uma disciplina, mas uma

mentalidade que deveria permear todo o sistema educacional, uma vez que:

“é por ela que se forma o caráter dos cidadãos, infundindo-lhes não apenas as preciosas virtudes pessoais, senão também as grandes virtudes coletivas que formam a têmpera das nacionalidades – a disciplina, o sentimento do dever, a resignação nas adversidades nacionais, a clareza nos propósitos, a presteza na ação, a exaltação patriótica”. 73

Em relação ao ensino religioso, os estabelecimentos teriam a liberdade de incluí- lo em

ambos os ciclos, cabendo à autoridade religiosa fixar os programas. O ensino militar seria

70 Entrevista concedida por Geraldo Sardinha Pinto em Belo Horizonte, 23/04/200l. 71 SCHWARTZMAN, S. op. cit. 194. 72 Ibidem. p. 194. 73 Gustavo Capanema. Conferência feita por ocasião do centenário do Colégio Pedro II em 2/12/1937. GC/Capanema, G. 37.12.02, série pi. In: SCHARTZMAN, et al. op. cit. p. 193.

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outra forma de transmissão da consciência patriótica, e suas diretrizes deveriam ser

estabelecidas conjuntamente entre o Ministério da Educação e o da Guerra.74

Trabalhos manuais tornara-se uma disciplina obrigatória no currículo de 1º ciclo desde

a Constituição de 1937. Segundo Capanema, a educação física e o canto orfeônico,

igualmente obrigatórias, visavam enfatizar as “práticas educativas” destinadas à formação

física, cívica e moral da juventude, superando o caráter “acentuadamente instrutivo” das

escolas do país, que punham muita ênfase no ensino propriamente científico e literário.75

A Lei Orgânica do Ensino Secundário determinava a obrigatoriedade de freqüência à

escola secundária, procedimento através do qual os jovens teriam assegurado um período

suficiente para aprender uma cultura comum, adquirindo valores a serem difundidos para o

resto da população.

Outra questão era a diferenciação rígida dos papéis sociais dos dois sexos e, em

conseqüência, a sua separação dentro do sistema educacional, resultando numa oposição à co-

educação, que só seria autorizada mediante especial autorização do ministro da Educação.

A Lei Orgânica do Ensino Secundário fala ainda, conforme Cunha, em orientação

educacional com a função de “cooperar no sentido de que cada aluno se encaminhe

convenientemente nos estudos e na escolha de sua profissão”.76 Quanto ao preparo do

professor, não há nenhuma referência a esse assunto, já que as faculdades de Filosofia vinham

se desincumbindo desta tarefa.

Segundo o ministro Capanema, a reforma do ensino secundário pautou-se “pela

opinião de representantes de todas as correntes pedagógicas, procurando conciliar as

tendências opostas ou divergentes”.77 No entanto, houve concessões, como a manutenção das

ciências nos currículos, a inclusão da educação religiosa, a instrução pré-militar obrigatória e

a proibição da co-educação, exceto quando especialmente autorizada.

Juntamente com a Constituição de 1937, as Leis Orgânicas oficializaram o dualismo

educacional: um sistema de ensino bifurcado, com um ensino secundário destinado a formar

as “elites condutoras” e um ensino técnico-profissionalizante para as classes populares,

definindo o lugar que cada camada social deveria ter na construção da nação brasileira.

74 A instrução pré-militar, obrigatória nos estabelecimentos públicos e particulares foi motivo de muitos conflitos. Em parecer encomendado pelo próprio Ministro Capanema, sobre a fusão dos exercícios de educação física com os de instrução pré-militar ao diretor da Divisão de Educação Física do Ministério da Educação e Saúde, de 21/8/1945, o documento argumentou a favor da extinção da instrução pré-militar, e pela permanência da educação física. Cf. SCHWARTZMAN, S. et al. Tempos de Capanema , p. 198-199. 75 CAPANEMA, G. Educação. In: SCHWARTZMAN, S. et al. Estado Novo, um auto-retrato , p. 371. 76 CAPANEMA, G. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, nº 134, abr/jun/74, p. 267. In: CUNHA, C. Educação e autoritarismo no Estado Novo, p. 131.

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As Leis Orgânicas representaram a consolidação de um sistema nacional e unificado

no país, sistema até então inexistente. Entretanto, a sua implementação esbarrou em

obstáculos e limitações. O financiamento do ensino foi uma das questões ignoradas, o que fez

com que os estados tivessem muitas dificuldades em conseguir ampliar a rede oficial no nível

do ensino secundário.

Outro problema para a reforma de 42 foi a expansão do setor privado da educação. De

acordo com um levantamento feito pela Divisão de Ensino Secundário do Ministério em

1939, dos 629 estabelecimentos de ensino em todo o país, 530 eram particulares. Quase um

terço das escolas estava no estado de São Paulo (196), que tinha também quase a metade de

todas as escolas públicas do país (43 de um total de 99), formadas por uma grande maioria de

ginásios e escolas normais. Estas escolas queixavam-se dos custos do ensino, requerendo a

concessão de subsídios, para que fosse disseminado um ensino secundário destinado à

“formação das elites.”

Por outro lado, foi preciso criar, como já nos referimos, uma complexa estrutura

burocrática de inspeção e reconhecimento das escolas de ensino secundário, para que

proporcionassem a educação oficialmente exigida.

Houve setores da sociedade que não se submeteram completamente à tutela do Estado

Novo, impedindo que o governo conseguisse a ampla mobilização patriótica e cívica que

esperava. O sistema centralizado de ensino também não significou aumento da escolaridade

no país, mas uma redefinição e ampliação somente do ensino secundário. Na verdade,

segundo Schwartzman, “o sentido das reformas educacionais era menos o da ampliação do

sistema de ensino do que o de seu controle e regulamentação, resultando numa profusão de

leis, regulamentos, normas e rotinas”.78

O que ocorria na área da educação era parte de um projeto mais amplo de

transformação do país que ficou conhecido como “modernização conservadora”:

“um processo que permite a inclusão progressiva de elementos de racionalidade, modernidade e eficiência em um contexto de grande centralização do poder, e leva à substituição de uma elite política mais tradicional por outra mais jovem, de formação cultural e técnica mais atualizada”.79

Mesmo depois de restabelecido o regime democrático em 1946, as Leis Orgânicas

continuaram a reger a organização da educação brasileira, prolongando-se por todo o período

em que estavam sendo discutidas as diretrizes e bases da educação nacional.

77 Exposição de Motivos da Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1/4/1942. In: SCHWARTZMAN, S. et al. Tempos de Capanema , p. 199. 78 SCHWARTZMAN, S. et al. op. cit. p. 263.

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1.2. A (re)democratização em 1946

Em 1945 encerra-se o Estado Novo, com a deposição de Getúlio Vargas. Alguns anos

antes, já se desencadeara no país uma campanha pela redemocratização, vinculada a

circunstâncias externas e internas. O rompimento do Brasil com os países do Eixo, a entrada

na 2ª Guerra Mundial ao lado dos países liberais-democráticos e a vitória dos Aliados tornou

impossível sustentar internamente os ideais totalitários. Sucediam-se manifestações de

intelectuais, estudantes, operários e dirigentes políticos contra o Estado Novo. A legislação

repressora é abrandada, permitindo a organização de partidos políticos e a rearticulação de

associações de classe como a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a ABE (Associação

Brasileira de Escritores).

Três grandes partidos dominavam então o cenário político: o PSD (Partido Social

Democrata), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e a UDN (União Democrática Nacional).

Em linhas gerais, a UDN congregava pessoas e idéias que representavam a oposição aberta a

Vargas e ao regime instaurado com a Revolução de 30; menos marcante como oposição, mas

alinhado à máquina getulista, aparecia o PSD, criado dentro do Estado, sobre as bases

estaduais e locais convocadas pelos interventores indicados pelo Estado Novo e o PTB,

organizado por Vargas para institucionalizar a sua penetração entre as massas e trabalhadores

organizados.

A pressão no sentido de liberalização do regime centrou-se na questão da sucessão

presidencial. Em meio a manobras continuístas, e dando demonstrações de aproximação com

as massas populares, Getúlio Vargas perdeu o seu principal sustentáculo, as Forças Armadas,

que depõem o presidente.

Em dezembro de 1945, realizam-se as eleições que deram a vitória ao general Eurico

Gaspar Dutra, candidato do esquema PSD-PTB, e que havia sido Ministro da Guerra de

Getúlio Vargas. Ao mesmo tempo, foram escolhidos os representantes que iriam redigir uma

nova Constituição para o país.

As eleições de 1945 revelaram que a estrutura estadonovista não havia sido rompida

completamente, uma vez que o partido vitorioso provinha dos quadros políticos do regime

que acabara de se extinguir. Segundo Dulci, houve uma continuidade institucional em relação

ao Estado Novo. O governo Dutra teria possibilitado que as elites tradicionais, enfraquecidas

durante o governo Vargas, recuperassem parte de seu poder, mesclando uma volta parcial à

79 Ibidem. p.

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política oligárquica com elementos herdados do período pós-1930, dando- lhe uma tonalidade

autoritária.80

Ainda que o quadro de continuidade institucional revelasse os limites da democracia

instaurada no país, a realização das eleições, a Constituinte, a reorganização e a ampliação do

quadro partidário, a livre manifestação das diversas tendências políticas, a liberdade dos

meios de comunicação, as manifestações e concentrações populares eram indícios de que

começava a se desenvolver no país um processo político com traços democráticos.

A Constituição de 1946 expressou o período de transição pelo qual passava o país.

Pautando-se pelo predomínio de princípios liberais, estabelecia, ao mesmo tempo, limites para

a participação democrática. Para Oliveira, a redação desta Carta foi precedida de um certo

consenso ideológico que permeou grupos, partidos, instituições, para que ela servisse de

“aval” a uma vida democrática, ainda que restrita, e representasse a garantia da “unidade

nacional”.81

Nesta precária conciliação de tendências diferenciadas, deve ser vista a nomeação do

banqueiro baiano Clemente Mariani, para o Ministério da Educação do governo Dutra,

aproximando o PSD, herdeiro da ditadura estadonovista, à UDN, que lhe fazia oposição.

No aspecto educacional, a Constituição de 1946 pouco alterou a organização

constitucional erigida pelo Estado Novo. Revogaram-se os aspectos mais visivelmente

autoritários, como a educação moral e cívica e a instrução pré-militar nas escolas, e

recuperou-se a liberdade de cátedra inexistente na Constituição de 1937. Os analfabetos,

entretanto, continuaram sem o direito de voto.

A presença de Gustavo Capanema – o articulador da política educacional

estadonovista – nos quadros do Estado, como senador eleito e constituinte, garantiu a

continuidade desta política. Mesmo assim, os liberais conseguiram incluir na Constituição um

dispositivo que dispunha sobre a elaboração de uma “lei de diretrizes e bases da educação

nacional”.

Quanto à gratuidade e obrigatoriedade, a Carta de 46 estabelecia que a educação era

direito de todos, sendo dada no lar e na escola. Menos ampla do que a Constituição de 34, o

texto garantiu o ensino primário para todos e propôs a gratuidade para os demais níveis, nos

casos em que fosse provada insuficiência de recursos. Estados e União se encarregariam do

ensino primário, facultando-o ao Município. O ponto mais polêmico, segundo Oliveira, foi a

80 DULCI, O. S. A “União democrática nacional” e o anti-populismo no Brasil, 1986. 81 OLIVEIRA, R. P. A educação na Assembléia Constituinte de 1946. In: FÁVERO, Osmar. A educação nas Constituintes Brasileiras, 1823-1988, p. 153-190.

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questão do ensino religioso, que passou a constituir disciplina dos horários das escolas

oficiais, de matrícula facultativa, e ministrada de acordo com a confissão religiosa do aluno.82

Um fato novo nos debates educacionais no período pós-45 foram as contribuições das

idéias progressistas de socialistas de várias matizes. No curto período de 1945 a 1947 em que

esteve na legalidade, o PCB (Partido Comunista do Brasil) cresceu acentuadamente,

congregando setores populares e amplas camadas de trabalhadores assalariados. Organizaram-

se comitês populares, que proliferaram nas grandes cidades, desenvolvendo uma intensa

atuação em defesa do processo de redemocratização. Os comitês envolveram-se também com

as questões educacionais e a defesa do ensino público, postulando que a erradicação do

analfabetismo e a elevação cultural do povo eram a chave para a efetivação da democracia,

através do crescimento do número de eleitores.

A atuação de movimentos de esquerda no sentido da democratização do ensino ganhou

espaço na imprensa e nos debates parlamentares. Para Ghiraldelli, esses movimentos devem

ser destacados, porque iam trazendo para o debate pedagógico formas de pensar menos

comprometidas com os grupos dominantes. Por outro lado, o pensamento educacional

socialista conquistou boa parte da intelectualidade dos anos 50, que passou a se comprometer

mais seriamente com a problemática do ensino público.83

De fato, a questão pontual nos debates educacionais após o Estado Novo era a

continuidade ou não de um modelo centralizado de educação, legado do projeto do Ministério

da Educação e Saúde do governo Vargas. Tratava-se, segundo Schwartzman, de implantar, às

últimas conseqüências, um sistema amplo e nacional de educação leiga, universal e gratuita

ou, em nome dos princípios da liberdade de pensamento e dos direitos da família, desmantelar

a máquina administrativa e subsidiar a educação privada, em sua maioria de orientação

católica.84

Por quase vinte anos, o sistema educacional herdado do Estado Novo permaneceria

intocado, sobretudo devido à presença de Gustavo Capanema no Congresso. Nem mesmo a lei

de Diretrizes e Bases de 1961 logrou, efetivamente, substituir toda a estrutura educacional

montada naquele período.

82 OLIVEIRA, R. P. A educação na Assembléia Constituinte de 1946, op. cit. 1996. 83 GHIRALDELLI JÚNIOR, P. História da Educação, 1994. 84 SCHWARTZMAN, S. et al. Tempos de Capanema , 1984.

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1.3. O povo no comício

1.3.1. A industrialização e a metropolização da Capital

Conforme nos referimos anteriormente, desde os anos 30, a burguesia industrial

fortaleceu a sua posição no bloco da aliança conservadora que sustentou o governo Vargas.

Entre os anos 40 e 60, a industrialização e o planejamento estatal passaram a ser

considerados as alternativas essenciais para superar o atraso e desencadear o processo de

modernização do país.

No caso de Minas Gerais e, especificamente, de Belo Horizonte, alguns traços do

processo de industrialização devem ser destacados: a idéia de que a Nova Capital deveria ser

o pólo articulador das diversas regiões do estado, a forte intervenção estatal e os momentos

decisivos de implantação desta política industrializante

Desde os primeiros anos de sua fundação, as funções político-administrativas e

culturais de Belo Horizonte foram priorizadas. No entanto, a Nova Capital deveria cumprir

também a sua destinação de pólo econômico e industrial, sendo capaz de gerar uma “força

centrípeta mantenedora da unidade territorial do Estado”. Neste sentido, apesar da presença

de um grande número de funcionários, já nas primeiras do século XX, Belo Horizonte

constituía-se como uma “cidade de trabalhadores”. 85

Agregando centros econômicos isolados e possuindo um sistema estadual de

transportes deficiente, na década de 20, apesar das dificuldades, a região central já abrigava

um número razoável de pequenas e médias indústrias, centradas no setor têxtil e alimentício.

É o desenvolvimento da indústria siderúrgica que progressivamente conduzirá o centro

do estado a pólo articulador das diversas regiões. Nos anos 40, as principais atividades

industriais de Belo Horizonte concentravam-se nos ramos têxtil, metalúrgico e extrativo-

mineral. No interior destes dois últimos setores surgiu um significativo extrato empresarial,

para o qual o desenvolvimento do estado deveria basear-se na expansão do chamado setor

“minério-metalúrgico”. A perda do projeto siderúrgico para Volta Redonda (RJ) fez com que

as entidades empresariais centrassem suas atenções nos problemas relativos à energia elétrica

e transportes, possibilitando o surgimento de outras atividades industriais.

Belo Horizonte é também expressiva da intervenção do Estado na economia mineira.

85 IGLÉSIAS, F. ; PAULA, J. A. Memória da economia da cidade de Belo Horizonte. BH – 90 anos, p. 24.

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Uma das iniciativas mais importantes da política industrializante conduzida pelo

governo mineiro foi a criação da Cidade Industrial, em 1941. Não se tratava apenas de

desenvolver a área industrial de Belo Horizonte, mas sim o projeto industrial de Minas Gerais,

justaposto à capital administrativa.

Apesar do Censo de 1940, segundo Iglésias, apontar a preponderância do setor

terciário (comércio em geral, profissões liberais, serviço público, transportes e defesa),

ocupando 21,7% dos trabalhadores, a indústria já absorvia uma taxa significativa da força de

trabalho em Belo Horizonte, empregando 11% dos trabalhadores. Do restante, 45,7%

dedicava-se às atividades domésticas, 7,9% a atividades sociais e 5,7% à administração

pública.86

A progressiva afirmação da cidade como pólo econômico e industrial no Estado teve

como conseqüências uma verdadeira explosão demográfica e grandes modificações no espaço

urbano. Por ocasião das comemorações do cinqüentenário da cidade em 1947, na descrição de

Nélson de Senna, o crescimento vertiginoso da população havia ocorrido não só pela

afirmação da cidade como pólo econômico, mas também como centro de irradiação de

cultura, atraindo um grande número de pessoas que vinham da zona rural e do interior.

Segundo Senna, decorridos cinqüenta anos de sua fundação, Belo Horizonte exprimia

o adiantamento e a organização de uma sociedade modelar: transportes urbanos, linhas de

ônibus, trens, aviões, rede telefônica, correios, serviços de Força e Luz, água canalizada,

esplêndidas avenidas, escolas, etc. O crescimento vertiginoso da população deu-se

notadamente após a Revolução de 1930, não só pelo

“...aumento do número de repartições federais na Capital e do aquartelamento aqui de unidades e fôrças do Exército, trazendo para cá novos funcionários civis e mi litares; como pelo êxodo de trabalhadores do campo vindo reforçar o operariado da Capital, onde se localizou um grande número de indústrias fabris e manufatureiras; e ainda pelo afluxo de novas famílias para aqui vindas e alguns milheiros de estudantes procedentes de todas as partes do Brasil para cursarem a Universidade, os Colégios, Ginásios e Escolas Técnicas de Belo Horizonte”. 87

Planejada para abrigar 190 mil habitantes, em 1947, a cidade apresentava, de acordo

com o Censo Predial e Mobiliário realizado neste ano, um total de 286.162 habitantes, sendo

que 61.466 habitavam a zona urbana ou citadina, 218.265 ocupavam extensa zona suburbana

e 16.431 habitantes, moravam na zona rural. 88

86 IGLÉSIAS, F. ; PAULA, J. A. Memória da economia da cidade de Belo Horizonte. BH – 90 anos, p. 35. 87 SENNA, N. O cinqüentenário de Belo Horizonte (12 de dezembro de 1947), p. 41. Conferência pronunciada por ocasião das comemorações do cinqüentenário de Belo Horizonte, no Instituto de Educação e mandada publicar pelo governador Milton Campos. 88 Ibidem. p. 30-31.

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A área ocupada pela Capital mineira já ultrapassava em aproximadamente 30 milhões

de metros quadrados da área prevista pela Comissão Construtora. Esse crescimento tomou a

direção, com vários assentamentos operários, a oeste, ao longo do eixo Cidade Industrial,

Barreiro, Durval de Barros (Ibirité), e a norte, em parte, pela construção do complexo da

Pampulha, em direção a Venda Nova e áreas limítrofes da cidade, Ribeirão das Neves

(Justinópolis) e Santa Luzia (São Benedito). Muitos bairros expandiram-se clandestinamente,

como resultado da especulação imobiliária, o que acabou estimulando o avanço da indústria

da construção civil. Em processo de expansão periférica com diversas cidades, na expressão

de Iglésias, “a Cidade se metropolizou.” 89

O desenvolvimento econômico de Belo Horizonte foi acompanhado por grandes

modificações no seu aspecto urbano. Trata-se, por exemplo, do desaparecimento da favela de

cafuas na região da Barroca, e da que existia no Alto da Estação Férrea Pedro II, a qual foi

substituída por arruamentos novos e modernos. Edificações novas como o Minas Tênis Clube,

a Feira Permanente de Amostras na Praça Rio Branco e o Mercado Público foram construídas.

O Teatro Municipal transformara-se em Cinema Metrópole, e a obra de construção de outro

teatro, no Parque Municipal, encontrava-se paralisada.

Um aspecto notável da Belo Horizonte dos anos 40 é o surgimento de numerosos

bairros, subúrbios, vilas, pequenos povoados e colônias, em decorrência do crescente aumento

de sua população. De fato, a expressão mais visível do crescimento da cidade foi o surgimento

de um grande número de bairros e vilas periféricas, habitadas por uma população constituída

por operários e trabalhadores urbanos.

Segundo Guimarães, desde os anos 30, as vilas tornaram-se o espaço do trabalhador na

cidade, ao mesmo tempo em que as favelas proliferavam na periferia.90 Nessa época, a Vila

Concórdia, abrangendo terrenos doados da Lagoinha, era a área operária da Capital. No

entanto, havia lugares onde eram feitas concessões de lotes para os trabalhadores, a título

oneroso, como ocorreu na Vila São Jorge e na Vila Alvina. Era comum também a venda de

lotes, em condições acessíveis, em pontos já ocupados da cidade, como a Vila Conceição –

ex-Pedreira Prado Lopes – e a vila Santo André. O Barro Preto era outra área operária na

Capital e que estava sendo integrada à malha urbana com a instalação de indústrias.

89 IGLÉSIAS, F. ; PAULA, J. A. op. cit. p. 37. 90 GUIMARÃES, Berenice Martins. Cafuas, barracos e barracões. Belo Horizonte, cidade planejada. 199l. Segundo a autora, o termo “vila” tinha várias concepções: referia-se a aglomerações de casas nas zonas suburbana e rural; vilas feitas pelas construturas destinadas à venda no mercado; aglomerações na periferia, compostas pela população expulsa da zona urbana a que se juntavam levas de imigrantes que chegavam do interior. Instalavam-se em terrenos públicos, ocupados sem autorização e sem proibição da Prefeitura e, em geral, localizavam-se nas partes mais altas da cidade.

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Nos bairros e nas vilas eram constantes as reclamações da população quanto à

ausência de infra-estrutura, transportes e saneamento básico. Em conseqüência, eram altas as

taxas de mortalidade infantil, sobretudo na antiga Pedreira Prado Lopes.

A incapacidade de oferecer serviços básicos para a população no mesmo ritmo do

crescimento da cidade provocou o fenômeno do surgimento de vilas-favelas operárias. Muitas

favelas eram denominadas de “vilas”, sobretudo quando seguidas de nome de santo, como por

exemplo, a Vila Santo André. O jornal Estado de Minas, citado por Guimarães, noticiava em

1931:

“A FAVELA DE BELO HORIZONTE. A Vila Santo André não é no Carlos Prates (...) é nos fundos do cemitério do Bomfim, mas é melhor vista do Carlos Prates (...) Vimo-la de longe. Uma montueira de casas bonitas e de cafuas sórdidas. Ruas bem alinhadas. Um campo de futebol (...) A Vila Santo André é a vila dos “barulhos” e do cangerê”.91

Santo André, Vila Conceição e Palmital formavam parte de um mesmo conjunto.

Eram três favelas em formação no fim da rua Mariana, todas no bairro da Lagoinha.

A “fase das vilas”, como caracteriza Guimarães, coincidiu com a primeira gestão de

Otacílio Negrão de Lima na prefeitura da cidade (1935-1938). Nomeado pelo governador

Benedito Valadares Ribeiro, Negrão de Lima direcionou sua atuação no sentido de

modernizar o aparato público, através de uma reorganização interna dos órgãos da Prefeitura.

O conceito de modernização incluía um planejamento urbano mais integrado; em

conseqüência, Negrão de Lima tomou uma série de medidas como a remoção de favelas, a

proibição de loteamentos sem os necessários serviços de infra-estrutura e a construção de

residências nos locais da zona urbana que haviam sido ocupados por indústrias.

A instauração do Estado Novo, em 1937, não alterou significativamente a orientação

do poder público em Belo Horizonte, no sentido de controlar o processo de ocupação do

espaço urbano, adequando-o a uma cidade em processo de industrialização. Nesta época,

foram construídas somente duas vilas em área industrial: uma ligada à Indústria de Tecidos

Renascença, e outra, à Indústria Cachoeirinha. O processo de formação de favelas, entretanto,

teve continuidade.92

Nos anos 40, havia em Belo Horizonte duas grandes favelas: a Barroca, cujos

moradores estavam sendo removidos e alojados em lotes oferecidos na Vila Concórdia e no

Morro das Pedras (Vila São Jorge), e a Pedreira Prado Lopes, cada uma com

91 ESTADO DE MINAS. 29 out. 1931, p. 8. 92 Nessa época, havia em Belo Horizonte as seguintes favelas: Barroca (Gutierrez), Pedreira Prado Lopes (Lagoinha), Vila Palmital (Lagoinha), Vila Santo André (Lagoinha), Pindura Saia (Cruzeiro), Cachoeirinha e Arrudas, Morro das Pedras (Vila São Jorge) e a da Praça Raul Soares. Cf. GUIMARÃES, B. M. Cafuas, barracos e barracões. Belo Horizonte, cidade planejada, 199l.

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aproximadamente 3 mil habitantes. Esta última achava-se instalada em uma grande área

pertencente ao município, próxima ao centro da cidade, e ocupada há muitos anos por

imigrantes e remanescentes de outras favelas.

Tendo em vista garantir mão-de-obra para as indústrias que se instalavam na Capital, e

a presença do que constituía, na época, a grande favela da cidade, o prefeito Juscelino

Kubitschek preocupou-se com a questão da moradia popular, interferindo na área, através da

construção do IAPI (Instituto de Aposentados e Pensionistas Industriários). Ao que tudo

indica, porém, os moradores da Pedreira nunca pisaram no IAPI, ocupado por funcionários da

Prefeitura e operários da indústria. Em 1941, começa a “limpeza” da área, sendo seus

habitantes removidos para o Mato da Lenha mais tarde, Bairro Salgado Filho.

Ao final de década, Belo Horizonte já era uma metrópole. A cidade distanciara-se

muito do que fora no início do século. De “cidade de funcionários”, Belo Horizonte

consolidava-se como um centro industrial e urbano, caracterizado por uma diversificação

expressiva das atividades econômicas, um crescimento populacional vertiginoso e mudanças

no aspecto urbano.

Havia um grande número de favelas na periferia da cidade. Diversas eram as vilas

onde moravam trabalhadores, embora somente a Concórdia fosse reconhecida oficialmente

como a Vila Operária da cidade.93 Cumpria-se, conforme Iglésias, a sua destinação de “cidade

de trabalhadores”, de operários, já esboçada no início do século.94

Como já ocorrera, os vários prefeitos deste período procuraram superar os problemas

do crescimento descontrolado, através de várias iniciativas. Muitas propostas no entanto, nem

foram implementadas. Segundo Iglésias, “Belo Horizonte empobreceu, à mercê das livres

forças do mercado”.95

1.3.2. A primeira eleição municipal e as novas relações entre o poder público e

população

O processo de industrialização e crescimento urbano desordenado da Cidade nos anos

40 e 50 foi acompanhado por um agravamento das condições de vida da população nas áreas

periféricas. Segundo Regina Helena A. da Silva, começa-se a falar em “problemas sociais”,

93 As principais Vilas populares, com sua data. de criação, eram as seguintes: Vila Conceição (1920), Vila São Jorge (1925), Vila Concórdia (1928), Vila Operária – Mato da Lenha (1941), Vila Dom Carmelo – Vaquinha (1941), Vila São Vicente – Marmiteiros (1942) e Vila União – Perrela (1945). Cf. GUIMARÃES, B. M., op. cit. 1991. 94 IGLÉSIAS, F. & PAULA, J. A. Memória da economia da cidade de Belo Horizonte . BH – 90 anos. 1988. 95 IGLESIAS, F. & PAULA, J. A., op. cit. p. 39.

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que precisavam ser encarados e resolvidos pelo poder público. Os esforços do governo local

concentraram-se, todavia, em controlar a expansão e a ocupação do espaço urbano, através de

medidas técnicas ditadas pelos urbanistas e engenheiros, intervenções urbanas

“modernizadoras”, de forma a adequar a vida da população às exigências do desenvolvimento

e do progresso.96

1947 é um marco na história política da Cidade. Até esta data, os prefeitos eram

nomeados pelo governo estadual, impedindo a participação da população nos rumos da

administração municipal. Neste ano, realiza-se a primeira eleição municipal, e dela sai

vitorioso o candidato da Coligação Popular, Otacílio Negrão de Lima.97

As eleições municipais e as articulações partidárias ocorridas no período podem ser

vistas como uma repercussão, em Belo Horizonte, do processo de reconstitucionalização e

(re)democratização nacionais, iniciados com o fim do Estado Novo. A Carta de 46, principal

instrumento de normalização institucional no país, entre outros dispositivos, consagrou a

forma federativa, estabeleceu a autonomia dos poderes, eleições gerais e diretas para todos os

cargos, garantindo também ampla liberdade de organização partidária.

Dando execução aos preceitos constitucionais, que davam autonomia aos municípios

para a escolha, por votação direta e secreta, do Prefeito, vice-Prefeito e Vereadores, em

novembro de 1947, são realizadas as eleições, entrando em cena uma gama de antigos e novos

partidos políticos, que se moveriam no cenário nacional até a sua extinção, em meados da

década de 60.

Depois das eleições de 1945, a estrutura dos partidos sofreu algumas alterações. Além

do PCB (Partido Comunista do Brasil), do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e da UDN

(União Democrática Nacional), alguns pequenos partidos foram criados: uma pequena

divergência na UDN deu origem ao PSB (Partido Socialista Brasileiro); também surgiram o

POT (Partido Orientador Trabalhista, o (PRP) Partido da Representação Popular, o (PPB)

Partido Proletário do Brasil e o Partido Trabalhista Nacional (PTN).

Um terceiro partido completou o quadro, o PR (Partido Republicano), que manteve-se

entretanto, praticamente durante todo o período 45-64, como força regional, centrado em

Minas Gerais, em torno de uma liderança que vinha da 1ª República, Arthur Bernardes.

96 SILVA, R. H. A. A cidade de Minas, 1991. 97 Otacílio Negrão de Lima diplomou-se pela Escola Livre de Engenharia, em 1921. Foi um dos organizadores do Partido Progressista em Minas. Deputado estadual constituinte em 1935. Nomeado prefeito em 1936. Ministro do Trabalho, Indústria e Co mércio do governo Dutra. Filiado ao PTN e ao PSD. Deputado federal em 1955-59. Dedicou-se também a atividades empresariais. Dirigiu o Diário de Minas (1949). Fundou a Indústria Reunidas Minas Gerais S..A., a Companhia Indústria e Viação do Rio São Francisco S.A., a Metropolitana de Imóveis e Fazendas Reunidas S. A., a Companhia de Terrenos Urbanos (RJ) e o Banco de Crédito e Comércio de

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De acordo com Jarbas Medeiros, ao final do Estado Novo, Minas já contava com

novas lideranças que acabaram por confluir para os dois grandes partidos de dimensão

nacional: o PSD e a UDN, a tal ponto que as características mineiras desses partidos

passaram, com o tempo, a ser consideradas como suas características nacionais.98

Em geral, não havia grandes distinções ideológicas entre os dois partidos. Eram

comuns as alianças e coalizões entre os pequenos partidos que tinham que juntar seus esforços

com um partido maior ou com outros pequenos, para conseguir eleger seus candidatos.

Segundo Motta, as coalizões eram meras uniões de candidatos, visando combater grupos

rivais e não a expressão de um programa ou plataforma.99

A candidatura de Otacílio Negrão de Lima, como prefeito, pelo PTN, e a de Bento

Gonçalves Filho, como vice-prefeito, pelo PR, são elucidativas desse tipo de articulação

política, agregando o PTN, o PSD e o PR. Tudo indica que o PTN seria uma derivação do

trabalhismo varguista em Minas Gerais, ocorrendo aqui uma típica aliança partidária, que não

seria a simples reprodução da aliança PSD-PTB que se processava em nível nacional, no

contexto pós-46.

Neste período, as únicas diferenças existentes e exploradas pelos partidos políticos

eram as características históricas de cada candidato e o fator da liderança pessoal, que

moldaria o programa do partido em cada eleição. Na análise de Medeiros, por exemplo, o que

efetivamente pesou nas eleições de 1947 foi a articulação do candidato à política local. 100

Nesse sentido, a volta de Otacílio Negrão de Lima ao comando da cidade foi favorecida pela

intensa atuação desenvolvida nos bairros e vilas, em seu primeiro mandato, de 1935 a 1938.

Já nessa época, o prefeito Otacílio Negrão de Lima montou um “esquema” próprio,

tanto no que se refere a benefícios concedidos aos habitantes das vilas, quanto à formação das

bases locais do Partido Progressista, a que pertencia. Trata-se, por exemplo, de facilitar a

compra de terrenos aos habitantes de baixa renda da Vila Concórdia e da Vila São Jorge,101 o

que ocorreu também com a Pedreira Prado Lopes, e da promoção, através do Diretório da Vila

Concórdia, do Congresso de bairros e partidos de base que participariam de uma “Frente

Única” para as eleições à Constituinte Federal .102

Minas Gerais S..A. ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE. Levantamento de dados biográficos dos Prefeitos de Belo Horizonte: 1897-1992, 1995. 98 ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. MEDEIROS, J. (org.). As Constituintes Mineiras de 1891, 1935 e 1947, uma análise histórica,1989. 99 MOTTA, P. R. Movimentos partidários no Brasil, a estratégia da elite e dos militares, 1971. 100 MEDEIROS, J. op. cit. 1989. 101 Decreto-lei nº 26, de 06.07.1935, Resolução nº 27, de 17.11.1935. ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE: Levantamento de dados biográficos dos Prefeitos de Belo Horizonte: 1897-1992, 1995. 102 APCBH: Levantamento de dados biográficos dos Prefeitos de Belo Horizonte: 1897-1992, 1995.

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Segundo Guimarães, jornais da época dão notícias da atuação do prefeito, no sentido

de consolidar as suas bases políticas, tais como a eleição da diretoria do Partido Progressista

das Vilas Flávio dos Santos, Santo André e Palmital, em março de 1936.103

Nesse “esquema” montado por Otacílio Negrão de Lima, em seu primeiro mandato,

centrado no trabalho que desenvolveu nos bairros e vilas, e que facilitaria a sua volta à

Prefeitura em 1947, a Vila Concórdia é referenciada em particular. A precariedade das

condições de vida desse local estimulava o seu potencial reivindicativo, atraindo a atenção do

poder público que ali assentava as suas bases políticas. Nesse sentido, a vitória de Otacílio no

pleito de 1947, pode ser vista como uma continuidade ao trabalho realizado no mandato

anterior, como ele próprio expressa: “...meu programa é minha vida... Procurarei renovar na

Prefeitura os dias de trabalho e de luta, que o povo desta cidade conhece!”.104

A montagem de um esquema local de poder deu à campanha de Negrão de Lima um

tom personalista, muito mais do que partidário.

