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Colisão de direitos fundamentais: direito à vida X direito à liberdade religiosa http://jus.uol.com.br/revista/texto/7977 Publicado em 02/2006 Ana Carolina Dode Lopez INTRODUÇÃO Os princípios jurídicos são os grandes responsáveis pela oxigenação do sistema jurídico e pela manutenção da Constituição, por permitirem uma constante adequação do ordenamento jurídico com a realidade social em face das mudanças e transformações sofridas pela sociedade com o passar dos tempos, importância que se tratará logo no início desta monografia, em seu capítulo primeiro. Mas a teoria jurídica dos princípios está vinculada apenas indiretamente ao tema que se pretende abordar, pois é o substrato teórico do caso concreto nuclear desta monografia. Mais especificamente, o presente trabalho volta-se para o conflito de princípios fundamentais, ou, em outras palavras, para a colisão de direitos fundamentais. A colisão é um fenômeno que ocorre quando duas ou mais normas de princípio podem ser aplicadas para a solução de um mesmo caso concreto, por estarem estatuídas diretamente na Constituição ou mesmo indiretamente, se dela se puder deduzir, e que acarretam, in concreto, soluções jurídicas totalmente antagônicas, obrigando o operador jurídico a fazer uma escolha entre a prevalência de um(s) direito em face de outro(s), através de um juízo de peso e relevância. Os fatos relativos à colisão de princípios fundamentais do caso em exame ocorreram em meados de 2001, nas dependências

Colisão de direitos fundamentais

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Colisão de direitos fundamentais:

direito à vida X direito à liberdade religiosa

http://jus.uol.com.br/revista/texto/7977

Publicado em 02/2006

Ana Carolina Dode Lopez

INTRODUÇÃO

Os princípios jurídicos são os grandes responsáveis pela oxigenação do sistema jurídico e pela manutenção da Constituição, por permitirem uma constante adequação do ordenamento jurídico com a realidade social em face das mudanças e transformações sofridas pela sociedade com o passar dos tempos, importância que se tratará logo no início desta monografia, em seu capítulo primeiro.

Mas a teoria jurídica dos princípios está vinculada apenas indiretamente ao tema que se pretende abordar, pois é o substrato teórico do caso concreto nuclear desta monografia. Mais especificamente, o presente trabalho volta-se para o conflito de princípios fundamentais, ou, em outras palavras, para a colisão de direitos fundamentais.

A colisão é um fenômeno que ocorre quando duas ou mais normas de princípio podem ser aplicadas para a solução de um mesmo caso concreto, por estarem estatuídas diretamente na Constituição ou mesmo indiretamente, se dela se puder deduzir, e que acarretam, in concreto, soluções jurídicas totalmente antagônicas, obrigando o operador jurídico a fazer uma escolha entre a prevalência de um(s) direito em face de outro(s), através de um juízo de peso e relevância.

Os fatos relativos à colisão de princípios fundamentais do caso em exame ocorreram em meados de 2001, nas dependências do Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas. A princípio, tratava-se apenas de mais um paciente, do sexo feminino, maior de idade, consciente e aparentemente em condições psicológicas equilibradas. Os médicos logo constaram a necessidade de efetuar, com urgência, uma transfusão sanguínea na paciente, porque o número de plaquetas no sangue estava muito inferior ao normal.

Já no momento em que foi comunicada da necessidade de tal procedimento por parte do médico responsável, pôde-se perceber que se tratava de um caso especial, pois, a paciente logo manifestou sua recusa na realização do ato por motivos de crença religiosa. Ela era adepta da religião denominada Testemunhas de Jeová, a qual proclama, entre seus dogmas, a proibição de seus seguidores efetuarem transfusão sanguínea, sob nenhuma hipótese, inclusive sob risco de vida. Para reafirmar esta vontade, apresentava uma declaração por escrito, responsabilizando-se pela possibilidade da ocorrência de dano à sua saúde, incluindo a perda da vida.

À busca de uma solução legal, o setor jurídico do Hospital Escola, no qual eu atuava como estagiária, foi procurado para dar um parecer acerca da solução jurídica a ser dada

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ao fato narrado. Tanto o hospital como o médico procuravam nas normas jurídicas um caminho de conduta a ser adotado, uma norma que lhes indicasse o dever ou não da realização da transfusão sem o consentimento da paciente.

Contudo, não foi encontrada no ordenamento jurídico uma regra específica aplicável ao caso em exame, até mesmo porque não é viável ao sistema jurídico regulamentar todas as situações concretas da vida em sociedade em seu diploma legal. Mas foram encontrados na Constituição Federal dois princípios jurídicos que poderiam solucionar o problema, se não estivessem, porém, em visível conflito, pois a aplicação de um levaria a um resultado oposto ao que resultaria a aplicação do outro.

É possível depreender do caso concreto que os princípios em colisão são o direito à vida de um lado e o direito à liberdade religiosa de outro lado. Diante de tal conflito, a primeira posição adotada pelo setor jurídico era de que a recusa da paciente configurava uma afronta ao princípio fundamental do direito à vida, estabelecido no art. 5º, caput da CF/88, um direito inviolável e, portanto, indisponível. A vida, ponderava-se, configura pré-requisito para a efetivação dos outros direitos, pois, sem ela, não há, por exemplo, liberdade religiosa a ser tutelada.

Com base nas referidas argumentações, foi recebido com espanto o parecer do Promotor de Justiça consultado, que recomendava a prevalência da vontade livre e consciente da paciente em face do seu direito à vida, apesar da vida encontrar-se claramente ameaçada. Do ponto de vista do promotor, o princípio da liberdade religiosa deveria ser respeitado, mesmo sabendo que a transfusão sangüínea era a única medida cabível para a reversão da situação clínica gravíssima da paciente, de acordo a avaliação de um corpo médico do hospital e, em outras palavras, mesmo que essa recusa viesse a causar-lhe o óbito.

A situação, de fato, era crítica, muitas eram as pressões psicológicas e opiniões familiares. De um lado as filhas, que não eram adeptas da religião da mãe; de outro, o atual marido, que era radicalmente contra esse procedimento, porque também acreditava nos mesmos dogmas religiosos.

De fato, uma decisão fundamentada em pura valoração subjetiva dos bens em conflito começou a parecer uma forma muito simplista e superficial de resolver-se o dilema, uma simples ponderação de bens baseada na suposição de que o direito à vida está acima do direito de liberdade de escolha e de religião, hierarquia estipulada sem o consentimento da Constituição Federal de 1988, é exatamente o que o ordenamento jurídico quer evitar para salvaguardar a segurança jurídica.

Se assim fosse decidida uma questão levada à apreciação do Judiciário, um magistrado de convicções religiosas mais arraigadas certamente decidiria de uma forma completamente diferente daquele que se considera ateu. O que se busca, todavia, é uma solução jurídica e racional do conflito, baseada nas normas de hermenêutica constitucional e nos métodos de solução de colisão de princípios fundamentais e não no puro juízo de valor de um ou de outro magistrado, advogado ou médico.

A questão é delicada e é considerada pela doutrina como um caso de difícil resolução porque não existe uma regra jurídica escrita que de plano privilegie um dos princípios em conflito, não se trata de uma situação em que a mera subsunção da norma ao caso já

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define o seu desfecho, quase que automaticamente. Pelo contrário, deve-se analisar todos os direitos fundamentais envolvidos na situação concreta e procurar extrair do sistema a sua vontade preponderante. Como pode ser feito isso é o que se buscará demonstrar ao longo deste trabalho.

1.A IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS:

O caso concreto relatado na introdução leva à reflexão acerca de duas normas presentes na Constituição Federal de 1988, ambas descritas no art. 5º, uma no caput e outra no inciso VI, e conceituadas pela doutrina como normas de caráter principiológico.

Antes de passar ao exame específico das normas envolvidas no caso concreto é fundamental definir as características gerais desse tipo de norma, percorrer brevemente os caminhos de sua evolução histórica, a fim de compreender o status alcançado pelos princípios no ordenamento jurídico atual.

As primeiras definições do conceito de princípio excluíram do seu substrato a característica mais importante consagrada hoje pela doutrina: a normatividade; entretanto, indiscutível o valor que tiveram ao impulsionar o desenvolvimento de toda uma teoria jurídica voltada para o estudo dos princípios.

Paulo Bonavides, em seu Curso de Direito Constitucional, faz um apanhado histórico e evolutivo da teoria jurídica dos princípios, no qual indica como uma das precursoras definições de princípio a de Luís Diez Picazo, que faz uma comparação de princípio com geometria, apontando a seguinte semelhança: "onde designa as verdades primeiras". Logo acrescenta o mesmo jurista que exatamente por isso são "princípios", ou seja, "porque estão ao princípio", sendo as premissas de todo um sistema que se desenvolve more geométrico. [01]

A comparação de fato é procedente, já que a maioria das normas principiológicas contêm preceitos gerais, e raramente pormenorizam as situações e o modo como se dará sua aplicação. Estas individualizações ficam a cargo das regras jurídicas, a partir da observância dos bens aludidos nos princípios, os quais pretendem, outrossim, informar as premissas e os fins maiores do sistema. Sem dúvida, a generalidade lhes concede o traço de preconizarem valores maiores, mas outros aspectos foram sendo observados e inseridos na tentativa de uma conceituação mais completa.

1.1. As fases históricas percorridas pela doutrina jurídica e a influência que tiveram na evolução dos princípios

Antes de passar ao exame do pensamento atual da doutrina em matéria de princípios, incluindo a análise dos fundamentos da sua normatividade, é fundamental tecer uma breve retrospectiva histórica para compreender o caminho evolutivo traçado pela teoria jurídica acerca deste tema. O discurso acerca da juridicidade ou normatividade dos princípios passou por três fases distintas, segundo a análise de Paulo Bonavides: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista. [02]

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A fase jusnaturalista foi a primeira e mais antiga, dominando a dogmática dos princípios até o advento da Escola Histórica ou Positivista do Direito; posicionando os princípios numa esfera abstrata e metafísica, por representarem ético-valorativamente os postulados de justiça. Assim, sua normatividade era basicamente nula ou, no mínimo, duvidosa. [03] Essa corrente "concebe os princípios gerais de Direito, segundo assinala Flórez- Valdés, em forma de "axiomas jurídicos" ou normas estabelecidas pela reta razão. São, assim, normas universais de bem obrar. São os princípios de justiça, constitutivos de um Direito ideal. São, em definitivo, um conjunto de verdades objetivas derivadas da lei divina e humana. [04]

Na segunda fase, denominada de juspositivista, os princípios entram nos Códigos como fonte normativa subsidiária dos textos legais. No dizer de Gordillo Cañas, servem como "válvula de segurança", e não como algo que se sobrepunha à lei, ou lhe fosse anterior, senão que, extraídos da mesma, foram ali introduzidos, para estender sua eficácia de modo a impedir o vazio normativo. [05]

No entanto, com o fim da Segunda Guerra Mundial o positivismo jurídico perde sua força em face das atrocidades cometidas com o respaldo de uma ordem jurídica formalmente posta e, portanto, plenamente válida. Mas o retorno ao pensamento jusnaturalista também não apresentava ser uma saída, era preciso fazer uma reciclagem em toda a teoria jurídica, lacuna que se tornou propícia para o surgimento da teoria crítica do Direito, a qual também não apresentou resultados satisfatórios por combater o positivismo através de um discurso radicalmente oposto, valorando, excessivamente, o papel ideológico do Direito na transformação do status quo, mesmo às custas do sacrifício da lei.

Esse contexto pós-guerra até os dias atuais se convencionou chamar de pós-positivismo, o qual pode ser resumido através das sábias palavras de Barroso em:

Um conjunto de idéias difusas que ultrapassam o legalismo estrito do positivismo normativista, sem recorrer às categorias da razão subjetiva do jusnaturalismo. Sua marca é a ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais. [06]

A característica da normatividade só foi categoricamente afirmada em 1952, com a conceituação dada por Crisafulli:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e, portanto, resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém. [07]

Para confirmar a assertiva de que os princípios são verdadeiras normas jurídicas, Crisafulli utiliza, dentre outros, o seguinte argumento:

Se os princípios fossem simples diretrizes teóricas, far-se-ia mister, então, admitir, por congruência, que, em tais hipóteses, a norma seria posta ou estabelecida pelo juiz, e não o contrário, por este unicamente aplicada, ao caso específico. [08]

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De fato, princípios sem força de norma, quando da aplicação pelo magistrado para a solução do caso concreto, constituem uma criação de norma jurídica, do que se infere que o Poder Judiciário estaria usurpando das funções do Poder Legislativo. Portanto, se o magistrado não pode aplicar estas diretrizes teóricas sob pena de ultrapassar o poder que detém, não existe qualquer objetivo para os princípios serem incorporados ao sistema como simples diretrizes teóricas, precisam ser considerados, outrossim, como verdadeiras normas jurídicas.

