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COLOSSENSES Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 INTRODUÇÃO I. DESTINATÁRIO Colossos, nos tempos do Novo Testamento, era uma cidade cuja glória tinha perecido havia muito tempo. As cidades vizinhas no vale do Lico, Hierápolis e Laodicéia, tinham entrementes atingido uma posição de muito maior eminência. Numa parada ali do grande exército do Xerxes, durante a sua marcha contra a Grécia, Colossos foi descrita como uma grande cidade da Frígia (Her. VII, 30); porém Estrabão, escrevendo duas gerações antes de Paulo, chama-a «uma pequena cidade». Significativo, também, é o fato que, enquanto Laodicéia e Hierápolis aparecem muito nos registros primitivos da Igreja Cristã, Colossos praticamente desaparece. Isto induziu o Bispo Lightfoot a escrever: «Sem dúvida Colossos foi a Igreja menos importante para a qual uma epístola de São Paulo foi endereçada». Além da população frígia havia em Colossos um número substancial de judeus e gregos. Referências tais como Cl 1.27; 2.23; 3.7, sugerem que uma grande proporção dos membros da Igreja de Colossos era gentia, enquanto que a presença de um elemento judeu pode ser inferida pela natureza da heresia que Paulo atacava no curso da carta. Há também testemunho independente da presença de uma numerosa e influente comunidade judaica no distrito. “Nós damos graças a Deus... porquanto ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus” (1.3-4). “Epafras... que também nos declarou a vossa caridade no Espírito” (1.7-8). Estas expressões, e particularmente as

Colossenses - N. Comentario

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NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA Intervarsity Press (Leicester, Inglaterra)

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COLOSSENSES Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4

INTRODUÇÃO I. DESTINATÁRIO Colossos, nos tempos do Novo Testamento, era uma cidade cuja

glória tinha perecido havia muito tempo. As cidades vizinhas no vale do Lico, Hierápolis e Laodicéia, tinham entrementes atingido uma posição de muito maior eminência. Numa parada ali do grande exército do Xerxes, durante a sua marcha contra a Grécia, Colossos foi descrita como uma grande cidade da Frígia (Her. VII, 30); porém Estrabão, escrevendo duas gerações antes de Paulo, chama-a «uma pequena cidade». Significativo, também, é o fato que, enquanto Laodicéia e Hierápolis aparecem muito nos registros primitivos da Igreja Cristã, Colossos praticamente desaparece. Isto induziu o Bispo Lightfoot a escrever: «Sem dúvida Colossos foi a Igreja menos importante para a qual uma epístola de São Paulo foi endereçada».

Além da população frígia havia em Colossos um número substancial de judeus e gregos. Referências tais como Cl 1.27; 2.23; 3.7, sugerem que uma grande proporção dos membros da Igreja de Colossos era gentia, enquanto que a presença de um elemento judeu pode ser inferida pela natureza da heresia que Paulo atacava no curso da carta. Há também testemunho independente da presença de uma numerosa e influente comunidade judaica no distrito.

“Nós damos graças a Deus... porquanto ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus” (1.3-4). “Epafras... que também nos declarou a vossa caridade no Espírito” (1.7-8). Estas expressões, e particularmente as

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 2 palavras introdutórias do capítulo 2, revelam que pelo menos no tempo da composição da carta, o apóstolo não tinha visitado a Igreja em Colossos. Apesar disso, a relação entre Paulo e esta igreja é muito íntima e cordial. Epafras, que aparece na carta como um dos que lhes tinham anunciado o evangelho, é apresentado em alguns manuscritos como tendo agido neste múnus, da parte do apóstolo (1.7). Ele era provavelmente um dos convertidos de Paulo em Éfeso. Além disso, Paulo teve contacto com a Igreja por meio de Filemom e agora por meio de Onésimo, escravo de Filemom (veja 4.9). Foi na ocasião da volta de Onésimo a Filemom, para entregar-lhe a carta de Paulo, e acompanhado por Tíquico, que esta carta foi expedida.

II. AUTORIA E DATA Está claro que Colossenses foi escrita no mesmo tempo que

Filemom e as duas cartas parecem ter sido distribuídas pelos mesmos mensageiros. A questão da autenticidade de Colossenses está, portanto, intimamente ligada à de Filemom. Baur, ao rejeitar a autenticidade de Colossenses, foi forçado a negar também a de Filemom. Ele encontrou em Colossenses idéias as quais ele considerou pertencer a um gnosticismo posterior. Porém o autor da epístola é compelido a usar certos termos quase gnósticos a fim de destruir, mais completamente, o ensino dos heréticos. Não pode haver nenhuma dúvida de que Paulo escreveu Filemom (veja a introdução àquela carta) e o argumento que atribui a mesma autoria a ambos é irresistível. Além disso, o testemunho externo de Colossenses é muito forte e os eruditos estão geralmente a favor da autoria paulina.

A carta obviamente pertence a um período quando Paulo estava preso (Cf. Cl 4.3,18). Alguns comentadores a colocam com outras 'cartas de prisão', no tempo de um aprisionamento anterior, com a sugestão de que o lugar foi Éfeso. Eles salientam os fatos que Paulo escreve no seu nome e no de Timóteo, e que tinha Timóteo consigo em Éfeso. Além

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 3 disso, eles argumentam que Paulo parece estar em íntimo contacto com a Macedônia e a Ásia Menor. Isso não sugere talvez Éfeso mais do que Roma? Outrossim, teria Paulo enviado Onésimo todo o caminho desde Roma até Colossos, tendo em vista as grandes dificuldades das viagens naqueles dias? Para uma consideração detalhada desta sugestão, veja a Introdução a Filipenses.

Estes argumentos parecem fortes até serem reunidos os argumentos tradicionais a favor de Roma. Roma era um lugar ideal para um escravo trânsfuga como Onésimo. Mais ainda, a composição destas cartas gêmeas exigiria, razoavelmente, um demorado aprisionamento, e não há nenhuma evidência disso em Éfeso. A crise em Éfeso parece ter sido severa e repentina. O aprisionamento em Roma satisfaria as condições requeridas para uma redação cuidadosa e ampla como é encontrada nestas epístolas. Além disso, há referências em Filipenses ao «Pretório» e à «casa de César» que logo devem sugerir Roma. Pode ser seguramente aceita, então, a hipótese que a carta foi escrita durante o aprisionamento registrado em At 28, provavelmente no ano 61 A. D. (veja também o artigo geral, «As Epístolas de Paulo»).