Um jornal da época O Ditador, dedicado à Coligação Popular, é expressivo desta

tendência. Narrando a fábula que La Fontaine poderia ter escrito, a força de Negrão de Lima é

contraposta à fragilidade de seu concorrente, Antônio de Vasconcelos: o Leão, rei dos

animais, enfrenta-se com D. Onça e o Macaco, em um comício, onde ambos saem

correndo...É interessante observar como são colocados, lado a lado, partidos aparentemente

irreconciliáveis como a UDN e o PSD, centrando o foco no candidato:

“Hoje está se repetindo isso em nosso mundo, no nosso Belo Horizonte. Otacílio tem fama, pode se deitar na cama, é o Leão, bravo, forte, indomável, com o passado heróico o que atesta por si... O outro, coitado, é a Onça, que foi na conversa dos Macacos que andam por aí (UDN – PSD – PTB – PSP)”. 105

As palavras de apoio ao candidato da Coligação ocupam todo o jornal, através de

slogans: “...Otacílio quer o povo – por isso o povo quer Otacílio [...]; quem manda é o povo. E

o povo já mandou o Otacílio para a Prefeitura”.106

As eleições de 1947 realizaram-se dentro de um clima de intensa efervescência

política.

Ainda que a democracia estabelecida fosse limitada, segundo Fernando Novais, todo

um espaço público vinha se constituindo no país: a escola, a universidade, os sindicatos, os

103 GUIMARÃES. B. M. Cafuas, barracos e barracões. Belo Horizonte, cidade planejada , 1991. 104 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito, 1948. p. 218. 105 O DITADOR. 1947, p. 1. 106 O DITADOR. 1947, p. 2-4.

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partidos políticos, os movimentos culturais, a imprensa, todos eram palco do debate de idéias

e da controvérsia política.107

Na visão dos contemporâneos, a realidade dos anos 40 apresentava-se bastante

diferente daquela dos primeiros tempos de Belo Horizonte:

“A cidade hoje enche-se de faixas, anunciando os competidores; são vários os partidos; o rádio grita os nomes dos candidatos, anunciando suas promessas; as cédulas enchem as ruas como confete de carnaval: os comícios são realizados em todos os bairros e depois... urna indevassável para que o eleitor tenha absoluta liberdade de escolha. Os resultados desapontam às vezes e não podem ser previstos, como outrora. Apenas os “comícios monstros”, com passeatas de lanternas e fogos de artifício, os discursos nas praças públicas e o rádio em todos os momentos, cartazes enchendo paredes e os jornais ‘orientando’ o eleitorado...”.108

O desafio para a democracia recém-instalada era a incorporação das massas populares

ao processo político. Para Weffort, o crescimento das cidades e do proletariado, lançando à

vida política amplos contingentes da população, fez com que o processo de absorção das

massas passasse a constituir uma dimensão política essencial do novo período. Qualquer

político que pretendesse conquistar funções executivas deveria “prestar contas às massas

eleitorais”. 109

O fato mais significativo destas eleições é a mudança das relações políticas entre o

poder público e as massas populares. O sufrágio, ainda que restrito, configurou-se como uma

importante forma de expressão política e de legitimação do poder no período pós-45.

Desde os primeiros momentos em que caminhou em direção ao segundo mandato,

Negrão de Lima dirigiu-se ao “povo”, o que se repetiu por várias vezes ao longo de sua

permanência à frente do Executivo. Otacílio, candidato, acredita:

“... na força indômita da alma livre deste povo de Belo Horizonte [...] no poder das manifestações populares [...] na justiça do pensamento coletivo [...] em Deus e na eterna verdade de seus desígnios [...] na VITÓRIA DA CIDADE, que será a vitória de nossos ideais de democracia”. 110

No programa de governo delineado em campanha, Otacílio define quem é o “povo”,

de cujos interesses seria mandatário: operários e funcionários. Especial atenção é dada aos

habitantes dos bairros e vilas, destacando a Vila Concórdia:

“Os habitantes dos bairros e vilas estejam tranqüilos. Não os esquecerei! Inicia rei, rapidamente, as obras de melhoramentos de que carecem nossos bairros e nossas vilas, procurando dar aos seus habitantes conforto paralelo ao da zona

107 NOVAIS, F. A. Capitalismo tardio e sociabilidade contemporânea. In: História da vida privada: contrastes da intimidade contemporânea, 1998. 108 REVISTA SOCIAL TRABALHISTA. 1947, p. 41. 109 WEFFORT, F. O populismo na política brasileira , p.17. 110 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1949. p. 218. Grifos do autor.

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urbana. Água, luz, calçamento, escola, higienização, transporte, alimentação e assistência social [...] Estarei em contato com seus habitantes, indo até eles, desde que será impossível que todos venham a mim”.111

Quanto à Vila Concórdia, que abrigara os antigos habitantes desalojados da “Barroca”,

em lotes aforados pela Prefeitura, Otacílio compromete-se a rever o pagamento do foro,

tornando-os gratuitos, uma vez que muitos não puderam pagá- lo.

Quanto aos servidores municipais, Otacílio lembra com orgulho o fato de ter sido um

deles e de poder voltar ao seu convívio, partilhando de suas alegrias e tristezas: “no limite do

possível, envidarei constantes esforços no sentido de lhes oferecer melhor padrão de vida”.112

Ao final do primeiro ano de mandato, Otacílio Negrão de Lima ratifica o espírito de

sua atuação à frente do Executivo: “...não poderia haver satisfação maior para nós, que já

passávamos pelo cargo, de que a de a ele voltar, trazido desta vez pela vontade soberana do

povo”. 113

Considerando a formação sócioeconômica de Belo Horizonte no período, delineada

neste estudo, os componentes que configuram o populismo se concretizaram. Na definição de

Weffort, o populismo foi:

“...sobretudo, a expressão mais completa da emergência das classes populares no bojo do desenvolvimento urbano e industrial verificado nestes decênios, e da necessidade, sentida por alguns dos novos grupos dominantes, de incorporação das massas ao jogo político... foi um modo determinado e concreto de manipulação das classes populares, mas foi também um modo de expressão de suas insatisfações. Foi, ao mesmo tempo, uma forma de estruturação do poder para os grupos dominantes e a principal forma de expressão política da emergência popular no processo de desenvolvimento industrial e urbano”. 114

Nos anos 40 e 50, a cidade vinha, crescentemente, abrigando um grande número de

operários e trabalhadores urbanos, que participam do jogo político, através dos processos

eleitorais. Frente à ineficiência dos partidos para mobilizar as massas, o sufrágio tendeu a

transformar a relação política numa “relação de indivíduos”. Não obstante, as eleições

tornaram-se fonte de legitimação do novo Estado.

1.3.3. A criação do Ginásio Municipal: “promessa de candidato”

As metas a serem cumpridas pelo governo Negrão de Lima foram definidas em sua

carta-programa, em meio à campanha eleitoral de 1947. Otacílio trata dos problemas da

111 Ibidem. p. 216. 112 Ibidem. p. 214 113 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1948. p. 3. 114 WEFFORT, F. O populismo na política brasileira, p. 3-61.

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cidade como um todo, abrangendo os mais variados aspectos da vida urbana: saneamento das

finanças municipais, extinção das favelas, criação de novos núcleos urbanos e das cidades-

satélite, ampliação dos serviços de transporte, melhoria do abastecimento de água, aumento

do parque industrial, entre outros. Quanto à educação, “...as escolas municipais mereceriam

especial cuidado. Novas e melhores escolas seriam criadas. O Município cooperaria com o

governo do Estado, no sentido de alcançar maior índice de alfabetizados no município”,

indicando que o município continuaria a atuar em caráter complementar ao Estado.115

A idéia de criação de uma escola pública e gratuita pelo município surgiu no comício

da Vila Concórdia, e expressa uma das grandes carências da população desfavorecida da

cidade.

Segundo relato de Silveira Neto, em fins de 1947, como candidato a prefeito pela

Coligação Popular, Negrão de Lima percorria os bairros e vilas estabelecendo contato com os

eleitores e fazendo comícios. Na vila Concórdia, em comício realizado na Praça do México,

alguns populares solicitaram-lhe que, uma vez eleito, fundasse um ginásio destinado às

famílias pobres e sem condições de educar os seus filhos. Naquela época, não havia ginásios

gratuitos na Capital; mesmo os colégios oficiais cobravam mensalidades. A promessa foi feita

e, eleito, o candidato a cumpriu. 116

A rememoração deste fato enfatiza diferentes aspectos da criação do “Ginásio

Municipal”.

Colocando em foco a Vila Concórdia e seus moradores, “um povo com sentimento

comunitário muito grande”, o relato de uma das pessoas que esteve presente neste comício

demonstra a forma como se deram as relações políticas entre o candidato e parcelas da

população daquela região:

“Estava o candidato Otacílio Negrão de Lima no palanque, falando que pretendia mesmo criar um estabelecimento de ensino secundário, porque era gratuito o primário. Além do primário, só quem pudesse pagar. Então, Sebastião Andrade, o Barbado, figura mais popular do Bairro, interpelou o prefeito sobre esse estabelecimento de ensino, e que ele fosse transformado mesmo numa realização e não em promessa de palanque. O candidato respondeu na mesma hora que criaria, encarregou o candidato a vereador Álvaro Celso da Trindade, Babaró, que tomasse nota (da promessa). Um dos primeiros projetos que deveria ser apresentado na Câmara Municipal seria aquele da criação do estabelecimento.

...Nesse comício eu estava presente, porque eu me reunia, eu não era estudante, eu havia feito o curso primário, depois por dificuldades financeiras, eu não havia prosseguido. Eu era operário nesse tempo, e de passagem pela Praça do

115 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1949. p. 214. 116 SILVEIRA NETO, Honório. História do Colégio Municipal, 1948-1973. 1973, p. 5.

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México [...] eu parei para assistir um pouquinho ao comício e pude presenciar a

promessa do candidato Otacílio Negrão Lima”.117

Negrão de Lima, que tinha bases políticas na região operária da Concórdia, foi

interpelado por uma figura bastante conhecida, o Sebastião Andrade, também chamado de

“Sebastião comunista”:

“...de fato, ele se proclamava comunista e fazia comícios no meio da rua. Nessa época, depois da redemocratização do país, em 1945, os comícios se tornaram muito corriqueiros em BH, na praça Sete ali, onde temos o Pirulito. Todas as noites havia comícios, e os diversos partidos e vários oradores [...] hoje eu posso dizer, fazendo lembrar a Ágora grega, porque qualquer um podia pedir a palavra, subir no pedestal e expressar suas idéias. E esse nosso amigo, Sebastião Andrade, era muito popular na Praça Sete e no bairro Concórdia, onde ele era morador também. Já é, é lógico, falecido, mas é uma figura muito lembrada pelas pessoas mais antigas do bairro”. 118

A partir do relato de Syllas Agostinho Ferreira, é possível remontar à intensa atuação

do Partido Comunista em prol da democratização do ensino, desde a sua criação na década de

20, catalisando idéias presentes nas aspirações do movimento operário e das camadas médias

urbanas.

Nas lembranças de Onofre Gabriel de Castro, a criação do Ginásio Municipal

representou a transferência, para o plano municipal, da política trabalhista de Getúlio Vargas,

em atenção às necessidades das classes trabalhadoras:

“...o Otacílio Negrão de Lima era uma figura exponencial do PTB. Ele tinha sido Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. Eleito prefeito de Belo Horizonte, alinhou-se à perspectiva de Getúlio Vargas, ligado ao trabalhismo. Um apelo às classes trabalhadoras, que até então não tinham tido lugar no plano político... O Otacílio, transferido para Belo Horizonte, para a política municipal, levou então a termo criar um palco para a educação do trabalhador, que até então não tinha tido lugar na educação brasileira, dado o seu alcance financeiro, porque os colégios eram restritos exclusivamente às classes mais elevadas, e todo ensino era particular, ligado à religião, colégios confessionais, ora ligados a freiras, para o mundo feminino, ora a algumas ordens religiosas para o mundo masculino...Desde a fundação da cidade, as ordens religiosas foram contempladas...

Não havia lugar para os trabalhadores, daí o Colégio Municipal nascer inteiramente gratuito, com uma simbólica taxa de 5.000 réis por ano. Daí, todo o grupo de alunos do Colégio Municipal foi fundamentalmente dos operários, trabalhadores da prefeitura, classe pobre mesmo”. 119

O relato de Henrique Morandi associa o motivo da criação da criação do Ginásio

Municipal à preocupação de Negrão de Lima com a educação:

117 Entrevista concedida por Syllas Agostinho Ferreira em Belo Horizonte, 04/08/2000. Ex-aluno, ex-professor e ex-diretor do Colégio Municipal de Belo Ho rizonte. 118 Idem. 119 Entrevista concedida por Onofre Gabriel de Castro em Belo Horizonte, 24/05/2000. Ex-professor, ex-vice-diretor do Colégio Municipal. Foi professor da Faculdade de Filosofia da UFMG e do Instituto Padre Machado. Exerceu o cargo de diretor do Departamento de Educação e Cultura de Belo Horizonte, em 1962.

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“O Colégio Municipal foi criado para suprir uma deficiência muito grande da cidade.

Nós não tínhamos nenhuma escola gratuita de quinta a oitava série [...] A prefeitura tinha uma obrigação de manter essa escola gratuita, a nível de gratuidade porque a pobreza, como sempre, era bastante grande...

Sei também que ele não fundou o Colégio Municipal para efeito político, não foi para campanha política. Ele era um homem voltado às coisas sérias, e ele sempre teve como sonho fundar um colégio, por isso foi tão homenageado. Até o dia de sua morte, foi homenageado pelos alunos do colégio que ele criou. Ele era um homem muito querido e muito reconhecido, como um grande educador. Que não tenha sido professor do colégio, mas foi um grande educador, porque ser educador, necessariamente , não é ser professor. É saber escolher aqueles que sabem ensinar, e ele soube escolher”. 120

Desta forma, delineava-se o ingresso do município na educação, até então função

assumida prioritariamente pelo Estado. Tão logo empossou-se no cargo de prefeito de Belo

Horizonte, em fevereiro de 1948, Otacílio Negrão de Lima enviou mensagem à Câmara,

propondo a criação do Ginásio Municipal. Subscrito por Álvaro Celso da Trindade, radialista

popular, conhecido como “Babaró” e Otacílio Fonseca, secretário da Câmara, o projeto levou

o número 33/48, tramitando na Câmara por dois meses.

A criação do Ginásio Municipal de Belo Horizonte destinava-se a “tornar o curso

ginasial ao alcance de pessoas pobres ou de pequenos recursos”, como previa a Constituição

de 1946, devendo reger-se pela legislação federal referente à organização do ensino

secundário.121

Conforme já analisamos amplamente, durante o Estado Novo a reforma do ensino

secundário foi uma das áreas do grande plano educacional empreendido por Gustavo

Capanema, de 1942 a 1946. No projeto de lei que criava o Ginásio Municipal, as linhas

mestras da Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942 foram preservadas. Trata-se, por

exemplo, da manutenção da educação moral e cívica, de classes exclusivamente femininas, de

programas definidos pelo Ministério da Educação e dos requisitos para a emissão do

certificado de licença (conclusão) do curso e seu reconhecimento perante o governo federal.

Criavam-se os cargos das dis ciplinas agrupadas como Línguas (Português, Latim, Francês,

Inglês), Ciências (Matemática, Ciências Naturais, História Geral, História do Brasil,

Geografia Geral e Geografia do Brasil), Artes (Trabalhos Manuais, Desenho e Canto

Orfeônico), Educação Física e Instrução Militar.

Em alguns aspectos, os debates travados no plenário demonstram que houve

controvérsias, inovações e ajustes em relação à legislação federal. As discussões iniciaram-se

ressaltando as dificuldades de aplicação da lei federal, por “omissões” e “deturpações” e

120 Entrevista concedida por Henrique Morandi em Belo Horizonte, em 20/06/2000. Ex-catedrático de Matemática do Colégio Municipal e ex-professor da Faculdade de Filosofia da UFMG. 121 CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Projeto de lei n. 33/48, p. 1.

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ainda, como assinala o vereador Otacílio Fonseca, pela impossibilidade de transcrever toda a

legislação federal sobre o ensino, devido à existência de um grande número de decretos,

portarias e instruções.

Observando que o critério que prevalecia no projeto de criação do Ginásio era a

reprodução parcial da legislação federal, o vereador Herbert Brant Aleixo, da oposição, e um

dos mais atuantes nas discussões, propôs que o Ginásio fosse criado seguindo uma orientação

própria:

“Para serem evitadas as omissões, que outras há, e as deturpações à legislação federal competente, melhor seria que a lei, criando o Ginásio Municipal, não procurasse reproduzir, desnecessariamente, aquela legislação, cingindo-se à própria criação e organização do estabelecimento”. 122

Para Herbert Brant cabia fazer alguns “reparos” na lei federal como a abolição da

instrução militar, já extinta dos currículos das escolas oficiais, e a inclusão do ensino religioso

nos estudos de 1º e 2º ciclos. Segundo Oliveira, a relação entre Estado e Igreja era um dos

grandes temas educacionais que estavam sendo discutidos na época.123 Na Câmara Municipal,

o vereador Herbert Brant Aleixo emitiu parecer sobre a ausência desse dispositivo no projeto

de lei que criava o Ginásio Municipal:

“...é de notar a omissão de qualquer referência ao ensino religioso, que é facultativo, mas constitui parte integrante da educação da adolescência, sendo lícito ao estabelecimento de ensino incluí-lo nos estudos de 1º e 2º círculos, conforme a lei”.124

Herbert Brant propôs ainda que fosse criada uma cadeira própria de instrução cívica

incluindo “ensinamentos sobre o regime democrático, ministrados, supletivamente, mediante

um curso intensivo de palestras sobre o exercício do voto, função do mandato popular e

constituição dos poderes”. 125

A gratuidade do ensino foi outra proposta de Herbert Brant, uma vez que o projeto de

lei estipulava uma contribuição mensal de Cr$5,00, a ser exigida de cada aluno. Os subsídios

à educação também foram objeto de discussão no projeto de lei n. 217.

Segundo Oliveira, este era outro tema presente nos debates educacionais, mas não era

matéria constitucional, e nem gerou polêmicas; era uma prática corrente. O subsídio estatal à

122 CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Projeto de lei n. 33/48. p. 6. 123 OLIVEIRA, R. P. A Educação na Assembléia Constituinte de 1946. In: FÁVERO, O. (org.). A educação nas constituintes brasileiras: 1823-1988 , p. 187. O texto aprovado pela Constituinte Mineira, no art. 168, estipulava que o ensino religioso constituía disciplina dos horários das escolas oficiais, de matrícula facultativa, sendo ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. 124 CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Projeto de Lei n. 33/48. p. 5. 125 Ibidem. p. 14.

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escola particular decorria do entendimento que alguns tinham da “liberdade de ensino”,

significando deixá- lo à escolha do indivíduo ou de sua família.

Na Câmara Municipal de Belo Horizonte, um longo parecer de Amintas de Barros,

então relator da Comissão de Saúde, Cultura e Assistência Social, sai em defesa da

“concessão de pagamentos de impostos devidos à Prefeitura de Belo Horizonte, pelos

estabelecimentos de ensino secundário, normal e superior, sob forma de matrículas gratuitas,

em benefício de alunos necessitados”.126

O financiamento do ensino pelo município foi outra preocupação que levantou

algumas controvérsias. É necessário lembrar que, a esta altura, havia um dado novo, posto

pela Constituinte de 46, segundo o qual os municípios deveriam aplicar nunca menos de 20%

da renda dos impostos na manutenção do ensino. Nesse sentido, os vereadores são cautelosos,

ao definir a criação de cargos, a nomeação e contratação de funcionários. É o caso, por

exemplo, da opção feita pela contração dos professores, remunerando-os por aula

efetivamente dada, e não por nomeação, de modo que a responsabilidade financeira da

municipalidade não aumentasse muito.

Os critérios de admissão ao Ginásio são, notadamente, o aspecto mais polêmico,

merecendo, pelo menos, três redações diferentes. Inicialmente, de acordo com os critérios

então vigentes, prevaleceram as condições físicas e intelectuais para o ingresso no Ginásio:

idade mínima de 11 anos; atestado de vacina e inexistência de doença contagiosa; satisfatória

educação primária concluída em estabelecimento oficial ou reconhecido e aptidão intelectual

para os estudos secundários. No caso de excesso de candidatos, dar-se-ia preferência aos que

provassem melhor aproveitamento no curso primário e tivessem recursos menores. Esses

últimos critérios prevaleceram, aplicados ao curso de admissão ao Ginásio.

Previa-se ainda a adoção de “processos pedagógicos ativos”, “alunos ouvintes” e a

organização da vida escolar, segundo um regimento interno.

Não faltaram protestos durante a tramitação do projeto. O vereador Cristiano Moreira

Sales o julgou “mal feito e pontilhado de inutilidades”, e com erros gritantes, provavelmente

“fruto da precipitação” com a qual estava sendo tratada a organização do Ginásio.127

Condenou ainda, energicamente, a instalação do Ginásio na Escola Guignard, como queria o

Prefeito, e no Parque Municipal que era, a seu ver, um lugar exíguo e sem condições de

higiene, havendo ainda nos lagos um grande foco de esquistossomose.

126 Ibidem. p. 8. 127 CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Projeto de lei n. 33/48. p. 10.

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Votadas as emendas em separado, o presidente da Câmara, Padre Cyr Assis Assunção,

pôs em votação o projeto em bloco, na sessão de 28 de abril. Dois dias depois, votou-se a

redação final e o vereador Otacílio Fonseca dirigiu algumas palavras aos colegas da Câmara,

congratulando-se com o prefeito e com o povo de Belo Horizonte pelo feliz acontecimento.128

Em 5 de maio de 1948, é sancionada a Lei de n. 19 criando o “Ginásio Municipal de

Belo Horizonte”. Como ocorrera nas discussões do projeto, a Lei n.19 acatou parte da

legislação federal sobre o ensino secundário, uma vez que, conforme já haviam advertido, era

impossível reproduzi- la, dado a profusão de portarias, decretos e instruções que a

complementavam.

Nesse sentido, preservou-se a educação moral, cívica e religiosa que devia manifestar-

se em toda atividade escolar, caracterizando a forma e a execução dos programas, e criou-se o

cargo de Orientador de ensino, nos moldes da Lei Orgânica de 1942. Foi criado, também, o

cargo de Reitor, estabelecendo-se as cátedras de quatro disciplinas: Português, Matemática,

História e Geografia.

A estrutura a ser seguida era a do Colégio Pedro II, modelo de organização das escolas

de curso secundário:

“Essa estrutura que o Colégio tinha era muito parecida com a estrutura da universidade, nas cátedras... Era a estrutura do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. No início mesmo, só havia o ‘Pedro II’, então os outros cursos eram chamados de ‘cursos livres’. Depois, tinha que fazer uma referência e fazer um exame para a banca, para os examinadores, isso lá no Capanema, ele sempre foi a referência... esses (os colégios) foram organizados na forma do ‘Pedro II’, aí o Ginásio Mineiro era no mesmo sentido”.129

Por outro lado, a contribuição mensal foi mantida, sem o caráter de exigência. Os

critérios de seleção consideravam as condições econômicas e intelectuais dos alunos, que

seriam averiguadas por uma Assistente Social da Prefeitura e por meio de um “test”.

Estabelecia-se um serviço médico e odontológico, e criava-se a Caixa Escolar.

Além do Reitor e dos catedráticos, o Ginásio contaria com um diretor, um secretário, e

um chefe de expediente. Os demais funcionários seriam recrutados dos quadros da Prefeitura

e os professores, contratados e pagos por aula ministrada.

128 A Câmara que votou a lei de criação do Ginásio era constituída pelos seguintes vereadores: Pe. Cyr Assis Assunção (presidente), Amintas de Barros (vice-presidente), Otacílio Fonseca (secretário), Antônio Vilela Azeredo, Alfredo Benjamin Martini, Olavo Leite Bastos, Jorge Ferraz, Antônio Lunardi, Nilton Moreira Veloso, Álvaro Celso da Trindade, Herbert Brant Aleixo, Waldomiro Lobo, Nelson Cunha, Orlando Bonfim Júnior, Mário Jofre Pinto de Freitas, Cristiano Sales, Orlando Pacheco, Ulisses Escobar, Antônio Carlos de Azeredo Coutinho, Aquiles C. Rabelo e Paulo Souza Lima. CMBH. Livro de Atas, n. 2, de 25.02.1948 a 17.8.1948; CMBH. Anais, 1948. 129 Entrevista concedida por José Ernesto Ballstaedt em Belo Horizonte, 22/05/2001. Ex- professor, catedrático na cadeira de Geografia Geral do Colégio Municipal. Ex-diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG.

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O professor Silveira Neto, em monografia sobre o Colégio Municipal, assim descreve o dia 5

de maio de 1948, quando é criado o “Ginásio Municipal”:

“O dia 5 de maio era um dia rotineiro na vida de Belo Horizonte. O Cine Brasil exibia “Mercador de Ilusões”, com Clark Gable, o grande galã da época. O interesse esportivo dos aficionados voltava-se para o jogo do Vila contra o Cruzeiro. No plano nacional, o presidente Eurico Gaspar Dutra preparava o envio do Plano Salte ao Congresso. O panorama era agitado pela luta entre árabes e judeus, no plano internacional. O ESTADO DE MINAS dizia, em manchete: Preparativos Árabes Para a Invasão da Palestina.

Era uma quarta-feira tranqüila de Belo Horizonte e o prefeito Otacílio Negrão de Lima sentia-se feliz, porque ia cumprir a promessa feita na Praça do México, em sua campanha eleitoral. Iria atender aos milhares de adolescentes que necessitavam do poder público para prosseguir nos estudos. Tendo ao lado o secretário da Prefeitura, o historiador Abílio Barreto, e outras pessoas presentes ao ato, o prefeito Otacílio Negrão de Lima sancionou a Lei n. 19, votada pela Câmara, criando assim, o Ginásio Municipal de Belo Horizonte.”130

Desta forma, “o prefeito Otacílio garantia o seu lugar na História do ensino mineiro

como fundador do Ginásio Municipal”.131

130 SILVEIRA NETO, H. História do Colégio Municipal. 1948-1973 , p. 8. Grifos do autor. 131 Ibidem.

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“Não podia haver lugar mais aprazível para estudar: fresco, silencioso, belo, romântico mesmo. Até hoje não entendi porque fizeram a transferência. Meu Colégio Municipal continua sendo no Parque. Toda vez que ali vou, lembro

do meu Colégio.” Ildeu Leonardo Lopes. Reminiscências do Colégio Municipal. (Informativo do Colégio Municipal, 1969)

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2. Uma Escola no Parque Municipal (1948-1954)

Este capítulo tem como objetivo caracterizar os momentos mais significativos dos

primeiros anos de existência do Ginásio Municipal, de 1948 a 1954. Neste período, que

abrange o governo Dutra (1948-1950) e o segundo governo Vargas (1951-1954), foram feitas

algumas tentativas para atenuar a estrutura dual que caracterizava o ensino médio, até então.

Em Belo Horizonte, as administrações Otacílio Negrão de Lima e Américo Renê Giannetti

centraram seus esforços na montagem de uma estrutura de ensino que organizou o Ginásio

Municipal e permitiu a sua expansão, elevando-o à categoria de Colégio. A “construção” da

escola resulta, a partir daqui, da dinâmica que se estabelece entre os agentes envolvidos:

poder público, professores, alunos e funcionários.

As pessoas que lembram (e se esquecem) proporcionam, muitas vezes, informação

única sobre o passado. O fato de que os depoimentos estejam impregnados de subjetividade,

implicando em escolhas, valores, insistências, emoções, em nada diminui a importância

histórica do passado lembrado, uma vez que a história escrita deve ser testada com a versão

daqueles que, vivenciando o passado, sabem sempre mais do que nós. Exatamente porque

estamos lidando com indivíduos reais, como diz Thompson, à diferença das pedras com

inscrições e das pilhas de papel, o trabalho do pesquisador se dá num processo biredicional.132

Por outro lado, a memória depende dos laços de convivência mantidos com os grupos com os

quais nos relacionamos no passado e no presente. A memória permanece coletiva, diz

Halbwachs, havendo tantas representação do passado, quantos grupos existam. Cada

memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva.133 Ainda que a memória

seja moldada pelo meio social, o ato de recordar é profundamente individual, portanto, as

lembranças sobre um mesmo fato podem ser semelhantes, contraditórias ou sobrepostas, mas

nunca exatamente iguais.134

É importante ter em mente estas características do fenômeno da memória quando os

depoentes, por exemplo, enfatizam diferentes aspectos dos critérios de seleção dos alunos,

quando recordam-se das práticas cotidianas nos primeiros anos de funcionamento da Escola e

quando expressam, como indivíduos, desejos e expectativas e atribuem significados a uma

experiência que é, no fundo, essencialmente coletiva.

132 THOMPSON, P. A voz do passado, história oral , 1992. 133 HALBWACHS, M. A memória coletiva , 1990. 134 PORTELLI, A. Individualidade, igualdade e diferença. Projeto História, 1993.

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2.1. As diretrizes e bases da educação nacional e as “leis de equivalência”

De uma forma ampla, para Luiz Antônio Cunha, na base das grandes mudanças

havidas na educação escolar no período de 1945 a 1964 está o crescimento da demanda por

educação em todos os graus de ensino, que pode ser associado à intensificação dos processos

de industrialização, ao populismo e ao nacionalismo.135

No primeiro aspecto, a passagem de uma economia organizada segundo o modelo

primário-exportador para a “substituição de importações” demandando novos quadros

técnicos e diretivos, tanto na empresa pública quanto na privada, exigiu uma escolarização da

população em geral e das classes médias, como requisito de participação nestas novas

assessorias, redefinindo seus canais de ascensão social.

Como fenômeno político articulado à industrialização, o populismo permite

compreender a função do aparelho escolar como instrumento de “troca política”; a

multiplicação de escolas oficiais foi uma resposta do Estado às “necessidades do povo”, que

merecia, portanto, o apoio dos beneficiados. O termo de “troca” aplicou-se principalmente ao

ginásio, uma vez que era o diploma deste que dava acesso ao colégio e, em seguida, ao curso

superior, e ao mecanismo de articulação das escolas profissionais com o ensino médio, de

modo que lhes fosse facilitada a entrada nos cursos superiores.

O nacionalismo buscava estratégias estatais para fazer frente às exigências do

desenvolvimento e, nesse sentido, cabia ao ensino superior promover os estudos e as

pesquisas que o país exigia, obtendo, inclusive, um espaço institucional com a criação, em

1955, no Ministério da Educação, do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).

Além destes fatores, o crescimento da demanda escolar deu-se pela transferência das

populações rurais para as zonas urbanas, onde elas se aperceberam da importância de

conhecimentos básicos de leitura, escrita e cálculo para viver na cidade e pela intensificação

do processo de escolarização das mulheres, não só como promoção de cultura, mas como

condição de sua inserção nas atividades econômicas extradomésticas.

Foram muitas as respostas dadas pelo Estado à demanda crescente pela escolarização.

Para o período de 1948-1954, destacam-se as tentativas, presentes na elaboração das

diretrizes e bases da educação e nas leis de equivalência, de atenuar a estrutura dual que

caracterizava, até então, o ensino médio.

Dando continuidade à determinação constitucional, durante o governo Dutra, o

Ministro da Educação, Clemente Mariani, constituiu uma comissão de educadores para redigir

135 CUNHA, L. A. A universidade crítica, 1983.

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o projeto das diretrizes e bases da educação nacional. Durante os treze anos em que o projeto

transitou no Congresso, até ser votado em 1961, ensaiaram-se algumas providências para

eliminar as barreiras que se levantavam entre o ensino secundário e o ensino profissional do

curso médio.

Em linhas gerais, o anteprojeto conciliava posições contraditórias. A educação era

mantida como direito de todos, preservando-se a obrigatoriedade e gratuidade do ensino

primário, ao mesmo tempo em que se prometia a extinção progressiva das taxas nas escolas

oficiais. Estabelecia-se a descentralização da burocracia educacional, e aconselhava-se os

estados e municípios a organizarem os conselhos locais de educação.

A organização do ensino médio permaneceu conforme as “leis orgânicas”, entretanto,

o latim passava a ser uma disciplina facultativa. Aumentava-se a carga das disciplinas de

conteúdo geral nos ramos técnicos, de forma que os concluintes destes cursos pudessem

ingressar no 2º ciclo do curso secundário. Esta articulação passava pela realização dos

“exames de estado” à entrada ou saída de cada ciclo e ramo do ensino médio. Nesse aspecto, o

objetivo do anteprojeto, conforme Cunha, era “fazer ascender os indivíduos verdadeiramente

capazes”, embora desprovidos de recursos, à esfera dos que, pela educação superior,

constituem as classes dirigentes do país”.136

As discussões do anteprojeto indicavam que, de um lado, havia os defensores da

estrutura dual do ensino de 2º ciclo e, de outro, os inovadores propondo uma “escola comum”,

mais flexível, que fundisse o interesse cultural e o prático. Somente este novo tipo de escola

atenderia à demanda crescente pela educação por parte de crianças e jovens que vinham das

mais variadas condições sociais e econômicas.

Outro aspecto importante do anteprojeto dizia respeito ao curso superior. A Faculdade

de Filosofia era considerada o centro da universidade, mantendo-se a autonomia universitária

em termos didáticos, administrativos e financeiros. Embora se afrouxassem os laços que

prendiam o ensino superior ao Estado, a universidade subordinava-se ao Conselho Nacional

de Educação, que podia aprovar ou vetar seus estatutos ou reconhecer ou não seus cursos.

O anteprojeto das diretrizes e bases da educação nacional sofreu duros ataques dos

defensores da política educacional do Estado Novo e dos dirigentes das escolas particulares.

Um parecer do deputado Gustavo Capanema freou o seu andamento por vários anos,

alegando que tal anteprojeto defendia princípios incompatíveis com a unidade nacional, como

a descentralização dos sistemas educativos.

136 Anteprojeto de lei e diretrizes e bases da educação nacional. Cf. CUNHA. L. A., op. cit. p. 112. Grifos do autor.

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Os dirigentes das escolas particulares, embora apoiassem a descentralização,

opunham-se ao papel do Estado como principal provedor das oportunidades escolares,

defendendo o direito da família escolher a educação que queria dar aos seus filhos. Para isso,

o Estado deveria garantir igualdade de condições entre escolas oficiais e particulares,

inclusive quanto à distribuição dos recursos financeiros.137

O anteprojeto acabou sendo arquivado e apenas foi retomado em meados da década de

50, quando as disputas entre os defensores da escola pública e os partidários da liberdade de

ensino desencadeavam uma “verdadeira guerra ideológica na sociedade civil”, em torno da

organização do ensino nacional. 138

Em 1951, Getúlio Vargas, como candidato do PTB, voltou à presidência da República.