Mas, somente nas últimas décadas do século passado os princípios jurídicos passam a ser considerados princípios constitucionais em razão da promulgação nas novas Constituições da hegemonia axiológica dos mesmos. [09] Em face deste status constitucional alcançado pelos princípios, tornou-se imperativo passar a tratá-los como direitos, enfatiza Ronald Dworkin, e reconhecer a possibilidade de que tanto uma constelação de princípios como uma regra positivamente estabelecida pode impor uma obrigação legal. [10]

Atualmente, passa a ter força na doutrina e na jurisprudência a idéia de que a norma jurídica se subdivide em princípios e regras, e que ambas possuem o mesmo grau de imperatividade, ou seja, a mesma força de impor uma obrigação legal, o que significa dizer que a solução de um caso concreto tanto pode se dar pela aplicação de uma regra quanto de um princípio.

Através da abordagem histórica das fases percorridas pela teoria jurídica dos princípios pode-se perceber que tamanha evolução foi lenta e gradual, e que os avanços foram decorrentes da ação inovadora de grandes juristas. Na opinião de Bonavides, antes de Dworkin, Müller e Alexy, Boulanger foi o mais insigne precursor da idéia de normatividade dos princípios, apesar de fazer uma distinção ainda titubeante entre princípio e regra. Ele foi o primeiro a concluir que: a verdade que fica é a de que os princípios são um indispensável elemento de fecundação da ordem jurídica positiva. Contêm em estado de virtualidade grande número de soluções que a prática exige. [11]

No entanto, antes de alcançarem a normatividade plena, os princípios foram considerados como idéias jurídicas norteadoras, chamados também de princípios abertos, ou seja, eram considerados uma ratio legis, um idéia a ser concretizada pelos legisladores na formulação das leis e pelos juristas quando da sua aplicação. Outros autores, contudo, não deixaram de confirmar a existência dos princípios abertos, mas já começaram a admitir o surgimento de princípios com caráter de norma, ou seja, considerados como uma regra jurídica de aplicação imediata, chamados de princípios normativos, segundo as anotações de Bonavides. [12]

É dentro deste contexto de dúvidas que surge o constitucionalista Italiano Crisafulli para afirmar que todo o princípio tem eficácia e que:Os princípios são normas escritas e não escritas, das quais logicamente derivam as normas particulares (também escritas e não escritas) e às quais inversamente se chega partindo destas últimas. [13]

De fato, a doutrina constitucional no assunto não se cansa de afirmar a característica da normatividade, mas, com o chamado fenômeno da constitucionalização dos princípios, eles passaram a desempenhar um papel ainda mais importante na estrutura do ordenamento jurídico: o de integrar a Constituição Federal com as demais normas infraconstitucionais de modo a formar um sistema jurídico uno, coerente e harmônico.

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Os princípios jurídicos buscam dar unidade ao sistema jurídico porque deixam as portas abertas para a solução dos mais variados problemas, não se limitam a regular uma situação específica, ao contrário, preconizam fins, bens a serem tutelados, limites a serem respeitados daquilo que o Direito entendeu ser mais importante; são os princípios que possibilitam a formação de um verdadeiro sistema e que impedem a simples formulação de normas "soltas", desarticuladas e descontextualizadas.

Como bem referiu o jurista italiano Perassi: As normas constitutivas de um ordenamento não estão insuladas, mas fazem parte de um sistema onde os princípios gerais atuam como vínculos, mediante os quais elas se congregam de sorte a constituírem um bloco sistemático. [14]

Todo esse entendimento levou ao reconhecimento do princípio da unidade da Constituição. Tal princípio impede que haja hierarquia dentro da Constituição entre as duas subespécies de normas, os princípios e as regras. Há, contudo, supremacia das normas contidas na Constituição, sejam princípios sejam regras, em razão de sua posição de norma fundamental do sistema, em relação às demais normas infraconstitucionais.

Chegamos ao ponto em que os princípios jurídicos não só adquiriram normatividade, mas também são considerados as normas-chave de um ordenamento jurídico. Fazendo uma breve retrospectiva, percebe-se uma grande evolução entre o conceito de princípios jurídicos como simples idéias norteadoras do sistema para, hoje, serem considerados efetivas normas jurídicas de caráter fundamental e estruturador do sistema. Num dizer metafórico os princípios alcançaram a normatividade, e detêm a mais alta normatividade de todo o sistema, porquanto quem os decepa arranca as raízes da árvore jurídica. [15]

Dentro dessa nova visão pós-positivista, a conclusão que se chega, na visão de Bonavides, é que os princípios jurídicos são:

"Admitidos definitivamente por normas, são normas-valores com positividade maior nas Constituições do que nos Códigos; e por isso mesmo providos, nos sistemas jurídicos, do mais alto peso, por constituírem a norma de eficácia suprema". [16]

1.2. A diferença estrutural entre regras e princípios

Tomando por base essas premissas, pode-se passar a seguinte etapa, que é a distinção entre as duas subespécies de normas jurídicas, os princípios e as regras. Uma diferença importante apontada pela doutrina já foi anteriormente tratada que é o traço da maior generalidade dos princípios e de uma maior concretude das regras; os princípios são mais abstratos do que as regras.

O segundo critério diz respeito ao diferente modo de aplicação das regras e dos princípios, concepção elaborada por Ronald Dworkin, segundo o qual as primeiras obedecem à regra do tudo ou nada, ou seja, quando o suporte fático nela previsto ocorrer na prática, ela deve ser aplicada de modo automático. Nas próprias palavras de Dworkin: se ocorrerem os fatos por elas estipulados, então a regra será válida e, nesse caso, a resposta que der deverá ser aceita; se tal, porém, não acontecer, aí a regra nada contribuirá para a decisão. [17]

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Normalmente não há o que contestar porque as regras regulam situações mais objetivas, como foi referido acima, enquanto os princípios, por serem mais vagos, mais genéricos, dificilmente serão aplicados por meio de simples subsunção, será preciso realizar uma apreciação mais aprofundada sobre a pertinência do valor preconizado no princípio e a hipótese fática que se pretende relacionar, ou seja, é preciso fazer um juízo de peso ou de valor para saber qual princípio deve ser aplicado ao caso concreto.

Não raras vezes, mais de um princípio pode ser aplicado à mesma hipótese em virtude de que em uma ordem pluralista, existem outros princípios, valores ou fundamentos diversos, por vezes contrapostos. [18]Sendo assim, a colisão de princípios, portanto, não só é possível, como faz parte da lógica do sistema, que é dialético. [19]A dialética do sistema se manifesta pelo fato de que há uma multiplicidade de valores jurídicos que precisam ser consagrados e não podem ser excluídos do ordenamento por entrarem em colisão em face de um caso concreto, portanto, o modo como se irá resolver esta situação conflituosa é através da utilização da técnica da ponderação de bens.

O mesmo não ocorre com as regras, em havendo duas ou mais regras contrapostas, mas igualmente aplicáveis a uma mesma situação fática, somente uma poderá permanecer no ordenamento jurídico, as demais serão excluídas do sistema. Uma regra somente deixará de incidir sobre a hipótese de fato que contempla se for inválida, se houver outra mais específica ou se não estiver em vigor. [20]

Em face de um conflito de regras, primeiro procurar-se-á analisar se ambas são formalmente válidas, caso uma delas não seja, será excluída automaticamente, depois, buscar-se-á aplicar os critérios de interpretação da validade das normas, quais sejam, o da hierarquia (lei superior derroga lei inferior), o da especificação (lei específica derroga lei geral) e o cronológico (lei posterior derroga lei anterior) para saber qual regra é válida e eficaz e, portanto, plenamente aplicável ao caso concreto, e qual regra deve ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico.

Um princípio será escolhido em face de outro(s) pela sua relavância, mas isso não significa que todo problema semelhante sempre deva ser resolvido da mesma maneira, nas palavras de Dworkin:

o princípio pode ser relevante, em caso de conflito, para um determinado problema legal, mas não estipula uma solução particular. E quem houver de tomar a decisão levará em conta todos os princípios envolvidos, elegendo um deles, sem que isso signifique, todavia, identificá-lo como "válido". [21]

A técnica da ponderação de bens ou interesses será oportunamente enfrentada quando se mostrar pertinente a sua utilização na solução do caso concreto analisado neste estudo, envolvendo os seguidores da religião Testemunhas de Jeová. Tal técnica foi aperfeiçoada pelo insigne jurista alemão Robert Alexy, tendo como cerne o princípio da proporcionalidade, objeto de análise do terceiro capítulo.

1.3. A Importância Da Pré-Compreensão

Diante de uma possível colisão de direitos fundamentais, primeiramente é preciso analisar o conteúdo de cada um dos direitos envolvidos, delimitar o âmbito de proteção e o alcance de cada uma das normas contrapostas, para poder afastar a hipótese de um

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mero conflito aparente de princípios. O conflito aparente se dá quando o substrato da própria norma interpretada fornece empecilhos para a sua aplicação ao caso concreto, forçando o jurista a excluí-la da problemática, sem a qual desaparece a colisão.

O conflito real de princípios ocorre quando, mesmo após a delimitação e análise dos direitos envolvidos, se conclua que qualquer um deles é perfeitamente aplicável na solução do caso concreto, mas, por preconizarem soluções diametralmente opostas, se mostra incompatível a aplicação de todos concomitantemente, um deve ter prevalência sobre o outro naquela situação específica, nada impedindo que, se alterado algum elemento da hipótese fática, outro direito mostre-se mais apropriado.

Assim, o primeiro passo a ser tomado dentro da análise do caso emblemático deste estudo, onde figuram em flagrante oposição os princípios da liberdade de religião e o princípio do direito à vida, ou melhor, de um lado está o princípio da liberdade lato sensu e seu subprincípio da liberdade religiosa, de outro, figura um bem constitucionalmente protegido: a vida humana, é desenvolver um trabalho de interpretação das normas envolvidas para descartar a hipótese de um conflito aparente de princípios.

Só que uma análise e interpretação abstrata das normas, totalmente descontextualizadas do caso concreto, dificilmente levará a uma resposta acerca da aparência ou realidade de um conflito jurídico. A necessidade de desenvolver um trabalho hermenêutico com base em um caso concreto é uma exigência unânime da doutrina atual.

Não existe interpretação totalmente desvinculada da realidade, realizada em um plano meramente hipotético, por não ser capaz de abarcar em sua generalidade a solução eficiente e justa para as mais variadas situações fáticas, em razão da multiplicidade de fatores envolvidos em cada uma. A hermenêutica moderna, portanto, não está voltada para a busca de respostas abstratas, como bem sintetiza Luis Roberto Barroso:

Toda interpretação é produto de uma época, de um momento histórico, e envolve os fatos a serem enquadrados, o sistema jurídico, as circunstâncias do intérprete e o imaginário de cada um. A identificação do cenário, dos atores, das forças materiais atuantes e da posição do sujeito da interpretação constitui o que se denomina de pré-compreensão. [22]

O caso concreto detalhado na introdução, sem dúvida, suscita o questionamento, a necessidade de buscar-se respostas através da interpretação constitucional e, portanto, dá margens à aplicação do método concretizador, formulado por Konrad Hesse, segundo o qual a dúvida é que instaura o processo interpretativo. Onde não há dúvida, não se interpreta, e raramente se faz mister também alguma interpretação. [23]

Tal método apresenta alguns pressupostos para a solução das colisões de direitos fundamentais: a pré-compreensão do intérprete, do conteúdo da norma e do problema concreto a ser solucionado. Como ensina Wilson Steinmetz, referindo as idéias de Hesse, "Não há método de interpretação autônomo, desvinculado da pré-compreensão do intérprete e do problema concreto a ser resolvido". Como se faz isso na prática é o que ele explica: De um lado a atividade do intérprete deve excluir pontos de vista estranhos ao problema; de outro, deve incluir no programa normativo e no âmbito

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normativo os elementos concretizantes oferecidos pela norma constitucional e a Constituição como um todo. [24]

Quando se fala em pré-compreensão do intérprete onde se pretende chegar? Em outras palavras, o que o intérprete precisa pré-compreender para desenvolver uma hermenêutica adequada?

A pré-compreensão do intérprete corresponde à capacidade de organização mental de todos os requisitos indispensáveis à solução do problema que se lhe propõe, ou seja, está relacionada à capacidade de assimilar e manipular informações, conceitos e noções relativas a um determinado problema.

Um exemplo radical, mas ilustrativo para entender o que seja a pré-compreensão do intérprete é a incapacidade mental e lógica de uma criança de três anos de idade para a resolução de uma colisão de direitos fundamentais. Por certo ela não será capaz de entender o que lhe é perguntado e muito menos de elaborar uma resposta coerente.

Um médico já experiente também não detém a capacidade de solução jurídica de tal dilema, apesar de ser apto a dar uma opinião subjetiva sobre o conflito. Todavia, espera-se que um magistrado e um jurista tenham a pré-compreensão do que se fala e detenham os subsídios necessários à solução do caso jurídico. Essa capacidade é o que Hesse convencionou chamar de pré-compreensão do intérprete.