III. OCASIÃO A carta aos colossenses foi escrita principalmente para combater

uma heresia sutil e perigosa. Tentativas têm sido feitas para identificar e designar a heresia, sendo notável entre elas a de Lightfoot que procura identificá-la como o Essenismo judaico. Porém, mais importante do que identificar a heresia é ver os seus princípios fundamentais. A passagem de relevância principal é 2.8-23. Neste trecho, vários elementos da heresia são mencionados ou implicados. O ensino é representado como uma «filosofia» (2.8); provavelmente insistia na execução do rito iniciatório judaico da circuncisão (2.11); obrigava a observância de dias especiais, tais como as luas novas e o sábado (2.16), e com práticas ascéticas (2.16). Houve também uma tendência para despojar Cristo da

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 4 toda suficiência da Sua mediação entre Deus e o homem, interpondo seres espirituais como um meio de comunicação entre o homem e a divindade, e a conseqüente adoração destes seres (2.18-19).

O elemento judaico é bastante claro. O que pode ser dito do mais estranho elemento de adoração de anjos? Aqui estão discernidas definidas tendências gnósticas. A base do gnosticismo é a doutrina que a matéria é má. Na criação, Deus não poderia vir em contacto direto com a matéria. É necessário, portanto, pressupor um número de emanações da divindade, um número de seres espirituais germinativos, o primeiro emanando de Deus, o segundo do primeiro e assim por diante até que, descendo eles mais e mais, possibilita finalmente contacto com a matéria. Somente assim poderia Deus ter criado o universo e, ao mesmo tempo, manter inviolável a Sua Santidade. Segue-se, então, que a hierarquia destes seres angélicos teriam controle do universo material no qual o homem tem de viver. Este deve, portanto, obter o apoio dos seres espirituais que o protegeriam contra as forças em ação no universo material. Assim a obra de Cristo havia de ser suplementada por um culto de anjos.

Torna-se patente que a heresia é coisa grave. Ousa afirmar a insuficiência de Cristo na obra da redenção humana. Paulo se opõe a esta «filosofia» - pode ser muito bem chamada uma «teosofia» -- afirmando a supremacia absoluta de Cristo no universo. Contra o pano de fundo desta heresia deve ser vista a importância suprema da grande passagem em Cl 1.15-20, onde a significação cósmica da pessoa e obra de Cristo é magistralmente demonstrada. Cristo não é um dos muitos seres espirituais através dos quais a nossa redenção é realizada. Ele é superior a todas as coisas, o Agente da criação, o Unigênito, no qual foi do agrado do Pai que toda a plenitude residisse. A significação e propósito do universo são, portanto, conhecidos nEle.

A própria heresia que Paulo combate explana o fato que esta carta tem um tom mais filosófico do que outras epístolas paulinas. Porém, mesmo nesta carta, o magno pensamento de reconciliação é central, e a grande doutrina de nossa participação mística na morte e ressurreição de

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 5 Cristo é demonstrada. Ocasionada por uma heresia específica, a carta, nas mãos de Paulo, torna-se uma declaração da fé vital nos seus aspectos doutrinal e ético.

Existe uma íntima relação entre este livro e Efésios, havendo em ambos passagens virtualmente idênticas. Para uma nota sobre isto, veja a Introdução aos Efésios.

PLANO DO LIVRO

I. SAUDAÇÃO E AÇÃO DE GRAÇAS -- 1.1-8 II. ORAÇÃO PELO PROGRESSO ESPIRITUAL DOS COLOSSENSES -- 1.9-14 III. CRISTO EM RELAÇÃO COM DEUS, COM O UNIVERSO E COM A IGREJA -- 1.15-19 IV. A OBRA RECONCILIADORA DE CRISTO -- 1.20-23 V. A TAREFA DO APÓSTOLO NA PROCLAMAÇÃO DESSA OBRA -- 1.24-2.3 VI. ADVERTÊNCIA E REFUTAÇÃO DO FALSO ENSINAMENTO -- 2.4-23 VII. A NOVA VIDA E A VELHA -- 3.1-11 VIII. AS VESTES DA SANTIDADE -- 3.12-17 IX. INJUNÇÕES CONCERNENTES À VIDA DOMÉSTICA -- 3.18-4.1 X. EXORTAÇÃO À ORAÇÃO, SABEDORIA E CONVERSAÇÃO PRUDENTE -- 4.2-6

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 6 XI. RECOMENDAÇÃO E SAUDAÇÃO FINAIS -- 4.7-18

COMENTÁRIO Colossenses 1 I. SAUDAÇÃO E AÇÃO DE GRAÇAS - 1.1-8 Nas suas sentenças iniciais o apóstolo adota a forma costumeira de

saudação, porém, com seus próprios toques hábeis, apresenta-a em moldes cristãos. Considerando o uso do título autoritário, particularmente da frase pela vontade de Deus, alguns comentadores pensam que Paulo está procurando defender a sua autoridade contra aqueles que possam desconfiar dela (cf. Gl 1). Em vista, todavia, do uso da mesma expressão em 1Co 1.1; 2Co 1.1; Ef 1.1, etc., Lightfoot se inclina para a opinião que a expressão deve ser tomada como “uma renúncia de todo valor pessoal, e uma declaração da graça imerecida de Deus”. Esta é provavelmente a interpretação certa. Pois a frase “pela vontade de Deus” sai livremente da pena do apóstolo nos contextos onde não pode ter nenhuma significação polêmica (cf. Rm 15.32).

Timóteo (1). Timóteo está freqüentemente associado com Paulo na saudação inicial (cf. Filipenses e Filemom), e a saudação aqui é claramente de ambos. A associação não se menciona mais depois do verso 23.

O povo a quem o apóstolo escreve é designado “santos e fiéis irmãos em Cristo” (2). Como santos, eles foram separados para Deus, pois a significação fundamental da palavra é «posto de lado, reservado». Talvez o incomum título suplementar de “fiéis irmãos em Cristo” sugira por implicação que Paulo esteja se dirigindo somente àqueles que estão firmes na sua profissão. Veja, porém, Ef 1.1. Os melhores manuscritos dão a saudação como “graça a vós e paz da parte de Deus nosso Pai”, omitindo “e o Senhor Jesus Cristo”. Este é o único lugar

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 7 onde o nome do Pai é mencionado sozinho, em uma bênção paulina inicial.

Damos graças (3). Na «ação de graças» Paulo adota o modo convencional grego de iniciar cartas. Mas, aqui é mais do que uma convenção. É carregado com sentimento genuíno e é usado para introduzir gradualmente o tema principal da carta (cf. Ef 1.15-23).

Desde que ouvimos (4). Isso mostra que Paulo tinha de depender de notícias para o seu conhecimento das condições em Colossos (veja a Introdução); claramente, houve muitas coisas nessas notícias para alegrar seu coração. A relação entre a fé, o amor, a esperança (4-5), deve ser notada, (cf. 1Co 13.13; 1Ts 1.3; 5.8; Ef 1.15 n.). Fé é a essência da vida cristã no seu aspecto religioso de nossa relação com Deus; amor representa o aspecto de nossa relação com o próximo; enquanto que a vida toda está baseada sobre uma grande esperança, “a esperança sendo aqui não tanto o ato de esperar como o objeto esperado” (C. H. Dodd).

