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A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A RUPTURA NO REGIME DAS INCAPACIDADES

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A PessoA com DeficiênciA e A RuPtuRA no

Regime DAs incAPAciDADes

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FLÁVIA BALDUINO BRAZZALEMestre em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil - UNIBRASIL

Professora de Direito Civil e Direito do ConsumidorAdvogada

Belo Horizonte2018

A PessoA com DeficiênciA e A RuPtuRA no

Regime DAs incAPAciDADes

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341.2723 Brazzale, Flávia BalduinoB827p A pessoa com deficiência e a ruptura no regime das2018 incapacidades / Flávia Balduino Brazzale. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2018. 182 p.

ISBN: 978-85-8238-348-3 ISBN: 978-85-8238-349-0 (E-book)

1. Direito constitucional. 2. Direitos humanos. 3. Regime das incapacidades. 4. Direitos da pessoa com deficiência. I. Título.

CDD(23.ed.)–323.3 CDDir – 341.2723

Belo Horizonte2018

Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-700

www.arraeseditores.com.br [email protected]

CONSELHO EDITORIALÁlvaro Ricardo de Souza Cruz

André Cordeiro LealAndré Lipp Pinto Basto Lupi

Antônio Márcio da Cunha GuimarãesBernardo G. B. Nogueira

Carlos Augusto Canedo G. da SilvaCarlos Bruno Ferreira da Silva

Carlos Henrique SoaresClaudia Rosane Roesler

Clèmerson Merlin ClèveDavid França Ribeiro de Carvalho

Dhenis Cruz MadeiraDircêo Torrecillas Ramos

Emerson GarciaFelipe Chiarello de Souza Pinto

Florisbal de Souza Del’OlmoFrederico Barbosa Gomes

Gilberto BercoviciGregório Assagra de Almeida

Gustavo CorgosinhoGustavo Silveira Siqueira

Jamile Bergamaschine Mata DizJanaína Rigo Santin

Jean Carlos Fernandes

Jorge Bacelar Gouveia – PortugalJorge M. LasmarJose Antonio Moreno Molina – EspanhaJosé Luiz Quadros de MagalhãesKiwonghi BizawuLeandro Eustáquio de Matos MonteiroLuciano Stoller de FariaLuiz Henrique Sormani BarbugianiLuiz Manoel Gomes JúniorLuiz MoreiraMárcio Luís de OliveiraMaria de Fátima Freire SáMário Lúcio Quintão SoaresMartonio Mont’Alverne Barreto LimaNelson RosenvaldRenato CaramRoberto Correia da Silva Gomes CaldasRodolfo Viana PereiraRodrigo Almeida MagalhãesRogério Filippetto de OliveiraRubens BeçakVladmir Oliveira da SilveiraWagner MenezesWilliam Eduardo Freire

mAtRiz

Av. Nossa Senhora do Carmo, 1650/loja 29 - Bairro Sion Belo Horizonte/MG - CEP 30330-000

Tel: (31) 3031-2330

filiAl

Rua Senador Feijó, 154/cj 64 – Bairro Sé São Paulo/SP - CEP 01006-000

Tel: (11) 3105-6370

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora.

Impresso no Brasil | Printed in Brazil

Arraes Editores Ltda., 2018.

Coordenação Editorial: Produção Editorial e Capa:

Revisão:

Fabiana CarvalhoDanilo Jorge da SilvaResponsabilidade do Autor

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Aos meus pais, pelo amor incondicionado, pela força encorajadora e pela fé inabalável.

Ao meu esposo Daniel, pelo olhar construtivo e amor em todos os dias divididos.

Aos meus padrinhos, pelo incentivo e afeto sem medidas.

Aos meus alunos, pela inspiração e carinho.

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VI

AgRADecimentos

Agradeço a Deus, maior responsável que me fez capaz de compreender e per-severar no desenvolvimento desta pesquisa.

À Dra. Rosalice Fidalgo Pinheiro meu maior agradecimento pelos ensinamen-tos que foram muito além de uma orientação acadêmica. Basta dizer que este tema nasceu e se tornou possível pela senhora.

À Dra. Jussara Maria Leal de Meirelles, cujos ensinamentos instigaram-me a desvendar um caminho que parecia ser imperceptível nesta pesquisa.

À Dra. Laura Garbini Both, por ensinar que, não só no “campo” do direito, toda compreensão deve ultrapassar o olhar daquilo que se possa enxergar como concluído.

À Dra. Maria de Fátima Freire de Sá, cuja generosidade me fizeram entender sobre a vocação e amor que envolve a qualidade de ser professor.

Ao UNIBRASIL Centro Universitário e a CAPES pela bolsa de estudos que tornou possível a realização da trajetória construída em torno desta pesquisa.