Mas, se se procura ir mais longe, tomando-se por base a pré-compreensão de um magistrado ou de um jurista, conclui-se que eles estão ao menos formalmente aptos a resolver um problema de colisão de direitos fundamentais ou qualquer outro problema jurídico que lhes seja proposto. Ou seja, ao menos em tese, deveriam deter os subsídios necessários a resolução da questão. Mesmo assim, é corriqueiro visualizarmos decisões diferentes acerca de um mesmo problema jurídico, provenientes de órgãos judicantes da mais alta importância, tanto nacionais quanto estrangeiros, exteriorizando entendimentos divergentes sobre o mesmo dilema.

Portanto, a pré-compreensão do intérprete é requisito essencial para se começar a tentar resolver uma questão jurídica controvertida, mas a compreensão que o intérprete desenvolverá com base nesses subsídios teóricos é muito variável e será tão ou mais lógica se alguns mitos forem desmistificados, como a idéia de que a razão humana seja capaz de alcançar todas as respostas, de lidar com todas as emoções e de compreender todos os acontecimentos que ocorrem à nossa volta.

A crença de que a razão é dotada de um poder absoluto foi duramente derrubada por dois grandes nomes da nossa história, Marx e Freud, conforme analisa Barroso. Marx defendeu, em sua teoria do Materialismo Histórico, a idéia de que a razão não é fruto da liberdade de ser, criar e pensar, mas prisioneira da ideologia, e Freud afirmou que o homem não é senhor absoluto sequer da própria vontade, de seus desejos, de seus instintos, mas é guiado por um poder invisível que controla o seu psiquismo chamado de inconsciente. [25]

Estas são, sem dúvida, duas teorias que muito influenciaram o mundo, longe de serem as únicas a condenarem a supremacia da razão sobre todas as coisas, a criticarem a existência de uma razão pura e absoluta, dotada de poderes ilimitados, no entanto,

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detêm o mérito de alcançarem duas conclusões que até hoje não foram derrubadas por ninguém: a grande influência que a ideologia e o inconsciente exercem no ser humano, e a incapacidade que a razão tem de controlá-los, podendo, no máximo, influenciá-los através da autocrítica e do autoconhecimento.

Todos esses fatores precisam ser levados em consideração antes de se afirmar que o raciocínio lógico é capaz de resolver por si só qualquer problema, inclusive jurídico, pois não é; esta incapacidade não se deve ao fato de existir variações entre a lógica de uma pessoa e a de outra, mas ao fato de haver imensas variações entre o pensamento crítico, político, social, cultural e psíquico entre os indivíduos que irão condicionar todo o seu pensamento racional, indubitavelmente.

Mesmo que, num plano meramente hipotético, dois indivíduos tenham crescido no mesmo ambiente familiar (sejam irmãos, por exemplo), tenham recebido a mesma formação acadêmica, tido acesso aos mesmos livros e diplomas legais, ou seja, tenham, teoricamente, o mesmo nível de pré-compreensão exigido ao intérprete, ainda assim, muito provavelmente em algumas situações, desenvolverão compreensões ou defenderão opiniões distintas acerca de um mesmo problema legal, senão em razão de deterem ideologias diferentes, em razão dos esconderijos da mente traduzidos no inconsciente.

Daí o motivo das duras críticas dirigidas contra dois conceitos que integram o imaginário do conhecimento científico: a neutralidade e a objetividade. Eles não passam de mera ficção, no entender de Luís Roberto Barroso, pela impossibilidade de haver um distanciamento absoluto do jurista com a questão a ser apreciada, como é conceituada a neutralidade, bem como é inviável a existência de princípios, regras e conceitos de validade geral, independentemente do ponto de observação e da vontade do observador, o que se convencionou chamar de objetividade. [26]

No entanto, conclui Barroso, o que é possível e desejável é produzir um intérprete consciente de suas circunstâncias: que tenha percepção da sua postura ideológica (autocrítica) e, na medida do possível, de suas neuroses e frustrações (autoconhecimento). [27] No tocante à objetividade, analisa, "todos os objetos estão sujeitos à interpretação", portanto, "a objetividade possível do Direito reside no conjunto de possibilidades interpretativas que o relato da norma oferece", as quais podem ser decorrentes, por exemplo, da existência de normas contrapostas, exigindo a ponderação de interesses à vista do caso concreto. [28]

Portanto, além da pré-compreensão do intérprete, preconizada por Hesse, o operador do direito ainda deve estar à busca de uma neutralidade possível, alcançada mediante uma postura autocrítica e de análise, na medida do possível, do seu inconsciente e do seu psiquismo, a fim de conceder-lhe maiores subsídios para solucionar o caso concreto com mais racionalidade, pautado nos valores da equidade e da justiça. Ou seja, esta neutralidade possível pretende fornecer ao intérprete os elementos essenciais para melhor compreender o problema que deve solucionar.

Assim, voltando um olhar crítico ao caso concreto, é possível compreender as razões que levaram, a priori, o grupo jurídico do Hospital Escola a adotar uma posição no sentido de dar prevalência ao direito à vida da paciente em face de sua liberdade religiosa. Apenas pelo fato de serem todos indivíduos com pouca ou nenhuma vivência

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religiosa, criados em um ambiente familiar cujos pais ou responsáveis não eram seguidores de nenhum culto, muito menos do culto em questão, Testemunha de Jeová.

Nem é preciso fazer uma análise muito profunda no psiquismo de um grupo de pessoas que se intitulam católicas não praticantes, que foram criadas envoltas em uma cultura capitalista-ocidental, com valores predominantemente existencialistas e materialistas, para saber que dificilmente se encontrará uma só defensora da supremacia dada a um direito individual de cunho religioso de uma minoria, ao menos no Brasil, se está em jogo o bem da vida, o bem maior daqueles que não acreditam na posteridade ou detém sérias dúvidas a esse respeito.

Perceber isso já é um grande passo na direção de uma solução mais neutra e segura, pautada na vontade predominante do sistema no qual estão inseridas as normas interpretadas e o contexto dos fatos analisados, e não na pura e discricionária vontade do intérprete. Procurou-se demonstrar que do simples exercício racional do intérprete, mediante uma ponderação subjetiva de interesses, dificilmente advirá a solução mais acertada.

Essa posição inicial do grupo jurídico do Hospital Escola de Pelotas de dar prevalência ao direito à vida é a mesma adotada pelos procuradores da República Anastácio Nóbrega Tahim e Helio Telho Corrêa Filho, ao ajuizarem a Ação Civil Pública com pedido de tutela antecipada, visando obter autorização judicial para a realização forçada de transfusão de sangue em paciente testemunha de Jeová em virtude de risco de vida, acostada no anexo 1 (um) desse trabalho. O pedido foi deferido pelo Juiz da 3ª Vara Federal de Goiânia, Dr. Carlos Humberto, o que demonstra que tanto a Magistratura quanto o Ministério Público já se manifestaram no mesmo sentido da primeira posição do grupo jurídico do Hospital Escola e que esse assunto está ainda longe de estar pacificado.

Já a busca de uma objetividade possível, pautada nos melhores métodos de interpretação oferecidos pela doutrina, direcionados para a solução do caso concreto, está inserido dentro do que Hesse convencionou chamar de pré-compreensão do problema.

Para chegar a pré-compreensão do problema em si é preciso percorrer alguns métodos clássicos de interpretação constitucional sugeridos pela doutrina e apontados como os mais relevantes e eficazes no tratamento hermenêutico das normas constitucionais, bem como recorrer aos princípios de interpretação especificamente constitucionais a fim de excluir os pontos de vista estranhos ao dilema, o que será estudado ao longo de todo o capítulo segundo.

Enfim, todo esse pré-entendimento, tanto a pré-compreensão do intérprete quanto a compreensão dos fatores ideológicos e inconscientes do intérprete, é fundamental estarem bem sedimentados antes de se passar para uma segunda etapa: a pré-compreensão do problema e a compreensão geral do problema que se pretende ver solucionado. Esta segunda etapa só se perfectibilizará se a primeira for cumprida de modo satisfatório e aprofundado.

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2 OS MÉTODOS CLÁSSICOS DE INTERPRETAÇÃO E OS PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO ESPECIFICAMENTE CONSTITUCIONAIS

Antes de tudo, é preciso esclarecer que os métodos clássicos de interpretação propostos por Savigny dificilmente resolverão definitivamente um problema de colisão de direitos fundamentais de forma segura e dentro de uma racionalidade possível; o que não significa que eles devam ser desprezados neste tipo de situação, pelo contrário, auxiliam e muito na delimitação do conteúdo do caso concreto, e em toda pré-compreensão do intérprete e do problema; tais métodos poderão não levar a uma solução jurídica final, mas, sem dúvida, farão o interprete chegar bem mais próximo dela.

Dentre os métodos clássicos se destacam o gramatical, o sistemático, o teleológico e o histórico; estes dois últimos estão intimamente relacionados, sendo apontados por parte da doutrina como diferentes denominações do mesmo método, que seria melhor denominado como método histórico-teleológico. Para resolver uma colisão de direitos fundamentais de forma segura e racional, o método gramatical não apresenta maiores utilidades, já os métodos sistemático e teleológico se mostram de enorme valia para delimitar a órbita do conflito e afastar possíveis colisões aparentes.

Assim, como o método gramatical não apresenta maior importância prática para solucionar uma colisão de direitos fundamentais, far-se-á uma análise desse método à luz do método sistemático, da mesma forma que, para uma melhor compreensão didática do tema, analisar-se-á o método histórico juntamente com teleológico.

2.1. Definição e aplicação dos métodos sistemático e gramatical

O método gramatical consiste em revelar o sentido literal do texto da norma jurídica, a fim de delimitar o conteúdo das palavras nela contida, limitando a atuação do intérprete. Deve ser tomado como o ponto de partida, mas não levará o intérprete a resolver o conflito, uma vez que se dispõe, apenas, a analisar isoladamente cada dispositivo, e o que se tem no caso concreto é um conflito de duas ou mais normas.

Tendo por base a opinião da doutrina que visualiza a importância de uma hermenêutica voltada para o caso concreto, é impositivo que se faça uma análise gramatical do texto das normas-princípio em colisão. O caput do art. 5º impõe literal ou gramaticalmente a "inviolabilidade" do direito à vida e do direito à liberdade, mas isto significa que estes direitos não podem sofrer restrições, limitações diante de certas circunstâncias?

A resposta é sem dúvida negativa, até porque nenhum direito fundamental possui caráter absoluto, ou seja, ilimitado, todos estão sujeitos a restrições legislativas. Se não fosse assim, a exclusão da legítima defesa não poderia ser aceita em face de um homicídio (art. 121 do CP), pois configura uma hipótese em que a vida humana é violada sem que se considere o ato como ilícito.

Em outras palavras, o ordenamento jurídico permite que, nesse caso, a vida humana seja sacrificada para a proteção da vida de outra pessoa que está agindo para se defender. Isso só comprova que o bem da vida não possui um caráter absoluto, uma proteção absoluta. Ao contrário, pode sofrer restrições, por exemplo, em prol da legítima defesa.

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Disso se conclui, via uma interpretação sistemática, que, o que aparenta ser gramaticalmente "inviolável", como a vida humana, pode ser violável.

Apesar disso, ainda é válida a tentativa de conceituação literal da palavra "inviolabilidade", o seu alcance e profundidade de sentido a fim de responder ao seguinte dilema: a inviolabilidade do direito à vida permite ou proíbe que o indivíduo possa deliberar sobre um tratamento que influirá sobre as suas possibilidades de sobreviver? O próprio indivíduo pode dispor do bem da sua própria vida ou não?

Por certo que a resposta a estas perguntas está estritamente vinculada ao sentido que se dê à palavra "inviolabilidade" no mundo jurídico; se for conceituada como a impossibilidade de qualquer indivíduo, grupo ou instituição retirar o bem da vida de uma pessoa, ou seja, no sentido de que se proíba que um terceiro viole o bem da vida de outrem, nesse caso, não existiriam impedimentos para o próprio sujeito deliberar sobre o tratamento que surtirá risco maior de sua própria vida, já que a violação do bem não adviria de um terceiro; todavia, se fosse acrescentado ao conceito a proibição do próprio indivíduo dispor de sua própria vida, provavelmente a resposta seria outra.

O fato é que não se pode confundir inviolabilidade com indisponibilidade, pois são conceitos distintos e implicam conseqüências igualmente distintas. A inviolabilidade consiste na prerrogativa ou privilégio outorgado a certas coisas ou pessoas, em virtude do que não podem ser atingidas, molestadas ou violadas", conceituação fornecida por De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico. [29]

Indisponibilidade é, pois, indicativo da coisa de que não se pode dispor, isto é, vender, dar, ceder. [30] Dá idéia de uma proibição de despojamento de um bem, no sentido de que a pessoa não pode abrir mão deste bem; ao contrário do sentido depreendido da palavra inviolabilidade, que sugere a proibição de outros indivíduos molestarem ou atingirem o direito alheio. Enfim, quando alguém abre mão de um direito seu, está se despojando deste direito, não está automolestando, auto-atingindo ou autoviolando esse direito. Sendo assim, o sentido gramatical de "inviolabilidade" permite o despojamento do bem pelo próprio titular quando a lei não proíba expressamente essa conduta.