O período em que permaneceu no poder assinalou o apogeu do populismo na vida

política brasileira que, como vimos, caracterizou-se por um estilo de governo marcado pela

sensibilidade às pressões populares e por uma política de massas, em que estas participavam,

ainda que de uma forma limitada, do jogo político.

Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que se aproximava das massas, os interesses

das outras forças sociais não foram ignorados, principalmente quando se tratava da burguesia

industrial que, pela intensificação do processo de industrialização, tornara-se um setor-chave

na composição política do país.

A diretriz do governo Vargas tem sido qualificada como de “nacionalismo

desenvolvimentista” ou “modernizante”, entendida como uma “política que objetiva a

conquista de suficiente poder econômico nacional para assegurar a independência política

da nação”; ideologia que tem como complemento a concepção do Estado como agente

direcionador do processo econômico.139 Embora fosse privilegiado o capital brasileiro, tal

estratégia não rejeitou o capital externo nos mais diferentes setores da economia nacional.

A combinação de interesses políticos e econômicos diferentes e, muitas vezes,

conflitantes, desencadeou uma crise que levou Vargas ao suicídio. Este gesto, ao qual ele

pretendeu dar o sentido de opção à proteção dos trabalhadores e às medidas de nacionalização

da economia, paralisou a oposição e provocou um grande impacto nas massas populares de

todo o país, resultando no prolongamento do populismo por quase dez anos.

Durante o governo Vargas, foram tomadas medidas para produzir a “equivalência” dos

cursos profissionais ao secundário, de modo a alargar a “estrada” que conduzia ao ensino

137 Estes e outros princípios defendidos pelas escolas particulares foram formalizados no III Congresso Nacional de Estabelecimentos Particulares de Ensino realizado em São Paulo, em 1948. Cf. CUNHA. L. A., op. cit. p. 117. 138 GHIRALDELLI JÚNIOR, P. História da educação , p. 113.

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superior. Conhecidas como “leis de equivalência”, tais medidas resultaram no direito de

matrícula ao 2º ciclo do curso secundário aos egressos dos cursos comercial, industrial,

agrícola e normal de 1º ciclo, e asseguraram a “equivalência” do diploma de conclusão dos

cursos técnicos ao 2º ciclo secundário. A possibilidade de inscrição nos exames vestibulares

foi estendida aos cursos industriais, agrícolas e normais, e aos egressos de seminários, tidos

como idôneos.

Posteriormente, foram feitas algumas restrições às leis de equivalência. Satisfeitas as

condições de equivalência, os egressos dos cursos profissionalizantes podiam prestar exames

vestibulares e matricular-se em qualquer curso superior mas, na linha das “leis orgânicas”,

foram estabelecidos os cursos aos quais estes podiam se candidatar. Apenas os concluintes do

2º ciclo do curso secundário podiam se candidatar a qualquer curso superior.

A estrutura dual do ensino médio, na expressão de Luiz Antônio Cunha, foi “trincada”

pelas leis de equivalência e pelas diretrizes e bases da educação nacional. Mesmo depois de

aprovadas, os concluintes do curso secundário tinham mais chances de aprovação nos

concursos vestibulares, uma vez que o currículo estava totalmente voltado para a continuação

dos estudos. As pressões das massas foram progressivamente aumentando as possibilidades

de ingresso no curso superior, no entanto, os exames vestibulares passaram a ser a grande

muralha em busca do diploma neste nível de ensino.140

A atenuação da estrutura dual do ensino médio, conjugada a outros fatores, como o

aumento do número de vagas, a gratuidade e a instituição do vestibular classificatório,

levaram o Estado, principalmente a União, a uma crescente participação no financiamento do

ensino superior, induzindo à federalização de muitas escolas mantidas pelos governos

estaduais ou municipais, e mesmo particulares. 141

2.2. Os primeiros anos: a organização do Ginásio Municipal

2.2.1. Transição, crise e “assistência social”

No período seguinte ao Estado Novo, continuou a política concentracionista em torno

da cidade de Belo Horizonte e o processo de industrialização conduzido pela ação do Estado.

139 DULCI, O. S. A UDN e o anti-populismo no Brasil, p. 104. 140 CUNHA, L. A. A universidade crítica, 1983. 141 Trata-se, por exemplo, da UMG (Universidade de Minas Gerais). Cf. CUNHA, L. A., op.cit. p. 91.

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Após a implantação da Cidade Industrial de Contagem, as medidas mais importantes

da política industrializante concentrada em torno de Belo Horizonte foram a elaboração dos

Planos de Recuperação Econômica e Fomento da Produção (1947) e o Plano de Eletrificação

(1949), durante o governo Milton Campos (1947-1951).142

Lançado por Américo Renê Giannetti, quando Secretário Estadual da Agricultura, o

Plano de Recuperação sistematizava a perspectiva de industrialização polarizada na região

central do Estado, seguindo, em linhas gerais, as prioridades do Plano SALTE, do governo

Dutra, centrado no binômio energia e transporte. Como resultados, foram criados o DER

(Departamento de Estradas de Rodagem), em 1946 e a CEMIG (Centrais Elétricas de Minas

Gerais), em 1952. De uma certa forma, a política mineira antecipava-se à política nacional

desenvolvimentista.

Belo Horizonte e os demais municípios ao seu redor sofreram o impacto destes planos,

embora a sua execução fosse lenta, devido às dificuldades financeiras do Estado.

A Cidade Industrial de Santa Luzia foi implantada e a de Contagem recebeu novos

impulsos, com o aumento dos estabelecimentos industriais e do número de empregados. A

maior parte das indústrias instaladas nessa época foram de capital estrangeiro, sendo a

principal delas a Siderúrgica Mannesmann, inaugurada em 1954, com a presença do então

Presidente Getúlio Vargas.

Embora os mineiros tenham definido para os anos 40 e 50 um projeto econômico

centrado na industrialização, o comércio mantinha-se como atividade econômica

preponderante. Ocupando, em 1949, 42,8% dos trabalhadores belo-horizontinos, enquanto a

indústria ficava com 49,9%, dez anos depois registrava-se um equilíbrio entre as duas

atividades, com 45,9% do pessoal ocupado para cada uma delas, iniciando-se, a partir de

então, uma expressiva queda da participação relativa dos trabalhadores em indústria na

estrutura ocupacional da cidade.143

Como projeto modernizante conduzido pelo Estado, as análises sobre o processo de

industrialização de Minas Gerais têm considerado as elites estratégicas vinculadas ao aparelho

estatal. A principal força social no processo de industrialização mineira teria sido a

tecnocracia, representada por engenheiros e economistas. Como enfatiza Delgado, o papel do

Estado “não era estranho às perspectivas dos empresários mineiros e, em boa medida, foi

reivindicado pelas elites e entidades empresariais”, que desempenharam um papel ativo no

142 Os elementos centrais do Plano de Recuperação Econômica e Fomento da Produção foram a política energética e rodoviária. Entretanto, o Plano também previa a expansão do ensino técnico e profissionalizante. Cf. DELGADO, I. J. G. Burguesia e Estado: o caso de Minas Gerais, a estratégia de um revés, p. 284-285. 143 IGLÉSIAS, F. ; PAULA, J. A. Memória da economia da cidade de Belo Horizonte – BH – 90 anos, 1988.

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projeto econômico industrializante do estado, além de se fazerem presentes na cena

política.144

Segundo Dulci, houve uma estreita ligação entre a “tecnocracia mineira” e o

empresariado: “quadros executivos que atuam segundo uma lógica empresarial, tanto a

serviço da administração pública quanto da administração do capital privado”.145 As elites

mineiras seriam polivalentes, encontrando-se um número significativo de personagens –

políticos, empresários, técnicos – que vão da empresa privada à administração pública e/ou à

política partidária ou vice-versa.146 A partir de 1950, aparece um novo tipo de administrador

público, designado de “tecnocrático”, geralmente de origem acadêmica, e que assume uma

identidade técnica em oposição à política convencional.

Essas considerações em torno do desenvolvimento econômico-social de Minas Gerais

e Belo Horizonte compõem as dimensões assumidas pelas administrações Negrão de Lima e

Américo Renê Giannetti.

O período da “redemocratização”, segundo Delgado, é visto pelos representantes das

“classes produtoras” como a possibilidade de um acesso mais fácil à direção do Estado. Com

freqüência, os empresários tenderam a desqualificar a atividade política, considerando a

política partidária no país “atrasada” e os políticos, “demagogos”.

No segundo governo Vargas, as suas atitudes de aproximação das massas, dentro as

quais a decretação do salário mínimo representou um momento importante, eram vistas com

grande desconfiança pelas classes produtoras. Nem por isso elas se afastaram dos processos

políticos e eleitorais; era um risco, numa sociedade parcialmente pluralista, manterem-se

longe dos mecanismo de acesso e controle do poder do estado. Sendo assim, os empresários

tenderão a “valorizar a dimensão especificamente técnica da administração pública” e “a

reforçar os canais invisíveis de intermediação de interesses no âmbito do aparelho de

Estado”.147

Os primeiros anos de governo autônomo em Belo Horizonte iniciaram-se sob os

signos da “transição” e “crise”. Ainda em campanha eleitoral, em 1947, Negrão de Lima

reafirmava, naquela “hora de transição”, a sua “fé na democracia”, que se robustecia nos

embates eleitorais, “apesar do mal que lhe fazem certos políticos, através de estranhas e

efêmeras alianças partidárias”.148 A prefeitura via-se às voltas com grandes dificuldades pela

144 DELGADO, I. J. G., op.cit . p. 248. 145 DULCI, O. S. Revista do Departamento de História, p. 106. 146 Casos exemplares em Belo Horizonte são, segundo Otávio Soares Dulci, os prefeitos Otacílio Negrão de Lima, Américo Renê Giannetti e Celso Mello de Azevedo. 147 DELGADO, I. J. G. Op.cit. p. 364. 148 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1949, p. 218.

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“extrema delicadeza das finanças municipais”, comprometidas com uma vultosa dívida

deixada pelos governos anteriores.149

Por outro lado, para Negrão de Lima, o constante crescimento da cidade exigia uma

ampla reforma dos serviços públicos, de modo que estes fossem estendidos a todos setores

reclamados pela população. Uma comissão de destacados funcionários municipais foi

instalada, iniciando-se os estudos de uma reorganização interna da prefeitura.

Ratificando compromissos de campanha, foram organizadas as novas tabelas de

vencimentos dos funcionários, sobretudo, dos mais modestos, assegurando- lhes aumentos

significativos dos salários. À Vila Concórdia, pela lei de n. 17 de 1948, foram facilitadas as

aquisições de lotes aos foreiros, ao mesmo tempo em que a área passava por uma série de

melhoramentos.150

O jornal A Batalha, caracteristicamente situacionista,151 assim destacava, em outubro

de 1948, as ações empreendidas pelo governo Negrão de Lima na Vila, como calçamento de

vias públicas, instalação de luz elétrica, canalização de água. Além destes,

“... outros melhoramentos mais, já se notam nesta Vila, onde sua população quasi toda constituida de humildes operários e trabalhadores, hoje grandemente agradecida ao atual Prefeito, tece-lhe os maiores incomios, não obstante a demagogia avassaladora de partidarios inescrupulosos de credos politicos importados procurarem a todo transe lanças a cisânia e a discórdia no seio dessa população ordeira e pacata e que, por certo, saberá repelir esses elementos nocivos de nosso regimen político-administrativo”(sic). 152

Entre as primeiras iniciativas do governo Otacílio Negrão de Lima constaram as

relativas ao efetivo funcionamento do Ginásio Municipal. Ao mesmo tempo, o governo

Negrão de Lima concluía uma reforma administrativa, criando, entre outros órgãos, a

Diretoria de Educação e Cultura. Para o poder público, impunha-se:

“... participar do sadio movimento regenerador, verdadeira cruzada de recuperação do valor humano na qual se empenham, há muito, a Nação e os Estados. Foi assim que surgiu o Departamento de Educação e Cultura, ao qual ficou afeto o problema social , já agora expresso em têrmos de realizações, como se vê das atividades de ensino, artísticas, culturais e desportivas que a Prefeitura vem mantendo, amparando e estimulando em vários setôres da vida social de Belo Horizonte”.153

149 Idem. 1948, p. 4. 150 Pelo decreto n. 36, de 28.07.1948, a Vila Concórdia passou a chamar-se Bairro da Concórdia. 151 Otacílio Negrão de Lima tinha sido eleito pela coligação PTN-PSC; portanto, o jornal era de oposição à UDN. Note-se a referência aos “credos políticos importados”, possivelmente, ao PC, que havia sido cassado, mas que continuava atuando na clandestinidade. 152 A BATALHA. 1948. p. 5. 153 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1948, p. 131. Grifos meus.

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Antes mesmo da criação do Ginásio em lei, foi aberto um curso de admissão, em salas

adaptadas no Teatro Municipal,154 cuja construção achava-se interrompida. Em maio de 1948,

um casarão existente no Parque Municipal, que tinha abrigado a Comissão Construtora da

capital no início do século, foi reformado, tornando-se a primeira sede do Ginásio Municipal.

De 1948 a meados de 1954, o Ginásio ali funcionou, quando o prefeito Américo Renê

Giannetti o transferiu para o Bairro da Lagoinha.

A convite do prefeito Otacílio Negrão de Lima, o Pe. José Campos Taitson155 foi

chamado para “fundar” o Ginásio. A princípio, o convite não foi aceito. Preocupando-se com

os despesas trabalhistas e com o ônus que a fundação de uma escola municipal acarretaria

para o governo, o Pe. Taitson sugeriu ao prefeito que concedesse bolsas de estudo aos alunos:

“O Otacílio mandou por meio do Pe. Cyr, presidente da Câmara, me convidar lá em Nova Lima. Eu falei: dr. Otacílio eu aceito o convite, mas por intermédio do arcebispo, porque eu não quero ser mero funcionário. Eu sou padre, e não vou deixar o meu ministério e tudo mais.

Então, ele conversou com o D. Cabral, que autorizou que eu aceitasse fundar o Colégio Municipal, e eu, no começo, fui contrário à fundação do Colégio. Disse claramente ao dr. Otacílio: não funda um colégio não. Isso vai lhe dar muita dor de cabeça, vai prejudicar também aos alunos. O senhor vai fundar um colégio num determinado local, os alunos são de toda a capital, eles têm que se transportar.

Seria muito melhor para a prefeitura, porque ela não teria os encargos sociais, previdenciários, problemas de greve, não teria nada disso, se ela criasse bolsas de estudo. Nós temos colégios em todos os bairros, então se o aluno pretende estudar, ele ganha uma bolsa de estudo. Ele não vai ter despesa de transporte, vai ficar no ambiente dele, perto da família, e o senhor não tem esse problema de relacionamento com o funcionalismo.”156

Frente a estas preocupações, o prefeito respondeu que não iria nomear ninguém, pois

os professores iam ganhar por aula dada. Pe. Taitson advertiu: “quando vier o outro prefeito,

eles fazem pressão para a Câmara criar os cargos; assim ele (Negrão de Lima) fez, assim

aconteceu”.157 Passadas as hesitações, fundou-se o Ginásio, e o Pe. Taitson foi empossado

como Reitor.

Os primeiros professores foram escolhidos por uma comissão constituída pelo Pe.

Taitson, pelo professor Heli Menegale, então diretor do Colégio Estadual e pelo professor

Bolivar de Freitas.158 Na fase de implantação em que o Ginásio se encontrava, não eram

154 Atual Palácio das Artes. 155 Diretor do Colégio Municipal de 1948 a 1954. Natural de Nova Lima. Cursou o seminário de Mariana. Foi capelão dos Colégios Santa Maria e Pio XII. Foi nomeado Diretor do Departamento de Ensino Primário da Prefeitura, em 1968. Atual vigário da paróquia de Ibirité. 156 Entrevista concedida pelo Pe. José Campos Taitson em Ibirité, 10/04/2000. 157 Idem. 158 O livro de pontos mais antigo do Ginásio Municipal, de 5 de julho de 1948, registra como professores: Francisco Nunes Horta (Português), Oswaldo Machado (Matemática), Leôncio Gomes da Silva (História), Antônio Pedro Baroni (Geografia), José dos Prazeres Ferreira (Matemática), Narciso Azevedo Barbosa (Português), Massanielo Santos (Português), Sigefredo Marques Soares (Português), Pe. João Batista de Freitas

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concursados, nomeados ou contratados, e nem possuíam quaisquer vantagens trabalhistas,

ganhando por aula dada. Recebiam um salário considerado, na época, muito bom, “mais ou

menos oito vezes o que pagavam os demais colégios.” 159 Segundo o Pe. Taitson, era:

“... o colégio que pagava o melhor salário por aula de Belo Horizonte era o Colégio Municipal. Ele (o prefeito) me propôs: vamos pagar logo Cr$50,00. E eu falei, é muito, doutor, paga menos que o Colégio Estadual paga Cr$20,00. Então ele baixou para Cr$40,00 cada aula, aula dada. Era o intuito dele”.160

As primeiras instalações do Ginásio eram simples: poucas salas, uma diretoria,

secretaria, banheiros, gabinete médico e dentário. Mesmo assim, havia cerca de 300 alunos

matriculados em três turnos.161 A precariedade das condições em que se instalava o Ginásio

Municipal devia-se à necessidade de seu “rápido funcionamento”, além do que “a situação

municipal não comportava maiores ônus”.162

Em 1949, começou o curso ginasial, com alunos da própria escola e alunos

transferidos de outros estabelecimentos de ensino. Alguns professores do curso de admissão

continuaram no Ginásio e novos foram convidados a lecionar, recrutados entre “os

professores mais competentes da capital, diplomados por Faculdades de Filosofia”,163 mas

nem todos foram efetivados no cargo.164

A indicação destes professores, que vieram a constituir o grupo dos “fundadores” do

Colégio Municipal, procurou reunir os maiores “valores” do magistério municipal:

“... o Otacílio queria valores, queria um grupo de professores correspondente a 40 [...] para fundar um colégio, para que fosse um colégio modelo de Belo Horizonte. E queria valores, não levando em conta política e nem situações parecidas e sim valores de professores”.165

(Religião), Maria Yedda M. Ferola (Educação Física), Hélio dos Santos Barbosa (Português), Levindo Lambert (História). Cf. SILVEIRA NETO, H. História do Colégio Municipal. 1948-1973, p. 10. 159 Ibidem. loc. cit. 160 Pe. José Campos Taitson. 161 Cf. BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1954. p. 92. 162 SILVEIRA NETO, H. Colégio Municipal de Belo Horizonte – monografia histórico-informativa, p. 9. 163 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1949. p. 198-199. 164 O livro de pontos do Arquivo do Ginásio Municipal, de 1949, registra os seguintes professores “fundadores”: Arthur Fonseca, Noeme França Campos, Amaro Xisto de Queiroz, Agenor Soares Santos, Geraldo Majela de Resende, José Lourenço de Oliveira, José Tavares de Sousa, Geraldo Sardinha Pinto, Maria Luiza Ramos, Rita de Cássia Andrade Netto, Zaida de Morais, José dos Prazeres Ferreira, Heli Menegale, João Camilo de Almeida, José Geraldo de Faria, José Cantagalli, Maria Yedda Maurício Ferolla, Oswaldo Machado, Honorina Prates Campos, Dilza Reis, Dinorah Maria Magalhães Fabri, Carmen de Melo, Mercedes Ribeiro Morado, Elza Villas Boas, Marcel Debrot, Odilon Santos, Fernando Pieruccetti, Maria José Ribeiro Sales, Gerson de Brito Melo Boson, Antônio Pedro Baroni, Isolina Debrot, Cristiano Nogueira Filho, Elza Cardoso. Cf. SILVEIRA NETO, H. História do Colégio Municipal. 1948-1973, p. 42-43. 165 Entrevista concedida por Maria Yedda Maurício Ferolla em Belo Horizonte, 29/01/2001. Professora de Educação Física do Colégio Municipal de 1948 a 1975, e uma das fundadoras da Escola de Educação Física da UFMG.

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Segundo o Pe. Taitson, muitos ficaram até intrigados pelo convite, uma vez que nem

conheciam o prefeito. Houve mesmo um que até relutou em aceitá-lo, alegando

incompatibilidade política.166 A indicação de um destes professores foi assim narrada:

“...eu estava no Rio [...] quando eu cheguei, mamãe falou que estavam insistindo, telefonando, então eu fui saber que se tratava da fundação do colégio e que meu nome tinha sido indicado para dar latim. Eu fiquei muito satisfeita, porque eu não tinha nenhum vínculo com a política, com o Otacílio Negrão de Lima. Sabia que ele era prefeito, mas não tinha nenhum vínculo. Então eu tive assim uma admiração por ele, por criar um colégio e pedir a uma comissão de professores que indicasse o corpo docente, porque você sabe, numa terra de muito apadrinhamento, eu achei isso uma coisa muito positiva”.167

A estrutura de funcionamento do Ginásio Municipal foi determinada através de leis,

decretos, portarias e regulamentos que normatizavam, em detalhes, todos os aspectos da vida

escolar.

Complementando dispositivos da lei de criação, em fevereiro de 1949, o prefeito

Otacílio Negrão de Lima decretou o primeiro Regulamento do Ginásio Municipal. Por este

Regulamento, o corpo docente ficou constituído pelos professores catedráticos, contratados

titulares das disciplinas, auxiliares e substitutos. Estipularam-se as funções do Reitor, da

Secretária e do Serviço de Orientação educacional.168

O Ginásio passava a ter uma Congregação, um órgão interno, composto pelo Reitor,

pelo Orientador de Ensino, pelos professores catedráticos e três professores eleitos pelos seus

pares, com a função de propor medidas destinadas ao aperfeiçoamento do ensino, aprovar

planos de horários e distribuição de turmas, bem como tomar conhecimento das faltas

cometidas por professores e alunos.

Os critérios para matrícula dos alunos que, conforme mostramos, tinha sido uma das

questões mais debatidas na Câmara Municipal, foram melhor definidos. A situação econômica

foi classificada em pontos, de 0 a 50, dando-se preferência aos candidatos de menores

recursos, e levando em conta fatores como a situação de orfandade dos candidatos, o número

de filhos da família, os salários, os casos de invalidez dos pais ou tutores e abandono da

166 SILVEIRA NETO. H. op. cit. p. 73. 167 Entrevista concedida por Maria Luiza Ramos em Belo Horizonte, 31.01.2001. Professora no Colégio Municipal de 1948 a 1960, nas cadeiras de Latim e Português. Professora emérita da Faculdade de Letras da UFMG. 168 Segundo o Regulamento de 1949, ao Reitor cabia a superintendência de todas as atividades escolares e dos serviços administrativos do Ginásio, sendo o único intermediário entre o estabelecimento e a Prefeitura. Ao Secretário cabia uma extensa lista de atribuições, como organizar toda a documentação oficial do Ginásio, secretariar reuniões, e inventariar móveis e utensílios do estabelecimento. Ao Orientador de Ensino competia emitir pareceres sobre assuntos didáticos e disciplinares, sugerir medidas para melhorar a eficiência do estudo, organizar a lista dos alunos de mau procedimento, propondo ao Reitor a cassação de sua matrícula, e orientar a vocação dos alunos.

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família por parte dos progenitores. A verificação da capacidade intelectual seria feita por

professores designados pelo Reitor após o inquérito sobre a situação econômica.169

Quanto aos cursos e regime escolar, as classes seriam só femininas ou masculinas,

distribuídas em três turnos: manhã, tarde e noite, com 40 alunos, no máximo, em cada sala. Se

fosse reprovado nos exames, o aluno perderia a vaga automaticamente, podendo cursar a

série perdida, mediante uma contribuição previamente estipulada. Em cada turno haveria uma

hora social destinada a atividades sociais, religiosas e esportivas.

Professores, funcionários administrativos e alunos tinham um “código disciplinar”: aos

primeiros, por exemplo, era exigida obediência ao Regulamento e um comportamento

exemplar, mesmo fora do estabelecimento. Era- lhes vedada a propaganda político-partidária

dentro ou nas imediações da escola. Foram também estabelecidas penas disciplinares aos

alunos, de acordo com as faltas cometidas, que variavam desde a advertência até a expulsão

do Ginásio.170

Entre os deveres e atividades dos alunos, constava um “órgão de educação

democrática”, o Conselho Ginasial de Estudantes, destinado a unificar as atividades de

grêmios e clubes, a socialização dos alunos e a colaboração na disciplina”.171 Havia, ainda,

um orfeão, com o objetivo de estimular a arte musical e uma Associação de Pais e Mestres,

para a colaboração entre o Ginásio e as famílias.

O capítulo 4º do Regulamento destacava os serviços de assistência social do Ginásio.

Executados pelo Orientador de Ensino, Assistente Social, médico, dentista e outros

funcionários que se fizessem necessários, tais serviços incluíam: informar sobre a situação

econômica dos candidatos ao Ginásio, fazer o serviço pré-vocacional, organizar as fichas

psicotécnicas e sanitárias dos alunos, e proporcionar-lhes assistência médica e dentária.

O Ginásio recebeu, nos primeiros anos, alunos de nível sócioeconômico muito

modesto, sem condições de adquirir material escolar, mal alimentados e mal vestidos.

Segundo o depoimento do primeiro diretor, Pe. Taitson:

“... para entrar no Colégio havia um critério. Primeiro, que o aluno fosse de famílias humildes, famílias pobres, quer dizer, socialmente pobres [...] porque se tivesse recursos não podia ser matriculado não. Então vinha gente sempre pedir um atestado de que a pessoa era pobre, tudo mais. Segundo, um exame de suficiência,

169 Grifos meus. 170 Eram consideradas faltas graves: atos imorais praticados dentro do estabelecimento, atos puníveis pelas leis penais do país, injúrias verbais ou escritas dirigidas a autoridades, professores ou dirigentes, agressão física a qualquer pessoa do estabelecimento. Cf. GINÁSIO MUNICIPAL. Regulamento Interno. 1949. 171 GINÁSIO MUNICIPAL. op. cit. art. 39.

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da escola primária. Era uma espécie de concurso, só entravam aqueles que

passavam. Muito selecionado”. 172

A contradição que poderia se estabelecer entre a situação econômica e a seletividade

intelectual, que excluía candidatos, não foi ignorada:

“...era um Colégio voltado para os pobres, mas aqueles pobres que queriam realmente estudar, como tantos e tantos casos que nós temos de alunos que saíram de situações muito pobres, se tornaram grandes professores, grandes mestres, grandes engenheiros [...]. O Colégio não tinha como atender toda a demanda, tinha que fazer seleção, e na seleção, quem é que passava? O aluno, não é o rico, é o aluno mais esperto, mais inteligente, porque também as questões não eram capiciosas, não eram questões para derrubar o aluno. Eram questões para pesquisar a inteligência do menino, questões que muitas vezes não tinham nada a ver com a escola, mas para a gente perceber que tipo, que nível de menino nós íamos colocar naquela escola”.173

A dificuldade de conciliar a condição econômica que, naturalmente, desfavorecia o

preparo intelectual, de certo modo, foi enfrentada:

“... todos esses alunos passavam obrigatoriamente por um exame intelectual, em que se fazia um exame de português e um exame de conhecimentos gerais e se apurava o grau de intelectualidade, pelo grau de conhecimento que tivessem. Evidentemente, estamos deixando aí de lado a parte social, não por esquecimento, mas também esse processo se fazia internamente, num exame das condições dos candidatos que talvez não tivessem obtido um grau necessário no plano intelectual [...]. Fazia-se também uma pesquisa sócio-econômica para a qual nós nos voltávamos intensamente, cuidadosamente, fazendo, às vezes, uma aproximação intelectual a essas condições, para chegarmos a cobrir todas as vagas existentes”.174

As dificuldades dos primeiros anos foram vividas e narradas por Eny da Rocha M.

Gresta, que acompanhou a existência do Ginásio Municipal por mais de trinta anos, como

aluna, professora e secretária:

“...o Colégio Municipal foi para mim a salvação. Não teria jeito de eu sair daquele grau de pobreza, de miséria, de ignorância, de tudo, se não fosse o Colégio Municipal. Então, o Colégio Municipal para mim foi a minha salvação, foi a minha redenção.

Para te falar a verdade, quando eu tinha 15 anos eu ficava assim querendo modificar a minha vida e pensava assim: eu só tenho dois caminhos para modificar esse estado de vida que eu vivo: ou ser empregada na casa dos outros, ou suicidar. Era o que eu pensava antes de entrar para o Colégio, sabe? Era uma vida tão triste... Acho que por isso, que eu não tinha nada, que eu amei tanto o Colégio, porque quando eu entrei para o Colégio, aquilo ali passou a ser minha vida, sabe? E o Colégio assim foi o que me deu todos os fundamentos, a possibilidade do meu sustento, da minha sobrevivência, do conhecimento que a gente tem hoje em dia, das

172 Entrevista concedida pelo Pe. José Campos Taitson em Ibirité, 10/04/2000. 173 Entrevista concedida por Henrique Morandi em Belo Horizonte, 20/06/0000. Ex-catedrático de Matemática do Colégio Municipal e ex-professor da Faculdade de Filosofia da UFM G. 174 Entrevista concedida por Onofre Gabriel de Castro em Belo Horizonte, 20/05/2000. Ex-vice diretor do Colégio Municipal e ex-professor da Faculdade de Filosofia da UFMG. Foi diretor da Departamento de Educação e Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte, em 1962.

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pessoas com as quais a gente se relacionou, porque eu era uma menina de vila,

pobre, que vendia verdura na rua para poder sobreviver...175

Embora o termo “pedagógico” só tenha sido mencionado na Câmara Municipal,

durante as sessões em que o projeto de criação do Ginásio foi debatido e estabeleceram-se as

normas que regeriam a organização da escola pelo Regimento de 1949, os primeiros

professores desenvolveram, no cotidiano de seus procedimentos escolares, práticas que bem

poderiam ser chamadas de “didático-pedagógicas”.

“Fazer por onde o aluno aprender” e fazer por onde “servir bem ao magístério” eram

condutas a serem adotadas na sala de aula, como conta José dos Prazeres:

“...eu fiz por onde o aluno aprender [...]. Acho que na 4ª série de ginásio, havia uma aluna boa em matemática. Então eu dava várias propriedades de matemática [...] a tal aluna, cujo nome eu não sei, não me lembro, eu falei: um dia, eu vou chamar o diretor, que era o Guilherme, Dr. Guilherme, eu vou chamá-lo, eu comunico você e você vai dar uma aula sobre esse assunto. Eu aviso a você como é que vai ser. Ela falou: não, não precisa o senhor avisar e dizer o que é não; qualquer coisa na hora, eu sei apresentar, eu fico satisfeita.

...Eu fazia por bem servir ao magistério. Havia um inspetor de ensino que assistia muito as minhas aulas então falava o que gostava, e tinha dia que recordava coisas que tinha esquecido ou não tinha aprendido direito...”176

Indagado sobre as razões que o levaram a ter bons resultados em sua disciplina, o

professor José dos Prazeres respondeu: “uma, era a confiança em mim, depois neles e fixando

uma coisa: se eles não aprendessem, a culpa era minha...”177

O programa deveria ser cumprido, mas “no momento em que eu via que o menino não

podia acompanhar a minha aula, que estava com sono, que levantou de madrugada para pegar

o trem para ir para a escola e tudo o mais, o meu comportamento em relação a esse aluno

tinha de mudar...”178

O “ensino ligado à realidade” foi outra prática corrente, como relata a depoente Maria

Luiza Ramos, que a tornou comum em suas aulas:

“...a experiência que eu vou relatar é a seguinte: eram vários professores a corrigir as mesmas provas. Provas de alunos diferentes, mas com as mesmas questões. As vagas eram tão disputadas que uma questão valia meio ponto, a outra valia um quarto de ponto, aquela coisa alfandegária, de rigor alfandegário. E começou a haver reclamação, porque eu corrigia as provas de um jeito e outros colegas corrigiam de maneira diferente. Aí, nós tivemos uma reunião e eu justifiquei o meu ponto de vista na correção, até escrevi um artigo sobre isso. Porque era aquela época em que as provas pediam sinônimo, antônimo, assim secamente, fora do contexto, essas coisas, é claro, não se usam mais. Mas, naquela época, sim. Então, eu aceitava alguns sinônimos: para idoso, estava lá, ranzinza, bondoso,

175 Entrevista concedida por Eny da Rocha Maia Gresta em Belo Horizonte, 21/02/2001. 176 Entrevista concedida por José dos Prazeres Ferreira em Belo Horizonte, 07/10/2000. Professor aposentado de Matemática. 177 José dos Prazeres Ferreira. 178 Entrevista concedida por Maria Luiza Ramos em Belo Horizonte, 31/01/2001.

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religioso, e eu aceitava todos. O que contava era a experiência, a vivência que o menino tinha em casa...”179

Alguns procedimentos eram considerados “avançados” para a época:

“...a gente fazia, por exemplo, jogo de vôlei das professoras contra as alunas. Aí, no primeiro jogo, nós aparecemos de shortinho curtinho. Foi um sucesso. Também lá no Colégio Municipal, pais vinham reclamar das minhas aulas, porque eu mandei os alunos lerem José Lins do Rêgo – Menino do Engenho – e achavam que era imoral...” 180

Ainda funcionando no Parque Municipal, o Ginásio, freqüentado inicialmente por

“pessoas de poucos recursos”, começou a receber alunos de origem social mais diversificada,

atraindo pessoas de classes sociais mais favorecidas economicamente, na medida em que

afirmava o seu padrão de qualidade de ensino. O curso noturno, notadamente, agregou alunos

que trabalhavam de dia, entre “comerciários, operários, bancários, pessoal da Guarda Civil e

da Rádio Patrulha também”.181 Principalmente operários, como relata Onofre Gabriel de

Castro:

“...no caso, por exemplo, desse nível social, lembro-me de uma professora de economia doméstica, mulher de alta classe social, vou citar o nome, Noeme França Campos [...], dando aulas de economia doméstica, certo dia, por volta das onze horas, onze e meia, ela explicando como se servia uma mesa de banquete, falando mesmo de ‘criado de libré’, servindo um peru trunfado ao rum, e as alunas aquela pobreza, aquela miséria, quase babavam.

Eu ouvi aquilo e falei: dona Noeme, não seria melhor dar uma aula de higiene, ensinar essas meninas como escovar os dentes, do que descrever banquetes para uma classe tão pobre, eu dizia. Aí é que ela acordou”.182

Na memória da “geração pioneira”,183 e dos alunos, o Ginásio Municipal era o lugar da

“disciplina” e “rigor”. Disciplina nas aulas, como relata o Pe. Taitson: “...nós tivemos um

diretor de disciplina, ele não professor não, ele era delegado geral de Belo Horizonte [...],

ele era disciplinário, então ele mantinha uma ordem muito grande, uma ordem até um pouco

militar...”.184

Rigor nos horários, nos uniformes, na distribuição do tempo escolar. Como relata o

depoente Onofre:

“Fundamentalmente, educação no primeiro estilo. Uniformes rigorosamente fiscalizados, cabelos, roupa, higiene. Uma hora semanal de hasteamento de bandeira com uma conversa com os alunos, que podia ser pito, esbravejamento, podia ser louvores. Nunca se deixou de fazer toda quarta-feira, às

179 Idem. 180 Idem. 181 Entrevista concedida por Onofre Gabriel de Castro em Belo Horizonte, 20/05/2000. 182 Idem. 183 Expressão utilizada em entrevista concedida por Maria Yedda M. Ferolla, em Belo Horizonte, 20/01/2001. 184 Entrevista concedida pelo Pe. José Campos Taitson em Ibirité, 10/04/2000.

