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Comentario Hendriksen - 1 e 2 Tessalonissenses, Colossenses e Filemon (1)

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1 e 2 Tessalonicenses Colossenses e Filemon

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Características de cada Comentáriodo Novo Testamento de William Hen-driksen e Simon Kistemaker• Uma introdução a cada livro

do NT aborda data, autoria, questões gramaticais, etc.

• Cada seção é iniciada com uma tradução do próprio comenta­rista, buscando maior clareza e fidelidade ao texto original.

• Os comentários propriamente têm o objetivo de esclarecer para o pesquisador o sentido da passagem.

• Resumos ao final de cada uni­dade de pensamento ajudam os que preparam aulas, pales­tras ou sermões a partir deste comentário.

• Os esboços dos livros da Bíblia apresentam a sua estrutura orgânica. Antes de cada divisão principal são repetidas as res­pectivas seções dos esboços.

• Os problemas tratados em notas de rodapé permitem ao estudante continuar a sua pesquisa sem maiores inter­rupções, detendo-se onde e quando desejar para obter in­formações adicionais.

• Poucos comentários conse­guem manter consistente a sua linha teológica como o fazem os comentários desta série.Essa coerência teológica dá segurança ao pesquisador.

• A piedade dos comentaristas transparece em cada página, ao lado de sua erudição. Os textos não são áridos, mas denotam um profundo temor de Deus. São comentários altamente inspiradores.

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C om en tário do N o v o T estam ento - 1 e 2 Tessalonicenses, C olossenses e T ilem on © 1998 Editora Cultura Cristã. Publicado originalmente com o título N e w T estam ent

C om m en tary , I a n d 11 T h essa lon ia n s © 1955, C o lo ssia n s a n d P hilem on © 1964, William Hendriksen, por Baker Book House Company, EO. Box 6287, Grand Rapids, MI

49516-6287. Todos os direitos são reservados.1 e 2 Tessalonicenses

Ia edição - 1998 - 3.000 exemplares 2a edição - 2007 - 3.000 exemplares

Colossenses e Filemon Ia edição - 1998 — 3.000 exemplares

2a edição — 2007 — 3.000 exemplaresTradução

1 e 2 Tessalonicenses - Hope Gordon e Valter Graciano Martins Colossenses e Filemon - Ezia Cunha Mullins

R evisão Madalena Torres

Elvira Cesário CastanõnE dito ra ção

Eline Alves MartinsC a p a

Expressão ExataC on selho E d ito r ia l

Cláudio Marra (P resid en te), Ageu Cirilo de Magalhães Jr., Alex Barbosa Vieira, André Luiz Ramos, Fernando Hamilton Costa, Francisco Baptista de Mello,

Francisco Solano Portela Neto, Mauro Fernando Meister e Valdeci da Silva Santos.

220.3 Hendriksen, William H4986c C om entário do N T - 1 e 2 Tes-

salonissences, Colossences e Filemon / Willian Hendriksen; tradução de Ezia C. Mullins; Hope Gordon Silva; Valter G. M artins. São Paulo: Cultura Cristã, 2007

512 p.; 14X21 cm

ISBN 978-85-7622-215-6

1. Com entário bíblico I. T ítulo

£(EDITORA CULTURA CRISTRS u p erin ten den te : Haveraldo Ferreira Vargas

E ditor: Cláudio Antônio Batista Marra

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S um ário

L ista de A breviaturas .............................................................................................. 7Introdução a 1 e 2 Tessalonicenses

I. M otivos para o estudo destas e p ís to la s ................................................ 11II. Fundação da I g r e ja ................................................................................... 13

III. O propósito de Paulo em e sc re v e r ....................................................... 19A. 1 Tessalonicenses ................................................................................. 19B. 2 Tessalonicenses ................................................................................. 22

IV. O tempo e o lugar .................................................................................... 24V. A utoria .......................................................................................................... 27

A. De 1 Tessalonicenses ......................................................................... 27B. De 2 Tessalonicenses .......................................................................... 36

VI. Conteúdo geral ...........................................................................................41A. De 1 Tessalonicenses ......................................................................... 41B. De 2 Tessalonicenses ......................................................................... 43

Comentário de 1 TessalonicensesCapítulo 1 ........................................................................................................... 49Capítulo 2 ........................................................................................................... 73Capítulo 3 ........................................................................................................... 97Capítulo 4 ......................................................................................................... 115Capítulo 5 ......................................................................................................... 143

Comentário de 2 TessalonicensesCapítulo 1 ......................................................................................................... 179Capítulo 2 ......................................................................................................... 195Capítulo 3 ......................................................................................................... 225

B ibliografia Seleta ...............................................................................................245B ibliografia Geral ............................................................................................... 245

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L ista de A breviaturas

As abreviaturas de livros da Bíblia são as adotadas na tradução Almei­da Revista e Atualizada no Brasil. As letras usadas em abreviaturas de outros livros são seguidas de pontos. Nas abreviações de periódicos não constam pontos e elas estão em itálico. Assim é possível distinguir de relance se a abreviatura se refere a livro ou periódico.

A. Abreviaturas de livrosA.R.A. Versão da Bíblia Revista e Atualizada da Sociedade Bíbli­

ca do Brasil (fonte de citações não resignadas)A.R.V. American Standard Revised VersionA.V. Authorized Version (King James)B.D.B Brown-Driver-Briggs, Hebrew and English Lexicon to the

Old TestamentB.V. A Bíblia VivaCNT W. Hendriksen, Comentário do Novo TestamentoGram.N.T. A.T. Robertson, Grammar o f the Greek New Testament in

the Light o f Historical ResearchH.B.A Hurlbut, Atlas Bíblico (edição mais recente)I.S.B.E. International Standard Bible EncyclopediaL.N.T. Thayer, Greek-English Lexicon o f the New Testament M.M. J.H. Moulton e G. Milligan, The Vocabulary o f the Greek

Testament Illustrated from the Papyri and Other Non-Li- terary Source. Grand Rapids, Michigan, 1952 Novun Testamentum Graece (org.), D. Eberhard

N.N. Nestlé e D. Erwin Nestle (edição mais recente)R.S.V. Revised Standard VersionW.B.D. Westminster Dictionary o f the BibleW.H.A.B. Westminster Historical Atlas to the Bible

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B. Abreviaturas de periódicosBtr The Bible TranslatorEQ Evangelical QuarterlyExT Expository TimesInt InterpretationJBL Journal o f Biblical LiteratureRB Revue bibliqueRHPR Revue d ’histoire et de philosophie religieuses

8 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

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In t r o d u ç ã o a E 2 T essa l o n ic en ses

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I. Motivos para o estudo dessas epístolasVamos agora estudar certas epístolas escritas por um homem dentre aqueles que realmente “viraram o mundo de cabeça para baixo”. E o interesse em Paulo1 nunca decresce.

Esse interesse é diversificado. Alguns enfocam particularmente Paulo, o teólogo. Fazem perguntas tais como: Paulo foi o estruturador de um sistema de doutrina ou foi um discípulo de Jesus? Quais foram seus pontos de vista com relação a vários temas doutrinários? A Igreja de hoje deve deixar-se guiar por esses pontos de vista ou deve vê-los como destituídos de valor normativo?

Outros, por seu lado, desenham o retrato de Paulo, o homem. O interesse principal destes pode ser chamado de psicológico. Perguntam: Como podemos explicar sua energia aparentemente inesgotável? Ele era normal ou anormal? Sua experiência no caminho de Damasco tem explicação psicológica, ou houve algo de natureza sobrenatural? Esse homem era destemido ou medroso? Era frio ou compassivo?

Finalmente, existem aqueles para quem Paulo foi, antes de tudo, o missionário que devemos imitar. Argumentam que, por maior que te­nham sido suas vantagens, não podem ter sido tantas a ponto de desti­tuir seu exemplo de todo valor para os dias e época atuais. Concluem que os métodos de Paulo devem ser os nossos métodos. Se ele creu numa igreja local nativa que se sustente, se propague e se governe sozi­nha, nós também devemos crer nela. Outros, no entanto, enquanto con­cordam até certo ponto com esta visão, não têm tanta certeza de serem aplicáveis, hoje, os princípios e métodos de Paulo, sem modificações muito amplas. Destacam a grandeza deste missionário em particular,

1. Portanto, entre as obras importantes novas ou reimpressas durante uma só década (1940-1950), temos as seguintes:

R.M. Hawkins, The Recovery o f the Historical Paul, Nashville, 1943.C.W. Quimby, Paul fo r Everyone, Nova York, 1944.John Knox, Chapters in a Life o f Paul. Nova York e Nashville, 1946.E.J. Goodspeed, Paul, Filadélfia, Toronto, 1947.R.Machen, The Origins o f P aul’s Religion, reimpresso, Grand Rapids, 1947.F.Postma, Paulus, Pretoria, 1949.W.Ramsay, St. Paul the Traveler and the Roman Citizen, reimpresso. Grand Rapids, 1949. W.Ramsay, The Cities o f St. Paul, reimpresso, Grand Rapids, 1949.W.J. Conybeare e J.S. Howson, The Life and Epistles ofSt.Paul, reimpresso, Grand Rapids, 1949. A. Barnes, Scenes and Incidents in the Life o f the Apostle Paul, reimpresso, Grand Rapids, 1950.

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seus dons carismáticos e suas qualificações. Também apontam que os tempos e as circunstâncias mudaram, e conseqüentemente o que era certo para Paulo fazer é errado para nós fazermos.

Assim temos em Paulo o interesse teológico, o interesse pessoal ou psicológico, e o interesse missionário (para não falar nas várias combi­nações e mesclas entre eles).

Ora, é fato que essas três linhas convergem maravilhosamente nas duas epístolas aos tessalonicenses. Comecemos pelo interesse teológico ou doutrinário: sem dúvida, outras epístolas contêm mais doutrina, con­tudo de nenhuma outra podemos extrair tanta matéria sobre a doutrina das coisas finais (escatologia) como destes oito capítulos. É fato conhe­cido que em 1 Tessalonicenses cada capítulo termina com uma referên­cia à Segunda Vinda (veja 1.10; 2.19,20; 3.11-13; 4.13-18; 5.23,24). Também 2 Tessalonicenses tem muito material escatológico (procure especialmente 1.7-19 e 2.1-12). Para obtermos informações sobre as­suntos como o “arrebatamento” (em qualquer sentido que o conceba­mos), sobre o tempo da Volta de Cristo, a grande “apostasia” ou aban­dono, “o homem da iniqüidade”, “o que o detém”, “o mistério da iniqüi­dade”, e “a manifestação de sua vinda (a de Cristo)” - voltamo-nos naturalmente e antes de tudo a 1 e 2 Tessalonicenses.

Além disso, embora outros trechos das epístolas de Paulo e Atos sejam sempre vistos como janelas que deixam vislumbrar o coração do grande apóstolo, não há melhores, para isso, do que 1 Tessalonicenses2.1-12; 3.1-10; 5.12-24 e 2 Tessalonicenses 3.7-10. Aqui temos real­mente um retrato de Paulo, o homem. Nestas duas epístolas ele se dis­tingue “em toda a simpatia de sua personalidade rica e multiforme” (George Milligan, St. Paul’s Epistles to the Tessalonians, Londres, 1908, pág. xliii).

Quanto a Paulo, o missionário, sua “estratégia” - de proclamar a mensagem nos grandes centros, fazer uso da sinagoga, basear sua argu­mentação sobre as profecias do Antigo Testamento, etc. - fica tão evi­dente em Tessalônica como em qualquer outra parte. Estudos especiais dedicados a esse assunto se referem, repetidamente, não só a Atos 17.1­19, que contém um breve relatório do trabalho em Tessalônica, como também a 1 Tessalonicenses 1.8-10, que relata algo do conteúdo e do sucesso admirável da mensagem missionária de Paulo (cf. também Fp 4.16).

Tanto 1 como 2 Tessalonicenses podem ser vistas como uma das fontes importantes para a formulação subseqüente da doutrina, um guia

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INTRODUÇÃO 13

indispensável ao estudo do homem Paulo, e um capítulo-chave de um manual para missionários. Essas duas breves epístolas oferecem tudo isso e mais. Acima de tudo, é parte da revelação especial infalível de Deus, que chega a todo crente com autoridade absoluta e divina, mos­trando-lhes o que devem crer e como devem viver.

II. A fundação da IgrejaA evangelização da Europa começou a sério quando Paulo pisou na

terra que hoje é a faixa longa e estreita do nordeste da Grécia. Ali havia Filipos, situada cerca de 15 quilômetros da costa banhada pelo mar Egeu. Era a “cidade da Macedônia, primeira do distrito e colônia [ro­mana]” (At 16.12).

A essa cidade chegaram Paulo, Silas - o companheiro escolhido por ele para essa viagem (At 15.40) - Timóteo como assistente (At 16.3) e Lucas, o médico amado (At 16.10). Em Filipos estabeleceu-se uma igreja que Paulo mais tarde chamou de “minha alegria e coroa” (Fp 4.1). Ali Lídia converteu-se, e ela e os da sua casa foram batizados (At 16.14,15). Os senhores de uma jovem que tinha espírito de adivinhação ficaram zangados quando Paulo expeliu dela o demônio. Raciocinaram que “a esperança do lucro” acabara. Como resultado, Paulo e Lucas foram presos e espancados com varas. Perto da meia-noite, Deus mandou um terremoto que abriu as portas da prisão. O carcereiro se converteu e “a seguir, foi ele batizado com todos os seus” (At 16.16-34). Depois de serem soltos condignamente, Paulo e Silas “dirigiram-se para a casa de Lídia e, vendo os irmãos, os confortaram” (At 16.40), deixando a cida­de. Lucas ficou para trás, o que se constata quando, ao narrar outros eventos, ele não diz mais “nós” (como em At 16.16), e sim, que eles “chegaram” (At 17.1). Como o nome só chega a ter menção em Atos 17.14, alguns concluem que ele também tenha ficado algum tempo em Filipos, e que não se juntou aos outros dois (Paulo e Silas) até que eles, tendo trabalhado algum tempo em Tessalônica, alcançaram Beréia. Ou­tros, porém, acreditam que Timóteo também tenha viajado de Filipos a Tessalônica (ou na companhia dos outros dois ou então um pouco mais tarde). Eles baseiam sua opinião no fato de seu nome estar incluído junto com o de Paulo e Silas na saudação inicial das duas epístolas ( lTs1.1; 2Ts 1.1). Essa opinião, a meu ver, merece a preferência. Não é tão estranho o jovem assistente Timóteo (lTm 4.12) não ser sempre menci­onado junto com os outros. Mesmo hoje, quando os jornais noticiam que um presidente visitou certo país, geralmente omitem a maioria dos

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14 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

nomes dos assessores que o acompanham. E isso não significa a ausên­cia deles.

De Filipos, o viajante podia seguir por uma das mais famosas estra­das militares romanas, a Via Inácia. Quando construída, ia desde Bi- zâncio (Constantinopla, Istambul) no Bósforo até Diráquio diretamente a oeste (local na atual Albânia), junto ao mar Adriático. Formava assim um elo com Roma. Era uma estrada bem feita e conservada, relativa­mente segura e marcada de milha em milha (o que Estrabão nos infor­ma). Os missionários tomaram a estrada, primeiramente até Anfípolis, nome que significa ao redor da cidade, porque o rio Estimão a contor­na, e então até Apolônia. Prosseguiram até Tessalônica. De Filipos a Tessalônica a distância real da viagem era de cerca de 160 quilômetros, uma distância comparável àquela entre Brasília e Goiânia, em Goiás; entre Los Angeles e San Diego, na Califórnia; ou entre Londres e Bris­tol, na Inglaterra, por exemplo.

De todas as cidades e aldeias dessa estrada, Tessalônica era a maior e mais influente. Situada no atual Golfo de Salônica, foi edificada na forma de um anfiteatro nas colinas no fundo da baía. A estrada atraves­sava o centro da cidade, como ainda prova um vestígio dela. Em Tessa­lônica ainda é chamada pelo antigo nome: a Inácia.

A cidade de Tessalônica foi fundada em 315 a.C. por Cassandro, no local ou perto da antiga terma. Esse Cassandro foi oficial sob Alexan­dre Magno. Ele matou a mãe de Alexandre, Olímpia, por lhe fazer opo­sição e, depois de esmagar o exército dela, por razões políticas, Cassan­dro casou-se com a irmã de Alexandre (por parte de pai). O nome dela era Tessalônica. Então convém ter em mente o seguinte:

Paulo escreveu uma carta à igreja em Filipos. A cidade foi fundada (c. 358 a.C.) por Filipe II da Macedônia. O apóstolo também escreveu duas cartas à igreja em Tessalônica. O nome desta cidade foi escolhido para honrar a filha de Filipe, Tessalônica.

Quando os romanos conquistaram a Macedônia, dividiram-na em quatro partes. Tessalônica foi a capital de uma delas. Mais tarde (c. 146a.C.) tomou-se a capital de toda a província da Macedônia. Na luta entre Pompeu e César, Tessalônica foi uma das bases principais de Pom­peu, mas pouco depois (42 a.C.) deu apoio a Antônio e Otávio. Essa lealdade não foi esquecida. O grande imperador Augusto recompensou Tessalônica fazendo-a uma cidade livre. Assim ela adquiriu um governo próprio com razoável grau de autonomia para agir nos assuntos inter­nos e escolhia seus próprios magistrados, chamados de “politarcos”.

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INTRODUÇÃO 15

Embora a maioria dos tessalonicenses fosse grega, por isso a cultu­ra na cidade era basicamente helénica, havia também alguns romanos e muitos orientais. Era natural, obviamente, que o comércio atraísse mui­tos judeus. Apresença desses judeus e sua atividade missionária exerce­ram certa influência sobre a religião pagã, fazendo com que alguns dos gentios freqüentassem a sinagoga e se tornassem “tementes a Deus”.

Sob os romanos, a cidade desfrutou de grande prosperidade. Nos dias do império Bizantino era a segunda maior, depois de Bizâncio.

Na história da Igreja, um acontecimento em particular tomou Tessa­lônica famosa. Em 390 d.C., o imperador Teodósio o Grande mandou massacrar mais de sete mil de seus cidadãos por causa de uma revolta ocorrida ali. Ele ordenou que fossem mortos sem consideração de posi­ção, sexo, ou grau de culpa. Foi então que o grande bispo Ambrósio, dese­jando vindicar os direitos da lei moral - e, em segundo lugar, os direitos da Igreja sobre o Estado - recusou a comunhão ao imperador. Só depois que este se submeteu a uma penitência pública, implorou perdão e fez ainda certas promessas específicas, sua absolvição foi finalmente concedida.

A cidade desempenhou papel importante nas Cruzadas. Passou a um govemo otomano mais ou menos estável no ano de 1430. Antes os turcos a tinham dominado mas perderam-na. De 1430 até 1912 ficou com os turcos. Em 1912 foi tomada de volta pelos gregos. Durante a Ia Grande Guerra, os aliados começaram ali suas campanhas de Salônica (como a cidade veio a ser chamada), e durante a 2a Grande Guerra foi bastante danificada. Tendo sido sempre um centro de comércio, a cida­de atraía muitos judeus.

Atualmente, Salônica é a segunda maior cidade da Grécia, tendo uma população de cerca de 250 mil pessoas. Fica no centro de uma região produtora de têxteis, artefatos de couro, máquinas industriais e cigarros. Uma estrada de ferro liga a cidade a Atenas. De fato, devido a sua localização estratégica, é um pólo de transportes ferroviários, rodo­viários, marítimos e aéreos. Há comércio de fumo, gado, trigo, algodão, seda e legumes. Sua universidade foi organizada em 1926. Dentre as igrejas famosas que ali se encontram destacam-se a de Santa Sofia, a de São Jorge e a de Demétrio. Uma de suas relíquias da antiguidade mais famosas é o arco do triunfo do Imperador Constantino.

Paulo teve atividade dupla em Tessalônica: a) ganhava a vida traba­lhando com as mãos, pelo pão de cada dia (lTs 2.9; 2Ts 5.8), b) e pregava o evangelho (At 17.2; lTs 1.5; 2.2,8,11,12; 4.1,2). Ele traba­lhava para não pesar sobre ninguém e para deixar patente perante todos

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16 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

que não devia ser classificado como os filósofos ambulantes cujos obje­tivos e interesses eram muitas vezes egoístas.

Paulo demorou em Tessalônica pelo menos três semanas. Mas é bom notar que o tempo de três semanas, mencionado em Atos 17.2, provavelmente indica apenas a duração de seu período de ensino na sinagoga. Considerando-se que foi estabelecida nesse lugar uma igreja de bom tamanho (conforme se deduz de lTs 5.12), e que muitos dos cidadãos de Tessalônica se voltaram do culto aos ídolos para servirem o Deus vivo (lTs 1.9), e que esse despertar espiritual foi tão abrangente que a notícia dela se espalhou em todas as direções, e especialmente que durante a “campanha” nessa cidade Paulo recebeu duas vezes uma soma de dinheiro da igreja em Filipos (Fp 4.16), é mais lógico concluir que os missionários passaram na implantação da nova igreja um período maior do que três semanas.2

A pregação (ensino e exortação) começou na sinagoga, conforme o costume de Paulo. Como já foi sugerido, provavelmente continuou em outro local. Há os que dizem que “a casa de Jasom” foi utilizada como ponto para pregações subseqüentes. Outros, entretanto, são da opinião de que essa casa hospedava os missionários e dava a Paulo um local de trabalho (cf. At 18.2,3).

As fontes bíblicas inspiradas não oferecem um levantamento com­pleto e detalhado do conteúdo da mensagem de Paulo em Tessalônica. Contudo, alguns temas importantes são mencionados. O leitor é infor­mado de que Paulo ensinava que as profecias messiânicas tinham seu cumprimento em Jesus, sendo ele o Cristo; que ele sofreu, morreu, res­surgiu dos mortos, e há de voltar, tudo isso segundo as Escrituras; que pela sua obra ele livrou da ira vindoura todos os que confiam nele; que a adoração de ídolos é pecaminosa; e que os crentes, tendo sido chama­dos ao glorioso reino de Deus, devem viver uma vida de santificação a fim de agradar ao Deus que os salvou, e ser ordeiros na sua conduta diária dentro de um mundo mau (“Se alguém não quer trabalhar, tam­bém não coma” 2Ts 3.10; veja At 17.3; lTs 1.9,10; 2.12; 4.1-3).

Sobre um ponto - a saber, a volta do Senhor e os eventos que irão antecedê-lo - Paulo havia dado instruções um tanto detalhadas enquan­to estava com os tessalonicenses (2Ts 2.1 -5). É provável que os ensinos sobre outros temas doutrinários não tivessem sido menos completos.

2. Assim também em L. Berkhof, New Testament Jntroduction, Grand Rapids, 1915, págs. 222,223;F.W. Grosheide, Handelingen (em Korte Verklaring), Kampen, segunda edição 1950, pág. 55; Geor­ge Milligan, obra citada, pág. xxviii; mas não em R.C.H. Lenski, The Interpretation oftheActs o f the Apostles, Columbus, Ohio, 1944, pág. 693.

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INTRODUÇÃO 17

As circunstâncias sob as quais toda essa atividade de evangelização se realizava eram em parte desalentadoras, em parte encorajadoras. Paulo tinha sido “maltratado” e “ultrajado” em Filipos (lTs 2.2). Por isso, teve de ter coragem para entrar em um novo campo depois de tais expe­riências. Por outro lado, esse trabalho não era infrutífero. Além do mais, como já foi notado, recebia apoio de Filipos.

A mensagem de Paulo vinha do fundo do coração. Pregava de ma­neira direta, sem rodeios. Nunca houve tentativa de bajulação. Mas a verdade era dita no espírito de temo afeto e bondade. Com o calor da convicção interior, profundamente persuadido da importância suprema de seu recado, o grande missionário, tratando cada pessoa como um pai a seus filhos, ensinava, exortava, incentivava (veja lTs 1.1-5; 2.4,5,7, 8 , 10, 11).

E o Espírito Santo aplicava a mensagem aos corações de alguns dos ouvintes (lTs 1.5). Muitos eram convertidos. Aceitavam a mensagem como palavra, não de homens, mas de Deus (lTs 2.13). Daquele mo­mento em diante, buscavam, com a ajuda do Espírito, agradar a Deus (lTs 4.1). A irmandade era regida pelo amor (lTs 4.9,10). Uma igreja se estabeleceu. Seus membros se enchiam de entusiasmo contagiante. Em cada coração havia uma canção, em cada boca um testemunho.

Toma-se claro, tanto pelo livro de Atos como pelas epístolas, que a maioria dos convertidos era dentre os gentios: foram persuadidos “al­guns” judeus e “numerosa multidão” dos prosélitos gregos (que tinham por hábito freqüentar a sinagoga), assim como muitas das mulheres da cidade, as de alta classe, esposa dos líderes (At 17.4). Muitos pagãos, adoradores de ídolos, tendo ouvido o evangelho, como Paulo e seus companheiros o pregavam, experimentaram uma mudança fundamen­tal, uma transformação radical de mente e coração (lTs 1.9; cf. 2.14 e At 20.4).

Paulo nunca se esqueceu do resultado extraordinário que sua men­sagem trouxe a Tessalônica. Quando, pouco tempo depois, escreve uma carta a esta igreja, faz menção da maneira alegre e entusiasta com que a palavra havia sido abraçada de coração (lTs 1.6), e cita o fato de essa congregação ter se tomado um exemplo para todos os crentes na Mace- dônia e Acaia (lTs 1.7). Acrescenta até mesmo que, quando as pessoas falam nele, descrevem-no como o homem por meio de cuja pregação uma poderosa transformação espiritual se operou em Tessalônica. O grande missionário se sente muito contente, pois isso toma seu trabalho mais fácil. Onde quer que ele vá, a fama de sua mensagem o antecede. De fato, os recém-convertidos não se têm calado (veja lTs 1.6-10).

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18 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

Não surpreende, pois, que o “sucesso” de Paulo tenha criado ciú­mes e exaltado os ânimos daqueles judeus que não foram convertidos. Com a ajuda de certos arruaceiros desocupados, acorreram à casa de Jasom onde esperavam achar os proclamadores da nova mensagem. Como não os encontraram ali, arrastaram Jasom e alguns outros con­vertidos à presença dos “politarcos” (autoridades da cidade)3 e clama­ram: “Estes que têm transtornado o mundo (viraram o mundo de cabeça para baixo, B.V. At 17.6,7) chegaram também aqui, os quais Jasom hospedou. Todos estes procedem contra os decretos de César, afirman­do ser Jesus outro rei” (At 17.8,9).

Os irmãos logo mandaram Paulo e Silas a Beréia durante a noite. Os judeus ali eram “mais nobres” que os de Tessalônica, e acolheram a mensagem avidamente, estudando todos os dias as Escrituras para ver se o que Paulo proclamava era verdade. Mas, quando ia tudo esplendi­damente, os judeus em Tessalônica, ouvindo contar do sucesso que os missionários estavam obtendo, chegaram a Beréia com o fim de instigar uma revolta contra eles. Resultou que, enquanto Silas e Timóteo foram deixados em Beréia para dar um apoio espiritual à igreja nascente, Pau­lo, acompanhado por alguns dos irmãos, se dirigiu ao litoral. Aqueles que conduziam Paulo o levaram até Atenas. Quando estavam de parti­da, o missionário pediu que avisassem Silas e Timóteo para virem en­contrar-se com ele logo que possível (At 17.10-15).

Seguiu-se um ministério bastante interessante em Atenas. Leia a história em Atos 17.16-34. Entretanto, a resposta dos ouvintes não foi nem um pouco favorável, como em Beréia. Enquanto isso, Paulo aguar­dava ansiosamente a chegada de Silas e Timóteo com notícias da Mace- dônia. A partir de 1 Tessalonicenses 3.1,2 constata-se que Timóteo saiu de Beréia e encontrou Paulo ainda em Atenas. É provável (mas não certo) que Silas também se juntou a Paulo em Atenas. Um fato, entre­tanto, fica claro: Paulo estava profundamente preocupado com os re- cém-convertidos que tinham deixado em Tessalônica. Duas vezes (uma quando estava em Beréia e outra quando estava em Atenas) fez planos de voltar a vê-los, mas, por algum motivo não explicitado na Escritura, Satanás o impediu de levar a cabo seus planos (lTs 2.17,18). Enquanto isso, a ansiedade continuava. Finalmente, quando não a pôde suportar por mais tempo, ele (ou ele e Silas) decidiu ficar em Atenas sozinho, e

3. Apalavra “politarco” (At 17.6,8) foi em certo tempo considerada um erro de Lucas. Entretanto, o descobrimento de dezessete inscrições em Salônica contendo exatamente esse termo provou que Lucas estava certo e não os seus críticos. Vide J.P. Free, Archaelogy and Bible History, Wheaton, III., terceira tiragem 1952, pág. 321.

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INTRODUÇÃO 19

mandar Timóteo para fortalecer e encorajar os irmãos em Tessalônica (veja comentário sobre lTs 3.1,2). Se Silas passou algum tempo com Paulo em Atenas, deve ter retomado à Macedônia dentro de pouco tem­po (talvez para Filipos), pois fica evidente que tanto ele como Timóteo “desceram de Macedônia” até Corinto depois de Paulo ter começado sua obra naquela cidade (At 18.1,5; cf. lTs 3.6).

III. O propósito de Paulo em escreverA. 1 Tessalonicenses

Corinto era a metrópole comercial e política da Grécia. Seu nome era sinônimo de libertinagem. Por algum tempo o grande missionário trabalhou ali sozinho. Ficou conhecendo Aquila e Priscila, que haviam sido banidos de Roma pelo decreto do imperador Cláudio (que gover­nou de 41 a 54 d.C.), e morou com o casal porque tinha o mesmo ofício, o de fabricar tendas. Pregou primeiramente na sinagoga, e depois na casa de um gentio que morava ao lado.

Parece provável que, enquanto Paulo se achava sozinho em Corinto- isto é, antes de Silas e Timóteo terem voltado da Macedônia - ele tenha recebido notícias inquietantes das igrejas da Galácia. Ouvia dizer que os judaizantes tinham estado operando com êxito descabido na ten­tativa de destruir o que ele edificara com tanto sofrimento e paciência. E, de acordo com isso, o apóstolo escreveu a Epístola aos Gálatas.

Ao mesmo tempo, a jovem igreja de Tessalônica estava também em sua lembrança. Temia que, como resultado da brevidade da sua estada e da sua saída repentina, da sua impossibilidade de retornar pessoalmente e da zombaria e pouco caso, de parentes e vizinhos, que os membros da igreja da Macedônia teriam de suportar, a tentação de se acomodarem pouco a pouco de volta ao paganismo ou ao Judaísmo provasse ser grande demais (lTs 3.5). Estava claro que alguns dos judeus haviam aceitado o evangelho, mas como eles sairiam das mãos daqueles judeus- a maioria absoluta - que não o aceitaram? A resposta não era difícil de adivinhar. Paulo conhecia o caso do assalto contra a casa de Jasom. Além disso, somados aos judeus hostis havia os judaizantes que, con­forme as últimas notícias, tanto mal estavam causando na Galácia. Será que iam entrar e estragar a Macedônia também? E ainda, um grande número dos gregos piedosos e não poucas das mulheres distintas tinham sido convertidas, mas o que fariam os prosélitos que não se converte­ram, e especialmente... como estariam os esposos das mulheres conver­tidas? Só de pensar no que esses esposos poderiam fazer às esposas

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20 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

para forçá-las a abandonarem sua fé em Cristo era preocupante. Sem dúvida alguma, no curto espaço de tempo que Paulo passou em Tessalô- nica, multidões de pagãos tinham renunciado à idolatria e aceito a nova religião; mas será que essa fé era firmemente fundamentada e genuína? Agüentaria uma perseguição por parte da população ignorante e má, os mesmos arruaceiros que estavam sempre prontos a ser comprados para fazer violência? Os crentes tessalonicenses (poucos dos quais são men­cionados por nome: Jasom, Aristarco, Secundo, At 17.5-9; 20.4) esta­vam ainda tão imaturos, tão deficientes no conhecimento e na experiên­cia religiosa. Também, em geral, eram pobres (2Co 8.2,3). Será que Timóteo, que nesse exato momento trabalhava entre eles, conseguiria lidar com a situação encontrada? Será que ele voltaria são e salvo? E se conseguisse voltar, que notícias traria? Em relação a isso, é interessante notar que uma preocupação muito semelhante inundaria o coração de Paulo em sua terceira viagem missionária. Naquela ocasião futura as condições em Corinto - a mesma igreja em que Paulo agora trabalhava -preocupariam aflitivamente o seu pensamento, e então o ajudante por cuja volta ansiaria seria Tito em vez de Timóteo (Leia sobre isso 2Co 2.12,13; 7.5-15). Na verdade, além dos perigos de fora - e eram mui­tos - , havia aquilo que oprimia diariamente o apóstolo, isto é, “a pre­ocupação com todas as igrejas” (2Co 11.28).

Foi grande o alívio de Paulo quando Timóteo chegou (Silas também retomou da Macedônia, At 18.5). O relatório que trouxe da igreja em Tessalônica foi tão animador que o coração do grande missionário se encheu de alegria e ações de graças. “Agora eu (realmente) vivo”, Paulo disse, quando Timóteo lhe trouxe a maravilhosa notícia da fé não dimi­nuída e do amor constante da igreja infante (cf. lTs 3.8). A chegada de Silas e Timóteo e as informações que transmitiram não só avivaram maior zelo em sua pregação (At 18.5), como também o levaram a resol­ver expressar seu sentimento de gratidão em uma carta aos tessaloni­censes. “Vocês estão progredindo muito bem, continuem a agir assim mais e mais (cf. lTs 4.1). Não deixem que as perseguições produzam desânimo. São necessárias; também são de se esperar, como eu lhes havia dito quando ainda estava com vocês (cf.ITs 3.2-4)”.

Em meio às boas notícias que predominavam no relatório que Ti­móteo trouxe havia algumas más notícias. Adversários traiçoeiros, cheios de preconceito e ódio, estavam fazendo insinuações, depreciando o ca­ráter e o ministério de Paulo (lTs 2.3-10), procurando assim enfraque­cer sua influência e destruir o consolo que sua mensagem havia produ­zido. E era necessário dar consolo, reconfortar e oferecer mais instru-

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INTRODUÇÃO 21

ção. Isso sobretudo quanto a determinado assunto importante: alguns membros da igreja haviam “dormido”, haviam morrido. Será que iriam participar da glória da volta de Cristo? (veja lTs 4.13 segs.). Além do mais, se essa volta estava prestes a acontecer, por que continuar no trabalho? Por que trabalhar nas coisas que logo iriam perecer? (cf. lTs 4.11).

É evidente que Paulo estava cheio de profunda preocupação e afeto sincero para com essa igreja estabelecida havia tão pouco tempo. Es­creve sua carta a fim de:

a. Enfrentar diretamente a campanha de murmúrios com referência a sua “personalidade” e motivações (veja capítulos 1 e 2);

b. Expressar sua alegria e gratidão por causa das boas notícias tra­zidas por Timóteo (veja capítulo 3);

c. Esclarecer melhor a questão que havia surgido com respeito àqueles que adormeceram (veja 4.13-18), e a questão da maneira da Volta de Cristo (veja 5.1-11), e

d. Dar diretrizes exatamente conforme se poderia esperar de um missionário que escreve a homens recentemente tirados do império das trevas (idolatria, imoralidade, etc.) para o reino da luz (veja 4.1-12;5.12-28). Portanto, Paulo chama atenção ao fato de que a nova fé exige um rompimento completo com a conduta imoral que caracteriza o paga­nismo ( lTs 4.1-8) e enfoca a necessidade do devido respeito aos cargos, do amor e paz entre os irmãos, da disposição de ajudar os que passam por aflições e da boa ordem na conduta perante os olhos do mundo (lTs5.12-14).4

4. A questão do objetivo de 1 Tessalonicenses foi revista recentemente com respeito a uma questão em particular, a saber, se o apóstolo, nessa epístola, está procurando dar resposta a uma carta de Tessalônica, que Timóteo presumivelmente tivesse trazido consigo. Algo sobre este assunto pode ser observado nos comentários mais antigos, mas veja especialmente a consideração recente de Chalmer E. Faw, “On the Writing of First Tessalonians”, J B L 1 \ (Dezembro 1952), págs. 217-225. Faw apresenta argumentos fortes (contudo, a meu ver, não totalmente convincentes) a favor do postulado de tal carta de Tessalônica ter existido, e de o apóstolo, além de expressar sua reação ao relatório oral trazido por Timóteo, considerar os vários itens mencionados nessa carta, iluminando os assuntos com respeito aos quais a igreja em Tessalônica (os líderes, principalmente) busca maiores esclareci­mentos. Os argumentos de Faw podem ser resumidos assim:

a. Expressões tais como: “No tocante ao amor fraternal” (lTs 4.9), “com respeito aos (observe, contudo, a transposição de palavras no original) que dormem” (4.13), “relativamente aos tempos e às épocas” (5.1) revelam um padrão o qual, nas cartas de Paulo, tem paralelo só em 1 Coríntios (“Com respeito às virgens,” “No que se refere às coisas sacrificadas a ídolos”, “A respeito dos dons espirituais,” “Quanto à coleta para os santos” - veja ICo 7.25; 8.1; 12.1; 16.1), e o qual naquela carta é introduzido pela frase, “Com respeito aos assuntos sobre os quais vocês escreveram” (ICo 7.1). Portanto, se esse modelo literário (de apresentar vários itens de uma série com a frase “com

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22 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

B. 2 TessalonicensesPodemos imaginar a alegria com que foi lida 1 Tessalonicenses pe­

los membros da congregação recém-estabelecida. Contudo, logo tor­nou-se evidente a necessidade de uma segunda carta. Chegaram aos ouvidos de Paulo - talvez pelos próprios homens que tinham entregue aos destinatários a primeira carta e que haviam agora retomado - que

respeito a” (e suas variantes) tanto em 1 Tessalonicenses como em 1 Coríntios, quando usado em I Coríntios indica que o apóstolo está dando uma resposta organizada a uma carta, por que não deve­mos chegar à mesma conclusão com respeito a seu uso em 1 Tessalonicenses?

b. A maneira abrupta como alguns desses assuntos são apresentados (em 1 Tessalonicenses), con­firma a teoria de Paulo ter diante dele a carta aos Tessalonicenses a qual passa a comentar item por item.

c. O fato de que Paulo parece relutar, como se não estivesse querendo escrever sobre certos assun­tos (veja 1 Ts 4.9; 5.1) mas o aborda mesmo assim, apóia a teoria de haver outra carta.

Embora, a meu ver, o artigo de Faw seja bem escrito e transmita muita informação valiosa, e embora sua teoria - que em 1 Tessalonicenses Paulo esteja respondendo a uma carta - possa até estar certa, esse artigo e essa teoria não conseguiram me convencer de ser esta a única solução possível, pelas seguintes razões:

a. O paralelo único de 1 Coríntios é uma base muito restrita para tal conclusão. Afinal, conforme o artigo de Faw demonstra claramente, o Novo Testamento contém outros exemplos do uso da frase quando a , exemplos nos quais evidentemente não introduz um pensamento sobre um item de uma carta (Mc 12.26; 13.32; Jo 16.11; At 21.25).

b. Em um aspecto 1 Coríntios não é similar, porque ali (1 Co 7.1) Paulo informa especificamente que está abordando os assuntos sobre os quais haviam escrito. Em 1 Tessalonicenses ele não faz nenhuma menção de uma carta que os tessalonicenses teriam escrito. E até mesmo possível que não julgaram ser necessário escrever tal carta, já que puderam confiar em Timóteo para dar um relatório oral completo.

c. O segundo e terceiro argumentos de Faw não comprovam que Paulo tinha a sua frente uma carta dos tessalonicenses. Um memorando cuidadosamente preparado pelo próprio Timóteo, ou mesmo um relatório oral organizado, preencheria todos os requisitos. Quanto ao terceiro documento, não se deve pressupor de imediato que a maneira como Paulo coloca a frase em 1 Tessalonicenses 4.9 e 5.1 indique uma verdadeira relutância de sua parte. Outra explicação também é possível. Veja comentá­rio sobre esses versículos.

Qualquer pessoa interessada nessa matéria deve ler (além do artigo de Faw de data recente) o que os seguintes autores têm dito a respeito:Bacon , B.W. An Introduction to the New Testament. Nova York, 1900, pág. 73.Barnett, Albert E., The New Testament, Its Making and Meaning. Nova York, 1946, pág. 37. Frame, James E., A Critical and Exegetical Commentary on the Epistle o f St. Paul to the Tessalo-

nians (em The International Critical Commentary). Nova York, 1912, págs. 9,157,178.Harris, J.Rendel, “A Study in Letter Writing”, The Expositor Series 5, vol.8 (setembro, 1898), págs.

161-180.Lensky, R.C.H., op. cit., págs. 318,319.Moffat, James, An Introduction to the Literature o f the New Testament. Nova York, 1917, pág. 67. Plummer, Alfred, A Commentary on St. Paul’s First Epistle to the Tessalonians, Londres, 1916,

pág. xviii.Smith, David, The Life and Letters o f St. Paul. Nova York, 1920, págs. 152-166.Van Leeuwen, J.A.C. Paulu’s Zendbrieven aan Efeze, Colosse, Filemon, en Thessalonika (em

Kommentaar op het Nieuwe Testament), Amsterdam, 1926, págs. 359,360.

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INTRODUÇÃO 23

os crentes em Tessalônica, embora experimentassem certo crescimento espiritual, ainda estavam sendo perseguidos, na verdade, mais do que nunca. Também com respeito à Segunda Vinda de Cristo, sobre a qual o apóstolo tinha escrito com palavras tão consoladoras, havia ainda algu­ma confusão: uns criam que a vinda repentina sobre a qual Paulo tinha escrito (lTs 5.3) sugeria uma vinda imediata. Existia não só a necessi­dade de instruir melhor sobre esse ponto, mas também recomendar que a igreja se apegasse àquilo que tinha aprendido anteriormente. Nesse contexto, parece que alguém dizia ter (ou ter tido notícia de) uma carta que teria vindo de Paulo; isso também produziu um efeito negativo. Havia, ainda, confusão com respeito à idéia de o Senhor voltar “a qual­quer hora”, o que pode ter aberto espaço para a conduta desordenada (cf. lTs 4.11,12), que continuava a existir e até mesmo crescia. O as­sunto exigia ser tratado. Era preciso responder à pergunta: “O que se faz com aqueles que não obedecem as instruções recebidas? Exatamen­te como a Igreja deve tratar os desobedientes?” E finalmente, o próprio Paulo (e seus companheiros em Corinto) viviam dificuldades e sentiam necessidade de pedir orações dos tessalonicenses.

Como conseqüência, o propósito de Paulo em escrever 2 Tessaloni­censes é este:

a. Expressar seu agradecimento pelo crescimento espiritual (mais a fé e o amor) que os crentes em Tessalônica estão experimentando, mes­mo em meio a perseguições, e encorajá-los com a certeza de que na Segunda Vinda de Cristo seus inimigos serão punidos e eles mesmos glorificados (veja capítulo 1).

b. Acalmar os que se exaltaram e se confundiram com respeito à Segunda Vinda, informando que certos eventos precisariam ocorrer an­tes da Segunda Vinda (veja 2.1-12).

c. No tocante a isso, exortar a todos no sentido de continuarem ligados às tradições recebidas oralmente ou por meio de epístola, adver­tir contra cartas imaginárias ou falsas que distorcessem a verdade sobre a Segunda Vinda, admoestar os desordeiros (que teriam largado suas ocupações por causa do fanatismo com respeito à Segunda Vinda) e dar instruções sobre aqueles que não obedecem aos ensinos recebidos (veja2.13—4.18; cf. 2.2).

Entremeados com esses pensamentos há passagens onde os crentes de Tessalônica são incumbidos de se lembrar de orar por Paulo e seus companheiros de trabalho, e onde são entregues ao cuidado amoroso de Deus, para que o coração deles seja firmado, para que recebam a boa

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24 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

esperança através da graça, a paz constante em todos os tempos e de todos os modos, o amor de Deus e a paciência de Cristo.

O breve resumo do propósito deixa claro que o que temos aqui é uma epístola sobre a Segunda Vinda.

IV. O tempo e o lugarEm tempos recentes houve a tentativa de se inventar uma nova cro­

nologia da vida de Paulo.5 Mas quanto a essa tentativa baseada no livro de Atos não é necessário entrar muito nos méritos da questão (veja, contudo, a nota de rodapé). Voltando-se, então, a Atos e às duas epísto­las estudadas neste livro, encontramos um paralelo muito evidente. O paralelo indica, sem sombra de dúvida, que 1 e 2 Tessalonicenses fo ­ram escritas enquanto Paulo estava na segunda viagem missionária. O lugar provável da escrita foi Corinto.

Baseamos essa conclusão nas seguintes considerações:(1) De acordo com Atos 16.11-40, o apóstolo, na segunda viagem

missionária, trabalhou em Filipos, de onde foi para Tessalônica e Be- réia, e de lá para Atenas (At 17). De Atenas encaminhou-se para Corin­to (18.1). Por algum tempo, esteve em Atenas sozinho, mas, uma vez chegando a Corinto, Silas e Timóteo encontraram-se com ele, vindos da Macedônia (18.1,5). A ordem dos locais, portanto, é esta: Filipos, Tes­salônica, Beréia, Atenas, Corinto. Ora, isso corresponde àquilo que se vê em 1 Tessalonicenses. Ali também encontramos um Paulo que estive­ra em Filipos (lTs 2.2), e que de lá descera (via Beréia, não mencionada aqui) até Atenas (lTs 3.1). Quando, além de tudo, lemos que Timóteo acabara de chegar (lTs 3.6), a conclusão natural é que há referência à mesma chegada mencionada em Atos e 1 Tessalonicenses, e que Paulo, portanto, está em Corinto.

5. Refiro-me à tentativa de John Knox; veja Chapters in a Life ófPaul, Nova York e Nashville, 1946. Neste livro a confiabilidade de Atos é atacada (p.ex. pág. 35). O autor se uniu, aparentemente, àqueles que consideram Lucas como escritor um tanto tendencioso, que põe ênfase exagerada ao papel de Jerusalém na história da Igreja primitiva. (Na essência, a posição desses autores já foi refutada adequadamente por J.GMachen, The Origin ofPaul ’s Religion, Grand Rapids, MI, reim­presso em 1947). E muito importante, do ponto de vista da cronologia, a opinião de Knox de as cartas de Paulo não conterem nenhuma indicação, da parte do missionário, de ele ter consciência de estar empreendendo grandes viagens (pág.40). Naturalmente, se as três viagens missionárias descri­tas no livro de Atos não têm direito de constar como genuínas, toda a cronologia muda. Para ver a diferença entre a antiga e a nova (Knox) cronologia, consulte Contemporary Thinking About Paul, organizado por Thomas S. Kepler, compare as tabelas nas págs. 158 e 159 com a da pág. 169. Mas será verdade que faltam indícios, nas epístolas de Paulo, dele ter tido consciência de estar ocupado em grandes viagens? Não vejo como sustentar isso, especialmente tendo em vista os seguintes trechos: Rm1.15; 15.24,28; ICo 16.5; 2Co 1.15,16,23; 2.12,13; 7.5-15; 9.2; 10.16; 12.14; 13.1; Fp 4.15,16.

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INTRODUÇÃO 25

(2) Pelas saudações (lTs 1.1; 2Ts 1.1) parece que Silas (também Timóteo) estava com Paulo quando escreveu as epístolas aos tessaloni- censes. E conforme o livro de Atos, Silas acompanhou Paulo em sua segunda viagem missionária (depois de Atos 18.5, Lucas não mais se refere a Silas), nem na primeira, nem na terceira. Embora isso não seja uma prova contundente, certamente contribui para a conclusão de que 1 e 2 Tessalonicenses foram escritas na segunda viagem missionária de Paulo.

Seria possível fixar uma data com mais exatidão ainda? Para isso muitas vezes se menciona o fato de ter sido descoberto, em 1909, perto de Delfos, uma inscrição, em pedra calcária cinza, que perpetua uma carta do imperador Cláudio aos cidadãos de Delfos, contendo o nome de Gálio, perante cujo tribunal Paulo compareceu enquanto estava em Corinto (At 18.12-17). Gálio foi procônsul por um período de um ou dois anos em alguma data entre 51 e 53 d.C.6 Pelo fato de Paulo ter estado sozinho em Corinto antes de escrever 1 Tessalonicenses, e de ter escrito depois que Silas e Timóteo vieram lhe fazer companhia, fica claro que não podemos datar a epístola bem no começo do período de 51-53. Se acreditarmos ter passado um tempo suficiente entre 1 e 2 Tessalonicenses, também fica claro que a primeira carta não pode ser datada no final desse período. Se aceitarmos, portanto, uma data para as duas epístolas “cerca de 52 d.C” (ou simplesmente durante o período 51-53), a verdade não pode estar longe.

Presumimos que a ordem das duas cartas de Paulo aos tessalonicen­ses, em nossa Bíblia, esteja correta, isto é, o que agora chamamos de 1 Tessalonicenses foi realmente escrita antes daquela que agora chama­mos de 2 Tessalonicenses. Um exame minucioso e imparcial das duas cartas parece estabelecer que a ordem é certa. Motivos:

(1) Embora 1 Tessalonicenses contenha muitas referências ao fato de Paulo ter tido contato pessoal com essa igreja, um contato ainda vivo na lembrança de todos (cf. 1.5; 2.1-16; 3.4), e que deve ter sido recente, ela não contém nenhuma referência a uma carta anterior. Mas 2 Tessa­lonicenses, ao contrário, menciona claramente uma carta anterior, pois Paulo diz: “Assim, pois, irmãos, permanecei firmes e guardai as tradi­ções que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nos­sa” (2Ts 2.15).

(2) Em 1 Tessalonicenses 1.6; 2.13, Paulo indica que os tessaloni­censes receberam o evangelho por uma fé verdadeira e viva. Em 2 Tes-

6. Veja Millar Burrouws, What Mean These Stones, New Haven, 1941,pag.86.

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26 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

salonicenses 1.3, ele expressa sua gratidão pelo fato de esta fé estar crescendo. De modo semelhante exorta os crentes, na primeira carta (3.12; 4.10) a “aumentar no amor uns para com os outros”; e na segun­da (1.3), alegra-se pelo fato de este crescimento gradual no amor ter se tomado realidade.

(3) Em 1 Tessalonicenses 4.17, o apóstolo prediz o “arrebatamen­to” (ser elevado às nuvens para o encontro com o Senhor nos ares); em 2 Tessalonicenses 2.1, ele claramente presume que os leitores já tenham recebido sua primeira instrução referente a esse assunto.

(4) De acordo com 1 Tessalonicenses 1.6; 2.14; 3.3, fica evidente que desde o início os crentes em Tessalônica sofreram perseguição. E 2 Tessalonicenses 1.4,6 mostra que essa penosa provação de sua fé não tinha diminuído. Se houve alguma mudança, parece ter sido para pior.

(5) A primeira carta contém várias recomendações específicas (4.1­12; 5.12-28). Na segunda, algumas dessas prescrições são colocadas com palavras mais duras (particularmente no que diz respeito a pessoas ociosas e desordeiras), e a Igreja recebe instruções explícitas sobre o que deve fazer com quem for desobediente (3.6-15).

(6) Na primeira carta, a natureza repentina e inesperada da Segun­da Vinda de Cristo é declarada (cf. 4.13-18; 5.1-11; observe em particu­lar as frases, “como ladrão”, “como ladrão de noite”, B.V.). Em 2 tessa­lonicenses, Paulo deixa claro que essa volta repentina não precisa ne­cessariamente ser imediata (2.1-12).

(7) Na segunda carta, Paulo adverte contra cartas imaginárias ou presumíveis, e talvez até mesmo falsas (2.2), e quando assina, nas li­nhas da conclusão diz: “Este é o sinal em cada epístola; assim é que eu assino” (3.17), o que facilita entender que se houve uma segunda houve uma primeira carta.

Por essas razões, apegamo-nos à prioridade de 1 Tessalonicenses. E 2 Tessalonicenses, como foi observado (veja itens 1-7), pressupõe que os destinatários conhecessem o conteúdo de 1 Tessalonicenses. De acor­do com isso, fica demonstrado ser imprópria a idéia que aponta 1 Tessa­lonicenses como sendo escrita à comunidade “gentílica”, e 2 Tessaloni­censes, à comunidade “judaica” em Tessalônica. As duas epístolas visa­ram ao mesmo grupo de leitores, a saber, a “igreja dos tessalonicenses” (lTs 1.1; 2Ts l.l) .7

7. Lyle O. Bristol em um artigo, “Paul’s Thessalonian Correspondence”, ExT. 55 (1944), pág. 223, conjectura a provável prioridade de 2 Tessalonicenses, porque: a. é mais curta do que 1 Tessaloni-

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INTRODUÇÃO 27

V. AutoriaA. De 1 Tessalonicenses

A autenticidade de 1 Tessalonicenses é hoje aceita por quase todos. Contudo, sempre houve quem discordasse dessa opinião quase unâni­me, e considerasse a epístola como obra, no todo ou em parte, de um falsificador.8

Seus argumentos podem ser resumidos da seguinte maneira:

censesi b quando 1 Tessalonicenses foi escrita, alguns membros da igreja tessalonicense já haviam morrido; e c. a organização que é pressuposta em 1 Tessalonicenses 5.12,13 subentende um intervalo de tempo mais longo do que seria possível se 1 Tessalonicenses fosse escrita primeiro.

Mas nenhum desses motivos tem força suficiente para comprovar alguma coisa. A razão da primei­ra de duas cartas ter que ser a mais breve não fica clara. Também não surpreende que em um interva­lo de poucos meses, com a perseguição feroz sofrida em Tessalônica, algumas mortes tenham ocorri­do. Finalmente, houve tempo suficiente (por exemplo, após a chegada de Timóteo na cidade; nesse caso Tito 1.5 forneceria um paralelo interessante). Paulo foi um grande organizador (At 14.23).

Outro artigo é o de Edward Thompson, “The Sequence of the Two Epistles to the Tessalonians”, ExT. 56 ( 1945), 306,307. Esse escritor defende a prioridade de 1 Tessalonicenses. Entre outras coi­sas, aponta que nada da tradição antiga apóia a prioridade de 2 Tessalonicenses, que o caráter mais judaico dela (a discussão do Apocalipse judaico) não implica a prioridade daquela epístola, e que não é verdade que Paulo aludir a sua assinatura (2Ts 3.17) comprova que 2 Tessalonicenses foi escrita primeiro, porque uma referência semelhante se encontra em I Coríntios 16.21, embora tenha sido escrito uma carta anterior à igreja em Corinto (veja I Co 5.9).

Quanto ao ponto de vista de A. Harnack e Kirsopp C.Lake (que 2Ts foi dirigida a uma comunidade judaica e lTs, a uma comunidade gentia), veja o capítulo deste último em Contemporary Thinking About Paul (org. porThomas S.Kepler), Nova York, Nashville (sem data), págs. 234-238.

8. Para os argumentos contra a autenticidade, veja particularmente F.C.Baur, Paulus, Stuttgart, 1845, págs. 480 segs. (para argumento anterior, veja Schrader, der Apostei Paulus, V, 1836, págs. 23 segs.). Acrítica de Baur foi a mais séria e eficaz. Convenceu alguns, Noack, Volkmar, Holsten, e outros. Cf. também Vander Vies, The Beide Brieven aan the Thessalonicenzen, 1865, págs. 128­164. Mas o argumento de Baur, negando a autoria paulina de I Tessalonicenses é enfraquecido pelo preconceito hegeliano sobre o qual se posta. Para Baur, a questão de uma epístola ser ou não carac­terizada pela linha de argumentação antijudaica parece resolver tudo. Assim, tudo o que Paulo pensa e escreve é forçado dentro de uma só linha. Obviamente, logo se vê a injustiça da abordagem.

Na literatura recente aparece claramente por vezes um subjetivismo semelhante. Um autor parte de um pressuposto - tudo que mostra ser apocalíptico não é paulino. Diz que Paulo ensinou a salvação por meio da identificação pela fé com um Cristo que morreu e ressurgiu. Como resultado, certas passagens e mesmo parágrafos inteiros de 1 Tessalonicenses são rejeitados: 1.10; 2.14-16; 4.13-18; 5.1 -10; e por razões semelhantes as seguintes passagens de 2 Tessalonicenses são consideradas não genuínas: 1.5-10; 2.1-17; Cf. R.M. Hawkins, The Recovery o fthe Historical Paul, Nashville, TN, 1943; veja especialmente págs. 234,241,292.

Entretanto, Paulo era um hebreu entre os hebreus. Ora, o pensamento hebraico sempre se caracte­rizou pela presença de idéias escatológicas e apocalípticas. Paulo certamente conhecia o livro de Daniel e muitas outras tendências semelhantes em outros escritos do Antigo Testamento (para nos limitarmos às Escrituras Canônicas). Também há idéias semelhantes nos ensinos de Jesus (Mt 24,25; Mc 13; Lc 21). Teria sido muito surpreendente se tais idéias estivessem totalmente ausentes das cartas de Paulo.

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28 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

(1) Essa epístola é muito menos doutrinária do que aquelas que são notoriamente de autoriapaulina. Seu conteúdo é bastante insigni­ficante:

Mas, por que todos os escritos do grande apóstolo teriam de ser igualmente doutrinários? As epístolas de Paulo surgiam de certas situa­ções concretas. É claro que essas situações divergiam. Em uma das igrejas era mais necessário o esclarecimento da doutrina; em outra, ad­moestações, exortações, repreensões, ou às vezes, consolo. Por outro lado, não é verdade que 1 Tessalonicenses tenha pouca relevância dou­trinária. Era necessário esclarecer a doutrina da Segunda Vinda.

(2) Essa mesma epístola não ataca a idéia da justificação pelas obras da lei.

Mas será que Paulo era homem de uma só idéia, de uma única idéia? A situação em Tessalônica não era a mesma daquela que existia na Galácia.

(3) E impossível que dentro de um período de poucos meses os convertidos de Tessalônica pudessem ter exercido tão intensa e tão extensa influência para sempre, como a que é retratada em 1 Tessalo­nicenses 1.7,8; 4.10.

Nossa resposta é: Por que não? De fato, acontece que exatamente essa pequena informação dada na carta é confirmada pelo relato de Atos (17.6). Até os inimigos de Paulo e de seus companheiros conside­raram a obra dos missionários de caráter tão eficaz que falaram “estes que têm transtornado o mundo” (“que viraram o mundo de cabeça para baixo” B.V.). Quando o Espírito Santo opera nos corações e nas vidas de ministros e convertidos, consagrados e cheios de entusiasmo de uma convicção interior real, as coisas começam mesmo a acontecer.

(4) As “palavras fortes” que em 1 Tessalonicenses 2.14-16 são usadas em referência aos judeus não poderiam ser empregadas por uma pessoa que em sua epístola genuína aos Romanos afirma: “Eu mesmo desejaria ser anátema, separado de Cristo, por amor de meus irmãos” (9.3).

Ora, por que seria impossível um autor inspirado, por um lado reve­lar uma realidade terrível (isto é, o derramamento da ira de Deus sobre um povo desobediente), e por outro, de maneira tocante, expressar sua própria tristeza e sincera dor de coração com respeito a essa realidade que atingia seus parentes próximos? Além disso, o que se ensina em 1 Tessalonicenses 2.14-16 não é diferente em sua essência do ensino de Romanos 9.22; 10.21; 11.22,25.

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INTRODUÇÃO 29

(5) Essa epístola é paulina demais. Contém mais do que o normal de passagens que se parecem com as das epístolas genuínas de Paulo (especialmente 1 e2 Coríntios). Portanto, é evidente que um falsifica­dor esteja atuando.

Mas esse tipo de lógica é o oposto exato daquela lógica que foi seguida nos argumentos (1) e (2). Ali, 1 Tessalonicenses foi rejeitada por ser diferente demais de Paulo. Aqui, já é criticada por ser paulina demais. Os dois argumentos se anulam. Também, não fica claro, de imediato, o motivo de Paulo não ter sido o autor de uma epístola que contém passagens paulinas.

Do lado positivo, antes de tudo existem as provas fornecidas pela própria epístola. E estas certamente indicam o fato de Paulo ter sido o autor (mesmo quando dois outros se juntam a ele para enviar saudações e confirmar o que ele escreve). Observe o seguinte:

(1) A epístola se apresenta como carta de Paulo (1.1; 2.18).(2) Sabe-se (segundo Atos dos Apóstolos) que aqueles que são apre­

sentados como companheiros do autor na ocasião do envio da carta são conhecidos como pessoas que estavam com Paulo na sua segunda viagem missionária.

São eles, Silvano (isto é, Silas) e Timóteo (1.1 ;3.2,6, cf. At 15.40;16.1-3,19; 17.4,10,14; 18.5).

(3) A carta tem o formato tipicamente paulino, isto é, tem a estru­tura epistolar que caracteriza Romanos, 1 Coríntios, 2 Coríntios e Gálatas, os escritos que são atribuídos a Paulo até pela maioria da­queles que rejeitam a autenticidade de 1 Tessalonicenses.

Esse modelo epistolar segue o seguinte padrão (com variações míni­mas); há o nome de quem escreve (e muitas vezes também a posição que ocupa), as pessoas ou o grupo a quem a carta é dirigida (às vezes com breve descrição, uma saudação, ações de graças ou doxologia, então o corpo da carta (argumentação, admoestação, exortação, consolo, ins­trução, etc.), uma saudação final (embora nem sempre apareça, e quan­do aparece nem sempre é igualmente detalhada) e a bênção.

(4) O vocabulário é sem dúvida de Paulo.Mais de quatro quintos das palavras usadas em 1 Tessalonicenses

são usados também nas quatro epístolas paulinas que costumam levar o nome de epístolas principais (Rm, ICo, 2Co e Gl). Se incluirmos as epístolas da prisão (Ef, Fp, Cl e Fm) entre aquelas que devem ser consi­deradas genuinamente paulinas, descobrimos que quase noventa por cento

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30 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

das palavras empregadas pelo autor de 1 Tessalonicenses também ocor­rem nessas oito cartas (as quatro epístolas principais e as quatro da prisão). Se forem acrescentadas as epístolas pastorais (lTm, 2Tm e Tt), a porcentagem sobe ainda mais.9

(5) Não são apenas as palavras isoladas que indicam a autoria de Paulo, mas também muitas das frases características, frases que só em Paulo são encontradas fora desse livro.

a. Frases10 encontradas em 1 Tessalonicenses (e não em 2Ts), e apenasepístolas de Paulo:1.2 em nossas orações Rm 1.101.3; 3.11,13 nosso Deus e Pai G1 1.41.5,6; 2.2,17 em muito (èv 7toÀ,À.fj) Rm 9.222.4,15 agradar a Deus Rm 8.82.5,10 Deus é (minha) testemunha Rm 1.92.12;5.24 que vos chama G15.82.12 para viverdes por modo digno de Deus Cl 1.102.18 não somente uma vez, mas duas Fp 4.163.2 ministro de Deus ICo 3.93.2 evangelho de Cristo Rm 15.193.5 inútil (síç kevóv) 2Co 6.13.8 firmados no Senhor Fp 4.14.1 no Senhor Jesus Rm 14.144.11 trabalhar com as próprias mãos ICo 4.124.13 não queremos que ignoreis Rm 1.134.15,17 nós, os vivos 2Co 4.114.17 estaremos com o Senhor Fp 1.235.9 mediante nosso Senhor Jesus Cristo Rm 5.15.10 vivamos (em união) com ele 2Co 13.45.18 em tudo (èv iiavxí) ICo 1.55.24 o que vos chama G15.85.26 ósculo santo Rm 16.16

9. A fim de chegar a esses percentuais, anotei cuidadosamente para mim mesmo, em cartões e em ordem alfabética, cada palavra encontrada em 1 Tessalonicenses (idem para 2Ts); usando Moulton e Geden 's Concordance, verifiquei o uso dessas palavras nas epístolas principais, nas da prisão e nas pastorais de Paulo. Foi baseado nisso que cheguei a essas conclusões. Como as conclusões são as mesmas, em essência, daquelas a que chegou J.E.Frame, A Criticai andExegetical Commentary on the Epistles ofSt. Paul to the Tessalonians (em The International Criticai Commentary) uma refe­rência às páginas daquela obra deve ser o suficiente (págs. 28-32).

10. Essas frases (em grego) se encontram também em Frame (obra citada, págs. 32-34), mas ele omite as referências às epístolas principais. Ofereci uma referência nesses casos (para uma lista completa deve-se usar Moulton and Geden ’s Concordance). Também forneço os equivalentes em nossa língua [inglês] e ordenei as frases conforme as seqüências de capítulos e versículos.

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INTRODUÇÃO 31

b. Frases encontradas em 1 e 2 Tessalonicenses e, fora destas, só nas outras epístolas de Paulo:

lTs 2Ts1.5 2.14 nosso Evangelho 2Co 4.32.9 3.8 para que não

(jipóç xô |ifj com inf.) 2Co 3.132.9 3.8 labor e fadiga 2Co 11.274.1 3.1 finalmente, irmãos

(quanto ao mais) 2Co 13.115.6 2.15 Assim, pois (âpa oíüv) Rm 5.18Além dessas há várias frases que, embora se encontrem em outros

escritos que não são de Paulo, ocorrem principalmente nas epístolas que geralmente são atribuídas ao apóstolo. É evidente que há também mui­tas frases que podem ser chamadas de peculiares a essas cartas (pois aparecem em 1 Tessalonicenses e/ou 2 Tessalonicenses, mas em nenhu­ma outra das epístolas de Paulo). A diferença nos assuntos bem como a tendência natural de quase todo escritor (e especialmente de um autor versátil como Paulo) querer variar suas expressões, ao escrever cartas a pessoas diversas sob circunstâncias inteiramente diferentes, já nos le­vam a esperar por isso. O número muito elevado de frases exclusiva­mente paulinas ou principalmente paulinas aponta, sem dúvida, ser Paulo o autor.

(6) A epístola reflete claramente a personalidade de Paulo.Como em outras das epístolas atribuídas a Paulo, somos aqui con­

frontados com um homem tão profundamente interessado naqueles a quem se dirige, que está sempre dando graças a Deus por eles, mencio­nando-os em suas orações (1.2ss.; cf. Rm 1.8,9); está ansioso por vê-los (2.17,18; cf. Rm 1.11; Fp 2.24); e quando não pode manda um de seus companheiros (3.2; cf. Fp 2.19-23) fazê-lo. Deleita-se em cobrir de elo­gios a seus leitores, sempre que possível, e de encorajá-los (1.3,6-10; cf. 2Co 8.7; Fp 4.15-17). Em relação a isso, é bom observar a grande semelhança entre 2.19,20 e Filipenses 4.1. Contudo, esse louvor nunca termina no aspecto humano. O escritor sempre se apressa em atribuir à graça soberana de Deus o que há de admirável no crente, considerando isso como prova da eleição do crente e da presença do Espírito Santo em seu coração (1.4,5; cf. Rm 8.28-30; 8.23; G1 5.22-25; Fp 1.6). O autor não hesita em defender os motivos que o levam a pregar o evangelho, quando estão sendo atacados, e ao fazer isso tem prazer em passar em revista sua entrada no meio das pessoas que agora constituem a igreja

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32 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

(2.1-12; cf. ICo 2.1-5; 3.1,2). Demonstra muito tato ao admoestar (4.9,10; cf. Fm 8-22), mas nunca tem medo de fazer valer sua própria autoridade (5.27; cf. ICo 16.1). Ele considera, um a um, os assuntos que interessam de perto aos leitores, matérias sobre as quais necessitam de (foram pedidos) maiores esclarecimentos (4.13; 5.1,12; cf. 1 Co 7.1,25; 8.1; 12.1; 16.1).

Quanto mais se estuda esse aspecto intensamente pessoal da epís­tola, é mais fácil convencer-se de que a mesma só poderia partir de um homem - do próprio Paulo.

(7) Não há nada nessa epístola que não esteja em completa har­monia com a doutrina proclamada nas epístolas principais de Paulo (para não falar nas epístolas da prisão e nas pastorais).

Embora, com a exceção já notada (veja págs. 12 e 13), essa opinião seja prioritariamente doutrinária, contudo toda ela pressupõe a ênfase paulina nos temas doutrinários fundamentais. Assim, o escritor de 1 Tessalonicenses nos ensina que por natureza o homem está caminhando em linha reta à revelação da ira de Deus (1.10;5,9; cf. Rm 1.18; 2.8; 9.22); ele está sob o governo das trevas (5.5; cf. Rm 2.19; 13.12; 2Co6.14). Mas do meio dessa massa decaída, Deus, por misericórdia sobe­rana, elegeu alguns (1.4; cf. Rm 9.11; 11.5,7). Essa eleição tem como finalidade a santificação do crente, sua segurança e sua salvação final e completa, para a glória de Deus (1.3-5; 3.13; 4.3,7; 5.23; cf. Rm 6.1,22;11.36; ICo 1.30; 10.31). Foi o Senhor Jesus Cristo quem morreu pelos crentes (5.10; cf. G1 2.20), para que possam viver com ele e para ele. Enquanto o crente vive aqui, está sendo tentado por Satanás, que tenta desencaminhá-lo (3.5; cf. Rm 16.20; ICo 7.5; 2Co 2.11; 12.7). Mas Deus o guarda até o dia da gloriosa manifestação do Senhor Jesus Cris­to do céu, quando, então, os crentes estarão para sempre com Cristo (1.10; 2.19; 3.13; 3.17; 5.23; cf. Rm 8.18,19; ICo 15.50-58; 16.22).

O testemunho da igreja primitiva se harmoniza com essa conclusão que foi extraída da própria epístola. Assim é que Eusébio, tendo feito uma investigação completa em toda literatura que pôde encontrar, afirma:

“Mas clara evidência temos (jipó5r|X,oi kocí aoc<|)eiç) para as quator­ze (cartas) de Paulo; contudo não é correto deixar de ver que alguns dis­putam a (Carta) aos Hebreus” (História Eclesiástica III. iii. 4,5). E óbvio que Eusébio, escrevendo no início do século 4B, nunca tinha ouvido falar em alguém que duvidasse da autenticidade de 1 e 2 Tessalonicenses.

Antes dele, Orígenes (210-250) se refere repetidamente (e cita) a

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INTRODUÇÃO 33

essas epístolas, explicitamente atribuindo ambas a Paulo. Ele gosta de citar especialmente 2 Tessalonicenses 2.

De Orígenes podemos voltar mais atrás, a seu mestre, Clemente de Alexandria (190-200). Ele também conhece bem as epístolas aos tessa­lonicenses, e as atribui a Paulo. A seguir temos nas obras de Clemente algumas das referências a (ou citações de) 1 Tessalonicenses:

1 Tessalonicenses2.4 Os Stromata (Miscelânea) VII. xii2.5-7 Os Stromata I.i2.6,7 O Instrutor (Educador, Pedagogo) I. v4.3-8 Os Stromata IV. xii4.9 O Instrutor I. vi4.17 Os Stromata VI. xiii5.5-8 O Instrutor II. ix5.6-8 Os Stromata IV. xxii5.13-15; 19.22 O Instrutor III. xii

Mais ou menos na mesma época, Tertuliano, escrevendo Contra Marcião e mencionando Paulo nominalmente com “todos os seus escri­tos apostólicos” (V. i), não apenas cita 1 Tessalonicenses 2.15 (V. xv), como também dá a entender que Marcião e outros hereges, em meados do século 2B, aproximadamente, consideravam 1 Tessalonicenses uma epístola autêntica do apóstolo aos gentios, fato este que se pode deduzir também de outras fontes. Tertuliano se refere a (e faz citações de) 1 e 2 Tessalonicenses (especialmente 2Ts 2) repetidas vezes.

Clemente tinha Irineu como seu contemporâneo. Pelas muitas via­gens que fez e seu conhecimento íntimo de quase a totalidade da igreja de seus dias, o que Irineu diz sobre a autoria de 1 e 2 Tessalonicenses deve ser considerado de muita relevância. Sua voz, num assunto tão importante, pode ser considerada a voz da igreja. Ora, em sua obra Contra as Heresias (V. vi. 1), ele não apenas cita 1 Tessalonicenses 5.23, mas também atribui a Paulo as palavras. Refere-se também a (e cita) outras passagens das duas epístolas aos Tessalonicenses.

O Fragmento de Muratori, uma lista incompleta dos livros do Novo Testamento, escrita em latim inculto, leva o nome do Cardeal L. A. Muratori (1672-1750), que o descobriu na Biblioteca Ambrosiana, em Milão, e pode ser identificado como sendo do período 180-200. Contém o seguinte:

“Ora, as epístolas de Paulo, o que são, de onde ou por que foram

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34 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

enviadas, elas mesmas esclarecem aquele que quer entender. Antes de tudo escreveu em detalhe aos Coríntios a fim de proibir o cisma da heresia, depois aos gálatas contra a circuncisão e aos romanos sobre a ordem das Escrituras, também indicando que Cristo é o assunto princi­pal nelas - cada um dos quais devemos considerar, visto que o próprio bendito apóstolo Paulo, seguindo o exemplo de seu antecessor João, escreve a não mais de sete igrejas, pelo nome, dentro da seguinte ordem: Coríntios (primeira), Efésios, (segunda), Filipenses (terceira), Colos- senses (quarta), Gálatas (quinta), Tessalonicenses (sexta), Romanos (sé­tima). Mas escreve duas vezes, para fins de correção aos coríntios e aos tessalonicenses...” Tanto 1 quanto 2 Tessalonicenses estão incluídas nas versões Latina Antiga e Siríaca Antiga.

É verdade que antes da época das testemunhas que foram menciona­das até aqui não existem citações das quais se pode dizer definidamente que tenham derivado das cartas de Paulo aos tessalonicenses, ou que pode ter-se derivado dessas cartas com certeza. Naturalmente que isso não deve causar-nos estranheza. Os escritos que confiadamente podem ser atribuídos àquele período primitivo são muito poucos. Além do mais, as cartas aos tessalonicenses são breves e (com a exceção observada, veja págs. 12,13) contém pouco material doutrinário. Não eram provavelmen­te tão bem conhecidas como, por exemplo, Romanos e 1 Coríntios.

É possível, contudo, que certas expressões de 1 e 2 Tessalonicenses encontrem um eco na literatura do período subapostólico. Isso não pode ser confirmado nem negado, cf. o seguinte:

lTs 1.6 Inácio, aos Efésios X. iii“E de fato, vocês se tomaram nos- “Sejamos solícitos em imitar ao sos imitadores e do Senhor; ape- Senhor”, sar de muito sofrimento, recebe­ram a palavra, com alegria, pro­veniente do Espírito Santo.”

lTs 2.4 Inácio, aos Romanos II. i“Pelo contrário, falamos como ho- “Não gostaria que vocês fossemmens aprovados por Deus, a pon- daqueles que agradam aos ho-to de nos ter sido confiado por ele mens, mas daqueles que agradamo evangelho.” a Deus”.

Bamabé Epístola de XXI. vi lTs 4.9 (cf. IV. ix)

“Pois vocês mesmos já foram en- “Sejam ensinados por Deus” (ins- sinados por Deus. ” traídos por Deus).

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INTRODUÇÃO 35

lTs 4.16 “Pois dada a ordem, com a voz do arcanjo e o ressoar da trombeta de Deus, o próprio Senhor desce­rá do céu, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro.”

lTs 5.13 “Vivam em paz uns com os outros.”

lTs 5.17 “Orem sem cessar.”

Esses trechos não constituem prova cabal para sustentar que no final do primeiro e no início do século 2a d.C., as cartas de Paulo à igreja em Tessalônica estavam sendo citadas nos escritos que vieram até nós. A expressão “instruídos por Deus” (lTs 4.9; cf. Bamabé XXI. vi) era bastante comum, e tanto pode ter se originado do Antigo Testamento quanto de Paulo (as seguintes passagens imediatamente vêm à mente: Is 54.13; 60.2,3; Jr 31.33,34; J1 2.28; Mq 4.2; Sf 3.9; e Ml 1.11). Jesus a cita (veja Jo 6.45) como expressão que está “escrita nos profetas”. De modo semelhante, é bem possível que a passagem sobre os sinais (lTs 4.16; cf. O Ensino XVI. vi) venha de um dito de Jesus também registra­do por Mateus (24.30,31). A passagem sobre estar em paz (lTs 5.13; cf. O Pastor III. ix. 10) talvez venha de palavras do Senhor registradas por Marcos (9.50). Por outro lado, se em cada exemplo citado temos diante de nós o texto genuíno de Inácio, parece que seu uso de 1 Tessa- lonicenses pode ser considerado provável (embora não certo).

O importante é o seguinte: em nenhum lugar na literatura primitiva (nem mesmo nos escritos dos hereges) a autoria paulina de 1 Tessaloni- censes é colocada em dúvida. Toda vez que a epístola é atribuída a algum escritor, é sempre ao apóstolo Paulo (de acordo com Orígenes, Tertuliano, Clemente, Irineu e outros). E esse testemunho externo, como já foi observado, está em perfeito acordo com o interno, as provas for­necidas pela epístola em si. A única conclusão razoável é que Paulo foi realmente seu autor.

B. De 2 TessalonicensesOs argumentos daqueles que rejeitam, ou como um todo11 ou em

O Ensino (Didaquê) dos Doze Apóstolos XVI. vi

“E então aparecerão os sinais da verdade. Primeiro, o sinal expos­to nos céus; a seguir, o sinal do sonido da trombeta; e terceiro, a ressurreição dos mortos”.

O Pastor III. ix. 10.“Em paz entre eles mesmos”.

Inácio, Aos Efésios X. i “Orem sem cessar”.

11. Veja especialmente Kern, “Ueber 2 Thess. 2.1-12, Nebst Andeutungen über den Ursprung des

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36 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

parte,12 a autoria paulina de 2 Tessalonicenses são, com variações indi­viduais, os seguintes:

(1)2 Tessalonicenses 2.1-12 é uma passagem apocalíptica. Fixa a atenção na glória futura de Cristo quando ele há de derrotar seus inimigos. Esta representação se contrasta nitidamente com a ênfase de Paulo sobre a necessidade de crescer na fé, na esperança e no amor, aqui e agora.

Esse argumento totalmente subjetivo já foi respondido. Veja nota de rodapé número 8. A passagem (2.1-12) é inteiramente natural, como demonstram estudos recentes da literatura apocalíptica. Rejeitá-la por ser apocalíptica não passa de uma arbitrariedade.

(2) Se Paulo escreveu 1 Tessalonicenses 4.13-18; 5.1-11, ele não poderia ter escrito 2 Tessalonicenses 2.1-12; pois enquanto o primeiro trecho considera a Vinda de Cristo como prestes a acontecer, o segun­do a considera como não-iminente.

O fato é que a primeira epístola representa a Segunda Vinda de Cristo como repentina, a segunda como não-iminente (precedida de cer­tos eventos). As duas idéias não se anulam mutuamente. Certos sinais hão de preceder a volta de Cristo. Contudo, quando isso ocorrer, apa­nhará as pessoas de surpresa (Essa representação confere também com o que está escrito em Dn 11.1—12.3; Mt 24.1-44; Lc 17.20-37).

(3) A passagem 2.1-12 se refere a Nero ( “o homem da iniqüida­de”) noticiado como morto, mas aqui representado como realmente escondido e prestes a voltar (segundo outros, morto de fato, mas pres­tes a ressuscitar), e a Vespasiano ( “aquele que agora o detém”); ou (segundo ainda outros) se refere aos dias de Trajano e à crescente onda de gnosticismo. Isso mostra que Paulo (que não estava vivo na época dos reinados de Vespasiano e Trajano) não pode ter sido o escritor.

Nada no contexto dá apoio a essa interpretação. Veja em 2.1-12.

zweiten Briefes an die Tessalonicher”. Tiibinger Zeitschrift fu r Theologie (1839 Zweites Heft), págs. 145-214. Cf. também a conclusão a que chegaram Mayerhof, Baur, Weizsácher, Wrede. A argumentação varia.

12. Um dos mais recentes é R.M. Hawkins, The Recovery ofthe Historical Paul, Nashville, Ten­nessee, 1943, págs. 262-269,292. As primeiras teorias de interpolação (de acordo com as quais 2 Tessalonicenses é em parte genuína e em parte falsa) foram mantidas por J.E.Schmidt (1801), que depois rejeitou toda a epístola como não paulina, como também fizeram Paul Schmidt (1881) e vários outros. Alguns vêem 2.1-12 como não-genuína; outros acreditam que seja a única parte ge­nuína da carta.

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INTRODUÇÃO 37

(4) O predestinismo rigoroso de 2.11-13 não é paulino.Ora, por que aquele que escreveu Romanos 8.28,39; 9.10-24; Efé-

sios 1.4,11; 2.10 não poderia ter também escrito 2 Tessalonicenses 2.11,12,13? Fazendo justiça àqueles que propõem o argumento (4), deve­se admitir, no entanto, que eles também gostariam de eliminar as passa­gens predestinadas de Romanos e Efésios, considerando-as não pauli­nas. A objeção a esse procedimento é que a doutrina da predestinação se harmoniza com toda a linha de raciocínio das epístolas de Paulo. Sem­pre que não é declarada explicitamente, ela é pressuposta. Ela é, em certo sentido, a pedra angular da teologia do homem que ensinou que “dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas” (Rm 11.36). Para a boa coerência, os críticos deveriam rejeitar também essa passagem e com ela muitas outras. O que, então, sobraria, se é que sobraria alguma coisa? (E o Evangelho de João, que registra os ensinos de Jesus, tam­bém não é predestinação do começo ao fim?)13 Não existe, porém nada de rigoroso com respeito a esse predestinismo. Sempre se faz amplo espaço para a responsabilidade humana. Quanto ao mais, veja em 2.11,12,13.

(5) O livro de 2 Tessalonicenses é em grande parte uma repetição de 1 Tessalonicenses. Está claro que um falsificador esteve atuando.

Uma comparação na prática - qualquer pessoa pode verificar isso - mostra que a matéria nova em 2 Tessalonicenses (nova comparada à primeira carta) compreende cerca de dois terços da carta. Que haja cer­ta reiteração ou duplicação de assuntos é exatamente o que se poderia esperar quando se considera que o mesmo autor escreve à mesma igreja, durante o mesmo período de tempo (apenas poucos meses tendo passado entre uma e outra carta), e em meio as mesmas circunstâncias (no geral).

(6) 2 Tessalonicenses difere em aspectos numerosos demais das cartas genuínas de Paulo para ser vista como obra da “pena ” de Pau­lo. Especialmente, ela é muito mais fria (menos amistosa), mais “ofi­cial” e também muito mais “judaica” no seu colorido do que 1 Tessa­lonicenses.

Foi Wrede, especialmente que, em seu Die Echtheit des zweiten tessalonicherbriefs, discorreu sobre isso. Mas até certo ponto os argu­mentos (5) e (6) se cancelam um ao outro. No restante, o relacionamen­to íntimo entre as duas cartas já foi demonstrado. Consulte IV. O tempo e o lugar, itens (1) até (7); e veja também o que é explicado sobre a

13. Veja o CNT, Evangelho de João, Introdução, “Classificação das cláusulas iria do quarto Evan­gelho”.

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38 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

semelhança entre 2 Tessalonicenses e as outras cartas paulinas (item(5), pág. 30, e págs. 38 e 39).

(7) A saudação no fim da carta (3.17) é suspeita. E claramente uma tentativa de um falsificador para fazer a carta parecer autêntica.

A resposta, aqui, é que diante da informação específica transmitida em 2.2 - veja sobre essa passagem - a conclusão autográfica de 3.17 (no final) é bem natural.

As mesmas evidências internas citadas para comprovar a autentici­dade de 1 Tessalonicenses estabelecem a de 2 Tessalonicenses (veja págs. 31-33). Portanto, tendo em vista o que foi dito em relação à primeira carta, bastará uma declaração breve:

Esta segunda epístola (bem como a primeira) se apresenta como tendo sido escrita por Paulo (1.1; 3.17), com quem estão associados os homens que sabidamente o acompanharam em sua segunda viagem (1.1). Aqui temos também a forma epistolar paulina costumeira, com varia­ções interessantes nos detalhes. O vocabulário é decididamente paulino, sendo a porcentagem de palavras que a segunda carta tem em comum com outras epístolas, comumente atribuídas a Paulo, ainda um pouco mais alta do que a porcentagem de palavras comuns à primeira carta e às demais epístolas.

À lista de frases que 2 Tessalonicenses apresenta em comum com outras epístolas paulinas, e que também se encontram em 1 Tessaloni­censes (veja item b, pág.31), podemos agora acrescentar as que se en­contram na segunda carta e em outras atribuídas a Paulo, mas não em 1 Tessalonicenses.

Observe as seguintes:2 Tessalonicenses1.1 Deus nosso Pai Rm 1.71.8 Obedecem ao evangelho

Foi crido (èTUcrceúõri com sujeito impessoal)Rm 10.16

1.10 Rm 10.102.2 Como se (cbç óxi) 2Co 5.192.3 Que ninguém (nf) xiç com subjuntivo aoristo) ICo 16.112.7 Posição posterior da palavra “somente”

(jxóvov) G12.102.10 Aos que perecem (para os que se perdem) ICo 1.182.17 Consolem os vossos corações Cl 2.23.4 temos confiança no Senhor

(persuadido no Senhor) Fp 2.24

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INTRODUÇÃO 39

3.13 Não vos canseis de fazer o bem3.14 Nossa palavra (as que ledes)3.17 A saudação de Paulo, de próprio punho

G1 6.9 2Co 1.13 ICo 16.21

Como a primeira carta, muito da personalidade de Paulo transpare­ce (quanto às passagens, em outras epístolas, de Paulo que refletem os mesmos traços, veja págs. 31,32). Em 2 Tessalonicenses estamos diante de alguém profundamente interessado nos leitores (1.3,11,12) e que demonstra calorosa afeição por eles. Compartilha (tem comunhão com) suas experiências, e gosta de apreciar suas boas qualidades (1.4;3.4). Contudo, ele atribui essas virtudes deles a quem as faz surgir: a Deus e a sua eleição soberana (2.13). Demonstra muito tato ao admoestá-los (3.4,6-15), e trata de assuntos que lhes interessam de perto (2.1-12;3.6-15). Seu interesse zeloso e temo de pai pelos leitores é também evidente nisso, quando descreve o dia da revelação da ira de Deus, ele imediatamente acrescenta que só haverá essa ira contra os inimigos da igreja (“que ele dê em paga tribulação aos que vos atribulam”), e que os crentes (entre os quais conta também os leitores) receberão somente glória quando Cristo voltar (1.3-10; 2.8-14).

A natureza da personalidade revelada na carta é a de Paulo e de ninguém mais. Contudo, a essa altura é preciso ser cauteloso. Algumas das características que essas duas cartas e as outras do mesmo autor demonstram também apareceram nos escritos de outros apóstolos. O que aponta para o apóstolo Paulo como autor não é tanto o fato de ocorrerem aqui mas a maneira em que são expressas (o estilo específi­co). Isso é freqüentemente ignorado. Podemos citar como exemplo o sentimento de comunhão (para com os leitores) do qual falamos. Paulo menciona o fato de que os santos em Tessalônica se tomaram imitado­res dele (e de seus companheiros, sim, do próprio Senhor) em suas afli­ções (lTs 1.6); e que essas pessoas estarão juntas novamente com Paulo no descanso bendito que os aguarda “quando do céu se manifestar o Senhor Jesus” (2Ts 1.7). Entretanto, esse modo amável de se dirigir aos leitores, a fim de merecer sua plena confiança e fazê-los sentir que o escritor se coloca no mesmo nível com eles, é tanto de João quanto de Paulo, conforme revela a linda expressão de Apocalipse 1.9.14 É a mar­ca do cristão, não apenas a marca de Paulo. Contudo, a maneira de se expressar é diferente: o “vocês... juntamente conosco” de Paulo toma- se o “eu... a vocês” de João. Paulo diz aos leitores que eles se tomaram imitadores (substantivo não encontrado em nenhum dos escritos de João).

14. Veja o livro de minha autoria, Mais que vencedores, Editora Cultura Cristã, São Paulo, pág.73.

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40 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

João declara que ele se tomou participante escrevendo “para que vocês mantenham comunhão conosco” (Paulo, num contexto semelhante, tam­bém usa esse termo em Fp 1.7, mas com uma diferença característica: “vocês participam comigo da graça de Deus”. A mesma palavra, “par­ticipante”, em contexto diferente: Rm 11.17; ICo 9.23). De forma se­melhante, quando Paulo elogia as virtudes dos leitores, ele simplesmen­te está fazendo aquilo que, conforme o livro de Apocalipse, o grande Visitador das igrejas também faz (Ap 2.2,3,19, etc.). Só que aqui tam­bém a forma de expressão é totalmente diferente. A frase solene e repe­tida: “Conheço as obras de vocês, etc.”, caracteriza o livro de Apocalip­se, mas não de Paulo.

Quanto às provas externas, ao testemunho de Eusébio, Orígenes, Tertuliano e o Fragmento de Muratori, a favor da autoria paulina, veja págs. 33,34.

Clemente de Alexandria (190-200) em Stromata V. iii cita 2 Tessa- lonicenses 3.1,2. Irineu, seu contemporâneo, faz citações repetidas ve­zes desta epístola:

2Ts Contra Heresias1.6-8 IV .xxxiii.il1.6-10 IV. xxvii. 42.4 III. vi. 52.8 III. vii. 2 (cf. V.xxv. 3)2.11 IV. xxix. 1

Além do mais, Irineu toma claro que “o apóstolo”, cujas passagens ele cita, é Paulo. Veja IV. xxiv.l; xxxiii.ll. Embora alguns descubram possíveis referências a 2 Tessalonicenses em A Epístola de Vienne e Lyons (segundo cita Eusébio, História Eclesiástica V. i) ou em Inácio, O Ensino (Didaquê), ou Bamabé, tais conclusões parecem não ter mui­to fundamento. Uma frase avulsa ou um dito muito comum nada com­provam. Parece que estamos em terreno mais firme quando achamos uma referência a 2 Tessalonicenses 2.3 no Diálogo com Trifo, de Justi- no Mártir (Cx; cf. XXXII): “o homem da apostasia que fala coisas estranhas contra o Altíssimo”. Veja todo o contexto na passagem de Tessalonicenses. A mais clara é uma referência na (a versão latina de) Epístola aos Filipenses de Policarpo (XI. iii; cf. 2Ts 1.4: “ele se gloria de vocês em todas as igrejas”), e outra referência imediatamente em seguida (portanto, Policarpo, Filipenses XI. iv), (cf. 2Ts 3.15: “e con­tudo, não os considerem como inimigos”). Policarpo não apenas cita 2 Tessalonicenses, como o faz num contexto em que menciona explicita­

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INTRODUÇÃO 41

mente “o abençoado Paulo”. Policarpo gostava muito do “abençoado e glorioso Paulo”. Veja seu Filipenses III. ii).

O que foi apresentado para apoiar a autoria paulina de 2 Tessaloni- censes pode ser resumido assim:

(1)2 Tessalonicenses era conhecida na igreja primitiva, sendo que esse testemunho remonta desde Eusébio e Orígenes até Policarpo (c. 135 d.C).

(2) Sempre que a carta era atribuída a alguém, era atribuída a Pau­lo. Irineu, cujo testemunho, por ser de pessoa mais representativa, tem valor especial, em nenhum lugar coloca em dúvida a asseveração de que o grande apóstolo aos gentios era o autor de 2 Tessalonicenses.

(3) As provas internas estão em completo acordo com as externas.VI. Conteúdo geralA. De 1 Tessalonicenses

Muitos livros da Bíblia, incluindo várias epístolas, têm um tema específico, bem definido. Um pouco de estudo traz à luz esse tema cen­tral.15 Isso, entretanto, não acontece com respeito a todos os livros da Bíblia. Nem é o caso, também, de toda comunicação que se escreve hoje. As cartas variam entre si. Você soube que um amigo sofreu uma perda dolorosa; então lhe escreve procurando oferecer consolo. Sua carta toda se atém àquele tema único, pois você bem sabe que, no momento, não seria prudente preocupá-lo com outros assuntos. Mas um ano mais tarde, quando o tempo e a reflexão sobre as promessas de Deus já rea­lizaram nele sua obra de misericórdia, e quando as circunstâncias já voltaram ao normal (até onde isso é possível), então você escreve outra carta. Essa é uma carta cheia de notícias, conselhos, perguntas, etc. Você se comunica com seu amigo sobre vários assuntos. Ora, seria certamente muita arbitrariedade alguém que examinasse essa sua se­gunda carta tentar encaixar à força todos os pensamentos contidos nela dentro de um tema central (a não ser que se colocasse um título tão amplo no seu alcance e tão pouco definido que seria mais uma legenda do que um tema definido, específico, com conteúdo).

Consideremos: se são erradas as tentativas de agir de forma arbitrá­rias com documentos não inspirados, é mais errado ainda tratar dessa mesma maneira as epístolas divinamente inspiradas de Paulo. O resul­

15. Conforme indico em Bible Survey, Grand Rapids, MI, terceira edição (quarta impressão), 1953, págs. 36,37.

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42 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

tado acaba sendo apenas uma unidade forçada, meramente imaginada. Muitas vezes, como conseqüência de tentar colocar tudo dentro de um tema central, um ou outro assunto muito importante há de ficar comple­tamente fora do tema e/ou do resumo das subdivisões.16

Então, tendo em vista os vários objetivos que o apóstolo (e seus companheiros) guarda na mente ao escrever essa carta (veja sobre o Propósito, acima - seção III) é mais do que razoável que ele comente vários assuntos. Portanto, neste caso uma legenda geral e abrangente terá de substituir um tema definido, unificado, com conteúdo. A legenda e as divisões subordinadas que escolhi estão coordenadas com o que foi dito sobre o propósito de Paulo em escrever a carta (veja pág. 19ss.).

Paulo17 escreve aos TessalonicensesLembra, como item ligado às ações de graças por eles, a maneira em que o evangelho veio aTessa- lônica, como obra genuína de Deus e não como produto de engano humano.18Informa como sente alegria com o relatório de Timóteo sobre o contínuo progresso espiritual deles, mesmo em meio à perseguição.Instrui sobre como Cristo há de voltar, isto é, agindo imparcialmente para com todos os cren­tes a fim de que os sobreviventes não tenham van­tagem sobre aqueles que já dormiram; e repenti­namente, para que as pessoas sejam pegas de surpresa; e de acordo com isso:

16. Por essa razão é que não posso concordar com o tema e o esboço sugerido por Edward P. Blair em seu artigo ‘T he First Epistle to the Thessalonians”, Int. vol. II, n» 2 (Abril, 1948), págs. 209-217. Onde é que existe, pois, no tema que ele sugere ou no esboço (veja pág. 216 daquele artigo), qual­quer coisa sobre o trecho importante a respeito da Segunda Vinda de Cristo? Será que alguém que olhe o tema ou o esboço apresentados por Blair saberia que uma boa parte da carta de Paulo trata de um problema específico que tinha surgido com respeito à Volta do Senhor? - Quanto ao resto, fico contente em reconhecer que o artigo é valiosíssimo em muitos sentidos, e em vários aspectos contém exatamente os conselhos que qualquer pessoa que decide estudar um livro da Bíblia deve seguir. Pela sua excelência, merece ser estudado cuidadosamente.

17. Ou de maneira mais completa: Paulo, Silvano e Timóteo escrevem, etc. Mas Paulo de qualquer maneira é sempre o principal responsável.

18. São essas as Ações de Graças e a Defesa do apóstolo por meio de reminiscências.

Capítulos 1 e 2 ou 1.1-3.5

Capítulo 3 ou

3.6-134.13-5.11

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INTRODUÇÃO 43

4.1-12e5.12-28 Exorta-os sobre como devem se portar, vivendo vidas santificadas no tocante a todas as classes e em todos os momentos.19

Sendo assim, existem, grosso modo, quatro divisões: (Ações de Graça e Defesa, Expressão de Alegria, Instrução e Exortação), mas essas divi­sões não são rígidas nem claramente demarcadas (veja 4.1). Pensamen­tos já expressos em uma seção reaparecem na seguinte. Além disso, a quarta divisão - de Exortação - compreende tanto 4.1-12 quanto 5.12­28. Portanto, as quatro divisões realmente acabam sendo cinco:

Ações de Graça e Defesa;Expressões de Alegria;Exortação;Instrução;Exortação.20

B .D e 2 TessalonicensesEssa epístola é bem mais breve que a primeira. Sua matéria está

mais especificamente organizada em volta de um só tema central, embo­ra esse tema não seja introduzido imediatamente, como se fosse um ensaio formal sobre um tema específico; ao contrário, vem à tona aos poucos. Sendo assim, no primeiro capítulo ele se toma plenamente evi­dente quando chegamos ao versículo 5, e fica aparente em todos os seis versículos seguintes (vv.5-10). Embora pareça amainar um pouco nos últimos dois versículos (11,12), ainda é pressuposto, pois a oração con­tida nesse pequeno parágrafo final é feita “com vistas a” realização da esperança mencionada nos versículos 5-10. O tema referido nesse pri­meiro capítulo é “Do céu o Senhor Jesus se manifestará” (v.7).

Não é preciso que se comprove que esse tema continua no capítulo 2, pois o capítulo já começa com as palavras: “... no que diz respeito à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele”.

Nem todo intérprete está disposto a concordar que a idéia da Segun­da Vinda também subjaz ao capítulo 3. Alguns negam qualquer ligação entre a presença de desordeiros de que trata este capítulo e os conceitos

19. Reconheço que essa legenda generalizada, com a respectiva divisão de parte, é muito longa para ser memorizada, particularmente se a pessoa está procurando decorar os temas, legendas ou breves esboços de todos os livros da Bíblia. Portanto, para esses fins práticos, sugeri uma legenda e divisão mais curta; veja Bible Survey de minha autoria, págs. 340,341; cf. pág. 37.

20. E mais ou menos essa divisão em cinco partes que é dada também em meu livro, Bible Survey, págs. 340,341, onde três das cinco são agrupadas sob uma divisão maior, e duas sob outra.

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44 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

sobre a volta do Senhor. Contudo, uma comparação de várias passa­gens das duas epístolas parece indicar que existe essa ligação. É verda­de, obviamente, que 1 Tessalonicenses não é 2 Tessalonicenses, e que as circunstâncias que subjazem à segunda epístola não são exatamente as mesmas que são pressupostas ou descritas na primeira. O mal já estava gravado quando a segunda carta foi escrita. Contudo, é difícil imaginar que os “insubmissos” mencionados na primeira carta fossem assim por razão totalmente diversos daqueles que foram referidos na segunda carta por andarem “desordenadamente” (cf. lTs 5.14 com 2Ts 3.6). Se, pois, pudermos tomar por certo que no geral os males prevaleciam, pelas mesmas razões, o retrato ficará sendo o seguinte (combinando as refe­rências das duas epístolas):

Os tessalonicenses estavam abalados; não estavam com a mente de sempre (2Ts 2.1,2), não estavam calmos (lTs 4.11), por causa de suas idéias erradas com respeito ao retomo de Cristo. O motivo disso é dito claramente em 2 Tessalonicenses 2.2. Achavam que o dia do Senhor já tinha chegado. Foi essa situação conturbada que fez com que abando­nassem suas ocupações diárias e se tomaram desordenados (lTs 4.11; cf. 5.14; depois 2Ts 3.6), a ponto de não ganharem o seu sustento e ficarem dependentes de outros para sua subsistência (2Ts 3.7,8).

Se esse ponto de vista é correto, então também o capítulo 3 pressu­põe o mesmo tema que controla os capítulos 1 e 2. Portanto, o seguinte tema e esboço são sugeridos:

A revelação do Senhor Jesus descendo do céu Capítulo 1 Tem um propósito duploCapítulo 2 Será precedido pelo esfriamento e pela revelação(ou 2.1-12) da iniqüidade do homemCapítulo 3 É uma esperança firmemente ancorada cuja con-(ou 2.13-3.17) templação deve resultar não em desordem mas na

calma da segurança, na perseverança e na energia da paz.

Como indicado na seção III, O propósito de Paulo em escrever, também neste caso há outras matérias importantes permeando esses temas.

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C o m e n t á r io de 1 T essa l o n ic en ses

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SUMÁRIO DE 1 TESSALONICENSES 1 E 2 (ou 1.1-3.5)

O autor lembra aos tessalonicenses, ao mesmo tempo que oferece ações de graças por eles, de como o evangelho lhes veio, com genuína obra de Deus e não como produto da fraude humana.

Esta seção compreende ações de graça do apóstolo e sua defesa por meio de reminiscência.

No capítulo 1, as ações de graça predominam, mas há por trás uma sugestão de defesa contra as más línguas dos adversários. No capítulo 2 a defesa predomina, embora a gratidão continue.

Esta seção, portanto, pode ser resumida assim:1.1 Nomes dos remetentes e destinatários, saudação1.2-10 Ações de graça com indícios de defesa

1.2,3 Razão imediata das ações de graçaa presença de frutos do Espírito na vida dos crentes tessalo­nicenses:

Seu trabalho resultante da fé Seu esforço motivado pelo amor Sua firmeza inspirada pela esperança

1.4-10 Motivo de longo alcance pelas ações de graça (nas quais é fácil detectar a sugestão de defesa) sua eleição desde a eternidade. As provas:

Objetivas, na confiabilidade da mensagem dos mensageiros Subjetivas, na maneira admirável em que essa mensagem e esses

mensageiros têm sido recebidos e a nova fé difundida, sinal da operação do Espírito no seio da igreja, o que é, por sua vez, prova da eleição divina.

Que o adversário não negue nem esta confiabilidade nem o ca­ráter genuíno desta operação.

2.1-20 (ou 2.1-3.5) Defesa com ações de graça contínuas2.1-16 Apologia por sua vida, isto é, a defesa de Paulo pela sua

maneira de vida em Tessalônica, a defesa de sua mensa­gem, motivação e método (com uma nota de gratidão a

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Deus pelo modo em que a mensagem foi aceita por aque­les que se voltaram a Deus)

2.17-20 (ou 2.17-3.5) Apologia por sua ausência, isto é, a defe­sa de Paulo pela sua partida repentina e por continuar longe de Tessalônica

COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

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C a pítu lo 1

1TESSALONICENSES 1.1

11 Paulo e Silvano e Timóteo, à igreja dos tessalonicenses, em Deus o Pai e no Senhor Jesus Cristo: A vocês, graça e paz.2 Sempre damos graças a Deus por todos vocês, fazendo menção (de vocês) em

nossas orações, 3 lembramos continuamente a sua obra resultante da fé, o (seu) esfor­ço motivado pelo amor e (sua) perseverança inspirada pela esperança21 em nosso Senhor Jesus Cristo na presença de nosso Deus e Pai. 4 Sabemos, irmãos, amados de Deus, da eleição de vocês, 5 porque22 o nosso evangelho não chegou a vocês somente em palavras, mas também em poder e no Espírito Santo e em plena convicção, assim como vocês (bem) sabem como procedemos entre vocês, por sua causa. 6 De fato, vocês se tomaram imitadores de nós e do Senhor, quando em meio à grande tribula­ção receberam com alegria a palavra comunicada pelo Espírito Santo. 7 E, assim, tomaram-se um exemplo a todos os crentes da Macedônia e da Acaia. 8 Porque, de vocês ecoou a palavra do Senhor, não só na Macedônia e na Acaia, mas [também] por toda parte tornou-se conhecida a fé que vocês têm em Deus. Como resultado, não temos necessidade de dizer mais nada, 9 pois eles mesmos relatam sobre nós, como foi o nosso ingresso entre vocês, e como se converteram daqueles ídolos [de vocês] a Deus, a fim de servirem ao Deus vivo e verdadeiro, 10 e aguardar dos céus o Filho, a quem ressuscitou dos mortos: Jesus, que nos livra da ira vindoura.

1. 1-101.1. Atualmente, para escrever uma carta, primeiro nós nos dirigi­

mos à pessoa para quem ela será enviada; por exemplo, primeiro damos o nome do destinatário; depois ele é cumprimentado:

“Prezado amigo,”Na conclusão da carta escrevemos nosso nome, assim:

“Atenciosamente,Fulano de tal”

Nos tempos de Paulo, entretanto, uma carta começava com o nome do remetente. Em seguida vinha o nome da pessoa (ou pessoas) a quem

21. Literalmente: sua obra de fé e esforço (ou trabalho) de amor e firmeza de esperança; mas essa linguagem transmite pouco em nossa língua.

2 2 .0 sentido desta afirmação é “pois (...) que foram escolhidos [eleitos] sabemos pelo fato de que nosso evangelho” etc.

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50 1 TESSALONICENSES 1.1

se escrevia, e ao nome se juntava a saudação costumeira. Exemplos são Atos 15.23 e 23.36. Esta epístola também: Paulo e Silvano e Timóteo.

Visto que o grande apóstolo era o principal responsável pela presen­te carta, primeiramente ele escreve seu próprio nome, depois os nomes daqueles que com ele trabalhavam para trazer o evangelho aos tessalo- nicenses, os cooperadores que na ocasião de escrever a carta estavam com ele.

O nome judeu do apóstolo era Saulo. Esse nome hebraico era muito apropriado porque seu portador pertencia à tribo de Benjamim, a mes­ma da qual viera o rei Saul (o nome é o mesmo) alguns séculos antes (Fp 3.5; cf. ISm 9.1,2). O nome significava pedido de Deus. Mas como o apóstolo era por nascimento cidadão romano (At 22.28), não causa estranheza que na ocasião de sua circuncisão (cf. 1.59) lhe tenha sido dado um nome romano (em latim, Paulus, cf. nosso Paulo) além do nome judaico (Saul ou Saulo).

Ora, o nome romano era parecido, no som, com o nome judeu, em­bora não no sentido.23 O sentido do nome romano - Paul-us, também escrito Paullus (por paurulus', cf. parvus), daí o grego Paul-os (cf. 7uaí)poç) - é pequeno. Existem aqueles que vêem um significado espe­cial no sentido deste nome, ou comentam a respeito. Agostinho, por exemplo, faz trocadilho do nome romano do apóstolo, chamando-o de paullum modicum quid, e Crisóstomo o chama de “o homem de três côvados de altura”. Os Atos de Paulo e Tecla descrevem-no como sen­do: “calvo, de pernas tortas, forte na estrutura, homem pequeno no tamanho, com sobrancelhas que se encontravam, nariz um tanto gran­de. Cheio de graça, pois às vezes parecia homem e às vezes tinha rosto de anjo”. Outros ressaltam que, qualquer que tenha sido a estatura físi­ca de Paulo (cf. 2Co 10.10), espiritualmente foi destinado pela graça soberana de Deus para ser visto como bem pequeno ou insignificante: “O menor de todos os santos” (Ef 3.8). Seja como for - nem Paulo em qualquer de suas epístolas, nem Lucas, dá indicações diretas de ter atri­buído valor ao sentido do nome, quer em hebraico, quer em latim. Pelo menos uma coisa é certa, segundo se vê em 1 Tessalonicenses 1.1, e é aí que deve estar a ênfase: em Paulo não ter imediatamente acrescentado ao seu nome o aposto “apóstolo” (como fez quando escreveu a locais onde sua posição era disputada), ainda que escreva na capacidade de

23. Poderíamos perguntar: “Por que então o apóstolo não conservou simplesmente o nome hebrai­co com terminação helenizada, para ser usado em ambiente de fala grega? Ou, melhor, por que não foi chamado simplesmente Saul-os (em lugar de Paul-os)?”. Isso, porém, não teria sido muito agra­dável. Quem é que gostaria de ser chamado de solto, devasso, escarranchado, gingador (aaOXoç)?

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1 TESSALONICENSES 1.1 51

apóstolo. Como já foi dito (veja págs. 31,32), enquanto escreve, está consciente de sua autoridade.

Associados com ele, apoiando plenamente tudo o que ele diz, estão Silvano e Timóteo. Silvano é nome próprio romano. A princípio era nome do deus da floresta (cf. nossas palavras silvícolas e selva, por exemplo. N.T.). O nome em si não tem relação com a personalidade desse cooperador cristão nem com o lugar onde nasceu. É uma mera transposição de sons. Do que, provavelmente se originou um nome ara- maico (com um sentido igual ao de Saul) vem o grego Silas, e o latim Silvan-us (sem nenhuma semelhança no sentido, só no som, embora o final grego seja, naturalmente, -os). Embora Lucas use o nome Silas, Paulo com toda naturalidade se refere à mesma pessoa como Silvan-us (-os), assim como fala em si como Paulu-us (-os). Uma comparação das passagens nas cartas de Paulo com as de Atos deixa transparecer que Silas e Silvanus se referem à mesma pessoa, com certeza quase absoluta. Esse homem se destaca durante a reunião do concílio em Jeru­salém (At 15.22,27,32), e foi enviado com Paulo a Antioquia para co­municar àquela cidade a decisão do concílio. Já dissemos (veja itens (6) e (7), págs. 31-33) que depois da discussão entre Paulo e Bamabé, com referência a João Marcos, a quem Paulo recusou levar consigo na se­gunda viagem, o apóstolo escolheu Silas, isto é, Silvano, para lhe fazer companhia e para desempenhar missões especiais; e que depois da se­gunda viagem o livro de Atos não se refere mais a ele. Também nas epístolas de Paulo as referências sobre Silvano sempre indicam a se­gunda viagem (2Co 1.19; lTs 1.1; 2Ts 2.1). A questão de saber se o Silvano mencionado por Pedro (IPe 5.12) é a mesma pessoa, e da rela­ção exata entre um e outro, não precisa deter-nos aqui.

Se a menção de Silas, associado com Paulo no envio da carta, não surpreende, menos ainda a referência a Timóteo. A razão de crermos que ele, tanto quanto Silas, trabalhou com Paulo em Tessalônica já foi explicada (II. A fundação da igreja, pág. 13ss.). Mas além de cooperar ali com Paulo, Timóteo tinha sido posteriormente enviado de volta àquele campo, e só agora dava notícias do que tinha visto lá (lTs 3.1,2,6).

Sabemos muito mais sobre Timóteo do que sobre Silas. Mas a in­formação fornecida será resumida no momento certo (veja CNT 1 e 2Tm e Tt).

A ordem em que os três são mencionados é a que haveríamos de esperar: primeiro Paulo, porque ele é o apóstolo, no sentido mais pleno do termo. É ele quem escreve (isto é, quem dita) a carta. O segundo pela ordem é Silvano, que com certeza era o mais velho dos dois companhei­

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ros, e estivera com Paulo desde o começo da viagem em que os tessalo- nicenses receberam o evangelho. E finalmente Timóteo, que parece ter sido o mais jovem, e que passou a fazer parte do pequeno grupo de missionários no meio da viagem já em andamento (At 16.1-3). Os três estão escrevendo (e no contexto imediato estão transmitindo24 uma sau­dação à igreja dos tessalonicenses. O termo traduzido igreja25 é eclé- sia (cf. o adjetivo eclesiástico). Originalmente indicava a assembléia popular, como as de Atenas, onde todo cidadão livre podia votar. Na Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento), refere-se à comuni­dade de Israel (estando ou não reunida em assembléia para um fim espe­cial). No Novo Testamento refere-se à companhia daqueles indivíduos que Deus chamou das trevas para sua maravilhosa luz (cf. IPe 2.9), que a. como aqui, sejam vistos como constituindo um grupo local de adora­dores (congregação de crentes), b. como em Efésios 1.22, todo o corpo de crentes, ou c. como em 1 Coríntios 11.18, uma reunião para o culto.

Não está muito claro por que Paulo emprega a expressão “dos26 tessalonicenses” em vez de “em Tessalônica” (que é a forma mais usual; cf. Rm 1.7; ICo 1.2; 2Co 1.1; Fp 1.1; Cl 1.2). E evidente, porém, que a expressão, os tessalonicenses, indica todos membros da igreja fundada muito recentemente (e ainda existente pela sua união vital) em Deus o Pai, e no Senhor Jesus Cristo. A combinação dos dois termos (a. Deus o Pai, b. o Senhor Jesus Cristo) em seguida a uma só preposição (em: que está fundamentado em ) estaria indicando que os dois são comple­tamente coordenados, isto é, que há referência tanto à primeira quanto à segunda pessoa da Trindade Santa.27 Observe também a natureza trini- tarista dos versículos 3-5. Daí a terceira pessoa (o Espírito Santo) men­cionada no versículo 5, já está subentendida no versículo 1. Paulo fre­qüentemente faz menção dos três juntos numa série de textos ligados intimamente uns aos outros (2Ts 2.13,14; ICo 12.4-6; 2Co 13.13; Ef

24. xfi èKK^,r|<jía é às vezes chamado do dativo de transmissão.25. Em inglês, church (cf. o alemão kirche, o holandês kerk) também é, muito provavelmente,

relacionado com o grego rupiaicóç- T |- óv e significa “o que é do Senhor”.26. Talvez seja melhor não procurar uma razão profunda por que o artigo foi omitido no original.

Alguns, contudo, sugerem que a razão poderia ser que não todos, mas apenas alguns dos habitantes de Tessalônica teriam se convertido. Muito mais simples é a explicação dada por A.T. Robertson e outros, ao dizer que tessalonicenses, sendo um tipo de nome próprio, é definido mesmo sem o artigo (o que acontece também em inglês). Ficamos com a tradução da “Atualizada” - “dos tessalonicenses”.

27. Assim também em 2 Tessalonicenses 1.2. Se a idéia fosse: “do Deus trino por meio de Jesus Cristo” teríamos previsto duas preposições, óocó e 5 iá . Concordo com Lenski (obra citada, pág. 219) e outros que dizem que a expressão Deus e Pai (lTs 1.1; 2Ts 1.1) aqui se refere à primeira pessoa da Trindade. Cf. A.M. Perry, “Translating the Greek Article”, JBL 68 (Dez., 1949), págs. 329-334.

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2.18; 3.2-5; 3.14-17; 4.4-6; 5.18-20). Referindo-se à segunda pessoa emprega aqui o nome completo: o Senhor Jesus Cristo.

Na Septuaginta, o nome Senhor (KÚpioç) se traduz Jeová, o Deus de Israel. É mais empregado como tradução de Jeová do que em outro sentido (por vezes é equivalente a Adon, Adonai, Baal, etc.). Ora, os judeus eram monoteístas rigorosos. Contudo Paulo, embora judeu, re­petidas vezes dá a Jesus o título de Senhor. Isso mostra que, no pensa­mento do apóstolo, Jesus é tão plenamente divino quanto Deus Pai: a mesmíssima essência é possuída pelo Pai e pelo Filho (também pelo Espírito, 2Co 13.14). Para Paulo, Jesus é nosso Senhor, porque: a. ele é a segunda pessoa da Trindade Santa (ICo 13.3; Fp 2.11), é exaltado acima de tudo, o legítimo objeto de adoração b. ele nos fez (Cl 1.3,16), e c. ele nos comprou (remiu) com seu precioso sangue (Cl 1.3,14); por­tanto, a ele pertencemos de corpo e alma, na vida e na morte e por toda a eternidade. A ele devemos nossa lealdade completa. Essa descrição de Jesus como Senhor não se derivou do mundo pagão, nem necessaria­mente de comunidades cristãs em cidades tais como Antioquia, Tarso e Damasco. Nada disso. Paulo a “recebeu” dos primeiros discípulos. A Igreja primitiva em Jerusalém (os crentes de fala aramaica e depois também os crentes de fala grega) já usavam o título como referência a Jesus (cf. G1 1.18,19; ICo 16.22: “Maranata”, significando “Vem nos­so Senhor” ou simplesmente “Vem, Senhor”.28 Jo 20.28; At 6.1 revelam que a Igreja primitiva em Jerusalém era bilíngüe).

Ao título Senhor, Paulo acrescenta o nome Jesus. Esse nome, Jesus, em português, provém do latim, derivado do nome bem semelhante no grego (’Iriaoíç). Esta, por sua vez, é a forma helenizada do hebraico bíblico menos antigo Jeshua (veja os livros históricos pós-exílicos; por exemplo, Esdras 2.2), a contração de Jehoshua (cf. Joshua, Josué, Js1.1; Zc 3.1). O nome já foi interpretado como significando ajuda de Jeová. Por outra abordagem tem sido explicado como indicando: ele certamente salvará (o que concorda com Mt 1.21). Conseqüentemente, dando esse nome ao Mediador, Deus quis indicar que: a. ninguém con­segue salvar a si próprio; b. a salvação sempre vem de Deus; c. essa salvação é concedida através da pessoa e obra daquele que, por sua natureza divina, é o Filho de Deus, e que, por sua natureza humana, o

28. O segundo, só se o sentido original do sufixo tinha sido obscurecido, o que é possível. Para se ver o uso, a derivação e o sentido da palavra KÚpioç, consulte J.Y. Campbell, artigo “Lord ' em A Theological Word Book o f the Bible (organizado por Alan Ricardson), Nova York, 1952; também J.G. Machen, The Origino f Paul’s Religion, Grand Rapids, 1947 (reimpresso), capítulo 8; eG. Vos, The Self-Disclosure o f Jesus, Nova York, 1926, capítulo 9.

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Filho de Maria; d. é ele que salva, e somente ele. Ninguém mais em toda a terra foi destinado para realizar essa tarefa.

Qualquer pessoa pode chegar a esse sentido com a leitura cuidadosa das quatro passagens seguintes:

Mateus 1.21: “E você deverá dar-lhe o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados”.

Mateus 11.27-30: “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar. Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados e eu lhe darei des­canso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”.

João 14.6: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim”.

Atos 4.12: “Não há salvação em nenhum outro, pois, debaixo do céu, não há nenhum outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos”.

Finalmente, ao título, Senhor, e ao nome pessoal, Jesus, é acrescen­tado o nome oficial, Cristo,29 o qual é equivalente em grego ao Messias em hebraico. É evidente, pois, que para Paulo Jesus foi o cumprimento da profecia. O ungido de Deus {ordenado e qualificado por Deus para desempenhar a tarefa de salvar seu povo).

Combinando esses três apelativos em uma só gloriosa designação, “o Senhor Jesus Cristo”, Paulo indica que aquele que é assim chamado, juntamente com Deus o Pai, pode ser e é realmente a fonte de bênçãos contidas na saudação que agora é pronunciada: Graça e paz a todos vocês. A forma dessa saudação pode ter sido sugerida pela combinação das formas usuais de cumprimentos em grego e hebraico. Paulo, entretan­to, aprofunda e espiritualiza ambos.30 O apóstolo emprega o termo graça (XÓpiç) cerca de cem vezes em suas treze epístolas. No Antigo Testamen­to, a palavra designa graça nos movimentos ou na beleza (Pv. 31.30), ou então favor (Gn 6.8). Deve-se distinguir as várias nuanças de sentido que a palavra adquire nas epístolas de Paulo mais ou menos assim:

(a) Uma qualidade ou atributo de Deus ou do Senhor Jesus Cristo: sua bondade. Com respeito a este item, muitas vezes a referência tem

29. Sobre esse nome, veja G. Vos, obra citada, capítulo 8.30. VejaM.M.,pág. 685.

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sido 2 Coríntios 8.9: “Pois vocês conhecem a graça de nosso Senhor Jesus Cristo”. (Entretanto, em relação a essa passagem, o sentido (b) pode também ser considerado.)

(b) O favor para com seu povo que resulta dessa bondade de atitude e que se manifesta neles: a. no livramento deles da culpa e do castigo do pecado; b. no dinamismo da operação transformadora do Espírito Santo nos corações deles; e, finalmente, c. na entrada deles para a glória. Por parte de Deus, esse favor é inteiramente soberano e incondicional, por parte do homem, é totalmente imerecido (cf. Ef 2.8: “Pois vocês são sal­vos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus”). A salvação pela graça está em oposição à salvação pelas obras da lei.

(c) O estado de salvação, a soma total das bênçãos da salvação, ou, por vezes, de qualquer bênção ou dom em particular, visto (em cada caso) como dom gratuito (cf. Rm 5.2: “esta graça na qual estamos firmes”. Ef 4.7: “E a graça foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom de Cristo”).

(d) A gratidão que é a reação do crente quando, guiado pelo Espíri­to, ele foca sua atenção em sua própria falta de mérito e na grandeza da bondade de Deus para com ele. Cf. 2 Coríntios 2.14: “Graças, porém, a Deus...”

No presente texto (em lTs 1.1), o sentido (b) parece ser o mais adequado. Paulo se utiliza das “saudações” (xocípeiv) que comumente se usava em cartas no mundo de fala grega (cf. também At 15.23; 23.26; Tg 1.1), e aprofunda a idéia para que seja “graça” (xópiç); ° amor de Deus por aqueles que nada merecem seu favor imerecido operando no coração e na vida de seus filhos. Ele então acrescenta a paz.

Esse acréscimo é natural, pois quando se recebe a graça, passa a existir paz (eipi^vri) no coração, a consciência de ter sido reconciliado com Deus por meio de Cristo. A graça é a fonte, e a paz é a corrente de água que emana desta fonte (cf. Rm 5.1). É quase impossível duvidar que nessa paz haja uma íntima relação com o shalom hebraico. Shalom é (cf. Jz 19.20): inteireza, prosperidade, bem-estar; e aqui (lTs 1.1), bem-estar espiritual. É a paz da qual Jesus falou em João 14.27 (veja essa passagem). Paulo emprega a palavra mais de quarenta vezes.

Essa graça e paz têm sua origem em Deus o Pai, e foi o Senhor Jesus Cristo que as mereceu em favor do crente.

Qual é, na realidade, a natureza dessa saudação? Será uma excla­mação, uma afirmação, ou um simples desejo? Alguns a consideram uma exclamação. São da opinião de que nenhum verbo chega a ser

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subentendido.31 Quando um homem diz ao outro: “Saúde!”, ele está articulando uma exclamação, e não usa verbo. Entretanto, todos enten­dem imediatamente que um verbo está subentendido, o sentido exato sendo: “Que você tenha saúde”. Assim também no presente caso. Paulo nunca emprega um verbo em suas saudações. João se utiliza do futuro do indicativo (2Jo 3: “a graça, a misericórdia e a paz(...) serão conos­co”). Num contexto que se assemelha de perto ao estilo de Paulo em Efésios, Pedro emprega o optativo (IPe 1.2). Compare:

Efésios 1.1-3 1 Pedro 1.1-3“Paulo, apóstolo de Cristo Jesus “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, (...) aos santos... graça e paz da aos eleitos de Deus (...) Graça e parte de Deus nosso Pai e do Se- paz lhes sejam multiplicadas. Ben- nhor Jesus Cristo. Bendito seja o dito seja o Deus e Pai de nosso Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Senhor Jesus Cristo...”Cristo, que nos abençoou com to­das as bênçãos espirituais nas re­giões celestiais em Cristo.”

Pela semelhança da estrutura e contexto gerais dessas saudações, pode-se concluir com segurança que o verbo subentendido em Paulo se assemelha ao verbo expresso em Pedro. Veja também 2 Pedro 1.2 e Judas 2, onde foi utilizada a mesma forma do verbo (do modo optativo). Por isso, não estão erradas as traduções (ou paráfrases) que dizem “Graça seja a todos vocês e paz”.32

Contudo, nessa altura exata surge uma interrogação. Não têm ra­zão, pois, os que argumentam que a saudação é um simples desejol E não devemos, com toda honestidade, concluir que está errada a tomada de posição tradicional das igrejas com respeito à saudação quando a pronunciam no início do culto? E que também estão equivocados aque­les peritos em literatura que argumentam ser a saudação um ato de Deus pelo qual concede sua graça e paz àqueles que estão dispostos a recebê- la pela fé?33

31. Veja R.C.H. Lensk, Interpretação de Gálatas, Efésios, Filipenses, Columbus, Ohio, 1937, pág. 27.

32.0 acréscimo “de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo” não tem apoio nos textos confiáveis (veja, porém, 2Ts 1.1).

33. Cf. Andrew W. Blackwood, The FineArt o f Public Worship, Nashville, 1939, pág. 153. (Ele se refere à bênção no final do culto, mas com respeito ao assunto em questão isso não faz nenhuma diferença essencial.) Veja também W. Heyns, L/ruígiefc, Holland, Michigan, 1903,pág. 150: “Ela(a saudação) é uma declaração da parte de Deus de que ele habita no meio da congregação de crentes para abençoá-la com sua graça e paz” ; e A. Kuyper, Onze Feredienst, Kampen, 1911, pág. 196:

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Cremos, contudo, que não há, de algum modo, espaço para essa conclusão. A tomada de posição tradicional da igreja está inteiramente correta. Tem a gramática a seu favor.34

A questão, afinal, não é: O contexto tradicional com respeito à natu­reza da saudação (como sendo uma declaração real de que Deus conce­de seu favor, e coloca sua bênção sobre o povo dele reunido na igreja) se harmoniza com minha idéia do que deve ser um culto baseado na Pala­vra? Ele corresponde com minha opinião do que seja o ofício do pastor? A pergunta é esta: Qual é o sentido verdadeiro da Escritura? E então, se o ensino da Bíblia contraria meu modo de pensar, que eu tente mudar, não o ensina, e sim, a minha maneira de pensar. Pois se não estou dis­posto a isso, devo dizer bem claramente: Não concordo com a Bíblia.

Ora, o fato de o ponto de vista tradicional ser correto toma-se claro tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Observemos o seguinte:

Números 6.24-26:Imediatamente depois das palavras da bênção arônica, lemos: “As­

sim porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei”. Portanto, o ato de impetrar a bênção foi visto como um eficaz colocar do nome de Jeová sobre Israel, para que a bênção dele realmente re­sultasse.

Lucas 10.5,6:“Quando entrarem numa casa, digam primeiro: Paz a esta casa. Se

houver ali um homem de paz, a paz de vocês repousará sobre ele; se não, ela voltará para vocês.”

“Não é o desejo cordial daquele homem no púlpito, que ora a fim de trazer até você o que houver de bom, incluindo graça e paz; e sim, é Deus Trino, que invoca sobre vocês a graça e a paz, e que para esse fim utiliza seu servo”.

34. Dizer que um optativo subentendido indica que a saudação “não passa da expressão de um mero desejo” é sinal de um ponto de vista superficial e restrito do sentido do modo optativo em certos contextos específicos no grego bíblico (da Septuaginta e do Novo Testamento).

Alguns exemplos servirão para esclarecer o assunto. Segundo Marcos 11.14, Jesus disse à figueira que só produzia folhas: “Nunca mais coma alguém fruto de você”. O verbo (coma) está no modo optativo. Mas esse optativo não expressou “um mero desejo”. Pelo contrário, o desejo foi eficaz, funcionou. Foi nada menos do que pronunciar uma maldição sobre aquela árvore. Quando passaram por lá, na manhã seguinte, os discípulos viram a figueira completamente seca, até as raízes (Mc 11.20).

Mas especificamente, temos um uso semelhante do optativo no caso da bênção arônica (Nm 6.24­26). O jussivo das formas verbais na passagem do Antigo Testamento (“que se realize”) indica bemo conceder eficaz, não um mero desejar, e sim, um desejar eficaz. Observe o modo optativo na tradução Septuaginta desta passagem. Veja Gesenius-Kautzsch, Hebrew-Grammar, Oxford, 1910, pág. 321.

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58 1 TESSALONICENSES 1.2,3

2 João 3:“A graça, a misericórdia e a paz (...) serão conosco (...)” Como

indicado anteriormente, foi empregado o modo indicativo. Há uma afir­mação de algo que vai realmente acontecer. Isso concorda plenamente com a idéia do optativo expresso (Pedro e Judas) ou do optativo suben­tendido (Paulo), entendendo-se que este optativo expressa um desejo eficaz (e não um mero desejo).

O que Paulo quis fazer entender aqui em 1 Tessalonicenses 1.1., escrevendo em caráter oficial como apóstolo de Cristo, pode ser resumi­do assim:

“Que a graça e a paz repousem sobre todos vocês. Como represen­tante oficial de Deus, eu (com meus colegas, Silas e Timóteo) declaro que isso realmente há de acontecer”.

Duas objeções devem ser respondidas:(a) “Ora, não é verdade que a graça e a paz de Deus sempre perma­

necem sobre a igreja?” Verdade sim, mas o desejo eficaz ou a afirmação é para que esta graça e esta paz sejam aplicadas de modo especialmente abundante com relação a esse culto público em particular (por exemplo, quando se lê esta carta ou qualquer parte dela).

(b) “Este conceito não se tomaria mecânico?” Muito pelo contrário. Estas bênçãos são derramadas sobre aqueles - e somente aqueles - que estão dispostos a aceitá-las pela fé (leia Lc 10.5,6, já citado).

2,3. Em cartas escritas por homens que foram contemporâneos de Paulo, freqüentemente, a saudação é seguida de uma afirmação dizendo que o destinatário está sendo lembrado em oração aos deuses. Não sur­preende, portanto, que as epístolas de Paulo contenham um item parecido (veja também Rm 1.8; ICo 1.4; Fp 1.3; Cl 1.3; 2Ts 1.3; 2Tm 1.3; Fm 4). A semelhança, porém, está na forma e não na essência. Os leitores, mui­tos dos quais convertidos recentemente do paganismo devem ter se admi­rado de esta carta ser tão diferente. Paulo e seus companheiros excluíram os deuses ídolos de sua carta tão decisivamente como os tessalonicenses os lançaram fora de suas casas. As ações de graça estão aí, mas dirigidas ao único Deus verdadeiro: Sempre damos graças a Deus por todos vocês.

O verbo “damos graças” (eúxapicrtoí)(j.£v) se relaciona com o subs­tantivo “graças” (%ófnç; veja sobre 1.1, item d.). Paulo e os companhei­ros agradecem a Deus os frutos da graça encontrados no coração e na vida dos membros da igreja. Fazem isso continuamente, nunca omitindo um único dia. Reconhecem a unidade de fé, amor e esperança que ca­racterizam a comunhão dos membros: “por todos vocês”.

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1 TESSALONICENSES 1.2,3 59

A locução principal, “Damos graças”, tem três modificadores que começam com gerúndios:

v.2b: ‘mencionando-os em nossas orações” v.3: “recordando-nos da operosidade (...)” v.4: “reconhecendo (...) nossa eleição (...)”As duas primeiras locuções indicam as circunstâncias que acompa­

nham as ações de graça; isto é, mostram o que Paulo, Silas e Timóteo faziam quando davam graças pelos tessalonicenses: como os menciona­vam por nome e como especificavam os frutos espirituais que adorna­vam sua vida (obra resultante da fé, esforço motivado pelo amor, per­sistência inspirada pela esperança). A segunda locução, todavia, faz mais do que isso. Também começa dando indicação do motivo pelo qual os missionários estão tão agradecidos. Expressam sua gratidão por causa destes frutos. Essa é a razão imediata. Mas há também uma razão posterior, expressa no terceiro gerúndio usado como modifica­dor: “reconhecendo... a nossa eleição”.

Comecemos pelo primeiro desses modificadores. Paulo diz: fazen­do menção (de vocês) em nossas orações. Parece-nos até que os mis­sionários oravam em conjunto (além, é claro, de orarem individualmen­te). Talvez tenham feito escala para dirigir a hora devocional. Essas orações não eram caracterizadas por palavras vagas. Pelo contrário, as necessidades das várias igrejas eram mencionadas uma a uma, confor­me a ocasião exigia. Não se exclui a possibilidade de terem sido men­cionados nominalmente os vários membros.

Tais orações não consistiam apenas em uma série de pedidos, mas também em ações de graça, louvor e palavras de adoração. A Deus se dava a honra que se lhe devia pelas coisas maravilhosas que ele havia feito. E, realmente, esse é o assunto exato que é enfatizado aqui, como demonstra o segundo gerúndio modificador: lembramos continuamen­te a sua obra resultante da fé, o (seu) esforço motivado pelo amor e (sua) perseverança inspirada pela esperança em nosso Senhor Jesus Cristo na presença de nosso Deus e Pai.

Quanto ao sentido dessa linda passagem, os comentaristas têm opi­niões bem diversas.35 Essa é a primeira vez em que ocorre a série fé,

35. As principais teorias estão melhor representadas pelas várias traduções que têm sido sugeridas, das quais, apresentamos três:

“Lembrando sem cessar” (ou outra frase semelhante):(1) “sua obra de fé

E labor de amor E paciência de esperança.”

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60 1 TESSALONICENSES 1.2,3

esperança e amor nas epístolas de Paulo. Aqui a esperança é menciona­da por último (fé... amor... esperança) a fim de relacioná-la com “em nosso Senhor Jesus Cristo na presença de nosso Deus e Pai”. Numa epístola, que lida tão extensivamente com o assunto da confiante expec­tativa (ou o “aguardar”) da volta de Cristo, é natural que a palavra esperança seja colocada numa posição de clímax; assim como é natural que em 1 Coríntios 13 seja destacada a palavra amor.

Paulo dá graças a Deus pela obra realizada por esses recém-con- vertidos ao Cristianismo. No momento ele não revela o que quer dizer

Rejeita-se esta tradução pela simples razão de fazer pouco ou nenhum sentido. O que é mesmo uma “paciência de esperança”?

(2) “sua obra, isto é, féE labor, isto é, amor E paciência, isto é, esperança.”

Além de haver objeções doutrinárias, rejeitamos esta porque, embora seja gramaticalmente possí­vel, dificilmente pode ser julgada fiel à ênfase paulina. Também, o conceito “paciência, isto é, espe­rança”, é difícil.

(3) “sua fé atuanteE amor diligente E esperança tenaz.”

Mas a ênfase aqui é colocada onde não deveria estar, pelo original. As palavras enfatizadas no original não são a fé, o amor e a esperança, e sim, trabalho, esforço (ou labor) e firmeza.

A nosso ver, a construção gramatical da locução é a seguinte:Os substantivos “operosidade, diligência e firmeza” estão no genitivo objetivo e servem para

completar o verbo “tendo em mente”.Portanto, a palavra sua modifica as três: sua operosidade, sua diligência, sua firmeza.Cada um desses substantivos tem um modificador no genitivo (sentido de posse). Importa pouco se

isso é chamado de genitivo “adjetival” ou “descritivo” ou “subjetivo” ou então “de origem”. Todos esses quatro termos já foram empregados no contexto, mas basicamente a idéia é a mesma (embora com pequenas diferenças de ênfase). A idéia aqui é que a obra é decididamente uma obra de fé , isto é, uma obra que surge da fé, é realizada pela fé e revela fé. Não fosse a presença da fé viva, essa obra não estaria em evidência. E assim ocorre com os outros modificadores: o esforço é motivado pelo amor (e revela) amor: e a firmeza é inspirada pela esperança (e evidencia) esperança.

Interpretamos no Senhor Jesus Cristo como “genitivo objetivo” (portanto, “em nosso Senhor Je­sus Cristo”) em seguida ao substantivo esperança, que é o mais próximo dele. Essa é a construção mais natural, oferece um sentido excelente, o qual ainda está em harmonia com as passagens parale­las (cf. 4.13; 5.8,9; 2Ts 2.16). O fato de que, assim interpretado, o terceiro elemento da série (traba­lho... esforço., .firmeza) é mais longo que os outros dois não nos preocupa absolutamente. Paulo não é apegado a uma “simetria rígida”. Com freqüência ele prolonga (ou pelo menos varia o último de vários elementos em uma série. Isso contribui para uma progressão no pensamento. Observe, por exemplo, como nessa mesma carta, quando a série “fé, amor, esperança” é mencionada em 5.8, o apóstolo oferece mais detalhes sobre a esperança (“a esperança da salvação, porque...”).

Quanto ao ponto de vista oposto (de acordo com o qual “nosso Senhor Jesus Cristo” faz parte dos três itens da série, de modo que o sentido se toma: obra... labor... esperança, todos os três abrangendo Cristo, ou centrados nele. Veja o diagrama de Lenski à pág. 221 de seu comentário; e veja Van Leeuwen (Kommentaar, pág. 300; Korte Verklaring, págs. 15-17).

Não vemos necessidade de ligar “diante de” (éjiitpoaBtv) com o gerúndio “tendo em mente” (nvr|- l^orieúovxeç) que não está junto (não é “diante da mente”). Bem mais natural é a interpretação dessa construção da preposição com as palavras que vêm logo antes, assim como em 2.19 e 3.13.

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1 TESSALONICENSES 1.4 61

com essa obra. É melhor, provavelmente, não restringir o sentido com rigor demasiado. Cuidar dos doentes, consolar os que estão à morte, instruir os incultos, tudo isso e muito mais ocorre à lembrança. Contu­do, considerando os versículos 6-10 desse capítulo, parece que o após­tolo (e os que com ele estavam) se referia sobretudo à obra de propagar o evangelho, e de fazer isso até mesmo em meio a terrível perseguição. Isso, sim, foi uma obra resultante da fé. De fato, foi um esforço (labuta) motivado por amor. Não existisse amor em troca do amor do qual eles foram o objeto, esses tessalonicenses nunca teriam conseguido fazer o que fizeram. Que realmente realizaram uma obra quase inacreditável será ressaltada em relação aos versículos 6-10.

Quando falamos numa obra de amor, nossa tendência é procurar somente ações que possam ser vistas, pesadas e medidas. Mas, sofrer pelo nome de Cristo e por amor a ele também entra na categoria de “esforço diligente motivado pelo amor”. Implica perseverança. Uma pessoa que suporta tamanha perseguição está disposta, se preciso, a permanecer sob (cf. o verbo ímo|iévcjo) pressões e estresse, confiada- mente esperando que, na presença do próprio Deus que um dia há de julgar os homens todos, ele encontrará um abrigo seguro com o seu Senhor Jesus Cristo (sobre esta designação veja 1.1). Em outras pala­vras sua firmeza é “inspirada pela esperança em nosso Senhor Jesus Cristo na presença de nosso Deus e Pai” (Sobre Deus o Pai - aqui nosso Deus e Pai - veja 1.1).

4. Sabemos, irmãos amados de Deus, a eleição de vocês...Em última análise, o motivo da alegria e gratidão que enchem o

coração dos missionários, é o fato de saberem que (falando de modo geral) os membros da igreja de Tessalônica são escolhidos, eleitos de Deus. Paulo, Silas e Timóteo realmente sabem isso. Eles sabem (saben­do, eiôoxeç, é o gerúndio empregado) porque os fatos falam com tanta clareza que a conclusão se toma inevitável, direta, imediata. O trecho é um repúdio contundente à posição teológica daqueles que dizem que a pessoa não pode saber com certeza se ela ou outra pessoa qualquer está incluída no decreto etemo da eleição de Deus. Os missionários ficaram conhecendo os leitores havia pouco tempo. Depois de brevíssima per­manência entre eles, os três foram forçados a ir para outro lugar. Apesar disso, não hesitam em declarar: “A razão suprema das ações de graça superabundarem em nossos corações é que nós sabemos que vocês fo­ram eleitos (desde a eternidade)”.36

36. São excelentes as observações práticas com referência a esse assunto no livro de H. Veldkamp, In De Schemering Van Christus’ Wederkomst, Kampen, 1928, págs. 20-25.

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62 1 TESSALONICENSES 1.4

O substantivo eleição também ocorre nas seguintes passagens das epístolas de Paulo: Romanos 9.11; 11.5,7,28 (cf. 2Pe 1.10).

O próprio apóstolo, sendo ele mesmo um “vaso eleito” ou “instru­mento escolhido” (At 9.15), se detém no tema da eleição soberana em várias passagens (Rm 8.33; 11.29; 16.13; ICo 1.27,28; Ef 1.4-6; Cl3.12-17; 2Tm 2.10,19; Tt 1.1). Existem também passagens que, embo­ra não contenham a palavra eleito, têm valor para um estudo desse assunto (Por exemplo, Rm 8.28-30; ICo 4.7; Ef 2.8; Fp 4.3).37

Tendo por base estas passagens, o ensino de Paulo sobre a eleição pode ser resumido assim:

(1) Ela (a eleição) é desde a eternidade (Ef 1.4,5).(2) Ela se toma evidente na vida (lTs 1.4). Isso não significa que

alguém tenha o direito de consignar seu próximo para o inferno ou cha­má-lo de réprobo: Deus vê o coração; nós, não. Além disso, nós não somos infalivelmente inspirados, como foi o ensino de Paulo. Pode ha­ver uma conversão no leito de morte.

(3) Ela é soberana e incondicional; isto é, não está condicionada em obras predeterminadas nem em fé prevista (ICo 1.27,28; 4.7; Ef 1.4; 2.8). Veja também Cânones de Dort, I, ix, x.

(4) Ela é justa (Rm 9.14,15).(5) Ela não se limita aos gentios; em cada era um remanescente dos

judeus também está incluído (Rm 11.5).(6) Ela é imutável e eficaz; os eleitos realmente alcançaram o céu

final. Obtêm a salvação (Rm 11.7). A “corrente” de Deus não pode ser quebrada (Rm 8.28-30; cf. 11.29; 2Tm 2.19).

(7) Ela afeta a vida em todas as suas fases. Não é abstrata. Embora a eleição faça parte do decreto de Deus desde a eternidade, toma-se uma força dinâmica no coração e na vida dos filhos de Deus. Também está claro que esse é o sentido aqui em 1 Tessalonicenses 1.4; veja versículos 5-10. Produz frutos tais como a adoção de filhos, a vocação ou chama­mento, afé, a justificação, etc. (Rm 8.28-30,33; Ef 1.4,5; Tt 1.1). Acei­tar a proposição: “Se um homem foi eleito, será salvo seja como for que viva (por exemplo, quer creia em Cristo quer não, quer dê provas de possuir os frutos do Espírito Santo, quer não) é ímpio e absurdo. Nenhum crente verdadeiro e sensato de qualquer denominação, quer

37. Veja também CNT João 15.19; H. Bavinck, The Doctrine o fG od (traduzido para o inglês por W. Hendriksen), Grand Rapids, MI, 1951, págs. 337-407; e L. Berkhof, Teologia Sistemática, Edi­tora Cultura Cristã. O termo eleito nem sempre se refere ao decreto divino (veja Lc 10.42; Jo 6.70; At 1.24; 6.5; cf. Dt 4.37; 7.6-8; ISm 10.24, etc.).

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seja metodista, batista, calvinista, luterano, quer pertença a qualquer outra denominação ou grupo religioso, há de aceitar isso. Todos de­vem ler e reler a linda descrição da pessoa realmente eleita que se encontra em Colossenses 3.12-17”.

(8) Ela diz respeito a indivíduos (Rm 16.13; Fp 4.3; cf. At 9.15).(9) Ela compreende esses indivíduos “em Cristo”, de modo que são

realmente considerados como um só corpo (Ef 1.4; 2Tm 2.10).(10) Ela não só é uma eleição para a salvação, como certamente

também é (como um elo na corrente) para o serviço (Cl 3.12-17; cf. At 9.15,16).

(11) Ela é ensinada não somente por Paulo, mas também pelo pró­prio Jesus (veja CNT Jo 6.39; 10.11,14,28; 17.2,9,11,24).

(12) Ela tem como alvo principal a glória de Deus, e é obra do seu beneplácito (Ef 1.4-6).

Os eleitos são chamados “irmãos amados de Deus”. Paulo gosta muito da designação irmãos, usando-a repetidas vezes (lTs 1.4; 2.1,9,14,17; 3.7; 4.1,10,13; 5.1,4,12,14,25-27; 2Ts 1.3; 2.1,13,15; 3.1,6,13; e muitas vezes nas outras epístolas). No presente caso, ele acrescenta a linda descrição “amados de Deus” (cf. 2Ts 2.13; e “ama­dos” outras vezes em Rm 1.7; 11.28; 12.19; 16.8,9,12; ICo 4.14,17, etc.). Por estar combinado com as palavras “de Deus”, parece provável que o sentido mais profundo e amplo possível deve ser dado ao particí- pio (pl. masc., passivo perfeito) amados (veja CNT Jo 21.15-17). Este amor de Deus retrocede no tempo até a eternidade, como o contexto anterior dá a entender claramente. Também se estende para a frente e ainda continua (conforme subentende o tempo perfeito do particípio). Ninguém pode separar os crentes do amor de Deus em Cristo. Além do mais, conforme indicam as promessas paralelas, os amados de Deus são também os amados de Paulo (e de Silas e Timóteo).

5. Mas como se há de explicar que os missionários tenham o direito de estar tão convictos de que esses tessalonicenses são eleitos de Deus?O motivo é dado nos versículos que se seguem, que devem ser conside­rados como uma só unidade (vv.5-10). Para começar: porque o nosso evangelho não chegou a vocês somente em palavras, mas também em poder e no Espírito Santo e em plena convicção.

O sentido é: “que vocês foram escolhidos (eleitos) nós sabemos pelo fato de que nosso evangelho não chegou até vocês apenas em palavras”, etc.

A nosso ver, o sentido de toda a passagem (vv.5-10) pode ser resu­

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mido assim: “Não se deixem enganar pelos inimigos da fé que tentam minar sua fé e sua certeza de salvação por meio de um ataque à nossa integridade. Nosso comportamento entre vocês foi prova dessa integri­dade nossa e da confiabilidade de nossa mensagem. A maneira como vocês aceitaram alegremente o evangelho que pregamos, passando en­tão a difundir em toda parte a notícia, e abandonando aqueles ídolos que vocês tinham, para servirem ao Deus vivo e aguardarem dos céus a seu Filho, evidencia, sem dúvida, que aquilo que aconteceu (e está aconte­cendo) em Tessalônica foi (está sendo) operado pelo Espírito Santo, e foi (continua sendo) o fruto da eleição. Qualquer dúvida quanto à since­ridade da fé que vocês professam já foi dissipada por Timóteo (veja sobre 3.5). Portanto continuem firmes”.

A fim de confirmar a fé dos tessalonicenses, Paulo, então, faz duas coisas. Ele mostra:

a. que foram confiáveis tanto a mensagem que essas pessoas rece­beram quanto os mensageiros que a levaram até elas. Veja versículo 5.

b. Que a maneira pela qual a haviam recebido deu provas da opera­ção do Espírito Santo. Veja versículos 6-10.

Assim como em Corinto (ICo 2.4), onde Paulo desempenhava sua atividade missionária enquanto escrevia esta carta, também em Tessa­lônica, ele não tinha estado interessado em meras palavras (ICo 2.4), mas numa demonstração genuína do Espírito. As pessoas a quem ele escreve darão prova disso. O original tem o singular - “em palavra, em mero discurso”. Havia dinamite (Súvaiiiç) espiritual na mensagem, explosivo suficiente para demolir os ídolos (v.9). De fato, a dinamite do Espírito era de um tipo diferente da dinamite física, pois onde esta se limita a operações destrutivas, aquela é também construtiva (“para ser­virem o Deus vivo e verdadeiro”). Observe como os conceitos Espírito epoder acompanham um ao outro aqui, como em tantas passagens (veja Rm 1.4; 15.13,19; ICo 2.4; G13.5; e cf. Rm 1.4; 2Tm 1.7,8). Isso está de acordo com a promessa de Cristo (At 1.8. cf. também Lc 1.17,35; 4.14; At 10.38). O motivo de haver tanto poder na mensagem estava em que, quando Paulo (e os seus colegas com ele) falava, Deus estava fa­lando. Isso também explica como os missionários falaram com plena convicção (uma só palavra - usada também em Cl 2.2; Hb 6.11; 10.22; cf. o verbo emLc 1.1; Rm4.21; 14.5; Cl 4.12; 2Tm 4.5,17 - que, sem ao menos o acréscimo de um artigo, imediatamente faz lembrar o Espí­rito Santo, porque a convicção é um efeito imediato da presença e do poder do Espírito no coração dos embaixadores). Por causa dos contex­tos que vêm imediatamente antes e após, parece que estão errados os

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1 TESSALONICENSES 1.6,7 65

comentaristas que limitam essa convicção aos tessalonicenses. A refe­rência aqui (pelo menos a primordial) é a plena convicção dos missio­nários à medida que pregavam a palavra.