Mas é por meio da interpretação sistemática que se chegará a essa conclusão, ao visualizar-se que a inviolabilidade do bem possa ser afastada na hipótese de legítima defesa, ou que o bem "inviolável" da liberdade seja despojado pelo próprio titular que se submete a participar de programas como Big Brother, exemplo no qual um simples contrato entre as partes permite que bens tão importantes como a vida privada e a intimidade sofram tamanho despojamento por parte de seu titular.

A propriedade é outro bem arrolado no caput do art. 5º da CF/88 como inviolável, e, no entanto, poder sofrer grandes restrições em razão do princípio da função social da propriedade, também disposto na Constituição Federal, nos arts. 5º, XXIII, 170, III, 182, § 2º, e 186.

Ou seja, mesmo que gramaticalmente este sentido de "inviolabilidade" permita que os bens por este adjetivo protegidos possam ser despojados pelo próprio titular em algumas situações a que a lei não proíba, como é o caso do programa de televisão, e possam sofrer restrições estipuladas pela própria Lei Maior, como é o exemplo do direito de propriedade, o que efetivamente corrobora esse entendimento de que os direitos

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fundamentais não possuem caráter absoluto é obtido através da interpretação sistemática da Constituição Federal.

A interpretação sistemática é tida, juntamente com a teleológica, como a das mais importantes na solução de um conflito de normas. Configura o método segundo o qual o intérprete busca dar uma visão estrutural ao sistema, interpretando a norma sob a perspectiva de todo o resto do ordenamento. Neste ponto da pesquisa se buscará fazer uma correlação das demais situações previstas no ordenamento de proteção do bem da vida, como a eutanásia e o aborto, com o caso concreto da paciente.

Em outras palavras, procurar-se-á anotar semelhanças e diferenças entre os exemplos mencionados, de modo a demonstrar a vontade do sistema em cada caso, ou se existe uma só vontade geral.

O direito brasileiro considera a prática de aborto crime, previsto no Capítulo I do Código Penal, que versa sobre os crimes contra a vida, e consiste numa ação voltada à interrupção do processo da gravidez, com a morte do feto. O aborto só não será considerado crime em duas situações: se for o único meio de salvar a vida da gestante e em caso de gravidez resultante de estupro (art. 128, I e II do CP).

A eutanásia significa matar deliberadamente uma pessoa por razões de benevolência, também é proibida pelo sistema brasileiro, e será punida como crime de homicídio (art. 121 do CP) ou como o crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122 do CP), dependendo do caso concreto.

A semelhança entre as duas práticas está no fato de que ocorre uma opção pela morte, um ato positivo ou negativo que resulte na morte de uma pessoa ou futura pessoa, um feto. Nas palavras de Dworkin, no primeiro caso, opta-se pela morte antes que a vida tenha realmente começado; no segundo, depois que tenha terminado. [31]

Portanto, são atitudes que optam pela morte, querem que o fim inegável de todas as criaturas ocorra por uma vontade diretamente humana, não natural. Este ato de escolha pela morte, que é condenado pelo ordenamento jurídico brasileiro, apesar do aborto ser legalizado em vários outros países, e a eutanásia ativa ser legalizada na Holanda, é o mesmo ato de aceitação ou de recusa de um tratamento médico por parte de um paciente?

Não parece que seja, pois, se um paciente se recusa a realizar o tratamento médico indicado, mesmo sendo o único tratamento viável e capaz de salvar a sua vida, não se pode dizer que ele faz uma escolha pela morte ou, em outras palavras, uma eutanásia negativa.

Deixemos de lado os motivos religiosos por causarem ainda mais polêmica, e busquemos o exemplo de um paciente diagnosticado com câncer em um de seus órgãos, doença que se sabe não existir cura; o médico sugere a realização de uma cirurgia para retirar a parte afetada pela doença, mas recomenda como tratamento pós-operatório a radioterapia e a quimioterapia como forma de evitar que a doença volte a se desenvolver, ou pior, se alastrar por outros órgãos do corpo humano. Este é o tratamento indicado, mas quem vai decidir se irá se submeter a ele é o paciente, não há nenhuma lei que o obrigue a realizar o tratamento sugerido, nem a doutrina mais arraigada ao direito

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à vida entende que se deva forçar uma atitude do doente, e, no entanto, sem o tratamento, a morte do paciente pode ser rápida, dependendo do órgão afetado.

Não se pode censurar esta vontade porque, se a morte é uma das poucas certezas da vida, sendo que o máximo que a medicina alcançou foi conseguir prorrogá-la, ninguém melhor que o próprio indivíduo para saber se deseja ou não tentar adiá-la, já que nenhum tratamento médico promete certeza de cura. Os motivos que levam cada um a aceitar ou rejeitar um tratamento não cabem a um terceiro julgar, a melhor pessoa para fazer isso é a própria doente, é ela que está com sua vida em risco, é ela que está sofrendo com as ponderações de seu foro íntimo e de seus sentimentos contraditórios.

As motivações e as convicções de cada pessoa dizem respeito apenas a ela, fazem parte do seu livre-arbítrio, não cabe aos outros enumerar as motivações alheias em aceitáveis e inaceitáveis, segundo os seus próprios critérios, sua própria vivência e com um olhar externo ao problema (visão de uma pessoa sadia). Admitir a livre fundamentação de cada um é, para o operador do direito, desempenhar a neutralidade possível a que já nos referimos.

O jurisfilósofo Ronald Dworkin admite: Apesar de acreditarmos freqüentemente que alguém cometeu um erro ao avaliar quais são seus interesses, a experiência nos ensina que, na maioria dos casos, nós é que erramos ao pensar assim. [32]

Os motivos que levaram cada um a realizar ou não um tratamento médico dizem respeito à autonomia da pessoa, a razão pode sim decorrer de convicção religiosa, do medo dos efeitos colaterais, por depressão, por pura vaidade, atitude de negação da doença, por todos estes motivos juntos, ou por nenhum deles; não está na alçada dos outros julgar a validade ou não desta motivação, porque é da esfera exclusiva da autonomia da pessoa, de acordo com uma concepção de autonomia defendida por Dworkin, centrada na integridade, segundo a qual:

...não pressupõe que as pessoas competentes tenham valores coerentes, ou que sempre façam as melhores escolhas, ou que sempre levem vidas estruturadas e reflexivas. Reconhece que as pessoas freqüentemente fazem escolhas que refletem fraqueza, indecisão, capricho ou simples irracionalidade... [33]

O homem costuma pensar que o outro deve pensar e sentir igual a ele, e que, portanto, pode interferir no modo como o outro deve agir, este sentimento que beira a ingenuidade não surpreende vindo de um ser que acredita ter sido criado à imagem e semelhança de seu criador. Todos os demais seres, portanto, dentro desta visão egoísta, seriam meras "invenções".

Nesse ponto, Dwokin sugere que é melhor reconhecer o direito geral à autonomia e respeitá-lo sempre, em vez de nos reservarmos o direito de interferir na vida dos outros sempre que acreditarmos que tenham cometido um erro. [34]

Assim, admitindo-se que nos casos de aborto e eutanásia o sistema pretendesse censurar uma escolha pela morte não natural, e que nesses casos, portanto, o sujeito não pode desempenhar sua autonomia, essa vontade geral contém exceções, não configura uma vontade absoluta. O sistema não permite que o indivíduo possa matar um semelhante, mas não pune aquele que mata em legítima defesa; da mesma forma que não permite

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que a pessoa escolha morrer de morte não natural, mas não aplica nenhuma sanção àquele que tenta ou chega a praticar o suicídio, porque essa não é uma conduta criminalizada.

Se, mesmo esses casos extremos sofrem restrições, apresentam exceções legais, o que se pode falar, então, do caso do indivíduo que se recusa a realizar um tratamento médico, mesmo em face de iminente risco de vida? Antes, porém, é preciso lembrar que risco de vida existe em qualquer lugar e momento, já que a morte, com toda a certeza, é mais cedo ou mais tarde inevitável aos seres vivos em geral.

A recusa do paciente em efetuar transfusão sanguínea não pode ser comparada com os casos citados de aborto e eutanásia porque, diferentemente deles, não é um ato de escolha pela morte. A recusa em realizar a transfusão sanguínea não é a causa direta da morte da pessoa, este é apenas um procedimento indicado para restaurar a saúde do paciente, apesar de não prometer a cura, pois, o que colocou a vida humana em risco foi uma doença ou a realização de um procedimento cirúrgico prévio que exige a realização da transfusão.

Portanto, se não há uma similitude entre as hipóteses fáticas do aborto e da eutanásia com a recusa da paciente em realizar uma transfusão sanguínea, não se pode estender por via de interpretação sistemática, as proibições jurídicas das primeiras para a última, não se permite por via de interpretação extensiva que se restrinja a autonomia da pessoa nesse caso da testemunha de Jeová:

Permitimos que um indivíduo prefira a morte a uma amputação radical ou a uma transfusão de sangue, desde que tenha havido uma informação prévia de tal desejo, porque reconhecemos o direito que ele tem de estruturar sua vida de conformidade com seus próprios valores. [35]

2.2. Definição e aplicação dos métodos teleológico e histórico

Já a interpretação teleológica, igualmente de suma importância para a solução de colisões de princípios fundamentais, busca desvendar a finalidade da norma dentro do ordenamento jurídico.

Sem dúvida que os princípios em colisão pretendem proteger a vida humana e a liberdade de escolha, por configurarem direitos e garantias fundamentais do ser humano, sem impor qualquer hierarquia entre ambos. Resta ainda averiguar um outro princípio da Constituição Federal de 1988 que preconiza os fundamentos do Estado Democrático de Direito em que vivemos, que é o art. 1º e seus incisos, in verbis:

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I- a soberania;

II-a cidadania;

III-a dignidade da pessoa humana;

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IV-os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V-o pluralismo político".

Interessa para a solução do caso concreto o fundamento descrito no inciso III do art. 1º da CF: a dignidade da pessoa humana. Ainda não há um consenso doutrinário a respeito do conceito jurídico a ser atribuído à este princípio, mas, passados quinze anos da promulgação da Constituição em vigor, muito já se ponderou a respeito e uma doutrina moderna está se formando no sentido de relacioná-la tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. [36]

Não há dignidade se a pessoa não tiver a liberdade de desenvolver em seu espírito os valores que julgar importantes, da mesma forma que não se pode falar em dignidade se o indivíduo vive em condições de miséria absoluta e não possui nem o alimento necessário à sua sobrevivência diária, pois a falta das necessidades básicas da pessoa lhe retira a condição de humana, fazendo o espírito retroagir até a condição de "homem-bicho".

Nas palavras de Barroso, em um sentido negativo, a dignidade da pessoa humana representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar. [37]

A dignidade da pessoa humana, concluindo, significa a valoração da liberdade de escolha em função das múltiplas diferenças na natureza humana. Se as diferenças físicas já são inúmeras, a natureza humana é ainda mais complexa, impossível de ser resumida, enfim, é ilimitada. O espírito humano ou a natureza humana, como se queira chamar, é dotado de uma capacidade irredutível de pensar, de ser, de crer. Suas convicções, seus temores, suas aspirações são incontáveis e variadas, e o respeito a elas significa o respeito à sua dignidade.

Ainda, para corroborar este entendimento, é válido citar o preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1948:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem da liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e a necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum (...). [38]

Não há dignidade quando os valores morais e religiosos mais arraigados do espírito da pessoa lhe são desrespeitados, desprezados. A pergunta que se faz é a seguinte: adianta viver sem dignidade ou com a dignidade profundamente ultrajada? Se a própria pessoa prefere a morte é porque o desrespeito às suas convicções espirituais configura uma morte pior: a morte de seu espírito, de sua moral.

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O Direito quer proteger a vida humana à custa da dignidade da pessoa? Quer proteger a vida de um indivíduo mesmo que isto represente ferir profundamente a sua dignidade? A resposta certamente é negativa para o Direito Brasileiro, do que se infere do art 1º, III da CF, caso contrário este artigo teria proclamado como fundamento do Estado Democrático de Direito a vida humana, e não a dignidade da pessoa humana, como fez.

Em uma interpretação teleológica e também sistemática da Constituição Federal se percebe que um dos fins do Estado é a garantia da dignidade de todos os seus cidadãos. Mas, para saber se, no caso concreto, a vida humana permite o sacrifício da dignidade e da liberdade é preciso ir ainda mais fundo na pesquisa através da aplicação do princípio da proporcionalidade.