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oito horas da manhã, hasteamento da bandeira com a presença dos professores e diretor”. 185

No depoimento de Isidoro Coelho Linhares:

“... todo mundo obedecia, todo mundo chegava no horário, não tinha esse negócio de estar ‘matando aula’, de estar saindo antes [...], de sair no intervalo de aula [...]. Você entrava na sala de aula e saía na hora que dava o sinal [...], era uma disciplina muito rígida...”186

Um rigor que abarcava tudo, uma “cultura da época”, como relata a depoente Eny:

“...havia um índice muito grande de reprovação, porque se exigia muito dos alunos naquela época, e muitos alunos vinham de colégios muito fracos. Não davam conta mesmo de estudar, sabe? O ensino era muito apertado. E, antigamente, pela lei de educação [...], não estou com o número aqui na cabeça agora, então não era possível o mínimo arrendondamento [...] e as exigências eram enormes.”

A aplicação das provas passava por um controle rigoroso e burocratizado:

“Muito burocrata, muito exigente. Não havia intervenção de ninguém. Era a lei e a lei tinha que ser seguida [...]. Então, por exemplo, você ficava triste de ver um aluno passar em tudo, perder uma matéria com 4,9, mas a lei era essa [...] esse índice de reprovação não era só do Colégio Municipal, era dos colégios todos em geral, porque não podia haver o mínimo arredondamento [...]. Não era só o ensino, era o rigor da nossa civilização, daquela época, né?

A cultura daquela época era a cultura do rigor, a cultura da moral, como era com as filhas, com tudo [...]. Quando tinha prova que eles chamavam de ‘prova parcial’, o inspetor passava de carteira em carteira e dava rubrica, punha a sua rubrica na prova para ver que aquele menino fez a prova. Ele assinava um canhoto, tirava aquele canhoto para o professor não ver de quem era a prova que ele estava corrigindo, como se fosse assim um concurso público. Uma escola funcionava como um concurso público [...] não era só o ensino. Era um rigor de uma maneira geral [...]. Eu jogava vôlei, a gente punha um tênis e você não podia atravessar a Avenida Afonso Pena de tênis. A gente ia de salto alto, punha o tênis lá, aquela coisa toda, aí tirava o tênis, vinha com ele em uma sacolinha e vinha de salto alto [...] então não era possível andar na Avenida Afonso Pena de tênis.”187

Um rigor que não excluía a admiração pelos professores e o reconhecimento da

qualidade do ensino ministrado: “...o que a gente gostava na aula era a qualidade dos

professores, porque eles não ensinavam só a matéria, eles nos davam vivência.” 188

Na versão do depoente Syllas,

“...o ingresso no Colégio, talvez tenha sido o passo mais importante dado em minha vida [...]. Encontrei um corpo docente selecionadíssimo [...], verdadeiros educadores, porque emprestavam aos alunos uma assistência global, com muita dedicação, até mesmo com muito sacerdócio, porque estes professores, eu pude ver depois, e também quando me tornei professor do Colégio, para eles o aluno era tudo, o aluno em primeiro lugar [...]. Esses professores, para mim, eram verdadeiros

185 Onofre Gabriel de Castro. 186 Entrevista concedida por Isidoro Coelho Linhares em Belo Horizonte, 21/08/2000. 187 Entrevista concedida por Eny da Rocha Maia Gresta em Belo Horizonte, 21/02/200l. 188 Entrevista concedida por Isidoro Coelho Linhares em Belo Horizonte, 21/08/2000. Ex-aluno e auditor fiscal da Previdência Social, aposentado.

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deuses, porque eu me apegava a tudo que eles falavam, a tudo que eles transmitiam, e mesmo fora de aula, pelos corredores, pelas ruas, eu recebi essa amizade...”189

Avaliando o ideal que movia os “fundadores”, como testemunha Dilza Reis, o objetivo

dos professores era que:

“...aquele colégio permanecesse vivo na nossa lembrança e na lembrança dos alunos. Que os alunos que passassem por ali pudessem levar adiante para si, para suas famílias o que eles aprenderam, tanto na parte de formação, quanto na parte de informação [...]. Não era só jogar matéria em cima deles, era formar os alunos. Os nossos alunos eram alunos bem formados, eram alunos que nós sentíamos a capacidade deles, tanto na parte intelectual, quanto moral. Então, eu achava isso muito bonito.

...Nós sabíamos que era uma profissão de idealismos e sacrifícios, mas o nosso sacrifício era compensado pelo aluno que tínhamos à frente.”190

Findando seu mandato, como no início, Negrão de Lima registrava a fase de grave

apreensão por que passava o Brasil e o mundo, e que atingia também Belo Horizonte.

Referindo-se ao mundo pós-guerra, para o prefeito, o momento era de crise moral, espiritual e

econômica, em que os problemas administrativos apresentavam-se bem mais complexos do

que os enfrentados na primeira gestão. Entretanto, as obras de melhoria da vida material dos

governados não deveriam ser as únicas preocupações do administrador; era “imperioso ir

mais longe e mais fundo, cuidando-se, também, da vida intelectual, moral e religiosa do

povo, a saber: cooperar na solução dos problemas sociais e assistenciais”.191

O Ginásio Municipal era motivo de orgulho, tendo cumprido o programa que lhe fôra

traçado. Entretanto, lembra o prefeito, a escola não podia “descurar da assistência social”.192

2.2.2. Na melhor tradição mineira: “progresso material e aprimoramento

intelectual”

Pouco antes de passar o cargo ao seu sucessor Américo Renê Giannetti, Negrão de

Lima sancionou, em janeiro de 1951, a Lei n. 175, que introduziu algumas modificações na

estrutura do Ginásio. Por essa emenda, as cátedras fo ram aumentadas de quatro para seis, foi

criada no currículo a disciplina Educação Moral, Religiosa e Cívica, e trinta cargos de

professores assistentes, cargos isolados de provimento efetivo.193

189 Entrevista concedida Syllas Agostinho Ferreira em Belo Horizonte, 04/08/2000. 190 Entrevista concedida por Dilza Reis em Belo Horizonte, 30/09/2000. Professora de Matemática, aposentada. 191 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1949. p. 5 192 Ibidem. p. 199. 193 De acordo com esta Lei, os vencimentos estabelecidos foram: professores catedráticos: 3.450,00 cruzeiros; professores assistentes: 3.000,00 cruzeiros; Reitor: 3.900,00 cruzeiros; Chefe de Expediente e Orientador Pedagógico: 2.400,00 cruzeiros. Dos professores convidados a lecionar no Ginásio, tão logo foi criado, 29 foram efetivados como professores assistentes, depois adjuntos; os Padres Cyr Assis Assunção e Armando de Marco

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Na época, essas mudanças tiveram ampla repercussão. Segundo Silveira Neto, na

Câmara Municipal, o vereador Ulisses Escobar apresentou emendas, todas rejeitadas,

propondo a redução do número de professores, a proibição da nomeação do professor de

Moral e Cívica, e a nomeação do Reitor em lista tríplice.194

Na imprensa, conforme Silveira Neto, o Diário de Minas trouxe um editorial dizendo

que este vereador tinha pedido “o auxílio de uns comunistazinhos, integrantes do diretório

acadêmico de uma das nossas faculdades de filosofia”, onde também havia chegado a

agitação provocada pelas mudanças pretendidas.195

A cadeira de Religião, Moral e Cívica, que acabou sendo criada, segundo o Pe.

Taitson, não tinha influência direta na educação: “...havia aula de religião normal, de acordo

com a lei, que era permitido [...]. Não era propriamente catequese, era religião de um modo

geral”.196

O ano seguinte decorreu em meio à movimentação em torno da sucessão municipal.

Américo Renê Giannetti, então Secretário Estadual da Agricultura do governo Milton

Campos, disputou a convenção da UDN (União Democrática Nacional), como candidato a

governador. Com a indicação de Gabriel Passos, seu destino foi a prefeitura de Belo

Horizonte, frustrando, de certa forma, a expectativa das classes produtoras em fazer

governador do estado, um de seus membros. 197

Vários estudos apontam a relevância de Giannetti no processo de industrialização e na

administração pública de Minas Gerais. Visto como a “mais importante liderança industrial

em Minas Gerais” nos anos 30 e 40, conforme Delgado, Giannetti é um caso exemplar de

uma trajetória que vai da empresa privada à administração pública e/ou à política partidária.198

A eleição de Giannetti para o governo municipal teve o apoio dos empresários que,

embora vissem a política com desconfiança, estavam cientes do papel dos processos políticos

foram nomeados professores de Educação Religiosa. Cf. SILVEIRA NETO, História do Colégio Municipal. 1948-1973, p. 16. 194 Ibidem. p. 18. 195 DIÁRIO DE MINAS. 07.05.1951. 196 Entrevista concedida pelo Pe. José Campos Taitson em Ibirité, 10/04/2000 197 Américo René Giannetti diplomou-se engenheiro pela Escola de Minas de Ouro Preto. Além de Secretário Estadual da Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho do governo Milton Campos, foi presidente da FIEMG (Federação das Indústrias de Minas Gerais) e Secretário do CNI (Conselho Nacional da Indústria), delineando como Euvaldo Lodi e Roberto Simonsen a criação do SESI (Serviço Social da Indústria) e do SENAI (Serviço Nacional do Comércio). Foi eleito pela coligação UDN-PDC. Cf. APCBH. Levantamento de dados biográficos dos Prefeitos de Belo Horizonte. 1897-1992, p. 338-343. Como empresário, o seu projeto mais ambicioso foi a Elquisa, fábrica de alumínio, conforme DELGADO, I. J. G. Burguesia e Estado – o caso de Minas Gerais: a estratégia de um revés, 1989. 198 DELGADO, I. J. G.op.cit. p. 292.

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e eleitorais no acesso e controle das decisões pelo Estado. Daí, “toda eleição ser um risco e

uma situação de crise”.199

Por outro lado, é preciso não perder de vista os alinhamentos partidários que eram

feitos durante o processo eleitoral. Como analisa Dulci, a UDN vista em sua singularidade,

teria representado uma base possível para a superação do arranjo populista, catalisando

setores sociais, interesses e projetos que pudessem formar uma aliança de poder de novo tipo,

voltada para o estabelecimento de políticas alternativas, tanto no plano político-institucional,

quanto no plano dos programas de desenvolvimento sócioeconômico. Nesse sentido, a UDN

foi a “expressão político-partidária do anti-populismo”.200 No caso de Belo Horizonte, as

distinções partidárias devem ser consideradas, constituindo um fator adicional à conjuntura

política de “risco” e “crise” dos processos eleitorais.

Realizadas as eleições, a primeira preocupação do novo prefeito foi o ordenamento da

administração, em “face do estado de quase anarquia interna” em que foram encontrados

todos os departamentos da prefeitura: dívidas, atrasos de pagamentos, obras inacabadas,

deslocamento de funcionários de suas funções específicas, precariedade dos proventos, entre

outras dificuldades, comprometiam o crédito da prefeitura, em “flagrante desrespeito à

tradição moral que sempre orientou os responsáveis pelo governo da cidade”.201

Em vista desta situação, os primeiros meses do governo Américo Renê Giannetti

foram consumidos por um trabalho de organização administrativa, orientado para a

restauração do crédito da prefeitura, o exame das obras em andamento, a reestruturação dos

serviços e o reajuste dos vencimentos do pessoal.

Em seguida, foi elaborado o Plano Programa de Administração, que condensava todas

as medidas julgadas necessárias à solução dos problemas da cidade. Por este plano, os

problemas mais urgentes a serem resolvidos eram a regularização do abastecimento de água, a

ampliação do sistema de transportes coletivos, a melhoria das condições de vida nas vilas e

subúrbios, e o aumento do âmbito da assistência social.

199 Ibidem. p. 365. 200 DULCI, O. S. A UDN e o anti-populismo no Brasil, p. 2-231. 201 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1951. p. 3-4. Estas acusações ao governo Negrão de Lima geraram uma contenda entre o ex-prefeito e Giannetti, que ocupou muitas páginas dos relatórios anuais apresentados à Câmara em 1951 e 1952. As acusações feitas por Giannetti resultaram num inquérito administrativo para apurar as denúncias e identificar os responsáveis. A justiça constatou que não houve calúnia ou difamação por parte de Giannetti; duas acusações foram confirmadas: a compra de um automóvel pela Prefeitura para uso particular e a transferência de um banco para outro do encargo de pagar juros de apólices da Prefeitura, com um valor mais alto. São condenados o ex-tesoureiro e o ex-contador, pelo desfalque superior, na época, a 23 milhões de cruzeiros. Cf. BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1951; BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1952.

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O Plano Diretor, inserido na organização administrativa da prefeitura, foi outra

iniciativa do prefeito Américo René Giannetti. Visando restabelecer a continuidade do

planejamento feito pela Comissão Construtora da capital, Giannetti propunha a contenção da

expansão desordenada da zona suburbana e o planejamento dos novos núcleos de

habitação.202

Nos anos seguintes, prosseguiram o trabalho de organização dos serviços municipais e

de execução das obras constantes do Plano-Programa. Vindo a falecer em setembro de 1954,

Giannetti não concluiu o seu mandato, ocupando a chefia do Executivo municipal o vice-

prefeito. Em sua breve passagem pela prefeitura, Sebastião de Brito limitou-se a seguir as

linhas-mestras do planejamento traçado por Américo Renê Giannetti.

As finanças continuavam a ser um dos maiores problemas da administração pública,

sobretudo pela decretação dos novos níveis do salário mínimo para o município. Os recursos

eram escassos, uma vez que a inflação caíra sobre a Nação, tendo o município diminuído a

sua participação nas rendas públicas arrecadadas no território local para, apenas, 16,9%, no

exercício de 1953, quando em 1940 recolhia 46%.203

Do ponto de vista educacional, a administração procurou manter a “necessária

correspondência entre o progresso material e o aprimoramento intelectual...” o que era, “da

melhor tradição mineira”. 204

Algumas mudanças significativas foram introduzidas no Departamento de Educação e

Cultura. Os serviços de fiscalização de posturas, que eram de sua competência, foram

transferidos para outro órgão, ficando o Departamento incumbido das atividades de turismo e

recreação, do ensino primário e secundário e das atividades culturais. Foi criada a Seção de

Ensino Primário, especialmente destinada a cuidar do ensino primário, e o Serviço de

Estatística, através do qual todo o movimento das escolas municipais passou a ser

acompanhado, diária e mensalmente.

Novas escolas foram construídas, e foram introduzidas cantinas nos grupos

municipais. Tais iniciativas levaram em consideração os indicativos do Censo de 1950, que

havia acusado um índice expressivo de crianças analfabetas em idade escolar, conferindo a

Belo Horizonte um incômodo quinto lugar na listagem dos coeficientes de alfabetização das

202 O Plano Diretor, criado em setembro de 1951, contou, para a sua consecução, com os urbanistas Prestes Maia, Oscar Niemyer e Burle Max. 203 Cf. BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1954. p.2. 204 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1951. p. 74.

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capitais brasileiras.205 O ensino médio passou a contar com mais um estabelecimento, a

Escola Técnica Municipal de Comércio, que deveria manter os cursos de Técnico de

Contabilidade e Técnico de Administração.206

Dando continuidade à organização do Colégio Municipal, uma das primeiras

iniciativas tomadas por Giannetti foi a designação de professores para compor as bancas

examinadoras dos concursos para provimento das cátedras.207 Em obediência à reestruturação

dos cargos e funções dos servidores da Prefeitura, outras medidas foram implementadas,

através da lei n. 328, de março de 1953.

O Ginásio Municipal passou a denominar-se Colégio Municipal de Belo Horizonte. O

quadro docente e administrativo constava de um diretor, quinze professores catedráticos, vinte

e nove professores adjuntos, um professor especializado de Educação Religiosa, um

Orientador Social em substituição ao cargo de Orientador Educacional e um secretário.

Diretor e professores catedráticos compunham a Congregação.

O cargo de Professor Assistente passou a denominar-se Professor Adjunto, devendo

extinguir-se à medida que vagasse. Nos limites das dotações orçamentárias, poderia haver

professores contratados, submetendo-se obrigatoriamente a exames seletivos de suficiência.

Estabelecia-se a aposentadoria, com vencimentos integrais, aos vinte e cinco anos de efetivo

exercício de magistério.208

Uma regulamentação específica, decretada pelo executivo municipal, regeu os

concursos para provimento de cátedras, que ficaram famosos pelo rigor com que eram

realizados. Eram numerosas as condições para inscrição, que incluíam, entre outras, prova de

bons antecedentes, diploma de Inglês ou Francês, certidão de tempo de magistério, trabalhos

publicados sobre a matéria. Somente os diplomados pela Faculdade de Filosofia, de

Humanidades ou de institutos de ensino superior podiam se candidatar. A comissão julgadora

205 De acordo com o Censo de 1950, das 303.857 crianças de 5 anos ou mais, presentes em Belo Horizonte, 233.144 sabiam ler e escrever (76,8%); 69.550, eram analfabetas (22,9%); 1.164, sem declaração (0,3%). Cf. BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1954. p. 34-35. 206 Para Shirley Aparecida de Miranda, que investiga o movimento de constituição da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte no período de 1897 a 1992, as iniciativas de Giannetti demonstram uma “política para a educação”, entendida como uma atuação mais global do poder público no setor educacional, diferentemente de uma “política educacional”, em que há uma preocupação não só com o ingresso do aluno na escola, mas com a sua permanência. Cf. MIRANDA, S. A. O movimento de constituição da rede municipal de ensino de Belo Horizonte (1897-1992), 1998. 207 Portaria n. 480, janeiro de 1953. Cf. anexo. O Colégio Municipal foi o primeiro do país a ter cátedras em concurso. Cf. BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1953. p. 88. 208 Vários artigos da Lei n. 328 foram vetados; dois deles, explicitamente, referiam-se à obrigatoriedade dos exames seletivos de suficiência para contrato do professor e à contribuição mensal de cinco cruzeiros de cada aluno. Mesmo assim, foram realizados estes concursos, tanto para os professores já contratados, quanto para os novos que se candidataram ao ingresso no corpo docente do Colégio. Cf. BELO HORIZONTE, Relatório de Prefeito. 1953. p.87.

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compunha-se de cinco membros, com conhecimentos aprofundados em cada disciplina, sendo

dois deles eleitos pela Congregação e três, escolhidos pelo prefeito.

Os concursos constavam de apreciação de títulos, prova de defesa de tese, prova

escrita, prova prática, experimental ou gráfica e prova didática. Todas as provas e julgamentos

do concurso eram realizados em sessão pública, excetuada a prova escrita.209

Para a realização dos concursos, o prefeito Giannetti nomeou uma congregação ad

hoc, uma vez que, prevista para nela figurarem diretor e professores catedráticos,

efetivamente, ela não existia.210

A organização do Colégio Municipal completou-se com outras providências. O curso

de admissão afigurava-se como uma exigência de adaptação do curso primário ao ginasial,

registrando-se resultados quase nulos de reprovação nos exames à primeira série; uma

inovação foi a fundação no Barreiro de um curso intensivo de admissão, “em atenção a

insistentes pedidos da população daquele importante subúrbio”.211

Paralelamente ao ensino, foram concedidos prêmios em dinheiro aos melhores alunos

do Colégio Municipal, e estímulo ao intercâmbio cultural, através do financiamento de

rápidas excursões a cidades do interior. O Colégio integrou-se também às Olimpíadas dos

estudantes secundários da capital, com um brilhante desempenho.

Funcionando em três turnos, o da noite registrou uma maior freqüência, tanto no

ginásio, “apesar de se constituir apenas de alunos do sexo masculino”, quanto no científico,

“predominantemente de alunos do sexo masculino”.212 A distinção entre os turnos

manifestou-se também na organização dos alunos que tinham dois órgãos de representação: o

Diretório do Colégio Municipal (DCM) que reunia os turnos da manhã e da tarde, e o

Diretório do Turno da Noite (DTN).

Em 1954, um novo Regulamento passou a orientar as atividades educacionais.

Comparado ao Regulamento de 1949, do governo Negrão de Lima, alguns pontos são

notáveis. As turmas da manhã “exclusivamente femininas”, de preferência, passaram a ser

209 Havia prova prática para as cadeiras de Matemática, Geofísica e Cosmografia, Geografia e História Natural, prova experimental para as cadeiras de Física e Química, e prova gráfica para a cadeira de Desenho. Cf. Regulamento para provimento do concurso de cátedras, de 8 de maio de 1953. 210 Cf. Anexo I: Membros da Congregação ad hoc , nomeada pelo prefeito Giannetti, pela portaria 480, de 29 de janeiro de 1954. Os concursos para as cátedras realizaram-se entre os anos de 1954 a 1958. Os primeiros catedráticos concursados do Colégio Municipal, com as respectivas cadeiras e data de posse, foram: História Geral, Amaro Xisto de Queiroz (29.03.54); Química, Raimundo Gonçalves Rios (13.04.54); Português, Ari Rocha (02.06.54); Matemática, Henrique Morandi (09.06.54); Desenho, Luís Simões de Castro (28.06.54); Latim, Geraldo Sardinha Pinto (12.11.54); Física, José Israel Vargas (20.12.55); Geografia do Brasil, Lincoln Luiz de Bessa (24.01.56); Filosofia, Morse de Belém Teixeira (08.11.56); Geografia Geral, José Ernesto Ballstaedt (18.01.57); Francês, Ana Ataíde Ferreira da Silva (23.10.58); História Natural, Djalma Teixeira de Oliveira (13.11.58). Cf. SILVEIRA NETO, H. História do Colégio Municipal, 1948-1973 , p. 43-44. 211 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1953. p. 88.

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mistas. Explicitava-se o indeferimento da matrícula, em caso de dupla reprovação. Haveria

um corpo administrativo integrado pelo secretário, bibliotecário, auxiliares de secretaria,

pessoal de serviço e inspetores de alunos, cargo que aparece pela primeira vez, na organização

administrativa do Colégio.213

A Congregação passou a constituir-se somente pelo Diretor e catedráticos. As reuniões

permaneciam, como antes, secretas, exceto as sessões solenes. O Diretor continuava a ser o

único intermediário entre o Colégio e a prefeitura.

Quanto às atividades discentes, o Colégio continuava a ter um Conselho de

Estudantes, composto pelo Assistente do Diretor, um professor escolhido pelos alunos e

alunos chefes de turmas. Os alunos podiam eleger um monitor, elemento de ligação entre

colegas e principal auxiliar na disciplina na ausência do professor. Nas horas consideradas

vagas, nenhum aluno podia ser dispensado da atividade escolar, devendo este tempo ser

aproveitado para estudo ou alguma leitura escolhida.

Diferentemente de 1949, não havia artigos sobre a Orientação do Ensino, capítulo

específico sobre Assistência Social, nem tão pouco código disciplinar de professores e

funcionários. O código disciplinar dos alunos permaneceu praticamente inalterado. Somente o

Diretor poderia aplicar penas aos diversos segmentos do Colégio.

Ao término da administração, Sebastião de Brito reiterava a precariedade da situação

econômico-financeira do Município e as dificuldades para executar as obras previstas no

Plano Programa da capital. O Plano Diretor havia deparado com um “monstrengo

suburbano”, na medida da expansão da cidade para a periferia, impondo-se a tomada de

providências destinadas a racionalizar a urbanização local e a corrigir os erros de seu traçado,

“pela retomada do fio da meada que vinha sendo tecido pelas mãos hábeis e pela inteligência

idealista de Aarão Reis”. 214

No limite de seus recursos, ao lado do grande desenvolvimento material, o poder

público orgulhava-se do estímulo crescente às “conquistas do espírito aqui verificadas, na

louvável comunicação da ‘cívitas’ e da ‘urbs’ [...],concorrendo na formação de um

equilibrado progresso local”.215 As atividades educacionais haviam obtido resultados

212 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1952. p. 79-80. 213 O Regulamento de 1949 refere -se aos “assistentes de alunos”. Aos Inspetores de alunos competia: zelar pela disciplina dos alunos, usar de moderação e delicadeza no trato com os alunos, encaminhar alunos retardatários e os casos “graves” de indisciplina ao Diretor, atender aos professores em aulas, prestar socorros de emergência aos alunos, auxiliar nos exames e nas festas escolares, entre outras determinações. Cf. Decreto de 13 de maio de 1954, art. 18º. 214 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1954. p. 75. 215 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1954. p. 155.

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proveitosos, pela expansão do ensino primário e pela manutenção de dois “modelares”

estabelecimentos de ensino de nível médio.

2.2.3. Mudança de sede: do centro para o subúrbio

Desde a ascensão de Giannetti ao cargo de prefeito, a estruturação definitiva do antigo

Ginásio como Colégio Municipal foi uma de suas metas prioritárias, o que custou para a

administração, segundo Hugo Pinheiro Soares, na época, Diretor de Educação e Cultura, um

“tremendo esforço, tendo em vista a divergência política que separava o ex -prefeito Otacílio

Negrão de Lima de seu sucessor Américo Renê Giannetti e as paixões reinantes no

Legislativo, em decorrência dela”. 216

Conforme expresso no Plano-Programa, deveriam ser iniciadas as obras de um novo

prédio nas proximidades do Hospital Municipal, devendo a primeira etapa da construção estar

concluída em 1954.217

Hugo Pinheiro Soares, esclarecendo os motivos da mudança do Colégio para o Bairro

Lagoinha, referiu-se às modestas instalações do prédio e à má iluminação do Parque, que não

oferecia segurança a professores e alunos que ali transitavam à noite. Mais do que isso:

“... Havia, por parte do Dr. Giannetti, uma outra preocupação a solver: a Prefeitura deveria, no seu entender, construir nos terrenos vagos que possuía na zona mais central da cidade, para evitar que prosseguisse a onda de doações e pedidos de cessão de lotes que vinha ocorrendo. Recomendou-me, então, que examinasse uma área de terreno localizada na Avenida José Bonifácio, no Bairro São Cristovão, ao lado da pedreira, excelentemente situada, já invadida por uma favela, a fim de que nela fossem construídos um Grupo Escolar e o novo prédio do Ginásio – reivindicação permanente dos moradores do Conjunto Residencial do IAPI, comandados, na sua campanha, pelo dinâmico Padre Carlos Silveira Vaz de Melo, vigário da paróquia”. 218

Além desses motivos, ressalta Hugo Pinheiro, a remoção do Colégio Municipal do

Parque concretizava outro objetivo do prefeito Giannetti: o de “restabelecer sua finalidade

específica de centro de recreação da ‘urbs’ [...] no momento em que estava sendo totalmente

recuperado”. 219

Nas palavras do prefeito, a mudança da sede do ginásio justificou-se pela necessidade

de ampliar a educação propiciada pelo estabelecimento: “... as atuais instalações do Colégio

216 INFORMATIVO DO COLÉGIO MUNICIPAL, n. 6. 1969. 217 A referência ao Plano-Programa de administração, em relatório do prefeito Giannetti enviado à Câmara Municipal em 1952, remete-nos a um de seus objetivos, ou seja, “ampliar o âmbito da assistência social”; é sob este ponto de vista que pode ser vista a ampliação das instalações do Ginásio Municipal. Cf. BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1952. p.78. 218 INFORMATIVO DO COLÉGIO MUNICIPAL. 1969, p. 6-8. 219 Ibidem.

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Municipal, excessivamente precárias, constituem um obstáculo para que possa a

Municipalidade ampliar o campo do ensino secundário, de maneira a atender a todos os

pedidos de matrícula”.220

Tendo iniciado a 1ª série do curso científico, era preciso dotar o Ginásio de

dependências apropriadas, para que funcionasse em sua nova categoria de colégio, prevendo-

se a observação dos critérios técnicos exigidos pela Lei Orgânica do Ensino Secundário.

Naquelas condições precárias, a falta de instalações adequadas, tais como laboratórios e salas

especializadas, impediam o funcionamento regular do estabelecimento como colégio, sendo

que a prefeitura devia anualmente recorrer à Diretoria do Ensino Secundário para obter

licença de funcionamento. Daí o estabelecimento não contar com a inspeção permanente do

Ministério, necessária ao aperfeiçoamento de suas atividades: “...pelo que iniciou as obras de

um novo edifício, de maiores proporções, com todos os requisitos didáticos exigidos pela

legislação do ensino e de moldes a funcionar em pleno gozo das prerrogativas

regulamentares...”221

Situado em região suburbana, dando frente para o conjunto residencial do IAPI

(Instituto de Aposentados e Pensionistas Industriários), com capacidade para abrigar dois mil

e quatrocentos alunos, a localização das novas instalações do Colégio Municipal foi resultado

de um meticuloso estudo por parte do Executivo Municipal:

“A localização das novas instalações do Colégio Municipal mereceu da parte do Executivo Municipal acurado estudo, tendo em vista três principais fatores: área de terreno que possibilitasse uma construção modelar; terreno já pertencente à Municipalidade; e situação não muito afastada da zona urbana, que se prestasse a ser uma região das mais populosas, em meio operário, principalmente [...]. Indiscutível vantagem da localização do Colégio Municipal no bairro São Cristovão é a situação daquele estabelecimento gratuito, em ponto de grande convergência de bairros operários, como a Lagoinha, Senhor Bo m Jesus, Cachoeirinha, Bonfim, etc”. 222

Para ocupar o terreno, a prefeitura entrou em entendimento com o Terreste Futebol

Clube, obtendo do clube a desistência do arrendamento feito na administração anterior.

Moradores de alguns barracos clandestinos ali localizados foram transferidos para o Mato da

Lenha,223 iniciando-se a seguir o preparo da área, com o acerto do terreno e a retirada de

pedras, em grande quantidade, para que fosse construído o novo prédio do Ginásio e, ao lado,

o Grupo Escolar Carlos Góes.

220 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1952. p. 86 221 Ibidem. loc. cit. 222 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1953. p. 87 223 Vila Operária do Mato da Lenha, posteriormente, denominada bairro Salgado Filho.

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As obras, iniciadas em 1952, seguiram requisitos cuidadosamente descritos: desde as

salas de aula e laboratórios à iluminação, percebe-se uma preocupação com os padrões de

construção os mais modernos possíveis para a época. Além do gabinete dentário e médico,

garantindo uma “assistência permanente aos alunos”, a cantina escolar, enquanto aspecto que

a administração Giannetti conferiu especial atenção, era, como se expressaria mais tarde o

vice-prefeito, um imperativo ao melhor aproveitamento do ensino, face às más condições de

vida das pessoas.

No decorrer da construção e durante a mudança para a nova sede, travaram-se

verdadeiras lutas políticas. Segundo Hugo Pinheiro, grupos de pais de alunos, engrossados por

elementos sem qualquer vinculação com o Colégio, “...inclusive notórios cabos eleitorais em

andanças políticas...”, em mesas redondas, nas rádios e em visitas a jornais e autoridades,

protestaram contra a mudança, alegando a distância e as críticas que se faziam ao bairro, e

também a vizinhança de uma delegacia.224

Prefeito e diretor de Educação não abriram mão do projeto que executavam. Em

poucos meses, com o mestre-de-obras e sua equipe trabalhando até tarde da noite, a primeira

etapa das novas instalações do Colégio foi concluída, realizando-se a mudança no período de

férias, para que não houvesse qualquer prejuízo ou adiamento das aulas e para impedir novos

protestos. O velho casarão foi demolido. Durante as obras, um operário morreu atingido por

uma coluna, o que provocou uma nova onda de protestos por parte dos oponentes da

mudança, levando o diretor de educação, “de combativo a afeito a lutas, a se deixar dominar

pelo desânimo e desencanto”.225

A transferência do Colégio do Parque Municipal para o bairro Lagoinha foi contada

pelo Pe. Taitson, o qual enfatizou as divergências políticas que existiam entre Negrão de Lima

e Renê Giannetti:

“...A transferência desse Colégio do Parque Municipal para a Lagoinha foi por motivo político, porque um dos ajudantes de gabinete, o Giannetti, Américo Renê Giannetti, queria ser eleito vereador, então foi lá no conjunto do IAPI e pediu votos lá. Então falaram: nós damos se você fundar um colégio aqui. Ele falou: – Não, eu transfiro o Colégio Municipal para cá. E transferiu para onde? Para uma favela, a Prado Lopes. Lá era uma favela, o único terreno que tinha era lá, de tal forma que a gente, no começo, lutava muito porque os drogados, perseguidos pela polícia, fugiam, assaltavam, caíam até dentro da sala de aula, caíam até com uma porção de saquinhos de drogas. Isso aconteceu lá”.226

224 INFORMATIVO DO COLÉGIO MUNICIPAL. n. 6. 1969. 225 INFORMATIVO DO COLÉGIO MUNICIPAL. op.cit. loc. cit. 226 Entrevista concedida pelo Pe. José Campos Taitson em Ibirité, 10/04/2000

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A ETMC (Escola Técnica Municipal de Comércio), funcionando “provisoriamente”

no Parque Municipal, ali se localizou em definitivo, custando a Hugo Pinheiro Soares e Renê

Giannetti “aborrecimentos e mágoas inenarráveis”.227

A imagem de Giannetti fundiu-se ao Parque, que tomou o seu nome. Alguns anos mais

tarde, o primeiro grêmio do IMACO (Instituto Municipal de Administração e Ciências

Contábeis), sucedendo a ETMC, tomaria igualmente o seu nome.228 Paradoxalmente, talvez,

homenageando aquele que tanto lutara contra “uma escola no Parque Municipal”.

227 INFORMATIVO DO COLÉGIO MUNICIPAL. loc. cit. 228 Cf. Decreto n. 1805, de 15 de outubro de 1969. Art. 103.

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“...A marca do Colégio Municipal, a impressão que eu guardo do Colégio

Municipal é que, apesar de ser um colégio do Estado era um Colégio extremamente democrático. Democrático no sentido de que você encontrava

no Colégio Municipal pessoas que tinham um poder aquisitivo, que as permitia estudar em qualquer colégio pago, caro, e elas davam preferência

ao Colégio Municipal, por ser um colégio cujo corpo docente era altamente credenciado e, realmente, tinha um pessoal de um nível muito bom. Além disso, era um Colégio em que havia um tal relacionamento entre alunos,

entre alunos e professores, entre professores e professores, que tornavam o ambiente assim bem agradável. Não havia uma disciplina rígida... Então o

que me faz lembrar do Colégio [...] era essa leveza do Colégio no trato com as pessoas, todas as classes sociais. Marcou bem”.229

229 Entrevista concedida por Djalma Teixeira Oliveira em Belo Horizonte, 07/02/2001. Ex-catedrático de História Natural do Colégio Municipal. Psiquiatra e psicanalista.

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3. A “Universidade de Santo André” (1954 - 1972)

Este capítulo procura reconstituir uma segunda fase da trajetória do Colégio Municipal

de Belo Horizonte, de 1954 a 1972. A ampliação da rede física e dos cursos, a gradativa

inserção no bairro Lagoinha, a criação de unidades anexas, entre outros aspectos, são

indicativos da expansão e consolidação que caracterizam o Colégio Municipal neste período.