Paulo faz um apelo à memória daqueles a quem se dirige quando acrescenta: assim como vocês (bem) sabem como procedemos entre vocês, por sua causa. Naquele tempo, todo tipo de filosofia ambulante estava perambulando pelo mundo. Cada um exercia sua profissão eml avor de si próprio, por interesse pessoal. Paulo, Silas e Timóteo eram diferentes. Desempenhavam suas tarefas difíceis por amor às pessoas, para que pudessem ser salvas. Com esse espírito e disposição de ânimo, tinham ido a Tessalônica. E as experiências suportadas ali tinham se somado ao seu vigor espiritual (por isso o “ter sido” do v.5 pode muito bem ser interpretado como “ter se tomado”).

O outro lado dos eventos recentemente ocorridos em Tessalônica (o lado que mostra como a boa nova afetou os tessalonicenses) aparece nos versículos seguintes.

6,7. De fato, vocês se tornaram imitadores de nós e do Senhor.Retrata-se aqui o caráter genuíno da experiência religiosa dos tessa­

lonicenses. Eles haviam se tomado imitadores ((J,i^r)Taí, nossa palavra mímica vem da mesma raiz), não meros falantes (cf. lTs 2.14; e aindaI Co 4.16; 11.1; Ef 5.1; Hb 6.12). Paulo não tem medo de dizer, “sejam meus imitadores” (ICo 4.16). Ousa dizer isso porque, pela graça sobe­rana, ele pode acrescentar, “... como também eu sou de Cristo” (ICo11.1). E aqueles que são imitadores de Paulo e de Cristo são também imitadores de Deus (Ef 5.1). Dessa forma a seta da direção aponta de volta ao apóstolo Paulo (e seus colegas), a Cristo, a Deus. É a ordem lógica. E também porque aqui em 1 Tessalonicenses 1.6 “nossos” vem antes de “do Senhor”.

Os missionários tinham estado fisicamente presentes com eles. Mes­mo antes de ter ocorrido qualquer conversão, a sinceridade, a devoção, o entusiasmo, a disposição de sofrer por Cristo, etc. podia ser vista e observada nos missionários. Esses missionários, por sua vez, indica­vam o Senhor e falavam sobre ele (veja lTs 1.1, sobre o título).

Ora, não é possível imitar a Cristo em todos os aspectos. Por exem­plo, em sua capacidade como Salvador dos homens ele não pode ser imitado. Mas o termo de comparação (a questão com referência à qual tanto os missionários quanto o Cristo que os comissionara podem ser imitados) fica bem claro com as palavras: quando em meio à grande tribulação receberam com alegria a palavra comunicada pelo Es­

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pírito Santo. Sobre a alegria em meio à tribulação (quanto ao sentido deste termo, veja CNT Jo 16.33), Paulo e Silas podiam realmente rela­tar uma história muito tocante. E a história se referia ao acontecimento ocorrido logo antes de os missionários terem tomado a estrada que con­duzia a Tessalônica. Em Filipos tinham sido lançados numa masmorra, com os pés presos no tronco. Mas no meio da noite Paulo e Silas esta­vam naquele lugar cantando hinos a Deus. E essa foi apenas uma das ilustrações que demonstram o seu regozijo em meio à tribulação. Jesus, também, se regozijava em meio à tribulação (veja CNT Jo 12.20-36; 16.33). Portanto, quando os leitores da carta, enfrentando pressões se­melhantes (veja Introdução), tinham recebido a Palavra (o evangelho da salvação) com a alegria comunicada pelo Espírito, evidenciaram de modo inconfundível ser imitadores dos missionários e do próprio Cristo (em relação a isso, leia o belo trecho de At 5.41). Assim comprovaram ser eleitos de Deus. Não se deve perder de vista a relação com 1 Tessa- lonicenses 1.4.

Os imitadores tomam-se exemplos. Forma-se aqui uma espécie de círculo: primeiro, Deus realiza na terra as suas obras: o Pai elege; o Filho (e também seus embaixadores especiais) dá o exemplo de regozijo em meio ao sofrimento; o Espírito Santo concede alegria. Em seguida, os tessalonicenses crêem, aceitam de bom grado a palavra, tomam-se imitadores. Eles, por sua vez, levam as boas novas a outros cujos lou­vores (depois de eles também terem experimentado a grande transfor­mação) glorificam a Deus no céu. Completou-se aí o círculo. Os tessa­lonicenses ficam, por assim dizer, no centro: a Palavra do Senhor veio a eles, e eles, tendo aceitado a boa nova, pela fé, noticiam-na para que outros também ouvissem e cressem. O que vem imediatamente a seguir comprova que esta é a interpretação certa: E, assim, tornaram-se um exemplo a todos os crentes da Macedônia e da Acaia. Quem não é imitador não pode tomar-se exemplo (túteoç é derivado de txottcú; por­tanto, é a marca de uma pancada, a figura feita por ela; veja CNT Jo 2.25; e ainda, imagem ou figura, At 7.43; molde, At 23.25; e, portanto, padrão ou modelo para ser imitado, At 7.44; Fp 3.17). Para todos os crentes, nas duas províncias romanas da Macedônia (onde situava-se não só a cidade de Tessalônica, mas também Filipos e Beréia) e da Acaia (onde estavam Atenas e Corinto), os convertidos tessalonicenses haviam se tomado um exemplo. A razão se explica, correspondendo-se com exatidão com a frase anterior.

8. Porque, de vocês ecoou a Palavra do Senhor. Repetimos o que foi dito em relação aos versículos 6 e 7: os tessalonicenses ficavam na

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1 TESSALONICENSES 1.8 67

posição do meio. Aqui se comparam a um arco parabólico ou a uma caixa de som que reforça os sons e o transmite em várias direções. As­sim também a Palavra do Senhor, tendo sido recebida por aquelas pes­soas em Tessalônica, a quem a carta é dirigida, tinha sido reforçada pela própria experiência alegre deles ao aceitá-la, e assim fortalecida, ecoou (o verbo é è£'nxTTra t; cf- nossa palavra eco),... não só na Macedônia <! na Acaia,38 mas [também] por toda parte tornou-se conhecida a fé <|ue vocês têm em Deus. Como resultado, não temos necessidade de dizer mais nada. Quando Paulo diz, “por toda parte”, deve estar dizen­do “também em regiões fora da Macedônia e Acaia”; provavelmente, portanto, na Palestina, Síria e Ásia Menor, no mínimo. É bom lembrar que Tessalônica, como importante e populoso centro comercial, estava localizada de tal maneira (na via Inácia que ligava o Oriente ao Ociden- lc, e no centro do litoral do atual golfo de Salônica, ligado, portanto, a Iodos os portos do mundo conhecido da época) que qualquer notícia podia espalhar-se rapidamente para regiões tanto próximas quanto dis- lantes. Tudo que os crentes tessalonicenses tinham de fazer era aprovei­tar as oportunidades dessa localização estratégica. Ora, o importante para Paulo não eram só os comentários sobre a grande modificação na cidade estarem espalhando-se, mas que os crentes ali, no entusiasmo de uma grande descoberta, propagavam ativamente a sua “fé para com Deus”. A preposição para com (rcpóç; veja também CNT Jo 1.1) nos prepara para o versículo seguinte, onde se voltaram dos ídolos (de, no original; “deixando os ídolos”) e voltando-se para Deus. Foi uma com­pleta meia-volta em suas vidas.

Mas como Paulo sabia de tudo isso? É preciso supor que àquela altura ele já havia recebido notícias de todos esses lugares. Nada mais natural. Boas estradas ligavam as cidades romanas, e as viagens, len­ias, se comparadas às de nossa época, eram muito menos demoradas do que alguns comentaristas (que rejeitam Tessalonicenses por causa dos fatos relatados aqui nos versículos 7-10) parecem crer. É claro que Paulo estava ansioso para contar a todos que vinham ter com ele as grandes coisas que Deus fizera em Tessalônica. Mas mesmo antes de começar, os visitantes já lhe contavam o que tinham ouvido. Ora, Paulo não achava isso nada ruim. Até ficava contente, como fica claro nas palavras:

18. Talvez vista aqui como unidade; diríamos Grécia, mas o texto correto não é bem claro; não é licguro dizer que o artigo definido aqui no verso 8, que antecede a palavra Macedônia, também linlecede Acaia.

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9. Pois eles mesmos relatam sobre nós, como foi o nosso ingresso entre vocês, e como se converteram daqueles ídolos (de vocês) para servirem ao Deus vivo e verdadeiro.Não era necessário que Paulo e seus companheiros fizessem relató­

rio. As pessoas estão fazendo (observe o tempo presente contínuo) isso por eles. São os missionários que ouvem o relatório. Outros também o ouvem. O assunto é Paulo, Silas e Timóteo (“estão informando sobre nós”) e o que Deus fez por seu intermédio. As novas, vindas de todas as regiões penetradas pela fé dos tessalonicenses, estão se difundindo am­plamente em todas as direções.

Essa notícia divulgada de boca em boca abrange dois assuntos prin­cipais, e o segundo se subdivide em dois itens noticiosos subordinados:

A. “Paulo, Silas e Timóteo ingressaram entre os tessalonicenses desse modo” (Como resultado - mediante a operação do Espírito).

B. “Os tessalonicenses se converteram a Deus, vindo dos ídolos (o artigo definido explica: daqueles ídolos deles):

1. “para servirem a um Deus vivo e verdadeiro”e

2. “para aguardarem do céu a seu Filho, a quem ele ressuscitou dos mortos, Jesus, que nos resgatou da ira que há de vir”.

Vários detalhes confirmatórios são acrescentados: há tanto amplifi­cação quanto esclarecimento.

Naturalmente, quando Paulo escreve aos tessalonicenses, muda o discurso indireto em direto: nesse caso, em vez de escrever sobre “eles” usa “nós” e “os tessalonicenses” toma-se “vocês” ao mesmo tempo que abrevia o texto. Lemos, pois:

A. “...o nosso ingresso entre vocês”, eB. “como, deixando os ídolos, se converteram:1. “para servirem o Deus vivo e verdadeiro”,

e2. “para aguardarem dos céus o seu Filho, a quem ele ressuscitou

dentre os mortos, Jesus, que nos livra da ira vindoura”.O “ingresso” (elaoõoç também em 2.1; cf. At 13.24; Hb 10.19;

2Pe 1.11) de que Paulo fala não deve ser visto como mera “apresenta­ção”, como alguns vêem (“como fomos apresentados a vocês”). Tem referência a tudo o que diz respeito à chegada dos missionários em Tes- salônica e sua obra dentro e fora da sinagoga. Paulo mesmo fornece o devido comentário em 1 Tessalonicenses 1.5 e 2.1-12; veja nesses versí­

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1 TESSALONICENSES 1.9 69

culos. O que Paulo quer dizer, portanto, é o seguinte: “As acusações que estão sendo feitas contra nós por adversários desprezíveis são vãs. Nosso modo de operar quando entramos aí e trabalhamos entre vocês passou a ser do conhecimento público. Vocês mesmos se recordam dis­so, e outros, tanto de longe quanto de perto, já ouviram falar nisso”.

E vocês “se converteram”. Um verbo bastante significativo é em­pregado (ÈJteaxpéxi/axe que vem de ÈJtiaTpé(|)a)): voltar-se muitas ve­zes quer dizer retomar, mas aqui, obviamente, tem o primeiro sentido, e não o último. Os leitores (muitos dos quais teriam sido gentios, porque tinham estado adorando os ídolos) haviam experimentado uma transfor­mação verdadeira, íntima, que se manifestava externamente: a totalida­de da sua vida ativa estava agora se movendo na direção oposta: para longe dos (òotó) ídolos, para (Ttpóç; veja CNT Jo 1.1) Deus.39

Quando Deus converte uma pessoa, ele muda essa pessoa por intei­ro, não apenas as emoções para que a pessoa tenha pena (remorso) de ter vivido como viveu anteriormente (cf. a idéia que predomina no verbo |i£Ta|j.éÀ.o|ioa), mas também a mente e a vontade, no tocante às quais cie experimenta uma completa reforma (cf. o pensamento colocado em primeiro plano pela palavra (xexá^oia,40 e tudo isso toma-se aparente cm sua conduta externa (sendo esse o significado principal do verbo usado aqui em lTs 1.9).

Foi dos41 ídolos (tanto das próprias imagens quanto dos deuses que representam) que os tessalonicenses se haviam voltado. O apóstolo e

39. Quanto aos vários termos bíblicos usados para indicar a conversão, e para um estudo de seu sentido, veja L. Berkhof, Teologia Sistemática, Editora Cultura Cristã, SP, 2006: R.C. Trench, Sy­nonyms o fthe New Testament, Grand Rapids, MI, 1948 (reimpresso), par. Ixix. sobre o sinônimo HBidama, veja especialmente W.D. Chamberlain, The Meaning ofRepentance, Filadélfia, 1943.

40. Embora a mente e a vontade estejam no primeiro plano quando hetómiol é usada, as emoções iiito ficam excluídas: o significado é uma “transformação” ou “conversão” total. Apalavra olha para0 futuro tanto quanto para o passado; por isso, “arrependimento”, um termo que só olha para trás, nfio é uma tradução apropriada, e naturalmente, “penitência” é pior ainda. Um excelente trecho bíblico para estudar, neste sentido, é 2 Coríntios 7.8-10, no original.

4 1. Emprego genérico do artigo. Compreende a classe como um todo, presente na mente do escritor (e na mente do leitor também, é evidente) especialmente do ponto de vista de sua característica: os ídolos eram toda a sua impotência. Num caso desses, o artigo não deve ser omitido da tradução (que liflo deve ser, portanto, “deixando ídolos”), porque assim se perderia o sabor do original. Minha Niijjcstão é simplesmente conservar o artigo, ou então - para ressaltar ainda mais claramente seu1 mpacto - escolher um demonstrativo equivalente (colocando “aqueles ídolos que vocês serviram” ou “aqueles seus ídolos”). Cf. um uso semelhante do artigo em Mateus 8.20 (“as raposas”), e com Nlibstantivo no singular, Lucas 10.7 (“o trabalhador”); 1 Timóteo 3.2 (“o supervisor ou bispo”). O uno do artigo genérico (bem como do artigo com substantivos abstratos), no grego, tem mais paralelo iNHilemão ou no holandês [também no português] do que no inglês. Aqui em 1 Tessalonicenses 1.9,o ulcmão “von den Abgöttern” e o holandês “van de afgoden” é bastante normal.

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seus companheiros tinham observado esse culto de ídolos e sabiam tudo a respeito. Esses ídolos eram meras “coisas vãs” (veja a passagem para­lela, At 14.15). Estavam mortos; totalmente incapazes de prestar qual­quer auxílio a qualquer pessoa em tempos de necessidade.

Ora, deve ter sido uma transformação extremamente significativa o deixar dos ídolos. Não é fácil rejeitar e pôr fora os deuses que a pessoa cultuou desde criança, e que sempre foram considerados muito reais pelos mais respeitáveis antepassados, de maneira que seus nomes e suas peculiaridades individuais passaram a fazer parte do vocabulário fami­liar. Isso é nada mais, nada menos que uma revolução religiosa. Os inimigos tiveram razão quando disseram que os missionários eram ho­mens que “viraram o mundo de cabeça para baixo”. O culto aos ídolos afetava a vida em todos os seus aspectos. Podemos bem imaginar que os tessalonicenses, em especial, tinham considerado esses deuses como ver­dadeiramente reais, pois o monte Olimpo, cujo famoso pico era conside­rado morada dos deuses, localizava-se perto dali, a uns 80 quilômetros a sudoeste da cidade. E conforme a tradição, quando Zeus sacudia sua divina cabeleira cacheada, aquela grande montanha tremia.

Apesar disso, como resultado da operação da graça de Deus, pela qual a mensagem foi aplicada aos corações, os olhos dos tessalonicen­ses foram abertos, e eles viram que seus ídolos eram vãos. Voltaram-se deles para um Deus vivo e real. As palavras são menos uma forma de apontar para Deus do que uma descrição de Deus. Toda a ênfase está em sua personalidade, em completo contraste com os ídolos. Eles estão mortos, ele está vivo. Eles são irreais, ele é real e genuíno. Eles são impotentes, incapazes de ajudar, ele é Todo-poderoso e, ansioso para ajudar. A esse Deus os tessalonicenses se voltaram, para servi-lo conti­nuamente, submetendo-se a ele tanto quanto o escravo se submete a seu senhor, e ainda muito mais completamente e com muito mais dispo- sição,42

Ora, voltar-se para um Deus vivo e real implica voltar-se para seu unigénito Filho e para a salvação por meio dele; portanto, segue-se logi­camente:

10. E aguardar dos céus o Filho. O que realmente cativou a mente e o coração dos leitores parece ter sido, acima de tudo, o ensino sobre a segunda Vinda de Cristo nas nuvens do céu. Conforme eles entendiam- e isso com razão um homem só está realmente convertido (v.9)

42. Por essa razão não sou a favor da tradução para ser escravo de. Embora a frase realmente ressalte a idéia de completa submissão, entra em choque com a natureza voluntária e alegre do culto que se presta a Deus (veja também CNT Jo 15.15).

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1 TESSALONICENSES 1.10 71

t/uando ele se gloria nesta doutrina e demonstra o efeito dela em sua vida. Para eles, a verdadeira conversão compreendia (pelo menos) estas duas coisas: a. voltar-se dos ídolos; e b. voltar-se para Deus e para seuI <'ilho que virá dos céus (cf. Ef 4.10 também no plural; e para a idéia da dcscida, veja4.16; 2Ts 1.7; depois, Dn 7.1; Mt 24.30; 25.31-46; 26.64; At 3.21; e Ap 1.7).

Do céu dos céus (onde em sentido especial Deus habita rodeado pelos remidos e pelos anjos), e do céu estrelado, e do céu das nuvens, Jesus descerá para receber seu povo em seus braços. E a essa vinda que eles estão aguardando. Não se deve perder de vista o pleno impacto do verbo aguardar. Significa esperar feliz, com paciência e confiança. lis se aguardar é muito mais do que só dizer. “Creio em Jesus Cristo, que subiu ao céu, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos”. Dá a entender (tanto no grego quanto em português) estar preparado para sua volta. Quando aguardamos certo visitante, já deixamos tudo pronto para sua chegada. Preparamos o quarto de hóspedes, a agenda de ativi­dades, nosso horário disponível e nossas outras obrigações, tudo de maneira a deixar a pessoa que nos visita inteiramente à vontade. Assim lambém, aguardar o próprio Filho de Deus (veja CNT Jo 1.14) que virá dos céus implica um coração e uma vida santificados.

Este Filho de Deus que há de vir dos céus não é outro senão o Jesus “histórico” (veja sobre 1.1), aquele que Deus de maneira real e física ressuscitou dos mortos (cf. Rm 4.24,25; 8.11; ICo 15.15; G1 1.1; Ef1.20; Cl 2.12; 2Tm 2.8; e cf. CNT Jo 20.1-10).

A idéia da sua vinda não significa terror para o crente. Ao contrário, “perto está o Senhor: não vivam ansiosos por coisa alguma” (Fp 4.5,6), porque é este Jesus que nos livra (está salvando) da ira vindoura (a ira que virá). Jesus, o Salvador (veja sobre 1.1), é sempre o que seu nome indica: ele salva, resgata. Ele não livra a todos, mas livra a nós (a Paulo, Silas, Timóteo, os crentes em Tessalônica e a todos os eleitos).

Dessa ira (òpyil) ou indignação inamovível que, por natureza, recai sobre o pecador (Ef 2.3), e que, por sua idolatria, imoralidade, e espe­cialmente (no caso de quem já chegou a ouvir da boa nova) por sua rejeição do evangelho, ele acumula diariamente, e que será mais plena­mente revelada no dia do Juízo que há de vir, Jesus livrará a todos os que o recebem de braços abertos com uma fé viva (para averiguação do conceito ira, veja também CNT Jo 3.36). Em 2 Tessalonicenses 1.5-12 (veja sobre essa passagem), Paulo explica mais detalhadamente o pen­samento de 1.10.

A síntese é encontrada no fim do Capítulo 2.

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C a pítu lo 2

1TESSOLONICENSES 2.1

2 1 De fato, vocês mesmos conhecem, irmãos, nossos ingresso em seu meio, o qual não foi de mãos vazias. 2 Ao contrário, ainda que de antemão sofremos e fomos

tratados em Filipos de forma humilhante, como vocês sabem, não obstante, por meio do socorro de nosso Deus, renovamos a coragem para contar-lhes as boas novas43 de Deus com profunda solicitude.44 3 Porque o nosso apelo não [provém] de engano ou de impureza nem [é acompanhado] de falsidade. 4 Ao contrário, como já fomos apro­vados por Deus ao nos confiar as boas novas, assim estamos acostumados a falar, não como para agradar aos homens, mas ao Deus que prova os nossos corações. 5 Real­mente jamais viemos com palavras lisonjeiras, como vocês [bem] o sabem, nem com pretexto de ganância - Deus é testemunha - 6 ou buscando honra humana, seja de vocês ou de outros, embora estejamos em condições de fazer-nos grandes como após­tolos de Cristo 7 fomos, porém, amáveis entre vocês, como quando uma ama acaricia seus próprios filhos: 8 assim, estamos afetivamente obsequiosos de vocês, alegre­mente compartilhamos com vocês não só o evangelho de Deus, mas também nossas próprias almas porque vieram a ser mui queridos de nós. 9 Pois vocês se lembram, irmãos, o nosso trabalho e fadiga: de noite e de dia [estivemos] exercendo uma profis­são, a fim de não sermos um peso a qualquer de vocês, enquanto lhes proclamávamoso evangelho de Deus. 10 Vocês [são] testemunhas, e [igualmente] Deus, de como piedosa,45 justa e irrepreensivelmente nos conduzimos diante da apreciação de vocês crentes; 11 assim como vocês sabem que, como um pai [cuida] de seus próprios fi­lhos, [assim fomos] admoestando a cada um e a todos vocês, e encorajando e testifi­cando, 12 a fim de que vivessem vidas dignas de Deus, que os chama para o seu próprio reino e glória.

2 .1-122.1. De fato, vocês mesmos conhecem, irmãos, nosso ingresso em seu meio, o qual não foi de mãos vazias.Um cuidadoso estudo da defesa de Paulo, evidencia que as calúnias,

por meio das quais seus inimigos tentavam minar a influência de sua43. Geralmente falamos de “proclamando (ou pregando) o evangelho” e de “contando as boas

novas”. Como o verbo usado aqui no original é contando em vez de proclamando, dei aqui como seu equivalente, para contar-lhes as boas novas.

44. Ou “com profunda ansiedade [preocupação]” ou “com extremo esforço”. Jamais, porém, “ape­sar de intensa oposição”.

45. Ou santamente.

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74 1 TESSALONICENSES 2.1

mensagem, podem ser assim sumariadas: “Paulo e seus associados são homens enganadores que, por razões egoístas e, com engenhosidade, estão tentando explorar o povo”. Para a defesa do evangelho, esta acu­sação tinha de ser respondida, a fim de que tal suspeita fosse eliminada. Os oponentes sabiam muito bem o que estavam fazendo. Eis o seu racio­cínio: “Se formos bem-sucedidos em suscitar desconfiança em relação à pessoa dos mensageiros, a mensagem terá uma morte natural”. Dessa forma Paulo não tinha escolha: o amor ao evangelho requeria autodefesa.

Para o significado da expressão “nosso ingresso”, veja o comentá­rio sobre 1.9. O apóstolo insiste no argumento de que seu ingresso não tinha sido em vão (k e v t í). A pergunta que surge é: “O que significa exatamente a expressão em vão”?. Quereria Paulo dizer: “Nosso in­gresso não foi fútil; houve resultados”? É assim que o termo é explicado por alguns. Contudo, ninguém negava tal coisa. Qualquer um sabia que a obra dos missionários produzira frutos. Além disso, se tal fosse o significado aqui, seria muito difícil estabelecer alguma conexão entre este versículo e os que vêm imediatamente a seguir. A palavra usada no original, porém, pode significar ainda de mãos vazias-, por exemplo: “Eles, porém, o agarraram, espancaram e o mandaram embora de mãos vazias” (Mc 12.3;cf.Lc 1.53;20.10,11). De acordo com este significa­do da palavra, o que Paulo está dizendo é o seguinte: “Longe de preten­der tirar-vos algo, o que fizemos foi trazer-lhes algo. Quando viemos a vocês, nossas mãos estavam vazias”. Adotamos esta interpretação pelas seguintes razões:

(1) Ela se harmoniza de forma muito bela com o contexto preceden­te; veja 1.5: “nosso evangelho não chegou até vocês apenas em pala­vras, mas em poder e no Espírito Santo e com plena segurança”. A mensagem não tinha sido vazia: estava cheia de divino significado, sen­do ela as boas novas que vieram de Deus. Estava associada ao poder e ao Espírito Santo, e foi apresentada com inabalável convicção.

(2) Ela também se ajusta ao contexto seguinte, no qual Paulo desta­ca o fato de que ele (e seus associados) tinha vindo a Tessalônica com as boas novas de Deus, com intrepidez e com verdadeira e profunda preo­cupação pelas pessoas. Realmente, as mãos dos missionários não se apresentaram vazias. Elas traziam algo, tinham algo a oferecer.

(3) Ela está em harmonia com o teor geral da defesa de Paulo contra as insinuações maliciosas provenientes do arraial do maligno. No de­curso de sua defesa, o apóstolo se apresenta como aquele que não veio tirar e, sim, veio dar (veja especialmente 2.5,8,9). E o que era verdadei­ro com respeito a ele mesmo também o era com respeito a Silas e Timóteo.

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1 TESSALONICENSES 2.2 75

Uma vez adotada esta interpretação do verso 1 o que se segue não oferece nenhuma dificuldade:

2. Ao contrário, ainda que de antemão sofremos e fomos trata­dos em Filipos de forma humilhante, como vocês sabem, não obstan­te, por meio do socorro de nosso Deus, renovamos a coragem para contar-lhes as boas novas de Deus com profunda solicitude.Com relação ao tratamento que os missionários (especialmente Paulo

c Silas) receberam em Filipos, leia Atos 16.11-40; veja também o co­mentário em 1.6,7. Não compartilhamos do ponto de vista daqueles que pensam que quando Paulo falou de haver sido tratado com ignomínia (insultado, maltratado), ele estava se referindo somente ao fato de que ele e Silas, sem uma condenação formal, haviam sido açoitados publi­camente, não obstante serem eles cidadãos romanos. Essa era só uma parte do tratamento ignominioso, eles - cidadãos romanos e acima de tudo, apóstolos de Jesus Cristo - haviam sido presos, arrastados à pra­ça perante as autoridades, caluniados, espoliados de suas vestimentas, lançados numa prisão com seus pés enfiados no tronco, etc. O verbo empregado no original (estude seu uso em At 14.5, a seguir em Mt 22.6 e Lc 18.32) é bastante amplo em seu significado para incluir todo esse insolente tratamento ao qual os missionários foram expostos e o qual lhes fora muitíssimo angustiante.

Não obstante (isto é, apesar desses sofrimentos e tratamento vergo­nhoso), em virtude de sua união com Deus (èv xô» 0eâ>), assim, com o seu auxílio, se reanimaram46 para continuarem a obra. Fizeram o que Jesus ordenara: “Quando vos perseguirem nesta cidade, fugi para a pró­xima” (Mt 10.23). Foi assim que chegaram a Tessalônica, depois de uma jornada de mais de 160 quilômetros. Seu interesse nessa cidade não foi proveniente de alguma motivação egoísta. Desejavam intensa­mente transmitir, em linguagem clara e de forma direta, as boas novas de Deus, anunciando (note o verbo X.aÀ,f)aai) a mensagem que Deus mesmo lhes dera, e fazendo isso com profunda solicitude (profunda an­siedade) pelas pessoas envolvidas. A frase èv jtoAA.ô> òcyâvi tem sido interpretada de formas variadas, como segue:

a. “apesar de forte oposição” (cf. ARA “em meio a muita tribula­ção”, que também pode ser ligado a “b”);

b. “em grande angústia”;c. “com extremado esforço”;d. “com profunda solicitude (profunda preocupação ou ansiedade)”.

46. Neste contexto, o aoristo ingressivo ou inceptivo parece o mais natural.

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76 1 TESSALONICENSES 2.3

O termo (òcycói;) se refere primariamente a uma reunião, especial­mente em conexão com jogos ou competições; então à competição mes­ma, e finalmente à agonia (cf. a palavra grega), quer espécie de agonia, angústia ou ansiedade, preocupação ou solicitude. Daí, ao ser conside­rado isoladamente (fora de seu contexto), ele pode adquirir qualquer um dos quatro significados alinhados anteriormente, entretanto, o contexto parece favorecer “c” e “d” (não há muita diferença entre esses dois). O anseio ou preocupação afetuosa dos missionários pelos tessalonicenses é mencionado também no verso 8 (e veja o v.l 1). Paulo e seus compa­nheiros se esforçaram ao máximo, como um atleta que almeja o prêmio, a fim de cumprir a vontade de Deus (2.4) e conquistar aqueles que eram o alvo de sua tão intensa solicitude.

Ora, essa profunda solicitude ou afetuoso anseio estava, natural­mente, em diametral oposição ao mesquinho egoísmo que lhes atribuíam seus inimigos com suas vis acusações. Por isso, Paulo prossegue:

3. Porque o nosso apelo não [provém] de engano ou de impureza nem [é acompanhado] de falsidade.O substantivo [apelo] e o verbo apelar (7iapcacA.r)aiç, JiapaKaX,é

co relacionado com 7tocpáKÀ,r|Xoç; veja CNT Jo 14.16), basicamente um chamado para o lado de alguém, pode comportar vários significados, apelar ou suplicar (súplica), exortar (exortação), animar (estímulo), con­fortar (conforto, consolo). O significado exato depende do contexto em cada ocorrência. Aqui, apelo ou súplica (cf. o uso do verbo em 2Co 5.20), é o que melhor se ajusta. Era a mensagem por meio da qual os missionários, revestidos da autoridade divina e com contagiante simpa­tia, haviam suplicado a seus ouvintes que deixassem seus ímpios cami­nhos e se convertessem a Deus, em Cristo.

Ora, em conexão com esse apelo, as calúnias por parte dos adversá­rios provavelmente consistiam no seguinte:

a. “Seu apelo é oriundo de erro. Eles são impostores a enganarem a si próprios”.

b. “Seus motivos não são puros”.Seria o caso de tais oponentes atribuírem impureza sexual a Paulo,

Silas e Timóteo? - As religiões pagãs eram caracterizadas pela imorali­dade. Porventura insinuavam eles ser algo estranho que entre os conver­tidos contassem tantas mulheres? (cf. At 17.4) Entretanto, o contexto não aponta nessa direção. Tudo indica que os vícios que atribuíam aos missionários eram antes a avidez por dinheiro e a ansiedade por honras do que aberrações sexuais.

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1 TESSALONICENSES 2.4 77

c. “Ele usam de artifícios (fraude, dolo) para atrair seu auditório”. O mundo daqueles dias estava saturado de “filósofos”, ilusionistas, fei­ticeiros, charlatães, trapaceiros ambulantes. Eles usavam de muita as­túcia com o fim de impressionar seus ouvintes (veja comentário sobre 2Ts 2.9; e também Mt 24.24; Ap 13.14).

Ora, aqui no verso 3, Paulo nega as três acusações. Em seguida, ele põe a verdade em contraste com a mentira. É característica de Paulo empregar esse método de argumentação: refutação direta da acusação, seguida de uma declaração positiva (veja 1.5; 2.3,4; 2.5ss).

Paulo é o melhor intérprete de si mesmo. Observe-se:“Nosso apelo não provém de engano (ou erro). Comentário: “Já

lomos aprovados por Deus ao nos confiar nele as boas novas” (v.4).“... ou de impureza” (motivos impuros). Comentário: “Jamais vie­

mos com palavras lisonjeiras(...) nem com pretexto de ganância(...) bus­cando a honra dos homens” (vv.5 e 6). A verdade é exatamente o oposto. Os nossos motivos eram totalmente desinteressados: “estando afetiva­mente obsequiosos de vocês, alegremente compartilhamos com vocês, não só o evangelho de Deus, mas também nossas próprias almas” (v.8).

“não (provém) de engano”. Comentário: “Vocês [são] testemunhas e [igualmente] Deus, de como piedosa, justa e irrepreensivelmente nos conduzimos diante da avaliação de vocês” (v. 10).

4. Ao contrário, como já fomos aprovados por Deus ao nos con­fiar as boas novas, assim estamos acostumados a falar, não como para agradar aos homens, mas ao Deus que prova os nossos corações.A fonte objetiva do apelo de Paulo aos tessalonicenses não era o

erro, e, sim, a verdade, as boas novas que emanam de Deus. Esses três embaixadores oficiais haviam sido aprovados por Deus e, portanto, permaneciam sob a sua aprovação (o particípio passivo perfeito vem de um verbo cujo infinitivo é provar, o perfeito foi provado, aqui: como resultados favoráveis; daí, aprovado', cf. 2 Macabeus 4.3). Para a apro­vação divina relativa a Paulo, Silas e Timóteo, como mensageiros do evangelho da salvação, várias passagens devem ser consideradas (At 9.15; 13.1-4; 15.40; 16.1,2; lTm 1.2,12,18; 6.12,20; 2Tm 1.5,13,14).

Ora, estava em estrita sintonia com a vontade diretiva de Deus, que esses missionários estivessem continuamente (note o presente contínuo) proclamando as boas novas. Portanto, sua mensagem não era um erro, e, sim, a verdade emanando da suprema fonte. E o motivo para procla­má-la não era egoísta - por exemplo, agradar aos homens com o fim de angariar seu favor (cf. G11.10) - porém, mais recomendável: agradar a

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78 1 TESSALONICENSES 2.5-7

Deus (cf. 4.1; 2Ts 2.4), aquele diante de quem nada se esconde, aquele que prova o nosso coração (veja Jr 17.10; em seguida, 11.20; SI 7.9; 139). O olho humano não pode discernir os motivos íntimos de seus semelhantes, se são bons ou maus; portanto, Paulo, por assim dizer, apela para a consciência de Deus.

5,6. Realmente jamais viemos com palavras lisonjeiras, como vocês [bem] o sabem, nem com pretexto de ganância - Deus é teste­munha - ou buscando honra humana, seja de vocês ou de outros, embora estejamos em condições de fazer-nos grandes como apósto­los de Cristo.A fonte subjetiva da súplica não havia sido algum motivo impuro,

e, sim, o mais puro possível. Para provar isso, Paulo deixa que os fatos falem por si. Ao dizer “como vocês [bem] o sabem”, ele apela para a lembrança que os leitores tinham desses fatos. Fossem os seus motivos impuros e egoísticos (veja o v.3), os missionários teriam imitado os charlatães que perambulavam pelo país. À semelhança de tais embus­teiros, eles também poderiam ter lançado mão da lisonja. E assim sua mensagem outra coisa não seria senão um pretexto para acobertar sua ganância.41 Apelando para Deus, porém, o escritor desta epístola sole­nemente afirma que jamais havia lançado mão da lisonja ou dissimula­ção. Além disso, seu alvo nunca fora a busca da fama humana (veja CNT Jo 5.41), fosse da parte dos tessalonicenses ou de quaisquer ou­tros; e isso a despeito do fato de se acharem numa posição de fazer importantes alegações acerca de si mesmos, sendo eles apóstolos de Cristo (sendo o termo - apóstolo - usado aqui em sentido mais amplo), comissionados como seus representantes, portanto investidos de autori­dade sobre a vida e a doutrina (para o termo apóstolo, veja CNT Jo 13.16; 20.21-23).

7. Fomos, porém, amáveis entre vocês.Ser grande é diferente de ser amável.™ Os tessalonicenses haviam

47. Faz pouca diferença se “de cobiça” é considerado genitivo objetivo: um pretexto para a cobi­ça (para encobrir a cobiça) ou com genitivo subjetivo: um pretexto de cobiça (produzido pela cobi­ça, usado pela cobiça como uma cobertura). A idéia resultante é mais ou menos a mesma. A tradução, um pretexto de cobiça, é igualmente excelente, ainda que pretexto (algo que é tecido em frente) ou pretensão (algo que é expandido em frente) - daí um disfarce - exibe de forma mais precisa o significado do prefixo na palavra grega. Note também que, enquanto a tradução holandesa mais antiga é bedeksel (isto é, disfarçar ou cobrir), a tradução Amsterdam, 1951, traz voorwendsel (pretexto).

48. Esta é a palavra correta, não infantis, ainda que aquela tem considerável apoio textual. A mudança, porém, de gentis [amáveis] para infantis (a diferença é de apenas uma letra, no original: íptioi para vrycun) pode ter-se originado do fato de que gentil é raro (usado no Novo Testamento somente aqui em 2Tm 2.24. Veja também M.M., pág. 281). Isso é melhor que dizer (com aqueles que apóiam a tradução infantis) que a primeira letra de vf|icioi foi omitida por um erro de escriba,

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1 TESSALONICENSES 2.8 79

descoberto que os missionários eram afáveis, de fala agradável. Eram meigos, afetuosos em seu modo de tratar os outros. O próprio comentá­rio de Paulo sobre a palavra amável se encontra nos versos 8,9 e 11, como também no restante do verso 7: como quando uma ama acaricia seus próprios filhos. Com toda probabilidade, o sentido não é “como quando uma ama cuida dos filhos de sua patroa”, ou seja, os filhos foram postos sob o cuidado dessa ama (ama-de-leite); mas “como quan­do uma ama é a mãe que aquece, afaga, acaricia os filhos de seu próprio ventre (visto que ela mesma lhes deu à luz). Essa interpretação está em harmonia com o sentido mais usual do original para a expressão, seus próprios, conforme a linguagem de Paulo em outras partes (G14.19) e com o contexto imediato (v. 11); os missionários, longe de tentarem pro­mover seus próprios interesses, se converteram em pais dos tessaloni- censes. Seu amor alcançara um glorioso clímax de ternura, como se faz evidente nas palavras que se seguem:

8. assim, estando afetivamente obsequiosos de vocês, alegremente compartilhamos com vocês não só o evangelho de Deus, mas tam­bém nossas próprias almas.Que poderosa combinação; eis o verdadeiro evangelho combinado

com a mais afetuosa apresentação. E tudo isso no serviço do Espírito Santo. Como, pois, nos causaria surpresa o fato de que esses missioná­rios houvessem alcançado tanto êxito?

É provavelmente impossível aperfeiçoar a tradução “sendo afetiva­mente obsequiosos de vocês”. Wyclif traduz: “desejando-os com um grande amor”. O termo usado no original, no Novo Testamento, ocorre somente aqui; cf. seu uso em Jó 3.21: os de alma amargurada “desejam” a morte. Em certa inscrição sepulcral, os lamentosos pais são descritos como “desejando intensamente a seu filho”.49

É bem provável que haja nessa expressão um laivo de ironia, como se Paulo quisesse dizer: “Os que nos caluniam afirmam que corremos atrás de vocês; ora, eles têm razão, de fato ansiosamente vos desejamos, porém, não com o propósito de tirar algo de vocês, e, sim, compartilhar algo com vocês”. E esse algo consistia em nada menos que esses dois tesouros: o evangelho de Deus e as nossas próprias almas (ou, talvez, nosso ego, como em Jo 10.11; veja CNT sobre essa passagem), nossos talentos, tempo, energia; veja a exposição sobre o próximo versículo; eporquanto a mesma letra termina a palavra precedente. Depois de tudo, o contexto de forma bem definida apóia gentil: gentil contrasta “com peso" (formidável, importante) também combina com a descrição que se segue imediatamente: ‘como uma ama que acaricia seus próprios filhos”.

49. Veja óneípo^ai em M.M., pág. 447.

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80 1 TESSALONICENSES 2.9

tudo isso porque vieram a ser mui queridos de nós. Paulo, Silas e Timóteo ainda trazem vívidas reminiscências de seu trabalho em Tessa- lônica. Todas aquelas cenas de alegre recepção das boas novas, e isso a despeito de amarga perseguição, passam uma vez mais ante seus olhos. Lembram-se de quão estreita fora a comunhão e de como aqueles laços entre ambas as partes se tomaram mais e mais fortes e duradouros. Aqueles crentes, que eram amados de Deus, tomaram-se também mui queridos ao coração dos enviados especiais de Deus. Um apelo é feito à memória deles:

9. Pois vocês se lembram, irmãos, o nosso trabalho e fadiga: de noite e de dia [estivemos] exercendo uma profissão, a fim de não sermos um peso a qualquer um de vocês, enquanto lhes proclamáva­mos o evangelho de Deus.O elo da conexão entre essa passagem e a que precede é o seguinte:

“O que recentemente afirmamos sobre o fato de que não estivemos ten­tando receber nada de vocês (veja sobre v.5 acima), em vez disso tenta­mos repartir algo com vocês, e assim vieram a se tomar mui queridos de nós (veja sobre v.8), é verdade, porque o nosso esforço e fadiga para não sermos pesados a qualquer um de vocês enquanto estivemos com vocês provam isso” .

O carinhoso termo - irmãos - se ajusta muito bem, especialmente na presente conexão: Paulo, Silas e Timóteo se puseram no mesmo nível dos operários de Tessalônica: todos eles trabalhavam pela sua sobrevi­vência material. Veja também a exposição de 1 Tessalonicenses 1.4. Todavia, algo mais está implícito: o vínculo é espiritual. Eles são ir­mãos em Cristo. A expressão trabalho e fadiga - ou “trabalho e trans­torno” - (palavras que no original rimam: k ò tc o ç - p.ó%0oç) não se referem tanto a labor e cansaço com relação ao trabalho braçal no fabri­co de tendas, mas ao pensamento como um todo expresso na frase, ou seja, que os missionários tinham estado a trabalhar de noite e de dia50 (parte da noite e parte do dia; note o genitivo), e além disso ainda prega­vam. Deve ter sido muito difícil, sem dúvida, encontrar tempo para tudo isso, e ainda não extenuar-se sob tanto peso; entretanto, em razão do evangelho de Deus e do amor pelos tessalonicenses, em sua maioria eram simples trabalhadores, o peso fora suportado com alegria. Note: “o evangelho de Deus”. Tivesse ele sido dos homens, por exemplo, dos “filósofos” ambulantes, os tessalonicenses não teriam sido tratados com tanta consideração.

50. Noite e dia (em vez de dia e noite) é a ordem também em 3.10; 2 Tessalonicenses 3.8; 1 Timóteo 5.5; 2 Timóteo 1.3; cf. Jeremias 14.17; contrastar com 16.13.

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1 TESSALONICENSES 2.9 81

Paulo e seus companheiros devem ter refletido mui cuidadosamente sobre a questão: “aceitaremos remuneração financeira pelo trabalho de anunciar o evangelho? Mais especificamente, a aceitaremos dos própri­os convertidos”?. Aposição de Paulo a esse respeito pode ser resumida nas dez seguintes proposições:

(1) Tito 1.11: Ele não quer de forma alguma dar oportunidade de ser posto na mesma classe dos “palradores frívolos”, cujo interesse estava na “torpe ganância”.

(2) 1 Coríntios 6.15: Não obstante, ele enfaticamente defende o direi­to de receber remuneração da igreja pela realização de obra espiritual, e de recebê-la mesmo dos próprios convertidos (veja especialmente v. 11).

Entretanto, em relação a esse grupo (os convertidos), ele decidiu não valer-se de tal direito (veja v. 15).

(3) Atos 20.33: Ele agora poderá dizer: “Não cobicei ouro, nem prata, nem vestuário, de ninguém”.

(4) 2 Coríntios 11.8: Às vezes “recebeu salário” de igrejas já esta­belecidas, enquanto trabalhava num novo campo.

(5) Filipenses 4.10-20: Aceitou ofertas de uma igreja já estabelecida (Filipos).

(6) Atos 20.34,35: 1 Tessalonicenses 2.9; 2 Tessalonicenses 3.8: Na maioria das vezes ele provê para suas próprias necessidades (e mesmo para as necessidades de outrem) trabalhando com as próprias mãos.

(7) Atos 18.3: Ele fabrica tendas como profissão.(8) 1 Coríntios 6.12; 8.9,13; 9.12; 10.23: O princípio sobre o qual

ele insiste repetidas vezes (aplicando-o a várias questões) é este: Todas as coisas são lícitas, mas nem todas são úteis: há muitas coisas que são boas em si mesmas, e que tenho pleno direito a elas, isso, porém, não significa que eu tenha que fazê-las. O âmago da questão é sempre este: “Qual é o curso de ação que será mais benéfico para promover a obra do reino e a glória de Deus”?

(9) 2 Coríntios 11.7: Ainda assim, a despeito do cuidadoso plano delineado com respeito à obra e salários, ele não escapa às críticas. Se ele recebe dinheiro, ou se seus inimigos suspeitam que ele o recebe, estão prontos a acusá-lo de egoísmo e ganância; se ele não o faz, então o acusam de ostentar a própria humildade.

(10) 1 Coríntios4.12: Efésios4.28; 1 Tessalonicenses 2.9; 2Tessa- lonicenses 3.8,10. Ele (e o Espírito Santo por meio dele) dignifica o trabalho e proclama o grande princípio: “Se alguém não quer trabalhar,

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82 1 TESSALONICENSES 2.10-12

que também não coma”. Ora, nos dias de Paulo, o trabalho braçal não era sempre e em todo lugar visto como algo honroso. Cícero (orador e escritor romano, 106-43 a.C.) declara que a opinião geral era a seguinte:

“Os ofícios de trabalhadores contratados, e de quantos são pagos por seu mero trabalho e não por sua habilidade, são vulgares e indignos de um homem livre; porquanto o seu salário é pago por uma obra servil(...) todos os artesãos se ocupam de negócios vulgares; porquanto uma oficina não possui nada de respeitável(...) O comércio, ao ser exercido em peque­na escala, deve ser considerado como algo vulgar; se é exercido, porém, em alta escala e é rico(...) não é tão desonroso” (De Ojficiis I. xlii).

Em agudo contraste com tudo isso está o evangelho de Deus, o en­sino de Paulo e de seus companheiros.

10. Vocês [são] testemunhas, e [igualmente] Deus, de como pie­dosa, justa e irrepreensivelmente nos conduzimos diante da apre­ciação de vocês.Os escritores apelam para os crentes, para que dessem testemunho

de sua própria estimativa - teriam alguns deles se expressado franca­mente em alguma ocasião? De que Paulo, Silas e Timóteo teriam con­cluído sua obra (èpyaÇó|ievoi) entre eles com devoção a Deus (piedo­samente, santamente, como homens separados para Deus e seu servi­ço), esforçando-se sempre por fazer o que é justo consoante sua lei; daí, de forma irrepreensível. Visto, porém, que o juízo humano é, além de tudo, falível - porque “o homem vê a aparência externa, porém, o Se­nhor vê o coração” - a declaração: “Vocês [são] testemunhas” e é ime­diatamente seguida de: “e [igualmente] Deus”.

A idéia aqui iniciada é ampliada nos versos 11 e 12.11,12. Assim como vocês sabem que, como um pai [cuida] de seus próprios filhos, [assim fomos] admoestando a cada um e a to­dos vocês, e encorajando e testificando, a fim de que vivessem vidas dignas de Deus, que os chama para o seu próprio reino e glória.31

51. As tentativas em construir essa difícil frase são incontáveis. A que nos parece ser a melhor é a seguinte:

(1) Tradução literal: “assim como vocês sabem como cada um de vocês como um pai seus próprios filhos admoestando vocês e encorajando e testificando para vocês para andar dignos de Deus, aquele chamando vocês para seu próprio reino e glória” .

(2) A declaração que começa com “assim como vocês sabem” corre paralela com aquela que come­ça com “vocês são testemunhas e [também] Deus” (v. 10); daí, “como cada um de vocês” é coordena­da em pensamento com “quão piedosamente”, etc. O pensamento com referência à maneira santa, justa e irrepreensível como esses três levaram avante sua obra (v. 10) é elaborado na declaração de que eles haviam tratado os tessalonicenses como um pai a seus filhos, admoestando-os, encorajando- os e testificando-lhes a fim de que vivessem vida digna de Deus, etc.

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1 TESSALONICENSES 2.11,12 83

Paulo, Silas e Timóteo, enquanto permaneciam em Tessalônica, ama­vam a esses irmãos à semelhança de uma mãe que ama e cuida de seus próprios filhos (v.7), e os admoestavam como um pai. Como Bengal realça, eles os admoestavam para que agissem livremente; os anima­vam para que agissem alegremente; e lhes testificavam para que agis­sem reverentemente (com o devido senso de respeito em relação à von­tade de Deus conforme é expressa em sua Palavra; daí com temor). Eles (ratavam cada um deles, realizando individualmente a obra pastoral entre eles (sua permanência em Tessalônica deve ter durado mais de três semanas). O seu trato foi também com todos eles como um grupo, fa­lando-lhes coletivamente, ensinando-os, explicando-lhes a Palavra de Deus e exortando-os a aceitarem-na pela fé, vivendo sua vida em sinto­nia com ela.52 Tinham levado em conta a imaturidade desses crentes, e assim os amaram com ternura. Ambas as idéias (imaturidade e amor) estão implícitas no termo filhos.

Ora, o objetivo de toda essa exortação paternal era para que os leitores pudessem andar (desenvolver suas vidas) de maneira digna de (em harmonia com) seu relacionamento com Deus, que, por meio da pregação e do cuidado pastoral, os chamava para aquele reino futuro (cf. 2Ts 1.5; ICo 6.9-10; G15.21; Ef 5.5; 2Tm 4.1,18), onde suareale-

(3) Os gerúndios admoestando, encorajando e testificando devem ser combinados com o imper­feito do verbo ser (subentendido), formando o imperfeito perifrástico. O uso do perifrástico tem o eleito de tomar a frase mais vívida, como se dissesse: “Nós estávamos fazendo assim e assim; não se lembram?”. A omissão da “cópula” em tais casos não é de todo incomum (cf. 2Co 7.5) e pode ser devido à influência aramaica.

(4) As palavras “seus próprios filhos” devem ser consideradas o objeto da idéia principal dos ge­rúndios. Se a frase tivesse sido expressa de forma mais ampla, os gerúndios, teriam sido repetidos.

(5 )0 pronome vocês, depois de admoestando (veja a tradução literal no item 1), recapitula, resu­mindo a idéia expressa em cada um de vocês. Essa repetição do pronome pode também ser devido, em parte, à influência aramaica. No grego Koinê (tanto quanto em outras línguas, mesmo hoje), porém, tal redundância não é rara. Ela não deve ser vista como repetição supérflua: os missionários, enquanto permaneciam em Tessalônica, admoestavam a cada pessoa individualmente, e ainda trata­vam as pessoas coletivamente.

(6) Expressa de forma mais completa, a oração, conseqüentemente, poderia assumir a seguintel orma: (após o v. 10: “Vocês são testemunhas e [também] Deus, de quão piedosamente”, etc., e con­tinua no v. 11) “assim como vocês sabem como, à semelhança de um pai admoestando seus próprios filhos, e encorajando e testificando, assim estivemos admoestando a cada um e a todos vocês, e encorajando-os e testificando-lhes a fim de viverem vidas dignas de Deus, que os chama para o seu próprio reino e glória”. Esta forma, ligeiramente abreviada, é a que temos adotado no texto.

52. Como Calvino diz de forma mui notável (Commentarius In Epistolam Pauli; A d Tkessaloni- censes I, Corpos Reformatorum, vol. LXXX, Brunsvigae, 1895, pág. 150): Et certe nemo unquam bonus erit pastor, nisi qui patrem se ecclesiae sibi creditae praestabit. Nec vero se universo modo corpori talem fuisse asserit, sed etiam singulis. Neque enim satis est, si pastor omnes pro sugges- tu in commune doceat, nisi particularem quoque adiungat doctrinam, prout vel necessitas postu- lut, vel occasio se offert.

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84 1 TESSALONICENSES 2.13

za é plenamente reconhecida e sua glória (esplendor radiante; cf. CNT Jo 1.14) é refletida nos corações e vida de todos os seus súditos.

13 E por esta razão também damos graças a Deus constantemente, no sentido que, quando vocês receberam de nós a Palavra que ouviram, ou seja, a Palavra de Deus, a aceitaram não como palavras de homens, e, sim, como realmente ela é, Pala­vra de Deus, que está também operando em vocês que creram. 14 Porque vocês, irmãos, se tornaram imitadores das igrejas de Deus, em Cristo Jesus, que estão na Judéia; porque sofreram as mesmas coisas de seus próprios compatriotas, como eles, dos judeus, 15 que mataram tanto o Senhor, isto é, Jesus, como os profetas, e nos expulsaram, e não agradam a Deus, e estão contra todos os homens, 16 e tentam nos impedir de falar aos gentios para que venham a ser salvos, a fim de irem sempre enchendo a medida de seus pecados. Sobre eles, porém, a ira atingiu o seu clímax.53

2.13-162.13. E por esta razão também damos graças a Deus constante­mente, no sentido que, quando receberam de nós a Palavra que ou­viram, ou seja, a Palavra de Deus, a aceitaram não como palavra de homens, e, sim, como realmente é, Palavra de Deus, que está tam­bém operando em vocês que creram.Toma-se evidente que, nesta seção, a Defesa prossegue, sendo o

tema principal o seguinte: “O inimigo está tentando minar a sua fé, porém, sua espontaneidade em sofrer perseguição por amor a Cristo, prova que sua fé é genuína e que o inimigo não triunfará”.

Com o objetivo de salientar essa idéia, Paulo declara que não só os tessalonicenses estão agradecidos pelas bênçãos espirituais que têm re­cebido, mas também os missionários (daí, “nós também”, isto é, “tanto vocês como nós”). Agradecem a Deus sem cessar pela maneira como os tessalonicenses aceitaram a mensagem e pela influência que a Palavra de Deus exerceu em suas vidas. Noutras palavras, temos aqui uma elu­cidação e ampliação de 1.6, assim como 2.1-12 é um desenvolvimento do pensamento iniciado em 1.5. Por essa mesma razão é que não con­cordamos com aqueles que interpretariam a presente passagem como se [o apóstolo] quisesse dizer: “Agradecemos a Deus porque, quando rece­beram nossa mensagem, na verdade obtiveram a Palavra de Deus, e não meramente a palavra de homens”. Eis o sentido: quando receberam (re­cepção externa) de nós a Palavra que ouviram (literalmente em grego: “a palavra a qual ouviram”), que outra coisa não era senão a própria Palavra de Deus, vocês a aceitaram (acolhimento interno) como tal, ou

53. Ou afinal: ou até ao fim.

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1 TESSALONICENSES 2.14 85

seja, como Palavra de Deus e não como palavra de homens. O caráter genuíno dessa aceitação foi comprovado pelo fato de que essa divina palavra estava realmente produzindo frutos na vida dos crentes, como já ficou demonstrado pela passagem de 1.6-10 (eles se converteram dos ídolos para Deus e para a vinda de seu Filho, e mesmo em meio a tenta aflição, permaneciam com júbilo proclamando a nova fé); e também como o verso 14 o revelará. Conseqüentemente, a palavra estava ope­rando; estava “em ação”,54 era eficaz na vida dos crentes. E a razão por que a Palavra estava em ação, e isso num sentido positivo, é que ela era a Palavra de Deus; por meio dessa Palavra, Deus mesmo estava ope­rando (cf. Fp 2.13). Com o fim de substanciar esse fato, ou seja, que a Palavra estava realmente em ação, e que ela era a Palavra de Deus, Paulo prossegue:

14. Porque vocês, irmãos, se tornaram imitadores das igrejas de Deus, em Cristo Jesus, que estão na Judéia; porque sofreram as mesmas coisas de seus próprios compatriotas, como eles, dos ju­deus.A disposição para sofrer por Cristo é prova de discipulado. Ela

comprova que a Palavra de Deus está atuando no coração. Ela une os crentes, de tal modo que passam a constituir uma verdadeira irmandade (note: “por que vocês, irmãos”; veja a explicação do v.4), à qual não pode pertencer quem não esteja disposto a assim sofrer.

Ora, os tessalonicenses estavam não só dispostos a sofrer, mas tam­bém tinham realmente experimentado perseguições. Foi assim que che­garam a ser imitadores de outros crentes. A história é e será sempre a mesma. Ela se repete em cada época e em cada região (veja a exposição de 2Tm 3.12 e CNT Jo 15.20; 16.33). Pois é impossível que o crente genuíno não sofra alguma forma de perseguição. Os leitores tomaram- se imitadores dos missionários e de Cristo mesmo (veja a exposição de 1.6). Mas agora acrescenta-se um novo elemento, ou seja, que eles (os crentes tessalonicenses) se tomaram imitadores dos crentes da Judéia. Ora, na Judéia havia várias assembléias (veja a exposição de 1.1) e nem todas eram cristãs. Para indicar claramente que as assembléias aqui subentendidas são assembléias cristãs ou igrejas (assembléia ou igre­

54. Paulo gosta dessa forma verbal estar em ação (èvEpvéco). Ele a usa repetidamente (Rm 7.5;I Co 12.6,11; 2Co 1.6; 4.12; G12.8, duas vezes; 3.5; 5.6; Ef 1.11; 20; 2.2; 3.20; Fp 2.13, duas vezes; Cl 1.29; lTs 2.13; 2Ts 2.7). Dos vinte e um casos em que este verbo ocorre no Novo Testamento, não menos que dezoito são encontrados em Paulo. Acrescenta-se a isso o fato de que só ele é quem emprega os substantivos correspondentes (èvÉpyeia, èvápYr||j.a; cf. a nossa palavra energia). Se­gundo o modo de pensar de Paulo, os princípios nunca estão mortos; eles estão sempre efetuando algo; é verdade que nem sempre algo bom (Rm 7.5; 2Co 4.12; 2Ts 2.7).

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86 1 TESSALONICENSES 2.14

ja, no original, a mesma palavra: £KKXr|aía), acrescenta-se: “de Deus em Cristo Jesus” (literalmente: “imitadores das assembléias de Deus que estão na Judéia em - em união espiritual com - Cristo Jesus”, cf. G1 1.22). Essas igrejas da Judéia tinham sofrido [por parte] dos judeus. Paulo tinha conhecimento pessoal e havia experimentado tudo isso, por­que ele mesmo, no tempo em que ainda não era convertido, participara de tais perseguições (G11.13; cf. At 9.1,13), apoiado pelas autoridades judaicas. Além disso, é só lembrar de Estevão, de Tiago (o irmão do Apóstolo João) e de Pedro (At 6 e 7; 12.1-19; note especialmente 12.3, “e isso agradou aos judeus)”. As freqüentes perseguições por parte dos ju­deus deflagaram-se na Judéia (At 8.1; 11.19). E isso se repetiria, confor­me o próprio Paulo estava para descobrir (At 21.27-36; 23.12; 24.1-9).

Os crentes de Tessalônica tinham sido perseguidos de modo seme­lhante. Contudo, a perseguição que Paulo tinha logo em mente, aqui no verso 14, não é (pelo menos não primariamente) a mesma registrada em Atos 17.5-8, e, sim, aquela que acabou de ser relatada por Timóteo. Esta última perseguição tivera lugar após a partida dos missionários. E evidente que os gentios tiveram parte importante nela. Segundo qual­quer outra interpretação, a comparação: “Sofreram as mesmas coisas que os seus compatriotas sofreram dos judeus” não faria sentido. E não é muito provável que os esposos das muitas mulheres que se convertiam à fé cristã (At 17.4) - sendo estes mesmos esposos, homens de liderança- estivessem tomando bastante difícil a vida de suas esposas? E não é lógico que esses homens e seus amigos pudessem também estar sujei­tando a outros crentes (tanto homens quanto mulheres) a escárnio, ridí­culo, sofrimento físico e mesmo a morte?

Duas importantes lições estão claramente implícitas:(1) Quer a perseguição venha dos judeus, quer dos gentios, ela é

sempre a mesma em caráter, porque no fundo nos deparamos com a antiga guerra do diabo contra “Cristo, a mulher e o restante de sua semente” (veja Mais que Vencedores, Cultura Cristã). Este conflito re­monta a Gênesis (3.15).

(2) A disposição para sofrer semelhante perseguição reflete honra sobre aquele que a experimenta. E como se Paulo e seus companheiros estivessem dizendo: “A igreja de Jerusalém é geralmente considerada como um exemplo para as demais. Ora, vocês, tessalonicenses, por meio de sua disposição em sofrer como sofreu a igreja-mãe, têm mostrado que são iguais a ela em honra”.

Paulo, ao mencionar os judeus e a devastação que causaram na

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1 TESSALONICENSES 2.15 87

Judéia, naturalmente reconhece que eles também, tanto quanto os gentios, haviam tentado e continuavam tentando destruir a fé dos crentes tessa- lonicenses. Foi em conseqüência da instigação dos judeus que os missio­nários se viram forçados a deixar a cidade (At 17.5-9). No início, os judeus tinham instigado os gentios, inclusive os magistrados, a insurgi­rem-se contra o evangelho e seus mensageiros. Não há razão plausível para se crer que sua atitude hostil cessou desde então (veja, por exem­plo, At 17.13). É por essa razão que o apóstolo, tendo feito menção específica da perseguição efetuada pelos judeus da Judéia, e estando a par de seu sinistro complô em Tessalônica e noutros lugares, prossegue:

15. que mataram tanto o Senhor, isto é, Jesus, como os profetas, e nos expulsaram, e não agradam a Deus e estão contra todos os homens.No original, as palavras Senhor e Jesus estão separadas (a ordem

das palavras é a seguinte: “que ao Senhor mataram, a Jesus”), ressal­tando assim o fato de que não foi outro senão o Senhor exaltado a quem os judeus mataram, aquele que, quanto as suas manifestações terrenas, era Jesus, o Salvador. Quanto a esses dois nomes, veja a exposição de1.1. Todas as tentativas (inclusive as modernas) para suavizar a culpa dos judeus por terem morto a Jesus (afirmando que não foram eles, e, sim, os gentios - particularmente Pilatos - que praticaram esse crime) são fulminadas pelo texto de 1 Tessalonicenses 2.15. Assim como em Tessalônica os judeus tinham sublevado a turba gentílica, assim tam­bém, anteriormente em Jerusalém, os judeus tinham usado Pilatos como seu instrumento para consumar a crucificação do Senhor (veja CNT Jo 18 e 19). Note como Paulo, tendo mencionado Jesus, retrocede aos pro­

fetas dos tempos do Antigo Testamento, e então se dirige aos apóstolos do Novo Testamento, particularmente a ele próprio, a Silas e a Timóteo. Assim faz-se evidente que no fundo a hostilidade está sempre direciona­da contra a passagem central, ou seja, o Senhor, Jesus mesmo (veja a exposição de 2.14).

Como será indicado em conexão com o verso 16, é provável que o apóstolo estivesse pensando nas próprias palavras de Jesus com respei­to aos judeus, por exemplo, as palavras tais como as que se encontram registradas em Mateus 23.37-39 (para passagens semelhantes, veja so­bre o v.16, a seguir). Se isso é correto, toma-se também evidente que “os profetas” não são os do Novo Testamento, e, sim, do Antigo (veja Mt 23.34,35).

Para o significado da expressão “e nos expulsaram”, veja Atos 17.5-

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88 1 TESSALONICENSES 2.16

9 (cf. At 17.10-15; em seguida, 9.29,30). A locução “e não agradam a Deus” é, naturalmente, uma expressão retórica: abrandar para dramati­zar. Glorificar a Deus e agradá-lo é o propósito da existência humana (veja a exposição de 4.1; cf. Rm 8.8; ICo 7.32; 10.31). Esses judeus não só desagradavam a Deus, mas também eram “contrários a todos os homens”, e isso não só no sentido de que viviam dominados por “terrí­vel ódio contra todo mundo” (Tácito, História V. v.), porém no sentido indicado no verso 16:

16. e tentam nos impedir de falar aos gentios para que venham a ser salvos.Os judeus estão constantemente interferindo, obstruindo, uma vez

que não podem realmente impedir o avanço do evangelho. Eles são um empecilho, e sua constante oposição os caracteriza como os inimigos de todos os homens, pois quanto mais o evangelho se expande, mais são todos os homens beneficiados. Mesmo aqui em Corinto, onde essa epís­tola estava sendo escrita, a obra dos missionários estava sendo obstru­ída, como se vê indicado de forma muito vívida em Atos 18.6. E isso a despeito do fato de que Paulo, Silas e Timóteo estavam tentando ser instrumentos nas mãos de Deus para derramar sobre os coríntios o mai­or de todos os dons, ou seja, a salvação plena e gratuita.

Com respeito aos judeus, a antiga história se repetia: a história da rebelião contra Deus. Esse espírito de obstinação se revelara repetidas vezes em tempos passados: por exemplo, na peregrinação pelo deserto, do Egito a Canaã, durante o período dos juizes, durante o reinado de vários reis, imediatamente antes do cativeiro babilónico. No ministério de Cristo (especialmente no Gólgota) e no período que imediatamente se seguiu, tal espírito alcançou seu clímax. Daí Paulo pôde escrever: para irem sempre enchendo a medida de seus pecados. Note o advérbio sempre. Entretanto, a ira de Deus já havia alcançado a maioria dos judeus. Pois lemos: sobre eles, porém, a ira atingiu... Compreendemos imediatamente que a ira referida é a ira de Deus (não é necessário, nem mesmo aconselhável, adotar o texto pouco atestado que acrescentaria as palavras “de Deus”).

É destituída de qualquer fundamento a explicação apresentada por vários comentaristas, no sentido de quando Paulo escreveu essas pala­vras, ele se achava de mau humor por causa de sua obra em Corinto estar sendo dificultada pelos judeus. A teoria que vê nos eventos desfa­voráveis aos judeus, os quais se deram no reinado de Calígula e no de Cláudio (que inicialmente se mostrou favorável a eles), um comentário completo da declaração de Paulo acerca da chegada da ira de Deus é

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1 TESSALONICENSES 2.16 89

igualmente objetável. Pior ainda é a posição daqueles que sustentam que 1 Tessalonicenses 2.16 está referindo-se à queda de Jerusalém no uno 70 d.C., e que, portanto, Paulo não pode ter escrito essa epístola ou, pelo menos, não pode ter escrito essa passagem, que seria uma inter­polação.

A explicação correta é simples: Paulo estava bem familiarizado com as palavras que Jesus dissera durante sua permanência na terra. Em linguagem bem enfática, o Senhor revelara que, como castigo pelo pe­cado de haverem-no rejeitado, a indignação de Deus (sua vingança) repousava agora sobre o povo judeu, e que essa ira se manifestaria em ais, os quais lhes sobreviriam (ais que, por sua vez, seriam o prenúncio daqueles que viriam imediatamente antes do fim do mundo). Quem qui­ser poderá averiguar isso por si mesmo lendo algumas passagens (Mt 21.43; 23.38; 24.15-28; 27.25; Mc 11.14,20- em seu contexto; Lc 21.5­24; 23.27-31). Nesse sentido, não se deve ignorar o fato de que o apóstolo não está dizendo que a ira de Deus já está sendo plenamente derramada, ou que está se manifestando exteriormente através de castigos. Tudo o que ele diz é que a própria ira já chegou. Os ais virão em seguida.

Tal ira, pois, atingiu seu clímax. Quando, antigamente, Israel pe­cava seriamente, ele recebia o merecido castigo; desta vez, ele não só é castigado, mas também rejeitado. Agora Deus mesmo endurece Israel com um endurecimento que durará “até que haja entrado a plenitude dos gentios” (Rm 11.25). E por isso que agora a ira de Deus atingiu seu clímax.55

Esse ensino de Paulo está em plena harmonia com Romanos 9 a 11 (veja Introdução, Autoria). Entretanto, em Romanos há uma revelação adicional. Ele, ali, demonstra que, embora essa ira máxima tenha alcan­çado as massas judaicas, existe, não obstante, em cada período da his­tória, “um remanescente segundo a eleição da graça”. Esses remanes­centes de todas as eras, tomados em conjunto, constituem “todo o Isra­el” que “será salvo” (Rm 11.26).56 Portanto, ninguém tem o direito de dizer: “Deus já abandonou os judeus”. A luz desse fato, o anti-semitis­mo é frontalmente antibíblico. Na presente passagem (lTs 2.16), contu­

55. Ainda que “ao máximo” (assim também A.V., A.R.V., Lenski, nota de rodapé R.S.V., etc., e veja CNT Jo 13.1) parecesse ser o significado que melhor se ajusta ao contexto, não há certeza disso. A frase eiç xéXoç pode igualmente significara/ma/ (cf. Lc 18.5; aqui em lTs 2.16 é assim traduzida pela R.S.V., Berkeley Version, Williams Robertson, Frame); ou até o fim (estude Dn 9.27; veja uso da frase em Mt 10.22; 24.13; Mc 13.13; aqui em lTs 2.16 é assim traduzida na New Dutch Version, por Van Leeuwen in Korte Verklaring etc.).

56. Veja o meu livreto And so ali Israel Shall Be Saved , Grand Rapids, MI, Baker Book House, 1945.

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90 1 TESSALONICENSES 2.17

do, toda a ênfase recai na maldição que os judeus atraíram sobre si mesmos ao rejeitarem a Cristo e seus embaixadores.

17 Ora, nós, irmãos, tendo sido arrancados de vocês por pouco tempo - longe da vista, porém não do coração57 esforçamo-nos com a máxima diligência para ver o seu rosto com intensa saudade; 18 porque desejávamos ir até vocês, eu mesmo, Pau­lo, uma e mais vezes, Satanás, porém, nos impediu. 19 Pois quem é a nossa esperança ou alegria ou coroa de glória - ou não são também vocês - na presença de nosso Senhor Jesus Cristo em sua vinda? 20 Indubitavelmente, são vocês a nossa glória e [nossa] alegria.

2.17-202.17. Ora, nós, irmãos, tendo sido arrancados de vocês por pou­co tempo - longe da vista, porém não do coração - , esforçamo-nos com a máxima diligência para ver o seu rosto com intensa saudade;A Defesa prossegue. Não é sem justificativa que o que precede o

verso 17 tenha sido chamado de a apologia pro vita sua de Paulo, en­quanto 2.17-3.5 (veja também a exposição de 3.1) tem sido chamado de a apologia pro obsentia sua. O fato é que não só durante sua estada em Tessalônica os missionários haviam-se conduzido de forma totalmente desinteressada, como já foi demonstrado, mas também, depois da parti­da forçada daquela cidade, assevera-se sua amorosa preocupação pelos irmãos (note essa palavra no v. 17; veja também a exposição de 1.4) a quem haviam deixado para trás a essa altura. Neste ponto o estilo de Paulo se toma intensamente emocional. Até mesmo as palavras pare­cem tremer. A razão para o profundo sentimento que Paulo transpira aqui é provavelmente que os inimigos da fé insinuaram que a súbita partida dos missionários era prova da falta de genuína preocupação pelas pessoas a quem enganaram. Em contrapartida a tal acusação, Paulo enfatiza que, para os missionários, a separação que surgiu foi por eles sentida como nada menos do que terem sido arrancados daqueles a quem amavam com tanta temura. O verbo (òoiop())avia0évxeç) ocorre somente aqui em todo o Novo Testamento (entretanto, veja Esquilo, Choephori pág. 249; cf. para a forma sem prefixo Teócrito, Epigrammata V. vi). Literalmente, o significado primário é ser deixado órfão', portanto, f i ­car privado de. Entretanto, o significa do prefixo (ôoió, de fora de) do verbo composto é melhor na tradução que defendemos, ou seja, ser ar­rancados de.5H

57. Literalmente, de rosto não de coração.58. Para esta tradução do verbo, como usado aqui em 1 Tessalonicenses 2.17, estamos em dívida

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1 TESSALONICENSES 2.18 91

A locução “tendo sido arrancados de vocês por pouco tevaço”pode (porém não necessariamente) suscitar a idéia de que Paulo estava con­victo de que logo visitaria os tessalonicenses. É bem provável que ele realmente os tenha visitado em sua terceira viagem missionária (At 20.1,2). Entretanto, o significado pode ser também o seguinte: “Quando (ou ainda que) fomos arrancados de vocês por apenas pouco tempo, pronta e ardentemente nos esforçamos a voltar para vocês”. De acordo com esse segundo ponto de vista, o pouco tempo59 antecede plenamente a ação do verbo principal. A tentativa de visitar os que foram antes deixados recebe um novo impulso em razão do caráter forçado da sepa­ração. E como se Paulo estivesse dizendo: “Quanto mais Satanás tenta­va provocar uma separação, tanto mais tentávamos realizar um encon­tro”. (Para o sentido de Ttepiaaoxépcoç, veja Fp 1.14.) A frase final se harmoniza com esta interpretação: com intensa saudade (ou desejo).

A frase parentética - “longe da vista, porém não do coração”60 (cf. 2Co 5.12; Cl 2.5) - provavelmente também deva ser considerada como refutação à calúnia de que os missionários realmente não se importa­vam com aqueles a quem tinham “ludibriado”; que por má consciência não se empenhavam em voltar; resumindo, que para Paulo e seus com­panheiros “longe da vista” seria o mesmo que “longe do coração”. As­sim interpretado, podemos também entender o que vem imediatamente a seguir, ou seja:

18. Porque desejávamos61 ir até vocês, eu mesmo, Paulo, uma e mais vezes, Satanás, porém, nos impediu.

“Esforçamo-nos” (v. 17) “porque desejávamos” (v. 18): tal seqüên­cia é lógica. Longe de nos alegrarmos com uma desculpa para sair de Tessalônica, nós - Paulo, Silas e Timóteo - , tendo sido expulsos, ansi­ávamos por voltar. Diante do fato de que o sinistro ataque do inimigo estava direcionado a Paulo mais do que a qualquer outro, o apóstolo acrescenta: “Eu mesmo, Paulo, uma e mais vezes (cf. Fp 4.16), ou seja, repetidamente.comH. G Liddel eR . Scott, A Greek-English Lexicon, Oxford, 1940, vol.l,pág. 216. As palavras, no decurso de sua história, às vezes adquirem um significado ligeiramente modificado. Assim a palavra órfão, em João 14.18, se inclina na direção de desvalido. Ainda em português, o adjetivo órfão pode ter o significado mais amplo de destituído. Assim também em 2.17, o elemento básico do verbo adquiriu um significado modificado.

59. A expressão ó combina itpòç Kaipòv copaç combina irpòç K<xipóv(Lc 8.13; 1 Co 7.5) e Jtpòç cfi pav (2Co 7.8; G1 2.5).

60. Dizemos “longe da vista, longe do coração”.61. Aqueles que favorecem a tradução “Fizemos planos deliberados” não revelam uma razão sóli­

da por que o verbo usado é 6éX oj em vez de (3o-úXo|aoa. O inimigo negava que Paulo e seus compa­nheiros (mais especialmente Paulo) sequer desejavam retomar a Tessalônica.

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92 1 TESSALONICENSES 2.19,20

No entanto, Satanás impedia que os missionários levassem a bom termo o seu regresso a Tessalônica. Exatamente como Satanás fez isso? Porventura influenciando as mentes dos cidadãos influentes de Tessalô­nica, de modo que levassem Jasom a perder sua fiança (At 17.9) caso os missionários voltassem? Ou trazendo de outra parte uma quantidade suficiente de dificuldades de modo que nem Paulo sozinho, nem todos os três tivessem como regressar? Realmente não sabemos. Além do mais, isso não tem importância. O fato, por si só, que Satanás exerce podero­sa influência nas atividades dos homens, especialmente quando se es­forçam para promover os interesses do reino de Deus, é suficientemente claro à luz de outras passagens (Jó 1.6-12; Zc 3.1; cf. Dn 10). Contudo, Deus reina sempre de forma suprema, soberanamente, transformando o mal em bem (2Co 12.7-9; o livro de Jó). Ainda quando o diabo tenta desfazer o caminho, estabelecendo a mentira, bloqueando assim, apa­rentemente, nosso avanço, o plano secreto de Deus jamais é frustrado. Satanás pode interromper-nos, impedindo-nos de realizar o que, por um momento, nos parece ser o melhor, os caminhos de Deus são sempre melhores que os nossos.

A razão por que Paulo e seus companheiros estavam tão ansiosos em visitar os tessalonicenses é agora declarada:

19,20. Pois quem é nossa esperança ou alegria ou coroa de glória- ou não são também vocês? - na presença de nosso Senhor Jesus Cristo em sua vinda? Indubitavelmente, são vocês a nossa glória e [nossa] alegria.Paulo e seus companheiros amam esses tessalonicenses, e “estão

orgulhosos” deles. Deve-se ter em mente que em meio à dura persegui­ção esses cristãos deixaram seus ídolos e se converteram a Deus, o Deus vivo e verdadeiro, e que agora estão aguardando a gloriosa vinda do Senhor.

Nessa Vinda do Senhor Jesus Cristo (sobre isso, veja a exposição completa em 1.1), com o propósito de abençoar seu povo com sua pre­sença permanente, os missionários verão a mais elevada realização de sua esperança, e experimentarão suprema alegria quando ali contem­plarem os frutos de seus esforços missionários, ali em pé, com regozijo, ações de graças e louvor, à destra de Cristo. Para esses missionários, isso constituirá a coroa de glória, o almejado louro do vencedor.62

62. Tomamos o genitivo kouotoecoç como adjetivado por natureza. Isso está em harmonia com expressões semelhantes em outras passagens (Pv 16.31; Is 28.5; Jr 13.8; Ez 16.12; 23.42). Além de o Novo Testamento ter muitos genitivos dessa espécie, a freqüência de sua ocorrência se deve, talvez,

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1 TESSALONICENSES 1 e 2 93

O termo vinda (em sua vinda) é Parousia (íiapcruaía). Essa pala­vra é às vezes empregada num sentido não técnico de: a. presença (Para o uso do termo nesse sentido, as seguintes passagens vêm bem a propó­sito: ICo 16.17; 2Co 10.10; Fp 1.26(?) 2.12); ou b. uma vinda, advento ou chegada (2Co 7.6,7; Fp 1.26(?) 2Ts 2.9). Em outras passagens (lTs 2 .19 é uma delas) há referência ao Retorno ou Advento do Senhor, sua “vinda” para abençoar seu povo com sua presença (veja Zc 9.9). Além dc 1 Tessalonicenses 2.19, para ilustrar este significado, deve-se estu­dar: 1 Tessalonicenses 3.13; 4.15; 5.23; 2 Tessalonicenses 2.1,8; Ma­teus 24.3,27,37,39; 1 Coríntios 15.23; Tiago 5.7,8; 2 Pedro 1.16; 3.4,12; e 1 João 2.28. Esse significado pode ser considerado como uma modifi­cação do sentido: “a chegada” ou “a vista” do rei ou imperador.63

Paulo e seus companheiros, provocados pelas calúnias daqueles que insinuavam que os missionários eram pessoas que não tinham o menor cuidado pelos seus convertidos, expressam a mais profunda convicção de seus corações na forma de uma pergunta, mas do tipo que exige uma resposta afirmativa. Ela pode ser assim parafraseada: “Pois quem é nossa esperança ou alegria ou coroa de glória? Somente os outros? Ou não são também vocês (juntamente com outros; veja, por exemplo, Fp4.1), na presença de nosso Senhor Jesus Cristo em sua vinda”?. E para que não haja dúvida sobre isso, Paulo mesmo fornece a resposta: “Indu­bitavelmente (eis o significado de yóp aqui) são vocês (note a posição enfática de -ú̂ ieiç) a nossa glória (isto é, nossa razão para nos gloriar­mos no Senhor) e (a nossa) alegria”.

Síntese dos capítulos 1 e 2Veja Sumário de 1 Tessalonicenses 1 e 2 (ou 1.1-35). Defesa. Paulo

escreve aos tessalonicenses, lembrando-lhes como o evangelho chega­ra a Tessalônica, como uma genuína obra de Deus e não como um produto da fraude humana.

Capítulo 1. Esse capítulo contém os nomes dos remetentes (Paulo e seus companheiros, Silvano e Timóteo) e dos destinatários (a igreja de Tessalônica), a saudação e as ações de graças, juntamente com seus fundamentos.

As razões por que Silvano (Silas) e Timóteo são mencionados jun­i\ influência aramaica (veja também a expressão em 1.3). Daí, o principal conceito aqui não é se jactando (ou se gloriando), e, sim, coroa.

63. Veja A. Deissmann, Lightfrom the Ancient East, 4a. edição, Nova York, 1922, pág. 368; G Milligan, St. PauVs Epistles to the Thessalonians, Londres, 1908, pág. 145ss.

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94 1 TESSALONICENSES 1 e 2

tamente com Paulo, como autores e remetentes, são que associavam-se ao grande apóstolo em levar o evangelho a Tessalônica, e que estão agora com ele em Corinto, onde esta carta é escrita.

Os missionários impetram sobre os leitores graça (o favor imereci­do de Deus em ação) e o que resulta dela, paz (a convicção da reconci­liação por meio do sangue da cruz, prosperidade espiritual).

Eles informam aos tessalonicenses que jamais permitiram passar um dia sequer sem darem graças por eles (tessalonicenses), em virtude de sua “obra resultante da fé, o esforço impelido pelo amor e a perseve­rança inspirada pela esperança em nosso Senhor Jesus Cristo”. A razão posterior para essas ações de graças é a convicção de que os leitores haviam sido eleitos desde toda a eternidade para a salvação. Os escrito­res baseiam essa convicção em dois fatos:

a. A mensagem que os leitores receberam e os mensageiros que a levaram são fidedignos.

b. A maneira como os leitores corresponderam é uma prova positiva da operação do Espírito Santo no coração deles. Deram boas-vindas à Palavra de Deus com alegria, comunicada pelo Espírito, ainda que em meio à grande tribulação. Lançaram fora seus ídolos “para servirdes a Deus, o Deus vivo e verdadeiro, e aguardardes dos céus seu Filho”. De imitadores se transformaram em exemplos. Sua fé estava sendo divul­gada, e estava, por toda parte, produzindo seus benditos efeitos.

Paulo (ou seja, Paulo, Silvano e Timóteo, só que Paulo é o principal responsável) revela profunda preocupação por seus leitores. Provavel­mente, em resposta às maliciosas calúnias, declara: “vocês bem sabem que tipo de homens nos tomamos entre vocês, em seu favor”. Assim, mesmo no primeiro capítulo está subentendida uma defesa. Esta adqui­re força no capítulo seguinte.

Capítulo 2. O tom apologético prossegue e toma-se predominante. Primeiramente, os missionários defendem sua conduta de vida durante sua estada em Tessalônica (vv. 1 -16); em seguida, sua partida e ausência continuada de Tessalônica (2.17-20, ou ainda 2.17-3.5). Como as acu­sações eram direcionadas com veemência, especialmente contra Paulo, esta pode ser considerada sua defesa, mais que a de seus companheiros. Daí, temos:

Apologia pro vita suaO texto-chave é o verso 3: “Porque o nosso apelo não provém de

engano ou de impureza, nem é acompanhado de falsidade”. Talvez se

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1 TESSALONICENSES 1 e 2 95

possa inferir que os caluniadores direcionavam seu ataque contra a men- Mlgcm, o motivo e o método de Paulo.

Daí, nessa seção, Paulo enfatiza que sua mensagem eram as boas novas que vieram diretamente de Deus; que o motivo para apresentá-la ora totalmente desinteressado, inclusive o motivo do amor sacrificial ao ílgir como um pai ou como uma mãe com seus próprios filhos; e que o método estava acima de qualquer reprovação (“Vocês, crentes, são tes- lemunhas, e igualmente Deus, de como piedosa, justa e irrepreensivel­mente nos conduzimos diante da avaliação de vocês”). Paulo mostra que a disposição dos leitores em sofrer perseguição por amor a Cristo comprova que a palavra está “em ação” em suas vidas, e que eles po­dem se comparar em honra com a igreja-mãe na Judéia. Numa passa­gem saturada de profunda emoção, ele revela que a ira de Deus atingiu o seu clímax sobre os judeus instigadores de perseguição.

Apologia pro absentia suaO inimigo parece também ter insinuado que a partida de Paulo, de

Tessalônica, e o fato de ele não voltar, não era algo inteiramente fora de seus planos, ou que, enquanto se queixava de sua “tribulação”, na ver­dade ele não estava totalmente pesaroso em descobrir uma desculpa pura manter-se afastado. O apóstolo, claramente e, com muito senti­mento, nega isso, e de forma ardente e inequívoca expressa seu amor pelos leitores, a quem chama “nossa esperança ou alegria ou coroa de glória na presença de nosso Senhor Jesus Cristo em sua vinda”. Declara que ele e seus companheiros foram “arrancados” dos leitores, e que repetidas vezes “nos esforçamos com a máxima diligência” por ver a vossa face “com intensa saudade”, mas foram impedidos por Satanás.

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Paulo escreve aos tessalonicensesInformando-os de seu imenso regozijo pelo relato de Timóteo acer­

ca do contínuo progresso espiritual deles, mesmo na perseguição.Esta seção compreende a expressão de alegria do apóstolo por causa

da informação de Timóteo.Ela pode ser dividida assim:

3.1-5 O que levou Paulo a enviar Timóteo3.6-10 O motivo do regozijo por causa do relatório traduzido por Ti­

móteo3.11-13 Um fervoroso desejo

SUMÁRIO DE 1 TESSALONICENSES 3 (OU 3.6-13)

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C a pítu lo 3

1TESSALONICENSES 3.1-13

3 1 Por essa razão, não podendo suportar mais, pensamos que o melhor seria nos deixarem ficar sozinhos em Atenas; 2 e enviamos Timóteo, nosso irmão e minis- Iro de Deus no evangelho de Cristo, a fim de fortalecê-los e encorajá-los com respeito

u sua fé 3 para impedir que algum de vocês viesse a ser enganado em meio a essas aflições. Porque vocês mesmos sabem que nós estamos designados para isso; 4 pois quando estávamos com vocês, antecipadamente lhes dizíamos que iriam ser afligi­dos, assim como sabem que [realmente] aconteceu. 5 Por essa razão também, quando não pude suportar mais, mandei saber acerca de sua fé, [temendo] que de alguma forma o tentador pudesse tê-los tentado, e o nosso labor revelasse ter sido inútil.

6 Mas agora que Timóteo acaba de vir de vocês a nós, e nos trouxe boas notícias de sua fé e amor, e que conservam uma afetuosa lembrança de nós, continuamente, desejando ver-nos, assim como nós também [desejamos vê-los], 7 por essa razão, irmãos, em toda a nossa angústia e aflição, fomos consolados acerca de vocês, por meio de sua fé; 8 porquanto agora [realmente] vivemos, se vocês permanecem firmes no Senhor. 9 Pois, que ações de graças podemos nós oferecer a Deus concernentes a vocês em troca de toda a alegria por meio da qual nos regozijamos por causa de vocês na presença de nosso Deus, 10 orando de noite e de dia com intensa ansiedade para que possamos ver os seus rostos e poder suprir as deficiências de sua fé?

11 Ora, que ele, nosso Deus e Pai, e nosso Senhor Jesus, dirijam o nosso cami­nho até vocês; 12 e no tocante a vocês, que o Senhor os faça abundar e transbordar em amor uns para com os outros e para com todos, assim como também nós [fazemos] para com vocês, 13 a fim de que ele fortaleça seus corações de tal modo que venham u ser irrepreensíveis em santidade na presença de nosso Deus e Pai na vinda de nosso Senhor Jesus com todos os seus santos.

3.1-13A transição entre Defesa e Expressão de alegria é muito gradual. De

l ato, a informação que Paulo transmite em relação à decisão de enviar Timóteo é, em certo sentido, uma parte da Defesa, porque revela que longe de ser indiferente com as necessidades dos tessalonicenses (de acordo com a acusação dos inimigos), o apóstolo estava disposto a fa­zer um autêntico sacrifício em favor deles. Por essa razão, não se pode objetar de forma consistente em se prolongar a primeira divisão princi­pal para terminar em 3.5 (veja também a exposição de 2.17). Não obs­tante, a razão por que todo este capítulo pode ser considerado uma

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98 1 TESSALONICENSES 3.1

unidade é que, até mesmo os primeiros cinco versículos, tanto quanto o restante, se ocupam de Timóteo, o que levou Paulo (ou Paulo após con­sultar os outros) a enviá-lo (vv.1-5), e o conforto produzido pelo seu relatório (vv.6-10), concluindo com um fervoroso desejo que quase che­ga a ser uma oração (vv.l 1-13).

3.1. Por essa razão, não podendo suportar mais, pensamos que o melhor seria nos deixarem ficar sozinhos em Atenas.

O sentido do verso 1 é o seguinte: diante do fato de que nossa tenta­tiva imediata de regressar a vocês foi frustrada por Satanás, e que, não obstante, não podemos suportar ou resistir (cf. 1Co9.12; 13.7)asepa- ração por mais tempo, decidimos (nos pareceu bem; cf. o substantivo eitôoKÍoc, boa vontade, Lc 2.14; Ef 1.5,9; Fp 1.15; 2.13; veja a exposi­ção de 2Ts 1.11) privar-nos da valiosa presença de um de nossos mem­bros, embora isso significasse ficar sozinhos na cidade de Atenas, tão mundana e idólatra.64

Aposição da locução “ficar sozinhos em Atenas” revela que a ênfa­se é posta nessa decisão, que demonstrou de forma muitíssimo bela o amor de Paulo pelos tessalonicenses.

Ao chegarmos a esse ponto, suscita-se o seguinte problema: “O que Paulo quis dizer exatamente pelo termo sozinhos? (Usa-se o plural jxó voi, mas este, exigido pela concordância, não define o assunto, nem de uma forma, nem de outra.) E uma referência a Paulo somente, ou a ele e a Silas”! Os comentaristas estão francamente divididos, como segue:

a. Alguns, convenientemente, omitem o problema, ou tratamento, como se não existisse.

b. Outros, embora expressem certa preferência, deixam lugar à pos­sibilidade de a verdade estar do outro lado também.

c. Ainda outros estão certos de que o que Paulo quis dizer é que ele decidira permanecer totalmente sozinho em Atenas; e, finalmente,

d. Alguns são de opinião de que Paulo, Silas e Timóteo se consulta­ram entre si, de maneira que o “nós” não é um plural retórico (ou edito­rial, ou do autor),65 mas um plural real. A isso acrescenta-se, às vezes,

64. Ao nosso modo de ver, a idéia de Lenski, obra citada, de que Timóteo foi escolhido por não ter sido expulso de Tessalônica, não encontra apoio no texto. Veja também Introdução, II. A Fundação da Igreja.

65. Veja Gram. N.T., pág. 407, para uma discussão do plural literário. Aqueles que crêem que Paulo às vezes faz uso desse plural referem-se a passagens como as seguintes: 1 Tessalonicenses 2.18 (veja, contudo, nossa exposição); também Romanos 1.5; 1 Coríntios9.11,12,15;2Coríntios 2.14; 10.1-11.6; Colossenses 4.3. Muito interessante também é o artigo de W.R. Hutton, “Who Are We?” in BTr, vol. 4, n" 2 (abril, 1953), págs. 86-90.

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1 TESSALONICENSES 3.1 99

t|iic, embora a partida de Timóteo deixasse para trás Paulo e Silas em Atenas, Silas também deve ter partido pouco depois (veja At 18.5), de modo que, por algum tempo, pelo menos, Paulo deve ter ficado total­mente sozinho em Atenas.

A informação que se pode colher do livro de Atos e de 1 Tessaloni- eenses não resolve o problema d& forma definitiva, a ponto de desfazer qualquer resquício de dúvida. Seguramente, se Silas (por qualquer lap­so de tempo) estivesse com Paulo em Atenas, o nós aqui em 1 Tessalo­nicenses 3.1 poderia incluí-lo. Mas ele, realmente, estava naquele mo­mento com Paulo em Atenas? Um ponto de vista provável é que Timó­teo saiu de Beréia e encontrou Paulo quando este ainda se achava em Atenas; e que Paulo, preocupado com as questões da igreja em Tessalô- nica, o enviara de volta àquela congregação a fim de estabelecê-la e reanimá-la, e que algum tempo depois tanto Silas quanto Timóteo se reuniram com o apóstolo em Corinto ( lTs 3.1,2,6; At 18.5). Entretanto, isso ainda mantém em aberto a seguinte pergunta: “Silas se reuniu a Paulo duas vezes, não só mais tarde em Corinto, quando Timóteo tam­bém se reuniu ao grupo, mas mesmo antes disso (ainda que só por al­gum tempo), quando Paulo ainda estava em Atenas”?. Quanto ao relato do livro de Atos, o único indício na direção de uma possível resposta é encontrado em Atos 17.15,16, segundo o qual Paulo, chegando a Ate­nas, diz aos irmãos, aqueles que o acompanharam a esta cidade e se preparavam para partir, que deveriam pedir a Silas e Timóteo que “vi­essem a ter com ele o mais depressa possível”. Paulo, portanto, esperou por eles em Atenas, ou seja, ambos.

Quanto a 1 Tessalonicenses, a idéia de que houve uma consulta conjunta, e que aqui em 3.1 a frase sozinhos em Atenas se refere que tanto Paulo quanto Silas pareceria ter ao menos isto em seu favor: que o leitor, talvez inconscientemente, estivesse sempre incluindo Silas e Ti­móteo toda vez que se encontra o pronome “nós”. Daí, não somente Paulo, mas Paulo, Silvano e Timóteo é que pronunciam a saudação (1.1). Não é somente Paulo, mas também Silvano e Timóteo é que ex­pressam as ações de graças (1.2). Nem é somente Paulo, mas também Silvano e (mui provavelmente) Timóteo é que tinham se envolvido na “entrada” mencionada em 2.1. Sabemos, igualmente, que não foi so­mente Paulo que sofreu e foi vergonhosamente tratado em Filipos (2.2). Nem foi somente Paulo, mas também os outros, a quem foi confiado o evangelho (2.4). E não foi somente Paulo, mas também Silvano e Timó­teo é que foram arrancado dos irmãos de Tessalônica (2.17). Sobre esta base, quando uma vez mais o leitor se depara com o pronome “nós” (ou

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100 1 TESSALONICENSES 3.2

seja, aqui em 3.1), toma-se difícil pensar somente em Paulo. “Nós(„.) sozinhos”, portanto, à luz do contexto, provavelmente signifique: Silvano e eu, sem os irmãos que nos acompanharam até Atenas e sem a valiosa presença de Timóteo. Que isso foi um sacrifício de amor, depreende-se não só o fato de que dentro em breve Silvano também seria enviado à Macedônia, mas também na elevada estima em que Paulo tinha seu jovem companheiro, Timóteo, o que fica evidenciado no próximo versículo:

2. e enviamos Timóteo, nosso irmão e ministro de Deus no evan­gelho de Cristo, a fim de fortalecê-los e encorajá-los com respeito a sua fé.

Timóteo é denominado irmão (cf. 2Co 1.1; Cl 1.1), ou seja, um companheiro crente (veja a exposição de 1.4), alguém que, pela graça soberana, pertence à família de Deus em Cristo. Ele é nosso irmão, sendo o termo nosso provavelmente de caráter inclusivo: irmão tanto dos crentes tessalonicenses como igualmente dos missionários. Entre­tanto, ao mesmo tempo, que é nosso irmão, ele é igualmente ministro de Deus.66 O termo ministro (Siòacovoç) significa servo, assistente (veja CNT João, vol. I, pág. 119). É o mesmo termo para diácono, e é, às vezes, empregado nesse sentido técnico (Fp 1.1; lTm 3.8,12).Com res­peito a Timóteo, veja CNT 1 e 2 Timóteo e Títo. A esfera específica de ação do ministério de Timóteo é o evangelho de Cristo, as alegres notí­cias (boas novas) de salvação por intermédio dele [Timóteo],

O propósito para o qual Timóteo tinha sido enviado era para forta­lecer (usado por Paulo também em 3.13; 2Ts 2.17; 3.3; posteriormente em Rm 1.11; 16.25) e para animar (veja a exposição de 2.11; em segui­da também a de 2.3). No verso 5 encontramos um propósito adicional, ou seja, “saber de sua fé”. Diante da feroz perseguição e da sinistra campanha de calúnias, do lado de fora, e também da falta de maturidade intelectual, moral e espiritual dos crentes tessalonicenses, a missão de Timóteo era perfeitamente apropriada apesar de que isso significava um real sacrifício para aqueles que foram deixados em Atenas. Timóteo, pois, devia dizer a esses recém-convertidos à fé cristã: “Vocês estão indo bem. Continuai nesse rumo. Prossegui, porém, cada vez mais”. A prova de que esse encorajamento era adequado está nas seguintes pas­sagens: 1.3,4,6-10; 2.13,14; 3.6-8; 4.1,9,10; 5.11. Anecessidade d tfo r-

66. A evidência extema em favor do texto cooperador de Deus não é mais forte que aquela que favorece o texto ministro de Deus. A substituição adotada, feita por um escriba, de ministro para cooperador, substituição que se supõe ter sido feita em razão do caráter audacioso da última desig­nação, tem sua resposta em 1 Coríntios 3.9. Frame está entre aqueles que são favoráveis a coopera­dor de Deus. Obra citada, págs. 126,127.

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1 TESSALONICENSES 3.3,4 101

trilecimento se depreende em 3.5,10; 4.1,3,4-8,10; 5.23. Naturalmente, ê verdade que os dois termos se justapõem: quando alguém é encoraja­do, também é fortalecido.

3,4.0 esperado sucesso da missão de Timóteo, em trazer encoraja­mento e fortalecimento, é agora expresso: para impedir que algum de vocês viesse a ser enganado em meio a essas aflições.

A arma do inimigo da fé nem sempre é só a espada. Às vezes ele surge “com chifres como de cordeiro” (Ap 13.11), com suas palavras e lisonjas, como um cão que abana sua cauda (que é o significado pri­mordial do verbo “enganado”, usado no original). O perigo era tão real que aqueles que já estavam sendo oprimidos (note “em meio a essas nflições”) poderiam ser seduzidos (por algum tempo, se sua fé era genuína, ou de modo permanente, se ela era apenas de caráter histórico ou temporal) por meio de linguagem desse tipo.

“Entendemos perfeitamente como foi que esses estrangeiros fanáti­cos, vindos de Filipos, conseguiram desviá-los. Vocês foram levados a crer que o interesse deles por vocês era sincero. Sua súbita partida, porém, e seu desinteresse em voltar, comprovam claramente que não alimentavam a mínima solicitude por vocês. Além do mais, as coisas que lhes têm sucedido desde sua vinda revelam que os deuses não estão contentes com vocês. Por que trocar o que é conhecido e comprovado por algo inusitado? Voltem a juntar-se às nossas fileiras, as fileiras da­queles que sempre os admiraram e os respeitaram, e lhes prometemos que nunca mais voltaremos a mencionar o assunto”.67

Timóteo fora enviado justamente para impedir que tal bajulação, cm meio à angústia da perseguição, tivesse êxito.

Porque vocês mesmos sabem que nós (incluindo os missionários e os crentes tessalonicenses; em certo sentido, todos os crentes) estamos designados para isso. Algumas das razões por que os crentes estão “marcados” para essa [tribulação] e/ou por que devem alegrar-se nela podem ser encontradas em várias passagens (Jo 16.33; At 14.22; Rm 5.3; 8.35-39; 12.12; 2Co 1.4; 7.4; 2Tm 3.12). Os tessalonicenses são lembrados de que essas aflições não deveriam tomá-los de surpresa. Além de tudo, eles já tinham sido advertidos: pois quando estávamos com vocês, antecipadamente lhes dizíamos que iriam ser afligidos,

67. Não podemos concordar, neste ponto, com os comentaristas (por exemplo Van Leeuwen) que são da opinião que aqui em 3.3,4 Paulo está pensando unicamente nas tribulações sofridas pelos próprios missionários. Passagens como 1.6 e 2.14 (cf. At 17.5-10) claramente indicam que a referên­cia é às aflições suportadas igualmente por Paulo, Silas e Timóteo, pelos crentes tessalonicenses e, cm certo sentido, por todos os crentes genuínos.

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102 1 TESSALONICENSES 3.5

assim como sabem que [realmente] aconteceu. Quão semelhantes são essas palavras àquelas do próprio Mestre, ditas na véspera de seu mais amargo sofrimento (Veja CNT, Jo 16.1,4). As aflições que tinham sido preditas, e que se cumprem de acordo com essa predição, servem para fortalecer a fé.

5. Por essa razão também, quando não pude suportar mais, man­dei saber de sua fé. Por essa razão, pois, ou seja, diante do fato de que Paulo fora frustrado mais de uma vez, por Satanás, em seu ardente desejo de regressar aos crentes de Tessalônica (os quais eram sua espe­rança, alegria e coroa de glória), à luz do fato de que o seu amor por eles era genuíno, e ainda à luz do fato de que, com base naquilo que ele mesmo vira e experimentara no passado (At 17.5-9,13), Paulo estava convencido de que eles também estariam sofrendo severa perseguição, e estava imaginando como estariam se conduzindo; portanto, diante de tudo o que se encontra declarado e implícito em 2.17-3.4, o apóstolo, não suportando mais o suspense, procurou saber (ou vir a saber) de sua fé. É evidente que o verso 5 resume o pensamento dos versos 1 e 2, com estas diferenças: a. que uma nova razão é agora acrescentada às duas expressas anteriormente; e b. que o apóstolo enfatiza que ele mesmo, não menos que os outros (daí, “também eu”), foi o responsável pelo envio de Timóteo. Uma vez que as calúnias dos malignos pareciam ser direcionadas especialmente contra Paulo, essa declaração adicional era perfeitamente procedente.

O propósito da missão, como agora se acha expresso, foi para que Paulo pudesse ficar a par da fé deles, [temendo] que de alguma formao tentador pudesse tê-los tentado, e o nosso labor revelasse ter sido inútil.68

Tal temor por parte de Paulo era plenamente razoável, e de forma alguma contradiz 1.4 (“conhecendo a sua eleição”). A seqüência foi a seguinte:

a. Paulo e seus companheiros implantam sua atividade evangelísti- ca em Tessalônica, mas são logo forçados a deixá-la. Enquanto ainda estão ali, os tessalonicenses (isto é, muitos deles) aparentam aceitar o

6 8 .0 indicativo (aoristo) passado (èicsípacsv depois de nií kcüç) é melhor explicado como aquilo que expressa um propósito não cumprido: o tentador realmente fracassou em seu esforço de levar os tessalonicenses ao desvio (cf. G1 2.2); Paulo realmente não correra em vão. O uso do indicativo passado em tais locuções pode ser comparado ao seu uso em frases condicionais de negação implíci­ta. O subjuntivo (YÉvrpm “e em vão viria a ser nossa labuta”, ou seja, “e nossa labuta viria a tomar- se inútil”) é normal nessas locuções de propósito negativo ou medo (cf. ICo 9.27; 2Co 9.3; e veja Gram. N. T., págs. 987,988).

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1 TESSALONICENSES 3.6,7 103

evangelho com entusiasmo. Esta, porém, foi uma reação meramente emocional ou foi uma fé genuína?

b. Em sua ausência, os missionários se preocupam com essa situa- çílo. Entrementes, a perseguição prossegue. Será possível provar o ca­rá ler genuíno da fé dos tessalonicenses mediante sua disposição em su­portar tribulação por amor a Cristo? Entenderão eles que tal tribulação não é contrária ao plano de Deus, e sim, que se acha em harmonia com ele?

c. Por isso Timóteo é enviado para se inteirar dessa situação. Ele volta com uma entusiástica mensagem, elogiando os tessalonicenses por sua obra, seu empenho e sua perseverança em meio à perseguição.

d. Estando então plenamente convencido de que a conversão dos tessalonicenses fora genuína (que sua aceitação do evangelho, “com silcgria”, fora obra do Espírito), e não meramente externa, Paulo assen- lti-se para escrever aos tessalonicenses. Então escreve sobre sua obra resultante da fé, seu esforço motivado pelo amor e sua perseverança inspirada pela esperança, e ele deriva tudo isso de sua eleição divina.

Se visualizarmos a ordem dos eventos, sob esse prisma, far-se-á justiça tanto ao temor expresso aqui em 3.5 como à convicção expressa em 1.3-6. Em nenhum sentido é verdade que 3.5 ensine que os verdadei­ros eleitos de Deus podem, depois de tudo, perecer eternamente.

Aqui, em estreita conexão com o verso 3, o príncipe do mal é deno­minado o tentador. Sua vileza consiste especialmente nisto: primeira­mente, ele tenta uma pessoa a pecar, e em seguida a acusa de pecado. Além disso, ele continuará acusando a pessoa, mesmo depois de seu pecado ter sido perdoado. É por isso que ele é denominado o diabo ou caluniador (Ef 4.27; 6.11; 2Tm 2.26); ele é Satanás, o adversário per­verso (ICo 5.5; 2Co 2.11; 2Ts 2.9). Ele é ainda o deus deste mundo (2Co 4.3), o príncipe das forças do ar (Ef 2.2) e dos governantes des­sas trevas, das hostes espirituais e demônios (lTm 4.1). Indubitavel­mente, para Paulo o diabo era real, verdadeiramente existente, um opo­nente muito poderoso e terrível. Os que negam a existência real e pes­soal de Satanás deveriam ser honestos o suficiente a ponto de confessar tjtic tampouco crêem na Bíblia.

Os temores dos missionários se desfizeram com o regresso de Timó- leo e sua alvissareira informação:

6,7. Mas agora que Timóteo acaba de vir de vocês a nós, e nosI rouxe boas notícias de sua fé e amor, e que conservam uma afetuosa lembrança de nós, continuamente, desejando ver-nos, assim como

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104 1 TESSALONICENSES 3.6,7

nós também [desejamos vê-los], por essa razão, irmãos, em toda a nossa angústia e aflição, fomos consolados acerca de vocês, por meio de sua fé(...)Aqui pelo menos (se não mesmo antes, veja a exposição de 3.1) a

ênfase muda da Defesa para a Expressão de Alegria, embora a cons­ciência de oposição em Tessalônica não esteja nunca completamente ausente. A expressão “Timóteo acaba de vir de vocês a nós” é muito mais cordial e íntima do que teria sido a forma: “Timóteo voltou”. E como se Paulo estivesse escrevendo: “Timóteo foi o nosso representante perante vocês. Agora ele se tomou o representante de vocês perante nós, revelando-nos o próprio coração de vocês”. Como se encontra nos ver­sos 6 e 7, a mensagem que Timóteo trouxe era dupla. Era algo mais ou menos assim:

a. “A fé e o amor dos tessalonicenses resistem ainda em meio à perseguição; portanto, eles são autênticos”; e

b. “O anseio por ver uns aos outros é mútuo. Da parte dos tessalo­nicenses é uma evidência da lembrança amorosa que conservam cons­tantemente de vocês (Paulo e Silas)”.

Note a expressão: “... acaba de vir(...) a nós”. Por isso Paulo deve ter respondido imediatamente. Um bom conselho dirigido a todos aque­les que têm a tendência de adiar a resposta de cartas importantes. Para o termo de apreço, irmãos, veja a exposição de 1.4 e de 2.17. Da parte de Paulo e Silas (mais precisamente: e provavelmente Silas; veja a ex­posição de 3.1), não era apenas a ausência, mas também necessidade e aflição (cf. Jó 15.24; Zc 1.15), que contribuirá para que seu coração fosse ainda mais afetuoso. Para aflição ou tribulação, veja a exposição de 1.6. O termo original que se traduz por ansiedade pode ser também angústia (veja também ICo 7.26; 2Co 6.4; 12.10).

A expressão “toda a nossa angústia e aflição” revela que as dificul­dades que Paulo e Silas tinham experimentado, e que até certo ponto ainda experimentavam, eram consideráveis. Dificilmente poderíamos concordar que a oposição por parte dos judeus em Corinto - onde 1 Tessalonicenses estava sendo escrita - não estivesse incluída. Natural­mente, é verdade que aquela confrontação específica (provavelmente muito veemente) registrada em Atos 18.5-17 seguiu o regresso de Silas e Timóteo; seria estranho, porém, se aquela atitude hostil e latente per­manecesse totalmente inativa antes daquele tempo. Entre outras afli­ções e angústias que Paulo teria em mente se encontram, talvez, todas ou algumas das seguintes (e talvez outras além dessas): dúvida se o

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1 TESSALONICENSES 3.8-10 105

trabalho em Tessalônica fora ou não eficaz; preocupação se Timóteo estava ou não em segurança (essas aflições já foram eliminadas); más notícias da Galácia, e exaustão física em razão da dupla responsabilida­de - por um lado, realizando um importante ministério evangelístico em Corinto, o que ocupava grande parte do tempo; por outro lado, fazendo boas tendas (veja também 2Co 11.28).

Em meio a essas aflições e angústias, porém, Paulo e Silas se sentiam profundamente consolados (veja a exposição de 2.3 e 2.11; também CNT, Jo 14.16) pela informação que Timóteo trouxera. Não é de todo surpreendente que Paulo, em resposta, comente sobre o amor e sobre a je dos tessalonicenses (ambos mencionados por Timóteo, a fé como o | elemento] mais básico, sendo aqui repetida e considerada como o agen­te gerador de conforto), ou seja, a obra resultante da fé, o esforço gera­do pelo amor e a paciência inspirada pela esperança (veja a exposição tlc 1.3).

8. Paulo prossegue: porquanto agora [realmente] vivemos, se vo­cês permanecem firmes no Senhor.Eis aqui uma expressão de profunda e esmagadora comoção. O co­

ração de Paulo está em chamas para o Senhor (veja a exposição de 1.1 ), c ao mesmo tempo está transbordando de tema afeição pelos crentes de Tessalônica que possibilitaram a informação favorável de Timóteo. Os pensamentos se atropelam, de forma que o verso 8 é, realmente, uma combinação de duas idéias:

a. Vivemos, se permaneceis firmes no Senhor eb. Agora vivemos, ao vermos que continuais firmes no Senhor.Portanto, Paulo está dizendo que, enquanto os tessalonicenses se

mantiverem firmes (prosseguirem assumindo uma postura firme ; cf. 2Ts 2.15; também ICo 16.13; G1 5.1; Fp 1.27), em (o uso metafórico tlessa preposição, derivou do sentido local) o Senhor, arraigados nele, confiando nele, amando-o, esperando nele, os que lhes levaram o evan­gelho, sim, esses realmente vivem, transbordando de alegria e gratidão (cf. o uso do verbo viver em Dt 8.3 e Is 38.16); e que semelhante clímax tlc bênção agora chegou. Os dois próximos versículos indicam que esse viver inclui, de fato, ações de graças:

9,10. Pois, que ações de graças podemos nós oferecer a Deus concernentes a vocês em troca de toda a alegria por meio da qual nos regozijamos por causa de vocês na presença de nosso Deus, oran­do de noite e de dia com intensa ansiedade para que possamos ver os Ncus rostos e possamos suprir as deficiências de sua fé?

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106 1 TESSALONICENSES 3.9,10

Essa é uma pergunta retórica. A alma de Paulo está transbordando de gratidão a Deus, a ponto de se afligir ante a consciência de sua pró­pria incapacidade de fazer uma retribuição adequada a Deus. A bênção recebida pelos tessalonicenses foi também, de forma diferente e por causa deles, recebida por Paulo e seus companheiros. A informação que Ti­móteo deu a Paulo e Silas, um novo alento de vida. Fê-los reviver. Estão profundamente convencidos de que tudo que podem oferecer a Deus em troca69 por “toda a alegria por meio da qual se regozijam” é nada. (Veja CNT, Jo 3.29: o cálice de alegria está transbordando; cf. Is 66.10).

Contudo, embora Paulo ainda esteja às voltas com o problema de como oferecer uma retribuição adequada pelas bênçãos já recebidas, isso não o detém a pedir ainda mais. De fato, a maneira como as peti­ções anteriores foram respondidas o faz ainda mais fervoroso (note su- perabundantemente ou com intenso fervor) em orar por algo a mais ao que já havia sido recebido. Por isso, as ações de graças (“regozijando- nos diante de nosso Deus”) são acompanhadas de oração. Note como Paulo, não obstante exercer uma profissão de noite e de dia (veja a exposição de 2.9), ainda acha tempo para orar, e isso também de noite e de dia.

O conteúdo da oração ou petição é expresso em duas locuções infi­nitivas, mas ambas realmente expressam uma só idéia, ou seja, que a providência de Deus lhes permitisse voltar para lá, a fim de que, uma vez mais, pudessem ver os rostos (ou seja, estar presentes entre e rego­zijar-se na companhia) dos crentes tessalonicenses, a fim de suprir as deficiências (veja também ICo 16.17; Fp 2.30; Cl 1.24; em seguida, 2Co 8.13,14; 9.12; 11.9) de sua fé. O verbo suprir tem o significado primário de entretecer, unir (ICo 1.10). Aidéia de entretecer (imagine- se a obra de um artesão, à qual relaciona-se o verbo grego), por meio de uma simples transição, chegou a significar completar, arredondar (cf. G1 6.1, restabelecer ou restaurar) ou, como aqui, suprir o que ainda falta.

69. O verbo òmaicoôíSconi ocorre num sentido favorável em Lucas 14.14; Romanos 11.35; 1 Tessalonicenses 3.9; num sentido desfavorável em Romanos 12.19; 2 Tessalonicenses 1.6, e He­breus 10.30. Em Lucas 14.12-14 ele é usado em conexão com cmiKaXéco. Nessa mesma passagem também encontramos cmaicóSona, o qual ocorre ali num sentido favorável; em Romanos 11.9, num sentido desfavorável. Note também a forma ligeiramente diferente do substantivo em Colossenses3.24.0 fato de que o prefixo taní, em todos esses casos, deve significarem troca de, é imediatamen­te evidente da passagem vívida de Lucas 14.12-14. Nenhum outro significado poderia dar um senti­do mais compreensível à passagem toda. Veja W. Hendriksen, The Meaning o f the Preposition àaní in the New Testament, tese doutoral apresentada ao corpo docente do Seminário de Princeton, 1948, Princeton Seminary Library, págs. 78,79.

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1 TESSALONICENSES 3.11 107

As deficiências têm de ser supridas ou compensadas. Ainda que a luilureza dessas deficiências não seja especificada na presente passa­gem, a epístola contém as seguintes sugestões:

a. Os tessalonicenses estão meio confusos com respeito à doutrina tia volta de Cristo. Daí, ao falar de deficiências, Paulo já está preparan­do o caminho para o que irá dizer em 4.13-5.3.

b. Ainda que esses recém-convertidos tenham sido abençoados com inuitas bênçãos espirituais, ainda há lugar para progresso. As virtudes já presentes devem começar a planificar mais e mais (4.1,10).

c. Alguns membros da congregação andam desordenadamente; ou­tros andam desanimados; outros ainda se revelam fracos (5.14).

Se essa exposição do termo deficiências é correta, faz-se claro que a palavra fé (“as deficiências de vossa fé”) é usada num sentido que inclui tanto o exercício subjetivo de confiança no Senhor como a revela­ção objetiva de Deus acerca da obra da redenção.

Tendo informado os leitores sobre a incessante oração que Paulo e Silas estão fazendo constantemente - uma oração para “que possamos ver os seus rostos” - o ardente desejo é expresso agora no sentido de que essa petição seja atendida (v. 11), e que as bênçãos espirituais adicionais sejam derramadas sobre os tessalonicenses (vv.12 e 13).

11. Ora, que ele, nosso Deus e Pai, e nosso Senhor Jesus, dirijam o nosso caminho até vocês.

Ainda que, em razão de seu tom solene, essa expressão se aproxime de uma oração, não podemos concordar com os comentaristas que a denominam de oração. Numa oração dirige-se a Deus, e geralmente emprega-se a segunda pessoa; aqui os nomes ou títulos exaltados estão inteiramente na terceira pessoa (note o pronome ele). Esta, pois, não é precisamente uma oração, mas, antes, a devota declaração de um desejo de que a petição do verso 10 fosse atendida. Para os nomes das pessoas exaltadas, mencionados aqui, veja a exposição de 1.1. Não obstante, existem uns poucos pontos de diferença entre os títulos de 1.1 e os empre­gados aqui em 3.11. Note o nosso aqui em 3.11 (cf. 1.3). Também o nome oficial - Cristo - é aqui omitido. O pronome intensivo - ele - vem antes. Além disso, a unidade essencial (unidade da obra e propósito) do Pai e do Filho é enfatizada. O pronome ele refere-se à combinação, e o verbo singular (terceira pessoa, singular, aoristo optativo) é emprega­do. Consideramos o pronome aw ó ç intensivo (daí, ele) não reflexivo (ele mesmo), como se o pensamento nunca tivesse ocorrido, seja a Pau­lo ou a Silas, no sentido de que eles pudessem desejar dirigir seu pró­

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108 1 TESSALONICENSES 3.12

prio caminho. O contexto aqui é muito claro - note o verso 9: as ações de graças foram oferecidas a Deus, o regozijo foi em sua presença; e o verso 10: a oração que veio em seguida foi naturalmente, também diri­gida a Deus. Por isso, de maneira bastante lógica, vem em seguida o verso 11: “Ora, que ele, nosso Deus e Pai, e nosso Senhor Jesus”, etc. É muitíssimo consolador saber que o Pai e o Filho são, de fato, um. Ja­mais precisamos recear que o Pai seja menos amoroso que o Filho ou que as duas pessoas tenham propósitos conflitantes.

O desejo, expresso aqui de forma tão tocante, é que nosso (sentido inclusivo) Deus e Pai e nosso (outra vez inclusivo, naturalmente) Se­nhor Jesus dirija (faça reto; então dirija, faça prosperar) nosso cami­nho até vocês. E óbvio que o verbo é usado aqui num sentido mais literal do que em 2Ts 3.5 ou em Lc 1.79.

Pode-se fazer a seguinte pergunta: “Deus realmente atendeu a esta petição”?. Se temos em mente que a oração foi feita em total submissão à vontade divina, a resposta é: “Sim”. Veja CNT João 14.13; 15.7; 15.16; e 16.23. Além disso, temos Atos 20.1,2, indicando que Paulo, em sua terceira viagem missionária, “fortaleceu com muitas exortações” aos da Macedônia (veja também At 20.3,4). A possibilidade de ainda ter havido uma visita mais tarde (entre a primeira e a segunda prisão roma­na) não deve ser excluída (veja a exposição de 1 Tm 1.3). Naturalmente que o tempo e a maneira de Deus responder às orações não são determi­nados por nós, e, sim, por ele mesmo.

12. Entretanto, Paulo também está consciente de que o progresso espiritual dos tessalonicenses pode ser considerado mesmo à parte de qualquer visita que ele (ou ele e seus companheiros) venha a fazer. Por isso, ele prossegue: no tocante a vocês, que o Senhor os faça abundar e transbordar em amor uns para com os outros e para com todos, assim como também nós [fazemos] para com vocês.

“No tocante a nós mesmos, esperamos ardentemente que Deus diri­ja nosso caminho até vocês; e [ou porém] no tocante a vocês, permita- nos Deus, ou não, visitá-los, possa o Senhor” (ou seja, o Senhor Jesus na mais estreita conexão possível com nosso Deus e Pai', veja a exposi­ção do v. 11) “fazer-vos abundar e transbordar em amor”. Isso expressa o sentido da passagem à luz de seu contexto precedente. Note a posição enfática de “no tocante a vocês”, logo no início da oração. Os verbos abundar e transbordar são sinônimos bem próximos. Juntos expressam uma só idéia, ou seja, que os crentes tessalonicenses possam não só crescer naquela extraordinária virtude, ou seja, o amor - como evidên­cia externa de sua fé viva - mas que possam realmente transbordar

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1 TESSALONICENSES 3.13 109

(lambém usado por Paulo em 2Ts 1.3; em seguida Rm 5.20; 6.1; 2Co 4.15; 8.15; Fp 4.17); sim, que eles possam abundar de tal maneira (|ue esse oceano de amor, uma vez cheio, alcance os limites de suas bordas, ultrapasse (Ttepioaeijoai, um verbo muito descritivo ao qual Paulo é muito afeiçoado, usando-o também em 4.1,10, e com freqüên­cia em outras partes), e venha mesmo a derramar (visto que o sentido de rtKpiaaeiJco provavelmente não esteja tão longe de mepTtepiaaeija), como em Rm 5.20; 2Co 7.4), de tal forma que ele alcance não só os irmãos em Cristo, em cumprimento do “novo mandamento” de Cristo (veja CNT, Jo 13.34), mas até mesmo os de fora (5.15; cf. G1 6.10; cf. Mt 5.43-48), sendo um amor “uns para com os outros e para com todos”.

Para o significado do substantivo amor e do verbo amar, veja CNT, João 13.35 e 21.15-17. A adição “assim como também nós [fazemos] para com vocês” (ou seja, “assim como também plenificamos e trans­bordamos em amor para com vocês”) encontra seu comentário em pas­sagens precedentes (veja a exposição de 2.7-12; 2.17-3.1; 3.7-11; veja também a exposição de 1.6).

13. O propósito (cf. 3.2) dessa abundância e transbordamento em amor é expresso como segue: a fim de que ele fortaleça70 seus cora­ções de tal modo que venham a ser irrepreensíveis em santidade na presença de nosso Deus e Pai.

O Senhor, por meio do amor, fortalece (veja a exposição de 3.2) os propósitos e desejos íntimos. Os corações assim fortalecidos estarão menos inclinados a almejar a vida inseparada, a vida do mundo. Ao contrário, se inclinarão na direção de uma vida totalmente separada, de modo que, ao confiar inteiramente em Cristo e em sua redenção, e ao experimentar as influências transformadoras de seu Espírito, serão ir­repreensíveis (cf. lTs 2.10), num estado e condição de santidade (sepa­ração do pecado, consagração a Deus), e isso na própria presença de nosso Deus e Pai, ou seja, perante o seu tribunal de juízo (Rm 14.10).

Isso prontamente introduz o pensamento da segunda Vinda de Cris­to para o juízo, como é evidente na passagem paralela (5.23) e na frase que segue imediatamente: na vinda de nosso Senhor Jesus com todos os seus santos.

Com respeito a essa frase composta existe uma ampla discordância entre os comentaristas. Há antes de tudo uma diferença de opinião com

70. Quanto à forma, o verbo pode ser aoristo infinitivo ativo ou aoristo optativo ativo na terceira pessoa do singular, mas em harmonia com os verbos que antecedem o último é, provavelmente, o pretendido.

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prio caminho. O contexto aqui é muito claro - note o verso 9: as ações de graças foram oferecidas a Deus, o regozijo foi em sua presença; e o verso 10: a oração que veio em seguida foi naturalmente, também diri­gida a Deus. Por isso, de maneira bastante lógica, vem em seguida o verso 11: “Ora, que ele, nosso Deus e Pai, e nosso Senhor Jesus”, etc. E muitíssimo consolador saber que o Pai e o Filho são, de fato, um. Ja­mais precisamos recear que o Pai seja menos amoroso que o Filho ou que as duas pessoas tenham propósitos conflitantes.

O desejo, expresso aqui de forma tão tocante, é que nosso (sentido inclusivo) Deus e Pai e nosso (outra vez inclusivo, naturalmente) Se­nhor Jesus dirija (faça reto; então dirija, faça prosperar) nosso cami­nho até vocês. E óbvio que o verbo é usado aqui num sentido mais literal do que em 2Ts 3.5 ou em Lc 1.79.

Pode-se fazer a seguinte pergunta: “Deus realmente atendeu a esta petição”?. Se temos em mente que a oração foi feita em total submissão à vontade divina, a resposta é: “Sim”. Veja CNT João 14.13; 15.7; 15.16; e 16.23. Além disso, temos Atos 20.1,2, indicando que Paulo, em sua terceira viagem missionária, “fortaleceu com muitas exortações” aos da Macedônia (veja também At 20.3,4). A possibilidade de ainda ter havido uma visita mais tarde (entre a primeira e a segunda prisão roma­na) não deve ser excluída (veja a exposição de lTm 1.3). Naturalmente que o tempo e a maneira de Deus responder às orações não são determi­nados por nós, e, sim, por ele mesmo.

12. Entretanto, Paulo também está consciente de que o progresso espiritual dos tessalonicenses pode ser considerado mesmo à parte de qualquer visita que ele (ou ele e seus companheiros) venha a fazer. Por isso, ele prossegue: no tocante a vocês, que o Senhor os faça abundar e transbordar em amor uns para com os outros e para com todos, assim como também nós [fazemos] para com vocês.

“No tocante a nós mesmos, esperamos ardentemente que Deus diri­ja nosso caminho até vocês; e [ou porém] no tocante a vocês, permita- nos Deus, ou não, visitá-los, possa o Senhor” (ou seja, o Senhor Jesus na mais estreita conexão possível com nosso Deus e Pai; veja a exposi­ção do v .ll) “fazer-vos abundar e transbordar em amor”. Isso expressa o sentido da passagem à luz de seu contexto precedente. Note a posição enfática de “no tocante a vocês”, logo no início da oração. Os verbos abundar e transbordar são sinônimos bem próximos. Juntos expressam uma só idéia, ou seja, que os crentes tessalonicenses possam não só crescer naquela extraordinária virtude, ou seja, o amor - como evidên­cia externa de sua fé viva - mas que possam realmente transbordar

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1 TESSALONICENSES 3.13 109

(também usado por Paulo em 2Ts 1.3; em seguida Rm 5.20; 6.1; 2Co 4.15; 8.15; Fp 4.17); sim, que eles possam abundar de tal maneira que esse oceano de amor, uma vez cheio, alcance os limites de suas bordas, ultrapasse (jrepiacreúaou, um verbo muito descritivo ao qual Paulo é muito afeiçoado, usando-o também em 4.1,10, e com freqüên­cia em outras partes), e venha mesmo a derramar (visto que o sentido de jtepiaaevjco provavelmente não esteja tão longe de mepreepiaae^co, como em Rm 5.20; 2Co 7.4), de tal forma que ele alcance não só os irmãos em Cristo, em cumprimento do “novo mandamento” de Cristo (veja CNT, Jo 13.34), mas até mesmo os de fora (5.15; cf. G1 6.10; cf. Mt 5.43-48), sendo um amor “uns para com os outros e para com todos”.

Para o significado do substantivo amor e do verbo amar, veja CNT, João 13.35 e 21.15-17. A adição “assim como também nós [fazemos] para com vocês” (ou seja, “assim como também plenificamos e trans­bordamos em amor para com vocês”) encontra seu comentário em pas­sagens precedentes (veja a exposição de 2.7-12; 2.17-3.1; 3.7-11; veja também a exposição de 1.6).

13. O propósito (cf. 3.2) dessa abundância e transbordamento em amor é expresso como segue: a fim de que ele fortaleça70 seus cora­ções de tal modo que venham a ser irrepreensíveis em santidade na presença de nosso Deus e Pai.

O Senhor, por meio do amor, fortalece (veja a exposição de 3.2) os propósitos e desejos íntimos. Os corações assim fortalecidos estarão menos inclinados a almejar a vida inseparada, a vida do mundo. Ao contrário, se inclinarão na direção de uma vida totalmente separada, de modo que, ao confiar inteiramente em Cristo e em sua redenção, e ao experimentar as influências transformadoras de seu Espírito, serão ir­repreensíveis (cf. lTs 2.10), num estado e condição de santidade (sepa­ração do pecado, consagração a Deus), e isso na própria presença de nosso Deus e Pai, ou seja, perante o seu tribunal de juízo (Rm 14.10).

Isso prontamente introduz o pensamento da segunda Vinda de Cris­to para o juízo, como é evidente na passagem paralela (5.23) e na frase que segue imediatamente: na vinda de nosso Senhor Jesus com todos os seus santos.

Com respeito a essa frase composta existe uma ampla discordância entre os comentaristas. Há antes de tudo uma diferença de opinião com

70. Quanto à forma, o verbo pode ser aoristo infinitivo ativo ou aoristo optativo ativo na tcrceim pessoa do singular, mas em harmonia com os verbos que antecedem o último é, provávelmcnlc, o pretendido.

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110 1 TESSALONICENSES 3.13

respeito ao termo vinda ou Parousia, o qual já definimos como sendo “a volta do Senhor a fim de abençoar seu povo com sua presença” (veja a exposição de 2.19).710 principal ponto controvertido, porém, tem a ver com o modificador com todos os santos. E aqui outra vez nos depara­mos com dois problemas que requerem solução:

a. O que essa frase modifica?b. Qual é o significado da palavra santos?No que tange à primeira pergunta, muitos comentaristas (por exem­

plo, Van Leeuwen e Lenski) fazem essa frase depender de “a fim de que ele fortaleça”, ou a conectam vagamente com toda a primeira parte do verso 13.0 sentido, pois, teria mais ou menos na seguinte ordem (come­çando com o v. 12): “E no tocante a vocês, que o Senhor os faça abundar e transbordar em amor (...) a fim de que fortaleça os seus corações de tal maneira que eles com todos os seus santos sejam irrepreensíveis em san­tidade na presença de nosso Deus e Pai na vinda de nosso Senhor Jesus”.

Entretanto, temos dúvida de que algum leitor (seja do original grego ou de alguma versão em português) construa mentalmente a frase assim. As traduções (quase todas em português), em estrita concordância com o original, colocam as palavras com todos os seus santos imediatamen­te depois de na vinda de nosso Senhor Jesus. De fato, embora Lenski diga que essas duas frases deveriam ser separadas por vírgulas, mesmo em sua própria tradução ele não as separa (veja R. C. H. Lenski, obra citada, pág. 296). Outras versões indicam a conexão correta ao tradu­zir: “Quando nosso Senhor Jesus aparecer [ou voltar] com todo o seu povo [ou com todos os seus consagrados]”. Assim, por exemplo, Good- speed e Williams.

A razão por que concordamos com as traduções e não com alguns comentaristas (Van Leeuwen, Lenski) é que consideramos a construção favorecida pelos últimos como sendo desnaturai (assim também o faz Frame, obra citada, pág. 140). Seguramente, a menos que haja uma boa razão para uma exceção, não deveríamos fugir à regra de que uma frase deve ser interpretada com as palavras mais próximas (ou, pelo menos, próximas) a ela.

Às vezes imaginamos se a dificuldade de conceber os santos como que vindos com o Senhor nos leva a uma construção desnaturai. Se acontecer ou não de alguém pertencer ao arraial dos pré-milenistas e se é preciso ser honesto em relação a eles, deve-se admitir quando eles

71. Discordamos do ponto de vista de Lenski, segundo o qual a Parousia é a presença do Senhor, e não sua vinda do céu\ obra citada, pág. 301.

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1 TESSALONICENSES 3.13 111

ligam a frase com todos os seus santos com as palavras imediatamente precedentes, o que resulta, “na vinda de nosso Senhor Jesus com todos os seus santos”, eles têm toda razão.

Segundo nosso modo de ver, eles (bem como outros que não com­partilham seus conceitos milenistas) estão igualmente certos ao inter­pretar o termo santos (ócyioi) como sendo uma referência aos redimi­dos, e não aos anjos. Isso nos conduz ao item “b” (pág. 110). Sobre este ponto estamos em completo acordo com os comentaristas (tais como Van Leeuwen e Lenski) cujo ponto de vista com respeito à construção da frase já criticamos. Por outro lado, estamos aqui em completo desa­cordo com Frame que traduz “com todos os seus anjos” (obra citada, pág. 136). Apresentamos a seguir as razões de nossa posição:

(1) Paulo gosta da palavra santos, usando-a com freqüência em suas epístolas. Ele nunca a emprega para indicar anjos e, sim, os redi­midos. Por que, então, ele introduziria uma exceção aqui em 1 Tessalo­nicenses 3.13?

(2) Paulo, nessa passagem, menciona os termos santidade (ócyioxxú vr|) e santos (áyioi). No original, as duas palavras são oriundas da mesma raiz, assim como o são as nossas palavras consagração e con­sagrado. Daí, aqueles que na Vinda de Cristo serão irrepreensíveis em santidade se assemelharão mais aos santos redimidos.

(3) Em uma passagem semelhante (4.14), esses santos são definidos como os que dormiram em Jesus. Veja a exposição desse versículo.

É certamente verdade que os anjos acompanharão Cristo em seu retomo (veja a exposição de 2Ts 1.7; Mt 25.31), mas isso não é ensina­do aqui em 1 Tessalonicenses 3.13. Aqui o pensamento é que quando o Senhor Jesus (veja a exposição de 1.1) voltar, Deus trará com ele (exa­tamente como é expresso em 4.14) aqueles que, através dos tempos, viveram a vida de separação cristã do mundo e de devoção a Deus. Foram “postos à parte” por Deus para sua adoração e serviço, de modo que, pelo poder santificador do Espírito Santo, se tomaram santos “tan­to em experiência como em posição” (usando uma frase empregada por K. S. Wuest, Golden Niggets, pág.72), e pela morte entraram no reino lá de cima. Nenhum deles sequer será deixado no céu: todos aqueles que ao morrerem foram para o céu - e que, portanto, estão agora com ele no céu - deixarão seu habitat celestial no exato momento em que o Senhor iniciar sua descida. Num piscar de olhos se reunirão aos seus corpos, os quais agora se convertem em corpos gloriosamente ressurretos, e en­tão, imediatamente (junto com os filhos de Deus que ainda sobrevivem

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112 1 TESSALONICENSES 3

na terra, e que serão transformados “num momento, num piscar de olhos”), subirão para o encontro do Senhor.

Essa interpretação põe 3.13 em total harmonia com 4.13-18; veja a exposição dessa passagem. Ela também comprova que não há necessi­dade, nem boa razão, para se aceitar a teoria, sustentada por muitos (não, porém, por todos os nossos irmãos em Cristo) pré-milenistas, se­gundo a qual Cristo primeiro vem para os seus santos, e sete anos de­pois vem com os seus santos. A vinda é uma só; ela, porém, tanto é uma vinda com os seus santos como uma vinda para buscá-los.

Síntese do capítulo 3Veja Sumário de 1 Tessalonicenses 3 (ou 3.6-13). Expressão de

alegria. Paulo escreve aos tessalonicenses informando-os de como ele se regozija pela informação de Timóteo com respeito ao seu contínuo progresso espiritual mesmo em meio à perseguição.

Versos 1-5. O que levou Paulo (ou Paulo depois de consultar os outros) a enviar Timóteo.

Paulo informa os tessalonicenses de que a prolongada separação se tomara insuportável. Por isso tomou a decisão de ficar sozinho (que pode significar totalmente sozinho ou, talvez preferivelmente, sozinho com Silas) e enviar-lhes Timóteo, com este tríplice propósito:

a. a fim de fortalecer os tessalonicenses;b. a fim de consolá-los;c. a fim de saber (e trazer informação) de sua fé.Diante do fato de que entre os tessalonicenses havia alguns mem­

bros que andavam desordenadamente, outros que viviam desalentados e ainda alguns que eram fracos (talvez inclinados a recair na imoralidade do paganismo), o fortalecimento era indispensável. Ante a opressão e a corajosa resolução de permanecer firmes diante dela, o encorajamento estava em pauta. Diante da constante e sinistra tentativa do tentador “seduzir” os filhos de Deus a se desviarem da fé, esforçando-se por enganá-los com palavras de bajulação, a informação sobre o estado de sua fé era desejável.

Em relação a esse último item, um dos mais antigos comentaristas declara que o diabo às vezes é mais perigoso quando bajula do que quando ruge: Davi ganhou a vitória contra Satanás no campo de bata­lha (ISm 17.49); no frescor da tarde, porém, em seu terraço, foi Sata­nás quem obteve a vitória sobre Davi.

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1 TESSALONICENSES 3 113

Paulo lembra os tessalonicenses que, enquanto os missionários es­tavam ainda com eles, já lhes haviam predito repetidas vezes a tribula­ção que agora estavam sofrendo. “O prevenido vale por dois.” A perse­guição que é planejada por Deus, em seu amor, e que sucede “segundo esse plano”, deve trazer fortalecimento à fé.

Versos 6-10. O conforto [ou motivo de regozijo] que a informação de Timóteo trouxera

Timóteo voltara e trouxera boas notícias da fé e amor dos leitores, de suas deficiências e de seu anseio por ver Paulo e Silas. Em termos gerais (note, porém, “as deficiências”), o relato fora muito animador. Ele deu a Paulo e Silas um novo alento de vida. O grande apóstolo dá expansão ao seu sentimento de ser inadequado para oferecer a Deus um tributo de gratidão apropriado. Ele informa a seus leitores sua constan­te, intensa e ardente oração pelo privilégio de voltar para eles a fim de vê-los face a face e para suprir as deficiências de sua fé.

Versos 11-13. O fervoroso desejoEle expressa o fervoroso desejo de que sua oração fosse ouvida e

que, fosse ou não atendida, o Senhor os enchesse com tamanha e trans­bordante medida de amor, que seus corações fossem fortalecidos, a fim de que houvesse fruto para o dia do juízo, quando Jesus vier com todos os seus santos.

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Paulo escreve aos tessalonicenses Exortando-os sobre como deveriam conduzir-se Esta seção compreende a exortação do apóstolo:

4.1-8 com respeito ao sexo e ao matrimônioO sexo em geral: a imoralidade condenada, a santificação exi­

gidaem particular, recebendo uma esposa “em santificação e honra”

eo dever em relação ao irmão, ou seja, não o defraudando “nesta

matéria”4.9-12 com respeito ao amor da irmandade e a diligência na conduta

diáriarecomendação ao amor para com a irmandade recomendação à diligência na conduta diária reprimenda aos fanáticos, ociosos e intrometidos

SUMÁRIO DE 1 TESSALONICENSES 4.1-12

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C a pítu lo 4

41 Quanto ao mais, irmãos, rogamos-lhes e instamos com vocês, no Senhor Jesus, que assim como receberam de nós [instruções] de como devem conduzir-se72 e agradar a Deus - como de fato estão se conduzindo - e que se desenvolvam mais e

mais. 2 Pois vocês sabem quais as instruções que lhes transmitimos através do Se­nhor Jesus. 3 Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação, que se abste­nham da imoralidade, 4 que cada um de vocês saiba tomar uma esposa73 para si em santificação e honra, 5 não em paixão de luxúria como fazem os pagãos, que não conhecem a Deus; 6 que ninguém vá além do que é conveniente e defraude a seu irmão nesta matéria. Porque vingador é o Senhor em todas essas coisas, como pre­viamente lhes dissemos e solenemente lhes testificamos. 7 Porque Deus não os cha­mou para a impureza e, sim, em santificação. 8 Portanto, aquele que rejeita [estas instruções], rejeita não ao homem e, sim, a Deus que até mesmo lhes dá o seu Santo Espírito.

9 Ora, concernente ao amor pelos irmãos vocês não têm necessidade de que [alguém] lhes escreva, porque vocês mesmos têm sido ensinados por Deus a amar-se uns aos outros; 10 e de fato estão também fazendo isso a todos os irmãos em toda a Macedônia. Instamos, porém, com vocês, irmãos, a se desenvolverem mais e mais, 11 e que ambicionem viver tranqüilamente, e a se ocupar de seus próprios afazeres, e a trabalhar com suas próprias mãos, assim como lhes ordenamos, 12 a fim de que possam conduzir-se convenientemente com respeito aos de fora, e não dependam de ninguém.

1 TESSALONICENSES 4.1

4.1-124.1 Quanto ao mais, irmãos, rogamos-lhes e instamos com vo­cês, no Senhor Jesus, que assim como receberam de nós [instruções] de como devem conduzir-se e agradar a Deus - como de fato estão se conduzindo - e que se desenvolvam mais e mais.Tanto a frase introdutória - “quanto ao mais” - como o tema tor­

nam evidente que uma nova seção tem início aqui. Isso não é Defesa nem Expressão de Alegria, e, sim, de Exortação para um viver santifi­cado em relação a todas as classes e em todos os tempos.

72. Ou: como vós deveis viver (literalmente, andar); assim também no verso 12; cf. 2.12.73. Literalmente, vaso.

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116 1 TESSALONICENSES 4.1

Esta Exortação se estende do verso 1 até o verso 12 do capítulo 4, e é retomada no capítulo 5. Os primeiros 11 versículos deste capítulo constituem uma transição, e podem classificar-se ou como Exortação (vejam especialmente vv.6,8,11) ou (juntamente com 4.13-18) como Introdução sobre a Vinda de Cristo. De 5.12 em diante; a Exortação é plenamente retomada como se faz evidente das “instruções” encontra­das nesta seção.

É evidente, pois, que a seção referente ao retomo de Cristo está encai­xada entre os dois Parágrafos Hortativos que tratam dos afazeres da vida diária e da conduta. Isso é de grande relevância. Indica que Paulo não era nem asceta, nem extático, nem tampouco sonhador. Ele queria que seus leitores possuíssem uma saudável perspectiva da vida, de tal maneira que, ao meditarem sobre os eventos “do lado de lá” (da morte), não se esque­cessem dos seus deveres “do lado de cá” [a presente vida].

Não obstante, tampouco queria ele que separassem esses dois as­pectos. Ao contrário, o seu desejo era que “do lado de cá” eles ordenas­sem tudo de tal maneira que estivessem preparados para o “lado de lá”. Ou, mudando um pouco a linguagem, ele queria que pusessem sua casa em ordem, tendo em vista a tão esperada vinda do glorioso Visi­tante “do lado de lá ”, o Senhor Jesus. Deviam estar sempre prepara­dos para recebê-lo.

Em certo sentido, existe certa diferença entre a presente seção (4.1­12) e a retomada das admoestações (5.12-28). Apresente seção enfatiza o dever de viverem vidas santificadas e evidenciar isso tanto aos irmãos em Cristo (amando-os, mormente não ultrapassando os limites do deco­ro em questões pertinentes ao sexo) como aos de fora (por meio de uma conduta exemplar). A seção no final da epístola é muito mais específica. Contém instruções bem mais detalhadas com respeito a vários temas (veja especialmente 5.12-22,24-27).

Em outro sentido, entretanto, há uma estreita semelhança entre as duas seções, como o demonstrará a seguinte comparação:

4.1-12 5.12-28vv.1,2,3,4,7: a sua santificação v.23: “E, que ele, o Deus de paz,

os santifique plenamente.”v.3: “... que se abstenham de imo- v.22: “Abstenham-se de toda for-

ralidade.” ma de mal.”v.6: “Vingador é o Senhor” v.15: “Cuidem para que ninguém

retribua (,..)mal por mal.”

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1 TESSALONICENSES 4.2 117

v.8: que (...) lhes dá o seu Santo Espírito.”

v.9: amar-se uns aos outros.”

v .ll “... que ambicionem viver tranqüilamente.”

v. 12:"... conduzir-se conveniente­mente com respeito aos de fora.”

v. 19: “Não apaguem o Espírito.”

v.14: “Admoestem os que vivem desordenadamente, que en­corajem os desanimados, que auxiliem os fracos, que exer­çam a paciência com todos.”

v. 13: “Tenham paz entre vocês.”

v.15: “Sempre busquem fazer o bem uns aos outros e a to­dos.”

Observe como aqui em 4.1 (e igualmente no que se segue) Paulo está tratando dos crentes tessalonicenses “como uma ama” afaga (e como um pai admoesta) a seus próprios filhos (2.7,11). Para o significado de irmãos, veja a exposição de 1.4.0 apóstolo (naturalmente apoiado por seus companheiros) solicita (pedir de forma amável e cortês, mas sem mendigar: veja CNT, Jo 11.22; 14.16) e admoesta ou insta (veja a ex­posição de 1.1) - ou seja, em virtude de sua união com o Senhor, a quem ele representa e cujo Espírito o inspira - para que transbordem ou exce­dam ou abundem (rcepujaetíco, veja a exposição de 3.12) mais e mais no dever de conduzir-se adequadamente, e assim agradem a Deus. É evi­dente que o que Paulo deseja tão ardentemente é que os tessalonicenses, observando a lei de Deus, sejam movidos de gratidão pela sua redenção. Com extraordinário tato, ele introduz a locução parentética: “como de fato estão se conduzindo”. O que o apóstolo realmente deseja, pois, é que os galhos que produzem fruto, produzam-no ainda mais (veja CNT, Jo15.2). Isso era necessário não só tendo em vista a imaturidade desses recém-convertidos do paganismo e “as deficiências da fé”, as quais, neste caso específico, deviam ser supridas (3.10), mas também a consideração mais geral, ou seja, que o crente jamais atinge a plena perfeição espiritual nesta vida. Para o conceito, agradar a Deus veja a exposição de 2.15.

2. Pois vocês sabem quais as instruções que lhes transmitimos através do Senhor Jesus.A fim de evitar as acusações de ser culpado de emitir ordens arbitrá­

rias, e, a fim de adicionar autoridade a sua exortação, o apóstolo enfa­tiza duas questões:

a. Que essas instruções ou diretrizes (um termo militar que oeon v

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118 1 TESSALONICENSES 4.3-8

também em At 5.28; 16.24; lTm 1.5,18) não são novas. São ordens dadas previamente, enquanto Paulo estava com eles.

b. Que são dadas através do Senhor Jesus; ou seja, por ordem dele; daí, com sua autoridade. Ainda que os comentaristas difiram com res­peito à interpretação da preposição, através de, como usada aqui, a explicação que já demos tem o contexto em seu favor (veja a exposição do v.8 a seguir). Os leitores devem estar conscientes de que quem quer que rejeite as instruções aqui transmitidas, não rejeita ao homem, e sim, a Deus.

Quando essa interpretação é adotada, a lógica da declaração que imediatamente se segue é prontamente evidenciada. Observe-se a liga­ção: “através do Senhor Jesus. Porque esta é a vontade de Deus”. Não é simplesmente Paulo quem escreve, mas Deus quem ordena.

3-8. Em razão do problema exegético envolvido nos versos 3-8, e com o fim de mostrar a relação das várias partes entre si e com o todo, faz-se necessário apresentar esses seis versículos em conjunto como uma unidade, e transcrevê-los de tal forma que essas relações fiquem visivelmente patentes.

Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação,(a) que se abstenham da imoralidade,(b) que cada um de vocês saiba tomar uma esposa para si em santificação e honra, não em paixão de luxúria, como fazem os pagãos que não conhecem a Deus;(c) que ninguém vá além do que é conveniente e defraude a seu irmão nesta matéria.Porque vingador é o Senhor em todas essas coisas, como previa­mente lhes dissemos e solenemente lhes testificamos. Porque Deus não os chamou para a impureza, e, sim, em santificação. Portanto, aquele que rejeita (estas instruções), rejeita não ao homem, e, sim, a Deus que até mesmo lhes dá o seu Santo Espírito.Dessa forma, fica prontamente em evidência, segundo a mais sim­

ples construção (também a mais lógica, segundo cremos), as palavras - Esta(...) vontade de Deus(...) a vossa santificação - estão em aposição. As três cláusulas coordenadas (a, b e c) são adicionadas para posterior elucidação (em outras palavras, elas são epexegéticas) do conceito vos­sa santificação (veja a exposição do v.9). Elas estão em aposição com este conceito e lhe dão certa aplicação restrita. Também (b) lança luz sobre (a), (a) sobre (b), (c) sobre (b) e (b) sobre (c). Ainda que (b) e (c) sejam paralelas uma à outra, e em certo sentido também (a), todavia

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1 TESSALONICENSES 4.3-8 119

podem ser consideradas como apresentando uma exemplificação espe­cífica de (a).