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“..., a pessoa, ainda que porte qualquer limitação, é sempre uma pessoa inteira, é sempre uma pessoa digna, é sempre uma pessoa merecedora de todo o respeito, amor e dignidade como qualquer outro ser humano.”

Hugo Nigro Mazzilli

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VIII

sumáRio

PREFÁCIO ................................................................................................................. X

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1

CaPítulo 1A REVISÃO CRÍTICA DO REGIME DAS INCAPACIDADES .................... 61.1. Pessoa e Igualdade nas Codificações Modernas ........................................... 61.2. O Regime das Incapacidades nas Codificações Modernas ......................... 131.3. Crítica ao Regime das Incapacidades: entre a tutela de interesses patrimoniais e dos interesses existenciais ....................................................... 351.4. A Releitura do Regime das Incapacidades e a Pessoa com Deficiência ... 44

CaPítulo 2A CAPACIDADE JURÍDICA E A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ........................................................................... 522.1. O Conceito de Pessoa com Deficiência ......................................................... 522.2. O Princípio da Não Discriminação da Pessoa com Deficiência na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência ........................... 692.3. A Capacidade Jurídica da Pessoa com Deficiência: do paternalismo à autonomia ......................................................................................................... 79

CaPítulo 3O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A RUPTURA NO REGIME DAS INCAPACIDADES ....................................................................... 863.1. Os Paradigmas da Deficiência e a Atuação Estatal no Brasil .................... 883.2. A Proibição de Discriminar no Microssistema de Tutela da Pessoa com Deficiência .................................................................................................. 933.3. A Capacidade da Pessoa com Deficiência e os Instrumentos de Proteção .... 101

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IX

3.3.1. A Discussão Doutrinária sobre a Capacidade da Pessoa com Deficiência .................................................................................................. 104 3.3.2. A Tomada de Decisão Apoiada ............................................................. 118 3.3.3. Curatela ..................................................................................................... 1223.4. Diretrizes da recente jurisprudência brasileira acerca da capacidade de pessoa com deficiência .............................................................................. 136

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 147

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 154

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X

PRefácio

O contrário ou antônimo de deficiência não é insuficiência. Tampouco o é ineficiência, porquanto pessoas ditas deficientes têm, em si, o suficiente para cons-truírem uma vida plena e podem se revelar eficientes nas atividades que escolheram aplicar os seus talentos.

Mas o que seria, então, uma pessoa com deficiência? Em 2015 entrou em vigor a Lei n.13.146, intitulada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiên-cia (Estatuto da Pessoa com Deficiência), em razão de compromisso firmado pelo Brasil ao ratificar a Convenção sobre Direitos da Pessoa com Deficiência (Acordo de Nova York), dando-lhe o status de norma constitucional.

Nesse Diploma, o art. 2º afirma que a pessoa com deficiência é “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

O objetivo principal da Lei é a promoção de um novo comportamento social: antes, a pessoa com deficiência tinha que se adaptar ao mundo dito normal. Hoje, é o mundo que deve transformar-se para incluir e acolher as pessoas ditas deficientes. E esse acolhimento significa o direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas, sem nenhuma espécie de discriminação.

Se a vida imita a arte, vale trazer, para ilustrar, os contornos do filme Es-cafandro e a Borboleta, que relata a história de Jean-Dominique Bauby, editor da Revista ELLE que, aos quarenta e três anos sofreu um acidente vascular cerebral deixando-o em coma. Ao acordar, a sequela foi de rara paralisia que o impedia de manter contato imediato com os outros. Não se sabia até que ponto o cérebro de Bauby fora comprometido pela doença. Tal realidade perdurou até o momento em que Bauby se fez entender através do olho esquerdo, piscando a única parte do corpo que podia ser movimentada: piscar uma vez significava “sim” e duas vezes significava “não”. Foi a maneira que ele encontrou de sair do escafandro. A primeira vista, poder-se-ia afirmar ser Jean-Dominique incapaz. No entanto, uma nova forma de comunicação permitiu que Bauby fosse compreendido; seu intelecto estava intacto1.

1 SÁ, Maria de Fátima Freire de Sá; MOUREIRA, Diogo Luna. A capacidade dos incapazes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.137.

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A partir deste caso é possível perceber como, em muitas situações, as difi-culdades de comunicação e/ou desconhecimento de novas formas de linguagem podem ser confundidos com a incapacidade de alguém para os atos da vida civil. Vale dizer: a deficiência traz limitações e barreiras na acessibilidade e nos afazeres da vida cotidiana, mas jamais configura, por si só, hipótese de incapacidade.