Significativamente, 1969 é o “ano da maioridade”, quando a Escola, tida como uma

instituição de ensino “exemplar” e “singular”, foi chamada de “Universidade de Santo

André”. Ao mesmo tempo, o Colégio ia se distanciando do ensino marcadamente humanístico

e cívico que caracterizara os seus primeiros anos de existência. Para a compreensão do

período, foi feita uma breve retrospectiva da evolução política do país e dos governos locais,

com ênfase nas iniciativas educacionais, contextualizando os fatos ocorridos no Colégio

Municipal.

Os relatos revelam que há memórias mais intimistas e outras mais públicas. A

memória é seletiva na lembrança e no esquecimento e é interessante observar que o indivíduo

busca em um passado comum o que é significativo para ele. Os tempos e os espaços

encontrados através da memória são socialmente compartilhados e não dizem respeito

somente à organização das aulas, dos horários e dos cursos, mas também às festas, às

competições, às apresentações da fanfarra e do Coral. A estes tempos e espaços vivenciados

por professores e alunos, misturam-se os tempos e espaços sociais de famílias e comunidades.

3.1. A crise do populismo e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

de 1961

Como a Revolução de 1930, a ruptura institucional de 1964 é outra referência para o

entendimento dos rumos da educação nacional. Antecedido por um contexto de grande

agitação política, o golpe de 64 representou o desfecho final das contradições da democracia

populista e de suas bases econômicas, através da intervenção direta e a tomada do poder pelos

militares. Os sinais da crise anunciaram-se ainda no segundo governo Vargas, perpassando os

governos que o sucederam.

Após o fim trágico do Presidente, o período entre agosto de 1954 e janeiro de 1956 foi

praticamente tomado pela questão da sucessão eleitoral e pelas dificuldades surgidas para a

manutenção do funcionamento normal das instituições políticas. Assumindo a presidência

Café Filho, a nova administração esforçou-se na recuperação da ordem e no reordenamento

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econômico do país. Entre as medidas tomadas, a concessão de vantagens cambiais para os

investimentos estrangeiros no país foi de grande importância, iniciando uma política

econômica de interdependência ou associação com capitais estrangeiros, que atingiu

duramente os princípios do nacionalismo.

Em 1956, começa o mandato Juscelino Kubitschek, eleito pela coligação PDS/PTB. 230

Adotando uma estratégia desenvolvimentista, JK, como era popularmente conhecido,

assentou o seu programa econômico na aceleração da industrialização, com base no

crescimento de bens duráveis de consumo, e na ampla utilização de capitais externos. O

programa de crescimento do país de “50 anos em 5” foi acompanhado por uma política

deliberadamente inflacionária que, de certa forma, frustrava as expectativas populares de

progresso e melhoria das condições de vida. Outra tendência que se generalizou no governo

JK e que vinha do Estado Novo foi o uso de grupos técnicos que tinham como função

dinamizar o desempenho da máquina estatal, de forma a cumprir os objetivos prefixados pela

administração.

Segundo Octavio Ianni, durante o governo JK, houve uma conciliação engenhosa da

política econômica internacionalista com a política de massas, de base nacionalista, e nesta

combinação localiza-se a causa essencial da crise que iria destruir o regime populista. De um

lado, o discurso nacionalista servia para legitimar o Estado perante os setores populares e a

opinião militar; de outro, o modelo econômico de associação aprofundava a dependência do

Brasil em relação aos países centrais.

Obtendo uma vitória expressiva, Jânio Quadros elegeu-se em 1960, conseguindo

arregimentar apoios contraditórios. Líder de origens populistas, sensibilizou as classes médias

e as camadas populares dos grandes centros urbanos, ao mesmo tempo em que vinculou-se a

forças anti-populistas. No plano interno, o seu objetivo prioritário foi o combate à inflação

cogitando, no plano externo, uma política independente, que alarmou os setores

conservadores com o que supunham uma perigosa “guinada” para a esquerda.

Após sete meses de governo, Jânio Quadros renunciou em um clima de conspiração.

Sem o apoio dos militares, e não desejando partir para a mobilização popular, a renúncia foi

uma tática de defesa prontamente aceita pelo Congresso, dominado pela maioria PSD/PTB.

A presidência caberia a João Goulart, herdeiro do getulismo. Imediatamente,

começaram as articulações para impedir que Goulart assumisse o seu posto, a que se

230 No período populista, todos os presidentes da República foram eleitos pela coligação PDS/PTB, exceto Jânio Quadros, cuja candidatura foi lançada pelo PDC (Partido Democrata Cristão) e, depois de prolongados debates, acabou encampada pela UDN.

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contrapôs uma frente legalista que insistia no cumprimento da Constituição. Face ao impasse,

foi adotada uma solução de compromisso, instituindo-se o regime parlamentarista.

O governo Goulart sofreu todo o impacto da crise do populismo. Além da contradição

apontada entre o nacionalismo e o desenvolvimentismo, o crescimento econômico havia

marginalizado importantes setores da sociedade brasileira, como a agricultura, acusando,

sobretudo a partir de 1962, um acentuado declínio, agravado pelo crescimento da inflação. As

classes populares pressionavam por mudanças, destinadas a corrigir as distorções do processo

de desenvolvimento. Desenvolveu-se uma intensa campanha pelas reformas de base, entre as

quais a reforma agrária era a que provocava os mais acirrados debates, tendo em vista a

intocabilidade da estrutura fundiária que organizava a propriedade da terra no Brasil. Ao

mesmo tempo, aprofundava-se a tensão social no campo e avançava a articulação política dos

trabalhadores rurais.

Depois de 1963, quando o presidencialismo foi restaurado através de um plebiscito, a

realização das reformas, como proposta política de Goulart, pôs em confronto os diversos

grupos sociais que mantinham o pacto populista desde os anos 30. Além das pressões

oposicionistas no plano institucional, as forças conservadoras, tanto no meio militar quanto no

civil, mais uma vez se uniram formando uma vasta rede conspiratória, que almejava a

derrubada do governo Goulart e a liquidação das forças de esquerda, acenando novamente

para aquilo que apontavam como o “perigo comunista”. Muito importantes na efetivação do

golpe de 64 foram as elites empresariais, a imprensa que atuou junto à opinião pública, as

classes médias, parcelas da Igreja Católica, além do apoio do governo norte-americano.

Desde meados dos anos 50 e sobretudo nos anos 60, “educação e desenvolvimento”

era um tema comum nos debates da época. O sistema educacional deveria voltar-se para a

formação do homem brasileiro, de modo que cumprisse as tarefas necessárias ao

desenvolvimento econômico. Com base neste princípio, segundo Osmar Fávero, coexistiram

duas concepções distintas de educação. Numa primeira vertente, a educação deveria cumprir o

papel de formadora da “consciência nacional”, instrumentalizando as transformações político-

sociais requeridas pela sociedade, postura que fundamentou muitos movimentos de cultura e

educação popular do início dos anos 60.231 A segunda concepção, que predominou nos planos

231 Esta concepção esteve presente nos cursos do ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros – sobretudo nos estudos de Álvaro Vieira Pinto. Cf. FÁVERO, O. (org .) A educação nas constituintes brasileiras; 1823-1988, p. 242. Por outro lado, na década de 60, surgiram numerosas organizações que trabalharam com a cultura e a educação popular e com a conscientização da população sobre a realidade dos problemas nacionais, tais como os Centros Populares de Cultura (CPCs), os Movimentos de Cultura Popular (MCPs) e o Movimento de Educação de Base (MEB). No interior destes movimentos surgiu a Pedagogia Libertadora, originalmente associada ao método de alfabetização de adultos de Paulo Freire e a seus primeiros escritos sobre educação, propondo a “desalienação”, através da instauração de uma “pedagogia do diálogo”, que deveria se basear na

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de governo a partir de 1955, postulava que a educação devia preparar os recursos humanos

para as tarefas da industrialização e modernização do país. Embutido neste movimento, estava

o conceito de educação como “investimento”, o que contribuiu para que fossem aplicados

recursos mais substanciais no sistema educacional. A “educação para o desenvolvimento” foi

uma das metas do governo Juscelino Kubitschek que, incentivando o ensino técnico-

profissionalizante, acabou por submetê- lo aos desígnios diretos do mercado de trabalho.

Na arena das teorias educacionais, os grupos progressistas demonstraram uma grande

capacidade de reciclar as suas idéias e se adaptar às exigências de uma sociedade em processo

acelerado de industrialização e modernização. Era preciso instaurar uma nova escola que,

além de democrática, superasse a dicotomia entre o “fazer intelectual” e o “fazer manual”,

para o que os “métodos ativos” da pedagogia nova representavam um instrumento importante.

Os escolanovistas, ocupando um grande espaço no campo das idéias pedagógicas,

conseguiram fazer valer as suas idéias na legislação educacional do país, introduzindo, antes

mesmo da aprovação da LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), as classes

experimentais, visando forjar modalidades de ensino de 2º grau que harmonizassem o ensino

acadêmico e um ensino secundário de sentido mais concreto, voltado para as tarefas da vida

social e profissional. Da mesma forma, os ginásios vocacionais e os pluricurriculares

concretizaram o ideário escolanovista, a partir do qual surgiram inúmeros núcleos de inovação

do ensino, tanto na rede pública quanto particular.

Na vigência do regime parlamentarista, foi aprovada a Lei n. 4.024, das Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, quando estava em curso uma grande movimentação em defesa

da escola pública, envolvendo os mais diversos setores da sociedade civil, entre profissionais

da educação, intelectuais, líderes sindicais, a imprensa, operários e estudantes. 232

O decreto n. 4.024 pôs em questão o caráter demasiadamente humanístico e

propedêutico do ensino secundário, ao mesmo tempo em que constatava a “secundarização”

do ensino industrial. Discutia-se as bases dos ginásios modernos, ginásios polivalentes e

pluricurriculares, buscando-se uma conciliação entre a educação geral e a iniciação às práticas

horizontalidade entre o educador e o educando. Todo ato educativo era um ato político. O educador deveria colocar sua ação político-pedagógico a serviço da transformação da sociedade e da criação de um “homem novo”. A Pedagogia Libertadora vinculou-se, teoricamente, ao pensamento social cristão fundamentado na atualização de doutrinas da Igreja Católica. Grupos de várias tendências, jovens ligados à Igreja progressista (AP- Ação Popular), estudantes, socialistas, educadores de esquerda, empolgados com a “conscientização”, desempenharam uma intensa atuação nos movimentos populares político-pedagógicos. Cf. GHIRALDELLI JÚNIOR, P. História da Educação, p. 120-126. 232 Em 1959, foi organizada a Campanha em Defesa da Escola Pública e redigido o “Manifesto dos Educadores Mais Uma Vez Convocados” que, invocando as idéias do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, de 1932, centralizou a campanha. Em 1960 e 1961 ocorreram em São Paulo, respectivamente, a I e II Convenção Estadual em Defesa da Escola Pública. Além destas, houve também Convenções Operárias de Defesa da Escola Pública.

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do trabalho. Entretanto, na essência, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

manteve a estrutura tradicional do ensino primário e médio, e garantiu a igualdade de direitos

para a escola privada em relação à pública, desagradando os setores mais progressistas da

sociedade. Num momento considerado de crucial importância para a definição de uma política

educacional no país, o Presidente preferiu não se opor ao Congresso Nacional, acabando por

aprovar o projeto.

O ambiente da época é uma das fortes lembranças do depoente Tomaz Aroldo da Mota

Santos:

“O começo dos anos 60, fins do anos 50, são marcados por uma intensa atividade política que envolve o meio estudantil, o meio intelectual, professores, estudantes, etc. E isso me influenciou muito. Então, nesse contexto, eu tive muita participação política no Colégio Municipal e na política estudantil secundarista de Belo Horizonte...

As bandeiras de luta naquela época era o antiamericanismo, mais do que o anti-americanismo, era a idéia nacionalista, portanto, a idéia do desenvolvimento do país e tal. A idéia do socialismo, a idéia da escola pública, a discussão da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) de 61, e nós participávamos de muitos movimentos, porque, naquela época, nos anos 60, havia uma disputa entre a Igreja, eu falo aqui a Igreja Católica, e as correntes que defendiam a escola pública, lideradas, principalmente, pelo Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e outros, no sentido de valorizar e priorizar o ensino público em todos os níveis. E a Igreja combateu, então, combateu essas idéias. Acusaram essas pessoas de serem comunistas, estarem defendendo a laicização do ensino. É uma atitude que, dizia a Igreja, de defesa da escola pública, significava tirar o espaço do ensino religioso. E como o ensino religioso era fundamental para a Igreja, para a religião e tal, era como se, ao defender a escola pública, houvesse um combate à religião. Foi feito uma mistura desse jeito e as esquerdas saíram em defesa da escola pública, principalmente nas grandes capitais, com a presença da JUC (Juventude Universitária Católica), com a presença do Partido Comunista, com a presença das entidades estudantis. Primeiro, nós fizemos uma pichação na escadaria da Igreja São José, e ficou muito bonita, porque, depois, o jornal Diário da Tarde ou Estado de Minas, eu não estou bem seguro, publicou uma fotografia que pegava a escadaria da Igreja São José e, ao fundo, a própria Igreja, onde se podia ver ao longo de toda a escada: ‘pela escola pública’, o que causou uma grande irritação na Igreja.”233

O regime militar instaurado em 1964 cortou, portanto, os antigos vínculos com as

classes trabalhadoras, pondo fim à “política de massas”. Estava aberto um campo livre para as

mudanças educacionais, livre das ambigüidades do populismo. Nas mãos da tecnocracia

militar e civil e de seus parceiros, o novo regime barrou várias experiências educacionais

sustentadas pelos princípios escolanovistas e movimentos de educação popular. Os planos

educacionais que as forças conservadoras traçaram para o país incrementaram o “tecnicismo

pedagógico”, que se tornou a teoria educacional dominante nos anos 60/70.234

233 Entrevista concedida Tomaz Aroldo da Mota Santos em Belo Horizonte, 18/01/2001. Ex-aluno do Colégio Municipal. Professor de Imunologia no Instituto de Ciências Biológicas. Reitor da UFMG, no período 1994/1998. 234 A teoria educacional do “tecnicismo pedagógico” subordinava a educação aos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, defendendo, entre outros aspectos, a operacionalização dos objetivos e otimização

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3.2. O golpe de 31 de março de 1964, a reforma universitária e a

institucionalização do ensino profissionalizante no 2º grau

O ciclo dos governos militares no Brasil, de 1964 a 1985, não foi uma fase

homogênea.

Na primeira década, o Estado autoritário implantou-se e atingiu o auge de seu caráter

repressivo, adotando como orientação geral a eliminação de todos os componentes

divergentes das diretrizes político- ideológicas que o norteavam. O poder do Estado

fundamentou-se na ideologia da Doutrina da Segurança Nacional, prevendo que aos governos

competia defender a nação contra a ameaça dos “inimigos externos” e da “guerra

psicológica”, e promover o desenvolvimento econômico. A partir de 1974, inicia-se um

processo de lenta “distensão” política, seguido pela “abertura” do regime que, sob a pressão

da sociedade civil, acabou estabelecendo estruturas mais permanentes e flexíveis de poder.

Sem ignorar a complexidade do processo de instalação e consolidação do Estado

militar-autoritário no país, alguns aspectos devem ser pontuados.

A intervenção direta dos militares na política resultou numa série de práticas

legitimadas pelos Atos Institucionais e suas inúmeras emendas. Cassaram-se mandatos de

parlamentares no Congresso, que chegou a ser fechado. Suspenderam-se garantias

constitucionais e direitos políticos. Estabeleceram-se eleições indiretas para os governos dos

estados e a Presidência da República. Os prefeitos das capitais passaram a ser indicados pelos

governadores. Os partidos políticos foram extintos, instituindo-se o bipartidarismo, com a

existência da ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e do MDB (Movimento Democrático

Brasileiro).

O Estado autoritário pressupôs uma enorme capacidade repressiva, criando inúmeros

mecanismos de contenção da participação política e das manifestações populares, entre

outros, censura, prisões, controle ideológico e tortura. Ao mesmo tempo, não conseguiu

conter e reverter o quadro de crescente repulsa ao regime. As manifestações estudantis, em

particular, foram os mais expressivos meios de denúncia do regime autoritário, centrando suas

lutas na política educacional privativista do governo e na subordinação brasileira aos

objetivos e diretrizes do capitalismo norte-americano, mesmo sob a ameaça de leis que

dos métodos de ensino, a avaliação formativo-somativa, o ensino baseado em estratégias e não do conteúdo e da tradição, avaliando custos e efetividade. Cf. GHIRALDELLI JÚNIOR, P. História da educação, 1996.

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proibiam e restringiam as atividades políticas.235 Políticos, trabalhadores, agremiações

clandestinas engrossaram as fileiras da oposição.

Os militares não se limitaram a reverter o processo político; intervieram também na

economia brasileira. Abandonando as tendências naciona listas, os novos governantes

empenharam-se na manutenção e incremento de um modelo econômico facilitador da atuação

do capital estrangeiro no país. A forma como se implantou este modelo deu ênfase à rápida

acumulação do capital para promover a “arrancada” do desenvolvimento. Acusando um

expressivo crescimento econômico, acreditava-se na ocorrência de um “milagre brasileiro”.

Entretanto, favoreceu-se uma progressiva concentração de rendas em prejuízo de sua

distribuição, o achatamento salarial e o aumento da dívida externa.

No período pós-64, as reformas de ensino promovidas representaram um esforço em

adequar o sistema educacional ao projeto autoritário de crescimento econômico e

internacionalização da economia nacional. O princípio da “educação como investimento” foi

retomado, no sentido de que o ensino, em todos os níveis e modalidades, devia qualificar a

mão-de-obra necessária ao desenvolvimento econômico do país.

As primeiras medidas foram tomadas em um contexto de crescente demanda social da

educação e de crise no sistema educacional. De um lado, havia uma necessidade de pessoal

qualificado para promover a expansão econômica; de outro, uma expansão limitada das

oportunidades de ensino, um descompasso que teve o seu ponto alto na existência dos

“excedentes”. A solução deste impasse passava pela modernização das estruturas do sistema

de ensino. Daí, a necessidade de captar recursos externos que, entre 1964 e 1968, resultaram

na assinatura de uma série de convênios entre o MEC e a AID (Agency of International

Development), para assistência técnica e cooperação financeira entre o governo brasileiro e o

norte-americano. Entre eles, consta o que originou o EPEM – Escritório de Planejamento do

Ensino Médio, que preparou e coordenou o PREMEM (Programa de Expansão e Melhoria do

Ensino Médio), responsável pela implantação dos ginásios orientados para o trabalho em todo

o país.

O pensamento dominante demonstrava a necessidade de investir na educação como

fator importante na produção dos recursos humanos para o desenvolvimento desejado. Nessa

ótica, o ensino superior foi privilegiado, pela sua função, nas sociedades em vias de

modernização, de definir ou redefinir a situação dos indivíduos na estrutura social, devendo

235 Em 1964, a lei “Suplicy de Lacerda” reorganizava as entidades estudantis, proibindo-as de desenvolverem atividades políticas. Em 1969, o decreto-lei 477 proibiu todas as manifestações de caráter político ou protesto dentro das escolas. Para completar o controle político-ideológico, o decreto 869/69 tornou obrigatório o ensino da Educação Moral e Cívica em todos os níveis, além de criar as Comissões de Moral e Civismo e os Centros Cívicos no lugar dos antigos grêmios estudantis, tradicionais núcleos de formação de militância.

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ser reservado às camadas mais altas da população. A escola média, por sua vez, deveria

atender às massas e o ensino secundário e, em particular, abandonar o seu caráter de

“educação humanista”, ganhando conteúdos com elementos utilitários e práticos.236 Além das

carreiras de curta duração, o redimensionamento do ensino médio foi um dos critérios que

norteou o programa de expansão do ensino superior, de modo que um grande número de

alunos já se preparasse para o trabalho.

A partir dos acordos MEC-USAID (United States of Agency of International

Development) e com base nestas premissas, processou-se a reorganização da legislação da

educação brasileira, que culminou nas Leis n. 5.540/68, da reforma universitária, e na Lei n.

5.692/71, que instituiu o ensino profissionalizante no 2º grau.

Pela reforma universitária, a menor fração da estrutura universitária passou a ser o

Departamento, que congregava disciplinas afins. A cátedra foi extinta. Os cursos de

graduação passaram a ser compostos por um ciclo básico e um ciclo profissional que, por sua

vez, comportavam cursos de curta e longa duração. Introduziu-se a matrícula por disciplina e

o curso parcelado, através do sistema de créditos. Adotou-se o vestibular unificado e

classificatório, eliminando-se o problema dos “excedentes”.

A Lei n. 5.692/71 veio implementar a profissionalização do ensino secundário. Os

objetivos gerais do ensino de 1º e 2º graus diziam respeito à necessidade de uma educação que

desenvolvesse as potencialidades do educando, a “qualificação para o trabalho” e o exercício

da cidadania. As modificações deram-se em dois planos: no plano vertical, curso primário e

curso ginasial foram agrupados no 1º grau, eliminando um dos grandes pontos de

estrangulamento do antigo sistema, representado pela passagem do primário ao ginasial,

através dos exames de admissão. A obrigatoriedade escolar foi ampliada para oito anos, ou

seja, da faixa que vai dos 7 aos 14 anos. No plano horizontal, as mudanças ocorridas visavam

eliminar o dualismo existente entre escola secundária e escola técnica, criando uma escola

única de 1º e 2º graus: o primeiro grau com vistas a educação geral fundamental, a sondagem

vocacional e a iniciação para o trabalho, e o segundo grau totalmente voltado para a

habilitação profissional.

Outro aspecto importante da Lei nº 5692/71 dizia respeito à formação do magistério. A

Escola Normal foi desativada, exigindo-se, para o exercício do magistério no ensino de 1ª a 4ª

a habilitação específica de 2º grau. Na prática, a “habilitação para o magistério” agregou

236 Tais pressupostos para a organização do sistema educacional constaram de uma conferência do ministro do Planejamento do governo Castelo Branco, Roberto Campos, sobre “Educação e Desenvolvimento Econômico”, em 1968, no fórum do IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais). Cf. GHIRALDELLI JÚNIOR, P. História da Educação, p. 169.

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alunos que, por suas notas mais baixas, não conseguiam vaga nas outras habilitações

fundamentais para o ingresso no 3º grau.

Para Bosi, o grande tema presente na reorganização legislativa da educação brasileira

foi a questão da gratuidade.237 No período de implantação e afirmação do Estado autoritário, a

Constituição de 1967 representou um recuo em relação a 1946.

Manteve-se a limitação da gratuidade aos que provassem falta ou insuficiência de

recursos no ensino posterior ao primário. Inaugurou-se o ensino oficial pago, através do

mecanismo de bolsas de estudo reembolsáveis para o ensino superior, o que se estendeu ao

ensino médio pela Emenda Constitucional de 1969. Neste caso, as concessões de bolsas de

estudo incluíam amparo financeiro à iniciativa privada no campo do ensino. 238 Omitiu-se a

porcentagem da despesa da União com a educação; a vinculação dos recursos orçamentários

para o ensino ficou estabelecida apenas para os municípios.

Em última instância, durante o período do governos militar, assim como em outros

setores da sociedade, a educação passou por uma reformulação que visava concretizar e

assegurar os ideais e princípios defendidos pelos revolucionários de 64.

3.3. A ampliação e a consolidação do Colégio Municipal

3.3.1. Governos locais e educação

Durante os anos 50 e início dos anos 60, persistindo a política econômica

concentracionista em torno da cidade de Belo Horizonte, importantes empresas instalaram-se

nos municípios vizinhos, reforçando o processo de metropolização da capital.

O próprio Estado brasileiro, associado ao capital estrangeiro, passou a intervir em

setores básicos – bens de capital e bens de consumo básicos – buscando criar condições

financeiras para a industrialização. Nas palavras de Iglésias, “à ideologia nacionalista se

superpôs o projeto desenvolvimentista associado ao capital estrangeiro da emergente

burguesia industrial”.239 Afinados à ideologia desenvolvimentista, as elites mineiras e o

governo do Estado criaram, entre outras empresas, a CAMIG (Companhia Agrícola de Minas

Gerais) e a METAMIG (Metais Minas Gerais S.A.).

237 BOSI, A. A educação e a cultura nas Constituições brasileiras. Novos Estudos: CEBRAB, 1986. 238 Ibidem. p. 5-62. 239 IGLÉSIAS, F. ; PAULA, J. A. Memória da economia da cidade de Belo Horizonte, BH – 90 anos, p. 42.

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No início dos anos 60, a Região Metropolitana de Belo Horizonte já constituía um

parque industrial moderno, composto pelas indústrias dinâmicas, especialmente o setor

metalúrgico, e o setor de cimento, em condições de experimentar uma forte expansão

industrial e diversificar a sua estrutura industrial. Entretanto, a crise econômica que se abatera

sobre o país, agravada pelas greves e manifestações populares desencadeadas no período

refletiu em Minas Gerais, trazendo como conseqüências uma queda dos investimentos e um

esfriamento da expansão industrial

Um aspecto importante nesse período foi a estruturação de um aparato institucional de

apoio à industrialização, representado pela criação do BDMG (Banco de Desenvolvimento de

Minas Gerais), do INDI (Instituto de Desenvolvimento Industrial) e da CID (Companhia de

Distritos Industriais). Enquanto estes dois órgãos foram responsáveis pela montagem de uma

política agressiva de industrialização, o BDMG tornou-se um órgão de estudos do governo

estadual, e sede aglutinadora da tecnocracia mineira, com o fato novo de que, pela primeira

vez, os economistas assumiam o papel de liderança no comando administrativo do estado.240

Os acontecimentos de 1964 viriam consolidar esse arranjo, ao afastar os vários canais

de participação social e enfraquecer a classe política. Ao mesmo tempo, recolocaram-se as

condições para o saneamento econômico. A partir de 1968, o “milagre brasileiro”, realizado

através de políticas concentradoras de renda e capital e atração do capital estrangeiro, ensejou

uma série de novos projetos em Minas Gerais. Por uma série de fatores, tais como recursos

naturais e amparo institucional, o estado se apresentou como um local privilegiado para a

localização de novas indústrias, que se concentraram principalmente na região de Belo

Horizonte. As condições e facilidades oferecidas por Minas transformaram o estado em

verdadeiro paraíso das multinacionais, atraindo indústrias como a FIAT, a FMB e a KRUPP.

Na década de 70, confirmou-se a concentração da atividade industria l na Rede

Metropolitana. Apesar do surto industrial operado, o comércio continuava a manter a primazia

sobre as demais atividades econômicas, mas com algumas mudanças significativas: maior

volume de transações, produção para setores médios de maior poder aquisitivo e consumo

mais sofisticado.

240 A expansão recente da indústria mineira coincidiu, em meados da década de 60 e início da década de 70, com os governos estaduais de Israel Pinheiro e Rondon Pacheco. O primeiro preparou institucionalmente o processo de industrialização, numa época que coincidiu com o início do “milagre brasileiro”. O segundo, representou o auge da expansão industrial mineira, quando eram tomadas decisões de um novo pacote de projetos a nível nacional, com facilidades para o capital estrangeiro. Cf. DINIZ, C. C. Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira , p. 236.

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Entre 1960 e 1970, a população cresceu 78,13%, passando de 693.328 habitantes para

1.235.030. Metade dos residentes de Belo Horizonte não eram naturais da capital mineira.241

O cotidiano da metrópole mostrava a existência de precárias condições de vida. Para Diniz,

apesar do crescimento econômico, persistiam os problemas sociais. A rápida modernização

tecnológica e o acréscimo da produtividade não foram acompanhados pelo crescimento do

emprego e dos salários, agravando a desigualdade na distribuição da renda.242

De meados da década de 50 a início dos anos 70, o Executivo municipal foi exercido

por cinco prefeitos: três deles eleitos diretamente e os outros, em função dos acontecimentos

de 1964, assumiram o comando da cidade por eleição indireta ou nomeação.243 Predominaram

os candidatos filiados à UDN, de inclinação oposicionista. Tais quadros dirigentes,

constituídos por bacharéis e engenheiros, transitavam, conforme já demonstrado pelas

análises de Dulci, entre a empresa privada, a administração pública e a política, assumindo,

freqüentemente, uma visão técnica da administração da cidade.

O Plano Diretor continuou sendo um elemento chave na administração local,

responsável pela “racionalização” do desenvolvimento urbanístico da cidade. Como órgão

planejador, abrangeu as mais variadas providências a serem tomadas pelo poder público no

município.

As dificuldades econômicas e financeiras foram particularmente sentidas nos dois

primeiros mandatos, atingindo a crise financeira o seu ponto culminante, pelo desequilíbrio

das despesas e receitas, e por uma maior complexidade dos problemas da cidade e da máquina

administrativa. Em especial, o governo municipal sofria o impacto do custo da mão-de-obra,

pela adoção do salário-mínimo. As dificuldades enfrentadas eram tidas como especialmente

maiores depois da autonomia, uma vez que o município havia perdido a ajuda econômica que

o Estado lhe dava em contrapartida ao direito de nomear o prefeito. A descontinuidade

administrativa afigurava-se como outro agravante na difícil situação vivida pelo município.

Para o prefeito Celso Mello de Azevedo, ser metrópole e capital do estado tornara-se

um pesado ônus para o governo, que ainda arcava com as necessidades das regiões

241 Cf. IGLÉSIAS, F. ; PAULA, J. A. Op. cit. p. 47. 242 DINIZ, C. C. op. cit. 1981. 243 De 1955 a 1975, foram prefeitos de Belo Horizonte, considerando, respectivamente, o período de mandato, formação acadêmica e forma de eleição: Celso Mello de Azevedo (31.01.1955 a 31.01.1959), engenheiro, eleito diretamente; Amintas de Barros (31.01.1959 a 31.01.1963), bacharel em Direito, eleito diretamente; Jorge Carone Filho (31.01.1963 a 31.01.1965), bacharel em Direito, eleito pela Câmara Municipal; Oswaldo Pieruccetti (31.01.1965 a 31.01.1967), bacharel em Direito, eleito pela Câmara Municipal; Luiz Gonzaga de Souza Lima (31.01.1967 a 17.03.1971), engenheiro, nomeado pelo governador Israel Pinheiro da Silva; Oswaldo Pieruccetti (17.03.1971 a 08.04.1975), nomeado pelo governador Rondon Pacheco. Cf. ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE. Levantamento de dados biográficos dos prefeitos de Belo Horizonte: 1897-1992. 1995.

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periféricas, sobretudo, Cidade Industrial e Contagem. Próximo a atingir um milhão de

pessoas, o município abrigava uma população muito diversificada, reunida em entidades de

classe e numerosas associações; era preciso que a administração estivesse atenta a toda essa

variada gama de “expressões corporativas”, estimulando-as a integrar e colaborar nos

esforços do poder público para a consecução do bem comum.244 Em decorrência desta

percepção da cidade e de seus problemas, a superação da crise pressupunha o controle

rigoroso do dinheiro público, a redução das despesas e uma reestruturação mais “racional”

dos serviços municipais. A mobilização da comunidade era outro fator importante a ser

considerado na atuação do governo na cidade.

No governo Amintas de Barros, o enfrentamento da crise significou a restrição das

despesas e a necessidade de aumentar as fontes de receita do município, o que resultou na

criação de um Código Tributário e da Ferrobel, órgão que, visando mobilizar as reservas

minerais, passou a integrar a administração indireta da cidade.

No setor educacional, uma das maiores preocupações do poder público municipal foi a

procura da melhoria do índice local de alfabetização e a expansão das oportunidades de

acesso à escola, através da ampliação da rede primária de ensino. Na medida em que a alçada

do município crescentemente se estendeu a este nível de ensino, ressurgiu a discussão da

responsabilidade das diferentes esferas do poder público com a educação.

Para Celso Mello de Azevedo, a proximidade da administração municipal dos

problemas da população acabou diluindo as fronteiras da competência constitucional em

matéria de educação. À prefeitura parecia injusto arcar com as atribuições que, em primeiro

plano, tocavam ao poder estadual, sem a necessária contrapartida financeira.

Da mesma forma, a administração Amintas de Barros viu-se na contingência de

atender ao setor primário do ensino tradicionalmente na órbita do Estado. Para o poder

público, à medida que a cidade crescia, a educação e a cultura eram os setores que mais

oneravam os cofres públicos, dentro dos limitações orçamentárias que se apresentavam.

Apesar dos vultosos problemas, que incluíam o déficit de professoras e o péssimo estado de

conservação das unidades escolares, continuaram os investimentos no setor primário de

ensino, o que não excluiu uma especial atenção ao nível médio do ensino.

O setor técnico da educação foi dinamizado, com a organização da Escola Técnica de

Comércio Municipal e, em contraposição à política do ex-prefeito Giannetti, o antigo prédio

do Parque Municipal foi remodelado, de modo a se enquadrar ao ambiente e suas

características. Em 1961, é criado o IMACO (Instituto Municipal de Administração e

244 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1957. p. 2/2.

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Ciências Contábeis), voltado para o aprimoramento e desenvolvimento do ensino

especializado.245

Por parte dos governos locais, duas outras importantes iniciativas ocorreram em

meados dos anos 50: a criação das Escolas Vocacionais e a filiação à Campanha de

Educandários Gratuitos. Embora os estabelecimentos mantidos pela prefeitura continuassem

“inteiramente gratuitos”, a colaboração com a campanha através da criação de colégios e

manutenção de ginásios em prédios da municipalidade representavam, para a administração, o

seu comprometimento no sentido de proporcionar ensino secundário a um número maior de

belo-horizontinos.246

A crise política sobreveio no mandato Jorge Carone Filho. Malgrado as obras

realizadas, foram inúmeros os problemas administrativos ocorridos, culminando no seu

impedimento pela Câmara Municipal e afastamento do cargo, tendo sido considerado

criminoso, por ter “alienado bens municipais, arrendá-los em comodato, sem permissão legal

[...] utilizado em proveito próprio ou de terceiro de bens públicos e ainda de servir-se de

autoridades sob sua subordinação para a prática de abuso de poder...”247

Eleito pela Câmara Municipal em 1964, Oswaldo Pieruccetti sintetizou o seu

programa naquilo que chamou de “compêndio” administrativo: “PREVISÃO, sem sonhos

utópicos; PLANEJAMENTO cauteloso; ORGANIZAÇÃO certa, científica e honesta;

COMANDO rigoroso, pontual, positivo; COORDENAÇÃO e CONTROLE constante, exigente

e sem displicência”.248

Sucede- lhe Luiz Gonzaga de Souza Lima, nomeado pelo governador do Estado.