A locução, “Porque vingador é o Senhor em todas as coisas” modi­fica (a), (b) e (c), como as próprias palavras, todas as coisas, o indi­cam. Eis o sentido desta locução: Deus se vinga da imoralidade e, em especial, a ação de tomar esposa impulsionado por paixão lasciva, e a iniqüidade de ir além dos limites da decência, defraudando o irmão na esfera das relações conjugais. Deus castiga o homem que se recusa a andar pelos caminhos da santificação. Assim é, “porque Deus não nos chamou para a impureza, mas em santificação”. A frase final - “Portan­to, aquele que rejeita [estas instruções], rejeita não ao homem e, sim, a Deus que também lhes dá o seu Santo Espírito” - revela que, sendo o próprio Deus quem nos chamou em conexão com a santificação, o ho­mem que desconsidera esta admoestação se opõe diretamente a Deus (veja CNT, Jo 13.20; cf. ISm 8.7; Lc 10.16), e que isso se faz ainda mais repreensível, visto que o Autor da santificação é o grande dom de Deus à Igreja.

À luz do que foi dito, faz-se claro que Paulo está debatendo um só assunto, não dois. Ele está debatendo a santificação, e aqui nos versos 3-8, especialmente, é o dever de cada um abster-se da imoralidade, tal como é praticada, por exemplo, por aqueles que, em vez de tomarem uma esposa e fazê-lo de forma tal que se mantenham em harmonia com a exigência da santificação, são movidos pela luxúria; ou, desrespeitan­do os limites da decência, entram em relações ilícitas, clandestinas, com a esposa ou filha de seu irmão. Ainda que o irmão, que assim foi enga­nado e defraudado, não descubra nunca a iniqüidade de que foi vítima, contudo, existe um Vingador, que é Deus (cf. Lv 25.14,17; SI 94.1), assim como Paulo declarara, solenemente, enquanto ainda estava com eles. Tomara que os crentes de Tessalônica, tão recentemente converti­dos de um mundo no qual prevaleciam tais práticas pecaminosas, te­nham em mente que foram chamados deste mundo, não com o propósito de viver na impureza, mas em harmonia com a grande obra de santifica­ção74 que o Espírito Santo, o dom de Deus concedido à Igreja, está realizando no coração deles (para o nome, caráter, vinda e obra do Es­pírito Santo, veja CNT, Jo 14.16,17,26; 15.26; 16.7,8,13-15).

7 4 .0 substantivo verbal ativo ètyiaojiòç é aqui usado (como também em 1Ts 4.7; 2Ts 2.13; então, Rm 6.19,22; ICo 1.30; Hb 12.14; 1 Pe 1.2). Aidéia verbal, provavelmente, não esteja inteiramente ausente em 1 Tessalonicenses 4.4 (ao escolher uma esposa, o princípio de santificação deveria fazer-se manifesto) nem em 1 Timóteo 2.15.0 estado resultante ou qualidade expressa pelo termo òcyi.aaúw] como sugere a terminação.

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120 1 TESSALONICENSES 4.3-8

Este, em suma, parece ser o sentido natural de toda a passagem (vv.3-8). Entretanto, há certos tradutores e comentaristas que são parti­dários de um ponto de vista que, num aspecto importante, difere radi­calmente do nosso. Sua opinião resume-se assim: Paulo, neste breve parágrafo, condena dois vícios pagãos, ou seja, a imoralidade sexual e as práticas desonestas nos negócios. O verso 6 é, pois, traduzido da seguinte forma (ou na seguinte ordem): “que ninguém vá tão longe a ponto de trapacear seu irmão nos negócios”. Todavia, cremos que têm razão os tradutores que traduzem a frase assim: “que ninguém vá além do que é conveniente e defraude seu irmão nesta matéria”.75

As razões para adotarmos a tradução: “que ninguém vá além do que é conveniente e defraude seu irmão nesta matéria”, são as seguintes:

(1) Quando um tema é introduzido com tanta emoção, não se espera uma mudança brusca para algo completamente diferente (como “em negócios”). Paulo está falando de santificação e, neste contexto, de abs­tinência da imoralidade e impureza. Santificação, imoralidade, impu­reza são as palavras-chave de todo o parágrafo (vv.3-8).

(2) A injunção: “que cada um de vocês saiba tomar (ktokj0ou é infinitivo presente; portanto, não é possuir, pois para isso deveríamos, antes, esperar o tempo perfeito) esposa (literalmente vaso, que é tam­bém um termo usado pelos rabinos para esposa) para si em santificação e honra”, certamente apóia a idéia de que a Tcpôyixoc de que Paulo está falando no verso 6 é da pureza do sexo e relações maritais. Alguém deve escolher uma pessoa para si mesmo, e nessa escolha o poder santifican- te de Deus, que leva esse alguém a manter sua esposa em honra, deveria ser uma realidade prática. A maldade de defraudar um irmão (pela prá­tica da imoralidade com sua esposa ou sua filha), em vez de tomar honestamente uma esposa para si, é aqui condenada.

75. Em favor da tradução “nesta matéria” (ou algo semelhante) e de interpretar a admoestação como uma advertência contra “pecados da carne”, especialmente o pecado das relações ilícitas (por exemplo, de um homem com a esposa ou a filha de seu irmão), estão as seguintes: A. R. V., R. S. V., Goodspeed, Weymouth, Williams, a nova tradução holandesa, a francesa (versão d’Ostervald); tam­bém: Alford, Bengel, Denney (in The Expositor’s Bible), Ellicott, Erdman, Frame, Fausset (in Ja­mieson, Fausset, Brown Commentary), George Milligan, Moffatt (in Expositor’s Greek Testament) e Robertson (in Word Pictures), estes, além de muitos outros comentaristas, dentre os quais há al­guns cujas obras são, provavelmente, menos conhecidas ou pouco acessíveis.

Em favor da tradução “em negócios” (ou algo semelhante) estão as seguintes: Wyclif (“in chaffa- ringe”), Tyndale (“in bargayninge”), Cranmer, Rheims, a Berkeley Version (por Verkuyl), as ver­sões alemãs antigas, frísia, sul-africana; também: Auberlen-Riggenback (in Lange’s Commentary), Calvino, Grotio, Lenski, Veldkamp e vários outros.

Bames se encontra entre aqueles que aceitam a posição de que a injunção é contra o defraudar em qualquer sentido, aspecto ou maneira, seja em negócios ou outra área (cf. “em qualquer matéria” da Versão de Genebra e da A. V.).

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1 TESSALONICENSES 4.3-8 121

(3) Nossa interpretação tem também o apoio do que Paulo fala em outra passagem quase similar (ICo 7.2 e cf. v.39): para não cair na tentação de cometer imoralidade, o homem deve ter sua própria esposa. O matrimônio, além do mais, deve ser sempre no Senhor.

(4) Os verbos a. ir além ou ultrapassar ou enganar ('ÚTteppaívco- eiv, os quais ocorrem somente aqui no Novo Testamento), usados seja intransitivamente (ir além do que é conveniente) ou transitivamente (en­ganar ou defraudar o irmão), e b. ter mais do que, tirar vantagem de, defraudar (nXeovÉKXoy- eiv), são muito adequados em combinação com práticas imorais nas relações sexuais (não é verdade que só podem ser aplicados a transações comerciais). Tais pecados são comumente prati­cados em secreto: o pai ou o esposo não sabe o que está acontecendo, e seus direitos estão sendo negados; ele está sendo defraudado. Deus, porém, sabe, e revelará ser o Vingador.

(5) Em nenhuma parte do Novo Testamento a palavra 7cpôcy|iot sig­nifica negócio e, sim, coisa, matéria, assunto (às vezes significa/e/to, prática).76

76. As principais objeções são as seguintes:a. A maioria dos comentaristas favorece a tradução “em negócios

Resposta: Quando tantos eruditos do alto escalão se encontram em lados opostos de uma ques­tão, este argumento (que nunca é forte) é de mui pouco valor.

b. A cláusula “vingador é o Senhor em todas estas coisas ” indica que pelo menos dois pecados diferentes devem ter sido mencionados ao que precede.Resposta: Estritamente falando, nem mesmo dois são suficientes para envolver plenamente a expressão todas estas coisas. Em nossa própria exposição, porém, as três locuções coordena­das, mencionando o pecado de imoralidade, o de tomar uma esposa levado pela paixão da con­cupiscência e o de avançar além do que é direito e defraudar o irmão, é tudo o que é necessário, especialmente se se tem em mente que isso não é um pequeno problema adicional, e que pecados similares, embora não realmente mencionados, estão também implícitos.

c. A omissão de um sujeito em conexão com “ir além do que é direito e defraudar seu irmão nesta m atéria” mostra que um novo pecado, não considerado anteriormente, é aqui mencionado.Resposta: A omissão do sujeito, de modo que o mesmo tem que ser suprido (talvez da locução anterior; daí, “que cada um de vocês(...) não” ou “que nenhum...”), por si mesma não soluciona a questão em nenhuma das duas direções. Quando se chega a alguma conclusão, é o predicado, muito mais que o sujeito, que é importante.

d. O infinitivo articular no verso 6 (xò uii •imeppaíveiv), por seu próprio contraste com os infinitivos carentes de articulação nas duas locuções precedentes (Óotéxec0ai e el&ívai) comprova que um novo pecado é introduzido aqui, ou seja, desonestidade nos negócios, Resposta: O uso do artigo com o infinitivo no verso 6 (de modo que resulta xò t|j.ep[)a I w i v I pode ser explicado como uma tentativa para indicar que este i_ití não é similar a |Jfj no inirii i Ir outra vez no final) do verso 5, exceto que introduz uma nova locução (Há outras expln >nor>*i Não é verdade que o artigo prova que um novo pecado é aqui introduzido.

e. npôtyna é um termo regularmente comercial que significa “negócios". Porliwhi, ' "> >/< ' < ser o significado aqui em 1 Tessalonicenses 4.6.

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122 1 TESSALONICENSES 4.9

9. Acrescenta-se, agora, uma nova admoestação. Não obstante, ela não é inteiramente nova. Amor aos irmãos é outra ilustração de santifi­cação, que é mencionada no verso 3. Além disso, no verso 6, proíbe-se o defraudar o irmão. Daí, não nos deve surpreender que agora nos seja dito algo em referência ao amor pelo(s) irmão(s):

Ora, concernente ao amor pelos irmãos não têm necessidade de que [alguém] lhes escreva, porque vocês mesmos têm sido ensinados por Deus a amar-se uns aos outros.A questão se Paulo está, aqui, fazendo alusão a alguma carta rece­

bida dos tessalonicenses já foi discutida em nota de rodapé (nota de rodapé 4). Não se exige tal carta para explicar esta passagem (v.9). Já ficou esclarecido que a transição dos versos 3-8 para o verso 9 não é abrupta. A expressão “não têm necessidade de que [alguém] lhes escre­va” também não indica, necessariamente, relutância por parte de Paulo. Antes, a razão é a seguinte:

(1) Paulo acaba de dizer que o Espírito Santo foi dado à Igreja (neste caso especialmente aos irmãos de Tessalônica); veja o verso 8. Nesse mesmo contexto, ele agora acrescenta que esse Espírito que neles habita (em conexão com a mensagem dos missionários) já os ensinou a amar uns aos outros. Por isso, ele não vê necessidade de se estender mais sobre o tema. A mera menção deve bastar.

(2) Os tessalonicenses - veja o próximo versículo (10) - estão de fato evidenciando esse amor, e isso numa escala bastante ampla (cf.1.3). Por que, pois, Paulo escreveria tão longamente sobre o tema?

(3) Paulo, provavelmente, foi o missionário de mais tato que já an­dou por esta terra. Ele desejava evitar ofensa, e deseja dar crédito onde o crédito é merecido. Falando em termos gerais, ao declarar que não é nem mesmo necessário escrever sobre o amor fraternal, uma vez que os leitores haviam sido ensinados por Deus e estavam evidenciando os efeitos

Resposta: O fato é que em nenhum outro lugar em todo o Novo Testamento a palavra tem tal significado.Mt 18.19: “concordarem a respeito de qualquer coisa.”Lc 1.1: “Uma narração coordenada dos fatos.”At 5.4: "... essas coisas [talvez atos] em teu coração.”R m 16.2: “e a ajudem em tudo.”ICo 6.1: "... tendo uma questão [ou queixa ou pleito] contra seu vizinho.”2Co7.11: "... estar inocente quanto aos fatos.”Hb6.18: “para que, mediante duas coisas imutáveis.”Hb 10.1: “Não a imagem real das coisas.”Hb 11.1: “a convicção de, fa tos que senão vêem.”Tg 3.16: “toda espécie de coisas ruins.”

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1 TESSALONICENSES 4.10,11 123

deste ensino na vida deles, ele preparou o caminho para indicar algumas deficiências. Deve-se ter em mente que o homem que aqui escreve é aquele que ensinou a outrem que a sua linguagem deveria ser sempre agradável, temperada com sal (Cl 4.6). Ele jamais lisonjeia (veja a ex­posição de lTs 2.5), mas é amável como a ama quando acaricia (ou quando o pai cuida de) seus próprios filhos (veja a exposição de 2.7,11).

O termo filadélfia ((|)iA.a5eX.(|)ía), ou amor ao(s) irmão(s), que no grego clássico significa amor ao irmão de nascença, no Novo Testa­mento sempre denota amor ao irmão em Cristo (assim também em Rm 12.10; Hb 13.1; IPe 1.22; 2Pe 1.7). Os tessalonicenses haviam sido ensinados por Deus a amar assim uns aos outros. O adjetivo verbal passivo OeoôíSaKim ocorre somente aqui em todo o Novo Testamento (porém, cf. Is 54.13; 60.2,3; Jr 31.33,34; J1 2.28; Mq 5.2; Zc 3.9; Ml1.11; e veja CNT, Jo 6.45). No tocante a amar uns aos outros, veja CNT, João 13.34; 15.12. No tocante ao verbo amar, veja CNT, João 21.15-17.

10. A eficácia deste ensinamento divino é agora assinalada: ... e de fato estão também fazendo isso a todos os irmãos em toda a Macedônia.Aos relacionamentos profissionais, políticos e sociais entre as pes­

soas da grande cidade de Tessalônica, e aqueles de outros lugares da Macedônia (por exemplo, Filipos, Beréia), acrescenta-se agora um novo- o relacionamento da fé em Cristo. Foi assim que todos os irmãos em Cristo, com quem os tessalonicenses entraram em contato, através de toda a Macedônia, chegaram ao conhecimento genuíno do “amor frater­nal” (cf. 1.7,8. Por isso, Paulo simplesmente acrescenta: Instamos, porém (veja a exposição de 2.11), com vocês, irmãos, a se desenvol­verem mais e mais. Veja a exposição de 4.1. A perfeição não fora ainda atingida. Esta admoestação é sempre oportuna, pois, nesta vida nenhum cristão jamais atinge o ideal da perfeição ética. Além disso, neste caso havia razões especiais que justificavam a necessidade da admoestação, como fica claramente subentendido em passagens tais como 3.10; 4.3­8,11; 5.13-15.

11. Umas poucas e breves admoestações são adicionadas. Também com respeito aos assuntos aqui mencionados é necessário que se faça evidente a obra de santificação (veja o v.3):

a. e que ambicionem viver tranqüilamente,b. e a se ocupar de seus próprios afazeres,c. e a trabalhar com suas próprias mãos, assim como lhes orde­namos...Fanáticos, intrometidos e ociosos existem em quase todas as igrc -

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124 1 TESSALONICENSES 4.11

jas. Às vezes uma e a mesma pessoa é as três coisas. Por isso, as três admoestações não se destinam a três grupos distintos de pessoas, mas, em certo sentido, à congregação toda, porquanto a semente de todos os pecados se acha incrustada em cada coração.

Deve-se rejeitar a tentativa de encontrar na segunda e na terceira admoestações uma referência a dois grupos distintos - negociantes e trabalhadores manuais. Alguns comentaristas favorecem essa idéia, pro­vavelmente com o intuito de acrescentar um toque de realismo aos “ne­gociantes” que introduziram no verso 6 (“em negócios”). As admoesta­ções eram concernentes aos membros da igreja em geral, ainda que, naturalmente, se aplicavam a alguns mais do que a outros. Também é provável que a primeira admoestação fosse particularmente adaptada a uma pessoa, a segunda a outra, etc.

Embora não haja aqui nada que comprove a existência de alguma conexão entre as condições da igreja e a agitação com respeito ao espe­rado retomo de Cristo, tal conexão, entretanto, é provável. Veja a expo­sição de 2 Tessalonicenses 2.1,2. Note também que aqui em 1 Tessalo­nicenses 4 as três admoestações são imediatamente seguidas de instru­ção com referência à Segunda Vinda.

Algumas pessoas se sentiam inquietas. Paulo então luta para que essa inquietação tenha uma direção apropriada. Com aquela admirável habilidade de se expressar de maneira paradoxal, o que repetidas vezes se toma evidente em suas epístolas, Paulo admoesta os tessalonicenses a se inquietar por uma vida quieta (vivendo tranqüilamente). Que os inquietos agucem sua ambição por alcançar este alvo. O original, aqui, tem o verbo (|)iX,oxi|i£ia0ai. O significado primário é amar a honra, então ser ambicioso, aspirar, esforçar-se (talvez sentir-se orgulhoso de; veja também Rm 5.20; 2Co 5.9).77

Gloriar-se na doutrina do retomo de Cristo é uma atitude correta. Aguardar essa bendita vinda é algo natural para o crente genuíno. Mas ficar entusiasmado a ponto de se tomar arrogante, como se ele - ele só- tivesse descoberto “a luz”, a ponto de começar a intrometer-se nos assuntos alheios, particularmente nos assuntos dos líderes da igreja, é realmente errôneo. Por isso, à primeira admoestação acrescenta-se uma segunda: “... vos ocupardes de seus próprios afazeres (xà íô ia)”. Tudo indica que os intrometidos não levaram esta admoestação a sério. Sua intromissão aumentou ainda mais em vez de melhorar (veja a expo­sição de 2Ts 3.11).

77. Veja o artigo de J. S. M. Hooper “Translation of Biblical Terms: An Illustration”. In BTr, vol. 4, número 3 (Julho de 1953), págs. 126-129.

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1 TESSALONICENSES 4.12 125

A tendência dessas pessoas de abandonarem sua oficina ou outra forma de trabalho manual atraiu a terceira admoestação: “...a trabalha­rem com suas próprias mãos, assim como lhes ordenamos”. Veja a ex­posição de 2.9.0 trabalho manual era ainda mais comum naqueles dias do que hoje. Havia escravos, trabalhadores assalariados, artesãos inde­pendentes (cf. At 19.24), cada um possuindo sua própria oficina; havia ainda os agricultores ou trabalhadores em fazendas. Naturalmente, numa cidade portuária como Tessalônica, havia também proprietários de bar­cos e dirigentes de empresas comerciais. E também havia quem possuía ou trabalhava em mercados. Certamente que está bem dentro a possibi­lidade de que alguns dos homens que se achavam no controle de tais negócios, pequenos ou grandes, fossem membros da igreja. Não há dú­vida de que, em muitos casos, o trabalho manual se achava combinado com uma micro-empresa. E certo, porém, que na presente passagem a ênfase não está em fazer negócio, e, sim, em trabalhar com as mãos. A maioria dos membros provavelmente consistia de trabalhadores bra­çais, fossem especializados ou não (veja também Introdução III. O pro­pósito de Paulo em escrever). Paulo sabia o que isso significava. Talvez ele mesmo, justamente antes de escrever essa carta, estivera trabalhan­do na fabricação de uma tenda. O propósito, pois, da presente admoes­tação dirigida aos membros daquela congregação recém-formada con­siste em que, em vez de procurarem ser sustentados pela igreja e de interferirem nos assuntos dos líderes, se não conseguissem o que queri­am, deveriam continuar em sua ocupação diária, ganhando o seu pró­prio sustento. O evangelho da salvação é profundamente prático. Ele dignifica o trabalho. Essas coisas tinham sido apresentadas aos tessalo­nicenses com toda clareza na primeira visita que os missionários lhes fizeram. Eles tinham recebido ordens específicas. Por isso, os fanáticos, os intrometidos e os ociosos não podiam apresentar qualquer desculpa razoável para sua conduta repreensível.

12.0 propósito destas admoestações é declarado nas seguintes pa­lavras: a fim de que78 possam conduzir-se convenientemente com res­peito aos de fora, e não dependam de ninguém.79

Andar (o m esm o verbo que aparece em 2.12; 4.1) ou conduzir-se “ de acordo com os bons costum es” ou “ em boa fo rm a” ( e ix í%T||iòvcoç

78. Amudança dos infinitivos para Iva pareceria subentender propósito aqui (talvez resultado: de modo que; sendo a diferença muito trivial neste caso), não uma cláusula-objeto depois de “instamos com vocês”. Por certo que é inteiramente correto que iva freqüentemente introduz uma locução- objeto, mas pela razão já mencionada, isso não é provável aqui.

79. Naturalmente que h t|5evòç pode também significar em nada, mas em vista da imediatamente precedente jtpòç xoiiç êÇco, a tradução em ninguém é provavelmente a melhor.

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126 1 TESSALONICENSES 4.1 -12

de e\j e a%%ia; cf. ICo 14.40; em seguida Rm 13.13), corretamente, com referência aos de fora, ou seja, os não cristãos (cf. ICo 5.12; Cl 4.5), de modo que o evangelho não caia em descrédito; e não dependais de (literalmente, ter necessidade de) ninguém, é uma meta digna de ser alcançada. Assim, alguém ainda é capaz de ajudar a sustentar as pesso­as que merecem e que são realmente necessitadas (cf. At 20.34,35).

Síntese de 4-1'12Veja Sumário de 1 Tessalonicenses 4.1-12. Exortação, Paulo escreve

aos tessalonicenses exortando-os sobre como deveriam conduzir-se.Versos 1-8 com respeito ao sexo e ao matrimônio.O apóstolo, com muito tato, afirma que não está promulgando no­

vos mandamentos, e que seus preceitos foram dados através do Senhor Jesus Cristo (em harmonia com a vontade de Cristo e por sua autorida­de), e que até certo ponto os leitores já estão agradando a Deus por meio de sua conduta, a qual está em harmonia com sua vontade. Entretanto, eles devem abundar cada vez mais.

Ora, a vontade de Deus é a sua santificação.Aplicando isso à esfera sexual e matrimonial, Paulo insiste em que

cada homem, longe de persistir ou voltar aos vícios pagãos, por exem­plo, defraudando um irmão por meio de uma conduta desonrosa para com a esposa ou a filha do irmão, deveria tomar uma esposa para si em santificação e honra, não cedendo à paixão lasciva. Além do mais, ele assinala:

a. que Deus é Vingador;b. que os leitores devem ter em mente que foram chamados, não à

impureza, e, sim, em santificação;c. que aquele que rejeita esta instrução, rejeita não ao homem, e,

sim, a Deus; ed. que este Deus, com o fim de ajudá-los em sua luta contra o peca­

do, também lhes concede o seu Santo Espírito.Versos 9-12 com respeito ao amor fraternal e diligência na condu­

ta diária.No tocante ao amor entre os irmãos em Cristo, Paulo pode ser bre­

ve, porquanto o Espírito de Deus que neles habita já ensinou os irmãos a amarem uns aos outros; além disso, eles já estão procedendo assim em grande escala. Contudo, que eles procurem abundar nesta virtude.

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1 TESSALONICENSES 4.1-12 127

No tocante à diligência, os fanáticos - provavelmente os que so­friam “histerias parusíacas” (cf. 2Ts 2.1,2) - deveriam “ambicionar a tranqüilidade” ; os intrometidos (Paulo usa o próprio termo em 2Ts 3.11, porém a idéia está implícita aqui em lTs 4.11) deveriam começar a preocupar-se com seus próprios afazeres; e os ociosos deveriam come­çar a trabalhar com suas próprias mãos. (Com toda probabilidade, os três aspectos mencionados se acham presentes nas mesmas pessoas: fanáticos, intrometidos e ociosos). Eles deveriam evitar toda e qualquer ofensa aos de fora. Além disso, ao trabalhar diligentemente, uma pessoa desenvolve a arte de “não depender de ninguém”.

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SUMÁRIO DE 1 TESSALONICENSES 4.13-5.11

Paulo escreve aos tessalonicenses Instruindo-os sobre como Cristo virá outra vez Esta seção compreende as instruções do apóstolo, demonstrando

que o retomo do Senhor será4.13-18 com imparcialidade para com todos os crentes, de modo que os

que ainda sobreviverem não terão vantagem sobre aqueles que já adormeceram

5.1-11 deforma repentina, tomando todos de surpresa, embora os cren­tes estarão (e devem esforçar-se por estar) plenamente prepara­dos.

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1 TESSALONICENSES 4.13 129

13 Ora, não queremos, irmãos, que sejam ignorantes no tocante aos que dor­mem, a fim de não se entristecerem como os demais que não têm esperança. 14 Pois se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também os que adormeceram, por meio de Jesus, Deus os trará com ele.80 15 Porque isto lhes dizemos pela Palavra do Senhor, que nós, os que permanecermos vivos, que ficarmos até a Vinda do Senhor, não teremos vantagem sobre aqueles que adormeceram. 16 Porque, com uma ordem bradada, com voz de um arcanjo e com trombeta de Deus, o Senhor mesmo descerá do céu, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; 17 então nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, em nuvens, para encontrar o Senhor nos ares. 18 E assim estaremos sempre com o Senhor. Portanto, animem-se uns aos outros com estas palavras.

4.13-18Aqui tem início uma nova seção. Esta não é Defesa, nem Expressão

de Regozijo, nem Exortação, mas, sim, Instrução, ainda que estes qua­tro aspectos nunca se achem inteiramente separados. Note, por exem­plo, a exortação no verso 18.

Esta seção mostra como Cristo virá outra vez. Ela contém duas subdivisões; a primeira mostra que ele virá com imparcialidade em rela­ção aos crentes, de modo que os sobreviventes não terão nenhuma van­tagem sobre os que já dormiram (4.13-18), e a segunda, que sua chega­da será repentina, tomando as pessoas de surpresa (5.1-11).

4.13. Ora, não queremos, irmãos, que sejam ignorantes no to­cante aos que dormem.A cláusula introdutória - ora, não queremos, irmãos, que sejam

ignorantes - tem suas analogias em muitas cartas do mundo antigo que chegaram até nós. Paulo usa essa fórmula com freqüência (Rm 1.13;11.25; ICo 10.1; 12.1; 2Co 1.8; cf. Fp 1.12; Cl 2.1). Nas epístolas de Paulo, porém, as palavras nunca são meras formas vazias. Elas são divinamente inspiradas. Existe uma razão especial para elas. Assim tam­bém no presente caso. A ignorância no tocante às realidades espirituais é sempre algo ruim para o crente. Ela o priva do conforto. Isto era particularmente verdadeiro no presente caso. Os irmãos (observe-se a forma afetuosa de se dirigir a eles; veja a exposição de 1.4) estão preo- cupadíssimos com àqueles que dormem (um texto inferior diz tinham dormido).

A morte dos crentes é, com freqüência, comparada ao dormir (Mt 27.52; Jo 11.11-13; At 7.60; 1Co7.39; 15.6,18; cf. “descansam de seus labores”, Ap. 14.13). A expressão tem por base a terminologia do Anti­

80. Temos tentado reter na tradução a posição ambígua da frase Siàxoí ’lT|aoú Veja verso 14.

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130 1 TESSALONICENSES 4.13

go Testamento com referência à morte (Gn 47.30; 2 Sm 7.12). A com­paração que se faz da morte com o sono é especialmente apropriada ao subentender não somente o repouso do trabalho, mas também o glorioso despertar que os crentes esperam ter no além. Esse dormir não indica um estado intermediário de repouso inconsciente (sono da alma). Ainda que a alma esteja dormindo para o mundo que deixou (Jó 7.9,10; Is 63.16; Ec 9.6), contudo ela está desperta com respeito ao seu próprio mundo (Lc 16.19-31; 23.43; 2Co 5.8; Fp 1.21-23; Ap 7.15-17; 20.4). Para outras belas e consoladoras palavras e frases que descrevem a morte dos crentes, veja CNT João 11.11-13.

Uma inferência razoável dessa passagem é que durante o curto pe­ríodo que transcorrera desde que os tessalonicenses ouviram o evange­lho pela primeira vez, alguns crentes haviam deixado o cenário terreno. Era a seu respeito que amigos e parentes estavam profundamente abala­dos. De fato, eles estavam tão alarmados que Paulo acrescenta: a fim de não se entristecerem como os demais que não têm esperança.

A razão de tal perturbação não é expressa com clareza, ainda que uma boa inferência, porém muito geral, possa ser extraída dos versícu­los que se seguem. Que esses inimigos e parentes realmente criam que os entes queridos que haviam partido “estavam perdidos”81 não é algo que se pode necessariamente deduzir do presente parágrafo. E possível, especialmente à luz do trecho imediatamente seguinte, que eles tivessem perdido toda a esperança na futura glória dos corpos daqueles que havi­am falecido. Veja a exposição do verso 15. Entretanto, o verso 13 nem mesmo expressa de forma clara que os crentes estavam realmente en­tristecidos “como os demais que não têm esperança”. Ele pode simples­mente significar que existia aquele perigo específico ou aquela tendên­cia. Se esse era o caso, então, com o fim de evitar que crenças e razões errôneas para tristeza se degenerassem em desespero pagão, Paulo es­creve dessa forma.

O mundo grego e romano dos dias de Paulo era deveras um mundo sem esperança (Ef 2.12). De acordo com o conceito grego (e mais tarde também o romano), não existe futuro algum para o corpo, o qual che­gou a ser considerado a “prisão da alma”. E no tocante à alma humana, esta abandona resolutamente o corpo, ou ao exalar o último suspiro, ou através de feridas abertas. Essa alma, em sua existência isolada, não é totalmente imaterial. Sua textura, contudo, é muito tênue. Ela conserva muitas das características de seu corpo interior, e é, portanto, imediata­

81. ComoLenski parece pensar, obra citada, pág. 325.

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1 TESSALONICENSES 4.13 131

mente reconhecida ao aparecer no outro mundo. Ela entra no Hades, o lúgubre reino das “sombras”. Comparado ao seu mundo anterior, onde passou a vida numa terra ensolarada, o sombrio Hades, onde os mortos deploram sua existência, está muito longe de inspirar algum conforto. Nem a modificação desse mito pagão do além, introduzindo o conceito dos campos Elísios como morada especial de uns poucos favoritos dos deuses, nem a criação do Tártaro (para os condenados) e do Érebo (para os não sentenciados), nada disso forneceu alguma base segura de con­fiança. O mundo pagão estava sem esperança real. A Ilíada se encerra com ritos fúnebres. Os filósofos, pelo menos por inferência, rejeitaram as exageradas descrições transmitidas de geração a geração por ilustres poetas, e começaram a interpretá-las alegoricamente. Ensinaram a na­tureza imaterial da alma e basearam nela seus argumentos em favor de sua indestrutibilidade e imortalidade. Para o corpo eles não ofereceram esperança alguma. Nas comédias públicas, as fantasias aceitas pelos menos sofisticados eram às vezes expostas ao franco ridículo. Os estói­cos expressaram sérias dúvidas com referência ao estado futuro do ho­mem. A sobrevivência condicional era o melhor que podiam oferecer, porém, mesmo esta era temporária. Criam que finalmente a alma é ab­sorvida numa substância ígnea idêntica à deidade. Os epicureus adota­ram uma posição que pode ser assim resumida: “Os castigos do Tártaro não devem ser temidos, pois a alma, sendo material compartilhará do destino do corpo. Enquanto estamos vivos, a morte não existe para nós, e quando ela aparecer, nós já não existimos”. As religiões de mistério (mesmo admitindo que nossas principais fontes sejam dignas de confi­ança e não tão recentes), com suas horripilantes histórias de ressurrei­ções que nem sequer merecem tal nome - cabelos que começam a cres­cer, um pequeno dedo que começa a se mexer, partes de um cadáver que se juntam e passam a viver - , e o melhor que podem oferecer é uma promessa de fazer alguém/eítz, mas não de fazê-lo santo. Tal coisa não pode produzir nunca a satisfação perene.

De fato, à parte do Cristianismo, não existia nenhuma base sólida de esperança em conexão com a vida por vir. No século 2° d.C., certa mulher egípcia, chamada Irene, enviou uma carta a uma família enluta­da. Escreve-lhes que se sente muito penalizada e que chora, por sua amiga que partiu, a mesma dor que sentiu quando perdeu seu próprio amado. Ela conclui sua carta, dizendo:

“Contudo, contra tais coisas nada se pode fazer.Portanto, confortem uns aos outros. Adeus”.

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132 1 TESSALONICENSES 4.14

É evidente que semelhante expressão “confortemo-nos uns aos ou­tros” - não havendo base alguma para tal conforto, é, no mínimo, muito insuficiente.82

14. Pois (isto é, tal ignorância e desesperança é inescusável, pois ) se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também os que adormeceram, por meio de Jesus, Deus os trará com ele.Em contraste com a desesperança pagã, Paulo procede agora a esta­

belecer um fundamento sólido para a esperança cristã com referência aos crentes que já se despediram desta vida.

O verso 14 tem sido interpretado de diversas maneiras. É preciso dizer algo com referência à sua estrutura gramatical, sua lógica e seu significado.

Com respeito ao item a., estrutura gramatical, a questão principal que conduz a controvérsia é: “A que membro da locução pertence a frase por meio de Jesus?’. Devemos colocar a frase entre vírgulas? Ou pôr vírgula antes ou depois? Ambas as alternativas são possíveis, e a diferença realmente não tem importância. Os que mantêm que o senti­do é: “Pois cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também por meio de Jesus Deus trará com ele os que adormeceram”,83 estão dis­postos a admitir que é também através da mediação de Cristo que os crentes são capazes de dormir nele. Em outras palavras, eles (com pou­cas exceções) não têm real objeção à expressão “os que dormem84 por meio de Jesus”, porém, eles não crêem que nesse texto, tal como o te­mos, Paulo diz isso. Afirmam amiúde que, se o apóstolo quisesse escre­ver semelhante coisa, ele teria escrito “os que dormem em Jesus” (cf. ICo 15.18), e não “por meio de Jesus”.

Em contrapartida, os que são a favor da tradução “... ainda assim os que também dormiram em Jesus (ou: que adormeceram por meio de Jesus) Deus trará com ele” confessam alegremente que não só o ador­

82. Para pensamentos referentes à vida por vir, na literatura grega e romana, veja a Loeb Classical Library, especialmente livros com textos similares em latim e inglês, tais como Virgílio (A Eneida, livro sexto), Cartas de Plínio o Moço, Lucrécio, Horácio; também: grego-inglês: Homero (Ilíada e Odisséia), Ésquilo, Diógenes Laércio, Epicteto, Eurípedes e Platão (Apologia, Criton, Cheaedo). W. R. Alger, A Critical History o f the Doctrine o f a Future Life, Nova York, 1866, contém farto e valioso material. Para a carta de “Irene”, veja A. Deissmann, Light from the Ancient East, tradução inglesa, Nova York, 1927, págs. 176-178.

83. Assim, por exemplo, os seguintes: Bavinck, Denney, De Wette, Goodspeed, Lenski, Lüne­mann, Moffatt, Van Leeuwen e Williams.

84. Assim, por exemplo, os seguintes: Auberlen-Riggenback, Bames, Bengel, Berkeley (Verkuyl), Calvino, Crisóstomo, Frame, Gratio, Hilgenfeld, Lutero e Robertson (ainda que este deixe lugar para uma ou outra construção).

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1 TESSALONICENSES 4.14 133

mecer é em (ou através de) Jesus, mas também o ato pelo qual Deus traz com Jesus os crentes que já deixaram a presente vida (ICo 15.21). Favorecendo a tradução “adormeceram por meio de Jesus”, temos os seguintes argumentos: (1) assim obtemos uma disposição lógica e ex­pressa com exatidão; por um lado Jesus; por outro, os que adormece­ram por meio de Jesus (cf. ICo 15.23). Cristo, as primícias; em segui­da, os que são de Cristo; e (2) a expressão “Deus trará” já tem um modificador, ou seja, com ele (isto é, com Jesus). É duvidoso se em tal caso se deva sobrecarregá-lo com mais um modificador, especialmente já tendo um que faz excelente sentido se construído com “adormece­ram”. Ambas as construções, porém, são possíveis e fazem sentido.

Com respeito ao item b., a lógica, toma-se prontamente evidente que algo deve ser mentalmente inserido caso desejemos que a declara­ção seja inteligível. Tal como está, a conclusão não coincide com a con­dição. As palavras implícitas, contudo, são prontamente fornecidas. Se o pensamento fosse plenamente expresso, a locução seria algo mais ou menos assim:

“Pois se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, devemos também crer que Deus trará com ele os que adormeceram por meio de Jesus” (ou: “... que por meio de Jesus Deus trará com ele os que estão adorme­cidos”). Se estamos certos em crer isso, devemos também crer aquilo.

Finalmente, com respeito ao item c., significado, a questão princi­pal que divide os comentaristas é: “O que se pretende dizer pela locução Deus trará com ele?”. Alguns argumentam que o significado é suficien­temente claro a partir dos versos 15-17, e que a lógica de toda a passa­gem é a seguinte:

“Pois se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, devemos também crer que o mesmo Deus que ressuscitou a Jesus ressuscitará os crentes que adormeceram, e fará com que eles, juntamente com os crentes que ainda ficaram na terra, subam às nuvens, para encontrar o Senhor nos ares e permanecer para sempre com ele”. Este ressuscitar, subir às nu­vens para encontrar o Senhor nos ares e permanecer para sempre com ele é o que Paulo quis dizer por “Deus trará com Jesus”. Como compro­vação dessa teoria, geralmente afirmam que a conjunção pois, no início do verso 15, demonstra que tudo quanto é declarado nos versos 15-17 é simplesmente uma forma expandida da locução: “Deus os trará com Jesus”.

Outros, todavia, embora de forma alguma neguem que haja consi­derável elemento de verdade na representação dada, percebem que cia não é inteiramente adequada:

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134 1 TESSALONICENSES 4.14

(1) A locução “Deus trará com ele” (v. 14) se refere diretamente apenas aos que partiram; os versos 15-17, porém, se referem claramen­te aos dois grupos: os que já partiram e os sobreviventes. Por isso, não faz sentido levar tudo o que se diz nesses versículos para a cláusula final do verso 14.

(2) Essa interpretação dificilmente faz plena justiça ao significado da expressão trazer com. É difícil aceitar que a locução “Deus os trará com Jesus” signifique simplesmente: ao ressuscitar seus corpos e levá- los a subir, Deus os trará a Jesus, para que o encontrem nos ares.

É por essa razão que vários comentaristas, sem, de forma alguma, fazer injustiça à clara ligação que existe entre o verso 14 e os que se seguem, têm sentido, não obstante, que a expressão “Deus os trará com ele [Jesus]” tem um significado que em certo sentido é mais restrito e noutro sentido mais amplo que aquele declarado nos versos 15-17. É mais restrito porque se refere só àqueles que partiram, e não aos de­mais. E mais amplo porque se refere a esses que partiram não só depois, mas ainda antes de sua ressurreição.

Na concepção de Paulo e de seus companheiros (bem como na de seus leitores, presumivelmente), os que partiram são muito reais. São pessoas”. Estão definitivamente vivas e ativas. Além do mais, são pes­soas que Jesus trará consigo do céu em sua vinda. Entretanto, Paulo não diz que Jesus as trará (ainda que isso esteja implícito na frase com ele), e, sim, que Deus as trará. O raciocínio caracteristicamente paulino (cf. Rm 8.11) parece ser este: “O mesmo Deus que ressuscitou a Jesus den­tre os mortos, também ressuscitará dentre os mortos os que pertencem a Jesus”. Ele os compelirá a virem com Jesus, do céu, ou seja: ele trará do céu suas almas, de modo que possam reunir-se rapidamente (num piscar de olhos) com seus corpos, e assim partem para encontrar o Senhor nos ares, afim de permanecerem com ele para sempre. O tra­zer com ele, então, inclui tudo quanto acontece a esses que adormece­ram desde o momento de sua saída do céu até que, nos seus corpos ressurretos e glorificados, encontrem o Senhor nos ares, para nunca mais se separarem dele, de modo nenhum.85 E nesse sentido amplo que3.13 menciona “a vinda de nosso Senhor Jesus com todos os seus san­tos”. Veja também a exposição dessa passagem.

85. Essa interpretação está em harmonia com uma observação de A.Kuyper, Dictaten Dogmatiek, 2a edição. Grand Rapids, MI, 1910, Lócus de Consummatione, pág. 244 (“alie zielen moeten naar de aarde terug”) e também responde a uma objeção suscitada por ele. Veja igualmente B .B. Warfi­eld, Biblical and Theological Studies, Filadélfia, 1952, pág. 467: “A ressurreição dos mortos em Cristo é assegurada antes de ele chegar à terra”. Isso é correto.

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1 TESSALONICENSES 4.15-17 135

15.0 verso 14 deixou bem claro que Cristo, em sua vinda, cuidará dos que partiram, e não somente dos sobreviventes. O verso 15 leva esse pensamento um pouco além, e mostra que, em nenhum sentido, os que ainda estiverem na terra no momento de seu retomo terreno não terão nenhuma vantagem sobre os que já tiverem adormecido em Jesus. O escritor inspirado expressa isso assim: Porque isto lhes dizemos pela Palavra do Senhor, que nós, os que permanecermos vivos, que ficar­mos até a Vinda do Senhor, não teremos nenhuma vantagem sobre aqueles que adormeceram.

Essa passagem, mais que qualquer outra, chega perto de sugerir a natureza da dificuldade existente em Tessalônica com referência à dou­trina da Segunda Vinda. Ainda assim, porém, nos apresenta o problema apenas de forma geral. No mínimo, fica claro o seguinte: os leitores se encontravam perplexos com relação se, em algum sentido, durante a Parousia, os crentes que já partiram desta vida teriam alguma desvan­tagem em comparação àqueles que ainda viviam na terra. Criam eles, porventura, que não haveria nenhum tipo de arrebatamento para aque­les que já haviam sido trasladados para o céu? Supunham eles (ao me­nos corriam o risco de supor) que, embora a í almas dos que já partiram estivessem na glória, contudo seus corpos permaneceriam sepultados? Seria essa a razão porque Paulo, no verso 13, compara a atitude deles (ou o temor deles) com a dos pagãos (que também não alimentavam qualquer esperança com referência ao corpo)? Seria o caso de eles su­porem que todos os crentes, em corpo e alma (os que já haviam partido e os sobreviventes), participariam da glória do retomo de Cristo, mas no tocante ao arrebatamento, os santos que já haviam partido receberi­am um grau inferior de glória , ou teriam que seguir os outros para o encontro do Senhor nos ares? Ou imaginavam alguma outra desvanta­gem para aqueles que adormeceram? As Escrituras não nos revelam a resposta.

Basta-nos saber que Paulo, por palavra do Senhor (seja diretamente dada a ele ou por meio da tradição oral, mas não por meio de alguma passagem registrada nos evangelhos), assegura aos seus leitores que eles já podem lançar fora seus temores. Na Vinda de Cristo, demons- trar-se-á a mais absoluta imparcialidade. Nenhum grupo de crentes terá vantagem sobre outro. Este pensamento recebe uma forma mais elabo­rada nos versos 16,17.

16,17. Porque,86 com uma ordem bradada, com voz de um ar­8 6 . Não que. Fosse o significado, ó -c i teria sido substituído ou precedido por k<x í.

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136 1 TESSALONICENSES 4.1 6,1 7

canjo e com trombeta de Deus, o Senhor mesmo87 descerá do céu, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; então nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, em nuvens, para encontrar o Senhor nos ares.Ao separar esses dois versículos - 16 e 17 - muitos leitores deixa­

ram de perceber o verdadeiro significado da passagem. Ao grafá-los e lê-los juntos, percebemos facilmente que aí se encontram os mesmos dois grupos de crentes que já encontramos no verso 15.88 Pode-se repre­sentar isso graficamente da seguinte forma:

v. 15 v v .l6 e l7“nós, os que permanecermos vivos, “nós, os vivos, os que ficarmos” que ficarmos até a Vinda do Se­nhor”“aqueles que adormeceram” “os mortos em Cristo”

É evidente, pois, que ambos os grupos - os sobreviventes e os mor­tos (ou os que adormeceram) - são crentes. Qualquer um pode facil­mente ver que o apóstolo não está traçando um contraste entre crentes e descrentes; por exemplo, como se os crentes ressuscitassem primeiro, e os descrentes ressuscitassem mil anos depois. O apóstolo afirma: “E os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; então nós, os vivos, que ficar­mos, seremos arrebatados juntamente com eles, em nuvens...”.

Ambos os grupos sobem para encontrar o Senhor. Ambos consistem de ninguém mais, senão de crentes.

Os vários elementos dessa vívida descrição da descida de Cristo e o arrebatamento dos santos são os seguintes:

a. Com uma ordem bradada.Essa é a primeira de três frases que revelam as duas circunstâncias

que acompanharão o glorioso retomo do Senhor. Ele retoma como ven­cedor.89 A ordem bradada (KéA,ewjJ,a, que em todo o Novo Testamen­to ocorre somente aqui, veja, porém, Provérbios 30.27, na versão LXX)

87. Ou ele, o Senhor.88. Note, contudo, que o verso 15 é uma negação; os versos 16 e 17, uma afirmação. Isso também

é caracteristicamente paulino. Observe igualmente a ordem quiástica: verso 15: os sobreviventes, os que dormem; versos 16 e 17: os que dormem, os sobreviventes (os últimos, contudo Juntamente com os primeiros).

89. A idéia do Cristo vencedor é como um filamento que percorre todo o livro do Apocalipse. Cristo já venceu, está vencendo, voltará como vencedor. Veja meu livro Mais que vencedores (Interpreta­ção do livro do Apocalipse), publicado em português pela Editora Cultura Cristã, la edição, 1987, São Paulo. A apresentação de Paulo está em completa harmonia com isso.

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1 TESSALONICENSES 4.16,17 137

é originalmente a ordem que um oficial dá em voz alta a sua tropa, um caçador aos seus cães, um cocheiro aos seus cavalos, ou um capitão de navio aos seus remadores. Nesse contexto, refere-se claramente à or­dem do Senhor (ao deixar os céus) aos mortos para que ressuscitem. Note o contexto: os que adormeceram não terão qualquer desvantagem (v.15), porque com um brado... o Senhor mesmo descerá do céu, e os mortos em Cristo ressuscitarão... (v. 16). Assim como, mesmo aqui e agora, a voz do Filho de Deus é geradora de vida, vivificando aqueles que se encontram mortos espiritualmente (veja CNT, Jo 5.25), assim também, quando ele voltar “todos os que se encontram nos túmulos ouvirão sua voz e sairão” (Veja CNT, Jo 5.28). Portanto, essa ordem é explicitamente a sua própria ordem, procedente de seus lábios. Não é uma ordem pronunciada a ele, e, sim, uma ordem expedida por ele. Saindo do céu, e com sua natureza humana, ele faz soar sua voz, e prontamente as almas dos redimidos também saem, e velozmente se unem ao seus corpos, que, assim restaurados para a vida, ressuscitam gloriosamente.

b. Com voz de um arcanjo e com trombeta de Deus.Essas duas frases, unidas pela conjunção e, provavelmente, se rela­

cionam estreitamente, de modo que o arcanjo seja aquele mesmo que toca a trombeta de Deus. O termo arcanjo ou anjo principal ocorre somente aqui e em Judas 9. Nesta passagem, o arcanjo é Miguel. (Com referência a Miguel, veja Ap. 12.7; em seguida, vejaDn 10.13,21; 12.1.) Ele é representado como líder dos anjos santos e defensor do povo de Deus).90 Quanto à pergunta se Miguel é o único arcanjo, o Dr. A. Kuyper expressou-se da seguinte forma:

“Esta questão não pode ser resolvida, porquanto a Escritura nada diz sobre ela. E possível que Miguel seja o arcanjo, isto é, o único arcanjo, mas é possível também que ele seja um dos arcanjos (um dos sete anjos que estão de pé diante do trono de Deus), já que em Daniel10.13 ele é denominado como um dos principais príncipes, de sorte que Gabriel, tanto quanto Miguel, pode ser também um arcanjo”.91

Estamos plenamente de acordo com essa opinião. O fato de o artigo definido (o) não ser usado aqui - de modo que traduzimos “wra arcanjo”- não decide definitivamente a questão. Poderia indicar que ele é um dos vários, mas é também possível que o termo - arcanjo - tivesse um caráter definido (um nome próprio, por assim dizer) mesmo sem o arti­

90. Mais que Vencedores, pág. 179.91. A. Kuyper, De Engelen Gods, Kampen, 1923, pág. 189.

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go definido que o preceda. Seja como for, pelo menos um fato é quase certo: “um brado de ordem” e “voz de um arcanjo” são duas coisas distintas. O primeiro procede de Cristo; o segundo, de seu arcanjo. Não obstante, os dois têm em comum o fato de que são sinais para que os mortos ressuscitem (1 Co 15.52). (Note que também em Js 6.5 e Jz 7.21,22 o brado e o sonido de trombeta vêm juntos.) Ao som da trombeta, os crentes sobreviventes são transformados, num momento, no piscar de um olho (outra vez ICo 15.52).

O sonido da trombeta, nesse contexto, é muito apropriado. Na anti­ga dispensação, quando Deus “descia”, por assim dizer, para encontrar- se com seu povo, esse encontro era anunciado por meio do sonido de uma trombeta (por exemplo, Êx 19.16,17: “e mui forte clangor de trom- beta(...) E Moisés levou o povo fora do arraial ao encontro de Deus...”; cf. Êx 19.19). Por isso, quando as bodas do Cordeiro com sua noiva atingir seu clímax (cf. Ap 19.7), este clangor de trombeta será muitíssi­mo apropriado. Da mesma forma, a trombeta foi usada como sinal da Vinda do Senhor para resgatar seu povo da opressão hostil (Sf 1.16; Zc 9.14). Foi o sinal de seu livramento. Assim também esse último sonido de trombeta será o sinal para os mortos ressurgirem, para os vivos se transformarem e para que todos os eleitos de Deus sejam reunidos dos quatro ventos (Mt 24.31) para o encontro do Senhor. E pode ser igual­mente interpretado como sendo o cumprimento da ordenança das trom­betas que se encontram em Levítico 25, e, por conseguinte, com a pro­clamação de liberdade por todo o universo, para todos os filhos de Deus, seu jubileu eterno.

De tudo isso se faz muitíssimo evidente que a vinda do Senhor será aberta, pública, não apenas visível, mas também audível. Indubitavel­mente, há intérpretes que, em razão de a Bíblia usualmente empregar linguagem figurativa, assumem a posição de que nada podemos saber sobre esses eventos escatológicos. Para eles, esses preciosos parágra­fos, por meio dos quais o Espírito Santo nos revela o futuro, não lhes transmitem significado nenhum. Tal atitude, contudo, é absurda. As Es­crituras foram compostas para serem entendidas, e quando elas nos afir­mam que o Senhor descerá do céu com um brado, com voz de um arcan­jo e trombeta de Deus, certamente elas, no mínimo, nos querem dizer isto: que além do brado de ordem de nosso Senhor (que pode comparar- se com Jo 11.43; veja a exposição desta passagem no CNT), um clan­gor reverberante realmente invadirá todo o universo.92 Quais forças da

92. Cf. J.J.Knap, The Resurrection and Life Eternal, Grand Rapids, MI, 1928, pág. 48. Também meu livreto Lectures on the Last Things, Grand Rapids, MI, 1951, pág. 34.

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natureza serão empregadas para produzir esse sonido não nos foi reve­lado. Um fato se toma evidente: para os crentes, esse sonido trará pleni­tude de alegria. Essa é a trombeta de Deus. Ela é o seu sinal, porque o arcanjo é o seu anjo. Ela soará para proclamar sua libertação para o seu povo (cf. Ap 15.2, “harpas de Deus"). Ela anuncia a vinda de seu Filho (como “Senhor dos senhores e Rei dos reis”, Ap 19.16) para o livramen­to de seu povo.

c. O Senhor mesmo [ou ele, o Senhor] descerá do céu.Esta descida é visível (Ap 1.7), audível (como já ficou demonstra­

do), majestosa (veja a exposição de 2Ts 1.7), para juízo e livramento (Mt 25.31-46). Se as palavras: “Assim virá da mesma maneira como o viram entrar no céu” podem ser interpretadas com certa amplitude; pre­sume-se que a descida propriamente dita (conforme é distinguida agora da qualidade súbita e inesperada e do aparecimento de Cristo, e do as­pecto repentino e definitivo que caracteriza o retomo como um todo) será caracterizada por um tipo de majestosa tranqüilidade. Note a des­crição da ascensão em Atos 1.9,10. Em qualquer um dos casos, não será uma mudança instantânea de posição do céu para a terra. Haverá tem­po (Ap 10.6, corretamente interpretado, não está em conflito com isso)93 para que as almas daqueles que já dormiram deixem suas habitações celestiais e se reúnam a seus corpos, e assim, nesses corpos gloriosa­mente ressurretos, subam para o encontro do Senhor nos ares.

d. E os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro.Veja o que já foi dito sobre isso. O significado aqui é muitíssimo

claro, ou seja, que aqueles que já partiram desta vida, em Cristo, e que são aqui considerados como tendo permanecido nele, não sofrerão des­vantagem alguma. Ressuscitarão antes que os crentes sobreviventes subam para o encontro do Senhor. Os sobreviventes é que terão que esperar um momento, por assim dizer.

e. Então nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados jun­tamente com eles, em nuvens, para encontrar o Senhor nos ares.

Além do que já ficou dito, note o seguinte: O fato de que Paulo diz nós não significa, necessariamente, que ele esperava estar entre aqueles que ainda estariam vivos quando Cristo voltasse. Diz nós porque na­quele exato momento ele, Silas, Timóteo e os leitores se encontram entre os crentes que ainda vivem na terra. Ele, imediatamente, modifica isso ao interpretá-lo neste sentido: “os que ficarmos [quando o Senhor vier]”, a fim de indicar que somente Deus sabe quem serão eles. Paulo sabe que

93. Veja Mais que vencedores, págs. 151-153.

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140 1 TESSALONICENSES 4.16,17

a Segunda Vinda não terá lugar imediatamente (veja a exposição de 2Ts2.2); e enquanto permaneceu em Tessalônica, essa parte de seu ensino sobre as últimas coisas jamais foi negligenciado (2Ts 2.5). Além disso, a afirmação de Jesus, registrada em Mateus 24.36, certamente não era desconhecida de Paulo (veja a exposição de lTs 5.1). Naturalmente, Paulo também nunca ensinou que o Senhor, certamente, não viria du­rante a vida terrena do apóstolo. Provavelmente, esperava que pudesse viver até ver tal evento. Ele queria que cada um se conduzisse de tal maneira como se estivesse sempre pronto. Ele, porém, não fixa qual­quer data.

Note: nós, juntamente com eles. Há total imparcialidade: os sobre­viventes não terão qualquer vantagem. O predicado é seremos arreba­tados (quanto ao verbo examinando, cf. também At 8.39 - Filipe, o evangelista, foi arrebatado pelo Espírito do Senhor; 2Co 12.2-4 - um homem em Cristo foi arrebatado ao terceiro céu; e Ap 12.5 - Cristo, o menino, é arrebatado, raptado, do poder do dragão).

O súbito, a velocidade e o caráter divino do poder que se põe em operação nesse ato de ser arrebatado recebem aqui a sua merecida ên­fase. Os sobreviventes foram transformados “num momento, num pis­car de olhos” (ICo 15.52). O céu e a terra, em sua forma atual, se põem em fuga (Ap 20.11; cf. 6.14). Ora, embora a linguagem figurada abun­de nessa vívida descrição, um fato permanece: a ênfase da série dramá­tica de eventos repentinos e velozes. Desde o momento em que o Senhor surge das nuvens do céu e se põe a descer, não mais haverá oportunida­de para conversão. Sua vinda é absolutamente decisiva. Ele não vem para converter, e, sim, para julgar. (Veja também a exposição de 2Ts 2.8; cf. Mt 25.31-46; 2Co 6.2; 2Pe 3.9.) Agora é o tempo aceitável; agora é o dia da salvação.

Os que forem ressuscitados e os que forem transformados serão juntamente arrebatados às nuvens, ao encontro do Senhor nos ares. Ainda que essas nuvens possam ser tomadas em sentido literal, elas, contudo, possuem também um significado simbólico. Estão associadas à Vinda do Senhor em majestade, para a punição dos inimigos de seus santos, portanto, para a salvação de seu povo (cf. Dn 7.13; a seguir Mt 26.64; finalmente, Êx 19.16,20; SI 97.2; Na 1.3).

De acordo com M. M. (pág.53), o verbo encontrar (eíç àsicanvfsiv) era usado no contexto das boas-vindas oficiais concedidas a um dignitá­rio, recém-chegado. Indubitavelmente, a idéia de boas-vindas está tam­bém embutida na expressão como usada aqui em 1 Tessalonicenses 4.17. Que todos os crentes, os ressurretos e (juntamente com) os transforma­

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1 TESSALONICENSES 4.18 141

dos, subirão para o encontro do Senhor nos ares é claramente ensinado aqui. Se as passagens como Jó 19.25 eAtos 1.11 realmente ensinam que o juízo acontecerá na terra é algo discutível. Seja como for, na presente passagem nada nos é ensinado a respeito. Contudo, a principal intenção de 1 Tessalonicenses 4.17 não é só que encontraremos o Senhor nos ares, mas que todos os crentes, juntos, encontrarão o Senhor; para jamais se separarem dele:

18. E assim estaremos sempre com o Senhor. Portanto, animem-se uns aos outros com estas palavras. A conclusão de todo o parágrafo é expressa nessas palavras. Uma vez esclarecido que os que adormece­ram em Cristo não sofrem nenhuma desvantagem em relação aos sobre­viventes, surge, pois, uma sólida base para o encorajamento. Para o verbo usado aqui (encorajar, animar), veja 2.11. Veja também 5.14. Naturalmente, esse encorajamento é destinado não só aos parentes ínti­mos dos enlutados, mas a todos. Deve-se ter em mente que os membros dessa igreja recém-fundada estavam estreitamente unidos por laços de amor. Por isso, quando um ficava entristecido, todos também ficavam; quando um se alegrava, todos igualmente se alegravam. O encoraja­mento, pois era destinado a todos. Os membros devem animar uns aos outros.

A síntese encontra-se no final da exposição de 5.11.

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C a pítu lo 5

5 1 Ora, irmãos, com referência aos tempos [sua duração] e às estações apropria das, não têm necessidade de que algo lhes seja escrito. 2 Porque vocês sabem muito bem que o dia do Senhor vem como ladrão de noite. 3 Quando estiverem dizen­

do: “Paz e segurança”, então de repente algo lhes sobrevem, ou seja, destruição”,94 como a dor de parto sobre a parturiente, e de forma alguma escaparão.

4 Vocês, porém, irmãos, não estão em trevas para que aquele dia os surpreenda como [faz] o ladrão. 5 Porque todos vocês são filhos da luz e filhos do dia. Tampouco pertencemos nós à noite nem às trevas. 6 Portanto, não durmamos como fazem os demais, mas permaneçamos vigilantes e sóbrios. 7 Porque é de noite que os sonolen­tos dormem, e é de noite que os ébrios se embriagam. 8 Visto, porém, que pertence­mos ao dia, sejamos sóbrios, vestindo uma couraça de fé e de amor, e pondo por capacete, [a] esperança de salvação; 9 porque Deus não nos destinou para ira, e, sim, para a obtenção da salvação através de nosso Senhor Jesus Cristo, 10 que morreu por nós, de modo que,95 quer fiquemos acordados quer durmamos, vivamos em comunhão com ele. 11 Portanto, animem-se uns aos outros e edifiquem-se uns aos outros, como de fato estão fazendo.

1TESSALON1CENSES 5.1

5.1-115.1 Ora, irmãos, com referência aos tempos [sua duração] e às estações apropriadas,96 não têm necessidade de que algo lhes seja escrito.A relação deste parágrafo com o restante já foi mostrada (veja sobre

4.13). A questão se Paulo está aqui respondendo a uma pergunta por escrito já foi considerada (veja nota de rodapé 14).

Presume-se que além da preocupação com referência a uma possí­vel desvantagem que teriam os crentes que já haviam partido poderiam sofrer com o retomo de Cristo (4.13-18), havia também a curiosidade com referência ao tempo exato em que esse grande evento teria lugar. “Até quando” os leitores ainda teriam que esperar? “Exatamente quan-

94. Ou “então subitamente virá sobre eles a destruição”.95. Ou para que.96. Não tão exata, mas talvez mais inteligível, seria a tradução: “Ora, concernente a quanto tem­

po? E ao quando T'.

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144 1 TESSALONICENSES 5.2,3

do” o Senhor chegaria? Para eles, era uma questão de tempos ou de duração de tempos (xpóvoi) e estações apropriadas (Kcupoí) (veja também CNT Jo 7.6 e Tt 1.2,3).

Com uma óbvia referência a:a. Uma declaração do Senhor expressa quando estava para subir ao

céu (“não lhes compete conhecer tempos ou épocas” At 1.7);b. A verdade, também claramente revelada pelo Senhor, de que nin­

guém sabe o dia nem a hora da vinda do Filho do homem (Mt 24.36), a qual, conseqüentemente, será como um ladrão de noite (cf. Mt 24.43); e

c. O fato de que essas verdades tinham sido previamente esclareci­das aos leitores, Paulo lhes informa - dirigindo-se a eles carinhosamen­te como “irmãos” (veja 1.4).

“Não têm necessidade de que algo lhes seja escrito” (cf. 4.9).2. Porque vocês sabem muito bem que o dia do Senhor vem97 como ladrão de noite.O ladrão toma o proprietário da casa de surpresa. Ele não envia

antecipadamente uma carta de advertência sobre seu plano, dizendo: “Amanhã a tal e tal hora lhe farei uma visita. Esconda em lugar seguro os seus valores”. Não. Ele vem repentinamente e inesperadamente. Assim também a vinda do dia do Senhor (ou seja, o dia de sua chegada para o juízo). Por isso, é perda de tempo indagar quanto tempo falta ou quando será.

Entretanto, a comparação, é válida também em outro aspecto estrei­tamente relacionado: o ladrão geralmente encontra suas vítimas despre­paradas. Aqui, porém, a comparação é procedente só com referência aos não crentes, e não com referência aos crentes (veja a exposição do v.4). Várias passagens vêm logo à mente (Mt 24.43; Lc 12.39; 2Pe 3.10; Ap 3.3; 16.15).

Essas questões haviam sido apresentadas com tamanha clareza aos tessalonicenses enquanto os missionários ainda estavam com eles, que, se ao menos refletissem um pouco sobre elas, compreenderiam que as coisas sobre as quais se preocupavam eram realmente muito bem (òacpi(3còç acuradamente, cf. Lc 1.3) conhecidas por eles. Às vezes os homens se preocupam com fatos que, no mais íntimo de seus corações, eles realmente os conhecem acuradamente.

3. Voltando agora à segunda aplicação referente à figura do ladrão97. Presente gnômico, não profético. Todavia, a referência é ao dia vindouro, como demonstra o

contexto.

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1 TESSALONICENSES 5.4 145

na noite (ou seja, que não somente chega repentinamente mas também sua vítima se encontra totalmente despreparada), Paulo prossegue:

Quando estiverem dizendo: “Paz e segurança”, então de repente algo lhes sobrevem, ou seja, destruição, como a dor de parto sobre a parturiente, e de forma alguma escaparão.Note a combinação de caráter repentino e despreparo. Note igual­

mente a notável ordem da oração, conservada em nossa tradução, im­primindo ao adjetivo súbito e ao substantivo destruição forte ênfase. O mundo em geral estará comendo e bebendo, comprando e vendendo, construindo e plantando, casando e dando-se em casamento, quando Jesus voltar. Naturalmente, nenhuma dessas coisas é pecaminosa em si mesma. O que poderia haver de errado em receber alimentação física, dedicar-se ao comércio ou à indústria, praticar a agricultura ou planejar um casamento? Deus pode ser glorificado por meio dessas coisas (ICo10.31). Quando, porém, a alma é totalmente absorvida por elas, de tal forma que se tomam um fim em si mesmas, e as necessidades espiri­tuais mais elevadas são negligenciadas, então se transformam em mal­dição e não mais são uma bênção. “Tudo para o corpo e seus prazeres, c nada para a alma” - era o mote dos ímpios contemporâneos de Noé e Ló; e que também será a característica da raça humana dos dias maus que estão chegando (cf. Ez 13.10; Am 6.1;Mt 24.37-44; Lc 17.26-30). Assemelha-se a um pintor assentado numa rocha completamente absor­to em sua pintura que não percebe o perigo e nem presta atenção à maré de seu próprio trono bastante temporário. Assim também as pessoas levianas e ímpias, fascinadas com os encantos terrenos, não compreen­derão que o juízo que avança em sua direção as cerca cada vez mais até que, de súbito, as alcança, apanhando-as totalmente desprevenidas. listarão falando de “paz e segurança”. Alguns até mesmo ridicularizam a própria idéia da Vinda de Cristo (cf. 2Pe 3.1-10). Entretanto, de for­ma alguma escaparão, assim como a mulher grávida que é surpreendida pelas dores agudas e súbitas do parto, em condições de desproteção (cf. fix 15.14; Is 13.8; Jr 4.31; 6.24; 13.21; 22.23; 49.24; 50.43; Os 13.13; Mq 4.9,10; veja também Mt 24.8; Mc 13.8). A figura e o termo de comparação, todavia, nem têm o mesmo significado. Às vezes o ponto dc semelhança é inteiramente diferente (cf. CNT Jo 16.21,22). Adeses- perada tentativa do ímpio para escapar é também vividamente retratada cm Apocalipse 6.12-17. Ninguém escapa.

4. Agora o apóstolo formula um contraste: Vocês, porém, irmãos, liiío estão em trevas para que aquele dia os surpreenda como [faz] o ladrão.

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146 1 TESSALONICENSES 5.5

O desejo de Paulo era que os leitores, em vez de se encherem de vã curiosidade ou se deixarem dominar pela excitação, ficassem prepara­dos. Ele novamente faz uso do termo carinhoso, irmãos (veja a exposi­ção de 1.4). Esses irmãos se constituem numa nítida antítese com os homens do mundo. Esses últimos estão em trevas, envolvidos por elas, submersos nelas. As trevas penetram seu coração e pente, todo o seu ser. Essas são as trevas do pecado e da descrença. E em razão dessas trevas que os descrentes não são sóbrios nem vigilantes (portanto, não se acham preparados). E por essa mesma razão que eles são carentes de fé, de amor e de esperança. Como se acha repetidamente afirmado nesta série de comentários, para se alcançar o significado pleno de um ter­mo, precisa-se prosseguir bastante na leitura. No presente caso, o sig­nificado de trevas faz-se evidente pela leitura dos versos 5-8. Veja tam­bém CNT João 1.5, para o conceito trevas (que nessa passagem é pes­soal) e surpreender (KaxaÀappóyü)).

Aquele dia, naturalmente, se refere ao dia da volta de Cristo para o juízo, como é evidente de todo o contexto anterior, a partir de 4.13. Aquele dia, aqui personificado agarrará os incrédulos, agarrando-os desapercebidos, tal como um ladrão agarra98 o proprietário da casa. Os crentes, entretanto, não estão em trevas. Eles não são surpreendidos, porque estão preparados.

5. Porque todos vocês são filhos da luz e filhos do dia. Tampouco pertencemos nós à noite nem às trevas. Por meio desse hebraísmo que realmente atrai a atenção, Paulo salienta o fato de que todos os irmãos em Tessalônica (porque “vós(...)todos” refere-se aos “irmãos” já men­cionados no versículo precedente), ou seja, todos aqueles que, pela gra­ça soberana, foram adotados na família de Jesus Cristo são luzes (veja CNT Jo 12.36; cf. Rm 13.11,12). A idéia é uma só: a luz do dia já nasceu no coração deles, e estão destinados ao reino da luz eterna. Eles pertencem a esse reino, porquanto esse reino já tomou posse deles. Pos­suem fé, amor e esperança. São “luz do Senhor” (Ef 5.9). E porque ele é a luz do mundo (veja CNT Jo 8.12), eles também são a luz do mundo (Mt 5.14). Como “filhos da luz e do dia” (luzes que resplandecem ao dia) eles constituem um nítido contraste com os “filhos deste mundo” (Lc 16.8). Tampouco pertencem à noite nem às trevas, ou seja, o pecado

98. Aqui discordamos de Frame, obra citada, pág. 179. A ilustração do ladrão na noite, tanto aqui como em outros lugares, é que o ladrão surpreende o dono da casa (ou, pelo menos tenta surpreen­der), não que o ladrão é surpreendido. O significado não é: “para que aquele dia os apanhe (ou surpreenda) como um ladrão (ou como ladrões) é (ou são) apanhado (ou surpreendido)”, e, sim, “para que aquele dia os apanhe como faz o ladrão” ao dono da casa, com o fim de roubar-lhe seus bens (cf. Mt 12.29).

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1 TESSALONICENSES 5.6-8a 147

não mais exerce domínio sobre eles. A ira não está reservada para eles. Aconteceu uma grande transformação (cf. Ef 5.8; 2.1-10).

Note a discreta transição de vocês para nós: “Todos vocês são fi­lhos da luz (...) tampouco pertencemos nós (os leitores, Paulo, Silas, Timóteo e todos os demais crentes) à noite nem às trevas”. Arazão desta transição é que Paulo está para comunicar uma solene advertência. Ao incluir-se (substituindo vocês por nós), ele toma a exortação mais agra­dável e eficaz.

6-8a. Portanto, não durmamos como fazem os demais, mas per­maneçamos vigilantes e sóbrios. Porque é de noite que os sonolentos dormem, e é de noite que os ébrios se embriagam. Visto, porém, que pertencemos ao dia, sejamos sóbrios...Diante do fato, pois, de que tanto os escritores quanto os leitores

(juntamente com todos os cristãos de todos os lugares) são filhos da luz e não das trevas, pertencentes ao dia e não à noite (veja a exposição do v.5), eles são exortados a não dormir, mas a permanecer vigilantes e sóbrios.

É evidente que os termos dormir, ser vigilante e ser sóbrio são usados aqui em sentido metafórico. Assim usados, seu significado é o seguinte:

Dormir (cf. Mc 13.36; Ef 5.14) significa viver como se nunca hou­vesse de vir um dia de juízo. Pressupõe-se a existência de relaxamento espiritual e moral. Lucas 12.45 retrata esta condição de forma vívida. Assim o faz também a descrição das virgens displicentes, que não leva­ram óleo em suas vasilhas para suas lâmpadas (Mt 25.3,8). Isso signi­fica estar despreparado.

Ser vigilante significa viver uma vida santificada, consciente da vinda do dia do juízo. Pressupõe-se precaução espiritual e moral. O indivíduo vigilante tem sua lâmpada acesa e seus lombos “cingidos”, e é nessa condição que ele aguarda a volta do Noivo (sobre isso, leia Lc 12.35-40). A pessoa vigilante está sempre preparada.

E muito gratificante o estudo da expressão ser vigilantes (yprfyopéco, donde provém o nome próprio Gregório), como é empregada em outras partes (além de lTs 5.6, as passagens em que a expressão tem, sem dúvida, um sentido figurativo são as seguintes: Mt 24.42; 25.13; Mc 13.35,37; At 20.31; ICo 16.13; Cl 4.2; IPe 5.8; Ap 3.2,3; 16.15)."

99. Este não é o lugar adequado para discutir se este verbo é ou não usado em sentido literal ou metafórico (ou talvez uma combinação de ambos os sentidos) em Mateus 26.41 e Marcos 14.38.

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148 1 TESSALONICENSES 5.8b

Essas passagens nos conduzem às seguintes conclusões:a. A incerteza (de nossa parte) do dia e hora do retomo de Cristo é

uma razão para a vigilância (Mt 24.42; 25.13; Mc 13.35,37).b. Outra razão para constante vigilância é a presença de inimigos,

visíveis e invisíveis, que ameaçam o rebanho (At 20.31; IPe 5.8).c. Ser vigilante significa estar espiritualmente desperto (Ap 3.2-3;

16.15).d. Implica o hábito da oração regular, inclusive ações de graça (Cl

4.2).e. O que provavelmente seja a mais completa descrição de vigilân­

cia é dada em 1 Coríntios 16.13,14: “Sejam vigilantes, permaneçam firmes na fé; portem-se varonilmente, fortaleçam-se. Todos os seus atos sejam feitos com amor”.

Ser sóbrio significa estar cheio de ardor moral e espiritual; não viver entusiasmados, por um lado, nem indiferentes, por outro, porém calma, firme e racionalmente (cf. IPe 4.7), fazendo seus deveres e cum­prindo seu ministério (2Tm 4.5). A pessoa sóbria vive de maneira pro­funda. Seus prazeres não são primariamente os dos sentidos, como os prazeres do ébrio, por exemplo, porém os da alma. Ele não é de forma alguma um estóico. Ao contrário, com uma medida plena de alegre an­tegozo ele confia no retomo do Senhor (IPe 1.13). Entretanto, ele ja­mais foge aos seus deveres. Note que tanto aqui como em 1 Pedro 5.8 as duas expressões - ser vigilante e ser sóbrio - são usadas como sinônimas.

A exortação do apóstolo, pois, equivale ao seguinte: “Não nos deixe­mos levar pela negligência nem estejamos desprevenidos, mas estejamos preparados e espiritualmente alertas e firmes na fé, animados, fortes e serenos, porém com alegre antecipação olhando confiantes para aquele dia futuro. Além de tudo, porém, façamos isso em razão de pertencer­mos ao dia e não à noite”. O curso de ação oposto, ou seja, viver moral e espiritualmente adormecido (em vez de viver vigilante) e viver moral e espiritualmente embriagado (em vez de viver sóbrio) se compatibiliza com aqueles que pertencem à noite (ao reino de trevas e pecado), assim como no reino natural é geralmente à noite que os sonolentos dormem e os beberrões se embriagam (é evidente, naturalmente, que aqui no v. 7 as palavras sonolentos, dormir, beberrões e embriagam-se são usadas em sentido primário, literal).

8b. É compatível com o homem que pertence ao dia viver vigilante e sóbrio: vestindo uma couraça de fé e de amor, e pondo por capace­te, [a] esperança de salvação.

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1 TESSALONICENSES 5.8b 149

Pode-se suscitar a seguinte pergunta: “Por que é que Paulo, repenti­na e inesperadamente, surge com essas peças defensivas da armadura: couraça e capacete?”. A resposta apresentada por A. T. Robertson (Word Pictures, vol IV, pág. 35) é provável que seja correta: “A idéia de vigi­lância traz à luz à mente de Paulo a figura de uma sentinela, em guarda e armada...”.

Pelo exercício da fé serena e inabalável e do amor a Deus em Cristo- virtudes que em meio ao mundo de impiedade constituem um testemu­nho agressivo - o cristão vigilante e sóbrio repele os dardos venenosos da tentação. Ele se reveste de fé (“um seguro conhecimento de Deus e de suas promessas... e uma vigorosa confiança de que todos os seus peca­dos foram perdoados em Cristo”) e amor (e entrega do ego a Deus, o objeto de seu deleite, no espírito de alegria e gratidão), à semelhança do guerreiro que se vestia de sua couraça.

A fé e o amor (genitivos de oposição) constituem a armadura do cristão. Os leitores entendiam bem esta ilustração. A couraça protegia o peito, os ombros e as costas da sentinela. Era feita de diversos materiais, por exemplo, couro, tecido acolchoado, linho (Heródoto III. xlvii), bronze, ferro (ISm 17.5; Ap 9.9) ou, às vezes, até mesmo ouro (1 Macabeus6.2). O guerreiro Golias usava uma armadura escamada (ISm 17.5). Os soldados de Antíoco Eupater usavam casacos de malha (1 Maca­beus 6.35). Compare aos “coletes à prova de bala” modernos.

O importante a notar, neste contexto (embora geralmente omitido), é que Paulo denomina a fé e o amor ativos uma peça de armadura defen­siva, a couraça. Quão perfeitamente correta é essa comparação, por­quanto, em questões de religião (e muitas vezes também nos chamados assuntos seculares), a melhor defesa é a ação ofensiva; a mais positiva proteção é o ataque. O testemunho espontâneo e agressivo de fé em [Deus] e amor por ele em Cristo protege o crente dos hábitos dissolutos do mundo. A obra resultante da fé e o empenho inspirado no amor - o “andar por fé” - nos guardam de “satisfazer os desejos da carne” (G1 5.16).

A fé e ao amor, Paulo acrescenta a esperança, precisamente como fez em 1.3. Também aqui, assim como em 1.3, ele expande o terceiro elemento da série; daí “e pondo um capacete, [a] esperança de salvação (genitivo objetivo)”, etc. Certamente, em principio, os cristãos de Tes- salônica já estavam de posse da salvação. A salvação, porém, mencio­nada aqui é aquela salvação plenária, a que seria deles na vinda do Senhor Jesus Cristo.

Paulo gosta da palavra salvação (acorr|pía). Ele a usa com fre­

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150 1 TESSALONICENSES 5.9,10

qüência (além do seu uso na presente passagem, vejam também 5.9; 2Ts 2.13; 2Tm 2.10; 3.15; em seguida, Rm 1.16; 10.1,10; 11.11; 13.11; 2Co 1.6; 6.2, duas vezes; 7.10; Ef 1.13; Fp 1.19,28; 2.12). Esta salva­ção é (a) negativamente: livramento da culpa, contaminação e punição do pecado (especialmente, é amiúde representada como livramento da ira de Deus que recai sobre o pecado e que um dia se revelará; cf. 1.10; 2Ts 1.8,9; Ef 2.3,5; Fp 1.28), sendo esse livramento um resultado da expiação objetiva e vicária de Cristo; e (b)positivamente: aquela soma total de todos os dons espirituais com os quais Deus agracia seu povo na base da obra redentora de seu Filho. Tanto o aspecto negativo desta salvação (o livramento da ira) como o aspecto positivo (por exemplo, “viverem comunhão com ele”) são mencionados aqui no contexto ime­diatamente seguinte (veja a exposição dos vv.9 e 10). Uma vez que aqui a salvação é um conceito escatológico, é compreensível que o apóstolo fale sobre “a esperança de salvação”, porque a esperança sempre olha para o futuro. É a certeza segura e firmemente ancorada de que a pleni­tude da herança um dia será nossa.

Essa esperança é o capacete ou elmo do cristão. O elmo de ferro e bronze (ISm 17.5,38; 2Cr 26.14; cf. 1 Macabeus 6.35) oferecia certo grau de proteção para a cabeça, como o fazia a couraça para o coração. Muito mais faz a esperança - e a perseverança inspirada na esperança (cf. 1.3); ela mantém o cristão em segurança contra a sedução do mun­do. Aqui, também, o ataque contra a fortaleza das trevas desferido por aqueles cristãos que suportaram até ao próprio fim, sempre prontos a testificar, foi sua melhor defesa. Com relação a toda a armadura do cristão, leia Efésios 6.10-20.

9,10. Como já foi observado, Paulo expande o conceito salvação (ou, se preferir, “esperança de salvação”) nos dois seguintes versículos: porque Deus não nos destinou para ira, e, sim, para a obtenção da salvação através de nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por nós, de modo que, quer fiquemos acordados quer durmamos, vivamos em comunhão com ele.

Esta passagem indica o caráter razoável da esperança anteriormente mencionada. Esta esperança não é visionária. Ela será cumprida, como se faz evidente do fato de que Deus não nos destinou (este verbo combina dever e destino) para ira (a ser revelada na volta de Cristo, 1.10; cf. 2Ts1.8-10), mas para a obtenção100 da salvação (veja a exposição do v.8) através de nosso Senhor Jesus Cristo (veja a exposição de 1.1).

100. Como este substantivo (icspucotriai;, que às vezes significa possessão, Ef 1.14; 1 Pe 2.9) é claramente usado no sentido ativo em 2 Tessalonicenses 2.14 (cf. Hb 10.39), e como tanto lá como

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1 TESSALONICENSES 5.11 151

Enquanto a expressão a obtenção põe a ênfase no que, segundo o propósito de Deus, é nosso dever, a frase imediatamente acrescentada- “através de nosso Senhor Jesus Cristo” - indica que é somente através dele (sua morte por nós, seu poder operante em nós) que somos capazes de colocá-la em prática. Paulo aprecia esta justaposição dos elementos divino e humano na aquisição da salvação (cf. Ef 2.8,10; Fp 2.12,13).

Quando o apóstolo menciona o Senhor Jesus Cristo como a causa de nossa salvação, ele prontamente está pensando na morte do Salvador por nós, uma vez que esta é a base. Essa morte nos diz respeito. Literal­mente, lemos “... que morreu em relação a (nepí) nós (embora haja também algum apoio textual para outra preposição, úitép, para cujo significado veja CNT Jo 10.11. O Bom Pastor dá sua vida em benefício das ovelhas). Paulo diz “por nós”. Neste nós ele inclui todos os crentes, sejam eles os leitores, os escritores, ou quaisquer outros que porventura reivindiquem o nome de crente. Especialmente, aqui ele está pensando nos mesmos dois grupos que já mencionara anteriormente (veja 4.13­18): os sobreviventes e os que já partiram. O propósito (ou o resultado, o que faz pouca diferença neste contexto) da morte de Cristo pelos seus é que, em sua vinda, estejamos acordados ou dormindo o sono da morte (Ka0ei5Ôo)|xev, cf. Mc 5.39), possamos juntos viver em comunhão com ele. Compare e veja 4.17.

Esta é a explicação mais simples. Os que estão acordados são aque­les que estão vivos, os sobreviventes, os que, de acordo com 4.15, “fica­rem até a vinda do Senhor”. E os que estão dormindo são os mortos, os que já partiram, os que, de acordo com 4.15, “adormeceram” (ou seja, em ou por meio de Jesus Cristo).101

11. A relação existente entre 5.10 e 11 constitui um paralelo muito estreito da relação existente entre 4.17 e 18. Assim como no capítulo 4aqui ele ocorre num contexto de exortações, não vejo boas razões para afastar-se da tradução favore­cida pela maioria das versões.

101. É simplesmente impossível interpretar o verbo dormir, aqui em 5.10, como nos versos 6 e 7. Aqui no verso 10, o verbo tem clara referência a crentes (“nós”), mas, no verso 6, ele se refere à condição dos incrédulos como perdidos, ou seja, “os demais”, aqueles que não são vigilantes nem sóbrios; já no verso 7, ele se refere ao repouso natural do sono. E também verdade, pois, que o verbo usado aqui para dormir (subjuntivo presente primeira pessoa plural de KaÔEiS&o) não é o mesmo verbo usado em 4.13-15 (particípio presente genitivo plural, e particípio passivo presente acusativo plural de Koindto). Este último verbo se refere à bendita partida, aquele dormir em e por meio de Jesus, lím distinção disso, o verbo usado aqui em 5.10 se refere meramente ao estar morto fisicamente ao retomo de Cristo. Da mesma forma - para tanto permanece a razão de que ambos os verbos devem corresponder-se - o verbo acordar (subjuntivo presente primeira pessoa plural de Y p T Y o p t c u ) não é o mesmo do verso 6 (ser vigilante moral e espiritualmente). Aqui em 5.10, o significado é simples­mente estar vivo fisicamente quando Jesus vier. Cf. Romanos 14.8.

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152 1 TESSALONICENSES 4.13-5.11

a locução “E estaremos sempre com o Senhor” foi seguida de “Portan­to, encorajem-se uns aos outros com estas palavras”, também aqui no capítulo 5 a locução “Para que (...) possamos viver em comunhão com ele” é seguida de Portanto, animem-se uns aos outros e edifiquem-se uns aos outros, como de fato estão fazendo.

Esta última expressão - “como de fato estão fazendo” - já foi expli­cada em conexão com 4.10. Ao edificar uns aos outros, e ao encorajar uns aos outros com o conforto que é encontrado no parágrafo anterior (conforto esse como o contido em promessas tais como “Vocês não es­tão em trevas”, “Vocês são todos os filhos do dia”, “Porque Deus não nos destinou para ira, e, sim, para a obtenção da salvação através de nosso Senhor Jesus Cristo(...) para que possamos viver em comunhão com ele”), os crentes de Tessalônica estariam fazendo uma valiosíssima obra pessoal: edificando-se reciprocamente; pois a Igreja, como tam­bém os crentes individualmente, constituem o edifício de Deus, o templo de Deus (ICo 6.19).

Síntese de 4■ 13 -5 .11Veja Sumário de 1 Tessalonicenses 4.13-5,11. Instrução. Paulo

escreve aos tessalonicenses instruindo-os sobre como Cristo virá pela segunda vez.

4.13-18 com imparcialidade para com todos os crentes, de tal fo r­ma que os sobreviventes não terão qualquer vantagem sobre aqueles que já adormeceram.

A conversão dos tessalonicenses era de uma data muito recente. O perigo de uma recaída aos costumes pagãos, mesmo que fosse só tem­porariamente, não era algo imaginário. Um desse costumes era a manei­ra de lamentar pelos mortos. Segundo a crença da maioria dos pagãos, não havia qualquer esperança para o corpo morto e nem esperança subs­tancial para a alma que partia. Além disso, qualquer bruxuleante ex­pectativa que tivessem de uma vida feliz por vir - e as inscrições nos túmulos, as cartas de condolência, etc., transmitiam desespero em vez de confiança - não oferecia qualquer base sólida para isso. E neste último sentido, era absolutamente certo que o pagão não alimentava qualquer esperança.

O fato, porém, é que o homem que crê em um Jesus “que morreu e ressuscitou” jamais deve “entristecer-se como os demais que não têm esperança”. Deve acatar a preciosa verdade de que há um glorioso futu­ro reservado para todo cristão, e isso não só com relação à alma, mas

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1 TESSALONICENSES 4.13-5.11 153

também em relação ao corpo. “Os que adormeceram (entraram no re­pouso de seus trabalhos, com a certeza de um glorioso despertar) por meio de Jesus, Deus os trará com ele”. Em nenhum sentido imaginável, os que permanecerem vivos, que ficarem até a vinda do Senhor, terão qualquer vantagem sobre os que já tiverem partido. Quando Cristo des­cer do céu com sua voz de ordem para que os mortos ressuscitem, e quando o arcanjo soar a trombeta de Deus, emitindo uma ordem seme­lhante e, proclamar o encontro final e eterno de Deus com seu povo, então, antes de qualquer outra coisa, os espíritos dos crentes que já tiverem partido se unirão aos seus corpos que ressuscitarão gloriosa­mente, e quando isso suceder - e não antes - então os filhos de Deus que ainda estiverem vivos na terra durante a vinda de Cristo começarão a “subir aos mundos desconhecidos”. Os sobreviventes “serão arreba­tados juntamente com” os que previamente adormeceram. Juntamente- não existe aqui qualquer favoritismo ou parcialidade - glorioso em alma e corpo, como uma só Igreja universal e triunfante - estarão eter­namente com o Senhor. Os leitores deviam animar uns aos outros com essas palavras.

5.1-11 de modo repentino, tomando o povo de surpresa, ainda que os crentes se encontrarão (e devem lutar sempre por assim estar) p le­namente preparados.

Além daquela preocupação com referência a uma possível desvan­tagem que os crentes que já partiram poderiam sofrer na volta de Cristo, ainda existe aquela curiosidade com relação ao tempo preciso em que essa vinda terá lugar. Por quanto tempo ainda os filhos de Deus terão que esperar? Precisamente quando Jesus voltará?

Baseando sua resposta em ensinamentos anteriores que saíram dire­tamente dos lábios do Senhor, Paulo afirma que os leitores não tinham necessidade de informações adicionais sobre o presente tema. Se eles apenas ponderassem, poderiam lembrar o que repetidamente lhes fora mostrado que, segundo a Palavra do próprio Senhor (Mt 24.43), o dia de sua volta será “como ladrão de noite”. Ele virá repentinamente, to­mando a todos de surpresa.

No tocante aos ímpios, o Senhor virá sobre eles enquanto estiverem dizendo: “Paz e segurança”. Estarão completamente desapercebidos. Assim, sobre eles virá repentina destruição.

Neste aspecto, os crentes são diferentes. Aliás, eles devem esforçar- se por ser diferentes, porquanto, pela graça de Deus se encontram chei­os da luz da salvação. Diz Paulo: ‘Nós não somos da noite nem das trevas” - a noite e as trevas do pecado e da descrença. Ele prossegue:

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154 1 TESSALONICENSES 4.13-5.11

“Portanto, não durmamos como fazem os demais, permaneçamos, po­rém, vigilantes e sóbrios1'. Ele está querendo dizer: “Estejamos prepa­rados, espiritualmente alertas, firmes na fé, animados, fortes, tranqüilos e com feliz expectativa, aguardando aquele dia futuro”. Por isso, os crentes precisam agora vestir “a couraça da fé e amor, e pôr o capacete da esperança da salvação”. Não devem jamais hesitar em manter viva essa gloriosa esperança, conservando na lembrança que “Deus não nos destinou à ira, e, sim, à obtenção da salvação por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por nós, a fim de que em sua volta, quer este­jamos ainda vivos na terra ou já tenhamos adormecido no Senhor, pos­samos viver eternamente em comunhão com ele”.

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SUMÁRIO DE 1 TESSALONICENSES 5.12-28

Paulo escreve aos tessalonicenses Exortando-os sobre como deveriam conduzir-se.Esta seção compreende a exortação do apóstolo.Comportamento correto:

5.12,13 com relação aos anciãos da igreja5.14 com relação:

aos desordenados aos desanimados aos fracos a “todos”

5.15 com relação aos que o injuriavam5.16-18com relação a Deus5.19-22com relação ao Espírito Santo e seus dons

(também com relação a supostos profetas)Isso é seguido por

5.23,24 um solene anseio por santificação e preservação, anseio ,que é imediatamente seguido de promessa Em seguida temos:

5.25-28 um trio de petições urgentes: por oração intercessóriapor saudações extensivas por meio do ósculo santo, pela leitura pública desta carta. Bênção.

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1 TESSALONICENSES 5.12,13 157

12 Ora, rogamos-lhes, irmãos, que apreciem aqueles que trabalham entre vocês c estão acima de vocês no Senhor, e os admoestam, 13 e os estimem grandemente em amor por causa de sua obra. Tenham paz entre vocês.

14 E instamos com vocês, irmãos, que admoestem os que vivem desordenada­mente, que encorajem os desanimados, que auxiliem os fracos, que exerçam a paci­ência para com todos.

15 Cuidem para que ninguém retribua a alguém mal por mal, mas que sempre busquem fazer o bem uns aos outros e a todos.

16 Sejam sempre alegres.17 Orem incessantemente.18 Dêem graças em todas as circunstâncias, porque esta é a vontade de Deus

para com vocês.19 Não apaguem o Espírito.20 Não desprezem os pronunciamentos proféticos, 21 mas provem todas as coi­

sas: 22 apeguem-se ao bem; abstenham-se de toda forma de mal.23 E que ele, o Deus de paz, os santifique plenamente, e que o seu Espírito seja

sem defeito, e sua alma-e-corpo seja conservado irrepreensível na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.

24 Fiel é aquele que os chama, o qual também o fará.25 Irmãos, orem por nós.26 Saúdem a todos os irmãos com ósculo santo.27 Solenemente os incubo diante do Senhor, que esta epístola seja lida a todos os

irmãos.28 A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com vocês.

5.12-285.12,13. Ora, rogamos-lhes, irmãos, que apreciem aqueles que tra­balham entre vocês e estão acima de vocês no Senhor; e os admoestam, e os estimem grandemente em amor por causa de sua obra.Para a relação de 5.12-28 com 4.1-12; 4.13-18 e 5.1-11, veja 4.1. A

vigilância e sobriedade prescritas no parágrafo imediatamente prece­dente (5.1-11) devem evidenciar-se em todas as veredas da vida. Esta é a essência da presente seção. Instruções detalhadas se seguem. Elas são notáveis em virtude de sua brevidade. Paulo era mestre em dizer muito em poucas palavras. Ainda que seja, talvez, impossível separar a igreja, como organização, da Igreja como organismo, e dizer: esta instrução pertence à primeira e aquela, à segunda, não obstante pode-se afirmar com segurança que pelo menos nos versos 12,13 a que recebe especial atenção é a igreja considerada como uma organização.

As palavras que abrem o parágrafo - “rogamos-lhes, irmãos” - se assemelham às encontradas em 4.1; veja a exposição desse versículo. A fim de entender o que se segue, devemos ter em mente que Timóteo acabara de voltar (3.6) e de apresentar um relatório detalhado da “situ­

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158 1 TESSALONICENSES 5.12,13

ação de Tessalônica”. Já ficou esclarecido que a maior parte do que ele relatou era muito favorável. Entretanto, também ficou demonstrado que algumas das notícias eram de natureza diferente. Veja sobre 4.1-8,11. Além disso, também aqui no capítulo 5 o contexto imediato fala de “pessoas que vivem de forma desordenada” (v. 14). Evidentemente, al­guns deles estavam relutantes em obedecer às normas estabelecidas pe­las autoridades religiosas (veja também a exposição de 4.8). Esta é a razão por que Paulo escreve: “Rogamos-lhes, irmãos, que apreciem102 aqueles que trabalham entre vocês” etc. E evidente que os dois verbos “apreciar” e “estimar [grandemente]” são usados como sinônimos.

Quando Paulo fala “aqueles que trabalham entre vocês e estão aci­ma de vocês no Senhor, e os admoestam”, ele tem em mente não três diferentes tipos de líderes, mas, sim, um só e mesmo grupo. O uso de apenas um pronome demonstrativo - aqueles - precedendo os três ver­bos - trabalhar, estar e admoestar - aponta nessa direção. Esses líde­res são caracterizados como:

a. Obreiros ou trabalhadores, ou seja: homens que se empenhavam no interesse de seus irmãos, realizando um grande labor espiritual (expli­cando o evangelho, aplicando-o a situações concretas, advertindo, ad­moestando, auxiliando, encorajando, etc.). Em seu benefício e em meio a grandes dificuldades. Paulo com freqüência usava esse verbo (KOJtiácü), ao pensar no trabalho que requeria esforço extremado e que resultava em canseira. Ele o usava em conexão com o trabalho manual (1 Co 4.12; Ef 4.28; 2Tm 2.6; cf. o substantivo em lTs 1.3; 2.9; 2Ts 3.8) e também com referência à obra religiosa (Rm 16.12, duas vezes; ICo 5.10; G1 4.11; Fp 2.16; 16.16; lTm 4.10; 5.17). Na fraseologia paulina, não somente os oficiais da igreja, mas também os obreiros voluntários, Co- lossenses 1.29, e em certo sentido todo membro em alerta, é um obreiro. Seu esforço é inspirado pelo amor.

b. Superintendentes ou diretores (“aqueles que estão acima de vo­cês”), e isso “no Senhor”, ou seja, em virtude da designação feita por ele e das qualificações derivadas dele (cf. lTm 3.4,12, para um uso análogo).

c. Admoestadores, ou seja, aqueles que despertam a mente (de seus irmãos) (vovGexéoo de voõç e TÍ0T|ixi) de que devem obedecer as orde­

102.0 significado de apreciar (para elSévoa) tem seu paralelo na literatura extra canônica (veja M.M., pág. 440), embora isso não seja o que o verbo geralmente significa. O que ele mais freqüente­mente indica é saber por meio de reflexão, com base na intuição ou na informação; em distinção de YivcíoKco, que significa saber por meio de observação ou experiência. Veja também CNT Jo 8.28. É fácil, porém, veja como o significado de apreciar se desenvolveu a partir de sua conotação básica.

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1 TESSALONICENSES 5.12,13 159

nanças de Deus. No Novo Testamento, Paulo é o único que faz uso dessa palavra (além de 5.12,14 e 2Ts 3.15, também At 20.31; Rm 15.14; ICo 4.14; Cl 1.28; 3.16). O admoestador pode ser o próprio Paulo (At20.31) ou qualquer outro membro da igreja (Rm 15.14; Cl 3.16).

Como ficou evidenciado, ainda que o primeiro e o terceiro particípi- os (ou seja, obreiros e admoestadores) se apliquem não só a homens que tinham sido investidos de um ofício na igreja, mas também a qual­quer outro membro bem alerta, contudo o uso do segundo particípio juntamente com o seu modificador (superintendentes - “aqueles que estão acima de vocês no Senhor”) parece apontar na direção de oficiais. Parece-nos haver uma passagem paralela em 1 Timóteo 5.17, onde os que governam bem (particípio perfeito do mesmo verbo) são os an­ciãos. Note também como nessa passagem (como também aqui em 1 Tessalonicenses 5.12 esses anciãos são igualmente descritos como “os que trabalham” ou seja, na palavra e no ensino.

Não se pode dizer que 1 Timóteo 5.17 não pode ser apresentado como comprovação, alegando que nessas alturas a organização da Igre­ja teria alcançado um desenvolvimento muito mais elevado e completo. Para contrabalançarmos este argumento, é preciso que se tenha em mente que Paulo foi um grande organizador (At 20.17; Fp 1.1; Tt 1.5), e que ainda em sua primeira viagem missionária ele já estava designando “an­ciãos em todas as igrejas” (At 14.23). Com toda certeza, se houver anciãos na igreja de Tessalônica - e com toda probabilidade havia. - esses são os referidos aqui em 1 Tessalonicenses 5.12; pelo menos eles são incluídos.

Paulo solicita que, em razão de seu trabalho (e não simplesmente em razão de serem líderes divinamente designados), esses homens sejam estimados de forma mui elevada,103 e isso no espírito de amor.

Paulo acrescenta: Tenham paz entre vocês.104 Em conexão com o que precede imediatamente, isso deve significar: “Parem com as recla­mações. Em lugar de criticar constantemente os líderes, segui suas ins­truções, de modo que a paz (nesse caso: ausência de dissensão) venha a reinar”.

103. O advérbio grego é muito pitoresco: újcEpEKjtepiaaôç superabundante (também usado em 3.10 e em Ef 3.20). Note o acúmulo de prefixos nesta palavra: o oceano da estima tendo alcançado o seu mais amplo perímetro, alcança ainda mais alto e começa a jorrar para fora, transbordando por seus barrancos.

104. Ainda não foi provado que a expressão “Estejam em paz com eles" (isto é, com os líderes), é melhor que a preferida por N.N.

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160 1 TESSALONICENSES 5.14

14. À luz do fato de que, ao instar com os tessalonicenses a mostrar respeito por seus líderes, Paulo estava pensando especialmente nos indi­víduos que viviam de forma desordenada, os quais fizeram que esta admoestação fosse necessária, não se deve estranhar que aproxima ins­trução comece assim: E instamos com vocês, irmãos, a que admoes­tem os que vivem desordenadamente, que encorajem os desanima­dos, que auxiliem os fracos, que exerçam a paciência para com todos.

Havia na congregação de Tessalônica três grupos que necessitavam de atenção especial: os que viviam desordenadamente, os desanimados e os fracos.

As palavras vivem desordenadamente (o t o i k t o ç - oi, 3 Macabeus 1.19, na LXX) e desanimados (ò /Uyóxj/uxpç-oi - as “almas peque­nas”105 - Is 35.4,na LXX) não ocorrem em nenhum outro lugar no Novo Testamento. A palavra/racav (òaôei/nç- eiç, ou seja, sem força) ocorre com freqüência, e é usada em referência tanto a debilidade física (Mt 25.39,43,44; Lc 10.9; At 4.9; 5.15,16) como a enfermidade moral e espiritual (Rm 5.6; 14.1; ICo 8.7,9,10; 9.22; 11.30, etc.).

Já nos deparamos com cada grupo antes. Portanto, os que vivem desordenadamente - ou seja, aqueles que não mantém o passo, à seme­lhança do soldado que perde o compasso nas fileiras - são os fanáticos, os intrometidos e os ociosos (4.11,12; 5.12,13; e cf. 2Ts 3.10). Os desa­nimados são provavelmente os preocupados com os amigos e parentes que já morreram e/ou com sua própria condição espiritual (4.13-18; 5.4,5,9). E os fracos podem bem ser aqueles que eram caracterizados por sua tendência para a imoralidade (4.1-8). Assim interpretada, cada passagem é explicada à luz de outras dentro da mesma epístola, sem introduzir novidades. Naturalmente, estamos dispostos a reconhecer que essa representação pode não ser exata. Assim, por exemplo, o terceiro grupo (“os fracos”) pode ter incluído indivíduos que, embora fossem espiritualmente imaturos, não estavam particularmente em perigo de ultrapassar os limites de propriedade em matéria de sexo. Além disso, os três grupos podem, até certo ponto, se justapor.

Fica claro como o dia que essas admoestações são dirigidas à con­gregação toda - note a palavra irmãos (veja 1.4) - ou seja, em cada caso, a todos os membros, exceto aqueles que são especificamente men­cionados na admoestação. Sendo assim, todos, com exceção dos que vivem desordenadamente, devem admoestar os que vivem desordenada­mente; todos, com exceção dos desanimados, devem encorajar os desa­

105. Cf. o alemão die Kleinmiithigen, o holandês de kleinmoedigen.

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1 TESSALONICENSES 5.15 161

nimados, etc. A disciplina mútua deve ser exercida por todos os mem­bros. E errôneo deixar tudo isso sob a responsabilidade do pastor e dos anciãos.

No que tange os imperativos presentes106 aqui empregados, em pri­meiro lugar Paulo solicita aos irmãos que admoestem os que vivem desordenadamente. Para o verbo, veja a exposição do verso 12. A ad­moestação poderia assumir a forma sugerida pelo próprio Paulo em 4.11,12; 5.12,13. E evidente que os desanimados devem ser encoraja­dos (veja a exposição de 2.11 e CNT Jo 11.31). Os fracos devem ser auxiliados, ou seja, não devem ser abandonados. Os irmãos devem “ape­gar-se”107 a eles [os fracos], provendo-lhes toda assistência necessária, tanto moral como espiritual.

Portanto, em vez de rejeitar prontamente a alguém, esteja ele viven­do desordenadamente, esteja ele desanimado ou seja ele fraco, deve-se revelar para com todos eles paciência (ou longanimidade, |iaKpo0U|ií a) (cf. G1 5.22; Ef 4.2).108

15. Exercer essa virtude - paciência ou longanimidade - não só é um dever de todos os membros da igreja, mas a irmandade deve também vigiar para que cada membro individualmente cultive e manifeste essa graça para com todos. Daí, ele prossegue: Cuidem para que ninguém retribua a alguém mal por mal, mas que sempre busquem fazer o bem uns aos outros e a todos.

106. É tentador traduzir todos estes como durativo progressivo, ou linear, como é feito por vários comentaristas e tradutores. Isso permitiria a tradução: “Prossigam admoestando os que vivem desor­denadamente, continuem a encorajar os desanimados, jamais deixem de socorrer os fracos”, ou algo parecido. Entretanto, em imperativos incisivos desse tipo nem sempre fica estabelecido que a idéia continuati va é a predominante. Em certos casos, o tempo presente pode ser aorístico.

107. O verbo é ówcéx<£- Veja minha dissertação doutorai: “The Meaning of the Preposition òom in the New Testament”, pág. 68. A noção original de estar em oposição a ou em frente de uma pessoa ou objeto (oposição, o sentido local), por uma fácil transição conduz à de estar fisicamente próximo, a qual por sua vez pode sugerir a idéia de proximidade moral e espiritual. Esta proximidade pode ser a atitude (por exemplo, amor ou lealdade), ou de ajuda prática, em que uma não exclui a outra (cf. Mt 6.24; lTs 5.14; Tt 1.9).

108. Trench (obra citada, liii) tem um bom estudo sobre os três sinônimos naicpoBuniota (longa­nimidade), (paciência) e iaroxil (tolerância). Ele define a primeira (usada aqui em lTs 5.14) como sendo “paciência com referência a pessoas”, enquanto a segunda é “paciência com refe­rência a coisas”.

Das passagens nas quais Paulo usa naKpo0-u|j.ía (longanimidade), é evidente que ele a considerava não só um atributo divino (pertencente a Deus, Rm 2.4,ou a Cristo, lTm 1.16), do qual são objetos ainda “os vasos de ira” (Rm 9.22), mas também uma virtude cristã (2Co 6.6; Ef 4.2; Cl 1.11; 3.12), a qual deve ser o adorno de todo crente, e especialmente de cada obreiro do evangelho, seja ele apóstolo (como Paulo, 2Tm 3.10) ou seu representante especial (2Tm 4.2). Como uma virtude cristã ela é, naturalmente, um fruto do Espirito (G15.22).

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162 1 TESSALONICENSES 5.16-18

A pessoa impaciente procura retaliar quando é ferida. Ela “retribui (òoto8cò: devolve) mal por109 mal”. Paulo condena tal prática (veja tam­bém Rm 12.17,19; cf. ICo 4.12; 6.7), e assim o faz Pedro (IPe 3.9), em completa harmonia com a injunção de Jesus: amar não só àqueles que nos amam, mas até mesmo àqueles que nos odeiam, e que são, nesse sentido, nossos inimigos (Mt 5.44).

Entretanto, não é verdade que, ao proibir o exercício da vingança pessoal, Jesus estabelece um princípio que era inteiramente novo e em vivo contraste com o espírito e ensinamentos do Antigo Testamento. O mandamento - “olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, açoite por açoite” (Ex 21.24,25; cf. Lv 24.20; Dt 19.21) - é relativo à admoestação pública da lei criminal (veja Lv 24.14), e foi promulgada a fim de a prática da vingança pessoal ser desestimulada. A oposição de Jesus em Mateus 5.38-42 não era com relação à lei do Antigo Testamento, e, sim, à falsa interpretação farisaica. O que o Senhor ensinou, e que Paulo em essên­cia reitera, está plenamente em harmonia com (e é um desenvolvimento posterior de) passagens do Antigo Testamento, tais como Levítico 19.18; Deuteronômio 32.35; Provérbios 20.22; 24.20. Naturalmente, aqui existe um progresso, isto é, em idéia de que jamais se deve retribuir mal por mal, a quem quer que seja, nunca foi expressa de forma tão notável como o foi por Jesus, quando disse: “Amém a seus inimigos”. Também neste sentido Jesus “veio cumprir” a lei (Mt 5.17), e igualmente neste sentido Paulo (aqui em lTs 5.15) põe em vigor um princípio que ele derivou do Senhor.

Em vez de “retribuir mal por mal”, é dever do crente seguir o que é bom - ou seja, o que é benéfico - e isso não apenas com referência uns aos outros (crentes com crentes), mas mesmo com referência a todos (entre crentes e descrentes, cf. 3.12). Este bem que os crentes devem buscar (procurar com ardoroso empenho) é o amor, como se vê compa­rando a presente passagem com 3.12; Romanos 13.10; e 1 Coríntios 14.1.

16-18. Enquanto nos versos 12-15 Paulo mostrou qual deveria ser a atitude dos tessalonicenses para com seus líderes, para com os membros da igreja, caracterizados por suas imperfeições específicas, para com aqueles que os tinham lesado e, finalmente, uns para com os outros e

109. Como indiquei em minha dissertação doutoral, “The Meaning of the Preposition bani in the New Testament”, págs. 92,93, óorí tem, aqui, o sentido de “uma mudança de”, como em Gênesis 44.4, e em muitas outras passagens nas quais ela é o equivalente do hebraico tachath.

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1 TESSALONICENSES 5.16-18 163

para com todos, nos versos 16-18 ele estabelece qual deveria ser sua atitude interior e como tal atitude interior deveria expressar-se com re­ferência a Deus. Portanto, são-nos oferecidas agora três maravilhosas admoestações, intimamente relacionadas e concisamente expressas:

Sejam sempre alegres.Orem incessantemente.Dêem graças em todas as circunstâncias.Os tessalonicenses não desconheciam (veja sobre 1.6) a “alegria

indizível” e cheia de glória” (IPe 1.8), a “grande alegria” que resultou na encarnação de Cristo e da redenção efetuada através de sua cruz. Todavia, em face da perseguição externa e dos distúrbios internos, ha­via perigo (humanamente falando, naturalmente) de que essa alegria se dissipasse. Por isso Paulo, que experimentou reiteradas vezes profunda alegria em meio à perseguição e penúrias (3.7-9; cf. Fp 3.1; 4.4,10), insta com seus leitores a se regozijarem sempre.

Naturalmente, o único que pode achar alívio e até mesmo regozijar- se em tempos de angústia e tristeza (à luz de Rm 8.28,35-39) é aquele que faz conhecidas suas necessidades e desejos diante do trono do Pai. É por isso que a diretiva (regozijai-vos sempre” é imediatamente segui­da de “orai incessantemente”. Usa-se aqui a palavra mais abrangente que existe para oração (jipoaeux.fl, 7Epoo,£'ú%op,ai). Para sinônimos, veja a notável passagem de Filipenses 4.6. O que Paulo está querendo dizer é o seguinte: não deve haver declínio na regularidade do hábito de “agarrar-se a Deus” em meio a todas as circunstâncias da vida (cf. Rm 12.12; Ef 6.18; Cl 4.2). O apóstolo tinha condições de afirmar tal coisa, porquanto ele mesmo deu o exemplo (3.10; 2Ts 1.11; Ef 1.16; 3.14).

Quando uma pessoa ora sem dar graças, ela está cortando as asas da oração, de forma que a mesma não pode voar. É por isso que o trio de admoestações se encerra com: “daí graças em todas as circunstâncias”. Esta frase em todas as circunstâncias (èv Jtavxí provavelmente é su­bentendido com xpfj|o,axi) inclui aflição porque, até mesmo em meio a todas essas coisas (“tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, pe­rigo e espada”), os crentes não são simplesmente vencedores, mas, sim, “mais que vencedores” (superinvencíveis), uma vez que todas essas coi­sas de fato os auxiliam a alcançar o seu alvo predestinado (veja Rm 8.35-37).

Porque esta é a vontade de Deus (não meramente a palavra de Paulo, Silas e Timóteo) em Cristo Jesus para com vocês. A vontade de Deus, como claramente se manifesta por meio da obra redentora e da

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164 1 TESSALONICENSES 5.19-22

revelação de Jesus Cristo, é exatamente isto: que os crentes devem rego­zijar-se sempre, orar incessantemente e dar graças em todas as circuns­tâncias.

19-22. A breve série de admoestações que vem em seguida tem a ver com o Espírito Santo e seus dons:

Não apaguem o Espírito.Não desprezem os pronunciamentos proféticos, mas provem to­das as coisas: apeguem-se ao bem; abstenham-se de toda forma de mal.O Espírito Santo conferira à Igreja primitiva certos dons especiais

ou carismas. Contavam-se entre eles: a capacidade de realizar milagres de cura, falar em línguas e profetizar.

Embora, segundo alguns intérpretes, não houvesse nada de miracu­loso em profetizar, não compartilhamos de tal opinião.110 A Igreja, em sua infância, não possuía ainda a Bíblia completa (Antigo Testamento e Novo Testamento). Não possuía ainda um vasto acervo de literatura cristã, tal como possuímos hoje. A hinologia cristã também estava ainda em sua fase incipiente. Numericamente falando, também, a Igreja ainda era bastante insignificante. Além disso, ela era objeto de escárnio e des­prezo de todos os lados. Em tal situação, Deus, graciosamente, provi­denciou apoios ou dotações especiais, até que chegasse o tempo quando esses dons não mais seriam necessários. Um desses dons era a profecia.

Como mostra esse termo - e seus derivados - (visto que neste caso o sentido etimológico continua apegado a ele), um profeta (jtpo<|>f|Tr|ç de 5upó diante, e <|)T||ií falar) é “uma pessoa que fala diante de”. E o que ele fala diante de ou declara publicamente é a vontade e a mente de Deus. Ele é111 aquele que “proclama”, e não necessariamente (ainda que às vezes também) aquele que “prediz”.

Ora, ainda que esse dom específico de profecia fosse um dos maio­res dos carismas, de categoria ainda mais elevada que a capacidade de falar em línguas - porquanto a mensagem do profeta, em contraste com o pronunciamento de quem falava em línguas, era prontamente entendi­

110. Lenski (obra citada, pág. 360), por exemplo, nega que a profecia pertence ao carisma extraor­dinário. Ele indica o fato de que em Romanos 12.7 esse tipo de profecia encabeça a lista dos dons, nenhum dos quais era miraculoso. Em contraste com isso, porém, está o fato de que em 1 Coríntios 12.10o dom de profetizar é mencionado de passagem com outros dons tais como operação de mila­gres e capacidade de falar em línguas; e, segundo 1 Coríntios 14.24,25, por meio do ato de profeti­zar, os segredos do coração de quem vem de fora e entra numa reunião religiosa são revelados, de modo que ele caia sobre o seu rosto e declare, em tal assombro: “De fato Deus está entre vocês”.

111. Veja Robertson, WordPictures, vol IV, págs. 37,38.

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1 TESSALONICENSES 5.19-22 165

da (ICo 14.1,2,4,5,6) - contudo era tida em pouca estima por alguns dos membros da igreja de Tessalônica. Tal coisa era deplorável diante do fato de que, ao fazer pouco das declarações proféticas, estes mem­bros se privavam da “edificação”, encorajamento e consolação” (ICo14.3) pronunciados pelo profeta. Além do mais, por meio do desprezo feito ao pronunciamento profético, seu Autor, o Espírito Santo, era de­sonrado. Na Igreja primitiva, o dom de profecia era como uma chama ardente. Tal chama não deveria ser apagada ou extinta (para o verbo, cf. Mt 12.20; 25.8; Mc 9.48; Ef 6.16; Hb 11.34). Portanto, lemos lite­ralmente: “Ao Espírito não apaguem. Aos pronunciamentos proféticos não desprezem”. E preferível começar a frase com o sujeito (“ao Espíri­to, não o apaguem”), para que haja mais ênfase sobre eles. É como se Paulo dissesse: “Ao menosprezarem os pronunciamentos dos profetas que se encontram em seu meio, estão depreciando a obra daquele que não é outro senão o próprio Espírito Santo”.

A razão para tal descrédito das palavras proféticas pode ser facil­mente percebida. Onde quer que Deus plante trigo, Satanás semeia o seu joio. Onde quer que Deus estabeleça uma igreja, o diabo erige uma capela. E assim também, sempre que o Espírito Santo capacita determi­nados homens para operarem curas miraculosas, o diabo semeia suas “maravilhas da mentira”. E sempre que o Paracleto põe em cena um autêntico profeta, o enganador apresenta seu falso profeta. A mais fácil- não, porém, a mais sábia - reação a esse estado de coisas é o desprezo a toda profecia. Acrescenta-se a isso o fato de que os fanáticos, os intro­metidos e os ociosos de Tessalônica talvez não gostassem de alguns dos pronunciamentos dos legítimos profetas, o que nos faz entender pronta­mente por que entre alguns membros da congregação a proclamação profética caíra em descrédito.

Paulo, pois, estabelece o correto curso de ação que a congregação deveria seguir: “Não desprezeis os pronunciamentos proféticos, provai (sobre o verbo [provar], veja lTs 2.4), porém, todas as coisas”. O pa­drão pelo qual o verdadeiro profeta se distingue do falso é que o primei­ro nunca declarará nada que seja contrário ao que Deus tomou conheci­do previamente em sua revelação especial"2 (cf. Dt 13.1-5; Rm 12.6). Na nova dispensação, o critério seria a revelação de Deus através do testemunho de Cristo e dos apóstolos. Além disso, na Igreja primitiva, parece que alguns homens foram dotados com a rara habilidade de dis­

112. Cf. G Ch. Aalders, De Profeten Des Ouden Verbonds, Kampen, 1918, págs. 224-235. Nas páginas indicadas, o autor discute os prós e os contras dos vários critérios que se tem sugerido como meios para distinguir o verdadeiro profeta do falso.

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166 1 TESSALONICENSES 5.23

tinguir entre a genuína e a falsa profecia (veja ICo 12.10: “e a outro, a capacidade de discernir os espíritos”).

Uma vez alcançado um veredicto genuíno, a regra prática deve ser aplicada: “apeguem-se (Konéxe^e) ao bem; abstenham-se (coté%eaQe) de toda forma (ou espécie, não aparência, neste caso) de mal”. Note: toda forma, quer as mensagens ímpias e não inspiradas se refiram à doutrina quer à vida prática. É provável que esse toda seja ainda mais amplo, para que seja tomado de forma absoluta.

Quando os versos 19-22 são estudados juntos, como uma unidade, toma-se imediatamente visível que a regra “Provem todas as coisas” não pode significar “Experimentem tudo de uma vez”, ou “entrem em cada lugar de impiedade e descubram por vocês mesmos o que se faz ali”. No contexto dado, significa simplesmente que, em vez de menos­prezar toda e qualquer palavra profética, é preciso testar aquelas que se apresentam como tal. O que é bom deve ser aceito; toda espécie de mal (sem exceção alguma; portanto, seja o mau conselho - dado por um falso profeta - ou qualquer outra forma de mal) deve ser evitada.

O que vem em seguida é um desejo final e algumas poucas e urgen­tes petições, como as que esperaríamos encontrar na conclusão desta carta; em seguida, a bênção.

23. E que ele, o Deus da paz,os santifique inteiramente,e que o seu espírito seja sem defeitoe sua alma-e-corpo seja conservadairrepreensível na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.Nesta passagem, o autor aponta para a fonte de poder do crente. É

como se ele quisesse dizer: “Com a sua própria força não puderam cumprir os preceitos que lhes tenho ordenado. Necessitam de Deus, o Deus de paz (cf. Rm 15.33; 16.20; 2Co 13.11; Fp 4.9; 2Ts 3.16; Hb13.20), uma paz estabelecida através da cruz, uma paz que implica prosperidade espiritual na plenitude de seu sentido (veja a exposição de 1.1). Que este Deus os santifique, ou seja, que ele lhes separe da vida de pecado e opere em vocês o desejo de consagrar-se a ele (cf. Rm 15.16; ICo 1.2; 6.11; 7.14; Ap 22.11; veja acima a exposição de 3.13; 4.3,7; também CNT Jo 17.17,19) inteiramente. Este “plenamente” (óA,oxeÀ.elç de ÕÀ.OÇ completo, inteiro, e xéXoçfim) é uma palavra rara, ocorrendo somente aqui em todo o Novo Testamento. E um adjetivo no plural, de tal forma que o significado literal da palavra em conexão com o subs­tantivo que a modifica é vós completos, ou seja, a “totalidade de cada

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1 TESSALONICENSES 5.24 167

um de vocês, cada parte de cada um de vocês” (A. T. Robertson, Word Pictures, vol. IV, pág. 38) (M. M., pág. 447, indica que tanto aqui em lTs 5.23 como no decreto de Epaminondas, o adjetivo tem efeito adverbial.).

Ora, esse processo de santificação ocorre ao longo da presente vida, esta vida terrena. Paulo expressa um desejo estreitamente relacionado, o qual pertence ao dia do juízo. Ambos os pensamentos constituem uma unidade. Ele expressa o desejo - o qual tem a solenidade de uma oração- de que também “na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (veja, neste livro, a exposição de 2.19), quando os outros forem sentenciados à con­denação eterna, tanto sua alma como seu corpo (a pessoa inteira), o espírito dos crentes de Tessalônica (juntamente com todos os demais crentes, naturalmente) seja sem defeito; deveras, que sua alma-e-corpo seja preservada desta terrível condenação, ou seja, guardada irrepreen­sivelmente (2.10; cf. 3.13).

Até aqui não há grande dificuldade. A idéia principal é obvia. O problema surge com a interpretação dos detalhes.113 Se alguém deseja uma resposta às perguntas: “Paulo era tricotomista”?, “1 Tessalonicen­ses 5.23 ensina que o homem se constitui de três partes: espírito, alma e corpo”?, então deverá ler a nota 113 no final desta seção.

A idéia de totalidade é enfatizada por toda a passagem. Isso é de­monstrado pela posição em evidência da palavra “total” ou “sem defei­to”, bem como pelas expressões “plenamente” e “sua alma e corpo”. Embora determinadas pessoas na Grécia e Macedônia mantivessem um baixo conceito de corpo, considerando-o uma mera prisão da qual a alma deveria libertar-se, e ainda que os crentes tessalonicenses, ao cho­rarem a perda de seus entes queridos, se sentissem dominados pela in­certeza de seus corpos já sepultados chegariam de alguma forma a par­ticipar da glória do retorno de Cristo (veja a exposição de 4.13-18), Paulo assegura aos leitores que Deus em Cristo é um Salvador perfeito.

24. Segue-se uma maravilhosa expressão de segurança. O que Pau­lo expressou tão admiravelmente é um desejo, sim, mas não um mero desejo. E um desejo cujo seguro cumprimento está garantido pela sobe­rana graça de Deus:

Fiel é aquele que os chama, o qual também o fará.Os tessalonicenses não precisavam sentir medo. Aquele que os (veja

a exposição de 2.12; 4.7; 2Ts 2.14) chama (ó kcxXüw particípio presen­te sem tempo) certamente que também completará o que começou a respeito deles (cf. Fp 1.16). Seguramente, os santificará e os preserva-

113. Por ser muito extensa, a nota gramatical foi colocada no final deste capítulo.

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168 1 TESSALONICENSES 5.25,26

xá. Ele é fie l (tcicjtoç), digno de confiança (cf. ICo 1.9; 10.13; 2Co 1.18; 2Ts 3.3; 2Tm 2.13). O que ele promete, realmente cumpre.

25.0 homem que, em meio aos seus hercúleos labores, em 2 Corín­tios 11.29 exclama: “Quem enfraquece, que também eu não enfraque­ça”? e que prefacia essa observação com uma longa lista de sofrimentos e dificuldades que teve de suportar, sente a necessidade de oração. As circunstâncias que o circundam em Corinto não são de forma alguma propícias. Veja a exposição de 3.7. Além do mais, ele (juntamente com Silas e Timóteo, naturalmente) crê na eficácia da oração. Portanto, não surpreende o fato de encontrarmos aqui (e em várias de suas epístolas) esta comovente súplica: Irmãos, orem por nós (cf. 2Ts 3.1; Rm 15.30; Ef 6.19; Cl 4.3). A enfática posição da palavra “irmãos” (veja a exposi­ção de 1.4) - de forma tal que a validade da petição é baseada, por assim dizer, no amor que existe entre aqueles que são membros da mes­ma família espiritual - aumenta ainda mais o seu caráter ardente e ur­gente.

26. Saúdem a todos os irmãos com ósculo santo.É como se alguém de nossos próprios dias escrevesse: “Expresso as

minhas mais cordiais saudações a” esta ou aquela pessoa, assim Paulo, Silas e Timóteo solicitam que se lembre de “todos os irmãos”, ou seja, de cada membro da congregação, incluindo até mesmo aqueles que se mostravam inclinados ao fanatismo, ao intrometimento na vida alheia ou à ociosidade. Ninguém deveria ser omitido.

A forma desta saudação é o “ósculo santo” (cf. Rm 16.16; ICo 16.20; 2Co 13.12). Este era o ósculo de amor (cf. IPe 5.14) e de paz (veja Constituições, citada adiante). Era santo em virtude de ser o sím­bolo da unidade espiritual em Cristo. Além do mais, era um selo da afeição cristã, o sentimento que os membros da mesma família espiri­tual cultivam uns pelos outros.

Entre as antigas referências a essa espécie de beijo citamos as se­guintes:

“Quantos estejam convictos, e crêem que o que ensinamos e dize­mos é a verdade, e se comprometem a viver de conformidade com ela, são instruídos a orar e a suplicar a Deus com jejuns pela remissão de seus pecados passados, enquanto oramos e jejuamos com eles. Então são conduzidos por nós a um lugar onde haja água, e são regenerados da mesma forma como nós mesmos fomos regenerados. Porque, no nome de Deus, o Pai e Senhor do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo, e do Espírito Santo, eles então recebem, a lavagem de água.... Após

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1 TESSALONICENSES 5.26 169

termos assim batizado ao que foi convicto e deu seu assentimento ao nosso ensinamento, o conduzimos ao lugar onde os que são denomina­dos irmãos estão reunidos, com o fim de oferecermos sinceras orações em conjunto, por nós mesmos, pelo batizando e por todas as pessoas em todos os lugares... Uma vez concluídas as orações, saudamos uns aos outros com ósculo santo. Em seguida, pão e um cálice com vinho mis­turado com água são apresentados por algum dentre os irmãos que esta­vam presidindo” (Justino Mártir - meados do século 2Q d.C. - Primeira apologia, LXI. LXV).

“Quem [isto é, qual esposo não crente] dará licença de ausência a ela [esposa crente], sem suspeita, para comparecer àquela Ceia do Se­nhor que eles difamam? Quem lhes permitirá entrar furtivamente na prisão, para beijar as cadeias de um mártir? Ou, aliás, para encontrar algum dos irmãos para trocar com ele o ósculo ” ? (Tertuliano - cerca de 207 d.C. - A sua esposa, II, iv).

“Que as mulheres mais jovens também se assentem à parte, caso haja um lugar para elas; se não, que fiquem de pé atrás das mulheres. Que as mulheres casadas que tenham filhos se ponham à parte; mas que as virgens e as viúvas, bem como as senhoras idosas, fiquem de pé ou se assentem diante de todas as demais. E que o diácono seja quem indique os lugares, para que cada um que entre vá para o seu próprio lugar, e evite sentar-se à entrada. De semelhante forma, que os diáconos vigiem as pessoas, para que ninguém cochile, nem adormeça, nem ria, nem fique a movimentar a cabeça... Após isso, para o leste... orem a Deus em direção ao oriente... Após terminada a oração, que alguns dos diáco­nos tomem o encargo da oblação da Eucaristia... Que os demais diáco­nos vigiem a multidão e a façam manter silêncio. Que aquele diácono, porém, que se acha à direita do sumo sacerdote diga ao povo: “Que ninguém tenha qualquer contenda com outro; que ninguém chegue a outro com hipocrisia”. Então, que os homens dêem aos homens, e as mulheres dêem às mulheres, o beijo do Senhor” (Constituição dos san­tos apóstolos) - cerca do século 3B d.C. - II. vii).

“E depois dessas [orações pelos fiéis], que o diácono diga: Atenda­mos. E que o bispo saúde a igreja, e diga: “que a paz de Deus seja com todos vós. E que o povo responda: E com o teu espírito”.

“E que o diácono diga a todos: Saúdem-se uns aos outros com ós­culo santo. E que o clero saúde o bispo, os homens do laicato se saú­dem entre si, as mulheres [saúdem] as mulheres. E as crianças se po­nham de pé junto delas, para que não provoquem desordem” (Constitui­ção dos santos apóstolos, VIII. xi).

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170 1 TESSALONICENSES 5.27,28

“Saudemo-nos uns aos outros, com ósculo santo. Curvemos nos­sas cabeças diante do Senhor” (A divina liturgia de Tiago, santo após­tolo e irmão do Senhor - data, origem e autoria discutíveis - , II).

Neste contexto, é de igual interesse a observação de Agostinho: “As pessoas se queixam de terem sido levadas a sair da escura noite da ruinosa incredulidade para a luz da fé que é fonte de vida. Escravizadas pelo espírito do mal, murmuram porque outras pessoas entram na igreja para renderem a Deus um culto mais puro, onde, por causa da modéstia, os homens se sentam de um lado e as mulheres, de outro” (Com relação à cidade de Deus - escrito em 413-426 d.C. - Il.xxxviii).

27. Solenemente os incumbo diante do Senhor, que esta epísto­la seja lida a todos os irmãos. Esta solene incumbência ou abjuração não chega a nos surpreender. O conteúdo da epístola é importante, tanto em relação ao ensino (por exemplo, relativo à Segunda Vinda) como em relação à admoestação. É bem possível que alguns dos que andavam desordenadamente, ao ouvirem que chegara uma carta dos missioná­rios, e suspeitando que a mesma continha algumas admoestações dirigi­das especialmente a eles, desejassem estar ausentes enquanto a carta fosse lida em voz alta à congregação. Assim Paulo enfatiza que, por todos os meios possíveis, cada pessoa da igreja deveria ouvir a leitura da carta. A abjuração subentende uma ameaça de castigo divino caso tal não fosse feito. Entretanto, a incumbência não contém amargura; note o carinhoso termo: irmãos.

28. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com vocês. Comalgumas variações, esta bênção se acha presente em ou nas imediações do encerramento de todas as epístolas de Paulo (isto é, todas caso sua ocorrência em Rm 16.20 seja autêntica). Ela está em plena harmonia com o caráter espiritual da saudação inicial. Para os vários conceitos e para a relevância de ambas, veja sobre 1.1.

Síntese de 5.12-28Veja Sumário de 1 Tessalonicenses 5.12-28. Exortação. Paulo es­

creve aos tessalonicenses exortando-os sobre como deviam conduzir- se em relação a todas as classes e em todos os tempos.

Um detalhado estudo de 1 Tessalonicenses revela que, por meio dela, pressupõe-se um poderoso conflito entre as forças da luz e as das tre­vas. Às vezes (em certas palavras e frases), esse conflito vem à superfície.

Alinhados de um lado estão, antes de tudo, Deus o Pai, o Senhor

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1 TESSALONICENSES 5 171

Jesus Cristo e o Espírito Santo; do outro estão Paulo, Silvano e Timó­teo, que estão levando avante seus labores espirituais por meio desta carta e também através dos anciãos da igreja. Finalmente, existe a ir­mandade em geral.

Aqui se faz novamente uma distinção entre aqueles cuja fé, amor e esperança estão produzindo muito fruto (e que são, portanto, exemplo para outros), e aqueles que, embora considerados irmãos, são caracteri­zados pelas falhas que exigem especial consideração. Estes são, pois, os que andam desordenadamente (fanáticos, intrometidos e ociosos), os desanimados e os fracos.

Mas existem também aqueles que foram agraciados com dons espe­ciais, por exemplo, o de profetizar, e - como era de se esperar - havia os pseudos-profetas.

Além disso, faz-se referência a “aqueles da Macedônia e Acaia que crêem” e a “as igrejas de Deus que estão na Judéia”. Daí toma-se evi­dente que as várias igrejas locais, ainda que autônomas, não existem inteiramente sozinhas. Há um vínculo orgânico entre elas, o vínculo da fé, do amor e da esperança. A idéia de uma Igreja una, santa e universal (o tema de Efésios) começa a emergir já em 1 Tessalonicenses. Veja especialmente 1.7-9; 2.14,19; 4.10. Os crentes tessalonicenses amam (e disso se tomaram um exemplo) os da Macedônia e Acaia. Eles se fize­ram imitadores daqueles [cristãos] da Judéia e estão enfrentando as mesmas dificuldades. Além disso, juntamente com outros, constituem a coroa de glória de Paulo. Aqui se acha presente a idéia da igreja militante.

A igreja militante, porém, por sua vez, está numa relação, a mais estreita possível, com a igreja triunfante. Na volta de Cristo, aqueles que de antemão adormeceram, juntamente com aqueles que naquele tem­po ainda estiverem vivos na terra, serão arrebatados às nuvens para o encontro do Senhor nos ares, e então permanecerão com ele para sempre.

Alinhados do outro lado estão Satanás, os ídolos, os pagãos que atormentam os crentes, bem como aqueles que instigam os pagãos. Es­ses pagãos “não conhecem a Deus”, vivem nas trevas, moral e espiritu­almente se acham adormecidos, não possuem a firma âncora da espe­rança, e estão destinados a uma repentina destruição (o castigo etemo).

Os ímpios instigadores são os judeus impenitentes, aqueles que são “contra todos os homens” e sobre quem a ira de Deus chegou “ao seu clímax”.

Assim são os dois exércitos. Os crentes recebem repetidas vezes a tonificante garantia de completa vitória na vinda do Senhor Jesus Cristo.

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172 1 TESSALONICENSES 5

Ora, esta seção final de 1 Tessalonicenses contém exortações espe­cíficas, as quais revelam qual deve ser a atitude dos tessalonicenses em relação a vários grupos e pessoas mencionados no precedente, ou seja, para:vv.12,13 os anciãos da igrejav. 14 os de vida desordenada

os intrometidos os fracos “todos”

v. 15 aqueles que os injuriavamvv.16-18 Deusvv. 19-22 o Espírito Santo e seus dons (também: pseudo-profe-

tas) A isso seguevv.23,24 um solene desejo por santificação e preservação, tal

desejo seguido imediatamente de promessa; por vv.25-28 um trio de petições urgentes (por oração intercessória,

pelas saudações com “ósculo santo” e pela leitura pú­blica desta carta); e finalmente, pela bênção.

113. Se a. o adjetivo nominativo, singular, neutro, “sem defeito” ou “inteiro” ou “íntegro” (ótafolrpov), tratado como advérbio (alguns o chamam de advérbio) ou como adjetivo pertencente aos três subs­tantivos (espírito, alma, corpo); e b. se a esta palavra é dado um lugar totalmente diferente na oração daquele que ela tem no original, ficando assim junto à palavra “sem culpa” (ou “irrepreensível”), como se no original também as duas ocorressem em estreita coordenação, produz uma tradução que transforma um pequeno problema em grande. A tradução a que me refiro é a seguinte:

“E o seu espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis...” (Atualizada e Cor­rigida: a Bíblia de Jerusalém traz: “e que o seu ser inteiro, o espírito, a alma e o corpo, sejam guarda­dos de modo irrepreensível”.)

Naturalmente, a pergunta que agora surge é: “Paulo cria que a natureza humana consiste de três partes: espírito, alma e corpo? Em outras palavras: ele era tricotomista?”. A questão mais profunda é a seguinte: “o que Paulo quis precisamente dizer ao escrever 1 Tessalonicenses 5.23 (especialmente as palavras em questão)”?.

Entre as respostas ou soluções que se têm apresentado, as seguintes são, talvez, as mais importantes:a. Paulo era evidentemente tricotomista. Ele claramente divide a natureza humana em espírito,

alma e corpo.b. Os leitores de Paulo eram tricotomistas. Paulo apenas se acomodou ao ponto de vista deles. Ele

simplesmente escrevera: “E que a sua alma e corpo sejam guardados sãos e irrepreensíveis” ; e os leitores teriam perguntado: “os nossos espíritos não devem ser preservados também”?. A fim de evitar-se essa errônea conclusão - de que o espírito não carece ser guardado - o apóstolo escreve como o fez.

c. Na presente passagem, Paulo não faz distinção alguma entre espírito e alma. Ele está falando retoricamente. Procedemos da mesma forma, hoje, quando dizemos a um auditório que ponha seu “coração e alma” em determinado projeto de muita importância.

d. Paulo, ao utilizar a palavra Espírito, se referiu ao Espírito Santo, ou àquela porção do divino

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1 TESSALONICENSES 5.23 173

Espírito que habita permanentemente em cada pessoa regenerada. A esse Santo Espírito, que habita (mas que nunca é parte de) a natureza humana, ele, como autêntico dicotomista, acrescenta “alma e corpo” como constituintes da natureza humana.

e. Quando Paulo menciona espírito e alma, ele indica não duas substâncias, porém uma e mesma substância imaterial. Não obstante, ele visualiza essa substância primeiramente pelo prisma de sua relação com Deus - como recipiente das influências divinas e como órgão para adoração divina (“espírito”) - em segundo lugar pelo prisma de sua relação com a área inferior - como o campo das sensações, aflições, desejos, etc. (“alma”). Aessa substância imaterial única, vista de dois ângulos, Paulo acrescenta o corpo. E nesse sentido que ele escreve: “e que o seu espírito, alma e corpo sejam conservados sãos e irrepreensíveis”.

f. Paulo não tem em mente uma série de três elementos coordenados: “espírito e alma e corpo”. Ao contrário, o primeiro conceito é “sua pessoa integral”. E isso, à guisa de explicação, o apóstolo acrescenta: “tanto sua alma quanto seu corpo”.

Com referência a essas seis teorias, nossa própria opinião é como se segue:Teoria a.

Esta pode ser descartada de vez. Que Paulo não era tricotomista é evidente de várias passagens (Rm 8.10; ICo 5.5; 7.34; 2Co 7.1; E f 2.3; Cl 2.5). À parte de 1 Tessalonicenses 5.23, em trecho algum ele emprega linguagem tricotomista com respeito à natureza humana. Essa conclusão parece ser válida também em que na presente passagem ele tampouco escreve na qualidade de tricotomista.

Teoria b.A teoria da acomodação, além de ser questionável no tocante às implicações éticas, é carente de

base histórica sólida. Seguramente, os leitores não eram neo-platônicos.Teoria c.

A ilustração empregada não é muito apropriada. Quando dizemos a um auditório que ponha seu “coração e alma” em determinado projeto, imediatamente reconhecemos o caráter sinonímico desses dois termos. Mas quando dentro de uma locução idêntica (como esta teoria implica) estamos coor­denando três termos, dos quais o terceiro é claramente de uma natureza totalmente diferente do segundo (o terceiro sendo corpo e o segundo sendo alma), seria legítimo perguntar se talvez o primeiro (espírito) não deveria ser também distinguido dos outros quanto ao seu significado. Além disso, Paulo em outro lugar usa com freqüência o termo alma (v^x^í do qual deriva v|/-uxikóç “natu­ral” ou “não-espiritual” , ICo 2.14) num sentido diferente de espírito ( t c v e ü h o c , do qual deriva ícvEU|iamKÓç “espiritual” 1 Co 2.15). Não se deve aceitar, portanto, que toda distinção entre Espí­rito e alma se acha, aqui (em lTs 5.23), completamente ausente da mente de Paulo.

O sumário da primeira tábua da lei (Mc 12.30), longe de provar que a teoria c. é correta, antes parece estabelecer justamente o contrário, porque certamente aqui coração, alma, mente e força não significam exatamente a mesma coisa.

Teoria d.Esta é decididamente errônea, embora reconheçamos que é defendida por exegetas realmente gran­

des. Paulo, Silas e Timóteo não teriam expresso o desejo de que o Espírito Santo (ou “uma porção do Espírito Santo”) pudesse ser guardado são e irrepreensível. Tampouco expressaria o desejo de que a terceira pessoa da Trindade fosse sem defeito.

Teoria e.Esta é provavelmente a melhor de todas as que já avaliamos. Ela tem muito em seu favor; permi­

te a Paulo permanecer dicotomista, o que é correto (como já foi demonstrado). E também correta ao indicar que o primeiro e o segundo termos da tríade (daí, kvev\io. e yu%TÍ) devem às vezes ser distinguidos de acordo com a forma estabelecida na teoria. Se tivéssemos que escolher entre as cinco teorias examinadas até aqui, esta seria a eleita. De fato, segundo vemos, em alguns aspectos ela é também melhor que a teoria/ ( a seguir), por exemplo, em que não se traduz o adjetivo são (ó X .ó k X .tip o v ) como se estivesse em posição atributiva.

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174 1 TESSALONICENSES 5.23

Não obstante, a tradução proposta aqui (“e que seu espírito e alma e corpo sejam guardados sãos e irrepreensíveis”) apresenta os seguintes aspectos discutíveis:

(1) Coordena as palavras “são” e “irrepreensível”, colocando-as lado a lado, o que não parece harmonizar-se com a intenção do original.

(2) Interpreta a conjunção “e” (kocí), que ocorre entre os segundo e o terceiro termos da tríade como acrescentando duas substâncias diferentes (alma, corpo), considera, porém, o “e” (Kaí) que conecta o primeiro e segundo como meramente indicando que a mesma substância é considerada sob dois prismas diferentes. Embora isso possa ser possível, não é a forma usual em que se poderia interpretar duas conjunções idênticas numa expressão formada por três termos que se consideram coordenados, todos ocorrendo na mesma locução, e que se traduz assim: “seu espírito e alma e corpo”.

(3) Conecta o adjetivo são com os três substantivos (espírito, alma, corpo), não mostra, porém, por que no original ele está no singular. (Entretanto, esta objeção não é muito forte. Acontece com mais freqüência que numa série simplesmente concorda com o primeiro ou com o último substantivo mencionado.) Ou se a palavra “são” é considerada como advérbio que modifica o verbo “seja guar­dado” (segundo alguns intérpretes é isso), e não se deixa claro por que deveria ser um advérbio aqui enquanto em outras partes na Bíblia grega é sempre adjetivo (veja na LXX: Lv 23.15; Dt 27.6; Js 9.2; Ez 15.5; Zc 11.16: Sabedoria 15.3; 1 Macabeus 4.47; 4 Macabeus 15.17: pedras inteiras, justiça inteira, sábados completos, etc.).

Aceito a teoria e, em parte, não no todo.Teoria f.

Segundo esta teoria, proposta desde muito tempo, e recentemente apresentada de forma enérgica por Charles Masson num artigo muito bem escrito (“Sur 1 Thessaloniciens 5.23”, RthPh 33 [1945], págs. 97-102), a passagem em questão poderia ser traduzida mais ou menos assim:

“E que o mesmo Deus de paz os santifique plenamente; e que a sua pessoa inteira, sua alma e vosso corpo, sejam guardados irrepreensíveis para o dia da Vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.”

Esta teoria evita muitos dos aspectos objetáveis das outras; mas, como percebo, introduz algumas novas dificuldades. Os pormenores que a distinguem das anteriores são os seguintes: não enfrenta dificuldades com referência ao número e ao gênero da palavra são ou inteiro (óXÒKXripov); ela vê essa palavra como adjetivo, o que, provavelmente, seja correto. Entretanto, considera reveí^a segun­do o seu uso aqui em 1 Tessalonicenses 5.23, como significando pessoa, e como prova oferece o paralelismo entre

“A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito (G16.18; Fp 4.23; Fm 25)e

“A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com vocês” (lTs 5.28),ressaltando que em tais passagens litúrgicas (e considera lTs 5.23 pertencente a esta categoria)

“seu espírito” significa “você”, ou algo parecido (a pessoa integral do crente, tanto alma como cor­po). Ela busca apoio na linha que imediatamente a antecede (“os santifique plenamente” correspon­dendo a “que a sua pessoa inteira... seja guardada”); e considera Kaí... K aí como significando “tanto ... como” (cf. Rm 11.33).

Um último aspecto, que requer especial menção, é o fato de que, segundo Masson, quando o origi­nal é interpretado como ele o faz, o verso 23 “se divide em duas estrofes, sendo que cada uma contém duas linhas, cujo paralelismo no número de sílabas, como também nas assonâncias da sílabas iniciais e finais, compõem um ritmo facilmente perceptível”.

Enquanto reconhecemos nossa dívida a Masson e aos que surgiram antes dele e que defenderam este ponto de vista, por outro lado não podemos segui-los em todo o seu trajeto. Além de algumas

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1 TESSALONICENSES 5.23 175

diferenças de menos importância na tradução, que se tomam imediatamente patentes quando nossa tradução de todo o versículo é comparada com a oferecida pelos proponentes desta teoria, duas discrepâncias sobressaem a todas as demais:

A primeira é esta: no original grego, a palavra que Masson, bem como outros traduzem correta­mente “inteiro”, está na posição de predicado. Daí, como o vejo, o original realmente não diz: “E que o seu espírito inteiro”, e, sim: “E inteiro (ou “sem defeito”) seja o seu espírito”. A versão Berkeley corretamente retém a posição de predicado do adjetivo quando traduz: “Que o seu espírito seja sem defeito, e a sua alma e corpo conservados irrepreensíveis”.

O segundo item que requer comentário adicional diz respeito à tradução que nesta teoria se faz do termo jcveína. Ela favorece a tradução “pessoa” no sentido de alma e corpo. Mas esta palavra grega, Jtveina, tem esse significado em algum outro lugar do Novo Testamento? O fato é simples­mente que não.

Será proveitoso, neste contexto, passar em revista os usos dos dois termos em questão, ou seja: rcveína e v u x 1! (O terceiro termo aâ (ia , é bastante claro).

(1) Em primeiro lugar significa vento (Jo 3.8; Hb 1.7 plural). O original traz reveí^a.(2) Os conceitos estreitamente relacionados fôlego, fôlego de vida, vida, princípio vitalizador

estão representados tanto por 7cvt-ú|aa (2Ts 2.8, fig.; Ap 11.11; 13.15?; e cf. Mt 27.50; Lc 8.55; 23.46; Jo 19.30; At 7.59; Tg 2.26) quanto por (Mt 2.20; 6.25a; 6.25b; 16.26a; 16.26b; Mc 3.4; Lc 6.9, etc.) ainda que em sua maioria pelo último.

(3) O significado ser vivente, si mesmo, pessoa, especialmente freqüente em passagens que podem remontar-se aos originais hebreus, porém de forma alguma confinado a tais passagens, é sempre vi/ux. -̂ Nesta categoria alguns incluíram apenas Mateus 11.29; Marcos 8.36; Atos 2.41,43; 3.23; 7.14; 27.37; Romanos 2.9; 13.1; 1 Coríntios 15.45; 1 Pedro 3.20; e Apocalipse 16.3. Outros, com base na comparação de passagens paralelas, acrescentariam referências tais como Mateus 20.28, Marcos 10,45, cf. 1 Timóteo 2.6; João 10.11,15,17; e muitas outras (note “minha alma” equivale a “eu” em Mt 12.18; e “minha alma” equivale a “teu Santo” e equivale a “ele” em At 2.27,31).

(4) Alma ou espírito. O original traz v u x ^ e icveCjia.(5) Ser incorporado ou desincorporado. Com a possível exceção do disputado significado de

»|/\>Xi1 em Apocalipse 6.9 e 20.4 (o qual, segundo vejo, pertence apropriadamente a esta categoria, porém nem todos concordam), este significado em todo o Novo Testamento está representado por jtveina. As seguintes subdivisões podem ser reconhecidas: espírito em geral (At 23.8,9), Deus como Espírito (Jo 4.24), Cristo como Espírito (IC o 15.45), a alma humana à parte do corpo (Hb 12.23; IPe 3.19), fantasma (Lc 24.37,39), espíritos (Hb 1.14), demônio, mais de 40 passagens nesta última subdivisão de (5) (M t8.16; 10.1; 12.43 etc.).

(6) O Espírito Santo e/ou seus dons. Há cerca de 120 passagens nas quais “o Espírito Santo” (“o Espírito de Deus” - “do Senhor” - “de Jesus” - “de Cristo” - “de Jesus Cristo”, “os sete Espíritos”) é mencionado de forma definida. Em aproximadamente igual número de passagens é bem provável que o termo “Espírito” se referia ao Espírito Santo, embora em vários casos isso seja discutível. Em todos os casos nesta sexta categoria a palavra usada é reveíp-a (Mt 1.18,20; 3.11; 12.32, etc.).

(7) Estado de ânimo, disposição, fonte eficaz, influência, energia vitalizadora. Com exceção de uns poucos casos discutíveis onde uma dessas conotações estreitamente relacionadas pode ser repre­sentada por a palavra é sempre jtveC|o.a (Mt 5.3; Lc 1.17; ICo 4.21; G16.1, etc.).

Com exceção de (1), todos esses significados são também encontrados nos escritos de Paulo. Toda­via, por ora nossa preocupação é somente com (4). É notável que Paulo quase sempre usa jtveí|j.a quando esse conceito é indicado. Todavia, ele também usa yu%f| ( lTs 2.8, a menos que esta pudesse ficar na categoria 3; lTs 5.23).