Esta esperança tinha sido proclamada aos Colossenses pela palavra da verdade do Evangelho (5) que eles tinham ouvido antes dos ensinos heréticos chegarem.

Em todo o mundo (6). Este evangelho produz frutos em toda espécie de solo e assim traz o selo da universalidade. Não é como o ensino fantasiado dos falsos mestres que queriam fazer da Igreja Colossense o núcleo de um culto esotérico. A fé cristã faz um apelo universal. Esta os colossenses tinham recebido “na verdade” (6), isto é, “na sua simplicidade genuína, sem adulteração” (Lightfoot). O evangelho lhes tinha sido levado por Epafras que tinha agido como representante de Paulo...

Que também declarou (8). Ele já tinha comunicado a Paulo o amor deles no Espírito. As partes menos agradáveis do relatório são naturalmente deixadas sem menção nesta seção de ações de graças.

II. ORAÇÃO PELO PROGRESSO ESPIRITUAL DOS

COLOSSENSES - 1.9-14

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 8 Por esta razão (9): refere-se a todo o parágrafo precedente. A

substância da oração do apóstolo é realmente para os seus leitores serem fortificados contra o falso ensino (veja Introdução). Por causa do perigo para a verdade, em face da nova especulação, Paulo ora, a fim de que possam ser “cheios do conhecimento da sua vontade em toda a sabedoria e inteligência espiritual” (9).

O fim de tudo isto é prático: que “andam dignamente diante do Senhor” (10). A sã doutrina nos leva a conduta correta. A última não é possível sem a primeira. Notar a correlação característica entre a doutrina e a conduta. Para Paulo, o Cristianismo não é um simples «modo de vida» no sentido moderno, mas sempre um modo de vida fundamentado sobre uma doutrina.

Agradando em tudo (10): não significa «agradando a todos». A frase é traduzida melhor na ARA: “para o seu inteiro agrado”, isto é, do Senhor. O fortalecimento do crente pelo poder de Deus, que Paulo tem em mira, conduz à paciência, à alegria e às ações de graças (11-12). Esta última é recomendada aos Colossenses como dever cristão (cf. 2.7; 3.17; 4.2). Eles tinham muitos motivos para dar graças. Pois Deus os fez idôneos para participarem no destino dos santos “na luz”. O Reino celestial para o qual tinham sido trazidos é um reino de Luz. Cf. Ef 5.8.

Lightfoot parafraseia o verso 13: “Éramos escravos na terra da escuridão. Deus nos resgatou desta escravidão. Ele nos transplantou dali e nos fixou como colonos e cidadãos livres no reino do Seu Filho no Reino da Luz”. Note que a palavra traduzida como “transportou” (13) é usada da migração de povos inteiros de uma região para outra. Aqui pode haver a idéia de um «êxodo» cristão. O reino para o qual os cristãos foram transportados é o «Reino do seu Filho amado» e não o de anjos inferiores. Assim começa a controvérsia da heresia (veja a Introdução). Cf. Hb 1.1-2.8. Encontrando-se neste reino o crente não é mais sujeito aos poderes das trevas (cf. Ef 6.12). Esta transportação envolve uma gloriosa emancipação. O verso 14 apresenta o quadro de um benfeitor

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 9 que liberta um escravo mediante o pagamento de um resgate. É verbalmente idêntico a Ef 1.7 (veja nota ali).

III. CRISTO EM RELAÇÃO COM DEUS, COM O

UNIVERSO, E COM A IGREJA - 1.15-19 Esta é a passagem chave da epístola. Até aqui Paulo tem mostrado

que a nossa salvação foi efetuada por Cristo. Relacionando este fato com a heresia que ele está combatendo (veja Introdução), Paulo agora procura provar, definitivamente, que nenhuma agência angélica é necessária para a salvação. Com este fim, ele estabelece a relação de Cristo com Deus e com o universo. O leitor reconhecerá logo no argumento de Paulo uma semelhança íntima com a doutrina do Logos no prólogo do Evangelho de João (Jo 1.1-18).

Cristo é a “imagem do Deus invisível” (15). A palavra traduzida «imagem» (gr. eikon) traz a significação de semelhança e envolve representação e manifestação. Assim Deus, a quem nenhum homem jamais viu, torna-se manifesto em Cristo (cf. Jo 1.18). Paulo escreve em outra parte que os cristãos têm contemplado «a glória de Deus, na face de Jesus Cristo» (2Co 4.6). O escritor aos Hebreus fala de Cristo como sendo «a expressão exata do Seu ser» (Hb 1.3). A palavra usada em Hebreus é outra que está usada aqui, mas o pensamento está intimamente relacionado. Esta “imagem do Deus invisível» é o «primogênito de toda a criação” (15). Esta frase foi usada pelos Arianos para provar que Cristo foi um ser criado e não co-eterno com o Pai. A palavra gr. prototokos pode denotar o único anterior à criação. Cristo é destarte colocado fora da criação. Moffatt traduz «nascido primeiro antes de toda a criação». Que esta é a significação se vê claramente no próximo verso. Outrossim, há o pensamento que como «primogênito» ele é herdeiro de toda a criação.

Nos vv.. 16 e 17 note as três coisas ditas de Cristo, quanto à sua relação com o Universo. Primeiro, Ele é o fundamento da criação (16a).

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 10 Isto significa que todas as coisas criadas, tanto visíveis como invisíveis, devem-lhe sua existência. Isto mostra a verdadeira posição da hierarquia dos poderes angélicos que os heréticos queriam estabelecer em rivalidade com Cristo. Os termos tronos, domínios, etc., estavam sendo usados na angelologia de então. Paulo usa estes termos para mostrar que «todas as possíveis existências são inclusas». Devendo a sua existência a Cristo, elas estão subordinadas a Ele; cf. Ef 1.21. Em segundo lugar, Cristo é o objetivo último do Universo.

Todas as coisas foram criadas para Ele (16b). “Como toda a criação emanou dEle, assim tudo converge novamente para Ele” (Lightfoot). Cf. Hb 2.10. Em Cristo, então, se explica o propósito íntimo da criação. Em terceiro lugar, como Ele é tanto a fonte como o objetivo da criação, assim também nEle todas as coisas subsistem (17b). A palavra gr. synesteken traduzida subsistir significa 'coadunar-se'. Lightfoot faz esta conclusão numa admirável sentença: «Ele imprime sobre a criação aquela unidade e solidariedade que fazem dela um cosmos ao invés de um caos».