A fim de visualizar a importância do que foi acima subsumido da interpretação teleológica, utilizar-se-á um outro método de interpretação que é inclusive considerado por muitos apenas como outro aspecto do método teleológico, chamado de histórico, ou, também denominado de método histórico-teleológico. Tal método consiste na busca do sentido da lei através dos precedentes legislativos, dos trabalhos preparatórios e da occasio legis. [39]

Fugiria do tema fazer uma análise muito profunda de estudo dos precedentes legislativos dos artigos emblemáticos desse trabalho, portanto, a análise resumir-se-á às normas equivalentes nas três últimas Constituições Federais do Brasil, quais sejam, as Constituições de 1946, 1967 e a de 1969, para se fazer uma correlação com as normas equivalentes na atual Constituição de 1988.

Nesse trabalho pôde-se perceber que tanto na Constituição de 1946, de 1967 quanto na de 1969, o texto das normas de proteção aos direitos e garantias fundamentais está contido no final das Constituições, a partir de seus artigos 141, 150 e 153, respectivamente, muito diferente do que ocorre na atual Constituição Federal, que os proclama a partir de seu art. 5º, portanto, logo no início do diploma legal.

Essa é uma grande prova da importância que os direitos fundamentais adquiriram ao longo do século passado e no Brasil, em especial, no final do século, quando encerrado o período da ditadura militar e instaurada uma ordem democrática e um Estado de Direito. Concomitantemente a isso, começa a valorização dos direitos fundamentais e, conseqüentemente, a valorização da teoria dos princípios jurídicos a fim de efetivar a defesa e proteção desses direitos.

O caput dos artigos acima referidos não diferem na essência do atual art. 5º da CF/88, e afirmam, todos, que a Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos de seus incisos. Também no que se refere ao atual inciso VI do art. 5º da CF/88, não se pôde vislumbrar mudança de conteúdo, tanto o art. 141, § 7º da Constituição de 1946, quanto o art. 150, § 5º da Constituição de 1967, quanto o art. 153, § 5º da Constituição de1969, proclamam a inviolabilidade da liberdade de crença e de consciência, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos.

A única mudança Constitucional aplicável ao caso concreto desse estudo, mas que é uma alteração bastante significativa, foi a proclamação do princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito em que

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vivemos, art. 1º, III da CF/88, disposição que não se encontra em nenhuma das outras Constituições analisadas.

Sem dúvida, essa "novidade" constitucional influi e muito na maneira como se deve fundamentar as decisões emanadas pelo Poder Legislativo e pelos outros poderes desse Estado de Direito. Esse artigo está a indicar a ótica sob a qual todos os membros desse Estado devam se comportar e decidir. Não é, de maneira alguma, uma disposição vazia, carente de conteúdo e deve ser levada em consideração por toda a sociedade e pelo governo escolhido por ela.

2.3. A aplicação dos princípios de interpretação especificamente constitucionais

Ainda resta referir brevemente alguns princípios de interpretação especificamente constitucionais importantes para a solução de colisões de direitos fundamentais, tais como os princípios da unidade da Constituição, da concordância prática, do efeito integrador e da efetividade.

Como o princípio da unidade da Constituição já foi anteriormente mencionado, far-se-á uma análise sucinta do seu significado. Esse princípio prescreve que as normas de índole constitucional, sejam diretas ou indiretamente prescritas na Constituição Federal, possuem supremacia sobre as demais normas do ordenamento jurídico, e que sua interpretação deve se dar em conexão de sentido com as demais normas de modo a formar um sistema jurídico coordenado e harmônico.

Em outras palavras, o princípio da unidade é uma especificação da interpretação sistemática, e impõe ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas. [40] E o modo como se busca essa correlação lógica de normas é através dos princípios jurídicos, por meio dos princípios fundamentais, gerais e setoriais inscritos ou decorrentes da Lei Maior. [41]

Em face de um conflito de normas, há que se levar em conta, primeiro, a supremacia das normas constitucionais e, se a colisão se der num plano constitucional, é fundamental a aplicação do método sistemático e teleológico de interpretação, como se procurou fazer nos subtítulos anteriores.

O princípio da concordância prática exige a ponderação de bens ou valores para que se possa chegar a uma harmonização dos direitos em colisão, em outras palavras, sugere a aplicação do princípio da proporcionalidade para a solução deste tipo de antinomia, o qual será abordado no próximo capítulo.

O princípio do efeito integrador é um princípio de valoração dos pontos de vista formulados na interpretação. [42] De modo a dar prevalência àqueles que promovam e mantenham a unidade da Constituição, ou seja, que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política. [43] E, como os direitos fundamentais são os maiores responsáveis por uma integração política e social, devem receber prevalência em face das outras normas jurídicas.

Por fim, temos o princípio da efetividade, que representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. [44]Assim, os direitos

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fundamentais, reconhecidos como normas jurídicas, devem ser realizados efetivamente, não podem ser reduzidos a meras declarações políticas ou exortações morais. [45]

A interpretação dos direitos fundamentais deverá favorecer ao máximo a concretização de seu suporte fático e quando houver alguma restrição ou limitação ao seu conteúdo, que a interpretação seja feita de modo restritivo.

3. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE:

Antes de tratar da aplicação do princípio da proporcionalidade é preciso reafirmar a idéia resumida nas palavras de Steinmetz:

Uma colisão de princípios não se resolve com uma cláusula de exceção nem com um juízo de (in)validez. Requer um juízo de peso. Trata-se da ponderação de bens, com a qual, tendo presente as circunstâncias relevantes do caso e o jogo de argumentos a favor e contra, decidir-se-á pela precedência de um princípio em relação ao outro. [46]

Mais adiante ele completa: essa ponderação se realiza mediante a máxima da proporcionalidade e suas três submáximas ou máximas parciais. [47]Sem dúvida, o princípio da proporcionalidade, também chamado de princípio da razoabilidade, é a técnica mais freqüente na solução de colisão de princípios constitucionais.

O objetivo deste princípio, na concepção de Gentz, é instituir a relação entre fim e meio, confrontado o fim e o fundamento de uma intervenção com os efeitos desta para que se torne possível um controle do excesso. [48] À essa relação meio-fim, Baibrant acrescenta um terceiro elemento, qual seja, a situação de fato, estabelecendo assim a relação triangular fim, meio e situação. [49]

Em uma breve retrospectiva histórica, pode-se visualizar que o princípio da proporcionalidade surge como técnica exclusivamente ligada à Administração Pública, como forma de controlar e limitar o poder de polícia. E, até a metade do século XX, o princípio da proporcionalidade ainda estava intrinsecamente vinculado ao Direito Administrativo, carecendo de fundamentação clara e precisa. Segundo Steinmetz, apenas no pós-guerra que o princípio passa a se desenvolver amplamente, em razão de que a jurisprudência e a doutrina alemãs justificarão o princípio da proporcionalidade com base na Lei Fundamental. [50]

A partir daí, o princípio só se desenvolve e passa a ser incorporado em outros sistemas constitucionais, fenômeno que a doutrina passa a chamar de constitucionalização do princípio da proporcionalidade. Esse princípio chega a ser incorporado inclusive pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos. E é considerado hoje um princípio universal no âmbito de vigência das constituições dos Estados Democráticos de Direito. [51]

O que é importante ressaltar é que a vinculação do Princípio da Proporcionalidade ao Direito Constitucional ocorre por via dos direitos fundamentais, [52] ou seja, o princípio da proporcionalidade passa a ser o responsável pelo problema da limitação do poder legítimo por fornecer os critérios das limitações à liberdade individual. [53]

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Em outras palavras, é o princípio da proporcionalidade que serve como mecanismo operacionalizador da proteção aos direitos fundamentais dentro de um Estado Democrático de Direito, porque irá definir qual o direito deverá receber prevalência diante de um caso concreto e quais sofrerão restrições, de modo a concretizar efetivamente a atuação do escolhido. Sendo assim, esse princípio vem para conciliar o direito formal com o direito material em ordem a prover exigências de transformações sociais extremamente velozes, e doutra parte juridicamente incontroláveis caso faltasse a presteza do novo axioma constitucional. [54]

A controvérsia causada na doutrina se refere ao fato de que o princípio da proporcionalidade dá ao juiz uma ascendência muito maior que o legislador, mas poucos chegam a afirmar que ele é capaz de abalar o princípio da separação dos poderes. A doutrina e a jurisprudência alemãs foram as responsáveis pela tripartição metodológica do princípio da proporcionalidade em três subprincípos: o princípio da adequação, o princípio da necessidade ou da exigibilidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da ponderação de bens.

3.1. Os subprincípios ou elementos parciais do princípio da proporcionalidade

O primeiro subprincípio, o da adequação, também denominado de princípio da idoneidade ou princípio da conformidade, pretende fazer uma relação de adequação entre o meio empregado e o fim almejado com a realização de certo ato. Trata-se de investigar se a medida é apta, útil, idônea, apropriada para atingir o fim perseguido. [55]

Do ponto de vista negativo, o TCF alemão entendeu que uma medida é não-idônea se o for completamente, ou seja, se for totalmente inadequado para atingir o fim perseguido. Do ponto de vista positivo, o TCF diz que será adequado quando o meio escolhido possibilitar alcançar o fim perseguido. [56]

Dessa conceituação do TCF alemão se infere que pode haver, e geralmente há, mais de um meio para alcançar-se determinado fim, mas o princípio da adequação não irá escolher qual é o meio mais eficaz, mais idôneo, porque não possui esta capacidade metodológica. Propõe-se apenas a determinar se um meio é ou não idôneo para a consecução de certo fim, mas não qual meio dentre os vários disponíveis é o mais adequado.

O segundo subprincípio é o da necessidade, também conhecido como princípio da exigibilidade, da indispensabilidade ou da intervenção mínima. Importa em escolher o meio que é menos gravoso ao exercício do direito fundamental, ou seja, inquiri-se se o meio escolhido é realmente necessário à consecução do fim almejado ou se há outro meio que possa ser utilizado sem tanta restrição ao direito constitucional perseguido.

Em outras palavras, pergunta-se se a medida restritiva é realmente necessária e indispensável ou se pode ser aplicada outra menos gravosa, igualmente capaz de alcançar o fim pretendido, que cause uma intervenção menor na esfera de direito fundamental do indivíduo. Por essa razão é que também é chamado pela doutrina como princípio da escolha do meio mais suave. [57]

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Dentro deste princípio da necessidade, Steinmetz aponta quatro notas essenciais. A primeira é a da intervenção mínima no exercício do direito fundamental pelo seu titular. A segunda é a presença do elemento da dúvida, qual seja, a possibilidade de haver ao menos uma outra medida menos gravosa. A terceira já parte para a comparação entre todas as medidas de restrição utilizando o critério da menor prejudicialidade. É claro que isso só poderá ocorrer em face de um caso concreto, e este aspecto, a realização de um juízo empírico, é o quarto elemento apontado por este autor. [58]

Ocorre que por vezes há um empate no juízo de prejudicialidade, nesse caso, verifica-se qual é a medida mais eficaz. Agora, se há um meio menos prejudicial que outro, porém, menos eficaz, qual deve prevalecer? Segundo a doutrina alemã a eficácia do meio menos prejudicial deverá ser, no mínimo, igual a do meio mais prejudicial, caso contrário, não será exigível a substituição deste por aquele, em outras palavras, a doutrina alemã dá maior relevância à prejucialidade do meio do que sua eficácia, mas, ainda assim, isso deverá ser analisado diante do caso concreto.

Por fim, depara-se-nos o terceiro subprincípio chamado de proporcionalidade em sentido estrito, que pretende fazer um juízo de proporcionalidade, razoabilidade entre a medida a ser aplicada e o fim perseguido. O princípio exige que na relação meio-fim haja uma reciprocidade razoável, racional. [59]

No tocante à colisão de direitos fundamentais Alexy extrai do princípio da proporcionalidade em sentido estrito a sua lei da ponderação, formulando a seguinte máxima: cuanto mayor es el grado de la no satisfacción o de afectación de un principio, tanto mayor tiene que ser la importância de la satisfacción del outro. [60]

Para este critério, deve-se levar em conta o conjunto dos interesses em jogo. Ocorrerá a inconstitucionalidade quando a medida for "excessiva", "injustificável", ou seja, não couber na moldura da proporcionalidade. [61]

3.2. Os fundamentos do princípio da proporcionalidade

Muitos são os fundamentos da normatividade do princípio da proporcionalidade. Segundo Robert Alexy, o princípio da proporcionalidade possui estatuto de princípio geral de direito, e é um princípio deduzível ou infere-se, logicamente, da própria natureza dos princípios. Ou seja, o caráter de princípio implica o de proporcionalidade e vice-versa, porque os princípios são mandados de otimização que realizar-se-ão mediante um juízo de possibilidade jurídica e fática, operacionalizado por meio da aplicação da proporcionalidade.