Embora a administração enfrentasse ainda uma situação difícil, os compromissos foram

saldados, havendo um certo equilíbrio entre receitas e despesas. Em parte, segundo o prefeito,

245 A estruturação do ensino técnico mantido pelo município demandou uma intensa atuação do poder público, expressa no aumento do número de vagas, na realização de concursos para Catedráticos, na inauguração de salas especializadas, na instalação de um “Escritório Modelo”, em seminários para o aperfeiçoamento de professores do ensino comercial, entre outros empreendimentos. Em 1961, participando do IV Congresso Brasileiro de Ensino Comercial, o IMACO obteve o título de “Melhor Escola de Comércio do Brasil”. Cf. BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1961. p. 117. 246 Não há dados suficientes para se afirmar que a criação das chamadas Escolas Vocacionais em 1955 tenha alguma identificação com o ideário escolanovista de diluir as barreiras entre o ensino secundário e o ensino profissional. A Campanha de Educandários Gratuitos, por sua vez, foi iniciada em Recife, em 1953, por jovens secundaristas, visando oferecer oportunidades de escolarização às camadas mais humildes da população. A campanha alastrou-se por vários regiões do país, e acabou sendo encampada pelo Estado. Em 1959, já havia um grande número de escolas mantidas por verbas públicas e por contribuições da comunidade. Muitas vezes, os educandários gratuitos eram construídos em lugares onde nunca havia chegado a iniciativa do poder público, disparando um importante movimento de renovação do ensino médio, que contava apenas com o desprendimento idealista da juventude. Maiores informações. Cf. LIMA, L. O. Estórias da educação no Brasil: de Pombal a Passarinho, p. 146-147-190. 247 ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE. Levantamento de dados biográficos dos prefeitos de Belo Horizonte: 1897-1992, p. 389.

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o relativo saneamento das contas públicas havia ocorrido pelo aperfeiçoamento da máquina

administrativa.

Em 1967, o decreto n. 1598 estabelecia uma nova estrutura administrativa, criando,

entre outros órgãos, a Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Entre outras providências,

o decreto previa a transformação do Colégio Municipal e do IMACO em Fundação

Educacional. Ao mesmo tempo em que se acenava para grandes transformações no ensino

médio da capital, o ensino primário recebeu especial atenção, visando estancar a fonte do

analfabetismo no município.

O prefeito Souza Lima avaliava as mudanças em função de sua “preocupação com a

educação das futuras gerações [...] implementando um programa educacional de real

amplitude, que garantisse ‘um lugar ao sol’ para cada criança que precisava estudar...”249

Em um segundo mandato, também nomeado, toda obra administrativa de Oswaldo

Pieruccetti demonstrava a “profunda identificação do Governo da cidade com a política

desenvolvimentista do Presidente Emílio Garrastazu Médici e do governador Rondon

Pacheco [...] cuja preocupação maior estava voltada para o homem, meta principal e

prioritária de toda a ação governamental”.250

No âmbito da educação, pela primeira vez, o poder público municipal utiliza a

expressão “política educacional”, implicando na revisão do conceito e funções da escola e no

dimensionamento da demanda escolar, a fim de atender à “exigência democrática” de

“educação melhor e ensino para todos”.251 Aprovaram-se as normas para a implantação da

reforma de ensino no município, como determinava a lei n. 5.692, vinculando o processo de

educação sistemática às necessidades do desenvolvimento nacional e aos objetivos nacionais,

“no sentido de formação para a cidadania e para o trabalho”.252

Como já ocorrera em administrações anteriores, a assistência aos alunos recebeu uma

atenção especial, através da manutenção das cantinas escolares, prestação de serviço médico e

odontológico, fornecimento de material escolar e apoio econômico aos alunos carentes, como

instrumentos decisivos na melhoria do rendimento escolar.253 Em 1972, a grande maioria dos

alunos que freqüentava as escolas municipais, segundo pesquisas realizadas pelo poder

público, era desnutrido, com tem peso e tamanho abaixo das médias consagradas pela OMS

248 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1964. p. 3. Grifos do autor. 249 BELO HORIZONTE. Relatório de prefeito, 1968. p. 56. 250 Idem, 1972. s/p. 251 Idem. Seção IV-3-a. 252 Idem. Seção IV-3-b.

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(Organização Mundial de Saúde), sofria de verminoses e, em percentagem expressiva

apresentava acuidade visual insatisfatória.

A concessão de bolsas de estudo, como já visto, prática que remonta à constituição da

rede municipal de ensino, passou a integrar o conjunto de medidas que visavam dar

assistência aos alunos, constituindo-se em um programa específico pela Lei Municipal n.

2.037, de janeiro de 1972. Além de permitir a aplicação da legislação federal do ensino que

instituiu o ensino de 1º grau, com a concessão de bolsas de estudos aos alunos da rede

municipal, o “ensino privado, que se ressentia de dificuldades financeiras, passou a receber

substancial apoio com a compra de seu espaço ocioso...”254

3.3.2. A inserção no bairro Lagoinha

O Colégio Municipal de Belo Horizonte funcionou no bairro Lagoinha de agosto de

1954 a maio de 1972, quando a sede foi transferida para o prédio do ex-Colégio Marconi, no

Bairro Gutierrez.

A mudança do Colégio Municipal do Parque para o bairro Lagoinha255 conjugou uma

série de fatores. Como foi visto, a necessidade de maiores e melhores instalações, o

cumprimento das normas legais exigidas para o seu funcionamento como Colégio, e o

restabelecimento da finalidade específica do Parque Municipal. A escolha da área deveu-se

também ao fato de ser uma região populosa e operária, e à necessidade de ocupar os lotes

vagos pertencentes à municipalidade, muitos já invadidos. O conflito político entre Negrão de

Lima e Renê Giannetti foi outro motivo.

Conforme lembrado pelo Pe. Taitson: “...O Américo Renê Giannetti queria destruir

toda a obra do Otacílio. Ele falou comigo, no meu carro: eu vou acabar com tudo que ele fez

no parque. Parque é parque...”256

Ao mesmo tempo em que sofreu a ação do poder público, o bairro Lagoinha, desde o

início, desenvolveu uma configuração sociocultural própria, burlando as regras de controle e

organização do espaço urbano estabelecidas pelo urbanismo modernista que guiou a

construção da capital. Segundo Moraes e Pereira, a paisagem urbana do bairro traz as marcas

253 Um especialista da USAID (United States of Agency of International Development), em visita às unidades de ensino da Prefeitura, observou e aprovou o programa assistencial implantado em 1971. Cf. Relatório de prefeito. 1972. Seção A-I, s/p. 254 BELO HORIZONTE. Relatório de prefeito. 1972. Seção A-I. 255 A Lagoinha é um bairro que nasceu junto com Belo Horizonte, em fins do século XIX. Enquanto espaço diferenciado, há indicações de sua existência que remontam ao antigo Curral D’El Rey, no início da ocupação territorial da região das Minas Gerais. Maiores informações, consultar BARRETO, Abílio. Belo Horizonte – Memória Histórica e Descritiva, 1995.

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da heterogeneidade e da multiplicidade, que se exprime pela mistura étnica, pela presença de

diferentes estratos sociais e de renda, e por uma configuração cultural que congrega

elementos díspares. Como espaço diversificado, na Lagoinha, são muitas as formas de

vivência e convivência: a religiosidade, a tradição boêmia, a tradição familiar, a influência da

imigração italiana, a musicalidade e o comércio de bares, oficinas e pequenas lojas.257

Situado na área suburbana, a Lagoinha é tipicamente um bairro de periferia, pelo

traçado urbano, pelas características de sua população basicamente operária e pela

sobreposição de uma série de intervenções do poder público, que marcaram nesta área a

separação centro-periferia.

Os limites da Lagoinha situam-se na tensão entre uma área delimitada oficialmente, e

uma área definida pela população local. No primeiro caso, levando em conta o processo de

construção do bairro e as relações com o espaço da cidade, o bairro apresenta-se bastante

extenso: inclui o Complexo Viário, abrangendo toda a região do Bonfim, a Vila Senhor dos

Passos, o conjunto IAPI e uma grande parte do bairro Floresta.

Os limites populares que dizem mais respeito às relações de identidade e

pertencimento construídas pelos seus habitantes reduziam bastante a área do bairro,

abrangendo a região que começa no Complexo Viário, inclui a Vila Senhor dos Passos e o

bairro São Cristóvão, parte da Floresta, a região do Bonfim, até a avenida Pedro II.

Duas grandes estruturas constituem limites claros do bairro, a oeste e a norte: o

Cemitério do Bonfim e o conjunto IAPI. Ocupado por pessoas de origens diversas na década

de 40, este último apresenta-se como uma barreira, pontuando um espaço de transição. Sem

estabelecer ligações muito fortes com o bairro e seus moradores, o IAPI configura um espaço

próprio e diferenciado.

Heterogêneo e diversificado, abrigando três favelas – a Vila Santo André, a Vila

Conceição, ex-Pedreira Prado Lopes, e a Vila Palmital – o bairro Lagoinha inscreveu suas

marcas no Colégio Municipal que, por sua vez, recebeu, em grande parte, alunos desta área,

embora se destinasse a atender toda a cidade.

O contato com a Pedreira – que jamais foi chamada de “Vila Conceição”– foi

conflituoso, desde os primeiros dias em que a Escola se instalou no espaço da favela. Para

Silveira Neto, um dos primeiros professores que começou a lecionar na nova sede:

“Era pitoresco aquele período de iniciação escolar no prédio novo e inacabado. Não havia muros. Os meninos da favela diziam gracejos para os alunos dentro da sala. Porcos vindos dos quintais adjacentes fossavam e grunhiam do lado

256 Entrevista concedida pelo Pe. José Campos Taitson em Ibirité, 10/04/2000. 257 MORAES, F. B. ; PEREIRA, M. L. D. Inventário do patrimônio urbano e cultural de Belo Horizonte, 1995.

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de fora. Latidos de cachorros eram freqüentes. Nos primeiros tempos, apesar do zelo do funcionário Renato Araújo, era comum a instalação elétrica apresentar defeito. Então o prédio ficava às escuras...”258

Não havia, como conta Pe. Taitson, relações entre a Pedreira e o Colégio: “... era

separado. Fez-se um muro alto para evitar a entrada deles lá no Colégio, porque eles

tentavam entrar. E às vezes, jogavam pedra dentro da própria sala. Era uma coisa

terrível”.259

Foram muitos os problemas com a “vizinhança”, como depõe Onofre Gabriel de

Castro:

“Nós tivemos que disputar com a favela o nosso lugar, e eles se sentiram altamente incomodados, porque perderam o campo de futebol, perderam aquele vazio livre que era a entrada para a favela. Então foi um relacionamento dificílimo, com afrontas mesmo [...]. No primeiro, segundo ano, tivemos, ali, todas as vidraças quebradas a pedra, porque nós éramos vizinhos da favela dois metros. Os favelados chegavam à janela e pediam para tocar ‘cachaça e água’ no piano. Mas, quando houve uma chuvarada enorme e houve muita dificuldade na favela, nós abrimos as portas [...], distribuímos cama, alimentos, água para banho, e as relações de boa vizinhança se iniciaram e nunca mais tivemos uma vidraça quebrada. E passamos a colher meninos da favela”.260

Depois, como relata Henrique Morandi, “...o Guilherme abria o Colégio aos sábados

e domingos para os meninos da favela jogarem, fazerem lá o seu bate-bola. Dava biscoito,

dava bala, fazia política de boa vizinhança. Aí, os meninos passaram a tomar conta do

Colégio..”261

A depoente Wânia C. F. Pereira, lembrando palavras do professor Guilherme, referiu-

se ao “palácio da favela”, como era denominado o Colégio Municipal:

“...Era uma construção imponente para a época, muito grande, principalmente com aquela quadra imensa, aquele ginásio [...]; destoava do ambiente da Prado Lopes... Era palácio porque ele conseguia abrigar pessoas da favela da região: estudando, tentando melhorar de vida e procurar seus objetivos, formar sem gastar nada e com bons professores, aliás, excelentes professores. Ele se referia a isso, como se fosse um refúgio para todos nós, e era um refúgio”.262

Por volta do início da década de 60, a composição do alunato sofrera uma significativa

alteração. O depoente Durval Antônio Pereira identifica as mudanças que foram ocorrendo,

simultaneamente à diversificação da clientela do Colégio:

258 SILVEIRA NETO, H. História do Colégio Municipal. 1948-1973 , p. 76. 259 Entrevista concedida pelo Pe. José Campos Taitson em Ibirité, 10/04/2000. 260 Entrevista concedida por Onofre Gabriel de Castro em Belo Horizonte, 20/05/2000. 261 Entrevista concedida por Henrique Morandi em Belo Horizonte, 20/06/2000. 262 Entrevista concedida por Wânia Cristina Fiorita Pereira em Belo Horizonte, 24/05/2001. Ex-aluna e advogada da BEPREM (Beneficência da Prefeitura Municipal).

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“Já nesta época, dava para perceber claramente que a clientela do Colégio sofrera uma alteração... De origem fundamentalmente popular, procedia-se a uma ascendência da classe média... O número de alunos de uma classe que, poderíamos dizer, de classe A era pequeno, eram poucos os alunos que vinham de bairros mais distantes do Colégio Municipal... Na época em que eu entrei, o Colégio Municipal era de uma classe média B ou C, e um número assim significativo de meninos pobres da região. Eu, quando falo região, é porque ali temos, ao lado a Pedreira Prado Lopes, o Santo André, que é nitidamente bairro de classe média B e C, Renascença, Bairro da Graça, Concórdia, Lagoinha. Este era o alunato do Colégio Municipal.

... Lagoinha, Bairro da Graça, Renascença, Santo André, o próprio Bonfim, Aparecida, esses bairros eram de classe social melhor do que hoje.

...O exame de seleção nem sempre possibilitava a entrada de todos. Havia um certo número de vagas que sobrava, vamos dizer, ficava guardado em todas as séries. E essas vagas eram preenchidas uma a uma, através do atendimento pessoal do diretor [...] simplesmente era um trabalho penoso [...]; o professor Guilherme passava praticamente parte de dezembro, janeiro inteiro, fevereiro inteiro, março, praticamente já em aula, atendendo filas que saíam, às vezes, para fora do Colégio [...]. Então, ele conseguia dar oportunidade para alunos de classe social bem mais baixa, pobre, realmente, através dessa seleção social.

... Havia um número elevado de duplas reprovações [...] e esses alunos não recebiam um acompanhamento especial... Estava acontecendo uma espécie de afunilamento social e obrigatoriamente de rendimento escolar [...]. Nós discutimos isso, experimentamos, mas falhamos nos métodos, por falta de base, de envolvimento global [...]; as idéias ficaram apenas nos ensaios de atendimento aos alunos...”263

O Colégio Municipal ficou, comumente, conhecido como Colégio Municipal “São

Cristóvão”. Em 1969, completando vinte e um anos de existência, estava implantado na

região, havendo mesmo, como registra o Informativo alusivo às comemorações de

aniversário, alterado a fisionomia do bairro e acelerado o progresso desta parte da capital.264

3.3.3. Nos domínios da cultura: o elo entre o corpo docente do Colégio

Municipal e a UMG

Desde os primeiros anos de sua organização, o ingresso no Colégio Municipal exigia

que os professores tivessem cursos na Faculdade de Filosofia e registro no Ministério da

Educação.265

Como foi visto, a falta de preparação formal para o exercício do magistério era um dos

grandes problemas da escola secundária brasileira. Em Belo Horizonte, a criação da

Faculdade de Filosofia, em 1939, nos moldes da Faculdade Nacional de Filosofia, visou suprir

a escola de uma mão-de-obra qualificada, concorrendo como fator primordial para o

263 Entrevista concedida por Durval Antônio Pereira em Belo Horizonte, 10/01/2001. Ex-professor e ex-diretor do Colégio Municipal. Ex-professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. 264 INFORMATIVO DO COLÉGIO MUNICIPAL. p.3. 265 Cf. BELO HORIZONTE. Lei nº 19. Art. 11.

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aprimoramento do ensino secundário. A questão profissional, no entanto, não era a única a ser

resolvida.

Como demonstra Haddad, as idéias dos fundadores da Faculdade de Filosofia estavam

muito ligadas às funções culturais que ela deveria desempenhar no sistema universitário e na

sociedade, preparando intelectuais para as várias esferas da cultura e concorrendo para o

desenvolvimento da pesquisa e o cultivo do saber.266 Nesse sentido, as finalidades da

Faculdade de Filosofia da UMG (Universidade de Minas Gerais) eram “preparar

trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades culturais e de ordem

desinteressada ou técnica [...], preparar professores [...] e realizar pesquisas nos vários

domínios da cultura”. 267

Uma grande maioria dos profissionais que atuaram no Colégio Municipal de Belo

Horizonte foram diplomados pela Faculdade de Filosofia, federalizada em 1949, e outras

unidades da UMG. 268 Estes professores, dentre os quais encontram-se nomes expressivos da

cultura letrada de Belo Horizonte, transitavam entre o ensino superior e o secundário, havendo

entre eles uma certa preocupação em trazer para os colégios idéias correntes na Universidade.

Talvez, nesse sentido caminhe a lembrança de Tomaz Aroldo, que diz “ ter lido Celso

Furtado no curso secundário...”269

No relato de José Ernesto Ballstaedt, eram “três escolas importantes em Belo

Horizonte: o Ginásio Mineiro, que hoje é o Colégio Milton Campos, o Colégio Municipal e o

Instituto de Educação. Então, houve uma época que todo mundo praticamente passava por

estas instituições...”270

Algumas linhas da atuação dos “trabalhadores intelectuais” formados pela Faculdade

de Filosofia delinearam-se no exercício do magistério no Colégio Municipal.

Analisando a produção cultural da inteligência universitária paulista da década de 30

aos anos 70, Carlos Guilherme Mota ressalta a heterogeneidade das gerações que emergiram

do Estado Novo. Em geral, assiste-se aos primeiros frutos da Universidade, cujo alvo

imediato é a defesa do pensamento contra os resquícios dos governos autoritários. No entanto,

alguns intelectuais voltam-se para o passado, defendendo um ideal aristocrático de cultura,

enquanto outros, caracterizam-se pelos marcos do pensamento radical de classe média. Outra

266 HADDAD, M. L. A. Faculdade de Filosofia de Minas Gerais. Raízes da idéia de universidade na UMG, 1988. 267 KRITERION. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia de Minas Gerais, p. 1. 268 Conferir anexo II: Lista dos professores que diplomaram-se pela Faculdade de Filosofia 269 Entrevista concedida por Tomaz Aroldo da Mota Santos em Belo Horizonte, 18/01/20001. 270 Entrevista concedida por José Ernesto Ballstaedt em Belo Horizonte, 22/05/2001.

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característica importante deste período é a substituição da qualificação profissional pela noção

de “função” intelectual nos quadros cultos da Universidade.

Nos anos cinqüenta, tendo como pano de fundo o reformismo populista, parte dos

intelectuais engajam-se nas linhas do nacional-desenvolvimentismo, sendo que, no final da

década, em formulações mais radicais, o fato novo a registrar é a referência ao “povo”, uma

categoria que surge no terreno das idéias das novas gerações. 271

Nos limites deste trabalho, questões como a produção cultural, a vinculação dos

“trabalhadores intelectuais” do Colégio Municipal às grandes correntes do pensamento

contemporâneo, os temas que mobilizaram suas reflexões, a originalidade ou não de suas

formulações são alguns dos aspectos a serem melhor investigados.

Numa rápida avaliação, estes profissionais não constituíram um grupo homogêneo.

Fundamentando-se nas mais variadas fontes de conhecimento e análise da realidade, a sua

produção acadêmica abrangeu assuntos diversificados. O papel da universidade na educação

nacional é um dos temas analisados:

“A escola brasileira não pode continuar ausente da vida nacional... As elites, no sentido que o vocábulo possuiu durante os últimos duzentos anos, perdera a significação, não existem mais...

... Acontece, porém, que o progresso, as novas formas de produção de bens e de riquezas fizeram surgir um novo tipo de homem, ainda não perfeitamente afigurado, mas que os filósofos, sociólogos e pensadores de toda casta, convencionaram chamar ‘homem-massa’. Esse homem, em ascensão gradual, deslocou o eixo do controle social e ameaça apoderar-se das situações -chave, até agora em poder das elites.

... Seu representante típico é o especialista, o experto, aquele que se considera peça de engrenagem da produção do consumo, da organização social, enfim.

... Não sabemos de tarefa mais importante para a escola do que a de tentar a sedutora e emocionante aventura de humanizar esse novo padrão de homem”. 272

A questão da formação do professor do ensino secundário é outra questão abordada; a

ênfase recai não na qualificação e remuneração do professor, mas na sua “função” intelectual:

“A nossa função agora deve ser profundamente dinâmica, de procura, de investigação, de pesquisa, tanto no terreno das ciências puras, como no das ciências sociais e econômicas. Precisamos trabalhar para a formação de novas élites [...] que busquem inspiração no povo [...] As novas élites devem brotar da profundeza das nações. Deverão compor-se das próprias élites operárias e camponesas, juntamente com os elementos das classes dirigentes que estejam decididos a trabalhar com o povo. O problema essencial da reconstrução [...] é também um problema da formação de novas élites diretoras”.273

271 MOTA, C. G. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974), 1977. 272TEIXEIRA, M. B. A universidade e a educação nacional , p. 95-96-98-99. 273 QUEIROZ, A. X. Formação do professor do ensino secundário. Kriterion. p. 340. Grifos do autor. Amaro Xisto de Queiroz foi catedrático de História Moderna e Contemporânea da Faculdade de Filosofia de Minas Gerais e catedrático de História Geral do Colégio Municipal de Belo Horizonte.

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No relato do depoente Ernesto Ballstaedt, para uma grande parte dos professores do

Colégio Municipal, o magistério tinha uma “função social” a cumprir. No plano educacional,

a bandeira de luta é a defesa da escola pública:

“Na década de 50, tinha a chamada ‘política do Anísio Teixeira’, que era esse grande defensor da escola pública e, nós, os professores do Municipal, pela menos essa turma toda que era da Faculdade de Filosofia, era toda uma turma muito politizada, todos eles a favor da escola pública, seguindo a orientação do

Anísio Teixeira”.274

Importa ressaltar que estes “trabalhadores intelectuais” foram considerados os mais

bem preparados para o exercício do magistério e responsabilizados, na maioria dos

depoimentos, pela qualidade do ensino no Colégio Municipal, motivo pelo qual foi

denominado, posteriormente, a “Universidade de Santo André”.

3.3.4. A “Universidade de Santo André”

Passada a fase inicial de organização, a partir de 1955, o Colégio Municipal entrou em

um período de expansão e consolidação, ampliando o seu espaço físico, o número de

matrículas e cursos, ao mesmo tempo em que definia idéias e práticas didático-pedagógicas.

Até a posse do prefeito Celso Mello de Azevedo, num breve período, foi diretor do

Colégio Municipal o Pe. Luís de Marco Filho,275 sucedendo- lhe o professor Geraldo Majela

de Resende,276 nomeado através de lista tríplice indicada pela Congregação. Em 1960, foi

empossado na direção do Colégio Municipal o professor Guilherme Azevedo Lage,277 que

permaneceu no cargo até fins da década de 70.

O Colégio passou a contar, além do ginasial e científico, com os cursos clássico e de

formação de professoras, com salas de nível primário, para treinamento dos futuros mestres.

As atividades extra-curriculares assumiram um papel destacado na vida do Colégio e

fora dele. Em especial, o Côro Orfeônico, as equipes de ginástica, a fanfarra e o conjunto

teatral. Como resultado da fusão de duas entidades, o Diretório do Colégio Municipal e o

274 Entrevista concedida por José Ernesto Ballstaedt em Belo Horizonte, 22/05/2201. 275 O Pe. Luís de Marco Filho, na época, era diretor do Colégio Arquidiocesano. 276 Natural de Resende Costa. Formado em Geografia e História pela Faculdade de Filosofia de São Bento (São Paulo) e em Direito pela Universidade de Minas Gerais. Ex-professor do Colégio Santa Maria. Ex-secretário do Sindicato dos Professores. Foi Diretor do Departamento de Educação e Cultura na primeira gestão do prefeito Oswaldo Pieruccetti (1965). 277 Natural de São Julião, município de Ouro Preto. Bacharel em Direito e Filosofia pela Universidade de Minas Gerais. Lecionou em vários estabelecimentos da Capital, entre eles o Instituto Padre Machado e a Escola Técnica de Comércio Inconfidência. Foi diretor do Ginásio Domiciano Vieira, no Barreiro, mantido pela Campanha Nacional de Educandários Gratuitos.

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Diretório do Turno da Noite, em 1956, foi criado o DECM (Diretório Estudantil do Colégio

Municipal).

A depoente Maria Yedda M. Ferolla, enfatizando o aspecto “modernizado” da

educação física, assim se referiu às atividades esportivas:

“... Tivemos a grande alegria de construir uma praça de esportes, com muito esforço. Praça de esportes completa, com material adequado, material modernizado, vestiários, chuveiros, todo o material que dava conforto aos alunos. Uma praça de esportes com todo conforto e amplitude, com arquibancadas para assistências das famílias...

Nessa ocasião, era uma educação física modernizada, musicada, os movimentos feitos através da música, através de material como arcos, bolas, em que se faziam aquelas demonstrações maravilhosas, lindas músicas, quantas músicas, de Strauss, Chopin, músicas clássicas... Eu introduzi lá a formação de danças folclóricas, e nós fazíamos apresentações aos pares. Foi a primeira vez que eu vi apresentações aos pares de grupo folclórico, de moças e rapazes no Colégio...Fizemos muitas demonstrações em cidades vizinhas: Divinópolis, Formiga, Ouro Preto, no início do ‘Festival de Inverno’, no teatro de Ouro Preto...”278

Para os alunos, a educação física tinha um aspecto educativo de “vencer aquela

timidez de se apresentar em público [...]; principalmente aquela classe menos favorecida que

não tinha oportunidade disso, sentiam-se como figuras de grande importância...”279 Os

prefeitos eram sempre convidados à assistir as demonstrações, e a sua presença significava

“um apoio, uma segurança, um incentivo.”280

O depoimento de Eduardo Gonçalves de Andrade ressalta o tempo e o espaço

reservado à educação física, as dificuldades em conciliar o futebol com as disciplinas do

currículo e a influência em sua formação “humanística”:

“Havia educação física obrigatória [...] e eu jogava muito futebol. Então, eu participava de todos os campeonatos... Havia muitos campeonatos fora do horário. Nos fins de semana, nós estávamos sempre lá dentro do Colégio, jogando. E tinha campeonatos, inclusive, com equipes de fora também. Eu jogava muito, e não só futebol. Eu fazia muita ginástica.

...Eu tinha que estudar muito e consegui, dei conta daquilo, daquela carga que era muito grande. E eu aprendi a ser disciplinado, sem perder também a criatividade...

.. Aprendi a ser disciplinado e ter conhecimentos em outras áreas. Exigia muito essa participação dos alunos... Havia discussões, havia muitas festas, havia comemorações cívicas, havia muitas reuniões, e isso foi muito importante na minha formação humanística, eu não tenho dúvida disso”.281

A importância do esporte na vida do Colégio é lembrada por Onofre Gabriel:

278 Entrevista concedida por Maria Yedda Maurício Ferolla em Belo Horizonte, 29/01/2001. 279 Idem. 280 Idem. 281 Entrevista concedida por Eduardo Gonçalves de Andrade (Tostão) em Belo Horizonte, 10/04/2001. Ex-aluno e comentarista esportivo.

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“O esporte foi fundamental na vida do Colégio. Se do parque nós tínhamos a larguesa, o Colégio da Lagoinha estreitou este espaço geográfico, e foi necessário fazer um estádio, com toda a mão- de- obra da Prefeitura. Praticamente, o Departamento de Obras jogou-se dentro do Colégio, e a participação do chefe-de-obras e do operariado todo da prefeitura, com quem nós convivemos cotidianamente [...]; eram feitas muitas festas esportivas, onde se abriu um campo de comunicação com a favela, pela abertura dos portões aos meninos e até aproveitamento de pequenos atletas [...]e disputas esportivas até internacionais. Abrigamos uma vez um time de voleibol chinês, onde eu assisti umas experiências interessantes: castigo físico nas jogadoras.

Festas cívicas. Amintas de Barros participou muitas vezes. Horas de orquestra sinfônica durante a semana; às vezes, uma vez por mês. Nós promovíamos um encontro, com instrumentos, explicações.

A fanfarra, por exemplo, participou de uma quantidade de festas no interior... Exibições públicas em cidades vizinhas com o Canto Orfeônico. Ainda mais, a hora cívica, toda quarta-feira, impreterivelmente, só excluída nos dias de chuva. Mais ainda, a festa de aniversário do Colégio era sempre muito bem aceita, muito bem feita também. Não me lembro mais, assim de pronto, de algumas atividades”.282

Por outro lado, prosseguia a realização dos concursos para catedráticos, “de maneira a

convocar para o Colégio as atenções dos círculos intelectuais do País”.283 Ao mesmo tempo,

o Colégio despontava como o primeiro estabelecimento de ensino de Minas Gerais a realizar

testes vocacionais com alunos do curso secundário. Ao final do mandato Celso Mello e

Azevedo, o estabelecimento apresentava-se com “características modelares”, colocando-se

na “vanguarda dos colégios mineiros”.284

Em 1962, a Lei n. 928 instituiu no Colégio o ensino normal, oficializando o curso de

Formação de Professoras. Foram criadas cinco Unidades anexas ao Colégio Municipal, de

ensino ginasial e de admissão, a serem instaladas em bairros diferentes da capital, para a

difusão de seus “modernos métodos pedagógicos”.285 Os cargos de orientador educacional e

assistente social, que tinham sido responsáveis por serviços de assistência social na

administração Negrão de Lima, foram restabelecidos no quadro de pessoal.

Na lembrança de Wânia Fiorita, o curso normal era feito, realmente, para ser professora

primária:

“...Era um bom caminho para a gente como mulher, e a maioria tinha vontade de formar uma família. Então, o curso normal era uma opção muito grande de trabalhar e, ao mesmo tempo, compatibilizar com uma criação de filhos, com a convivência com o marido, mas o curso ofereceu uma base tão grande [...] que ao sair, formar, eu não tive oportunidade de exercer a minha profissão. Eu fiz vestibular em Direito na Universidade Federal e fui aprovada.”.286

282 Entrevista concedida por Onofre Gabriel de Castro em Belo Horizonte, 20/05/2000. 283 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1956. p. 73. 284 Idem. 1958. p. 5/3. 285 Idem. 1962. p. 42. 286 Entrevista concedida por Wânia Cristina Fiorita Pereira em Belo Horizonte, 24/05/2001. Ex-aluna. Advogada na Beneficência da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.

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A depoente Marina de Andrade recorda o carinho especial que o professor Guilherme

tinha pelo curso de Formação, “uma preocupação muito grande de fazer com que germinasse

aquela idéia de educador. Então, esse carinho especial para com o curso de Formação seria

justamente a multiplicação do ideal dele...” 287

Para a administração pública, o aspecto a ressaltar eram os “índices de rendimento

excepcional” alcançados pelo Colégio Municipal e o fato de que o ensino mantido pelo

estabelecimento era “inteiramente gratuito”.288

Um novo Regulamento passou a reger a vida do Colégio, a partir de 1963.

Distanciando-se do antigo Ginásio criado em 1948, que visava tornar o ensino secundário ao

alcance de pessoas de poucos recursos, as finalidades do Colégio Municipal, agora

abrangendo uma variedade de cursos, apresentaram-se bem mais amplas.

Cumpria promover a compreensão dos direitos e deveres de todos os grupos que

compunham a comunidade, o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do homem, e

preparar o indivíduo para se integrar ao meio social. Cabia também ao Colégio procurar

fortalecer a unidade e a solidariedade internacionais, preservar o patrimônio cultural e

condenar quaisquer preconceitos de classe, religião ou raça. Como finalidade, a formação

humanística manifestou-se em termos de “preparação humanística geral”, que pudesse

“servir de base a estudos especializados”.289

Aspectos significativos e polêmicos da lenta estruturação do Colégio Municipal ao

longo de sua existência foram incluídos no título “organização didática”. Lembrando o ideário

escolanovista presente nas reformas educacionais ocorridas, em termos “didáticos” o

Regimento estabelecia que o ensino no Colégio Municipal deveria ser dado segundo os

“métodos da escola ativa”.290 Previa a organização de classes experimentais e a realização de

trabalhos práticos, além das aulas teóricas. O programa deveria conter textos didáticos que

levassem em conta a condição modesta dos alunos e, sempre que possível, seriam criadas

salas-ambiente.

A formação moral e cívica, dentro da organização didática, constituía um processo

educativo presente em todas as circunstâncias da vida escolar, podendo ser incluída no

currículo sob a forma de “prática educativa”.

O ingresso no Colégio continuava a depender dos exames de admissão ao curso

ginasial e dos testes de seleção, levando em consideração os critérios que vinham sendo

287 Entrevista concedida por Marina de Andrade em Belo Horizonte, 29/01/2001. Ex-aluna. Promotora de eventos. 288 BELO HORIZONTE. Relatório de prefeito. 1962. p. 42. 289 BELO HORIZONTE. Decreto nº 1.039, de 25 de jan. de 1963. Art. 1º. p. 89.

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utilizados desde a sua criação: as notas obtidas e a apreciação das condições econômico-

sociais dos candidatos.

Uma inovação importante, dentro das funções tradicionalmente desempenhadas pela

Congregação, foi a incumbência de indicar a lista tríplice dos candidatos a diretor, a ser

enviada ao Prefeito, para nomeação do cargo. Quanto aos professores e alunos, entre outras

atribuições, deveriam ministrar o ensino da disciplina de acordo com os “melhores métodos e

processos didáticos e pedagógicos”,291 promover o seu aperfeiçoamento profissional e

estimular os alunos em suas atividades extracurriculares. Seriam contratados professores de

religião, devidamente registrados perante a autoridade competente.

Pelo Regimento de 1963, os alunos seguiam sua vida escolar dentro das normas

anteriormente estabelecidas, devendo ser registrado o fato de que deveriam comportar-se na

vida pública de acordo com os pontos disciplinares do Colégio. Era- lhes vedado promover

manifestações coletivas ou delas participar, salvo quando autorizadas pelo Colégio. Permitia-

se a criação de um órgão de representação dos alunos. Entre outros objetivos, a associação dos

alunos deveria promover os princípios que constituíam as finalidades do Colégio, “criar e

desenvolver as qualidades de liderança” e “defender os interesses gerais autênticos dos

estudantes”. 292

Nas disposições gerais, o art. nº 254 estabelecia que era absolutamente proibido

introduzir no Colégio armas, materiais inflamáveis ou explosivos, gravuras, livros e

periódicos que atentassem contra os “bons costumes” ou propagassem “doutrinas

subversivas”.293

O Regulamento de 1963 foi decretado em um momento particular da vida brasileira,

de grande mobilização política e social, em que as questões educacionais estavam sendo

intensamente debatidas. As lembranças do depoente Carlos Afonso Rego estão fortemente

ligadas ao ambiente da época e à efervescência do movimento estudantil, antes de 1964:

“... Desde que ingressei no Colégio, logo, vamos assim dizer, fui atraído, primeiro, pela convivência social que havia dentro do Colégio, que era muito rica, com coisas típicas dos estudantes: festas, organizações de torneios esportivos. E havia o DECM (Diretório Estudantil do Colégio Municipal) que, já na minha época, era muito atuante. Foi através do DECM que eu comecei a tomar consciência da JEC (Juventude Estudantil Católica), da Ação Católica e dos movimentos políticos da ocasião, que era a questão do nacionalismo exacerbado e o antiamericanismo muito acentuando... e coisas mais imediatas, como a questão da meia-entrada para estudante nos cinemas, nos transportes, a carteirinha de estudante, né?