O Universo, então, acha seu começo, continuação e término em Cristo. Esta declaração profundamente teológica, dando uma significação cósmica a Cristo, não é a espécie de passagem que esperamos ler em escritos cujo interesse principal é religioso. Mas o lado especulativo da heresia em Colossos exigiu uma declaração tal. O pensamento do apóstolo não era incoeso. Até as crenças que principalmente interessam à vida espiritual têm de ser coordenadas com a nossa interpretação da ordem total da realidade.

Tendo mostrado que nenhum poder e nenhum ser pode colocar-se num lugar junto com Cristo em sua concepção de criação, Paulo procede para mostrar que nenhum ser pode partilhar com Ele seu lugar no culto e vida da Igreja. Pois como Cristo é a fonte e chefe da criação natural, também Ele é o cabeça da nova criação, a Igreja. “O corpo, a Igreja” (18). Paulo em outra parte descreve a Igreja como o corpo de Cristo, usualmente começando com a função dos membros e insistindo na sua

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 11 interdependência (cf. 1Co 12.12-26). Ao usar esta figura aqui, ele propõe a idéia de que Cristo é a Cabeça, não simplesmente no sentido que a cabeça é o membro mais importante e controlador do corpo (cf. Ef 1.22-23 n), mas antes que «todas as forças do corpo estão reunidas na cabeça» (E. F. Scott). Sua qualificação para ser cabeça da Igreja se expressa em termos semelhantes àqueles usados para descrever a sua relação com a criação. Note o uso paralelo do termo primogênito (gr. prototokos). Através de sua ressurreição dos mortos, Cristo é o primogênito da nova criação. «Em todas as coisas», (isto é, em todas as matérias tanto da ordem natural como da espiritual); portanto, Ele tem «proeminência». O versículo 19 fornece uma explanação desta proeminência absoluta de Cristo. “Porque aprouve a Deus que nEle residisse toda a plenitude”. A palavra «plenitude» (gr. pleroma) designa «a totalidade dos poderes e atributos divinos» (Lightfoot). Nos escritos gnósticos o termo foi usado para designar a totalidade das emanações divinas (veja Introdução), e alguns têm sugerido que uma significação igual já começasse a se unir ao termo na Igreja em Colossos, sob a influência de professores heréticos. Seja assim ou não, o propósito de Paulo em usar o termo neste contexto está claro. Cristo não pode ser considerado como um entre muitos poderes celestiais. Ele não necessita de nenhum auxiliar. Na sua obra redentora vemos a plenitude da ação divina. Habitar (19), isto é, «morar permanentemente».

IV. A OBRA RECONCILIADORA DE CRISTO - 1.20-23 Deve ser notado que a obra reconciliadora de Cristo abrange tudo.

Rm 8.19-22 mostra que no ensino do apóstolo até a criação natural toma parte na discórdia cósmica.

E a reconciliação, para ser completa, deve tratar com “todas as coisas... quer sobre a terra, quer nos céus” (20). C. H. Dodd interpreta assim: “Deus tem escolhido Cristo para pôr fim a todas as penosas

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 12 desarmonias dentro do seu universo e trazer tudo debaixo de um governo efetivo”.

Isto se realiza uma vez por todas por aquele ato divino que é a morte de Cristo, uma obra cujo efeito final não era ainda patente. Cf. Romanos, cap. 8. Este pensamento é desenvolvido mais completamente em Efésios (veja 1.9; 2.13). O que tem acontecido assim numa escala universal se revela na experiência dos próprios colossenses. Esta completa salvação realizada por Cristo não necessita da ajuda de outros poderes celestiais, e nela os próprios crentes têm participado. A condição anterior dos crentes colossenses é descrita nos termos mais fortes -- «estranhos e inimigos» (21). Eis um exemplo da hostilidade superada. A verdade teológica do verso 20 é vista agora na experiência evangélica.

No corpo da sua carne (22). Estas palavras sublinham a verdade que Cristo participou completamente na vida do homem a fim de combater o pecado no seu próprio terreno, e que Ele executou a nossa redenção eterna por um ato decisivo na História do mundo. Pela sua vitória, Cristo apresenta o crente sem mácula e sem acusação qualquer contra ele. C. H. Dodd salienta o fato que não se refere neste verso a uma perfeição moral que os colossenses um dia alcançarão. Paulo trata aqui da justificação pela fé, e os termos “santos, inculpáveis e irrepreensíveis” (22) se referem à posição atual dos crentes em Cristo. Cf. Ef 1.4; 5.27. Há, sem dúvida, uma condição para ser cumprida, a saber, que eles mantenham imaculada a sua fé nAquele que os justifica. Devem-se apegar a este evangelho universal e não serem desviados por qualquer culto extravagante.

V. A TAREFA DO APÓSTOLO NA PROCLAMAÇÃO

DESSA OBRA - 1.24-2.3 Paulo nunca deixou de maravilhar-se e regozijar-se da mordomia

do evangelho que lhe foi confiado.

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 13 Preencho o que resta das aflições de Cristo (24). Não existe

nenhuma sugestão em qualquer escrito de Paulo de que os sofrimentos de Cristo sejam insuficientes para a redenção do mundo. Pelo contrário, a insistência é tão constantemente no outro sentido que qualquer interpretação deste verso deve, primeiro que tudo, admitir que nenhum sofrimento da parte do discípulo é necessário para suplementar a expiação pelo pecado. Qual é então a significação desta frase? Lightfoot faz uma útil distinção entre a “eficácia sacrificial» e a «utilidade ministerial” dos sofrimentos de Cristo. Considerando este último ponto de vista, há um sentido em que as aflições de Cristo são incompletas: “... as aflições de cada santo e mártir suplementam as aflições de Cristo. A igreja está construída por atos repetidos de abnegação praticados por indivíduos e gerações sucessivas.”. Uma interpretação pode também ser apresentada da maneira seguinte: Paulo neste contexto introduz a idéia da união mística do crente com Cristo. O apóstolo, desta forma, suporta as suas aflições em comunhão com Cristo, e estas ainda não são completas. Tais aflições não são suportadas por causa delas próprias, mas “por causa do seu corpo, que é a Igreja” (24). Para cumprir (25); isto é, para divulgar o evangelho (Cf. Rm 15.19).

As religiões mais prolíferas na idade helenística foram aquelas praticadas por seitas exclusivas, conhecidas como «religiões de mistério». O culto tinha duas partes. Havia o culto geral com o ensino de uma crença, aberto para todos sem distinção. Em seguida havia certos ritos e ensinos secretos, que eram reservados para os poucos escolhidos, os iniciados privilegiados. Deste elemento esotérico originou o nome de «religiões de mistério». Será que Paulo tinha em mente estas religiões quando escreveu sobre o «mistério»? (26). Consta que na época de Paulo a palavra era geralmente usada para significar um segredo de qualquer espécie, e que o simples uso da palavra não implica necessariamente uma alusão às religiões esotéricas.