A tendência de considerar-se o princípio da proporcionalidade como um princípio geral de direito está com força cada vez maior na doutrina, essa é a posição de Ulrich Zimmerli, Hans-Uwe Erichsen e A. Grisel, além do próprio Alexy, [62][62] Para esses autores, o princípio da proporcionalidade seria um princípio geral assim como o é o princípio do Estado de Direito. O TCF alemão, no entanto, considera o princípio da proporcionalidade derivado do princípio do Estado de Direito:

en la Republica Federal de Alemania, el principio de proporcionalidad tiene rango constitucional. Se deriva del principio del Estado de Derecho, en razón de la esencia misma de los derechos fundamentales que, como expresión de la pretensión de libertad

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general de los ciudadanos frente al Estado, no pueden ser limitados por el Poder Público más allá de lo que sea imprescindible para la protección de los intereses públicos. [63]

Mas a doutrina constitucional brasileira de um modo geral tende a fundamentar o princípio da proporcionalidade na cláusula do due process of law, disposta no art. 5º, LIV da CF/88, dentre os defensores destacam-se Mendes e Barroso. O Supremo Tribunal Federal também adere a esse posicionamento, fundamentando o princípio da proporcionalidade no princípio do devido processo legal em sentido material ou substantivo.

Esses últimos entendem que não há diferenças entre o princípio da proporcionalidade e o da racionalidade, de origem norte-americana. E como os americanos desenvolveram sua teoria de forma a fundamentar a racionalidade no due process of law, esses autores também fazem o mesmo com a proporcionalidade. A crítica recorrente é a de que não há equivalência entre os dois princípios, o que, portanto, pode acarretar diferenças na suas fundamentações.

Outros ainda fundamentam normativamente o princípio da proporcionalidade no princípio da dignidade da pessoa humana, num sentido de proteger o núcleo central dos direitos fundamentais, principalmente quando há uma colisão de direitos fundamentais em que as normas em conflito apresentam uma alta carga do princípio da dignidade. O problema reside no fato de que é muito difícil definir o que seja dignidade da pessoa humana, os conceitos apresentados ainda são vagos e imprecisos.

Enfim, não há um consenso doutrinário acerca da fundamentação normativa do princípio da proporcionalidade, muitos autores, inclusive, admitem uma pluralidade de fundamentos, dando prevalência a um deles, sem excluir a pertinência dos demais.

3.3.  A operacionalização do princípio da proporcionalidade e sua aplicação direta ao caso concreto desse estudo

A operacionalização do princípio da proporcionalidade, ou seja, a forma como ele deve ser empregado na solução de um conflito de direitos fundamentais consiste, em primeiro lugar, em verificar se há efetivamente uma colisão de normas-princípio, estatuídas na Constituição Federal de forma direta ou indireta (não-escritas). Apenas inicia-se o controle de proporcionalidade se o fim que se almeja tem legitimidade constitucional. [64]

Em segundo lugar, é fundamental descrever todas as situações e circunstâncias relevantes do caso em conflito. Mas, tanto o primeiro quanto o segundo passo são temas que devem ser abordados antes da aplicação do princípio da proporcionalidade. Depois de realizados estes tests prévios procede-se, sucessivamente, aos exames de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, observando-se a inter-relação entre os princípios. [65]

A verificação desses tests prévios foi o que se procurou fazer ao longo dos capítulos um e dois dessa monografia, onde se procurou identificar o conflito e delimitar as circunstâncias e os aspectos relevantes para a sua solução. Resta, ainda, verificar a aplicação do princípio da proporcionalidade ao caso concreto.

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No que tange ao princípio da proporcionalidade, primeiro deve-se proceder ao exame da adequação da decisão para, só depois de verificada esta adequação, inquirir-se da necessidade ou não da decisão e, por fim, se constatada tal exigibilidade ou necessidade, efetuar o exame da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, da sua racionalidade. Há entre os três princípios uma progressão de tipo lógico. [66]Ou seja, as etapas seguem uma ordem lógica e uma seqüência subordinada à satisfação dos requisitos do subprincípio anterior. E, na hipótese de colisão de direito fundamental, será preciso fundamentar racionalmente o resultado da ponderação de bens. [67]

Partindo da análise do caso concreto de colisão do direito à liberdade religiosa em face do direito à vida, percebe-se que há apenas dois meio de resolver o dilema: obrigar o paciente a efetuar a indesejada transfusão ou respeitar sua vontade. O primeiro meio privilegiará o direito à vida e o segundo, o direito à liberdade religiosa.

Esse é um caso, portanto, em que não existe um meio alternativo que consiga salvaguardar os elementos essenciais dos dois direitos envolvidos, o meio apto, idôneo para a consecução do fim pressupõe a escolha de qual fim o Estado quer privilegiar. O que se pode afirmar é que os dois meios mencionados acima são aptos à concretização dos dois direitos em conflito, basta que se proceda à escolha de qual direito receberá prevalência.

Assim, não há maiores indagações acerca da aplicação dos subprincípios da adequação e da necessidade nesse caso específico, já que só existem os dois meios citados para a resolução do conflito e ambos são igualmente gravosos ao direito que for preterido. Útil, nesse caso, se verifica apenas o terceiro subprincípio, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que irá determinar qual bem tem mais peso e valor para o sistema jurídico brasileiro nesse caso específico.

Utilizando a lei da ponderação de Alexy, já especificada, segundo a qual quanto maior for o sacrifício de um direito, maior deve ser a importância do outro que for protegido, pode-se formular a seguinte pergunta: a liberdade religiosa é tão importante a ponto de permitir o sacrifício da própria vida humana? Se a resposta for positiva, porquê a liberdade religiosa recebe maior relevância do que a vida?

Depois de realizada toda essa análise prévia de crítica e interpretação constitucional, a resposta que se chega é positiva, ou seja, o ponto de vista adotado é de que a liberdade religiosa deve receber prevalência em face do direito à vida. O motivo dessa ponderação está no fato de que por detrás do princípio de liberdade existe um outro princípio constitucional tão importante que foi capaz de desequilibrar a balança em favor do primeiro, qual seja, o princípio da dignidade da pessoa humana.

O princípio da dignidade, como já comentado, é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e possui o objetivo precípuo de defender a integridade de uma pessoa, de modo a permitir o desenvolvimento livre da autonomia do indivíduo e da formação de sua personalidade. Em outras palavras, esse princípio permite que a pessoa possa conduzir sua vida de acordo com uma percepção individual de seu próprio caráter, de suas próprias convicções e princípios, enfim, uma percepção do que é importante para ela e que possa inclusive, morrer por essa percepção com dignidade, já que a vida desprovida de valores e objetivos perderia por completo o seu sentido:

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as pessoas as quais se nega a dignidade podem perder o amor-próprio que ela protege, e tal recusa, por sua vez, faz com que mergulhem em uma forma ainda mais terrível de sofrimento: o desprezo e a aversão a que passam a sentir por si próprias. [68]

A conclusão alcançada é de que não há sentido forçar, exigir a proteção de uma vida à custa da dignidade dessa pessoa, porque o sacrifício desse ato de imposição acaba sendo muito maior: a morte moral do indivíduo. É preciso permitir que toda uma vida de convicções e de princípios não seja destruída na hora da morte do indivíduo; é preciso que o Direito proteja a capacidade da pessoa decidir em que medida e de que maneira procurará concretizar suas convicções, seus objetivos de vida, ou seja, é preciso que o Direito garanta a proteção da autonomia da pessoa ainda nesses casos delicados, porque essa proteção representa a proteção da dignidade humana.

Nessa mesma linha de pensamento, segundo a qual a questão da autonomia está relacionada à idéia de integridade, à permissão da valorização dos valores, das convicções e interesses de cada um, de modo a que o direito individual de autonomia torne possível a autocriação, está o jurisfilósofo americano Ronald Dworkin, para quem o Direito:

Permite que cada um conduza a sua própria vida, em vez de se deixar conduzir ao longo desta, de modo que cada qual possa ser, na medida em que um esquema de direitos possa tornar isso possível, aquilo que fez de si próprio. Permitimos que um indivíduo prefira a morte a uma amputação radical ou a uma transfusão de sangue, desde que tenha havido uma informação prévia de tal desejo, porque reconhecemos o direito que ele tem de estruturar sua vida de conformidade com seus próprios valores. [69]

Não se pode negar que há um impulso no ser humano em geral na tentativa de evitar a morte a qualquer preço pelo medo que o desconhecido lhe causa, pela angústia de não saber do depois, pelo medo do vazio, do nada. Mas o homem acaba esquecendo que, para alguns, angústia maior é uma vida sem dignidade, sem seus princípios norteadores, sem suas convicções íntimas e sua moral.

Mas o Direito é um dos instrumentos sociais mais capazes de frear os impulsos humanos, de impedir as decisões baseadas na vontade de apenas um ou de poucos indivíduos, porque a lei está posta para indicar o caminho e os fundamentos das escolhas mais relevantes. Portanto, voltando à apreciação do caso concreto, se o Estado decidir que um indivíduo tenha sua dignidade destruída ou ao menos profundamente abalada, porque entende que a vida humana tem mais valor, há que se rever todo o fundamento do Estado de Direito na sociedade brasileira, a começar pela disposição do art.1º, III da CF. Um Estado que pratica o referido juízo de peso também deveria ser compelido, por exemplo, a alimentar diariamente as milhares de crianças que acabam morrendo de desnutrição por falta de alimento, de doenças decorrentes da falta de saneamento básico, pessoas que morrem pela falta de medicamentos e de vagas nos hospitais, enfim, todas as milhares de causas indiretas das incontáveis mortes diárias no Brasil de uma maioria excluída e miserável.

A vida humana deveria ser uma razão para promover a dignidade, não para destruí-la. Se a testemunha de Jeová for obrigada a realizar o procedimento que viola profundamente suas convicções, poderá até sobreviver à doença ou à operação, mas terá

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uma sobrevida sem dignidade pessoal, provavelmente apartada de seu meio social, e profundamente abalada em sua integridade, seu amor-próprio, suas perspectivas.

Por todos esses motivos, conjugados com os que já foram referidos nos capítulos anteriores, a doutrina mais avançada vêm reconhecendo o direito à autonomia do paciente em circunstâncias desse tipo, Ronald Dworkin, em seu livro intitulado Domínio da Vida, Aborto, eutanásia e liberdades individuais, ao abordar o tema da autonomia da vontade, expressa a seguinte opinião:

Nos contextos médicos, essa autonomia está freqüentemente em jogo. Por exemplo, uma testemunha de Jeová pode recusar-se a receber uma transfusão de sangue necessária para salvar-lhe a vida, pois as transfusões ofendem suas convicções religiosas. Uma paciente cuja vida só pode ser salva se suas pernas forem amputadas, mas que prefere morrer logo a viver sem as pernas, pode recusar-se a fazer a operação. Em geral, o direito norte-americano reconhece o direito de um paciente à autonomia em circunstâncias desse tipo. [70](grifo da autora).

O argentino Ricardo Luis Lorenzetti também sugere que o Direito adota progressivamente uma atitude cautelosa, dando primazia à liberdade do indivíduo, favorecendo sua autodeterminação. [71] Mais adiante ele completa:

Adota-se, assim, a regra do consentimento prévio para o ato do médico, de sorte que a sua contraface, a negativa, é válida. Por esta via chega-se a admitir o direito a recusar tratamentos médicos, mesmo contrariando o sugerido pelo médico e diante de uma situação de risco. [72]

A colombiana Maria Patricia Castaño de Restrepo, ao concluir um trabalho voltado especificamente ao estudo dos conflitos na eficácia jurídica da vontade do paciente, diz que:

...el obligar a un paciente a someterse a un tratamiento que no quiere, cuando su voluntad se torna seria y dotada de otras condiciones que la hacen relevante, constituye una clara violación a su dignidad y a su integridad psíquica, moral y hasta física. [73]

Esta mesma autora apresenta a posição da Corte Constitucional Colombiana sobre o tema:

El sometimiento obligatorio de una persona a un tratamiento resulta inconstitucional porque "cada quien es libre de decidir si es o no el caso e recuperar su salud". "Si yo soy dueño de mi vida, a fortiori soy libre de cuidar o no de mi salud cuyo deterioro lleva a la muerte que, lícitamente, yo puedo infringirme.." [74]

Enfim, muitos outros autores poderiam ser citados, mas o intuito não é realizar uma coletânea de posicionamentos semelhantes, e sim solidificar a idéia de que esse é um entendimento de inúmeros juristas e órgãos constitucionais dos mais variados países, não é uma posição isolada, mas está crescendo e tomando força em vários Estados Democráticos de Direito, inclusive na América latina.

O anexo 2 (dois) traz um caso clínico muito semelhante ao do presente estudo, ocorrido no Hospital Universitário de Brasília, no qual a Coordenadora de Direitos Humanos da

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OAB, Simone T. A Nogueira faz um comentário em defesa do direito à liberdade de escolha do paciente. Segundo ela, uma alternativa para evitar a morte da pessoa seria a utilização de um substitutivo sintético de sangue que já está sendo empregado em experimentos em Salt Lake City, Nevada, USA.