290 Idem. p. 88. 291 BELO HORIZONTE. Decreto nº 1.039, de 25 de jan. de 1963. Art. 141, letra a. p. 106. 292 Idem. Art. 197. p. 114. 293 Idem. Art. 254. p. 126.

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E, dentro do Colégio, eu nunca percebi que houvesse qualquer tipo de restrição a algum tipo de participação dos alunos do Colégio nesses movimentos...Predominantemente, o movimento estudantil dentro do Colégio Municipal era esquerda, predominantemente...”294

O depoente Carlos Afonso destaca a elaboração de um código de ética dentro do

Colégio Municipal que foi, para ele, muito significativa:

“A idéia central é que você estabelecesse princípios que seriam adotados pelos estudantes do Colégio Municipal, princípios de natureza ética, moral, política...Com o olhar de hoje, eu acho que esta foi uma estratégia da Ação Católica, de conscientização política dos estudantes do Colégio Municipal [...]. Não era uma iniciativa oficial do Colégio, mas era consentida, não é? A organização era de você estudar alguns textos que eu não sei bem qual era a origem. Eu suspeito que seria dos intelectuais da Ação Católica...Então, a gente estudava esses textos. Havia dez temas. Eu não me lembro quais são os dez temas, eu me lembro de dois: amor e justiça...

Bom, foi a partir daí é que a minha formação humanística começou a ser construída. Foi a partir daí é que eu comecei a tomar conhecimento das chamadas ideologias dos movimentos sociais, da própria realidade do país e de participação efetiva, de começar a organizar congressos estudantis”. 295

Nas lembranças do depoente Tomaz Aroldo, a “política no Colégio tinha, como em

todo lugar, seus matizes ideológicos”.296

Além do DECM (Diretório Estudantil do Colégio Municipal), havia o CCPGAL

(Centro Cultural Guilherme de Azevedo Lage), que era “uma reação a esta visão de esquerda

e essa atuação de esquerda que o Diretório Estudantil tinha...” e que queria “...muito

esporte, muita festa e atividades internas, que era uma coisa que a esquerda, na época, não

valorizava ou valorizava pouco”. Este era um aspecto do movimento estudantil de esquerda,

que demorou um pouco para “...descobrir que os estudantes, afinal, gostavam de outras

coisas, que não fossem só política”.297

O ambiente do Colégio Municipal, como lembra Tomaz Aroldo,

“...Favorecia um debate das idéias contemporâneas, quer dizer, discutia-se no Colégio, inclusive em sala de aula. Portanto, o colégio era um colégio no seu tempo. Como no país discutiam-se mudanças sociais, políticas, no período democrático, então o Colégio estava neste mesmo clima, e isso nos influenciou a todos, mais uns do que outros, evidentemente”.298

As memórias das vivências escolares, nesse período, vão além dos aspectos políticos.

294 Entrevista concedida por Carlos Afonso Rêgo em Belo Horizonte, 16/01/2001. Professor aposentado. Ex-aluno do Colégio Municipal. Ex-diretor do ICEX (Instituto de Ciências Exatas) da UFMG. 295 Idem. 296 Entrevista concedida por Tomaz Aroldo da Mota Santos em Belo Horizonte, 18/01/2001. 297 Idem. 298 Tomaz Aroldo da Mota Santos.

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Tomaz Aroldo destaca a importância da escola pública como elemento fundamental de

“ascensão social”, válido não só para ele, mas para muitos de seu amigos e contemporâneos,

uma vez que era um Colégio basicamente para a classe mais baixa.299

Para Carlos Afonso, o Colégio abriu um mundo novo, que ele não conhecia:

“... O Colégio Municipal é um marco na minha vida [...]. Eu divido a minha vida entre antes e depois do Colégio Municipal [...] porque antes, primeiro, o meu curso, equivalente ao ginasial, foi uma escola no princípio da industrialização. Então, intelectualmente, não era um lugar muito estimulante, né? Você aprendia, você ia se tornar técnico... E eu era muito novo também, quer dizer, eu concluí o meu curso lá no SENAI. Eu tinha quinze anos. Então, a minha família era extremamente modesta, sem recursos. Eu não tinha uma visão sequer do que era um curso superior...

... O futuro que se deslumbrava era ter um bom emprego, nas indústrias que estavam surgindo. Era a formação de mão-de-obra qualificada. Pois bem, depois de ter feito madureza e entrado no Colégio Municipal, abriu-se, para mim, um mundo que eu desconhecia, com perspectivas de carreira, com convivência com colegas de classes sociais diferenciadas, porque isto era uma característica importante dentro do Colégio Municipal. Você tinha desde as pessoas mais pobres, das classes sociais mais desprovidas, até gente muito rica. E você convivia democraticamente dentro do Colégio, sem nenhuma distinção [...] e com professores da época, que eram pessoas extremamente competentes e muito acessíveis. E a convivência com esse pessoal foi me abrindo perspectivas que não faziam parte de minha referência de vida...

Seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista intelectual foi, assim, entrar num mundo novo mesmo.”300

As lembranças da rigidez, da seriedade mescladas ao amor e à amizade são

recorrentes. Como depõe Josemar O. de Alvarenga:

“...Fazia uma questão imensa da vistoria dos uniformes, os sapatos engraxados, os cadarços bem atados, os botões nas camisas, se estavam limpas, o uniforme limpo, bem passado, fazia muita questão, os cabelos... Existia sempre um professor que ficava tomando conta na entrada, as unhas, fazia a vistoria das orelhas...

...Havia o sinal, nós fazíamos uma fila e tínhamos cantar o hino nacional, se não me engano todas as sextas-feiras, e se cantava o hino nacional com os professores todos distribuídos pelo pátio, e tomando conta da postura dos alunos. Depois caminhávamos em fila, cada qual para a sua sala, as carteiras numeradas, um sistema disciplinar, não vou dizer assim rígido, porque não era rígido, era necessário, com muita dedicação dos professores.

...Nós éramos obrigados a freqüentar o dentista do colégio. Ele fazia um levantamento ‘epistemológico’ dos dentes de todo mundo, certo? Como éramos obrigados a ter um seguimento antropométrico, crescendo ou não. Todos os alunos passavam por isso, todo santo ano e duas vezes ao ano...Mas tudo isso, era visando o que? A cidadania, o cidadão. ...

Existia alunos bem diferenciados, financeiramente, socialmente bem destacados. A gente notava até pela maneira de se vestir, os chamados da “zona sul’... E existia pessoas muito humildes, em que a gente notava até pela maneira de se vestir. Apesar do uniforme básico ser o mesmo, enquanto um, tinha três, quatro, o

299 Idem. 300 Entrevista concedida por Carlos Afonso Rêgo em Belo Horizonte, 16/01/2001.

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outro tinha um surrado... Mas a convivência era extremamente afável... muita amizade, mas com extremo respeito, extremo respeito”. 301

Levi da Conceição Ferreira lembra-se que o “diretório era respeitado [...]. Não era

um diretório de fazer greve, de brigar, nem nada, era um diretório de ser a ligação dos

alunos e o corpo docente da escola...”. Em suas lembranças, o Colégio impunha disciplina,

com liberdade:

“... Tinha aquela disciplina de você respeitar o país que vive, respeitar as leis, respeitar as pessoas [...] mas era uma disciplina que te dava liberdade...

Os professores eram realmente educadores. Além de nos ensinar as coisas, eles nos davam educação de comportamento, de tudo... O professor não faltava, você não podia faltar, e tinha que ir mesmo. Você ia , custe o que custar, você ia. Podia fazer sol, fazer chuva, a gente ia para a escola...

...Nós juntávamos na casa de um ou na casa de outro e estudávamos, discutíamos os assuntos, pegávamos livro um para o outro, e estudava mesmo. E a gente tinha tempo para ir nas horas dançantes das meninas do Colégio. tinha festinha lá do Diretório, ia no campo de futebol, jogava pelada, estudava mesmo, porque levava a sério”.302

A educação”, o respeito pela hierarquia dos professores e dos diretores, o patriotismo

são valores transmitidos pela escola, nas lembranças de Andy Petroianu:

“...O patriotismo era bastante valorizado, tinha as horas cívicas, sem haver doutrinação exagerada... É como se fôssemos uma sociedade [...] nas poucas eventualidades que a gente coincidia de encontrar um colega, era como se encontrasse um irmão... O Colégio Municipal nos direcionava para o bem”. 303

O depoimento de Wécio Lott mescla as vivências de um aluno “jubilado”, que voltou

para o Colégio Municipal, como professor. Na âmago dessas experiências, fica a lembrança

da seriedade e da amizade:

“...Eu fui reprovado, donde eu fui convidado a sair do Colégio. Esse convite foi o jubilamento. Naquela época, nunca passou na minha cabeça ser professor; eu ia ser jogador de futebol... Quando eu ingressei na universidade, aí voltou em mim aquela, vamos dizer assim, aquela chama do magistério...

O Colégio Municipal, apesar do meu insucesso como aluno, me marcou muito. Eu tenho amigos hoje que eu conheci na quinta série. Converso com os amigos até hoje. Quer dizer, fatos passados no Colégio, nunca me saíram da memória...

...Naquela época, a gente não entendia esse rigorismo, esse cumprimento do dever, vamos dizer, esses limites que eram impostos [...] acho que ficou muito, não sei se isso é virtude ou doença, essa seriedade... Eu não senti dificuldade alguma quando eu voltei como professor e aquilo que era cobrado no meu tempo como aluno, quando eu voltei como professor, estava sendo cobrado ainda: disciplina, rigorismo, dedicação, amor, principalmente amor...”.304

301 Entrevista concedida por Josemar Otaviano de Alvarenga em Belo Horizonte, 17/02/2001. Ex-aluno. Médico. 302 Entrevista concedida por Levi da Conceição Ferreira em Belo Horizonte, 15/02/2001. 303 Entrevista concedida por Andy Petroianu em Belo Horizonte, 12/01/2001. 304 Entrevista concedida por Wécio Lott em Belo Horizonte, 10/01/2001.

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O ano de 1968 foi peculiar. Os Regimentos Internos do Colégio Municipal e do

IMACO foram suspensos temporariamente, constituindo-se uma Junta Administrativa para

administrá-los, providenciar novos estatutos, e entrar em entendimentos com a Universidade

Federal de Minas Gerais para transformá-los em Fundação Educacional.305

Visando a expansão do ensino médio, posteriormente foram tomadas medidas no

sentido de que os colégios particulares fornecessem bolsas de estudo aos estudantes carentes,

em troca dos impostos devidos à municipalidade. Em convênio celebrado com a Secretaria do

Estado de Educação de Minas Gerais, iniciava-se a instalação da primeira unidade da série de

ginásios polivalentes municipais programados. Da mesma forma, o Departamento de Ensino

Médio intermediava entendimentos com a UTRAMIG (Universidade do Trabalho de Minas

Gerais).

Em meio a estas circunstâncias, elaborou-se o novo Regulamento do Colégio

Municipal, em 1969. Apesar de decretado numa conjuntura bastante diferente, este Regimento

manteve, sem grandes alterações, as disposições do Regimento de 1963. O Colégio prosseguia

com as mesmas finalidades, mantendo a preparação humanística geral, como base a estudos

especializados.

Aulas práticas e atividades programadas compunham a orientação da formação cívica,

ao lado da continuidade do ensino religioso. Os exames de admissão e seleção condicionavam

o ingresso no Colégio, sendo que, agora, destinava-se vinte e cinco por cento das matrículas

nas séries iniciais dos ciclos exclusivamente a dependentes de servidores municipais, após a

realização de testes entre eles.

Diferentemente de 1963, no Regimento de 1969 predominaram os aspectos de ordem

administrativa, surgindo, pela primeira vez, artigos de caráter explicitamente político.

Foi criado um órgão de representação estudantil, o GEMC (Grêmio Estudantil do

Colégio Municipal), que deveria “coordenar, em entendimento com a Diretoria do

estabelecimento, as atividades extracurriculares do corpo discente, exclusivamente de caráter

cívico, cultural e desportivo”,306 sendo- lhe vedado qualquer ação de representação,

manifestação ou propaganda de caráter político, bem como promover ou apoiar ausências

coletivas aos trabalhos escolares. A proibição de quaisquer manifestações de caráter político

estendia-se a todo o corpo docente, técnico e administrativo do Colégio.

305 Em 1968, as atribuições da Junta Administrativa foram transferidas para o Departamento de Ensino Médio da Secretaria Municipal de Educação e Cultura. O curso superior do IMACO foi transformado em Autarquia, Faculdade Municipal de Ciências Econômicas, pelo decreto nº 1482, que definiu a sua destinação e instituiu a taxa escolar. 306 BELO HORIZONTE. Decreto nº 1805, de 15 out. de 1969. Art. 98. s/p, Letra a.

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Nas lembranças dos depoentes, a ruptura de 1964, com todas as mudanças acarretadas

no plano nacional e municipal, não modificou significativamente o cotidiano da escola.

Rememorando este período, Onofre Gabriel de Castro destaca as relações do “mundo

civil” com o “mundo militar”:

“No plano político, as dificuldades dos militares com o mundo civil [...] nós chegamos a ter quatro, até seis professores do Colégio Militar. Mas que obedeciam ao Colégio Municipal em primeiro lugar. Isso amaciou o relacionamento do militar com o Colégio, porque nós tínhamos seis capitães, coronéis e tenentes, militares, professores de História, Química, professor de Física, Biologia. Isso então fez do Colégio um lugar muito paciente, muito tranqüilo, esse relacionamento do mundo político com o mundo militar...”. 307

No depoimento de José Ernesto Ballstaedt,

“...Quando veio a revolução, ela se incluiu no cotididano da Universidade, houve intervenção na Universidade, depois houve cassação, mas no Colégio Municipal, isso não houve, não houve muito esse problema... Mesmo com esses militares lá dentro, alguns até fazendo parte de comissão de inquérito e tudo mais, a vida do Colégio não se alterou de maneira nenhuma...

... Eu me lembro que eu dava aula no curso de Formação de professoras [...] o livro que eu adotava estava numa exposição de livros subversivos, ‘Aspirações Nacionais’ do José Honório Rodrigues [...].Esse eu acho que foi um fato importante”. 308

Nas palavras de Wânia: “dentro da escola, foi normal, seguimos o nosso curso

normal...”.309 Como nas lembranças de Andy, “...nós éramos adolescentes. A gente tinha

outros interesses... Nós não conversávamos sobre aspectos políticos [...]. Eu não me lembro

de ter tido notícia disso, pelo menos, no turno da manhã”.310

No relato de Wânia, havia muita “vigilância”, “pouca liberdade”:

“Nós éramos vigiadas no ponto de ônibus, nos arredores da escola. Tinha dona L. que nos vigiava, com medo da gente ter contato com rapazes de namoro. Era proibido namorar nos arredores da escola. Imagina beijar? Conversar, era proibido, muito vigiado. O Colégio, nesse ponto, não dava liberdade nenhuma para a gente... Namorar, impossível. Tinha de namorar escondido. Várias pessoas namoravam escondido, mas dentro do IAPI, mas nas vias públicas era difícil. Sempre tinha olheiro, olheiro para todo o lado. Então, a gente era denunciado na escola e imediatamente chamada na sala da diretoria...

Até finais da década de 60, em meio às marchas e contra-marchas dos acontecimentos

nacionais e locais, comparado ao antigo Ginásio do Parque Municipal, as finalidades do

Colégio Municipal, destinado a tornar os estudos secundários ao alcance de pessoas pobres ou

sem recursos, haviam se modificado, principalmente pela diversificação de seu alunato.

307 Entrevista concedida por Onofre Gabriel de Castro em Belo Horizonte, 20/05/2000. 308 Entrevista concedida por José Ernesto Ballstaedt em Belo Horizonte, 22/05/2001. 309 Entrevista concedida por Wânia Cristina Fiorita Pereira em Belo Horizonte, 24/05/2001. 310 Entrevista concedida por Andy Petroianu em Belo Horizonte, 12/01/2001. Ex-aluno. Médico.

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A estrutura física, administrativa, pedagógica, haviam se consolidado, através dos seus

vários Regimentos internos. A “tônica” do Colégio, no relato do depoente Durval, “era a

formação geral do aluno, para enfrentar todo o tipo de ensino que encontrasse pela

frente”.311

Em 1969, completando vinte e um anos de existência, comemora-se a “maioridade” do

Colégio Municipal. Várias solenidades marcaram o evento. Entre elas, um jantar

comemorativo, em que compareceram professores, autoridades civis e militares, membros da

Câmara Municipal e repórteres. Vários oradores discursaram, enaltecendo a importância do

Colégio Municipal na formação dos jovens belo-horizontinos.

O prefeito Souza Lima destacou as transformações que os alunos experimentavam na

sua passagem pelo Colégio Municipal, levando-os a prosseguir os seus estudos no curso

superior, ou exercendo as mais diversas profissões. Para o prefeito, o “excelente padrão de

ensino” do Colégio Municipal devia-se à competência de sua direção, à congregação,

composta de mestres verdadeiramente vocacionados para o magistério, muitos dos quais

professores universitários, e à tradição do recrutamento de professores por concurso, que

assegurava a escolha dos mais qualificados. A autonomia era outro fator importante, somada à

atenção que lhe era dispensada por parte do poder público.312

Nesta ocasião, Souza Lima referiu-se ao Colégio Municipal como um estabelecimento

de ensino “exemplar” e “singular”. Lembrou que a abrangência dos cursos – ensino médio,

pré-primário, primário, admissão, ginasial, científico, clássico, formação e datilografia –

levara, certa feita, o professor Artur Versiani Veloso, a denominá- lo de “Universidade de

Santo André”, referência ao bairro do mesmo nome. Souza Lima ressaltou que diversos

alunos formados no Municipal achavam-se matriculados em universidades da França, Suíça,

Estados Unidos e outros países, testemunhando o excelente padrão de ensino ministrado pelo

estabelecimento de ensino.313

Mas o Colégio Municipal tomaria novos rumos, com a mudança da sede para o ex-

Colégio Marconi e as mudanças educacionais acontecidas.

311 Entrevista concedida por Durval Antônio Pereira em Belo Horizonte, 10/01/2001. 312 INFORMATIVO DO COLÉGIO MUNICIPAL. p. 3. 313 Idem, loc. cit.

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3.3.5. A “maioridade” do Colégio Municipal e o início de uma nova fase nos

anos 70.

Depois de vinte e um anos instalado na área periférica, achavam-se em andamento as

providências para transferir a sede do Colégio Municipal para o prédio do ex-Colégio

Marconi. 314 A mudança resultou de uma questão política entre o poder público e a Associação

Beneficente Italiana, questão que garantiu à prefeitura a posse do prédio, à restauração da

construção que achava-se completamente deteriorada e à sua excelente localização. Como

relata Henrique Morandi:

“Como se tratava de um prédio muito bom, um dos mais importantes prédios, que hoje está tombado, um prédio de uma construção soberba para a época, é claro que a prefeitura, para aproveitar essa infra-estrutura completamente pronta, transferiu a sede do Colégio Municipal para o Marconi, e o Marconi passou a ser colégio municipal.

Então, as razões dessa mudança de sede: primeiro, pela qualidade do prédio; segundo, pelo ponto que é muito importante, extraordinário para a educação de Belo Horizonte, e, depois, porque a interferência política ajudou bastante”.315

No depoimento de Onofre Gabriel, nesse momento, o Colégio Municipal começa a

passar por uma transformação:

“É nesse ponto que nós vamos encontrar o Colégio Municipal voltado para uma zona classe A, uma fuga às classes menos favorecidas. O Colégio Municipal recebeu uma carga enorme de alunos de classes mais favorecidas, seja pela situação geográfica do Colégio Marconi, seja pela herança também pelos velhos destinos do Colégio Marconi. O Colégio Marconi, colocado ali na Contorno, bairro Gutierrez, era uma zona profundamente diferenciada da zona carente da Lagoinha. Aí, você começa a ter a transformação do Colégio Municipal, já atendendo classes não pretendidas no plano inicial”.316

A orientação de ensino seguida pelo Colégio Municipal foi implantada no Colégio

Marconi. Como lembra o depoente Syllas, “a filosofia ainda era a filosofia de maior rigor

disciplinar”.317

314 O Colégio Marconi foi fundado em Belo Horizonte sob os auspícios do regime fascista de Mussolini e com apoio da colônia italiana que tinha elementos de grande destaque na sociedade da capital. O empreendimento foi patrocinado pela Casa de Itália, que conseguiu o aforamento do terreno, cedido pela Prefeitura. Foram seus diretores o próprio adido cultural da Itália, o professor Vincenzo Spinelli, o professor Brás Pellegrino e, posteriormente, o professor Artur Versiani Veloso. Com o fim da 2ª Guerra e a extinção da Casa de Itália, a Sociedade Italiana de Beneficência e Mútuo Socorro requereu a posse do imóvel. A retomada do imóvel pela Prefeitura ocorreu após uma longa pendência judicial, que durou mais de vinte anos, e que se encerrou somente em 1973, com o reconhecimento do direito da Prefeitura sobre o imóvel. O prédio do ex-Colégio Marconi já estava então ocupado pelo Colégio Municipal. CF. SILVEIRA NETO., p. 32-34. História do Colégio Municipal. 1948-1973 315 Entrevista concedida por Henrique Morandi em Belo Horizonte, 20/06/2000. 316 Entrevista concedida por Onofre Gabriel de Castro em Belo Horizonte, 20/05/2000. 317 Entrevista concedida por Syllas Agostinho Ferreira em Belo Horizonte, 04/08/2000.

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Nessa mudança, a direção das duas unidades ficou sendo exercida pelo professor

Guilherme. O Colégio Municipal de Belo Horizonte passou a ser o “anexo” São Cristóvão, e a

sede, o Colégio Municipal Marconi. No relato de Durval, nos primeiros anos, o São Cristóvão

continuava a ser uma grande escola, mas depois passou a ter um certo distanciamento entre a

sede e o “anexo”:

“...chegava-se no São Cristóvão, parecia estar numa escola diferente, porque a presença do diretor geral para dar-lhe a sua marca diminuiu [...]. O Colégio Municipal sofreu assim, não digo, uma interrupção, mas um desvio de rota[...] apagou um pouquinho o brilho do Colégio Municipal, a ponto, inclusive, do segundo grau desaparecer no São Cristóvão”.318

No contexto da política municipal, como visto, a mudança da sede inseria-se na

orientação do governo Pieruccetti de ampliar a rede física, de forma a garantir a continuidade

do ensino primário ao ginasial. Conforme determinava a Lei n. 5.692, a obrigatoriedade

escolar era ampliada para a faixa etária que vai dos 7 anos 14 anos, sendo que o 2º grau

deveria ser, predominantemente, voltado para a qualificação para o trabalho, criando-se,

portanto, os cursos profissionalizantes.

A grande ruptura na estrutura do Colégio Municipal deu-se em função da implantação

do projeto educacional implícito na Lei n. 5.692, suprimindo-se, no Colégio Municipal de

Belo Horizonte e no IMACO, o tradicional exame de seleção, ao criar uma escola única de 1º

e 2º graus.

Para Pieruccetti, o “alcance social do projeto era quase incomensurável”,

possibilitando o acesso ao estudo a milhares de crianças que teriam, ao lado do ensino

acadêmico, a necessária habilitação para o trabalho. A escola pública deixaria de “ser seletiva

para ser instrumento de promoção social”.319

Uma pequena estrofe, na época, resumiu, nas palavras do prefeito, as grandes

mudanças que abriam uma nova fase no ensino municipal:

“É o ensino que se democratiza. É a mão-de-obra melhor que se prepara. É a renda per capita que deverá subir. É o desenvolvimento social que se apressa”.320

Em muitas escolas, as aulas voltadas para a habilitação profissional, pela falta de uma

infra-estrutura material, continuaram teóricas e sem nenhuma aplicabilidade prática, ainda

mais porque muitos professores não estavam devidamente preparados para a inovação. No

Colégio São Cristóvão, instalaram-se salas de técnicas comerciais, industriais e a chamada

318 Entrevista concedida por Durval Antônio Pereira em Belo Horizonte, 11/01/2001. 319 BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1972. Seção A-I, s/p

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“educação para o lar”. No relato de Durval, o “São Cristóvão chegou a desenvolver esta parte

profissionalizante de forma mais acentuada do que o Marconi, que não se afastou muito de

sua orientação tradicional de ensino, mais voltada para uma formação geral”.321

Nesta fase, começou o encaminhamento automático dos alunos das escolas municipais

primárias para os Colégios que tinham o 1º grau. A maioria dos alunos que vinham de escolas

situadas em bairros populares dirigiram-se para o “São Cristóvão”. Houve, então, uma

“popularização” do ensino, uma “queda no nível de ensino”, que exigiu da direção e dos

professores um grande trabalho, no sentido de se evitar o excessivo número de reprovações.

Como lembra Durval,

“Quando tivemos esse encaminhamento automático das escolas municipais, não havia meios do professor trabalhar com o mesmo nível de ensino [...]; a clientela recebida exigia modificações na condução do processo de ensino [...] e chegou-se mesmo a discutir uma escolha de professores, com mais habilidade para trabalhar com esses alunos...

... A lei falava que o aluno tinha direito ao ensino gratuito até a idade dos 14 anos, e eu mantive isso. Então tinha aluno de 13 anos repetindo a série três vezes, sem ser mandado embora.”322

As dificuldades que se apresentavam na educação municipal devem ser vistas no

interior das transformações que estavam acontecendo ao longo da década de 70. Grandes

impasses educacionais se apresentaram, com a crescente privatização do ensino, o predomínio

do tecnicismo pedagógico, e os problemas decorrentes da implantação de um ensino

profissionalizante obrigatório. O 2º grau acabou sendo descaracterizado, impedindo que os

alunos adquirissem conteúdos escolares necessários à vida urbana e a uma maior participação

política, além do que as classes médias continuavam a aspirar um ensino voltado para o

ingresso na Universidade. Como pano de fundo das iniciativas e debates educacionais não

podem ser esquecidas as discussões entre o autoritarismo e o não-autoritarismo que

caracterizaram a década.

As circunstâncias, agora, eram bastante diferentes daquelas em que o antigo Ginásio

Municipal havia sido criado. As lembranças retornam às origens do Colégio Municipal:

“... Existiam várias escolas particulares ou religiosas consideradas de bom nível, mas o seu corpo docente, em maioria, era integrado por religiosos, padres ou freiras. O número de professores civis era pequeno e o ensino tinha como fundamento básico a formação religiosa.

Neste particular, neste conjunto, o Municipal e o Estadual se projetavam na preparação geral e até para a universidade [...]. Eram colégios (os particulares) que não tinham o nível do Estadual e do Municipal...

320 Idem. loc. cit. 321 Entrevista concedida por Durval Antônio Pereira em Belo Horizonte, 10/01/2001. 322 Entrevista concedida por Durval Antônio Pereira em Belo Horizonte, 10/01/2001.

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A classe média tinha que ter na universidade a sua salvação; então, tinha que ir para o Municipal e o Estadual... Esse é um detalhe que não pode ser esquecido...”.323

Um detalhe a mais, muitos detalhes, eis o que são as lembranças, como diz Certeau. 324

Estranha é a mobilidade da memória que não tem lugar fixo. No vai-e-vem das

lembranças por tempos e espaços diferenciados, estes elementos “a mais” aproximam a

história reconstruída e a história vivida do Colégio Municipal, decifrando o que somos à luz

do que não somos mais.

323 Idem. 324 CERTEAU, M. A invenção do cotidiano; artes de fazer, 1990.

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Considerações Finais

A metodologia de pesquisa adotada neste trabalho, baseando-se na complementaridade

de documentos escritos e fontes orais, propiciou a reconstrução da trajetória do Colégio

Municipal de Belo Horizonte, levando em consideração tanto os aspectos históricos globais e

locais, quanto as versões individuais e subjetivas dos atores que vivenciaram esse processo.

Por um lado, lembrando Levi, focalizar o particular não significa abandonar os

“sistemas normativos” mais gerais, uma vez que há uma relação entre os espaços e as

inconsistências internas que fazem parte destes sistemas e a liberdade de ação dos

indivíduos.325 No nível do individual e do subjetivo, por sua vez, encontram-se elementos que,

muitas vezes, não foram capturados pelos poderes institucionais, e nem pelos sistemas

normativos. Nesse sentido, o trabalho com relatos orais é um caminho altamente

compensador, porque alarga a perspectiva do pesquisador.

A incorporação do particular e do “vivido”, entretanto, como mostra Zilda M. G.

Iokoi, tem como desdobramentos necessários o nível do “refletido”, ou seja, a intelecção

sobre o acontecimento, e o “concebido”, a produção historiográfica para que o próprio vivido

ganhe historicidade.326 Diante dessas considerações, cabe, por fim, uma tentativa em articular

os vários níveis em que se deu a reconstrução da história do Colégio Municipal, tendo em

vista o particular e o geral, o indivíduo e a sociedade.

Quanto ao primeiro aspecto, verifica-se que as raízes da criação e organização da

primeira escola pública municipal encontram-se em um conjunto de circunstâncias históricas

globais e locais, que remontam à Revolução de 1930, ao Estado Novo e ao processo de

(re)democratização do país, no período pós-45.

Ocorrendo em 1948, numa fase de transição, em que os ideais liberais emergiam em

meio ao declínio do pensamento autoritário, a criação e a organização do Ginásio Municipal

refletem as ambigüidades próprias do período. Por um lado, achavam-se em vigência as

diretrizes educacionais definidas pelo regime Vargas, consubstanciadas nas Cartas

Constitucionais e reformas educacionais empreendidas pelo ministério Francisco Campos e

por Gustavo Capanema, entre 1931 e 1942; por outro, a Constituição de 1946, principal

instrumento da volta ao Estado de direito e (re)democratização do país.

325 LEVI, G. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter. A escrita da história, novas perspectivas, 1992. 326 IOKOI, Z.M. G. . Cotidiano e Cotidianidades: novos paradigmas no ensino da história. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, p. 467- 479.

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É desnecessário voltar a toda a legislação que passou a reger a educação nacional, já

que, como foi visto, esta resultou numa profusão de leis, regulamentos, normas e rotinas,

visando mais o controle do que a ampliação do sistema de ensino. É importante, todavia,

destacar o sentido atribuído ao ensino secundário e à educação em geral, durante o período

varguista.

Conforme entendia Francisco Campos, o ensino secundário devia ter uma função mais

ampla do que preparar candidatos ao ensino superior, assumindo um caráter “eminentemente

educativo”, que consistia no “desenvolvimento das faculdades de apreciação, de juízo e de

critério, essenciais a todos os ramos de atividade humana, e, particularmente, no treino da

inteligência em colocar os problemas nos seus termos exatos e procurar as suas soluções

mais adequadas”, tendo por fim “a formação do homem para todos os grandes setores da

atividade nacional”.327 Enfatizando as matérias destinadas à cultura geral no 2º ciclo, as

propostas visavam remodelar a educação, da qual dependia não apenas o destino da cultura

moral e intelectual, mas o desenvolvimento econômico e o crescimento do país.

Nos termos da Carta de 37, o primeiro dever do Estado era o ensino pré-vocacional e

profissional destinado às classes menos favorecidas, cabendo- lhe ainda preparar a juventude

para cumprir suas obrigações para com a defesa da Nação e a economia. Desta forma, a escola

se “integra no sentido orgânico e construtivo da coletividade”, sendo o ensino “um

instrumento em ação para garantir a continuidade da pátria e dos conceitos cívicos e morais

que nela se incorporam”,328 ao mesmo tempo em que prepara as novas gerações, através da

profissionalização, para a expansão da economia.

Estas mudanças eram tidas pelo Estado como profundamente nacionais e

democráticas, tomando a seu cargo o dever do ensino em todos os graus, em que a gratuidade

de ensino (leia-se do ensino primário) não excluía a contribuição dos menos necessitados para

com os mais pobres, através das caixas escolares.

Na essência, a urbanização e o crescimento do parque industrial, reclamando mão-de-

obra especializada, levaram o governo Vargas a compartimentalizar o ensino médio, de forma

a fornecer ensino profissionalizante às classes menos favorecidas, enquanto o ensino

secundário destinava-se a formar as “individualidades condutoras”, caracterizando o dualismo

educacional, consagrado nas Leis Orgânicas de 1942.

Apesar de serem muitos os obstáculos para a implementação efetiva das reformas

previstas por Capanema, como vimos, a expansão do setor privado da educação e a

327 CAMPOS, F. Educação e cultura , p. 45-47-48. 328 CAMPOS, F. O Estado Nacional e suas diretrizes, p. 49.

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inexistência de vagas suficientes para proporcionar um aumento da escolaridade no país,

sobretudo no nível do ensino secundário, as diretrizes básicas definidas durante o período

Vargas persistiram, até fins da década de 60.

No interior das mudanças que instalavam, pela primeira vez, um sistema nacional de

ensino, o Colégio Municipal de Belo Horizonte evidencia traços que o conformam a um

sistema de ensino que se generalizava para o país como um todo. Equiparado ao Colégio

Pedro II, modelo a ser seguido pelas escolas de ensino secundário, instituíram-se as cátedras,

a Congregação e o cargo de Reitor, organizou-se o sistema seriado, incorporou-se o ensino

das “novas humanidades” às letras clássicas, os currículos dos cursos assumiram uma forte

conotação de cultura geral, formação humanística e cívica, além de se estabelecer uma

diferenciação rígida entre rapazes e moças.

Por outro lado, a Constituição de 1946, mais restrita do que a Carta de 34 que atribuía

à União a tarefa progressiva de fundar e manter escolas secundárias gratuitas, objetivou

ampliar a gratuidade oficial posterior ao primário, somente aos que provassem “falta ou

insuficiência de recursos”. Nesse sentido, antecipando-se às outras esferas do poder público, a

fundação do Ginásio Municipal de Belo Horizonte cobriu uma lacuna aberta pela Carta de

1946, ao criar uma escola de ensino secundário gratuito em Belo Horizonte, possibilitando, de

fato, uma ampliação das oportunidades de acesso à educação.

Isto não significa, no entanto, desconhecer os limites da experiência democrática

iniciada no país.