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 14 O que o apóstolo escreve nos vv. 26-28 sugere fortemente que ele

tem a figura destas religiões na sua mente, mas que ele a usa intencionalmente de um modo contraditório.

Há um “mistério que esteve oculto... mas agora foi manifesto” (26), porém aqui a idéia de uma sociedade secreta está inteiramente excluída. Pois os pregadores cristãos «pregam admoestando a todo homem, e ensinando a todo homem em toda a sabedoria; para que apresentemos todo homem perfeito em Jesus Cristo». A palavra «perfeito» era usada nas religiões de mistério para descrever o homem plenamente iniciado e conseqüentemente «maduro» (gr. teleioi; cf. 1Co 2.6 e veja também a nota sobre Fp 3.15). O Cristianismo na sua plenitude é para «todo homem» (cf. Ef 1.9; 3.3-9; 6.19; veja também Cl 4.3).

E qual é este mistério? Lightfoot sugere a oferta da salvação ao mundo gentílico e interpreta “Cristo em vós” (27) como se referindo especificamente aos gentios. “Não Cristo, mas Cristo dado livremente aos gentios, é o «mistério» de que Paulo fala”. E. F. Scott, por outro lado, acha duvidoso que este grande «mistério» consista em nada mais do que «a inauguração de uma missão gentílica». Ele verifica que nos vv. 25 e 26 o termo «mistério» está em aposição à «palavra de Deus», tanto que com toda probabilidade o «mistério» refere-se ao conteúdo do evangelho, antes que à sua propagação. «O Mistério de Deus, oculto desde toda a eternidade e agora revelado, é a permanência de Cristo no seu povo quer sejam judeus ou gentios». Mas, à luz de Ef 3, a primeira interpretação parece mais segura. Esta permanência de Cristo no seu povo é a “esperança da glória”, a promessa da herança vindoura do crente.

Segundo a sua eficácia (29). Este trabalho do ministério de Paulo não se firma na sua própria força. Esta é uma declaração característica de Paulo no tocante à relação entre graça e liberdade. Cf. Fp 2.12-13.

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 15 Colossenses 2 Por quantos não viram o meu rosto (2.1). O apóstolo torna claro

que o seu ministério e cuidado abrangem aqueles que ainda não encontrou. Provavelmente a carta estava destinada a ser lida também para as outras igrejas do Lico -- Laodicéia e Hierápolis (veja a Introdução).

Os vv. 2 e 3 introduzem a discussão de Paulo sobre a heresia colossense. O segredo do poder para os colossenses, consiste numa harmonia de espírito (corações... vinculados em amor), e a apropriação real do seu tesouro em Cristo. Não existe, tesouro secreto de sabedoria (3) que não esteja em Cristo mesmo.

VI. ADVERTÊNCIA É REFUTAÇÃO DO FALSO

ENSINAMENTO - 2.4-23 Agora vem a referência direta aos mestres cujas heresias

ocasionaram a carta. O grego paralogizetai traduzido como enganar traz a idéia de ser desencaminhado por raciocínios insubstanciais (Lightfoot). O uso de “palavras persuasivas” é o meio por excelência de produzir este resultado. A heresia, evidentemente, se recomendava por causa de sua plausibilidade nos lábios dos mestres, e também atraía os pseudo-intelectuais. As palavras traduzidas por ordem e firmeza (5) são metáforas tiradas da vida militar. Lightfoot parafraseia: «a ordem militar e a sólida falange que a nossa fé em Cristo apresenta contra o assalto do adversário».

Assim andai (6); cf. 1.10 e Ef 1.17n. Não devem afastar-se dos preceitos do evangelho recebidos no começo.

Arraigados e edificados (7). Ressaltam diferentes idéias, o primeiro vocábulo sendo particípio perfeito e o último particípio presente. “A inabalável fé do cristão é firmada de uma vez por todas, e a conduta baseada nela se evolui constantemente” (E. F. Scott). Note as numerosas referências à ação de graças (cf. 1.12 n.).

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 16 Dois fatores combinam para dificultar a exposição detalhada dos

versículos 8 a 15: primeiro, a concentrada apresentação das doutrinas essenciais da fé, e segundo, as alusões a uma heresia cujos pormenores ignoramos, da qual não temos nenhuma declaração sistemática. Entretanto, o ensino principal da passagem fica fora de dúvida.

Tende cuidado... filosofia (8). Não deve ser imaginado que aqui Paulo lança um ataque sistemático contra a filosofia como tal. As palavras e vãs sutilezas... indicam a espécie de filosofia (e talvez aqui a palavra deva estar entre aspas) que Paulo tem em mente, a saber, um ensino vão, embora plausível. Este ensino não é segundo Cristo. É baseado sobre tradição humana, quer dizer, é um sistema secreto privativo duma seita. Além disso é segundo os rudimentos do mundo (8). O gr. ta stoicheia, traduzido por «os elementos», tem uma etimologia interessante. De «coisas postas em linha» ela veio a significar as letras do alfabeto, em seguida, os rudimentos de qualquer matéria, e gradativamente chegou a ser aplicada aos elementos do universo físico. Depois foi usada para os poderes que controlariam o universo. Esta é a significação dada por muitos comentadores à palavra como aparece neste verso. A significação seria então que o ensino em apreço se deriva do culto angelológico, antes que de Cristo. É preciso resistir com intransigência ao trabalho destes hereges, que desejam insinuar um evangelho suplementar. Porque Cristo não pode precisar de supridor.

Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade (9). Corporalmente aqui não é uma referência ao corpo humano de Cristo. A significação é que a plenitude da divindade em seu todo está em Cristo. Não falta em Cristo nenhum elemento da natureza divina.

Estais perfeitos nEle (10). Do mesmo modo como Cristo não pode precisar de supridor, assim a vida em Cristo não pode ser enriquecida. Ele é a Cabeça de todos os poderes. Tendo-o, não necessitamos de nenhum outro (cf. notas sobre 1.17-18 e Ef 1.21).

O rito da circuncisão como administrada em Israel representa o que nos aconteceu (11). A circuncisão física era um corte da carne; a

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 17 circuncisão espiritual é da mesma sorte uma operação pela qual é cortada toda a natureza carnal, descrita aqui como «o despojamento do corpo da carne» (Cf. Rm 6.6).

A transição da idéia da circuncisão espiritual para aquela do batismo é uma coisa natural. Aqui temos outro quadro da experiência do crente. A figura usada é aquela da imersão. Houve um sepultamento do crente com cristo e uma ressurreição para novidade de vida. (Cf. Rm 6.4). Não se deve supor que o apóstolo considera que o simples ato do batismo faz isto, ex opere operato. É «mediante a fé no poder de Deus» (12) que o rito ganha significação e eficácia.