Surge uma pergunta: Paulo fazia distinção entre Jtveína e i|/\>xií?. As duas palavras têm em co­mum o fato de que ambas se referem ao elemento invisível do homem, considerado como o princípio de pensamento, vontade, desejo. Deve-se ter em conta que há no Novo Testamento diversas passa­gens onde a distinção em significado é tão pequena que ambas, pode-se dizer, podem, ou quiiNC podem ser intercambiáveis. Não obstante, um cuidadoso estudo desses termos, em lodo.s lis »WIN ocorrências, aponta para o fato de que basicamente existe uma distinção entre eles. Sempre CNNll

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176 1 TESSALONICENSES 5.23

distinção não se tenha desvanecido, equivale ao seguinte: quando jtv£Í|ia é usada, a atividade men­tal é proeminente, enquanto yu%ií com freqüência aponta na direção da atividade emocional. E o espírito (nvEÍ^ia) que percebe (Mc 2.8), planeja (At 19.21) e conhece (ICo 2.11). É a alma (vyux1!) que se entristece (Mt 26.38). O espírito (jcvEÍ^a) ora (ICo 14.14) a vuxtí ama (Mc 12.30). Tam­bém, MraxTÍ é às vezes mais geral, mais ampla em seu alcance, indicando a soma total da vida que se eleva em sua relação com Deus, a autoconsciência ou personalidade do homem considerada como o sujeito em atos de adoração ou em atividades relacionadas com a adoração, tais como a oração, o dar testemunho, o servir ao Senhor.

Em meu estudo de todas as passagens paulinas onde se usa rcvsí n<x, não encontrei sequer uma em que tenha o significado de “pessoa”, no sentido de alma e corpo de alguém.

Faz-se evidente que não estou satisfeito (pelo menos não totalmente satisfeito) com a teoria f.Tendo já examinado as seis teorias, nenhuma das quais estou disposto a aceitar em sua inteireza,

embora reconheça que algumas contêm elementos valiosos, expressarei meu próprio ponto de vista:a. A aparência tricotomista da passagem é consideravelmente reduzida tão logo se observa que as

palavras em questão não se encontram numa só locução e, sim, em duas;portanto, não: “E que o seu espírito e alma e corpo sejam guardados”...

Mas:“E sem defeito seja o seu espírito.E sua alma e corposeja guardada”.Ao traduzir assim a passagem, podemos fazer justiça à sua sintaxe gramatical e ainda à ordem das

palavras (veja o original).b. Qualquer vestígio de tricotomia que ainda resta pode ser obliterado em uma de duas maneiras:(1) Considerando a palavra “alma” como possuindo o mesmo significado de “espírito”, e a troca de

“espírito” por “alma” como sendo introduzida por razões estilísticas. Isso elimina a tricotomia.(2) Aceitando a posição de que, embora tanto “espírito” quanto “alma” se referem à mesma subs­

tância imaterial (daí, tampouco existe tricotomia aqui), esta substância é considerada primeiro (uma locução) pelo prisma de sua relação com Deus - sendo o “Espírito” aquela capacidade do homem de compreender ou discernir as coisas divinas, a sua essência invisível considerada como um recipiente das influências divinas se como instrumento de adoração divina; então, na próxima locução, sob o prisma de sua relação com a esfera inferior, como o campo das sensações, afeições, desejos. Este pode muito bem ser o elemento verdadeiro na teoria e.

Se for necessário fazer uma escolha, eu preferiria esta segunda alternativa. Ela se acha em harmo­nia com a distinção entre as duas palavras que se acham presentes em outras partes (como já foi demonstrado). Existe também um interessante paralelo em outra passagem, Hebreus 4.12, onde é óbvio que as duas palavras têm significados distintos.

Assim o argumento principal fica provado, ou seja, que, em qualquer dessas escolhas, todo e qual­quer vestígio de tricotomia desaparece.

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C o m e n t á r io d e

2 T essa l o n ic en ses

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SUMÁRIO DE 2 TESSALONICENSES 1

Tema: A revelação do Senhor Jesus vindo do céu tem um duplo propósito:

(1) Ser glorificado nos santos, inclusive os que se encontram em Tessa- lônica, por quem, em razão de seu crescimento na fé e amor, e sua perseverante paciência em meio à perseguição, Paulo se sente impe­lido a dar graças a Deus, e por quem ele ora.

(2) Retribuir com vingança aos desobedientes.

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C a pítu lo 1

1 1 Paulo e Silvano e Timóteo à igreja dos tessalonicenses em Deus nosso Pai e no Senhor Jesus Cristo; 2 graça e paz da parte de Deus o Pai e do Senhor Jesus Cristo.3 Somos compelidos a dar sempre graças a Deus por vocês, irmãos, como é justo,

porque a sua fé está crescendo além da medida, e o amor de cada um de vocês para com os demais está constantemente aumentando, 4 de um modo tal que nós, de nossa parte, nos gloriamos de vocês nas igrejas de Deus, de sua perseverança e fé em todas as suas perseguições e nas aflições sob as quais estão se mantendo firmes, 5 uma evidente indicação do justo juízo de Deus, a fim de que sejam tidos como dignos do reino de Deus, pelo qual vocês também estão sofrendo; 6 [o justo juízo de Deus, dizemos] se, de fato, [é] justo no conceito de Deus [como certamente é] retribuir com aflições aos que os afligem, 7 e [conceder] a vocês, que estão sendo afligidos, descan­so conosco na revelação do Senhor Jesus vindo do céu com os anjos de seu poder em fogo chamejante, 8 infligindo vingança sobre aqueles que não conhecem a Deus, mesmo sobre aqueles que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus, 9 os quais receberão o castigo de eterna destruição longe da face do Senhor e da glória de seu poder, 10 quando ele vier para ser glorificado em seus santos e ser admirado em todos os que crêem - porque o nosso testemunho a vocês foi crido naquele dia.

11 À vista disto, estamos também orando sempre por vocês, para que o nosso Deus os tenha por dignos do chamamento, e que ele, pelo [seu] poder, faça cumprir todas as [suas] resoluções motivadas pela bondade e [toda a] obra de vocês resultante da fé, 12 para que o nome de nosso Senhor Jesus seja glorificado em vocês, e vocês nele, segundo a graça de nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo.

2 TESSALONICENSES 1.1,2

1.1-121.1,2. Paulo e Silvano e Timóteo à igreja dos tessalonicenses em Deus nosso pai e no Senhor Jesus Cristo; graça e paz da parte de Deus o Pai e do Senhor Jesus Cristo.Este cabeçalho difere daquele encontrado em 1 Tessalonicenses 1.1

apenas em dois aspectos:(1) Ele traz “nosso Pai” em vez de “o Pai”. Assim o fato de que

tanto os escritores como os leitores tenham um só e o mesmo Pai é aqui expresso explicitamente, ainda que estivesse também implícito em 1 Tessalonicenses 1.1.

(2) Depois da locução “graça a vocês e paz” acrescenta-sc uma

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180 2 TESSALONICENSES 1.3

frase que deduz a fonte da graça e da paz, mostrando que ela vem “de Deus o Pai e do Senhor Jesus Cristo”. Em 1 Tessalonicenses 1.1 esta fonte estava implícita na declaração de que a Igreja estava (fundada e . ainda existia) “em Deus o Pai e no Senhor Jesus Cristo”.

Quanto ao mais, veja a exposição de 1 Tessalonicenses 1.1.3. Somos compelidos a dar sempre graças a Deus por vocês, irmãos, como é justo.No tocante ao significado de “dar sempre graças a Deus”, veja a

exposição de 1 Tessalonicenses 1.2. Entretanto, aqui em 2 Tessaloni­censes 1.3, os escritores não dizem apenas “Damos sempre graças a Deus”, mas “somos compelidos (ò(|)eí?iO|xev) a agir assim”. Eles se sentem impelidos a expressar sua gratidão a Deus. Não podem agir de outra forma. E essa necessidade subjetiva está em harmonia com a ne­cessidade objetiva: “como é justo” (âE>iov).

A idéia proposta por alguns comentaristas de que a substituição de “Somos compelidos a dar sempre graças” por “Damos graças” implica certo grau de relutância ou hesitação, “uma forma de expressão um tanto vacilante” deve ser explicada à luz de 2.2; 3.6,10,11 - passagens que indicam que a atitude mental e a conduta de alguns tomaram-se piores em vez de melhores - mas isso nos impressiona como um exem­plo de casos em que se atribui ao texto mais do que realmente diz. Tam­bém estaria sujeito a sérias dúvidas o ponto de vista segundo o qual a substituição de “por todos vocês” (lTs 1.2) por simplesmente “por vo­cês” (aqui em 2Ts 1.3) deve ser explicado de forma semelhante. Que Paulo não está tentando omitir qualquer “irmão” genuíno fica bastante claro à luz do que se segue (notar as palavras “cada um de vocês indivi­dualmente”: por que a sua fé está crescendo além da medida, e o amor de cada um de vocês [individualmente] para com os demais está constantemente aumentando. Toma-se evidente que em toda esta passagem - seja ela lida no original ou em traduções, não faz diferença- os escritores se revelam como homens jubilosos (veja também 2.13; 3.4) em vez de relutantes; exuberantes em vez de hesitantes. Não se pode negar a presença de alguns poucos membros na congregação que não estavam vivendo de acordo com as normas requeridas. De fato isso se constituía em um problema real, até mesmo pior que quando a pri­meira epístola foi escrita. Na passagem alegre que agora consideramos, porém, as pessoas que viviam desordenadamente são conservadas, por enquanto, num plano secundário. O que temos aqui é uma alegria irre­sistível, uma alegria que, na forma de sinceras e humildes ações de gra­ças, é dirigida ao Doador de todas as coisas boas.

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2 TESSALONICENSES 1.4 181

A razão para incessantes ações de graças é que a fé dos tessaloni­censes éwtó crescendo além da medida ('òjuepau^óvei) ou muitíssi­mo, e que o amor de cada irmão está constantemente aumentando (7iÀ,eováÇei), e que era o que Paulo exatamente desejava e pelo que orava de forma tão ardente (veja a exposição de lTs 3.12; 4.1,10). É verdade que na presente passagem a fé e o amor são mencionados e a esperança, não. Contraste-se 1 Tessalonicenses 1.3, onde os três são mencionados. Mas é injustificável inferir desta omissão (como é o pro­cedimento de alguns intérpretes) que na opinião de Paulo os tessaloni­censes haviam perdido sua esperança. Tal conclusão nos põe em confli­to com o que está claramente declarado em 2 Tessalonicenses 2.16: “Quem nos deu (a ambos, leitores e escritores) boa esperança”. Além disso, Paulo imediatamente acrescenta (v.4) que ele se gloria na paciên­cia que os leitores estão demonstrando; e a paciência não é porventura inspirada pela esperança? Veja a exposição de 1 Tessalonicenses 1.3.

Certamente procede que os tessalonicenses necessitavam de instru­ção adicional a respeito das coisas futuras (vej a 2.1 -12), sua esperança, porém, não era de forma alguma vacilante; ao contrário disso, a sua esperança era cheia de entusiasmo e os sustentava para que tivessem condições de suportar a perseguição. O verso 3 não deve ser interpreta­do como se o verso 4 não existisse. A única forma de interpretar uma passagem é lê-la e prosseguir a leitura. Se isso é feito, não cometere­mos o erro de dizer que Paulo ora pelos tessalonicenses em favor de sua fé e amor e não de sua esperança.

4. Um dos resultados do crescimento dos leitores em sua fé e do aumento em seu amor é agora expresso: de tal modo que nós, de nossa parte, nos gloriamos de vocês nas igrejas de Deus, de sua perseve­rança e fé em todas as suas perseguições e nas aflições sob as quais estão se mantendo firme.

A forma perfeitamente natural e fácil em que o termo perseverança é aqui introduzido parece deixar implícito que ela já estava pressuposta no verso 3. A fé plenamente desenvolvida resulta em esperança, e a esperança produz perseverança.

Paulo, Silas e Timóteo se gloriam (ou seja, “falam com orgulho”) dos tessalonicenses. Em conexão com esse gloriar-se, quatro fatos se realçam:

(1) Seus autores: “nós, de nossa parte” (axmwç ípâç ; cf. Rm 9.3; 15.14; 2Co 12.13). A idéia parece ser antes de contraste do que de se­melhança. Em outras palavras, o significado não é: “nós, como quais-

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182 2 TESSALONICENSES 1.5

quer outros que tenham ouvido a vosso respeito” (em cujo caso tería­mos esperado a expressão (kccí r|(j,õcç), tampouco é: “nós, por nossa própria decisão”, mas: “nós, de nossa parte, em contraste com vocês, de. sua parte”). Os missionários deviam ter tido notícias dos tessalonicen­ses desde que a primeira epístola fora escrita. Naturalmente, os crentes genuínos naquela igreja recém-estabelecida eram um pouco discretos em seu modo de falar sobre sua própria condição espiritual. Eram, hu­mildes, prontos a reconhecer que mesmo os mais devotos dentre eles estavam ainda bastante longe do alvo da perfeição espiritual, e que al­guns na congregação se conduziam de tal maneira que levavam os de­mais a se envergonharem. Contrário a isso, Paulo, com a finalidade de encorajá-los, diz: “Nós, de nossa parte, nos orgulhamos de vocês”.

(2) Seu objeto pessoal: “vocês”, isto é, os tessalonicenses.(3) Seu objeto impessoal: “sua perseverança e fé em todas as suas

perseguições e aflições sob as quais estão se mantendo firmes”.Isso indica as qualidades existentes nos leitores, as quais deram

origem ao orgulho dos missionários que demonstravam esse orgulho pelos tessalonicenses em razão de que estavam se mantendo firmes (manifestavam a graça de újio|j.ovtí, perseverança; veja lTs 1.3; 4.14) todas as suas angústias, armados, como estavam, da fé em Deus e em suas promessas. Essas angústias são caracterizadas aqui como perse­guições (termo usado por Paulo também em Rm 8.35; 2Co 12.10; 2Tm 3.11), sendo este o termo mais específico e aflições, de caráter mais geral. Este último pode indicar também o resultado das perseguições. Essas aflições são as “tribulações” causadas pela pressão que o inimi­go exerce sobre os filhos de Deus (veja CNT Jo 16.33); Paulo elogia os tessalonicenses porque se mantêm firmes (òotéxeaSe) sob essas provações. A expressão “todas as suas perseguições” parece indicar que, com o passar do tempo, esses sofrimentos aumentaram em vez de diminuírem.

(4) Seu lugar ou esfera: “as igrejas de Deus” (veja a exposição de lTs 1.7,8; 2.14). O fato de que Paulo estava em íntimo contato com essas igrejas aparece repetidas vezes. A preocupação com todas essas igrejas era um peso sobre ele diariamente (2Co 11.28). Estaria ele aqui pensando nas outras igrejas da Macedônia, de Corinto e demais igrejas da Acaia (cf. 2Co 1.1), bem como nas igrejas da Ásia Menor? Realmen­te não sabemos. O que sabemos é que era costume de Paulo enaltecer a cada igreja (2Co 8.1-6; 9.2; contraste Fp 4.15).

5. Uma evidente indicação do justo juízo de Deus, a fim de que

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2 TESSALONICENSES 1.5 183

vocês sejam tidos como dignos do reino de Deus, pelo qual vocês, também, estão sofrendo.Paulo chama essa inabalável atitude por parte dos tessalonicenses

(sua paciência e fé em meio a todas as perseguições e aflições) uma indicação (êvôeiy^a) ou “prova positiva” do justo juízo de Deus. O próprio fato de Deus recompensar seus filhos com perseverança indica que ele é um Deus justo, que, como conseqüência, também manifestará essa mesma justiça no juízo final, juízo este que terá como propósito declarar publicamente que, por sua lealdade, seus seguidores são dig­nos de entrar em seu reino eterno.

Por causa desse reino, não só Paulo, Silas, Timóteo e muitos outros, fora de Tessalônica, estão sofrendo, mas também os crentes de Tessalô- nica. Suportam tribulação alegremente a fim de que um dia possam entrar no reino de perfeição, no qual Deus será tudo em todos, e seu governo soberano será triunfantemente reconhecido e obedecido.114

Então que os tessalonicenses não duvidem desse benevolente propó­sito de Deus referente a eles, ou seja, de considerá-los dignos de entrar no reino. Que não tenham medo (cf. lTs 5.4,5,9). Que se lembrem bem

114. A exegese aqui apresentada se baseia nas seguintes conclusões em relação às questões de gramática.

a. évSeiyitaou é acusativo em aposição ao verso 4b (algo como Xaxpeíau em Rm 12.1) ou deve ser considerado como um predicado nominativo (depois de õ èc n v subentendido). Em ambos os casos a referência não é às perseguições e aflições como tais, como se Paulo estivesse dizendo que as tribulações que os crentes haviam suportado eram uma evidência do justo juízo de Deus, mas à fé e à paciência dos crentes em meio a todas as suas perseguições e aflições.

b. A Kpíaiç se refere, aliás, ao juízo final, e não ao veredicto de Deus aqui e agora com respeito ao genuíno caráter da paciência e da fé dos tessalonicenses (sobre o substantivo juízo e o verbo julgar, vejaCNT Jo 3.19,17).

Prova: Os versículos seguintes (6-10) claramente indicam que Paulo está pensando no juízo “na revelação do Senhor Jesus desde o céu”. Sempre é necessário ler até ao fim [ do contexto ].

c. eiç ió, segundo o uso freqüente em Paulo, é melhor considerado em seu sentido télico [de propó­sito]; cf. o pensamento paralelo expresso no verso 10.0 dia do juízo chega a fim de que Cristo seja glorificado em seus santos.

d. O verbo KaiaÇióco não significa “tornar”, mas “contar” digno. Para evidência, veja M.M., pág. 330.

e. Tal como em 1 Tessalonicenses 2.12 (veja a exposição desse versículo), assim também a expres­são “o reino de Deus” indica a futura sociedade redimida que alegremente reconhecerá e obedecerá o governo de Deus. Esse sentido futuro é claro à luz de todo o contexto (vv.6-10). Também em outro lugar nas epístolas de Paulo esse reino é uma herança que os crentes receberão dentro em breve, e do qual serão excluídos todos os que praticam a imoralidade, a imundícia, etc. (ICo 6.9,19; G15.21; Ef 5.5). Carne e sangue não o herdarão (ICo 15.50). Não obstante, esse reino futuro está prefigurado no presente, para o qual os crentes têm sido transportados (Cl 1.13). Seus cidadãos mesmo agora possuem “justiça e paz e gozo no Espírito Santo” (Rm 14.17). “Não consiste de palavras, mas de poder” (IC o 4.20).

f. Para o significado de bnép, veja CNT João 10.11.

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184 2 TESSALONICENSES 1.6,7

de que Deus é não só Juiz, mas igualmente Juiz justo, que recompensa a fé e a obediência, e que sempre mantém sua promessa. O caráter justo do juízo de Deus é enfatizado nos versículos que vêm a seguir:

6,7. [o justo juízo de Deus, dizemos] se, de fato, [é] justo no conceito de Deus [como certamente é] retribuir com aflições aos que o afligem, e [conceder] a vocês, que estão sendo afligidos, descanso conosco na revelação do Senhor Jesus vindo do céu.Aqui Paulo mostra o bondoso propósito de Deus com relação aos

tessalonicenses (de considerá-los dignos de entrar no reino) está em har­monia com o princípio básico de retribuição, segundo o qual aqueles que perseguem o povo de Deus sofrerão punição, e aqueles que sofrem as perseguições por causa de sua fé receberão galardão.

O apóstolo está tão plenamente convencido do caráter absolutamente indiscutível deste princípio básico, que pode dizer: “Se...”. Note, contu­do, que ele simplesmente não diz: ‘Se”, mas “Se, de fato” (eíjuep), e pressupõe-se que a condição envolve certeza (oração condicional de primeira classe). Daí, para transmitir com clareza a plena força do ori­ginal, deve-se acrescentar às palavras: “Se, de fato, [é] justo no concei­to de Deus” algo assim: “como certamente é”.

Ainda hoje usamos com freqüência tais sentenças iniciadas com “se”. Usamo-las quando temos certeza de que a declaração incluída na sentença iniciada com “se” está além de qualquer discussão, por exemplo:

“Se o sol nasceu ontem, então ele nascerá também amanhã.”“Se sou pobre, eu não sou desonesto.”“Se a correspondência foi entregue ontem, então ela será também

entregue hoje.” Em cada caso, esse “se” significa: “com a firme conclu­são de que”.

Portanto, o sentido dos versos 6 e 7, em relação ao verso 5b, é: “com base na conclusão de que a lei divina é que o perseguidor seja castigado e que o perseguido seja galardoado, Deus os recompensará ao chegar o dia do juízo, considerando-os dignos de entrar no seu glorioso reino”.

A justiça de Deus se manifesta num sentido duplo: por um lado, ela é retributiva: Deus retribui (dá em troca; veja a exposição de lTs 3.9) com aflições (veja CNT Jo 16.33) àqueles que afligiram os crentes. Por outro lado, ela é remunerativa: ele concede descanso (áveaiv, de aveaiq, literalmente, cessar) àqueles que estão sendo afligidos, gracioso alívio (2Co 2.13; 7.5; 8.13) de todas as asperezas que têm suportado em razão de sua valente batalha em prol da verdade.

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2 TESSALONICENSES 1.6,7 185

De maneira comovente, a passagem está redigida em termos que a associação com outros no sofrimento por causa de Cristo (note o v.5: “vocês também estão sofrendo”) seja contrabalançada pela associação com outros no gozo do descanso (“descanso conosco”, isto é, com Pau­lo, Silas, Timóteo e, naturalmente, com todos os demais crentes).

Este descanso - o livramento de toda forma de escravidão e a paz eterna na presença do Deus de amor - será concedido aos crentes “na revelação do Senhor Jesus vindo do céu”.

Paulo gosta desta palavra revelação (òotokó?ix)\(/iç, literalmente, descobrir, a remoção do véu). Ele a usa com freqüência no sentido de uma manifestação da verdade divina (Rm 2.5; 16.25; ICo 14.6.26; 2Co 12.1,7; G1 1.12; Ef 3.3). No presente caso, contudo, o termo se refere à gloriosa manifestação do Senhor em sua segunda vinda. Assim também em 1 Coríntios 1.7. Então o véu que agora o esconde de nossa vista será retirado, porque o veremos em sua majestosa descida do céu (veja a exposição de lTs 4.16). A expressão “na revelação do Senhor Jesus desde o céu” significa “quando o Senhor Jesus for revelado, vindo do céu”.115 Essa é a Parousia (veja a exposição de lTs 2.19; veja também CNT Jo 21.1). Com os anjos de seu poder em fogo chamejante (“fogo chamejante” é provavelmente a melhor tradução; contraste-se com At 7.30: “chama de fogo”).

Que o Senhor, em sua vinda, será acompanhado de anjos (em quem seu poder se faz manifesto) é um fato proclamado pelo próprio Jesus (Mt 13.41,42; 25.31; cf. Jd 15; Ap 14.19). Sua função será dúplice: “primeiro, ajuntarão as ervas daninhas, atando-as em feixes para serem queimadas”; e também “recolherão o trigo em meu [do Senhor] celeiro”.

A adição da frase “em fogo chamejante” indica a santidade do Se­115 .0 genitivo é objetivo ou, talvez, objetivo-subjetivo; certamente não só subjetivo (como Van

Leeuwen defende, obra citada, pág. 409), como em Gálatas 1 .12.0 Senhor Jesus (para o significa­do de “Senhor” e “Jesus”, veja lTs 1.1) é representado aqui em 2 Tessalonicenses 1.7 como sendo revelado. Minhas razões para aceitar tal posição são as seguintes:

(1) Isso está em harmonia com o contexto (veja v. 10: ele vem “para ser admirado em”).(2) Concorda com a própria maneira de Cristo falar (que deve ter sido transmitida a Paulo). Assim,

segundo Lucas 17.30, Jesus falou sobre “o dia quando o Filho do homem for revelado".(3) “A revelação do Senhor Jesus” (cf. expressões semelhantes em 1 Pe 1.7,13) é “a revelação de

sua glória".E verdade, naturalmente, que o Senhor se revela. Daí, é uma revelação de si mesmo, por si mesmo

(objetivo-subjetivo), mas a ênfase está na idéia de que é uma revelação na qual sua glória é revelada (objetivo).

(4) Considerado assim, chegamos a uma antítese entre o Cristo e o anticristo: Cristo é revelado quando voltar em glória, e então também o anticristo (“o homem do pecado”, “o iníquo”) será revC' lado (veja 2Ts 2.3,6,8).

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186 2 TESSALONICENSES 1.8

nhor manifestada em juízo (cf. Êx 3.2; 19.16-20; Is 29.6; 66.15,16; SI 50.3; 97.3). A passagem que deve ter estado vividamente presente na consciência de Paulo ao escrever isso é Isaías 66.15,16:

“Porque, eis que o Senhor virá em fogo, e os seus carros como um torvelinho, para tomar a sua ira em furor, e a sua repreensão em chamas de fogo, porque com fogo e com a sua espada entrará o Senhor em juízo...”

O quadro é muitíssimo vívido. Quase podemos ver as hostes angeli­cais, e o próprio Senhor no centro. Além disso, este não é meramente um quadro; é a realidade. De forma alguma está estabelecido que a massa de fogo com suas línguas chamejantes crepitando em todas as direções é um “mero” símbolo do juízo. Indubitavelmente, enquanto estes eventos não se transformarem em história real, não saberemos quanto desta descrição deve ser tomado literalmente e quanto, figurati­vamente; e é inútil a especulação. Por outro lado, é também verdade que o vidente de Patmos descreve como na vinda de Cristo a terra e o céu fugirão (Ap 20.11); e 2 Pedro 3.7,11,12 declara que o universo será completamente expurgado por uma grande conflagração (“os céus pas­sarão com estrepitoso estrondo e os elementos se desfarão abrasados”). Explicar a frase “em fogo chamejante” como indicando que as hostes de anjos que descem serão por si mesmas um fogo chamejante não satis­faz. O “em” é de investidura: as hostes - com Cristo comandando no centro - estão investidas em, circundadas por fogo. As três frases pre­posicionais são claramente paralelas. A revelação do Senhor Jesus é:

a. desde o céub. com os anjos do seu poderc. em fogo chamejanteFalar de um “mero” símbolo em tais conexões nunca é correto. A

realidade que corresponde ao símbolo é sempre muito mais terrível (ou muito mais gloriosa) do que o próprio símbolo. A linguagem humana é forçada quase ao seu limite máximo a fim de transmitir o terrível cará­ter da vinda do Senhor em relação aos ímpios:

8. infligindo vingança sobre aqueles que não conhecem a Deus, mesmo sobre aqueles que não obedecem ao evangelho de nosso Se­nhor Jesus.O Senhor vem com a finalidade de “infligir vingança” (cf. Dt 32.35;

Is 59.17; Ez 25.14). Sobre quem? Duas respostas são possíveis, depen­dendo da tradução que se adote, seja “infligindo vingança sobre aqueles que não conhecem a Deus e sobre aqueles que não obedecem o evange­lho de nosso Senhor Jesus”, ou “infligindo vingança sobre aqueles que

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2 TESSALONICENSES 1.9 187

não conhecem a Deus, mesmo sobre aqueles que não obedecem ao evan­gelho de nosso Senhor Jesus”. No primeiro caso, duas classes são indi­cadas: a. pagãos que nunca ouviram o evangelho e b. judeus e pagãos que têm rejeitado o evangelho. No último caso a referência é somente a uma classe, ou seja, aqueles que, tendo ouvido o evangelho, recusam a obedecê-lo. Diante do fato de que em todo o contexto não existe qual­quer alusão ao pagão cego que nunca chegou a ter contato com a men­sagem de salvação, e os que ocupam definidamente a mente do apóstolo são aqueles que com voluntária desobediência perseguem os filhos de Deus (veja os vv.4,6,9), aceitamos a segunda alternativa.

O pecado dos perseguidores não era ignorância do evangelho, e sim, desobediência a ele. É verdade que os ímpios são aqui descritos como “aqueles que não conhecem a Deus”. Significa que não o conhecem como seu próprio Deus. Não invocam o seu nome. Aliás, o odeiam; como conseqüência, odeiam igualmente o seu evangelho (o evangelho que o proclama, e o qual ele proclama) (cf. Jr 10.25; depois CNT Jo 7.17; 2Ts 3.14; Rm 10.16).

9. Com referência aos perseguidores, Paulo prossegue: os quais receberão o castigo de eterna destruição longe da face do Senhor e da glória de seu poder.Uma vez mais a atenção é voltada para os indivíduos cruéis que, em

seu ódio contra Deus e o evangelho, tornam difícil a vida dos crentes sinceros. Eles são os quais (oíxiveç é um pronome relativo qualitativo, não o mesmo que “quem”) receberão o castigo de eterna (realmente sem fim; veja CNT Jo 3.16) destruição. O próprio fato de esta “destruição” (cf. lTs 5.3; ICo 5.5; lTm 6.9) ser “eterna” mostra que ela não é o equivalente a “aniquilação” ou “cessação de existência”. Ao contrário disso, ela indica uma existência “longe da face do Senhor e da glória de seu poder”.

Enquanto a “vida eterna” se manifesta na bem-aventurada contem­plação da face do Senhor, na doce vivência com ele (Ap 22.4; cf. SI 17.15; Mt 5.8), na mais venturosa comunhão (lTs 4.17), a “destruição eterna” - que é o produto da vingança de Deus (veja o v.8, pág. 186) - é precisamente o oposto. Assim como a “bênção” de Esaú consistia em que sua habitação seria longe dos lugares férteis da terra, e longe do orvalho do céu (Gn 27.39, corretamente traduzido), assim o castigo que sofrerão todos os perseguidores do povo de Deus será uma existência eterna longe de (òoió) Cristo, banidos para sempre de seu favor (cf. Rm9.3). A linguagem empregada aqui nos lembra um dos freqüentes estri­bilhos de Isaías 2.10,19,21, ou abem conhecida estrofe:

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188 2 TESSALONICENSES 1.10

“Viver longe de Deus é morte,É bom seu rosto buscar;

Meu refúgio é o Deus vivo,Seus louvores proclamar” (Baseado no salmo 73.27).

Esse banimento da amorosa comunhão com Cristo implica expul­são de “a glória (radiante esplendor) de seu poder” como é ela manifes­tada na salvação dos santos.

10. A terrível separação se fará publicamente evidente quando ele vier para ser glorificado em seus santos e ser admirado em todos os que crêem - porque o nosso testemunho a vocês foi crido - naquele dia.O significado da segunda Vinda de Cristo para aqueles que, pela

soberana graça, depositaram sua esperança nele é aqui demonstrado. Em certo sentido isso pode ser visto como um seguimento do pensamen­to iniciado no verso 7. Segundo aquele versículo (7), os filhos de Deus receberão descanso quando o Senhor Jesus for revelado. Aqui no verso 10 se nos mostra que esse descanso do qual desfrutarão significa glória para ele. Ele será glorificado em (não meramente entre) eles; ou seja, eles refletirão a luz dele, seus atributos, como, em princípio, estão fa­zendo mesmo agora (2Co 3.18). Todo vestígio de pecado será então banido de suas almas. Refletirão sua imagem e andarão sob a luz de seu rosto (SI 89.15-17). Nisso ele se regozijará. Também os anjos, ao ver isso, se regozijarão. E nisso cada um dos redimidos, ao contemplar o reflexo da imagem de Cristo em todos os demais redimidos, se regozija­rão. Além disso, não apenas Cristo se regozijará no próprio regozijo deles (cf. Sf 3.17). E o ato de regozijar-se na alegria deles refletirá glória sobre ele mesmo. Assim, seja qual for o sentido que se adote, ele será glorificado em seus santos (cf. Is 49.3; veja CNT Jo 12.28). Ele será admirado (visto com alegre espanto e com agradável surpresa; portanto, enaltecido) em todos os que creram.

Por um lado, os redimidos são aqui vistos como santos (separados por Deus para o seu serviço); por outro lado, como crentes, pessoas que depositaram sua confiança no Senhor. O primeiro termo enfatiza que sua salvação é basicamente obra de Deus. O segundo revela que eles, não obstante, voluntária e ativamente aderem a Cristo.

“Quando (õxav) ele vier” significa “quando ele voltar naquele dia que para nós é desconhecido”. Todavia, para Deus ele é bem conhecido: é aquele dia específico (note a posição enfática no final da frase), ou seja, o dia da volta de Cristo para juízo ( cf. Is 2.11,17,20; Mt 24.36; 2Tm 1.12,18; 4.8).

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2 TESSALONICENSES 1.11 189

A expressão “porque o nosso testemunho (cf. ICo 1.6; 2.1) a vocês foi crido” é claramente parentético. O que Paulo, Silas e Timóteo dese­jam dizer pode ser assim parafraseado:

“Os inimigos de Deus que tão amargamente os perseguem recebe­rão a recompensa de eterna destruição, longe da face do Senhor e da glória de seu poder, quando ele vier a ser glorificado em seus santos e ser admirado em todos os que creram; e, por favor, notem bem o que dissemos: ‘Em todos os que creram’. Isso os inclui, tessalonicenses; sim, inclui tanto aqueles dentre vocês que já adormeceram em Jesus como aqueles (se houver algum) que permanecerem vivos até a volta do Senhor. Inclui todos os crentes sinceros, sem exceção. Portanto, os in­clui também, porque o nosso testemunho dirigido a vocês foi acreditado.”

Esta foi uma palavra de consolo para a congregação como um todo, mas especialmente para aqueles que ficaram perplexos ante o estado de sua salvação e da sorte daqueles crentes que já haviam partido desta vida. Veja a exposição de 1 Tessalonicenses 4.13-5.11.

11. À vista disto estamos também orando sempre por vocês, para que o nosso Deus os tenha por dignos do chamamento. Quer dizer, à vista da realização das expectativas mencionadas nos versos 5-10 (isto é, que no dia do juízo sejam considerados dignos de entrar no reino, que então venham a receber o descanso, que seja ele, em sua vinda, glorifi­cado em vocês, etc.). Paulo, Silas e Timóteo estão não somente dando graças (veja a exposição do v.3, pág. 180) mas também ( k o cí) estão orando. Eles não falham um único dia - note orando sempre, e veja a exposição de 1 Tessalonicenses 1.2 - mas estão continuamente lem­brando as necessidades dos tessalonicenses diante do trono da graça.

Ora, é evidente que, se no dia do juízo os tessalonicenses serão con­siderados dignos de entrar no reino, então devem aqui e agora condu­zir-se em harmonia com a vocação do evangelho”"6 que receberam. Se a nossa vida é Cristo, então o nosso futuro será lucro; do contrário, não. Daí o conteúdo (naturalmente também o propósito) da oração é “que Deus os considere dignos” (veja a exposição do v.5, pág. 182) de seu gracioso convite que lhes estendeu por meio da pregação do evangelho, já em princípio aplicado de modo salvífico aos seus corações pelo Espí­rito Santo; em outras palavras, que na avaliação de Deus vocês possam

116. No Novo Testamento, KÀrjaiç é sempre a vocação divina para a salvação (Rm 11.29; ICo 1.26; 7.20; Ef 1.18; 4.1,4; Fp 3.14; 2Tm 1.9; Hb 3.1; 2 Pe 1.10). De acordo com Lenski (obra citada, pág. 394) não vemos nenhuma necessidade de interpretar o termo como é usado aqui em 2 Tessalonicenses 1.11 de alguma outra forma além daquela que indique o chamamento eficaz segu n- do o evangelho para uma interpretação diferenciada, veja Van Leeuwen, obra citada, pág. 4 14.

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190 2 TESSALONICENSES 1.11

viver e agir como convém aos que receberam o chamado que vocês receberam (cf. Ef 4.1).

Visto, porém, que os homens, em sua própria força, são incapazes de viver de tal maneira que Deus os considere dignos da vocação, Paulo acrescenta imediatamente: e que ele, pelo [seu] poder; faça cumprir todas as resoluções [de vocês] motivadas pela bondade e [toda a] obra [de vocês] resultante da fé. Note a combinação: resolução e obra. A primeira é incompleta sem a segunda. Deleite (evÔokícc, usado por Paulo também em Rm 10.1; Ef 1.5,9; Fp 1.15; 2.13, boa vontade) em fazer algo que seja para a honra de Deus, mesmo a ponto de ser uma firme resolução ou determinação, é ótimo. Isso, porém, deve ser traduzido em ação; precisa ser conduzido à sua consumação. Para o tipo de geni­tivo empregado em expressões tais como “resolução motivada pela bon­dade” (òcyaScüaúvriç, admiração pelo bem) e “obra resultante de” (e sustentada por) fé (Ttíaxecoç)”, veja a exposição de 1 Tessalonicenses 1.3. Não é necessário sequer assinalar que o que Paulo tinha em mente era a resolução dos crentes (cf. Rm 10.1; Fp 1.15) e a obra dos crentes (não de Deus). Se esse é o significado quando a última frase é usada em1 Tessalonicenses 1.3 (veja a exposição desta passagem), por que não aqui? Além do mais, visto que as duas frases (“resolução motivada pela bondade” e “obra resultante da fé”) formam um par, segue-se que não só a última, mas também a primeira, têm referência aos tessalonicenses, não a Deus (eúSoida, refere-se ao beneplácito de Deus em Ef 1.5,9; Fp 2.13; cf. Mt 11.26; Lc 2.14; 10.21).

Mentalmente, a palavra toda (iwaav, feminina) deve ser ligada tanto com a resolução (eúõoKiav, feminina) quanto com a obra (épyov, neu­tra): “Toda resolução” e “toda obra”. Os missionários estão constante­mente orando para que, no caso dos tessalonicenses, nenhuma resolu­ção oriunda da boa disposição que o Espírito Santo criou em suas almas deixe de cumprir-se, que nenhuma obra inspirada pela fé deixe de con­cluir-se. Estão orando para que Deus possa realizar isso “pelo [seu] poder” (èv S w q iE i), o poder de sua graça operante neles (cf. Rm 1.29; Cl 1.4; ICo 1.24; e veja exposição de lTs 1.5).

E tolice perguntar: “Se Paulo já sabia, pelas evidências - fé, amor e esperança (veja os vv.3 e 4, págs. 180,181) - que Deus, no dia do juízo, os consideraria dignos de entrar no reino, por que, pois, tendo em vista esse veredicto final, ele ainda se põe a orar pela santificação futura deles”?. A resposta não é: “Porque, depois de tudo, ele temia que pudes­sem ainda cair da graça”. Se assim fosse, ele não poderia ter dito o que disse no verso 5. A resposta correta é a seguinte: “Paulo sabia, pelas

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2 TESSALONICENSES 1.12 191

evidências, que, como resultado de orações constantes (sua própria vida de oração e as orações de outros em favor deles), os tessalonicen- ses viveriam e se comportariam como convém aos que são chamados, de modo que, no dia do juízo, Deus os consideraria dignos de entrar no reino”. Na corrente da salvação, que conecta uma eternidade com outra, a oração constante e a santificação diária são elos indispensáveis.

12. Além disso, os missionários estão interessados em algo mais além da salvação dos tessalonicenses. Eles desejam que toda resolução motivada pela bondade e toda obra resultante de fé alcancem sua reali­zação e que os leitores possam, finalmente, ser considerados dignos de entrar no estado de plena perfeição afim de que (Õ7tcoç) seja alcançado o mais elevado alvo, como está expresso no verso 12: para que o nome de nosso Senhor Jesus seja glorificado em vocês, e vocês nele, se­gundo a graça de nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo.

O que significa para que nosso Senhor seja glorificado em seus dis­cípulos (ou santos) já foi explicado em conexão com o verso 10, nesta seção. Aqui no verso 12, contudo, é o nome do Senhor que é glorificado. O nome de Cristo é o próprio Cristo, como ele se revelou: por exemplo, como o Ungido de Deus, o Salvador e Senhor dos seus. Daí, quando participam de sua unção, aceitam sua salvação e reconhecem seu se­nhorio, então o seu nome é glorificado neles. E isso, por sua vez, reflete glória sobre eles. (Aceitamos a tradução “nele”, ainda que “nisso” - ou seja, no nome - é também possível, com bem pouca diferença de signi­ficado).

Este “ele em vocês” e “vocês nele” presumivelmente baseia-se dire­tamente no ensino de Jesus (veja CNT Jo 17.10,22; e também Jo 15.4). Isso revela a íntima relação que existe entre o Senhor e aqueles que lhe pertencem. Sua obra em seus corações projeta glória sobre ele. Sua proximidade do Senhor significa glória para eles. Além disso, a glória que eles recebem não é dada segundo a norma de mérito humano, pois assim não haveria nenhuma. Ela é dada segundo a norma de “a graça de nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo”. Esta graça é derivada de Deus nosso Pai como a Fonte, e é mediada pelo Senhor Jesus Cristo (veja a exposição de lTs 1.1), e por isso pode-se dizer que é derivada também dele.

A tradução preferida por alguns, ou seja, “segundo a graça de nosso Deus e Senhor Jesus Cristo”, de modo que a expressão toda faz referên­cia à segunda pessoa da Trindade, e assim seria outro texto-prova da divindade de Cristo, não conta muito em seu favor. Nas epístolas aos Tessalonicenses (lTs 1.1,2; 2Ts 1.2), a graça é retratada como que pro­

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192 2 TESSALONICENSES 1

cedendo de uma dupla fonte, a saber: de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo. Não há razão sólida para introduzir uma mudança aqui. É certamente falso que a gramática exija tal mudança.117

Síntese do Capítulo 1Veja Sumário de 2 Tessalonicenses 1. A revelação do Senhor Jesus,

vindo do céu, tem um duplo propósito: ser glorificado nos santos e retribuir com vingança os desobedientes.

Depois da introdução costumeira (vv.l e 2), Paulo escreve que se sente impelido a expressar sua gratidão a Deus diante do crescimento dos leitores em fé e amor. Ele (e, naturalmente, seus companheiros com ele) se orgulha dos tessalonicenses toda vez que se põe em contato com alguém das outras igrejas. Ele considera que a paciência dos leitores e sua perseverante fé em meio a perseguição e aflição são a recompensa por sua lealdade, de acordo com a maneira usual de Deus recompensar o santo esforço com poder, para que o mesmo aumente sempre. O fato de que aqui e agora Deus cumpre sua promessa faz com que Paulo aguarde com coragem o dia do juízo final, plenamente confiante de que também nesse dia a justiça de Deus se evidenciará, e os leitores serão considerados dignos do reino em perfeição.

Esta ação por parte de Deus está em harmonia com o princípio divi­namente estabelecido de que o homem colhe o que semeia. Conseqüen­temente, Deus aflige os que causam aflições e concede descanso aos que descansam em suas promessas. Assim, para os descrentes a revelação do Senhor Jesus vindo do céu com os anjos do seu poder de fogo chame­jante terá como propósito a vingança como recompensa. Essa vingança será na forma de “destruição eterna longe da face do Senhor e da glória do seu poder”. Para os crentes, porém, o seu propósito será que o Se­nhor seja glorificado e admirado neles, vendo-se refletido neles o es­plendor de seus atributos. Essa será a porção de todos os seus santos, inclusive os tessalonicenses, porque eles, tanto quanto os demais, acei­taram o testemunho dos missionários.

117. A Regra de Sharp é valiosa, mas sob a seguinte condição: que seja aplicada somente nos casos em que a regra o exija, não aos nomes próprios que podem ser definidos mesmo sem o artigo. Assim A.T. Robertson, que escreveu um precioso capítulo sobre a Regra de Sharp (“The Greek Article and theDeity of Christ”, em The Minister and his Greek New Testament, Nova York, 1923, págs. 61­68; cf. Gram. N.T., págs. 785,786) reconhece que o argumento em favor de interpretar o que segue o -co-C final em 2 Tessalonicenses 1.12 como se referindo somente a uma pessoa se enfraquece pelo fato de que ícúpioç é às vezes empregado como um nome próprio sem o artigo. Veja também seu Word Pictures, vol. IV, pág. 46. Discordamos, portanto, de Lenski, obra citada, págs. 398,399, e concordamos com a maioria dos outros intérpretes.

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2 TESSALONICENSES 1 193

Antevendo o “grande tribunal” e seu glorioso galardão, Paulo ja­mais deixa passar sequer um dia sem orar pelos leitores, para que a obra neles iniciada seja, pela graça de Deus, plenamente realizada: que as piedosas resoluções se transformem em ações, e que essas ações ve­nham a ser concluídas. Assim sendo, o nome do Senhor Jesus será glo­rificado. E esse evento será também glória para eles, em conformidade com o padrão de “a graça de nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo”.

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SUMÁRIO DE 2 TESSALONICENSES 2

Tema:

2.1-3a

2.3b-12

2.13-16

A revelação do Senhor Jesus, vindo do céu, será antecedida pela apostasia e pela revelação do homem da iniqüidade:Os dois eventos que antecederão o retomo de Cristo: a apostasia e a revelação do iníquo. Condena-se a preocupa­ção sem motivo.O iníquo:verso 3b, seu caráter perversoverso 4, sua atividade desafiante contra Deusversos 6-8a, sua atual dissimulação e sua futura revelaçãoverso 8b, sua decisiva derrotaversos 9-10a, seu relacionamento com Satanás e com o

poder de Satanás para enganar versos 10b-12, seus seguidores endurecidos pelo pecado e

destinados ao infemo.Contraste entre o destino do iníquo e seus seguidores, por um lado, e o destino dos leitores, por outro.

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C a pítu lo 2

2 1 Ora, no que respeita à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e nossa reunião a [encontrar-nos com] ele, 2 rogamos-lhes, irmãos, que não sejam facilmente abala­

dos em seu [estado normal de] ânimo nem perturbados, nem por espírito, nem por palavra, nem por carta como se procedesse de nós, no sentido de que o dia do Senhor tenha chegado. 3 Que de forma alguma alguém os engane; porque [aquele dia não chegará] a menos que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniqüi­dade, o filho da perdição, 4 aquele que se opõe e se exalta contra tudo [que é] chama­do Deus ou adorado, de modo que se assenta no santuário de Deus, proclamando-se Deus. 5 Não se lembram de que, enquanto ainda estava com vocês, eu costumava dizer-lhes essas coisas?

6 E o que agora está detendo [-o] vocês sabem, a fim de que ele possa ser revela­do em seu tempo apropriado. 7 Porque o mistério da iniqüidade já está em operação, [porém, como mistério] somente até que aquele que [o] detém seja retirado do cami­nho.118 8 E então será revelado o iníquo, a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca, e derrotará completamente pela manifestação de sua vinda; 9 [destruirá aquele] cuja vinda é segundo a força de Satanás, acompanhado de todo poder e sinais e prodígios de falsidade 10 e por todo engano que se origina na injustiça para os que estão perecendo, porque não aceitaram o amor pela verdade para que fossem salvos.11 E por essa razão Deus lhes envia uma força enganadora para que creiam na falsi­dade; 12 a fim de que sejam condenados todos os que não creram na verdade, mas se deleitaram na injustiça.

2 TESSALONICENSES 2.1,2

2 .1-122.1,2. Ora, no que respeita à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e nossa reunião a [encontrar-nos com] ele, rogamos-lhes, irmãos, que não sejam facilmente abalados em seu [estado normal de] ânimo nem perturbados.Paulo escrevera acerca do caráter repentino da [segunda] vinda (Pa-

rousia\ veja a exposição de lTs 2.19) e acerca da necessidade de se estar preparado para ela (lTs 5.1-11). Aparentemente, esta mensagem fora mal interpretada, como se vinda “súbita” significasse vinda “ime-

118. Ou: “Somente [há] um que agora [o] detém, até que ele seja tirado do caminho”. Assim, ou a tradução favorecida pela margem da A.R.V., ou a que se encontra no texto daquela versão pode ser correta. Essencialmente, contudo, não há diferença: o significado resultante é o mesmo.

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196 2 TESSALONICENSES 2.1,2

diata”. Paulo, igualmente, fizera saber aos tessalonicenses o que o Se­nhor lhe revelara concernente (m ép veja a exposição de Jo 10.11) à “reunião a [encontrar-vos com] ele” (lTs 4.13-18). Ele enfatizara o caráter imparcial desse grande evento futuro: os sobreviventes não teriam qualquer vantagem sobre aqueles que haviam partido. Juntos, os dois grupos (agora unidos) subiriam para encontrar o Senhor nos ares e es­tar com ele para sempre. Mas ainda que esse ensino teria consolado os leitores, tal conforto, em certa medida, ter-se-ia eclipsado ante o entu­siasmo causado pela vinda “iminente”. Os crentes se comportaram como barcos açoitados pelos ventos e pelas ondas, sendo arrastados de um lado para outro. Tudo indica que no caso de alguns deles, a Parousia se tornara o principal tema da conversações, o mais importante e contínuo tema dos debates. Os cidadãos estavam “perdendo a cabeça” em virtude do assunto, de tal modo que alguns decidiram interromper totalmente suas atividades. O assunto os perturbava, ficavam terrivelmente “aba­lados”, sim, “sacudidos (oaXexxo, aaX.e-uGrivai de aâkoq, o agitar ondulado do mar, cf. Lc 21.25) do seu (estado normal de) pensamento”.

Portanto, Paulo se dirige docemente aos leitores como “irmãos” (veja lTs 1.4), e roga-lhes (cf. lTs 4.1; 5.12) para que não sejam de súbito abalados (aoristo infinitivo) ou, como resultado, continuamente per­turbados (presente infinitivo, cf. Mt 24.6; Mc 13.7; Lc 24.37); especi­almente, que não se deixem alarmar tão facilmente, ou seja, nem por espírito, nem por palavra, nem por carta como se procedesse de nós.119 Tudo indica que depois de 1 Tessalonicenses ter sido lida à con­gregação reunida, não havia carência de “intérpretes”. Alguém estaria falando a todos sobre uma “mensagem inspirada” ou “voz profética” (“espírito”) recebida por ele (ou assim pensava ele); ainda outro atraía a atenção para ele mesmo, asseverando: “Paulo quis dizer o seguinte, porque eu ouvi a palavra de seus próprios lábios quando esteve aqui conosco”; e um terceiro teria feito circular a notícia de que “alguém” recebera uma carta de Paulo, na qual este expressava seus pontos de vista de tal e tal maneira. À luz de 3.17, a idéia de que alguém até mesmo enviara uma carta foijada (uma carta como se fosse de Paulo) - ainda que sujeita a certas objeções - não pode ser facilmente descartada.

A substância de todas essas alegadas interpretações (seja por espíri­to ou por palavra ou por carta como se procedesse de nós) são expressas nas palavras: no sentido de que o dia do Senhor tenha chegado. Essas

119. É impossível determinar se “como de nós” modifica só o item imediatamente precedente (“por carta como de nós”), os dois itens precedentes, ou os três juntos. Parece mais natural que modifique os dois artigos precedentes, mas falta certeza e respeito.

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2 TESSALONICENSES 2.3a 197

pessoas em estado de entusiasmo estavam convictas de que “o dia do Senhor” (ou seja, o dia de seu retomo para juízo e dos sinais que imedia­tamente precederiam sua chegada) já estava presente. Uns poucos dias mais, semanas ou meses, no máximo, e Jesus pessoalmente faria sua aparição nas nuvens do céu. Seu “dia” chegará.

3a. Disse Paulo: Que de forma alguma alguém os engane. Umerro doutrinário era a causa da agitação que ameaçava coração e mente dos tessalonicenses. Estavam sendo enganados, desencaminhados, ilu­didos (è^anaxów, usado somente por Paulo - Rm 7.11; 16.18; ICo 3.18; 2Co 11.3; lTm 2.14-ainda que a forma sem o prefixo èk que dá força ocorra também em Tg 1.26). Por isso, Paulo os previne de que não se deixassem desviar, deforma alguma, fosse por “espírito, pala­vra, carta”, ou por algum outro meio.

A razão por que os leitores não deveriam deixar-se enganar e alar­mar está expressa nas palavras: porque [aquele dia não chegará] a menos que primeiro venha a apostasia. As palavras incluídas entre colchetes não se encontram no original, porém podem ser facilmente deduzidas à luz do contexto precedente. Temos aqui outro caso de ex­pressão abreviada.

O fato de que o dia do Senhor seria precedido pela apostasia (aban­dono, rebelião) - uma apostasia sobre a qual os leitores haviam recebi­do instrução prévia (veja a exposição do v.5) - fora claramente predito pelo Senhor enquanto ainda vivia na terra (Mt 24.10-13). Durante a antiga dispensação, a apostasia final predita fora prenunciada repetidas vezes pela ação de Israel em rejeitar o Deus vivo. Um dos casos mais notáveis de apostasia ocorreu durante o reinado do cruel e ímpio precur­sor do anticristo, ou seja, Antíoco Epifânio (que governou de 175-164a.C.). Ele propusera erradicar a religião de Israel sem deixar raízes nem galhos:

“Por esses dias apareceu em Israel uma geração de perversos, que seduziram a muitos com estas palavras: Vamos, façamos Aliança com as nações circunvizinhas, pois muitos males caíram sobre nós desde que delas nos separamos... Fizeram-se incircuncisos e renegaram a aliança sagrada. Assim associaram-se aos gentios e se venderam para fazer o mal. Os emissários do rei, encarregados de forçar à apostasia, vieram à cidade de Modin para procederem aos sacrifícios” (1 Macabeus 1.11,15; 2.15).

Em Modin, não muito longe de Jemsalém, vivia, por aquele tempo, um velho sacerdote, de nome Matatias. Quando o oficial de Antíoco solicitou que ele tomasse a liderança no oferecimento de um sacrifício

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198 2 TESSALONICENSES 2.3b,4

pagão, ele não só se recusou a fazê-lo, mas matou tanto o oficial como um judeu apóstata que estava para atender a solicitação. Aquele ato de coragem marcou o início da esplêndida era da revolta dos Macabeus.

O que Paulo está dizendo aqui em 2 Tessalonicenses 2.3 equivale ao seguinte: exatamente como a Primeira Vinda de Cristo foi precedida por um período de apostasia, assim também a Segunda Vinda não ocorrerá enquanto uma apostasia semelhante não ocorresse. Nesse caso, contu­do, a apostasia será uma negação do (sim, uma franca rebelião contra) Deus que culminou seu amor por meio de um ato de infinito sacrifício em prol dos pecadores, isto é, a doação de seu próprio Filho unigénito.

A passagem acerca da apostasia futura de modo algum ensina que os que são genuínos filhos de Deus “cairão da graça”. Tal queda não existe. O Bom Pastor conhece suas próprias ovelhas, e nenhuma delas jamais será arrebatada de suas mãos (veja CNT Jo 10.28; veja também a exposição de lTs 1.4). Significa, porém, que a fé dos pais - fé à qual os filhos aderem por algum tempo de uma maneira meramente formal- será afinal e completamente abandonada por muitos dos filhos. Nesse sentido, a apostasia será deveras muito real.

Será uma deserção por parte daqueles que haviam sido alcançados pelo evangelho (cf. IPe 4.17; Ez 9.6), e isso será em grande escala: “muitos hão de escandalizar-se... levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos... o amor de muitos se esfriará” (Mt 24.10-13).120 O uso do termo apostasia aqui em 2 Tessalonicenses 2.3, sem um adje­tivo adjunto, põe em realce o fato de que, de uma maneira geral, a Igreja visível abandonará a fé genuína.

3b,4. e seja revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição,aquele que se opõe e se exalta contra tudo [que é] chamado Deus ou adorado, de modo que se assenta no santuário de Deus, proclamando-se ser Deus.O movimento de apostasia logo contará com um líder, isto é, “o

homem da iniqüidade” (ó õcvOpomoç tíjç òa/0|xíaç). Este é provavel­mente o melhor texto, ainda que haja também forte apoio ao texto “o

120. Ambas as considerações são também enfatizadas por Calvino:Apostasiam ergo vocat Paulus perfidam a Deo defectionem: nec eam unius hominis vel pauco-

rum, sed quae longe lateque in maiore hominum multitudine grassetur. Nam quum apostasia sine adiectione nominatur, non potest restringi ad paucos. Iam non alii possunt intelligi apostatae, quam qui prius nomem Christo et evangelio dederunt. Praedicti ergo Paulus generalem quan- dam visibilis ecclesiae defectionem (obra citada, págs. 196,197).

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2 TESSALONICENSES 2.3b,4 199

homem do pecado” (õaOpcojroç Trjç àfxapxíaç). Diante do fato que “pe­cado é transgressão” (lJo 3.4), isso não faz diferença essencial. É im­portante notar, nesta conexão, que assim como a apostasia não será meramente passiva, mas ativa (não meramente uma negação de Deus, mas também uma rebelião contra Deus e seu Cristo), assim também o homem da iniqüidade será um transgressor ativo e agressivo. Ele não leva o título de “homem sem lei” por jamais ter ouvido a lei de Deus, e, sim, porque publicamente a despreza.

Antes de tudo, é preciso que se remova uns poucos falsos conceitos com referência a esse “homem do pecado”.

(1) Não deve ser identificado com Satanás.O próprio fato de que sua vinda será “segundo a eficácia de Sata­

nás” (v.9) demonstra que ele não é o próprio Satanás. Nem é próprio chamá-lo “encarnação do diabo”.

(2) Não deve ser identificado com “a besta que sobe do mar” de Apocalipse 13 e 17.

É verdade que existe uma estreita conexão entre esses dois:a. “O homem da iniqüidade” está em estreita conexão com Satanás,

e, portanto, com “a besta que sobe do mar” (2Ts 2.9; cf. Ap 13.4).b. “O homem da iniqüidade” se opõe a Deus e se exalta, se procla­

mando Deus; semelhantemente, “a besta que sobe do mar” abre sua boca em blasfêmia contra Deus, e almeja a honra de ser adorada por um mundo pecaminoso (2Ts 2.4; Ap 13.5-8).

c. “O homem da iniqüidade” é um “filho da perdição”, e sofrerá total derrota quando Cristo aparecer nas nuvens do céu; assim também a besta que sobe do mar caminha para a perdição (2Ts 2.8; cf. Ap 17.8;19.20).

Não surpreende, pois, que tantos escritores simplesmente identifi­cam os dois. No entanto, essa identificação é “totalmente sem funda­mento”.121 Em Apocalipse, as quatro bestas da profecia de Daniel (Dn 7) são combinadas numa só besta composta. Ora, deve ser evidente que, se ainda as bestas individuais da profecia de Daniel certamente indicam reinos, e não apenas indivíduos (a referência a indivíduos não está in­teiramente ausente), a besta composta de Apocalipse não pode referir- se somente a uma pessoa. Ao contrário, deve referir-se ao governo anti- cristão quando e onde quer que se manifeste.122

121. A. Pieters, The Lamb, the Woman, and the Dragon, Grand Rapids, MI, 1937, pág. 205.122. Veja o meu comentário sobre o livro de Apocalipse: Mais que Vencedores, Editora Cultura

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200 2 TESSALONICENSES 2.3b,4

Para termos o quadro completo, devemos, pois, combinar 2 Tessa- lonicenses 2 e Apocalipse 13 e 17. Então se toma evidente que em todas as eras o poder anticristão se manifesta, e é nosso dever resisti-lo com todas as nossas forças. Repetidas vezes esse domínio do anticristo sofre derrota. Ele sofrerá sua maior derrota no final desta presente era quan­do, simbolizado por “a besta que sobe do mar”, pela sua oitava cabeça, estará sob o controle de um terrível blasfemo, a saber, o homem da iniqüidade, o antagonista pessoal mencionado e descrito em 2 Tessalo- nicenses 2. Apocalipse (capítulos 13 e 17) e 2 Tessalonicenses (capítulo 2) se complementam. Um retrata um movimento; o outro, seu líder fi­nal. Isso nos conduz à proposição mais geral:

(3) Não é um poder abstrato ou um conceito coletivo, mas especi­ficamente uma pessoa escatológica.

O princípio da iniqüidade, sempre presente, será finalmente incor­porado em “o homem da iniqüidade”. Mas isso não significa que ambos- o princípio e o homem - são um só e o mesmo. E verdade que o verdadeiro e final “homem da iniqüidade” tem seus precursores; mas o que é retratado aqui em 2 Tessalonicenses 2 não é precursor, e, sim, o próprio “homem do pecado”.

Baseamos este ponto de vista não tanto nas expressões “homem do pecado” ou “filho da perdição” (expressões que, por seu caráter e signi­ficado semíticos, talvez não sejam conclusivas para a tese de que “o homem da iniqüidade” aqui em 2Ts é uma pessoa), mas no fato de que toda a descrição aqui apresentada é de caráter pessoal. O homem da iniqüidade “se opõe”, “se exalta”, “se assenta no templo de Deus”, pro­clama a si mesmo como Deus” e será “morto”. Há, também, toda razão para crer-se que o homem da iniqüidade descrito por Paulo é a mesma pessoa mencionada por João como sendo o anticristo. Daí, com toda pro­babilidade, o anticristo (“contra Cristo”) é igualmente uma pessoa. Ora, Cristo é uma pessoa. Portanto, “o homem da iniqüidade”, sendo o anti­cristo, indubitavelmente é também uma pessoa. Assim como Cristo fez, “o homem da iniqüidade” realiza sinais e maravilhas, tem sua “Parousia” e sua “revelação”. Seria estranho, pois se “o homem do pecado” não fosse uma pessoa “O homem da iniqüidade”, porém tem de ser identificado como sendo o anticristo? Nossas razões para identificar os dois são estas:Cristã, ls. edição em português 1987, págs. 174-179,197-284; também meu artigo “Israel the Beast out of the Sea the Personal Antichrist”?, em The Banner, 7 de abril de 1950. Também J.E.H. Thom­son “Antichrist”, artigo em I.S.B.E.; S. Greydanus, Kommentaar op het Nieuwe Testament, vol. XIV, pág. 406; K. Dijk, Het Rijk der Duizend Jaren, Kampen, 1933, pág. 236. Contraste com o ponto de vista expresso por V. Hepp, De Antichrist, 1919.

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2 TESSALONICENSES 2.3b,4 201

a. “O homem da iniqüidade” será revelado imediatamente antes da vinda de Cristo. O anticristo, acerca de quem os leitores têm recebido informações prévias, virá “na última hora” (2Ts 2.8; lJo 2.18).

b. O “mistério da iniqüidade” já está em operação. Mesmo agora “há muitos anticristos” (2Ts2.7; 1 Jo 2.18). Em ambos os casos, a idéia é a seguinte: embora os crentes estejam certos em esperar um indivíduo específico no final dos tempos, um indivíduo em quem uma ímpia opo­sição a Cristo se cristalizará, devem, antes, fixar sua atenção nos “mui­tos” anticristos já presentes em seus próprios dias e tempo, no fato de que o mistério da iniqüidade já está em operação.

c. A vinda de “o homem da iniqüidade” é segundo a eficácia de Satanás, com grandes sinais e milagres, todos eles falsos. Semelhante­mente, o anticristo é denominado de mentiroso e enganador (2Ts 2.9; lJo 2.22; 2Jo 7).

Entretanto, “o homem da iniqüidade” não é apenas uma pessoa; ele é uma pessoa que faz parte do fim dos tempos; daí ser ele uma pessoa escatológica. Isso é evidente à luz dos versos 3 e 8.

Por certo, ao falarmos de toda uma linhagem de anticristos, esta­mos fazendo justiça a uma idéia bíblica (lJo 2.18; cf. 2Ts 2.7). Além do mais, essa idéia conta com uma vantagem prática sobre aquela de um só anticristo/ma/. A idéia de linhagem - a existência de anticristos em cada era - contra a qual a igreja deve estar sempre precavida, fornece um tema muito útil e oportuno para sermões. Mas uma cuidadosa leitura de 2 Tes- salonicenses 2.3,4,8 e 9 deve ser suficiente para convencer a qualquer um de que, aqui, estamos tratando de uma predição exata acerca de uma pessoa certa e específica que receberá sua condenação quando Cristo vol­tar. Outras explicações podem ser filosóficas, mas não exegéticas.

Isso, naturalmente, nos leva à próxima proposição:(4) Não deve ser identificado com a linhagem dos imperadores

romanos.Desta vez, não posso concordar com o Dr. B. B. Warfield, impoluto

defensor da fé, cujos conceitos sobre assuntos teológicos geralmente impõem o mais profundo respeito. Sua opinião era que o homem da iniqüidade deveria ser identificado com a linhagem de imperadores ro­manos, tais como Calígula, Nero, Vespasiano, Tito e Domiciano (veja seu livro Biblical and Theological Studies publicado por S. C. Craig, Filadélfia, 1962, pág. 472). Mas, como já foi indicado, todo o contexto aqui em 2 Tessalonicenses 2 é escatológico. Tem a ver com “o fim” da presente dispensação. O “homem da iniqüidade” é alguém que precede­

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rá imediatamente a segunda Vinda de Cristo (v.3), e será morto “pelo sopro da boca de Cristo”, quando o Senhor voltar em glória (v.8). Este fato é um obstáculo insuperável no caminho da teoria do “imperador romano”. Também desfaz as teorias discutidas a seguir, a saber, que “o homem da iniqüidade” é Nero redivivo, ou o papa, ou alguma vaga personagem mitológica.

(5) Não é Nero redivivo (Nero trazido de volta à vida).O sentido aqui não é linhagem completa de imperadores romanos

nem algum imperador em particular. Assim, por exemplo, o anticristo não é Nero.

Foi Kem (em Tübinger Zeitschrift für Theologie, 2 [1839], pág. 145 segs.) quem reviveu a antiga teoria - Agostinho a conhecia bem: “O homem da iniqüidade é Nero redivivo”. Ele acreditava que a idéia tinha como origem aquele difundido e supersticioso temor da Igreja primitiva de que o monstro de crueldade reaparecesse em cena a qualquer mo­mento. A lenda em tomo de Nero parece ter se manifestado de duas formas. Segundo a primeira, o imperador realmente não morreu em 68d.C., mas simplesmente se ocultou', de acordo com a segunda (que che­gou a prevalecer especialmente depois de 88 d.C.), ele realmente mor­reu, porém ressuscitaria.

Além do irrefutável argumento já apresentado (veja o item 4, aci­ma), a resposta mais decisiva é a seguinte: que a teoria, segundo a qual quem quer que haja escrito 2 Tessalonicenses 2 realmente quis dizer que Nero voltaria e que estava detido temporariamente por Vespasiano e seu filho Tito, deve ser considerada “impossível de ser aceita” por alguém que crê numa Bíblia infalível, pois Nero jamais voltou. É esta a resposta que apresentamos a Kem, Baur, Weizãcker, Hoitzmann, Schmiedel e a todos os seus seguidores.

Mas já que “o homem do pecado” não é o imperador romano, pode­ria ele ser o papa romano?

Essa pergunta introduz a próxima proposição:(6) Ele não é o papa.A noção segundo a qual o anticristo é o papa remonta ao(...) próprio

papa. Foi Gregório I (“o Grande”, 550-604) quem afirmou que todo aquele que arrogar para si mesmo o título de “sacerdote universal” é precursor do anticristo. Ele fez essa declaração numa epístola na qual denunciava as pretensões do “patriarca”, seu contemporâneo do Orien­te. A idéia foi mantida viva ao longo da Idade Média, e era ventilada em sussurros aqui e ali sempre que algum ocupante da Sé papal manifesta­

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2 TESSALONICENSES 23b,A 203

va sua arrogância ou cobiça de poder. Wyclif até mesmo escreveu um tratado Conceming Christand his Adversay, Antichrist. Ele defendeu a proposição: O papa é o anticristo, apresentando 12 razões.

Naturalmente, a idéia foi acolhida entusiasticamente por muitos dos líderes da Reforma. E nesse sentido, em 11 de outubro de 1520, Lutero escreveu que se sentia muito mais aliviado desde que se convencera plenamente de que o papa é o anticristo. As explicações marginais da versão holandesa “autorizada” ou “oficial” (Staten-Bijbel) de 1637 são muito interessantes neste aspecto. (Acontece que possuímos uma dessas pesadas e antigas Bíblias, com capas de madeira e dobradiças de bron­ze; a nossa foi publicada em 1643 em “Amstelredam”, Amsterdam). Às vezes os comentários chegam quase a ser divertidos. Isso porque tudo o que diz respeito ao “homem do pecado”, “o anticristo”, “a besta que sobe do mar”, “a besta que sobe da terra” (Ap 13) é aplicado de forma consistente à pessoa do papa e à totalidade de sua organização. Portan­to, o fogo que a “besta” faz descer do céu diz-se representar o edito de excomunhão lavrado pelo papa. Os “milagres” dos quais os católicos romanos se vangloriam, seus sacramentos e especialmente (dentre eles) a missa, são todos atribuídos às páginas do Santo Escrito. E o número “666” (Ap 13.18) é interpretado como significando “Lateinos”, por­quanto o papa é a cabeça da Igreja latina.

Mas se isso se nos apresenta um tanto divertido, certamente não é menos que aquela declaração no Prefácio à A. V. em inglês, na qual “o mais excelente e poderoso príncipe, Tiago, pela graça de Deus, rei da Grã Bretanha, França e Irlanda, Defensor da Fé, etc.” é reconhecido por haver, por meio de um folheto publicado, desferido “tal golpe na­quele Homem do Pecado [significando o papa] que não mais será curado”.

A Confissão de Fé Westminster se expressa de forma muito positiva. “Não há outro Cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus Cristo. Em sentido algum pode ser o papa de Roma o cabeça dela, senão que ele é aquele anticristo, aquele homem do pecado e filho da perdição que se exalta na Igreja contra Cristo e contra tudo o que se chama Deus” (XXV. vi).

Mas embora a proposição “o papa é o anticristo” continue ainda sendo defendida, ela não encontra apoio em 2 Tessalonicenses 2. E lógi­co que se o homem do pecado é definitivamente uma pessoa escatológi- ca, ele não pode ser o primeiro papa, nem o segundo, nem o terceiro, etc., nem tampouco pode ser ele o conceito coletivo de “o papado”. Naturalmente é verdade que qualquer homem (seja ele um ditador reli­gioso ou político) que arrogue para si atributos e prerrogativas que per­tencem à deidade possui características anticristãs. Ele pode ser cha­

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mado “um anticristo”, um entre muitos dos precursores do anticristo final. Em tal pessoa o mistério da iniqüidade já está em operação. Cha­mar, porém, o papa de o anticristo é algo que contraria toda a sã exege­se. Ainda que nós, protestantes, com justa razão, deploremos toda som­bra de idolatria, mariolatria, superstição e cultos de tradição que se encontram na Igreja Católica Romana, males contra os quais devemos advertir com crescente vigor e seriedade, não temos o direito de conde­nar tudo o que se encontra nessa Igreja. Devemos esforçar-nos por ser honestos e justos, para que não suceda que, condenando os males de Roma, fechemos nossos olhos aos muitos e sérios males que se infiltram em todos os setores da Igreja Protestante. A proposição: “O papa é o anticristo”, como inescusável - ainda que compreensível mesmo du­rante os dias de intensa luta que marcaram o nascimento do protestan­tismo, não é menos inescusável nos dias atuais. E o veredicto de alguns, a saber, que todos os que não estão dispostos a identificar o homem do pecado de 2 Tessalonicenses 2 com o papa jamais experimentaram em seu coração e vida a veracidade da “justificação pela fé”, nos impressi­ona como sendo um juízo extremamente descaridoso.

Em círculos liberais, a tendência para interpretar os conceitos bíbli­cos à luz de fontes não-canônicas e mesmo pagãs tem também feito suas próprias asseverações acerca do conceito ora em debate. Isso nos leva à proposição final:

(7) Ele não é o dragão Caos dos babilônios, nem tampouco deve ser identificado com a perversão apócrifa e pseudepígrafa do termo “Belial”.

Começando com o primeiro, essa é uma referência à épica babilóni­ca da criação com sua história da luta entre o dragão Caos, Tiamate, por um lado, e o deus da luz, Marduque, por outro. Tem-se realçado repetidas vezes, contudo, que os elementos lendários que caracterizam este relato totalmente mitológico e “impossível” se contrastam forte­mente com a sóbria descrição que se encontra na Bíblia com referência aos grande oponentes de Deus, ou seja: Satanás e o anticristo. Além do mais, neste contexto deve-se sempre distinguir entre forma e conteúdo, entre um termo e o uso que se faz dele. Por certo que os autores inspira­dos às vezes fizeram uso da terminologia de superstições antigas e cor­rentes. Neste sentido, o autor do livro de Apocalipse introduz um dra­gão. Esse dragão, porém, não é Tiamate, a quem Marduque parte ao meio como a um peixe, depois de haver feito seu coração em pedaços com uma lança. (Os críticos fazem referência também a passagens tais como SI 74.13; 89.10; Jó 41.1, cada uma, porém, deve ser interpretada à luz de seu próprio contexto e antecedente histórico específicos).

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2 TESSALONICENSES 2.3b,4 205

Além do mais, ultimamente, toda e qualquer tentativa de fazer os ensinos bíblicos derivarem-se das fontes babilónicas, tentativas essas que jamais lograram sucesso e têm sido refutadas por diversas vezes, têm recebido outro solavanco com a descoberta das tábuas de Ras Sha- mra. Estas foram encontradas em 1929 na antiga cidade fenícia de Uga- rite na costa da Síria. Essas tábuas apresentam um tesouro de informa­ções com respeito ao contexto cananeu do Antigo Testamento. Eles con­têm diversas variações sobre o tema da matança de um dragão. Daí, agora os críticos estão começando a passar em revista seus pontos de vista uma vez mais, e estão dizendo que, afinal, a religião de Israel pode ter sido influenciada mais diretamente pela de Canaã do que pela de Babi­lônia. Ficamos imaginando qual será a próxima teoria a ser proposta?

Existe também outra teoria que se relaciona estreitamente com esta, e que pretende derivar o conceito do “homem-do-pecado” das perver­sões apócrifas e pseudepigráficas do termo veterotestamentário Belial ou Beliar (ISm 2.12; 2Cr 13.7; cf. 2Co 6.15). Depois de um detalhado estudo, G Vos comenta o seguinte:

“Esse insistente retomo à literatura apócrifa e pseudepigráfica com o fim de descobrir os antecedentes da figura do anticristo não contém muita força convincente. Naturalmente, não se pode negar a priori que em círculos judaicos, antes que as epístolas paulinas fossem escritas, um contingente de folclore supersticioso estivesse em voga. Que essas crenças populares de forma tão grosseira e rudimentar, porém, fossem a fonte donde surgiu a doutrina neotestamentária do anticristo, e donde esta pode receber explicação satisfatória é difícil de se crer... Nenhum caminho conhecido e seguro nos guia ao passado para descobrirmos o conceito do homem-do-pecado, exceto aquele que passa pela profe­cia de Daniel”.123

Havendo revisto os vários conceitos equivocados em relação à na­123. G.Vos, The Pauline Eschatology, Princeton, 1930, págs. 103-105. Veja também Sib. Or,

livro III; 4 Esdras 5.4,6; Apoc.Bar., cap.40; eAsc.lsa., cap. 4.Sobre a teoria da “derivação babilónica”, veja F. Delizch, Babel and Bible, Nova York, 1903,

especialmente págs. 47-49; ainda, E. König, Die Moderne Babyionisierung der Bibel, Stuttgart, 1922, especialmente págs. 22-26.

E para informação com respeito aos textos do Ras Shamra, veja R. de Vaux, “Lês découvertes de Rãs Shamra e t l ’Ancien Testament, Paris, segunda edição, 1941, vol. I; A.Lods, “Quelques remar­ques sur les poèmes mythologiques de Ras Shamra et leurs rapports avec 1’ Ancien Testament”, RHPR 16 (1936), págs. 112-117; Julian Obermann, Ugaritic Mythology, New Haven, 1948; H.F. Hahn, Old Testament in M odem Research, Filadélfia, 1954, especialmente págs. 110-117. Este autor real­ça que as características distintivas da religião do Antigo Testamento eram de maior significado do que aquelas que tinham em comum com outras religiões, e que mesmo aqueles elementos que se poderiam chamar derivados haviam sido transformados em veículos para crenças distintivas.

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tureza de “o homem-do-pecado” e a origem da idéia, pode-se agora afirmar positivamente que o uso que o apóstolo faz do conceito pode retroceder a um livro canônico. Aliás, é verdade, como os conservado­res têm sempre mantido, que muitos dos aspectos da descrição de Paulo acerca do grande e final príncipe da impiedade são oriundos do livro de Daniel:

(1) “O homem da iniqüidade” (cf. Dn 7.25; 8.25).(2) “O filho da perdição” (cf. Dn 8.26).(3) “Aquele que se opõe” (cf. Dn 7.25).(4) “E que se exalta contra tudo [que é] chamado Deus ou é adora­

do” (cf. Dn 7.8,20,25; 8.4,10,11).(5) “De modo que se assenta no templo de Deus, proclamando a si

mesmo como Deus” (cf. Dn 8.9-14).Isso não chega a surpreender pois “o pequeno chifre” de Daniel 7,

aquele que cresceu após os outros dez, é o anticristo, e “o pequeno chifre” de Daniel 8, aquele que nasceu de um dos quatro chifres notá­veis, é Antíoco Epifânio, o mais infame precursor do anticristo, aquele que profanou o templo de Jerusalém, erigindo um altar pagão no lugar do altar do sacrifício e ao oferecer sacrifício sobre ele (o que constituiu um “horror abismante” a todo genuíno crente).

Além do mais, em Mateus 24.15 (cf. Mc 13.14), “a abominação desoladora” (“o horror atemorizante”) do qual Jesus fala é oriundo de Daniel 11.31; 12.11 (talvez não diretamente de 9.27). A história, em certo sentido, se repete. Melhor ainda: a profecia se concretiza em múl­tiplos cumprimentos. O pensamento subjacente é sempre o mesmo. A cidade e o santuário de Deus são profanados, seja por Antíoco Epifânio e suas sacrílegas oferendas (Dn 8.9-14; cf. “Gogue” em Ez 38 e 39), seja pelos exércitos romanos com seus estandartes idolátricos (Lc 21.20; Mc 13.14), ou, finalmente, pelo anticristo em pessoa.

Ora, com respeito ao anticristo final conforme é retratado por Pau­lo, nossa presente passagem (2Ts 2.3b, 4) declara o seguinte:

Ele é “o homem da iniqüidade” (um semitismo), isto é, o homem em quem se incorporará, por assim dizer, a oposição à lei de Deus, a pró­pria personificação da rebelião contras as ordenanças de Deus.

Ele é também “o filho da perdição” (outro semitismo), o Judas final (veja CNT Jo 17.12). Cf. a observação de Davi a Natã: “O homem que fez isso é um filho da morte” (isto é, certamente deve morrer); e cf. também Mateus 23.15: “um filho do inferno”. O homem da iniqüidade é

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2 TESSALONICENSES 2.3b,4 207

aqui retratado como alguém absolutamente perdido, designado para a perdição. Contraste-se “filhos da luz” em 1 Tessalonicenses 5.5.

Além do mais, ele é descrito como “aquele que se opõe”. Esta pala­vra (ca/tÍKei|xai, aqui ô òa'TiK£Í|j.£voç) encontra-se oito vezes no Novo Testamento (Lc 13.17; 21.15; ICo 16.9; G1 5.17; Fp 1.28; 2Ts 2.4; lTm 1.10; 5.14). É usada como um verbo (infinitivo) e como um subs­tantivo participial (como aqui). O homem do pecado é o adversário de Deus, da lei de Deus, do povo de Deus, etc. Como tal ele imediatamente nos lembra seu mestre, Satanás, que é “o grande adversário”.

Em muito estreita conexão com essa atividade opositora consta o fato de que esse adversário que surgirá no fim dos tempos “se exalta contra tudo [que é] chamado Deus ou adorado”. Em sua temerária au­dácia e feroz insolência ele exalta a si próprio (mepaipójievoç), não só contra o único Deus verdadeiro que se revelou em Jesus Cristo e contra os assim chamados deuses, mas também contra todos os objetos sacros, contra tudo quanto se relaciona com os cultos religiosos. A referência é provavelmente a objetos tais como templos, lugares separados para o culto divino, altares, estátuas religiosas. Ele se enche de furor contra todos eles. Ele reconhece somente um único deus (ele o soletraria com inicial maiúscula: Deus), isto é, ele mesmo. Daí, ele se assenta no san­tuário (o termo vocóç, em seu sentido primário, em distinção a iepóv, geralmente se refere ao santuário propriamente dito, em vez de todo o complexo arquitetônico) de Deus, isto é, na igreja (veja ICo 3.16; 6.19; 2Co 6.16; Ef 2.21; e veja CNT 2.19-22), pois o termo vaóç é aqui claramente usado em sentido metafórico. Ele arroga para si autoridade sobre o verdadeiro povo de Deus. Naturalmente que não reconhecerão esse violento usurpador, e se recusarão a prestar-lhe homenagem. O resultado será grande tribulação para eles (Mt 24.15,21,22,29). “No lugar onde não deve estar”, ele proclama ou declara publicamente a si mesmo como Deus. No grego daquele tempo, o verbo (ÒJio8eÍKV\)|xi) é usado para proclamar uma nomeação a um ofício público. Somos, por­tanto, informados: “A expectativa e esperança do mundo - Nero. - foi declarado (òatoôéSeiKxai) imperador” (M. M., pág. 60), uma citação que também ilustra o culto ao imperador. Mas até mesmo Antíoco Epi- fânio, isto é, “Antíoco [o] ilustre [Deus]” ou “Antíoco [o] Deus que se revela”, exigindo honras divinas, porém sem desconsiderar inteiramente a Zeus, não foi tão blasfemo como o será o derradeiro homem da iniqüi­dade, já que este reconhecerá somente uma deidade, isto é, ele mesmo, se assentará (não meramente depositará sua homenagem) no santuário de Deus, e requererá adoração divina exclusivamente para si.

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208 2 TESSALONICENSES 2.3b,4

É instrutivo observar que a explicação que apresentei com respeito à passagem do “homem do pecado” está em harmonia com a que rece­beu o apoio dos primeiros escritores eclesiásticos. Eles a entenderam como sendo uma profecia com referência a uma pessoa específica que viveria na terra ao encerrar a História e que seria definitivamente derro­tada por Cristo em seu retomo. A Igreja não deveria jamais ter-se apar­tado desta interpretação. Eis aqui umas das poucas citações:

A Didaquê (“Ensino dos Doze Apóstolos”)“...A medida que cresce a iniqüidade, eles se odiarão uns aos outros

e se perseguirão e se trairão, e então aparecerá o enganador do mundo com um Filho de Deus, e fará sinais e maravilhas... E então aparecerão os sinais... primeiro, o sinal estendido no céu, então o sinal do sonido da trombeta, e por fim a ressurreição dos mortos” (XVI. iv-vi).

Justino Mártir, Diálogo com Trifo“Que homens tolos. Pois não têm conseguido entender o que ficou

provado por todas essas passagens, a saber, que dois eventos de Cristo se têm anunciado: o primeiro, no qual ele é exibido como sofredor, sem glória, sem honra, sujeito à crucificação; e, o segundo, no qual ele virá dos céus em glória, quando o homem da apostasia que profere coisas arrogantes contra o Altíssimo, intentará atrevidamente perpetrar feitos ilegais contra nós, cristãos” (CX).

Agostinho, De Civitate Dei (concernente à cidade de Deus)Ao comentar 2 Tessalonicenses 2.1-11, ele diz: “Não pode haver

dúvida de que o que aqui se diz é em referência ao anticristo e o dia do juízo, ou, como Paulo o denomina, o dia do Senhor...” (XX. xix).

No mesmo capítulo, ele realça que, mesmo em seus dias, a interpre­tação que nos desvia de um único e final anticristo para toda uma mul­tidão de anticristos já se tomara popular; considera também a teoria do Nero redivivo, em ambas as formas, algo muito forçado.

Havendo já considerado detidamente a natureza do homem do peca­do, podemos resumir a idéia expressa nos versos 3 e 4 desta forma:

O dia da gloriosa Vinda de Cristo não chegará até que a apostasia haja se tomado um fato e o homem caracterizado por absoluto desres­peito à lei, o homem que, com toda certeza, está sob condenação, seja revelado, de modo que, tanto ele mesmo quanto seu programa de ativi­dades sejam visíveis a todos, e o véu que agora o oculta da vista (pois, por enquanto ele não passa de uma idéia na mente de Satanás) tenha sido removido.

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2 TESSALONICENSES 2.5-7 209

5. Por isso, os tessalonicenses não devem deixar-se enganar, imagi­nando que o dia do Senhor tenha chegado. Aliás, eles não têm desculpa para pensar assim. Diz Paulo: Não se lembram de que, enquanto ain­da estava com vocês, eu costumava dizer-lhes essas coisas?

Essa é uma espécie de reprimenda suave. É como se Paulo estivesse dizendo: “Se apenas houvessem refletido mais amiúde e mais seriamen­te sobre o que reiteradamente lhes dizia enquanto estava com vocês, não teriam se sentido tão confusos com referência a esse assunto, e não teriam se tomado tão agitados e perplexos”. Observe: “costumava dizer-lhes” (Não simplesmente: “eu lhes disse”). Segundo parece, a doutrina con­cernente a assuntos tais como a apostasia, o homem do pecado, a Vinda de Cristo e o arrebatamento haviam recebido não pouca atenção na pregação de Paulo em Tessalônica. O pronome singular implícito no verbo (“eu costumava dizer”, e não “nós costumávamos dizer”) revela que, embora Silas e Timóteo estivessem intimamente associados com Paulo ao escrever esta carta, como igualmente estiveram ao levar o evangelho a Tessalônica, é Paulo, não obstante, quem em ambas as atividades é considerado o espírito dirigente.

6,7. Paulo continua: E o que agora está detendo[-o] vocês sabem, a fim de que ele possa ser revelado em seu tempo apropriado. Por­que o mistério da iniqüidade já está em operação, [porém, como mistério] somente até que aquele que [o] detém seja retirado do ca­minho.

Gramaticalmente, é também possível traduzir assim: “E agora vo­cês sabem o que está retendo-o”. Surge então a pergunta: “Agora modi­fica o particípio (detenho) ou o verbo (sabem)”?. A lógica de toda a passagem (cf. o v.7 com o v.6) parece apontar na direção de conectá-lo com o particípio. O contraste parece estar entre os dois conceitos “ago­ra detido ou restringido” e “então revelado”.

Entendemos prontamente que “o mistério da iniqüidade” já está em operação. Mesmo nos dias de Paulo, a rebelião contra Deus e suas orde­nanças já estava presente no mundo. Contudo, não era ainda evidente que um dia esse espírito da iniqüidade se encarnasse em “o homem da iniqüidade”. Isso era ainda um mistério (cf. Rm 11.25; ICo 15.51; Ef 5.22); ou seja, uma verdade desconhecida à parte da divina revelação especial. Na perversa oposição ao evangelho, demonstrada por alguns que conheciam o caminho, Paulo, como resultado de divina revelação e iluminação especiais, viu um claro sinal desse sinistro movimento que um dia culminaria no domínio do anticristo. O que o apóstolo escreve pode ser comparado com a afirmação de João de que o espírito do an=

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210 2 TESSALONICENSES 2.6,7

ticristo já está presente no mundo, e que ainda agora têm surgido muitos anticristos (lJo 4.3; 2.18).

Muito mais difícil de responder é a pergunta: “Que significa aquele que, ou o que agora [o] detém” de ser revelado como “o homem da iniqüidade”?.

A fim de abordarmos corretamente esta pergunta, é necessário antes de tudo determinar a tradução correta. Nas obras de comentaristas, o verbo em questão (Koaéxcü) tem sido traduzido de três formas diferen­tes: a. deter ou restringir; b. segurar ou apegar e c. dominar ou governar.

Começando com o último, o significa poderia então ser o seguinte:“E o que agora está dominando (ou seja, o mistério da iniqüidade)

vocês o sabem, a fim de que ele (Cristo) seja revelado em seu tempo oportuno. Pois o mistério da iniqüidade já está em operação, só até que aquele que agora domina (ou seja, Satanás) seja afastado do caminho”.

Podemos descartar esta prontamente. Não só é difícil de adequar este significado ao presente contexto, mas também, ainda que o verbo ocorra com bastante freqüência no Novo Testamento, nem uma só vez (em qualquer uma das outras passagens do Novo Testamento) tem esse significado (dominar).

O segundo significado (apegar) e o primeiro (deter ou restringir) são estreitamente relacionados entre si, e é provável que afinal cheguem ao mesmo resultado na interpretação de toda a passagem. Recorrendo a passagens tais como Jó 7.12 (“Acaso, sou eu o mar ou algum monstro marinho, para que me ponha guarda”?), Apocalipse 20.1-3 (“e o pren­deu por mil anos”), e passagens dos apócrifos, há quem pretenda defen­der o ponto de vista de que o homem da iniqüidade é aqui comparado a um ser mitológico (um dragão ou um monstro marinho), o qual tem de ser refreado por enquanto. Entretanto, deve ter-se em mente que o “dra­gão” de Apocalipse 20 é um símbolo, e representa, não um instrumento de Satanás, mas o próprio Satanás. E mesmo assim o significado resul­tante do símbolo é o restringimento de Satanás, de modo que ele não mais possa enganar as nações até que os mil anos sejam cumpridos. Daí, um apelo a Apocalipse 20, se é legítimo, pareceria apoiar a tradu­ção deter, restringir, tão naturalmente quanto agarrar, sujeitar. Algo parecido pode dizer-se em referência à passagem de Jó 7.12; quanto às passagens apócrifas, elas oferecem muito pouco que seja de algum va­lor neste contexto. Além disso, se o homem do pecado está sendo sujei­tado, isso acontece com um propósito, e no presente contexto (em vista do que se deduz imediatamente nos vv.8 e 9), o propósito é restringi-lo temporariamente, para impedir que seja revelado.

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2 TESSALONICENSES 2.6,7 211

No Novo Testamento, os vários significados do verbo podem ser assim classificados (ainda que, com respeito a uns poucos, haja alguma dúvida):

(1) Possuir, ter, sujeitar (ICo 7.30; 2Co 6.10).(2) Tomar posse de (Lc 14.9).(3) Conservar, guardar (Lc 8.15; Rm 7.6 - alguns, porém, classifi­

cariam isso na quarta categoria; ICo 11.2; 15.2; lTs 5.21 - veja a exposição desta passagem; Hb 3.6,14; 10.23). É possível que o sentido da palavra, como é usada em Atos 27.40, não esteja muito afastado disto. Eles “dirigiram-se” (ou “foram rumo”) à praia.

(4) Reter, restringir, deter (Lc 4.42, “as multidões o procuravam, e foram até junto dele, e instavam para que não os deixasse”; Rm 1.18, “perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça”; Fm 13, Paulo queria conservar consigo a Onésimo). No presente contexto, este significado faz excelente sentido. Ele conta com abundante apoio dos pergaminhos (veja M. M., págs. 336,337).

Adotando o significado (4) como o mais natural do presente contexto, vemo-nos face a face com o problema de identificar aquele que detém. Nesta questão, contudo, os tessalonicenses estavam à nossa frente em seu conhecimento de escatologia. Eles sabiam. Nós, não. Agostinho, em seus dias, confessou francamente que, mesmo com os melhores esfor­ços, não era capaz de descobrir o que o apóstolo queria dizer (Cidade de Deus. XX. xix).

Algumas interpretações se revelam errôneas mesmo na superfície (tais como: “Paulo”, “Deus”, “o Espírito Santo”). Nem Deus nem o Espírito Santo são “tirados do caminho” (o que, a despeito das objeções levantadas, é bom equivalente ao grego èK (xéaov yíveaGai; cf. tam­bém Cl 2.14).

De todas as teorias propostas até aqui, a que parece ter mais peso em seu favor é aquela segundo a qual aquele que detém é “o poder do governo humano bem ordenado”, “o princípio da legalidade oposto ao da ilegalidade” (veja Comentário de Êllicott sobre esta passagem). Se­gundo este ponto de vista, Paulo tinha em mente que, enquanto a lei e a ordem prevalecessem, o homem da iniqüidade está impossibilitado de aparecer no cenário da História com seu programa de injustiça, blasfê­mia e perseguição sem precedentes. Em favor deste ponto de vista, note o seguinte:

a. De certo modo tem o contexto em seu favor: ‘o homem da iniqüi­dade” está sendo impedido pelo domínio da lei.

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212 2 TESSALONICENSES 2.6,7

b. Ele explica como Paulo pode falar tanto de “aquele que restrin­ge” como “o que restringe”. Pense no império e no imperador, na justiça e no juiz, na lei e naquele que a faz cumprir.

c. Este (ou algo parecido) é o ponto de vista mais freqüentemente expresso pelos pais da Igreja. Tertuliano, comentando esta passagem, declara: “Que obstáculo há senão o Estado romano”? (Sobre a ressur­reição da carne XXIV).

d. Ele se apóia no fato de que Paulo se orgulhava de sua cidade romana, a qual o socorreu muitas vezes, e também porque foi em Corin­to onde a carta foi escrita (At 18.12-17). Além disso, num bem conheci­do capítulo de outra epístola, ele fala do poder do estado romano como sendo “ministro de Deus para o teu bem”, e dos governantes como sen­do “vingador para castigar o que pratica o mal” (Rm 13).124 Podemos dizer com segurança, pois, que o apóstolo via no governo e seus admi­nistradores um freio para o mal.

e. É uma teoria razoável também em vista do fato de que, em certo sentido, a lei e ordem romanas não morreram quando Roma caiu. No mundo civilizado de hoje, elas ainda estão em vigor. Contudo, quando a estrutura básica da justiça desaparece, e quando os juízos falsos e as confissões fraudulentas se transformam na ordem do dia, então o cená­rio se acha preparado para a revelação do homem da iniqüidade.

A teoria segundo a qual Miguel125 ou algum outro anjo mantém o anticristo atado, restringido ou retido (os que a favorecem apelam a passagens tais como Dn 10.13 e Ap 20.1-3) não explica como tal anjo pode chamar-se “o que” ou “aquele que” restringe. Não obstante, as duas últimas teorias mencionadas - isto é, a. que o que restringe é a lei e a ordem, bem como aqueles que as fazem cumprir, e b. que o que restringe é um anjo - talvez não sejam tão antagônicas entre si como aparentam ser. Porventura as disposições dos governantes não são in­fluenciadas pelos anjos? (VejaDn 10.13,20.)

Repetimos, contudo, que o ponto de vista que temos caracterizado como sendo, em nossa opinião, o melhor que se tem oferecido até agora, pode muito bem ser o correto. Não há certeza alguma quanto a isso.

124. Alguns têm até mesmo descoberto um jogo de palavras no fato de Cláudio ser o imperador reinante quando isso foi escrito; então conectam Cláudio com o verbo claudo, fechar, parar, restrin­gir, fazendo de Cláudio aquele que restringe. Isso nos dá a impressão de ser forçado demais.

125. V. Hepp, De Antichrist, pág. 102, criticado por A. Pieters, obra citada, pág. 197.W.Neil (in The Moffatt New Testament Commentary) é da opinião de que o que detém pode bem

ser Miguel, talvez Elias, “mais provavelmente alguém ou algo de alguma maneira” (The Epistle o f Paul to the Thessalonians, Nova York, 1950, págs. 172,173).

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2 TESSALONICENSES 2.8 213

Como conseqüência, o sentido de toda a passagem (vv.6,7) parece ser o seguinte: Enquanto Satanás está perfeitamente cônscio do fato de que ele mesmo não poderá encamar-se, contudo gostaria muito de imi­tar, quanto possível, a segunda pessoa da Trindade também neste aspec­to. Ele anseia por um homem sobre quem possa ter total controle, e que fará sua vontade tão plenamente quanto Jesus cumpriu a vontade do Pai. Terá de ser um homem de talentos excepcionais. Por enquanto, porém, o diabo está sendo frustrado em suas tentativas de pôr este plano em ação. Alguém e alguma coisa estão sempre “detendo” o homem da iniqüidade [como instrumento] do enganador. Isso, naturalmente, acon­tece sob o comando de Deus. Daí, por enquanto, o máximo que Satanás pode fazer é promover o espírito de iniqüidade. Isso, porém, não o satis­faz. É como se ele e seu homem do pecado aguardassem seu tempo certo. No momento divinamente decretado (“a ocasião oportuna”) quan­do, como castigo pela cooperação voluntária dos homens com este espí­rito, o “alguém” e “algo” que agora detém forem removidos, Satanás começará a executar seus planos.

8. E então será revelado o iníquo. Este “então” é contrastado com o “agora” do verso 6: “agora”, “o iníquo” está sendo retido, mas, “en­tão”, ele será revelado. “O iníquo” é o mesmo “homem da iniqüidade” introduzido no verso 3, isto é, o antagonista final, aquele que corrompe publicamente todas as ordenanças de Deus; é o anticristo. Quando o tempo próprio chegar, o esquema de Satanás será visivelmente realiza­do. O mistério será substituído por o homem. O iníquo surgirá sobre a terra e se revelará por meio de suas palavras e ações.

Afim de encorajar os crentes, que de outra forma poderiam encher- se de injustificável temor, Paulo acrescenta imediatamente: a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca, e derrotará comple­tamente pela manifestação de sua vinda.

Não será um prolongado conflito, com a vitória aparentemente al­ternando entre o iníquo e Cristo, este assalto a favor de Satanás e aquele a favor de Cristo. O resultado será concretizado num instante. Os Se­nhor Jesus (veja lTs 1.1) sumária e decisivamente porá um fim ao anti­cristo e seu programa. A descrição inteira é simbólica. As duas locuções são paralelas, ainda que isso não signifique necessariamente que são completamente idênticas em seu significado. A primeira locução enfati­za o que sucederá ao iníquo em pessoa: será morto (o que neste contexto tem sido interpretado no sentido de que ele será castigado com morle eterna, mas a idéia de que ele primeiramente receberá morte física não deve ser descartada). O Senhor simplesmente soprará sobre ele, Ião sii

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214 2 TESSALONICENSES 2.9,10

bita será sua destruição. A segunda locução também indica o que lhe sucederá, talvez com uma idéia adicional: em relação ao seu programa de atividades. Também neste aspecto ele será “abolido”, “completamente derrotado”, “arruinado”, “fora de ação”, “feito inoperante ou inativo” (Kaxapyéco); um verbo muito freqüentemente usado por Paulo e quase restrito a ele no Novo Testamento (para a matiz específica de significa­do no presente contexto, veja especialmente passagens tais como Rm 3.31; 4.14; ICo 1.28; G13.17; Ef 2.15; 2Tm 1.10). Em relação paralela a “sopro de sua boca’ está “manifestação de sua vinda”. Apropria ma­nifestação (èm^áyeia, epifania, em outros lugares no Novo Testamen­to somente nas epístolas pastorais: lTm 6.14; 2Tm 1.10; 4.1,8; Tt 2.13) da Vinda de Cristo (Parousia; veja lTs 2.19), o primeiro vislumbre do advento, será suficiente para abolir o iníquo, para deixá-lo fora de ação.

O caráter total, veloz e súbito da derrota do anticristo é aqui descri­to em linguagem simbólica. O caráter decisivo de sua queda é o pensa­mento único e central. Simplesmente pelo sopro e manifestação de Cristo “o homem da iniqüidade” será aniquilado. Mais que isso não deve ser lido na passagem. Por exemplo, não se deve começar a retocar a inter­pretação argumentando que “o sopro de sua boca [de Cristo]” significa a Palavra de Deus, que essa Palavra é sempre eficaz, etc. (Se porventu­ra necessitar de mais comentário, leiais 11.4eAp 1.16).126

9,10. Tendo consolado os leitores com a idéia da intervenção decisi­va do Senhor Jesus quando vier para julgar, de modo que a passagem com referência ao antagonismo final fosse despida de seu terror para os que crêem, Paulo agora faz uma descrição mais extensa do caráter do iníquo e de sua atividade. Alguém poderia dizer que a descrição já ini­ciada no verso 4 tem prosseguimento aqui; contudo, com a seguinte diferença: enquanto no verso 4 retratou-se a relação do anticristo com o reino divino, os versos 8 e 9 estabelecem sua relação com o reino do mal:

[destruirá aquele] cuja vinda é segundo a força de Satanás, acom­panhado de todo poder e sinais e prodígios de falsidade por todo engano que se origina na injustiça para os que estão perecendo, por­que não aceitaram o amor pela verdade para que fossem salvos.

126. Sobre esta passagem, comentei da seguinte maneira: “Não destrua a unidade do símbolo. Por exemplo, não interprete a afiada espada de dois gumes que procede da boca de Cristo como indica­ção das doces e temas influências do evangelho em sua missão de conversão. Note que em 2.16 lemos: ‘e farei guerra contra eles com a grande espada de minha boca’. Isso é dirigido aos que se recusam a arrepender-se” (Mais que Vencedores, págs. 93,94).

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2 TESSALONICENSES 2.9,10 215

A vinda ou Parousia do iníquo (para o significado do termo, veja a exposição de lTs 2.19) está (presença profética: certamente será) em plena concordância com a poderosa atividade de Satanás, seu senhor. Aquela “eficácia de Satanás” será o padrão de comparação. Daí, essa vinda será acompanhada por (ou: investida de) todo poder e sinais e prodígios; ou seja, haverá uma formidável exibição de poder (ôwafxiç, cf. dinamite)', haverá sinais (aruieicc), proezas sobrenaturais que des­viarão a atenção de si mesmas para aquele que as realiza, isto é, o anti- cristo controlado pelo diabo (veja também CNT Jo 2.11); e prodígios ou maravilhas (xépaxa), as mesmas realizações extasiantes vistas ago­ra sob o prisma de seu caráter incomum e de seus efeitos sobre aqueles que o contemplam. Mas toda essa exibição (poder, sinais, prodígios) emana da falsidade, do desejo de enganar.127 Por isso, segue-se: “e por todo engano que se origina na injustiça”. O substantivo engano é tam­bém usado por Paulo em Colossenses 2.8 (“filosofias e vãs sutilezas”; e veja o verbo composto, derivado da mesma raiz, em 2Ts 2.3). O engano será inspirado pela injustiça. Isso não nos surpreende, pois o anticristo recebe sua energia do próprio diabo (veja também CNT Jo 8.44).

Ora, essa vinda do antagonista final, com seu poder, sinais e prodí­gios mentirosos, ainda que seja observada por crentes e descrentes tem o efeito de enganar os que estão perecendo (isto é, os que então estarão perecendo; cf. ICo 1.18; 2Co 2.15; 4.3). A causa de seu perecimento não está em Deus, e, sim, em si mesmos. Eles estão perecendoporquem não aceitaram (tempo passado do prisma dos dias imediatamente ante­riores ao juízo final) o amor pela verdade.

O que significa, porém, a expressão: “amor pela verdade”? Eis nos­sa resposta:Quando o evangelho é proclamado, os ouvintes são intimados a acei­

tarem a Cristo e a todos os seus benefícios. Esses benefícios não são apenas objetivos, tais como céu, a ressurreição do corpo, etc., mas tam­bém subjetivos, tais como o amor e a esperança. Os ouvintes que pere­cem, perecem porque rejeitaram o que teriam que aceitar, no presente

127. Não há boas razões para restringir “de falsidade” ao substantivo que imediatamente precede ou a dois dos três substantivos. É verdade quepoderé singular, e esses sinais e prodígios são plural, mas todos os três termos são coordenados por “... e... e...” Evidentemente constituem um só grupo.

128. Van Leeuwen afirma que àvd év ocorre com pouca freqüência na LXX (Kommentaar op het Nieuwe Testament, vol. X, pág. 435). Ocorre cerca de oitenta vezes, contudo, e é o equivalente grego de mais de quinze palavras ou frases hebraicas com significados tais como: por causa de, porque, à medida que, visto que, depois disso, até onde, como conseqüência do fato de que, em troca do fato que, em conseqüência de, tantas vezes quanto. O significado predominante éporque, isto é, em tm ai do fa to que. Uma coisa é dada em lugar da outra.

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216 2 TESSALONICENSES 2.11,12

caso: “o amor pela verdade” (genitivo objetivo) como está em Cristo (a verdade evangélica). O propósito de sua aceitação teria sido “para que fossem salvos”. É verdade que por seu próprio poder ninguém pode aceitar “o amor pela verdade”. Essa, contudo, não é a ênfase aqui. O que é enfatizado é a culpa do homem. Quando o homem se perde, é sempre por sua própria culpa, nunca de Deus.

11. E por essa razão Deus lhes envia uma força enganadora para que creiam na falsidade. Ou seja, os homens do fim dos tempos, que se endurecem contra a fervorosa exortação para se arrependerem e recebe­rem o amor pela verdade, sofrerão o castigo por serem endurecidos. Deus lhes envia (isto é, certamente enviará) uma “energia do (isto é, para o) engano”. Será uma força poderosamente operante dentro deles, afastando-os ainda mais, de modo que crerão na mentira do anticristo (veja a exposição de Jo 12.36b-43).

Deus é amor. Ele não é um monstro cruel que deliberadamente e com deleite íntimo prepara as pessoas para a desgraça eterna. Ao con­trário, ele adverte energicamente, proclama o evangelho e declara o que sucederá se as pessoas crêem, bem como o que sucederá se elas não crerem. Ele ainda as intima a aceitarem o amor pela verdade. Mas quando as pessoas, espontaneamente e após reiteradas ameaças e promessas, o rejeitam e desprezam suas mensagens, então - e somente então - ele as endurece a fim de que, os que não quiserem arrepender-se, fiquem inca­pacitados para o arrependimento e aptos para crerem na mentira de que “o homem da iniqüidade” é Deus, o único Deus, e que todo o mundo deve obedecê-lo.

Quando Faraó endurecia seu coração (Êx 7.14; 8.15,32; 9.7), Deus endurecia o coração de Faraó (Êx 9.12). Quando o rei de Israel odiava os genuínos profetas de Deus, então o Senhor lhe permitia ser engana­do, colocando um espírito mentiroso nos lábios de outros profetas (2Cr 18.22). Quando os homens praticam a impureza, Deus os entrega às luxúrias de seus corações para a impureza (Rm 1.24,26). E quando obstinadamente recusam reconhecer a Deus, ele finalmente os entrega a um estado mental corrompido e a uma conduta imunda (Rm 1.28).

12. Assim será no fim do tempo. Deus enviará a energia enganosa ao coração daqueles que obstinadamente recusam aceitar sua verdade redentiva; e isso a fim de que sejam condenados todos os que não creram na verdade, mas se deleitaram na injustiça.

Essa é uma referência ao juízo final. Então todos os enganados se­rão julgados, ou seja, condenados (para o verbo Kpívoo, veja CNT Jo 3.17). Essa sentença de condenação será justa e oportuna, pois aqueles

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2 TESSALONICENSES 2.13,14 217sobre quem ela for pronunciada, longe de consentirem com a verdade redentora de Deus, tem colocado seu deleite (eúôoKTÍaocvTEÇ, veja a exposição de 3.1) em sua própria oposição, ou seja, na injustiça (veja a exposição do v.9, acima). Essa mesma antítese entre verdade e injustiça (veja também Rm 1.18; ICo 13.6) indica que o intelecto do homem não pode separar-se de sua vontade e de suas emoções. Quando uma pessoa realmente aceita a verdade de Deus, ela praticará a justiça; quando não o faz, mas aceita a mentira do anticristo (a neutralidade é impossível) então se deleitará na injustiça.

O crente genuíno nunca deve sentir-se temeroso de pertencer à mi­noria. É justamente o remanescente que será salvo. Todos os demais serão condenados.

13 Somos, porém, compelidos a dar sempre graças a Deus por vocês, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus os escolheu desde o princípio para a salvação, mediante a santificação que emana do Espírito e fé na verdade; 14 para a qual [salva­ção] ele também os chamou mediante o nosso evangelho, com vistas a alcançarem a glória de nosso Senhor Jesus Cristo. 15 Assim, pois, irmãos, permaneçam firmes e apeguem-se às tradições que lhes têm sido ensinadas por nós, seja oralmente, seja por carta.

16. ora, que ele, nosso Senhor Jesus Cristo e Deus nosso Pai, que nos amou e graciosamente [nos] deu eterno ânimo e boa esperança, anime seu coração e os forta­leça em toda boa obra e palavra.

2.13,14. Somos, porém, compelidos a dar sempre graças a Deus por vocês, irmãos amados pelo Senhor; porque Deus os escolheu desde o princípio para a salvação, mediante a santificação que ema­na do Espírito e fé na verdade; para a qual [salvação] ele também os chamou mediante o nosso evangelho, com vistas a alcançarem a gló­ria de nosso Senhor Jesus Cristo.Em contraste (note ôé) com a condenação que aguarda os seguido­

res de Satanás se encontra a salvação entesourada para os filhos de Deus. Este pensamento é desenvolvido na presente passagem, a qual está permeada de ricos conceitos. Entretanto, com todos esses [concei­tos] já foram considerados anteriormente, e alguns com considerável amplitude, bastará fazer uma referência ao lugar onde se encontra esse material:

Para “somos compelidos a dar sempre graças a Deus por vocês”, veja a exposição de 2 Tessalonicenses 1.3.

Para “irmãos amados pelo Senhor”, veja a exposição de 1.4.Para “porque Deus os escolheu”, veja a exposição de 1 Tessaloni­

censes 1.4.

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218 2 TESSALONICENSES 2.13,14

Para “salvação”, veja a exposição de 1 Tessalonicenses 5.8,9.Para “santificação”, veja a exposição de 4.3,7.Para “fé”, veja a exposição de 2 Tessalonicenses 1.3,4,11; 1 Tessa­

lonicenses 1.3.Para “verdade”, veja a exposição de 2 Tessalonicenses 2.10,12.Para “vocação”, veja a exposição de 1 Tessalonicenses 1.5; 2.12;

4.7; 5.24.Para “com vistas a alcançar”, veja a exposição de 1 Tessalonicen­

ses 5.9.Para “glória”, veja a exposição de 1 Tessalonicenses 2.12.Para “nosso Senhor Jesus Cristo”, veja a exposição de 1 Tessaloni­

censes 1.1.Com base na explanação desses vários conceitos e do contexto aqui

em 2 Tessalonicenses 2.13,14, podemos agora parafrasear assim o pen­samento da presente passagem:

“Nós - Paulo, Silas e Timóteo - não podemos fazer outra coisa senão incessantemente agradecer a Deus por vocês, irmãos na fé (que são alvos do especial amor de Deus), porque, em sua soberana e imutá­vel eleição, ele os escolheu desde o princípio para a salvação - a qual, negativamente falando, é o resgate da culpa, da corrupção e do castigo devido ao pecado; positivamente, a posse da herança reservada para os filhos de Deus - uma salvação que se toma sua possessão por meio da obra do Espírito Santo, ou seja, mediante a santificação - um processo que os leva a ser cada vez mais separados do mundo e ligados a Cristo até que a imagem dele seja completamente formada em vocês - e mediante seu ativo e vital consentimento ao corpo de verdades redentoras revela­das em Cristo; sendo que a esta final e completa salvação Deus também os chamou, tendo aplicado eficazmente ao seu coração o evangelho que lhes pregamos e que os compelimos a aceitar a fim de que um dia vies­sem a participar da glória de nosso Senhor Jesus Cristo”.

Aceitamos o texto original: “Deus os escolheu desde o princípio” (cot’ àpx,íjç) e não: “Deus os escolheu como as primícias” (òacapx^v). Ambos os textos têm muito em seu favor, e a concepção de crentes como “primícias” é inteiramente bíblica (Tg 1.18; Ap 14.4)129 e até mesmo paulina(Rm 8.23; 11.16; 16.5; ICo 15.20,23; 16.15). Entretan­to, Paulo jamais a usa em conexão com a idéia de eleição ou escolha.

129. Acerca dos antecedentes do Antigo Testamento, sobre a idéia das primícias e seu significado em Apocalipse 14.4, veja meu Mais que Vencedores, Editora Cultura Cristã, São Paulo, 1987. Naturalmente, os que favorecem a idéia que 2 Tessalonicenses foi dirigida a “a comunidade judaica” estão a favor de “primícias” aqui. Veja nota de rodapé 7.

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2 TESSALONICENSES 2.15-17 219

Em contrapartida, a idéia de que Deus escolheu os seus (ou decretou algo) “antes das eras” (ICo 2.7), “desde as eras” (Cl 1.26), “antes da fundação do mundo” (Ef 1.4) é especificamente paulina. A isso corres­ponderia à tradução “vos escolheu desde o princípio” (isto é, desde a eternidade) aqui em 2 Tessalonicenses 2.14. Da mesma forma, o pensa­mento aqui expresso, a saber, que Deus chamou homens a uma salva­ção para a qual os havia escolhido anteriormente é tanto lógico quanto paulino (Rm 8.30).

15. Paulo passa agora a resumir e a extrair uma conclusão: Assim, pois, irmãos, permaneçam firmes e apeguem-se às tradições que lhes têm sido ensinadas por nós, seja oralmente, seja por carta.À vista de tudo o que se tem dito (note “assim, pois”), particular­

mente com respeito aos perigos provenientes de Satanás e com respeito à bendita perspectiva dos que aderem à fé, os tessalonicenses são agora intimados a descartar-se de suas dúvidas e temores e a permanecerem firmes (Rm 14.4; ICo 16.13; Fp 1.27; 4.1), e a se apegarem - ou seja, a permanecerem inabaláveis e a continuarem sendo fiéis (note que os imperativos presentes aqui, como sucede amiúde, são indubitavelmente continuativos) - às tradições, isto é, aos ensinamentos autorizados que lhes foram transmitidos (ICo 11.2; G11.14; Cl 2.8; e veja a exposição de 3.6), seja oralmente, isto é, palavra dos lábios enquanto Paulo, Silas e Timóteo estavam trabalhando entre eles e mais tarde, quando Timóteo os visitou, ou por carta (lTs, note porém, “por nós”, daí, não por algu­ma carta alegadamente proveniente de Paulo; veja a exposição do v.2, acima).

Para a idéia de permanecer firme, veja a bela passagem de 1 Corín- tios 16.13; veja também a exposição de 1 Tessalonicenses 3.8. Sobre a questão de transmitir tradições ou ensinamentos que têm sido recebidos, veja também Romanos 6.17; 16.17; 1 Coríntios 15.1-11; Filipenses 4.9; Apocalipse 2.14,15.

16,17. Ora, que ele, nosso Senhor Jesus Cristo e Deus nosso Pai, que nos amou e graciosamente [nos] deu eterno ânimo e boa espe­rança, anime seu coração e os fortaleça em toda boa obra e palavra.Ora (8é é aqui apenas ligeiramente adversativo; pode ser traduzido

agora), os tessalonicenses não poderão permanecer firmes e apegar-se às tradições, a menos que Deus, em Cristo, anime e fortaleça seu cora­ção. E por essa razão que o mandamento é aqui seguido pela expressão de um desejo solene e eficaz. Para a combinação “nosso Senhor Jesus Cristo” e “Deus nosso Pai”, com verbo singular para enfatizar a unida» de de essência e de propósito, veja a exposição de 1 Tessalonicenses

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220 2 TESSALONICENSES 2.16,17

3.11. Entretanto, aqui em 2 Tessalonicenses 2.16 e 17, “nosso Senhor Jesus Cristo” é mencionado primeiro (antes de “Deus nosso pai”), tal­vez por causa da referência a Cristo no contexto quase imediatamente precedente (v. 14).

Ainda que seja certamente verdade que os particípios aoristos (“Aque­le tendo amado” e “graciosamente tendo dado”) abrangem todas as bên­çãos da redenção, sem exceção - começando desde a eternidade e ja­mais terminando - , não obstante isso não significa que na mente de Paulo certos fatos centrais não se destacavam claramente; tais como: “ele nos escolheu”, nos deu o seu Filho” (também a si mesmo), “nos deu o Espírito Santo”, etc. A idéia mestra, contudo, consiste em que, como resultado desses dons, “o-Senhor-Jesus-Cristo-e-Deus-nosso-Pai”, con­cebido como Um só, tem conferido eterno (isto é, infindável) ânimo e boa esperança aos leitores. Diante de seus temores e dúvidas (veja a exposição de 2.1-12; cf. lTs 4.13 - 5.11), esse socorro fazia-se deveras necessário. Para o significado da palavra animar (mxpocKa/Véoo), veja a exposição 1 Tessalonicenses 2.3; também CNT João 14.16. O ânimo não visa apenas a presente vida. Ele será comunicado igualmente no dia do juízo final. De fato, ainda que o conforto ou consolação para amai­nar o sofrimento não se faz necessário no céu - o mundo de infindável deleite - , nem será outorgado ali, não obstante ainda lá Deus em Cristo injetará nos redimidos ânimo eterno, ao comunicar-lhes glória e mais glória. A boa esperança de que Paulo fala é uma esperança que é bem fundamentada, ou seja, nas promessas de Deus, na obra redentora de Cristo, etc., está cheia de deleite, jamais termina em decepção e tem o seu o Deus Trino como seu alvo. Quando, pela soberana graça de Deus, as palavras de 2 Tessalonicenses (por exemplo, com respeito ao “repou­so” entesourado para os filhos de Deus, a “vitória” de Cristo sobre Satanás, a divina “eleição” e “vocação” dos leitores) são levadas a sério, os leitores experimentarão eterno ânimo e boa esperança. Objeti­vamente falando (também subjetivamente, mas só até certo ponto), eles os possuem mesmo agora. Subjetivamente, porém, serão então aplica­dos ao seu coração em plena medida. Naturalmente, esse ânimo e essa boa esperança nunca terminam no homem. Aqui, também, o círculo deve ser completado. Eterno ânimo e boa esperança resultam em grati­dão e no desejo de agradar o Doador. Daí, Paulo escreve: “ora, que ele(...) anime o seu coração [o órgão central de vossa vida] em toda boa obra e palavra”. Tais obras e palavras são aquelas que redundam em honra para Deus. Dessa forma, o círculo uma vez mais foi completado. O que teve sua origem em Deus, pelas ações de graças, voltou para ele.

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2 TESSALONICENSES 2 221

Síntese do capítulo 2Veja Sumário de 2 Tessalonicenses 2. A revelação do Senhor Jesus

desde o céu será precedida pela apostasia e pela revelação de “o ho­mem da iniqüidade”.

O destino deste último e o de seus seguidores contrastado com o dos leitores.

Versos l-3a Os dois eventos que precederão o Retomo de Cristo.Neste capítulo, o apóstolo exorta os leitores a não procederem como

se o fim do mundo houvesse chegado, e a não crerem que o próprio apóstolo houvesse dito ou escrito algo que pudesse ter proporcionado certo colorido a essa noção. Ele declara que antes de tudo ocorrerão dois eventos, a saber: a. a apostasia - ou seja, o afastamento mundial das (e a rebelião contra as) ordenanças de Deus - e b. a chegada de “o iníquo”.

Versos 3b-12 O iníquoa. Seu caráter perverso (v.3b).Ele será a incorporação infernal e pessoal do espírito de antagonis­

mo para com a lei de Deus.b. Sua desafiante atividade contra Deus (v.4).Ele fará tudo para destronar a Deus e entronizar-se a si mesmo. Em

sua temerária audácia e feroz insolência se exaltará não só contra o verdadeiro Deus e contra todos os assim chamados deuses, mas também contra todos os objetos sacros. Envidará todo esforço para exercer do­mínio sobre o povo de Deus. Seu protótipo é todo aquele que aspira ser Deus; por exemplo, o rei de Babilônia (Is 14), o rei de Tiro (Ez 28) e, especialmente, Antíoco Epifânio.

c. Seu presente ocultamento e sua futura revelação (vv.6-8a).No presente momento ele está sendo refreado. Ainda que presente

[só] na mente de Satanás, algo e alguém (provavelmente a lei e a ordem e aqueles que se esforçam por fazê-las cumprir) estão por enquanto impedindo o anticristo de surgir no cenário da História. Entretanto, o espírito de iniqüidade, interpretado à luz da revelação de Deus que ilu­mina este mistério, contém o iníquo em seu ventre. Ele só será revelado quando chegar o tempo oportuno. Tão logo aquele que o detém for re­movido do caminho, o antagonista final, predito, será visto. Quando a lei e a ordem, fundadas na justiça, forem removidas, então o homem da iniqüidade será manifestado.

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222 2 TESSALONICENSES 2

d. Sua derrota decisiva (v.8b).O Senhor Jesus, ao voltar sobre as nuvens, intervirá decisivamente

em favor de seu povo. O próprio sopro do Messias (cf. Is 11.4), o pri­meiro vislumbre de seu advento, será suficiente para destruir o iníquo e para interromper a realização de seu programa. (Isso indica que o iní­quo pertence aos últimos dias.)

e. Sua relação com Satanás e com o poder de Satanás para enganar (vv.9 e 10a).

A vinda do grande oponente será acompanhada de espantosas reali­zações, almejando iludir as massas em seu caminho para a perdição. A eficácia do diabo operará em e por meio do filho da perdição.

f. Seus seguidores endurecidos pelo pecado e destinados ao inferno (vv.lOb-12).

Seus seguidores perecerão motivados por sua própria culpa, pois que voluntariamente rejeitaram o amor pela verdade, e por sua própria decisão se deleitarão na injustiça. Deus, como conseqüência, os punirá, enviando-lhes a energia enganadora a fim de crerem na mentira do anti- cristo e sofrerem eterna condenação.

Versos 13-16 Contraste entre o destino do iníquo e de seus segui­dores de um lado, e o dos leitores do outro.

Esses versículos são de caráter transitório. A medida que traçam um nítido contraste entre a perdição do anticristo e seus seguidores (veja os versículos precedentes) por um lado, e a eterna salvação dos “irmãos amados pelo Senhor” por outro, eles pertencem à presente seção. Não obstante, a mudança de estilo (de didático e revelatório para congratu- latório e hortativo) revela que este parágrafo pode também ser conside­rado em conexão com o conteúdo do capítulo 3. Note as semelhanças:

a. Expressão de gratidão a Deus e (por implicação) de confiança nos leitores (2.13,14; cf. 3.4).

b. Exortação (2.15; cf. as exortações em 3.1,6,12-15).c. Expressão de uma aspiração que contém a solenidade de uma

oração (2.16; cf. 3.5,16).Ao dividir o material de 2 Tessalonicenses em seções ou unidades de

pensamento, não se cai em erro se se considerar 2.13-16 juntamente com os doze versículos precedentes do capítulo 2, ou juntamente com o conteúdo do capítulo 3. Há justaposição aqui.

Paulo conforta os leitores com o pensamento de que a sentença de condenação não cairá sobre eles, pois eles foram escolhidos desde a

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2 TESSALONICENSES 2 223

eternidade. Nessa soberana eleição, não só o fim foi preordenado, mas também os meios através dos quais ela se manifestaria. O fim é a salva­ção, e os meios são a “santificação por meio do Espírito e fé na verda­de”. De fato, a vocação divina e interna pode também ser considerada como um dos meios, pois os leitores foram chamados “com vistas a alcançar a glória de nosso Senhor Jesus Cristo”.

Como conseqüência, os irmãos são intimados a permanecer firmes e a se apegar às tradições que lhes foram ensinadas pelos escritores, seja oralmente, seja por carta.

O pêndulo oscila uma vez mais em direção à ênfase posta sobre o fato divino. O desejo expresso no verso 6 (veja a explanação) é profun­damente tocante.

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SUMÁRIO DE 2 TESSALONICENSES 3

Tema: A revelação do Senhor Jesus desde o céuÉ uma esperança firmemente fixada cuja contemplação deve resul­

tar não em desordem, e, sim, em segurança tranqüila, perseverança cons­tante e paz fortalecedora.3.1 e 2 Um pedido por intercessão3.3-5 Segurança tranqüila e perseverança constante exigidas e

prometidas 3.6-15 Desordem condenada3.16-18 Conclusão: “Ora, que ele, o Senhor da paz, vos dê essa

paz”. Bênção final.

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C a pítu lo 3

31 Quanto ao mais, irmãos, orem por nós, para que a palavra do Senhor, cumpra sua trajetória e seja coroada de glória,130 assim como tem feito entre vocês; 2 e para que sejamos salvos dos homens injustos e maus, porque a fé [genuína] não é a

porção de todos. 3 Todavia, fiel é o Senhor, que os fortalecerá e os guardará do malig­no. 4 Além do mais, temos confiança no Senhor acerca de vocês que, o que lhes ordenamos, estão fazendo e continuarão a fazer. 5 E que o Senhor conduza o seu coração ao amor de Deus e à constância de Cristo.

6 Ora, nós lhes ordenamos, irmãos, no nome do Senhor Jesus Cristo, que se afastem de todo irmão que se conduz de uma maneira desordenada e não de acordo com a tradição que receberam de nós. 7 Pois vocês mesmos sabem como devem imitar-nos, porque não nos conduzimos de maneira desordenada [quando estivemos] entre vocês, 8 tampouco comemos o pão de alguém sem pagarmos por ele, mas em labor e fadiga, de dia e de noite, labutamos por nossa sobrevivência, a fim de não sermos um peso a algum de vocês; 9 não porque não temos direito [de ser sustentados por vocês], mas a fim de que possamos oferecer-nos como exemplo para vocês imita­rem. 10 Pois também quando estivemos com vocês, isso costumávamos ordenar-lhes: “Se alguém não quer trabalhar, que também não coma”. 11 Pois ouvimos que alguns dentre vocês estão se conduzindo de maneira desordenada, não como trabalhadores ativos, mas como intrometidos. 12 Ora, a tais pessoas ordenamos e intimamos no Senhor Jesus Cristo que, trabalhando tranqüilamente pelo seu sustento, comam seu próprio pão. 13 Mas quanto a vocês, irmãos, não se cansem de fazer o bem. 14 Ora, se porventura alguém não obedece a nossa palavra expressa nesta carta, notem tal ho­mem, e não convivam com ele, a fim de que o mesmo se sinta envergonhado. 15 E não o considerem um inimigo, mas admoestem-no como irmão. 16 Ora, que ele, o Senhor da paz, lhes dê esta paz em todas as circunstâncias e em todas as formas. O Senhor [seja] com todos vocês.

17 A saudação é de próprio punho: Paulo, que é sinal de autenticidade em cada carta; é dessa forma que escrevo. 18 A graça de nosso Senhor Jesus Cristo [seja] com todos vocês.

2 TESSALONICENSES 3.1,2

3.1,2. Quanto ao mais, irmãos, orem por nós, para que a palavra do Senhor cumpra sua trajetória.A expressão, “Quanto ao mais” (cf. lTs 4.1; a seguir 2Co 13.11; Fp

4.8) é sem dúvida muitíssimo apropriada, quando a carta chega ao fim;130. Ou simplesmente, seja glorificada.

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226 2 TESSALONICENSES 3.1,2

embora ela não se restrinja a esse uso (veja, por exemplo, ICo 1.16; 4.2; 7.29; Fp 3.1). É como se Paulo, havendo concluído os capítulos 1 e2, lesse o que escrevera, e então resolvesse que havia uns poucos assun­tos importantes que não deviam ser deixados sem menção. E assim, ao anseio por ânimo e fortalecimento divinos (2.16,17) ele agora adiciona algumas admoestações finais. Nos escritos de Paulo, o aspecto divino e o humano, o decreto de Deus e a responsabilidade do homem, constan­temente ocorrem lado a lado. Portanto, também aqui no capítulo 3, uma série de expressões, realçando o lado divino - “fiel é o Senhor, que os fortalecerá e os guardará”, “Que o Senhor conduza o seu coração’, “Que ele, o Senhor da paz, lhes dê esta paz”, “O Senhor seja com todos vo­cês”, “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos vocês” - se encontra entrelaçada com outra série, realçando o lado humano - “Orem por nós”, “Afastem-se das pessoas desordenadas”, “Ordenamos que comam seu próprio pão”, “Não se cansem de fazer o bem”, “Notem esse homem”, “Admoestem-no como irmão”. Entretanto, apressamo- nos em acrescentar que, nos ensinos de Paulo, assim como nos de Jesus, o poder eficaz que, capacita o homem a fazer o que Deus ordena proce­de sempre de Deus, de quem e por meio de quem e para quem são todas as coisas. Assim também na presente passagem, a palavra do Senhor segue sua trajetória em resposta à oração. E sempre Deus a fonte das bênçãos.

Como ficou assinalado previamente, Paulo dá muito valor à inter­cessão dos crentes e de seus colaboradores em seu favor (veja a exposi­ção de lTs 5.25; cf. Rm 15.30-32; 2Co 1.11; Fp 1.19; Cl 4.2; Fm 22). Não é improvável que aqui o tempo presente tenha função continuativa: “Continuem a orar por nós”, ou “Orem constantemente por nós”. Ob­serve, contudo, que a oração não é tanto por bênçãos pessoais, quanto pelo progresso do evangelho por meio do trabalho dos missionários, ainda que o último não exclua o primeiro. Paulo ora para que a palavra do Senhor (assim chamada em razão de proceder dele e fazer referência a ele, ou seja, ao Senhor Jesus Cristo) possa correr (ou: possa seguir sua trajetória) sem obstáculo e constante interferência por parte do ini­migo. Que esse é sentido, é demonstrado pelo contexto imediato. O após­tolo acrescenta: e seja coroada de glória (ou simplesmente: “e seja glorificada”). O fato de que ele está aqui empregando uma figura é prontamente evidente, pois, no sentido literal do termo, “a palavra do Senhor” não “corre”. Com certeza está inteiramente em harmonia com o uso paulino sugerir que, como em muitas outras passagens, também aqui, o apóstolo toma por empréstimo uma metáfora da pista de corrida (cf. Rm 9.16; ICo 9.24-27; G1 2.2; 5.7; Fp 2.16). O autor de Hebreus

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2 TESSALONICENSES 3.3 2 27

faz uso da mesma figura (Hb 12.1,2). Entretanto, o verbo “e seja glori­ficada”, que pode ser traduzido com certa liberdade: “e seja coroada de glória”, também indica que em sua mente a realidade emerge da figura. A palavra do Senhor é glorificada quando é aceita com genuína fé, de modo que ela começa a adornar a vida dos crentes. Ora, essa “palavra do Senhor” obteve êxito em Tessalônica. Por isso Paulo acrescenta: assim como tem feito entre vocês (veja o primeiro capítulo de ambas as epístolas).

A primeira locução-objetiva é elucidada pela segunda: e para que sejamos salvos dos homens injustos e maus.Note o artigo definido: “os” ou “aqueles” homens injustos e maus.

Paulo tem uma situação específica, concreta, em sua mente, a saber: a situação em Corinto. E errôneo dizer que a referência não pode ser ao episódio diante de Gálio, registrado em Atos 18.12-17, só porque este se deu um pouco depois. O que se descreve naquele parágrafo em Atos é o tumulto final. Seguramente, porém, a oposição por parte dos judeus não começou então (veja, por exemplo, At 18.5,6). A luz de 1 Tessalonicen- ses 2.15,16 (veja a exposição dessa passagem), faz-se imediatamente evidente que Paulo está fazendo referência aos judeus quando fala de homens injustos (literalmente,fora de lugar) e maus. Alocução modifi­cadora, que explica a existência desses homens perversos, é um litotes caracteristicamente paulino: porque a fé [genuína] não é a porção de todos (ou simplesmente: “pois nem todos possuem [verdadeira] fé”). Eis o significado: “Muitas pessoas possuem e demonstram por sua con­duta precisamente o oposto à fé, a saber: incredulidade, perversa oposi­ção à verdade”. A ausência de fé explica a atitude hostil a Cristo, a seu evangelho e a seus embaixadores.

3. Ora, em oposição aos que não têm fé está o Senhor fiel (note a combinação de palavras:/e... fiel), sempre pronto a proteger a seu povo: Todavia, fiel é o Senhor, que os fortalecerá e os guardará do maligno.

Por meio de uma transição muito natural Paulo, havendo se estendido por algum tempo sobre o tema de seu conflito pessoal em Corinto, retoma à batalha muito semelhante que os tessalonicenses estavam travando. In­teriormente, a jovem e aguerrida Igreja sente necessidade de fortalecimen­to. Externamente - pois Satanás, na verdade, não passa de um intruso. - , precisa ser guardada. Paulo agora assegura a seus leitores que, o que ele desejava no tocante a eles (veja a exposição de 2.16,17), também se concretizará. Eles serão igualmente “encorajados e fortalecidos” (2.16,17), ou como o apóstolo o expressa agora, “o Senhor os fortalece­rá e os guardará”. Esse guardar impedirá os crentes tessalonicenses de

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228 2 TESSALONICENSES 3.4

cair nas malhas do maligno, tais como o fanatismo, a ociosidade, a intromissão, a negligência dos deveres, o derrotismo (veja os vv.5-8).

É do “maligno” que os leitores serão guardados. Ainda que o subs­tantivo aqui usado (xoí Jiovripoí) possa também ser traduzido “mal”, mas com toda probabilidade Paulo se refere ao próprio diabo. Isso está em harmonia com todo o teor desta epístola e da que a precede (veja lTs 2.18; 3.5; 2Ts 2.9) e tambémcom Efésios 6.16; Mateus 6.13; 13.19,38 (e vejaCNT Jo 17.15).

Entre o fortalecer e o guardar há uma relação muito estreita. Ao serem positivamente fortalecidos na fé, no amor, em toda boa obra e palavra (lTs 3.2,12,13; 2Ts 2.17), os crentes serão guardados contra o pecado de render-se a Satanás.

Em tudo isso o Senhor (Jesus Cristo) manifestará sua fidelidade (cf. lTs 5.24). Sua promessa jamais deixará de cumprir-se. Ele sempre termina o que começou (Fp 1.6).

Como já foi indicado, porém (veja a exposição do v. 1, acima), nesse processo de fortalecimento espiritual, os crentes nunca são passivos. Ao contrário, eles se fazem muito ativos.

É exatamente como se encontra declarado nos Cânones de Dort:“Deus realiza seu bom propósito nos eleitos e opera neles a verda­

deira conversão da seguinte maneira: ele faz com que ouçam o evange­lho mediante a pregação e poderosamente ilumina suas mentes pelo Espírito Santo de tal modo que possam entender corretamente e discer­nir as coisas do Espírito de Deus. Mas, pela operação eficaz do mesmo Espírito regenerador, Deus também penetra até os recantos mais ínti­mos do homem. Ele abre o coração fechado e enternece o que está duro, circuncida o que está incircunciso e introduz novas qualidades na von­tade. Esta vontade estava morta, mas ele a faz reviver; era má, mas ele a toma boa; estava indisposta, mas ele a toma disposta; era rebelde, mas ele a faz obediente; ele move e fortalece esta vontade de tal forma que, como uma boa árvore, seja capaz de produzir frutos de boas obras... A vontade que é renovada, portanto, não apenas é acionada e movida por Deus, mas, sob a ação de Deus, toma-se ela mesma atuante. Por isso também se diz corretamente que o homem crê e se arrepende mediante a graça que recebeu” (Terceiro e Quarto Tópicos de Doutrina, Artigos XI e XII, Editora Cultura Cristã).

4. Daí, passando da obra de Deus para a ação do crente, ação esta usada por Deus como um meio para a concretização do desígnio divino, o apóstolo prossegue: Além do mais, temos confiança no Senhor acer­

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2 TESSALONICENSES 3.5 229

ca de vocês que, o que lhes ordenamos, estão fazendo e continuarão a fazer.À parte de “o Senhor” (ou seja, Jesus Cristo; veja a exposição de

lTs 1.1), a confiança nos leitores e em sua conduta futura careceriam de um firme fundamento. Nunca se sabe o que os simples homens, por iniciativa própria, farão. Em virtude da união com o Senhor, porém (pois esse é o significado de “no Senhor”), a confiança que Paulo tem é bem fundamentada, porquanto o Senhor aperfeiçoa o que ele mesmo começou (cf. G15.10; Fp 1.6). Por meio da obediência aos mandamen­tos (cf. lTs 4.11) - os promulgados anteriormente, bem como os que Paulo está para promulgar (nos vv.6-15) - se alcançará o fortalecimen­to espiritual e a proteção. Os leitores estão fazendo e irão fazer o que lhes tem sido ordenado que façam.

O verso 4 não começa uma nova seção. Ele se acha estreitamente relacionado com o versículo precedente, como temos demonstrado. Ele também prepara para as coisas que imediatamente vêm a seguir. Ele reve­la delicado e admirável tato. O mandamento não soará por demais abrupto quando os que o promulgam (principalmente Paulo, mas também Silas e Timóteo) são suficientemente dóceis ao prefaciá-lo, dizendo: “Temos confiança... que, o que lhes ordenamos, estão fazendo e continuarão a fazer”. O verso 4, pois, é uma janela pela qual podemos visualizar a sábia, bondosa e ponderada alma de Paulo.

5. Ainda, porém, que os missionários tenham total confiança nos leitores, eles têm consciência, não obstante, que só com o auxflio do Senhor é que os homens se predispõem a guardar os mandamentos. Daí, o pêndulo oscila uma vez mais (veja a exposição do v.l, acima) do humano para o divino: E que o Senhor conduza o seu coração ao amor de Deus e à constância de Cristo.

Quando o amor que Deus tem para com os tessalonicenses, e o qual ele está constantemente demonstrando para com eles, se toma a força motriz em sua vida, e quando a perseverança exercida por Cristo em meio a um mundo hostil se toma exemplo para eles, então farão e con­tinuarão a fazer tudo quanto Deus, por meio de seus servos, exige deles.

Os complementos “de Deus” e “de Cristo” devem ser considerados genitivos subjetivos. O que está implícito não é “seu amor por Deus”, e, sim “o amor de Deus por eles”. Esse é o uso paulino costumeiro (veja Rm 5.5,8; 8.39; 2Co 13.14; cf. Ef 2.4). Esse é “o amor de Deus que tem sido derramado em nosso coração”. E “o seu próprio amor para conos­co”. É “o amor de Deus em Cristo do qual nada nos poderá separar”. É “o seu grande amor com que nos amou”.

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230 2 TESSALONICENSES 3.5

“O teu amor por mim, ó Cristo,O teu amor por mim, te imploro,

Não pleiteio o meu amor por ti,Não o meu amor por ti.

Eis o meu poderoso conforto,Eis o meu cântico jubiloso:

O teu amor por mim.”(Mrs. M. E. Gates, 1886)

Esse amor é forte, soberano, incondicional (ou seja, não depende, em sua origem, de algum amor previsto procedente de nós, e, sim, crian­do amor em nosso coração), eterno e acima de toda a compreensão hu­mana (veja também CNT Jo 21.15-17).

Quando o coração humano (veja lTs 3.13 e 2Ts 2.17) é direciona­do (veja lTs 3.11) para esse amor, o resultado é a obediência; pois esse amor é não só um atributo divino, ou que adiciona uma atitude favorá­vel para com os crentes, mas também uma força divina e dinâmica den­tro deles, um princípio de vida no recesso mais profundos de seu ser.

A “paciência de Cristo” não deve ser interpretada como sendo aque­la maravilhosa longanimidade que Jesus demonstrou por seus amigos, por exemplo, por Pedro. Paciência (mo|xovi^) é a graça para suportar o peso. Equivale a.firmeza, não importando qual seja o custo. Em quase todos os casos em que o apóstolo emprega o termo, ele também usa alguma outra palavra que indica a hostilidade dirigida contra Cristo e seus seguidores, ou as provações e dificuldades que os mesmos têm que suportar. Note os seguintes exemplos:

Rm 5.3,4: perseverança em meio à tribulação Rm 15.4,5: perseverança em meio ao vitupério (cf. v.3)2Co 1.6: perseverança em meio ao sofrimento 2Co 6.4: perseverança em meio à aflição 2Co 12.12: perseverança em meio à perseguição, à angústia 2Ts 1.4: perseverança em meio à perseguição lTm 6.11: perseverança em meio ao “bom combate da fé” (veja o

v.12)2Tm 3.10: perseverança em meio à perseguição, ao sofrimento (veja

o v . l l ) .Veja também a exposição de 1 Tessalonicenses 1.3. Ainda que os

tipos de perseverança, a saber, tolerância ('Úteo|í.ovtí) e longanimidade (|xaKpo0\)|xía, às vezes lentidão para irar-se), estejam mui estreita­mente relacionados (cf. Cl 1.11), não devem ser confundidos (veja lTs

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2 TESSALONICENSES 3.6 231

5.14). Suportamos em meio às circunstâncias adversas; mostramos lon­ganimidade para com (ou: exercemos paciência em relação a) pesso­as}31 Paciência é a bravura da perseverança na fé e em todas as boas obras, ainda quando todas as coisas parecem estar contra nós.

No presente contexto, a menção da perseverança é muito oportuna. O significado é como segue: assim como Cristo correu a corrida com a perseverança proveniente da firmeza - suportando a cruz, desprezando a ignomínia - , também nós (no presente caso, os tessalonicenses), em meio às nossas aflições, devemos seguir a mesma trajetória. Devemos “olhar para Jesus” e seguir seu exemplo. (A idéia aqui em 2Ts 3.5 suge­re imediatamente Hb 12.1-4.) Daí, não deve haver descaso do dever, nem fanatismo, nem injustificável intranqüilidade, ao ponto de alguém abandonar seu trabalho, pensando: “Que adianta trabalhar, se a volta de Cristo será em qualquer momento”?. Jesus perseverou. Ele nunca recorreu à ociosidade, à vadiagem. Ele apegou-se à tarefa que lhe fora destinada até que a viu concluída. Assim também devemos nós proceder.

Paulo expressa o solene desejo a que “o Senhor” (a saber: Jesus Cristo; veja a exposição de lTs 1.1) dirigisse o coração dos leitores para este amor de Deus e para esta perseverança e firmeza de Cristo.

6. Por meio desta expressão de confiança (v.4) e deste solene desejo (v.5), Paulo preparou o leitor para o que vem a seguir nos versos 6-15: Ora, nós lhes ordenamos, irmãos, no nome do Senhor Jesus Cristo, que se afastem de todo irmão que se conduz de uma maneira desor­denada e não de acordo com a tradição que receberam132 de nós.

O mandamento que segue é expresso “no nome de” - isto é, com base na autoridade de e em consonância com o ensino (revelação) de - o Senhor Jesus Cristo (veja a exposição de lTs 1.1). Tão-somente ele é o Ungido Senhor e Salvador da Igreja, e nessa qualidade tem o direito de promulgar mandamentos.

O mandamento tem a ver com casos individuais de “conduta desor­denada”. A expressão “todo irmão” pareceria indicar que os casos eram bastante isolados: um aqui, outro ali. A congregação como um todo era consistente na fé e prática. A “conduta desordenada” provavelmente consistia de elementos tais como:

131. Por isso não posso concordar com a interpretação apresentada por Lenski, obra citada, pág. 452.

132. Quer o texto conforme originalmente foi escrito contivesse “vocês receberam” ou “eles rece­beram” essencialmente faz pouca diferença. Se vocês a receberam, então eles (os que vivem de modo desordenado) também a receberam.

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232 2 TESSALONICENSES 3.7,8

a. vadiagem (veja o v. 11: “sem fazer nada”), movidos pela convic­ção de que Cristo voltaria a qualquer momento;

b. difundindo toda sorte de comentários provocadores acerca do iminente retomo de Cristo (cf. 2.2);

c. solicitação por sustento pela Igreja (veja o v. 12: “que comam seu próprio pão”, indicando que isso era o que eles não queriam fazer); e

d. intromissão, provavelmente interferindo nos negócios que pro­priamente pertenciam aos oficiais (veja o v. 11: “intrometidos”).

O fato de que um parágrafo bastante extenso (vv.6-15) seja dedica­do a esse pecado pareceria indicar que o mal aqui assinalado se tomara pior desde que a primeira epístola fora escrita (veja a exposição de lTs 4.11,12; 5.14; a seguir também lTs 2.9). Certamente que tal conduta estava muito distanciada de “a tradição” (veja a exposição de 2.15) que os tessalonicenses haviam recebido dos missionários. Essa “tradição” era a doutrinação que Paulo, Silas e Timóteo, com base na autoridade com a qual foram investidos, haviam comunicado à congregação. Ela incluía instruções tais como: “Se alguém não quer trabalhar, que tam­bém não coma” (v. 10). Os tessalonicenses a haviam recebido dos mis­sionários durante sua primeira visita (v. 10), e também subseqüente­mente por meio de carta (lTs 2.9; 4.11; 5.14). Não há dúvida de que Timóteo, em sua visita, havia enfatizado a mesma coisa.

No caso de alguns indivíduos, toda essa instrução fora sem qual­quer efeito. Por isso deve ser usada um tanto mais forte agora. Quando a admoestação não alcança êxito, deve-se recorrer à segregação, ao menos até certo ponto. Note que a medida severa mencionada em 1 Coríntios 5.5 não é ainda contemplada aqui em 2 Tessalonicenses. Os “irmãos” (veja a exposição de lTs 1.4) são informados de que devem afastar-se (cf. 2Co 8.20) de tal “irmão” (note que as pessoas desorde­nadas são ainda referidas com esse título: irmãos.). Mesmo esse afasta­mento, contudo, é dosado. Não significa simplesmente total ostracismo, pois o verso 15 declara expressamente que tal indivíduo deve ser admo­estado como “irmão”. Significa, sim, que o restante da congregação não deve “conviver com ele” (v. 14), ou seja, não deve associar-se com tal pessoa em termos de companheirismo, concordando com ela e seguindo seu exemplo.

7,8. Essa conduta desordenada não era apenas contrária às instru­ções que foram comunicadas aos tessalonicenses, seja na forma oral ou escrita; estava também em conflito com o exemplo que os missionários lhes havia transmitido:

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2 TESSALONICENSES 3.9 233

Pois vocês mesmos sabem como devem imitar-nos, porque não nos conduzimos de maneira desordenada [quando estivemos] entre vocês, tampouco comemos o pão de alguém sem pagarmos por ele, mas em labor e fadiga, de dia e de noite, labutamos por nossa sobre­vivência, a fim de não sermos um peso a algum de vocês.A luz do contexto imediatamente precedente (v.6), a presente passa­

gem (vv.7 e 8), na qual diversos pensamentos foram comprimidos em poucas palavras, pode ser assim parafraseada:

“Ora, nós lhes ordenamos, irmãos(...) que se afastem de todo irmão que se conduz de maneira desordenada e não em consonância com a tradição que têm recebido de nós. Temos o direito de lembrar-lhes o ensino que lhes transmitimos, pois com certeza sabem que ensino era esse; também sabem que devem imitar (|xi|j,eia0ou, cf. nossa palavra ‘mímica’, usada por Paulo somente aqui e no v.9; também em Hb 13.7; 3 Jo 11; cf. lTs 1.6; 2.14) o modo como temos praticado o que ensina­mos. Sentimo-nos à vontade para acrescentar isso, visto que não nos conduzimos de maneira desordenada quando estivemos em seu meio. Especificamente falando, não comemos o pão de ninguém sem pagar­mos por ele (grátis ou ‘como um presente’, ôcopeáv, acusativo adver­bial), mas com trabalho e fadiga estivemos trabalhando pelo próprio sustento (ou ‘estivemos exercendo uma profissão’), de noite e de dia. Procedemos assim a fim de não sermos um peso a nenhum de vocês”.

A locução: “Com trabalho e fadiga estivemos trabalhando pelo pró­prio sustento, de noite e de dia, a fim de não sermos um peso a nenhum de vocês” ocorre também em 2 Tessalonicenses 2.9 (veja comentário dessa passagem).

Realmente, o que as pessoas de vida desordenada estavam fazendo era precisamente o oposto do que os missionários fizeram. Estes estive­ram pregando o evangelho e, além disso, ainda exerciam uma profissão. Aqueles não levantavam sequer um dedo para realizarem um trabalho proveitoso. Eram ociosos e parasitas. Em vez de serem úteis, eram um obstáculo ao avanço do evangelho.

9. Por que os missionários “trabalhavam de noite e de dia pelo sus­tento”? Uma razão já foi apresentada, a saber: “a fim de não sermos um peso a nenhum de vocês”. Outra razão, estreitamente relacionada à pri­meira, é agora acrescentada: “a fim de oferecer-lhes um exemplo para imitarem”. A afirmação que contém essa segunda locução de propósito é a seguinte: não porque não temos o direito [de ser sustentados por vocês], mas a fim de que possamos oferecer-lhes um exemplo para imitarem.

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234 2 TESSALONICENSES 3.10

Repetidas vezes, Paulo insiste em seus direitos, mas também repeti­das vezes no interesse do reino ele está disposto a abrir mão do uso desses direitos. Isso (em conexão com sua tomada de posição sobre a questão de ser remunerado) já foi considerado detalhadamente; veja 1 Tessalonicenses 2.9 (as dez proposições).