Cabe, portanto, ao Direito, como dissemos em A Capacidade dos Incapazes, pensar em novas possibilidades hermenêuticas que não estabeleçam relações de prioridade e hierarquia. Interpretar o Direito como regra e exceção, implicaria em, antecipadamente, trazer soluções que não observem os contextos e os contornos de um caso específico. Promover a releitura do sistema das capacidades no Direito Civil foi, é e será sempre absolutamente necessário. Isso significa dar voz à pessoa! 2

E, no alvorecer do Estatuto da Pessoa com Deficiência e do Novo Código de Processo Civil, um trabalho de fôlego se ocupa das mudanças no sistema das capa-cidades no Direito Civil. A Pessoa com Deficiência e a Ruptura no Regime das Incapaci-dades, de autoria de Flávia Balduino Brazzale é livro de leitura obrigatória para as pessoas comprometidas com a dignidade humana. Sob a competente condução da Profa. Doutora Rosalice Fidalgo Pinheiro, orientadora, e da Profa. Doutora Jussara Maria Leal de Meirelles, coorientadora, Flávia desenvolveu excelente dissertação de mestrado, tendo sido aprovada com nota máxima e distinção.

O livro, dividido em três capítulos, revisita o regime das incapacidades até chegar à tomada de decisão apoiada e apresentar uma nova visão interpretativa do instituto da curatela. Para tanto, a autora vale-se de farta e honesta bibliografia, além de trazer à análise jurisprudências sobre o tema. Trata-se de trabalho cujo conteúdo está na fronteira do conhecimento de questão que demanda ampla divul-gação entre os profissionais do Direito, da Psicologia e da Medicina.

Por fim, para mim, resta agradecer a honra do convite em prefaciar essa obra. A Flávia é encantadora! Meu primeiro contato com ela foi através de um e-mail. Ali, sem conhecê-la pessoalmente, tive a impressão – confirmada no momento em que a vi no dia da defesa de seu trabalho – de que ganhara uma amiga.

Parabéns à Editora Arraes pela publicação e parabéns à jovem e talentosa professora Flávia Balduino Brazzale que, com critério, dedicação e conhecimento, leva adiante a apaixonante tarefa de iluminar novas mentes.

Das montanhas de Minas, no primeiro dia da primavera de 2017.

MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁDoutora e Mestre em Direito. Professora do Curso de Graduação e do Pro-grama de Pós-graduação (mestrado e doutorado) em Direito da PUCMinas. Pesquisadora do Centro de Estudos em Biodireito - CEBID

2 Idem. p. 138.

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XII

O livro que ora chega às mãos do leitor é resultado da dissertação de mestrado defendida por Flávia Balduíno Brazzale, perante banca examinadora composta pe-las Professoras Doutoras Maria de Fátima Freire de Sá (PPGD PUC Minas), Jussara Maria de Leal Meirelles (PPGD da PUC PR), Laura Jane Ribeiro Both (PPGD do UniBrasil) e por sua orientadora, que a esta subscreve, tendo sido aprovada com nota máxima e louvor, no Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia, do Centro Universitário Autônomo do Brasil.

Utilizando-se de extenso referencial bibliográfico que contempla autores nacionais e estrangeiros, o livro prima por uma revisão de literatura aprofunda-da sobre a capacidade da pessoa com deficiência. Sob uma linguagem escorreita, apresenta-se o tema em três capítulos. Logo no primeiro capítulo, ao indagar-se acerca da finalidade do regime das incapacidades, a autora empreende uma revisão histórica dos conceitos de pessoa, personalidade e capacidade. Sob o manto da de-licadeza, ela vincula tais noções à concepção de direito como sistema, desvendando a finalidade da proteção outorgada aos incapazes: manter incólume a liberdade negocial que ocupa o vértice das codificações modernas. Tal constatação enseja uma releitura do regime das incapacidades, sob uma nova hermenêutica capaz “...de resgatar o homem concreto dos conceitos e mecanismos formais de abstração (...) sob a lupa dos preceitos constitucionais.” 1

O segundo capítulo transpõe a investigação da finalidade do regime das inca-pacidades para um novo paradigma: em lugar do paternalismo, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência enuncia sua autonomia. Neste contexto, destaca-se uma investigação acurada sobre os termos impairment, disability e handi-cap, traduzidos para o português, como deficiência, incapacidade e desvantagem2, resultando na dissociação da deficiência de impedimento, em atenção ao modelo social incorporado pela nova ordem internacional.

O terceiro capítulo identifica verdadeira ruptura no clássico regime das inca-pacidades do Código Civil, indagando-se se a Lei 13.146/2015 teria cumprido com

1 BRAZZALE, Flávia Balduino. A pessoa com deficiência e a ruptura no regime das incapacidades. Curitiba, 2017. 218 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Mestrado, Centro Universitário Autônomo do Brasil, p. 50.