Mortos nos pecados e na incircuncisão da vossa carne (13). Estamos a concluir desta declaração que Paulo apresenta a incircuncisão como símbolo da perversidade natural? O teor geral do seu ensino se opõe a esta opinião. Parece que a figura é usada apenas para ressaltar o contraste entre o estado anterior deles e a posição atual em Cristo. É como se dissesse: «Estáveis moral e espiritualmente mortos e nem tínheis o sinal racial para vos dar esperança. Mas agora...». O perdão (13) é a grande bênção inicial que nos é outorgada em Cristo.

Paulo introduz no verso 14 duas figuras para descrever o que Deus tem feito com o pecado e a culpa. Primeiro, Ele cancelou o escrito de dívidas (14). A lei é aqui contemplada como débito do homem pelo que ele é responsável. É contra nós porque permanece como testemunho da nossa falência, mas Deus, em Cristo, cancelou o título da dívida. Segundo, Ele fez ainda mais. Ele a tomou e a jogou fora (14). Lightfoot parafraseia «a lei de... ordenanças foi cravada na cruz, rasgada com o corpo de Cristo, e destruída com a sua morte». A sugestão de que se refere ao cancelamento de uma dívida por ser cravada num lugar público não é convincente. Não há nenhuma evidência de tal costume.

No verso 15 há uma súbita mudança de figura. Um fato surge com nitidez. Cristo despojou principados e potestades. A metáfora é militar. Ele combateu poderes invisíveis, despojou-os de suas armas e os exibiu à maneira do triunfo romano. (Cf. Ef 4.8, onde este pensamento se

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 18 relaciona com a ascensão do Nosso Senhor). Por esta razão não há poderes a que devamos temer. Não estamos mais submetidos à escravidão, seja da lei ou de poderes angélicos.

Esta afirmação prossegue para o importante aspecto da crítica de Paulo à heresia. Os colossenses são advertidos contra o perigo de confundir a sombra e a substância. Os mestres heréticos queriam que observassem as práticas e ritos ascéticos, que seriam de nenhum proveito para o homem que está em Cristo.

Pelo comer ou pelo beber (16). Embora a Lei levítica silenciasse sobre o assunto da bebida, esta regra ascética tinha provavelmente uma íntima relação com o Judaísmo, particularmente quando associada como aqui, com a observância de dias santos, luas novas, dias de sábado, e as cerimônias anuais, mensais e semanais do Judaísmo (cf. Gl 4.10).

A objeção a estas práticas é que elas são, antecipadamente, uma sombra das coisas futuras (17; cf. Hb 10.1). Em cada caso «a realidade, o antítipo, é encontrado na dispensação cristã» (Lightfoot). O corpo (17), isto é, «a substância».

O verso 18 é notoriamente difícil de interpretação. Em 1912, Sir William Ramsay descobriu uma inscrição em Klaros contendo a palavra aqui traduzida por “metendo-se” (ARC). Nesta inscrição o mesmo verbo é usado de um neófito que, depois de completar o seu curso de iniciado, ingressa num movimento. Isto sugere que neste verso o apóstolo usa a grandiosa linguagem destes cultos misteriosos num tom de desdém. Coisas que não viu (ARC). A negativa deve ser omitida. A frase então se refere às visões executadas diante do adorador. Compare a ARA. Tais pessoas não se firmam em Cristo que, como Cabeça do corpo, lhes dá unidade e vitalidade (19). Delas vem a tendência, portanto, para desintegração. Note a implicação nesta figura de uma relação direta entre cada crente e o próprio Cristo, sem uso de intermediários.

Pois se estais mortos (20). Os que morreram com Cristo para as coisas do mundo, não devem experimentar uma nova escravidão à

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 19 tradição humana. As proibições propostas pelos hereges (21) mostram que ainda estão sobre o domínio da matéria.

O verso 23 participa da dificuldade do verso 18. Suspeita-se uma corrupção do texto original. Aparência de sabedoria: sugere que as práticas não tinham base doutrinal sã. A paráfrase de Lightfoot dá provavelmente a significação tão exatamente quanto possível: “Todas estas coisas têm ares de sabedoria; reconheço isto. Há uma ostentação oficiosa de devoção religiosa, uma afetada aparência de humildade; há uma severa disciplina ascética que maltrata o corpo; porém, não há nada de valor real para deter a indulgência da carne”.

Colossenses 3 VII. A NOVA VIDA E A VELHA - 3.1-11 Sobre a figura do batismo Paulo já tem indicado (2.12) que o

crente está sepultado e ressuscitado com Cristo. Ele agora procede a salientar as implicações deste sepultamento e ressurreição. O cristão pôs termo às coisas mundanas, que para os hereges são de máxima importância. Mediante a sua ressurreição com Cristo, pertence a um mundo mais elevado e os seus desejos e conduta devem corresponder a um nível mais elevado.

A vossa vida está escondida... (3), isto é, a nova vida. Lightfoot parafraseia: “quando vos colocastes debaixo da água batismal, desaparecestes do mundo para sempre. Ressuscitastes, é verdade, mas subistes somente para Deus. Doravante o mundo nada sabe da vossa nova vida...”. Note aqui que esta nova vida é comparável àquilo apresentado pelas religiões de mistério por estar «oculta», contudo, em vivo contraste não conta com ordenanças e intermediários. É uma vida intimamente em contacto com Deus. Por causa desta relação direta e, em contraste com o desejo dos hereges para penetrarem reinos intermediários (2.18), o cristão pode fixar sua mente sem impedimento nas coisas do mais alto céu, onde Cristo se assenta entronizado. Porém,

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 20 ainda que o verdadeiro caráter desta nova vida esteja escondido agora, se manifestará naquele dia quando o Senhor aparecer (4). O dia da manifestação de Cristo será também o dia da manifestação do cristão (cf. 1Jo 3.2).

Uma lista de coisas para as quais o cristão está morto é dada no verso 5. Por que é preciso, podemos perguntar, o crente mortificar os seus membros se já está morto? Em resposta a esta questão devemos dizer alguma coisa sobre o método dialético do apóstolo nestes assuntos. Ele sempre procura fazer com que o crente veja as implicações da sua nova posição. O cristão deve aceitar esta nova posição pela fé e procurar pela graça de Deus fazê-la uma realidade experiente.

«No plano ideal e puramente religioso, o cristão pela fé... já deixou a velha vida para entrar na nova. Porém, Paulo era bastante realista para reconhecer que não seguia automaticamente que o cristão cessasse de pecar... A firme intenção da mente e da vontade é necessária para aquilo que já foi dado em princípio tornar-se experiência real». (C. H. Dodd sobre Rm 6.11, Moffatt Commentary).