O desejo dos missionários era que os tessalonicenses, cada um em sua própria maneira e segundo as oportunidades recebidas, tivessem como imitar (veja o v.7) o exemplo de devoção despida de egoísmo dado por aqueles de cujos lábios haviam ouvido a gloriosa mensagem de salvação. Já que o exemplo de Cristo fora imitado por Paulo, este agora, em contrapartida, se sente à vontade para solicitar que outros imitassem seu exemplo (bem como o de seus colegas). Sobre essa idéia (especificamente sobre os conceitos de imitar ou tomar-se imitador e exemplo), veja 1 Tessalonicenses 1.6,7. O exemplo dado por Paulo e seus companheiros devia ser imitado, não só mediante a “recepção da palavra com a alegria comunicada pelo Espírito em meio a grande tri­bulação”, mas também na sincera entrega de si mesmo. Que a grande maioria dos leitores havia feito a primeira parte, é a idéia expressa em 1 Tessalonicenses 1.6,7. Que alguns recusaram a fazer a segunda parte, se encontra implícito aqui em 2 Tessalonicenses 3.9.

10. Os tessalonicenses “irregulares” não podiam justificar sua con­duta, dizendo: “Nunca nos ensinaram algo diferente”. Eles sabiam como fazer, porque os missionários:

a. Haviam lhes comunicado um exemplo de devoção altruísta (w.7-9).b. Haviam também (note K a í no início do v. 10) lhes comunicado

um preceito específico, ou seja: “Se alguém não quer trabalhar, então que também não coma” (v. 10).

Portanto, a conjunção pois, no verso 10, realmente faz referência ao verso 7, sendo o pensamento: “Vocês mesmos sabem(...) pois quando estivemos com vocês (além de lhes ensinarmos por meio de exemplo), isso costumávamos ordenar-lhes”, etc. Em certo sentido, esse pois se refere a todo o conteúdo do verso 6: “A tradição que de nós receberam”.

Pois também quando estivemos com vocês, isso costumávamos ordenar-lhes: Se alguém não quer trabalhar, então que também não coma. Em nenhum outro lugar é possível encontrar um genuíno parale­lo para esta palavra de Paulo. Uma máxima como: “Se não trabalham, eles não têm o que comer” não constitui um paralelo. Isso não passa de truísmo, de um axioma por demais óbvio a todos, exceto para o rico, para quem a expressão por si mesma parece um pouco supérflua. Mas o

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2 TESSALONICENSES 3.11 235

que Paulo estivera dizendo reiteradas vezes, enquanto em Tessalônica, e o que reafirma aqui, é algo mais. No tocante aos piedosos preguiçosos que não queriam trabalhar, e que procede da idéia: “A igreja deve pro­ver minha subsistência”. Substituamos “igreja” por “mundo” ou “go­verno”, e a passagem se adequará à vida de muitas pessoas de hoje, tanto dentro quanto fora da igreja.

O mandamento que Paulo, por inspiração do Espírito Santo, estava constantemente emitindo era este: “Que não se permita que tal pessoa coma”, ou seja: “Não supram suas necessidades materiais”. Se tal pes­soa se recusa a trabalhar, então que enfrente a fome. Que isso lhe sirva de lição.

Paulo mantém perfeito equilíbrio. Embora, por um lado, seu cora­ção se angustiasse por aqueles que realmente sofrem necessidade, e ele seja o tipo de homem que está sempre disposto a empreender uma via­gem missionária cuja finalidade em parte era a enérgica promoção de uma coleta para suprir as necessidades dos santos na Judéia (veja 2Co 8 e 9; cf. Rm 15.26-29; G1 2.10), por outro lado ele não sente qualquer simpatia pela atitude de uma pessoa que se recusa a fazer uma jornada de trabalho honesto. Necessário se faz apreender a profunda raiz dessa filosofia de trabalho. Como vemos, o apóstolo não está (pelo menos não meramente) “tomando por empréstimo um pouquinho daquela tão boa e antiga moral de oficina, uma máxima aplicada, sem dúvida, centenas de vezes por laboriosos mestres quando proibiam a um indolente aprendiz a sentar-se para comer”.133 Pelo contrário, baseia-se na idéia de que, imitando o exemplo do amor sacrificial de Cristo pelos seus, aqueles que têm sido salvos pela graça devem tomar-se tão altruístas que lhes repugne a mera idéia de chegarem a ser, desnecessariamente, um peso para seus irmãos. Devem, por outro lado, aspirar pela oportunidade de compartilhar o que possuem com aqueles que realmente passam neces­sidade. Embora seja certamente verdade que qualquer homem em quem tenha restado algum senso de justiça estará concorde com a retidão e sabedoria da máxima aqui apresentada - “Se alguém não quer traba­lhar, então que também não coma” - , não obstante, é igualmente verda­de que para o crente essa máxima tem ainda mais peso, pois o egoísmo e a genuína vida cristã andam por caminhos opostos.

11.0 apóstolo agora declara a razão que o leva a dizer essas coisas: Pois ouvimos que alguns dentre vocês estão se conduzindo de ma­neira desordenada, não como trabalhadores ativos, mas como intro­metidos.133. Assim A. Deissmann, obra citada, pág. 314.

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236 2 TESSALONICENSES 3.12

Ainda que para nós que vivemos em dias de transportes rápidos, do correio aéreo, das comunicações telegráficas, telefônicas e televisivas, seja difícil imaginar as dificuldades em relação aos métodos precários de enviar e receber mensagens no primeiro século d.C., não obstante não devemos exagerar esse contraste. As mensagens acabavam chegan­do mesmo nos dias de Paulo. As estradas e linhas marítimas eram, amiúde, cruzadas pelos viajantes. As notícias continuavam chegando a Paulo e a seus companheiros. Portanto, por esse tempo ele estava bem consciente do seguinte fato: alguns “dentre” os leitores (e que tomassem nota da preposição “dentre”, no mais profundo sentido, realmente não “de”, a menos que se arrependessem) estavam se conduzindo da maneira subli­nhada anteriormente, em conexão com nossa análise do verso 6; veja a exposição dessa passagem. Paulo diz que tais indivíduos desordenados não eram “ativos em algo proveitoso, mas ativos em tratar da vida alheia”. No original, há aqui um jogo de palavras. Lemos: |rr|8èv èpyaÇo|iévouç akXà 7cepiepyaÇo|iévot)ç. A fim de reter o sabor do original, pelo menos até certo ponto, o temos traduzido assim: “Não trabalhadores ativos, mas intrometidos ativos”. É simples descrever tais indivíduos - existem alguns, não muitos - pondo de lado suas ferramentas, indo de um “irmão” para outro com histórias fantásticas sobre a Volta imediata de Cristo - o “dia” já chegou! - , fazendo extravagantes alegações para convencê-los da veracidade de seus contos comoventes, voltando para casa sem os proventos diários para comprar comida, então se aprovei­tam de outros ou mesmo do “fundo beneficente” da igreja, se introme­tendo nos assuntos que dizem respeito às autoridades, etc.

12. Ora, a tais pessoas ordenamos e intimamos no Senhor Jesus Cristo que, trabalhando tranqüilamente pelo seu sustento, comam seu próprio pão.Para tais pessoas de vida irregular Paulo tem um mandamento

objetivo, uma mensagem enviada ou transmitida (o primeiro verbo é napayyéX.X.co, justamente como nos vv.4,6 e 10; cf. lTs 4.11) da parte da Cabeça da igreja, que é o Chefe. Além do mais, esse mandamento é ao mesmo tempo uma advertência, uma admoestação pessoal (o segun­do verbo é JtapaK(xA.éco: admoestar, instar, lTs 2.11; 4.1,10; 5.14; cf. um sentido levemente diferente em lTs 3.2,7; 4.18; 5.11: encorajar, confortar; e veja CNT Jo 14.26). Os missionários transmitem sua or­dem e instam “no Senhor Jesus Cristo”, ou seja, pela virtude da união com ele, seu Espírito falando por meio dele (para o título completo “o Senhor Jesus Cristo”, veja a exposição de lTs 1.1).

A essência do mandamento e da admoestação é que, “trabalhando

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2 TESSALONICENSES 3.13 237

tranqüilamente pelo seu sustento”, essas pessoas de viver irregular “co­mam seu próprio pão”. Em vez de andarem de um lado para outro, febrilmente, correndo em círculo e se agitando, espalhando notícias alar­mantes por toda parte, tais pessoas devem trabalhar tranqüilamente, (literalmente, “com calma”). Esta última expressão nos faz lembrar imediatamente de 1 Tessalonicenses 4.11 (“ambicionem viver calma­mente”); veja a exposição dessa passagem e também de 1 Timóteo 2.2.

Se obedecerem a esse mandamento e atentarem bem para essa ad­moestação, não só estarão fazendo a si próprios um grande favor, e isso tanto no campo espiritual quanto material, mas também a outros. Não mais molestarão outras pessoas. Estarão “comendo seu próprio pão”, provendo sua própria subsistência.

13. Em contraste com a conduta irregular dos poucos, Paulo insta com os muitos a persistirem em fazer tudo quanto é excelente: Mas quanto a vocês, irmãos, não se cansem de fazer o bem. Não devem começar a comportar-se mal ou sentir-se cansados (èyKOticnariTE, ao- risto subjuntivo ingressivo, cf. Lc 18.1; 2Co 4.1,16; G16.9; Ef 3.13) no hábito de fazer o bem. Como verbo composto (aqui plural nominativo, masc. particípio presente KaA.OTtoiovvreç) benfazer (uma palavra) ou fazer bem (duas palavras) fazem pouca ou nenhuma diferença. As duas palavra (três, caso o artigo seja contado quando ele ocorre: xò KOtXòv TtoiowTEç) ocorrem em 2 Coríntios 13.7; Gálatas 6.9; Romanos 7.12. A lição a se notar é que em cada uma dessas passagens o significado é geral, ou seja, não significa específica e primordialmente “dar aos po­bres”, e, sim, fazer o que seja conforme a vontade de Deus em todos os passos da vida. Fazendo a coisa excelente, nobre ou bela (kcxA,óç- fj- ó v, daí a boa obra, cf. Mc 14.6), simplesmente é vivo contraste com fazer (o) mal. Note o seguinte:

2 Coríntios 13.7: “Estamos orando a Deus para que não façam al­gum mal(...) mas para que façam o bem”.

Gálatas 6.9: “Não nos cansemos de fazer o bem”.Romanos 7.21: “Então, ao querer fazer o bem, encontro a lei de que

o mal reside em mim”.Provavelmente, não é necessário afastar-se desse significado geral

aqui em 2 Tessalonicenses 3.13. E verdade que há valor na idéia defen­dida por diversos excelentes comentaristas, ou seja, que o que Paulo quis dizer no presente contexto era o seguinte: “Vocês não devem exas­perar-se tanto pela conduta lamentável de uns poucos ociosos, que se sintam cansados de exercer a caridade para com os que são realmente merecedores”.

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238 2 TESSALONICENSES 3.14,15

Nada, porém, no contexto, nos proíbe de interpretarmos assim o significado: “Não se enganem. Não deixem que umas poucas pessoas, as quais negligenciam seus deveres, lhes impeçam de fazer os seus. Nunca se cansem de fazer o que é justo, nobre, excelente”.

Visto que esta interpretação, além de adequar-se à presente situação concreta e ao contexto, é também a exigida nas outras passagens (como já ficou demonstrado), aceitamo-la como sendo a correta.

Para o conceito irmãos, veja a exposição de 1 Tessalonicenses 1.4.14,15. Fazer o que é bom e nobre significa obedecer à vontade de

Deus conforme é revelada por meio de seus servos. Alguns, contudo, se recusam a obedecer. Daí, Paulo prossegue: Ora, se porventura al­guém não obedece nossa palavra expressa nesta carta, notem tal homem, e não convivam com ele, a fim de que o mesmo se sinta envergonhado.

Paulo, e seus companheiros oferecem a possibilidade de que alguns viessem a recusar-se a obedecer “nossa palavra expressa nesta carta”. Os escritores estão provavelmente pensando especialmente naqueles membros que se faziam culpados de conduta desordenada: desvenci­lhando-se de suas ferramentas [de trabalho], correndo a espalhar boatos sobre a Parousia e explorando (bem como se intrometendo nos negóci­os de) outras pessoas.

Esses membros haviam sido reiteradamente advertidos no tocante a essas questões: primeiramente, durante a presença dos missionários, quando o evangelho foi introduzido em Tessalônica (2Ts 3.10). Sem dúvida Timóteo, em sua missão, reiterara a advertência. A seguir, por meio da primeira carta (tanto implicitamente, lTs 2.9; 5.14, como dire­tamente, 1 Ts 4.11,12), e agora, nesta segunda carta, haviam sido admo­estados novamente, em linguagem clara e enérgica (2Ts 3.6-12). Foram denominados de “intrometidos”, não “trabalhadores responsáveis” (3.11). Poder-se-ia esperar que Paulo tivesse há muito esgotado sua paciência com eles, e que agora lhes anunciava a excomunhão deles. Entretanto, não encontramos nada desse gênero. O apóstolo ainda os considera “ir­mãos” (veja v.15), ainda que irmãos em erro. Por certo, Paulo e seus cooperadores estão cônscios de sua autoridade e crêem em disciplina, seja pessoal, mútua ou eclesiástica. Não são, porém, partidários da in­tolerância inclemente, nem de alguma ação ou decisão precipitada, que não pudesse suportar a luz. Eles crêem na honestidade, na integridade e no exercício do genuíno amor e paciência. Daí, o que desejam - e estão falando por inspiração - é isto: se todas as admoestações previamente

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2 TESSALONICENSES 3.14,15 239

pronunciadas não surtissem efeito, então deve-se recorrer a medidas mais severas. Mesmo essas medidas, porém, são de efeito corretivo. O propósito é reformar, levar ao arrependimento, salvar; não destruir.

A pessoa que persiste em sua desobediência deve então ser marcada ou notada. Diz ele: “Observem aquele homem” (segunda pessoa do plu­ral, presente imperativo médio). Isso é dirigido a todos os irmãos fiéis de Tessalônica, não somente ao conselho da igreja. Ou vamos pressupor que, embora o pronome vós, no verso 13, e uma vez mais no verso 16, faça referência a todos, todavia o vós (implícito no verbo) dos versícu­los interpostos (14 e 15) não se aplica à congregação, mas somente ao conselho? A idéia de alguns é que os escritores tinham em mente o se­guinte: “Que o conselho coloque o nome da pessoa desobediente na lousa ou no boletim”. Isso é simplesmente atribuir um sentido ao texto. Ninguém pode encontrar tal idéia ali, nem mesmo quando se faz refe­rência a certo papiro onde o verbo (“notar” ou “marcar” ou “denotar”) efetivamente ocorre, mas em conexões tais que lançam pouca ou nenhu­ma luz sobre seu uso em 2 Tessalonicenses.

Provavelmente o significado real seja: A congregação, tendo ouvido atenciosamente a leitura pública de 2 Tessalonicenses, uma carta na qual o caráter e a conduta dos membros desordenados são nitidamente indicados, deve tomar a devida nota das pessoas descritas. No futuro, tais indivíduos não devem ser tratados como se nada houvesse aconteci­do. Ao contrário, até certo ponto, os membros obedientes devem “afas­tar-se” dos que são desobedientes. Que os escritores têm isso em mente se faz evidente à luz do fato de que é precisamente o que já dissemos no verso 6 (veja a exposição desse versículo). Aos escritores deve-se per­mitir explicar suas próprias palavras. Aqui no verso 14, a ordem é: “Que não haja íntima associação com ele” (isto é, com o membro recal­citrante) ou “Que ninguém conviva com ele”.134 Os membros obedientes não devem viver em associação com esse membro [desordenado] em termos íntimos. Não deve ele ser bem recebido no círculo dos amigos íntimos, congratulando-se com ele, aprovando sua conduta, etc.

134. Quer adotemos o imperativo, quer o infinitivo, que é um pouco melhor atestado, não faz muita diferença. Não se pode negar que, desde Homero em diante, o grego às vezes leva adiante um sentido imperativo por meio de um infinitivo com significado imperativo. Veja Gram. N. T., págs. 943,944. Aqui em 2 Tessalonicenses 3.14 (aw ava |_ iÍY vua0ai), provavelmente, temos um caso de tal infinitivo no qual o sentido imperativo do verbo precedente (ar|neioía0e) é levado adiante. Essa parece ser a explicação mais simples. Basicamente, nada muda quando se adota o texto menos ates­tado (auvava|_iÍYVua0E), pois este é um imperativo. Mas, mesmo que alguém concorde como um infinitivo de pmpósito (“notem aquele homem para não ter comunhão íntima com ele”), a idéia básica - isto é, seja diretamente ou por dedução, aos leitores ordena-se aqui a não manterem comu­nhão íntima com tal pessoa desobediente - permanece a mesma.

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240 2 TESSALONICENSES 3.14,15

O propósito dessa segregação limitada ou ostracismo é “para que seja envergonhado” (cf. ICo 4.14; veja a exposição de Tt 2.8). Eviden­temente, o propósito é corretivo. Emana do amor, do anseio pela cura, não do desejo de se ver livre de uma pessoa que se tomou antipática.

A vergonha, provavelmente, resultará quando o indivíduo em ques­tão começar a refletir sobre a maneira paciente e amorosa como, a des­peito de seu próprio erro grave que lhe tem sido realçado (veja o v. 15), essa “disciplina” está sendo exercida. Tal pessoa não está sendo exco­mungada, pelo menos ainda não, e provavelmente jamais será. Isso de­penderá de seu próprio comportamento subseqüente. A abordagem dos escritores ao assunto (aqui em 2Ts 3.14,15) não visa que a pessoa em questão seja excluída ou banida, mas que os membros obedientes se afastem dela. Exegeticamente falando, é injustificável sobrepor 1 Co- ríntios 5.13 (“Expulsem, pois, de entre vocês o malfeitor”), ou 1 Corín- tios 5.11 (“nem mesmo comam com ele”) a 2 Tessalonicenses 3.14,15. O presente caso é bem distinto. Por certo, o mesmo poderia desenvol­ver-se em algo análogo à severa medida disciplinar exigida no quinto capítulo de 1 Coríntios, mas tal etapa não fora alcançada aqui. E mes­mo com respeito às passagens de 1 Coríntios, deve-se ter em mente que, segundo ao que muitos consideram como a interpretação mais provável, a severa medida disciplinar ali imposta teve um saudável efeito, de tal modo que Paulo se sentiu feliz em poder ordenar mais tarde, dizendo: “De modo que devem(...) perdoar-lhe, confortá-lo(...) lhes rogo que o confirmem para com ele o seu amor” (2Co 2.5-11).

Que o “isolamento” da pessoa desobediente não pretendia ser de caráter absoluto é demonstrado nas palavras: E não o considerem (ou “não olhem para ele como”; cbç é pleonástico, talvez um hebraísmo; cf. Jó 19.11) um inimigo, mas admoestem-no como irmão.

Esta bela exortação, que nos oferece uma introvisão do coração paternal de Paulo - e do coração paternal de Deus - , imediatamente nos lembra Romanos 12.20 (“se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber”) e, por meio de Paulo, conduz nossa mente de volta a Cristo, em Mateus 5.44 ou Lucas 6.27 (“amem seus inimigos”). Em todos esses casos, usa-se a mesma palavra, ou seja, inimigo (èxôpóç, que, segundo alguns, é oriunda de èktóç; daí, basica­mente, um intruso, um estranho; então, uma pessoa com uma disposi­ção hostil para com outrem; um inimigo, cf. o latim hostis, um estra­nho, estrangeiro e, finalmente, inimigo).

Ainda, porém, que Romanos 12.20, Mateus 5.44 e Lucas 6.27 te­nham como seu ponto de partida a existência real de um inimigo, 2

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2 TESSALONICENSES 3.16 241

Tessalonicenses 3.15 adverte contra pressupor que haja um inimigo onde não haveria nenhum. A pessoa em questão, ainda que desconsidere to­das as admoestações anteriores, e mesmo em relação ao conselho sério apresentado em 2 Tessalonicenses, não deve ser catalogada na lista de inimigos... não, pelo menos ainda não. É como se ouvíssemos o vinha­teiro dizer: “Senhor, deixa-a ainda este ano” (cf. Lc 13.8). “E não o considerem um inimigo, mas admoestem-no (vouSexeixe) como um ir­mão” (veja lTs 1.4). Que essa obra de admoestar deve ser exercida por toda a congregação, é evidente à luz de 1 Tessalonicenses 5.14 (e cf. Rm 15.14; Cl 3.16). Que os anciãos devem tomar a iniciativa, é eviden­te à luz de 1 Tessalonicenses 5.12,13.

Uma pergunta é feita: “O que, porém, acontece quando a pessoa cuja conduta é aqui criticada persiste em sua recusa de dar ouvidos ao amoro­so conselho e admoestações?”. Sem dúvida, tal pessoa teria finalmente que ser excomungada, pois ela estaria revelando seu verdadeiro caráter de pessoa facciosa (cf. Tt 3.10). A tolerância cristã tem seus limites (cf. Mt 18.17; Ap 2.14-16; 2.20-23), não obstante, até que seja absolutamente necessário, é bem melhor para a congregação não pensar em tal possibi­lidade. Daí Paulo, aqui em 2 Tessalonicenses 3.15, não dizer nada sobre isso. A pessoa que cai em erro não deve ser considerada e tratada como um possível réprobo, e sim, como um irmão que cai em erro.

16. Plenamente convictos de que por sua própria força os leitores não poderiam cumprir os preceitos contidos nesses versículos preceden­tes, os escritores acrescentam: Ora, que ele, o Senhor da paz, lhes dê esta paz em todas as circunstâncias e em todas as formas. O Senhor da paz é o Senhor Jesus Cristo. Foi ele quem estabeleceu a paz por meio de sua cruz. Ele é quem não só a pronuncia, mas realmente a comunica. Daí Paulo escrever: “Ora, que ele... dê” (5ór|, aoristo operativo ativo, terceira pessoa do singular). Esta paz ou prosperidade espiritual preva­lecerá quando os desordeiros começarem a viver tranqüilamente, aten­dendo aos seus deveres, tanto terrenos quanto celestiais (que é o contex­to imediato aqui), quando os desanimados penetrarem nas profundezas das promessas divinas, não mais se preocupando com a partida de seu amigo e com sua própria condição espiritual, e quando os fracos gran­jeiem força por meio da santificação. Isso se faz necessário “em todos os tempos, em todas as formas”, ou seja, em cada circunstância da vida. A paz aqui indicada é de um caráter muito especial. Note o artigo no original (literalmente, “Ora, que ele, o Senhor da paz”). Objetivamente falando, é a condição de ser reconciliado, uma vez removida a ira divi­na. Aqui, porém, o subjetivo não deve ser dissociado do objetivo. E o

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242 2 TESSALONICENSES 3.17

reflexo do sorriso de Deus no coração do crente que, mediante a sobera­na graça, recebeu a bem-aventurada certeza deste estado de reconcilia­ção. Isso, realmente, é prosperidade. Note também a expressão seme­lhante para o final da primeira epístola (veja a exposição de lTs 5.23; também a exposição de lTs 1.1, para o significado de paz; e veja CNT Jo 14.27).

Implícita nesta paz está a comunhão, a qual, entretanto, em razão de seu superlativo valor, merece menção especial. Daí segue-se: O Se­nhor (isto é, o Senhor Jesus Cristo) com todos vocês (com o verbo “ser” subentendido). Note: todos vocês, nem mesmo aqueles que vivem desordenadamente, são excluídos! Não é verdade que os escritores pro­cediam da idéia de que os indivíduos censurados eram, afinal, irmãos? (cf. ICo 16.24; 2Co 13.13).

17. Segue-se uma conclusão autográfica, como sinal do fato de que a carta é um autêntico produto da mente e do coração do grande apósto­lo: A saudação é de próprio punho: Paulo, que é um sinal de auten­ticidade em cada carta; é dessa forma que escrevo. Era costume na­queles dias que a pessoa que ditasse uma carta - como Paulo, sem dúvi­da, ditou esta - adicionasse umas poucas palavras de saudação, etc., de próprio punho, como sinal de autenticidade.135 Que esse era também o hábito de Paulo, é evidente à luz da presente passagem e de ICo 16.21; Cl 4.18. Cf. também Fm 19.0 apóstolo nunca deixava de fazer isso. Era, deveras, um sinal de autenticidade (c t tu ie io v ) em cada epístola. Natural­mente, não significa que Paulo sempre chamava a atenção para tal fato. As vezes não o fazia. Isso, porém, não muda o fato. Podemos presumir, pois, que a bênção no término de 2 Coríntios foi escrita pelo próprio Paulo, ainda quando ali isso não se ache expressamente declarado.

As palavras: “que é um sinal de autenticidade em cada epístola” não são difíceis de entender, se tivermos em mente os seguintes fatos:

a. Paulo já havia escrito 1 Tessalonicenses e provavelmente também Gálatas.

b. Ele sem dúvida, pretendia escrever muitas outras cartas. Além do mais, na sábia providência de Deus, nem todas as cartas escritas por Paulo chegaram até nós (veja ICo 5.9). É provável que o apóstolo mes­mo tivesse escrito mais cartas.

Por que o apóstolo, aqui em 2 Tessalonicenses 3.17, chama especial atenção para essa marca de autenticidade? Tem-se sugerido as seguin­tes razões que bem podem indicar a direção certa:

135. VejaA. Deissmann, obra citada, págs. 171,172.

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2 TESSALONICENSES 3.18 243

a. Para evitar que as pessoas de viver desordenado viessem a dizer: “Admitimos que a carta que nos foi lida durante o culto (2Ts) contives­se algumas coisas não muito agradáveis a nosso respeito, mas não cre­mos que ela realmente represente o pensamento de Paulo. Negamos que ele a tenha ou escrito ou ditado”.

b. Para desencorajar a propagação de epístolas espúrias e/ou a alega­ção de alguém de que tivesse em seu poder (ou tivesse visto) uma carta de Paulo afirmando que o dia do Senhor já houvesse chegado; veja 2.2.

18. A bênção final: A graça de nosso Senhor Jesus Cristo [seja] com todos vocês é precisamente a mesma de 1 Tessalonicenses 5.28 (veja a exposição dessa passagem), com a única exceção de que aqui, no término da segunda epístola, acrescenta-se a palavra todos. Teria sido essa palavra acrescentada com o fim de assegurar-se de que os indivíduos que haviam recebido a repreensão sentissem que no grande e amoroso coração de Paulo havia lugar até mesmo para eles?

Síntese do Capítu lo 3Veja Sumário de 2 Tessalonicenses 3. A revelação do Senhor Jesus

vindo do céu é uma esperança firmemente segura cuja contemplação deve resultar não em desordem, mas em tranqüila segurança, firme perseverança e pazfortalecedora.

Versos 1 e 2. Solicitação por intercessão.Sendo um crente convicto no poder da oração intercessória, Paulo

pede aos irmãos tessalonicenses que se lembrem, em suas devoções, dos homens que lhes haviam trazido o glorioso evangelho da salvação. Tal pedido tem por fim não só que em Tessalônica, mas também em Corin­to, onde Paulo, Silas e Timóteo estavam residindo enquanto esta carta era escrita, a palavra do Senhor prosseguisse sua trajetória e fosse coroada de glória, e os servos de Deus se vissem livres de “aqueles homens injustos e maus”, expressão que provavelmente seja uma refe­rência aos judeus oponentes.

Versos 3-5. Serena segurança e firme perseverança requeridas.Em contraste com os homens mfiéis está o sempre fiel Senhor que

fortalecerá interiormente e assim (bem como de outras maneiras) guar­dará os leitores do maligno. Paulo expressa sua total confiança na obe­diência do grupo ao qual ele está se dirigindo. Ele expressa a esperança de que o Senhor dirija o coração dos leitores ao amor que flui do cora­ção de Deus e à paciência demonstrada por Cristo em meio ao seu pró-

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240 2 TESSALONICENSES 3.14,15

O propósito dessa segregação limitada ou ostracismo é “para que seja envergonhado” (cf. ICo 4.14; veja a exposição de Tt 2.8). Eviden­temente, o propósito é corretivo. Emana do amor, do anseio pela cura, não do desejo de se ver livre de uma pessoa que se tomou antipática.

A vergonha, provavelmente, resultará quando o indivíduo em ques­tão começar a refletir sobre a maneira paciente e amorosa como, a des­peito de seu próprio erro grave que lhe tem sido realçado (veja o v. 15), essa “disciplina” está sendo exercida. Tal pessoa não está sendo exco­mungada, pelo menos ainda não, e provavelmente jamais será. Isso de­penderá de seu próprio comportamento subseqüente. A abordagem dos escritores ao assunto (aqui em 2Ts 3.14,15) não visa que a pessoa em questão seja excluída ou banida, mas que os membros obedientes se afastem dela. Exegeticamente falando, é injustificável sobrepor 1 Co- ríntios 5.13 (“Expulsem, pois, de entre vocês o malfeitor”), ou 1 Corín- tios 5.11 (“nem mesmo comam com ele”) a 2 Tessalonicenses 3.14,15. O presente caso é bem distinto. Por certo, o mesmo poderia desenvol­ver-se em algo análogo à severa medida disciplinar exigida no quinto capítulo de 1 Coríntios, mas tal etapa não fora alcançada aqui. E mes­mo com respeito às passagens de 1 Coríntios, deve-se ter em mente que, segundo ao que muitos consideram como a interpretação mais provável, a severa medida disciplinar ali imposta teve um saudável efeito, de tal modo que Paulo se sentiu feliz em poder ordenar mais tarde, dizendo: “De modo que devem(...) perdoar-lhe, confortá-lo(...) lhes rogo que o confirmem para com ele o seu amor” (2Co 2.5-11).

Que o “isolamento” da pessoa desobediente não pretendia ser de caráter absoluto é demonstrado nas palavras: E não o considerem (ou “não olhem para ele como”; cbç é pleonástico, talvez um hebraísmo; cf. Jó 19.11) um inimigo, mas admoestem-no como irmão.

Esta bela exortação, que nos oferece uma introvisão do coração paternal de Paulo - e do coração paternal de Deus - , imediatamente nos lembra Romanos 12.20 (“se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber”) e, por meio de Paulo, conduz nossa mente de volta a Cristo, em Mateus 5.44 ou Lucas 6.27 (“amem seus inimigos”). Em todos esses casos, usa-se a mesma palavra, ou seja, inimigo (è%0póç, que, segundo alguns, é oriunda de ektoç; daí, basica­mente, um intruso, um estranho; então, uma pessoa com uma disposi­ção hostil para com outrem; um inimigo, cf. o latim hostis, um estra­nho, estrangeiro e, finalmente, inimigo).

Ainda, porém, que Romanos 12.20, Mateus 5.44 e Lucas 6.27 te­nham como seu ponto de partida a existência real de um inimigo, 2

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2 TESSALONICENSES 3.16 241

Tessalonicenses 3.15 adverte contra pressupor que haj a um inimigo onde não haveria nenhum. A pessoa em questão, ainda que desconsidere to­das as admoestações anteriores, e mesmo em relação ao conselho sério apresentado em 2 Tessalonicenses, não deve ser catalogada na lista de inimigos... não, pelo menos ainda não. E como se ouvíssemos o vinha­teiro dizer: “Senhor, deixa-a ainda este ano” (cf. Lc 13.8). “E não o considerem um inimigo, mas admoestem-no (vovSeteixe) como um ir­mão” (veja lTs 1.4). Que essa obra de admoestar deve ser exercida por toda a congregação, é evidente à luz de 1 Tessalonicenses 5.14 (e cf. Rm 15.14; Cl 3.16). Que os anciãos devem tomar a iniciativa, é eviden­te à luz de 1 Tessalonicenses 5.12,13.

Uma pergunta é feita: “O que, porém, acontece quando a pessoa cuja conduta é aqui criticada persiste em sua recusa de dar ouvidos ao amoro­so conselho e admoestações?”. Sem dúvida, tal pessoa teria finalmente que ser excomungada, pois ela estaria revelando seu verdadeiro caráter de pessoa facciosa (cf. Tt 3.10). A tolerância cristã tem seus limites (cf. Mt 18.17; Ap 2.14-16; 2.20-23), não obstante, até que seja absolutamente necessário, é bem melhor para a congregação não pensar em tal possibi­lidade. Daí Paulo, aqui em 2 Tessalonicenses 3.15, não dizer nada sobre isso. A pessoa que cai em erro não deve ser considerada e tratada como um possível réprobo, e sim, como um irmão que cai em erro.

16. Plenamente convictos de que por sua própria força os leitores não poderiam cumprir os preceitos contidos nesses versículos preceden­tes, os escritores acrescentam: Ora, que ele, o Senhor da paz, lhes dê esta paz em todas as circunstâncias e em todas as formas. O Senhor da paz é o Senhor Jesus Cristo. Foi ele quem estabeleceu a paz por meio de sua cruz. Ele é quem não só a pronuncia, mas realmente a comunica. Daí Paulo escrever: “Ora, que ele... dê” (§dr|, aoristo operativo ativo, terceira pessoa do singular). Esta paz ou prosperidade espiritual preva­lecerá quando os desordeiros começarem a viver tranqüilamente, aten­dendo aos seus deveres, tanto terrenos quanto celestiais (que é o contex­to imediato aqui), quando os desanimados penetrarem nas profundezas das promessas divinas, não mais se preocupando com a partida de seu amigo e com sua própria condição espiritual, e quando os fracos gran­jeiem força por meio da santificação. Isso se faz necessário “em todos os tempos, em todas as formas”, ou seja, em cada circunstância da vida. A paz aqui indicada é de um caráter muito especial. Note o artigo no original (literalmente, “Ora, que ele, o Senhor da paz”). Objetivamente falando, é a condição de ser reconciliado, uma vez removida a ira divi­na. Aqui, porém, o subjetivo não deve ser dissociado do objetivo. É o

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242 2 TESSALONICENSES 3.17

reflexo do sorriso de Deus no coração do crente que, mediante a sobera­na graça, recebeu a bem-aventurada certeza deste estado de reconcilia­ção. Isso, realmente, é prosperidade. Note também a expressão seme­lhante para o final da primeira epístola (veja a exposição de lTs 5.23; também a exposição de lTs 1.1, para o significado de paz\ e veja CNT Jo 14.27).

Implícita nesta paz está a comunhão, a qual, entretanto, em razão de seu superlativo valor, merece menção especial. Daí segue-se: O Se­nhor (isto é, o Senhor Jesus Cristo) com todos vocês (com o verbo “ser” subentendido). Note: todos vocês, nem mesmo aqueles que vivem desordenadamente, são excluídos! Não é verdade que os escritores pro­cediam da idéia de que os indivíduos censurados eram, afinal, irmãos? (cf. ICo 16.24; 2Co 13.13).

17. Segue-se uma conclusão autográfica, como sinal do fato de que a carta é um autêntico produto da mente e do coração do grande apósto­lo: A saudação é de próprio punho: Paulo, que é um sinal de auten­ticidade em cada carta; é dessa forma que escrevo. Era costume na­queles dias que a pessoa que ditasse uma carta - como Paulo, sem dúvi­da, ditou esta - adicionasse umas poucas palavras de saudação, etc., de próprio punho, como sinal de autenticidade.135 Que esse era também o hábito de Paulo, é evidente à luz da presente passagem e de 1 Co 16.21; Cl 4.18. Cf. também Fm 19.0 apóstolo nunca deixava de fazer isso. Era, deveras, um sinal de autenticidade (orpeiov) em cada epístola. Natural­mente, não significa que Paulo sempre chamava a atenção para tal fato. As vezes não o fazia. Isso, porém, não muda o fato. Podemos presumir, pois, que a bênção no término de 2 Coríntios foi escrita pelo próprio Paulo, ainda quando ali isso não se ache expressamente declarado.

As palavras: “que é um sinal de autenticidade em cada epístola” não são difíceis de entender, se tivermos em mente os seguintes fatos:

a. Paulo já havia escrito 1 Tessalonicenses e provavelmente também Gálatas.

b. Ele sem dúvida, pretendia escrever muitas outras cartas. Além do mais, na sábia providência de Deus, nem todas as cartas escritas por Paulo chegaram até nós (veja ICo 5.9). E provável que o apóstolo mes­mo tivesse escrito mais cartas.

Por que o apóstolo, aqui em 2 Tessalonicenses 3.17, chama especial atenção para essa marca de autenticidade? Tem-se sugerido as seguin­tes razões que bem podem indicar a direção certa:

135. VejaA. Deissmann, obra citada, págs. 171,172.

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2 TESSALONICENSES 3.18 243

a. Para evitar que as pessoas de viver desordenado viessem a dizer: “Admitimos que a carta que nos foi lida durante o culto (2Ts) contives­se algumas coisas não muito agradáveis a nosso respeito, mas não cre­mos que ela realmente represente o pensamento de Paulo. Negamos que ele a tenha ou escrito ou ditado”.

b. Para desencorajar a propagação de epístolas espúrias e/ou a alega­ção de alguém de que tivesse em seu poder (ou tivesse visto) uma carta de Paulo afirmando que o dia do Senhor já houvesse chegado; veja 2.2.

18. A bênção final: A graça de nosso Senhor Jesus Cristo [seja] com todos vocês é precisamente a mesma de 1 Tessalonicenses 5.28 (veja a exposição dessa passagem), com a única exceção de que aqui, no término da segunda epístola, acrescenta-se a palavra todos. Teria sido essa palavra acrescentada com o fim de assegurar-se de que os indivíduos que haviam recebido a repreensão sentissem que no grande e amoroso coração de Paulo havia lugar até mesmo para eles?

Síntese do Capítu lo 3Veja Sumário de 2 Tessalonicenses 3. A revelação do Senhor Jesus

vindo do céu é uma esperança firmemente segura cuja contemplação deve resultar não em desordem, mas em tranqüila segurança, firme perseverança e pazfortalecedora.

Versos 1 e 2. Solicitação por intercessão.Sendo um crente convicto no poder da oração intercessória, Paulo

pede aos irmãos tessalonicenses que se lembrem, em suas devoções, dos homens que lhes haviam trazido o glorioso evangelho da salvação. Tal pedido tem por fim não só que em Tessalônica, mas também em Corin­to, onde Paulo, Silas e Timóteo estavam residindo enquanto esta carta era escrita, a palavra do Senhor prosseguisse sua trajetória e fosse coroada de glória, e os servos de Deus se vissem livres de “aqueles homens injustos e maus”, expressão que provavelmente seja uma refe­rência aos judeus oponentes.

Versos 3-5. Serena segurança e firme perseverança requeridas.Em contraste com os homens infiéis está o sempre fiel Senhor que

fortalecerá interiormente e assim (bem como de outras maneiras) guar­dará os leitores do maligno. Paulo expressa sua total confiança na obe­diência do grupo ao qual ele está se dirigindo. Ele expressa a esperança de que o Senhor dirija o coração dos leitores ao amor que flui do cora­ção de Deus e à paciência demonstrada por Cristo em meio ao seu pró­

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244 2 TESSALONICENSES 3

prio amargo sofrimento. Quando esse amor se toma a força motriz na vida dos tessalonicenses, e quando essa perseverança se toma exemplo para eles, então a vitória é assegurada.

Versos 6-15. Diretrizes com respeito a “todo irmão que se conduz de maneira desordenada” (desordem condenada).

Lembrando aos seus leitores o seu exemplo pessoal (bem como o de Silas e Timóteo), enquanto estavam em Tessalônica, exemplo de incan­sável atividade e realização (“com trabalho e fadiga estivemos traba­lhando pelo sustento, de noite e de dia”), e da ordem que reiteradamente haviam transmitido naquele tempo (“se alguém não quer trabalhar, que também não coma”), Paulo repreende os “intrometidos” que se recusam a trabalhar. Ele lhes ordena e os intima, no Senhor Jesus Cristo, “que, tranqüilamente trabalhando pela sobrevivência, comam o seu próprio pão”. Ele aconselha a congregação a não imitar o mau exemplo deles, ou seja a não perder o ânimo em fazer tudo quanto é nobre e excelente. Se “indivíduos de viver desordenado” desobedecessem a palavra ex­pressa na presente carta, que fossem isolados, mas não completamente. Os demais membros devem manter contato com eles com o propósito de admoestá-los. Entretanto, enquanto os ociosos continuarem em sua tra­jetória pecaminosa, os demais membros [da igreja] devem recusar-se a associar-se com eles em intimidade. O propósito em admoestá-los e ins­tar com os demais a que não conviverem com eles e suas más obras é que os que vivem em erro se envergonhem e sejam assim restaurados a uma perspectiva saudável da vida.

Versos 16-18. Conclusão.O apóstolo expressa o ardente desejo de que na dinâmica igreja de

Tessalônica, oprimida por perseguições vindas de fora, e atormentada pelo fanatismo do lado de dentro, repousasse na paz estabelecida por Cristo, aquela paz que é a única coisa capaz de comunicar força e cora­gem. Ele prossegue: “o Senhor seja com todos vocês”, ou seja, não só com aqueles que não carecem de instrução especial ou de admoestação, mas também com os enlutados, com aqueles que estavam em vias de se tomar mártires, com os fracos, sim, até mesmo com os fanáticos, intro­metidos e ociosos, para que se arrependessem de seus pecados.

Com o fim de adicionar autoridade ao conteúdo da carta divinamen­te inspirada, para impedir a divulgação de falsos boatos, e para impe­trar sobre os leitores, reunidos para o culto, o mais precioso de todos os dons, segue-se: “A saudação é de próprio punho: Paulo, que é sinal de autenticidade em cada carta; é dessa forma que escrevo. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo [seja] com todos vocês”.

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C o m e n t á r io deCOLOSSENSES

e F ilem o m

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S um ário

Lista de Abreviaturas ......................................................................................... 253Introdução a C olossenses e F ilemom

I. Por que estudar Colossenses e F ilem o m ?.........................................257II. A cidade de C o lo sso s ............................................................................ 260

III. A igreja em Colossos ............................................................................270IV. O propósito de Paulo ao escrever Colossenses e F ilem o m ...........279V..O lugar e a época da redação de Colossenses e F ilem o m ............. 285

VI. A autoria de Colossenses e F ilem o m .................................................286Comentário da Epístola aos Colossenses

Esboço de Colossenses ................................................................................ 298Capítulo 1 ......................................................................................................... 301

Sum ário de Colossenses 1 ..........................................................................358Capítulo 2 ......................................................................................................... 363Sumário de Colossenses 2 .......................................................................... 399Capítulo 3.1-17 ............................................................................................... 405

Sumário de Colossenses 3.1-17 ................................................................ 433Capítulo 3.18-4.1 .......................................................................................... 437

Sumário de Colossenses 3.18-4.1 ............................................................447Capítulo 4.2-18 ...............................................................................................451Pensamentos germinais de Colossenses 4 .2 -1 8 .....................................474

Comentário à E pístola de FilemomEsboço de Filemom ......................................................................................478Filemom ............................................................................................................ 479Sumário de F ile m o m ....................................................................................498

ApP.ndiceO que a B íblia diz sobre t a t o ..................................................................... 499O que a Bíblia diz sobre escrav a tu ra .......................................................501Pequena Bibliografia a respeito da escravatu ra ....................................... 505

IllMLIOGRAFIA SELETA ............................................................................................... 507Itnii.ioGRAFiA Ge r a l ............................................................................................... 507

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L ista de A breviaturas

As letras que correspondem a abreviaturas de livros são seguidas por um ponto (com exceção de CNT). As que correspondem a publicações periódicas omitem o ponto e estão em itálico. Assim é possível ao leitor, à primeira olhada, perceber se se refere a um livro ou a uma publicação periódica.

A. Abreviaturas de livrosA.S.R.V. American Standard Revised VersionA.V. Authorized Version (King James)Gram. N.T. A.T. Robertson, Grammar o f the Greek New Testament

in the Light o f Historical ResearchGram. N.T.B1. F. Blass e A. Debrunner, A Greek Grammar o f the

- Debr. New Testament and Other Early Christian LiteratureI. S .B .E. International Standard Bible EncyclopediaL.N.T.(Th) Thayer’s Greek-English Lexicon o f the New Testament.L.N.T. (A. e G.) W. F. Arndt e F. W. Gingrich, A Greek-English Lexicon

of the New Testament and Other Early Christian Lite­rature

M.M. The Vocabulary o f the Greek New Testament Illustra­ted from the Papyri and Other Non-Literary Sources, por James Hope Moulton e George Milligan (Grand Rapids, 1952)

N.N. Novum Testamentum Graece, organizado por D.Eberhard Nestle e D. Erwin Nestle, revisado por Kurt Aland

N.E.B. New English BibleC NT William Hendriksen, Comentário do Novo TestamentoR.S.V. Revised Standard VersionTh. W.N.T. Theologisches Wortherbuch zum Neuen Testament (or­

ganizado por G. Kittel)

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254 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

W.D.B. Westminster Dictionary o f the BibleW.H.A.B. Westminster Historical Atlas to the Bible

B. Abreviaturas de publicações periódicasAthR Anglican Theological ReviewBA Biblical ArchaelogistBibZ Biblische ZeitschriftET Expository TimesExp The ExpositorGTT Gereformeerd theologisch tijdschriftHTR Harvard Theological ReviewInt InterpretationJBL Journal o f Biblical LiteratureJTS Journal o f Theological StudiesTSK Theologische Studien un KritikenTZ Theologische ZeitschriftWTJ Westminster Theological Journal

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In t r o d u ç ã o aCOLOSSENSES

e F ilem o m

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I. Por que estudar Colossenses e Filemom?A razão básica para se estudar qualquer livro da Bíblia está em 2 Timó­teo 3.16,17. Além disso, podemos perguntar: “Por que deveríamos, es­pecialmente nos dias de hoje, estudar essas cartas?

1. Primeiramente, porque estamos vivendo a era espacial.Ouvimos e lemos a respeito de programas espaciais, galáxias, pes­

quisas lunares e homens em órbita. Até certo ponto, podemos até ver vôos orbitais nas telas da TV. Discutimos os prospectos dos vôos inte- restelares. Então, como crentes, naturalmente questionamos: “Como é que o Senhor e Salvador Jesus Cristo se relaciona a todo esse vasto universo espacial e sistemas estelares?. Ou, quem sabe, talvez ele fique fora dele?” Para grande consolo de todos os que crêem, essa questão básica é respondida em Colossenses (veja, especialmente, 1.16,17,20).

2. Essa é também a era da ecumenicidade.Atualmente, os círculos religiosos de comunhão cristã interdeno-

minacional - também chamados ecumênicos - estão fazendo progres­sos. Muitos pensam que essa comunhão interdenominacional deve se transformar em uma união orgânica. Sonham com uma superigreja. Seria esse um corpo sem cabeça? E se houver uma cabeça, seria ela terrena? lissa questão é muito real hoje, não apenas para o protestantismo; tam­bém o catolicismo romano está considerando uma união eclesiástica. Ainda agora, enquanto este livro está sendo escrito, líderes protestantes estão se reunindo num conselho ecumênico a convite do papa. Ele não proclamou, em alto e bom som, que “os irmãos separados” deveriam ser reunidos, que deveriam retornar ao aprisco e reconhecer a suprema au- loridade de... Roma? Mas a igreja precisa de uma cabeça terrena? Quem, afinal de contas, é a cabeça da igreja orgânica e reinante? Sim, e não somente da igreja, mas de todas as coisas? Colossenses responde a essa pergunta também (veja 1.18,19,24; 2.10,19). Que seus ensinamentos não sejam nunca e de nenhum modo rejeitados ou comprometidos.

Ora, existem no movimento ecumênico homens que desejam promo­ver o tipo de unidade espiritual que Cristo aprovaria; aliás, o tipo que ele ordenou (vejaCNT emJo 17.21). Eintenção deles que membros de várias denominações e orientações religiosas sentem-se e juntos discutam suas tlilbrenças, em ordem, sem nenhum sacrifício daquilo que é essencial e, nc possível, resolvam essas diferenças, unam as denominações onde isso

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258 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

puder ser feito com benefício espiritual a todos os envolvidos, e com toda instância investiguem possíveis vias de cooperação em sociedades filantrópicas e culturais. Tudo isso deve ser encorajado. A ecumenicida- de, neste sentido, não é algo a ser evitado, mas a ser bem recebido.

Há outros, no entanto, que parecem ter desistido da idéia - se é que já a tiveram, da suficiência total da religião cristã e da pessoa de Cris­to. Seu propósito parece ser o de estabelecer uma igreja mundial, isto é, não apenas juntar os grupos protestantes, católico-romanos e russo- ortodoxos, mas até casar o Cristianismo com as religiões não cristãs. Parecem achar que Cristo certamente tem algo a contribuir. Na verdade ele tem muito a oferecer, mas não tudo. Rama, Visno, Zoroastro, Buda, Confúcio, Moisés e Mohammed também deram suas contribuições. Foi divulgado que Gandhi aceitava todas as grandes religiões como suas. Os extremistas do presente movimento ecumênico parecem estar imi­tando a Gandhi.

Essa virtual negação da suficiência de Cristo era a heresia - apesar de apresentada de uma forma diferente - que Paulo encarava quando escreveu aos Colossenses. A religião cristã é decisiva ou não é? Cristo é suficiente ou necessitamos de outros salvadores para suplementá-lo? Colossenses responde a essa questão. Na realidade, toda a epístola é uma resposta, mas veja especialmente 1.18; 2.9,10.

3. A era presente conclama a reflexão básica a respeito da divinda­de de Cristo.

A própria ênfase na ecumenicidade confronta a igreja com a neces­sidade do reexame de suas crenças básicas em relação a Cristo. Se Cris­to for realmente Deus no mesmo sentido em que o Pai (e o Espírito) é Deus, então o unitarista, o judeu e o muçulmano devem ser excluídos do movimento ecumênico, ou existe possibilidade de comprometimento nesse ponto? A reflexão sobre questões básicas similares em relação a Cristo- por exemplo: “Existem três pessoas na única essência divina?” - é forçada sobre nós pela influência da teologia de Karl Barth. Vemos, portanto, que essa era espacial, essa era da ecumenicidade, é também a era que impinge em nós o reexame de nossas crenças históricas e con­fessionais na relação de Cristo com o Pai e com a Trindade. E nesse ponto, também, Colossenses fala com muita clareza (veja 1.15a; 2.9).

4. Essa é a era do pragmatismo.É preciso reconhecer que nem todos, de modo algum, estão interes­

sados na meditação e reflexão de verdades teológicas profundas. O slogan atual é: “As idéias devem ser testadas por seu valor prático”. Não é: “É

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INTRODUÇÃO 259

verdade?”, mas, sim: “Funciona?” - o que as pessoas querem geralmen­te saber. Colossenses afirma que essas duas questões não podem ser desvinculadas. Com certeza o Cristianismo é uma vida, mas uma vida baseada numa crença, uma poderosa e energética doutrina. Aquele que é o Objeto da nossa fé é também a Fonte da nossa vida. a. O que signi­fica essa fé e b. Como essa vida cristã é vivida é aqui apresentado com tão surpreendente beleza e grandiosidade que o comentário de A. Deis- smann vai direto ao ponto: “Quando abro a porta da capela da epístola aos Colossenses é como se o próprio Johann Sebastian Bach estivesse ao órgão”. Para a letra a. veja especialmente Colossenses 1; e para a letra b. especialmente 3.5-17.

5. A época em que vivemos é também marcada pela enfatização da grande verdade da igualdade de todos os homens em relação ao seu Criador. Existem muitos que concordam que todos os homens são igual­mente impotentes por natureza, todos igualmente necessitados de salva­ção, todos igualmente obrigados a viver a vida para a glória de Deus; e como conseqüência nenhum homem tem o direito de oprimir seu seme­lhante. Se isso for verdade, então como deveria ser o relacionamento entre raça e raça, marido e mulher, pais e filhos, senhor e escravo, pa­trão e empregado? E se esses relacionamentos se tornarem desgastan­tes, como remover e tensão? Há muito desacordo quanto a este assunto. Aqui também Colossenses vem acudir. Os ensinamentos de Colossenses 3 .18-4.1 não podem ser negligenciados sem causar prejuízos.

No entanto, é em Filemom que temos uma ilustração prática - um exemplo na vida real para todos verem - da maneira pela qual tal pro­blema dever ser solucionado. A lição ensinada ali é de imenso significa­do prático para a época em que vivemos. Como bônus, essa pequenina epístola nos fornece também um fascinante conhecimento da alma de Paulo - humano, de coração aquecido, um crente prático.

6. Finalmente, à medida que os sinais da volta de nosso Senhor estão começando a se multiplicar, existe hoje em dia um renovado inte­resse na doutrina das últimas coisas.

Com olhos ansiosos, os crentes almejam “a herança dos santos na luz” (Cl 1.12). Nesse ponto também Colossenses tem muito a oferecer. O objetivo de Paulo é “apresentar todo homem perfeito em Cristo” (1.22,28). Para seus irmãos em Colossos ele tem a esperança - esperan­ça duradoura e certa - que “quando Cristo se manifestar eles também serão manifestados com ele em glória” (3.4). Isso deve ser verdade, pois não estão suas vidas, mesmo agora, “ocultas com Cristo em Deus”? Esse Senhor vivo é “Cristo em vocês, a esperança da glória”.

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260 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

Vista de todos os ângulos, essa jóia de epístola está, portanto, acima e até mais avançada do que as discussões e reflexões do presente. É contemporânea. E o é porque apresenta o Cristo que é o mesmo ontem, hoje e eternamente, aquele que é:

a. O Arquiteto, o Edificador e o Sustentador do universo;b. O Cabeça de todas as coisas, e especialmente o Cabeça orgânico e

reinante do seu próprio Corpo, a Igreja, e seu suficiente e único Salvador;c. A Imagem do Deus invisível, a encarnação de toda a plenitude

divina;d. A Fonte da vida do crente, a paz e alegria;e. O Recompensador daqueles que se empenham em ser uma bênção

aos outros, sem levar em conta posições sociais; ef. Está presente em nós, nossa “Esperança e glória”.

II. A cidade de ColossosA. Geografia

Uma familiarização com as características gerais do território onde se localizava Colossos, é essencial à compreensão da epístola de Paulo aos Colossenses. Acarta menciona três cidades: Hierápolis (4.13), Lao- dicéia (2.1; 4.13-16) e Colosso ou Colossos (1.2). Apesar de serem originalmente cidades da Frigia, nos dias de Paulo elas haviam se toma­do parte da província romana da Ásia. Sua antiga localização está den­tro da atual Turquia na Ásia (Menor). Podem servir de grande auxílio alguns simples traçados, a partir do mais familiar para o menos conhe­cido, e omitindo, propositadamente, todos os detalhes desnecessários. Todos têm, naturalmente, familiaridade com o formato da Ásia Menor Ocidental. Hierápolis, Laodicéia e Colossos são apontadas, nesse pri­meiro esboço, em relação à região na sua totalidade, e particularmente em relação a Efeso, que constituía o centro da atividade missionária de Paulo para essa parte da terceira viagem missionária, durante a qual três igrejas, e provavelmente também outras, devem ter sido estabeleci­das (At 19.10; Ap 1.11). E fácil perceber as distâncias num relance, já que o lado de cada quadrado representa 160 quilômetros. Conseqüente­mente, Efeso estava localizada aproximadamente a 160 quilômetros a oeste das três cidades.

A cerca de 1.150 quilômetros aéreos no sentido oeste-noroeste das três cidades localizava-se Roma. A viagem efetiva distava bem mais que 1.600 quilômetros da tríade, sendo que a distância exata variava de

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INTRODUÇÃO 261

MAPA 1Ásia Menor ocidental

com Éfeso e as três cidades

| < - 1 6 0 k m - ^ |

acordo com a rota tomada. A leste, levemente para o sul das três cida­des, encontrava-se Tarso, lugar do nascimento de Paulo, a sudoeste de Antioquia da Síria, de onde ele iniciou sua terceira viagem missionária. Ainda com respeito às localidades ao leste das três cidades, deve-se ter em mente que as efetivas distâncias de viagem eram geralmente consi­deradas bem maiores do que as distâncias de vôo direto indicadas no mapa. Naqueles dias não havia nada semelhante a uma via expressa, como a de Pensilvânia com seus sete túneis. Obstáculos menores tam­bém mereciam consideração. Se alguém desejasse viajar por terra, de Antioquia da Síria até Tarso, deveria contornar o golfo da Cilicia como indica a linha pontilhada.

MAPA 2

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262 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

As três cidades estavam situadas no vale do Lico. O rio Lico, tam­bém conhecido como “O Pequeno Meandro”, aflui do Meandro, rela­cionado às vezes nos mapas atualizados como Rio Menderes. O vale do Lico se estende na forma de um triângulo perfeito, tendo as montanhas de Mossina como sua hipotenusa, as cadeias do Salbaco e Cadmos como base e o vale do Meandro como altura. Hierápolis e Laodicéia estavam situadas uma de um lado e outra do lado oposto do rio. Dista­vam cerca de 10 quilômetros uma da outra. Colossos se estendia ao longo do rio e se localizava a 18 ou 20 quilômetros, mui ligeiramente para as bandas do sul. Sua acrópole se achava na margem sul; as cata­cumbas e edificações na margem norte. Colossos ocupava, portanto, um estreito vale do Lico superior. Era linda e estrategicamente localiza­da, tendo o rio Cadmos se elevando altamente ao sul e a cordilheira de Mossina ao norte. A rodovia Oriental passava por Colossos, pois as estradas seguem naturalmente os vales.

Note que, no mapa 3, o lado de cada quadrado corresponde a 16 quilômetros.

MAPA 3

Levanta-se a seguinte questão: “Quando Paulo viajou de Antioquia da Síria a Efeso, na província romana da Ásia, que caminho tomou?”. Ele passou ou não em Colossos? Os atlas bíblicos oferecem uma varie­dade de possibilidades.

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INTRODUÇÃO 263

1. L. H. Grollenberg, no mapa da contracapa do seu Atlas o f the Bible, parece ter adotado a visão da Galácia nortista e faz com que o apóstolo viaje pelo extremo norte. Mesmo quando Paulo se dirige para os lados de Éfeso, ele está muito ao norte para entrar em contato com Colossos. Não discutiremos essa teoria no presente Comentário. Os que se interessarem em saber as razões por que rejeito essa teoria da Galá­cia nortista, poderão encontrá-las enumeradas no meu livro Bible Sur­vey, págs. 334-336.

2. Outros - como J. L. Hurlbut, A Bible Atlas, pág. 121; G. E. Wright e F. V. Filson, The Westminster Historical Atlas o f the Bible, quadro XV - enviam Paulo pelas colinas da Antioquia da Pisídia até Éfeso, uma maneira difícil e pouco comum de se viajar. Essa estrada também evita Colossos, pois fica bem ao norte.

3. A rota mais provável tomada por Paulo é a indicada por Emil G. Kraeling, entre outros, no Rand McNally Bible Atlas, mapa 20. E a estrada partindo de Antioquia da Síria até Tarso, Derbe, Listra, Icônio, Antioquia da Pisídia, Apamea, Colossos, Laodicéia, e seguindo então, um pouco, pelo vale do Meandro até Éfeso. Essa estrada passa bem por dentro de Colossos. É a rota ilustrada no próximo esboço. A idéia de tal esboço não é para sugerir que isso está definitivamente estabelecido - Paulo pode ter tomado a rota indicada no mapa 2 - , mas deve-se deixar margem a essa possibilidade já que era o meio mais natural de se viajar.

Quando é levantada a questão: “Por que a maioria dos mapas evita Colossos quando relaciona a rotas de Paulo?”, a resposta pode muito bem ser que, talvez, o resultado da influência do grande estudioso Sir William Mitchell Ramsay, a quem muito devem os estudiosos da Bíblia

MAPA 4Primeira Parte da Terceira

Viagem Missionária de Paulo

Antioquia(Pisídia)

Antioquia(Síria)

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264 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

(veja, especialmente, Historical Geography ofAsia Minor e Cities and Bishoprics o f Phrygia). O próprio Ramsay admite que “a rota comu- mente utilizada para o comércio entre Antioquia e a costa ocidental passava por Apamea e Colossos”. Então, por que ele não segue a sua prerrogativa? Aqui está sua própria afirmação: “Mas parece, pela epís­tola aos Colossenses (2.1), que os cristãos em Colossos e Laodicéia não tinham visto a sua face [de Paulo]”. Mas, na realidade, a referência indicada (Cl 2.1) insinua que Paulo nunca tivesse passado por Colos­sos? Esse não é o caso de se estar baseando muito coisa em pouca evi­dência? Não seria possível que Paulo tivesse passado pelo lugar apesar de nunca ter pessoalmente fundado a igreja? A afirmação de L. Berkhof me parece, portanto, mais cuidadosa: “Apesar de Paulo poder ter ido ao vale do Lico, certamente não encontrou nem fundou a Igreja Colossense lá, pois ele próprio diz em Colossenses 2.1 que os colossenses nunca o haviam visto face a face”.1 Quanto à rota pelas montanhas, para a qual muitos comentaristas e geógrafos enviam Paulo, Sherman E. Johnson declara: “Mas essa é uma rota estranha e pouco provável”.2 A rodovia e ferrovia de hoje estão onde esperávamos que estivessem: nos vales dos rios Mendro e Lico (veja Lands ofthe Bible Today, publicado pela Na­tional Geographic Society, Dezembro, 1956). Contrário ao que aconte­ceu na segunda viagem, quando o itinerário de Paulo foi alterado pela direção divina (At 16.6-8), na terceira jornada, a viagem de Antioquia da Síria a Efeso foi levada a cabo segundo planejamento prévio de Pau­lo, como indica Atos 18.21 (compare com 19.1), e embasado pela apro­vação divina. Portanto, pode-se presumir com segurança que ele tenha tomado o caminho mais fácil e usual.3

B. HistóriaO vale do Lico era atormentado por muitos terremotos.4 A Ásia

1. L. Berkhof, New Testament Introducíion, pág. 214.2. “Laodicea and ils Neighbors”, BA. Vol. XIII, n» 1 (fev. 1950), págs. 1-18. Citação da pág. 4.3. A observação de Lightfoot de que Paulo “não seria detido por nenhuma trilha tosca ou pouco

usada” pode ser respondida pela contraposição de que, normalmente, ninguém escolhe tais rotas a não ser que haja uma razão muito especial para fazê-lo. E quanto às demais rotas sugeridas, às quais requeriam desvios consideráveis, por que Paulo as tomaria quando seu propósito era, a saber, confir­mar as igrejas preestabelecidas e continuar sua jornada a Efeso conforme o prometido? Aqui eu preciso divergir novamente de Lightfoot, quando afirma: “Na segunda ocasião, o objetivo principal de Paulo é visitar as igrejas da Galácia às quais havia plantado em sua viagem anterior (At 18.23), e não vai a Efeso até ter cumprido seu intento”. Pelo contrário, Efeso também estava claramente nos planos desde o início como já foi indicado. Veja J.B. Lightfoot, Saint Paul 's Epistles to the Colossi- ans and to Philemon, págs. 24-28.

4. Strabo (Geography XII. viii. 16) o descreve como sísmico, sujeito a terremotos. J.B. Lightfoot,

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INTRODUÇÃO 265

Menor inclui um cinturão de atividade vulcânica. Ora, os terremotos e vulcões significam desastre; pense por exemplo o que causou a Laodi- céia e Hierápolis o terremoto por volta de 60 d.C. Entretanto, o solo vulcânico é fértil e excelente para gramíneas e vegetação. Logo, gran­des rebanhos de ovelhas pastavam nos ricos campos do vale do Lico, trazendo riqueza aos fabricantes de vestuário. E isso era ainda mais verdadeiro porque as águas desse vale eram impregnadas de depósitos de greda. Apesar de essas formações de greda tomarem partes do solo estéreis, as águas barrentas eram ideais para tingir tecidos. Essa era uma razão a mais pela qual a confecção de vestuário florescia ali. O comércio da tinturaria era praticado nas três cidades. Não é de se admirar, portanto, que as cidades desse vale prosperassem, apesar de que, com o passar do tempo, suas fortunas sofressem grande variação, como será visto.

1. ColossosNinguém sabe quando Colosso (ou Colossos) foi fundada. Tudo o

que se conhece é que era uma próspera comunidade já nos dias de Xerxes, rei da Pérsia (485-465 a.C.). Esse Xerxes era o “Assuero” do livro de Ester, aquele que depôs a rainha Vasti porque essa se recusara a ceder a uma ordem pouco razoável. Ele foi o déspota que determinou castigar com trezentos açoites e decapitar os trabalhadores das águas do Heles- ponto porque, devido a um temporal, a primeira tentativa de colocar uma ponte sobre o estreito canal terminou em fracasso. Havendo con­quistado o Egito, esse terrível ditador fizera extensos preparativos para a invasão da Grécia.

Foi quando ele e seu exército, ao se encaminharem para o Helespon- to, passaram por Colossos e pelo vale do Lico, procurando evitar terre­no mais difícil. O historiador grego Heródoto, que no seu livro História nos fornece um vívido relato - apesar de nem sempre ser completamente confiável - desta expedição fatídica, descreve a Colossos do ano 480 a.C. como “a grande cidade da Frigia” (VII. 30).

Xerxes foi sucedido por Artaxerxes I (465-425 a.C.), que permitiu a Esdras guiar um grupo de judeus de volta a Jerusalém e sancionou a reconstrução dos muros sob a direção de Neemias. Pouco tempo depois, Dario II começou a reinar sobre o titubeante império (423-404 a.C.). Ora, a Dario (II) e Parisatis nasceram dois filhos: o mais velho, Arta­xerxes, e o mais moço, Ciro (Xenofonte, Anabasis I.i.l). Dario II foinas págs. 38-40 do seu livro Saint P aul’s Epistles to the Colossians and to Philemon, oferece evidência documental para os muitos terremotos que acometeram Laodicéia e regiões vizinhas nos anos precedentes e subseqüentes ao nascimento de Cristo.

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266 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

então sucedido por seu filho mais velho, Artaxerxes II (404-358). Mas Ciro, o irmão mais novo, planejou uma revolta por causa da convicção de que ele próprio deveria ter sido o herdeiro do trono, e também devido a ressentimentos pessoais contra Artaxerxes, secretamente reuniu alia­dos de várias regiões sob variados pretextos. Juntou-se a Ciro um con­tingente de mais ou menos “10 mil” gregos. Entretanto, em Cunaxa, nas proximidades dos portões de Babilônia, Ciro foi morto, o simpático e capaz pretendente (Xenofonte, obra citada, I.viii. 24-29). Relacionado a essa campanha, Xenofonte, um jovem e brilhante ateniense, ganhou para si fama duradoura nas seguintes áreas: a. como líder da retirada dos “10 mil”, provando sua admirável habilidade militar rapidamente adquirida, e b. como um mestre da narrativa, no seu Anabasis, forne­cendo à posteridade um brilhante relato da marcha.

Pouco tempo após o início desta expedição, quando marchava para o sudeste, vindo de Sardis, o exército alcançou Colossos, permanecen­do ali sete dias. É nesse contexto que Xenofonte define a Colossos do ano 401 a.C. como “uma cidade habitada, próspera e grandiosa” (I.ii.6). E Colossos era realmente grandiosa, não apenas por seu relativo tama­nho e população, mas também em importância estratégica. Não era ela situada na via que ligava a Ásia de leste a oeste? Não foi ela a chave para a entrada no vale do Lico e ao mesmo tempo a estrada na direção leste voltada para Apamea e os portões da Cilicia? Mas ao longo do tempo outras cidades foram fundadas nesse mesmo vale. Colossos rece­beu assim competidores, dos quais trataremos a seguir.

2. LaodicéiaA marcha dos “10 mil” havia demonstrado a fraqueza do vasto,

porém desajeitado e antiquado, exército persa. Desse modo Alexandre, o Grande (336-323 a.C.), enxergou e agarrou a oportunidade. Na lin­guagem simbólica de Daniel 8, o bode (Greco-macedônio sob Alexan­dre) surge repentinamente do ocidente, correndo pela terra e perseguin­do o carneiro de dois chifres (Império Medo-persa), arremessando-o ao chão e pisoteando-o. Até mesmo a ira do homem louvava a Deus: Ale­xandre não trouxe apenas a dominação grega, mas também a língua grega às regiões por ele conquistadas. Como resultado - não previsto por Alexandre, mas incluído no plano de Deus - num tempo futuro essa língua seria usada como veículo eficientíssimo na expansão do evange­lho. Os caminhos de Deus são maravilhosos.

Algum tempo após a morte de Alexandre, seu império foi divido em quatro partes (Dn 8.8). Lisímaco recebeu a Trácia; Cassandro, a Ma-

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INTRODUÇÃO 267

cedônia; Ptolomeu Soter, o Egito; e Seleuco, a Síria e vasta região a leste desta. Depois de algum tempo, Antíoco II (Téo) reinou sobre a Síria (261-247 a.C.); Ptolomeu Filadelfo II (283-246 a.C.) -construtor de cidades e patrono das artes e literatura - , o Egito. Estes dois reis entraram em acordo de que o rei da Síria deveria se divorciar de sua esposa e se casar com Berenice, filha do rei egípcio. A execução desse plano ímpio não trouxe nada além de problemas (Dn 11.6). Ora, o nome dessa esposa ardilosa, astuta e vingativa era Laodice. Foi por causa dela que a nova cidade recebeu o nome de Laodicéia, em substituição a uma cidade menor.

Apesar de Laodicéia não ter prosperado imediatamente, uma vez que a província romana da Ásia fora estabelecida (190 a.C.), a cidade começou a florescer como poderoso centro industrial. Logo ficou famo­sa pela excelente lã negra de seus carneiros. Além disso, devido a uma mudança no sistema de rodagem, tomou-se importante junção de vias de acesso, lugar onde a rodovia Oriental encontrava outras quatro es­tradas. A combinação desses fatores favoráveis significava comércio, operações bancárias, riqueza (cf. Ap 3.14-22) e prestígio político en­globando vinte e cinco cidades.

3. HierápolisEm regiões vulcânicas existem sempre muitas brechas das quais

emanam vapores e fontes de águas. Supostamente, essas fontes pos­suem poderes curativos. São por muitos consideradas de valor no trata­mento do reumatismo, gota, dispepsia, etc. Por isso, estações de águas são, com freqüência, estabelecidas nas proximidades de tais fontes. Como exemplos, nos nossos dias, lembremo-nos das estações européias de Aachen, Baden-Baden, Bath, Spa; ou de lugares semelhantes nos Esta­dos Unidos, como Hot Springs, Las Vegas, Springs, White Sulphur Sprin­gs. Portanto, Hierápolis também transformou-se em famoso “spa”, uma cidade “cheia de banhos naturais”. As pessoas se reuniam ali aos milha­res para beber e se banhar nas águas medicinais. Os córregos da cidade se tomaram “jóias”.

Além do mais, Hierápolis tinha o seu Carônio ou Plutônio, um bu­raco muito profundo, que soltava um vapor capaz de envenenar até os pássaros que sobrevoassem ali. Naturalmente, essas fontes e essa ca­verna profunda eram intimamente ligadas e dedicadas às divindades pelo povo supersticioso daquela época. Tais divindades eram reveren­ciadas ali. Como conseqüência, Hierápolis possuía uma multiplicidade de templos. Por isso, diz-se, freqüentemente, que o significado original

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268 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

do nome Hierápolis é cidade santa. Deve-se considerar essa possibili­dade. Entretanto, é também possível que o nome tenha-se derivado de Hiera, a rainha amazona da mitologia.

4. A história posterior de Colossos em relação a Laodicéia e Hierápolis

Em virtude dos fatos relatados, não é de se surpreender que Colos­sos, no decorrer do tempo, não pudesse se manter à frente de suas mais jovens e exuberantes competidoras. Aliás, nem mesmo o terremoto que ocorrreu por volta de 60 d.C. conseguiu reverter a situação. Os próspe­ros cidadãos laodicenses reconstruíram imediatamente sua cidade sem aceitar auxílio do governo. Hierápolis também foi restaurada, mas não imediatamente. Entretanto, bem antes do ano 60 d.C. Colossos já havia perdido a corrida. Se alguém procurasse saúde, prazer ou lazer, iria a Hierápolis; se estivesse interessado em negócios ou política, iria a Lao­dicéia. Quanto a Colossos, o historiador e geógrafo grego Strabo, escre­vendo acerca de duas gerações antes de Paulo escrever Colossenses, caracteriza a Colossos do seu tempo como “uma cidade pequena” (Ge- ography XII. viii. 13).

Ainda é possível encontrar ruínas de Laodicéia. Entretanto, quando Denizli foi construída próximo dali, algumas destas ruínas foram usa­das nos alicerces. Mais recentemente, muitas das pedras restantes fo­ram usadas na construção de uma ferrovia. Mas ainda existe aquela pequena colina ternamente abraçada por dois pequenos tributários do rio Lico. Nessa colina foi erguida Laodicéia. Podem ser vistas ali as ruínas dos dois teatros, um deles ainda bem preservado; existem tam­bém restos do que foram o ginásio, o aqueduto, uma grande necrópole e pedras do portão oriental.

Hierápolis chama mais atenção. Situava-se numa área elevada. Ca­taratas brilhantes de pura pedra branca se precipitam sobre os penhas­cos que a apóiam, os depósitos de pedra de calcário das correntes, cain­do na planície abaixo. No outono as quedas d’água congeladas, cinti­lando à luz do sol e vistas de longe, apresentam rara beleza. As ruínas de Hierápolis são amplas. Ainda pode-se delinear os muros da cidade no alto da área; e também as colunas do antigo ginásio, os restos do que pode ter sido o corredor das estátuas, ruínas de arcos, um templo, igreja e banhos. Muito impressionantes são as ruínas de dois teatros, sendo o menor da era helenística e o maior do período romano. Esse último acha-se na ponta leste da cidade, do lado da colina, e ainda hoje pode ser descrito como um dos mais perfeitos da Ásia Menor.

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INTRODUÇÃO 269

Compare agora tudo isso ao que sobrou de Colossos. Apesar de ser verdade que no ano de 1835, quando o arqueólogo W. J. Hamilton visi­tou o local, ainda se podia ver uns poucos alicerces de edificações, colu­nas, fragmentos de cornijas e uma necrópole com pedras de formatos peculiares, não havia nada que se pudesse comparar às bem delineadas ruínas das outras duas cidades. E hoje desapareceu muito do que ainda havia lá em 1835, que foi usado em empreendimentos de construções em Honaz e outras localidades.

É maravilhoso pensar que a tão importante epístola aos Colossen- ses tenha sido enviada a uma igreja situada numa cidade, já insignifi­cante nos dias de Paulo e, provavelmente, pequena em número de mem­bros. O que pode parecer pequeno aos olhos do homem é com freqüên­cia grande e importante aos olhos de Deus.

Consideremos agora o povo a quem essa epístola foi endereçada.C. O povo

Colossos, situada mais ao extremo leste do que Laodicéia e Hierá- polis, era a mais frigiana das três cidades. Seus habitantes eram natu­rais da Frigia, pagãos que adoravam várias divindades como apontare­mos mais tarde. Não obstante, um número considerável de judeus se misturara a essa população idólatra, pois Antíoco, o Grande (223-187a.C.), havia transportado duas mil famílias da Mesopotâmia e Babilô­nia para a Lígia e Frigia.5 Esses judeus prosperavam no vale do Lico e atraíram seus conterrâneos. O comércio de lã tingida e prospectos de outros negócios agiram como ímã. Inscrições na Frigia têm fornecido muitos indícios da presença de colonizadores judeus ali.6 Assim, até ao ano de 62 a.C. viviam pelo menos onze mil judeus livres, apenas no distrito do qual Laodicéia era a capital. A população judaica na sua totalidade (incluindo mulheres e crianças) era bem maior;7 o segundo capítulo do livro de Atos conta que os judeus da Frigia estavam presen­tes na festa do Pentecostes descrita ali.

Entretanto, seria errôneo concluir que os judeus emigrados ao vale do Lico, e seus descendentes, estivessem nessa região somente porque ela oferecia bons prospectos de negócios. Para alguns, os banhos de Hierápolis eram até mais atrativos do que o comércio de Laodicéia e,

5. Josefo, Ant XII. iii. 4.6. Veja William M. Ramsay, Cities and Bishoprics o f Phrygia, o capítulo sobre “The Jews in

Phrygia”.7. Para evidenciar veja Lightfoot, obra citada, págs. 20,21.

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270 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

por um tempo, o de Colossos. Leia, por exemplo, a queixa do Talmude: “os vinhos e banhos da Frigia separaram de Israel as dez tribos.”8

Como foi demonstrado, já que Colossos era uma cidade tipicamente pagã com forte mescla judaica, não é surpresa que o perigo para a igreja ali plantada partia de duas fontes, isto é, pagã e judaica, e até mesmo da combinação das duas.

O vale do Lico pertencia ao império romano desde 133 a.C. Foi devastado pelos sarracenos durante os séculos 7e e 8® d.C. Naquela época a cidade se tomou deserta também. Um terremoto provavelmente contribuiu para isso. A população se mudou para Chonas (mais tarde Honar), um pouco ao sul, próximo ao pé do monte Cadmos. No século 12 a cidade de Colossos havia desaparecido completamente.9

III A Igreja em ColossosA. Sua fundação

Paulo esteve alguma vez em Colossos? Segundo alguns, ele nunca pôs os pés lá.10 Segundo outros, ele não somente passou algum tempo lá, como fundou a igreja pessoalmente.11 Bem, já foi demonstrado que Paulo pode ter passado por Colossos por ocasião de sua terceira viagem missionária, viajando da Antioquia da Síria até Efeso, na Ásia Menor. Mas o livro de Atos (18.23; 19.1) não oferece nenhum indício de que o apóstolo tenha fundado igrejas nessa jornada. A viagem deve ter sido, até certo ponto, ininterrupta, já que ele atravessou terras onde nenhuma igreja havia sido ainda estabelecida, pois “não há alusão alguma à pre­gação em novos lugares, mas apenas à confirmação de velhos converti­dos” (Ramsay). E não pode ser provado que durante sua estadia em Efeso Paulo tenha visitado Colossos com vistas afundar ou a se reunir com uma igreja lá. Além disso, segundo o que provavelmente seria a melhor interpretação de Colossenses 2.2, quando Paulo escreveu sua carta aos Colossenses, os membros, acrescentados a partir de então, não lhe haviam visto a face. Permitindo exceções, essa é a verdade.

8. Talm. Babl. Sabbath 147 b.9. Para estudar a respeito da geografia e arqueologia de Colossos e suas redondezas, consulte a

Bibliografia Geral no final do livro.10. Herman Ridderbos, “De Brief van Paulus aan de Kolossenzen” (Commentaar op het Nieuve

Testament), pág. 104. H.C. Thissen, Introduction to the New Testament, pág. 231.11. F. Wiggers, “Das Verhältniss das Apostels Paulus zu der christlichen Gemeinde in Kolossä”,

TSK (1838), págs. 165-188.

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INTRODUÇÃO 271

Essa linha de pensamento, contudo, deixa lacunas que não podem ser ignoradas. Mas, seja como for, é certo que havia gente do vale do Lico entre os muitos que vinham ouvir o apóstolo enquanto ele traba­lhava na sua sede em Éfeso (At 19.8-10). Deve ter sido durante esse período também (54-56 d.C.) que foi estabelecida a igreja em Colossos.

Nessa igreja Paulo possuía muitos amigos notáveis:1. Epafras: Esse homem, provavelmente de ascendência gentia,12

convertido graças à ajuda de Paulo, foi, com toda probabilidade, o real fundador das igrejas do vale do Lico (Cl 1.7). Ele era um colossense (Cl 4.12), um servo de Cristo Jesus (outra vez Cl 4.12), prisioneiro com Paulo em Cristo Jesus (Fm 23; para explicação, veja Cl 4.10a), e um ardoroso trabalhador nas três congregações vizinhas do vale do Lico (Cl 4.13). Era vigilante em oração e fiel, disposto a sofrer quaisquer provações que lhe estivessem reservadas como embaixador de Cristo.

2. Filemom, Áfia e Arquipo - Já os três são mencionados juntos (Fm 1,2) como destinatários da menor carta de Paulo, e já que somos informados de que a igreja costumava reunir-se na casa de Filemom (evidentemente a de Colossos; cf. Cl 4.9 com Fm 10,16; Cl 4.12 com Fm 23 e Cl 4.17 com Fm 2), conclui-se que Filemom, Afia e Arquipo eram intimamente ligados. Podem até mesmo ter pertencido à mesma família: Filemom, marido e pai; Afia, esposa e mãe; e Arquipo, o filho.

3. Onésimo (anos depois) - Era escravo de Filemom. A carta de Paulo se concentra na fuga, conversão e retorno de Onésimo. Veja Se­ção IV B, a seguir; veja também o comentário de Filemom neste livro.

Estes foram alguns dos amigos e ajudantes de Paulo na congrega­ção de Colossos, a qual foi estabelecida durante o seu ministério em Efeso. Após completar o ministério ali, Paulo saiu rumo a Trôade. A seguir cruzou o mar Egeu, foi para a Macedônia e de lá para Corinto. Ali reverteu seu curso e procedeu a volta rumo a Jerusalém via Macedô­nia. Tíquico, um cristão da província da Ásia, foi um dos que viajaram à frente de Paulo, da Macedônia a Trôade, e o aguardava naquela cida­de (At 20.4). Seu nome virá novamente à tona na seção IV B.

Quando Paulo chegou a Jerusalém, ao final de sua terceira viagem missionária, foi acusado falsamente e detido. Logo ocorreu seu aprisio­namento, que durou cerca de cinco anos, e foi cumprido primeiramente em Cesaréia e depois em Roma. Foi durante esse encarceramento na capital do império que Epafras, ministro da igreja colossense, foi a Roma,

12. Para o significado do seu nome e qualquer possível relação com Epafrodito, mencionado na carta aos Filipenses, vejaCNT emFilipenses2.25, nota de rodapé 116.

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viajando mais ou menos 1.500 a 2.000 quilômetros (dependendo da rota utilizada). De um modo geral, o relatório que levou foi favorável (Cl1.3-8), mas não completamente. Paulo se inteirou com tristeza do fato de que a igreja enfrentava um perigo duplo.

B. Os perigosA fim de compreender a natureza dos perigos que rondavam essa

igreja, é necessário conservar em mente que ela era formada inteiramen­te, ou quase inteiramente, de convertidos do mundo gentio (Cl 1.21,22,27;2.11-13; 3.5-7). Toda sorte de paganismo conhecido na época crescia na região. Eram adoradas ali divindades tais como: Cibele Sabázio Fri- giana, Mene, Isis e Serápis, Hélio e Selene, Demétrio e Artemis. Portan­to, o mal básico que confrontava a jovem igreja era:

1. O perigo do retorno ao paganismo com sua crassa imoralidade.A leitura cuidadosa de Colossenses 3.5-11 prova que esse perigo

era crucial. Os membros da igreja colossense eram, pelo menos a maio­ria, recém-convertidos da tenebrosa e grosseira sensualidade dos ím­pios. Como tal, o perigo do relapso, na sua multiforme licenciosidade, era bastante real, e isso pelas seguintes razões:

Primeiramente, existiam os laços com seu vil passado. O hábito é como uma corda. A pessoa tece um fio todos os dias até que se torna quase impossível arrebentá-la.

Em segundo lugar, circundava o mal. É difícil remar contra tal cor­renteza e se opor à opinião da maioria.

Em terceiro lugar, havia a maré de paixão em cada coração ainda não consagrados completamente. Apesar de terem aceitado a Cristo, os colossenses não haviam se tomado “perfeitos” da noite para o dia.

E, finalmente, havia os engodos de Satanás, buscando, através de meios ultra-habilidosos, arrebatar as ovelhas da mão do Pastor (cf. Jo 10.28).

Em face disso, podemos compreender a repetida admoestação de Paulo a que os colossenses deveriam perseverar na sua nova fé, que não se desviassem do evangelho recentemente aceito por eles, não retomas­sem às obras más, devendo “fazer morrer” coisas tais como: imoralida­de, impureza, paixão, desejos malignos, avareza, ira, indignação, malí­cia, maledicência, linguagem obscena e mentiras (Cl 1.21-23; 2.6; 3.5­11).

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INTRODUÇÃO 273

2. O perigo de se aceitar a heresia colossenseOra, o que a chamada “heresia colossense” tem a ver com tudo

isso? Com certeza era exatamente o propósito dos mestres desses erros, mostrar aos colossenses como poderiam triunfar sobre os pecados men­cionados, isto é, sobre a “indulgência da carne”. Era como se estives­sem dizendo: “Vocês estão engajados na tremenda batalha (porém, per­dida) contra as tentações da sua natureza maligna? Nós podemos ajudá- los. A fé em Cristo, apesar de boa até certo ponto, não é suficiente, pois Cristo não é o Salvador completo”.

Há uma distinta possibilidade de que fizessem uso da palavra pleni­tude, como se dissessem: “Cristo não lhes dará plenitude de conheci­mento, santidade, poder, alegria, etc.13 Portanto, para atingir tal pleni­tude, além de crerem em Cristo, vocês devem seguir normas e regula­mentos. Se fizerem isso, conquistarão e obterão maturidade a fim de ultimar a felicidade e a salvação”.14

Que esse era realmente o caso está claro pelo fato de que Paulo, tendo resumido a “filosofia do vão engano” desses mercadores de men­tiras com seus argumentos persuasivos sobre normas e regulamentos e sua fanfarronice a respeito de visões que tiveram, conclui sua crítica, dizendo: “Coisas desse tipo possuem certamente marcas de sabedoria... (mas) não tem valor algum, servindo apenas para indulgenciar a carne” (Cl 2.23). Em outras palavras, elas vão feri-los em vez de ajudá-los. Ele passa então a indicar uma maneira muito melhor - aliás, a única manei­ra - pela qual a batalha contra a carne pode ser ganha (capítulos 3 e 4); a maneira como resumiu tão espantosamente em Romanos 12.21b: “Ven­cei o mal com o bem”, e em Romanos 13.14: “Revistam-se do Senhor Jesus, e não façam qualquer provisão para a carne” (passagem que sig­nificou tanto para Agostinho, o grande líder da Igreja primitiva).

13. Muito tem sido escrito a respeito do termo plenitude(...). O sentido da palavra deve ser deter­minado segundo o contexto. De acordo com essa regra, os significados que se seguem podem ser reconhecidos, de acordo com o contexto. Alguns deles merecem consideração:

Mateus 9.16 e Marcos 2 .2 1 -0 remendo que preenche o rasgão numa vestimenta.Marcos 6.43 e 8.20 - cestos cheios.Jo 1.16 - plenitude infinita da qual os crentes recebem graça sobre graça.Romanos 11.12-núm ero total de judeus eleitos (cf. Rm 11.2,5).Romanos 11.25 - número total de gentios eleitos.Romanos 13.10 - o amor como cumprimento da lei, isto é, o amor considerado como aquilo que

satisfaz plenamente os requisitos da lei.Romanos 1 5 .29 -0 total geral ou a abundância de bênçãos conferidas por Cristo.14. C.F.D. Moule mostrou que “as regras dos colossenses tinham a finalidade de combater a indul-

I’c n c i a ” (The Epistles to the Colossians and to Philemon, in The Cambridge Greek Testament C 'ommentary, pág. 110). O contexto inteiro aponta nessa direção.

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A “heresia colossense” era o segundo perigo somado ao primeiro, e até certo ponto um resultado deste, e pode ser caracterizada do seguinte modo:

a. Falsa filosofia (Cl 2.8), que, apesar de afirmar ter descoberto segredos e ter tido visões (2.18), negava a preeminência e a suficiência total de Cristo. Paulo afirma que a razão pela qual promove a grandeza de Cristo é porque existem aqueles que a negam e estão tentando iludir outros a igualmente negarem-na (2.2b-4;2.8,9; 2.16,17). A soberana majestade e a completa suficiência de Cristo como perfeito Salvador e Senhor é enfatizada em passagens como 1.13-20; 1.27,28; 2.2-4; 2.8,10; 2.16,17; 2.19; 3.1-4. Isso é básico a tudo o que segue.

b. Cerimonialismo judaico (Cl 2.11,16,17; 3.11), que acrescentava um significado especial ao ritual da circuncisão física, às regulamenta­ções de alimentos e à observância de datas especiais pertinentes à eco­nomia da velha dispensação. Todas essas coisas, diz Paulo, não são mais que “sombras”. Perderam seu significado agora que o objeto que projeta a sombra, a saber, Cristo, já chegou (Cl 2.17).

c. Adoração de anjos (Cl 1.16; 2.15; 2.18), que também desvalori­za a singularidade de Cristo, como se ele fosse insuficiente para a salva­ção plena.

d. Ascetismo (Cl 2.20-23), que no seu impiedoso tratamento do cor­po ia além do Judaísmo. O apóstolo mostra sua total futilidade e indica Cristo como a resposta real aos problemas de vida e doutrina que afligi­am os colossenses (2.20-23, compare com 3.1-4).

Surgem questões às quais a carta não oferece respostas; por exem­plo: Qual é o contexto abrangente dessa heresia colossense? Como se originou essa falsa filosofia? Era produto de gnosticismo incipiente ou do tipo ascético? Poderia ser, talvez, resultado das teorias dos essênios cobertas por um verniz de crenças cristãs? Seria uma mistura de gnos­ticismo incipiente, essenismo (em si mesmo já infestado de erros gnósti- cos) e Cristianismo? Os recém-descobertos pergaminhos do mar Morto elucidam algo mais?

Devemos prosseguir cuidadosamente. Estaremos corretos em dizer que a heresia colossense era um sincretismo, ou seja, uma estranha mis­tura de lamentos judaicos e pagãos? O gnosticismo, com sua ênfase no “conhecimento”, parece ter tido relação com essa teoria, pois, pela epís­tola, fica evidente que os falsos mestres colocavam ênfase desnecessá­ria em coisas tais como “conhecimento, sabedoria, filosofia, mistério e percepção mística”. Mas a evidência disso é geralmente indireta, isso é,

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INTRODUÇÃO 275

não é sempre diretamente colocada, mas deve ser deduzida pela insis­tência de Paulo de que o real conhecimento, sabedoria, mistério, etc., é encontrado somente em Cristo (1.26,27; 2.2; 4.3). Entretanto, de vez em quando os erros são claramente expostos a partir deste ponto de vista (2.4,8a, 18,23). É sabido também que os gnósticos exaltavam o espírito e consideravam a matéria como trono do mal. Para alguns, isso significava que o corpo deveria ser negligenciado, que seus desejos natu­rais deveriam ser suprimidos, se a pessoa quisesse alcançar o alvo da plenitude. Existem os que vêem um reflexo desta falácia na reprimenda até bem severa de Paulo: “por que... vocês se submetem a regras: não mexa, não prove, não toque?” (2.20,21). Eles vêem também a doutrina gnóstica das emanações refletidas e refutadas nas advertências do após­tolo contra a adoração de anjos (2.18).

Talvez seja necessário fazer uma advertência, pois (1) até agora ainda não temos uma completa e razoável descrição do gnosticismo do século l s d.C., e (2) nem era a intenção de Paulo apresentar um comple­to relatório da heresia, a qual estava combatendo. Assim, quando cer­tos autores, baseando-se na expressão “rudimentos do mundo” (2.8), que traduzem como “espíritos elementares do universo”, apresentam uma reconstrução mais ou menos completa e detalhada da heresia, po­deremos muito bem hesitar em aceitar isso. E muito interessante tentar imaginar esses “espíritos astrais” e “senhores planetários” como sendo também os guardiães da lei mosaica. E fascinante descrevê-los entrando em combate com Cristo, que, no entanto, os “despoja” (2.15), para apre­sentá-los adiante como instituidores de dias sagrados pelos mesmos pla­netas sobre os quais exercem controle, e como autores de regras meticu­losas de abstinência, para que, pela obediência a tais regras, o espírito humano se tome livre de coisas terrenas e comece a ascender a Deus por meio de várias “esferas”. Mas temos nós o direito de fazer todas as conjecturas e preencher as lacunas que Paulo deixou?

Existe outra objeção: admitindo que haja alguma influência aplica­da pelo gnosticismo incipiente, seja de que origem for, na heresia colos- sense - e admiti-lo nos parece bastante razoável - ainda é verdade que, em tudo e por tudo, a falsidade a qual Paulo trata de maneira tão severa tinha um fundo judeu, a qual insistia no rito da circuncisão (2.11 -13) e na observância estrita da lei de Moisés com suas estipulações no que diz respeito à alimentação e às festas (2.14,16). Fica claro que Paulo tinha isso em mente pelo fato de que ele encara a lei como cumprida em Cristo (2.16,17).

É verdade que a heresia, conquanto judaizante, foi além do Judaís-

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276 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

mo que Paulo expõe em Gálatas. Isso é evidente pelo seu rigoroso asce­tismo, a saber, sua insistência na obediência a regras que não eram nada mais do que “preceitos e doutrinas de homens” (2.20-23). Estaremos lidando aqui com uma forma extrema de farisaísmo, ou talvez com as doutrinas dos essênios?

A respeito dos essênios, veja Josefo, A Vida (autobiografia) 7-12; Guerra dos Judeus 11.119-161; Plínio, o Velho, História Natural vol. 73; Filo, Fragmento de Apologia para os Judeus XI 1-17; Lightfoot, obra citada, págs. 82-94,355-419.

Josefo, que em certa época pertenceu a essa seita, tem muitas coisas boas a dizer sobre ela. Ele chama seus membros de “mestres dos seus temperamentos, campeões da fidelidade, ministros da paz”, etc. Toda­via, sua descrição mostra que os mesmos erros marcantes da heresia colossense foram também encontrados entre eles, pois eram contamina­dos por um estilo de gnosticismo incipiente. Josefo nos diz: “Crêem firmemente que o corpo é corruptível e sua composição material, mas que a alma é imortal e imperecível”. Encaravam a alma como aquela que “havia se emaranhado na prisão do corpo”. Quanto ao cerimonia- lismo judaico e ao asceticismo, ele diz que: “Depois de Deus, o nome a quem mais admiram é o de seu legislador (Moisés), e qualquer um que blasfemar contra ele é punido de morte”. E ainda, “eles são mais rigoro­sos do que todos os judeus no tocante à abstenção do trabalho aos sába­dos”. Ele se refere à “sua invariável sobriedade e à limitação das por­ções de carne e bebida designadas”. Dá a entender que estavam dividi­dos em dois grupos: celibatários e casados. Quanto ao primeiro grupo, “Desprezam o casamento... Em princípio não condenam os laços matri­moniais... mas desejam se proteger contra a devassidão das mulheres”, etc. Quanto ao segundo grupo, “eles concedem a suas mulheres três anos de estágio”. E mais, “desprezam as riquezas”. Quanto à atitude no que se refere aos anjos, “eles preservam cuidadosamente os nomes dos anjos”.

Diante disso, deveríamos concluir, que os falsos mestres afligidores dos colossenses, com suas sinistras doutrinas, eram essênios que nomi­nalmente haviam se voltado para Cristo, mas que haviam retido muitas de suas crenças anteriores? Alguns acreditam ser impossível, porquanto nenhum essênio viveu na Ásia Menor. No entanto, Josefo escreveu tam­bém: “Eles não ocupam uma cidade apenas, mas se agregam em grande número em todas as cidades”. Plínio, o Velho, fixa sua sede “na banda ocidental do mar Morto”. Filo acrescenta: “Habitam em muitas cidades da Judéia e em muitas vilas. Estão agrupados em grandes sociedades de

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INTRODUÇÃO 277

muitos membros”. Esse autor parece fazer, também, do ponto de vista essênico sobre casamento, um trampolim para sua própria avaliação nada lisonjeira das mulheres: “Nenhum essênio se casa, porque uma esposa é uma criatura egoísta, excessivamente ciumenta, e perita em confundir a moral do marido, a seduzi-lo com suas constantes impostu­ras”, etc. De qualquer modo, está claro que a influência essênia pode facilmente ter alcançado Colossos. Já foi demonstrado anteriormente que havia judeus vivendo naquela região.

Considerando que, como a seita de Qumran - a qual nos legou os pergaminhos do mar Morto - , mostra muitas destas características, e possuía sua sede na mesma localidade, é a convicção de muitos, hoje, que essa seita (de Qumran) deve ser identificada com os essênios. Seu Manual de Disciplina é provavelmente nossa melhor fonte de informa­ção a respeito deles. Ao lê-lo não se pode deixar de imaginar que talvez a advertência de Paulo - “Se com Cristo morrestes para os rudimentos do mundo, por que vocês se submetem a regras como: não mexa, não prove, não toque, como se (ainda) vivessem no mundo?” - fosse a sua resposta às repetidas admoestações do Manual na forma de: “Não toca­rás” e “Não experimentarás”.

Devemos cuidadosamente distinguir aqui a diferença entre o ensino real do Novo Testamento, de um lado, e do outro lado as idéias e cren­ças em curso, às quais ele reflete e contra as quais reage. Quanto ao ensino, o Novo Testamento é inteiramente distintivo, no sentido de que “Jesus falava como nenhum outro homem, pelo simples fato de que ele não era como nenhum outro homem”, como enunciado no excelente ar­tigo de E. J. Young, “The Teacher of Righteousness and Jesus Christ,” WTJ, vol. XVIII, ns 2 (maio, 1956), pág. 145. Mas, no tocante aos erros que combate, não existe razão primária por que estes não pode­riam incluir o asceticismo dos essênios. Entretanto, isso não quer dizer que temos certeza de que o apóstolo Paulo, ao escrever aos Colossen- ses, estivesse combatendo uma facção de essênios que afirmava ter-se convertido a Cristo. Sabemos muito pouco a respeito das condições prevalecentes na Ásia Menor durante o século 1Q d.C. para chegarmos a conclusão tão arriscada. Concordo com a afirmação de Millar Burro­ws: “O que na realidade demonstram os pergaminhos do mar Morto foi bem resumido por Albright, eles mostram que os escritores do Novo Testamento ‘buscaram num reservatório comum terminologias e idéias que eram bem conhecidas dos essênios e - isso eu enfatizaria-possivel­mente também familiar a outras seitas judaicas da época’ ” (More Light on the Dead Sea Scrolls, pág. 132). Contudo, podemos dizer que as

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fontes disponíveis nos fornecem um quadro tal do estado do sincretismo religioso nos dias de Paulo, que o erro combatido por ele em Colossen- ses não nos parece mais tão estranho (veja também Cl 2.8,18,21; 3.18; nota de rodapé 79, e CNT em lTm 4.3). O ponto-chave a ser lembrado é que os que laboram em erro, pelo afiançamento de tanta atenção sobre o esforço dos homens para a volta ao paganismo, estavam, na realida­de, negando a suficiência total de Cristo para a salvação.

Paulo escreveu sua carta aos Colossenses para combater esse peri­go de duas cabeças: o da volta ao paganismo com sua crassa sensuali­dade, e o de se aceitar a solução errada. Uma exposição mais detalhada do propósito desta epístola pode ser encontrada na próxima seção (IV).

Tíquico, mencionado anteriormente, foi quem entregou a carta aos seus destinatários. Ele estava acompanhado de Onésimo, o escravo con­vertido que deveria retomar o seu senhor Filemom (Cl 4.7-9). Também levavam consigo para ser entregue também a carta a Filemom, em res­peitosa atenção a Onésimo (Fm 10.17), e a que nos foi transmitida como “A Epístola de Paulo aos Efésios” (Ef 6.21,22; mas veja ainda Cl 4.16).

C. A história posteriorPaulo foi liberto do seu primeiro cativeiro romano, durante o qual

escreveu Colossenses, Filemom, Efésios e Filipenses. (Para provar isso, veja CNT em 1 e 2Tm e Tt, sobre autoria e data.) Ao reconquistar sua liberdade, ele provavelmente viajou a Efeso e de lá a Colossos, exata­mente como havia intencionado (Fm 22). O que aconteceu durante sua visitajunto aos Colossenses não nos foi revelado. Ele deve ter regressa­do a Efeso logo depois. Com relação a suas viagens posteriores, e todas as conjecturas quanto a sua seqüência, veja CNT em 1 e 2 Timóteo e Tito, introdução.

Quanto à congregação em Colossos, sua história posterior é obscu­ra. Parece que a decadência gradual da igreja aconteceu passo a passo juntamente com a da cidade. A igreja teve seu próprio bispo durante um tempo. No entanto, quando a população se mudou para Honaz, a sede episcopal acompanhou a população até que, pouco a pouco, com a che­gada da invasão turca, “o candeeiro de ouro foi retirado da Presença Eterna para sempre” (J. B. Lightfoot, obra citada, pág. 72).

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INTRODUÇÃO 279

IV. O Propósito de Paulo ao Escrever Colossenses e Filemom

A. ColossensesUm dia, durante seu primeiro cativeiro romano, Paulo recebeu a

visita de Epafras (já referido), “ministro” dos colossenses. Esse infor­mou o apóstolo sobre as condições da igreja. Em grande parte o relató­rio foi favorável: fé, amor e esperança estavam em evidência. O evange­lho estava frutificando cada vez mais (Cl 1.1 -6; 2.5). Ainda assim havia o constante perigo de recaírem nos indecorosos hábitos pecaminosos de outrora. Além disso, naquele momento, falsos mestres tentavam iludir a igreja oferecendo uma solução que não poderia resolver coisa alguma, mas que complicaria a situação (a já descrita “heresia colossense”). Toma-se então necessário escrever uma carta a fim de que a igreja não se aparte do ensinamento puro de seu fiel pastor.

De acordo com esse antecedente, o propósito desta carta era o se­guinte:

1. Advertir os colossenses contra a recaída na sua condição anterior com todos os seus vícios para a destruição da alma (Cl 1.21,23; 3.5­11), e contra a “solução” pressionada sobre eles por aqueles que se recusavam a reconhecer Jesus Cristo como o completo e Todo-suficien- te Salvador (capítulo 2).

2. Atrair a atenção deles para “o Filho do amor de Deus”, para que possam confiar nele, amá-lo e adorá-lo como a própria imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda a criação, o Cabeça da Igreja, aquele que está em todas as coisas preeminentes e em quem - somente em quem - os crentes podem atingir sua plenitude (1.13-18; 2.8,9).

3. De maneira especial, realçar entre eles o valor do seu fiel ministro Epafras (1.7; 4.12,13) que, apesar de estar agora com Paulo em Roma, junta-se a outros enviando saudações, e está sempre lutando por eles em oração, e tendo por eles a mais profunda preocupação.

Diante do fato de que Tíquico era o portador da carta aos Colossen­ses e também a Filemom, membro da igreja colossense e dono do escra­vo Onésimo, que estava sendo devolvido a seu dono, é necessário acres­centar um quarto ponto aos três já mencionados, a saber:

4. Enfatizar entre os colossenses a virtude do perdão e bondade. A colocação de John Knox não é bastante forte: “Toda a carta aos Colos­senses está mais ou menos dominada pela preocupação de Paulo com

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Onésimo” (Philemon among the Letters o f Paul, pág. 35). Isso pode muito bem justificar, pelo menos em parte, o fato de que o apóstolo escreve de certo modo extensivamente a respeito da importância de mostrar ternura de coração (3.12-14), e também pelo fato de ter devo­tado grande espaço às relações entre escravos e senhores (3.22-4:1, cinco versículos, quatro dos quais extensos), enquanto diz bem menos a respeito dos relacionamentos entre marido e mulher e sobre filhos e pais (3.18-21, somando apenas quatro curtos versículos; contrastando com Ef 5.22-6.4, dezesseis versículos).

B. Filemom1. Uma teoria que parte do tradicionalO item 4 da seção anterior mostra uma estreita relação entre Colos-

senses e Filemom. Então, quando Herman Baker, o editor deste Comen­tário do Novo Testamento (na língua inglesa), sugeriu que Colossenses e Filemom fossem tratadas num só volume, seu conselho foi excelente.15 Essas duas cartas, uma escrita a uma igreja e a outra primariamente a uma família daquela igreja, não devem ser separadas. Muito crédito é devido aos trabalhos de exegetas como Edgar J. Goodspeed e John Knox, por enfatizarem essa verdade.

Isso, no entanto, não significa que podemos concordar plenamente com a posição que esses homens assumiram em relação ao propósito de Filemom. Havendo estudado cuidadosamente seus escritos e os livros e artigos daqueles que concordam ou discordam deles,16 estamos conven­cidos de que não podemos aceitar sua reconstrução da História, apesar de termos uma dívida de gratidão para com eles pela luz que projetaram na estreita relação entre Colossenses e Filemom. O que no melhor das hipóteses é meramente probabilidade, é apresentado às vezes como se

15. Nesta edição desses comentários mantivemos Colossenses e Filemom no mesmo volume, po­rém, intercalados por 1 e 2 Tessalonicenses, respeitando assim a ordem dessas cartas no Novo Testa­mento. (N. do E.)

16. Veja o seguinte: E.J. Goodspeed, New Solutions to New Testament Problems; The Meaning o f Ephesians; The Key to Ephesians; J. Knox, Philemon among the Letters o f Paul; criticado por C.F.D. Mouse em seu valioso trabalho, The Epistles o f Paul the Apostle to the Colossians and to Philemon, veja especialmente págs. 14-21. A tal crítica J. Knox tenta responder na edição revista de seu mencionado livro (1959). De Knox é também The Epistle to Philemon (Introdução e Exegese em The Interpreter’s Bible, Vol. XI). Ainda: P.N. Harrison, “Onesimus and Philemon”, ATR, XXXII (1950), págs. 286-294. C.L. Mitton, The Epistle to the Ephesians; The Formation o f the Pauline Corpus o f Letters; Henrich Greeven, “Prüfung der Thesen von J. Kox zum Philemonbrief’, TZ, 79 (1954), págs. 373-378. Anteriormente: E.R. Goodenough, “Paul and Onesimus, HTR, 22 (1929), págs. 181-183; e Albert E. Barnett, The New Testament: Its Making and Meaning, págs. 79-92; 184,185.

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INTRODUÇÃO 281fosse certeza, o que é meramente possível como se fosse provável, e o que é muito questionável como se fosse pelo menos possível. Já que existem diferenças secundárias entre Knox e Goodspeed, a apresenta­ção dada a seguir é substancialmente de Knox (a não ser que seja citado diferentemente).

Resumindo, então, segundo sua visão do propósito primário da car­ta de Paulo a Filemom, não é que Onésimo deva ser perdoado da ofensa de ter fugido de seu dono e, além disso, o ter, provavelmente, fraudado, mas, ao contrário, que a esse escravo seja dada a liberdade e que retorne a Paulo para exercer o ministério do evangelho.

Os eventos com relação a Onésimo se transformam numa história fascinante, um tipo de drama próprio para encenação, pela maneira como Knox os reconstrói:

a. Aqui temos então esse escravo que, apesar de se chamar Útil (Onésimo) não havia sido de muita utilidade para o seu superior. Ele vivia com o seu dono em Colossos, mas o nome deste último não era Filemom e, sim, Arquipo (Philemon among the Letters o f Paul, pág. 58). Esse Arquipo era um benfeitor e membro da igreja colossense. Seus membros se reuniam na sua casa para prestar culto. Filemom, apesar de ser também mencionado nos versículos de abertura da pequena epístola, morava em outro lugar; veja o item d.

b. Onésimo, por não estar bem com seu senhor, pode ter fugido, apesar disso não ter sido expresso em palavras. E ele pode ter visitado Paulo no local do seu cárcere, apesar de isso não ter sido dito especifi­camente. De qualquer modo, Paulo estava na prisão, talvez em Éfeso (pág. 33), não muito longe de Colossos.

c. Por meio do ministério de Paulo, o escravo se toma crente. Aque­le que antes era inútil se torna muito útil. Aliás, ele se torna tão útil que o apóstolo gostaria de ter ficado com ele, não por razões pessoais, mas para o trabalho evangelístico. Todavia, após merecida consideração, Paulo decide devolver o escravo ao seu dono, Arquipo, a fim de que esse possa, de livre vontade, emancipá-lo e devolvê-lo a Paulo para o serviço do reino (pág. 29).

d. Mas Arquipo realmente consentirá em libertar seu escravo? Se Onésimo tiver de fato fraudado seu Senhor, não poderá receber punição severa? Paulo encontra uma solução. O escravo será enviado a seu dono na companhia do fiel Tíquico. Nas mãos deste estará também uma carta de Paulo em favor do escravo. É a Arquipo que a mensagem da carta está endereçada (pág. 62). Ora, para revestir de peso seu pedido, o após-

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tolo envia esforços para conseguir outros a apoiarem seu apelo. Laodi- céia não ficava perto de Colossos? E não estavam as igrejas do vale do Lico sujeitas à liderança de um homem - a saber, Filemom - que “des­pachava” de Laodicéia? (pág. 70). Permita-se que Filemom leia então a carta, e que ele junte sua recomendação ao pedido de Paulo. Após isso, que essa carta, assim endossada, seja lida à igreja em Colossos. Tendo chegado a Colossos via Laodicéia, ela pode agora ser adequadamente designada como “a carta de Laodicéia”. Em sua epístola aos Colossen- ses (4.16), o apóstolo pede que essa pequena carta em respeito a Onési- mo seja lida aos colossenses. Knox diz: “Na minha opinião, existe uma probabilidade, que se aproxima da certeza, de que essa carta (a “de Laodicéia”) era a nossa Filemom” (pág. 45).

e. Em Colossenses 4.17 Paulo Coloca: “E dizei a Arquipo: Atenta para o ministério que recebeste”. Esse “ministério” é a incumbência de libertar Onésimo e mandá-lo de volta a Paulo para atividades evange- lísticas. A carta que chamamos de Filemom é, portanto, “carta para um indivíduo cuja leitura desejava-se que fosse acidentalmente ouvida por um grupo ao qual pertencia tal indivíduo, grupo esse capaz de exercer certo controle sobre sua conduta” (pág. 60).

O plano funciona. O escravo viaja para Laodicéia na companhia de Tíquico. Ali Filemom endossa o pedido de Paulo. O escravo e a carta chegam finalmente a Colossos. A igreja apóia as demandas cristãs de Paulo sobre um de seus membros (pág. 53). Assim Onésimo retorna a Paulo.

f. E agora a mais importante virada de todas. Paulo usa Onésimo como havia planejado. E vejam só. O ex-escravo agora se toma nada mais nada menos do que o bispo da igreja em Éfeso. Inácio, o bispo da igreja de Antioquia da Síria, passa em Esmirna na Ásia Menor, quando a caminho de Roma e de seu martírio. Ele escreve uma carta aos efésios na qual expressa sua gratidão pela visita de Onésimo e outros. Nessa carta Inácio diz: “Desde então recebi, em nome de Deus, sua congrega­ção inteira na pessoa de Onésimo, seu bispo e homem de amor inexpri­mível. Eu suplico a vocês, em Jesus Cristo, a amá-lo e a todos quantos forem iguais a ele. Bem-aventurado aquele que lhe permitiu serem dig­nos de receber tal bispo” (Ef 1.1; cf. VIII.2).

O ponto culminante desses detalhes exegéticos é a sugestão de que, após a morte de Paulo, o bispo Onésimo, o ex-escravo que tanto devia ao apóstolo, fez uma coletânia das Epístolas Paulinas; isto é, a publica­ção do corpo das cartas de Paulo foi feita sob sua supervisão (pág. 107). Goodspeed tende a concluir que o próprio Filemom tenha escrito

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INTRODUÇÃO 283

Efésios como uma carta explanatória (The Key to Ephesians, XVI). Knox parece endossar essa posição (pág. 96). Mas a discussão dessa teoria pertence ao Comentário de Efésios e não ao presente estudo.

2. CríticaOs parágrafos a, b, etc., que seguem, refutam, respectivamente, os

parágrafos a, b, etc., acima.a. A interpretação mais natural de Filemom 1 e 2 é aquela que con­

sidera Filemom, Afia e Arquipo como pertencendo a uma só e mesma casa, juntamente com o escravo Onésimo. Viviam em Colossos (Cl 4.9). Portanto o dono do escravo não era Arquipo, e sim, Filemom, o primei­ro e a quem toda a carta foi endereçada.

b. Com toda a probabilidade Paulo estava em Roma, e não em Efe- so, quando escreveu Colossenses e Filemom. Veja o item V neste Co­mentário. Veja também CNT em Filipenses, autoria.

c. No verso 14 o apóstolo não está pedindo que Onésimo lhe seja devolvido. O versículo seguinte (15b) parece implicar, em vez disso, que Onésimo permanecerá na companhia de Filemom (“a fim de que o possuísses para sempre”), que, no entanto, não o considerará mais como escravo, mas como um caro irmão (v. 16). E mais, tendo em mente sair do local de seu cativeiro, Paulo já está pedindo que no seu lugar de destino lhe sejam preparadas acomodações (Fm 22), não querendo di­zer, portanto, que Onésimo lhe fosse enviado de volta.

d. Apesar de reconhecidamente difícil, Colossenses 4.16 parece se referir a uma troca de cartas endereçadas às igrejas (veja, adiante, mais a respeito deste versículo).

e. É certamente mais natural interpretar as palavras: “Atenta para o ministério que recebestes do Senhor” (Cl 4.17) como se referindo ao encargo de Arquipo em cumprir sua missão espiritual, e não a sua obri­gação de libertar um escravo, mesmo que isso fosse a favor do trabalho evangelístico. Veja comentário a respeito deste versículo.

f. Se cerca de meio século mais tarde, em sua carta aos efésios, Inácio estivesse realmente se referindo ao ex-escravo, a favor de quem Paulo havia feito sua maravilhosa súplica, teria sido natural que ele tivesse incluído uma clara referência a esta carta anteriormente escrita pelo grande apóstolo; como, por exemplo, Policarpo escrevendo aos filipenses lembra-lhes claramente da carta de Paulo. O fato de que Iná­cio tenha lido a carta de Paulo a Filemom e tenha oferecido evidência disso na sua carta aos Efésios, de modo algum prova que o bispo Oné­simo fosse o ex-escravo.

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284 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

Assim sendo, foi demonstrado que à teoria de Knox faltam provas quanto à reconstrução histórica, apesar de ser valiosa em mostrar a estreita relação entre Colossenses e Filemom. Nenhum dano foi causa­do ao ponto de vista tradicional.

3. O real propósito da carta de Paulo a FilemomOs antecedentes reais são, portanto, os seguintes:Filemom era uma das colunas da igreja de Colossos. Ele amava ao

Senhor e aos irmãos, e havia dado concreta evidência deste fato vez após outra (Fm 7). Ele era filho espiritual de Paulo, pois, direta ou indiretamente, Deus o havia usado para transformá-lo (veja Fm 19). Sua nova vida não havia afetado somente a si, mas também a de sua família. Considera-se provável que Afia fosse sua esposa e Arquipo o filho dos dois. Amigos que haviam aceito ao Senhor se reuniam regular­mente em casa para prestar culto (Fm 2). Na ausência de Epafras, Ar­quipo provavelmente teria a responsabilidade de dirigir a reunião (Cl 4.17). Ele pode ter sido um jovem que, como Timóteo, necessitasse ser encorajado (cf. lTm 4.12).

Ora, Onésimo era um dos escravos da casa de Filemom. Esse escra­vo fugiu, indo até Roma. Ali entrou em contato com Paulo. Assim como o Senhor havia abençoado anteriormente o trabalho do grande missio­nário no tocante ao coração do dono, também agora o abençoou no tocante ao coração do escravo. Ele se tomou tão querido para o apósto­lo que Paulo o chama de “meu filho, a quem gerei entre algemas” (v. 10), “meu próprio coração (v. 12), “um irmão caríssimo, especialmente de mim, e com maior razão de ti, quer na carne, quer no Senhor” (v. 16), “fiel e amado irmão” (Cl 4.9). Com muita alegria Paulo teria conserva­do Onésimo junto de si como assistente, pois finalmente seu caráter havia feito jus ao seu nome. Relacionado a isso, leia Filemom 11 e note o jogo de palavras no sinônimo do nome do escravo:

“Onésimo, que antes te foi inútil, mas agora é útil para ambos, tu e eu” (cf. ainda o v.20 no original).

Mas Paulo não julga correto manter Onésimo em Roma. Ele decide mandá-lo de volta ao seu senhor com um pedido colocado de maneira muito cuidadosa e educada, para que este o receba como alguém que não é mais meramente um escravo, e, sim, um irmão amado. Se ele, de algum modo, houvesse lesado o seu senhor, Paulo está pronto a assumir total responsabilidade pelo pagamento da dívida. Com tato inexcedível o grande apóstolo acrescenta: “sem falar que além do mais tu me deves a ti mesmo” (v. 19).

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INTRODUÇÃO 285

Paulo não ordena, apesar dele próprio dizer que tem o direito de fazê-lo; em vez disso, apela ao coração de Filemom (v.9). Ele está total­mente convencido de que este fará “até mais do que” lhe está sendo pedido (v.21). O apóstolo mantém esperança de ser solto de seu presen­te aprisionamento e espera que Filemom lhe “prepare um quarto de hós­pedes” (v.22).

É quase desnecessário acrescentar que, apesar desta epístola inspi­rada não condenar a instituição da escravatura com palavras, ataca seu espírito e transforma o escravo em um irmão amado.

Assim, o propósito de Paulo, ao escrever Filemom, pode ser resu­mido da seguinte forma:

1. Assegurar o perdão para Onésimo.2. Atacar o âmago da questão da escravatura, formulando um pedi­

do tático para que se mostrasse amor a todos, inclusive aos escravos, de acordo com os preceitos de Cristo.

3. Providenciar para si um lugar para hospedagem após sua soltura da prisão.

V. O lugar e a época da redação de Colossenses e Filemom

Colossenses e Filemom, bem como Efésios e Filipenses, são epísto­las da prisão. O lugar de origem e, em geral, a data de uma determina a data de todas as quatro (veja exame detalhado de local e data no CNT sobre Filipenses).

Colossenses, Filemom e Efésios são transportadas a seus destinos numa só viagem por Tíquico e Onésimo (cf. Cl 4.7-9; Fm 10-12; Ef 6.21,22).

Quanto a condição de Paulo, ele é um prisioneiro (Cl 1.24; 4.3,10,18; Fm 1,9,23). Somados a Onésimo, outros nomes são mencionados em ambas, Colossenses e Filemom. Esses são os companheiros de Paulo: Lucas, Aristarco, Marcos, Epafras e Demas (Cl 4.10-14; Fm 23,24); também Timóteo, que é mencionado juntamente com Paulo no versículo de abertura das duas cartas. Jesus Justo também está com Paulo (Cl 4.11), mas não é mencionado em Filemom. Paulo goza de certa liberda­de para pregar o evangelho (Cl 4.3,4). Ele espera ser solto (Fm 22).

Em tudo isso não existe nada que contradiga a visão tradicional da origem romana destas cartas. A medida de liberdade gozada por Paulo se harmoniza com o relatório de sua condição em Roma (At 28.30,31),

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286 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

mas não com as do seu encarceramento em Cesaréia (At 24-26). A pre­sença de Lucas é injustificável, se essas cartas foram remetidas de uma prisão em Éfeso, pois Lucas nos tem fornecido uma narrativa um tanto detalhada do ministério de Paulo naquela cidade (At 19), mas não diz nada sobre seu aprisionamento ali, e na realidade não estava com Paulo naquela época. Mas Lucas definitivamente foi com Paulo a Roma (At 27.1; 28,16). E assim também Aristarco (At 27.2). E mais, se Roma for o lugar da prisão de Paulo, quando Colossenses e Filemom foram escri­tas, então, à luz de 1 Pedro 5.13, a presença de Marcos é prontamente compreensível, pois ele parece ter estado nessa “Babilônia” pouco tem­po depois.

E quanto à época, tudo aponta para a data durante o período de 63­61 d.C., talvez alguma data nesse período ou próxima, pelo menos an­tes da redação de Filipenses.17

VI. A autoria de Colossenses e Filemom18

A. ColossensesOs três argumentos principais instam contra a autoria Paulina de

Colossenses. Tem sido demonstrado por vários comentaristas que todos os três são facilmente respondidos diante do exame dos fatos. As “obje- ções”19 são, portanto, as seguintes:

17. Veja CNT sobre Filipenses (Introdução,V) e para discutir a total cronologia Paulina, veja W. Hendriksen, Bible Survey, págs. 62-64,70.

18. Veja o exame detalhado na obra importante de Emst Percy, Die Probleme der Kolosser-und Epheserbriefe, 1946.

19. E.Th. Mayerhoff iniciou o ataque. Veja seu trabalho D erBrief na die Colosser mit vornehmli- cher Berücksichtigung der drei Pastoralbriefe kritisch gepriift. Ele considerava Colossenses como uma imitação de Efésios, a qual considerava ter sido escrita por Paulo. F.C. Baur e seus seguidores, da escola de Tübingen, negavam a autenticidade de todas as cartas creditadas ao apóstolo, exceto Gálatas, 1 e 2 Coríntios e a maior parte de Romanos. Mas a negativa de Baur é arruinada pela parcialidade hegeliana sobre a qual se apóia. Para Baur a questão de uma epístola ser caracterizada ou não pela linha de argumentação antijudaica parece resolver tudo. Daí, todo o pensamento de Paulo é empurrado para dentro de uma pequena fenda. Isto é, declaradamente injusto. H. J. Holtz- mann, no seu trabalho Kritik der Ephese-und Kolosserbriefe, considera a carta que chegou até nós como Colossenses como sendo na realidade uma Colossenses original mais curta acrescida de inter­polações de Efésios, tendo sido composta por um paulinista que, no processo das escrita da mesma, usou a genuína e original Colossenses. A.S. Peake certamente está correto ao afirmar: “A complexi­dade da hipótese depõe fatalmente contra ela” (Criticai Introduction to the New Testament, pág. 52). Outro autor mais recente que encontra um núcleo genuíno na nossa Colossenses é Charles Masson, UEpitre de Saint Paul aux Colossiens (no Commentaire du Nouveau Testament X, págs. 83 segs.).

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INTRODUÇÃO 287

(1) A linguagem e o estilo mostram que Paulo não pode ter sido o autor.

a. Palavras usadas e palavras omitidasColossenses contém trinta e quatro palavras que não são encontra­

das em outros lugares no Novo Testamento e várias palavras adicionais que não ocorrem em nenhum outro lugar nas epístolas de Paulo. Por outro lado, palavras paulinas sobejamente familiares, tais como: justiça (Ô iK a io cx ú v ri), salvação (acoxTpíoc), revelação (òocokò& uxi/ i ç ) e abolir (KOCTapyeív) não são encontradas em Colossenses.

Resposta: A porcentagem de tais palavras excepcionais encontradas em Colossenses, porém em nenhum outro lugar, é comparada a de ou­tras epístolas, por exemplo Romanos (numa seção igualmente extensa) e Filipenses. Um assunto diferente requer palavras diferentes. Conse­qüentemente, muitas destas palavras são encontradas em Colossenses 1 e 2, onde o autor combate uma heresia singular; veja especialmente 2.16-23.20 Isso também justifica o fato de que palavras usadas em ou­tras epístolas, na discussão de outros temas, não são encontradas aqui. Por que deveriam ser? Percy está inteiramente certo quando diz: “Por­tanto, pode-se afirmar com segurança que, do aspecto da lexicografia, não é possível desenvolver nenhum argumento sério contra o caráter genuíno desta epístola” (obra citada, pág. 18).

b. Características de estiloColossenses contém correntes de sentenças quase sem fim. Dessa

forma, o capítulo 1 tem apenas cinco sentenças no original, sendo que uma destas (vv.9-20) constitui uma sentença de 218 palavras.

E também essa carta amontoa sinônimos: orar e pedir (1.9), perse­verança e longanimidade (1.11), santos, inculpáveis e irrepreensíveis (1.22), alicerçados e firmes (ou “arraigados e seguros”, 1.23), séculos e gerações (1.26), radicados, edificados e confirmados (2.7).

E ainda é rica em sentenças justapostas, como, por exemplo: “O Pai... que nos libertou... e nos transferiu para o reino do Filho do seu amor, em quem temos nossa redenção (1.12-14)... que é a imagem do Deus invisível”, etc. (1.15-20).

E, finalmente, certas partículas que ocorrem com freqüência nas genuínas epístolas de Paulo (yóp, ow , ôióxi, ãpa, 5tó) são raramente usadas aqui ou nem mesmo ocorrem em Colossenses.

20. E algumas destas palavras são provavelmente emprestadas da terminologia usadas pelos falsos mestres.

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288 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

Resposta: Deveria admitir-se com liberdade que algumas destas características de estilo são encontradas em Colossenses em, até certo ponto, maior grau do que em outros pontos das epístolas de Paulo. Ain­da assim a diferença não é de modo algum surpreendente, segundo indi­caremos a seguir:

Em outras epístolas paulinas são também encontradas sentenças longas. Por exemplo, Romanos 1.1-7 possui 93 palavras no original;2.5-10 tem 87 palavras. Filipenses 3.8-11 tem 78.

Os sinônimos são abundantes em Romanos (veja 1.18,21,25,29, etc.). Também em outras epístolas; por exemplo, em Filipenses: pleno conhe­cimento e todas percepção (1.9), puro e inculpável (1.10), glória e lou­vor (1.11), inveja e rivalidade (1.15), ardente expectativa e esperança (1.20), e assim se pode, com facilidade, continuar citando.

As sentenças justapostas, especialmente as descritivas da divinda­de, são freqüentemente de natureza litúrgica, quase sempre, encontra­das em hinos antigos de louvor a Jeová, Deus, Cristo, em breves confis­sões de fé e em doxologias. Paulo tem muitas delas. E igualmente os profetas as têm. São abundantes nas liturgias das sinagogas até os dias de hoje. Quando os crentes - individual ou coletivamente - estão cheios de gratidão a Deus, concederão humilde e entusiástica expressão deste senti­mento de gratidão e adoração, descrevendo, frases após frases, a grande­za, fidelidade e sabedoria e amor de Deus. Não se inicia Romanos com tamanha explosão de alegre testemunho? (1.3-5). Somem-se alguns dos exemplos mais claros: 2 Coríntios 1.3,4; 1 Timóteo 3.16; e daí voltando- se ao Antigo Testamento: Isaías 44.24-28; Salmos 103.2-5; 104.2-5; 136. Além destes, Colossenses 1.15-20, com suas sentenças justapostas, pode ser um hino citado por Paulo. Veja comentário sobre essa passagem.

E, finalmente, a respeito destas partículas, o argumento baseado ne­las tem pouco ou nenhum valor: âpa não ocorre em nenhum lugar em Filipenses; Sió apenas uma vez em Gálatas; Sióxi apenas uma vez duran­te toda a extensa primeira epístola de Paulo aos Coríntios; logo, apenas uma vez em todos os 29 capítulos da correspondência que chegou até nós, de Paulo aos Coríntios. Portanto, não constitui um bom argumento para rejeitar Colossenses como epístola genuína de Paulo, baseando-se no fato de que nos quatro capítulos daquela carta ôura não é encontrada. E é fácil explicar a relativa raridade de o iv em Colossenses em contraste com sua freqüência em Romanos e em 1 Coríntios. Isso provém do fato de que nestas epístolas de data mais antiga, o apóstolo está argumentando com aqueles a quem se dirige, visto que os está advertindo contra uma heresia.

Um dos mais recentes autores a negar a autoria paulina de Colos-

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INTRODUÇÃO 289

senses - e de todas as epístolas atribuídas tradicionalmente a Paulo, exceto Gálatas, Romanos, 1 e 2 Coríntios - é Andrew Morton. Ele ba­seia sua “prova” no uso que Paulo faz da conjunção, kai, significando, e também, até, etc. Com a ajuda de um computador, ele fortaleceu sua pressuposição de que um autor adota um padrão consistente no empre­go de suas conjunções. Logo, se se concorda que Gálatas é de autoria paulina, etc., mas indiscutível que o padrão kai, em Colossenses, difere do de Gálatas, etc., isso provaria que a tradição em considerar Paulo como o autor de Colossenses está errada.

Ora, se Morton pudesse provar que todo autor grego revela um pa­drão consistente no uso desta conjunção, não importando em que senti­do ele emprega o kai (se no sentido de e, também, até ou em algum sentido adversativo como e assim, todavia), não importando qual o con­teúdo ou natureza de sua composição (seja narrativa, descritiva, didáti­ca, hotativa ou doxológica), não importando quando, porque ou a quem ele escreve, e não importando quem ele emprega como secretário, e quanta liberdade ele concede a ele no uso do kai, então seu argumento teria algum valor. Da maneira como está, ele se baseia em poucas evidências. Conseqüentemente há verdade na crítica de William Toedtman: “Assim kais são os dados mais inexatos para se colocar num computador” {Time, 29 de março, 1963, pág. 8).

Portanto, após o exame de todos os fatos, fica claro que nada, na linguagem ou estilo de Colossenses, pode ser usado como argumento contra sua autenticidade.

(2) A heresia combatida aqui era a do gnosticismo do século 2". Logo, o Paulo do século 1B não poderia ter sido o seu autor.

O uso de palavras como plenitude (jcX,rípcD|ia, 1.19;2.9), mistério (liuaxifaiov, 1.26,27; 2.2; 4.3), épocas (ociâveç, 1.26), sabedoria (ao<|)ía , 1.9,28; 2.3,23; 3.16; 4.5) e conhecimento (yvamç, 2.3), bem como a concepção de uma série inteira de anjos (1.16; 2.10; 2.15) aponta para a heresia de Valentino.

Para explanação detalhada destes termos, consulte comentário apro­priado.

Resposta: É suficiente afirmar que no século 2Q, os gnósticos não encaravam Colossenses como direcionada contra suas crenças. Aliás, eles fizeram largo uso dela. E mais, está aumentando a evidência de que formas incipientes de gnosticismo já se encontravam presentes no séu- clo l fi.21

21. VejaJ.M. Bulman, “Valentinus andhis School”, em S.H.E.R.K. (20th Ocnlury lixk'iisiim),

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290 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

(3) A “alta Cristologia ” encontrada em Colossenses é antipauli- na. Lembra-nos antes da doutrina do Logos no Evangelho de João.

Resposta: É certamente verdade que em nenhum outro lugar nas epístolas reconhecidas pela Igreja como tendo sido escritas por Paulo, encontramos a doutrina da preeminência de Cristo e sua relação com o Pai, o universo, os anjos e a Igreja de forma tão abrangente como aqui em Colossenses. Mas não é totalmente provável que a ênfase sobre a singularidade de Cristo, sua supremacia sobre tudo, tenha surgido da negação implícita ou expressa da mesma, da parte dos hereges colos­senses? Certamente que a Cristologia aqui encontrada, apesar de mais detalhada, não é mais “elevada” do que a de outras epístolas escritas por Paulo, sejam as escritas antes (Rm 9.5, segundo a leitura correta; ICo 8.6; 2Co 4.4), sejam as escritas logo depois (Fp 2.6), e as escritas mais tarde ainda (lTm 3.16; Tt 2.13).

Sem dúvida, os argumentos contra a autoria paulina de Colossenses são antes de tudo superficiais. Fica claro que a carta foi escrita por Paulo (1.1; 4.18), além disso o caráter do apóstolo, como é revelado em suas outras cartas, é também claramente expresso aqui:

Primeiramente, Colossenses revela uma estreita semelhança com Efésios. Aquele que escreveu Efésios escreveu também Colossenses. Entretanto, este argumento tem pouco valor para os que rejeitam a auto­ria de Efésios até mais enfaticamente do que a de Colossenses, e Efésios será propriamente vista ao Comentário em Efésios.

Em segundo lugar, Colossenses reflete o mesmo tipo de autor que se dirige a nós nas páginas das epístolas paulinas quase universalmente reconhecidas, tais como Romanos, 1 e 2 Coríntios e Gálatas. Além do mais, Filipenses, sendo uma epístola da prisão, como Colossenses, pos­sui também a mesma marca de identidade. Note os itens comparativos nas tabelas a seguir.

Portanto, se a autoria paulina de Filipenses é admitida, como certa­mente o deveria ser (veja CNT em Fp, autoria), nos parece lógico con­cluir que Paulo tenha escrito também Colossenses. Note, portanto, a estreita semelhança no modo de se expressar. Somando-se à similarida­de já apontada (veja colunas 1 e 3 da tabela), chamo a atenção, em terceiro lugar, para o seguinte:

págs. 1146,1147 e a literatura ali mencionada; também F.L. Cross (org.), The Jung Codex: A Newly Discovered Gnostic Papyrus. Para um breve sumário do gnosticismo dos séculos 2e e 3«, veja o artigo de A.M. Renwick, “Gnosticism” no Baker \'s Dictionary o f Theology, págs. 237,238.

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INTRODUÇÃO 291

1. O autor está profun­damente interessado naqueles a quem se dirige

2. Gosta de encorajá- los e elogiá-los

3. Direciona a Deus toda virtude daqueles aos quais se dirige, rendendo toda a glória somente a ele

4. Escreve de maneira comovente a respeito da supremacia do amor

5. Está cheio de grati­dão a Deus, que se apoderou dele e o fez ministro do evange­lho, apesar de não ser merecedor

6. Cita listas de virtu­des e vícios

1Colossenses

1.3,9; 2.1

1.4-6; 2.5

1.5,12,29

3.12-17

1.23,25

3.5-9,12-14

ICo2Co

Romanos, 1 e 2 Corínti- os, Gálatas

Rm 1.8,9; ICo 3.1,2; 2Co 1.6,23; G1 4.19,26

Rm 1.8 15.14 16.19 1.4-7 8.7; G1 4.14,15;5.7

Rm 8.28-30; ICo 1.4;12.4-11;2Co 1.3-4; 2.14; G1 5.22-25 Rm 12.9-21;

ICo 13; 2Co 5.14; 6 .6 ; 11. 11; 12.15; G15.6,13,14,22

ICo 15.9; 2Co11.16;12.10; G11.15-17Rm 1.29-32;

ICo 5.9,10;6.9,10; G1 5.22,23.

Filipenses

1.3-11,25.26; 2.25-30

4.1,15-17

1.6; 3.9; 4.13

1.9,16; 2.1,2

3.4-14

3.2,19; 4.8

3

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292 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

1 2 3Colossenses Romanos, 1

e 2 Corínti- os, Gálatas

Filipenses

7. Nunca receia asseve­ 2.1-4.6 Rm 12-16; 2.12-18; 4.1-rar sua autoridade ICo 5.13;

16.1; 2Co 13.1-5

9

8. Quando as condições são favoráveis, ele dá graças a Deus por aqueles a quem se dirige e lhes assegu­ra suas constantes orações por eles

1.3-12 Rm 1.8-12; ICo 1.4-9; 2Co 1.3-7.

1.3-11

9. Adverte ardentemen­te contra os que procuram desviar os outros do caminho

Capítulo 2 Rm 6.17,18; ICo 1.10­17; 5.1; 6.1; Capí­tulo 11; 2Co 13; G1 1.6-10, etc.

Capítulo 3

10. Ama “o evangelho” 1.5-7,23 Rm 1.16,17; 2.16 (“meu evange­lho”); ICo 15.1; G1 1.6-9

1.5,7,12,16,27,etc.

Os versos 9-11 do primeiro capítulo, em ambas as epístolas (Co- lossenses e Filipenses), contêm um sumário da oração do apóstolo pro­ferida em favor daqueles a quem se dirige. Note que, apesar das duas orações não serem de modo algum as mesmas, existe uma notável seme­lhança: o autor ora para que seus amigos cresçam ou se plenifiquem em graça, produzam frutos em abundância e possuam de maneira sempre crescente o verdadeiro e empírico conhecimento de Deus.

Com relação aos que foram reconciliados com Cristo, Colossenses1.22 mostra que o propósito de Deus é apresentá-los a ele mesmo ir­repreensíveis (inculpáveis). Filipenses 2.15 indica que essa qualidade

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INTRODUÇÃO 293

de irrepreensível deve ser o alvo do crente, não apenas dentro em breve, mas mesmo aqui e agora. Um importante meio para esse fim é a palavra ou mensagem de Deus, como está claro em Colossenses 1.25 e Filipen- ses 1.14. A perfeição é sempre o alvo (Cl 1.28; cf. Fp 3.12). O Espírito de Cristo é o provedor de força (Cl 1.8; e veja v.29; cf. Fp 1.19 e veja 3.21). Quanto a si mesmo, Paulo está preenchendo o que resta dos sofrimentos de Cristo (Cl 1.24), assim como Epafrodito preencheu o que faltava do serviço que os filipenses estavam prestando a Paulo (Fp 2.30). Note os sofrimentos ou aflições de Cristo dos quais fala Colos­senses. Também Filipenses fala do desejo do apóstolo de conhecer a comunhão dos seus sofrimentos (Fp 3.10). Naturalmente, se os colos­senses vão continuar a frutificar mais e mais, deverão apegar-se à ver­dade como a aprenderam de Epafras (Cl 1.7), assim como os filipenses devem continuar na verdade como a aprenderam de Paulo (Fp 4.9).

Examinando agora o segundo capítulo de Colossenses, notamos que Paulo enfrenta um gigantesco conflito em relação aos apelos colos­senses, etc. (Cl 2.1). Em Filipenses, ele faz igual menção de um conflito no qual eles e o próprio Paulo estão envolvidos (Fp 1.30). A ausência física de Paulo não impede sua comunhão espiritual com os colossenses (Cl 2.5) e não deveria impedir os filipenses de permanecerem firmes (Fp1.27). Existe referência a um tipo de circuncisão que ultrapassa o mero aspecto físico (Cl 2.11). Isso nos lembra imediatamente de Filipenses 3.3. Nos escritos tradicionalmente atribuídos a Paulo, apenas nestas epístolas da prisão (Cl 2.18,23; 3.12; Ef 4.21; Fp 2.3) ele usa uma palavra (xaíieivottJpoaúi/ri) que, dependendo do contexto, tem sido tra­duzida de forma variada como auto-humilhação, humildade, subordi­nação. Note também o uso freqüente do verbo eu preencho, cumpro ou desempenho (ji^opóco). No segundo capítulo de Colossenses, esse ocorre no v.10 (veja também 1.9,25; 4.17). Isso nos lembra Filipenses 1.11; 2.2; 4.18,19. O número de vezes que esse verbo é usado em Colossen- scs, Efésios e Filipenses contrasta de maneira gritante com sua freqüên­cia, bem menor, em outras epístolas (veja ainda comentário em Cl 1.19, incluindo a nota de rodapé 59).

O rumo celeste para o qual deveriam voltar-se os anseios do cora­ção, segundo Colossenses 3.1,2, está certamente em acordo com a cha­mada celeste que o crente recebeu segundo Filipenses 3.14. As coisas da terra (Cl 3.2), coisas que não devem absorver nosso interesse, estão cm harmonia com as coisas terrenas sobre as quais os inimigos da cruz ilc Cristo fixam sua atenção (Fp 3.19). O coração compassivo que nos i‘ exigido em Colossenses 3.12 é semelhante aos afetos de misericórdia

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294 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

entranhados mencionados em Filipenses 2.1. A maravilhosa referência à paz de Deus (Cl 3.15) nos faz lembrar uma passagem confortadora, semelhante, em Filipenses (4.7).

Finalmente, com respeito a Colossenses 4, a menção de algemas (4.18; cf. Fp 1.7,13.4.17; Fm 10,13) é peculiar às epístolas do primeiro aprisionamento romano de Paulo (exceto por uma ocorrência em 2Tm 2.9). E a concisão da ordem: “E dizei a Arquipo: atenta para o ministé­rio que recebeste no Senhor para que o cumpras” (Cl 4.17) nos lembra de palavras semelhantemente diretas: “Rogo a Evódia e rogo a Síntique que tenham a mesma disposição no Senhor” (Fp 4.2).

O testemunho da Igreja primitiva está em harmonia com a conclu­são advinda da própria epístola.

Assim, havendo Eusébio feito uma completa investigação da litera­tura sob sua responsabilidade, diz: “Mas claramente certo e evidente são as quatorze (cartas) de Paulo; ainda assim não é certo ignorar que alguns disputem a (carta) de Hebreus” (História Eclesiástica III, iii, 4.5). Eusébio, obviamente escrevendo no início do século 4°, sabia que a Igreja Ortodoxa inteira aceitava Colossenses como tendo sido escrita por Paulo.

De Eusébio podemos voltar a Orígenes (cerca de 210-250), que afir­ma em seu trabalho Contra Celso: “E nos escritos de Paulo... as seguin­tes palavras podem ser lidas na Epístola aos Colossenses: que ninguém arbitrariamente lhes roube do seu prêmio”, etc., citando Colossenses 2.18,19. Note que aqui Paulo é especificamente mencionado como o autor desta carta. Em vários de seus trabalhos, Orígenes cita trechos de cada capítulo de Colossenses.22

Partindo de Orígenes podemos retroceder ainda mais longe, até seu mestre Clemente de Alexandria (cerca de 190-200 d.C.).

Em sua obra Stromata ou Miscelâneas, ele se refere ou faz citações de cada capítulo, mais de uma vez. Para ele, o autor de Colossenses é “o apóstolo”. Também, no seu Pedagogos ou Instructor, ele cita Colossen­ses repetidamente.

Mais ou menos na mesma época, Tertuliano (cerca de 193-216 d.C.) cita a advertência contra “a filosofia do vão engano” (Cl 2.8) e atribui tal advertência “ao apóstolo”, exatamente a pessoa a quem chama de “o mesmo Paulo” (Prescrição contra os Heréticos VII, e cf. VI). Além

22. Para obter referências detalhadas de Orígenes e também de escritores primitivos, veja a biblio­grafia de Ante-Nicene Fathers.

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INTRODUÇÃO 295

disso, ele cita Colossenses repetidas vezes, passagens tais como as que se referem à grandeza de Cristo. Veja especialmente sua obra Contra Marcião.

Poucos anos antes, mas ainda contemporâneo de Clemente de Ale­xandria e de Terguliano, havia Irineu. Está claro pelas suas palavras que ele considera Paulo como o autor de Colossenses: “O próprio Paulo declarou... ‘Apenas Lucas está comigo’. E novamente diz na Epístola aos Colossenses: ‘Lucas, o médico amado os saúda”’ (Cl 4.14, veja Contra Heresias III. xiv.l). Nem um único capítulo de Colossenses permanece sem ser citado ou referido nos trabalhos de Irineu. Portanto, quando ele atribui Colossenses a Paulo, seu testemunho deve ter um peso considerável. Ele havia viajado muito e estava intimamente familiarizado com quase a totalidade da igreja dos seus dias, vivendo numa época em que as tradições apostólicas mais primitivas ainda estavam muito vivas.

A análise dos livros do Novo Testamento, O Fragmento Muratori- ano (mais ou menos 180-200 d.C.), definitivamente nomeia Paulo como o autor de Colossenses.

Pouco antes disso, Teófilo de Antioquia elabora uma distinção entre o Logos interno e o Logos emitido, e chama a este Logos, no seu estado emitido, de “o primogênito de toda a criação” (A Autolycus XXII), o que veementemente nos lembra Colossenses 1.15. Essa frase ocorre tam­bém no Diálogo com Trifo LXXXV, de Justino Mártir. Ele o escreveu em alguma época entre 155 e 161.23 A epístola aos Colossenses também estava incluída no cânone de Marcião, no antigo latim e no antigo sirí- aco. O testemunho em favor da autoria de Paulo é, portanto, esmaga­dor. O testemunho tanto interno quanto externo leva a uma única con­clusão, a saber, que foi Paulo quem escreveu Colossenses.

B. FilemomJá que a pequenina carta a Filemom está estreitamente ligada a Co­

lossenses (Cl 4.10-17; cf. Fm 2.23,24), a autoria paulina desta constitui forte argumento em favor da idêntica autoria daquela. Além do mais, o escritor não apenas chama a si mesmo de Paulo, e isso não menos do que três vezes (vv. 1,9,19), mas o pedido que apresenta, e que constitui o tema e matéria da carta, é de caráter tão definido e pessoal que não se pode dar nenhuma boa razão pela qual um falsificador a teria compos­

23. É provável que haja um eco de Colossenses em escritos tão primitivos quanto a Epístola de Bamabé e a Epístola aos Efésios de Inácio; mas, por que procurar por prováveis referências quando tanta prova clara já foi fornecida?

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296 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

to. E mais, a personalidade de Paulo - combinando traços tais como profundo interesse pelos outros, prazer em mencionar as boas qualida­des deles, a convicção de que por trás de toda virtude humana está Deus como o Doador e a ênfase no espírito de bondade e perdão - marca essa pequena jóia de carta de maneira tão admirável quanto o faz com Colos- senses.

Não é de se surpreender, portanto, que Eusébio tenha dado a File- mom um lugar na sua lista de livros reconhecidos (História Eclesiásti­ca III. xxv; cf. Ill.iii), e que a tenha considerado como uma das cartas de Paulo: “verdadeira, genuína e reconhecida”. Orígenes igualmente a aceita como carta de Paulo (Hom. in Jer. 19). Tertuliano estava bem familiarizado com ela e por causa do seu testemunho sabemos que até Marcião a aceitou, apesar de aquele herege rejeitar 1 e 2 Timóteo e Tito (Tertuliano, Contra Marcião V.xxi). E provável que Inácio tenha toma­do emprestado de Paulo seu jogo de palavras feito em cima do nome próprio Onésimo (cf. Fm 10,11,20 com Inácio, Aos Efésios, cap. 2). A carta é também encontrada no Fragmento Muratoriano nas versões em latim e siríaco antigos.

O fato de que as evidências externas para a carta a Filemom não são tão extensivas quanto às de algumas das outras epístolas de Paulo, é fácil de compreender: o pedido de uma recepção bondosa a um escravo fugitivo é muito resumido e contém pouco material que poderia ser usa­do em controvérsias religiosas. Entretanto, sua aceitação tem sido qua­se universal desde o início. Um ataque contra ela nos séculos 4S e 5B - com base no fato de que era indigna da mente de Paulo e sem valor para a edificação - foi respondido por Jerônimo (Comm. de Philem, pref.) e outros. Um ataque bem mais tarde por F. C. Baur estava em acordo com sua rejeição da autenticidade da maioria das epístolas tradicionalmente atribuídas a Paulo,24 e provinha da mesma parcialidade filosófica. Ele chamou a pequena carta de “o embrião de um conto cristão”, e se refere ao fato de que quem quer que o tivesse escrito empregou algumas pala­vras que o verdadeiro Paulo jamais usaria. Seus argumentos são tão facilmente respondidos que nem merecem comentários. Com justiça um autor chama esse ataque contra a autoria paulina de Filemom de “um dos maiores disparates de Baur”. Tudo nessa carta aponta tão clara­mente para Paulo que os que pensam de modo diferente são hoje uma pequena minoria.