3.4. A responsabilidade civil e penal do médico

Da conclusão que se chegou no capítulo anterior, de que a liberdade religiosa deve receber prevalência em face do direito à vida, extrai-se o dever do médico em respeitar esta vontade e não efetuar a transfusão sanguínea.

Se o médico atuar seguindo essa orientação e obedecer ao dever de informação a que o paciente tem direito, ou seja, se informar todos os riscos e danos que a decisão pode causar à saúde, inclusive o risco de vida, estará agindo em conformidade com o ordenamento jurídico e, mesmo que o paciente venha a falecer não lhe será imputado qualquer responsabilidade civil. Nesse caso, o médico atuou de forma legal e honesta, sem culpa, razão pela qual não há por que se falar em responsabilidade civil.

Caso o médico resolva praticar a transfusão de sangue sem o consentimento do paciente, também não poderá ser responsabilizado nem civilmente, nem penalmente. Não lhe poderá ser imputado culpa para caracterizar a responsabilidade civil se o próprio Conselho Federal de Medicina estipula como recomendação ética a seguinte diretiva:

em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética, deverá observar a seguinte conduta: 1º Se não houver perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis. 2º Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente do consentimento do paciente ou de seus responsáveis. [75]

Se um médico atua segundo estas recomendações de seu Comitê de Ética, também não pode sofrer qualquer punição, não é justo que o médico seja responsabilizado por um ato que lhe é sugerido como correto pelo seu órgão superior, ou seja, um ato indicado como um dever de conduta médica pautada na ética, já que a matéria que é deveras controvertida.

Essa é a opinião de Miguel Kfouri Neto:

Entendemos que em nenhuma hipótese poder-se-ia buscar reparação de eventual dano – de natureza moral – junto ao médico: se este realizasse, p. ex., a transfusão de sangue contra a vontade do paciente ou de seu responsável – provado o grave e iminente risco de vida; se não a realizasse, diante do dissenso consciente do paciente capaz, seria impossível atribuir-lhe culpa. De qualquer modo, sendo o paciente menor de dezoito anos, incumbirá ao facultativo, como medida de cautela – e se as circunstâncias permitirem – requerer ao Juízo da Infância e a Juventude permissão para realizar o ato indesejado pelos responsáveis. [76]

Também não se pode imputar uma responsabilidade penal ao médico que realiza a transfusão contra a vontade da paciente ou que respeita essa vontade. No primeiro caso a lei penal estabelece no art. 146, § 3º, I do CP que não configura crime de constrangimento ilegal a intervenção médica e cirúrgica, sem o consentimento do

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paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida. Da mesma forma que não se pode responsabilizar penalmente o médico no segundo caso por omissão de socorro se ele agiu em conformidade com o ordenamento jurídico vigente.

Se essa posição for adotada se evitará decisões como a do anexo 3 desse trabalho do Superior Tribunal de Justiça, na qual se negou hábeas corpus ao médico que estava preso, acusado de crime de homicídio, porque decidiu respeitar a vontade do paciente testemunha de Jeová que não permitia a realização de transfusão de sangue.

De qualquer forma, não é fácil para o médico lidar com essa situação porque, para respeitar a vontade do paciente, deverá agir contra as suas convicções médicas e sua autonomia, portanto, na opinião de vários juristas, o médico pode se negar a prosseguir no tratamento do paciente testemunha de Jeová:

A restrição à realização de transfusões de sangue pode gerar no médico uma dificuldade em manter o vínculo adequado com o seu paciente. Ambos tem diferentes perspectivas sobre qual a melhor decisão a ser tomada, caracterizando um conflito entre a autonomia do médico e a do paciente. Uma possível alternativa de resolução deste conflito moral é a de transferir o cuidado do paciente para um médico que respeite esta restrição de procedimento. [77]

CONCLUSÃO

Após o desenvolvimento desse estudo a conclusão mais importante que se alcançou é a de que não existem verdades inabaláveis, teorias indestrutíveis, impressões irrefutáveis e que é saudável, senão fundamental ao jurista saber mudar de opinião quando lhe seja demonstrado que outra tese é mais coerente, mais perspicaz ou simplesmente mais justa para a solução do caso concreto.

Essa guinada de opinião foi o que aconteceu ao longo da pesquisa empregada nesse trabalho de conclusão de curso. No princípio, como foi relatado na introdução, a linha adotada exprimia a certeza da prevalência do direito à vida em face do direito à liberdade religiosa. À medida que as etapas eram percorridas, muitas dúvidas iam surgindo e a chama da certeza ia se apagando até ser completamente substituída pela luz de argumentos opostos, divergentes e contestadores.

Passo a passo procurou-se construir um raciocínio lógico, antes de tudo crítico, ao abordar as limitações e as fraquezas humanas, depois, interpretativo, buscando a sistemática e a finalidade de todo o sistema jurídico, e por último, proporcional, de modo a relacionar a crítica com a interpretação e a vontade maior do sistema. Enfim, a ponderação não reside apenas na aplicação do princípio da proporcionalidade, mas na inter-relação das várias etapas percorridas.

A conclusão dessa ponderação não pretende afirmar que a vida humana não tem valor, pelo contrário, seu valor é inestimável, é tão grande que, para que o Direito aceite seu sacrifício, tamanho pensamento lógico tenha que ser construído, e outro bem mais importante mereça receber a proteção jurídica. Esse princípio que merece receber

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prevalência no caso concreto é o da dignidade da pessoa humana, refletido no princípio da liberdade religiosa dos seguidores da religião testemunhas de Jeová.

Impossível resumir todos os argumentos que levaram a fazer tal juízo de peso e relevância, para tanto, é fundamental percorrer toda a trajetória desse trabalho, mas o ensinamento que fica de todo o estudo é que a racionalidade do Direito ultrapassa a pura discricionariedade de seus hermeneutas e o apego às teorias pré-concebidas. A lógica do sistema precisa ser, a todo o momento, questionada, para conseguir reformular as concepções erradas ou ultrapassadas do Direito.

Enfim, ter uma certeza não é errado, errado é nunca levantar nenhuma dúvida.

Mas, em função da existência verídica do caso concreto relatado, o questionamento que resta volta-se para seu desfecho no Hospital Escola de Pelotas. A paciente internada em estado grave acabou retratando-se de seu desejo inicial e resolveu permitir a transfusão de sangue proibida pelos seus dogmas religiosos. Com esse ato, acabou salvando sua vida, mas não se sabe quais foram as outras conseqüências não visíveis de sua decisão.

Todavia, o importante afinal, não é que o Direito decida entre a vida e a liberdade religiosa, e sim, que deixe essa escolha a cargo do próprio indivíduo, como acabou ocorrendo no caso concreto. Para concluir esse entendimento, volto-me para as palavras de Dworkin sobre a importância da autonomia da pessoa:

Talvez o principal valor dessa capacidade só se concretize quando uma vida realmente manifestar uma integridade e uma autenticidade absolutas. Mas o direito à autonomia protege e estimula essa capacidade em qualquer circunstância, permitindo que as pessoas que a têm decidam em que medida, e de que maneira, procurarão concretizar esse objetivo. [78]

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NOTAS

01 Luís Diez Picazo, Los princípios generales del Derecho en el pensamiento de F. de Castro, apud Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, pp. 228-229.

02 Op. Cit., p. 232.

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03 Ibidem, p. 234.

04 Ibidem, p. 234.

05 Ibidem, p. 235.

06 Luís Roberto Barroso, Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo),vol. 38, p. 114.

07 V. Crisafulli, La Constituizione e le sue Disposizioni di Principio, apud Paulo Bonavides, Op. Cit., p. 230.

08 V.Crisafulli, La Constituizione e le sue Disposizione di Principio, apud Paulo Bonavides, Op. Cit., p. 245.

09 Paulo Bonavides, Op. Cit., p. 237.

10 Ibidem. p. 238.

11 Ibidem. p.239-240.

12 Ibidem, p. 244.

13 Ibidem, p. 245.

14 Ibidem, p. 246.

15 Ibidem,.p. 259.

16 Ibidem, p. 248.

17R. Dworkin, Taking Rights Seriously, apud Paulo Bonavides, Op.Cit., p. 253.

18 Luís Roberto Barroso, Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), p. 106.

19 Ibidem, p. 106.

20 Ibidem, p. 106.

21 R. Dworkin, Taking Ritghts Seriously, apud Paulo Bonavides, Op. Cit., p. 254.

22 Luís Roberto Barroso, Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), p. 92.

23 Paulo Bonavides, Op. Cit.,. p. 557.

24 Konrad Hesse, La interpretación constitucional, apud. Wilson Antônio Steinmetz. Colisão de Direitos Fundamentais e o princípio da proporcionalidade, p. 90.

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25 Luís Roberto Barroso, Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo),. p. 94.

26 Ibidem, p. 95.

27 Ibidem, p. 95.

28 Ibidem, p. 95.

29 De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, vol. II, p. 865.

30 Ibidem, p. 819.

31 Ronald Dworkin, Domínio da Vida "Aborto, eutanásia e liberdades individuais", p. 1.

32 Ronald Dworkin, Op. Cit,. p. 317.

33 Ibidem, p. 319.

34 Ibidem, p. 319.

35 Ronald Dworkin, Op. Cit.,. p. 319.

36 Luis Roberto Barroso, Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), p. 110.

37 Ibidem, p. 110.

38 Declaração Universal dos Direitos do Homem, preâmbulo.

39 Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, p. 131.

40 Luís Robeto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 192.

41 Ibidem, p. 192.

42 Wilson Antônio Steinmetz, Op. Cit., p. 95.

43 Ibidem, p. 95.

44 Luís Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 241.

45 Wilson Antônio Steinmetz, Op. Cit., p. 98.

46 Ibidem, p. 126

47 Ibidem, p. 126.

48 Manfred Gentz, Zur Verhältnismässigkeit von Grundrechtseingriffen, apud Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 357.

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49 Xavier Philippe, Le Controle de Proportionnalité dans lês Jurisprudences Constitutionelle et Administrative Française, apud Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 357.

50.Wilson Antônio Steinmetz, Op. Cit.,. p. 146.

51 Ibidem, pp. 146-147.

52 Paulo Bonavides, Op. Cit., p. 359.

53 Ibidem, p. 359.

54 Ibidem, pp. 362-363.

55 Ibidem, p. 149.

56 Ibidem, p. 150.

57 Paulo Bonavides, Op. Cit., p. 361.

58 Ibidem, p. 151.

59 Ibidem, p. 152.

60 Robert Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, apud Wilson Steinmetz, Op. Cit., p. 153.

61 Paulo Bonavides, Op.Cit., p. 361. Quanto maior é o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tão maior deve ser a importância da satisfação do outro.

62 Ibidem, p. 364.

63 BverfGE 19, 342, apud Wilson Antônio Steinmetz, Op. Cit., pp. 159-160. Na República Federal da Alemanha, o princípio da proporcinalidade tem posto constitucional. Deriva do princípio do Estado de Direito, em razão da própria essência dos direitos fundamentais que, como expressão da pretensão de liberdade geral dos cidadãos frente ao Estado, não podem ser limitados pelo Poder Público mais do que seja imprescindível para a proteção dos interesses públicos.

64 Wilson Antônio Steinmetz, Op. Cit., p. 154.

65 Ibidem, p.154.

66 Ibidem, p. 154.

67 Ibidem, p. 155.

68 Ronald Dworkin, Op. Cit., p. 335.

69 Ibidem, p. 316.

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70 Ibidem, p. 319.

71 Ricardo Luis Lorenzetti. Fundamentos do Direito Privado. p. 134.

72 Ibidem, p.134.

73 María Patricia Castaño de Restrepo. Conflicto de Derechos y Deberes en la Determinación de la Eficacia Jurídica de la Voluntad del Paciente. p. 186.Obrigar um paciente a submeter-se a um tratamento, quando sua vontade se torna séria e dotada de outras condições que a fazem relevante, constitui uma clara violação à sua dignidade e à sua integridade física, psíquica e moral.

74 Ibidem, p. 187. A submissão obrigatória de uma pessoa a um tratamento resulta inconstitucional porque "cada um é livre para decidir se é ou não caso de recuperar sua saúde". "Se eu sou dono de minha vida, a princípio sou livre para cuidar ou não de minha saúde cuja deterioração leva à morte que, licitamente, eu posso imputar-me".

75 Aldir Guedes Soriano, Terapia Transfusional: Aspectos Jurídicos, p. 4.

76 Miguel Kfouri Neto, Responsabilidade Civil do Médico, apud Aldir Guedes Soriano, Op. Cit., p. 4.

77 José Roberto Goldim. Transfusão de Sangue em Testemunhas de Jeová. p. 1.

78 Ronald Dworkin, Op. Cit., pp. 319-230.

ANEXO 1

ÍNTEGRA DA INICIAL DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

Fonte: Assessoria de Imprensa da Procuradoria da República de Goiás, através do site www.prgo.mpf.gov.br/prgonova/imprensa/nota64.htm, acessado dia 03/09/03.

AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA TRANSFUSÃO DE SANGUE

O Procuradores da República Anastácio Nóbrega Tahim Júnior e Helio Telho Corrêa Filho ajuizaram, na data de hoje (22/03/2002), Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada, visando obter autorização judicial para realização de transfusão de sangue, em paciente Testemunha de Jeová, contra a sua vontade, em virtude do risco de vida.

A ação foi distribuída para a 3ª Vara da Justiça Federal, onde Juiz Carlos Humberto deferiu a liminar.

Segue abaixo a íntegra da Inicial da ACP.

Goiânia, 22 de março de 2002

Page 35: Colisão de direitos fundamentais

Assessoria de Comunicação Social

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da ___ Vara da Seção Judiciária do Estado de Goiás, a quem couber por distribuição legal.

URGENTÍSSIMO

Segredo de Justiça

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio dos PROCURADORES DA REPÚBLICA signatários, com fundamento no art. 127, caput, in fine, da Constituição da República e 287, do CPC, vem à presença de Vossa Excelência propor

A Ç Ã O C I V I L P Ú B L I C A

com pedido de TUTELA ANTECIPADA

em face de

1 - Universidade Federal de Goiás (Hospital das Clínicas), na pessoa da Magnífica Reitora Milca Severina Pereira, Rodovia Goiânia-Nerópolis, km 2, cx 131, Campus II Samambaia, ICB-4, Goiânia/GO;

2 – omissis,.. .., atualmente internada no Hospital das Clínicas, nesta Capital, prontuário n. omissis, leito omissis, 1.ª Avenida, s/n, Setor universitário, Goiânia/GO, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:

I – Dos Fatos

Por intermédio de Ofício (documento n.º 01), O Diretor Geral do Hospital das Clínicas, da Universidade Federal deste Estado, traz ao conhecimento da Procuradoria da República o seguinte fato:

"Encontra-se internada no leito omissis da Enfermaria da Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, prontuário n.º omissis, desde 01/02/2002, a paciente omissis, em tratamento de insuficiência renal crônica e complicações infecciosas (pneumonia, fungemia, infecção de escara sacral).

(...) necessitando, portanto, de que seja feito transfusão de sangue, no entanto, a paciente bem como a sua acompanhante, recusam que seja realizado tal procedimento (...) alegam que sendo Testemunhas, a religião não permite que os seus seguidores sejam transfundidos. Caso não seja autorizado o Hospital tomar tal providência, a paciente fatalmente irá a óbito, no menor espaço de tempo possível.

(...)"

Ao final, solicita "autorização para realizar a transfusão de sangue na paciente acima mencionada com urgência, sob pena da paciente vir a óbito.", diante da recusa da paciente, que é testemunha de Jeová, em se submeter a este procedimento médico, em virtude de convicção religiosa (observar documento n.º 02).

Page 36: Colisão de direitos fundamentais

II – Do Direito

No caso em epígrafe está-se cuidando de paciente maior de idade, consciente e, até prova em contrário, no perfeito gozo de suas faculdades mentais, que antecipadamente manifestou sua objeção à transfusão de sangue, ainda que esse procedimento viesse a se configurar a sua última tábua de salvação.

Ocorre que, nada obstante a declaração de vontade da paciente, a Constituição da República, em seu art. 5º, caput, consagra o princípio dainviolabilidade do direito à vida.

No dizer de Jacques Robert:

"O respeito à vida humana é a um tempo uma das maiores idéias de nossa civilização e o primeiro princípio da moral médica. É nele que repousa a condenação do aborto, do erro ou da imprudência terapêutica, a não-aceitação do suicídio. Ninguém terá o direito de dispor da própria vida, a fortiori da de outrem e, até o presente, o feto é considerado como ser humano". (apud, José Afonso da Silva, Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., São Paulo, Malheiros, 1994, pág. 182).

O direito à vida é, pois, indisponível, não estando na esfera de disposição ou disponibilidade do indivíduo, seja por que motivo for, mesmo que em razão de firmes convicções religiosas.

Por ser a vida indisponível, é legítima a intervenção judicial, provocada pelo Ministério Público, com o propósito de preservá-la.

Isto porque está o Ministério Público, via ação civil pública, legitimado a tutelar direito individual indisponível ¾ como o é o direito à vida ¾ , nos termos do artigo 127, caput, da Carta Republicana em vigor, e artigo 6º, inciso VII, alíneas "a" e "d", da Lei Complementar n.º 75/93, verbis:

"Art. 6º - Compete ao Ministério Público da União:

(..)

VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

a) a proteção dos direitos constitucionais;

(...)

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;"

Também não é dado ao Hospital das Clínicas abster-se de realizar os procedimentos médicos recomendados pela ciência para salvar a vida do paciente, sob o argumento de que o paciente os recusa.

III – Da Necessidade da Antecipação da Tutela

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De acordo com o OF. N. 047/02, datado de hoje, assinado pelo Diretor Geral do Hospital das Clínicas da UFG, Prof. Dr. Rodopiano de Souza Florêncio, a paciente em questão "necessita emergencialmente" do tratamento prescrito e a sua não realização o levará à óbito.

Há fundado receio, baseado no expediente firmado pelo Diretor Geral do HC, da ocorrência de dano irreparável, qual seja, a morte da paciente.

A intervenção judicial que ora se pede não trará qualquer prejuízo para a paciente. Ao contrário, poderá salvar-lhe a própria vida, daí não se aplicar, no caso em tela, a restrição contida no art. 273, § 2º, do CPC.

IV – Dos pedidos

Por todo o exposto, requer o Ministério Público Federal:

a) a imediata e urgente antecipação dos efeitos da tutela , inaudita altera pars, tendo em vista o risco de vida que corre o paciente em tela, expedindo-se mandado endereçado ao Diretor Geral do Hospital das Clínicas da UFG para que cumpra, incontinenti, a ordem judicial ora pleiteada, no sentido de determinar à Universidade Federal de Goiás, por intermédio do Hospital das Clínicas, que dispense à paciente em tela os tratamentos e procedimentos médicos que forem recomendados pela ciência para salvar-lhe a vida e colocá-la fora de risco, inclusive a transfusão sangüínea, se necessário for, independentemente de seu consentimento ou apesar de suas objeções;

b) a citação dos réus, via oficial de Justiça, para, querendo e no prazo legal, apresentarem resposta à presente demanda;

c) digne-se Vossa Excelência de requisitar cópia do Prontuário Médico da paciente e demais documentos pertinentes;

d) a procedência do pedido, nos termos em que requerido à título de antecipação de tutela;

e) a cominação de pena pecuniária, na forma prevista no art. 287, do CPC, para a hipótese de descumprimento da ordem requerida no item "b" acima.

f) para preservar a intimidade e a privacidade do paciente, colocando-o a salvo de eventual repercussão do caso na opinião pública, requer seja decretado Segredo de Justiça, determinando que a divulgação do fato só possa ocorrer com a omissão do nome do paciente, sob as penas da lei.

Embora a vida tenha valor inestimável, para satisfazer o requisito legal dá-se à causa o valor de R$1.000,00.

Nestes termos.

Pede deferimento.

Goiânia/GO, 22 de março de 2002

Page 38: Colisão de direitos fundamentais

Anastácio Nóbrega Tahim Júnior Helio Telho Corrêa Filho

Procurador da República Procurador da República

ANEXO 2

CASO CLÍNICO

Fonte: Comissão de Ética de Direitos Humanos da OAB – Seção Distrito Federal, site:

www.cfm.org.br/revista/411996/caso5.htm acessado dia 15/10/03

CASO CLÍNICO - (continuação)

Comentários - (continuação)

Simone T. A. Nogueira, Coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da OAB - Seção Distrito Federal e Membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB.

Fatos ocorridos recentemente, no Hospital Universitário de Brasília, envolvendo um paciente pertencente ao grupo religioso dos Testemunhas de Jeová, converteram-se em outro exemplo do cada vez mais inafastável papel da bioética como instrumento capaz de orientar a conduta dos profissionais da área médica, pesquisadores e cientistas tanto na definição de suas ações, em certas circunstâncias, quanto na solução de possíveis conflitos que têm como objeto a própria vida.

O paciente em questão, com quadro de leucemia aguda, necessitava de transfusão de sangue, pelo procedimento médico padrão no seu tipo de enfermidade, o que era vedado, contudo, por sua crença religiosa. Apresentava-se perfeitamente lúcido e consciente, tendo manifestado diretamente ao médico que o atendera ser contrário à transfusão, argumentando que, pela interpretação bíblica peculiar dos Testemunhas de Jeová, receber sangue de outra pessoa, além de se chocar com a proibição geral de consumo de sangue de qualquer natureza (Deuteronômio 12:23-25) eqüivale a se alimentar de outro ser humano. Essa negativa, contudo, não tem conotação niilista ou eutanásica. Não significa que a própria pessoa se autocondene a morrer, ou que não possam ser pesquisados e utilizados outros expedientes e procedimentos médicos capazes de salvar-lhe a vida. Todos os recursos da medicina são aceitos, à exceção, apenas, da transfusão de sangue humano.

No caso em tela, sem embargo das boas intenções que devem ter orientado a atitude, e descartando-se qualquer discussão acerca de ser "certa" ou "errada" aquela crença dos seguidores das Testemunhas de Jeová, o que ocorreu, em verdade, foi que se acabou por violar e desrespeitar a posição pessoal de uma pessoa, circunstancialmente paciente, livre e conscientemente manifestada. A equipe médica, presumivelmente pressionada por parentes do paciente, tomou a iniciativa de submeter o caso ao Poder Judiciário. Sob a justificativa de preservação de um bem supremo, a vida, a medida teve êxito, com o deferimento e a expedição de alvará judicial que autorizou os médicos a submeterem o paciente à transfusão sangüínea, ainda que contra seu expresso desejo – o que acabou acontecendo. A tal propósito, vale consignar de imediato que o CRM-DF, justamente

Page 39: Colisão de direitos fundamentais

respeitando essa concepção de vida e buscando resguardar as pessoas que a vivenciam, orienta e recomenda – em atenção a um princípio fundamental da bioética, que é o respeito à dignidade e à autonomia de crença da pessoa humana, enquanto paciente – que sejam feitos o possível e o impossível para que tal tipo de paciente não seja transfundidos. Paralelamente, num esforço elogiável e com grande correção bioética, vem empreendendo esforços junto aos dirigentes dos Testemunhas de Jeová com o objetivo de que seja enviado à Brasília, por pesquisadores membros dessa religião, o substitutivo sintético de sangue, produto hoje em fase de estudo avançado de pesquisas e experimentos em Salt Lake City, Nevada, USA, sede mundial daquela religião.

ANEXO 3

JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Fonte: site do STJ: www.stj.gov.br acessado dia 11/09/03.

STJ - Superior Tribunal de Justiça 30/10/2003

Pesquisa Textual - Jurisprudência

Acórdão

RHC-7785/SP ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS

1998/0051756-1

Relator(a)

Min. FERNANDO GONÇALVES (1107)

Órgão Julgador

SEXTA TURMA

Data da Decisão

05/11/1998

Fonte

DJ DATA:30/11/1998 PG:00209

RTJE VOL.:00169 PG:00285

Ementa

PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. FALTA DE

JUSTA CAUSA.

Page 40: Colisão de direitos fundamentais

1. A justa causa, apta a impor o trancamento da ação penal, é aquela

perceptível "ictu oculi", onde a ilegalidade é patente e evidenciada

pela simples enunciação dos fatos a demonstrar ausência de qualquer

elemento indiciário que dê base à acusação.

2. Impossível a verificação da existência ou não de crime na via

estreita do "habeas corpus" em razão da necessidade de análise

aprofundada de provas.

3. RHC improvido.

Decisão

Por unanimidade, negar provimento ao recurso.

Resumo Estruturado

DESCABIMENTO, TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL, HOMICIDIO, REU,

MEDICO, TESTEMUNHA DE JEOVA, RESPONSABILIDADE, IMPEDIMENTO,

TRANSFUSÃO DE SANGUE, HIPOTESE, DENUNCIA, DESCRIÇÃO, CRIME EM TESE,

INEXISTENCIA, PROVA INEQUIVOCA, ATIPICIDADE, CONDUTA, FALTA DE JUSTA

CAUSA, NECESSIDADE, DILAÇÃO PROBATORIA.

Referências Legislativas

LEG:FED DEL:002848 ANO:1940

***** CP-40 CODIGO PENAL

ART:00121 ART:00146 PAR:00003 INC:00001

LEG:FED CFD:****** ANO:1988

***** CF-88 CONSTITUIÇÃO FEDERAL

ART:00005 INC:00006 INC:00008

Page 41: Colisão de direitos fundamentais

Veja

STJ - RHC 6484-ES

Número de Sucessivos 1

Sucessivos

RHC 8091 RJ 1998/0085928-4 DECISÃO:23/02/1999

DJ DATA:22/03/1999 PG:00255