2 BRAZZALE, Flávia Balduino. A pessoa com deficiência e a ruptura no regime das incapacidades. Curitiba, 2017. 218 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Mestrado, Centro Universitário Autônomo do Brasil, p. 55 e seguintes.

APResentAção

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XIII

sua finalidade. Por outras palavras, “...as medidas concretizadas pelo Estatuto – à primeira vista, “emancipatórias” -, conseguiram efetivamente atingir seu fim garan-tindo ‘em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades funda-mentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania’”?

O desafio de responder a questão, acima exposta, foi prontamente aceito pela autora, antes mesmo da Lei 13.146/2015 entrar em vigor. Eis que a nova lei era recebida sob os aplausos e críticas de juristas, enquanto a doutrina e jurisprudência sequer haviam se pronunciado sobre o tema. Tal cenário, se por um lado, tornou sua pesquisa uma tarefa árdua, por outro, fez dela uma tarefa sedutora. A então jovem mestranda rendeu-se às dificuldades e encantos do novo tema e soube des-vendar, com ares de veterana, os melindres da “capacidade civil como um direito fundamental emanado da dignidade da pessoa humana”3.

Após a vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência, os desafios propostos pelo tema mostraram-se mais precisos. A autora soube identificar suas principais diretrizes, delineadas pelo magistério de Nelson Rosenvald e Joyceane Bezerra de Menezes: a defesa de uma capacidade tão somente relativa da pessoa com deficiên-cia, com base no artigo 4º, III, do Código Civil, e a defesa da capacidade absoluta, com base nas alterações introduzidas pela Convenção e pelo Estatuto. Trata-se de um paradoxo, que não escapou às palavras de Flávio Tartuce, ao enunciá-las res-pectivamente como “dignidade-vulnerabilidade” e da “dignidade-liberdade” 4. Eis que a dignidade da pessoa humana é o princípio invocado tanto por aqueles que se inclinam a um certo paternalismo em defesa da pessoa com deficiência, como por aqueles que não abrem mão de sua autonomia.

O caminho trilhado pela jurisprudência, não passou despercebido pela nova mestra do Centro Universitário Autônomo do Brasil, que empreendeu a análise de casos paradigmáticos colhidos dos tribunais brasileiros, que já se pronunciavam pela capacidade relativa da pessoa com deficiência. Considerada por alguns como uma “brecha inconstitucional e autofágica”5 e por outros como uma interpretação que concilia a proteção da pessoa com deficiência com o princípio da segurança jurídica6, a autora inclinou-se por esta última.

A pesquisa realizada por Flávia Balduíno Brazzale não se limitou a siste-matizar a recente doutrina e jurisprudência sobre o tema, empreendendo uma revisão crítica do regime das incapacidades. Valendo-se de argumentos históricos, cuidadosamente tecidos por extensa pesquisa bibliográfica, a autora delineou o

3 ROSENVALD, Nelson. Curatela. Capítulo 17. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 743-828, p. 761.

4 TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Parte II, p. 1. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI225871,51045-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com>. Acesso em: 27 jun. 2017.

5 STOLZE, Pablo. Deficiência não é causa de incapacidade relativa: a brecha autofágica. Revista Direito UNI-FACS. Salvador, nº 195, p. 1-7, 2016, p. 6.

6 ROSENVALD, Nelson. Curatela. Capítulo 17. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 743-828, p. 765.

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significado preciso do regime das incapacidades das codificações modernas: uma concepção abstrata de sujeito de direito “consubstanciada ao seu patrimônio”7. Neste aspecto, o livro rende homenagem à tendência contemporânea de reperso-nalização do direito civil, repondo a pessoa com deficiência “...‘e seus direitos no topo da regulamentação jure civile’, não apenas ‘como actor que aí privilegiada-mente explica a característica técnica dessa regulamentação”8. Ao ler as páginas que se seguem, assim como sua autora, o leitor também se achará seduzido por essa repersonalização!

ROSALICE FIDALGO PINHEIROProfessora do Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e De-mocracia do UniBrasil. Professora Adjunta de Direito Civil da Faculdade de Direito da UFPR.

7 BRAZZALE, Flávia Balduino. A pessoa com deficiência e a ruptura no regime das incapacidades. Curitiba, 2017. 218 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Mestrado, Centro Universitário Autônomo do Brasil, p. 35.

8 CARVALHO, Orlando de. Para uma teoria geral da relação jurídica civil. 2ª ed. Atual. Coimbra: Centelha, 1981. V. 1: a teoria geral da relação jurídica – seu sentido e limites, p. 10.