24. Veja o exame detalhado na obra importante de Ernst Percy, Die Probleme der K olosser-und Epheserbriefe, 1946.

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C o m e n t á r io d a E p ís t o l a a o sCOLOSSENSES

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ESBOÇO DE COLOSSENSES

Tema: Cristo, o preeminente, o único e Todo-suficiente SalvadorI. Esse único e Todo-suficiente salvador é o objeto da fé do crente

- capítulos 1 e 2A. Essa verdade positivamente explanada - capítulo 1

1. Saudação introdutória2. Fervente ação de graças e oração3. A preeminência do Filho

a. Na criaçãob. Na redenção

4. Seu amor reconciliador para com os Colossenses e, como resul­tado, o dever destes de permanecer na fé

5. A parte que cabe ao apóstolo na proclamação do “mistério”, a saber, “Cristo em vocês, a esperança da glória”

B. Essa verdade explanada não apenas positivamente, mas, agora, positiva e negativamente (cap. 2), sendo a última contra a “here­sia colossense” com sua:1. Filosofia ilusória2. Cerimonialismo judaico3. Adoração de anjos4. Ascetismo

II. Esse único e Todo-Suficiente Salvador é a Fonte de Vida do Crentee, portanto, a Verdadeira Resposta aos perigos que os confrontam- capítulos 3 e 4A. Essa verdade aplicada a todos os crentes (3.1-17)

1. Os crentes devem ser consistentes. Devem viver em conformi­dade com o fato de que foram ressuscitados com Cristo, que é a vida deles

2. Portanto, devem “fazer morrer” e “deixar de lado” os velhos vícios e

3. Devem “revestir-se” das novas virtudesB. Essa verdade aplicada a grupos especiais (3.18; 4.1)

1. Esposas e seus maridos2. Filhos e seus pais3. Servos e seus senhores

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C. Admoestações finais, saudações, etc. (4.2-18)4. Incentivo à oração5. Ênfase na conduta sábia e palavras bondosas6. Uma boa palavra em favor de Tíquico e Onésimo, que foram

enviados portando notícias e encorajamento7. Saudações8. Pedido de troca de cartas9. Ordem clara e Arquipo10. Saudação final

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Tema: Cristo, o preeminente, o único e Todo-suficiente SalvadorI. Esse único e Todo-suficiente Salvador é o objeto da fé do crente

- capítulos 1 e 2A. Essa verdade positivamente explanada (capítulo 1)

1.1,2 1. Saudação introdutória1.3-14 2. Fervente ação de graças e oração1.15-20 3. A preeminência do Filho

a. Na criação (vv.15-17)b. Na redenção (vv. 18-20)

1.21-23 4. Seu amor reconciliador para com os Colossenses, e, como resultado, o dever destes de permanecer na fé

1.24-29 5. Aparte que cabe ao apóstolo na proclamação do “mistério”, a saber, “Cristo em vocês, a esperança da glória”

ESBOÇO DO CAPÍTULO 1

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C a pítu lo 1

COLOSSENSES

1 1 Paulo, um apóstolo de Cristo Jesus, por vontade de Deus, e Timóteo, nosso ir­mão, 2 aos santos e irmãos crentes em Cristo em Colossos; graça e paz a vocês da parte de Deus nosso Pai.

1. 1,2

I. Saudação introdutória1. Apesar de Paulo estar no mundo e de usá-lo, ele não é do mundo.

Como escritor de cartas, lança mão dos recursos literários do mundo, mas nesse processo ele os transforma, elevando-os a um nível superior. Nos dias de Paulo, o homem do mundo, com freqüência, iniciava uma carta escrevendo: a. o nome do escritor; b. o nome da pessoa (ou pes­soas) a quem se endereçava; c. as palavras de saudação. O apóstolo segue o mesmo método, mas embeleza e santifica tudo por meio da imediata relação do remetente e dos destinatários com Cristo (“um após­tolo de Cristo Jesus”, “irmão em Cristo”), e falando a respeito da obra de Cristo (“graça e paz”) logo na saudação de abertura da carta.

O apóstolo escreve: Paulo, um apóstolo de Cristo Jesus. Ele se apresenta como sendo, no pleno sentido da palavra, um representante oficial do Salvador Ungido, o seu porta-voz. A Cristo Jesus ele deve a sua nomeação e a sua autoridade. Foi do Senhor ressurreto e exaltado que Paulo havia recebido essa difícil, porém gloriosa, tarefa de ser um apóstolo, sim, o apóstolo dos gentios, não exclusivo, mas especialmen­te deles (At 9.5,6,15,16; 22.10-21; 26.15-18; Rm 1.1,5; G1 1.1; 2.9).

Paulo prossegue: por vontade de Deus. Ele havia obtido esse alto posto não por aspiração (veja At 9.11), nem por usurpação - isso não combinava com Paulo - nem ainda por nomeação feita por outros ho­mens (G11.1,16,17), e, sim, pela preparação divina (G11.15,16), tendo sido separado e qualificado pela ação da soberana vontade de Deus (ICo 1.1; 2Co 1.1; G1 1.1; Ef 1.1; 2Tm 1.1; cf. Rm 15.32; 2Co 8.5).

Paulo acrescenta: e Timóteo, nosso irmão (cf. 2Co 1.1; Fp 1.1; ITs 1.1; 2Ts 1.1; Fm 1). Isso não é de admirar, já que aqui Timóteo

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302 COLOSSENSES 1.1

estava evidentemente próximo a Paulo e desejava também estender suas saudações. Além do mais, Timóteo gastara algum tempo com Paulo em Éfeso durante a terceira viagem missionária (At 19.1,22), e pôde, por­tanto, tornar-se conhecido de algumas pessoas em Colossos que presumivelmente vieram, na época, ouvir Paulo (At 19.10). Ao chamar Timóteo de “nosso irmão”, apesar de dar a entender que seu jovem companheiro não era apóstolo no pleno sentido da palavra, Paulo esta­va enfatizando a intimidade do relacionamento entre os dois. O apósto­lo amava a Timóteo profunda e ternamente (Fp 2.19-23). Paulo, Timó­teo e os membros da igreja colossense pertenciam todos à mesma famí­lia espiritual. No entanto, é Paulo, e apenas Paulo, quem deve ser con­siderado o verdadeiro autor da carta (note as palavras “eu, Paulo”, em Cl 1.23; cf. 1.24-2.5; 4.3,7-18), e não Timóteo.

Paulo prossegue: aos santos e irmãos crentes em Cristo em Colossos. Os santos são aqueles que foram separados pelo Senhor a fim de glorificá-lo. São os consagrados, e aqui são o Israel da nova dispensação, cuja tarefa é proclamar as virtudes de Deus (IPe 2.9). Santos, então, são pessoas às quais o Senhor concedeu um grande privi­légio e a quem confiou pesada responsabilidade. Preferencialmente, os santos são crentes. Então, aqui também a frase: “aos santos e irmãos crentes em Cristo” (note que a preposição a + o artigo definido aos, não é repetida antes do segundo substantivo) expressa um pensamento, pois os santos que fazem jus ao seu chamado são, é claro, irmãos crentes, e isso “em Cristo”, por virtude da união com ele. O acréscimo das pala­vras “em Colossos” demonstra que essa carta foi escrita, em primeiro lugar, para aquela congregação, apesar de, num sentido secundário, tam­bém ser dirigida à igreja da vizinha Laodicéia (4.16) e, aliás, a cada uma das igrejas de toda a nova dispensação.

A saudação propriamente é a seguinte: graça e paz a vocês da par­te de Deus nosso Pai. Assim, é pronunciada sobre todos os santos e irmãos crentes em Cristo, em Colossos, a graça - isso é, o favor espon­tâneo e imerecido de Deus em ação - , sua soberana e graciosamente concedida misericórdia em operação, e seu resultado, a paz, isto é, a certeza da reconciliação pelo sangue da cruz, a verdadeira plenitude e prosperidade espirituais, essas duas bênçãos (graça e paz) fluindo de “Deus nosso Pai”. Portanto, o cumprimento grego “saudações” (chaírein, cf. At 15.23) e em hebraico, “paz” (shãlõm, cf. Jz 19.20) são aqui com­binados, aprofundados e enriquecidos. A grafa (cháris) é aquela referi­da em Efésios 2.8: “... pela graça vocês foram salvos por meio da fé, e isso não vem de vocês; é dádiva de Deus”. A paz (eirêriê) é aquela gran­

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COLOSSENSES 1.1 303

de bênção que Cristo nos deu por herança como resultado de sua morte expiatória (Jo 14.27). Ultrapassa toda a compreensão (Fp 4.7). Note a brevidade desta saudação que abre a carta. É quase a mais curta de todas as epístolas de Paulo (lTs 1.1 contém o menor número de palavras: Rm 1.1-7 contém o maior). Aqui, em Colossenses, está faltando a referên­cia adicional costumeira à segunda pessoa da Trindade: “e o Senhor Jesus Cristo” (como em Rm, 1 e 2Co, Gl, Ef, Fp, 2Ts e Fm), “e Cristo Jesus nosso Senhor” (como em 1 e 2Tm), “e Cristo Jesus nosso Salvador” (como em Tt). A razão disso é desconhecida. Uma coisa é certa: o apóstolo não está de modo algum depreciando a glória e majestade de Cristo. Não está tentando exaltar o Pai às expensas do Filho, pois essa é exatamente a epístola em que a segunda Pessoa da Trindade, sua preeminência sobre todas as criaturas incluindo todas as hostes angelicais, e sua suficiência plena para a salvação, estão colocadas da maneira mais clara e são mais fortemente enfatizadas. Seria possível que qualquer menção ao Senhor Jesus Cristo seja aqui propositalmente omitida para que, em efeito contrastante, ele seja destacado a fim de ser especialmente discutido nos versos seguintes? Note a menção específica de “nosso Senhor Jesus Cris­to” no verso 3, e referências posteriores a ele nos versos 4 e 7, e especial­mente no parágrafo a respeito do amor de Deus nos versos 15-20.

Para maiores detalhes sobre certos aspectos das saudações iniciais de Paulo, veja CNT, Introdução, em 1 e 2 Tessalonicenses, Filipenses, 1 e 2 Timóteo e Tito.

3 Quando oramos por vocês, damos sempre graças a Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, 4 porque ouvimos da sua fé em Cristo Jesus e do amor que vocês nutrem por todos os santos, 5 por causa da esperança que está preservada para vocês nos céus, da qual antes vocês ouviram antes na mensagem da verdade, a saber, o evange­lho, 6 cuja entrada se fez sentir entre vocês, assim como no mundo inteiro certamente está produzindo fruto e crescendo - assim também tal acontece entre vocês desde o dia em que vocês ouviram e entenderam a graça de Deus no seu genuíno caráter, 7 como aprenderam de Epafras, nosso amado conservo, que é fiel ministro de Cristo em nosso favor, 8 e nos relatou do amor de vocês no Espírito.

9 E por essa razão, desde o dia em que ouvimos isso não cessamos de orar por vocês, pedindo que vocês possam ser cheios do pleno conhecimento da sua vontade | tal pleno conhecimento consistindo] em toda a sabedoria e conhecimento espiritual, 10 para que vivam vida digna do Senhor, para [o seu] completo deleite, frutificando cm toda boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus, 11 sendo fortalecidos com todo poder, segundo a força da sua glória, a fim de exercer toda a perseverança c longanimidade, 12 com alegria dando graças ao Pai que os capacitou à parte que lhes cabe por herança dos santos na luz 13 e que nos resgatou do domínio das trevas c nos transportou para o reino do Filho do seu amor, 14 em quem temos nossa reden­ção, o perdão dos nossos pecados.

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304 COLOSSENSES 1.3

1.3-14II. Fervente ação de graças e oração

1.3-8A. Ação de graças

3. Quando oramos por vocês, damos sempre graças a Deus. Emcartas daquele tempo a saudação inicial era freqüentemente seguida de agradecimento. Assim, uma carta antiga diz: “Agradeço ao Senhor Serápis que me salvou imediatamente quando eu estava em perigo no mar.”25 Essa seqüência - saudação seguida de ação de graças - é tam­bém paulina.26 No entanto, Paulo não agradece a nenhuma divindade pagã e, sim, ao único Deus verdadeiro. A espontânea ação de graças de Paulo, à qual se junta Timóteo,27 e que, segundo o testemunho explícito do apóstolo, é sempre28 um elemento na oração em favor dos colossenses, é oferecida a Deus o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Rm 15.6; 2Co 1.3; 11.31; Ef 1.3; 3.14). Nosso Senhor, que tem o direito ao nome, pois comprou seu povo com seu próprio sangue e seu Soberano Mestre, a quem, como o Salvador Ungido, Paulo alegremente atribui essa hon­ra, é a própria essência do Filho de Deus. Ele é Filho por natureza. Nós somos filhos por adoção. Ele tem o direito de chamar Deus de “meu Pai” (Mt 26.39,42), e de fazer a majestosa asserção: “Eu e o Pai somos

25. A. Deissmann, Lightfrom the Ancient East (traduzido do alemão por L.R.M. Strachan, quarta ed„ 1992, págs. 179,180).

26. Os comentaristas estão de acordo que, em quase todas as suas cartas, a ação de graças e/ou a doxologia seguem a saudação. Nos detalhes existe uma certa confusão. Segundo alguns comentaris­tas, completamente conservadores, em todas as cartas de Paulo, “exceto Gálatas”, a saudação inicial é seguida por ação de graças. Estão esses comentaristas despercebidos do fato de que, por implica­ção, estão capitulando a autoria paulina de Ti to? Isso não deveria ser feito (veja C N T 1e 2 Tm e Tt, Introdução II e nota de rodapé sobre autoria no início de Tt 2). Entretanto, segundo outros, a ação de graças é omitida não apenas em Gálatas e Tito, mas também em 1 Timóteo. Ora, é certamente verda­de que naquela carta a saudação introdutória não é imediatamente seguida de ação de graças ou doxologia. Após um parágrafo interveniente (1 Tm 1.3-11), existe também aqui, no entanto, uma ação de graças iniciando com o verso 12. Resumindo corretamente esse assunto, devemos destacar que em todas as epístolas de Paulo, com exceção de Gálatas e Tito, a saudação inicial é seguida imediatamente, ou pouco tempo depois, de ação de graças e/ou doxologia (A respeito de doxologia, veja2Co 1.3 segs.; a respeito de doxologia e ação de graças Ef 1.3 segs., e 1.15 segs.).

27. Já que ambos, Paulo e Timóteo, são mencionados no contexto imediatamente precedente (v. 1). é natural interpretar-se o “nós” do v.3 como se referindo a eles em vez de a um epistolário plural (veja CNT em lTs 3.1, nota de rodapé da letra d).

28. Apesar de ser gramaticalmente possível (como em A. V. e A.R. V.) combinar sempre com orando, é melhor concordá-lo com agradecendo. Isso é verdade em vista do contexto que segue imediatamente (vv.4-8) nos quais as razões para as ações de graças são enumeradas, e também em vista de 1 Coríntios 1.4;Efésios 1.16; Filipenses 1.3; 1 Tessalonicenses 1.2;2Tessalonicense 1.3;eFilemom3.

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COLOSSENSES 1.4,5a 305

um” (Jo 10.30; cf. 14.9). Chamar a Deus de “o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” tem um propósito bem prático, e o apóstolo demonstra isso claramente em 2 Coríntios 1.3. Em sua função de Pai de nosso Senhor Jesus Cristo ele é “o Pai de misericórdia e Deus de toda conso­lação”. Toda sorte de bênçãos espirituais fluem até nós vindas do Pai via Cristo. E se Cristo é “o Filho do amor de Deus”, como Paulo afirma nesse mesmo capítulo (Cl 1.13), então Deus deve ser o Pai de amor, o Pai amoroso. Note também essa linda palavra de apropriação de fé, a saber, nosso: “o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”. Por conseguinte, ele é nosso Pai no mais sublime e confortador sentido da palavra. Que grande motivo para se render graças.

4,5a. Paulo diz: “Quando oramos por vocês, damos sempre graças a Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”, porque ouvimos da sua fé em Cristo Jesus e do amor que vocês nutrem por todos os santos. A simples construção dos versos 4-8, com certeza, é do que trata a seção, que declara as razões para a ação de graças. A petição propriamente dita inicia-se no verso 9. Ambas, ação de graças e petição, pertencem à essência da oração (Fp 4.6). Ora, a menção antecipada dos motivos da ação de graças a Deus, com respeito a certas condições básicas em Colossos, constitui também excelente psicologia cristã. Havia perigos ameaçando a igreja. Assim, certas fraquezas estão claramente suben­tendidas (3.5-11; cf. 2.4,8 etc.). Mas antes mesmo de Paulo começar a se referir a essas coisas, primeiro ele assegura àqueles aos quais é endereçada essa carta, de que ele está convencido da evidente ação da graça de Deus na vida deles. Que lição para cada pai, conselheiro, pro­fessor e pastor, especialmente nos casos onde são necessárias advertên­cias ou reprimendas. Existe algo chamado tato cristão (veja O que a Bíblia diz sobre tato, no Apêndice), que está em harmonia com a hones­tidade.

Paulo menciona o fato de que ele e Timóteo ouviram (veja v.8) a respeito da fé dos colossenses em Cristo Jesus, isso é, sua confiança permanente e entrega pessoal ao Salvador Ungido.29 Com a fé em Cristo Jesus ele associa o amor por todos os santos. Esses dois andam sempre juntos, pois a fé opera por meio do amor (G15.6). O mesmo Imã, Cristo Jesus,30 que atrai pecadores a si e os transforma em santos, os agrega

29. Alguns são de opinião que, já que a preposição èv é usada, e não eíç, Cristo não pode ser considerado como o objeto da fé, mas deve ser visto como a esfera na qual a fé é exercida. Essa interpretação desconsidera a flexibilidade do uso com relação ao verbo jnaxeúco e suas preposições e casos. Veja Grammar NTBl. Debr., seções 187 (6), 206 (2), 233 (2), 235 (2), 397 (2).

30. A questão: “Por que Cristo Jesus em vez de Jesus CristoT’ é discutida no CNT de 1 e 2 Timóteo e Tito, Introdução. ,

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306 COLOSSENSES 1.4,5a

em comunhão íntima uns com os outros. Então, idealmente falando, todo crente guarda no coração os seus irmãos na fé, qualquer que seja o seu local de moradia e a sua raça (Jo 13.34; Fp 1.7,8; lJo 4.7-11). Paulo prossegue: por causa da esperança que está preservada para vocês nos céus. Assim ele acrescenta agora a esperança à fé e ao amor, completando a tríade familiar.31 No Novo Testamento, essa tríade não está limitada aos escritos de Paulo. Ela também ocorre freqüentemente na literatura subapostólica. E inteiramente possível que Paulo não a tenha inventado. Aliás, essas mesmas graças se destacam nos ensinamentos e no ministério de Jesus. Enquanto na terra, o Senhor salientou repetidamente a importância da fé (Mt 6.30; 8.10,26; 9.2,22,29; 14.31; 15.28; 16.8; 17.20; 21.21; 23.23, etc.). Sua própria presença, palavras de ânimo, vivas e belas promessas e obras da redenção inspi­ram esperança, mesmo quando ele não empregou de fato a própria pa­lavra (Mt 9.2; 14.27; Mc 5.36; 6.50; 9.23; Jo 11.11,23,40; IPe 1.3, etc.). Ele colocou grande ênfase no amor, e certamente o considerava como a própria essência da lei e do evangelho, o mais importante da tríade (Mt 5.43-46; 19.19; Jo 13.34,35; 14.15,23; 15.12,13,17; 17.26; 21.15,16,17, etc.). Freqüentemente ele combinou esses três do modo mais natural possível. Um admirável exemplo disso é encontrado em João 11:

1. Amor“Ora, Jesus amava (ou: tinha em alta estima) a Marta e a sua irmã e a Lázaro” (v.5).

“Então os judeus diziam: Vejam como ele (constantemente) o ama­va” (v.36).

2. Esperança“Essa enfermidade não é para morte...” (v.4).“Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou a fim de despertá-lo”

( v . l l ) .“Eu sou a ressurreição e a vida; aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá, e todo aquele que vive e crê em mim, nunca mais morrerá” (vv.25,26a).

Apesar de nenhuma destas afirmações conter a palavra esperança, todas a inspiram.

31. VejaA.M. Hunter, “Faith, Hope, Love - A Primitive Christian Triad”, E T xlix (1937-1938), pág. 428 segs.

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COLOSSENSES 1.4,5a 307

3. Fé“Você crê nisso? (v.26b) (note quão intimamente estão relacionadas a esperança e a fé)

“Eu não disse que se crêr você verá a glória de Deus?” (v.40)Outra surpreendente combinação de amor, fé esperança é encontra­

da no sermão do cenáculo, proferido por Cristo na noite em que ele lavou os pés dos discípulos, instituiu a Ceia do Senhor e foi traído. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13.1). Ao lavar os pés de seus discípulos e dar-lhes o novo mandamento (que continueis a amar uns aos outros”), ele sublinhou a importância do amor (13.34). imediatamente depois exortou seus discípulos a cultiva­rem a fé em Deus e nele: “Que os seus corações não fiquem mais pertur­bados. Continuem a confiar em Deus, e também em mim” (14.1). E de forma enérgica ele os inspirou com a esperança, assegurando-lhes: “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim eu lhes teria dito; pois eu vou lhes preparar um lugar. E quando eu for e lhes prepa­rar lugar, virei outra vez e os levarei para estarem face a face comigo, para que onde eu estiver vocês estejam também” (14.2,3).

Assim sendo, não é de se surpreender que vamos nos deparar com essa tríade nos escritos inspirados daqueles que haviam incorporado o exemplo e ensinamentos de Cristo. Os três elementos que compõem a tríade são dispostos de várias maneiras:

a. fé, esperança e amor (Rm 5.1-5; ICo 13.13 - a mais conhecida de todas as passagens onde aparece a tríade; Hb 10.22-24; IPe 1.21,22).

b. fé, amor e esperança (Cl 1.4,5; lTs 1.3; 5.8).c. esperança, fé e amor (IPe 1.3-8).d. amor, esperança e fé (Ef 4.2-5; Hb 6.10-12).Todavia, alguns têm tido dificuldade com o fato de Paulo, em

Colossenses 1.4,5, onde ele segue a seqüência usada no item b., parecer estar dizendo que a fé dos colossenses e o seu amor são baseados na esperança. Note as palavras: “pela razão da esperança”. Como pode a esperança ser a razão da fé e do amor? Muitos intérpretes, talvez em desespero para encontrar uma saída para essa dificuldade, lançam mão do recurso da reconstrução da sentença, ou pelo menos das idéias nela expressas, a fim de se livrarem da idéia de que a fé e o amor poderiam ser baseados na esperança.32 Entretanto, tal remanejamento da sentença

32. Ao lerem os versos 3-5 alguns os interpretam do seguinte modo: “Quando oramos por vocCs estamos sempre agradecendo a Deus... porque ouvimos da sua f é em Cristo Jesus e do amor que

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308 COLOSSENSES 1.4,5a

é totalmente desnecessário. As atitudes e atividades mentais e morais cristãs, tais como crer, esperar e amar, agem umas sobre as outras. Em geral, quanto mais se tem de uma, tanto mais se terá da outra. Isso é verdade também com relação à esperança. Ela age grande e benefica­mente sobre a fé e o amor.33 A esperança cristã não se constitui de mero desejo. É um anseio fervente, confiante expectação e espera paciente pelo cumprimento das promessas de Deus, uma certeza plena centrali­zada em Cristo (cf. Cl 1.27) de que essas promessas certamente se realizarão. É uma força viva e santificante (IPe 1.3; Uo 3.3). Então, como a esperança da glória, glória essa da qual já recebemos a primeira parcela (2Co 1.22; 5.5; Ef 1.14), não fortaleceria a nossa/e naquele que nos agraciou com todas essas bênçãos, a saber, o Senhor Jesus Cristo? E como não avivaria nosso amor por aqueles com quem compartilhare­mos eternamente essa alegria? Como não intensificaria nosso senso de união com os santos de todas as épocas? E se isso for verdade, mesmo em relação à esperança como uma atitude e atividade do coração e men­te, certamente não o será menos verdadeiro em relação à esperança como uma realidade objetiva, a saber, a coisa pela qual se espera, que é o sentido no qual a palavra é usada aqui em Colossenses 1.5a, como tam­bém em Gálatas 5.5 e Tito 2.13 (onde alguns intérpretes acrescentariam Hb 6.18). Como o próprio contexto indica, essa esperança é “a herança do santos na luz” (Cl 1.12). Assim lemos aqui que “lhes está posta nos céus”, uma expressão que imediatamente lembra o tesouro celestial do qual Jesus fala em Mateus 5.20, e da “herança imorredoura, sem impu­reza e perene, reservada nos céus para vocês” da qual Pedro fala (IPe 1.4). É a glória que nos será revelada (Rm 8.18), a paz e alegria pró­prias da “nossa pátria celestial” (Fp 3.20; cf. Jo 14.1-4). Essa percep­vocês nutrem por todos os santos, e por causa [também ouvimos] da sua esperança". Outros tradu­zem: “Damos graças a Deus... [sempre orando por vocês, tendo ouvido da fé que vocês nutrem... e do seu amor...] por causa da esperança”. Assim a esperança e apenas ela, é considerada como motivo de ação de graças. Lenski está certo quando afirma: “Mas essa construção de sentença dá margem a um estranho pensamento, isto é, após ouvir a respeito da fé e do amor dos colossenses, Paulo e Timóteo estão agradecendo a Deus, não por essa fé e esse amor como deveríamos esperar, mas apenas pela esperança concedida aos colossenses... Nenhum leitor retomaria ao Sió, que está tão distante, para chegar a uma conclusão e seguir adiante”. De um modo ou de outro, essa construção que relaciona a esperança com a ação de graças do apóstolo e evita a dificuldade de se fazer dela a razão da fé e do amor, é defendida por G.G. Findlay (“A Biblical Note”, Exp, primeiras séries, 10 [1879], págs. 74­80), Athanasius, Calovius, Conybeare, Eadie, Hofmann, Michaelis, Storr, etc. Opostos a esses estão Bruce, Calvino, De Wette, Ellicott, Erasmus, Lenski, Lightfoot, C.F.D. Moule, Ridderbos, Robert­son, etc. Os comentaristas do último grupo crêem que faz sentido dizer-se que a fé e o amor estão baseados na esperança. Estou de acordo com esse ponto de vista, e isso também pela razão gramati­cal que as palavras “pela razão da esperança” estão no original mais intimamente ligadas com “fé... e amor” do que com “sempre dando graças a Deus” .

33. A interação dos elementos na experiência cristã é discutida no CNT em João 7.17,18.

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COLOSSENSES 1.5b-8 309

ção da nossa esperança, essa glória, é tão fascinante que a percebemos ao longe e a saudamos (Hb 11.13), com nossa fé no Doador fortalecida, e nosso amor, por todos os seus filhos com quem iremos compartilhá-la, aumentado e intensificado.

5b-8. Ora, a respeito desta esperança Paulo prossegue: da qual vocês ouviram antes na mensagem da verdade, a saber, o evangelho. Já que o próprio apóstolo explica essa afirmação no verso 7, pouco co­mentário é necessário aqui. A idéia principal ainda é ação de graças pelas bênçãos concedidas aos colossenses. Note, todavia, que apesar de este ser o pensamento-chave de Paulo, existe aqui uma certa implica­ção. Pode-se facilmente ler nas entrelinhas uma advertência: “O, colossenses, eu testifico com gratidão que, com relação a essa gloriosa esperança, vocês ouviram uma mensagem verdadeira, enaltecedora e portadora de frutos (5b,6). Portanto, não se deixem levar por mestres de falsa doutrina. Agarrem-se à verdade que lhes foi proclamada no evan­gelho” (a respeito do significado de evangelho, veja CNT Fp 1.27,28). Esse é o evangelho cuja entrada se fez sentir entre vocês,34 assim como no mundo inteiro certamente está produzindo fruto e crescen­do. Os colossenses estão sendo relembrados do poder (cf. Rm 1.16) e do avanço bem-sucedido do evangelho como razões para ação de gra­ças. Aqui também existe a implicação: “Vocês não se lembram da gran­de mudança que teve lugar quando a mensagem da verdade redentora de Deus apareceu pela primeira vez entre vocês? Esse evangelho não ne­cessita de acréscimo ou complemento. Sua influência está se fazendo sentir em medida sempre crescente, extensiva (invadindo região após região) e intensivamente, produzindo fruto sobre fruto no coração da­queles que foram conquistados para Cristo. Não tentem trocar a pode­rosa obra de Deus por mesquinhos elementos humanos” (cf. 2.8).

O rápido progresso do evangelho nos primeiros tempos tem-se cons­tituído sempre em objeto de espanto para o historiador. Em meados do século 2S, Justino, o Mártir escreveu: “Não existe nenhum povo - grego ou bárbaro, ou de qualquer outra raça, qual seja seu nome ou costumes possam distingüi-los, ignorantes ou não das artes e agricultura, que ha­bitam em tendas ou vagam em carroções cobertos - dentre os quais não se ofereçam orações e ação de graças no nome de Jesus Crucificado, ao Pai e Criador de todas as coisas”. Meio século mais tarde, Tertuliano acrescenta: “Surgimos apenas ontem e mesmo assim já enchemos as suas cidades, ilhas, campos, seu palácio, senado e fórum. Deixamos-

34. Portanto, em vez de simplesmente, “que veio a vocês”. Veja Oepke, art. jtapovaía, icápeim, Th. W.N.T., pág. 863 segs.

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310 COLOSSENSES 1.5b-8

lhes apenas seus templos”. R. H. Glover em The Progress o f World­Wide Missions, pág. 39, diz: “Com base em todos os dados disponíveis, estima-se que até ao final do Período Apostólico o número total de dis­cípulos cristãos tenha atingido meio milhão de pesoas”.

Ora, abaixo de Deus, nenhum ser humano foi um agente mais efi­ciente em proclamar as gloriosas novas de salvação do que Paulo. Res­gatado por Cristo, aquele a quem havia antes tão amargamente se opos­to, seu coração estava cheio de amor e zelo santos pela verdade. Ele deu sua própria vida por ela. Arrazoou com judeus e gentios, lhes implorou (cf. 2Co 5.20,21), realizou milagres no seu meio, visitou-os em suas casas, chorou por eles. Em suma, ele os amava. Quando presente entre eles, seu exemplo - trabalhando com as próprias mãos a fim de obter sustento, admoestando e encorajando-os, agindo para com eles como um pai para com seus filhos - causou profunda impressão. Ele sempre apontava em direção a Cristo e não a si mesmo. Quando ausente, tra­zia-os na memória e lhes enviava mensagens vibrantes e latentes de coração para coração. Se as circunstâncias permitissem, ele os revisitava ou mandava um representante para ajudá-los a resolver seus proble­mas. Em suas orações, ele levava o fardo deles ao trono da graça. Não é de causar surpresa que, de perto e de longe, vinham pessoas para vê- lo e ouvi-lo. E os que o ouviam contavam a outros e esses a outros ainda, etc. A passagem que segue serve para explicar como - por meio do ministério de Paulo e daqueles que deram ouvidos aos seus ensinamentos - o evangelho estava produzindo fruto e crescendo:

“Todos os da Ásia (província romana) ouviram a palavra do Se­nhor, tanto judeus como gregos” (At 19.10).

“A palavra do Senhor cresceu e aumentou poderosamente” (At19.20).

“De vocês (tessalonicenses) a palavra do Senhor se propagou não apenas na Macedônia e Acaia, mas em toda parte a sua fé foi divulgada, não sendo assim necessário dizer mais nada, pois eles próprios estão relatando que tipo de entrosamento tivemos entre vocês, e de como vocês se voltaram para Deus, abandonando aqueles seus ídolos, para servirem o Deus vivo e verdadeiro” (lTs 1.8,9).

“Quero que saibam, irmãos, que as coisas que me aconteceram têm na realidade se tomado vantagem para o evangelho; pois tem ficado claro para toda a guarda pretoriana e a todos os demais que minhas cadeias são por Cristo” (Fp 1.12,13).35

35. Para um resumo da estratégia missionária de Paulo, veja B ib le S u rv ey , págs. 199-207, de W. Hendriksen.

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COLOSSENSES 1.5b-8 311

Mas apesar de Paulo ter assumido a liderança na expansão do evan­gelho, em Colossenses 1.6 ele próprio está colocando toda a ênfase so­bre o fato de que, pelo poder e graça de Deus, é o evangelho em si que está produzindo frutos e crescendo. É como se ele estivesse dizendo: “Não subestimem a vitalidade da semente espalhada no solo (veja Mc 4.26-29; cf. Is 55.11). Essa semente está germinando, crescendo e pro­duzindo fruto”. O evangelho nunca depende do homem, nem mesmo de Paulo. É obra de Deus na qual ele se compraz em usar o homem.

O que foi dito também implica crescimento intensivo ou interior e produção de frutos, influência evangelística na vida dos que ouviram. Pense em frutos tais como fé, amor e esperança (vv.4,5), enfatizando no amor (v.8). E junte a isso os diversos frutos mencionados com tão sur­preendente beleza nos versos 9-12 (cf. G1 5.22,23). Os frutos para a eternidade estavam em evidência por toda parte. E essa toda parte de forma bem definida incluía o vale do Lico, com ênfase agora posta na igreja em Colossos. Que o evangelho não era infrutífero já havia sido frisado nos versos 4 e 5, e reafirmado por implicação bem no início do verso 6 (“que se fez sentir entre vocês”). Nesse caso específico de pro­dução de frutos, o apóstolo agora retorna e prossegue: assim também tal acontece entre vocês desde o dia em que vocês ouviram e enten­deram a graça de Deus no seu genuíno caráter. O tom principal ain­da é ação de graças. A inferência é a seguinte: “Assim, colossenses, não destruam essa árvore frutífera. Não ouçam aqueles que tentam privá- los da grande bênção que lhes sobreveio”. Eles não só vieram a saber a verdade, mas a compreenderam, e isso desde o dia em que a ouviram. Tal compreensão é mais do que abstrata e intelectual. E uma aceitação alegre e uma tomada de posse da verdade centralizada em Cristo. Essa verdade diz respeito a nada menos do que a graça de Deus, seu soberano amor em ação, sua boa vontade para com os não merecedores. Eles chegaram ao conhecimento desta graça de Deus “em seu genuíno cará­ter”, sem atenuações por caprichos filosóficos ou misturas judaicas”.36

Em referência a esse verdadeiro evangelho da graça, que, como em toda parte, também entre os colossenses frutificava cada vez mais desdeo dia em que o ouviram e aceitaram, Paulo prossegue: como aprende-

36. Apesar de algo poder ser dito em forma da tradução: “viestes a compreender verdadeiramente”, pareceria melhor concordar as palavras è v òJ.T|0eía diretamente com o tTjv t o í 0eoíj imedia­tamente precedente. Eu endosso essa construção por duas razões: a. a menção da “mensagem (ou a p a la v ra ) d a v e r d a d e” no verso 5; e b. o propósito da carta, a saber, colocar a v e r d a d e com relação à preeminência e suficiência plena de Cristo contra a mentira que estava sendo propagada pelos falsos mestres.

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312 COLOSSENSES 1.5b-8

ram de Epafras, nosso amado conservo, que é fiel ministro de Cristo em nosso favor.37 A respeito de Epafras, o “ministro” da igreja em Colossos, etc., que fora ao encontro de Paulo em Roma para relatar, entre outras coisas, as condições daquela igreja e conseguir sua ajuda na luta contra o mundanismo e heresia, veja a Introdução IIIA e IV A. Ao chamá-lo de “nosso amado conservo” e “fiel ministro de Cristo em nosso favor”, Paulo está fazendo três coisas: a. está colocando seu selo de aprovação em Epafras e no evangelho que ele ensinara aos colossenses; b. está condenando, por implicação, qualquer sistema de pensamento que esteja em conflito com esse único e verdadeiro evangelho; e c. ele está dizendo: “os que rejeitam o evangelho segundo os ensinamentos de nosso amado Epafras, estão rejeitando também a nós (Paulo e Timóteo) e nossos ensinamentos(...) e lembrem-se, nós, por nossa vez, represen­tamos a Cristo (veja comentário do v. 1), assim como Epafras também é fiel ministro de Cristo”. Naturalmente, a idéia principal é gratidão a Deus pelo fato de que da boca deste servo fiel, Epafras, os colossenses também ouviram e aceitaram o glorioso evangelho que frutificava entre eles. As palavras do verso 3 - “quando oramos por vocês, damos sem­pre graças a Deus” - controlam tudo o que se segue nos versos 4-8. Em referência a Epafras, o apóstolo prossegue: e nos relatou do amor de vocês no Espírito. Essa afirmação evoca a idéia expressa anteriormen­te (veja v.4b). Que Paulo e os outros apóstolos consideravam o amor como o mais precioso fruto da graça de Deus, é evidente não somente em 1 Coríntios 13.13 (“e o maior destes é o amor”), mas também em passagens tais como:

Colossenses 3.14 1 João 4.81 João 3.14 1 Pedro 4.8

E essa não é a mesma ênfase dada pelo próprio Cristo? (Veja Jo 13.1,34,35; 15.12; cf. Mc 12.28-31.) Provavelmente, para prevenir con­tra a impressão de que Epafras houvesse pintado um quadro muito som­brio das condições entre os crentes colossenses, o apóstolo ressalta que esse valoroso obreiro dera um relatório entusiástico a respeito do amor deles. Esse é o amor “por todos os santos”, do qual Paulo acabara de

37. Com as traduções de A.R.V., R.S.V., Bruce, C.F.D. Moule, Ridderbos, Robertson, etc., eu aceito a leitura de T)|íôjv em lugar de 'újj.óta'. É verdade que nenhuma das duas faria sentido. Mas a frase “ministro(.„) em n o s s o favor” parece se harmonizar com mais exatidão às palavras “n o s s o conservo”. Epafras, que provavelmente devia sua conversão a Paulo, vinha sendo o representante do apóstolo junto às igrejas em Colossos, Laodicéia e Hierápolis (cf. 4.13). Outra razão para se adotar essa leitura é o fato de que ela contém forte apoio textual, “testemunhas antigas e bem distribuídas” (segundo C.F.D. Moule), o que não pode ser dito com o mesmo peso em relação à leitura alternativa.

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COLOSSENSES 1.9 313

falar. Ele nunca pode ser divorciado do amor cujo objeto é o próprio Deus. Ele indica aquela alegria inteligente e cheia de propósito no Deus Trino, aquela espontânea e grata projeção de toda a personalidade àquele que se revelou em Jesus Cristo, que oferece profunda e continuamente a verdadeira prosperidade a todos os seus filhos. Em relação a este aspec­to do amor - sobre o qual recai a ênfase no presente contexto - ele se faz manifestar nas três graças: unidade, humildade e serviço (Fp 2.2-4). Como conseqüência, em bondade, verdadeira compaixão e espírito de perdão (Cl 3.12-14). Note o modificativo “seu amorno Espírito'’'. Ape­sar de existirem aqueles que sustentavam que isso significaria simples­mente “amor espiritual”, sem nenhuma alusão ao Espírito Santo, essa opinião contraria o fato de que, em passagens tais como Romanos 15.30; Gálatas 5.22 e Efésios 3.16,17, o amor cristão é decididamente encara­do como o fruto do Espírito que habita em nós. E implantado e fomen­tado por ele. E, ainda, é bem característico de Paulo que, após ter feito menção de Deus, o Pai (vv.2,3) e de Cristo Jesus, o Filho (vv.3,4,7), ele agora se refira à terceira pessoa da Trindade, o Espírito (cf. Rm 8.15­17; 2Co 13.14; Ef 1.3-14; 2.18; 3.14-17; 4.4-6; 5.18-21).38

1.9-14 B. Oração

9. A sentença de Paulo, com 218 palavras, começa aqui no verso 9 e vai até ao 20. A preeminência de Cristo, entretanto, é apresentada iniciando com o verso 15 e continuando até ao 20. Assim sendo, pode-se considerar 1.9-14 como um bloco de pensamentos, em si, uma descri­ção comovente da oração de Paulo e seus assistentes em favor dos colossenses. No original, essa parte da sentença - seis versos ao todo - tem 106 palavras.39 Inicia-se assim: E por essa razão, quer dizer, não

38. A frase éu tcveúhcxii, apesar de nem sempre se referir ao Espírito Santo, freqüentemente o faz (Rm 8.9; cf. 8.16; Ef 2.22; 5.18; 6.18; cf. Jd 20; lTm 3.16; !Tm3.16; vejaCN Tem 1 e2T m eT t: Aí três linhas consideradas separadamente). Pelas razões apresentadas não posso concordar com os comentários de Lenski nas págs. 31 e 32 do seu Interpretation o f Colossians, Thessalonians, Timothy, Titus, Philemon.

39. O apóstolo tem sido acusado de “divagador”, ou de expressar pensamentos que não têm se­qüência definida. É verdade que as idéias se aglomeram na sua mente de maneira tal que uma ordem lógica não é sempre imediatamente aparente. Desse modo os intérpretes não concordam de maneira alguma a respeito da construção gramatical dos versos 9-14. Alguns são de opinião que o apóstolo esteja seguindo uma rota em ziguezague, iniciando com ação de graça no verso 3, mudando para fervorosa petição no verso 9, mas voltando à ação de graça no verso 12. Ora, mesmo que isso fosse verdade, não haveria qualquer problema. Quão freqüentemente isso não acontece com qualquer crente? No entanto, sou da opinião de que essa abordagem, sobre o que o apóstolo está escrevendo, é errônea. No verso 12 não é Paulo quem está dando graças, mas são os colossenses que o farão se

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314 COLOSSENSES 1.9

apenas por causa do amor mencionado no verso precedente, mas com base em todas as evidências da graça de Deus na vida dos colossenses como é descrito nos versos 3-8; desde o dia em que ouvimos isso não cessamos de orar por vocês. Paulo quer dizer que ele e os companhei­ros (Timóteo, veja v.l; Epafras e outros mencionados em 4.10-14) co­meçaram a orar agora “como nunca dantes o haviam feito”; isto é, con­siderando-se que haviam orado por aquela igreja antes, as notícias que chegaram ao apóstolo quando da recente visita de Epafras, haviam pro­duzido uma surpreendente explosão de oração, em intercessão fervoro­sa, e isso com muita regularidade (“nunca cessamos de orar”). Isso nos lembra o reavivamento na pregação de Paulo em Corinto após a chega­da de Silas e Timóteo (At 18.5).40

O apóstolo cria firmemente na “comunhão em oração”: a. ele (e“viverem de modo digno do Senhor” (v. 10). Gramaticalmente, vejo a construção dos versos 9-14 do seguinte modo:

verso 9A conjunção K aí não significa “Não somente outras pessoas, mas também nós”, nem “Não apenas

vocês estão orando por nós, mas também nós por vocês”. Em vez disso, “Nós não estamos somente agradecendo a Deus (como nos vv.3-8) como também orando por vocês”.

Os particípios 7tpoaEuxónevoi e odTOÚ|ievoi (apesar do primeiro o ser indiretamente) têm como sua sentença-objeto (não final) iva 7tXrpa)0itce k.t.X. O que Paulo estava pedindo era que os colos­senses fossem cheios do pleno conhecimento da vontade de Deus.

verso I0aO infinitivo Jtepi.7caTncrai introduz uma afirmação de “resultado esperado”; “para que vivam vi­

das dignas do Senhor”, ou mais literalmente “a andarem de modo digno do Senhor” como traz a tradução A.R.V.

versos I0b-I2aOs quatro particípios Kapno(|)opoívteç, aii)i;avó|iEvoi, SuvauóuuBvoi, e tú^apiaxoíjyxtç descre­

vem o que acontece quando as pessoas vivem de modo digno do Senhor, a fim de que os colossenses (e, aliás, todos os crentes de toda parte naquele tempo e agora) possam saber se estão ou não vivendo tal vida, e como adquirir maior perfeição para atingir esse alvo. Esses particípios podem, portanto, ser considerados suplementares ao iteputcm jaai e neste sentido em oposição ao significado do infinitivo.

versos 12b, 13A menção do Pai no verso 12a leva ao modificativo participial xô) ÍKavcócravii k.tX , e ao modifi-

cativo da cláusula relativa óç èppúaaxo k.tX do verso 13. Essas não são meramente descritivas, mas também causais, fornecendo razões para a ação de graça.

verso 14A menção do “Filho do seu amor” no verso 13 evidencia o modificativo relativo èv & êxo(j.ev

k.t.X., apresentando resumidamente a significativa redenção de Cristo, fato sobre o qual o apóstolo irá discorrer.

Conclusão: certamente aqui não existem divagações. Os pensamentos se sucedem em excelente seqüência.

40. Coloca-se por vezes, nessas simples palavras, mais significado do que elas merecem. A afirma­tiva de Paulo é usada para reforçar o ponto de que ele nunca estivera em Colossos, que ele não conhecia ninguém lá, que a igreja acabara de ser fundada, etc. Veja o que foi dito a respeito deste assunto na Introdução II. A Cidade de Colossos, A. Geografia; e veja também comentário em 2.1.

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COLOSSENSES 1.9 315

seus companheiros) oravam por aqueles a quem escreviam; e b. estes, por sua vez, recebiam o pedido de orar por ele. Para a letra a, veja coluna 1; para b, coluna 2, Note que em cada uma das passagens que seguem, ocorre na mesma carta a asseveração de que Paulo está orando por aqueles a quem se dirige e o pedido (expresso ou subentendido) de que orem por ele.

Com base nas bênçãos já recebidas, o apóstolo pede graças adicio­nais. Encorajado por evidências da já presente graça de Deus, ele pede mais provas. Esse é o significado de “e por essa razão”, etc. O Senhor não quer que seu povo peça pouco. Na esfera espiritual ele não quer que vivam frugal e parcimoniosamente. Que vivam ricamente e com realeza, em harmonia com o salmo 81.1.

Ora, a oração relatada aqui nos versos 9b-14 deve ser comparada às orações de Paulo encontradas nas outras epístolas do seu primeiro encarceramento em Roma (Ef 1.17-23; 3.14-21; Fp 1.9-11). Combi­nando-as, percebemos que o apóstolo ora para que os recipientes supe- rabundem de sabedoria, conhecimento, poder, perseverança, longanimi­dade, alegria, gratidão e amor. Também que Jesus Cristo (aqui “o Filho do seu amor”) seja considerado como aquele por meio de quem essas graças são concedidas ao crente, e que a glória de Deus (aqui “a ação de graças ao Pai”) seja reconhecida como o propósito final. Verdadeira­mente não se pode ignorar as lições de Paulo sobre a vida de oração.

Paulo usara a palavra orando. Agora ele acrescenta pedindo. Orar é o termo mais geral e compreensível. Indica toda forma de se dirigir com reverência à Deidade, se nos “apegamos a Deus” pela intercessão, súplica, adoração ou ação de graças. Pedir é mais específico. Refere-se ao fato de se fazer pedidos especiais e humildes (veja também em Fp 4.6; lTm 2.1 os vários sinônimos de oração). A sentença continua: que vocês possam ser cheios do41 pleno conhecimento de sua vontade [tal

41. “Cheios do” é correto, apesar de que o verbo jtA/rpcko é empregado, aqui, junto com o acusati-

1.Romanos 1.9 Efésios 1.16 Filipenses 1.4 Colossenses 1.91 Tessalonicenses 1.22 Tessalonicenses 1.11 Filemom 4

2.

4.35.253.122

15.306.18,193.17a; 4.9 (subentendido)

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316 COLOSSENSES 1.9

pleno conhecimento consistindo] em toda sabedoria e conhecimento espiritual. É vão tentar servir a Deus sem ter conhecimento do que ele deseja de nós (At 22.10,14; Rm 12.2). Ora, o conhecimento aqui referi­do não é um aprendizado abstrato e teórico. Um conhecimento mera­mente teórico pode ser possuído por qualquer cristão nominal, e até certo ponto por um descrente convicto e pelo próprio Satanás. Nem Paulo tinha em mente uma quantidade de informações ocultas, como, por exemplo, o conhecimento de senhas. Esse não é o tipo de gnose misteriosa que os mestres gnósticos reivindicavam para seus “inicia­dos”. Pelo contrário, é um conhecimento penetrante da revelação mara­vilhosa e redentora de Jesus Cristo, uma percepção com frutos para a vida eterna, como indica também o contexto que segue imediatamente (v. 10). É resultado da comunhão com Deus e leva a uma comunhão ainda mais profunda. Assim, esse pleno conhecimento (èTtíyvcocnç) transfor­ma o coração e renova a vida. Todos os casos em que se usa essa palavra no Novo Testamento apontam nessa mesma direção (Rm 1.28; 10.2; Ef 1.17; 4.13; Fp 1.9,10; Cl 1.9,10; 2.3; 3.10; lTm 2.4; 2Tm 2.25; 3.7; Tt l .l ;F m 6;Hb 10.26; 2Pe 1.2,3,8; 2Pe 2.20; ecf. o verbo cognato em ICo13.12). Compare também os antecedentes do Antigo Testamento: “o te­mor do Senhor é o princípio do saber” (Pv 1.7; cf. 9.10; também SI 25.12,14; 111.10). Paulo ora para que aqueles a quem escreve se encham do mais rico e profundo conhecimento da vontade de Deus. Não há dúvi­da de que temos aqui uma alusão intencional ao erro gnóstico pelo qual os falsos mestres procuravam desviar os colossenses. E como se Paulo estivesse dizendo: “O pleno conhecimento da vontade de Deus, que é nossa petição básica por vocês, é incomparavelmente mais rico e mais satisfatório do que o conhecimento, ou gnose, que lhes é apresentado pelos defensores de tal heresia”. O conhecimento penetrante que faz parte da ferramenta espiritual do crente consiste em “toda a sabedoria e conhecimento espirituais”. Tal sabedoria é a habilidade de fazer uso dos melhores meios a fim de atingir-se o mais alto alvo - uma vida para a glória de Deus. Equivale a um conhecimento ao mesmo tempo espiri­tual e prático. Não é ludibriado pelos estratagemas de Satanás, as tenta­ções da carne, ou as alegações pretensiosas dos falsos mestres. Tal sa­bedoria e conhecimento são o trabalho do Espírito Santo no coração humano. Com respeito à combinação destas duas palavras, veja Êxodo 31.3; 35.31,35; Isaías 10.13; 11.2; etc. Arespeito das características da verdadeira sabedoria, veja também a linda passagem de Tiago 3.17.vo, como em Filipenses 1.11 (cf. 2Ts 1.11). Nos outros trechos o apóstolo o emprega com o dativo (Rm 1.29; 2Co 7.4) ou com o genitivo (Rm 15.13,14). Isso mostra simplesmente que não há regra fixa em relação ao caso que segue esse verbo. Ademais, a tendência era em favor do acusativo.

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COLOSSENSES 1.10-12 317

10-12. É agora exposto o propósito prático ou o resultado esperado deste pleno conhecimento que constitui o ponto de partida da oração de Paulo em favor dos colossenses: para que vivam vida digna do Se­nhor (cf. Ef 4.1; Fp 1.27; lTs 2.12; 3Jo 6). O apóstolo e os que estão com ele oram para que os colossenses “andem” (cf. Gn 5.22,24; 6.9, etc.) ou se conduzam em harmonia com as responsabilidades advindas desse novo relacionamento. Não deve existir nada pela metade nesse estilo de vida. Pelo contrário, deve ser para [o seu] completo deleite (veja adiante 3.22), uma consciência desejosa de agradar a Deus em tudo (cf. ICo 10.31; lTs 4.1). Que essa conduta que glorifica a Deus certamente será o resultado de ser cheio do pleno conhecimento de sua vontade, é fácil de ver, pois quanto mais os filhos de Deus o conhecem, tanto mais irão amá-lo; e quanto mais o amarem, tanto mais desejarão obedecê-lo em pensamento, palavras e ações.

Por meio dos quatro gerúndios, o apóstolo descreve agora essa vida de santificação:

(1) frutificando em toda boa obra.Paulo dedica grande valor às boas obras vistas como fruto - não a

raiz - da graça. Efésios 2.8-10 é o seu próprio comentário.(2) e crescendo no pleno conhecimento de Deus.42Note que o apóstolo faz com que o pleno conhecimento de Deus seja

tanto o ponto de partida (v.9) como a característica resultante (v. 10) de uma vida que agrada a Deus. Isso não é de se estranhar: o conhecimento verdadeiro e empírico de Deus acarreta uma medida sempre crescente desta mesma vantagem. Assim, mesmo que bem no início da sua histó­ria Jó já conhecesse a Deus, foi muito mais tarde que ele pode testificar:

4 2 .0 que é dito do evangelho no verso 6 - produzindo fruto e crescendo - é dito aqui a respeito dos crentes. Mas isso não elimina a idéia de que aqui no verso 10 cada gerúndio tem o seu próprio modificativo. Já que, em vista de Gálatas 5.19,22; Filipenses 1.22, não é incomum que “produzir fruto” leve como modificativo “em toda boa obra”, e já que, em vista de 2 Pedro 3.18, não é ilógico que “crescer” ou “aumentar” seja associado com “no pleno conhecimento de Deus”, e, finalmente, já que aqui em Colossenses 1.10 esses dois modificativos (èv jtavx í epyco òcya0â>e xri èrciYvdjaEi. x o í 0e o í ) estão até certo ponto largamente separados, não existe nenhuma razão plausível para abando­nar as traduções do inglês (A. V., A.R. V., R.S.V., N.E.B.), que associam o primeiro modificador com KtxpjtoiJjopo-úvxeç e o segundo com a\)i;avón.Evoi. A única pequena mudança que sugiro (veja minha Iradução) é conservar a ordem das palavras em forma quiástica encontrada no original:

Modificativo Gerúndio

Gerúndio Modificativo

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318 COLOSSENSES 1.10-12

“Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem. por isso me abominoe me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42.5,6).

De importância similar são passagens como: “Vão indo de força em força” (SI 84.7). “Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv 4.18). O próprio apóstolo Paulo, mesmo quando já conhecia a Cristo, continuava orando por conhecimento crescente: “para que eu o conheça” (Fp 3.10).

(3) sendo fortalecidos com todo poderO aforismo “conhecimento é força” é verdadeiro na vida espiritual

mais do que em qualquer outra área. Quando uma pessoa cresce no pleno conhecimento de Deus, sua força e coragem aumentam. A presen­ça divina que habita no seu interior a capacita a dizer: “Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Fp 4.13). Paulo acrescenta: segundo a força da sua glória. “Segundo” é mais forte do que “de” ou “pela”. Quando um multimilionário doa “de” sua fortuna a alguma boa causa, ele pode estar dando muito pouco; mas quando ele dá “segundo” as suas riquezas, a quantia será substanciosa. O Espírito Santo dá não apenas “de”, mas “segundo”. Efésios 1.19-23 mostra por que o poder de Deus é realmente “glorioso”. O que essa força ativa (Kpóxoç) capacita os crentes a fazer é colocada nas palavras a fim de exercer toda a perse­verança e longanimidade. Perseverança é a graça de suportar; é a bravura de perseverar na realização da tarefa confiada por Deus apesar de cada uma das dificuldades e provações; é a recusa de sucumbir ao desespero ou covardia. E um atributo humano, e é revelado em relação a coisas, isto é, circunstâncias que envolvem a pessoa: aflição, sofri­mento, perseguição, etc. A longanimidade caracteriza a pessoa que, diante daqueles que a molestam, mostra paciência, recusando-se a ceder à violência ou a explosões de raiva. Nos escritos de Paulo ela é ligada a virtudes tais como benignidade, misericórdia, amor, bondade, compai­xão, mansidão, humildade, tolerância e um espírito de perdão (Rm 2.4; G1 5.22; Ef 4.2; Cl 3.12,13). Diferente da perseverança, a longanimi­dade não é apenas humana, mas é também um atributo divino. E atribu­ída a Deus (Rm 2.4; 9.22), a Cristo (lTm 1.16), bem como ao homem (2Co 6.6; G15.22; Ef 4.2; Cl 3.12,13; 2Tm 4.2). Outra diferença é que a longanimidade é manifestada na atitude da pessoa, não a coisas, mas a pessoas. Consideradas como virtudes humanas, tanto a perseverança como a longanimidade são dádivas divinas (Rm 15.6; G15.22), e ambas

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COLOSSENSES 1.10-12 319

são inspiradas pela esperança, pela confiança no cumprimento das pro­messas de Deus (Rm 8.25; lTs 1.3; 2Tm 4.2,8; Hb 6.12).

(4) com alegria43 dando graças ao Pai.Em razão da força concedida por Deus, os crentes podem, mesmo

em meio à tribulação, dar graças com alegria e se regozijar em ação de graças (cf. Mt 5.10-12; Lc 6.22,23; Jo 5.41; 2Co 4.7-17; Fp 1.12-21). E ao Pai que esse agradecimento é dirigido, pois é ele que, por meio “do Filho do seu amor” (v. 13), nos dá liberalmente todas as coisas (Rm 8.32). Paulo destaca a necessidade de dar graças continuamente (2Co 1.11; Ef 5.20; Fp 4.6; Cl 3.17; lTs 5.18). Neste contexto, as razões pelas quais os colossenses deveriam agradecer ao Pai são dadas nos versos 12b e 13. Aqui é demonstrado que o Pai é Aquele que os capaci­tou44 à parte que lhes cabe por herança dos santos na luz. Assim como na velha dispensação o Senhor providenciou para Israel uma he­rança terrena que foi distribuída por sorte às diversas tribos e unidades menores da vida nacional (Gn 31.14; Nm, 18.20; Js 13.16; 14.2; 16.1, etc), assim também ele havia providenciado para os colossenses um quinhão ou parte na melhor herança. Esses cidadãos, vindos principal­mente do mundo gentílico (veja Introdução IIIB), haviam sido anterior­mente “separados de Cristo, alienados da comunidade de Israel e estra­nhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mun­do”. Mas “agora, em Cristo Jesus, os que estavam bem longe” foram “aproximados pelo sangue de Cristo” (Ef 2.12,13).

O fato de que essa parte na herança é uma questão da soberana graça e que não tem relação com méritos humanos, é obvio, primeira­mente, pela palavra usada, a saber, herança: a pessoa recebe uma he-

43. Eu sigo aqui a pontuação do Novo Testamento grego. O pensamento expresso no verso 11, provavelmente, não necessita arrastar atrás de si mais um modificativo. Além disso, ao separar-se a expressão “com alegria” do gerúndio “dando graças”, esse último seria o único gerúndio (dos qua­tro) a não possuir modificativo.

É pouco convincente a argumentação de Lightfoot asseverando que “com alegria” quando asso­ciada a “dando graças” se torna uma expressão sem significado, pois a ação de graças “é em si um ato de regozijo”. Autores, tanto sacros quanto seculares, freqüentemente acrescentam tais modificativos a fim de ressaltar um certo aspecto da palavra modificada. Se “com alegria” combinado com “dando graças” é pleonástico, por que o mesmo não seria verdade no verso imediatamente precedente no que diz respeito ao modificativo “com todo poder” associado ao “sendo fortalecido”? O Novo Testamen­to tem numerosos exemplos semelhantes. Esse fenômeno, quando não exagerado, serve para tomar o estilo do escritor interessante e vívido.

Deve-se, entretanto, admitir que pouca diferença faz no significado final alguém dizer “a fim de exercer toda sorte de perseverança e longanimidade com alegria, dando graças”, etc., ou “a fim de exercer toda sorte de perseverança e longanimidade, com alegria dando graças”, etc.

4 4 .0 apoio textual para rmôç é mais fraco. E provavelmente devido à assimilação: vejarinâç no verso 13.

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320 COLOSSENSES 1.10-12

rança como presente; ela não trabalha para ganhá-la. Isso é enfatizado pelas palavras “que voz fez id ô n e o s O melhor comentário a respeito deste verso é a declaração de Paulo em 2 Coríntios 3.5: “nossa suficiên­cia vem de Deus”. É Deus quem toma dignos45 aqueles que não são dignos em si mesmos, e assim os capacita a ter parte na herança.

A herança dos santos significa a herança dos crentes redimidos, isto é, daqueles que, tendo-se retirado das trevas e tendo sido trazidos à luz, são consagrados a Deus. Apesar de que alguns comentaristas são de opinião que aqui em Colossenses 1.12 santos se refere a anjos, não existe base para esse ponto de vista. Paulo ama a palavra santos, usan­do-a com freqüência em suas epístolas. Ele não a emprega nenhuma vez para indicar anjos, mas apenas para indicar os redimidos (veja Rm 1.7; 8.27; 12.13; 15.25,26,31; 16.2,15; ICo 1.2; 6.1,2; 14.33; etc. Até mes­mo lTs 3.13 não constitui exceção; veja CNT a respeito desta pas­sagem).

Essa herança “dos santos” é ao mesmo tempo a herança “na luz”. Essa é “a luz do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo (2Co4.16), é o amor de Deus derramado pelo Espírito em nosso coração (Rm 5.5); a paz de Deus que excede todo entendimento” (Fp 4.7); “a alegria indizível e cheia de glória” (IPe 1.8).

O fato de que nas Escrituras a palavra luz é realmente usada meta­foricamente para simbolizar todas essas idéias e até mais, é claro a partir das seguintes passagens, em cada uma das quais a palavra luz é usada no contexto interpretativo:

A palavra luz usada em estreita conexão com:(1) Santidade, ser santificado (At 20.32; 26.18,23). Esses textos

são especialmente importantes já que ocorrem nas próprias falas de Paulo.(2) Revelação divina: verdade e discernimento desta revelação,

conhecimento (SI 36.9; 2Co 4.4,6).(3) Amor (lJo 2.9,10).(4) Glória (Is 60.1-3).(5) Paz, prosperidade, liberdade, alegria (SI 97.11; Is 9.1-7).Já que o próprio Deus é em seu próprio ser santidade, onisciência,

amor, glória, etc., e já que para o seu povo ele é a Fonte de todas as graças e bênçãos mencionadas (1 a 5), ele próprio é luz. “Deus é luz e não há nele treva nenhuma” (Uo 1.5). Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12). Como tal Deus é, em Cristo, a salvação do seu povo.

45. Na língua holandesa, a idéia do verbo pode ser revelada pelo verbo v e rw a a rd ig en .

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COLOSSENSES 1.13,14 321

Luz e salvação são, portanto, sinônimos (SI 27.1; Is 49.6). Assim tam­bém são luz e graça ou favor divino (SI 44.3).

O oposto de luz é trevas, que por sua vez simboliza Satanás e seus anjos; logo simboliza também o pecado, desobediência, rebeldia, igno­rância, cegueira, falsidade, ódio, ira, vergonha, discórdia, deficiência, escravidão e obscuridade como mostram as mesmas passagens, já refe­ridas (1 a 5) e muitas outras.

Portanto, o que o apóstolo está dizendo aqui em Colossenses 1.12 é que o Pai do seu amado Filho Jesus Cristo - Como conseqüência, nosso Pai também -, na sua soberana graça, tornou os colossenses dignos e competentes de receberem uma parte da herança dos santos, plena e gratuita, na esfera da salvação. E não é difícil responder à pergunta que surge em seguida: “essa esfera é presente ou futura?”. Em princípio, os colossenses já entraram nela. Já foram “transferidos para o reino do Filho do seu amor” (Cl 1.13; cf. Ef 2.13). Entretanto, a possessão ple­na pertence ao futuro. E “a esperança que lhes está posta nos céus” (Cl 1.15). Receberão do Senhor a recompensa, a saber, a herança (Cl 3.24) (veja também Ef 1.8; Fp 3.20,21; e cf. Hb 3.7-4. I I ).46 Paulo ora - pois é necessário conservar em mente que ainda é parte da oração - que por tudo isso os colossenses possam estar constante e alegremente agrade­cendo a Deus.

13,14. Os versos 13 e 14 resumem a obra divina da redenção. Os detalhes estão nos versos 15-23. Isso nos lembra Romanos, onde 1.16,17 resume o que é descrito com maiores detalhes em Romanos 1.18-8.39.

O coração de Paulo estava nos seus escritos. Ele nunca escrevia de forma abstrata quando discorria a respeito das grandes bênçãos que os crentes têm em Cristo. Sempre estava profundamente consciente do fato de que sobre ele também o Pai dispensava esses favores, apesar de Pau­lo se sentir completamente indigno deles. Assim, não é de se surpreender que muito tocado pelo que estava escrevendo, ele mude o palavreado de “vocês” para “nós” - verso 13: “que os qualificou...”; verso 14: “e que nos redimiu...”. Além disso, note como as idéias principais dos versos 12-14- trevas, luz, herança, remissão de pecadosA1 - também ocorrem cm Atos 26.18,23, passagens que registram a própria experiência de Paulo e predizem a experiência dos gentios a quem ele estava então sendo enviado. Do mesmo modo, o apóstolo, descrevendo as bênçãos

46. A referência futurística de Colossenses 1.12 não recebe o que lhe é devido na interpretação que I .cnski dá a esta passagem.

47. Note também é^ovcíaç em Atos 26.18 e aqui em Colossenses 1.13.

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322 COLOSSENSES 1.13,14

conferidas aos colossenses, a si mesmo e a seus companheiros, sim, até mesmo sobre todos os pecadores resgatados, ecoam as mesmas pala­vras que o Salvador usou quando se lhe dirigiu, mesmo quando ainda era “Saulo”, o grande e temível perseguidor:

“Eu sou Jesus a quem persegues. Mas levanta-te e firma-te nos teus pés, pois por isso te apareci... livrando-te do povo e dos gentios, para os quais te envio, para lhes abrir os olhos a fim de que se convertam das trevas para a luz e do poder (ou jurisdição) de Satanás para Deus, para que recebam remissão de pecados e uma herança entre os que são san­tificados pela fé em mim” (At 26.15b-18, citado parcialmente).

Assim Paulo escreve: e que nos resgatou.48 Ele nos atraiu a si, livrando-nos da condição de desgraça. O verbo resgatar, no presente contexto, subentende tanto escuridão e miséria completamente irreme­diável, nas quais, separados da misericórdia de Deus, “nós” (os colossenses, Paulo, e outros) vínhamos tateando, e a gloriosa, porém árdua, obra da redenção necessária para nos emancipar, tirando-nos do nosso estado decaído. O Pai nos resgatou enviando-nos seu Filho encar­nado (Cl 1.22; 2.9; cf. Gl. 1.15,16; 4.4,5), a fim de:

a. Morrer na cruz por nossos pecados (Cl 1.22; 2.14; cf. Gl 2.20; 6.14), e

b. Ressuscitar e ascender ao céu, de onde derramou o Espírito em nossos corações (Cl 3.1; cf. 2Ts 2.13; Jo 16.7), para que nós, uma vez tendo sido chamados (Cl 1.6,7; cf. Gl 1.15,16; Fp 3.14), fomos “vivifi­cados” (Cl 2.13; cf. Ef 2.1-5; Jo 3.3; At 16.14), e por meio do ato de genuína conversão aceitamos a Cristo Jesus como Senhor, e fomos batizados (Cl 2.6,12; cf. At 9.1-19).

Todas essas ações estão sob a cobertura das palavras: “ele nos res­gatou”,49 e isso do domínio das trevas, esfera onde Satanás exerce sua jurisdição usurpada (Mt 4.8-11; Lc 22.52,53; cf. At 26.18) sobre o coração, vida, atividades humanas, e sobre todas as “potestades do ar”, “as hostes espirituais do mal nas regiões celestes” (Ef 2.2; 6.12). (A

48. No original “que os qualificou”, etc. (v. 12) é um modificativo participial mas “que nos resga­tou”, etc. (v. 13), é uma sentença relativa. Esta concede ao pensamento expresso um grau de indepen­dência, para que não seja tão estreitamente ligado com aquilo que a precede. A o r a ç ã o começa a se misturar com uma d e s c r i ç ã o da generosidade do Pai (v. 13) e com uma afirmação sumária da obra redentora realizada pelo Filho (v v. 13 b, 14).

49. Por vezes argumenta-se que, já que èpp-úaaxo é aoristo, a referência deve ser para um ato definido. Nessa suposição, alguns comentaristas são de opinião que a expressão “ele nos resgatou” refere-se unicamente à morte de Cristo na cruz; outros, somente à conversão e batismo. Mas o tempo aoristo do verbo não se refere necessariamente a um s ó a to . Pelo contrário, o aoristo sum ariza, considerando todo o ocorrido como sendo um fa t o (veja também CNT em Jo 2.20).

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COLOSSENSES 1.13,14 323

respeito do significado de luz e trevas, veja comentário do v. 12). Éra­mos impotentes, desesperançados, escravos acorrentados, devido aos nossos pecados na prisão de Satanás... até que veio o Conquistador para nos resgatar (cf. 2Co 2.14). Foi Deus em Cristo que nos resgatou e nos transportou para o reino do Filho do seu amor. Ele nos tirou do escuro e horrendo domínio de falsas idéias quiméricas, para a terra ensolarada do pleno conhecimento e expectação realística; da confusa esfera de desejos pervertidos e anseios egoísticos, para o alegre domínio de santos anseios e gloriosas renúncias; da miserável masmorra de into­leráveis grilhões e gritos penetrantes, para o magnífico palácio de liber­dade gloriosa e cânticos alegres.

“Do cativeiro, tristeza e noite,Jesus, eu venho, Jesus, eu venho;Para a minha liberdade, alegria e luz,Jesus, eu venho a ti;Da minha doença para a tua saúde,Da minha pobreza para a tua riqueza,Do meu pecado para ti mesmo,Jesus, eu venho a ti.Do medo e horror do túmulo,Jesus, eu venho, Jesus, eu venho;Para a alegria e luz da tua morada,Jesus, eu venho a ti;Das profundezas da inarrável ruína,Para a paz do teu aprisco acolhedor,Para contemplar tua gloriosa face para sempre,Jesus, eu venho a ti”.

(W. T. Sleeper)E provável que a figura subjacente tenha sido prontamente entendi­

da por aqueles a quem se dirigia, tanto gentios quanto judeus. Essa gente sabia que os governantes terrenos às vezes transportavam um povo conquistado de um país para outro (2Rs 15.29; 17.3-6; 18.13; 24.14­16; 25.11; 2Cr 36.20; Jr 52.30; Dn 1.1-4; Ez 1.1; veja também Introdu­ção, II. A Cidade de Colossos, C). Assim também “nós” fomos trans­plantados, e isso, não da liberdade para a escravidão, e sim, da escravi­dão para liberdade. Firmemo-nos, pois, nessa liberdade. Não pensemos que nosso livramento seja apenas de caráter parcial, ou por meio de ritos místicos, cerimônias dolorosas, adoração de anjos ou por qualquer

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324 COLOSSENSES 1.13,14

outro meio (naquele tempo e agora); devemos paulatinamente trabalhar para sair do pecado e chegar à santidade. Fomos libertos de uma vez por todas. Não fomos transplantados das trevas para a meia-luz, e, sim, da horrenda escuridão para a “maravilhosa luz” (IPe 2.9). Chegamos mesmo agora ao “reino do Filho do seu (do Pai) amor”.50 Aqui está o que pode verdadeiramente ser chamado de “escatologia realizada”. Em princípio, na presente vida já participamos da glória prometida. Deus já iniciou a boa obra em nós; e quanto ao futuro, cada um de nós pode testificar:

“A obra em mim começada por tiSerá por tua graça plenamente terminada” (cf. SI 138.8; Fp 1.6).

“Nós já recebemos o Espírito Santo. E sua presença habitante em nós é o “penhor” (primeira parcela e sinal) de nossa herança (Ef 1.4; cf. 2Co 1.22; 5.5). E a garantia de um glorioso porvir ainda maior. Isso segue também o fato de que o Cristo, que nos concedeu o mérito desta glória, é “o Filho do amor do Pai”. Ele é ao mesmo tempo o objeto deste amor (Is 42.1; SI 2.7; Pv 8.30; Mt 3.17; 17.5; Lc 3.22) e sua manifes­tação pessoal (Jo 1.18; 14.9; 17.26). Como então o Pai “juntamente com ele” não nos daria graciosamente todas as coisas? (Rm 8.32). Fo­mos transplantados para o Reino do Filho do amor de Deus, em quem temos nossa redenção, isto é, nossa libertação como resultado do pa­gamento de um resgate. Assim como na antiga lei de Israel a vida condenada podia ser resgatada (Êx 21.30), assim nossa vida, condena­da pelo pecado, foi resgatada pelo derramamento do sangue de Cristo (Ef 1.7)51. Além do mais, como observa A. Deissmann: “Quando qual­

50. Nesse ponto devemos ter cuidado para não sobrecarregar a exegese com distinções inoperáveis, por exemplo, aquela segundo a qual “o reino do Filho” pertence ao presente, mas o “de Deus” ao futuro. Veja Kõnigsherrschaft Christi und Kirche im N.T. de O. Cullmann. Contra essa interpreta­ção, que se baseia muito em 1 Coríntios 15.23 s., Karl L. Schimidt corretamente afirma que é impos­sível falar do reino de Cristo sem falar também do reino de Deus (artigo p ac i^e ía no Th. W.N. T., vol 1, pág. 582). O exame cuidadoso de passagens tais como Efésios 5.5, Apocalipse 12.10, e uma comparação de Romanos 14.17 com João 18.36 e 1 Coríntios 4.20 mostra que não é possível fazer uma distinção clara onde quer que esses dois termos ou os seus sinônimos são empregados. Clara­mente, o reino de Deus é eterno. Mas também o é o reino do Filho (Lc 1.33; Hb 1.8; 2Pe 1.11).

51. Apesar de, segundo a melhor evidência textual, as palavras “pelo seu sangue” (cf. Ef 1.7) não poderem ser inseridas em Colossenses 1.14, a idéia não pode ser excluída. Aliás, Biichsel nega que em nenhuma referência bíblica à redenção, a idéia de pagamento de resgate esteja presente (artigo ómoM-cpcocnç, Th. W.N.T., vol. IV, págs. 354-359). Mas a evidência está claramente do outro lado. Mateus 20.28; Marcos 10.45 mostram que Cristo veio para dar sua vida em resgate por muitos. As palavras “pela redenção que está em Cristo Jesus” (Rm 3.24), à luz do verso que se segue imediata­mente, indica o pagamento de resgate com sangue. A mesma idéia é expressa não apenas em Efésios 1.7, como já foi mencionado, mas também em Hb 9.15 (cf. v. 12). É verdade que por uma troca de

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COLOSSENSES 1.13,14 325

quer pessoa ouvia a palavra grega Xmpov, resgate (na qual é baseada a palavra òoto^vxpcoaiç, redenção)(...) era natural pensar-se no paga­mento em dinheiro para alforriar escravos”. Logo, “nele”, isto é, pela união espiritual com ele (Cl 3.1-3), a plena e gratuita redenção é nos­sa. Portanto, essa redenção é o livramento da maldição (G13.13), parti­cularmente da escravidão do pecado (Jo 8.34; Rm 7.14; ICo 7.23), e livramento para a verdadeira liberdade (Jo 8.36; G1 5.1). Pelo paga­mento de um resgate feito por Cristo, e nossa fé nele, obtivemos do Pai o perdão ou remissão dos nossos pecados (cf. SI 103.12). A corrente que fortemente nos prendia foi partida. Apesar de o apóstolo usar essa expressão “perdão de pecados” (que ocorre com tanta freqüência no Novo Testamento),52 apenas aqui, em Efésios 1.7 (perdão de... delitos), e apesar de geralmente indicar uma idéia semelhante por meio de pala­vras e frases que pertencem à família da “justificação pela fé”, ele esta­va, ainda assim, bem familiarizado com a idéia de perdão de pecados (como demonstra Rm 4.7; 2Co 5.19; e Cl 2.13 e 3.13). Aliás, em Colossenses, a idéia de perdão de pecados é até mesmo enfatizada. (Veja nota de rodapé 134.)

A justificação e a remissão são inseparáveis. Também o são a re­denção e a remissão, embora isso tenha sido por vezes negado. Desse modo, Irineu, na sua obra Contra Heresias I. xxi. 2, escrita por volta de 182-188 d.C., relata acerca de certos hereges do seu tempo que ensina­vam que aqui nessa vida a salvação acontece nos dois estágios seguintes:

a. Remissão de pecados no batismo, instituído pelo Jesus visível e humano;

d. Redenção num estágio mais avançado, por meio do Cristo divino que desceu sobre Jesus. Nesse segundo estágio, a pessoa, cujos pecados já foram perdoados, atinge a perfeição ou plenitude.

É possível, face a passagens tais como Colossenses 2.9,10; 4.12,semântica, uma conotação mais geral - l iv ra m en to , em a n c ip a çã o , so ltu ra , re s ta u ra çã o , descartan­do a idéia de “pelo pagamento de resgate” - se liga à palavra em Lucas 21.28; Romanos 8.23; 1 Coríntios 1.30; Efésios 1.14; 4.30; Hebreus 11.35. Mas não é justo generalizar. Cada passagem deve ser estudada no seu próprio e específico contexto. Uma vez após a outra, Paulo enfatiza a idéia de que nosso Senhor pagou um enorme preço para obter redenção para seu povo. E a luz de passagens como i Coríntios 6.10; 7.23; Gálatas 3.13; 4.5; 1 Timóteo 2.6 que Colossenses 1.14 deve ser explicado (outros textos relevantes são: SI 49.8; Mt 20.28; Mc 10.45; Jo 1.29; 3.17; IPe 1.18,19; Ap 5.,6,9,12; 7.14; 12.11).

52. Veja Mateus 26;28; Marcos 1.4;Lucas 1.77; 3.3; 24.47; Atos 2.38; 5.31; 10.43; 13.38; 26.18. Para relato mais completo, cf. E. Percy em D ie P r o b lem e d e r K o lo s s e r u n d E p h e s e r b r i e fe , págs. 85,86. Também B.B. Warfield, The P e r s o n a n d Work o fC h r i s t , pág. 429 segs., e E.K. Simpson, Words Worth W eigh ing in th e G reek N ew T estam en t, pág. 8 segs.

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326 COLOSSENSES 1.15-20

que os falsos mestres de Colossos já estivessem espalhando essa noção ou outra similar. De qualquer modo, foi por meio do Espírito Santo, que sabe todas as coisas, mesmo antes de acontecerem, e, portanto, é capaz de expedir advertências que se apliquem ao futuro bem como ao presen­te, que o apóstolo escreveu essas palavras. Elas indicam claramente que quando um pecador é transplantado do poder das trevas para o reino da luz, ele deve ser considerado como tendo sido redimido, e que essa re­denção implica a remissão de pecados.

1.15-20III. A preeminência do Filho

Os versos 15-20 formam uma unidade. Se não foi uma pérola literá­ria composta pelo próprio apóstolo, era provavelmente um hino ou al­gum testemunho fixo da Igreja primitiva adotado por Paulo e reproduzi­do aqui por ele sem mudança alguma, ou com alterações cabíveis às necessidades da igreja colossense. De qualquer modo, é uma unidade, e por essa razão está impressa aqui na sua totalidade. E já que claramente consiste de duas partes, essas são reproduzidas aqui em colunas parale­las.53 A relação do tema às duas divisões é como segue. A preeminência do Filho é demonstrada:

A. Na criação (vv.15-17)15. Que é a imagem do Deus

invisível,O primogênito de toda criatura,

16. Pois, por meio dele, foram criadas todas as coisas Nos céus e na terra,As visíveis e as invisíveis, Sejam tronos ou domínios ou principados ou autoridades, Todas as coisas foram criadas Por meio dele e com vistas a ele;

B. Na Redenção (vv. 18-20)18. E ele é o cabeça do corpo,

a igreja;Que é o princípio, o primo­gênito dos mortos,Que em todas as coisas ele possa ter a preeminência,

19. Pois nele, ele [Deus] agradou- se em habitar toda a plenitude,

20. E por meio dele reconciliar consigo todas as coisas,

53. Com o fim de enfatizar a correspondência formal entre A e B .,a seção B é freqüentemente impressa iniciando-se com o verso 18b. Assim ambas A e B, começariam com as palavras “que é”. Com relação ao c o n t e ú d o , por outro lado, B deveria iniciar como está impresso, isto é, com o verso 18a, que pertence claramente à preeminência de Cristo na esfera da redenção.

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COLOSSENSES 1.15-20 327

17. E ele é antes de tudo,E todas as coisas se firmam nele.

Havendo feito a paz pelo san­gue da sua cruz,Por meio dele, sejam as coisas da terraOu as coisas nos céus.

Essas linhas são muito impressionantes e solenes. Note os seguintes pontos de correspondência entre A e B:

A. B.(1) “Que é” no verso 15 18(2) “O primogênito” no verso 15 18(3) “Pois, por meio dele” no verso 16 19(4) “Nos céus e na terra” no verso 16 cf.20

As mesmas expressões se acham não apenas em ambas as colunas, mas aparecem na mesma seqüência. Existe um paralelismo definido de idéias e formas. A glória de Cristo na Criação é balanceada por sua majestade na Redenção. Existem ainda outros pontos de semelhança; por exemplo, a expressão “todas as coisas”, ocorrendo quatro vezes nos versos 15-17 e duas vezes nos versos 18-20. E as palavras “por meio dele”, do verso 16, são repetidas duas vezes no verso 20.

Quanto à origem e natureza destas linhas impressionantes, solenes e cuidadosamente balanceadas, existem dois pontos de vista básicos. Veja, entretanto, nota de rodapé.54

54. A. Diversos Pontos de Vista(1) Os versos 12-20 devem ser considerados como liturgia batismal cristã primitiva, que nos ver-

sosl5-20 se serve de um hino de origem gnóstica. Emst Käsemann, “Eine urchristliche Tauflitur- gie”, Festschrift Rudolf Bultmann zum 65. Geburtstag Überreicht (1949), págs. 133-148.

(2) Colossenses 1.15-20 é parte de uma liturgia eucarística. G Bom kam m , Theol. Blätter, 1942, pág. 61.

(3) Colossenses 1.13-29 nos mostra um culto cristão primitiva. Existe um padrão definido no arranjo das sentenças segundo um esquema numérico de 3-7,3-7. Emst Lohmeyer, no Meyer Com­mentary (8s edição, 1930).

(4) Colossenses 1.15-20 constitui um dos primeiros hinos cristãos. Paulo inclui esse hino na sua carta aos Colossenses. O.A. Piper, “The Savior’s Eternal Work; na exegese de Colossenses 1.9-29”, Int 3 (1949), págs. 286-298.

(5) A passagem é uma confissão cristológica composta por Paulo. Essa foi a conclusão a que finalmente chegou Martin Dibelius. Veja seu comentário An die Kolosser, Epheser, an Philemon, no Uetzmann’s Handbuch zum Neuen Testament, 3a edição revista por H. Greeven, 1953. Emst Percy lambém cria que as frases tenham sido escritas por Paulo. Como prova, ele citou semelhança de estilo (cf. Cl 1.16 com ICo 3.21; 12.13; G1 3.26-28). Veja sua obra sobejamente conhecida Die Probleme der Kolosserund Epheserbriefe, pág. 65.

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328 COLOSSENSES 1.15-20

(6) As frases incorporam formas tradicionais de predicação, períodos judeus e uma fórmula de onipotência estóica. Eduard Norden, Agnostos Theos, 1913.

(7) Têm sua origem na Literatura Judaica de Sabedoria (Pv 8.22-31; Eclesiástes 1.4; 43.26). H. Windisch, “Die göttliche Weischeit der Juden und die paulinische Christologie”, em Neutest. Studi­en fü r Heinrici, 1914, págs. 220-234. Estreitamente relacionada a isso está a sugestão de C.F. Bur­ney de que essas frases possam ser uma meditação sobre Provérbios 8.22 ligada a Gênesis 1.1. Veja seu artigo “Christas theARXH of Creation”, JTS xxvii (1925,1926), págs. 160 segs. Outro ponto de vista relacionado é que a passagem Colossenses 1.15-20 seja composta “pelo próprio São Paulo, apesar de esse ter possivelmente buscado, em parte, palavras de algum hino helenístico à Sabedoria ou Palavra de Deus”. C.F.D. Moule, The Epistle o f Paul the Apostle to the Colossians and to Philemon, pág. 61.

(8) Elas incorporam um hino cristão primitivo de louvor a Cristo, aumentado pelas palavras “e ele é o cabeça do corpo, a igreja”. A passagem deve ser considerada como uma composição não paulina (C.Masson, Comm. du NT, vol X). Pela eliminação de certas palavras ele chega a um paralelismo que segue regras rigorosas e definidas.

(9) Seja qual for a sua origem, elas demonstram um padrão de estilo definido, um arranjo estrófico. Mas o que é exatamente esse arranjo estrófico? Foram feitas várias tentativas de reconstrução. Além dos de Kãsemann, Lohmeyer, Norden e Masson (veja acima referência a seus escritos), existem os de P. Benoit, La Sainte Bible traduite emfrançais sous la direction de l ’Ecole Biblique de Jérusalem', G. Schille, “Liturgisches Gut im Epherserbrief ’ (dissertação doutoral, Göttingen, 1952); C.Maurer, “Die Bergründung der Herrschaft Christi Uber die Mächte nach Kolosser, 1.15-20”, Wort und Di­enst, Jahrburch der Theologischen Schule Bethel, n.F.IV (1955), págs. 79-93; e por ultimo, mas não menos importante, J.M. Robinson, “A Formal Analysis os Colossians 1.15-20”, JLB, vol. LXXVI, Parte IV (Dezembro, 1957) págs. 270-288.

( 10) Apesar do estilo formal e a correspondência entre Colossenses 1.15-18a e 18b-20 conceder a essas linhas uma surpreendente e solene idéia particular, essas características não provam se estamos lidando aqui com um hino ou outra unidade litúrgica, ou se temos um exemplo da própria pregação de Paulo a respeito da glória de Cristo. A unidade hinológica é obtida somente após uma reconstru­ção considerável do texto. H. Ridderbos, Aan De Kolossenzen, no Commentaar op het Nieuwe Testament, pág. 151. Entretanto ele favorece definitivamente a divisão de Colossenses 1.15-20 em duas e não em quatro partes.

B. CríticaVárias destas teorias estão abertas a serias objeções. Assim, numa carta que combate o gnosticismo

incipiente, dificilmente se procuraria a incorporação de um hino gnóstico. E, mais, se todas as coisas foram criadas nele, por meio dele e com vistas a ele, e se todas as coisas se convergem nele, então não existe nenhuma necessidade de se enxergar qualquer influência estóica nessa idéia. Quanto à possível influência da literatura de Sabedoria, se existir tal influência, ela pertenceria ao modo de expressão e não diretamente à essência. Ela é, quando muito, uma forma marginal e afetiva em vez de forma de conteúdo. Além do mais, a personificação poética da Sabedoria encontrada na literatura de Sabedoria não é diretamente o próprio Filho de Deus a quem Paulo tem imediatamente em mente em Colossenses. Quanto às teorias que, sem qualquer apoio textual, deixam completamente fora ou reorganizam palavras, frases ou sentenças inteiras, a fim de se poder chegar a esse ou àquele esque­ma estrófico preciso, nas quais tudo será perfeitamente balanceado, não posso aceitá-las. O próprio fato de que tantas delas foram testadas, cada qual alegando ser melhor do que as outras, as condena. Quanto ao encontrar-se aqui uma liturgia batismal ou eucarística, isso também é muito subjetivo. É “encontrada” por aqueles que a colocam ali.

A verdadeira razão de Colossenses 1.15-20 está pronta e ao alcance. A razão é a própria pessoa de Cristo, aquele que existiu desde toda a eternidade, se fez carne, completou seu admirável ministério terreno, sofreu e morreu de modo vicário, ressurgiu dos mortos, subiu ao céu, e da direita do pai enviou o Espírito.

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COLOSSENSES 1.15-20 329

A primeira destas duas teorias aceitáveis é esta: o próprio Paulo compôs e ditou as linhas. Os que são a favor desse ponto de vista geral­mente acrescentam que Colossenses 1.15-20 não é um hino.

A segunda é esta: a passagem é um hino pré-paulino ou um bem conhecido e freqüentemente repetido dito ou testemunho primitivo. Pau­lo, tendo aprendido esse “hino” ou “dito”, que se tornou querido do seu coração, fez dele parte de sua carta, sem acréscimos e alterações, ou então com pequeninas mudanças a fim de servir ao seu propósito.

Os seguintes argumentos têm sido desenvolvidos em favor da pri­meira alternativa:

(1) A métrica quantitativa reconhecível, como a que se pode esperar num hino, é encontrada aqui somente após considerável reconstrução conjectural.

(2) Era natural, para Pau Io, uma pessoa altamente emotiva, escre­vendo sobre um tema grandioso (a preeminência de Cristo), se expres­sar de maneira tão solene. E já que diversas passagens do Antigo Testa­mento, bem familiares a Paulo, louvavam a majestade de Jeová em fraseologia paralelística, o apóstolo, sob a direção do Espírito, quase que naturalmente se expressaria em linguagem similar na apresentação da majestade de Cristo.

(3) Não existe nada nessa passagem que possa ser considerado ad­verso ao tema principal de Paulo em Colossenses.

(4) O Paulo de 1 Coríntios e Gálatas escreve em estilo semelhante. Veja nota de rodapé 54, item A(5).

Os que discordam podem responder da seguinte maneira:Com relação a (1). Todo hino tem métrica quantitativa reconhecível?Quanto a (2). Uma pessoa que estivesse escrevendo uma carta es­

pontaneamente, num estilo livre e corrente, comporia uma passagem consistindo de duas partes que contivessem não apenas as mesmas ex­pressões, mas até mesmo as colocaria na mesma seqüência?

Quanto a (3). Verdade, mas isso não entra em conflito com nenhu­ma teoria?

Com relação a (4). Na melhor das hipóteses, as passagens às quais Percy se refere fornecem prova apenas parcial. Elas não contêm um verdadeiro e pleno estilo paralelo ao que é encontrado em Colossenses1.15-20.

Ora, apesar da primeira teoria, no final de contas, ser correta, pare­ce haver argumento mais forte de apoio à segunda. Note o seguinte:

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330 COLOSSENSES 1.15-20

(1) A igreja primitiva não possuía somente seus Salmos do Antigo Testamento, mas também outros hinos (cf. ICo 14.26). Paulo gostava de “salmos, hinos e cânticos espirituais”.

Isso não está claramente enunciado em Colossenses 3.16?Não está vivamente ilustrado em 1 Timóteo 3.16?E também claramente motivado por João 3.16?A igreja primitiva tinha também seus famosos “ditos fidedignos”

(lTm 1.15; 3.1; 4.8,9; 2Tm 2.11-13; Tt 3.4-8). Tais ditos, testemunhos, confissões e cânticos eram passados de boca em boca e de coração para coração, até se entranharem na própria alma da comunidade, onde, em tomo deles, giravam todos os medos, esperanças, lutas e alegrias dos crentes. Portanto, não seria de estranhar se Paulo, em Colossenses 1.15­20, estivesse na realidade citando exatamente, ou com alguma palavra adicional de um pedido, dito ou hino que já houvesse assegurado para si um lugar de proeminência na vida da igreja.

Note, além do mais, que Colossenses 1.15-20 porta um testemunho à grandeza de Cristo, que é o próprio tema de 1 Tm 3.16. Aquela passa­gem, como já foi indicado, era, com toda probabilidade, outro hino. Relacionado a isso pode ter certa significância o fato de que uma gera­ção após a morte de Paulo, Plínio, o Moço, descrevendo os cristãos do seu tempo ao imperador Trajano, relate, “Eles afirmaram ainda, que o montante da sua culpa ou erro era esse: tinham o hábito de se reunir num certo dia fixo, antes do amanhecer, quando cantavam, em versos alternados, um hino a Cristo como se fora a um Deus...” (Letters X.xcvi).

(2) O pronome relativo “que” em “que é” (v. 15, e especialmente 18) “não é obviamente natural” (C.F.D. Moule, obra citada, pág. 62). Tem toda a aparência de ter sido tomado de empréstimo de um hino que pode ter sido precedido de palavras tais como: “Agradecemos ao nosso glo­rioso Senhor Jesus” (isso é comparável ao pressuposto antecedente pelo hino citado em lTm3.16). (VejaCNT em 1 e2Tm eTt, págs. 137,138.)

(3) A natureza cuidadosamente construída da passagem, Colossenses1.15-20, a correspondência paralela das suas duas partes, a reincidên­cia de palavra e frases na mesma seqüência nas duas seções, é mais natural em um hino do que no estilo livre e fluente de uma carta.

Antes de se tentar o estudo das partes em separado, a passagem deve ser vista na sua totalidade. É preciso notar-se os seguintes pontos:

(1) A passagem indica pelo menos o seguinte: somente cerca de trinta anos após Jesus sofrer a morte vergonhosa na cruz é que lhe foi atribuída honra divina. Sua preeminência, tanto na criação como na

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COLOSSENSES 1.15-20 331

redenção, e sua exaltação acima de toda criatura estavam sendo clara­mente proclamadas pelo apóstolo Paulo. Todavia, se a passagem cons­titui citação de uma fonte anterior, o que é distintamente possível, signi­fica que o reconhecimento de Jesus como Deus antecedeu até mesmo Paulo. Veja Jo 20.28; cf. 1.1-18.

(2) Pela forte insistência na grandeza de Cristo, essa passagem indi­ca que ele é capaz de conceder aos colossenses as coisas que Paulo, em sua linda oração (vv.9-14), havia pedido para eles. Essa é a conexão entre a oração e o “hino” ou testemunho. Tal certeza era necessária, pois o apóstolo havia pedido nada menos que o pleno conhecimento da vontade de Deus, toda a sabedoria e entendimento espirituais, frutifi­cando em toda boa obra, e todo o poder para exercer todo tipo de per­severança e longanimidade.

(3) Colossenses 1.15-20 retrata um Cristo que sustém em sua pode­rosa mão, e cerca com seu amoroso coração, o domínio da criação e da redenção. Ele que é “o primogênito de toda a criação” é também “o primogênito dos mortos”. Aquele que morreu na cruz sabe o nome da mais distante estrela. Ele não apenas a conhece, mas a guia. Melhor ainda: ele a controla de tal maneira que ela sirva aos interesses do seu povo (Rm 8.28). As chamadas “leis da natureza” não possuem existên­cia independente. São expressões da sua vontade. E porque ele se agra­da da ordem e não da confusão, é possível falar-se de leis. Aquele que em resposta às orações concede a certeza da salvação, é também capaz de responder uma oração que pede chuva.

A aplicação desta verdade, hoje, é imediatamente evidente. Já que o Cristo do Calvário governa os céus e a terra para o benefício do seu reino e para a glória do seu nome, tendo sempre a vitória do bem sobre o mal, nem a informática, nem bomba ou ameaça comunista, nem recessão ou desequilíbrio econômico, nem acidente fatal ou declínio gra­dual do vigor mental, nem alucinação devido a disfunção nervosa ou qualquer invasor do espaço (a respeito dos quais algumas pessoas têm pesadelos) não conseguirão nos separar do seu amor (Rm 8.35,38). Aquele que nos diz como ir ao céu, e na realidade nos leva para lá, sabe também como tudo caminha; pois ele, em quem todas as coisas foram criadas e se “convergem” nele, por meio dele e para ele, as faz exercer sua missão e ir ao lugar por ele predestinado.

(4) Contra os hereges que ameaçavam a igreja colossense e procla­mavam a insuficiência de Cristo, essa passagem apresenta a sua sufi­ciência total para a salvação. Essa salvação engloba não apenas o ser salvo da ira de Deus, livre da sentença condenatória e do castigo eterno,

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332 COLOSSENSES 1.15

mas também o ser espiritualmente regenerado e fortalecido, a fim de que possa deixar de lado a velha natureza com seus muitos vícios (Cl 3.5-9) e vestir-se da nova natureza com suas muitas virtudes (Cl 3.1­3,12-17). É o Cristo Tbífo-suficiente, ele e somente ele, que traz seu povo à glória. Assim o apóstolo, mesmo nessa admirável passagem (Cl1.15-20), está na realidade tratando das implicações práticas da fé em Cristo. Contrastando-se com essa fé, as noções dos falsos mestres se desfazem em coisas sem valor.

(5) A passagem também ensina claramente que a ação redentora de Cristo abrange o universo. Nele, Deus teve prazer em reconciliar consi­go todas as coisas. Veja comentário a respeito de 1.20

Voltando-nos agora para as partes nas quais está dividida a seção (vv. 15-20), notamos a Preeminência do Filho.

A. Na criação15. Paulo escreve: Que é a imagem do Deus invisível. Isso nos traz

à memória Gênesis 1.27, onde se relata que o homem foi criado à ima­gem de Deus. Como tal, foi-lhe dado domínio sobre o restante da cria­ção. É significativo que o Salmo 8, onde esse domínio é descrito com certo detalhe, seja interpretado pelo autor da epístola aos Hebreus de forma messiânica (Hb 2.5-9). Mas, apesar desta referência à criação do homem à imagem de Deus e conseqüente domínio bem que pode ter estado nos bastidores, ela não outorga plena justiça à idéia expressa aqui em Colossenses no que tange ao Filho. O homem não é de Deus, apesar de ser a imagem de Deus. Mas, como imagem do Deus invisível, o Filho é, antes de tudo, o próprio Deus. “Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9; cf. Rm 9.5). “Nele estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento” (2.3). Em segundo lugar, como imagem do Deus invisível, o Filho de Deus revelado. Nos escritos de Paulo, não é nova essa identificação do Filho com o próprio Deus, do Filho como sendo a imagem de Deus ou a manifestação de Deus. Também, numa carta aos Coríntios escrita vários anos antes, o apóstolo havia chamado a Cristo de “a imagem de Deus” (2Co 4.4). A essa deveria ser comparada a descrição feita pelo apóstolo de seu Se­nhor, em Filipenses (carta essa provavelmente escrita logo após a de Colossenses), a saber, “subsistindo em forma de Deus” (veja CNT em Fp 2.6). Temos aqui em Colossenses 1.15o mesmo ensinamento encon­trado em Hebreus 1.3; onde o Filho é chamado de “resplendor da glória de Deus e a própria estampa da sua substância”. “No princípio era a Palavra, e a Palavra se achava face a face com Deus, e a Palavra era

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COLOSSENSES 1.16 333

Deus... Ninguém jamais viu a Deus. O único Deus amado, que se en­contra no seio do Pai, é ele que o fez conhecido” (Jo 1.1,18; cf. também Jo 10.30,38; 14.9; Ap 3.14). É no Filho que o Deus invisível se tomou visível, a fim de que o homem contemple aquele que é invisível (cf. lTm 1.17; 6.16).

Ora, se o Filho é a própria imagem do Deus invisível, e se esse Deus invisível é de eternidade em eternidade, então também o Filho deve ser a imagem de Deus, eternamente. Com relação à sua divindade, ele não pode pertencer à categoria de tempo e espaço. Ele não pode ser uma mera criatura, mas deve estar numa classe sozinho, isso é, exaltado acima de toda criatura. Como conseqüência, o apóstolo prossegue: o primogênito de toda criatura ,55 isto é, Aquele a quem pertencem o direito e a dignidade do primogênito em relação a toda criatura. Que a expressão “o primogênito de toda criatura” não pode significar que o próprio Filho também seja uma criatura, o primeiro de uma longa linha­gem, é certamente estabelecido no verso 16. Ele é antes de, distinto de, e altamente exaltado acima de toda criatura. Como primogênito ele é o herdeiro e soberano de tudo. Note o salmo 89.27:

“Farei dele também meu primogênito, ^O mais elevado dos reis da terra” (cf. Ex 4.22; Jr 31.9).

O mesmo pensamento é expresso em Hebreus 1.1,2: “Deus... nos falou pelo seu Filho, a quem nomeou herdeiro de todas as coisas, por meio de quem fez também os mundos”.

16. A interpretação que acabamos de dar harmoniza o verso 15 com o 16, que mais uma vez enfatiza a preeminência de Cristo acima de toda criatura. E isso, que seja enfatizado novamente, era afinal o tema principal de Paulo contra os falsos mestres que estavam incomodando a igreja em Colossos. Nós lemos:

Pois, por meio dele, foram criadas todas as coisasNos céus e na terra,As visíveis e as invisíveis,Sejam tronos ou domínios ou principados ou autoridades,Todas as coisas foram criadas por meio dele, e com vistas a ele.Todas as coisas - não faz diferença se são materiais ou espirituais -

55. Pouca diferença faz no resultado final se j c ó s j t i ç k x í c t e c o ç for traduzido como “de toda a cria­ção” (cf. Rm 8.22) ou “de toda criatura” (cf. Rm 8.39). Favorecendo a “de toda criatura” estíí a ausência do artigo (aqui em Cl 1.15). Em relação a rafar|ç, é de se esperar o artigo sc o sentido for “de toda a criação”.

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334 COLOSSENSES 1.16

foram criadas nele, isto é, em relação ao Filho, o primogênito. Assim como em duas paredes os tijolos são colocados em relação à pedra fundamental da qual derivam seu ângulo e direção, assim também foi em relação a Cristo que todas as coisas foram criadas. Ele constitui seu Ponto de Referência. Além disso, é por meio dele, como o Agente da criação e com vistas a ele ou para ele como o Alvo da criação que as coisas devem seu estado latente (“foram criadas”). Todas as criaturas, sem qualquer exceção, devem render glória a ele e servir ao seu propó­sito. Mas não foi Deus o Pai - ou o Deus Trino - e, não o Filho, aquele para quem todas as coisas vieram a existir? E passagens como Roma­nos 11.36, 1 Coríntios 10.31 e Efésios 4.6 não apontam nesse rumo? Entretanto, deve-se ter em mente, aqui, que a ênfase do apóstolo nessa carta é que o Filho também é plenamente divino. Nele toda a plenitude da divindade habita corporalmente (Cl 2.9). Logo, é inteiramente ra­zoável, para ele, dizer que o Filho não é apenas aquele a quem todas as coisas devem sua origem como Agente divino na sua criação, mas tam­bém o Alvo da sua existência. Ele é o Senhor soberano de todas as criaturas. Logo, não há absolutamente nenhuma justificativa para se confiar, buscar ajuda ou adorar qualquer mera criatura, mesmo se essa criatura for um anjo. Os anjos também, por mais exaltados que sejam, são criaturas, e como tais são sujeitas a Cristo. A região a qual perten­cem, eles ou qualquer outro ser criado, ou que se pensa ser ocupada por eles, se essa região for o céu, a terra ou algum lugar intermediário, não faz diferença alguma. Note as linhas cruzadas ou a forma quiástica em que é expresso esse pensamento:

“Pois por meio dele foram criadas todas as coisas”Nos céus e na terra

As visíveis e as invisíveisAqui está claro que as criaturas visíveis são aquelas vistas como

sendo as da terra; as invisíveis como sendo as do céu.Paulo está pensando especialmente em tronos ou domínios ou prin­

cipados ou autoridades. Os falsos mestres estavam constantemente se referindo a esses seres angélicos. O apóstolo não nega a existência deles (Ef 1.21,22). Nem rejeita a idéia de que são capazes de exercer influên­cia para o bem, se não forem os caídos (acerca disso veja CNT em lTm

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COLOSSENSES 1.17 335

5.21), ou para o mal, se forem os caídos (Ef 6.12). A idéia do apóstolo é a seguinte: os anjos não têm poder fora de Cristo. Aliás, eles nem mesmo podem existir sem ele. São criaturas e nada mais. Por si mes­mos não podem contribuir em nada para a salvação ou aperfeiçoamento dos colossenses. Podem apenas prestar serviço, e isso sempre em sujei­ção a Cristo pelo seu poder. Os anjos bons não podem acrescentar nada à plenitude das riquezas e recursos que os crentes possuem em Cristo. Os anjos maus não podem separá-los do seu amor (Rm 8.35-39). De fato, por meio de sua morte, esses poderes sinistros foram basicamente vencidos (Cl 2.15). Estão caminhando para aquele dia em que até sua habilidade de fazer mal ao universo de Deus e ao coração e vida dos habitantes da terra será erradicada de uma vez por todas (1 Co 15.24,25).

A enumeração: “tronos, domínios, principados e autoridades” não significa necessariamente uma classificação dos anjos em quatro gru­pos distintos, tanto em escala ascendente como descendente de eminên­cia, como se estas fossem classes distintamente diferenciadas. E possí­vel, entretanto, que os tronos e domínios devam ser encarados como tronos de espíritos, isto é, que tais espíritos habitem na vizinhança ime­diata do trono de Deus (cf. o querubim, Ap 4.6). Assim presumindo-se, os principados e autoridades geralmente mencionados juntos (Cl 1.16; 2.10,15; Ef 1.21; 3.10; ICo 15.24) podem ser espíritos de uma casta mais baixa. Mas, seja qual for, o que Paulo está dizendo é: “Esses seres angélicos dos quais os falsos mestres tanto se ocupam, chamem-nos do que quiserem (Ef 1.21; Fp 2.9,10), são meras criaturas, e tendo sido criados por intermédio e para Cristo, estão sujeitas a ele”. Naturalmen­te, a inferência é essa: que para a salvação vocês devem esperar tudo dele, e somente dele, e não dele e dos anjos.56

17. Ora, se todas as coisas foram criadas por meio dele e com vistas a ele (v. 16), é lógico que ele precedeu, no tempo, a todos os seres cria­dos. De fato, “nunca houve época em que ele não existisse”. Ele era “amado do Pai antes de todos os mundos” (Credo de Nicéia). E assim o “hino” prossegue: E ele é antes de tudo. Ele é, portanto, o Precursor. A doutrina da preexistência de Cristo desde a eternidade é ensinada ou insinuada em passagens tais como João 1.1; 8.58; 17.5;2Coríntios8.9; Filipenses 2.6; Apocalipse 22.13. Ele é certamente o Alfa e o Omega, o primeiro e o último, o princípio e o fim. E essa prioridade temporal por

56. Acerca desses tronos, domínios, etc., veja os seguintes: Slav, E noch 20.1; Test. L evi 3 (A nte- N icene F ath ers, vol. VIII, pág. 13);eno Th.W.N.T. os seguintes artigos: Schmitz, epóipç, págs. 160­167, especialmente pág. 167; Michel, Kupukriç III, pág. 1096; Delling, ópxií, I. págs. 477-488, especialmente págs. 481 -483; e Forester, è^oucía, II, págs. 559-571, especialmente págs. 568-571.

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336 COLOSSENSES 1.17

sua vez sugere preeminência e majestade em relação a todas as criatu­ras. E todas as coisas se firmam nele. A posição central de Cristo é defendida aqui contra os que a rejeitam. Aquele em relação ao qual, por meio do qual e com vistas ao qual todas as coisas foram criadas, é também aquele que as sustém. A unidade, a ordem e a harmonia eviden­te em toda a natureza e em toda a história podem ser traçadas até se chegar ao Mantenedor ou Sustentador de tudo (Hb 1.1-3).

Todas as coisas se firmam; quer dizer, elas prosseguem em coe­rência.57

Existe ainda unidade e propósito em toda a natureza e história. O mundo não é um caos, mas um Cosmo. E um universo ordeiro, um sistema. É claro que isso nem sempre aparece exteriormente. A nature­za parece estar “nua e crua”, sem harmonia nem ordem. Mas um exame acurado indica logo um plano básico. Existe adaptação por todos os lados. Para a perpetuação de sua espécie, algumas plantas necessitam de determinados insetos. Esses insetos estão presentes e são tão extraor­dinariamente formados que são capazes de cumprir sua função. O urso polar é capaz de viver onde existe gelo e neve. Ele não escorrega no gelo porque tem pelo até na planta do pé. A iúca é uma planta capaz de sobreviver no deserto seco e escaldante porque além de possuir raízes que se aprofundam no solo em busca de água, tem folhas formadas de maneira tal que a evaporação é muito lenta. Nossos pulmões se adap­tam ao ar que respiramos e nossos olhos se ajustam à luz que vemos. Há coerência em toda parte.

Isso também é verdadeiro nos acontecimentos diários da História. Aqui também as coisas não são como parecem ser. Com freqüência a confusão parece dominar. Uma Mão guiando não está visível em ne­nhum lugar. Ao contrário, ouvimos a respeito de brados de batalha, gritos de angústia. E mais, os jornais estão repletos de arrombamentos e de roubos, assassinatos, estupros e conflitos raciais. Se compararmos a roda do universo a uma máquina, poderemos dizer que as engrenagens parecem não se encaixar. Mas é certo que um dia, num futuro distante,

57. O verbo 0 -uvlaxrnj.i (junto ao qual crimaTÓi/co e auviaxám são usados) significa (transitivo): Eu faço permanecer junto, eu reúno; eu trago alguém a outra pessoa; logo, eu apresento alguém a outra pessoa, eu recomendo ou confio uma pessoa ou coisa (Rm 16.1). No caso de recomenda­ção, esse verbo é às vezes usado favoravelmente - como na bem conhecida passagem de Romanos 5.8; algumas vezes com tons desfavoráveis (no sentido tanto desfavorável quanto favorável, respec­tivamente, veja as duas ocorrências deste verbo em 2Co 10.8). Aqui em Colossenses 1.17 ele é usado intransitivamente. A forma aqui é a 3* pessoa do singular perf. ativo indic. Para o uso do intransitivo, cf. também Lucas 9.32 (permanecendo com) e 2 Pedro 3.5 (seguindo ou consistindo de). A respei­to deste verbo, veja também L.N.T. (A e G), pág. 798.

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COLOSSENSES 1.18 337

tudo será harmonizado: “o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará com o cabrito; o bezerro e o leão novo e o animal cevado estarão juntos; e uma criancinha os guiará... Eles não farão mal nem destruirão em todo o meu santo monte; pois a terra estará cheia do conhecimento de Jeová como as águas cobrem o mar” (Is 11.6-9). Mas esse tempo ainda não chegou. Tudo agora é caótico. Mas será que realmente o é? Não deveríamos, em vez disso, comparar nosso mundo a uma peça de tecelagem, onde o avesso desenha formas indistinguíveis, mas o lado direito revela beleza e padrão harmônico? Ou a uma pista de pouso internacional? Apesar de haver aviões indo e vindo, deixando-nos ton­tos a ponto de pressentirmos uma colisão a qualquer momento, não precisamos prender nossa respiração, pois o homem da torre de controle dirige cada decolagem e cada aterrissagem. Assim também, todas as criaturas estão sendo firmemente mantidas em todos os seus movimen­tos ao longo da História. E o que as mantém firmes não é a sorte nem o destino, nem tampouco as leis da natureza, ou mesmo as “nove órbitas ou globos” do Sonho de Scipio. Pelo contrário, “todas as coisas se fir­mam nele". É o Filho do amor de Deus que segura em suas poderosas mãos as rédeas do universo e nunca, em nenhum momento, as deixa escorregar de seu controle (cf. Ap 4 e 5). Apesar de o homem carnal considerar isso pura tolice, o homem de fé proclama juntamente com o autor inspirado de Hebreus: “Agora não vemos ainda todas as coisas sujeitas a ele. Mas contemplamos... Jesus... coroado de glória e honra” (2.9). O crente sabe que enquanto o reinado de Cristo não for estabele­cido em cada coração humano, seu governo é fato real mesmo agora (Rm 8.28; cf. CNT em Fp 1.12). E o mar de cristal da Igreja triunfante louvará e glorificará para sempre a Deus por seus poderosos feitos e por seus caminhos (Ap 15.1-4).

Em suma, o hino mostra que no que se refere a todas as criaturas, Cristo é o Primogênito (v. 15), Ponto de Referência, Agente, Alvo (v. 16), Precursor e Sustentador-Govemante (v. 17).

B. Na Redenção18. A seção que demonstra a preeminência do Filho na esfera da

criação terminou. Aqui no verso 18 tem início o parágrafo que descreve sua igual soberania na esfera da Redenção. Lemos: E ele é o cabeça do corpo, a igreja. Essa expressão é algo novo nos escritos de Paulo, se a consideramos como originada do apóstolo ou, como aqui, se servindo de um hino ou dito familiar. Ela não é encontrada em nenhuma das primeiras epístolas tais como Gálatas, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2

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338 COLOSSENSES 1.18

Coríntios ou Romanos. Mas seria insensato, nessa consideração, dizer que Paulo não pode ter sido o autor ou o confirmador da idéia de que Cristo é, com certeza, o cabeça do corpo, a saber,a Igreja. É certo que nas primeiras cartas o apóstolo não escreveu sobre Cristo como o cabe­ça da Igreja, mas sobre a Igreja como o corpo de Cristo (Rm 12.5; ICo12.12-31, especialmente o v.27). Seu objetivo era mostrar que naquele único Corpo existem muitos membros (“pé”, “mão”, “ouvido”, “olho”); em outras palavras, que nesse único organismo da Igreja existem mui­tas funções distribuídas entre um grande número de crentes, e que cada “membro” deve usar seus talentos a fim de beneficiar todo o corpo. Ele não afirmou especificamente nestes escritos que o cabeça deste corpo fosse Cristo. Esse não era o ponto em questão nestas primeiras cartas. Em Colossos, no entanto, essa supremacia ou preeminência de Cristo era exatamente a verdade que necessitava receber ênfase, como já foi demonstrado. E por essa razão que esse aspecto específico da doutrina é proposto aqui em Colossenses e não nas epístolas que foram escritas mais cedo.

Mesmo assim não se pode manter como verdadeiro que a proposi­ção “Cristo é o cabeça da igreja” seria absolutamente estranha ao pen­samento de Paulo, antes da época em que ele escreveu suas Epístolas da Prisão. Um corpo não precisa de uma cabeçal Além do mais, não foi o apóstolo que escreveu: “o cabeça de todo homem é Cristo”? (ICo 11.3) Ora, se Cristo é o cabeça de todo homem na Igreja, não será também o cabeça da igreja?

Como cabeça, Cristo faz com que a sua Igreja viva e cresça (Cl 2.19; cf. Ef 4.15,16). Ele se constituiu em seu Cabeça Orgânico. Como cabeça ele também exerce autoridade sobre a Igreja; e, de fato, sobre todas as coisas no interesse da Igreja (Ef 1.20-23). Ele é o Cabeça Soberano. E de se duvidar que essas duas idéias estejam completamente ausentes quando Cristo é chamado de cabeça da Igreja, apesar de algu­mas vezes uma conotação receber mais ênfase e outras vezes a outra, como indica o texto. Em passagens tais como Efésios 5.23,24, ambas as idéias (crescimento e liderança) são apresentadas.

Ora, se o Filho de Deus é o Cabeça Orgânico e Soberano da Igreja, então ela não é de modo algum dependente de qualquer criatura, seja anjo ou outra coisa. Essa é a clara implicação contra os falsos mestres. A Igreja não recebe seu crescimento e liderança do seu Senhor vivo? Não é ela fortalecida pelo seu poder e governada por sua Palavra e Espírito? Não é verdade, portanto, que em Cristo ela tem tudo de que necessita, e também que sem ele nada pode fazer? (Cf. Jo 15.5,7.)

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COLOSSENSES 1.18 339

“Tu, ó Cristo, és tu o que quero;Mais do que tudo encontro em ti”.

(Charles Wesley, em “Jesus, Lover of My Soul”)Que ilustração do relacionamento de Cristo com sua Igreja seria

melhor do que a idéia latente da cabeça humana em relação ao corpo? Os avanços no conhecimento científico têm confirmado a adequação da figura usada pela Igreja primitiva e por Paulo. No corpo humano é à cabeça que o primeiro, deve sua vida vigorosa e seu crescimento (rela­cionamento orgânico). Da glândula pituitária, alojada numa pequena cavidade na base do crânio, provém o hormônio do crescimento (e vári­os outros hormônios). Sabe-se que esse hormônio é estreitamente ligado a saúde e crescimento dos tecidos, cartilagens e ossos.

Considere-se ainda outras funções da cabeça, as que são relaciona­das em larga escala à liderança do corpo. Na cabeça localizam-se os órgãos especiais do sentido. O cérebro recebe (indiretamente) impulsos do mundo externo e de dentro do copo. Ele organiza e interpreta esses impulsos. Ele pensa. Ele reage, tanto voluntária quanto involuntariamente. Portanto, ele guia e dirige as ações do indivíduo. No cérebro estão localizadas, entre outras coisas, as áreas que controlam as várias partes do corpo. O cerebelo tem sido chamado de “coordena­dor e harmonizador da atividade muscular”. A medula controla atos tais como piscar, espirrar, tossir, mastigar, sorver, engolir, etc. Também o centro cardíaco regula a freqüência dos batimentos cardíacos, ao passo que o centro respiratório é encarregado da atividade dor órgãos respi­ratórios.

Assim, quando o Deus Trino criou o corpo humano com sua cabeça orgânica e soberana, ele a fez de maneira a servir de excelente símbolo do Cabeça Orgânico e Soberano da Igreja, o Senhor Jesus Cristo.

No tocante a Cristo, o “hino” prossegue: Que é o princípio, o primogênito dos mortos. Por sua triunfante ressurreição, para nunca mais morrer, Cristo lançou o fundamento da vida santificada, da espe­rança e certeza nas quais os que são seus se regozijam (Cl 3.1-17; IPe 1.3segs.). Essa ressurreição é também o início, princípio ou causa da gloriosa ressurreição física deles. Daí, a afirmação é verdadeira em to­dos os aspectos: “Porque eu vivo, vocês também viverão” (Jo 14.9). Ele é aquele que abre o caminho e que conserva as chaves da Morte e do Hades. Ele tem autoridade sobre a vida e a morte (Rm 8.29; ICo 15.20; Hb 2.14,15; Ap 1.5). E ele que “de um lado venceu a morte completa­mente, e do outro trouxe à luz vida e incorruptibilidade por meio do

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340 COLOSSENSES 1.19

evangelho” (2Tm 1.10). Tudo isso é verdade para que em todas as coisas ele tenha a preeminência. Vale dizer que aquele que é o Primogênito, Ponto de referência, Agente, Alvo, Precursor e Mantenedor- govemante (vv. 15-17) na esfera da criação; e Cabeça do Corpo, Princí­pio e Primogênito dos mortos na esfera da Redenção (v. 18), tem o direi­to ao título “Aquele que tem a preeminência - a soberania divina - em todas as coisas, isso é, dentre todas as criaturas”.

19. Note, no entanto, as palavras: “para que ele tenha”. Essas pala­vras mostram que essa alta honra possuída pelo Filho era um projeto para o bom deleite de Deus. E o texto prossegue: pois nele, ele [Deus] agradou-se em habitar toda a plenitude.58

Esse prazer do Pai no Filho era evidente durante a velha dispensação, assim, mesmo antes da fundação do mundo (SI 2.7,8; Jo 17.5; Ef 1.9). Durante o período da permanência de Cristo na terra, esse prazer se manifestou repetidamente (Mt 3.17; 17.5; Jo 12.28). Certamente era do bom deleite de Deus que em seu Filho habitasse toda a plenitude. Os poderes e atributos da Deidade não eram destinados à distribuição entre uma multidão de anjos. A supremacia ou soberania divina, completa ou parcial, não era para ser entregue a eles. Pelo contrário, segundo o bom deleite de Deus, desde toda a eternidade, a plenitude da Trindade, a

58. Junto com a maioria dos tradutores antigos e modernos, eu faria de “Deus” ou “o Pai” (suben­tendido) sujeito do verbo agradou-se. Razões:

(1) Em outro verso poético (Lc 2.14), o substantivo relacionado bom deleite significa “o bom deleite de Deus" (subentendido). Cf. também Filipenses 2.13, onde “o bom deleite” significa igual­mente “o seu (de Deus) bom deleite”. Também em Efésios 1.5 a referência clara é ao bom deleite de “Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”.

(2) Não é muito difícil, afinal de contas, a inserção mental de “Deus” ou “o Pai”, pois no contexto precedente o Pai foi referido em relação ao Filho (veja vv. 12,13,15). No verso 13, este foi chamado de “o Filho do seu amor”. E no verso 15 esse Filho foi descrito como “a imagem do Deus invisível”. A tradução alternativa apoiada por alguns (inclusive R.S.V. Abbott, Lenski, C.F.D. Moule, Ridder- bos), a saber, “pois nele toda a plenitude agradou-se em habitar” (ou algo semelhante) é certamente possível do ponto de vista gramatical. Minha hesitação em adotar essa tradução é baseada nas se­guintes considerações:

(1) Em nenhum outro lugar no Novo Testamento Paulo personifica assim essa plenitude. Temos nós o direito de atribuir a Paulo - ou à Igreja bem primitiva se o apóstolo estiver aqui citando um hino - o estilo de Clemente de Alexandria ou de Irineu?

(2) Não é de todo correto sustentar que em Colossenses 1.19 (tradução alternativa) temos uma construção exatamente similar à de Colossenses 2.9, isto é, que aqui em Colossenses 1.19 assim como em 2.9, a plenitude seja o sujeito de uma forma do verbo habitar. Pelo contrário, quando Colossenses 1.19 é traduzido como “pois nele toda a plenitude agradou-se em habitar”, o substantivo plenitude se toma sujeito não diretamente de uma forma pessoal mais definitiva. Se algum argumen­to puder surgir de Colossenses 2.9, deveria sê-lo na direção oposta, pois, em Colossenses 2.9, pleni­tude é, com certeza, sujeito de uma forma do verbo habitar, assim como o é também em Colossenses 1.19 quando é traduzido como: “Pois nele, ele (Deus) agradou-se em habitar toda a plenitude” . O substantivo jtVfjpcoiia é então sujeito do infinitivo Ka-uoiKrjaoa.

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COLOSSENSES 1.19 341

plenitude, essência e glória de Deus, a qual constitui a fonte de graça e glória para os crentes, reside no Filho do seu amor, somente nele, e não nele e nos anjos. Habita naquele a quem agora servimos como nosso Mediador glorificado, e que se manifesta tanto na Criação como na Redenção.

As passagens explicativas são:João 1.16 - “Porque da sua plenitude temos recebido graça sobre

graça”.Colossenses 2.3 - “em quem todos os tesouros da sabedoria e do

conhecimento estão guardados”.Colossenses 2.9 - “Pois nele toda a plenitude59 da divindade habita

corporalmente”.59. Muito tem sido escrito a respeito do termo plenitude (jcA/rpconoc). O sentido da palavra deve ser

determinado segundo o contexto. De acordo com essa regra, os vários significados que se seguem podem ser reconhecidos, de acordo com o contexto. Alguns deles merecem consideração:

Mateus 9.16 e Marcos 2 .2 1 -0 remendo que preenche o rasgão numa vestimenta.Marcos 6.43 e 8.20 - cestos cheios.João 1 .16- plenitude infinita da qual os crentes recebem graça sobre graça.Romanos 11.12-núm ero total de judeus eleitos (cf.Rm 11.2,5).Romanos 11.25 - número total de gentios eleitos.Romanos 13.10 - o amor como cumprimento da lei, isto é, o amor considerado como aquilo que

satisfaz plenamente os requisitos da lei.Romanos 15.29 - o total geral ou a abundância de bênçãos conferidas por Cristo.1 Coríntios 10.26 (numa citação do SI 24; LXX 23.1)- o total geral ou abundância daquilo que a

terra produz.Gálatas 4.4 - a plena medida do tempo da primeira vinda de Cristo como foi predeterminada no

plano de Deus, de acordo com a necessidade imperativa que essa vinda satisfez, a esperança messiânica que cumpriu e a oportunidade de ouro que providenciou.

Efésios 1.10 - a plenitude das estações, a nova dispensação.Efésios 1.23 - (muito controverso). Essas três estão entre as muitas interpretações:

( 1) a igreja como aquilo que Cristo completa.(2) a igreja como aquilo que completa Cristo, ele próprio sendo incompleto sem ela,

como o noivo é incompleto sem a noiva.(3) Cristo, como a plenitude de Deus, o Completador.Um estudo mais detalhado cabe ao Comentário de Efésios.

Efésios 3.19 e 4.13 - o fruto pleno da obra de Cristo conferido aos crentes por Deus; a maturidade plena intencionada por Deus; a maturidade espiritual.

Colossenses 1.29 e 2.9 - plenitude da essência e glória divinas consideradas como fonte de intermi­náveis bênçãos para os crentes.

Pode muito bem estar correta a teoria de que o uso freqüente do termo (apesar de não ser o termo propriamente dito) se devia, pelo menos em parte, ao seu emprego pelos falsos mestres. O substanti­vo plenitude é encontrado nada menos do que seis vezes nos dez capítulos de Efésios e Colossenses, e com a mesma freqüência nos vinte e sete capítulos de todas as outras epístolas de Paulo. Além disso, o número de vezes que o verbo encher, completar ou preencher é usado em Colossenses, Efé­sios e Filipenses (Epístolas da Prisão estreitamente ligadas) contrasta-se abruptamente com sua fre­qüência, bem menor, nas outras epístolas (como foi colocado anteriormente). Uma plenitude relacio­

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342 COLOSSENSES 1.20

20. Ora, em ambos, Colossenses 2.9,10 e aqui em Colossenses1.19.20, a plenitude que habita em Cristo é mencionada com um propó­sito prático. É uma fonte de bênçãos. Assim, aqui em Colossenses1.19.20, ficamos sabendo que para o bom deleite de Deus, o Pai, toda a plenitude deveria habitar no Filho do seu amor e por meio dele recon­ciliar consigo todas as coisas,60 havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz; por meio dele,61 sejam as coisas da terra ou as coisas nos céus. Todas as coisas não foram apenas criadas “por meio dele”, isto é, por meio do Filho do amor de Deus (v. 16), mas todas elas são também (num sentido a ser explicado) reconciliadas “por meio dele” (v.20). Nos dois casos, todas as coisas têm o mesmo significado: todas as criaturas, sem exceção alguma:nada a Cristo? Talvez ele tivesse a intenção de passar a idéia de que “a plenitude de Deus, e, como conseqüência, a verdadeira fonte da plenitude do seu povo, sobre a qual os que disseminam o erro estão sempre falando, é encontrada em Cristo e apenas nele”? Deve ser considerada a probabilidade de que essa era uma das razões por que Paulo citou essas linhas ao combater a heresia colossense, mesmo que não possamos ter certeza. Lightfoot é de opinião que os judaístas essênios tenham tirado a palavra plenitude e seus cognatos de uma fonte palestina, e que provavelmente represente a raiz hebraica ml ’, da qual é a tradução na LXX, e a raiz cognata aramaica, como parece indicar Peshito.

Em relação a isso devem-se mencionar três fatos adicionais:(1) Para o termo rc?rf|pa>iicx, nem Paulo, nem os escritores primitivos de hinos não eram de nenhum

modo dependentes do falsos mestres.Os cristãos primitivos estavam impregnados da terminologia do Antigo Testamento, onde o termo

plenitude é usado vez após vez; por exemplo, no Salmo 24.1 (LXX 23.1); 5 0 .12 (LXX 49.12); 89.11 (LXX 88.12); 96.11 (LXX 95.11); 98.7 (LXX 97.7). (Nesse aspecto posso concordar com E. Percy, obra citada, pág. 76 segs.).

(2) A teoria de que a.freqüência do termo em Efésios e Colossenses tivesse relação com seu empre­go pelos falsos mestres, de nenhum modo indica que já nessa época possuísse o sentido que lhe viria a ser conferido dentro das especulações elaboradas do Gnosticismo do segundo século.

(3) Já que o significado da palavra depende do seu uso em dado contexto, não são muito produtivos os argumentos extensivos com respeito à questão se 7tXipcona significa basicamente aquilo que é cheio ou aquilo que se enche.

Para se discutir mais longamente, veja:J.B. Lightfoot, obra citada, págs. 257-273; J.A. Robinson, “The Church as the Fulfilment of the

Christ: a Note on Ephesians 1.23”, Exp, 5» série, 7 (1898), págs. 241-259. C.F.D. Moule, obra citada,págs. 164-169;eDelling, Th.W.N.T., vol. VI, págs. 297-304.

60. eiç aiixóv a ser escrito (ou com o sentido de) eiç atitóv. Era costume de Paulo dizer que a reconciliação é a Deus (Rm 5.10; duas vezes; 2Co 5.18,19,20). O fato de que nestas passagens (como também na não-teológica ICo 7.11), é usado o verbo KaxaXkáaaw, que corresponde o subs­tantivo KataAAáfií (Rm 5.11; 11.15;2C o5.18,19), ao passo que aqui em Colossenses 1.20,21 eem Efésios 2.16 (em nenhum outro lugar no Novo Testamento) ocorre o verbo composto cwcoKaxaXW caco, não diminiu a força deste argumento. Ademais, Deus o Pai é o sujeito subentendido do verso 19 (veja Cl 1.19, nota de rodapé 58).

61. A expressão “por meio dele”, aqui repetida, apesar de não constar em manuscritos importantes, é provavelmente genuína. Pode ser considerada como repetição com o fim de promover ênfase. O próprio fato de que é uma repetição, constitui provavelmente a razão de sua omissão em alguns textos.

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COLOSSENSES 1.20 343

“Pelas nuvens perpassa um Nome tão querido,O Nome que céus e terra envolvem em grande harmonia”.Essa é a tradução literal mais aproximada das primeiras linhas de

um hino holandês:“Daar ruist langs de wolken een lieflijke naam,

Die hemel en aarde verenigt te zaam”.Alguns têm posto objeções a estes versos por razões teológicas.62Pessoalmente não vejo razão para rejeitar a idéia expressa nesse

poema. Se assim for, pode-se também rejeitar Colossenses 1.20 É uma questão de interpretação. Assim, é certamente verdade que os céus e a terra não estão agora unidos, e não o serão no sentido de que todos os seres racionais do universo inteiro estão agora com alegria no coração, se submetendo ao governo de Deus em Cristo, ou que em algum tempo futuro se lhe submeterão alegremente. Essa interpretação universalista de Colossenses 1.20 é contrária às Escrituras (SI l;D n 12.2; Mt 7.13,14; 25.46; Jo 5.28,29; Fp 3.18-21; 2Ts 1.3-10; e um sem número de outras passagens). Orígenes foi, provavelmente, o primeiro cristão universalista. Na obra De Principiis, escrita na sua juventude, ele sugere esse pensa­mento de restauração final e universal para todos. Em seus escritos mais tardios ele parece imprimi-lo aqui e ali, mas obscurece-o de certo modo, sugerindo uma constante sucessão de queda e restauração. No entanto, ele tem tido muitos seguidores, dentre os quais alguns têm-se expressado bem mais abertamente. Algum tempo atrás, um pastor disse ao seu auditório: “No fim todos serão salvos. Tenho esperança até para o diabo”.

O significado real de Colossenses 1.20 é provavelmente o seguinte: O pecado arruinou o universo. Ele destruiu a harmonia entre as criatu­ras e também entre todas elas e seu Deus. No entanto, por meio do sangue da cruz (cf. Ef 2.11-18), o pecado, em princípio, foi vencido. A demanda da lei foi cumprida, sua maldição destruída (Rm 3.25; G13.13).

Assim também a harmonia foi restaurada. A paz foi estabelecida. Por meio de Cristo e sua cruz o universo é reconduzido ou restaurado

62. Poderia ser essa a razão pela qual a bem popular tradução do Rev. W. Kuipers, encontrada sob o número 199 do The N ew C hristian H ym nal foi assim colocada:

“Ouço no ar, sob o pálido azul,Doces notas de um Nome tão resplendente e verdadeiro”.

Essa, apesar de provavelmente ser excelente poesia, obviamente não é uma tradução verdadeira dos versos holandeses.

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344 COLOSSENSES 1.21,22a

ao seu correto relacionamento com Deus no sentido de justa recom­pensa por sua obediência, Cristo foi exaltado à destra do Pai, e, desta posição de autoridade e poder, governa todo o universo para o bem da Igreja e para a glória de Deus. Essa interpretação harmoniza a presen­te passagem com as outras a ela relacionadas, escritas durante esse mesmo aprisionamento.

Note a expressão “as coisas da terra e as coisas nos céus” (ou algo bem parecido) não somente aqui em Colossenses 1.20, mas ainda em Efésios 1.10 e Filipenses 2.10.

Há naturalmente uma diferença na forma pela qual as várias criatu­ras se submetem ao governo de Cristo e são “reconciliadas com Deus”. Aqueles que são maus e assim permanecem, sejam homens ou anjos, se submetem com pesar e de má vontade. Neste caso, a paz e a harmonia são impostas e não bem-vindas. Mas não são apenas seus maus desíg­nios que estão constantemente sendo definitivamente subjugados, esses mesmos seres malignos já foram, em princípio, despojados de seu poder (Cl 2.15). São trazidos em sujeição (ICo 15.24-28; cf. Ef 1.21,22), e “o Deus da paz (.) brevemente esmagará Satanás sob os pés de vocês” (Rm16.20). Por outro lado, os anjos bons se submetem com alegria e de forma ardente. E também o fazem os redimidos dentre os homens. Esse grupo inclui os membros da igreja colossense, enquanto forem verda­deiros crentes, pensamento esse ao qual Paulo dá expressão nos versos seguintes.

21 E vocês, que antes eram estranhos e hostis na disposição, como demonstrado por suas obras más, 22 ele, em seu corpo de carne, por meio da sua morte, os tem agora reconciliado, a fim de apresentá-los santos, inculpáveis e irrepreensíveis dian­te dele; 23 se vocês verdadeiramente permanecerem na fé, alicerçados e firmes, e não forem demovidos da esperança provinda do evangelho que ouviram, o qual foi prega­do a toda criatura debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, me tomei ministro.

1.21-23IV. O amor reconciliador do Filho para com os colossenses

eo resultante dever de continuarem na fé

21,22a. E vocês, que antes eram estranhos e hostis na disposi­ção, como demonstrado por suas obras más, ele, em seu corpo de carne, por meio da sua morte, os tem agora reconciliado.6363. Devido à sua extensão, essa nota de rodapé foi colocada no final deste capítulo.

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COLOSSENSES 1.21,22a 345

De coração alegre, o apóstolo testifica agora que os colossenses também haviam se tomado recipientes desta maravilhosa dádiva da re­conciliação, uma reconciliação que para os corações daqueles que rece­bem a Cristo tem um sentido muito mais lindo e íntimo do que o tem tido para o mundo geral. Paulo lembra os colossenses da grande mudança que ocorrera na vida deles, a fim de que essa lembrança pudesse fazer com que sentissem horror à própria menção do retomo ao modo de vida anterior (cf. Cl 3.7). Querendo dizer: “Vocês foram separados de Cris­to, alienados da comunidade de Israel e estranhos aos pactos da promes­sa, sem esperança e sem Deus no mundo... bem longe... obscurecidos no entendimento, alienados da vida de Deus” (Ef 2.12,13; 4.18). Esse esta­do de estranheza, entretanto, não era devido simplesmente à ignorância ou inocência. Não existe ímpio inocente. Pelo contrário, eram estra­nhos e hostis na disposição. Era por sua própria culpa que tinham esta­do e permanecido “bem longe”, pois na realidade odiavam a Deus; e quando Deus, por meio da consciência e por meio de sua revelação na natureza e na História, até certo ponto, se lhes deu a conhecer, na sua hostilidade haviam “suprimido a verdade por sua maldade” (Rm 1.18­23). Tal hostilidade humana, inescusável, que é por natureza a condi­ção do pecador, merece a ira de Deus (Rm 1.18; Cl 3.6). Portanto, por natureza os pecadores são “filhos da ira” (Ef 2.3). Além do mais, a disposição interior da aversão a Deus e antipatia à voz da consciência, que outrora havia caracterizado esses colossenses, se manifestara nas obras más, tais como as que são enumeradas bem especificamente em Colossenses 3.5-9.

Mas tudo isso agora havia passado, pelo menos basicamente. Por meio do sangue do Filho do amor de Deus a paz fora estabelecida. Ele, quer dizer, esse Filho do amor de Deus,64 em seu corpo de carne (que era a esfera da reconciliação), e por meio de sua morte (que era o ins­trumento) produzira um retomo à relação apropriada entre os colossenses e seu Deus. Um retomo, não como se houvera um tempo há muitos e muitos anos atrás, quando esses colossenses eram cristãos, mas, antes, no sentido de que o estabelecimento da paz entre o coração de Deus o Pai e a alma do pecador é para o último uma volta ao estado de retidão segundo o qual Deus criara o homem originalmente. (A condição à qual a graça traz o pecador resgatado é, naturalmente, muito melhor do que aquela condição anterior à queda.) Pela graça soberana de Deus o pró­

64. Os modificadores “em seu corpo de carne por meio de su a morte” tomam claro que o sujeito da sentença (vv.21 -23) não é D eus (como assevera Lightfoot), e, sim, Cristo. Assim sustentam enfatica­mente também F. W. Beare, o b ra c itada , pág. 175 e Lenski, o b ra c i ta d a , pág. 70.

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346 COLOSSENSES 1.22b

digo retoma ao lar, em relação ao qual se tomara um estranho (veja v.21; também, Lc 15.11-24). Esse é o significado de reconciliação. Pela morte expiatória de Cristo, Deus é reconciliado com o pecador e o peca­dor com Deus. “O Deus reconciliado justifica o pecador que aceita a reconciliação, e opera de tal modo em seu coração, pelo Espírito Santo, que o pecador deixa também de lado sua pérfida alienação de Deus, e agora participa dos frutos da perfeita expiação de Cristo.”65

Note uma vez mais a expressão “em seu corpo de carne”, um hebraísmo que significa o corpo humano de Cristo, e, assim, por conse­guinte, sua completa existência física na terra, na qual ele satisfez as exigências da lei e suportou seus castigos (cf. Lc 22.19; ICo 11.27; Hb 10.10; IPe 2.24). E provável que a expressão “seu corpo de carne”66 esteja aqui contrastada com “corpo, a igreja”, do verso 18. Deveria acrescentar-se, todavia, que o Espírito Santo, que inspirou Colossenses (bem como o restante das Escrituras), previu o tempo quando os docéticos estariam ensinando que Jesus Cristo apareceu aos homens com um cor­po espiritual, e já que não tinha corpo físico, apenas pareceu sofrer e morrer na cruz. Colossenses 1.22 prova que essa teoria é mentirosa.

22b. O propósito da obra reconciliatória do Filho, da maneira como afetava os colossenses, é agora apresentado: a fim de apresentá-los santos, inculpáveis e irrepreensíveis diante dele.67 Note: santos, isso é, limpos de todo pecado e separados inteiramente para Deus e seu ser­viço; inculpáveis: sem culpa nenhuma (Fp 2.15), como sacrifício per­feito; e irrepreensíveis: completamente acima de censura (1 Tm 3.10; Tt 1.6,7).

A apresentação aqui referida deve ser considerada como definitiva­mente escatológica, quer dizer, referente à grande consumação quando Jesus retomar sobre as nuvens de glória. Isso vem da cláusula condici­onal: ‘se verdadeiramente permanecerdes na fé...”. É confortador saber que não somente o apóstolo almeja com alegre antecipação o tempo

65. LBerkhof, Systematic theology, pág. 373.66. A respeito do significado da palavra carne, veja CNT em Filipenses 1.22 nota de rodapé 55,

sobre a expressão “viver na carne”.67. A concordância com o sujeito, da sentença (veja nota de rodapé 64, sobre “Os modificado­

res...”), bem como a comparação com a passagem bem semelhante de Efésios 5.27, me leva a con­cluir que aqui em Colossenses 1.22b “diante dele” significa “diante de si” (isso é, diante do Filho do amor de Deus), assim como no verso 20 (veja nota de rodapé 60, sobre Cl 1.20, acima) “a ele” significa (ou pode até ser escrito) “a si próprio” (isto é, a Deus). Note que, nesse aspecto, ao passo que era costume de Paulo dizer que a reconciliação era com Deus, ele descreve a apresentação como sendo ou Cristo (Ef 5.27; 2Co 11.2) ou a Deus (Cl 1.28; 2Co 4.14). Naturalmente, à luz de passagens como 1 João 14.9 e Jo 2.23, pouca diferença faz se Cristo é visto como apresentando seus filhos a si próprio ou a Deus. Ele não pode fazer uma coisa sem fazer a outra.

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COLOSSENSES 1.23 347

quando hão de apresentar o fruto da graça de Deus e do labor deles (quer dizer, dos colaboradores de Deus -1 Co 3.9), como virgem pura a Cristo, o Noivo (2Co 11.2; Fp 1.10; 2.16; lTm2.19,20; lJo 2.28), mas também o faz o próprio Cristo (Ef 5.27). Também a ele são aplicáveis as palavras de Sofonias 3.17: “Ele se regozijará em ti com alegria; re­pousará no seu amor; se alegrará em ti com cântico”. Essa gloriosa apresentação é aqui referida como o propósito da reconciliação.

23. Ora, nessa gloriosa apresentação na volta do Senhor, é necessá­rio preencher-se uma condição. Assim Paulo prossegue: se vocês ver­dadeiramente permanecerem na fé, alicerçados e firmes... a preser­vação divina pressupõe a perseverança humana. A perseverança prova o genuíno caráter da fé e é, portanto, indispensável à salvação. Aliás, ninguém pode permanecer na fé por suas próprias forças (Jo 15.5). E necessária a graça capacitadora de Deus do início ao fim (Fp 2.12,13). Entretanto, isso não cancela a responsabilidade e ação humanas. Sim, ação, esforço contínuo, ininterrupto, tenaz (Hb 12.14). Deve-se ressal­tar, no entanto, que essa é distintamente ação da fé (cf. lTm 2.15), uma fé não em si próprios, mas em Deus. Serão assim “alicerçados e fir­mes”, isto é, firmemente estabelecidos sobre o único fundamento, o ali­cerce dos apóstolos (por meio do seu testemunho). Cristo é a pedra angular deste fundamento (ICo 3.11; Ef 2.20; Ap 21.14,19,20). A sen­tença condicional continua: e não forem demovidos da esperança pro­vinda do evangelho que ouviram. O perigo ameaçava; e era de caráter duplo, como demonstrado anteriormente (veja Introdução, IIIB; IV A). Assim, o apóstolo está aqui, por implicação, advertindo os colossenses contra o relapso em relação ao seu antigo estado com todos os seus vícios destruidores da alma (Cl 3.5-11), e contra a “solução” imposta a eles por aqueles que se recusavam a reconhecer Jesus Cristo como com­pleto e todo-suficiente Salvador. Que não se deixem demover da espe­rança - expectação ardente, confiança completa, espera vigilante - da qual fala o evangelho e lhe dá origem, o mesmo evangelho que os colossenses ouviram”, ou, melhor, não somente ouviram, mas também obedeceram (veja acima a respeito de Cl 1.6-8). Ademais, esse evange­lho não foi dirigido a uns poucos selecionados - os falsos mestres colossenses podem muito bem ter-se considerado um grupo exclusivo - nem estava confinado a uma região em particular; pelo contrário, era o evangelho o qual foi pregado a toda criatura debaixo do céu, em obediência ao mandado do Senhor (Mt 28.19; e especialmente Mc 16.15). Ele não reconhecia fronteiras, quer raciais, nacionais ou regionais. E sempre o evangelho de “todo aquele que crê”. Havendo alcançado Roma,

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348 COLOSSENSES 1,24a

de onde Paulo escreve essa epístola, o evangelho havia na realidade invadido todos os grandes centros do mundo então conhecido. Há mais a respeito disso no comentário do verso 6, acima. Com profunda emo­ção e humilde gratidão, o apóstolo conclui essa seção e liga ao parágra­fo seguinte, acrescentando: e do qual eu, Paulo, me tornei ministro. A real profundidade destas palavras só pode ser compreendida à luz de passagens tais como 1 Coríntios 15.9; Efésios 3.8 e lTm 1.15-17. Um ministro68 do evangelho é alguém que conhece esse evangelho, tem sido salvo pelo Cristo do evangelho, e com alegria no coração proclama o evangelho a outros. Portanto, serve à causa do evangelho.

24 Eu agora me regozijo nos meus sofrimentos por vocês, e o que está faltando nas aflições de Cristo, eu, em seu lugar, estou suprindo na carne, por seu corpo que é a igreja, 25 da qual me tornei ministro segundo a dispensação de Deus concedida a mim em benefício de vocês, para dar pleno cumprimento à Palavra de Deus, 26 o mistério oculto por épocas e gerações, mas agora manifestado a seus santos; 27 a quem Deus se agradou em dar a conhecer quais [são] as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vocês, a esperança da glória; 28 o qual proclamamos, admoestando a todo homem e ensinando a todo homem, com toda a sabedoria, a fim de podermos apresentar todo homem perfeito em Cristo; 29 pelo que labuto, esforçando-me por sua força que age poderosamente em mim.

1.24-29V. A parte do apóstolo na proclamação do “mistério ”,

a saber, “Cristo em vocês, a esperança da glória”24a. O apóstolo continua a referência pessoal iniciada no verso 23; Eu agora me regozijo nos meus sofrimentos por vocês. A palavra

agora se refere provavelmente ao fato de que nesse exato momento Paulo não está realizando viagens missionárias nem ministrando aos colossenses com sua presença, como espera fazer mais tarde (Fm 22), mas está suportando as muitas facetas do sofrimento e das agruras - note o plu­ral “meus sofrimentos” - pertinentes a sua atual prisão (Cl 4.10,18; Ef 3.1; 4.1; Fm 1.9,23). Mas, em vez de reclamar, ele se regozija, pois essas provações não comprovam seu apostolado? Lembre-se de Atos 9.16. E o sofrimento em favor de Cristo não se constitui em grande privilégio, também por outras razões? (Veja CNT em Fp 1.29,30.) E sua perseverança em meio aos muitos sofrimentos não fortaleceria a fé dos colossenses, e dos crentes de toda parte? Paulo tem todo direito de dizer “meus sofrimentos por vocês”. Veja também comentário em 2.1.

68. Obviamente, a palavra S i ó k o v o ç não é empregada aqui no sentido técnico de d iá c o n o (com relação ao uso desta palavra, veja CNT em lTm 3.13; 4.6).

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COLOSSENSES 1.24b 349

24b. Esse aspecto positivo de suportar sofrimentos, isto é, o fato de que esse santificante ato de levar a cruz será uma bênção para a igreja, é significativamente apresentado nas tão discutidas palavras que se­guem: e o que está faltando nas aflições de Cristo, eu, em seu lugar, estou suprindo em minha carne, por seu corpo, que é a igreja.

A intimidade com Cristo faz com que Paulo escreva desta maneira. Ele está, mesmo agora, refletindo a respeito das aflições que o Salvador suportou quando estava na terra. Paulo sabe que ele mesmo, na sua existência terrena transitória, está, num certo sentido a ser explicado oportunamente, preenchendo ou suprindo o que estava faltando nos sofrimentos de Cristo. O apóstolo está passando por essas aflições no lugar de Jesus, já que o próprio Jesus não está aqui para suportá-las. Não é como se Paulo estivesse fazendo tudo isso por si mesmo, mas ele está fazendo a sua parte. Os outros crentes fazem a parte deles. Paulo está convencido também do fato de que suas aflições estão sendo supor­tadas para benefício do glorioso corpo de Cristo, a igreja (veja acima comentário do v. 18). Ele sabe que por meio de sua calma perseverança e claro testemunho durante a provação, a igreja será estabelecida na fé.

No parágrafo anterior deixei claro que, na minha opinião, o apósto­lo está na verdade dizendo que ele, como um dentre muitos, está de certo modo suprindo o que estava faltando nas aflições que Jesus sofreu quan­do na terra. Percy, obra citada, pág. 130, chama a essa de “a única interpretação possível”. Ridderbos escreve: “Nossa conclusão não pode ser outra além desta, que a expressão - as aflições de Cristo - aponta para o sofrimento histórico de Cristo” (obra citada, pág. 158).

Naturalmente, isso não quer dizer que faltava alguma coisa no valor expiatório do sacrifício de Cristo. Não significa que as boas obras, o sofrimento no purgatório, a freqüência fiel às missas, a compra de in­dulgências, ou qualquer outro dos chamados méritos, possam ou neces­sitem ser acrescentados aos merecimentos de nosso Senhor. (Entre as muitas passagens que refutam essa teoria estão: Cl 2.14; Jo 19.30; Hb 10.11 -14; 1 Jo 1.9.) Mas não temos nenhum direito, no interesse do Pro­testantismo na sua luta contra o catolicismo romano, de mudar o claro significado gramatical e contextuai de uma passagem. Devemos ter em mente que, apesar de Cristo ter dado completa satisfação a Deus pelas aflições que suportou, a fim de que Paulo não consiga gloriar-se em nada além da cruz (G1 6.14), os inimigos de Cristo não estavam satis­feitos. Eles odiavam a Cristo com ódio insaciável e desejavam aumentar seus sofrimentos. Mas já que ele não está mais presente fisicamente na terra, as flechas direcionadas especialmente a ele ferem a seus seguido­

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350 COLOSSENSES 1.25

res. É nesse sentido que todos os verdadeiros crentes estão no lugar dele suprindo, como vêem os inimigos, aquilo que essa faltando nas aflições que Jesus suportou. As aflições de Cristo transbordam em nossa dire­ção. Essa interpretação é apoiada nas seguintes passagens:

“Se chamaram o dono da casa de Belzebu, quanto mais aos seus domésticos” (Mt 10.25).