Amplos setores da população ficaram fora da escola, pela insuficiência de vagas. Os

exames de admissão, por exemplo, eram um verdadeiro problema para as crianças que não

conseguiam entrar nas escolas de nível médio aos 11 anos e que, de acordo com a legislação

trabalhista, só poderiam começar a trabalhar aos 14anos. Schwartzman mostra que, na época,

este problema ficou conhecido como o “hiato nocivo”, que poderia conduzir as crianças à

marginalidade.329

Deslocando o foco das dimensões mais gerais, e centrando-o nas condições concretas

da cidade, que este trabalho procura enfatizar, a criação do Ginásio Municipal representa mais

do que o cumprimento de um preceito constitucional. Pela primeira vez, o município assume a

função educativa, e o faz em circunstâncias bastante específicas. A urbanização e

industrialização de Belo Horizonte nos anos 40 e 50, o crescimento da população e suas

demandas sociais e a realização das primeiras eleições municipais em 1947 demonstram que

não se poderia mais ignorar o fenômeno do aparecimento progressivo das massas no cenário

329 SCHWARTZMAN, S. et al. Tempos de Capanema , p. 189.

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da cidade. Ao mesmo tempo em que o “apelo” às massas foi um recurso à legitimidade dos

governantes, como Ângela de Castro Gomes chama a atenção, não se pode falar simplesmente

em “manipulação”, uma vez que a política populista que caracteriza o período, foi também

um caminho de acesso e de reconhecimento dos interesses dos setores populares.330

Nos primeiros anos de governo autônomo em Belo Horizonte, coube ao poder público

como claramente expõe o governo Negrão Lima, atuar no ensino encarando-o como um

“problema social”, em que os aspectos assistenciais não podiam ser esquecidos, e essa

tendência esteve presente na maioria dos governos posteriores, sobretudo no cuidado com a

assistência médica e odontológica aos alunos e na manutenção das cantinas escolares.

Outro aspecto importante nestes primeiros anos é a definição do campo específico da

educação e da cultura, no governo Giannetti, e a iniciativa de introdução do ensino

profissionalizante no sistema de ensino municipal, através da criação da ETMC (Escola

Técnica de Comércio Municipal), em decorrência do processo de urbanização/terceirização

das atividades econômicas de Belo Horizonte.

A partir de meados da década de 50, como analisado, no contexto do nacional-

desenvolvimentismo, predominou a concepção de “educação para o desenvolvimento”, em

que a escola devia incentivar o ensino técnico-profissionalizante, de forma a preparar os

recursos humanos necessários à industrialização e modernização da economia, orientação esta

retomada após 64, desta vez, adequada ao projeto autoritário de crescimento econômico e

internacionalização da economia. Ainda assim, neste período, predominaram no Colégio

Municipal as tendências de cultura geral, formação humanística, “preparação humanística”

como se dizia então, e formação cívica, que caracterizaram os projetos iniciais no antigo

“Ginásio”.

O ensino secundário comportava, desde a reforma Francisco Campos, disciplinas

especializadas no 2º ciclo, sem dispensar as matérias destinadas à cultura geral. É digno de

nota, nesse sentido, que o Colégio Municipal conjugou a formação geral com a orientação

profissional, não só na organização das disciplinas nos currículos, mas realizando, pela

primeira vez, testes vocacionais com alunos de curso secundário.331

As mudanças em direção a um ensino predominantemente profissionalizante são mais

sensíveis a partir do governo Souza Lima, quando começam a ser implantadas as normas da

reforma do ensino médio, e da introdução de um 2º grau totalmente voltado para a formação

profissionalizante, em 1971.

330 GOMES, A. C. A política brasileira em busca da modernidade: na fronteira entre o público e o privado. In: NOVAIS. F. (org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea, 1998. 331 Cf. BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito, 1957.

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As escolas públicas submetidas a esta lei enfrentaram dificuldades técnicas, materiais

e financeiras para a sua implantação. De fato, a proposta de profissionalização obrigatória no

2º grau fracassou, e não foi apenas por estes limites. O próprio processo de “abertura

política”, que se inicia após 1974, pôs em questão as atitudes e os planos educacionais dos

governos militares autoritários; além disso a “educação para o desenvolvimento”, favorecendo

a capacitação técnica de trabalho especializado, não correspondeu aos rumos que o processo

de desenvolvimento do capitalismo tomou posteriormente. A criação de pólos industriais

avançados, possuidores de tecnologia de ponta e maquinaria moderna, não absorveu os

trabalhadores que haviam adquirido, na escola, uma suposta formação profissional. É

compreensível que, alguns anos mais tarde, o governo Figueiredo tenha extinto, de vez, a

profissionalização obrigatória no 2º grau.

As primeiras incursões na trajetória do Colégio Municipal atestam que o poder público

atuou em todas as fases do desenvolvimento da instituição, através dos Regulamentos e da

criação de um aparato burocrático que tinha na estrutura da Secretaria Municipal de Educação

e Cultura uma divisão especial ocupada pelo Colégio Municipal, ao mesmo tempo em que

fez-se presente em atividades cotidianas da escola, como festas e comemorações.

A participação do Estado por si só não contempla a dimensão histórica do Colégio

Municipal, e nem atende à sua natureza de lugar. Nesse sentido, é pertinente lembrar,

conforme Aspásia Camargo, que as fontes orais não são apenas fontes informativas, mas

instrumentos de compreensão do significado da ação humana e de suas relações com a

sociedade, com as redes de sociabilidade, com os processos macroestruturais, ambiente dentro

do qual atores e personagens tecem a grande trama da história humana. 332

Voltado para os setores populares e médios da população, o Colégio é o espaço onde

interagem alunos, funcionários, professores e direção, atores que gozam de uma relativa

autonomia na apropriação de regras e normas emanadas do poder público. Neste sentido,

pode-se falar no Colégio Municipal como “construção social”. O espaço escolar tem a sua

especificidade e independência, fragmentando-se internamente em uma variedade de usos e

funções de índole produtiva, simbólica e disciplinária. Não é jamais neutro, senão “signo,

símbolo e sinal da condição e relação daqueles que o habitam”, daí a sua conversão em

lugar.333

Mais do que práticas e relações sociais que caracterizam um lugar, os depoimentos

orais demonstram significados e valores veiculados e atribuídos ao Colégio Municipal. A

332 ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC , 1990. 333 FRAGO, A. V. Historia de la educación e historia cultural: posibilidades, problemas, cuestiones. Revista Brasileira de Educação. p. 69.

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memória dos alunos, neste aspecto, é mais viva, mesmo quando a permanência na escola deu-

se por poucos anos. Todos os depoentes foram unânimes em destacar a importância do

Colégio em sua vida profissional e pessoal, como pode-se verificar pelos trechos que se

seguem:

“O Colégio Municipal realmente, hoje, é o meu patrimônio afetivo...”(Wânia Cristina Fiorita Pereira)

“Nós amávamos o Colégio Municipal, mesmo sendo jubilado, mesmo sendo um péssimo aluno, amávamos o Colégio Municipal.” (Wécio Lott)

“... Ali foi a continuidade da minha família... Eu encontrei proteção, educação em todos os níveis, alegria de convivência, normas, disciplina...”(Marina de Andrade)

“... A responsabilidade civil, sob uma base de auto-estima muito grande e conhecimento, exercer uma cidadania consciente, eu acho que essa foi a marca do Colégio”. (Josemar Otaviano de Alvarenga)

“... O municipalino não é submisso, o municipalino não é opressor também não. Ele é um respeitador de normas, de hierarquias...” (Josemar O. de Alvarenga)

“Dificilmente algum aluno teria mais orgulho de ter sido aluno do Colégio Municipal do que eu. Tenho grande orgulho, tenho grande amor pelo Colégio até hoje”. (Andy Petroianu)

“...Poucas são as pessoas que não têm uma formação superior hoje. No vestibular, passava praticamente todo mundo, todo mundo”. (Levi da Conceição Ferreira)

“Quando você falava que estava no Colégio Municipal, todo mundo te respeitava.” (Levi da C. Ferreira)

“...Muitas vezes, o aluno passava algum problema extra-classe e o professor ajudava, quer dizer, a gente tinha confiança no professor.” (Isidoro Coelho Linhares)

“...Na minha percepção, eu acho que o Colégio Municipal e, provavelmente, o Estadual, como escolas públicas, têm um papel de formação de lideranças e de quadros para a sociedade brasileira, similar ou equivalente ao que foi o Caraça mais antigo”. (Carlos Afonso Rêgo)

Para além das articulações feitas entre o geral e o particular, o entrecruzamento de

documentos escritos e fontes orais, como recurso metodológico, permite que sejam feitas

algumas relações entre as experiências subjetivas e individuais e o contexto social a que

estavam submetidas. Neste sentido, não se pode buscar uma padronização dos relatos, uma

vez que uns podem se contrapor, esclarecer ou complementar outros; justamente aí reside a

riqueza das entrevistas orais. A diferença nos relatos indica que pertencemos a muitos grupos,

mas a lembrança é sempre individual, daí, a multiplicidade de versões e visões que emanam

dos atores sociais.

Os depoimentos orais derivam de um lugar específico, de um tempo específico e de

uma herança cultural específica; isto significa que são diferentes e podem mudar, o que não é

negativo, uma vez que o passado e o presente estão sempre abertos a novas interpretações. A

memória envolve um processo contínuo de reconstrução e transformação das experiências

lembradas e, em conseqüência, a história, calcada na memória, pode ser constantemente

reescrita.

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De um ponto de vista mais psicológico, por outro lado, Alistair Thomson chama a

atenção para o fato de que as confusões, as omissões, as contradições põem em evidência a

tensão que existe entre uma experiência vivida e a lembrança dessa experiência ou de um

evento. As histórias que relembramos não são representações exatas de nosso passado, mas

tentativas de compô-las de forma que se ajustem às nossas identidades e aspirações atuais.334

Trabalhar com vários relatos implica ter em mente esses pressupostos. Há que se

cuidar, entretanto, de não fragmentar tanto o objeto, a ponto de ser impossível visualizar os

vínculos entre o vivido e o cotidiano e a sociedade como um todo.

A articulação entre o individual e o social, na reconstituição histórica do Colégio

Municipal, pode ser feita tendo como referência alguns temas surgidos durante as entrevistas,

com mais recorrência.

O grande tema que perpassa toda a trajetória do Colégio Municipal é a questão dos

testes de seleção. Muitos alunos, como os depoentes relatam, não foram submetidos a estes

testes. A consideração dos aspectos econômico-sociais flexibilizava o acesso à escola, sendo,

portanto, um diferencial, que possibilitou a escolarização de inúmeros alunos que não

passavam pelo crivo da seleção dos mais “capazes”.

A supressão dos testes de seleção e o encaminhamento automático dos alunos, a partir

de 1972, colocou em xeque os processos de ensino e aprendizagem, frente à “popularização”

do Colégio. Paradoxalmente, do ponto de vista do poder público, o fim dos testes de seleção

representou um “instrumento de promoção social”,335 quando não havia condições objetivas

para uma escola “democrática”, num momento que a educação se adequava a um projeto

político e de desenvolvimento econômico, identificado com as grandes mudanças ocorridas

após 1964.

A gratuidade é outro tema. Mesmo numa época em que havia a figura híbrida do

ensino público “pago”, como afirma Bosi, pelas contribuições voluntárias dos alunos que não

se enquadravam na condição de “pobres e sem recursos”,336 e ainda que o mecanismo das

bolsas de estudo fosse prática corrente, subsidiando a escola privada, a gratuidade foi

apropriada pela comunidade escolar, e o Colégio Municipal foi considerado uma escola

inteiramente gratuita. Embora esta fosse a posição corrente, houve, entre os professores, quem

jamais considerasse o ensino público gratuito na época, visto que era sustentado pelo conjunto

da população, através do pagamento de impostos. Na realidade, como foi mostrado, a

334 THOMSON, A. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a história oral e as memórias In: Projeto História, 1997. Debate. 335 Cf. BELO HORIZONTE. Relatório de Prefeito. 1972, Seção A-I, s/p. 336 BOSI, A. A educação e a cultura nas constituições brasileiras, 1986.

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gratuidade era uma bandeira de luta defendida pelos setores mais progressistas da sociedade.

Entre os alunos, um dos depoentes lembra que:

“Essa bandeira, para nós, era mais uma manifestação de solidariedade, porque não era um problema nosso, enquanto alunos do Colégio Municipal. Quem defendia o ensino gratuito, defendia por uma razão ideológica, em geral, a partir dos movimentos que estavam fora da escola”.337

O tema da qualidade do ensino no Colégio Municipal é outra unanimidade nos relatos

dos entrevistados, e está relacionado diretamente à qualidade dos professores.

Vale lembrar que, sobretudo na década de 50, houve uma busca generalizada pela

escola, resultando numa expansão quantitativa do ensino, com o aumento das unidades

escolares, professores e número de matrículas. Muitos estudos têm enfatizado, na análise

educacional pós-30, a polarização qualidade x quantidade, em que a primeira não poderia

existir sem a segunda, pela inexistência do acesso universal à escola, pelos altos índices de

reprovação e evasão escolar.338 Esta é uma ampla discussão, que excede os objetivos deste

trabalho. No caso do Colégio Municipal, as estatísticas oficiais e as informações obtidas

através dos relatos orais certamente ofereceriam dados para uma análise mais cuidadosa deste

aspecto.

Atendo-me ao conteúdo das memórias, a questão da qualidade do ensino deve ser vista

no contexto da época, em que se debatia intensamente os rumos da sociedade brasileira, o

papel da educação e a função dos intelectuais nesse processo. Uma grande parte dos

educadores que atuaram nas décadas de 50 e 60, não só defendia uma escola pública aberta a

todos como um ensino de qualidade. Não se tratava apenas de criar uma escola pública de

qualidade, mas de mostrar até onde se poderia chegar, com o compromisso de intelectuais

nela engajados.

Um dos fatores que contribuíram para a qualidade do ensino, como demonstram os

depoimentos, foi a interseção entre o Colégio Municipal e a Universidade Federal de Minas

Gerais, permitindo um fluxo de idéias entre a escola de ensino secundário e a Universidade

pública. Como lembra o depoente Carlos Afonso: “...a esse respeito, acho eu que vale a pena

dizer que havia uma grande interseção do corpo docente do Colégio Municipal com o corpo

docente da Faculdade de Filosofia da UFMG. Isso dá, assim, qualidade”.339

337 Entrevista concedida por Tomaz Aroldo da Mota Santos em Belo Horizonte, 18/01/2001. 338 Cf. RIBEIRO, M. L. S. História da educação brasileira: a organização escolar, 1987. 339 Entrevista concedida por Carlos Afonso Rego em Belo Horizonte, 16/01/2001.

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Enfim, havia entre os educadores a concepção do ensino público como padrão de

excelência e, o que é mais relevante, esta idéia coadunava-se com uma formação ao mesmo

tempo exigente e generosa. Talvez tenha sido esta a grande utopia da época.

Outro fator que concorreu para a qualidade do ensino foi a autonomia do Colégio

Municipal: “...essa autonomia do Colégio Municipal foi a sua maior arma, a sua maior força

e o elemento de grande projeção de seu nome...”,340 mesmo em determinados momentos de

visível interferência externa dentro da Escola, através dos famosos “cartões” de pedidos de

vagas, por políticos que se serviam deste recurso para angariar votos nas eleições municipais

e, até mesmo, estaduais.

Uma última consideração diz respeito, especificamente, aos memorialistas. Como

observa Marilena de Souza Chauí, acaba-se por acostumar com eles, individualizando-os em

nossa memória e partilhando de suas emoções.341 As memórias são povoadas de nomes: há

nomes que ficam para nós, e nomes que ficam para eles. Este é o ponto mais significativo da

história oral: “... nessa história, como no Gênese, o mundo é criado pelo ato que o nomeia”. 342

É interessante observar os parágrafos que se convertem em nomes, e os nomes retidos.

Foi somente sob este ponto de vista que achei possível abordar um aspecto importante

do Colégio Municipal, que é a direção. Em todas as fases do Colégio Municipal, a direção foi

considerada pelo poder público como a única intermediária entre a escola e a prefeitura. As

poucas funções atribuídas ao Reitor, nos primeiros anos do Ginásio, foram sendo cada vez

mais ampliadas, atingindo uma variedade enorme de atribuições no Regulamento de 1969.

Um dos depoentes referiu-se, genericamente, aos diretores do Colégio como “diretores de

paixão”:

“Os diretores do Colégio Municipal sempre foram diretores de paixão. Todos.

...Desde o Pe. Taitson, que foi o primeiro diretor fundador... O professor Guilherme de Azevedo Lage, foi a vida dele completamente entregue ao Colégio... Todos os diretores, o Syllas, o Durval, o Januário, foram diretores de paixão... A gente esquece alguns nomes. Mas todos de paixão. Por que isso? Porque o diretor podia fazer as coisas que ele tinha vontade de fazer como educador. Ele podia tomar iniciativas, ele tinha autonomia de trabalho...”.343

Concordando com Ecléa Bosi, quando ela analisa a memória pública de seus

depoentes, não importam, nesse momento, as clivagens ideológicas, ou pontos de vista, que

340 Entrevista concedida por Durval Antônio Pereira em Belo Horizonte, 10/01/2001. 341 BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos, 1987. 342 Ibidem. p. XXVII. 343 Entrevista concedida por Henrique Morandi em Belo Horizonte, 20/06/2000.

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vão destilando o passado.344 Deparamo-nos, antes de tudo, com indivíduos reais, que ligam os

fatos a pessoas.

Nesse sentido, entre os muitos nomes retidos, sobressai o de Guilherme Azevedo

Lage, que dirigiu o Colégio Municipal por quase duas décadas. Retorno ao ponto alto desta

história: nomes que ficam para nós, nomes que ficam para os depoentes. Eis o que revelam as

memórias de professores:

“O Guilherme, vamos ser realistas, o Guilherme não era um homem de grandes conhecimentos, não era um humanista. Mas tinha uma marca especial, um carisma especial, que conquistava e dominava, de liderar, um grande líder...”. (Onofre Gabriel de Castro)

“O professor Guilherme tinha uma paixão especial pela educação. Isso ia tão longe e tão profundamente, que até mesmo em dias de feriado, ele podia ser encontrado dentro do Colégio, domingos, sábados à tarde, ele ficava dentro do Colégio, às vezes, sozinho... Era um amaciador de crises. Era um amparo para os menos privilegiados”. (Onofre G. de Castro)

“...A posição ideológica para o Guilherme não era motivo para condenação da pessoa. Pensar diferente não era motivo para condená-lo. Então, neste ponto, ele projetava o Colégio Municipal, e era bem aceito nos meios políticos de direita e de esquerda, se relacionava bem com os jornalistas de todas as categorias, se relacionava bem com os professores, e isso lhe deu essa áurea de uma pessoa correta, íntegra...”.(Durval Antônio Pereira)

“...Ele colocava a ordem de valores dos componentes do Colégio Municipal de uma maneira diferente. Em primeiro lugar, estão os alunos, com prioridade indiscutível; em segundo lugar, os professores; em terceiro, os funcionários; em quarto, a direção. Então, ele dizia que a direção existe para atender os outros três; os funcionários existem para criar condições par o trabalho do professor e do aluno; os professores existem para ensinar o aluno”. (Durval A. Pereira)

“Psicólogo nato, no sentido em que o Guilherme tinha trânsito livre com os alunos e com os professores, não é? Não era característico do Guilherme formalizar uma conversa rígida, disciplinadora com o aluno, de modo que o aluno ficasse com medo de ser humilhado, de modo nenhum. E com os professores também. Ele tratava todo mundo de igual para igual”. (Djalma Teixeira de Oliveira)

“Eu acho que o Guilherme era assim o bom pastor. Ninguém podia se perder. Se o aluno tivesse um defeito, ele levava o aluno, conversava, falava. A primeira vez que ouvi falar em maconha, que apareceu lá no ‘São Cristóvão’, era um aluno só e a gente falava assim: – professor Guilherme! Pelo amor de Deus! Maconha! Manda esse aluno embora! Não, eu vou conversar com ele, vou conversar com a mãe dele, e chamava o menino todo dia, e conversava com ele, sabe?”( Eny da Rocha Maia Gresta )

344 BOSI, E. Op. cit.

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“Um grande diretor, e além de diretor, foi uma criatura assim muito humana para com os alunos, para com as famílias....”. (Maria Yedda Maurício Ferolla)

“...O Guilherme tinha uma qualidade, que eu acho que era a característica melhor dele: a bondade... Ele perdia semanas atendendo esse pessoal que não tinha condição de entrar na escola”. (José Ernesto Ballstaedt)

“Para mim, o Guilherme é uma dessas pessoas que nascem e se impõem”. (Sílvio Todeschi)

Nas memórias dos alunos:

“Eu não tive contato pessoal como professor Guilherme... Ele ficava mais na parte administrativa e resolvia problemas maiores... A gente tinha uma admiração muito grande, um respeito muito grande, porque o Colégio foi o que foi graças exclusivamente a ele. Ele deu as diretrizes, e nós todos sabíamos disso”. (Andy Petroianu)

“O Guilherme era muito sério, muito rígido, né? A lembrança que eu tenho durante o período de Colégio é de ser uma pessoa muito disciplinada, que não deixava que as coisas ficassem ruins e funcionassem mal”. (Eduardo Gonçalves Andrade)

“O Professor Guilherme, para mim, é o equilíbrio. Ele conseguiu simbolizar a própria idéia do Colégio Municipal, que é um triângulo... Ele desenvolvia os três lados: a parte cultural, a de ensino e cultura, e com uma particularidade muito interessante. Era o civismo, o patriotismo, ele desenvolvia muito isso; a parte física, que compõe o crescimento humano e o lado emocional [...]; ele era além de um diretor, um pai”. (Marina de Andrade)

“... O professor Guilherme era uma pessoa, vamos dizer assim, contraditória, né? Porque ele era uma pessoa de forma conservadora... Tinha no Colégio professores que eram notoriamente de esquerda. Quer dizer, eram professores, por exemplo, com militância no Partido Comunista. Um deles é o professor Bicalho, isso era sabido, né? E não era o único. Então, ele era capaz de lidar com uma situação assim... E havia outros que, por outro lado, tinham mais uma história de militância ou proximidade com o integralismo...”. (Tomaz Aroldo da Mota Santos)

“... Ele era uma pessoa extremamente presente... Era uma pessoa, na minha percepção, extremamente tolerante com essa agitação política que acontecia dentro do Colégio. Não havia uma repressão explícita, né? Em algumas ocasiões, ele conversava com a gente, chamando a atenção para alguns procedimentos e algumas ações, mas jamais, pelo menos que seja do meu conhecimento, ameaçou expulsar alguém do Colégio por suas convicções... Agora, era uma pessoa que, em algumas situações, o pessoal considerava meio autoritária. Nesse aspecto, eu acho que ele era um grande ‘paizão’ mesmo, né? ...Compreensivo e tolerante, até certo ponto...”(Carlos Afonso Rêgo)

As lembranças do professor e diretor são de tal forma marcantes nas memórias das

pessoas que o conheceram, que até hoje alimenta-se uma mística em torno dos “tempos do

Guilherme”, tornando-o sempre presente.

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Finalizando, considero necessário retomar as ambigüidades das relações entre a

história e a memória, explicitadas inicialmente nas reflexões de Halbwachs. Entendendo

história como quadro de acontecimentos, Halbwachs opõe- lhe a memória coletiva, como

centro de tradições.345 Nos termos de Nora, igualmente, os dois termos não se confundem:

“A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado, a história a liberta, e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une (...)ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraiza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo”.346

Ao mesmo tempo, é significativo lembrar que, em francês, contrariamente ao alemão,

só há uma palavra para designar a história vivida e a operação intelectual que a torna

inteligível: histoire. O estudo de um lugar como o Colégio Municipal põe em contato uma

memória viva e uma história, que ora se fundem, ora se cruzam, ora se confrontam.

Quando se reaviva a memória histórica, recria-se a identidade de um lugar. Por mais

que a metrópole exacerbe as individualidades e dificulte a construção de sociabilidades, o

indivíduo só se realiza no imbricamento de sua vida a dos outros. O homem precisa de

referências urbanas que se gestam no plano do vivido, porque expressam uma situação de

existência coletiva e pertencimento grupal. São tais referências que reatam os laços do

cidadão com a cidade em processo de constante transformação, e onde tudo é efêmero.

A memória histórica introduz o passado no presente, mas sempre aberta à dialética do

esquecimento e da lembrança, e sujeita às manipulações de grupos e indivíduos que detêm o

poder; por isso, é uma conquista. Se não se consegue mais pensar a partir das utopias

educacionais dos anos 50 e 60, é necessário que os velhos tempos não sejam esquecidos e que

se reafirmem os bons combates pela educação e pelo ensino público.

A reconstituição da trajetória do Colégio Municipal de Belo Horizonte, pondo em

confronto espacialidades e temporalidades diferentes, guarda uma dimensão de utopia. Porque

345 HALBWACHS, M. A memória coletiva , 1990. 346 NORA, P. Entre memória e história; a problemática dos lugares. In: Projeto História, 1993.

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se a memória propicia o convívio do tempo passado com o presente, cabe à utopia o papel

essencial de distanciamento, de projeção daquilo que se pode conceber como mudança, como

futuro.

Como horizonte de esperas, mais do que nunca precisamos de utopias.

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Documentos

Impressos

Livros

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______________. Anuário de Belo Horizonte, Belo Horizonte, ano 1, n.1, 1953.

BARRETO, Abílio. Resumo histórico de Belo Horizonte (1701-1947). Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1950.

______________. Belo Horizonte – Memória Histórica e Descritiva. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1995.

SENNA, Nélson de. O cinqüentenário de Belo Horizonte: 12/12/1947. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1948.

Monografias

SILVEIRA NETO, Honório. Informativo do Colégio Municipal. Belo Horizonte: Colégio Municipal Marconi, 1973.

______________. Colégio Municipal de Belo Horizonte – monografia histórico-informativa. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1962.

______________. História do Colégio Municipal. 1948-1973. Belo Horizonte: Colégio Municipal Marconi, 1973.

Teses

TEIXEIRA, Morse de Belém. A universidade e a educação nacional. Belo Horizonte: UFMG, 1954.

Leis, decretos e Regulamentos

BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Relatórios de Prefeitos: 1947 – 1972.

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BELO HORIZONTE. Lei n.19, de 5 maio de 1948.

BELO HORIZONTE. Decreto n. 26, de 12 de fevereiro de 1949.

BELO HORIZONTE. Lei n. 175, de 20 janeiro de 1951.

BELO HORIZONTE. Lei n. 328, de 9 de março de 1953.

BELO HORIZONTE. Lei n. 313, de 13 de maio de 1954.

BELO HORIZONTE. Decreto n. 1039, de 25 de janeiro de 1963.

BELO HORIZONTE. Decreto n. 1805, de 15 de outubro de 1969.

CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Projeto de lei n. 33/48, de 24 de fevereiro de 1948.

GINÁSIO MUNICIPAL. Regulamento Interno, 1949.

Artigos

CASASANTA, Mário. Os cursos de aperfeiçoamento e os problemas da educação secundária. Kriterion, Belo Horizonte, v. I, n. 1, p. 93-112, jul.ago.set. 1947.

PEDROSO, Tabajara. A geografia, o mestre e o discípulo. Kriterion, Belo Horizonte, v. 3, p. 124-170, 1950.

______________. Ensaio sobre o possibilismo. Kriterion, Belo Horizonte, v. 7, 1954.

QUEIROZ, Amaro Xisto de. Formação do professor do ensino secundário. Kriterion, Belo Horizonte, v. 4, p. 331-341, 1951.

______________. Vocação e Destino das Faculdades de Filosofia. Kriterion, Belo Horizonte, n. 27, v.65, p. 198-206, jan. mar. 1957.

Jornais e Revistas

A BATALHA. Belo Horizonte, p. 5, 1948. Edição organizada por LINHARES, Joaquim Nabuco. Coleção Centenário. 1995.

INFORMATIVO DO COLEGIO MUNICIPAL. Belo Horizonte: Colégio Municipal, n. 6, jun. 1969.

KRITERION. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia de Minas Gerais: Oficinas Gráficas de Velloso & Cia. v. 1, n. 2, p. 1, out. nov. dez. 1947.

O DITADOR. Belo Horizonte, p. 1-4, 1947. Edição organizada por LINHARES, Joaquim Nabuco. Coleção Centenário. 1995.

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REVISTA SOCIAL TRABALHISTA. Belo Horizonte, n. 59, dez. 1947. Edição especial comemorativa do Cinquentenário de Belo Horizonte.

Entrevistas

Material iconográfico

Acervo fotográfico do CMBH

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Anexos

Anexo I: Fontes orais

Andy Petroianu

Carlos Afonso Rego

Dilza Reis

Djalma Teixeira de Oliveira

Durval Antônio Pereira

Eduardo Gonçalves Andrade

Eny da Rocha Maia Gresta

Geraldo Sardinha Pinto

Henrique Morandi

Isidoro Coelho Linhares

José Campos Taitson (Pe.)

José dos Prazeres Ferreira

José Ernesto Ballstaedt

Josemar Otaviano de Almeida

Levi da Conceição Ferreira

Maria Luiza Ramos

Maria Yedda Maurício Ferolla

Marina de Andrade

Onofre Gabriel de Castro

Silvio Todeschi

Syllas Agostinho Ferreira

Tomaz Aroldo da Mota Santos

Virgínia Mascarenhas Morato

Wânia Cristina Fiorita Pereira de Ávila

Wécio Lott

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Anexo II: Roteiro de entrevistas

1. Roteiro para professores:

1.1. A campanha de Otacílio Negrão de Lima e a criação do Ginásio Municipal: como

funcionaram as primeiras aulas; a quem atendia o Ginásio Municipal; quais eram os

critérios de seleção dos alunos; qual era a procedência dos alunos; qual era o

resultado em termos de aprovação e reprovação.

1.2. A transferência do Colégio Municipal do Parque para o bairro Lagoinha: por que

motivo o Colégio foi transferido para o bairro; como eram as relações com a

comunidade do local; como foi organizado pedagogicamente o Colégio; qual era a

concepção de educação corrente; como atuava a Congregação, o que representava o

diretor na Escola.

1.3. Colégio Municipal e poder público: com eram as relações entre o Colégio e o poder

público; percepção das orientações dos diversos prefeitos do período.

1.4. A transferência da sede do Colégio Municipal para o ex-Colégio Marconi

1.5. Igreja, Estado e educação: papel do ensino religioso

1.6. Colégio Municipal e ensino superior em Belo Horizonte

1.7. Conhecimento do momento histórico (1954-1972)

2 – Roteiro para alunos:

2.1. Circunstâncias em que ingressou no Colégio Municipal

2.2.Experiências cotidianas: relacionamento professor/aluno/direção; horas cívicas;

movimento estudantil; esportes; festas; Coral; excursões; teatro.

2.3. Significado do Colégio Municipal na formação pessoal e profissional

2.4. Conhecimento do momento histórico (1954-1972)

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Anexo III – Membros da Congregação

Membros da Congregação ad hoc, designados pelo prefeito Américo Renê Giannetti* :

Português:

Aires da Mata-Machado Filho Cláudio da Silva Brandão

Matemática:

Cristóvão Colombo dos Santos Francisco de Assis Magalhães Gomes

Latim:

côn. Francisco M. B. Sequeira

João Eunápio Borges

Física:

Oromar Moreira

Francisco de Assis Magalhães Gomes

Química:

Francisco de Assis Barcelos Corrêia

Eduardo Schmidt Monteiro de Castro

Ciências Naturais:

José Guerra Pinto Coelho

Eduardo Schmidt Monteiro de Castro

História Geral e do Brasil:

Artur Versiani Veloso

Gerson de Brito Melo Boson

Geografia Geral e do Brasil:

Tabajara Pedroso

Lincoln de C. Continentino

Desenho:

Francisco de Assis Barcelos Corrêia

Fernando Pieruccetti

* Fonte: Belo Horizonte. Portaria n. 478, 16 de jan. de 1954.

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Anexo IV – Relação de Professores

Relação de 1962** dos Professores do Colégio Municipal, diplomados pela Faculdade

de Filosofia da UMG e outras unidades de ensino superior*** :

Amaro Xisto de Queiroz – FF (UMG)

Ana Ataíde Ferreira da Silva – FF e Direito (UMG)

Antônio Cecílio (Pe.) – FF (UMG)

Antônio Pedro Baroni – Escola de Medicina (UFMG)

Ari Rocha – FF (UMG)

Arinos Magalhães – Escola de Farmácia

Artur Fonseca

Astrogildo de Oliveira (Pe.) – Direito Canônico (Universidade Gregoriana de Roma)

Cândido Ubaldo Gonzáles

Cármen Matilde Dias – FF (UMG)

Cristiano Nogueira Filho – FF (UMG)

Daniel Eleazaro – FF

Dario Vasconcelos – FF

Délcio Vieira Salomon – FF (GO) e Faculdade de Direito

Dilza Reis – Instituto de Educação

Djalma Guimarães de Oliveira – Escola de Medicina (UMG)

Dilza Reis

Dinorah Magalhães Fabri – Desenho (França e Estados Unidos)

Emanuel Sampaio – FF (UMG)

Fernando Pieruccetti

Francisco Nunes Horta

Geraldo Majela de Resende – FF (SP) e Faculdade de Direito (UMG)

Geraldo Sardinha Pinto – FF (UMG)

Guilherme Azevedo Lage – FF (UMG) e Faculdade de Direito (UMG)

Henrique Morandi – FF (UMG)

Honório Silveira Neto – Faculdade de Direito (UMG)

** Fonte: SILVEIRA NETO, H. Colégio Municipal de Belo Horizonte: monografia histórico-informativa, 1962. *** As unidades onde os professores se diplomaram somente foram identificadas quando claramente referidas na fonte.

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Honorina Prates Campos

Isolina Debrot – Universidade do Porto (Portugal)

José Campos Taitson (Pe.) – Filosofia e Teologia (Seminário de Belo Horizonte)

José Batista Ferreira Filho – FF (UMG)

José Cantagalli – Real Instituto de Belas Artes de Bolonha (Itália_

José Ernesto Ballstaedt

José Israel Vargas – FF (UMG)

José Pinto Coelho

José dos Prazeres Ferreira

José Tavares de Souza

Josephina Ferreira Zauza

João Camilo de Almeida

João Ignácio da Costa Santos

Juscelino Betâmio Paraiso – Faculdade de Direito (UMG)

Lincoln Luiz de Bessa

Lúcio do Espírito Santo – Escola de Educação Física (fundador)

Luís Simões de Castro – Escola de Engenharia (UMG)

Luiz Carlos Alves – FF (UMG)

Luiz de Carvalho Bicalho – FF (UMG)

Maria José Ribeiro Sales – Escola Normal de Ouro Preto

Maria José Carneiro Ulhoa - FF

Maria Lício dos Santos Neto - FF

Maria Lúcia Vioti Campos - FF

Maria Luiza Ramos e Lucas – FF (UMG)

Maria da Conceição Rezende Fonseca

Maria Yedda Maurício Ferolla – Escola de Educação Física (UMG)

Morse de Belém Teixeira - FF (UMG)

Nair Soares Lins – Instituto Gamomon (Lavras)

Noeme França Campos

Nelly Jeannete Paques – Francês (Sorbonne) e Inglês (Cultura Inglesa)

Onofre Gabriel de Castro – FF (UMG)

Oswaldo Machado – Escola de Direito

Raimundo Gonçalves Rios – Escola de Farmácia

Rita de Cássia Andrade Neto

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Sigefredo Marques Soares – Faculdade de Direito (UMG)

Silvio Todeschi

Wladimir de Paula Gomes – FF (UMG)

Zaida de Morais – FF (UMG)

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