A elaboração clássica do pensamento no verso 6 é encontrada em Rm 1.18, onde Paulo indica a conseqüência temível do ateísmo. Ali ele ousa dizer que Deus «os entregou à imundícia». É bom notar que este lamentável estado que parece ser o resultado automático do pecado é realmente expressão da reação do próprio Deus vivo contra o pecado, e se chama “a ira de Deus”. O verso 7 é característico do apóstolo. Mais de uma vez ele relembra aos seus leitores aquilo de que eles têm sido salvos (cf. 1Co 6.9-11). A recordação é usualmente seguida logo por um «porém», (cf. o verso 8) introduzindo uma descrição do seu estado presente, que enaltece a graça de Deus.

O despir-se do velho homem (9) e o vestir-se do novo homem (10) implicam um rompimento com tudo quanto se associa à vida velha. Vede as notas sobre a passagem paralela em Ef 4.22-24. O novo homem é uma criação de Deus, renovada de acordo com aquele homem ideal concebido originalmente na mente do Criador. O pensamento da nova

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 21 vida sugere outra mudança, especialmente na relação de raça com raça e de um estado com outro. Estas diferenças raciais, religiosas e culturais são transcendidas em Cristo. Bárbaro e cita não estão em contraste um com o outro, como estão os outros pares de palavras neste verso. Barbaroi era o nome dado pelos gregos àqueles que falavam qualquer língua ininteligível, isto é, os estrangeiros não civilizados. (A palavra barbaroi é onomatopéica). Os romanos conheciam todas as raças estrangeiras como “citas”.

VIII. AS VESTES DA SANTIDADE - 3.12-17 As virtudes do verso 12 devem substituir os vícios do verso 8. O

despimento das velhas vestes há de ser seguido pela vestidura das novas. Vede as notas sobre Ef 4.25-31, onde os aspectos negativos são mais amplamente apresentados.

Eleitos... santos e amados (12); uma alusão à relação do pacto do Velho Testamento. As palavras aplicam-se num novo sentido mais nobre ao novo Israel de Deus. Este privilégio é a base da grande responsabilidade do cristão.

Entranhas de misericórdia (12). Splanchna (gr.) traduzida por “entranhas”, consideradas como o centro das afeições. A expressão é mais bem traduzida na ARA, “Ternos afetos de misericórdia”. Longanimidade (12); a habilidade para suportar com paciência toda a desinteligência e oposição.

Assim como Cristo vos perdoou (13). A ARA traduz “Como o Senhor”, que é preferível, e ressalta mais o argumento. Se o Mestre perdoa os seus servos, muito mais ainda estes devem perdoar-se uns aos outros, (cf. a parábola de Nosso Senhor em Mt 18.23-35).

Sobre todas estas coisas (14). Lightfoot e outros interpretam este verso como significando que «o amor é a veste exterior que sustenta as outras nos seus lugares». A força desta frase e da palavra «vínculo» é nesse caso óbvia.

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 22 A paz de Deus (15; ou a “paz de Cristo” ARA, cf. Jo 14.27) deve

ser o “árbitro” (ARA) em todas as coisas. Esta é a melhor significação da palavra grega brabeueto traduzida por domine na ARC. Quando ocasiões de disputa surgem na comunidade (note a referência a um corpo) como sempre acontece, então a paz de Cristo deve dar decisão. Esta exortação nos chama a cultivar o temperamento do meigo amor.

A mensagem cristã há de ser tão profundamente enraizada na vida cristã que governe o pensamento do crente (16). Lightfoot usa a sugestiva frase «monitor interior». O lugar proeminente que a salmodia ocupou nas igrejas dos tempos do Novo Testamento é indicado neste verso. Alguns dos hinos e cânticos espirituais eram provavelmente expressões espontâneas de louvor. E. F. Scott compara-os com os «cânticos» espirituais e espontâneos dos negros da América do Norte (veja Ef 5.19).

Fazei tudo em nome do Senhor Jesus (17). Não se refere aqui à invocação do seu nome. É uma exortação para o cristão fazer tudo, como se estivesse na sua presença, e para Ele. Ouve-se nas repetidas exortações para dar graças o eco de 2.7.

IX. INJUNÇÕES CONCERNENTES À VIDA DOMÉSTICA -3.18-4.1 A apresentação do assunto aqui deve ser comparada com aquela

em Ef 5.22-6.9 n. O apóstolo escreve concernente à atitude cristã para com as afinidades dentro da família. São três; a de esposo e esposa, a de pai e filho, e a de senhor e servo.

Esposas submetei-vos (18). Se pelo padrão moderno Paulo parece deixar de tratar a esposa em pé de igualdade com o esposo, dois fatos devem ser lembrados. Em algumas das igrejas daquela época havia, evidentemente, uma tendência de as mulheres negligenciarem os seus deveres domésticos e procurarem uma emancipação desnatural. (Cf. as várias referências nas epístolas pastorais). Também nos dias de Paulo o

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 23 conceito geral atribuía todos os direitos ao homem. A coisa realmente significante aqui é que o apóstolo insiste que haja obrigações de ambos os lados.

A ordem para os filhos (20) está de acordo com o decálogo e o ensino de todo o Velho Testamento. Os país têm de exercer disciplina, porém, não de uma maneira tal, que se degenere em ralhar aos filhos.

Desanimados (21). Lightfoot parafraseia “empreender seus trabalhos com uma disposição de espírito negligente, triste, feia”. Indubitavelmente, o caso de Onésimo e Filemom (veja Introdução a Filemom) sugeriu a declaração dada aqui (3.22-4.1) quanto à afinidade entre servos e senhores. Isto não quer dizer que o caráter desses dois cristãos pode ser deduzido destas instruções. O escravo deve trabalhar criteriosamente, lembrando que tudo o que faz é feito para o Senhor. Qualquer que seja o tratamento que o escravo recebe às mãos do seu senhor terreno, ele deve lembrar que receberá a sua recompensa do Senhor Celestial pelo trabalho bem feito (25). Veja as notas sobre a passagem paralela em Ef 6.5-9.

Será que Paulo desculpa o sistema total da escravidão? Está tentando narcotizar o escravo, para este aceitar as injustiças do sistema atual em troca das recompensas prometidas no céu? Questões desta natureza são bem respondidas uma vez que colocamos as declarações do apóstolo no contexto daquela época. Perante a lei o escravo era um «bem móvel», portanto, tratá-lo com justiça parecia ridículo. E contudo, esta é a questão real levantada aqui.

Colossenses 4 O escravo deve ser tratado com justiça e eqüidade (4.1), isto é,

como uma pessoa tendo direitos. E assim, enquanto Paulo não condena o sistema de escravidão, ele procura estabelecer aquela relação que ia finalmente derrubá-lo pela operação gradual da consciência cristã (veja a discussão desta questão em Filemom). No verso 25 a primeira parte

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 24 provavelmente se refere ao escravo, a segunda ao senhor. Isto harmoniza a relação da frase com a que precede e com o verso que segue.