“Vocês serão odiados por todos os homens por causa do nome” (Mc13.13).

“Se o mundo os odiar, saibam que odiou-me antes de odiá-los... Mas eles lhes farão todas essas coisas por causa do meu nome, porque não conhecem aquele que me enviou” (Jo 15.18-21).

“Saulo, Saulo, por que me persegues? (,..)Eu sou Jesus, a quem estás perseguindo” (At 9.4,5).

“As aflições de Cristo transbordam até nós” (2Co 1.5).“... levando sempre no corpo a morte de Jesus” (2Co 1.10)“Trago no meu corpo as marcas de Jesus” (G1 6.17)."... para que eu conheça(...) e a comunhão dos seus sofrimentos”

(Fp 3.10).“E quando o dragão viu que havia sido lançado na terra, perseguiu

a mulher porque ela deu à luz ao filho varão” (Ap 12.13).6925. Paulo deu a entender que seus sofrimentos são para o benefício

da igreja. Ele prossegue: da qual me tornei ministro segundo a dispensação de Deus concedida a mim em benefício de vocês. Moles­tados por homens que tentavam desviá-los do caminho, os colossenses devem conservar em mente que Paulo, aquele que ora se lhes dirige e a quem indiretamente deviam seu conhecimento da salvação, era seu despenseiro por nomeação divina. O cargo de “administrador dos te­souros espirituais” lhe fora confiado bem como a seus auxiliares (ICo 4.1,2; 9.17; lTm 1.4; Tt 1.7). E isso, diz, Paulo, é para o benefício deles. No caso deles isso era verdadeiro num sentido especial, pois ha­viam sido resgatados dentre os gentios (Cl 1.27; 3.5-11), e era especial­mente (não exclusivamente) aos gentios que Paulo fora enviado (At 13.47; 22.21; Rm 11.13; 15.16; G1 2.8,9; Ef 3.1,2,8; lTm 2.7; 2Tm4.17). O cargo de despenseiro de Deus lhe fora dado, além do mais, para dar pleno cumprimento à Palavra de Deus, isto é, para procla­mar Cristo a todos em toda a sua gloriosa plenitude, independente de raça, nacionalidade ou posição social.

69. Devido a sua extensão, essa nota de rodapé foi colocada no final deste capítulo.

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COLOSSENSES 1.26,27 351

26,27. Essa Palavra de Deus está centrada em Cristo, o mistério glorioso de Deus. Assim o apóstolo prossegue: o mistério oculto por épocas e gerações, mas agora manifestado a seus santos. Paulo usa o termo “mistério”, mas não para indicar um ensinamento secreto, rito ou cerimônia, tendo algo a ver com religião, mas oculto das massas e revelado a um grupo exclusivo, sentido no qual (geralmente no plural: mistérios) o termo estava sendo empregado na época, fora dos círculos do Cristianismo verdadeiro. Ao contrário, na literatura paulina um mis­tério10 é uma pessoa ou uma verdade que teria permanecido desconhe­cida, se Deus não a houvesse revelado. Tal mistério, diz-se, é revelado no sentido total somente quando sua significância se concretiza na rea­lidade histórica. O mistério que o apóstolo tem em mente, em Colossenses 1.26,27, estivera oculto, isto é, durante eras e gerações (literalmente “desde as épocas e desde as gerações”) não fora historicamente concre­tizado. Certamente que estava presente no plano de Deus e também na profecia, mas não no tempo e no espaço. Agora, no entanto, quer dizer, nessa era presente que iniciou com a encarnação, e até mais especifica­mente com a proclamação do evangelho aos gentios, se manifestou a seus santos, a saber, à totalidade da igreja desta nova dispensação, sem excetuar a nenhum deles. Estava lá para que todos vissem. A fim de descrever de modo mais pleno o que tem em mente, Paulo prossegue: a quem Deus se agradou em dar a conhecer quais [são] as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vocês, a espe­rança da glória. Portanto, o mistério é o próprio Cristo, exatamente como em 1 Timóteo 3.16; cf. Efésios 3.3,4,9. E Cristo em todas as suas gloriosas riquezas realmente habitando, pelo seu Espírito, no coração e vida dos gentios. Em todas as épocas que precederam, isso nunca havia sido visto, mas agora todo filho de Deus (“santo”) poderia testemunhá-lo. Os próprios colossenses eram prova disso. Aliás, mes­mo durante os dias da velha dispensação existiam previsões, com clare­za sempre crescente, antecipando que um dia os gentios fariam parte do povo de Deus (Gn 22.18; 26.4; 28.14; 49.10; SI 72.8; 87; Is 54.2,3; 60.1-3; Mq 4.1,2; Ml 1.11, para mencionar apenas algumas), mas, no bom deleite divino, a realização destas previsões não aconteceu até pre­sente Era Messiânica. “Cristo em vocês, a esperança da glória” teve que

70. A palavra m is té r io ocorre 28 vezes no Novo Testamento: 3 vezes nos Evangelhos (Mt 13.11; Mc 4.1 l ;L c 8.10); 4 vezes no livro de Apocalipse (Ap 10.7; 17.5; também 1.20 e 17.7 num sentido dilcrente daquele usado por Paulo: provavelmente “significado simbólico”); e 21 vezes nas cartas de 1’iuilo (Rm 11.25; 16.25; ICo 2.1; 2.7; 4.1; 13.2; 14.2; 15.51; Ef 1.9; 3.3; 3.4; 3.9; 5,32; 6.19; Cl 1.26; 1.27; 2.2; 4.3; lTm 3.9; 3.16; 2Tm 2.7). Veja a palavra nuanípiov emL.N.T. (A. e G.), e o extenso comentário posto ali.

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352 COLOSSENSES 1.26,27

esperar até agora. “Cristo em vocês” significa Cristo em vocês, gentios, e isso numa base de perfeita igualdade com Israel, tendo sido completa­mente removida “a parede divisória” (Ef 2.14).

71Cristo em vocês, a esperança da glória, um tema pascal1. Seu significado

Cristo em vocês é aqui proclamado como a esperança ou a base sólida para a expectativa da glória escatológica. O conteúdo desta gló­ria é apresentado no contexto: “A herança dos santos na luz” (v. 12), “a apresentação” da noiva ao esposo (vv.22,28) (veja também Cl 3.4,24; Rm 5.2; 8.18-23; ICo 15; Fp 3.20,21; lTs 2;19; 3.13; 4.13-17; 2Ts 1.10; 2Tm 1.12; 4.8; Tt 2.13). Enquanto o apóstolo incluía o estado intermediário nesse conceito de glória (2Co 5.1-8; Fp 1.21,23), seu ho­rizonte era a segunda vinda de Cristo e o regozijo eterno.

2. Esperanças e enganosEm todas as épocas o homem tem tentado estabelecer sua própria

base de crença na imortalidade e até num estado futuro de perfeição.a. Alguns argumentam a partir da premissa do desejo insatisfeito.

Desejamos ver uma paisagem perfeita. Enquanto estamos de pé no topo da colina, pensamos vê-la, mas a descida ao vale nos desilude ante a visão de paus podres e frutos em decomposição. Ainda assim persiste o desejo. Isto garante a realização futura.

b. Outros buscam sua prova na voz da consciência não atendida. Uma voz dentro de mim está constantemente dizendo: “Não farás isso, ou aquilo”. Porém, ninguém jamais obedeceu plenamente a esse impe­rativo categórico. Não é essa demanda inexorável uma previsão de um futuro estado de estrita aquiescência, um estado de perfeição?

c. Existe ainda um argumento do perseverante caráter do eu dentro de mim. Numa linha progressiva, eu já sobrevivi a sucessivos estágios do ser. Eu era um embrião. Quando esse estágio cessou, o meu eu per­sistiu. Nasci e me tornei criança. Sobrevivi a esse estágio também. E assim, após a meninice me tomei um jovem, depois um homem de meia- idade, etc. Por conseguinte, assim como sobrevivi a cada um desses estágios, não sobreviverei também ao último, a saber, a morte física, a fim de levantar-me para uma imortalidade de regozijo e glória?

Um momento de reflexão é só o que basta para mostrar a fraqueza71. Cf. G Matheson, “The Pauline Argument for a Future State”, Exp, série primeira, 9 (1879),

págs. 264-284.

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COLOSSENSES 1.26,27 353

desse tipo de argumentação em qualquer de suas formas. O anseio per­sistente pelo ideal na esfera da beleza, da compulsão interior de obede­cer à lei moral, conjugado à percepção de que aqui e agora ninguém pode jamais obedecer plenamente, e os constantes saltos do eu de uma etapa a outra, tudo isso não garante a imortalidade, muito menos a per­feição numa existência futura. Quanto ao último argumento, até um cachorro, na proporção da sua própria expectativa de vida, passa por e sobrevive a vários estágios, mas nem por isso chega à imortalidade.

3. Cristo... a esperança da glóriaOra, contra esses argumentos falíveis, Paulo proclama a Cristo como

a única base sólida para a expectação não apenas da imortalidade, mas da glória futura, escatológica. Além do mais, a evidência que Cristo deu ao mundo de um futuro estado de perfeição não reside apenas em suas palavras e obras, mas reside em si mesmo. Nosso anseio persisten­te pelo ideal na esfera da verdadeira beleza espiritual é realizado nele. E porque sua alma é bela, palavras de graça e beleza fluíram de seus lábios.

Belos são os prados,Mais belos ainda são os campos,Vestidos no traje da florescência primaveril:Jesus é o mais belo, Jesus é o mais puro,Que faz o triste coração cantar.

(Hino medieval)Quanto à persistente demanda da consciência, ele foi o único que a

satisfez em todos os aspectos. Ele pode dizer: “Qual de vocês me con­vence de pecado?” (Jo 8.46).

Fraco é o esforço do meu coração,E frio o meu mais cálido pensamento;Mas quando te vejo como és,Louvar-te-ei como devo.

(John Newton)E, finalmente, quanto à sobrevivência a cada estágio da existência

terrena, até mesmo o último, ele fez justamente isso. APáscoa proclama em todas as nações: “Aleluia, Cristo ressuscitou.” Nos dias de Paulo havia testemunhas - aliás, muitas delas - que o viram vivo após sua ressurreição (ICo 15.6). E não era o próprio apóstolo uma testemunha também? (ICo 15.8).

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354 COLOSSENSES 1.28,29

A morte não pode deter sua presa - Jesus, meu Salvador;Ele arrebentou as grades - Jesus, meu Senhor.Levantou-se do sepulcroCom poderoso triunfo sobre seus inimigos.Ergueu-se Vencedor do tenebroso domínio,E vive eternamente para reinar com seus santos.Ele ressuscitou. Ele ressuscitou.Aleluia. Cristo ressuscitou.

(Rober Lowry)4. Objeção

Mas, considerando que Cristo certamente satisfaz o desejo de bele­za, de perfeição moral e espiritual e de sobrevivência final, não consti­tui ele uma exceção à regra, uma interrupção na raça de Adão? Como é que a sua capacidade pode satisfazer a minha incapacidade? Como pode ele realmente ser a base sólida para a esperança de regozijo futuro para toda a igreja, e, particularmente no presente contexto, a esperança da glória dos gentios?

5. Resposta à objeçãoCristo em vocês, a esperança da glória.“Esse Cristo, por meio do seu Espírito, habita em vocês (e isso não

passivamente, mas energicamente)”, diz Paulo. Portanto, “se o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos habita em vocês, aque­le que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos dará vida aos seus corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vocês” (Rm 8.11).

28,29. Em relação a “Cristo em vocês, a esperança da glória”, Pau­lo prossegue: o qual proclamamos, admoestando a todo homem e ensinando a todo homem, com toda a sabedoria. Seja Paulo, Timó­teo, ou outro, que proclame o evangelho (cf. ICo 9.14), o testemunho de Deus (ICo 2.1), ou qualquer outro que for chamado, em qualquer caso, é sempre o próprio Cristo que eles proclamam (e assim também Fp 1.17). Essa proclamação tomou a forma de admoestação e ensino. O apóstolo estava levando a termo essa atividade abençoada antes do seu aprisionamento, mas mesmo agora nos aprisionamentos ele faz uso de cada oportunidade, tanto pessoalmente (At 28.30,31; Fp 1.12-14) como por carta, para tomar profusamente conhecidas as riquezas pre­sentes e futuras possuídas pelos crentes no seu Senhor e Salvador. E

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COLOSSENSES 1.28,29 355

assim o fazem também seus ajudantes. Paulo estava sempre enfatizando a necessidade da obra pastoral. Para ele, admoestar significava adver­tir, estimular e encorajar. Ele chegava até a rogar às pessoas que se reconciliassem com Deus (2Co 5.20). Ele às vezes chegava a derramar lágrimas (cf. At 20.19,31; 2Co 2.4; Fp 3.18. Veja CNT em Fp 3.18,19, A profunda natureza emocional de Paulo). Sua proclamação de Cristo se constitui em maravilhosa combinação do verdadeiro evangelho e a apresentação mais carinhosa possível. Ele pôde escrever aos tessaloni- censes: “Mas fomos dóceis entre vocês, como quando uma ama acalen­ta a seus próprios filhos, compartilhamos com alegria não somente o evangelho de Deus, mas também nossas próprias almas, porque vocês se tomaram filhos: assim também muito queridos de nós... como sabem de que maneira, como um pai [lidando] com seus próprios filhos, [está­vamos assim] admoestando a cada um e a todos vocês, encorajando e testificando que devem viver vidas dignas de Deus, que os chama para seu próprio reino de glória”.

A esse respeito deve-se ressaltar que não existia uma larga brecha entre as admoestações e os ensinamentos de Paulo. Para ele não existia doutrina abstrata. Nem ficava suspensa no ar a ética cristã. Pelo con­trário, o ensino de Paulo era feito com vistas à admoestação, e essa tinha sua raiz no ensino. Por conseguinte, o apóstolo nunca proclamava um Cristo que era um Salvador, porém não um Exemplo; nem um Cris­to que era um Exemplo, porém não um Salvador. O Cristianismo para Paulo era certamente uma vida, mas uma vida baseada em uma doutri­na. E para aqueles - e somente aqueles - que abraçam a Cristo como sendo, pela soberana graça de Deus, Senhor, Salvador e, portanto, Ca- pacitador, ele pode ser também o Exemplo.

E impressionante como quão freqüentemente Paulo liga o seu ad­moestar ao seu ensinar no que tange à pessoa e obra de Cristo. Umas poucas ilustrações devem ser suficientes:

Referência Admoestação em Ligação ao ensinoconcernente à pessoa e obra de CristoRm 15.2,3

Rm 15.7

Admoestação em essênciaAgradar ao próximo

Dar as boas-vindas uns aos outros. (Aco­lher um ao outro.)

'‘pois também Cristo não agradou-se a si mesmo.”

'‘assim como Cristo também os acolheu [recebeu].”

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356 COLOSSENSES 1.28,29

2Co 8.7-9

Ef 5.2

Fp 2.3-8

Cl 3.13

Enriquecer-se na graça de dar aos necessitados

Andar em amor

Ser humilde e abne­gado

perdoar

'‘pois vocês conhe­cem a graça de nos­so Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por causa de vocês, para que pela sua pobreza vocês se tomassem ricos.”

“assim como Cristo também nos amou e se deu por nós.”

“essa disposição que houve também em Cristo Jesus que... se esvaziou... to­mou a forma de servo... se humi­lhou e se tornou obediente até a morte; sim, morte de cruz.”

“assim como Cristo os perdoou.”

E porque essa proclamação de Cristo por meio da admoestação 0colocando na mente das pessoas, segundo o sentido literal da palavra) e ensino é sempre centralizada em Cristo, e naturalmente centralizada em Deus, é que ao Deus Trino, por meio de Cristo, o Filho, seja a glória para sempre e sempre (Rm 11.36; IC0 8 .6; 10.31; Cl 3.17). Além disso, está sendo levada a cabo, em toda a sabedoria, quer dizer, de maneira prática e verdadeira, portanto em austera submissão à vontade de Deus, seus embaixadores se servem dos melhores métodos para alcançar o mais alto objetivo expresso por Paulo nestas palavras: a fim de poder­mos apresentar todo homem perfeito72 em Cristo; naturalmente, “em Cristo” significa a união mais estreita possível com ele, uma união que é trazida pelo Espírito Santo, e que é mantida viva pelo exercício da fé

72. Ou m adu ro , já c r e s c id o , c o m p le to . Para uma discussão completa, veja CNT, nota de rodapé 156, emFilipenses 3.15,16.

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COLOSSENSES 1.28,29 357

que não é apenas dada por Deus, mas sustentada por ele em cada uma de suas expressões. Quando toda culpa tiver sido imputada a Cristo e toda imundície estiver limpa pelo Espírito, a igreja certamente será per­feita, e será assim apresentada a Deus no dia da consumação de todas as coisas. Veja mais a respeito no verso 22b, acima, onde o mesmo tema é discutido. Note, no entanto, que, ao passo que nessa passagem e em Efésios 5.27, é Cristo a quem foi confiada essa tarefa e honra de apre­sentar os crentes, e em 2 Coríntios 4.14 é a Deus o Pai, aqui em Colossenses 1.28 é ao próprio Paulo e seus colaboradores (cf. Fp 2.16; lTs 2.19). Referindo-se a si mesmo, Paulo prossegue: pelo que labuto, isso é, trabalho duro a ponto de fadiga e exaustão (cf. G14.11; Fp 2.16; lTm 4.10). Leia 2 Coríntios 11.24-33, juntamente com 2 Coríntios 6.4­10 e 2 Timóteo 4.7,8 para ver o que significava naqueles dias ser um missionário, especialmente o missionário Paulo. Isso implicava uma luta inflexível contra Satanás e suas hostes.

Paulo sabia o que significava opor-se com toda a força ao fanatis­mo entre os tessalonicenses: contenda, fornicação e litígio entre os coríntios; e agora, como se o seu encarceramento não trouxesse em si problemas suficientes, veio também esse duplo perigo do vício e da heresia entre os colossenses (veja Cl 2.3.1-17). Que lutas enfrentava e que temores sentia! Ainda assim, constrangido pelo amor de Cristo por ele, Paulo está disposto, até mesmo ansioso, a dar tudo de si para a causa, e isso não só a fim de ser instrumento nas mãos de Deus para resgatar almas do inferno, mas também para aperfeiçoá-las, e assim torná-las perfeitas na alma e no corpo, e poder apresentá-las a Deus no grande dia. A fim de descrever mais amplamente o que implica tal labor ou trabalho árduo, Paulo junta a palavra esforçando. Veja notas de rodapé 73 e 74. Tal esforço pressupunha fervente oração (esforçando- me em oração, Cl 4.12,13; cf. Rm 15.30), ouvindo a Deus, planejando cuidadosamente, escrevendo cartas, dando direção - mesmo na prisão. Ao programa missionário, afrontando a Satanás, proclamando oficial­mente o evangelho (quando possível), dando testemunho pessoal e vi­vendo vida cristã exemplar, mesmo em meio a grandes pressões e aflições.

Tem-se feito, com freqüência, a seguinte pergunta: “Como foi pos­sível a um homem (e um homem com um espinho na carne.) fazer tanta coisa, mesmo contando com a ajuda de seus companheiros?” A resposta está nas palavras do próprio Paulo: [esforçando-me] por sua força que age poderosamente em mim.73 Dia a dia, sim, mesmo momento a mo-

73. Literalmente, “esforçando por meio de (ou segundo o) seu vigor, fortalecendo-me com po­der”. Aqui o e s f o r ç a r é um termo atlético, do qual derivamos nossa palavra a gon iz a r . O gerúndio

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358 COLOSSENSES 1

mento, o Espírito capacitador de Cristo trabalhava dentro da total pes­soa de Paulo, concedendo força ao corpo e à alma. E mais, às vezes houve na carreira missionária do apóstolo momentos em que se mani­festavam sinais especiais e maravilhas (Rm 15.19; 2Co 12.12). Portan­to, de forma implícita, o apóstolo atribui toda a glória e honra ao Cristo infalível (cf. Fp 2.12,13; 4.13).

Sumário de Colossenses lEpafras, responsável pelo cuidado espiritual dos colossenses, está

em visita a Paulo, o prisioneiro em Roma. Ele deu ao apóstolo um com­pleto relatório da situação da igreja colossense e seu duplo perigo: a. de recaída nos vícios pagãos, e b de empenhar-se na obediência aos conse­lhos dos falsos mestres para suplementar sua fé em Cristo lançando mão de recursos providos por homens contra a indulgência da carne. Ele informou a Paulo também a respeito da lealdade a Cristo que carac­terizava a igreja como um todo. O prisioneiro, com o coração cheio de genuíno amor pelos colossenses, decide escrever-lhes uma carta. Nessa ele usa a abordagem positiva, tão característica de seu estilo, e após uma saudação introdutória centrada em Cristo, diz aos destinatários que está continuamente agradecendo a Deus pela/e que eles têm em Cristo Jesus e o amor por todos os santos, e esses dois (fé e amor) são fortalecidos pela esperança reservada para eles nos céus, isto é, a he­rança dos santos na luz. Essa possibilidade certamente intensifica a fé no Doador e o amor por todos os que o recebem.

A esperança de se obter essa herança está firmemente fundamenta­da no evangelho que conquista o mundo, cuja presença se fez sentir entre os colossenses, por meio do ministério do sempre fiel Epafras.

Encorajado pelas respostas a orações anteriores, Paulo ora constan­temente para que Deus multiplique suas bênçãos sobre os colossenses a fim de que, enquanto viverem entre aqueles cujas doutrinas possam desviá-los, recebam orientação sempre mais clara da vontade de Deus, e possam, como resultado, viver uma vida que seja espiritualmente fru­tífera em todos os aspectos, e sejam ricos em evidências de sincera e humilde gratidão a Deus. Que sempre tragam em mente que foi Deus quem os resgatou do domínio das trevas e os transportou para o reino do Filho do seu amor.ócycoviÇo^evoç é refletido no substantivo ccycòva em Colossenses 2.1. O gerúndio fortalecendo é melhor se considerado no meio, como em Gálatas 5.6; o p e r a n d o por meio do amor”. E da palavra p o d e r derivamos o nosso substantivo d in am ite .

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COLOSSENSES 1 359

Por meio de pungente testemunho - talvez ele esteja citando um hino - o apóstolo proclama Cristo como o suficiente Salvador, sobera­no nas duas esferas: criação e redenção. Portanto, que os colossenses não coloquem sua confiança em nada além de Cristo, pois fora dele nenhuma criatura possui qualquer poder, seja para ajudar ou prejudicar. Por meio de Cristo, o universo é restaurado na sua relação correta com Deus, pois de sua posição à destra do Pai, Cristo governa todo o universo para o bem da igreja e a glória de Deus. Aquele que morreu na cruz para salvar os pecadores conserva em suas mãos a mais distante estrela.

Se os colossenses se mantiverem firmes no evangelho que proclama esse Cristo soberano e Todo-suficiente que os resgatou de sua vida de­pravada de outrora, não retrocederão a ela. Pelo contrário, esse Cristo os apresentará, um dia, santos, inculpáveis, irrepreensíveis diante dele. Paulo fora um privilegiado ao tornar-se ministro deste glorioso evange­lho. Em razão de sua lealdade a esse evangelho, ele é agora um prisio­neiro em Roma, fornecendo na sua carne o que faltava nas aflições de Cristo. Sim, as aflições suportadas por Cristo transbordavam no após­tolo. Mas ele se compraz em ser despenseiro de Deus e pretende, pela graça de Deus, dar pleno cumprimento à sua palavra, ao mistério por longo tempo oculto, mas agora revelado, a saber, ‘Cristo em vocês, a esperança da glória”. O fato de que um dia Cristo estaria, por meio de seu Espírito, habitando no coração e vida dos gentios, fora previsto a muito tempo, mas agora se toma uma realidade. Essa morada era em si mesma a garantia de um futuro glorioso. Em referência ao Cristo que habita, Paulo conclui o capítulo, dizendo: “o qual proclamamos, admoes­tando a todo homem e ensinando a todo homem, com toda a sabedoria, a fim de podermos apresentar todo homem perfeito em Cristo; pelo que labuto, esforçando-me por sua força que age poderosamente em mim”.

63. Requerem-se considerações as principais possibilidades, relacionadas ao pronome objetivo (vocês), do início do verso 21, e a forma verbal, se existir alguma, com a qual é ligado, ou como

objeto, ou de outro modo:(1) Esse pronome é, no verso 22, modificado pelo particípio passado aoristo plural nominativo

ámXA.aYévTEÇ. Assim, deve-se ler: “E vocês, que a um tempo eram estranhos e hostis... mas agora foram reconciliados...”.

Objeções: a. Neste caso, seria mais natural empregar o acusativo e não a forma nominativa do particípio. b. O apoio textual para essa leitura não é muito forte (D* G it Ir). Aquestão permaneceria: esse pronome e seu particípio modificador constituem o objeto de qual forma verbal? Essa questão reaparece no item (2), a seguir, podendo, portanto, ser omitida aqui.

(2) Esse pronome é o objeto do infinitivo aoristo n ap a a z r\ a a i no verso 22. Portanto, a tradução deveria ser: “para apresentá-los”. A sentença que começou no verso 9 continua até ao final do 2 3 .0 verso 22 a (vuví... Savórou) é um parênteses nessa sentença. Assim, “... pois nele, ele (Deus) se agradou em fazer habitar toda a plenitude, e por meio dele reconciliar a si todas as coisas... e vocês, que antes eram estranhos e hostis no entendimento, como demonstrado pelas suas obras más (mas

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360 COLOSSENSES 1

agora vocês foram reconciliados em seu corpo de carne, por meio de sua morte) a fim de apresentá- los santos, inculpáveis e irrepreensíveis diante de si...”. É evidente que aqui o primeiro vocês, o do início do verso 21, é repetido no verso 22 a fim de desembaraçar a construção gramatical. É também claro que o verbo indicador do trabalho de reconciliação, e que é incluído no parêntese, é cOTOKaxT$,tófr|Te; “foram reconciliados”, 2a pessoa do plural, aoristo, passado, indicativo.

Objeções: a. É impossível que essa sentença longa (vv.9-20) pudesse se estender por mais três versos adicionais, b Já foi demonstrado que os versos 15-20 constituem uma unidade literária, pro­vavelmente um hino antigo, unidade da qual não fazem parte os versos 21-23. c. A idéia principal dos versos 15-20, a saber, a preeminência do Filho na criação e na redenção, não é continuada nos versos 21-23. Em vez disso, a atenção se volta para a parte que os colossenses têm nessa redenção e à responsabilidade que isso se lhes acarreta.

(3) Esse pronome é o objeto do infinitivo aoristo itKonaxaXkdfíx no verso 20. A tradução deveria ser, portanto: “para reconciliar vocês”. A sentença termina ao final do verso 21. Assim "... pois nele, ele [Deus] agradou-se em fazer habitar toda a plenitude, e por meio dele reconciliar todas as coisas a si... sejam as coisas na terra ou as coisas nos céus, e [para reconciliar] vocês que antes eram estra­nhos e hostis no entendimento, como demonstrado por suas obras más”.

Objeções: veja b e C risto no item (2) acima; também a. até certo ponto. Moule, o b ra c ita d a , pág. 72 está correto quando afirma que essa reconstrução faz do verso 21 “um pensamento desajeitado e atrasado da sentença do verso 20”.

(4) O pronome não tem conexão com qualquer forma verbal. Ele é deixado no ar. O apóstolo queria dizer: “E vocês ele reconciliou”, mas na realidade nunca o disse (“ditou”). Em vez disso, utilizou o passado indicativo aoristo: “Vocês foram reconciliados” (teoKaTriXAóyri-ce), verso 22.

Em favor desta teoria, têm sido apresentados os seguintes argumentos:a. A Paulo não era incomum que, antes de uma idéia ter sido completamente expressa, já fosse

apressada por outra. Ele possuía uma mente muito fértil.b. Essa leitura (“Vocês foram reconciliados”) possui forte apoio textual (p* B 33 Ephr).c. É muito mais fácil explicar a substituição do “Ele reconciliou” (que eliminaria o anacoluto) por

“Vocês foram reconciliados”, do que vice-versa.Esses argumentos são formidáveis.(5) O pronome é simplesmente o objeto da 3a pessoa do singular, aoristo, indicativo ativo do verbo

óotoKavtíXXaíjev, e l e r e c o n c i l io u .Bases:a. Essa leitura á apoiada pela maioria dos manuscritos e versões - entretanto, pode-se levantar a

questão de que tal evidência deveria ser pesada e medida.b. Essa leitura resolve o problema gramatical. Não há mais nenhuma quebra na seqüência grama­

tical - esse argumento leva pouco peso, pois ainda a objeção (4) c. é mantida. Assim, a número 5 poderia ser simplesmente uma s o lu çã o (?) por causa da facilidade, um corte do nó górdio.

c. O pronome acusativo í>|iâç um tanto similar em Efésios 2.1 (“e vocês, sendo mortos pelos seus delitos e pecados”), que também fica no ar por pouco, é “salvo” pelo aoristo, indicativo a tiv o “ele v iv i f i c o u ju n ta m en te c o m C risto" do verso 5. Se Paulo empregou aí o indicativo a tiv o , por que não o empregou aqui em Colossenses também? - Esse argumento tem provavelmente algum valor.

C on c lu sã oA escolha reside entre (4) e (5). Em qualquer dos casos, Paulo disse, ou em algum momento teve a

intenção de dizer: “Ele reconciliou vocês”. A tradução mais comum, que evita o anacoluto, pode, portanto, ser considerada, apesar de não solucionar as dificuldades apontadas sob (4) b. e c. Desta maneira, deve-se considerar a distinta possibilidade de que a tradução deveria ser totalmente baseada no (4), retendo o anacoluto.

A.69. Essa interpretação é também apoiada pelas seguintes considerações mais técnicas:(1) Faz justiça ao significado do prefixo twxí. Não há nenhuma justificativa para se tomar esse

prefixo-em-composição, como é aqui usado, em nenhum outro sentido a não ser o substitutivo, como

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COLOSSENSES 1 361

creio ter provado na minha dissertação doutoral “The Meaning of the Preposition ówtí in the New Testament”, págs. 76-77, Princenton Seminary, 1948. Photius colocou de maneira bem habilidosa: “Pois ele não diz simplesmente le u p r e e n c h o ' , mas ' e u p r e e n c h o em v ez d e ’ ; isso é, em vez do senhor e mestre, eu, o servo, o discípulo”, etc. (Amphil. 121) Veja o comentário de Lightfoot sobre isso na pág. 165 de seu C om en tá rio .

(2) Está em harmonia com o significado da expressão e n c h e r (ou su p rir ) as d e f i c i ê n c ia s (ou o que e s tá fa l ta n d o ) , como é usado em outros lugares no Novo Testamento: 1 Conntios 16.17; Filipenses 2.30 (veja CNT a respeito desta passagem). Em ambos os casos, o verbo òcrajiXripóco é usado. O composto duplo ócvxavexjtVrpóco ocorre somente aqui em Colossenses 1.24. Um composto duplo diferente jtpoaavajrX.rpóco (2Co 9.12; 11.9) também sustenta a interpretação dada.

(3) Concede também o sentido mais natural ao genitivo xoi Xpic-coí, interpretado como su p o r ta ­d o p o r C risto . E de acordo com o contexto, a referência é distintamente a respeito da humilhação sofrida pelo Cristo histórico durante seu ministério terreno e sua morte. Veja versos 20 e 22, que falam do s a n g u e d a cru z e d a m o r t e d e J e su s .

B.Assim, devem ser rejeitadas as seguintes teorias:(1) A expiação vicária de Cristo deve ser suplementada por obras, etc., como se seus merecimentos

fossem doutro modo ineficientes.R esp o s ta - Isso foi refutado no trecho de Hb 10.11-14, etc.(2) A expressão a s a f l i ç õ e s d e C risto indica os sofrimentos que “o Cristo Místico”, a “Comunida­

de Messiânica”, ou o “Cristo Corpóreo” passa ou deve passar durante essa dispensação inteira até ao fim do mundo. Moule segue essa linha, apesar de fazê-lo com cuidado, no seu muito interessante e proveitoso C om en tá r io , o b ra c ita d a , pág. 76.

R esp o s ta - Isso viola A (3) acima.(3) As a f l i ç õ e s d e C risto s ã o a q u e la s c o l o c a d a s s o b r e P au lo , e tc ., por Cristo.R esp o s ta - Isso também viola A (3) acima.(4) (Esse é estreitamente relacionado ao número (2), apesar de não ser idêntico.) As a f l i ç õ e s d e

C risto s ã o as sofridas pelo Mediador exaltado no céu. O Cristo ressurreto e assunto aos céus sofre em seus membros. Por causa do elo íntimo de união entre o Cristo exaltado e sua igreja, os sofrimen­tos desta podem ser chamados de “as aflições de Cristo”. Assim concluem semelhantemente João Calvino no seu C om en tá r io ; também Agostinho eLutero. A.S. Peake, o b ra c ita d a , págs. 514,515.

R esp o s ta - Outra vez há uma violação de A (3) acima.(5) O que foi traduzido como “o que está faltando nas aflições de Cristo” deveria ser interpretado

como “as porções sobradas das aflições de Cristo”. Assim conclui Lenski, o b ra c ita d a , pág. 73. A essas “porções sobradas” ele chama simplesmente “sobras”. Apesar de na página 72 ele não hesitar no emprego, na sua tradução, da expressão “o que está faltando”. Eu o respeito (sua memória) pela posição teológica que com toda probabilidade o levou a essa objeção, mas não posso concordar nesse ponto com a sua argumentação.

R esposta - Apalavra ixytéprma, como é usada no Novo Testamento, significa (singular),priva tização, fa lta , o q u e e s tá fa lta n d o , n e ce s s id a d e , a u s ên cia (vejaLc 21.4; 1 Co 16.17; 2Co 8.13,14; 9.12; 11.9; Fp 2.30; lTs 3.10; e assim o plural também aqui em Cl 1.24). E difícil conciliar a interpretação sob ra s, quando s e diz q u e i s s o n ã o p o d e s ig n i f i c a r fa l ta o u d e fi c i ê n c ia , com o verbo su p r ir (literalmente e n ch e r , ou, como diríamos, p r e en ch e r ) . Também se o substantivo usado no original significar sob ra s , m as n ã o fa lta , poderíamos esperá-lo (no plural) em passagens tais como Mateus 14.20; Marcos 6.43; 8.8,19,20; Lucas 9.17; Jo 6.12,13. Ele não ocorre nessas passagens.

Além dos vários comentários relacionados na Bibliografia, veja também Emst Percy, ob ra citada , págs. 128-134; Delling, ThW.N.T. vol. VI, pág. 305; P. J. Gloag, “The Complement of Christ's Afflictions”, Exp, primeiras séries, 7 (1878), págs. 224-236; W.R.G Moir, “Col. 1.24”, ET, 42 (1930­1931), págs. 479-480. Josef Schmid, “Kol. 1,24”. BibZ, 21 (1933), págs. 330-344; e a dissertação de Jacob Kremer, Was an d en L eid en C hristi n o c h m a n g e lt . E ine in t e r p r e ta t io n s g e s c h i ch t l i c h e und ex e g e t i s c h e U n tersu chun g zu K ol, 1,24b (em Bonner, B ib lis ch e B e it r ä g e ) , 1956.

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ESBOÇO DO CAPÍTULO 2

Tema: Cristo, o Preeminente, o Único e Todo-Suficiente SalvadorI. Esse Único e Todo-Suficiente Salvador é o Objeto da Fé dos Crentes

- capítulos 1 e 2B. Essa verdade, exposta não apenas positivamente, mas agora

positiva e negativamente (cap. 2), sendo a última contra a “he­resia colossense” com sua (seu):

2.1-10 1. Filosofia Ilusória2.11-17 2. Cerimonialismo Judaico2.18-19 3. Adoração de Anjos2.20-23 4. Ascetismo

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C a pítu lo 2

COLOSSENSES

2 1 Pois quero que saibam o quanto me esforço por vocês e por aqueles que estão em Laodicéia, e por todos os que não viram minha face na carne, 2 a fim de que o

coração de vocês seja fortalecido, sendo eles próprios unidos em amor, e isso com vistas a todas as riquezas de um conhecimento seguro, visando o pleno conhecimento do mistério de Deus, a saber, Cristo; 3 em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos. 4 Digo isso a fim de que ninguém os engane com argu­mentos persuasivos. 5 Pois, apesar de ausente na carne, porém no espírito estou com vocês, regojizando-me por ver sua boa ordem e a firmeza da sua fé em Cristo.

6 Ora, como vocês aceitaram a Cristo Jesus o Senhor, (então) continuem a viver nele, 7 arraigados e sendo edificados nele e sendo estabelecidos na fé, assim como foram ensinados, transbordando em ações de graça. 8 Estejam atentos para que nin­guém os leve como presa com sua filosofia e falsos enganos, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo; 9 pois nele toda a plenitude da deidade habita corporalmente, 10 e nele vocês obtiveram a plenitude, a saber, naquele que é o cabeça de todo principado e autoridade.

2.1-10I. Advertência contra a filosofia ilusória

1. É de pronto evidente que Colossenses 2.1 constitui uma clara continuação do pensamento expresso em 1.29. Paulo estava escrevendo uma carta, não “quatro capítulos”. A continuação é: Pois quero que saibam, o “pois” como prova da afirmação feita no verso precedente. A fórmula de abertura “quero que saibam”, aqui e em 1 Coríntios 11.13, é, essencialmente, a mesma em significado, bem como a de FilipensesI.12, um tanto diferenciada no palavreado. Semelhante também é a ex­pressão: “eu (ou nós) não quero que vocês sejam ignorantes” (Rm 1.13;II.25; ICo 10.1; 12.1; 2Co 1.8; lTs 4.13). Usando essa fórmula, o apóstolo ressalta a importância do assunto discutido. Ele considera a heresia colossense, a qual está para refutar, como sendo um perigo mui­to sério, e, portanto, continua: o quanto me esforço por vocês74 e por

74. A tradução da A. V., “que grande conflito tenho por vocês”, é mais literal, mas deixa de mostrar a proximidade da conexão entre Colossenses 1.29 (A.V. “esforçando segundo a sua obra”) e 2.1. No original, para esses dois versos o apóstolo usa duas palavras derivadas do mesmo tronco, que quase

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364 COLOSSENSES 2.1

aqueles que estão em Laodicéia, e por todos os que não viram minha face na carne. Não é necessário repetir a natureza deste esforço (veja considerações sobre Cl 1.29). O que Paulo quer dizer é: “Pois, como base do que acabo de dizer, quero que saibam o quanto me esforço por vocês, colossenses, e por aqueles que estão em Laodicéia, e por todos os que, como vocês, nunca me viram”. É certo que a expressão “e por todos os que” inclui também os membros da igreja em Hierápolis (veja Cl 4.13). Como foi demonstrado (veja Introdução II A), as três cidades eram tão próximas umas das outras que, se um perigo espiritual afetas­se uma delas, era quase certo afetar também as outras duas, apesar de não necessariamente no mesmo grau.75

Nesse ponto precisam ser evitados dois equívocos:(1 )0 ponto de vista de que, aqui, o apóstolo dá a entender nunca ter

estado em Colossos.Resposta: Não se deve confundir igreja e cidade. Deve-se ter em

mente que, quando Paulo se dirigia a Éfeso em sua terceira viagem missionária, ainda não existia nenhuma igreja em Colossos (veja a In­trodução II A; III A). A situação, como a percebo, pode muito bem ter sido a seguinte:

Na sua ida a Éfeso, Paulo seguiu a rota natural que, via Colossos, levava a Éfeso. Passou por Colossos e pode até ter passado uma noite ali. Se o fez ou não, simplesmente não sabemos. Entretanto, seu objeti­vo era confirmar as igrejas já estabelecidas e chegar a Éfeso, e não estabelecer igrejas a caminho do seu destino. Durante sua longa estadia em Éfeso, inquiridores da região circundante vieram ouvi-lo (At 19.10). Entre os que vieram encontravam-se também pessoas das três cidades, sendo uma delas Epafras, de Colossos (cf. Cl 4.12). Com base nessas conversas, esses homens - inclusive Epafras - levavam as boas novas da salvação às suas respectivas cidades. Assim igrejas eram estabelecidas. Falando em termos gerais, Paulo podia verdadeiramente dizer que essas congregações nunca o tinham visto.

(2) A idéia de que o apóstolo fosse um completo estranho para cada membro dessas três igrejas.

Resposta: - Quase todos os comentaristas - até mesmo os que se atêm ao item (1) a pouco refutado - têm cuidado em chamar a atenção para o fato de que Paulo certamente estava familiarizado com algunspodriam ser traduzidas como agonizar (1.29) e agoniza (2.1). Ver nota de rodapé 73.

75. Claramente, ôaoi aqui, como em Atos 4.6 e Apocalipse 18.17, inclui os previamente mencio­nados. Esse ócoi se reflete em aòxâv do verso 2 e mesmo em ii|iôç do verso 4.

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COLOSSENSES 2.2,3 365

membros da igreja colossense, e talvez também com alguns dos que pertenciam às outras igrejas do vale do Lico (quanto aos conhecidos pessoais e amigos em ou de Colossos, veja Comentário em Cl 4.12,17; Fm 1.2).

A idéia principal de Colossenses 2.1 é, conseqüentemente, que Pau­lo, tendo recebido farta informação de Epafras (e talvez também de outros) a respeito das condições prevalentes nas igrejas do vale do Lico, quer que todos os membros - inclusive a grande maioria que nunca o havia visto - saibam o quanto ele os ama e o quanto está preocupado com eles no tocante ao perigo espiritual que os ameaça.

Ora, tanto no capítulo 1 quanto no 2 o apóstolo proclama a Cristo como o único e suficiente Salvador, o objeto da fé do crente. E mais, nos dois capítulos, o tom predominante é positivo: Cristo é apresentado em toda a sua majestade e riqueza como a fonte daquilo que os crentes venham a necessitar e especialmente como o objeto de sua confiança e adoração. Entretanto, existe uma diferença marcante entre os dois capí­tulos. Enquanto no capítulo 1 o elemento negativo - refutação ao erro - é meramente inferido, no capítulo 2 é definitivamente expresso (veja vv.4,8,16,18,20-23), e são emitidas advertências enérgicas. No entanto, mesmo aqui, como foi colocado, é Cristo aquele que é proclamado (veja vv.2,3,6,7,9-15).

Ora, apesar da heresia ser uma, o apóstolo a aborda aqui sob um aspecto de quatro dimensões (cf. Introdução III B). Essas quatro di­mensões não são, no entanto, compartimentos à prova d’água. Existem sobreposições como mostraremos à medida que as passagens forem dis­cutidas individualmente.

2,3.0 propósito do esforço de Paulo é: a fim de que o coração de vocês seja fortalecido. O coração de toda atividade pastoral verdadei­ra é ser um instrumento nas mãos de Deus e trazer o coração daqueles que são confiados ao coração de Cristo. A razão é essa: uma vez que o coração de um homem é totalmente ganho e estabelecido em graça, a pessoa se torna, por inteiro, objeto do maravilhoso poder transformador de Deus, pois o coração é o sustentáculo do sentimento e da fé, bem como a mola mestra das palavras e ações (Rm 10.10; cf. Mt 12.34; 15.19; 22.37; Jo 14.1). É o âmago e centro do ser humano, do mais íntimo do homem. “Dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23). “O homem vê a aparência exterior, mas Jeová vê o coração” (ISm 16.7). Esses corações precisam ser fortalecidos16 contra o ataque dos falsos

7 6 .0 significado básico do verbo KapaKaXéw é eu chamo para o meu lado; portanto, eu convo-

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366 COLOSSENSES 2.2,3

mestres. Há força na unidade, assim a continuação prossegue: sendo eles próprios unidos77 em amor. Não é o conhecimento, e certamente não é a presunção (veja Cl 2.18) o “elo da perfeição”, mas o amor mútuo (Cl 3.14). Tal amor surge diretamente do coração de Deus em Cristo e leva de volta a ele, pois Deus é amor (1 Jo 4.8). Ora, quando os crentes, unidos em amor, são confrontados com o uso de erros e menti­ras, que orem unidos a respeito disso e que discutam isso entre si com base na revelação especial de Deus (cf. Ef 3.17-19), e isso com vistas a todas as riquezas de conhecimento seguro.78 O objetivo deve sempre ser uma visão interna plena, rica e gratificante nas coisas espirituais (veja também Cl 1.9; ICo 1.19; Ef 3.4; 2Tm 2.7), que implica na habi­lidade de distinguir o falso do verdadeiro. Esse objetivo é expresso mais definitivamente nas palavras: visando o pleno conhecimento do misté­rio de Deus, a saber, Cristo. O sentido no qual Cristo é, com certeza, o mistério de Deus foi explanado em Colossenses 1.27 (veja também CNT em lTm 3.6). Progressivamente revelado aos crentes que se amam, esse mistério transcende a toda compreensão humana (Rm 11.33-36; ICo 2.6-16), e é, portanto, também nesse sentido, um mistério divino e mui glorioso, o “ mistério de Deus, a saber, Cristo”, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos. Os colossenses não precisam, não devem buscar nenhuma outra fonte de felicidade ou de santidade fora de Cristo. Os falsos mestres se gabam da sua sabedo­ria e do seu conhecimento? Ou da sabedoria e conhecimento dos anjos? Nem homem, nem anjo, nem qualquer outra criatura não tem nada a oferecer que não possa ser encontrado, em essência incomparavelmen­te superior e em grau infinito, em Cristo. Nele estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento, como o “tesouro escondido” do qual Jesus falou na parábola (Mt 13.44 cf. Pv 2.4); certamente es­condido, mas para ser desenterrado, não para permanecer escondido.79c o (cf. At 28.20). Mas uma pessoa pode ser convocada para vários propósitos. Daí, a palavra ter uma grande variedade de sentidos derivados, sendo que qualquer outro significado deve ser determinado pelo contexto. Quando se usa associada a c o r a ç ã o , como em Colossenses 2.2, é melhor traduzida por f o r t a l e c e r , e n c o r a ja r (aqui na voz passiva; em Cl 4.8 Ef 6.22; 2Ts 2.17 na ativa). Cf. também Filipenses 2.1; “se, pois (há) qualquer encorajamento em Cristo”.

7 7 .0 significado básico do verbo a-u|apipáÇco é eu f a ç o c o m q u e s e ju n tem ; eu reúno, s e g u r o , t e ç o ou l ig o , un o (Ef 4.16, literalmente; aqui em Cl 2.2., figurado). E fácil perceber como esse significado básico se desenvolveu e chegou a outras conotações: eu in stru o (assim na LXX; e.g., Is 40.13,14: “Quem o instruiu?”, citado em ICo 2.16), eu p r o v o (cf. At 9.22), ou e u c o n c lu o (cf. At 16.10).

78. Literalmente, “todas as riquezas da certeza do entendimento”. C erteza é o sentido que cabe em toda passagem do Novo Testamento onde é usado jtXipoí|>opía (além de Cl 2.2, também lTs 1.5; Hb 6 . 11; 10.22).

79. A palavra o cu l t o é plural de 6trcÓKpuc|)oç de onde derivamos nossas palavras apócrifa e apócri­fos. Segundo Josefo (G uerra d o s J u d eu s II.viii.7), antes de ser admitido aos plenos privilégios da

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COLOSSENSES 2.2,3 367

É claro, a partir do versos 9 e 10, que esse propósito prático está tam­bém na mente do apóstolo aqui em Colossenses. O que o apóstolo quer dizer é, portanto: “Em Cristo todos esses tesouros estão guardados. Assim, venham e descubram-nos e se enriqueçam por intermédio deles”.

“Tesouros de sabedoria e conhecimento”, diz Paulo, o que é bem melhor do que “tesouros de sabedoria”, a respeito dos quais lemos em outra parte (Ec 12.5). Pela sua natureza divina, Jesus sabe todas as coi­sas. Tal conhecimento, sendo divino, é todo-compreensivo, direto, imutá­vel e eterno. Pedro lhe prestou tributo quando declarou: “Senhor, tu sabes todas as coisas; tu sabes que tenho afeição por ti” (Jo 21.17). Portanto, a onisciência de Cristo constitui grande conforto para o crente e, pela reve­lação de Cristo nas Escrituras, um banco do qual pode-se sacar.

Mas em Cristo o conhecimento nunca é desvinculado da sabedoria, como o é freqüentemente entre os homens. Ora, a sabedoria é a habili­dade de aplicar o conhecimento para o melhor proveito possível em situações concretas. A sabedoria emprega os meios mais eficazes para atingir o mais alto objetivo. No Antigo Testamento a obra da criação é atribuída à sabedoria de Deus (SI 104.24; Jr 10.12). Jó 28.23ss e Pro­vérbios 8.22ss, personificam a sabedoria como meio pelo qual Deus criou todas as coisas. O Novo Testamento magnifica a sabedoria de Deus reve­lada na loucura da cruz (ICo 1.18-25), na igreja (Ef 3.10), e na obra da providência de Deus em favor de Israel e dos gentios (Rm 11.33).

Nesse ponto é necessário nos resguardarmos contra o engano. A palavra sabedoria, em Colossenses, é usada num sentido tríplice: (a) a sabedoria concedida a Paulo, a seus conservos e aos crentes em geral (Cl 1.9,28; 3.16; 4.5); (b) a pretensa sabedoria dos falsos mestres (Cl 2.23); e (c) a sabedoria divina que habita eternamente em Cristo (Cl2.3). Não se deve confundir as três. Por vezes, a sabedoria divina, daordem dos essênios, o noviço “era forçado a fazer juramentos tremendos... de não esconder nada dos membros da seita e de não relatar nenhum de seus segredos a outrem, mesmo que fosse torturado até a morte... e do mesmo modo guardar com cuidado os livros de sua seita e os nomes dos anjos”. Irineu (Contra Heresias I.xx. 1) relata que os marcosianos “mencionam um sem número de escritos apó­crifos e espúrios que eles próprios forjaram”. E Clemente de Alexandria (Stromata ou Miscelâneas1.15) diz: “os que seguem a heresia de Prodicus gabam-se de ter a posse dos livros secretos deste homem”. Os falsos mestres que aboiTeciam os colossenses com suas doutrinas perigosas podem de igual modo ter se gabado sobre seus escritos, secretos, ocultos. Lightfoot diz: “Assim a palavra apócri­fo era, em primeira instância, uma honrável apelação aplicada pelos próprios hereges a sua doutrina esotérica e a seus livros secretos; mas, devido ao caráter geral destes trabalhos, na maneira adotada pelos escritores ortodoxos, o termo passou a significar/ato, espúrio” (obra citada, pág. 174).

Portanto é possível, apesar de não poder ser provado, que quando o apóstolo se refere aqui aos tesouros ocultos de Cristo, e infere que são livremente oferecidos àqueles que o aceitarem pela fé (veja Cl 2.9,10), ele está contrastando esses tesouros reais e inexauríveis com os segredos sem valor dos falsos mestres, e esse ocultamento glorioso com a dissimulação praticada pelos hereges.

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368 COLOSSENSES 2.4,5

qual Colossenses 2.3 certamente fala, é comparada, quanto à sua essên­cia, à sabedoria humana, como se a primeira não fosse mais do que uma edição ampliada da última. Assim, relacionada à presente passagem, por exemplo, diz-se-nos que enquanto o “conhecimento se aplica à apreensão da verdade, a sabedoria acrescenta o poder de argumentá-lo e traçar sua relação” (Lightfoot, obra citada, pág. 174). Mas, embora essa possa constituir uma distinção perfeitamente válida e útil ao falar­mos de sabedoria humana, a sabedoria de Cristo é mais do que a mera habilidade de arrazoar e traçar. A sabedoria arquétipa difere da sabedo­ria éctipa:* o padrão divino e a cópia humana não podem jamais ser idênticos. A razão é que Deus é Deus, e estamos lidando aqui com Cris­to como Deus (veja Cl 2.9). A sabedoria divina, num sentido muito mais exaltado do que a sabedoria humana, arquiteta, planeja, guia, dirige. É original, criativa. Faz o que nenhuma outra sabedoria no universo intei­ro pode fazer. Ela reconcilia o que parece irreconciliável. Alguns exem­plos poderão esclarecer:

(1) Na sua sabedoria, Deus reconcilia o judeu com o gentio, e am­bos com ele, realizando esse grande milagre por meio do menos prová­vel objeto de união, a saber, a cruz, que para o judeu era pedra de tropeço, e para o gentio, loucura. (ICo 1.22-25; Ef 2.13,14).

(2) Na sua sabedoria, ele satisfaz as demandas tanto da sua justiça que pedia a morte do pecador, como do seu amor que requeria a salva­ção do pecador. A lei e o evangelho se abraçam na cruz (Rm 3.19-24; 5.8,12,13; 16.27; cf. SI 85.10).

(3) Na sua sabedoria, a qual Paulo exalta, a própria rejeição do Israel carnal resulta, por vários elos, na salvação de “todo o Israel”: “Por sua queda a salvação alcança os gentios, para provocar-lhes ciú­mes... que pela misericórdia revelada a vocês (gentios) eles (Israel) pos­sam agora obter misericórdia”. Paulo conclui: “O profundidade das ri­quezas, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus”, etc.80

Em Cristo, pois, para o benefício dos crentes, estão ocultos todos os tesouros deste conhecimento Todo-compreensivo e desta sublime e cri­ativa sabedoria.

4,5. Com referência pelo menos ao que acaba Paulo de dizer nos versos 1-3, porém mais provavelmente a todo o trecho de 1.3-2.3, ele prossegue: Digo isso a fim de que ninguém os engane com argumen­

80. No meu livreto de 36 páginas And So All Israel Shall Be Saved, forneci o que considero ser a interpretação correta de Romanos 11.26a e seu contexto.

* Ectypal, em português, reprodução do modelo original com a ajuda de um modelo. N.E.

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COLOSSENSES 2.4,5 369

tos persuasivos. Não troquem fatos demonstrados concernentes à ple­nitude que está em Cristo por argumentação capciosa (cf. 1 Co 2.4). O original não comporta o ponto de vista daqueles que pensam que Paulo tinha em mente uma pessoa em particular quando emitiu essa advertên­cia. Havia sem dúvida muitos falsos mestres. Portanto, é como se Paulo dissesse: “Quando alguém vier com argumentos atraentes, não se dei­xem levar por tal pessoa e suas frases bem elaboradas”. Ele continua: Pois, apesar de ausente na carne, porém no espírito estou com vocês. Ligado a essa afirmação, note o seguinte:

(1) A comunhão de todos os crentes em Cristo. Essa proximidade de comunhão amorosa era profundamente percebida na Igreja primitiva (veja CNT em Filipenses, nota 31).

(2) A vivacidade do espírito de comunhão de Paulo com os que, na maior parte, não o haviam visto e, portanto, com quem ele não tinha conhecimento pessoal. E razoável presumir que Epafras tivesse forneci­do ao apóstolo um relato bem gráfico das condições na igreja colossense (veja também 1.7,8; 4.12,13).

(3) O fator relevante nessa comunhão. O que Paulo quis dizer impli­cava mais do que palavras: “Em minha imaginação posso vê-los agora, meus amigos. Parece que estou aí com vocês”. E certo que era isso, mas também mais do que isso, saber, “em coração e em espírito estou com vocês, para ajudá-los e regozijar-me com vocês, como indica essa carta, e como Tíquico e Onésimo lhes contarão” (Cl 4.7-9). Prova: note como o apóstolo, fazendo uso de linguagem um tanto semelhante, faz valer seus direitos na congregação de Corinto, na realidade tomando parte em uma questão de disciplina, mesmo não estando presente em pessoa com eles (ICo 5.3-5); e também quão afetuosamente ele faz sua presença espiritual sentida na igreja em Tessalônica(lTs 2.17: “longe dosolhos, mas não do coração”).

O relatório que Epafras apresentou a Paulo era, no todo, favorável. Apesar de não haver de modo algum minimizado os perigos que amea­çavam a igreja, ele tivera o cuidado de ressaltar que, como um todo, os colossenses não tinham sido demovidos de seu fundamento. O amor genuíno se achava presente entre eles (1.8), e, como ficamos sabendo agora, também a boa ordem - não havia nenhum cisma ou falta de disciplina e ordem - e fé autêntica e inabalável, pois o apóstolo conti­nua: regojizando-me por ver sua boa ordem e a firmeza da sua fé em Cristo.81

81. Concordando com muitos comentaristas, não posso ver nenhuma boa razão puni mvilíir il

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370 COLOSSENSES 2.6,7

6,7. Em estreita relação com a sentença precedente, Paulo continua: Ora, como vocês aceitaram a Cristo Jesus o Senhor, [então] conti­nuem a viver nele. A estrutura quiástica, ou em ziguezague desta sen­tença - com os verbos aceitar e continuar a viver no início e no fim, respectivamente; e as referências a Cristo, a saber, Cristo Jesus o Se­nhor e nele, ao centro (note a posição em avanço do “nele”) - , demons­tram que toda a ênfase recai na necessidade de se apegar a Cristo Jesus o Senhor (cf. Ef3.11;Fp2.11), como o Todo-suficiente, como o Senhor cujos mandamentos devem ser obedecidos e em cuja palavra devemos confiar. O sentido é: “Colossenses, não se deixem enganar. Que a vida de vocês (seu “caminhar” ou conduta) continue a estar em harmonia com o fato de que vocês aceitaram a Cristo Jesus o Senhor como sua tradição. Vocês o abraçaram com uma fé viva, da maneira como foram instruídos” (veja v.7; cf. Ef 4.20). A palavra aceitaram é usada aqui no seu sentido técnico: receber do modo como foi transmitido (cf. ICo11.23; 15.1,3; G1 1.9,12; Fp 4.9; lTs 2.13; 4.1; 2Ts 3.6), sendo que a linha de transmissão veio de Deus a Paulo (direta e indiretamente), a Epafras, aos colossenses.82

Por meio de uma série de quatro particípios (“arraigados”, “sendo edificados”, “sendo estabelecidos”, e “transbordados”), o primeiro no perfeito passivo e os outros no presente, Paulo mostra agora que esse viver em Cristo (isto é, em união vital com ele) significa: arraigados e sendo edificados nele e sendo estabelecidos na fé, assim como foram ensinados, transbordando em ações de graça. Querendo dizer: “Ha­vendo então sido firmemente implantados em Cristo (por exemplo, no seu amor, Ef 3.17), como a infinita e toda-suficiente fonte de salvação plena e graciosa, e assim continuando, beneficiem-se constantemente de cada oportunidade de serem elevados a patamares cada vez mais altos, como um edifício que se ergue, andar por andar,83 sendo estabelecidos cada vez mais firmes na atividade da fé,84 como foram instruídos porsugestão de Lightfoot de que Paulo esteja usando metáfora militar: “sua tropa ordeira e falange cerrada”. O contexto não comporta essa interpretação.

82. São mencionadas no Novo Testamento três espécies de tradições: (a) a lei oral judaica. Josefo disse: “os fariseus têm passado ao povo um grande número de observâncias por meio da sucessão de seus pais, às quais não estão escritas na lei de Moisés” (Antiguidades XIII, x.6). Jesus fala destes acréscimos feitos por homens em Marcos 7.8,9; (b) “a tradição dos homens” (Cl 2.8; veja comentá­rio a respeito deste verso); e (c) o verdadeiro evangelho dado por Deus, do modo como foi ensinado por Cristo e seus apóstolos, algumas vezes chamado de “tradição apostólica” . A referência em Colos­senses 2.6 diz respeito a (c).

83. A combinação plantar e edificar é também encontrada em Jeremias 24.6 e Efésios 4.15,16. Seria correto falar aqui de uma metáfora mista? Não seria, em vez disso, o caso de uma ilustração fundamental seguindo uma outra em rápida sucessão? Não posso divisar nenhuma confusão aqui.

84. Considero xfj icícrcei como sendo dativo de respeito ou referência, e não instrumental (segundo

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COLOSSENSES 2.8-10 371

Epafras (Cl 1.7; 4.12,13), e transbordaram de gratidão” (cf. Cl 4.2). A gratidão é aquilo que completa o círculo por meio do qual as bênçãos que caem em nosso coração e vida retomam ao Doador na forma de adoração interminável, amorosa e espontânea. Além do mais, tal ação de graça aumenta o senso de obrigação (SI 116.12-14), a fim de que os que abundam nessa graça sintam-se cada vez menos presos à abundân­cia que possuem em Cristo Jesus, o Senhor, e dessa forma não sigam os conselhos dos falsos mestres.

Note que Paulo não ora para que os colossenses comecem a ser gratos, mas para que o oceano de sua gratidão possa constantemente transbordar em suas praias. Paulo nunca se satisfaz com nada menos do que a perfeição. Desse modo ele se deleita em empregar as palavras transbordar ou abundar(Rm3.7;5.15; 15.13; ICo 8.8; 14.12; 15.58; dez vezes em 2Co; Fp 1.9,26; 4.12,18; 1Ts3.12; 4.1,10; veja também CNT em 1 e 2 Tm e Tt, pág. 75).

8-10. Existe uma estreita relação entre os versos 6 e 7, de um lado, e os versos 8 a 10, de outro. O que foi colocado positivamente nos versos 6 e 7, a saber: “continuem a viver em Cristo Jesus, o Senhor”, é colocado negativamente nos versos 8 a 10, cujo significado dos três versos é: “Não se deixem levar por qualquer ensinamento que não seja segundo Cristo, pois ele suprirá todas as suas necessidades, já que nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade, e uma vez que ele é o supremo Soberano de tudo”. Temos, portanto, uma reafirmação um tanto diferente daquela que o apóstolo havia dito no verso 4: “Digo isso a fim de que ninguém os engane com argumentos persuasivos”. Toma- se claro, portanto, que nessa seção inteira (vv.1-10), Paulo indica estar profundamente preocupado com os falsos ensinamentos daqueles cujas teorias especulativas, engenhosamente apresentadas, pudessem minar a confiança dos colossenses em Cristo como seu Salvador completo. Ele chama esse sistema subversivo de pensamento e moralidade, de regras e regulamentações, de “filosofia e falsos enganos”. Usa palavra tais como “tradição dos homens” e “rudimentos do mundo” para descrevê-los.

Entretanto, há outra interpretação desses versos que difere muito daquela apresentada no parágrafo precedente, resumido. Essa interpre­tação afirma que o apóstolo, neste caso, coloca Cristo contra “os espí­ritos elementares do universo”, sendo as palavras entre aspas da tradu-

Lightfood). E ainda, contrário a Lenski, creio que essa fé deve ser tomada no sentido subjetivo, apesar de que aqui, como em Colossenses 1.23, existe uma estreita ligação entre essa atividade de fé e seu objeto, como indica a sentença subseqüente (“assim como fostes instruídos”).

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372 COLOSSENSES 2.8-10

ção, da R.S.V., da expressão grega que em ambas, A.V. e A.R.V., é traduzida como “os rudimentos do mundo” (v.8). Para comentários a respeito desta interpretação que, com o merecido respeito pela erudição daqueles que a defendem eu não posso adotar, veja nota de rodapé 83, no encerramento das minhas considerações sobre toda a passagem (vv.8-10).

O apóstolo continua então como segue: Estejam atentos para que ninguém os leve como presa com sua filosofia e falsos enganos. Queaqueles que foram resgatados do domínio das trevas e transferidos para o reino do Filho do amor de Deus (veja Cl 1.13), não sejam levados como despojo e se tornem escravos uma vez mais (cf. G1 5.1).

Levados cativos pela “filosofia” de alguém. Como demonstra Josefo, qualquer sistema elaborado de pensamento e/ou disciplina moral era, naqueles dias, chamado de uma filosofia (cf. nosso termo “filosofia moral”, quando não é ressaltado o aspecto científico). Assim ele afirma: “Pois existem três formas de filosofia entre os judeus. Os seguidores da primeira escola são chamados fariseus, os da segunda saduceus, e os da terceira essênios” (Guerra dos Judeus II. viii 2). Quando se tem em mente que o sistema de erro ao qual Paulo combate aqui tem muitos traços que se assemelham à seita dos essênios, a relevância desta cita­ção de Josefo se torna muito mais clara. Filo também, falando da reli­gião hebréia, emprega termos tais como “a filosofia segundo Moisés” e “filosofia judaica”. Paulo está advertindo contra o tipo de filosofia que não leva a nada mais do que ao falso engano. E vazia, fútil. É engana­dora, pois, enquanto promete grandes coisas àqueles que obedecem às suas ordenanças, não pode cumprir suas promessa (veja a respeito no v.23). Paulo continua: segundo a tradição dos homens (veja nota de rodapé 82, neste livro). Essa não era a tradição apostólica, nem era a tradição pertencente à corrente principal do Judaísmo, apesar de ter algo em comum com ele e adotar alguns de seus princípios. Era mais uma mistura de Cristianismo, cerimonialismo judaico, angelolatria e ascetismo, como indicam os versos 11-23. Era uma filosofia segundo os rudimentos do mundo. Rudimentos são elementos, tanto na esfera física como na espiritual. O original usa o termo stoicheia, indicando elementos ou unidades em fila ou em (A, B, C, etc.); e ainda os elemen­tos básicos dos quais diz-se consistir o mundo físico (cf. 2Pe 3.10,12). Os antigos às vezes falavam de terra, ar, o fogo e água como elementos. Por intermédio de uma fácil transição o significado chega a rudimentos ou elementos do saber; daí o ensino elementar (Hb 5.12). Falamos de “rudimentos da gramática”, “elementos da aritmética”, etc. A expressão

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COLOSSENSES 2.8-10 373

“rudimentos do mundo” também ocorre em Gálatas 4.3 (cf. G1 4.9). Essa passagem é muito difícil, provando a veracidade de 2 Pedro 3.15,16. Certamente é verdade que “nosso amado irmão Paulo” escreveu, por vezes, coisas “difíceis de se compreender”. No entanto, devemos con­servar em mente uma coisa: que em Gálatas e em Colossenses estamos lidando com rudimentos do mundo, um modificador que não ocorre em Hebreus e em 2 Pedro. Ora, em Colossenses 2.8, harmonizando-se com o contexto imediato que fala acerca da “tradição dos homens, o termo mundo (Cosmo) deve, provavelmente, ser considerado no seu sentido ético (como acontece com freqüência nas epístolas de Paulo), para indi­car “a humanidade alienada da vida de Deus”. Esses são rudimentos de homens mundanos. São rudimentos mundanos. Com toda probabilida­de, essa interpretação do modificar do mundo é válida também para Gálatas (cf. G14.9, “rudimentos fracos e pobres”). Digna de séria con­sideração, à luz dos contextos (em G1 4.3 e 4.9), é, pois, a abordagem segundo a qual em Gálatas a expressão “rudimentos do mundo” indique ensino rudimentar em referência a regras, regulamentações, ordenan­ças, por meio das quais o povo (judeus e gentios, cada qual a sua manei­ra) tentava, por seus próprios meios, alcançar a salvação antes da vinda corporal de Cristo. Com a vinda de Cristo e o trabalho de seus apósto­los, essa tendência e ensino pecaminoso e auto-soteriológico continua­va, patrocinado por judaizantes entusiasmados. Em seus ensinos, os últimos tentavam combinar a fé em Cristo com a confiança nas orde­nanças mosaico-farisaicas. E esse mesmo perigo de confiar em orde­nanças a fim de suplementar a fé em Cristo se impôs também em Colossos (veja Cl 2.11 -23), apesar de fazê-lo de forma um tanto diferente e mais complicada. Não é necessário, nem se deve negar que algumas destas regulamentações tratavam da adoração de anjos (veja vv.15 e 18), ape­nas deve-se ter em mente que o termo rudimentos em si não significa necessariamente anjos. O que está aqui condenado é o ensino errôneo.

Torna-se, pois, evidente que quando o significado instrução rudi­mentar é conferido à palavra rudimentos, como é usado em Colossenses 2.8 e 2.20, esse sentido não pode ser rapidamente descartado como se estivesse definitivamente fora de linha com o emprego desta mesma palavra em outras partes do Novo Testamento.

Ora, se as pessoas pudessem pelo menos ver as implicações d;i IV' em Cristo em toda a sua gloriosa plenitude e suficiência, elas monvriíim para esses rudimentos, como bem esclarece o verso 20. Assim mt;1h descartadas essas noções toscas com respeito a regulamenl.içõos i-1 n tfi­nanças sobre coisas tais como circuncisão, festas, comida i' bdiitln, mlu

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374 COLOSSENSES 2.8-10

ração de anjos, etc., como meios para se alcançar a salvação em toda a sua plenitude. É evidente que, pelo menos em certos aspectos, os rudi­mentos mencionados em Gálatas e aqueles contra os quais o apóstolo adverte em Colossenses são semelhantes, isso é, são “fracos e pobres” (G13.9). Essa filosofia é sem dúvida “do mundo”, como deve ser qual­quer sistema que não concede toda a honra a Cristo. É falsa, enganosa, e não segundo Cristo. Tem a tendência de levar os homens para longe de Cristo, de enfraquecer sua confiança nele como Todo-suficiente Sal­vador. Não se harmoniza com a plenitude que os crentes possuem nele.

Daqui Paulo continua: pois nele toda a plenitude da deidade habi­ta corporalmente. Para interpretar-se o verso todo, exceto, o advérbio (“corporalmente”), veja também comentário em Colossenses 1.19, aci­ma. Quando o apóstolo assim descreve Cristo, ele tem em mente a sua deidade, não apenas a divindade. Ele está se referindo à completa igual­dade de essência do Filho com o Pai e o Espírito Santo, sua consubstancialidade e não sua similaridade. 85 Ele está dizendo que essa plenitude da deidade tem a sua residência fixa em Cristo, e isso corporalmente.

Muitas interpretações diferentes têm sido dadas a esse advérbio, tais como: pessoalmente, essencialmente, universalmente (de modo a abranger ou permear o universo inteiro), eclesiasticamente (de modo a permear toda a igreja), antitipicamente, genuinamente, etc. Ora, todas essas podem ser rejeitadas sem muita argumentação, já que estão fora de harmonia com o contexto imediato, conferem ao advérbio uma conotação em desarmonia com a sentença principal, concebem signifi­cado excessivo a esse advérbio e se desviam do propósito que o apósto­lo tinha em mente ao escrever dessa forma.

85. Note que diferença faz uma única letra:( 1 ) 0e ó x t | ç usado aqui em Colossenses 2 .9 (em nenhum outro lugar no Novo Testamento) significa

d e id a d e ; 0 e i ó t t |ç usado em Romanos 1 .2 0 (e somente aí no Novo Testamento) indica d iv in d a d e . Cf. alemão: G otth eit u nd G öttlichk eit; holandês: g o d h e id e n go d d e li jk h e id . A diferença foi linda­mente expressa por E.K. Simpson nestas palavras: “A m ã o da onipotência pode ser traçada nas incontáveis orbes que cintilam nos céus, e na maravilhosa co-integração de nosso comparavelmente minúsculo globo; mas no Filho contemplamos a f a c e de Deus, sem véu, a imagem expressa e a transição do seu próprio ser” (W ords Worth W eigh in g in th e G reek N ew T estam en t. Veja ainda R.C.Trench, S yn on ym s o f t h e N ew T estam en t, par. ii).

(2) ó|j,oo\jcrioç, como declarou o Credo de Nicéia, significa da m esm a su b stâ n c ia ou e s s ê n c ia , sendo o Filho consubstanciai ao Pai, ao passo que o ónoioixnoç mais fraco, preferido pelos arianos, significa s em e lh a n te em su b stâ n c ia o u e s s ê n c ia . Apesar de a diferença parecer trivial - apenas uma letra - na realidade não é nada menos do que declarar que Jesus é Deus ou dizer que ele é hom em , um homem muito divino, com certeza, mas homem ainda assim. O s l o g a n destes hereges não era precisamente esse: “houve um tempo em que ele não era”?.

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COLOSSENSES 2.8-10 375

No entanto, há duas teorias que merecem mais do que uma menção superficial:

A. O ponto de vista de Lightfoot (obra citada págs. 182,183), etc.Segundo ele, corporalmente significa “com uma manifestação cor­

poral”, isto é, “coroada pela encarnação”. Comentaristas de reputação têm endossado esse atraente ponto de vista. Eles apelam para argumen­tos tais como a importância que Paulo outorga à encarnação de Cristo (G1 4.4), o possível paralelo em João 1.1,14, a referência em Hebreus 10.5 ao corpo de Cristo (“um corpo preparaste para mim”), etc.

Objeções:(1) Paulo emprega o verbo no presente. Ele não diz que a Palavra se

fez carne, mas que a plenitude da deidade habita ou está habitando em Cristo. E certamente esse habitar não começou apenas com a encarnação. E um habitar eterno. Todavia, Moule, que se inclina em favor do ponto de vista de Lightfoot, observa corretamente: “A principal objeção em tomar aco|o,axiKcòç (o advérbio) assim, como representando uma ênfase ao fato de que a deidade realmente se tomou corporal, é o verbo presente KctToucei (“está habitando”), que não é fácil de ser tratado, com referência a um evento passado na História (como Jo 1.14, aóp£, èyéveTo) (“se fez car­ne”) (obra citada, pág. 93). Esse é exatamente o ponto.

(2) Parece ser contraditório o argumento de Lightfoot a respeito da sentença principal (“pois nele toda a plenitude da deidade habita”) se referir ao Cristo pré-encamado (“a Palavra Eterna em quem o pleroma tinha sua morada desde a eternidade”), mas que o advérbio (“corpo­ralmente”), que se modifica essa cláusula, se refere à encarnação.

(3) Se o advérbio “corporalmente” for interpretado de maneira lite­ral - e devemos deixar que esse advérbio realmente modifique, de um modo natural, a sentença principal com seu verbo “habita” ou “está habitando” - , não se levantaria a objeção de que o Filho de Deus com certeza não é tão dependente de um corpo físico (ou mesmo da natureza humana) e que fora deste a deidade não pode habitar nele?

Portanto, não é surpreendente que, dentre os escritores antigos, pou­cos adotaram essa interpretação, e que mesmo hoje, com algumas proe­minentes exceções, ela é realmente rejeitada pelos estudiosos.

B. O ponto de vista de Percy (obra citada, pág. 77), e, em sua maior parte, também o de Ridderbos (obra citada, págs. 176-178).

Eles interpretam o advérbio como significando “numa forma con­centrada, por assim dizer, visível e tangível”. A fé claramente se certi fi­ca de que a plenitude da deidade habita em Cristo desde a eternidade,

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376 COLOSSENSES 2.8-10

tendo esse fato sido, assim, visível e tangivelmente demonstrado pelas obras de Cristo tanto na criação como na redenção. Ela se certifica de que toda a essência da glória de Deus está concentrada em Cristo como um corpo. É nesse sentido que pode ser dito que essa plenitude da deida­de é incorporada, recebe expressão concreta, é plenamente realizada nele. Essa é nada mais que outra maneira de dizer que de eternidade em eternidade ele é “a imagem do Deus invisível” (veja comentário em Cl1.15).

Creio que isso fornece o sentido correto, um significado que tam­bém se harmoniza com o contexto, tanto precedente quanto seguinte. Portanto, já que toda a plenitude da essência intrínseca do próprio Deus está completamente concentrada em Cristo, não existe nenhuma neces­sidade de justificativas ou procurar ajuda em outros lugares, salvação ou perfeição espiritual. Assim, o apóstolo imediatamente acrescenta: nele vocês obtiveram a plenitude, isto é, em Cristo vocês alcançaram a Fonte da qual jorra a corrente de bênçãos que fornece tudo o de que vocês necessitam para esta vida e para a futura. Permaneçam, pois, nele (Jo 15.4,7,9), e continuarão a experimentar que “de sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça” (Jo 1.16; cf. Ef 4.13). Até ao limite máximo da capacidade humana, a igreja que permanece em união vital com Cristo recebe amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bon­dade, fidelidade, mansidão, domínio próprio (G15.22), sim, toda a gra­ça cristã. Cristo é a Fonte que jamais exaure. Por que, pois, ó colossenses, cometer a loucura de cavar cisternas para vocês mesmos, cisternas ro­tas que não podem reter água nenhuma? (Jr 2.13) Por que confiar na circuncisão quando vocês já foram sepultados com Cristo no batismo? (vv. 11-14.) Que tolice recorrer a principados e autoridades, quando nele obtiveram a plenitude, a saber, naquele que é o cabeça de todo princi­pado e autoridade (cf. v. 15). Arespeito do significado de “principado” e “autoridade”, veja comentário em Colossenses 1.16. Ele é o cabeça deles, não exatamente no mesmo sentido em que é o cabeça da igreja (veja comentário em Cl 1.18), a qual é o seu corpo, mas no sentido em que ele é o supremo Soberano de todos (1.16; cf. Ef 1.22), que fora dele os anjos bons não podem prestar auxílio, e por causa dele o mal não pode fazer danos aos crentes. Especialmente o último pensamento pare­ce indicar que era isso o que o apóstolo desejava enfatizar (veja, a se­guir, comentário do v.15).86

A fim de mostrar a conexão dos versos 11-17 com os imediatamente precedentes, os 9 e 10, que já foram explicados, serão aqui reimpressos:

86. Devido a sua extensão, essa nota de rodapé foi colocada no final do capítulo.

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COLOSSENSES 2.11-17 377

11 em quem vocês foram também circuncidados com uma circuncisão feita sem mãos, pelo despojamento do corpo da carne na circuncisão de Cristo, 12 tendo sido sepultados com ele no seu batismo no qual vocês foram também ressuscitados com ele por meio da fé no poder operante de Deus que o levantou dentre os mortos. 13 E a vocês, que estavam mortos pelas suas transgressões e incircuncisão da sua carne, lhes deu vida juntamente com ele, tendo-nos perdoado todos os nossos delitos, 14 e tendo apagado o documento manuscrito que era contra nós, que por meio de suas exigências testificava contra nós, e ele o removeu do caminho cravando-o na cruz, 15 e tendo despojado os principados e autoridades de seus poderes, ele os expôs publica­mente à desgraça nele triunfando sobre eles.

16 Portanto, não permitam que alguém os julgue em questões de comida ou bebida ou a respeito de, festa, ou lua nova, ou sábado: 17 coisas que eram apenas uma sombra daquelas que estavam por vir, mas o objeto que projeta a sombra é encontrado com Cristo.

2.11-17II. Advertência contra o cerimonialismo judaico

Nos versos 1 -10, a advertência contra a heresia colossense foi trata­da em termos gerais. Com o verso 11, entretanto, bem no meio da sen­tença, ela começa a tomar forma específica. Ficamos sabendo agora que o erro propagado em Colossos era basicamente de caráter judaico. Por uma razão não declarada de forma definitiva, mas que podemos provavelmente inferir pelo contexto, e por advertências semelhantes em outras epístolas, os falsos mestres estavam anunciando coisas tais como circuncisão, adesão rígida a restrições dietéticas e estrita observância de festas e do sábado. Esse breve resumo faz dos versos 11-17 uma unidade de pensamento. No entanto, o estilo muda de uma didática de livre fluência, evidente até ao verso 15, para um estilo bem mais vigoro­so, direto e hortativo que se inicia no verso 16 e continua, com poucas exceções, até ao final da carta (constituindo exceção mais longa, 4.7­14). E o tema do assunto, isto é, a advertência contra o Judaísmo, que interliga 2.11-17. Mas, mesmo essa temática não é de todo homogênea. A heresia combatida pelo apóstolo era uma mistura um tanto desnor- teante de crenças judaicas e pagãs propagadas por homens que prova­velmente se destacavam como cristãos, sim, cristãos melhores que os demais. Como foi ressaltado anteriormente (veja Introdução IIC), era exatamente o tipo de sincretismo que se poderia esperar encontrar na Colossos judaico-pagã. Não é de se surpreender que Paulo, tendo sem­pre o quadro inteiro diante de si, pudesse ir facilmente de um elemento da heresia colossense a outro, e retomar ao primeiro, em suas discus­sões e advertências. Assim, também aqui nos versos 11-17, note que em

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378 COLOSSENSES 2.11,12

meio às suas exortações contra o Judaísmo, ele toca rapidamente em dois assuntos sobre os quais discorrerá posteriormente, a saber, relaci­onamento com os anjos (v.15) e ascetismo (v.16). Ainda assim isso não acontece de uma maneira desconexa e divagante, mas de modo tal que os versos 11-17 formam uma unidade em que cada frase leva à próxima de maneira natural e sistemática, como será demonstrado.

11,12. Falando, pois, sobre Cristo, “o cabeça de todo principado e autoridade”, Paulo prossegue: em quem vocês foram também circunci­dados. O pensamento de Paulo, nesse ponto, pode, talvez, ser parafra­seado mais ou menos da seguinte maneira: Colossenses, não permitam que esses mestres do erro os enganem como se vocês necessitassem ser literalmente circuncidados a fim de triunfar sobre a indulgência da car­ne (2.23) e obter a plena medida da salvação (2.9,10; cf. At 15.1; Gl.5.2,3). Vocês já foram circuncidados. Sim, vocês foram circuncidados com uma circuncisão que excede em muito o rito que está sento tão vigorosamente recomendado pelos mestres do erro. Vocês foram circun­cidados com uma circuncisão feita sem mãos, pelo despojamento do corpo da carne na circuncisão de Cristo.

Note os pontos de diferença que provam a grande superioridade da circuncisão que os colossenses já haviam recebido:

A sua circuncisão foi:(1) obra do Espírito Santo (“feita

sem mãos”)(2) interna, do coração (veja Rm

2.28,29; também CNT, em Fp3.2,3)

(3) o despojar e o lançar fora (note o prefixo em òoueKÕúaei) da totalidade de sua natureza pe­caminosa (“o corpo da carne”), no seu aspecto santificante a ser realizado progressivamente

(4) cristã (“a circuncisão de Cris­to”, isto é, a circuncisão que lhes pertence por causa da sua união vital com Cristo)

A outra foi:(1) uma operação manual (peque­

na cirurgia)(2) externa

(3) remoção de excesso de pele

(4) abraâmica e mosaica

Como descrição adicional da circuncisão que os colossenses já ha-

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COLOSSENSES 2.11,12 379

viam recebido, o apóstolo prossegue: tendo sido sepultados com ele no seu batismo no qual vocês foram também ressuscitados com ele. Sig­nificando:

(1) Cristo sofreu, morreu, foi sepultado em lugar de vocês e para o seu benefício. Ele levou a culpa e o castigo da lei que eram seus. Tomou sobre si maldição que estava sobre vocês (G13.13). Quando, pela sobe­rana graça, vocês abraçaram a Cristo como seu Salvador e Senhor, receberam a certeza de que a sua antiga natureza, condenável e cheia de culpa, havia sido sepultada com ele, e que o seu estado, no que tange à lei santa de Deus, havia mudado de objetos de condenação para recipientes de justificação (Rm 8.1-4; 5.1). Conseqüentemente, vocês não somente foram sepultados com ele, mas também foram com ele ressuscitados.

(2) Por meio da sua completa obra de humilhação, Cristo conquis­tou para vocês a obra do Espírito Santo (Jo 16.7). Assim, não só a justificação lhes pertence, mas também a santificação, a gradual reno­vação espiritual. O Espírito implantou no seu coração a semente da nova vida (Jo 3.3,5). “Vocês morreram, e a sua vida está oculta com Cristo em Deus” (Cl 3.3). Portanto, nesse sentido vocês também foram sepultados e ressuscitados com ele.

Mas, por que Paulo conecta “no seu batismo” com esse ter sido sepultado e ressuscitado com Cristo? Ele não o faz por atribuir algum feito mágico ao rito do batismo (veja ICo 1.14-17; cf. IPe 3.21). Na passagem em discussão, o apóstolo exclui definitivamente a idéia de que o ato de batizar tenha valor espiritual, em virtude do ato em si, e independente da condição do coração daqueles que professam, aqui e agora, crer no evangelho. Ele cuidadosamente ajunta: por meio da fé no poder operante87 de Deus que o levantou dentre os mortos. O homem que ouvir o evangelho do modo como é proclamado deve entre­gar seu coração ao Todo-poderoso Deus cujo poder energizante levan­tou a Cristo dos mortos. Deve ainda crer que a força espiritual proce­dente do Salvador ressurreto (Fp 3.10) lhe suprirá todas as necessida­des do corpo e da alma, no tempo e na eternidade.

Qual, pois, é o significado da frase “no batismo”? Evidentemente, em todo esse parágrafo Paulo magnifica o batismo tanto que, por meio de clara implicação, desaprova a continuidade do rito da circuncisão, se considerado como tendo relação com a salvação.88 Portanto, a clara

87. Genitivo objetivo após j c í c t e c o ç (como era Rm 3.22,26; G13.22; Ef 3.12; Fp 3.9; e 2Ts 2 .13).88. Quanto a descartar a circuncisão, Paulo emprega uma linguagem definida e forte (Gl 5.2; I «'p

3.2). Em Colossenses ele se opõe a esse rito para os crentes dentre os gentios nessa nova dispciiNll

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380 COLOSSENSES 2.11,12

implicação, é que o batismo tomou o lugar da circuncisão.89 Assim, o que é dito em referência à circuncisão em Romanos 4.11 como sendo um sinal e selo, é válido também para o batismo. No contexto colossense, o batismo é especificamente um sinal e selo de se ter sido sepultado e ressuscitado com Cristo. Conseqüentemente é um sinal e selo da união com Cristo, da entrada no seu pacto, da incorporação no corpo de Cris­to, a igreja (ICo 12.13). O sinal do batismo retrata o poder purificador do sangue de Cristo e do Espírito. Esse retrato vívido é muito valioso (cf. Jó 42.5,6). O selo atesta e garante a ação desta atividade de amor e graça nas vidas de todos os que aceitam a Cristo pela fé. Portanto, o batismo nos demonstra um Deus que se condescende afetuosamente das fraquezas de seu povo: suas dúvidas e temores, (cf. Hb 6.17; ainda em relação ao sacramento da comunhão, Lc 22.19). Certamente Noé não desprezou o arco-íris (Gn 9.12-17). Cônjuges felizes não dão pouco valor às suas alianças de casamento.

Então, em suma, o significado de Colossenses 2.11,12 parece ser o seguinte: “Vocês, crentes, não têm nenhuma necessidade de circuncisãoção. Num sentido religioso, a circuncisão era certamente uma bênção na a n tiga dispensação. Para alguém que vivia naquela época, receber o sinal da entrada no pacto, com certeza não era mau em si. Pelo contrário, constituía uma bênção como s in a l e s e l o da justiça da fé (Rm 4.11). Entretanto, nunca deveria ser considerada como sendo em si um veículo de graça ou indispensável para a salva­ção. É certo que, com o derramamento do sangue de Cristo no Calvário, esses sinais e selos s a n g r en ­t o s (circuncisão e morte do cordeiro Pascal) atingiram seu objetivo e foram considerados moribun­dos. O erro deplorável dos falsos mestres possuía, portanto, duas facetas: a. a tentativa de forçar esse rito obsoleto sobre os crentes dentre os gentios; b. a visão de que a circuncisão era em si e por si um veículo de graça, conferindo ao recipiente uma bênção que a “mera” (?) fé em Cristo nunca poderia lhe dar. O erro consistia, portanto, na enganação da s u f i c i ê n c ia plena de Cristo. Para mais comentá­rios a respeito disso, veja versos 16,17.

No entanto, toda essa discussão pertence à esfera dos valores morais e espirituais, não tendo rela­ção com o valor da saúde física da circuncisão em qualquer idade. No seu interessante livro N one o f T h ese D is ea s e s , publicado pela Fleming H. Revell Co., o médico Dr. S.I. McMillen reserva altos elogios à circuncisão como medida de saúde, especialmente na prevenção do câncer cervical (págs. 19-21). Seus comentários e estatísticas são interessantíssimos. Mas esse é o lado físico. Paulo discute a questão moral e espiritual.

89. Falo aqui de uma clara im p lic a çã o . O contraste, que é visível, é entre a circuncisão l it e r a l e a c i r c u n c i s ã o s em m ão s , a saber, a circuncisão do coração como foi explicado. Mas a implicação é também clara. Assim, é correta a seguinte afirmativa: “Já que o batismo veio, então, no lugar da circuncisão (Cl 2.11-13), os filhos deveriam ser batizados como herdeiros do reino de Deus e seu pacto” (F o r m fo r th e B ap tism o f fn fa n ts no P sa lt e r H ym nal o f th e C hristian R e fo rm ed C hurch, Grand Rapids, MI, 1959, pág. 86). Quando Deus fez seu pacto com Abraão, os filhos foram incluí­dos (Gn 17.1-14). Nos seus aspectos espirituais, esse pacto continuou na nova dispensação (At 2.38,39; Rm 4.9-12; G13.7,8,29). Portanto, os filhos ainda estão incluídos e ainda deveriam receber o sinal, que na presente dispensação é o batismo, como Paulo esclarece em Colossenses 2.11,12. É certo que Deus não é menos generoso agora do que foi na antiga dispensação (mais evidência em apoio desta posição pode ser encontrada em passagens tais como: Mc 10.14-16; Lc 18.15-17; At 16.15,33; ICo1.16).

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COLOSSENSES 2.13 381

extema. Vocês já receberam uma circuncisão muito melhor, a do cora­ção e vida. Essa lhes pertence por causa da sua união com Cristo. Quando ele foi sepultado, vocês foram sepultados com ele, isto é, o seu ego pecaminoso de outrora. Quando ele foi levantado, vocês foram levanta­dos com ele como novas criaturas. Na experiência do batismo, vocês receberam o sinal e o selo desta maravilhosa transformação produzida pelo Espírito”.90

13. No espírito de júbilo e sólido otimismo cristão, Paulo prosse­gue: E a vocês, que estavam mortos pelas suas transgressões e incircuncisão da sua carne, lhes deu vida juntamente com ele. Nasua grande misericórdia, Deus tivera compaixão dos gentios bem como do povo da antiga Aliança. “E a vocês”, queria dizer: “E a vocês que antes eram gentios, e como tais mortos moral e espiritualmente, e isso não somente por causa de suas transgressões individuais contra a lei santa de Deus, mas também, e basicamente, devido ao seu estado peran­te Deus”. Esse estado é aqui descrito como “a incircuncisão da carne”, isto é, “o estado de culpa; portanto, sua condição pecaminosa, impoten­te e conseqüentemente desesperadora”.

Sendo filhos da ira, sua incircuncisão física ou literal simbolizava sua incircuncisão moral e espiritual. Apalavra vocês é repetida para dar ênfase, como se Paulo estivesse dizendo: “Ponderem sobre isso. Conti­nuem a refletir que a vocês, sim, até mesmo a vocês, tão profundamente decaídos, tão irremediavelmente perdidos, tão completamente corrom­pidos em estado e condição, foi outorgada essa graça” (cf. Ef 2.1,5). A origem predominantemente gentia dessa igreja está clara também em passagens tais como Colossenses 1.21,22,27; 3.5-7 (passagens seme­

90. Essa discussão dificilmente seria completa se nada fosse dito em referência ao m od o do batis­mo, já que é especialmente em passagens como essa que os imersionistas baseiam a asserção de que o batismo por imersão é o único válido. Eles vêem nas palavras “tendo sido sepultados com ele no batismo” um endosso à imersão em água; e nas palavras “no qual fostes também ressuscitados com ele” um sólido apoio para a imersão nas águas. Com todo amor e respeito pelos nossos irmãos em Cristo, eu me atrevo, no entanto, a dizer, que relacionado ao batismo, as Escrituras também usam outras expressões que, com base nesse tipo de argumentação, deveriam ser tomadas como iniciativas do m o d o apropriado do batismo. Se s e r s ep u lta d o c o m C risto (Cl 2.11,12; Rm 6.4) significa que o batismo deve ser por imersão, porque s e r c r u c i f i c a d o c o m C risto (Rm6.6) não poderia indicar que o batismo deveria ser pela crucificação, e s e r p la n t a n d o c o m e l e (Rm 6.5 A.V. e original) deveria ser por implantação, e r e v e s t i r - s e d e C risto (G13.27) deveria ser por habitação? Vejo que John Murray está certo quando diz: “Quando todas as expressões de Paulo são levadas em consideração, vemos que o sepultamento com Cristo não pode ser considerado como fornecendo um sinal do modo de batismo, mais do que a crucificação com ele. E já que esta não indica o m o d o de batismo, não há nenhuma validade no argumento de que no sepultamento o haja. O fato é que existem muitos aspec­tos na nossa união com Cristo. É arbitrário selecionar um aspecto e encontrar na linguagem empre­gada para apresentá-lo à essência do modo de batismo” (C hristian B ap tism , pág. 31).

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382 COLOSSENSES 2.13

lhantes emEfésios são: 1.13; 2.1-3,11,13,17,22; 3.1,2; 4.17, etc.). Mas o mesmo Deus, que levantou a Cristo dos mortos, também deu vida aos colossenses naquele mesmo ato.

Nos versos 13,14 e 15 o apóstolo nos mostra, em modificadores participiais ordenadamente organizados, o que estava inferido nesse dar vida. Isso significava:

(1) conceder-racw perdão: “tendo-nos perdoado todos os nossos deli­tos” (v. 13).

(2) apagar uma escrita: “havendo apagado o documento manuscrito que era contra nós” (v. 14).

(3) desarmar espíritos: “e havendo despojado os principados e au­toridades de seus poderes” (v. 15).

Na obra da salvação, a culpa de nossos pecados deve ser removida antes de tudo o mais. Assim, quando Paulo descreve como fomos vivifi­cados juntamente com Cristo, ele inicia dizendo: tendo-nos perdoado todos os nossos delitos. Note a impressionante transição de vocês para nós. Se for verdade que “todos (judeus e gentios) pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3.23), então todos igualmente necessitam de per­dão. E Paulo, que se considera como “o principal dos pecadores” (1 Tm1.15), não era capaz de escrever sobre um assunto como esse sem ficar profundamente comovido em sua própria alma, tendo experimentado o que Deus fez por ele ao resgatá-lo da inevitável condenação.

Perdão1. Por que é enfatizado?E digno de especial atenção que o apóstolo fale de perdão em cada

um dos três primeiros capítulos de Colossenses. Será que não houve uma razão especial para isso? Lembre-se de que essa carta seria lida em voz alta para a congregação reunida de Colossos, sim, para a mesma igreja reunida na casa de Filemom. E Filemom era o senhor de Onésimo, o fugitivo que voltava, a quem Filemom deveria perdoar. Sinto-me como se eu estivesse presente quando essa carta foi lida, como se ouvisse o leitor pronunciando as preciosas palavras:

O Pai “nos resgatou do domínio das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, em quem temos nossa redenção, o perdão dos nossos pecados”... E vocês que estavam mortos pelas suas trans­gressões e incircuncisão da sua carne, lhes deu vida juntamente com ele, tendo nos perdoado todos os nossos delitos... Revistam-se, portanto, como eleitos de Deus, santos e amados, de um coração compassivo, de

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COLOSSENSES 2.13 383

bondade, humildade, mansidão, longanimidade, suportando uns aos outros, se alguém tem motivo de queixa contra outro, perdoando uns aos outros. “Assim como o Senhor os perdoou, assim vocês também [perdoem]” (Cl 1.13,14; 2.13; 3.12,13). E é como se eu pudesse ouvir o Espírito Santo sussurrar no coração do dono desta casa-igreja: “Filemom, se por você o Senhor fez tudo isso, não deveria você, com alegria no coração, perdoar Onésimo e aceitá-lo plenamente como um irmão amado?”

Porém, com certeza essas palavras não eram dirigidas apenas a Filemom, mas à congregação colossense toda, e, aliás, a cada um de todos os crentes naquela época e agora, como Paulo nos lembra de ma­neira tão bela: ‘havendo-nos perdoado todos os nossos delitos”.

2. Quais são as suas características?A evidência demonstra que esse perdão é:a. Gratuito - A palavra usada aqui no original enfatiza isso (veja

comentário em 3.13, nota de rodapé 134). E totalmente imerecido por parte do homem (Rm 3.24; Tt 3.4-7). E o dom precioso de Deus em Cristo. Não pode ser essa a própria razão pela qual o pecador deve se tomar como uma criancinha a fim de recebê-lo? Conta-se a história de um homem que ofereceu dez moedas de ouro numa feira. Junto à pilha destas valiosas moedas havia uma placa: “Você não me engana”. A pi­lha permaneceu intacta. Logo antes da hora de fechar, uma criança viu a placa, estendeu a mão e pegou uma moeda.

b. Abundante - Quando Deus dá ou perdoa, ele não o faz meramen­te das suas riquezas, mas segundo suas riquezas (Ef 1.7). Seu amor perdoador é superabundante (Rm 5.20; cf. Is 1.18; SI 103.12).

c. espontâneo e ansioso - Deus “roga” aos homens que se reconci­liem com ele, “não levando em conta suas transgressões” (2Co 5.19,20; cf. SI 86.5).

d. Garantido - Quando Paulo recebeu sua comissão foi enviado aos gentios “para abrir os seus olhos a fim de que voltassem das trevas para a luz e do poder de Satanás para Deus, para receberem remissão de pecados”... Quando Festo expressou sua dúvida a respeito dessa visão celestial e a comissão dada a Paulo, o apóstolo respondeu: “Não estou louco, excelentíssimo Festo, pois estou falando a sóbria verdade” (At 26.16-18,25; cf. SI 89.30-35).

e. Básico - Quando um pecador é resgatado do domínio das trevas e transferido para o reino do Filho do amor de Deus, ele recebe antes de tudo o perdão. Em seguida vem a purificação moral e espiritual

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384 COLOSSENSES 2.14

[santificação”] (Cl 1.13,14,22). Assim também aqui em Colossenses2.13, a primeira bênção mencionada em relação ao vivificar do pecador morto é o perdão (cf. Rm 3.24). Note a ênfase posta na justificação em Romanos 6. Ainda é básica a questão: “Como pode um pecador se tor­nar justo aos olhos de Deus”?

3. Como o recebemos?Por qual caminho Deus conduz seus filhos à plena posse e ao des­

frutar dessa bênção?a. Deve existir genuína tristeza pelo pecado (tristeza que vem de

Deus, 2Co 7.10; cf. Mc 1.4).b. Deve existir um desejo ardente de abandonar o pecado. Aqueles

que estão ansiosos para fazer morrer, pela graça de Deus, sua natureza má (Cl 3.5-11) são declarados perdoados (Cl 3.13; cf. Pv 28.13). Quan­do a professora da Escola Dominical perguntou: “O que significa arre­pendimento?”, um garotinho respondeu: “Arrependimento significa en­tristecer-se o suficiente para parar de fazer o que está errado”.

c. Deve existir a disposição de coração para perdoar os outros (Cl 3.13; Ef 4.32; cf. Mt 6.14,15).

14. Mas ao dar-nos vida (veja a respeito no v. 13), Deus, em sua misericórdia, não apenas perdoou nossas transgressões contra sua san­ta lei, mas até mesmo cancelou a própria lei vista sob o prisma de seu caráter, que exige e pronuncia sobre nós maldições, a lei que, devido às suas muitas e rígidas exigências e regulamentações, nos condenava a todos. Como um meio de salvação e uma maldição suspensa sobre nos­sas cabeças, Deus a aboliu por meio do sacrifício substitutivo de seu Filho. Paulo diz: e tendo apagado o documento manuscrito que era contra nós, que por meio de suas exigências91 tesfificava contra92 nós.

9 1 .0 original é difícil e tem dado margem a várias interpretações. A dificuldade diz respeito a duas frases: kcx0 Tmcòi/ e xoiç 5 Ó Y |a a a i v . Se k <x0 r in c õ v for traduzida como “contra nós’ e xoíç Sóy^aCTiv concordar com “o manuscrito”, o resultado pode ser uma tradução propensa à acusação de tautologia: “o manuscrito com suas ordenanças, que era contra nós, o qual era contrário a nós” (cf. tradução um tanto similar no texto da A.V. e A.R.V.). J.A.T. Robinson evita essa dificuldade tomando Ka0’ rincõv como significando “em nosso nome” (The Body, pág. 43 n.). Mas é difícil encontrar consistência para esse significado. E. Percy (obra citada, págs. 88,89), Ridderbos (obra citada, págs. 186,187), combina xoiç Só^aaiv com a sentença seguinte; assim, “o manuscrito que era contra nós, o qual por suas ordenanças testificava contra nós” . Em essência, posso adotar essa tradução. Bruce (obra citada, pág. 237) coloca sua objeção a ela nestas palavras: “E um tanto estranho concordar xoíç Sóyuaaiv com a sentença adjetiva seguinte, apesar dos paralelos que ele (Percy) menciona”. Entre­tanto, não se pode negar que existem esses paralelos, citados não apenas por Percy (obra citada, pág.88, nota de rodapé 43), mas também pela Gram. N.T. Bl.-Debr. par. 475,1. Apesar de que, colocan­do-se o modificador da sentença relativa à qual pertence, possa ser considerado excepcional, não é

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COLOSSENSES 2.14 385

Essa escrita ou documento manuscrito é sem dúvida alguma a lei (cf. Ef2.15).93 Num sentido, a lei era um adversário, um acusador dos transgressores. Ela confrontava os homens com a dura sentença: “Mal­dito o que não andar segundo todas as coisas escritas no livro da lei para praticá-las” (G13.10; cf. Dt 27.26). E mais, ela continha um sem núme­ro de regras e regulamentações de natureza cerimonial relacionadas a jejuns, festas, comidas, ofertas, etc. Já que ninguém jamais podia cum­prir a lei, tanto no seu aspecto moral quanto no cerimonial, ela conti­nuou por muito tempo sua missão como acusadora. Com a Vinda de Cristo, nascido para morrer, uma grande mudança ocorreu. Paulo fala aos colossenses, molestados como estavam pelos falsos mestres que lhes tentavam impor suas cerimônias judaicas e adicionavam regulamenta­ções pessoais: “Deus eliminou completamente94 o documento com suas exigências legais”. Como isso aconteceu? Paulo responde: e ele o re­moveu do caminho cravando-o na cruz. Deus anulou a lei quando seu Filho lhe satisfez as exigências de perfeita obediência, levou sua maldi­tão excepcional assim, como indica a evidência fornecida por Percy e pela Bl. -Debr. Além do mais, não existe, no final das contas, uma boa razão para essa posição avançada do modificador? Não é verdade que, contra os falsos mestres, com seu amor pelas ordenanças e mais ordenanças, o apóstolo desejava enfatizar a idéia de que era exatamente por causa delas que a lei havia se tomado nossa adversária, constantemente testificando contra nós, transgressores? Se isso for mantido em mente, a ordem das palavras não parece assim tão estranha.

92. újcevotmíov onde à m í tem sentido adversativo. Em Hebreus 10.27, xo\5ç újcevavxíouç signi­fica o s a d v e r sá r io s . Também na LXX esse composto - óom é o equivalente ao hebraico 'õyêbh (inimigo) e car (adversário, antagonista). Fora de Cristo, a lei é o adversário do pecado, testificando c o n tr a ele.

93. E verdade que XEipÓYpai|>ov, que significa basicamente m a n u scr ito , e assim no seu sentido geral, qualquer d o cu m en to , freqüentemente tem o sentido técnico de bônu s, c e r t i f i c a d o n e g a t iv o d e d ív id a . Veja A. D eissm ann , L igh tfr om th e A n cien t East, págs. 331,332. Tomado no último sentido “pode-se dizer que o povo judeu assinou um contrato quando se prendeu por uma maldição de observar as decretações da lei” (Dt 27.14-26; cf. Êx 24.3). De igual modo, Lightfoot (o b ra c ita d a , pág. 187). Mas jáque o apóstolo fala sobre o manuscrito que testificava contra n ó s , e obviamente ele está escrevendo aos cristãos dentre os g e n t io s , é necessário encontrar-se uma maneira de fazer com que esse sentido técnico do termo se aplique aos gentios também. Lightfoot oferece uma solução: “O assentimento moral da consciência, que era então sinal e selo de obrigação”. Muitos comentaristas, de um modo ou de outro, seguem essa linha de interpretação. E uma teoria muito atraente e se presta lindamente a sermões. Todavia, é muito difícil encaixá-la no presente contexto que tem em vista um d o cu m en to c o n te n d o r e g u la m en ta ç õ e s e o rd en a n ça s . E mais, na clara passagem análoga (Ef 2.15), o que foi abolido pela cruz não é “um certificado negativo de dívida contendo nossa assinatura”, mas “a lei de mandamentos com suas exigências”. Portanto, concordo com Beare quando afirma (o b ra c ita d a , pág. 198): “Representa simplesmente a lei como um código escrito”. Cf. também Gálatas 3.13: “Cristo nos resgatou da maldição da lei”; e Romanos 7.6: “Mas agora estamos livres da lei” .

94. A expressão sinônima “ele a retirou do caminho” significando “ele a anulou completamente” indica que o sentido literal de è|<xXEÜ|)C0 não deve ser forçado. Nem o ato de apagar literalmente de uma assinatura, nem um reconhecimento de dívida são aqui designados, mas a c o m p le ta d e s t ru i çã o d a le i, v is ta c o m o um c ó d i g o d e r e g r a s e r e g u la m en ta ç õ e s .

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386 COLOSSENSES 2.15

ção e cumpriu suas sombras, coisas e cerimônias. Foi pregada na cruz com Jesus. Morreu quando ele morreu. E por causa da natureza substitutiva do sacrifício de Cristo, os crentes não estão mais debaixo da lei, mas debaixo da graça (Rm 7.4.6; 6.14; G1 2.19). Isso não quer dizer que a lei moral perdeu o seu significado para o crente. Não pode dar a entender que agora ele deve esquecer-se de amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo. Pelo contrário, a lei do amor pos­sui validade eterna (Rm 13.8,9; G15.14). É o supremo deleite do crente. Ele a obedece por causa da gratidão pela salvação que já recebeu como dádiva da graça soberana de Deus. Mas já foi isento da lei vista como um código de regras e regulamentações, como um meio de se obter vida eterna, como uma maldição ameaçando destruí-lo.

15. Segue aqui o último dos três importantes atos pelos quais Deus concede a seus filhos a alegria da salvação (veja a respeito no v. 13): (1) o perdão de pecados, (2) a abolição da lei (no sentido explanado), e agora (3) o desarmamento dos principados e autoridades. Paulo diz: e tendo despojado os principados e autoridades de seus poderes, ele os expôs publicamente à desgraça nele triunfando sobre eles.95 Esses “principados e autoridades” são seres angelicais (veja comentário em Cl 1.16), que são aqui (2.15) retratados como oponentes a Deus. Não está exatamente claro por que Paulo faz menção deles no presente mo­mento. No entanto, é possível que a afirmativa imediatamente preceden­te da anulação da lei como nossa acusadora impessoal, possa ter levado a essa referência aos acusadores pessoais, a saber, os anjos maus.96 Essa seria certamente uma transição muito natural. Ela nos lembra a argumentação do apóstolo em Romanos 8. Aí também, havendo salien­tado como a exigência da lei foi cumprida (Rm 8.1-4), o apóstolo per­gunta no verso 33: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus”?, e no verso 34: “Quem os condenará?”. Alguém diria que Paulo, conhe­cedor como era do Antigo Testamento, não incluiu Satanás entre os acusadores pessoais? A idéia de que Satanás é o arquiacusador é certa e decididamente bíblica (Jó 1.9-11; Zc 3.1-5; Ap 12.10). É claro que a obra de Satanás e suas hostes, na tentativa de destruir os crentes, não está confinada à acusação. A vileza dessas hostes do mal aparece espe­cialmente em que: primeiro, tentam os homens a pecar, e, depois, ha­vendo obtido sucesso na sua sinistra empreitada, imediatamente acu­

95. Note a estrutura simétrica dos versos 14 e 15, onde, em ambos, no original o verbo principal aparece entre dois particípios modificadores.

96. Ridderbos rejeita essa idéia como não possuindo apoio contextuai (obra citada, pág. 189). Eu prefiro deixar margem a essa possibilidade, pelas razões mencionadas no texto.

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COLOSSENSES 2.15 387

sam esse mesmo povo perante Deus, culpando-o dos mesmos pecados que eles, os espíritos sinistros, urdiram.

Ora, em meio a essa terrível porfia (cf. Ef 6.12), os colossenses recebem uma palavra de conforto. E como se Paulo dissesse: Vocês não precisam temer essas hostes do mal, pois em princípio a batalha já foi ganha. Foi ganha para vocês. O próprio Deus desarmou97 esses princi­pados e potestades. Ele não nos resgatou do domínio das trevas (Cl 1.13)? Não é seu Filho o cabeça de todo principado e autoridade (Cl2.10)? E não é verdade que os principados e autoridades (bem como tronos e domínios) não são mais que criaturas, criadas nele, por meio dele e com vistas a ele (Cl 1.16)? Lembrem-se, pois, de que, por inter­médio desse mesmo Filho, Deus despojou esses principados e autorida­de do seu poder. Ele os desarmou completamente. Não triunfou Cristo sobre eles no deserto da tentação (Mt 4.1-11)? Ele não amarrou o ho­mem forte (Mt 12.29), expulsando demônios vez após vez para prová- lo? Não viu ele a Satanás caindo do céu como um relâmpago? (Lc 10.18). Quando o diabo e suas hostes se estabeleceram do Getsêmani ao Gólgota (Lc 22.3,53; cf. SI 22.12,16), Cristo não privou, por sua morte vicária, a Satanás, de até mesmo um vestígio de base legal em que pudesse firmar suas acusações? Não foi lançado fora o acusador dos irmãos, e isto não apenas por meio da morte vicária de Cristo, mas também por sua triunfante ressurreição, ascensão e coroação (Ap 12.10; Ef 1.20­23)? Não é verdade, pois, que por meio desses grandes atos redentores Deus expôs publicamente esses poderes à desgraça, levando-os cativos em vitória, acorrentados, por assim dizer, à sua carruagem triunfal?98 Sim, no Filho do seu amor, e por meio dele, esse Cristo triunfante, Deus obteve a vitória sobre Satanás e sobre todas as suas hostes. E essa vitó­ria é a vida e alegria de vocês. Tudo o de que vocês necessitam está em Cristo.

97. Aqui concordo com Ridderbos contra Lightfoot e outros. Veja a extensa argumentação de Lightfoot a favor de que òuceKSuaónevoç deve ser traduzido como um meio verdadeiro, a fim de que o sentido possa ser que Cristo se despiu dos poderes do mal “que haviam se agarrado como um manto de Nesso na sua humanidade” (obra citada, pág. 90). Contra essa nota:

(1) No Novo Testamento a voz média é ocasionalmente empregada quando se espera o ativo. Veja Gram.N.T. Bl.-Debr., par. 316.

(2) Em Efésios 6.11,14; 1 Tessalonicenses 5.8 o verbo èvS-úco é usado na voz média com o signifi­cado de “eu coloco armadura”. Assim, aqui em Colossenses 2.15 àjteKSvCTÓ^evoç a voz média, poderia muito bem significar desarmar.

(3) O sujeito desta sentença ainda é Deus. É difícil pensar em Deus se desvencilhando dos anjos maus como se estivessem agarrados a ele como um manto.

98. Cf. Efésios 4.8 e, para uma aplicação favorável da metáfora, veja 2 Coríntios 2.14.

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388 COLOSSENSES 2.16,17

16,17. Alinhando o que havia dito com respeito à argumentação persuasiva (2.3), filosofia, falso engano, tradição de homens e rudimen­tos mundanos (2.8) que caracterizavam o pensamento e a propaganda dos falsos mestres, e os requisitos da lei (2.14) sobre os quais sobrepu­nham suas próprias regulamentações, Paulo agora prossegue: Portan­to, não permitam que alguém os julgue em questões de comida ou bebida ou a respeito de festa, ou lua nova, ou sábado...

O aspecto judaico da heresia colossense destaca-se claramente aqui. Não obstante, é também evidente que o erro ia além da mistura de reli­gião judaica e Cristianismo, que é chamada de Judaísmo, pois os mes­tres do erro em Colossos estavam julgando não somente em relação ao comer, mas também com respeito ao beber, apesar de que, em relação a este o Antigo Testamento contém bem poucas proibições (Lv 10.9; Nm6.3; Jz 13.4,7,14), apesar de ser fortemente condenada a falta de mode­ração (Is 5.11,12; Am 6.6; Pv 20.1). Quando ao comer, os falsos mes­tres parecem ter sobreposto suas próprias regulamentações às leis do Antigo Testamento no que se refere aos animais limpos e imundos (cf. Lv 11). Tentaram também impor restrições relacionadas às festas - por exemplo, a Páscoa, Pentecoste, Festa dos Tabernáculo e talvez outras (cf. Lv 23) - luas novas (cf. Nm 10.10; 28.11) e sábados (cf. Êx 20.8­11; 31.14-16). Havia, portanto, evidência de uma clara tendência ascética. O propósito principal de colocar tal ênfase em todas essas regulamenta­ções era o de convencer os colossenses de que a observância rígida era absolutamente indispensável à salvação, ou se não à salvação como tal, pelo menos à plenitude, a perfeição na salvação (veja comentário dos vv.9 e 10). Paulo expressa uma forte advertência contra essa negação implícita da plena suficiência de Cristo, ao prosseguir: coisas que eram- mesmo no seu legítimo contexto do Antigo Testamento - apenas uma sombra daquelas que estavam por vir, mas o objeto que projeta a sombra é encontrado em Cristo.99

99. Com base na tradução “porém o corpo é Cristo”, alguns são de opinião de que o significado seja: “mas é o corpo de Cristo (a igreja) que deve julgar todas as essas coisas”. No entanto, as palavras c t k iá(sombra) e acc^a (corpo ou objeto) claramente estão associadas, e introduzir a igreja nesse ponto é completamente arbitrário. E ainda, a leitura do original é: xò 8è cia^a. m v Xpiaxoi, literalmente "... porém o corpo (ou: o objeto)... de Cristo” significando, provavelmente:"... porém o objeto se encontra em Cristo”.

É muito popular a tradução: “Mas a substância - ou a realidade - é Cristo”. Ela pode não estar muito longe da verdade. Todavia, parece-me que devido à estreita relação entre cK Ía e acòua, que são complementos, Paulo estava pensando numa sombra e um objeto projetando a sombra. O contraste real divisado pelo apóstolo não é precisamente entre aquilo que era irreal e o que é real- as regulamentações do Antigo Testamento em referência a essas questões, e também essas questões em si eram bastante reais - mas entre o que estava passando e, portanto, deveria ser descartado e o

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COLOSSENSES 2.18 389

Por que tomar como indispensáveis ordenanças quanto ao comer, quando Aquele que tem por sombra o maná de Israel está se oferecendo como o Pão da vida? (Jo 6.35,48). Como pode a observância da Páscoa (cf. Ex 12) ser considerada um meio para o aperfeiçoamento espiritual quando nossa Páscoa foi sacrificada, o próprio Cristo (ICo 5.7)? Que justificativa poderia haver para se impor sobre os convertidos do mun­do gentio a observância do sábado judeu, quando o Portador do descan­so eterno está exortando a cada um para vir a ele? (Mt 11.28,29; cf. Hb 4.8,14). É certo que, por hora, uma sombra projetada por uma pessoa que se aproxima pode provar ter valor real. Por exemplo, é possível que, se alguém esteja ansiosamente esperando essa pessoa, mas ela está posicionada de maneira tal que, à sua aproximação, por um momento apenas, sua sombra é vista. Todavia, aquela sombra não somente ga­rante a chegada iminente do visitante, como até oferece um pálido con­torno descrevendo-o. Assim também, as regulamentações do Antigo Tes­tamento serviram a um propósito real. Mas agora que Cristo e a salva­ção nele chegaram, que utilidade tais sombras teriam? Apesar de não ser errôneo para o judeu, treinado na lei desde sua infância, por um período de transição observar alguns desses costumes como meros cos­tumes, não tendo nenhuma relação com a salvação, certamente era errô­neo dedicar-lhes valor que não tinham e tentar impô-los aos gentios. E se isso era verdade em relação às regulamentações do Antigo Testamen­to, certamente o era muito mais no que tange às regulamentações huma­nas, de caráter ascético, que estavam sendo sobrepostas, acrescentadas e em alguns casos até substituindo a lei de Deus. Assim a plena suficiên­cia e preeminência de Cristo estava sendo negada. E isso, afinal, era o erro básico.

18 Que ninguém os desqualifique deleitando-se em humildade e culto aos anjos, apegando-se às coisas que viu, ensoberbecido sem causa por sua mente carnal, 19 e não apoiando-se firmemente ao Cabeça, da qual todo o corpo, sustentado e ligado por juntas e ligamentos, cresce num crescimento [que é] de Deus.

2.18,19III. Advertência contra o culto aos anjos

18. Voltando-se agora ao assunto do culto aos anjos, que era uma das características da heresia colossense, Paulo escreve: Que ninguémque estava permanecendo. A sombra precedia o objeto que a projetava: a lei com suas regulamenta­ções a respeito de comidas, festas, etc., como sombra da salvação em Cristo. Por que se apegar à sombra quando aquele que projeta a sombra chegou?

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390 COLOSSENSES 2.18

os desqualifique.100 Que nenhum ritualista lhes diga: “Já que vocês, colossenses, não estão seguindo minhas regras e regulamentos, então vocês não estão de modo algum na corrida ou competição. São incapa­zes e indignos”. Especialmente, não comecem a sentir-se inferiores quan­do tal pessoa, além de ressaltar a importância de todas aquelas restri­ções quanto ao comer, beber, etc., tenta envergonhá-los, tentando esta­belecer um contraste evidente entre vocês e ela. Que essa pessoa não os desqualifique deleitando-se101 em humildade... Ora, a humildade sin­cera é certamente uma virtude preciosa (cf. Cl 3.12, e veja CNT em Fp2.3), mas a humildade da qual se gabava esse falso mestre não era nada mais que um fraco disfarce para um orgulho intolerável, como está cla­ro também pelo verso 23. Essa pessoa era tão “humilde” quanto Urias Heep em David Coperfield.

Paulo continua: e (também deleitando-se em) culto aos anjos. Le­vanta-se a questão: Qual é exatamente a relação entre humildade e cul­to aos anjos?. Não é dada resposta. Talvez seja correta a sugestão feita por mais de um comentarista, a saber, que o professor do erro estava tentando criar a impressão de que ele se considerava muito insignifican­te para se aproximar diretamente de Deus, daí o fato de buscar o contato com a Deidade pela mediação de anjos. E já que os anjos estavam dis­postos a realizar para ele esse trabalho - ou, a fim de que se constran­gessem - ele os adoraria.

No que se refere às palavras traduzidas como culto aos anjos, exis­te muita diferença de opinião entre os comentaristas. Alguns preferem a tradução “piedade angélica” ou “culto como os anjos o fazem”. Mas o fato de que Paulo, nesta epístola, enfatiza constantemente a preeminên­cia de Cristo acima de todas as criaturas, inclusive os anjos (Cl1.16,17,20; 2.9,15), e que ele diz “aos anjos”, parece indicar que ele estava combatendo o culto oferecido aos anjos. Não somente isso, mas há uma evidência de que ele tende a apoiar a teoria de que o culto angelical era exercido na região onde se localizava Colossos. O Espírito Santo não condenou veementemente a adoração de anjos, por meio de João, o discípulo amado? (VejaAp 19.10; 22.8,9.) E João não usou Éfeso como sua base, apenas a algumas milhas a oeste de Colossos, durante parte

100. A palavra Katappapeiiexco é relacionada a ppapeúç, juiz, árbitro, julgador. Apesar de o verbo ser raro, e no Novo Testamento ocorrer apenas aqui (veja, entretanto, Cl 3.15 a respeito do ppapeúco simples), parece não haver nenhuma boa razão de se afastar do sentido etimológico: tomar uma decisão arbitrária contra uma pessoa, ju lgar contra alguém, declarar (alguém) como desqualificado. Assim também nas R.S.V., N.E.V. e Moule.

101. Para o significado de SéXcov èv cf. 1 Samuel 18.22 (LXX), “o rei se deleita em ti" (cf. também lR s 10.9; SI 112.1) (LXX 111.1).

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COLOSSENSES 2.18 391

do seu ministério? E mais, como foi indicado em nota de rodapé 79 (em 2.2,3, sobre palavra oculto), os essênios, cuja doutrina assemelhava-se, em certos aspectos, àquela aqui contra-atacada (apesar de que os mes­tres colossenses do erro podem não ter sido essênios.), requeriam um voto dos que estavam para ser admitidos à plena comunhão, que consis­tia em “guardar cuidadosamente... os nomes dos anjos”. No ano 363d.C., o Sínodo de Laodicéia - uma das três cidades do vale do Lico (veja Introdução II A), declarou: “Não é correto para os cristãos aban­donarem a Igreja de Deus e irem invocar anjos” (Cânon XXV). Comen­tando a respeito desta mesma passagem das Escrituras (Cl 2.18) um século depois, Teodoreto declara: “A doença denunciada por São Paulo continuou por longo tempo na Frigia e Pisídia”. Irineu, ele próprio da Ásia Menor, porém bem viajado, na sua obra Contra Heresias (188­182 d.C.) infere tanto à extensa presença do culto aos anjos no grupo dos emissários do erro, quanto à posição firme da Igreja primitiva con­tra essa prática maligna, quando declara: “Nem ela (a Igreja) realiza qualquer coisa por meio da invocação dos anjos, ou por encantamen­tos, ou por qualquer outra curiosa arte maligna, mas dirige suas orações ao Senhor que fez todas as coisas... e invocando o nome do nosso Se­nhor Jesus Cristo, ela está habituada a realizar milagres para o bem da humanidade, e não para conduzir os homens ao erro” (II.xxxii.5). E sabido que Miguel, o líder das hostes angelicais, era largamente adora­do na Asia Menor, e esse culto continuou por séculos. Por exemplo, numa data posterior a 739 d.C., o lugar de uma grande vitória sobre os sarracenos foi dedicado a ele. Sua adoração é também inferida de ins­crições encontradas na Galácia. Eram-lhe atribuídas curas miraculosas.102

De tudo isso aprece que a tradução “culto aos anjos” é correta. Para a teoria segundo a qual esses anjos eram “espíritos astrais”, “governa­dores das esferas planetárias”, veja nota de rodapé 86. E a respeito do próprio ensino de Paulo em relação aos anjos, veja não apenas comentá­rio acima, em Cl 1.16,17; 2.15, mas também CNT em 1 e 2 Timóteo e Tito, págs. 183-185.

Paulo continua: apegando-se103 às coisas que viu.104102. Cf. W.M. Ramsay, The Church in the Roman Empire, págs. 477-480.103. As palavras & èripaicev èupocxeúcov têm originado discussões sem fim. Lightfoot desiste da

tentativa de explicá-las. Ele declara: “A combinação é tão gritante e incongruente que apenas é possível; e houve talvez alguma corrupção no texto antes dos testemunhos que nos chegaram”. Desvinculando-se kev da palavra èópaicev, prefixando-a a èp-Paxeiícov e fazendo uma ligeira mudança na palavras da qual k e v foi subtraída, ele chega ao resultado: ècúpa (ou a íco p a) K e v E u p a x é u c o v “trilhando o vazio enquanto suspenso no ar”, isto é, “metendo-se aereamente em vãs especulações”. J.R. Harris, no seu artigo “St. Paul and Aristophanes”, Et 34 (1922,1923), págs. 151-156, observou

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392 COLOSSENSES 2.18

Esse homem tem a pretensão (talvez até acredite) de ter visto algo, e se vangloria de ter tido essa experiência. Ele se aproveita disso ao máximo. Se alguém ousar contradizê-lo ou questionar as verdades de suas teorias, ele responderá: “mas eu tive tal e tal visão”. Ao dizer isso, e ao narrar a visão, ele irá naturalmente assumir um ar de profundo domínio dos mistérios divinamente revelados. Ele se orgulha no que considera sua sabedoria superior. Ele se esquece de que “o saber ensoberbece, mas o amor edifica” (ICo 8.1). Ele está, continua Paulo, ensoberbecido sem causa por sua mente carnal. Note a expressão “sem causa”, isto é, apesar de estar cheio de uma opinião exaltada acer­ca de si mesmo, ele não tem nenhuma boa razão para se sentir assim. Ademais, sua mente é distintamente a mente da carne, a atitude ou dis­posição de coração e mente/ora da graça regeneradora.105 É importan­te, nesse contexto observar que para a mente ser “carnal” ou “da carne”um paralelo entre Colossenses 2.18 e a linha 225 do As Nuvens, de Aristófanes, onde Sócrates, quando indagado sobre o que fazia suspenso num cesto, respondeu: “Caminho pelo ar e contemplo o sol” . Segundo esse ponto de vista, Paulo tendo lido As Nuvens, está aqui ridicularizando os filósofos colossenses como Aristófanes havia satirizado Sócrates.

Entretanto, pode-se muito bem levantar a questão se são necessárias essas interpretações similares, todas baseadas na emenda do texto. Afinal o significado básico de èupccceúa) parece ser eu piso em, coloco o p é em (para ilustrações deste uso veja Liddell e Scott, Greek-English Lexicon, vol. 1, pág. 539); daí, eu entro em, penetro profundamente em, investigo, e assim me apego a (veja G.G Findlay, “The Reading and Rendering of Colossians 2.18” Exp, primeira série 11 (1880), págs. 385-398). W.M.Ramsay, com base numa inscrição do templo de Apoio de Klaros, datando do século 2'‘ d.C., traduz Colossenses 2.18b e 19a como segue: “Apegando-se ao que viu (os mistérios), vaidosamente ensoberbecidos por sua mente não espiritual, e não se mantendo firme na Cabeça”. Veja The Teaching ofP aul in Terms o fthe Present Day, págs. 283 segs. Essa explicação da expressão é apoiada por M.M. págs. 205,206; por Bruce, obra citada, págs. 248-250 e por R.S.V., A.R.V. (margem) e a New American Standard Bible. Creio também ser claramente apoiada pelo contexto: o homem que se apega a - portanto, se gaba de (como coloca a Versão Berkeley) - o que viu, é descrito como sendo vaidosamente inflado (“ensoberbecido”) em sua mente carnal (cf. também o verbete è|a.paxeúco na L.N.T. [A. e G ], pág. 253). Por outro lado, Ridderbos (obra citada, pág. 194) apóia a tradução (apesar de recomendável cuidado): “Como um principiante entrando naquilo que afirma ter visto”. Esse entrando naquilo pode ser comparado com a tradução intrometer-se em da A.V. Apesar de não negar de modo algum a possibilidade de Ridderbos estar cetro, já que existe evidência definida em apoio a esse uso da palavra, considero a tradução apegando-se como provavelmente mais próxima à harmonia com o contexto, neste caso, como foi indicado.

104. A inserção (A.V. “que não havia visto”) não se apóia na melhor evidência textual do original. Talvez algum copista não tenha entendido que quando Paulo, referindo-se a esse falso mestre, disse: “apegando-se às coisas que viu” queria dizer: “às coisas a que pretendia (ou mesmo cria) ter visto”, inseriu esse não em sua cópia, pensando que de outro modo o ritualista receberia muito crédito. Mas o estilo que o apóstolo emprega é bem transparente. Podemos comparar a expressão de Paulo “as coisas que viu” com a de Cristo “... que aqueles que vêem se tomem cegos” (Jo 9.39b), querendo dizer: “que aqueles que tinham a pretensão de ver, constantemente dizendo: nós vemos, se tomem cegos” (cf. Jo9.41).

105. Veja o sumário dos significados de co p | nas epístolas de Paulo no CNT em Filipenses 1.22, nota de rodapé 55 sobre a expressão “viver na carne”. O significado indicado aqui é o “g” .

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COLOSSENSES 2.19 393

não é necessário que esteja “fixa simplesmente em coisas físicas”.106 Pelo contrário, a mente é “da carne” quando ela baseia sua esperança para a salvação em qualquer coisa fora de Cristo, como indica clara­mente o verso 19. Não faz nenhuma diferença se o fundamento no qual baseia sua confiança é a força física, o sortilégio, as boas obras, ou, como aqui, as visões transcendentais. É “mente da carne” do mesmo modo. Note como Paulo expõe o indivíduo que tem a pretensão a tal deleite na humildade ou auto-humilhação. É como se dissesse: “Esse homem que finge ser tão humilde, na realidade não passa de insuportá­vel orgulhoso. Sua mente está inflada com o senso de sua própria im­portância enquanto se gaba das coisas que viu”. Contraste esse compor­tamento pedante em relação a visões questionáveis com a reação sen­sível do próprio Paulo no que se refere a visões reais (2Co 12.1-4).

19.0 problema com esse indivíduo (uma combinação de visionário, filósofo, ritualista, adorador de anjos e asceta) é que ele está se forman­do nas coisas que viu... e não apoiando-se firmemente ao Cabeça. Ele não se apóia em Cristo. Não consegue ver que Cristo é totalmente sufi­ciente para a salvação e que todos os tesouros da sabedoria e do conhe­cimento estão ocultos nele (Cl 2.3,9,10). Assim Paulo continua: da qual todo o corpo, sustentado e ligado por juntas e ligamentos, cresce num crescimento [que é] de Deus. Não deveria ser necessário defender a proposição de que quando o apóstolo, tendo acabado de se referir a Cristo como Cabeça, fala agora de todo o corpo, ele está pensando na igreja. Que na presente conexão esse é o único significado possível, é claramente inferido de passagens tais como Colossenses 1.18,24; 3.15; Efésios 1.22,23; 4.16.107

A figura fundamental nessa passagem é a do crescimento do corpo humano. A adequação da metáfora de Paulo tem sido questionada, e isso por duas razões:

Objeção n0l - O apóstolo dá a entender que, num corpo humano, a cabeça é a fonte do crescimento. Isso é fisiologia deficitária e antiga.

Resposta - Como foi indicado em relação a Colossenses 1.18, o hormônio estreitamente ligado ao crescimento dos tecidos conectivos, cartilagens e estrutura óssea do corpo origina-se na glândula pituitária, que está localizada numa pequena cavidade na base do crânio e essa é

106. Como a L.N.T. (A. e G., pág. 547) interpreta erroneamente essa palavra como é usada aqui em Colossenses 1.18.

107. É certamente um ato impressionante que Dibelius tente defender a teoria de que o corpo seja aqui o Cosmo. Veja a sua interpretação dessa passagem (e também de Cl 1.18; 2.10), M. Dibelius - H. Greeven, An die Kolosser, Epheser, An Philemon, 1953 (no Handbuch zun Neuen Testament).

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394 COLOSSENSES 2.19

apenas uma das várias maneiras pelas quais a cabeça influencia o cres­cimento do corpo.

Objeção n a2 - Segundo Paulo, “a nutrição é ministrada” (A.V.) ao corpo pelas juntas e ligamentos. Semelhantemente, Lightfoot afirma que uma das duas funções das juntas e ligamentos é “fornecer nutrientes” 0obra citada, pág. 200). Mas sabemos agora que não são as juntas e ligamentos, mas a corrente sangüínea que carrega nutrientes às várias células e tecidos do corpo humano. Portanto, Paulo estava errado.

Resposta - A tradução correta é “todo o corpo sustentado e ligado por juntas e ligamentos”.108 Ora, é conhecido o fato de que o corpo é, certamente, assim sustentado e ligado. A mais moderna ciência não o refuta. Logo, em vez de insinuar que o apóstolo tenha se baseado, sem argumento, numa “fisiologia inexata” (Moule, obra citada, pág. 107), deveríamos perguntar se a tradução segundo a qual as juntas e ligamen­tos “fornecem nutrientes” (ou “nutrição”) ao corpo talvez não seja “tra­dução inexata”.

Chega de figura ilustrativa. Ora, quanto à mensagem real que o apóstolo está entregando aqui, à luz do contexto fica claro que a idéia principal é a de que toda a igreja deve seu crescimento a Cristo. A igreja não precisa nem deve procurar por qualquer outra fonte de força para vencer o pecado ou crescer em conhecimento, virtude e alegria. Assim como o corpo humano, quando sustentado e ligado apropriadamente por juntas e ligamentos experimenta crescimento normal, assim tam­bém, a igreja, quando seus membros apóiam e mantêm contato uns com os outros em amor, irá, sob o cuidado sustentador de Deus, prosseguir de graça em graça e de glória em glória (cf. l.Co 12; Ef 4.16).

20 Se com Cristo vocês morreram para os rudimentos do mundo, por que, como se estivessem [ainda] vivendo no mundo, se submetem a regulamentações? 21 Não manuseie, não prove, não toque” 22 - referindo a coisas que são para a destruição por seu consumo - segundo os preceitos e doutrinas de homens? 23 Ordenanças deste tipo, apesar de certamente possuírem uma reputação para a sabedoria por causa de seu ritual auto-imposto, humildade e severo tratamento do corpo, não têm valor al­gum, (servindo apenas) para satisfazer a carne.

108. Veja L.N.T. (A. e G.), pág. 305, verbete ènixopiryéco que fornece a evidência para o emprego da palavra nesse sentido. E veja também CNT Filipenses 1.18b,19, e nota de rodapé 53, sobre o verbo xoprtyéco, com relação ao significado do verbo simples.

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COLOSSENSES 2.20-22 395

2.20-23IV. Advertência contra o ascetismo

20-22. Nesse parágrafo Paulo condena o programa de austeridade recomendado pelos proponentes do erro. É obscura a conexão entre es­ses versos e a advertência contra o culto aos anjos imediatamente prece­dente (vv.18,19). Os impostores utilizaram, porventura, seu presumível contato com o mundo angelical como base para impor restrições ascéticas a si mesmos e aos outros? Disseram eles: “Deve ser verdade, que se­guindo essas regras vocês alcançarão a vitória sobre a satisfação carnal e obterão a plenitude da salvação, pois um anjo me mostrou isso numa visão?”. Não sabemos. Mas uma coisa é certa. O apóstolo ensina que o ascetismo, não menos do que a adoração a anjos, faz mais mal do que bem. No lugar de ser um remédio contra a satisfação carnal, ele encora­ja e promove a última.

O apóstolo já advertiu contra os argumentos persuasivos dos enga­nadores (Cl 2.4). Descreveu essa espécie de propaganda com filosofia e vão engano segundo a tradição dos homens (2.8). Demonstrou que se até mesmo a lei de Deus, como código de ordenanças e regras cerimo­niais, e como meio para a salvação, foi cancelada e pregada na cruz, então é claro que instruções dt fabricação humana com relação a co­mer, beber, etc., devem ser descartadas (2.14,16). Tais regras e regula­mentações acrescentadas, e as doutrinas das quais são uma extensão, não são nada mais do que noções pueris, rudimentos mundanos. Não constituem nada mais do que altissonantes teorias distintamente mun­danas na sua origem e caráter. Continuando, pois, nessa linha, e dirigin­do sua atenção agora para uma extrema forma deste erro, a saber, a abstinência rígida, Paulo diz: Se com Cristo vocês morreram para os rudimentos do mundo, por que, como se estivessem [ainda] vivendo no mundo, vocês se submetem a regulamentações?. “Se morrestes com Cristo, como naturalmente o fizestes”, pois fostes sepultados com ele (veja comentário do v. 12, acima) e fostes ressuscitados com ele (ou­tra vez v. 12 e também 3.1), assim também, nesse mesmo ato, realizastes um rompimento completo com tal instrução rudimentar que baseia sua esperança em qualquer coisa fora de Cristo e fora da plenitude da salva­ção nele. (Para o significado da expressão “rudimentos do mundo” veja comentário do v. 8; também nota de rodapé 86). O que talvez constituia a mais bela explanação do significado básico desta passagem, nas pala­vras de Paulo, acha-se em Gálatas 2.18-21. Ali Paulo está falando da edificação (v. 18). Ele está construindo pela fé, “a fé está no Filho de

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396 COLOSSENSES 2.20-22

Deus, que me amou e se deu por mim”. E continua: “Não tomo nula a graça de Deus: pois se a justiça (ou: justificação) fosse por meio da lei, então Cristo morreu sem propósito algum”. E é claro que, se a esperan­ça de alguém na lei era contrária ao princípio da salvação apenas com base nos merecimentos redentores de Cristo, então isso seria muito mais verdadeiro em relação ao confiar em ordenanças puramente humanas. Pela confiança nelas os colossenses estariam agindo como se ainda esti­vessem vivendo no mundo, isto é, na esfera de vida que é separada de Cristo. Mas Paulo e todos os verdadeiros crentes foram crucificados para esse mundo. Ele diz: “Mas longe esteja de mim gloriar-me a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está cruci­ficado para mim, e eu para o mundo” (G1 6.14). Portanto, fora com todos esses rudimentos fracos e pobres, esses ensinamentos e regula­mentos que levam o coração para longe de Cristo como o único Salva­dor (cf. G14.19).

Paulo passa agora a resumir esses preceitos, ridicularizando-os de maneira depreciativa e mordaz, empregando para esse fim linguagem enérgica, espirituosa e proverbial: Não manuseie, não prove, não to­que. É como se dissesse: Por que submeter-se a uma série de nãos, como se pela soma de muitas negativas vocês pudessem obter um posi­tivo, ou como se a vitória sobre o pecado e o progresso na santificação fossem alcançados baseando toda a sua confiança em pura abstenção? Lightfoot diz: “Algumas (destas proibições) eram sem dúvida re- promulgada pela lei mosaica, ao passo que outras eram exageros ou acréscimos de um ascetismo rigoroso, como o que encontramos nos essênios, protótipos dos hereges de Colossos; por exemplo, o evitar, óleo, vinho ou carne, a fuga de contato com um estranho ou um religio­so inferior e coisas deste tipo” (obra citada, pág. 203). E claro que, na realidade, não sabemos exatamente que regras ascéticas Paulo tinha em mente quando emitiu essa advertência, nem sabemos precisamente quais eram os antecedentes delas.109 É evidente que nestes breves mandamen­tos estão implícitas restrições no tocante a comidas e bebidas. Note especialmente o “não proves”. Está claro também pela afirmação parentética que se segue no verso 22. Se o casamento era também proi­bido (cf. lTm 4.3), ou pelo menos sujeito a restrições rigorosas, não sabemos. Entretanto, parece que as proibições se ocupavam especial­mente do comer e beber, pois o apóstolo continua: - referindo a coisas

109. Qual era realmente a origem e antecedentes desse ascetismo? (Para discussão dessa questão veja a Introdução IIIB 2). Se os falsos mestres colossenses haviam sido essênios em alguma época, não sabemos. Semelhança não significa necessariamente identidade ou mesmo origem.

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COLOSSENSES 2.23 397

que são para destruição por seu consumo - segundo os preceitos e doutrinas de homens?110O que Paulo ressalta aqui é que certamente é bastante tolo basear-se

a esperança de vitória sobre o pecado, e a salvação plena de alguém em qualquer coisa pertencente àquilo que, no processo da natureza, está condenado à destruição. Regras para o comer e beber (aqui provavel­mente o primeiro em especial), tendo como seu propósito a melhoria da condição moral e espiritual do homem, estão baseadas em precei­tos e doutrinas puramente humanos. A sentença parentética - “referin­do a coisas que são para a destruição por seu consumo” (cf. ICo 6.13)- corresponde exatamente ao ensinamento de Jesus em Mateus 15.17: ‘Não compreendeis que o que entra pela boca passa pelo estômago e é descarregado na latrina?”. A descrição das regulamentações como sen­do “segundo os preceitos e doutrina de homens”, imediatamente nos lembra também uma em que Jesus disse, como está narrado em outro verso do mesmo capítulo de Mateus, a saber: “ensinando [como suas] doutrinas que são preceitos de homens” (Mt 15.9), que, por sua vez, é uma citação de Isaías 29.13. O ponto de todo esse ensinamento, tanto em Isaías como nas Palavras de Jesus, não é apenas mostrar que tais ordenanças feitas por homens e as doutrinas das quais se derivam são sem valor, mas também e enfaticamente são piores do que sem valor, isto é, são na realidade prejudiciais. Assim, de acordo com a passagem de Isaías, um ai é pronunciado sobre aqueles que trocam o temor centraliza­do no coração por Jeová pelo mandamento de homens, e no contexto da passagem de Mateus, Jesus denuncia abertamente os que nos seus dias invalidavam a Palavra de Deus em favor de suas tradições (Mt 15.6).

23. Inteiramente em linha com o que foi exposto no parágrafo ante­rior, o apóstolo conclui essa seção do seguinte modo: Ordenanças des­

110. Como a maioria dos tradutores e comentaristas, considero a questão como sendo: “Se com Cristo morrestes para os rudimentos do mundo, por que, como se estivésseis (ainda) vivendo no mundo, se submetem a preceitos: não manuseie, não prove, não toque, segundo os preceitos e doutri­nas de homens?” (vv.20,21,22b). A sentença - “referindo a coisas que são para a destruição por seu consumo” - (v.22a) é então montada como um parêntese dentro da questão. Demonstra que os preceitos- proibições nesse caso - se referem principalmente àquilo que é consumido pelo corpo. Assim, a frase “segundo os preceitos e doutrinas de homens” (v.22b) é montada modificando os versos 20 e 21. No entanto, outros ligariam essa frase com as palavras imediatamente precedentes, às quais neste caso, não são mais colocadas como um parêntese. O resultado então seria o seguinte: “ ... referindo a coisas que são para a destruição por seu consumo, juntamente com (ou: como acontece também com) os preceitos e doutrinas de homens”. Alimentos e preceitos humanos estão ambos condenados a perecer (cf. H.Ridderbos, obra citada, 197, embora acrescente que a ligação é um tanto relapsa). A razão pela qual apoio o ponto de vista mais amplamente aceito é que as palavras “por seu consu­mo” dificilmente podem ser consideradas como aplicadas somente a alimentos, mas também aos preceitos e doutrinas de homens.

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398 COLOSSENSES 2.23

te tipo,111 apesar de certamente possuírem uma reputação112 para a sabedoria por causa de seu ritual auto-imposto,113 humildade e seve­ro tratamento do corpo, não têm valor algum, (servindo apenas) para satisfazer a carne.114Aqui o “ritual auto-imposto” se refere à adoração aos anjos da qual

Paulo havia falado no verso 18, e “humildade” repete o que ele disse nesse mesmo verso a respeito da auto-humilhação simulada dos mestres do erro. O “severo tratamento do corpo” foi explicado nos versos 20 e 21. A piedade caseira desses devotos causava profunda impressão em algumas pessoas. Quão sérios e piedosos pareciam ser esses propagan­distas, e quão humildes. Talvez, copiando seu exemplo, os colossenses, que lutavam contra os pecados da carne como os mencionados em 3,5, 8,9, poderiam alcançar a vitória moral e espiritual que buscavam. “De modo algum”, diz Paulo. A negligência do corpo jamais curará a alma. O corpo do homem, assim como a sua alma, são queridos de Deus, sendo o templo do Espírito Santo (ICo 6.19). O contraste alma-corpo, como se o corpo fosse mau e por essa razão tivesse de ser punido, ao passo que a alma era divina, tem sabor de dualismo gnóstico ou

111. Literalmente, tais como, porém a referência é às ordenanças e ao ensino do qual se derivam.112.0 significado de X<yyoç depende do contexto. Aqui parece ter a conotação de reputação cujo

significado é similar, isto é, relato.113.0 composto è0eXo6pr|CTKkx tem sido chamado de termo cristão. Paulo mesmo pode tê-lo criado.

Não se encontrou nenhum exemplo de seu uso antes de Paulo. Ele lembra do èdEXoôovXeía, serviço voluntário, mas no presente contexto a palavra usada por Paulo provavelmente signifique culto auto-escolhido, culto ou ritual auto-imposto, religião inventada (portanto, na realidade, pseudo- religião).

114. Significado: “mas serve apenas para satisfazer a carne”. Lightfoot, seguido por Moule, tem sérias objeções a essa e a semelhantes traduções adversativas. Suas objeções principais são: (1) não existe nenhuma indicação de que uma sentença adversativa se inicie com itpò; TtX/najiovTiv k.t.X.; e(2) faz com que o apóstolo diga o que ele não poderia ter dito. “Tal linguagem destruiria seu próprio propósito por sua extravagância”. Ele traduz irpóç como “examinar”, a fim de que o significado da sentença se tome: “Todo esse ensino é impotente para examinar a satisfação da carne”.

Juntamente com H.Ridderbos (obra citada, pág. 198), e muitos outros comentaristas, eu creio, entretanto, que o sentido adversativo seja correto, e que temos aqui uma seqüência hev ... 5r| (inferi­do). A favor desta tradução e em oposição aos argumentos de Lightfoot, apresento o seguinte:

(1) Quando o contraste é facilmente fornecido pelo contexto, név não precisa sempre ser seguido por Sé (expresso). A L.N.T. (A. e G., pág. 504) cita os seguintes casos desta omissão no Novo Testa­mento: além de Colossenses 2.23, também 1 Coríntios 6.7 e 2 Coríntios 12.12. Isso responde à primeira objeção de Lightfoot.

(3) A preposição rcpóç é muito mais naturalmente traduzida por com vistas a (a satisfação da carne); assim, servindo (para satisfazer a carne).

(4) Como foi mencionado em relação aos versos 20-22, tanto em Isaías 29.13 como em Mateus15.9, tais ensinamentos fabricados por homens e as ordenanças que deles fluem, são descritos como prejudiciais. Não são somente impotentes para checar a satisfação, como na verdade promovem os desejos da carne.

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COLOSSENSES 2 399

helenismo. A adoração aos anjos lembra o politeísmo. A humildade é definitivamente falsa. Na realidade esses mestres da falsidade são orgu­lhosos. Se as pessoas forem enganadas por eles e aceitarem seus conse­lhos, além de inúteis, prejudiciais, isso elevaria o orgulho destes “filóso­fos”. Qualquer sistema de religião que não queira aceitar Jesus Cristo como o único e Todo-suficiente Salvador, está engajado na satisfação da carne, cedendo à presunção pecaminosa do homem, como se ele, por suas próprias artimanhas, pudesse aperfeiçoar a obra imperfeita (é o que pensam) de Cristo. Isso agrava as coisas em vez de melhorá-las.

Repetidamente Paulo condena o orgulho pecaminoso (além de Cl 2.18,23, veja também Rm 1.21,22,30; 12.16; ICo 8.1,2; lTm 3.6; 6.4. Cf.Tg4.6; IPe 5.5). É o espírito altivo que precede a queda (Pv 16.18). Não somente os que na realidade andam arrogantemente ante os homens (Mt 6.1,2), não somente os que se empertigam na presença do Todo- Poderoso (Lc 18.10-12), mas também os que ocultam sua vaidade re­voltante por trás de uma máscara de humildade são uma abominação para Jeová (Pv 16.5; cf. 3.5; 16.18; 26.12; 29.23; SI 101.5b). Há perigo de que os colossenses debandem de volta à sua antiga vida carnal? Existe uma solução muito melhor do que a oferecida pelos falsos mes­tres. Em harmonia com tudo o que Paulo disse até agora - veja espe­cialmente 1.9-23,27,28; 2.2,3,6-10 - a solução está em Colossenses 3.