X. EXORTAÇÃO À ORAÇÃO, SABEDORIA E CONVERSAÇÃO

PRUDENTE - 4.2-6 Nesta seção o apóstolo ressalta primeiro o dever da igreja para

com seus mensageiros. Os colossenses são exortados a continuarem firmes em oração.

Vigiai na mesma (2); gr. gregorountes; não deve haver indolência nem negligência com respeito à oração. Moffatt, enquanto não aderindo rigorosamente ao original, dá uma sugestiva versão: «mantende o vosso entusiasmo pela oração». São solicitadas orações especiais a favor de Paulo e seus companheiros «para que Deus nos abra porta à palavra», isto é, que as oportunidades de pregar-lhe sejam concedidas.

Mistério de Cristo (3) veja 1.26-28. Depois Paulo dá relevo ao dever cristão para com os seus que estão fora. Ele compreende, como os cristãos colossenses hão de compreender, que o testemunho mais efetivo ao poder do evangelho é a vida, (o andar) e a conversação (palavra) do cristão comum. A perversidade da época fez com que as oportunidades para praticar o bem se tornassem cada vez mais preciosas e, por conseguinte, os cristãos deviam sentir-se obrigados a aproveitar cada momento (6; cf. Ef 5.15-16).

A palavra deles havia de ser com graça (6). Paulo não está pensando do estilo lingüístico, naturalmente. A idéia é de ser agradável. E. F. Scott sugere que nestes versos o apóstolo bem podia ter pensado daquelas pessoas bem intencionadas que sentiram a necessidade de denunciar todos os costumes pagãos – a tempo e fora de tempo – com o resultado que todo mundo ficou contra elas. Comportamento e a conversa deviam atrair mais do que repelir.

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 25 Temperada com sal (6). Não se refere aqui à preservação do mal e

da corrupção, mas à necessidade de evitar argumentos fátuos e inconseqüentes.

XI. RECOMENDAÇÕES E SAUDAÇÕES FINAIS - 4.7-18 Esta seção é muito mais minuciosa e pessoal do que os versos

finais de Efésios, onde as saudações pessoais estão totalmente ausentes. Paulo não necessita expor os pormenores de sua condição. Estes podem ser dados por Tíquico, portador da carta. Ele já recebeu de Paulo instruções para visitar Colossos, justamente com o propósito de dar-lhes esta informação.

Para que saiba do vosso estado (8 - ARC). A versão da ARA é preferível: “...vos dar conhecimento da nossa situação”. Este propósito de Paulo já foi mencionado no verso anterior. Tíquico era nativo da Ásia Menor (cf. At 20.4), e tinha acompanhado Paulo cerca do fim de sua terceira viagem missionária. Em conexão com as missões em Creta e Éfeso (cf. Tt 3.12; 2Tm 4.12), Paulo o menciona novamente. A descrição dele como um fiel ministro (7) provavelmente se refere ao serviço que tinha prestado ao próprio apóstolo.

Onésimo, fiel e amado irmão (9). Não há nenhuma referência aqui à sua reforma. Mas a recomendação recordaria sua conversão àqueles que o tinham conhecido.

Aristarco (10). Era tessalonicense (At 19.29). Prisioneiro comigo. Parece que Aristarco aceitou voluntariamente

prisão com Paulo a fim de servi-lo. A sua associação com Paulo pôde, talvez, ter despertado suspeita, e ter ocasionado sua prisão por algum tempo.

Marcos (10). Esta é a primeira menção de Marcos depois do rompimento de At 15.39. As impressões daquele incidente já se apagaram. Visto que esta é a primeira vez que Paulo escreve aos

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 26 colossenses os mandamentos (10) previamente recebidos pela Igreja, devem referir-se a alguma mensagem levada por Epafras.

Não sabemos nada acerca de Jesus, chamado justo (11). A pontuação deste verso na ARC deve ser emendada para dar o sentido da ARA: “os quais são os únicos da circuncisão que cooperam pessoalmente comigo” -- cf. sua queixa em Fp 1.15-16.

Epafras (12), colossense já recomendado em 1.7. Servo de Cristo (12): gr. - doulos Christou. Há somente uma outra ocasião em que Paulo usa esta frase falando de outrem, que geralmente, aplica a si mesmo (cf. Fp 1.1). O termo é uma das melhores recomendações.

Em toda a vontade de Deus (12). Paulo não diz: não importa o que acontece. Seu pensamento é que eles devem identificar-se com a vontade divina de tal modo que nada os abalará. Perfeito (veja nota Fp 3.15).

O verso 14 é a fonte de nossa informação de que Lucas era médico. A sua longa associação com o apóstolo pode ser explicada pelo fato que a doença de Paulo, qualquer que fosse, o acompanhava constantemente.

Demas (14). Note que não há nenhum epíteto de recomendação. Esta omissão é talvez prenúncio da situação descrita em 2Tm 4.10.

Paulo agora manda saudações às pessoas conhecidas por ele nas igrejas que o mensageiro visitará.

A Igreja que está na sua casa (15). As cristandades primitivas não tinham edifícios reservados somente para o culto. Era necessário que uma igreja em qualquer cidade se dividisse em pequenas comunidades celebrando o culto de adoração em casas particulares, (cf. At 12.12; Rm 16.5). Às vezes uma reunião geral era convocada ao ar livre.

O verso 16 lança luz sobre as intenções de Paulo ao escrever esta carta. Está claro que, apesar do caráter íntimo das epístolas, Paulo queria que fossem lidas a toda a igreja reunida. Além disso, a referência à troca de cartas entre os cristãos em Colossos e os de Laodicéia mostra que as epístolas eram destinadas a uma circulação entre igrejas, e não eram mensagens ocasionais a um só grupo. É provável que a aludida carta

Colossenses (Novo Comentário da Bíblia) 27 laodicense esteja perdida, embora alguns acreditem que seja aquela conhecida como Efésios.

Arquipo (17) membro da família de Filemom (Fm 2). Talvez fosse encarregado dos negócios da igreja na ausência de Epafras.

E de próprio punho, Paulo (18). Paulo termina a sua carta ditada, com uma saudação de sua própria mão. Os papiros da época mostram que este costume era muito geral. Além disto, do que parece, Paulo usava o seu autógrafo como garantia da genuinidade da epístola (cf. 2Ts 2.2; 3.17).

Minhas prisões (18). Minhas algemas (ARA). As suas cadeias moveram-se mesmo quando ele estava assinando a carta? O som da pena e das cadeias juntas constitui a prova final de que as algemas do pregador nunca podem reter a Palavra de Deus.

J. Ithel Jones