Sumário de Colossenses 2Paulo conclui o último parágrafo dizendo: “Labuto, esforçando-me

em virtude da força que age poderosamente em mim”. No novo parágra­fo, que começa com o que chamamos agora de capítulo 2, ele retoma mais uma vez a idéia de esforço, e escreve: “Pois quero que saibam o quanto me esforço por vocês”, etc. Ele está lutando em oração, porque está profundamente preocupado por causa dos perigos que ameaçam as igrejas do vale do Lico. Esses perigos não atingem meramente o intelec­to; não, eles atingem o coração. Paulo escreve: “Esforço-me por todos os que não viram meu rosto na carne... a fim de que o coração de vocês seja fortalecido”. A heresia é geralmente uma questão de coração, e assim o é também a verdadeira integridade. Apercebendo-se de que os impostores estão colocando grande ênfase em assuntos tais como “co­nhecimento”, “filosofia” (abstrata e mundana.), então Paulo enfatiza o amor. Ele espera e ora fervorosamente para que os colossenses e seus vizinhos possam ser “unidos em amor”. Tal unidade resulta do orar juntos, discutir assuntos juntos, cultuar juntos, dessa forma todo o gru­

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400 COLOSSENSES 2

po de crentes obterá o pleno conhecimento do mistério de Deus, ou seja, Cristo. Havendo descoberto esse mistério, não são necessárias desco­bertas posteriores. Cristo não pode ser suplementado, pois nele “todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos”; ocultos, sim, mas com vistas a serem revelados e plenamente apropriados por todo crente. Continuai a apegar-se a Cristo Jesus, o Senhor, diz Paulo, do mesmo modo como a algum tempo atrás tomastes a maravilhosa decisão de abraçá-lo. Continuai no que fostes instruídos, e não permitais que alguém os leve como despojo “por meio de filosofias e falsos enga­nos, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo”. Cuidado com esses “rudimentos mundanos”, essas noções pueris apresentadas por gente mundana. Lembrem-se de que não é somente a Divindade que habita em Cristo, mas a própria Deidade. Sendo Deus no mais pleno sentido do termo, ele pode e está ansioso por conceder-lhes tudo de que vocês necessitam. Ele é maior do que todos os anjos no céu, e governa cada plano sinistro de Satanás e seus ajudantes.

Para obter vitória sobre o pecado e plenitude de salvação, não será necessário que vocês se circuncidem. Aliás, vocês já receberam uma circuncisão que excede em muito ao tipo literal. Receberam a circunci­são do coração. Pertence-lhes por causa da sua união vital com Cristo, tendo sido sepultados com ele, e tendo sido também ressuscitados com ele. Vocês receberam o seu sinal e selo no batismo. Não permitam que a lei de Moisés, com suas muitas ordenanças os apavore. Quando Cristo morreu, a lei, com todas as suas regulamentações cerimoniais, morreu com ele. Foi pregada na sua Cruz. Ambos, a lei e Satanás, perderam toda a reivindicação legal contra vocês por meio da morte de Cristo na cruz, a lei perdeu todo o seu poder sobre vocês (como meio da salva­ção), e os principados e potestades (anjos), que poderiam acusá-los, foram abertamente expostos à desgraça. Isso é verdade também no que tange às ordenanças em relação a comida ou bebida, festas, lua nova e sábado. Uma vez chegado o objeto que projetava sua sombra, é tolice continuar a se apegar à sombra. Os tipos são cumpridos em Cristo.

Não se impressionem com aquelas pessoas que fazem da sua humil­dade um show, fingindo que são muito indignas de entrar em contato direto com Deus, e, portanto, precisam alcançá-lo pela mediação de anjos a quem adoram e cultuam. (Não é certo, entretanto, que esse fosse o motivo real para cultuarem os anjos. Essa é uma sugestão que tem sido apresentada por muitos.) Não deixem que esses fingidos os desqualifiquem, como se o modo de cultuar a Deus (ou a Cristo) que

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vocês adotam não fosse bom o suficiente. Lembrem-se de que, em vez de serem realmente humildes, esses impostores estão “ensoberbecidos em sua mente carnal”. Eles “não estão se apoiando firmemente na Ca­beça, da qual todo o corpo, sustentado e ligado por juntas e ligamentos, cresce um crescimento (que é) de Deus”.

E finalmente, se com Cristo vocês já morreram para as noções pue­ris do mundo, por que então vocês se submetem a ordenanças: “não manuseiem, não provem, não toquem”? Tais ordenanças, fabricadas por homens, são meras amostras de sabedoria. Se vocês as obedecerem, pensando que a vitória sobre o pecado e a plenitude da salvação subjazem aí, então estarão piores do que nunca. Esse ritual auto-imposto serve apenas para satisfazer a carne. Alimenta o orgulho do homem. Levará vocês para longe de Cristo e da plenitude da salvação nele.

86. Na literatura astrológica, stoicheia (“rudimentos”) é freqüentemente usada no sentido de espí­ritos elementais (ou astrais) ou seres elementais. É sustentado por muitos que esse é também o sentido aqui em Colossenses 2.8. Os tradutores da Bíblia têm adotado essa tradução: R.S.V., N.E.B., Moffatt, etc. Dentre os vários comentaristas que apóiam-na estão F.W. Beare, The Epistle to the Colossians (na The Interpreter’s Bible, vol. XI, págs. 191-193): “divindades astrais que controlam as esferas e são, portanto, mestras do destino humano”; F.F. Bruce, Commentary on The Epistle to the Colossians (no The New International Commentary on the New Testament, págs. 228-232): “governantes das esferas planetárias”; A.S. Peake, The Epistle to the Colossians (na The Expositor's Bible, vol. Ill, págs. 521-524): “espíritos astrais”; E.F. Scott, The Epistles o f Paul to the Colossians, to Philemon, and to the Ephesians (no The Moffatt Commentary, págs. 41-43): “agentes pessoais, seres angelicais”; e veja ainda E. Percy, Die Probleme der Kolosser- undEpheserbriefe, págs. 156­167: “seres espirituais que mantêm uma relação com os elementos da natureza”.

São os seguintes, os argumentos que têm sido usados em favor desta tradução, de uma forma ou outra; juntamente, apresento meus contra-argumentos:

(1) Há bastante evidência para o largo uso da palavra nesse sentido.Resposta: “Para o sentido seres elementais, a evidência, fora do que pode ser deduzido dos contex­

tos da palavra no Novo Testamento, é posterior ao período Clássico, e, em todos os casos determináveis, posterior ao Novo Testamento, e pertence a escritos do tipo astrológico” (C.F.D. Moule, The Epistles o f Paul to the Colossians and to Philemon, no Cambridge Greek New Testament Commentary, pág. 91). E ainda: “aparentemente, portanto, não existe evidência definida de que ctxoixeíov signifi­casse “espírito”, “anjo”, ou “demônio” antes do Test. Sal., que na sua presente forma é pós-cristão, e pode não ser anterior aos séculos 3°- ou 4« (E. de Witt Burton, A Criticai and Exegetical Commmentary on the Epistle to the Galatians, págs. 510-518).

Além do mais, se a palavra tiver esse significado nas cartas de Paulo, como é que nas suas listas de anjos ele nunca a emprega? (IC o 15.24; Cl 1.16; 2.10,15; E f 1.21; 3.10.)

(2) Quando o apóstolo diz: “segundo os stoicheia do mundo e não segundo Cristo”, ele está evi­dentemente pensando em Cristo como uma pessoa. Logo, a lógica requer que esses stoicheia, que estão aqui representados como oponentes a Cristo, devem ser vistos como seres pessoais.

Resposta: Nessa mesma linha de pensamento, a tradição também se toma uma pessoa, porque está exatamente na mesma relação a Cristo que esses stoicheia. Note: “Segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo e não segundo Cristo”.

(3) Em Gálatas 4.3,9, esses stoicheia estão associados, se não identificados, com os poderes angélicos. Ora, se isso for verdade em Gálatas, por que não aqui em Colossenses?

Resposta: O apelo a Gálatas não é justificável (G14.10), considerado como uma interpretação de

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402 COLOSSENSES 2

4.9, indica que Paulo estava pensando em ensino rudimentar no que se refere a observância. Além disso, seria de algum modo razoável crer que Paulo em Gálatas 4.3,9 (note como ele se inclui no v.3) estaria dizendo que antes de sua conversão, ele, o fariseu, estivera escravizado a anjos fracos e po­bres, no controle dos corpos celestiais e da terra, ar, fogo, água, etc.? Era Paulo um animista antes de sua conversão? Um politeísta, talvez, cheio de medo e espanto por causa desses espíritos astrais que supostamente, tiranizavam a humanidade no período de sua minoridade?

(4) Mas Paulo certamente diz algo acerca dos anjos em Gálatas 3.19: “a lei foi ordenada por meio de anjos”. Não é verdade, pois, que, com a Vinda de Cristo, esses anjos se tomaram, por assim dizer, competidores de Cristo, e tentaram manter a lei, e que Paulo agora adverte contra colocar-se nova­mente sob o cativeiro destes anjos? Se Paulo não estava advertindo contra os espíritos astrais do paganismo, não poderia ele estar advertindo contra os anjos mediadores da lei do Judaísmo?

Resposta: A idéia de que Paulo considerava a guarda da lei como sendo um cativeiro aos anjos é destituída de todo traço de evidência. Paulo nunca toma os anjos responsáveis, de modo algum, pela idéia da salvação por meio das obras da lei. Ele mantém que a lei como tal não se constitui em empeci­lho para a obra de Cristo, mas, pelo contrário, é santa e boa. E em Gálatas 3.19, ele representa clara­mente os anjos como acrescentadores de glória à lei. Ele não luta contra esses anjos. Antes, os apóia.

Somando-se às obras já citadas, veja também H.N. Ridderbos, The Epistle o f Paul to the Churches o f Galatia (no The New International Commentary on the New Testament), págs. 152-154,161; eH. Fransen, “Enkele Opmerkingen over de exegese van Kol. 2.8 en 9”, G IT (1952), págs. 65-89.

Portanto, não é de se surpreender que muitos comentaristas (embora provavelmente uma minoria) se recusem a adotar essa tradução, e interpretam stoicheia como significando instrução rudimentar.

Clemente de Alexandria, escrevendo por volta do ano 200 d.C., e claramente baseando sua inter­pretação no contexto, declara que Paulo chama figurativamente a filosofia helénica de stoicheia deste mundo (Stromata VI. viii).

Tertuliano, mais ou menos na mesma época, e novamente em completa harmonia com o contexto, escreve que Paulo advertiu os colossenses a tomarem cuidado com palavras sutis e filosofia, como sendo vão engano, tal como é segundo a stoicheia do mundo, “não compreendendo, deste modo, a urdidura mundana do céu e terra, mas o aprendizado mundano e a tradição dos homens sutis na oratória e na sua filosofia” (Contra Marcião V.xix).

Ainda, bem mais próximo aos nossos dias, C.R.Erdman chama esse stoicheia de “as observâncias rituais dos judeus” (The Epistles o f Paul to the Colossians and to Philemon, págs. 67,68); J.B. Lightfoot os chama de “instrução rudimentar” (Saint Paul's Epistles to the Colossians and to Philemon, págs. 178-181); C.F.D. Moule os define como “ensino elementar” - ensinado por ritualistas judaicos ou pagãos... contrários à liberdade do Espírito” (obra citada, pág. 92); Herman Ridderbos, como “conhecimento elementar” e como “os princípios básicos do mundo pecaminoso da humanida­de” (Aan de Kolossenzen, no Commentaarop hetNieuwe Testament, pág. 171); e A.T. Robertson como “os argumentos capciosos dos filósofos gnósticos com todos os seus aeons e regras de vida” (Word Pictures in the New Testament, vol. IV, pág. 491).

Dentre as objeções emitidas contra essa interpretação, as duas seguintes são talvez as que mais se destacam. Minha resposta é acrescida em cada caso:

(1) Colossenses 2.8 indica um intenso contraste entre esses stoicheia e Cristo. Mas quando esses stoicheia são interpretados com o significado de instrução rudimentar em referência a regras, regu­lamentações e observâncias, não existe nenhum contraste real. Percy diz: “Além do mais, há, em particular, essa consideração de que a expressão xà a-coixfiía to v Kóajiov, segundo Colossenses 2.8,10, bem como Gálatas 4.3,9, se refere a algo absolutamente oposto a Cristo, que não satisfaz o significado de primeiros princípios religiosos, que como tais são os “fundamentos perduráveis de toda religião”, e manterão sua validade quando for alcançado um estágio mais avançado” (obra citada, pág. 157).

Resposta-. Existe, seguramente, um intenso contraste aqui, pois esses são os rudimentos do mundo, o mundo fora de Cristo, em cuja esfera esse povo havia anteriormente vivido. Esses rudimentos não são mantidos quando as pessoas se voltam para Cristo. Pelo contrário, é claramente dito a nós que os crentes morreram para eles (Cl 2.20).

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COLOSSENSES 2 403

(2) A interpretação - instrução rudim entar-em referência às regras e regulamentações, não está em harmonia com o contexto. Percy, havendo assinalado que stoicheia não tem em si nenhum outro significado a não ser elemento, rudimento, continua: “Em assim fazendo, diz respeito a rudimentos do conhecimento, essa significação deve surgir do contexto, o que não é verdade no presente caso” (obra citada, pág. 157).

Resposta: Em cada caso onde Colossenses usa a palavra stoicheia é exatamente o contexto ime­diato que, por meio dos sinônimos: filosofia, vão engano, a tradição dos homens (v.8), ordenan­ças, preceitos e doutrinas de homens (vv.20 e 22), parece estabelecer a exatidão desta interpreta­ção. Clemente de Alexandria e Tertuliano deram uma explanação basicamente correta. E ela não fala bem da objetividade da R.S.V. uma tradução bíblica que é excelente em alguns aspectos, e que não considera instrução rudimentar ou tradução semelhante digna ao menos de uma nota de rodapé (compare N.E.B.). Se a R.S.V. tivesse retido a tradução da A.V. (“rudimentos”) e se houvesse deixa­do a elucidação para os Comentários em vez de enxertar seus “espíritos elementais do universo” em um insuspeito público leitor da Bíblia, esse procedimento teria sido bem mais recomendável, e isso porque na sua página-título estão impressas as palavras “sendo a versão apresentada em 1611 d.C.”, etc.

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Tema: Cristo, o preeminente, o Único e Todo-suficiente SalvadorII. Esse único e Todo-suficiente Salvador é a Fonte da vida do cren­

te, e, assim, a resposta real aos perigos pelos quais são confron­tados, capítulos 3 e 4A. Essa verdade aplicada a todos os crentes, 3.1-17

3.1-4 1. Os crentes devem ser consistentes. Devem viver em con­formidade com o fato de que foram ressuscitados com Cris­to, que é sua vida

3.5-11 2. Portanto, devem “fazer morrer” e “por de lado” os velhos vícios;e

3.12-17 3. Devem “revestir-se” das novas virtudes

ESBOÇO DO CAPÍTULO 3.1-17

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C ap ítu lo 3 . 1 - 1 7COLOSSENSES

3 1 Se, pois, vocês foram ressuscitados com Cristo, busquem as coisas que são do alto, onde Cristo está sentado à mão direita de Deus. 2 Ponham as suas mentes nas

coisas que são do alto, não nas coisas que são da terra. 3 Pois vocês morreram e a sua vida está oculta com Cristo em Deus. 4 Quando Cristo [que é] nossa vida se manifes­tar, então vocês também se manifestarão com ele em glória.

3.1-4I. Os crentes devem ser consistentes

1. A consistência requer que os crentes vivam em conformidade com o fato de que foram ressuscitados com Cristo, que não é apenas o Obje­to da sua fé (capítulos 1 e 2), mas também a Fonte de sua vida (capítulo 3 e 4). Naturalmente, a linha entre essas duas divisões não é abrupta. Há considerável sobreposição. Existe, no entanto, uma diferença de ênfase.

Entre Colossenses 3 e o que o precede há uma estreita relação. As palavras introdutórias de Colossenses 3, Se, pois, vocês foram ressus­citados com Cristo, retomam o pensamento já expresso em 2.12,13, “ressuscitados com ele... lhes deu vida juntamente com ele”, e são correlativas a 2.20, “Se com Cristo vocês morreram para os rudimentos do mundo...” Os colossenses, deve-se lembrar, estavam sendo assedia­dos pelo perigo de voltar ao paganismo com sua grosseira sensualidade, etc., como está claro a partir de 2.23 e 3.5segs. A solução incorreta para o problema deles foi refutada nos capítulos 1 e 2, especialmente o últi­mo. Foi indicado que não existe nenhuma cura material para uma doen­ça espiritual, e que o descaso do corpo nunca curará a doença da alma,e, sim, a agravará. Que os indivíduos nascidos do céu não podem obter satisfação nos remédios terrenos. Cristo, somente ele, é a resposta; Cristo em toda a plenitude do seu amor e poder, como já foi indicado nos capítulos 1 e 2, e apresentado ainda com maior clareza e de forma mais direta agora (capítulo 3), numa série de exortações pastorais. Se, pois, os colossenses foram corporalmente ressuscitados quando Cristo o foi, juntamente com ele, como previamente discorrido (veja comentário em

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406 COLOSSENSES 3.1

2.12,13,20), por que buscariam a salvação ou a plenitude em algum lugar fora dele? Por que deveriam recorrer a cisternas rotas quando a Fonte está à disposição? A ressurreição de Cristo, seguida de sua ascen­são e coroação, garante o perdão e providencia a purificação. Eles se haviam entregado a esse Salvador quando o aceitaram pela fé. O poder purificador do sangue de Cristo e do Espírito foi expresso e selado para eles no batismo. O suprimento da graça permanece abundante. São res­suscitados com Cristo agora, sem necessidade de esperar pelo dia da Parousia. Possuem dentro de si a vida da ressurreição. Portanto, que o poder da ressurreição de Cristo seja vivenciado por eles num grau cada vez maior. Que sua união com o Cristo exaltado transforme toda a sua vida: mente, coração e vontade (Fp 3.10). Busquem as coisas que são do alto, onde Cristo está. O verbo buscar implica esforço perseveran­te; assim a tradução “estejais constantemente buscando” não é incorre­ta. Além disso, essa busca é mais do que uma busca para descobrir. É uma busca para obter (cf. Mt 6.33; 13.45). Porém, a ênfase não está no buscar, mas no objeto buscado. Uma tradução precisa seria: “as coisas que são de cima (frase colocada antes para ser enfatizada) estejais cons­tantemente buscando”. Buscar a fim de se obter é uma atividade co­mum, mas buscar a fim de se obter os tesouros certos não é tão comum,e, portanto, requer ênfase. Essas coisas do alto são os valores espiritu­ais incrustados no coração do Mediador exaltado em glória, de onde, sem prejuízo a si mesmo, são concedidos àqueles que humildemente os pedem e diligentemente os buscam (Mt 7.7; ICo 12.11; Ef 1.3; 4.7,8). Como indica o contexto, o apóstolo faz referência a tais realidades como bom coração, bondade, humildade, mansidão, longanimidade, paciên­cia e espírito perdoador, e acima de tudo o amor (3.12ss). Seguramente, se os corações dos crentes forem cheios de tais frutos, não haverá lugar para satisfação da carne. Aqui está, pois, a verdadeira solução.

Os colossenses podem se assegurar do fato de que seu Cristo exalta­do tem tanto o direito quanto o poder de conceder quaisquer dádivas que forem necessárias, pois ele está sentado à mão direita de Deus (SI 110.1, uma frase aplicada por Cristo a si mesmo em Mateus 22.41-46; 26.64; Mc 12.35-37; 14.61,62; Lc 20.41-44; 22.66-70), revestido em majestade e honra.

Essa verdade confrontadora da ascensão do Senhor e sua coroação à destra do Pai, como fonte de bênção para o seu povo, foi prenunciada no Antigo Testamento (SI 8, interpretado em Hb 2.1-8; SI 68.18, expli­cado em Ef 4.7,8; SI 110.1, como foi demonstrado; Is 53.12). Era fre­qüentemente referido pelo próprio Senhor (veja além das passagens do

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COLOSSENSES 3.2 407

evangelho do parágrafo precedente, Jo 14.1-4; 14.13-18; 16.7; 17.5; 20.17). Foi desde o princípio um dos temas básicos na pregação da igreja (Lc 24.50-53; At 1.6-11; 2.33-36; 3.21; 5.30,31; 7.56; Rm 8.32­34; Ef 1.20-23; 4.7,8; Fp 2.9-11; 3.20,21; lTm 3.16; Hb 1.1-3,13; 2.1-8; 4.14-16; 8.1,2; 9.11,12,24; 10.12; IPe 3.21,22; Ap 1.12-18; 12.5-12).

Aqueles que buscam obter essas “coisas que são do alto” não estão correndo atrás de fantasmas, mas estão ajuntando tesouros inestimá­veis. Não são o tipo de gente que se esquece do seu dever aqui e agora. Pelo contrário, são muito práticos, pois as graças que foram enumera­das os capacitam a não somente alcançar vitória sobre vitória na sua luta contra a satisfação da carne, mas também a ser, verdadeiramente, “o sal da terra” e “a luz do mundo” (Mt 5.13,14).

2. Com similar disposição, Paulo prossegue: Ponham as suas men­tes nas coisas que são do alto, não nas coisas que são da terra.115 Essa admoestação é muito prática. Significa que os colossenses são instigados a ponderar e a ansiar pelas116 coisas que são do alto, como foi previamente definido. Ora, um ministro que procura ajudar seu povo na sua luta contra a imoralidade não deveria pregar uma série de ser­mões sobre o tema Imoralidade, entrando em todos os sórdidos deta­lhes. Se o fizer, seus sermões poderão causar mais dano do que benefí­cio. Em vez de banir o mal, ele poderá criar gosto por ele. Em vez disso, que ele pregue, sim, um sermão sobre a Imoralidade, mas que pregue, também, uma série inteira sobre a Glória do Serviço Prestado a Cristo e seu Povo.

Esse método positivo de vencer o pecado é uma característica do ensino de Paulo. Note o seguinte:

“Vença o mal com o bem” (Rm 12.21);“Revistam-se do Senhor Jesus Cristo e não façam nenhuma provi­

são para a carne” (Rm 13.14).“Andem no Espírito, e jamais satisfarão os desejos da carne” (G1

5.16); e“Quanto ao mais, irmãos, tudo o que for verdadeiro... respeitável...

justo... puro... amável... de boa fama... pensem nestas coisas.... e o Deus de paz estará com vocês” (Fp 4.8,9).

115. No verso 2 a ordem das palavras no original pode ser mantida sem nenhuma dificuldade. No verso 1, devido ao modificativo “onde está Cristo”, a ênfase no original pode ser melhor mantida por meio do itálico.

116. Arespeito do verbo i|>povéco veja CNT Filipenses 3.19; cf. Romanos 8.5; 12.16.

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408 COLOSSENSES 3.3,4

A mesma verdade é ilustrada em Colossenses 3.12-17. E essa é a única maneira eficiente de “fazer morrer os membros que estão na ter­ra” (3.5-9a), como está também claro em 3.9a,10.

3. Assim, o apóstolo prossegue: Pois vocês morreram, e a sua vida está oculta com Cristo em Deus. No sentido já explanado (veja comen­tário em 2.11,12), os colossenses estão mortos e sepultados. Não são mais eles que vivem, mas é Cristo que vive neles. Estão mortos para a sua velha natureza e para o mundo governado pelo pecado. Sua vida está amarrada ao feixe do viver com o seu Senhor e Salvador Jesus Cristo (cf. ISm 25.29). Desde a eternidade estavam incluídos nele (Cl 3.12; cf. Ef 1.4). No tempo, foram implantados em Cristo pelo Espírito que veio da parte de Deus (Jo 3.5; Rm 6.5; 2Co 3.16; Ef 2.22), e como resultado foram, de sua parte, unidos a Cristo por uma fé viva (G12.20). Sua nova vida está oculta com Cristo. Está encoberta para o mundo (ICo 2.14; lJo 3.2), e é indestrutível, é eterna (Jo 3.16; 10.28; Rm 8.31-39). E já que, em essência, Cristo está no Pai e o Pai está em Cristo (Jo 1.18; 10.30; 17.21; ICo 3.23; Cl 1.15), é evidente que Paulo está plenamente certo em dizer: “sua vida está oculta com Cristo em Deus”.

4. Embora o mundo jamais será capaz de perceber a intimidade da relação interior entre os crentes e seu Senhor, a expressão exterior des­te relacionamento interior, a glória, se tomará um dia clara a todos: Quando Cristo [que é] nossa 117 vida se manifestar, então vocês tam­bém se manifestarão com ele em glória. “Cristo (que é) nossa vida”. Isso não pode significar identidade. Dizer que nossa vida é a “extensão” da vida de Cristo é algo ambíguo. Cristo e nós não somos os mesmos em essência, como o são o Pai e o Filho. A vida de Cristo - logo, o próprio Cristo - é, entretanto, Fonte e Padrão da nossa vida. E mais, por meio do Espírito Santo e da fé dada pelo Espírito, Cristo está mais intima­mente ligado a nós, e nós a ele. A expressão “Cristo, nossa vida” deve, portanto, ser explicada à luz de textos semelhantes aos que seguem:

“Porque eu vivo vocês também viverão” (Jo 14.19);“[Nós estamos] sempre levando no corpo o morrer de Jesus para

que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo” (2Co4.10);

117. Embora a evidência externa para úp.âiv seja, pelo menos, tão forte como tkj.cõw, o último pode, não obstante, estar correto. Não é fora do comum para Paulo, um escritor profundamente emotivo, que escreve a respeito de verdades que ele mesmo experimentou ou que tem em grande estima, mudar da segunda para a primeira pessoa (cf. Cl 1.9 com 1.13; 2.13a com 2.13b; e veja comentário em Fm 6).

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COLOSSENSES 3.4 409

“Foi o bom deleite de Deus... revelar seu Filho em mim” (G11.15,16);“Cristo vive em mim” (G12.20);“Meus filhinhos, por quem de novo sofro na mesma imagem de

glória em glória como pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3.18); e“Pois, para mim, viver [é] Cristo, e morrer [é] lucro” (Fp 1.21).Quando, no dia de sua Segunda Vinda, um dia conhecido apenas

por Deus (Mt 24.36; lTs 5.1,2), Cristo, nossa vida, se manifestar,118 seus atributos de majestade e poder forem publicamente expostos, então os colossenses também serão manifestados com ele (cf. Rm 8.32). A sua justificação pública e a sua glória coincidirão com a dele. Dentre as muitas passagens do Novo Testamento (além de Cl 1.27) que acres­centam mais luz ao significado desta glória, da qual os filhos de Deus compartilharão com seu Senhor no dia em que serão “como ele” e “le­varão a imagem do celestial”, estão especialmente as seguintes: Mateus 25.31-40; Romanos 8.17,18; 1 Coríntios 1.7,8; Filipenses 3.20,21; 1 Tessalonicenses 2.19,20; 3.13; 4.13-18; 2 Tessalonicenses 1.10; 2 Ti­móteo 4.7,8; 1 Pedro 1.13; 1 João 2.28; 3.2; e Apocalipse 17.14.

5 Façam morrer, portanto, os seus membros que [estão] na terra; imoralidade, impureza, paixão, desejo maligno e ganância, que é idolatria; 6 por causa de tais coisas a ira de Deus vem; 7 nas quais vocês, noutro tempo, andaram quando viviam nelas. 8 Mas agora vocês, também, deixem-nas de lado: ira, ódio, malícia, calúnia, linguagem vergonhosa de sua boca. 9 Não mintam mais uns aos outros, uma vez que vocês se despojaram do velho homem, com suas práticas 10 e se revestiram do novo homem, que está sendo renovado para o pleno conhecimento segundo a imagem da­quele que o criou, 11 onde não pode haver grego ou judeu, circuncisão ou incircunci- são, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo [é] tudo e em todos.

118. No Novo Testamento, o verbo i|xxvepòco ocorre com grande freqüência nos escritos de João (Evangelho, Primeira Epístola, Apocalipse) e de Paulo. A respeito da classificação de seus significa­dos no Evangelho de João e na Primeira Epístola, veja CNT no Evangelho de João, vol. II, pág. 476, nota de rodapé 294. Fora de suas ocorrências em João e Paulo, é encontrado apenas nas passagens do Novo Testamento: Marcos 4.22; 16.12,14; Hb 9.8,26; e 1 Pedro 1.20; 5.4. Nas cartas de Paulo a palavra é usada 22 vezes, como se segue:

a. Em relação à manifestação da glória nas palavras e obras de Jesus na sua primeira vinda (2Co 2.14; lTm 3.16; 2Tm 1.10), e a vida de Jesus manifestada nos crentes (2Co 3.3; 4.10,11).

b. Em relação à revelação e realização do mistério de Deus na plenitude do tempo (Rm 16.26; Cl1.26; e cf. Tt.1.3 “manifestou sua palavra”).

c. Em relação à manifestação da glória de Cristo na sua Segunda Vinda (Cl 3.4a), de cuja manifes­tação compartilham os crentes (Cl 3.4b), e em cujo tempo as obras e os motivos dos homens serão publicamente desnudados (IC o 4.5; 2Co 5.10).

d. Em relação aos atributos divinos dados a conhecer aos homens (Rm 1.19; 3.21).e. Num sentido mais geral, em relação a qualquer coisa mais que esteja oculta ou obscura e &

trazida à luz ou feita visível ou clara (2Co 5.11; 7.12; 11.6; E f 5.13 duas vezes; Cl 4.4).

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410 COLOSSENSES 3.5

3.5-11II. Portanto, “façam morrer” e “ponham de lado” os velhos vícios

5. Em íntima conexão com o parágrafo precedente, Paulo prosse­gue: Fazei morrer, portanto, os seus119 membros que [estão] na ter­ra. Note o paradoxo “morreram” (v.3)... “façam morrer, portanto, os seus membros...” (v.5). Um julgamento superficial concluiria que o após­tolo está se contradizendo. Alguns intérpretes, de fato, têm chegado a essa conclusão. E como se Paulo, de um lado, estivesse dizendo que os colossenses já morreram, mas, do outro, estivesse lhes dizendo que eles devem matar-se. Como podem as duas coisas ser verdadeiras? A res­posta é que enquanto os crentes ainda viverem na terra, a sua condição e o seu estado não coincidem completamente. Quanto ao seu estado, são perfeitos mesmo agora, sem nenhum pecado, plenamente justifica­dos. Sua velha natureza está morta e sepultada (Cl 2.11-13). Ora é verdade que sua condição está em harmonia com isso, mas apenas em princípio. Nas palavras do Catecismo de Heidelberg, “até mesmo o mais santo dos homens, enquanto nessa vida, possui apenas um peque­no começo desta obediência (isto é, da obediência aos mandamentos de Deus); todavia, com firmeza começa a viver, não somente segundo al­guns, mas segundo todos os mandamentos de Deus” (Dia do Senhor XLIV, Resposta à Pergunta 114). Esse caráter progressivo da santificação é também claramente ensinado por Paulo (veja adiante comentário do v.lOecf. 2Co 3.18; Fp 1.6; 3.12,13), e está em harmonia com o restan­te das Escrituras (SI 84.7; Pv 4.18; Mc 9.24; também inferido em lJo 1.8-10). Ao passo que, com relação à nova vida que lhes foi conferida pelo Espírito Santo, os crentes vivem em tão íntima união com Cristo que se diz estarem com ele no céu (Cl 3.3), ainda assim a velha vida é terrena bem como essa na terra. Mas não há razão para desespero. A própria presença da nova vida, a vida “em Cristo”, capacita os crentes a fazer morrer progressivamente120 os membros que estão na terra.

119. Apesar de que a leitura sem u^cov mereça preferência, o seus é claramente inferido.120. “Façam morrer” é a tradução apropriada aqui, e não “considerado como morto” . A ordem

“façam morrer” do verso 5, não possui exatamente o mesmo significado de “considerem-se como mortos” (Rm 6.11). E o passivo veveKpconévou em Hebreus 11.12 (“Tão bom quanto um morto” cf.; Rm 4.19) não muda o fato de que o ativo veKpcíxsaze, como é empregado aqui em Colossenses 3.5, signifique/azer morrer; pois, (a) a significação ativa pretendida aqui é claramente de “deixar de lado” no verso 8, o que não é unicamente uma questão de reflexão mental ou consideração (avalia­ção), mas de esforço e empenho voluntário e vigoroso; e (b) o paralelo real de Colossenses 3.5 não é tanto Romanos 6.11, como é Romanos 8.13 (“fazer morrer os feitos do corpo”), apesar de que o verbo usado ali no original não é aquele empregado aqui em Colossenses 3.5, mas é Savaxoíxe. Logo, não posso concordar nesse ponto com Bruce (obra citada, pág. 267) quando diz: “fazer mor­rer” ou, por assim dizer, “dado como morto”.

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COLOSSENSES 3.5 411

Quando se pergunta o que significa com os membros que precisam ser mortos, a resposta é: imoralidade, impureza, paixão, desejo ma­ligno e ganância, que é idolatria. Mas, como podem os membros ser vícios? Alguns comentaristas consideram isso impossível. Sugerem vá­rias soluções.121 Mas a mi m me parece que a dificuldade não é tão gran­de quanto alguns a fazem parecer. João Calvino pode estar no caminho certo quando afirma que esses vícios são chamados de membros, “já que aderem tão fortemente a nós”. Outra maneira bem similar de resol­ver a dificuldade, maneira essa que não implica a rejeição do ponto de vista de Calvino, mas está claramente alinhada a ele, seria considerar o uso da palavra membros (vícios) como sendo um exemplo da figura de linguagem chamada metonímia (“mudança de nome”), na qual, por exem­plo, o nome da causa ou fonte é substituído pelo efeito que produz, as conseqüências que dele advêm, o fruto ou produto que produz. Assim em Números 3.16 (no original) a palavra boca é no hebraico substituída pela palavra ordem que saiu da boca; ou, como na gíria americana, a expressão: “não quero nada do seu lábio’', que significa: “Eu não tole­rarei nenhuma insolência proveniente dos seus lábios”. Assim também aqui a ordem: “fazei morrer, portanto, os seus membros que [estão] na terra: imoralidade, impureza”, etc. significa: “Façam morrer, portanto, os efeitos produzidos pelos membros do seu corpo, e, tão intimamente associados com eles, os efeitos, produtos ou obras tais como imoralida­de, impureza”, etc. Portanto, concordo com Bruce (obra citada, pág. 286) quando diz: “Em Romanos 7.23 Paulo fala da ‘lei do pecado que está nos meus mebros’; aqui (em Cl 3.5) ele vai além e praticamente

121. Deste modo Lightfoot coloca uma parada abrupta depois da palavra t e r ra (o b ra c ita d a , pág. 211). Ele então trata os vícios (“imoralidade, impureza”, etc.) como “possíveis acusativos, que deve­riam ser regidos como d eix a i d e la d o ” . Moule (o b ra c ita d a , pág. 116) “Isso pode muito bem estar certo”. Mas não há nenhuma necessidade para tal reconstrução forçada. Se Paulo quisesse in fe r ir o verbo d e ix a r d e la d o , ele o teria, com toda probabilidade, ex p r e sso , como o faz em Romanos 13.12; Efésios 4.22,25; Colossenses 3.8.

Igualmente objetável é a solução de Charles Mason (C om en ta r ie d u N ouveau T estam en t) a res­peito desta passagem. Completamente fora de linha com o contexto, ele considera “membros” como se referindo a “membros da igreja”, como um vocativo, a fim de que o sentido possa ser: “Vocês, membros do corpo de Cristo, devem portanto”, etc.

Finalmente há o ponto de vista de Lenski ( o b ra c ita d a , pág. 157), segundo o qual as palavras “fornicação (imoralidade), impureza,” etc. etc., são “acusativos adverbiais de especificação”, e de­vem ser traduzidas como: “quanto à fornicação”, etc. Construída deste modo, a tradução se toma desnecessariamente difícil, e falta clareza à construção gramatical. Além do mais, a idéia de que, já que o imperativo veKpcócaxe é um aoristo, ele deve se referir a um só golpe pelo qual os membros são fulminados e mortos, e não pode ser fundamentado. O aoristo nem sempre e desnecessariamente se refere a u m - e apenas um - feito. Em qualquer modo verbal ele denota um f a t o ou uma id é ia , a qual num próprio desenrolar histórico pode às vezes se estender por um longo período de tempo (cf. Jo 2.20 no original). O a o r i s t o r e su m e.

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412 COLOSSENSES 3.5

identifica os membros do leitor com os pecados dos quais outrora eram os instrumentos. Mas o que ele está realmente pensando são as práticas e atitudes às quais a atividade corporal e a força do leitor havim sido devotadas na velha vida.” Deste modo, Ridderbos também afirma (obra citada, pág. 207): “Os ‘membros’ são aqui identificados com os peca­dos cometidos por esses membros, que por semelhante modo são cha­mados de ‘os feitos do corpo’” em Romanos 8.13.

Na literatura antiga ocorriam freqüentemente listas de vícios, tanto pagã (moralista) quanto antipagã. Os recém-descobertos pergaminhos do mar Morto também trazem tais listas.122 (Nas cartas de Paulo elas aparecem nas seguintes passagens: Rm 1.18-32; ICo 5.9-11; 6.9,10; G15.19-21; Ef 5.3-6; lTs 4.3-7; lTm 1.9,10; 2Tm 3.2-5; Tt 3.3.) No tra­tamento destes vícios, a diferença entre o crente e o não crente é que fora de Cristo, e a plenitude da graça concedida pelo seu Espírito, não há nenhum poder em todo o universo que possa vencê-los. Cristo, so­mente ele, concede esse poder.

Quanto à construção, é bem óbvio que o verso 5 relaciona cinco vícios, e também o faz o verso 8. No entanto, é questionável se existe algum significado nesse número cinco como é empregado aqui, e se existir algum significado especial ligado a ele, devemos confessar que não sabemos o que é.123 Apesar disso, é verdade que a primeira lista enumera vícios que descrevem o pecador como ele é em si mesmo, ao passo que a segunda o caracteriza em relação ao seu próximo. E tam­bém possível ver na primeira lista um movimento da superfície da vida para o seu centro, e no segundo o reverso. Isso se tomará evidente à medida que os vários itens forem estudados um a um.

Dos cinco vícios mencionados aqui em Colossenses 3.5, os quatro primeiros estão relacionados também em lTs 4.3-7, os últimos quarto também em Rm. 1.24-29.0 primeiro é imoralidade (“fornicação”; veja lTs 4.3; cf. Mt 5.32; 15.19; 19.9; Jo 8.41, etc.). Apesar de referir-se basicamente à relação sexual ilegal, provavelmente inclui as relações ilícitas, clandestinas de todas as espécies. A ênfase, entretanto, está pos­ta na esfera sexual, particularmente nos feitos pecaminosos.

122. Veja M. Burrows, The Dead Sea Scrools, págs. 375,386,387.123. Nem todos concordam. Assim, Lenski vê no número cinco “a metade da totalidade expressa

pelo dez... o cinco é também secular, esses são vícios” (obra citada, págs. 157,158). Mas, mesmo considerando-se que em certos tipo de literatura o número cinco possa ter uma significação simbóli­ca, é muito duvidoso se tal sentido possa ser conferido, a esse, em Colossenses. Além do mais, apesar de ser verdade que o verso 8 (bem como o 5) relacione cinco vícios, o verso 9 acrescenta mais um à lista perfazendo um total de seis, ou onze, somando-se ambas as listas. E, portanto, melhor se abster de numerologia duvidosa.

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COLOSSENSES 3.5 413

Os feitos pecaminosos emanam dos maus pensamentos, isto é, da impureza que é mencionada a seguir (Rm 1.24; lTs 4.7; cf. Mt 15.19; Mc 7.21, etc.). Todavia, não é necessário limitar a impureza àquela que é imunda no tocante aos pensamentos. Os intentos do coração estão, em dúvida, também incluídos (cf. Hb 4.12).

Que é a disposição maligna do coração e a vontade do homem a qual é & fonte de seus maus pensamentos e atos, está claro pelos dois vícios mencionados em seguida, a saber, paixão e desejo maligno. Não é fácil distinguir entre esses, apesar de existir algum mérito na sugestão de Lightfoot de que o primeiro descreve esse vícios mais do seu lado passivo, e o último mais do seu lado ativo. A respeito de paixão, veja ainda Romanos 1.26; lTs 4.5 (“paixão lasciva”), etc., e a respeito de desejo maligno, Romanos 1.24; lTs 4.5, etc. Apalavra maligno é acres­centada, porque desejo, como tal, não é necessariamente errado. Apala­vra usada no original pode também se referir a desejo legítimo, por exemplo, o desejo de Cristo de partilhar a refeição da Páscoa com seus discípulos.124 Mas desejo maligno é um anseio desregrado pela satisfa­ção sexual, ou por outras coisas tais como adoração aos ídolos, posses­sões materiais, renome, etc. No entanto, no presente contexto, a ênfase é posta nas relações sexuais ilícitas, porém não exclui outras aspirações malignas. Deste anelo maligno surge toda sorte de pecados. É, portanto, básico, e é assim tratado pelo próprio Paulo em Romanos 7.7. Relacio­nado a isso, é também interessante notar-se que, no Decálogo, o pecado da cobiça é mencionado em último lugar (Ex 20.17), como sendo a fonte de todos os outros, e que Jesus também considera o coração lasci­vo, isto é, cheio de desejo maligno, a raiz donde emanam os maus feitos, pois ele diz: “Todo aquele que olha para uma mulher e a deseja, já adulterou com ela no seu coração” (Mt 5.28).

Mas apesar de, pela menção de paixão e desejo maligno, o apóstolo ter atingido, por assim dizer, o âmago de todo o pecado, ele soma mais um vício no qual se resumem todos os outros, a saber, a busca do bem pessoal ou ganância (cf. Rm 1.29, etc.). Todo pecado é basicamente egoísmo, auto-adoração no lugar de adoração a Deus, a substituição de Cristo pelo eu no campo das afeições (cf. Cl 3.1-3). É por essa razão que Paulo acrescenta: “que é idolatria” (cf. Ef 5.5). O rapaz que pratica sexo com uma moça pode chamar isso de “amor”. Ele está errado. É busca de satisfação pessoal, é ganância pessoal pelo menos até certo ponto. Esse rapaz quer “ter mais do que lhe é devido”. Ele está indo longe, além do que é licito (veja CNT em 1 e 2Ts, págs. 100,101).

124. Sobre a palavra em.0|j.ia veja CNT em 1 e 2 Timóteo e Tito, págs. 271,272, nota de rodapé 147.

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414 COLOSSENSES 3.6-9a

“Entretanto, o apóstolo não está particularmente pensando num jovem, mas no velho homem” (veja 3.9), quer dizer, a natureza carnal de qual­quer homem, a natureza humana como ela é sem a graça salvadora.

6,7. Tendo relacionado os vícios que outrora caracterizavam os colossenses e pelos quais ainda são tentados, o apóstolo prossegue: por causa de tais coisas a ira de Deus vem.125 Utilizando o que às vezes é chamado de “tempo presente profético” (cf. Jo 4.21; 14.3) Paulo ressal­ta o fato de que a vinda da ira de Deus - que visitaria aqueles vivendo em tais pecados - é tão certa, que é como se já tivesse chegado. Esses pecados atraem o desagrado de Deus como um ímã atrai o ferro, ou como uma torre numa colina isolada atrai o raio. Sem dúvida, a referên­cia é a revelação da ira de Deus no dia do julgamento vindouro (cf. Rm 2.5-11; Ef 5.6; 2Ts 1.8-10). Calvino observa, bem apropriadamente, que o propósito real dessa profecia a respeito da inevitabilidade da ira de Deus derramada sobre os ímpios é para “que possamos ser impedi­dos de pecar”. Mesmo assim, até mesmo essa afirmação de ira está cheia de misericórdia.

Todavia, por intermédio da soberana graça de Deus, os colossenses renunciaram, em princípio, a esse tipo de conduta. Para eles isso perten­ce ao passado. Paulo diz: nas quais vocês, noutro tempo, também andaram quando viviam nelas. Note o “vocês também”, isto é, “vocês, como os demais gentios”. Viver e andar são quase idênticos. Mesmo assim, em certos contextos, como aqui, há uma diferença. Andar indica comportamento; viver, disposição. Assim também Gálatas 5.25. “Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito”. Os colossenses, tendo-se tornado “novas criaturas”, não estão mais entregues a esses vícios de outrora. Envergonham-se de seus atos do passado. Pelo poder do Espírito Santo foram santificados, lavados. Sua vida “está oculta com Cristo em Deus (veja acima, v.3). No entanto, como foi destacado anteriormente, isso não quer dizer que ainda agora a vitória tenha sido completamente alcançada. A carne ainda milita contra o Espírito, e o Espírito contra a carne (G1 5.17; cf. Rm 7.15-24). Portanto, a ordem que se segue nos versos 8 e 9a é bem oportuna:

8,9a. Mas agora vocês, também, deixem-nas todas de lado: ira, ódio, malícia, calúnia, linguagem vergonhosa da sua boca. Não min-125. Apesar de o apoio textual não ser fraco para a frase adicional, “sobre os filhos da desobediên­

cia”, o contexto protesta contra essa intercalação. É provavelmente uma interpolação de Efésios 5.6. Sua conclusão aqui em Colossenses 3.6 leva à tradução “entre quem” (ou “nas quais”) no início do verso 7, e à estranha conclusão de que Paulo repreende os colossenses por haverem andado entre os filhos da desobediência, uma inferência que seria contrária ao seu próprio ensino (IC o 5.10; cf. Tt 2.12) bem como ao do Senhor (Jo 17.15; cf. Mt 5.13,14).

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COLOSSENSES 3.8,9a 415

tam mais uns aos outros. Os antigos vícios não só haviam causado destruição na vida dos homens como indivíduos, separadamente (veja a respeito no v.5, acima), mas haviam também dilacerado o relaciona­mento entre os próximos. Isso não podia continuar. Desse modo, a ira (do latim: ira), isto é, indignação que domina, quando o coração se transforma numa fornalha ardente; a raiva ou fúria (do latim: furor) é uma explosão turbulenta, como fogo na palha;126 a malícia não é mera­mente “maldade”, mas é má inclinação da mente, a perversidade de disposição que deseja o mal para o próximo; calúnia ou injúria;121 e linguagem vergonhosa de sua boca, ou seja, linguagem abusiva. Tudo isso deve ser posto de lado. Note aqui a progressão do vício, da ira que vem de dentro do coração, passando por vários estágios, até às amargas manifestações externas: calúnia e linguagem abusiva. A mentira tam­bém precisa ser descartada (cf. lTm 2.7). Ela não deve mais estar em evidência na vida dos crentes. Toda sorte de hipocrisia e engano sempre tem caracterizado o mundo ímpio. Isso é verdade até aos dias de hoje. Um missionário contou-nos que, em resposta a sua pergunta por que certa senhora falhara em cumprir sua promessa de ir à reunião semanal, ela respondeu: “Sinto muito não ter podido comparecer, mas é que tive que ir ao funeral da minha sogra numa cidade distante”. Mais tarde o missionário descobriu que a sogra em questão havia falecido há dois anos, e que a mulher que inventara a desculpa nem mesmo tinha saído da vila no dia da reunião. Ele acrescentou: “Dirão qualquer coisa que lhes vier à mente, só para livrar a pele”.

Despojem-se de todos esses vícios, diz Paulo, assim como alguém se desfaz de uma roupa bem usada, ou que não sirva mais à pessoa que antes a vestia. A respeito do uso literal da expressão “deixar de lado”, relacionada às vestes (veja At 7.58). O apóstolo, bem versado no Antigo Testamento, sabia que a figura do vestuário era freqüentemente usada nas Sagradas Escrituras para indicar caráter. Algumas vezes se referia ao caráter glorificador de Deus, consistindo dos frutos da graça, tais como justiça, alegria, fidelidade (Jó 29.14; SI 132.9; Is 11.5; 61.10); às vezes ao caráter mau: soberba, violência (SI 73.6); ou ao resultado do

126. Veja C. Trench, Synonyms o fT he New Testament, parágrafo xxxvii. Veja também no CNT, no Evangelho de João, Vol. l,pág. 151.

127. A palavra grega empregada é blasfêmia. No grego, porém, essa palavra possui significado um tanto mais abrangente, enquanto em nossa língua ela se refere à linguagem abusiva em relação a Deus ou às coisas religiosas, isto é, a irreverência desafiadora. No original ela se refere a insultos dirigidos tanto a Deus quanto aos homens. No presente caso, como indica o contexto, este é clara­mente definido: linguagem desdenhosa e insolente dirigida ao próximo, calúnia, difamação, male­dicência.

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416 COLOSSENSES 3.9b-11

último: vergonha e desonra (SI 35.26; 109.29). As vestes da justiça e da salvação são atribuídas ao próprio Jeová (Is 59.17). Portanto, é com­preensível que Paulo faça uso de linguagem figurativa (assim o fazem igualmente outros autores do Novo Testamento; veja Hb 12.1; Tg 1.21; IPe 2.1). Está claramente implícito em Romanos 13.12a,14; Gálatas 3.27, “se revestiram de Cristo”; Efésios 4.22,25; Com uma ligeira mo­dificação da figura, o apóstolo às vezes fala do dever do cristão de revestir-se de sua armadura espiritual (Rm 13.12 b; 2Co 6.7; Ef 6.13­18; e lTs 5.8).

9b-ll. Quando Paulo incitou os colossenses a se despojarem dos vícios que caracterizavam seu antigo modo de vida, ele empregou argu­mentação consistente. É como se ele estivesse dizendo: “continuem a fazer na prática o que já fizeram em princípio”. Ele diz: uma vez que vocês se despojaram128 do velho homem, com suas práticas, e se revestiram do novo homem.129

Como dissemos antes (veja comentário em 2.11,12), quando foram batizados, os colossenses decisivamente renunciaram - despojaram ou lançaram fora - o “velho homem” (Rm 6.6; Ef 4.22), isto é, o “corpo da carne”, seu antigo modo de viver, seu antigo ego maligno, “com suas práticas”, as mesmas práticas enumeradas em 3.5,8,9a, e se revestiram do novo homem, Cristo (G1 3.27), quer dizer, a nova natureza que os crentes possuem como membros de Cristo. Portanto, que adornem ago­ra sua profissão de fé batismal com uma vida de retidão. Que “façam morrer” (v.5) e “deixem de lado” (v.8) todos os seus antigos vícios, João Calvino diz: “o velho homem é tudo o que trazemos do ventre de nossa mãe, e tudo o que somos por natureza. E chamado de o velho homem porque somos nascidos primeiro de Adão, e depois somos renascidos por meio de Cristo”. E Thomas Goodwin diz: “Não existem mais do que dois homens vistos de pé diante de Deus: Adão e Jesus Cristo; e esses dois homens têm todos os outros pendurados nos seus cintos” (cf. Rm5.12-21; ICo 15.22,45-49).

128. Oepke (Th. W.N.T., vol. II, pág. 319) e Lightfoot (obra citada, págs. 214,215) concedem um sentido imperativo aos gerúndios “despojando-se” e “revestindo-se”. No entanto (1) nessa mesma carta (2.11) o apóstolo já mencionou o “despojar-se do corpo da carne” como algo pertencente ao passado, um fato realizado; e (2) o contexto imediato (3.2,3) parece ter um estreito paralelo a 3.8,9. Ambos significam: “Façam isso, pois já fizeram aquilo. Façam na prática o que já fizeram em princípio”.

129. Apesar de ser verdade que, basicamente, o adjetivo véov do modo como é empregado aqui em Colossenses 3.10 signifique novo quanto ao tempo (novo versus velho), ao passo que k o u v ó v encon­trado em Efésios 4.24 indique novo quanto à qualidade (novo versus usado), essa distinção não pode ser enfatizada aqui, pois a idéia de frescor e vigor que pode estar faltando ao adjetivo véov é fornecida pelo particípio ócvocKmvo-ú^evov.

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COLOSSENSES 3.9b-11 417

Deve-se ressaltar que é apenas em Cristo (pela união vital com ele) que esse novo homem é formado no crente; e também, por causa deste mesmo fato, todos aqueles que se tomaram novos homens, sejam judeus ou gentios, podem ser chamados, na sua existência corporativa, “um novo homem”, nele, como é expresso em Efésios 2.15, “para criar em si mesmo, de ambos um novo homem” (cf. G13.28).

Ora, esse novo homem é uma entidade em progressivo desenvolvi­mento em cada crente, como Paulo indica na seqüência: que está sendo renovado para o pleno conhecimento. Em linguagem ligeiramente di­ferente é expresso um pensamento análogo, apesar de não ser inteira­mente idêntico, em 2 Coríntios 4.16, nas palavras: “Por isso não desani­mamos, mas (temos confiança de que) mesmo que o nosso homem exte­rior decaia, contudo o nosso homem interior se renova dia a dia”. Par­tindo destas duas passagens, é evidente que a nova natureza do crente se assemelha a uma planta em crescimento. Está constantemente sendo renovada pelo Espírito Santo, e cresce em vigor com um objetivo defini­do em mente. O fato de que o novo homem é, por assim dizer, uma realidade em expansão, e que a salvação significa progresso, está claro não apenas a partir destas passagens e das referências fornecidas ante­riormente na discussão do verso 5, (iniciando-se com 2Co 3.18), mas também a partir dos que se seguem às quais podem ser acrescentados outros (2Co 9.10; 10.15; Ef 2.21; 4.16; Fp 2.12,13; lTs 3.12; 4.10; 2Ts1.3; lTm 4.15; 2Tm 2.1). Quando um homem é guiado pelas águas da salvação, elas lhe dão nos tornozelos, inicialmente, mas à medida que ele avança elas lhe chegam aos joelhos, depois lhe alcançam os ombros e finalmente se tomam intransitáveis, a não ser a nado (cf. Ez 47.3-6). O mesmo pensamento ocorre em Colossenses (1.9,10; 2.19).

O novo homem está sendo renovado “para o pleno conhecimento” (ao qual Ef 4.24 soma “justiça e santidade”). Esse conhecimento supera em muito a qualquer assim chamado conhecimento no qual se gloria­vam os falsos mestres que perturbavam as igrejas do vale do Lico (veja comentário em Cl 2.2,3,18). Ele tem relação com o coração e mente, é empírico, e tem como alvo a vontade santa de Deus (Rm 12.2). O verda­deiro discernimento dessa vontade, especialmente em relação ao seu “beneplácito” (Ef 1.5), traz uma grande recompensa. É um meio em direção a uma mais plena e rica medida da alegria e paz da salvação. Um contraste esclarecerá esse fato. Enquanto é verdade que aqui na terra a experiência de uma pessoa com o seu próximo a levará, em todo tempo, a dizer: “Quanto mais o conheço e compreendo suas intenções, menos confio nele”, no reino dos céus prevalece a verdade exatamente

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418 COLOSSENSES 3.9b-11

oposta, a saber: “quanto mais o conhecemos - isto é, ao Deus Trino ou ao nosso Salvador Jesus Cristo - e seus propósitos de graça, tanto mais nele confiamos e o amamos”. Paulo prossegue: segundo a imagem da­quele que o criou. O padrão ou medida e a meta da renovação é a imagem de Deus, a semelhança daquele que criou esse novo homem no coração e vida dos crentes, do mesmo modo que ele uma vez criou o primeiro Adão à sua imagem (Gn 1.26,27). Contudo, o novo homem não é simplesmente uma restauração de tudo quanto pertencia ao pri­meiro Adão antes da queda. (Para mencionar apenas um ponto de dife­rença entre a criação original e a nova criação: no estado de retidão, Adão não tinha a mínima idéia do conhecimento relativo ao amor reden­tor de Deus.) Pelo contrário, “assim como trouxemos a imagem do que é terreno, assim também devemos trazer a imagem do celestial” (ICo 15.49), em que se centraliza todo o amor redentivo de Deus.

Ora, essa gloriosa transformação progressiva à imagem de Deus desconhece qualquer limite racial, religioso, cultural ou social. Paulo prossegue: onde não pode haver grego e judeu, circuncisão ou incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre.

São condenados aqui toda e qualquer intolerância racial, o chauvinismo e o esnobismo. Aqui, a verdade de que diante de Deus “todos são iguais” recebe sua melhor expressão, pois ela é um fato infa­livelmente inspirado. Seguramente, por meio da divina iluminação, sem­pre existiram aqueles que compreenderam essa verdade, pelo menos até certo ponto. Contudo, a grande maioria das raças a tem negado, se não em teoria, pelo menos na prática. Houve, por exemplo, o assírio que considerou seus deuses mais poderosos do que os de qualquer outra nação, até mesmo mais fortes do que o Deus de Israel (2Rs 18.33-35). Houve o judeu que não conhecia o medo, pois diferente dos homens de outras nações, ele possuía “o” templo (Jr 7.4), e podia dizer: “nós temos a Abraão por nosso pai” (porém, veja como Jesus lhe responde em Lc 3.8). O edomita se considerava superior aos outros homens porque ha­bitava “nas fendas das rochas” (Ob 3). Há também o homem vermelho que considera o branco um “mal assado”, o preto um “queimado”, mas considera a si mesmo “exatamente no ponto”, e tem certeza de que a vila onde mora ocupa o centro da terra; há o homem branco que se considera membro da raça “superior”, e tem certeza de que uma maldi­ção especial de Deus repousa sobre aqueles que pertencem à raça opos­ta, e que é seu privilégio e dever perpetuar essa maldição por meio da escravatura; e há o negro que diz ser ele o “superior”, e não o branco, e que deve assegurar essa superioridade mesmo que seja por intermédio

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COLOSSENSES 3.9b-11 419

da força. Naturalmente, nem todos os membros de qualquer raça são culpados desse exclusivismo e espírito de clã, porém existem muitos que o são. Os hindus não são de modo algum os únicos que crêem no sistema de castas.

Nos primórdios da história americana existiam homens honrados que consideravam as colônias de brancos como representantes do povo escolhido de Deus, destinados a governar o mundo em virtude de suas extraordinárias qualidades. “Existem alemães que colocam toda a emo­ção ao cantar: ‘Deutschland, Deutschland über alies”, e os holandeses que crêem existir um pacto especial entre “Deus, Os Países Baixos (Holanda) e a Casa de Orange”. Existe gente boa e evangélica, “irmãos e irmãs em Cristo”, que têm certeza de que mesmo na presente dispensação, as acepções de nacionalidade têm valor diante de Deus (tudo isso apesar de Cl 3.11; cf. Ef 2.14,18,19), e que de Jerusalém os judeus, um dia, governarão o mundo inteiro. E existem pessoas do sexo masculino que acreditam ser a superioridade algo ligado ao sexo, e que “a mulher é menos importante que o homem”.

Ora, não é intenção de Paulo negar toda distinção étnica, cultural ou social. Que existem diferenças é com certeza livremente admitido, aliás até por vezes enfatizado. Todos os membros do corpo humano não exercem a mesma função. Assim é também com o corpo de Cristo, a igreja (Rm 12.4; ICo 12.12-31). Que todos trabalhem juntos em har­monia. De igual modo, nem todos têm as mesmas oportunidades ou vantagens (Rm 3.1,2). Que os especialmente privilegiados reconheçam suas responsabilidades extras (Rm 2.9,12; 3.12; cf. Am 3.2; Lc 12.47,48). Portanto, em certos aspectos não é de maneira alguma ver­dade que todos são iguais. Porém, em dois pontos importantes eles são, com certeza, iguais. Primeiramente, “todos pecaram e carecem da gló­ria de Deus” (Rm 3.23; cf. 2.11; 3.9-18; 5.12,18). Em segundo lugar, “o mesmo Senhor é Senhor de todos os que o invocam” (Rm 10.11,12). Aqueles que, pela soberana graça de Deus, são levados a crer no Senhor Jesus Cristo são salvos independente de raça, cultura ou posição social (veja também Rm 3.22b,23,24; 4.11,12; 5.18b; 11.32; G1 3.13,14; 3.9,27-29; Ef 2.11-22).

Ora, a presente passagem (Cl 3.11) não é a única em que o apóstolo contrasta certos grupos (veja também Rm 1.14, e especialmente G13.28). Porém, em cada carta o contraste específico que ele faz se liga ao pro­pósito que ele tem em mente para aquela carta. Assim, em Gálatas, em harmonia com sua fundamentação e seus intentos, as diferenças enume­radas são étnico-religiosas (“nem judeu, nem grego”), sociais (“nem

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420 COLOSSENSES 3.9b-11

escravo, nem livre”) e sexuais (“nem homem, nem mulher”). Isso nos lembra a oração de ação de graças pronunciada por um judeu do sexo masculino, que exalta ao Senhor a cada manhã porque ele não o fez “um gentio, nem escravo e nem mulher.” Paulo diz que, em Cristo, essas diferenças estão definitivamente fora quando consideradas como marcas da preferência de Deus. Na presente passagem, os contrastes e a razão de mencioná-los é como se segue, e não doutro modo:

(1) Étnico-religioso: “onde não pode haver grego ou judeu, circun­cisão ou incircuncisão”.130 Isso é colocado a fim de rebater o ensino dos cerimonialistas (veja acima, comentário em 2.11-14).

(2) Cultural: “bárbaro, cita”. Embora essas duas designações se refiram ambas aos supostamente incultos, há um contraste inferido aqui entre os cultos e os incultos. O “conhecimento” e a “filosofia” não têm nenhum valor para criar no coração “um novo homem”. Mas era em tais pretensões humanas que os falsos mestres perturbadores da igreja colossense colocavam a ênfase. Veja comentário em 2.4,8,18.

(3) Social, “escravo, livre”. É como se Paulo estivesse dizendo: Ó colossenses, não menosprezem os escravos. Aceitem Onésimo como seu igual, seu irmão em Cristo. No que se refere a Deus, não existe nenhu­ma distinção entre escravo e livre”.

A graça coloca uma ponte entre todos os abismos. Embora os gre­gos dividissem a humanidade em duas categorias: gregos e “bárbaros”; e embora os romanos, após conquistarem politicamente os gregos, po­rém conquistados por eles culturalmente, terem determinado contraste semelhante entre greco-romanos de um lado e “bárbaros” do outro; e embora os judeus não convertidos a Cristo colocarem os gregos contra os judeus, a graça não reconhece tais distinções, pois ambos, judeus e gentios, são reconciliados um com o outro por meio da reconciliação com Deus por meio da cruz (Ef 2.13).

De semelhante modo, já que a circuncisão que tem algum valor diante de Deus é a circuncisão do coração, é evidente que diante dele a questão se alguém foi ou não literalmente circuncidado, não tem nenhum signi­ficado (veja CNT em Fp 3.2,3).

E já que o mundo, por meio da sua “sabedoria”, não veio a conhecer a Deus (ICo 1.21), a distinção cultural também não tem nenhum valor para a pessoa diante de Deus. Os graus acadêmicos não fazem de nin­guém um novo homem. Os refinamentos dos costumes e comportamen-

130. Note o arranjo quiásmico, bem freqüente em Paulo. O primeiro termo, grego, correspondente ao quarto, incircuncisão', o segundo, judeu, ao terceiro, circuncisão (veja comentário em Fm 5).

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COLOSSENSES 3.9b-11 421

tos, em si, não devem ser desprezados, porém, não se constituem em graça salvadora. Por outro lado, ser bárbaro (At 28.4; Rm 1.14; ICo 14.11, duas vezes), um mero “gago” aos ouvidos dos mais sofisticados, não pode, em si, prevenir alguém de se tomar um novo homem, nem mesmo se acontecer que esse bárbaro seja da classe da mais baixa repu­tação, a saber, um cita.

No século 7S a.C. esses citas, guerreiros nômades e selvagens das estepes do norte, haviam invadido os países do Crescente Fértil, inclusi­ve a Palestina, e tendo, subseqüentemente, sido rechaçados, haviam dei­xado um rastro de medo e horror.131 O relato de Heródoto em referência a eles é o seguinte (em parte):

“Eles invadiram a Ásia, após terem expulsado os cimérios da Euro­pa... e se fizeram mestres de toda a Ásia. De lá marcharam contra o Egito; e quando se encontraram naquela parte da Síria que é chamada Palestina, Psamético, rei do Egito, foi ao seu encontro e, com presentes e orações, os persuadiu a não irem mais longe... Eles governaram a Ásia por vinte e oito anos; e toda a terra sofreu por causa de sua violên­cia e sua arrogância... A maior parte deles recebeu entretenimento e foi embebedada e depois assassinada por Ciaxares e os medos” (1.103-106). “Eles bebiam o sangue do primeiro inimigo morto na batalha, faziam guardanapos dos escalpos e dos crânios dos mortos recipientes de be­ber. Tinham os hábitos mais imundos e nunca se lavavam em água” (IV.64,65,75). Cf. Tertuliano, Contra Marcião 1.1: “Marcião nasceu lá, mais imundo do que qualquer cita”. Josefo declara: “Os citas se delei­tam em matar as pessoas, e são um pouquinho melhor do que as feras selvagens” (Contra Apião 11.269). Em 2 Macabeus 4.47, lemos: “Menelau, a causa de todo o mal... sentenciou à morte aqueles homens desafortunados que teriam sido postos em liberdade sem condenação se houvessem implorado até mesmo contra os citas”. Essa expressão “até mesmo contra os citas” fala por si (cf. 3 Macabeus 7.5). E Orígenes

131. Lightfoot ( o b ra c i ta d a , pág. 219) afirma que “o terror inspirado por esses invasores encon­trou expressão nos profetas”. Ele se refere aí a Ezequiel 28 (38?) e 39; e a Jeremias 1.13 segs. e 6.1 segs. Outros também têm identificado os citas com “Gogue e Magogue” de Ezequiel 38 e 39. Assim Josefo declara: “Magogue fundou aqueles que a si mesmos se chamavam magoguitas, mas que pelos gregos eram chamados de citas” (A n tigu idad es d o s J u d eu s I.vi. 1). E veja o artigo de J.F. McCurdy “Gog and Magog” em T he N ew S ch a ff-H erz o g R e l ig io u s E n cy c lo p ed ia , vol. V, págs. 14,15. Toda­via, um estudo exegético cuidadoso das passagens de Jeremias e Ezequiel tem convencido vários exegetas de que essa identificação é questionável. Em Juizes 1.27 a LXX insere c i t á p o l i s como o equivalente a B ete -S ea (cf. Judite 3.10; 2 Macabeus 12.29). Portanto se supõe comumente que um grupo de citas, após sua invasão da Palestina, tenha se estabelecido ali; e que a partir desta circuns­tância o lugar foi chamado de “Cidade dos Citas”. Quanto ao mais, a única referência incontroversa aos citas nas Escrituras é a presente passagem, Colossenses 3.11.

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422 COLOSSENSES 3.9b-11

{Contra Celso 1.1) fala das “leis citas, ou mais impiedosas até mesmo do que essas, se é que existe alguma”.

Entretanto, mesmo se um homem for um cita, como tal não o impe­de de se tomar um novo homem em Cristo. Isso é o que Paulo está dizendo aqui. Ou, como Justino Mártir coloca tão enfaticamente: “Mas, embora um homem seja cita ou persa, se tiver o conhecimento de Deus e do seu [de Deus] Cristo, e guardar seus preceitos justos e eternos, ele é circuncidado com a circuncisão boa e benéfica, e é um amigo de Deus, e Deus se regozija nas suas dádivas e ofertas” {Diálogo com Trifo, capítulo 28).

E, finalmente, quanto a “escravo e livre”, já que “se, pois, o Filho os libertar vocês serão verdadeiramente livres” (Jo 8.36), qualquer escra­vidão que pertença meramente a relações sociais terrenas não pode ter nenhuma relevância para a salvação. Para uma discussão mais extensi­va a respeito da Escravidão, veja comentário em Colossenses 3.23-4.1; também “Comentário à Epístola de Filemom”, neste livro, e a seção O que a Bíblia diz sobre a escravatura, no Apêndice.

Paulo conclui esse parágrafo com as palavras: mas Cristo [é] tudo e em todos. Cristo, como o Todo-suficiente Senhor e Salvador é tudo o que importa. Seu Espírito mediador, habitando em todos os que crêem, quaisquer que sejam os antecedentes, étnico-religiosos, culturais ou so­ciais, garante a criação e gradual perfeição em cada um e em todo “novo homem que está sendo renovado para o pleno conhecimento segundo a imagem daquele que o criou”. Assim, bem a propósito, o próprio tema de toda a carta, a saber, “Cristo, o Preeminente, o Único e Todo-Sufi- ciente Salvador”, culmina nessa passagem.132

12 Revistam-se, portanto, como eleitos de Deus, santos e amados, de coração compassivo, de bondade, humildade, mansidão, longanimidade, 13 suportando uns aos outros, e perdoando uns aos outros, se alguém tiver algum motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor os perdoou, assim façam vocês. 14 E acima de todas essas coisas, [revistam-se] do amor, que é o elo da perfeição. 15 E que a paz de Cristo, para a qual vocês foram chamados em um corpo, governe o seu coração, e sejam agradecidos. 16 Que a Palavra de Cristo habite ricamente entre vocês; em toda a sabedoria, ensinando e admoestando uns aos outros, [e] por meio de salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando a Deus com espírito agradecido, de todo o seu cora­ção. 17 E tudo o que fizerem em palavra ou em ação, [façam] tudo no nome do Senhor Jesus, dando graças a Deus o Pai por intermédio dele.

132. Aconjunção “e” na frase “Cristo (é) tudo e em todos” mostra que “ambas as partes da frase devem receber reconhecimento” (Moule, obra citada, pág. 122). Logo, 1 Coríntios 15.28 eEfésios 1.23 (“tudo em todos” em ambos os casos, omitindo o “e”) não são realmente paralelos.

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COLOSSENSES 3.12,13 423

3.12-17III. Eles devem “revestir-se ” das novas virtudes

Assim como a quietude de um lago, refletindo a beleza do sol nas­cente, vem após a turbulência dos ventos ferozes e ondas tempestuosas, assim também, em princípio, “a paz de Cristo” (v. 15) colocou fora de lugar a inquietude que anteriormente caracterizava os colossenses, quan­do viviam fora de Cristo, como descrito no parágrafo precedente (veja especialmente vv.5-9). Apresente seção é sem igual pela beleza e apelo direto ao coração. O mesmo pode ser dito quanto ao seu valor prático, porém, simples, nestas poucas linhas seus problemas serão soluciona­dos. Naturalmente, eles só poderão obedecer às diretrizes dadas pelo poder concedido por Deus e pela completa confiança no poder sustentador de sua graça soberana e transformadora. Essas diretrizes são induzidas da seguinte maneira:

12,13. Revistam-se, portanto, como eleitos de Deus, santos e amados. “Revistam-se” é repetição do verso 10. E a palavra “portanto” significa (ampliando o seu sentido): “Já que em princípio vocês recebe­ram a Cristo em seu coração, sejam, portanto, na prática - sim, plena­mente - o que têm professado ser, e o que eu, Paulo, na realidade creio que começaram a ser”. Sejam “como eleitos de Deus” (para um resumo de doze pontos acerca da doutrina da eleição nas epístolas, veja CNT, em 1 e 2Ts). Note especialmente as seguintes afirmações retiradas dos pontos 7,10 e 12. “A eleição afeta a vida em todas as suas fases; não é abstrata. Apesar de pertencer ao mandado de Deus desde a eternidade, ela se toma uma força dinâmica no coração e vida dos filhos de Deus. Produz frutos. E uma eleição não somente para a salvação, mas defini­tivamente também para o serviço (como um elo da corrente). Tem como objetivo final a glória de Deus e a obra do seu deleite” (Ef 1.4-6).

Em oposição à expressão “eleitos de Deus” encontram-se as atri­buições “santos e amados”. Como eleitos de Deus, esses indivíduos, tanto individual quanto coletivamente, sendo verdadeiros crentes, são santos, isto é, “separados” para o Senhor e sua obra. Foram isentos da culpa de seus pecados pelo sangue de Cristo, e estão sendo libertos, mais e mais, da imundície do pecado, e renovados segundo a imagem de Deus (veja comentário do v. 10, acima). Além disso, são “amados”, e isso, especialmente por Deus (lTs 1.4; cf. 2Ts 4.13).

Assim, as designações qualificativas de honra aplicadas outrora ao povo da antiga Aliança de Israel (veja IPe 2.9; depois Is 5.1; Os 2.23; cf. Rm 9.25) são aqui empregadas para os membros da igreja da nova

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424 COLOSSENSES 3.12,13

dispensação. A igreja é o novo Israel. Paulo prossegue: [Revistam-se] de coração compassivo, de bondade, humildade, mansidão, longani­midade. Evidencia-se de imediato que essas qualidades se sobrepõem. Uma pessoa de “coração compassivo” será também “bondosa”. Uma que for modesta ou humilde em disposição será também

“mansa”, etc. Assim, isso seria incorreto

/ coração de\ \( ( bondade )V compassivp J

isso ----- ^ p o r é m , expressa realidade e assim para com osoutros. A expressão coração compassivo133 indica um sentimento muito profundo, “um anseio com a afeição profunda de Cristo Jesus” (Fp 1.8). Quanto à profundidade deste sentimento, lembra-nos a reação de José ao ver Benjamim (Gn 43.30), ou ao se dar a conhecer a seus irmãos (Gn45.1-4). Outro exemplo seria a tema relação entre Davi e Jônatas (ISm 18.1; 20.4,17).

A próxima qualidade é a bondade. Essa é a benevolência do cora­ção conferida pelo Espírito, oposta a malícia, ou perversidade, mencio­nada no v. 8. Por meio da bondade, os primeiros cristãos se recomenda­vam uns aos outros (2Co 6.6). Deus é também bondoso (Rm 2.4; cf. 11.22), e somos exortados a nos tomar como ele nesse aspecto (Lc 6.35). As mesmas pessoas já mencionadas em relação a “coração compassi­vo” servem para exemplificar a “bondade humana”. A fim de evitar repetição, acrescentamos o Bom Samaritano da conhecida parábola (Lc10.25-37), Bamabé (At 4.36,37; 15.37) e o próprio apóstolo Paulo (lTs2.7-12).

Humildade - virtude desprezada pelos pagãos (como notado ante­riormente) - é também mencionada como uma qualidade que os crentes devem se esforçar mais e mais por adquirir. A pessoa que é bondosa para com os outros geralmente não possui um conceito muito elevado de si mesma. Numa igreja onde cada membro considera o outro superi­or a si mesmo (Fp 2.3), desponta um estado de contentamento. É claro

133. Para discussão da palavra usada no original, vejaCNT eraFilipenses 1.8, nota de rodapé 39, pág. 39, sobre a “tema misericórdia”.

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COLOSSENSES 3.12,13 425

que não existe algo tal como “humildade dissimulada” (veja a respeito em 2.18,23). Bons exemplos de humildade seriam: o centurião que dis­se: “Não sou digno de que entres debaixo do meu teto” (Lc 7.6), e o publicano que, na admirável parábola, derrama seu coração e exclama: “Deus, seja misericordioso para comigo, pecador” (Lc 18.13). No en­tanto, de acordo com todo o contexto, o que Paulo tem em mente é a modéstia na apreciação em relação ao próximo, especialmente aos ir­mãos crentes. Naturalmente que essas duas - humildade para com Deus e a mesma disposição para com os homens - longe de serem mutuamen­te exclusivas, seguem de mãos dadas.

A mansidão, mencionada a seguir, definitivamente não é fraqueza ou oscilação, uma característica da pessoa que está pronta a se curvar ante qualquer brisa. É submissão sob provocação, a disposição de sofrer injú­ria em vez de praticá-la. Moisés é um exemplo marcante (Nm 12.3).

A respeito de longanimidade, veja comentário em 1.11. Que herói longânimo foi Jeremias durante o seu longo período de atividade profé­tica. Pense também em Oséias que, em lugar de rejeitar sua esposa in­fiel, encara a contínua vergonha, redime Gomer com quinze peças de prata e um ômer de cevada, e misericordiosamente a restaura a sua posição de honra.134

Continuando: suportando uns aos outros. Os colossenses são in­centivados a suportar uns aos outros em amor (cf. Ef 4.2). Paulo pode dizer: “quando perseguidos, suportamos” (1 Co 4.12). Vem-nos à mente o exemplo de Jó (Tg 5.11). Paulo ajunta: e perdoando135 uns aos ou­tros, se alguém tiver algum motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor136 os perdoou, assim façam vocês. A respeito do per­dão divino, veja comentário em 2.13. Quando na terra, Cristo ensinou seus discípulos a orar: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos os nossos devedores” (Mt 6.12). É possível que a expressão “assim como o Senhor os perdoou, assim façam também” seja um eco

134. É claro que isso é verdade apenas se “a esposa da prostituição”, a saber, Gomer (Os 1.2,3) for identificada com a “adúltera” mencionada em Oséias 3.1-3.

135. Novamente é usada aqui a forma do verbo %<xpíÇo|iai como em 2.13. Ela ressalta o caráter pleno e gracioso do perdão. O substantivo &t>Eaiç usado em Colossenses 1.14 e Efésios 1.7 (cf. o verbo ái|nrmi, deixar ir, mandar embora) coloca grande ênfase no pensamento de que o pecado é c o m p le ta m en te dispensado (cf. SI 103.12).

136. As variantes textuais aqui são “Deus”, “Deus em Cristo” (bem semelhante a Ef 4.32), e “Cristo”. O apoio textual para a tradução “o Senhor” é, no entanto, claramente o mais forte. Com base em Colossenses 1.13,14e2.13 (confira a explicação destas passagens) a referência é a Deus e não a Cristo, embora a diferença seja menor. Quando Deus perdoa, ele assim o faz “em Cristo” (Ef 4.32; cf.M t 18.35).

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426 COLOSSENSES 3.14

consciente da citada petição da Oração do Senhor, demonstrando que Paulo conhecia essa oração. De qualquer forma, é idêntica em espírito e significado. Jesus havia também instruído Pedro a perdoar “não sete vezes, mas setenta vezes sete” (Mt 18.22), e acrescentou uma comovente parábola finalizando com as palavras: “assim também lhes fará meu Pai celestial, se cada um de vocês não perdoar no coração a seu irmão” (Mt 18.35; cf. Mc 11.25). Além disso, o Senhor havia sublinhado esses preceitos pelo seu próprio exemplo. Quando crucificado, ele implorara: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23.24). Quando Estevão, ao ser apedrejado até à morte, orou: “Senhor, não lhes imputes esse pecado”, estava seguindo o exemplo de Cristo.

Essa seria a hora apropriada para chamar a atenção para o fato de que Paulo, aqui, liga suas admoestações à pessoa e obra de Cristo, como também foi indicado em referência a Colossenses 1.28. Veja as três colunas ali. As qualidades que, segundo os ensinamentos de Paulo aqui, marcam o novo homem, são também atribuídas a Cristo. Com respeito a seu “coração compassivo” e sua bondade, veja Mateus 9.36; 14.14; 15.32; 20.34. Sua humildade e mansidão são exemplificadas em Mateus 11.29; 21.5; João 13.1-15; Filipenses 2.8; sua longanimidade e paciên­cia ou tolerância, em Mateus 17.17; João 14.9; 1 Pedro 2.23; e seu espírito perdoador, em Mateus 9.2; Lucas 7.47; 23.34. Assim, quando um crente manifesta essas virtudes no seu relacionamento com o próxi­mo, ele “se revestiu” de Cristo (Rm 13.14). E é reconfortante saber que aquele que vê a Cristo vê o Pai (Jo 14.9; cf. 1.18), e aquele que é imita­dor de Cristo (1 Co 11.1; lTs 1.6) é também imitador de Deus (Ef 5.1).

14. Isso é também verdade em relação ao amor, como claramente indica Efésios 5.2. O apóstolo prossegue: E acima de todas essas coi­sas [revistam-se] do amor, que é o elo da perfeição. Essa supremacia do amor - note o “acima de todas as coisas” - é clara também a partir de 1 Coríntios 13.13. O amor encabeça a lista dos “frutos do Espírito” (G15.22). Na oração de Paulo pelos filipenses, a primeira petição emo­cionada é “que o seu amor abunde mais e mais” (Fp 1.9). O amor domi­na os escritos de João, onde é mencionado vezes sem conta. Para Pedro também o amor é supremo (IPe 4.8). Quão alto valor lhe delega o autor anônimo de Hebreus, segundo pode-se ver em Hebreus 10.24; 13.1.0 amor é o “lubrificante” que capacita as outras virtudes a funcionarem “com maciez” (G1 5.6,13). O que Paulo tem em mente é o desprendi­mento inteligente e com propósito, o cumprimento tanto da lei como do evangelho. No presente contexto, o que ocupa o pensamento é especial­mente o amor mútuo, amor uns pelos outros dentro da comunidade cris­

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COLOSSENSES 3.15 427

tã, apesar de ser verdade que tal amor ultrapassa suas fronteiras (lTs3.12). Isso faz parte da própria essência do amor: Transbordar. Foi desse amor uns pelos outros, como irmãos e irmãs no Senhor, que Jesus falou quando pronunciou seu “novo mandamento” (Jo 13.34; lTs 4.9). Veja também comentário em Colossenses 1.8.

Ora, esse amor é chamado “o elo da perfeição”. Isso tem sido inter­pretado como significando que o amor é “a graça que liga todas essas outras graças” (Bruce, obra citada, pág. 281). Apesar de poder estar correto, e uma conotação sensível ser então conferida à expressão, é provavelmente melhor interpretá-la à luz do que o próprio Paulo diz nessa mesma epístola, a saber, “sendo eles próprios unidos em amor” (2.2). O amor, então, é “o elo da perfeição ” no sentido de que é aquilo que une os crentes, fazendo-os prosseguir adiante, em direção ao alvo da perfeição. Essa interpretação está também em linha com o propósito do apóstolo ao escrever essa carta. É como se ele estivesse dizendo: “Não o conhecimento ou filosofia - o tipo de conhecimento e filosofia dos quais se gabam os falsos mestres - nem obediência a ordenações humanas, mas amor uns pelos outros, a resposta espontânea do amor de Deus por vocês, é o que os fortalecerá e unirá, e os guiará à obtenção do seu ideal espiritual”. Em referência a esse ideal, veja também comen­tário em 1.28.

15. Paulo prossegue: E que a paz de Cristo, para a qual vocês foram chamados em um corpo, governe o seu coração. Essa paz é o estado de descanso e contentamento no coração daqueles que sabem que o seu Redentor vive. É a convicção de que os pecados do passado foram perdoados, que o presente está sendo dirigido para o bem, e que o futuro não pode trazer separação entre Cristo e os seus. Com respeito a essa paz, o apóstolo diz em Filipenses 4.7: “E a paz de Deus que excede todo o entendimento guarde o seu coração e os seus pensamentos em Cristo Jesus”. É a paz de Cristo porque foi merecida para os crentes por Cris­to, lhes é concedida por intermédio do seu Espírito, e é fomentada por esse mesmo Senhor e Salvador (Jo 14.27; 16.33; 20.19,21,26). Além do mais, é moldada segundo a paz que habita no próprio coração do Salvador.

Ora, essa paz tem também seu aspecto social, cuja ênfase repousa na presente passagem (cf. Ef 4.3,4), como é evidenciado na expressão “pela qual fostes chamados em um corpo”. Quando os homens foram chamados das trevas para a luz, do ponto de vista de Deus, eles não foram retirados do seu ambiente pecaminoso como pedrinhas recolhi­das na praia. Pelo contrário, foram chamados como um corpo, pois

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428 COLOSSENSES 3.16

desde a eternidade haviam sido divisados como uma entidade unida “em Cristo”. No tempo, foram “chamados” a fim de promoverem essa uni­dade espiritual em todas as formas. E isso somente se a paz de Cristo governar131 cada coração. Portanto, que cada um se pergunte constante­mente: “Terei paz interior se fizer isso ou aquilo?”. Que se certifique de estar em paz com Deus, pois somente então poderá viver em verdadeira harmonia com seus irmãos (cf. Tg 4.1).

Paulo acrescenta: e sejam agradecidos. É notório, e quão freqüen­temente, nesta breve epístola, o apóstolo se referir ao privilégio e dever de ser agradecido (1.3,12; 2.7; 3.15,16,17; 4.2). A gratidão acarreta a paz e excelentes relacionamentos. Quando uma pessoa é dominada pelo sentimento de tema e profunda apreciação pelos benefícios recebidos de Deus, dificilmente será capaz de cobiçar a riqueza ou talentos superio­res de alguém. Logo, essa admoestação se encaixa esplendidamente no contexto precedente. A gratidão promove a paz. A exortação serve tam­bém ao contexto mais amplo que menciona algumas das bênçãos rece­bidas pelos crentes. Estão “ocultos com Cristo em Deus”, receberam o perdão dos pecados e estão experimentando renovação espiritual diária. E mais, o apóstolo está para mencionar outras bênçãos como a palavra que jorra do coração e os salmos, hinos e cânticos espirituais. A ação de graça é apropriada por todos esses favores. Apesar de que todos os homens devam dar graças, espera-se que pelo menos o cristão o faça. A ingratidão é característica do paganismo (Rm 1.21). Com toda a proba­bilidade, ela caracterizava também os alarmistas medrosos que pertur­bavam os destinatários (Cl 2.16-23). Portanto, tendo sido resgatados do paganismo, que os colossenses também virem as costas a esses tais “fi­lósofos”. Que se alegrem e louvem a Deus todos os dias, em novidade de espírito. Assim serão verdadeira e serenamente abençoados, e serão, por sua vez, uma bênção a outros.

16. Paulo acaba de dizer: “Que a paz de Cristo goveme o seu cora­ção”. Entretanto, à primeira vista, o crente pode muito bem perguntar: “Se eu fizer isso, não estarei construindo o edifício da minha esperança num fundamento um tanto inseguro e subjetivo?”. No entanto, após pen­sar um pouco mais, responderá: “De modo algum, pois tenho paz quan­do, no mais íntimo do meu ser, resolvo, pela graça soberana de Deus, viver de acordo com a palavra objetiva de Cristo”. Portanto, os versos15 e 16 não devem ser separados. Pela obediência, o evangelho da paz é

137. Basicamente, o significado de ppapevéxco é que seja árbitro. Já que a decisão do árbitro é muito importante, é fácil perceber como surgiu o sentido de que goveme. Veja também comentário em 2.18, nota de rodapé 100, sobre “que ninguém vos desqualifique”.

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COLOSSENSES 3.16 429

transmitido ao coração. Assim Paulo prossegue: Que a palavra de Cristo habite ricamente entre vocês.138 O objetivo, a revelação especial que procede de (e diz respeito a) Cristo - “a palavra de Cristo” - deve go­vernar cada pensamento, palavra e ação, sim, até mesmo os desejos e motivos ocultos de cada membro, e assim deve dominar entre todos eles, e isso ricamente, “produzindo muito fruto” (Jo 15.5). Isso aconte­cerá se os crentes observarem a palavra (Mt 13.9), manejarem-na cor­retamente (2Tm 2.15), esconderem-na no seu coração (SI 119.11), e apresentarem-na a outros como sendo, na verdade, “a palavra da vida” (Fp 2.16). Apesar de que, quando o apóstolo escreveu isso “a Palavra de Cristo” não havia sido ainda confiada à página escrita na forma e escala em que a temos hoje, isso não anula o fato de que, para Paulo e para todos os crentes do seu tempo, bem como, em maior escala, para nós hoje, “toda Escritura [é] inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para o treinamento na justiça, a fim de que o homem de Deus possa ser habilitado para toda boa obra, com­pletamente equipado” (vejaCNT em2Tm3.16,17). A continuação lógica é: em toda a sabedoria,139 ensinando e admoestando uns aos outros.140

Para a explanação destas palavras, veja comentário em 1.28, onde essencialmente o mesmo pensamento é expresso em uma declaração quase idêntica. As diferenças são as seguintes (1) em 1.28 o apóstolo relata o que ele, Timóteo, e outros, estão fazendo; aqui (em 3.16) ele admoesta os crentes colossenses no que deveriam estar fazendo. Em ambos os casos o conteúdo é o mesmo: admoestação e ensino. Os cren­tes, devido à sua “função” de crentes - que não se esqueçam de que estão investidos nessa função - deveriam fazer o que Paulo e seus com­panheiros estão fazendo em virtude da sua função, como apóstolo e delegados apostólicos, respectivamente. Cada pessoa deve agir segundo os direitos e deveres de sua função. (2) Em 1.28 o objetivo é um tanto

138. Ou “em” como a maioria das traduções em língua portuguesa. No entanto, o contexto que segue imediatamente pareceria favorecer um pouco a tradução “entre”. Assim são também a favor desta a N.E.B., Bruce e Ridderbos. Lightfoot favorece o “em”. A diferença não é muito importante, pois somente quando a palavra habita dentro do coração é que ela habitará entre o povo.

139. Para mim o fato de que em Colossenses 1.28, numa sentença quase idêntica, a frase “em toda a sabedoria” modifica “ensinando e admoestando” demonstra que deveria ser assim construída tam­bém aqui, e não ligada à cláusula precedente (como Lightfoot).

140. Não “a si mesmos”. O pronome èoonoiiç não é apenas reflexivo, mas pode ser também recí­proco. VejaL.N.T. (A. e G ) , pág. 211. Em Colossenses 1.28 a idéia é semelhante: admoestando a todo homem e ensinando a todo homem, e não “ensinando a si mesmos” (cf. E f 5.19). Assim tam­bém no contexto de Colossenses 3.13, dificilmente pode ser traduzido como “perdoando-se a si mes­mos”. Essa é a minha resposta à asserção contrária de Lenski (obra citada, pág. 177), embora em 3.13 ele também traduza o pronome: “uns aos outros”.

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430 COLOSSENSES 3.16

mais abrangente: “todo homem”. Aqui (3.16) a ênfase recai no ensino e admoestação mútuos. E (3) em 1.28 a expressão: “em toda a sabedoria” é colocada no final. A passagem de Colossenses é colocada primeiro, talvez para sublinhar o pensamento comunicado pelo advérbio imedia­tamente precedente - “ricamente” - como que dizendo: “Se a palavra de Cristo habitar entre vocês ricamente, então em toda a sabedoria vocês devem admoestar e ensinar uns aos outros”.

Existe algo mais a ser feito, se a palavra de Cristo habitar ricamente entre os colossenses. É declarado nestas palavras: [e] por meio de sal­mos, hinos e cânticos espirituais,141 cantando a Deus em espírito agra­decido,142 de todo o seu coração.

Paulo reconhece claramente a natureza edificante do canto que glo­rifica a Deus. Quanto ao significado dos termos salmos, hinos e cânticos espirituais (veja também Ef 5.19), uma rápida investigação mostra que existe alguma sobreposição de significados. Assim, no que se refere a salmos, é natural pensar-se no Saltério do Antigo Testamento, e, em apoio a essa opinião, apela-se para Lucas 20.42; 24.44; At 1.20; 13.33. Até aí, nenhuma dificuldade. Todavia, os comentaristas não estão de acordo que esse possa ser também o significado da palavra salmo em 1 Coríntios 14.26 (“Quando vocês se reúnem, cada um tem um salmo”).

Quanto a hinos, no Novo Testamento a palavra hino é encontrada apenas na presente passagem (Cl 3.16) e em Efésios 5.19. Mais de uma vez Agostinho declara que um hino possui três elementos essenciais: deve ser cantado; deve ser de louvor; deve ser para Deus. Segundo essa definição, seria possível um salmo do Antigo Testamento, cantado em louvor a Deus, ser também um hino. Assim, quando Jesus e seus discí­

141. Quanto à construção gramatical, existem duas possibilidades principais: (1) concordar “por meio de salmos, hinos e cânticos espirituais” com as palavras precedentes. Neste caso Paulo estaria dizendo: “ensinando e admoestando uns aos outros por meio dos salmos, hinos e cânticos espiritu­ais”. Moffatt, Berkeley Version e pelos comentaristas, Bruce, Lenski, Lightfoot, e outros. (2) Ligar a frase com as palavras que se seguem (veja a minha tradução). Com pequenas variações na tradução, essa alternativa que concorda com a pontuação do N.N. é aceita pela R.S.V., Amplified New Testa­ment, Dutch Bible (Nieuwe Vertaling), Beare (em The I n te rp r e t e r 's B ib le ) , Ridderbos, e outros. Concordo com o ultimo autor quando, em oposição à teoria (1), declara: “A idéia de que esse ensino e admoestação mútuos devem ser levados avante por meio de cânticos parece um tanto fora do natural para nós” ( o b ra c ita d a , pág. 222). Eu poderia acrescentar que Efésios 5.19, a que apelam os apoiadores da teoria (1), dificilmente constitui, ao meu ver, prova suficiente. Uma coisa é falar uns aos outros em canções. E outra coisa é dizer que o en s in o e a a d m o e s ta çã o devem ser realizados por meio de cânticos.

142. É incerto se èv xfj xópixi ou èv %ópi-a seja a melhor leitura. Cada qual possui forte apoio textual. Com base em 1 Coríntios 10.30, e em linha com o contexto imediato (veja vv.15 e 17), o significado mais provável aqui parece ser a g r a d e c im en to ou em e sp í r i t o a g r a d e c id o , em vez de: a. “com graça em seus corações”, ou b. “encantadamente”.

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COLOSSENSES 3.16 431

pulos estavam para deixar o Cenáculo a fim de se dirigirem ao monte das Oliveiras, cantaram um hino (Mt 26.30; Mc 14.26). Muitos crêem que o que cantaram foram os salmos 115-118. Segundo Atos 16.25, Paulo e Silas cantavam a Deus na prisão filipense. Não seria provável que alguns, se não todos esses hinos, fossem salmos? (Cf. também Hb 2.12.) Mas, se a definição de Agostinho for correta, existem hinos que não pertencem ao Saltério do Antigo Testamento; hinos tais como o Magnificai (Lc 1.46-55). E o Benedictus (Lc 1.68-79). Fragmentos de outros hinos do Novo Testamento parecem estar incluídos nas cartas de Paulo (Ef 5.14; Cl 1.15-20; lTm 3.16 e talvez outros).

A palavra canção ou ode (no sentido de poema feito para ser canta­do) ocorre não somente em Efésios 5.19 e Colossenses 3.16, mas tam­bém em Apocalipse 5.9; 14.3, onde “o novo cântico” é indicado; e em Apocalipse 15.3, onde a referência é ao “Cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro”. Esses não são salmos do Antigo Testa­mento. Além do mais, uma canção ou ode não é necessariamente um cântico sacro. No presente caso, o fato de que é seguramente sacro, está demonstrado pelo acréscimo do adjetivo espirituais.

Em tudo e por tudo, parece que o apóstolo emprega esses três ter­mos aqui em Colossenses 3.16, aparentemente, distinguindo-os até cer­to ponto: o termo salmos se refere, pelo menos em primeira mão ao Saltério do Antigo Testamento; hinos, principalmente aos cânticos neo- testamentários de louvor a Deus ou a Cristo; e cânticos espirituais, a quaisquer outras canções sacras que versem sobre temas que não sejam de louvor direto a Deus ou a Cristo.143

O ponto que não pode ser ignorado é o seguinte: esses cânticos devem ser cantados em espírito de gratidão. Precisam fluir com sinceridade, evo­cando do íntimo do coração grato e humilde dos crentes. Diz-se que, de­pois da Escritura, um bom hino do saltério é a mais rica fonte de edifica­ção. Seus hinos não somente são uma fonte de nutrição diária para a igreja, mas servem também como meio eficaz para o derramamento da confissão de pecados, gratidão, alegria espiritual, enlevo. Se cantados no culto regular do Dia do Senhor, numa reunião durante a semana, em reu­niões sociais, no culto doméstico, numa ocasião festiva ou em particular, eles são um tônico para a alma e promovem a glória de Deus. Fazem isso porque fixam o interesse na Palavra de Cristo que habita os seus servos, e desviam a atenção da cacofonia mundana pela qual as pessoas de baixo padrão moral estão sendo emocionalmente ultra-estimuladas.

143. Veja também Trench, obra citada, par. LXXVIII.

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432 COLOSSENSES 3.17

A passagem em discussão tem sido usada com freqüência em apoio a essa ou aquela teoria no que diz respeito ao que pode ou não ser cantado no culto público. Talvez seja correto dizer que a apelação é justificável se a pessoa se satisfizer com alguns princípios gerais e abran­gentes; por exemplo: (1) Em nossos cultos os salmos não devem ser negligenciados. (2) Quanto aos hinos, no sentido mais restrito às can­ções de louvor, “é provavelmente verdade que uma grande quantidade de poemas usados em louvor público devem ser “hinos” em sentido mais rigoroso. Devem ser endereçados a Deus. Muitos são subjetivos, para não dizer sentimentais, e expressam apenas experiências pessoais e aspirações às quais às vezes falta realidade” (Charles E. Erdman, obra citada, pág. 91).

Quanto ao mais, é importante ter em mente que não é o propósito de Paulo delinear regras e regulamentações detalhadas em relação à litur­gia eclesiástica. Ele está interessado em mostrar aos colossenses, e a todos aqueles aos quais ou pelos quais a carta seria lida, como poderiam crescer em graça e manifestar corretamente o poder da palavra que ha­bitava neles. Portanto, sua admoestação pode ser aplicada a qualquer tipo de reunião cristã, seja no Dia do Senhor ou durante a semana, seja na igreja, num lar ou em qualquer outro lugar.144

17. Um princípio fundamental para a vida e conduta cristãs resume e culmina neste parágrafo inestimável, a saber: E tudo o que vocês fizerem em palavra ou em ação, [façam] tudo145 no nome do Senhor Jesus, dando graças a Deus o Pai por intermédio dele.

A respeito da expressão “tudo o que vocês fizerem”, veja também o verso 23 e 1 Coríntios 10.31. Em relação a “façam tudo no nome do Senhor Jesus”, deve-se notar que o nome indica o próprio Senhor Jesus como ele mesmo se revelou.146 “No nome” significa “em relação vital com ele”, isto é, em harmonia com a sua vontade revelada, em sujeição a sua autoridade, na dependência do seu poder. A sentença “dando gra­ças a Deus o Pai por intermédio dele” (cuja conexão pode ser observada especialmente em Ef 5.20; depois também em Jo 14.16; 15.5b; Rm 1.8;

144. Que o ensino de Paulo a respeito deste assunto recebeu ampla aplicação na Igreja primitiva, está claro a partir de referências tais como: Clemente de Alexandria, O Instrutor II.4; Tertuliano, Apologia, capítulo 39; A sua Esposa H.8.

145. Vale lembrar dois pontos com relação ao palavreado do original: tc6o > deveria com toda a probabilidade ser considerado nominativo absoluto, substituído, mais tarde, pelo acusativo izáa/za, considerado como objeto do verbo inferido. O verbo inferido é rcoieí-ce, considerado imperativo presente.

146. Como prova, veja CNT em Filipenses 2.11, nota de rodapé 98, pág. 117, sobre o nome Jesus Cristo... Senhor.

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COLOSSENSES 3.1 7 433

7.25; 16.27; ICo 1.20) é explicada pelo fato de que, e com base na, a expiação do Filho é que os pecadores são aceitos pelo Pai, e com ele (“juntamente com ele”) recebem toda sorte de bênçãos. Logo, é comple­tamente justo e direito que a ação de graças seja dada ao Pai por inter­médio dele (o Filho).

As lições principais deste parágrafo final não devem nos escapar. Como as percebo, são as seguintes:

(1) “Tudo o que fizerdes” é muito geral. Contrastando-se com as muitas regras e regulamentações específicas que os falsos mestres ten­tavam impor sobre os colossenses (Cl 2.16-23), Paulo simplesmente enuncia um princípio compreensível e permite que os crentes decidam por si mesmos com perfeita liberdade. Afinal de contas, o Filho de Deus, na nova dispensação, não está sob jugo. Que o Espírito, habitando o seu interior, o governe.

(2) Esse Espírito (portanto, o crente em que o Espírito habita) opera em conexão com a palavra, isto é, com a revelação (“o nome”) do Se­nhor Jesus. O homem é “livre” somente quando permanece em Cristo. Portanto, que ele se pergunte sempre: “O que farei, Senhor”? (At 22.10). Que estude as Escrituras com diligência e oração. É nesse sentido que o item (1) acima deve ser compreendido.

(3) Em relação a toda e qualquer palavra e obra, o crente deve per­guntar a si mesmo: “Sou capaz de agradecer a Deus o Pai por haver-me concedido a oportunidade de dizer ou fazer isso? (cf. Bruce, obra cita­da, pág. 286).

(4) Deveria ser alegremente reconhecida a soberania ou preeminên­cia do Senhor Jesus em relação ao universo inteiro com todos os seus eventos, e em relação ao próprio crente. Logo, ele também deveria fazer tudo “no nome do Senhor Jesus”.

Notamos, portanto, que o presente parágrafo termina como aconte­ceu no precedente (veja a respeito em 3.11), com um lembrete do tema de toda a Epístola: Cristo, o Preeminente, o Único e Todo-Suficiente Salvador.

Sumário de Colossenses 3.1'17Pela aceitação do conselho aqui oferecido por Paulo, os colossenses

não apenas obterão vitória após vitória em sua luta contra “a carne” (veja 2.23; 3.5-9), mas viverão uma vida de utilidade para a edificação da igre­ja e benefício do próximo, e para a glória de Deus. Que sejam, portanto,

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434 COLOSSENSES 3.1-17

consistentes. Tendo sido “ressuscitados com Cristo”, que busquem as coisas do alto, não as da terra, pois a vida deles (e essa seção de Colossenses diz respeito à vida do crente) “está oculta com Cristo em Deus”. Foi o céu que lhes deu à luz, pois foram nascidos do alto. Seus nomes estão escritos no registro celestial. Seus direitos estão assegurados no céu. Seus interesses estão sendo promovidos lá. Logo, já que pertencem ao céu, que a vida deles seja governada segundo os padrões celestiais, e que seus pensamentos e orações subam para lá, que aspirem suas espe­ranças. Que busquem obter para si as dádivas celestes mencionadas no versos 12-17. E já que Cristo, “neles”, é “a esperança da glória” (1.27), deve ser verdadeiro, também, que quando Cristo [que é] “nossa vida” se manifestar, então eles também “se manifestarão com ele em glória”.

Portanto, é necessário um rompimento radical com os vícios ante­riores. Eles precisam de fato ser “expostos à morte”. De uma vez por todas precisam ser “deixados de lado”. Já que no seu batismo os colos­senses haviam publicamente repudiado o velho homem com seus feitos maus e se revestido do novo homem, que continuem, portanto, agora a fazer, na prática, o que já haviam feito em princípio. O Criador do novo homem os capacitará a fazê-lo. E isso se aplica a todos os crentes verdadeiros. Aqui desaparece toda distinção de classe, pois Cristo é “tudo em todos”.

Entretanto, a fim de desafiar as forças do mal, que não se concen­trem no mal. Que o vício seja vencido pela virtude. Que o mal seja conquistado pelo bem. Havendo, pois, recebido a Cristo como seu Se­nhor e Salvador, que se tomem seus imitadores, a fim de que todas as suas maravilhosas virtudes - coração compassivo, bondade, humilda­de, e, acima de tudo, o am or- também possam ser vistas neles. Assim serão ligados numa forte união espiritual. Portanto, que a paz de Cristo governe o coração deles. Que sua palavra habite entre eles, para que em toda a sabedoria ensinem e admoestem uns aos outros. Que sejam tão cheios de alegria e gratidão a ponto de predispor o próprio coração em júbilo, cantando não apenas os salmos do “temo cantor de Israel”, mas também hinos de louvor e outros cânticos espirituais.

Paulo conclui esse parágrafo, não prescrevendo uma coleção de re­gras detalhadas, mas lançando um princípio básico (que é muito me­lhor). “E tudo o que fizerem em palavra ou em ação, [façam] tudo no nome do Senhor Jesus, dando graças a Deus o Pai por intermédio dele”. Assim, direcionando a mente e o coração dos destinatários para o único e Todo-suficiente Salvador, Jesus Cristo, e, por meio deste soberano Mediador, a Deus o Pai.

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ESBOÇO DE COLOSSENSES 3.18 - 4.1

Tema: Cristo, o Preeminente, o Único e Todo-Suficiente SalvadorII. Esse único e Todo-suficente Salvador é a Fonte da vida do crente

e, portanto, a resposta real aos perigos com os quais são con­frontados - capítulo 3 e 4B. Essa verdade é aplicada a grupos especiais - 3.18—4.1

3.18,19 1. Mulheres e seus maridos3.20,21 2. Filhos e seus pais 3.22^1.1 3. Escravos e seus senhores

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COLOSSENSES 3 .18,1918 Mulheres, sejam submissas aos seus maridos, como convém no Senhor. 19

Maridos, amem as suas mulheres, e não sejam ríspidos com elas.

3.18,19I. Mulheres e seus maridos

Aqui tem início um novo parágrafo. A sublime, porém prática, ver­dade de que Cristo é o único e Todo-suficiente Salvador, e, como tal, a Fonte da vida do crente, será agora aplicada a grupos especiais. Paulo está pensando em grupos familiares. O que, portanto, temos aqui é uma espécie de “tabela de deveres familiares”, por vezes chamadas simples­mente de “ordem da casa”. Ora, é verdade que nos escritos dos moralis­tas não cristãos encontramos códigos de comportamento doméstico.147 Mas a idéia de que o apóstolo esteja simplesmente copiando suas regras e revestindo-as com uma fina camada de verniz do Cristianismo - mera­mente acrescentando (!) a expressão “em Cristo” - é completamente fora de propósito. Certamente, às vezes, há uma semelhança superficial entre essas diretrizes enérgicas como as apresentadas aqui em Colos­senses - e também em Efésios 5.22-6.9; 1 Timóteo 2.8-15; 6.1,2; Tito2.1-10; 1 Pedro 2.12-3.7- e as máximas dos estóicos e outros filósofos moralistas, mas existem pelo menos três diferenças principais:

(1 )0 Cristianismo proclamado por Paulo, e outros, oferecia aforça para cumprir os mandamentos, sendo essa força a graça de Deus, men­cionada nesse mesmo sentido no final da relação em Tito (Tt 2.1-10, depois o v. 11; cf. Fp 4.13). Todas as outras filosofias morais, as melho­res de todas, são vagões sem locomotivas.

(2) O Cristianismo apresentava também um novo propósito. Esse propósito não era simplesmente “tratar de viver de acordo com a natu­reza”, mas “fazer tudo para a glória de Deus” (ICo 10.31), isto é, “no nome do Senhor Jesus, dando graças a Deus o Pai por intermédio dele”, como se acha expresso no contexto de Colossenses (3.17). A única ma­neira acertada de explicar Colossenses 3.18; 4.1 é à luz de Colossenses 3.17). E, finalmente,

147. Veja Sêneca, Epistles XV.2; Th. W.N. T., págs. 949-959; 974-978; e Stobaeus ,Anthologies IV.

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438 COLOSSENSES 3.18

(3) O Cristianismo, oriundo de Cristo, oferecia o único verdadeiro padrão de conduta que glorifica a Deus por parte dos mesmos grupos aqui apresentados, a saber, esposas e seus maridos, filhos e seus pais, servos e seus senhores. O próprio Cristo, como o noivo, em seu inimitá­vel amor pela igreja, sua noiva, ofereceu o padrão do amor para o casa­mento cristão (Ef 5.25,32).

Na obediência a seus pais (Lc 2.51), na maravilhosa maneira como ele, em meio a torturas infernais, providenciou para sua mãe terrena (Jo19.25-27), e, de fato, durante toda a sua vida de obediência ao seu Pai celestial, culminando numa morte na qual essa obediência atingiu seu ápice (Fp 2.8), ele deu a todos um exemplo de paciente submissão. Esse exemplo foi certamente dirigido também aos filhos. (Ele também tinha uma lição para os pais, Lc 15.20-24.)

E, por fim, na sua disposição em descer ao máximo, o que provou quando lavou os pés dos discípulos, e por sua morte na cruz, ele minis­trou uma lição objetiva a todos, seguramente também aos senhores e escravos, como é claramente indicado em João 13.13-17.

18. Aprimeira admoestação é: Mulheres, sejam submissas aos seus maridos, como convém no Senhor. As sufragistas têm afirmado que é positivamente mau utilizar a palavra “obedecer” no contrato de casa­mento. Têm afirmado em alto e bom som que a cerimônia de casamento, na sua presente “forma”, faz com que a noiva faça um voto que ela não tem nenhuma intenção de cumprir. O Livro de orações eliminou a pala­vra “obedecer” de seu Modelo de Casamento. No entanto, tudo isso não “elimina” Colossenses 3.18. E mais, uma pequena pesquisa mostrará rapidamente que o que a passagem ensina é a consistente doutrina bíbli­ca acerca deste ponto (veja Gn 3.16; Rm 7.2; ICo 14.34,35; Ef 5.22­24,33; lTm 2.11-15; Tt 2.5; IPe 3.1-6). E a razão dada aqui em Colos­senses 3.18 é que tal obediência é (e sempre foi) “como convém no Senhor”, estando em harmonia com a sua vontade revelada nas Escritu­ras. Portanto, uma esposa crente se esforçará com alegria para se con­duzir em harmonia com esta ordem. Ela não começará a pensar que sua igualdade de condição espiritual perante Deus e a maravilhosa liberda­de que agora se tomou sua porção como crente (G13.28) lhe dá o direito de esquecer de fato que, em sua soberana sabedoria, Deus fez o casal humano de maneira tal que é natural para o marido liderar, e a esposa seguir; para ele ser agressivo (no sentido mais positivo), e ela receptiva; para ele inventar, e ela utilizar as ferramentas que ele inventou. A ten­dência de seguir foi encravada na própria alma de Eva quando ela saiu

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COLOSSENSES 3.18 439

das mãos do Criador. Logo, qualquer tentativa de reverter essa ordem desagrada a Deus. Por que uma mulher deveria ser encorajada a fazer coisas contrárias à sua natureza? Seu próprio corpo, longe de preceder o de Adão na ordem da criação, foi tirado do corpo de Adão. Seu pró­prio nome - Ish-sha - foi derivado do nome dele - Ish (Gn 2.23). Quan­do a esposa reconhece essa distinção básica e age concordemente é que ela pode ser uma bênção para o seu marido, pode exercer sobre ele uma influência graciosa, bem poderosa e benéfica, e pode promover não so­mente a felicidade dele, mas também a sua própria.

De acordo com essa ordem, de que as esposas devem ser submissas a seus maridos, deve-se ressaltar o seguinte:

(1) Não implica inferioridade da esposa em relação a seu marido. Nos círculos não cristãos as esposas (aliás, as mulheres em geral) eram consideradas seres inferiores. Entre os grupos, apesar de seu alto grau de cultura, as esposas, em regra geral, não eram consideradas como iguais e nem mesmo como companheiras de seus maridos. Os romanos também consideravam as mulheres como sendo intrinsecamente inferio­res. Filo, filósofo judeu que foi grandemente influenciado pela filosofia grega, considera as mulheres egoístas, ciumentas e hipócritas; conside­rava os homens casados não mais como livres, e, sim, escravos.

O status das mulheres na comunidade Qumran não era invejável segundo deduzimos dos Manuscritos do mar Morto. Aprece ter havido grupos tanto celibatários quanto não celibatários na seita Qumran (veja Miller Burrows, More Light on the Dead Sea Scrolls, págs. 358,383). “Uma das diferenças mais patentes entre a igreja e a seita Qumran... era o status completamente diferente da mulher nas duas comunidades” (id., The Dead Sea Scrolls, pág. 333, cf. págs. 233,244,291; também H. Mulder, De vondsten bij de Dode Zee, pág. 35).

O Cristianismo mudou tudo isso (G1 3.28), e ainda está operando mudanças entre os que são levados a aceitá-lo.148 Jesus fez algumas de suas revelações mais surpreendentes a mulheres (Jo 4.13,14,21-26; 11.25,26; 20.11-18). Em relação à dignidade das mulheres nas epístolas de Paulo, veja CNT em 1 Timóteo e Tito, final do capítulo 2.

(2) Não é absoluto. Se um marido pedir a sua esposa para fazer alguma coisa que na sua consciência (iluminada pelas Escrituras) sabe

148. A respeito do s ta tu s da mulher durante muitos séculos, debaixo do Islamismo, veja S.M. Zwemer, A cross th e W orld o f l s la m , capítulos V e VI, especialmente a página 135. A respeito do seu s ta tu s fora do Cristianismo em geral, veja J.S. Dennis, C hristian M iss ion s a n d S o c ia l P r o g r e s s (3 volumes), especialmente o vol. 1 págs. 104-125. O crédito ao progresso mais recente no seu s ta tu s deve ser dado, pelo menos em parte à influência do Cristianismo.

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440 COLOSSENSES 3.19

ser errada, ela tem o direito e o dever de desobedecer a seu marido (At 5.29).

(3) É emitido num contexto de amor, do qual as esposas devem ser o objeto, pois Paulo prossegue:

19. Maridos, amem149 as suas mulheres, e não sejam ríspidos com elas. O melhor comentário é o do próprio Paulo em Efésios 5.25­33. A discussão do conteúdo daquela magnífica passagem não cabe aqui, e, sim, no Comentário de Efésios. O amor do marido por sua esposa é certamente sexual, porém se eleva acima do aspecto sexual. E afeição natural, porém é também muito mais que isso. É o amor pela esposa como “uma irmã no Senhor”. Esse amor age como uma influência mo­deradora sobre o exercício da autoridade do marido. E verdade que a responsabilidade primária pela decisão final em relação a um assunto repousa sobre o marido, porém o método para se chegar àquela decisão deixa amplo espaço para deliberação mútua e persuasão dócil, no curso da qual, às vezes, a conclusão do marido pode finalmente prevalecer, e outras vezes a de sua esposa, tendo seu parceiro percebido que ela esta­va certa. Assim, havendo-se o marido comprometido inteiramente ao princípio de que seu amor por sua esposa deve ser um reflexo verdadei­ro do profundo amor sacrificial de Cristo pela igreja (Ef 5.25,32), ele age para com ela como um homem compreensivo, nunca é “ríspido” ou “rude”, mas trata-a com consideração,150 e honra-a de todos os modos (IPe 3.7). Num casamento como esse, cada um procura agradar e bene­ficiar o outro (Pv 31.12; ICo 7.33,34), e promover o bem estar do outro, e isso não apenas física e culturalmente, também, e principal­mente, no aspecto espiritual. O marido considera sua esposa como sua igual no sentido de que ela é “co-herdeira da graça da vida” (IPe 3.7). Veja também Gênesis 24.67 (o amor de Isaque por Rebeca) e 29.20 (o amor de Jacó por Raquel).

20 Filhos obedeçam a seus pais em todas as coisas, pois isso é agradável no Senhor. 21 Pais, não irritem seus filhos para que não fiquem desanimados.

149. O verbo usado é uma forma de ócyocrako. Paulo emprega ilnXéco apenas duas vezes (ICo 16.22; Tt 3.15). O verbo áyajióa) está empurrando o veifoo (|)i,Xéco, assumindo suas funções (pelo menos no presente caso) bem como conservando as suas. O que está aqui indicado é o amor cristão pleno, um amor que sublima a tudo mais. A respeito da relação entre os dois verbos, veja CNT João 21.16, vol. II, págs. 494-501, nota de rodapé 306.

150. Lenski está correto quando afirma: “Essa negativa [não sejam ríspidos para com elas] está na ordem de um litote: tenham sempre consideração para com elas...” (obra citada, pág. 182).

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COLOSSENSES 3.20 441

3.20,21II. Filhos e seus pais

20. Filhos, obedeçam a seus pais em todas as coisas, pois isso é agradável no Senhor.151 Essa admoestação está completamente em sin­tonia com várias passagens (tais como Ex 20.12; 21.15-17; Lv 20.9; Dt 5.16; 21.18; Pv 1.8; 6.20; 30.17; Ml 1.6; Mt 15.4-6; 19.19; Mc 7.10­13; 10.19; 18.20; Ef 6.1-3). A desobediência aos pais é um dos vícios do paganismo (Rm 1.30). Ela marca a crescente maldade dos “últimos dias” (2Tm 3.2). A falsidade destruidora da alma que aboliria toda a autoridade paterna - a própria palavra “autoridade” sendo anátema em certos círculos educacionais - para que os filhos não precisem mais prestar nenhuma atenção à instrução de seus pais ou aos ensinamentos de suas mães, é diretamente contrária ao claro ensino das Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos. Os pais piedosos não infligem sobre seus filhos a crueldade de dizer-lhes que eles podem “fazer o que quise­rem”. De acordo com as Escrituras e com a experiência, os filhos não são somente imaturos como também pecadores por natureza, absoluta­mente incapazes, por natureza, de escolher o bem (SI 51.5). E por cau­sa disso a admoestação, na forma que é aqui encontrada, é muito com­preensível: os filhos são exortados a obedecer a seus pais “em todas as coisas”, sempre sujeitos à limitação de Atos 5.29.

Tal obediência é “agradável”. Essa palavra (apesar de não estar expressa aqui em Cl 3.20) é geralmente modificada por “a Deus” ou “ao Senhor” (Rm 12.1; 14.18; 2Co 5.9; Ef 5.10; Fp 4.18; cf. Hb 13.21). Esse modificativo pode certamente ser também considerado como infe­rido de nossa presente passagem. Que Deus se agrada com essa obe­diência é claro a partir do fato de que ele próprio, no Decálogo, pronun­ciou uma bênção especial sobre ela (Ex 20.12; Dt 5.16), à qual o após­tolo se refere na passagem análoga de Efésios (Ef 6.2,3). A obediência aos mandamentos de Deus lhe é algo sempre agradável. “No Senhor”, isto é, em comunhão com ele e na dependência dele, é compreendido por todo filho, seja mais velho ou mais moço, que é capaz de cantar do fundo do coração:

“Quando andamos com o Senhor,A luz de sua Palavra,Quanta glória ele derrama em nosso caminho.Enquanto fazemos sua boa vontade

151. Tem pouco apoio a leitura: “ao Senhor”.

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442 COLOSSENSES 3.21

Ele permanece sempre conosco E com todos os que confiam e lhe obedecem.Confiar e obedecer, pois não existe outro modo De ser feliz em Jesus,A não ser confiar e obedecer”.

(J. H. Sammis)21. Uma das características mais marcantes destas breves admoes­

tações é o seu caráter recíproco. Ao desfrutar de relações domésticas que glorificam a Deus, elas não enfatizam o dever das mulheres às ex­pensas do dever dos maridos; dos filhos às expensas do dever dos pais; ou do escravos às expensas do dever de seus senhores. Fora da revela­ção especial existe muito pouco desse equilíbrio. Os deveres do primei­ro membro de cada grupo são freqüentemente enfatizados, e pouca coi­sa ou nada é dito a respeito do segundo. Nos tempos antigos, quando as coisas acabavam mal, toda a culpa era atribuída às esposas, aos fi­lhos152 e aos escravos. Mas Paulo, havendo admoestado os maridos, bem como as esposas, e havendo agora lembrado os filhos de sua obri­gação para com seus pais, com toda justiça prossegue oferecendo uma diretiva também a seus pais: Pais,153 não irritem154 seus filhos para que eles não fiquem desanimados.

Os pais devem criar uma atmosfera que faça da obediência algo fácil e natural, a saber, uma atmosfera de amor e confiança. Devem criar seus filhos na disciplina e instrução do Senhor (Ef 6.4).155 Quando os pais são injustos e extremamente severos, é formado nos corações de seus filhos um espírito de sombria resignação. Os filhos ficam “desani­mados”, pensando: “Não importa o que eu fizer, estará sempre errado”. Não deveriam existir constantes “sermões”: “não faça isso, ou não faça aquilo”. A admoestação negativa (“não”) deve ser evitada, mas às vezes

152. Nos países civilizados (?) de h o j e , recai sobre os p a is . Ou na s o c i e d a d e , no m eio a m b ien te . Estes merecem tod a a culpa?

153. Deve ser considerada a possibilidade de que aqui a palavra “pais” signifique ambos, ou seja: “pai e mãe” (veja também Hb 11.23). No entanto, o fato de que no verso precedente é usada a palavra mais comum para referir-se a ambos, parece indicar que na presente passagem “pais” refira- se ao homem. Apesar de que a responsabilidade de educar os filhos reside em ambos, e o pai consul­tará a mãe, a probabilidade é que aqui o pai seja considerado como o cabeça da família.

154.0 verbo é èpe0íÇExe, que significa a lv o r o ça r . Pode-se alvoroçar para o bem (2Co 9.2) ou para o mal (como aqui em Cl 3.21). Neste caso, o significado resultante é exasperar, am argurar. Na presen­te passagem há considerável apoio textual para o sinônimo raxpopyíÇexe, p r o v o c a r a ira. Há muito pouca diferença no significado. Talvez o último verbo tenha sido inserido aqui vindo de Efésios 6.4.

155. Para uma discussão de 15 pontos sobre os P r in c íp io s e M é to d o s E d u ca cio n a is em Isra e l, veja CNT 2 Timóteo e Tito 3.14,15.

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COLOSSENSES 3.22 443

é inevitavelmente necessária (note o repetido “não” no Decálogo, nos ensinamentos de Jesus e nas epístolas de Paulo, inclusive na presente passagem.), a ênfase deve residir no positivo (Rm 12.21). Um bom pai gasta tempo com seus filhos, ensina, os entretém e os encoraja e, por meio do seu exemplo, bem como por meio de sincera instrução verbal, os conduz a Cristo. Apesar de ser necessária, às vezes, a vara da disci­plina deve ser usada com prudência, já que uma repreensão sábia é geralmente melhor do que cem açoites (Pv 13.24; 23.13;14; depois 17.10). A admoestação de Paulo para não amargurar os filhos - logo deve-se ser amável para com eles - é bem diferente do conselho dado aos pais por Ben Sira: “Aquele que ama seu filho o fustigará com freqüên­cia... Curve sua cerviz na sua juventude e bata nos seus lados enquanto ele for jovem” (Eclesiástico 30.1,12). Que conselho amigável e paternal!

22 Escravos, obedeçam em todas as coisas àqueles que, segundo a carne, são seus senhores, não sob vigilância como para agradar aos homens, mas com singeleza de coração, temendo ao Senhor. 23 Tudo o que fizerem, coloquem a sua alma no trabalho, como para o Senhor e não para os homens, 24 sabendo que do Senhor vocês receberão a recompensa, a saber, a herança. [É] a Cristo, o Senhor [a quem] vocês estão servindo. 25 Pois aquele que faz injustiça receberá [as conseqüências] daquilo que fez de errado. E não há parcialidade.

1 Senhores, concedam aos seus escravos aquilo que é justo e reto, sabendo que vocês têm também um Senhor no céu.

3.22-4.1III. Escravos e seus senhores

Veja também o que a Bíblia diz sobre a escravatura, no Apêndice.22. Escravos, obedeçam em todas as coisas àqueles que, segun­do a carne, são seus senhores... Em nenhuma parte das Escrituras é

declarado que a escravidão, como tal, seja uma ordenança divina, tal como o casamento (Gn 1.18,24), a família (Gn 1.27,28), o sábado (Gn 2.3) e o governo humano (Gn 9.6; Rm 13.1). Em si e por si mesmo não agrada a Deus que um homem seja dono de outro. Além disso, o fato de que Paulo se dirige aos escravos e seus senhores em base de igualdade é significativo e implica a sua igualdade diante de Deus.

O mundo romano estava cheio de escravos. Estima-se que só em Roma, em uma dada época, cerca de um terço dos habitantes pertencia a essa classe social. Haviam-se tomado escravos como prisioneiros de guerra, ou como condenados, ou por causa de dívidas, seqüestro, com­pra ou nascimento de pais escravos.

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444 COLOSSENSES 3.22

Ora, Paulo não recomendou a revolta direta dos escravos contra seus senhores. Pelo contrário, ele tomou a estrutura social como a en­controu e se empenhou, por meios pacíficos, em mudá-la para o lado oposto. Seu ponto, em suma, consistia no seguinte: “Que o escravo obe­deça ao seu senhor, de bom coração, e que o senhor seja bom para com seu escravo”. “Portanto, que a má vontade, a desonestidade e a pregui­ça do escravo sejam substituídas pelo interesse no trabalho, a integrida­de e o desempenho; a crueldade e a brutalidade do senhor, por conside­ração e amor. E uma sociedade nova e gloriosamente transformada subs­tituiria a velha.”

O material paulino que trata deste assunto é encontrado principal­mente nas seguintes passagens: Efésios 6.5-9; Colossenses 3.22-4.1; 1 Timóteo 6.1,2; e Tito 2.9,10. A estas se deve comparar o que Pedro diz em 1 Pedro 18-25. Desses cinco pequenos parágrafos, apenas os dois primeiros mencionam os deveres recíprocos dos escravos e seus senho­res. Uma das razões pela quais presta-se maior atenção aos escravos do que aos senhores poderia muito bem ser que, dentre os destinatários, havia muito mais escravos do que senhores (veja ICo 1.26). A razão provável pela qual em Colossenses o apóstolo dedica muito maior aten­ção a. escravos e seus senhores do que b. a mulheres e seus maridos, filhos e seus pais (combinados) foi apontada na Introdução IV A 4 (Oné- simo e seu senhor Filemom).

Ora, quando Paulo instrui os escravos a obedecerem a seus senho­res “em todas as coisas”, ele provavelmente quer dizer: “não apenas nos assuntos agradáveis e de fácil acordo, mas também em casos desagra­dáveis e de acordo difícil”. Ele não pode ter querido dizer: “em absolu­tamente todas as coisas” (veja At 5.29). Como Paulo diz em outro lu­gar, por intermédio de sua obediência eles “adornariam a doutrina de Deus nosso Salvador” (Tt 2.10). A expressão “aqueles que, segundo a carne - isto é, aqueles que, segundo as relações terrenas156 - são seus senhores” implica “o seu Senhor real está no céu”, um pensamento so­bre o qual Paulo discorrerá brevemente.

Ora, essa obediência não deve ser sob vigilância como para agra­dar aos homens, mas com singeleza de coração, temendo ao Senhor. Não devem simplesmente obedecer para “impressionar” seu senhor, movidos por propósitos egoístas. Em lugar de se esforçarem para agra­dar a homens com um motivo oculto de buscar vantagens para si mes­mos, deveriam prestar serviço a seus senhores terrenos “com singeleza

156. A respeito dos vários sentidos da palavra carne, veja CNT em Filipenses 1.22, nota de rodapé 77, sobre viver na carne. O significado c. é indicado aqui.

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COLOSSENSES 3.23,24 445

de coração”, quer dizer, com uma mente sem segundas intenções, por­tanto com sinceridade e retidão (cf. 1 Cr 29.17), e, assim fazendo, mos­trar reverência para com o seu Senhor.

23,24. Tudo o que fizerem (cf. com o v. 17), coloquem a sua almano trabalho (literalmente, “trabalhem com a alma”), como para o Se­nhor e não para os homens... No espírito, as pessoas cessam de ser escravas tão logo comecem a trabalhar para o Senhor e não mais para os homens, prioritariamente. Logo, esse era o melhor conselho que al­guém poderia dar a um escravo. E mais, por meio de sua cooperação, de todo o coração para com seu senhor, prestando-lhe obediência em to­dos os sentidos, e estando o seu patrão plenamente ciente do fato de que o serviço estava sendo prestado por um cristão, o escravo estaria pro­movendo a causa e a honra de seu Senhor do céu. O patrão começaria a pensar: “Se a religião cristã faz isso pelos escravos, então ela deve ser maravilhosa”. Paulo prossegue: sabendo que do Senhor vocês recebe­rão a recompensa, a saber, a herança. Mesmo que do seu senhor terre­no o escravo receba muito menos do que deveria, do seu Senhor celestial receberá a quantia plena que lhe é concedida pela graça de Deus}51

Mesmo sendo a salvação “pela graça” e não “pelas obras” (Ef 2.8,9; Tt 3.5), essa graciosa recompensa de vida eterna será dada “segundo as obras” (2Co 5.10; Ap 20.12,13; assim também Ec 12.14; 1Co3.10- 15; 4.5; G16.7). Além do mais, a recompensa é “a herança”, implican­do, provavelmente, as seguintes idéias: a. é uma dádiva (a pessoa não trabalhar para ganhar uma herança); b. é inalienável (lRs 21.3; Hb 9.15); c. fo i designada para a pessoa que a recebe, e nesse sentido é sua por direito (cf. Is 1.27), e implica a morte do testador (Hb 9.16).

Ora, os escravos, por via de regra, não são herdeiros (Gn 15.3; Rm 8.15-17; G14.7). Mas aqueles a quem Paulo está aqui se referindo her­dam, pois o seu Senhor é Cristo: [É] a Cristo, o Senhor, [a quem] vocês estão servindo.158 Portanto, que vivam sempre “sob as vistas” do

157. A palavra traduzida como r e c o m p en s a é acusativo de à m a n ó S o c iq , ocorrendo no Novo Testamento apenas nessa passagem. Aqui òcmí expressa a idéia de p l e n o , c o m p l e t o r e em b o ls o . O substantivo cnnanó5o|ia significa r e tr ib u içã o , empregado em sentido favorável em Lucas 14.12; e desfavorável em Romanos 11.9. O verbo cognato ócutoítcoS í õ c o u i , usado em sentido favorável (Lc 14.14; Rm 11.35; lTs 3.9), e em sentido desfavorável (Rm 12.19; 2Ts 1.6; Hb 10.30), tem na raiz o sentido de e u c o n c e d o p l e n a r e t r ib u i çã o p o r a l g o r e c e b id o . Veja minha dissertação doutoral: “The Meaning of the Preposition òa/cí in the New Testament”, na biblioteca do Princeton Seminary, Prin­ceton, N J . págs. 83,84.

158. Alguns preferem traduzir como um imperativo: “Servi a Cristo Senhor”, dando como razão o fato de que de outro modo a palavra “pois”, que introduz o verso 25, não teria significado nenhum. Entretanto, se se traduz o verbo como imperativo ou como indicativo, em qualquer dos casos, algu­ma coisa deve ser suplementada a fim de se obter uma relação de pensamento razoável. Esse é um

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446 COLOSSENSES 3.25-4.1

seu Senhor (A respeito da expressão “Cristo, o Senhor”, veja também Rm 16.18). Essas são as duas únicas ocorrências no Novo Testamento. O Senhor ungido é o patrão do escravo. Que privilégio e honra.

25. Paulo prossegue: Pois - implicando, talvez: “Vocês devem obe­decer a essas instruções, pois - aquele que faz injustiça receberá [as conseqüências] daquilo que fez de errado. £ não há parcialidade.Segundo Ridderbos, isso se refere exclusivamente ao senhor do escra­vo. Quer dizer que mesmo o escravo tendo, às vezes, de sofrer injustiça das mãos de seu senhor, esse não ficará impune (obra citada, pág. 230). Lenski, por outro lado, refere-o unicamente ao escravo: “O mal que foi feito permanece nos ombros do escravo, e ele o transportará até ao jul­gamento”. Ele ressalta que “os senhores só são mencionados mais tar­de” (obra citada, pág. 185). A opinião de Lightfoot difere de ambos. Ele diz: “Parece melhor presumir que ambos estão incluídos” (obra citada, pág. 229). Creio que a última posição é a correta. A razão que apresento é que uma idéia quase exatamente análoga é expressa em Efésios 6.8, só que desta vez em relação àquele que faz o bem (em vez daquele que pratica o mal, como aqui em Cl 3.25), num contexto onde indubitavel­mente se menciona que a declaração se refere a escravos e a livres. A sentença em Efésios é a seguinte: “... sabendo que o bem que alguém faz ele o receberá outra vez do Senhor, quer seja escravo, quer livre”. Co­mentando a respeito de Colossenses 3.25, Lightfoot diz: “A advertência é dada para o caso do escravo, mas é extensiva (no verso seguinte, Cl4.1) ao caso do senhor”.

Se o escravo falhar em considerar as admoestações dadas, colherá o que semeou. Ninguém na igreja de Colossos deve começar a pensar que o apóstolo tratou Onésimo com tanta bondade, que aprova também o que este fez ao seu senhor. A regra (G16.7) é universal. Ela se aplica a todo escravo, não importa quem ele seja. E se aplica igualmente a todo senhor. Com Deus não existe nenhuma parcialidade (Lv 19.15; Ml 2.9; At 10.34; Ef 6.9; Tg 2.1); literalmente, “sem olhar a cara” (logo, as pessoas).159

4.1. Por meio de uma transição fácil, segue a admoestação final

caso de “expressão abreviada” (veja CNT em Jo 5.31). Além do mais, a diferença é bem significati­va, pois em qualquer dos casos, o ponto é que Paulo quer que esses escravos tenham sempre em mente que não estão primária e primeiramente servindo a um senhor terreno, mas o Senhor celestial, e que essa deve ser a atitude deles. O “sabendo que” precedente parece apontar aqui na direção do indicativo. Registram assim também as A.V., A.R.V. (antiga e nova), R.S.V. Berkeley.

159. Moule tem um interessante parágrafo a respeito da palavra grega traduzida como parcialida­de (obra citada pág. 132).

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COLOSSENSES 4.1 447

pertencente às responsabilidades domésticas: Senhores,160 concedam aos seus escravos aquilo que é justo e reto, sabendo que vocês têm também um Senhor no céu. Uma tradução mais literal da primeira parte diria: “Senhores, aquilo que for justo e aquilo que for reto,161 aos escravos concedam”. Os senhores devem lembrar-se de que eles tam­bém possuem um Senhor. O centurião compreendia isso (Mt 8.5-13, veja especialmente o v.9). O servo incompassivo da parábola relatada em Mateus 18.23-35 não o compreendia. Portanto, que os senhores en­tendam que, assim como seus escravos devem prestar-lhes contas, as­sim também, por sua vez, deverão dar satisfação ao Senhor do céu. Se compreenderem isso, não tratarão seus escravos com tanta severidade. Eles “deixarão as ameaças” (Ef 6.9), e, em lugar disso, demonstrarão pelos seus servos a mesma consideração que esperam receber daquele que exerce autoridade sobre eles. Portanto, o que temos aqui é uma aplicação da Regra Áurea (Mt 7.12) ao relacionamento senhor/escravo.

Agora termina o resumo das admoestações dirigidas aos grupos em separado, com a menção do Todo-suficiente e preeminente Senhor, “Cris­to, o Senhor” (cf. 4.1 e 3.24), pois ele é a Fonte da vida do crente, aquele que está sempre pronto a capacitar a todo crente, pertença a que grupo pertencer, a viver para a glória de Deus.

Sumário de Cobssenses 3 .18 -4 .1O Cristo Todo-suficiente é também a Fonte da vida para os grupos

domésticos. Eles também devem se inspirar nele, pois é dele que retiram toda força para fazer o que é justo e reto, o propósito de tudo fazer no nome do Senhor Jesus e o padrão da obediência.

No presente parágrafo as mulheres recebem a ordem de serem sub­missas a seus maridos; os maridos devem amar as esposas; depois, os filhos recebem a ordem de obedecerem a seus pais; os pais, de serem bondosos para com seus filhos; e, finalmente, os escravos devem obede­cer a seus senhores, “não sob vigilância como para agradar os homens, mas com singeleza de coração, temendo ao Senhor;” e aos senhores devem conceder aos escravos o que for justo e reto, lembrando-se de que eles (os senhores) também possuem um Senhor no céu.

160. No original os vocativos: e sp o sa s , m a rid o s , f i lh o s , p a is , e s c r a v o s , s e n h o r e s (3 .1 8 -4 .1) são precedidos do artigo genérico, um emprego comum (G ramN .T., pág. 757).

161. Não é verdade que laóxtiç deve sempre ser traduzido como aq u ilo q u e é ig u a l ou igu a ld ad e . Há ocasiões em que o uso desta palavra, em outros autores, tem o sentido também de ju s t i ç a (veja M.M. pág. 307), Empregada em relação à palavra r e t id ã o (ou “aquilo que é justo”) é natural tratar os dois conceitos como sinônimos e usá-los no idioma português como “correto e direito” (ou algo similar).

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448 COLOSSENSES 3.18-4.1

Devido ao seu caráter recíproco - as admoestações são dirigidas não somente às esposas, mas também a seus maridos; não somente aos filhos, mas também a seus pais; não somente a escravos, mas também a seus senhores - essas exortações são eminentemente justas. Que o con­selho dado em cada caso é justo, é evidente a partir do seu conteúdo. E dito às mulheres para fazerem aquilo que concorda com o modo como foram criadas. Aos filhos diz-se que não devem fazer aquilo que quise­rem - o que seria um conselho cruel - mas para obedecerem àqueles que o amam e que são melhor qualificados para discernir o que é melhor para eles. Aos escravos é apontado o único caminho para a verdadeira liberdade espiritual, a saber, a lembrança de que, em meio a todo o seu labor, eles estão na realidade trabalhando “para o Senhor”. O mesmo se aplica às outras classes mencionadas: maridos, pais e senhores.

Essas admoestações eram, evidentemente, dirigidas aos grupos fa­miliares do meio cristão. O que acontece quando a mulher, ou o marido, ou senhor não é crente? Que regra se aplica em tal caso, respectivamen­te, ao marido, à esposa ou ao escravo? As Escrituras não nos deixam no escuro a respeito desta questão (veja At 5.29; ICo 7.12-16; lTm 6.1 - cf. com o v.2 - T t 2.9,10; IPe 2.18-21; 3.1,2).

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ESBOÇO DO CAPÍTULO 4.2-18

Tema: Cristo, o Preeminente, o Único e Todo-suficiente Salvador II. Esse Único e Todo-suficiente Salvador é a fonte da vida do cren­

te, portanto a resposta real para os perigos pelos quais são con­frontados - capítulos 3 e 4C. Admoestações finais, saudações, etc., 4.2-18

4.2-4 1. Incentivo à oração4.5,6 2. Ênfase numa conduta sábia e num falar gracioso4.7-9 3. Uma boa palavra a Tíquico e a Onésimo, que foram envia­

dos com notícias e encorajamento4.10-15 4. Saudações4.16 5. Pedido de troca de cartas4.17 6. Vigorosa diretiva a Arquipo4.18 7. Saudação final

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C a pítu lo 4 . 2 - 1 8

COLOSSENSES

42 Perseverem na oração, mantendo-se nela alertas, com ações de graças; 3 oran­do ao mesmo tempo por nós, para que Deus nos abra uma porta para a mensagem, a fim de anunciarmos o mistério concernente a Cristo, por causa do qual estou na

prisão, 4 [orando] a fim de que eu tome claro [e possa falar] como devo fazê-lo.

4.2-4I. Incentivo à oração

2. Como Paulo se aproxima agora do final da carta, ele pronuncia algumas admoestações de natureza geral, como em 3.1-17; com ênfase sobre o aspecto positivo (cf. 3.12-17). Não é de se surpreender que, havendo falado a respeito da palavra (3.16), o apóstolo agora ressalta a importância da oração, pois a palavra e a oração seguem de mãos da­das: na primeira Deus fala conosco, e na segunda nós falamos com ele. Paulo diz: Perseverem na oração. A oração é a expressão mais impor­tante da nova vida. Como tal é o meio de se obter, para nós mesmos e para os outros, a satisfação das necessidades, tanto físicas como espiri­tuais. É também uma arma divinamente designada contra os ataques sinistros do diabo e seus anjos, o veículo de confissão de pecados e o instrumento por meio do qual a alma agradecida oferece sua adoração espontânea diante do trono das alturas. Assim, a perseverança na ora­ção é incentivada (veja também At 1.14; Rm 12.12; Ef 6.18). Isso está em harmonia com o ensino de Jesus no qual ele exorta seus discípulos a perseverarem em oração e não desanimarem quando uma petição não for imediatamente respondida (At 18.1-8). Paulo acrescenta: manten­do -se nela alertas. Essa advertência para manterem-se completamente despertos em oração lembra-nos de Mateus 26.41; Marcos 14.38; Lu­cas 22.40,46. Mas, nestas passagens dos Evangelhos, o estado de alerta referido deve ser tomado mais literalmente como indicam os respectivos contextos. O que o apóstolo tem em mente é que, ao permanecer em oração, o adorador deve estar atento a assuntos tais como: a. suas pró­prias necessidades e aquelas da família, igreja, país, mundo; b. os peri­gos que ameaçam a comunidade cristã; c. as bênçãos recebidas e pro­

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452 COLOSSENSES 4.3,4

metidas, e (por último, porém não menos importante) d. a vontade de Deus (cf. At 20.31; 2Co 16.13; 1Ts5.6; IPe 5.8; Ap 3.2,3). Os cristãos primitivos criaram um nome próprio favorito (Gregário) do verbo gre­go que expressa essa necessidade de ser vigilante - uma forma de gre- goréo (estou acordado, permaneço alerta).

Ora, quando alguém está profunda e humildemente consciente das bênçãos recebidas e prometidas, expressará sua gratidão a Deus. Então Paulo prossegue: com ações de graças (cf. Ef 5.20; 6.18; Fp 4.6; lTs 5.18; e veja também comentário acima em Cl 3.15,17). E digno de nota o fato de que o apóstolo introduz suas admoestações a grupos específi­cos (3.18 - 4.1) entre dois lembretes para se dar graças a Deus (2.17 e4.2), como se quisesse dizer: “mulheres, maridos, filhos, pais, escravos, senhores, obedecei a estas instruções espontaneamente, motivados pela gratidão à vista de tantas bênçãos recebidas”.

Deve-se conservar em mente que o homem que emitiu essa diretiva era um prisioneiro. Entretanto, esse prisioneiro pôde agradecer a Deus até mesmo suas prisões (Fp 1.12-14). Com base no pensamento tão lindamente expresso em Romanos 8.28, o crente pode, seguramente, ser grato a Deus por qualquer coisa que lhe aconteça.

3,4. Devem ser incluídas nestas orações as necessidades de Paulo e seus companheiros. Portanto, o apóstolo prossegue: orando ao mesmo tempo por nós.162 Como aconteceu a Daniel (Dn 2.18), e provavelmen­te também Ester (Et 4.6), Paulo sentiu a necessidade de ser lembrado em oração. E mais, Timóteo (Cl 1.1) e Epafras (4.12) devem igualmente ser lembrados, e sem dúvida também aqueles mencionados em 4.10,11,14. Essa não é de modo algum a única vez que o apóstolo pediu para ser assim lembrado em oração. Veja acima comentário em 1.9, nas colunas paralelas (veja especialmente Ef 6.18-20). Aliás, essa passagem de Efé- sios deve ser trazida sempre na lembrança ao interpretarmos Colossen- ses 4.2-4 em toda a sua extensão. “Irmãos, orai por nós” (lTs 5.25) - era o constante apelo de Paulo. Ora, quando instou com seus compa­nheiros e com os crentes a esse respeito, ele tinha algo bem definido em mente. Assim citando o resultado esperado da oração, e empregando uma linguagem que pode ter pertencido ao palavreado comum da épo­ca,163 como o é igualmente uma metáfora entre nós, ele prossegue: para que Deus nos abra uma porta para a mensagem. Uma porta, naque­les dias e também hoje, é uma oportunidade para a entrada, um meio de

162. Não é necessário presumir aqui a existência de um lar, plural literário ou epistolário, nem tampouco em 1 Tessalonicenses2.18; 3.1. Veja CNT sobre essas passagens.

163. A. Deissmann, obra citada, pág. 300, nota de rodapé número 2.

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COLOSSENSES 4.3,4 453

se alcançar ou de se obter acesso. No presente contexto, é uma abertura para a palavra ou mensagem (cf. ICo 16.9; 2Co 2.12; Ap 3.8). Ora, o apóstolo não teve a intenção de dizer: Orai para que, por meio da minha soltura da prisão, eu possa novamente proclamar a mensagem da sal­vação. Não, ele queria aquela porta bem ali e agora. Que esse não era um pedido absurdo, como se fosse impossível a um prisioneiro ter uma porta aberta, é demonstrado por passagens tais como Atos 28.30,31. E se fosse levantada objeção de que tal liberdade, como estava ali pressu­posta, necessariamente não continuaria, e que antes de sua soltura o apóstolo seria transferido de sua “casa alugada” para o acampamento dos soldados, ou que de algum outro modo ele fosse colocado sob rígida custódia, a resposta é que mesmo o acréscimo desta severidade não removeria completamente a porta aberta, como está claramente demons­trado em Filipenses 1.12-18. Como está indicado ali, de um certo ponto de vista a aparente desvantagem era na realidade uma vantagem, pois as cadeias de Paulo revelaram que sua religião não era sem importância, e, sim, algo muito mais precioso e real. Mesmo assim, humanamente fa­lando, as circunstâncias poderiam mudar facilmente. Quando Paulo fez esse pedido de oração, estaria ele pensando, quem sabe, numa convoca­ção perante o tribunal romano para uma audiência, talvez a primeira? E estaria ele dizendo: “O Colossenses, orem para que, quando formos chamados para apresentar um relato diante das autoridades, possamos falar com bastante liberdade e que a nossa mensagem possa também ganhar entrada no coração daqueles que a ouvirem”. Além disso, teste­munhar clara e abertamente diante de todo tipo de auditório e sob quais­quer circunstâncias não é nada fácil. Logo, esse homem de Deus, que em certo sentido já tinha uma porta aberta, não está de modo algum se contradizendo quando pede orações a fim de que possa (em todo tempo e em todas as circunstâncias) ter uma porta aberta. Essa explanação também se harmoniza com a passagem de Efésios 6.19, e com a que se segue imediatamente aqui em Colossenses, a saber, anunciarmos o mis­tério a respeito de Cristo,164 sendo o seu conteúdo o próprio Cristo como a Fonte da salvação, plena e graciosa, para judeus e gentios, um segredo não mais escondido, mas agora (ah, glorioso paradoxo), um segredo plenamente revelado, e não somente revelado, mas concretiza­do no coração e na vida das pessoas de todas as classes, ocupações e nacionalidades. Veja mais a esse respeito no comentário em 1.26,27 e2.2, acima. Paulo prossegue: por causa do qual estou na prisão, por­

164. Ou, simplesmente, “o mistério, a saber, Cristo”. Veja CNT em 1 Timóteo 3.16. Cristo é, de qualquer modo, o coração e essência do mistério.

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454 COLOSSENSES 4.5

tanto com muito mais necessidade e merecedor de ser lembrado em suas orações (cf. 1.24). Que Paulo estava aprisionado e sob custódia, segu­ramente, como resultado da proclamação deste mistério - especialmen­te sua revelação aos gentios - , é claro a partir das muitas referências que indicam claramente que os judeus, furiosos porque Paulo pregava o evangelho aos judeus e gentios, sem distinção, o haviam acusado diante das autoridades civis (At 18.12,13; 21.28; 22.21-30; 23.26-30; 24.1-9; 25.1,2,6,7; 26.19-21,32).

Ora, Paulo deseja ser lembrado em oração por duas razões: a. a fim de que continue a proclamar o abençoado conteúdo do mistério, como já foi indicado, e b. que ele possa fazer isso da maneira correta. Portanto, quanto a b. ele prossegue: [orando] a fim de que eu o faça compreen­dido [e possa falar] como devo fazê-lo. Quando uma boa mensagem é proclamada de maneira errônea pode fazer mais mal do que bem. Quan­tas vezes aqueles que, apesar de inocentes, foram presos, ou mesmo injuriados, pioraram as coisas tanto para si mesmos como para a causa que defendiam, por não obedecerem a essa verdade. Quando o apóstolo pede para ser lembrado em oração a fim de que não caia nesse erro, mas que fale como deve, ele provavelmente tinha em mente algumas ou to­das as particularidades seguintes: a. orai para que eu fale com clareza (“que eu o tome claro”); b. com intrepidez, isto é, sem medo ou coibi- ções (“falando tudo”, veja Ef 6.19, èv 7tappr|GÍa); c. mas também de forma agradável (veja o contexto, Cl 4.6 a); e d. com sabedoria, para que eu possa saber exatamente que abordagem empregar quando for questionado por grupos ou indivíduos de várias procedências: visitantes que vêm me ver na prisão, soldados que me guardam e as autoridades romanas diante das quais posso ser convocado.

5 Conduzam-se com sabedoria para com os de fora, aproveitando ao máximo as oportunidades. 6 Que sua palavra seja sempre agradável, temperada com sal, a fim de que vocês saibam como responder a cada um.

4.5,6II. Ênfase na conduta sábia e na palavra agradável

5. No espírito dos princípios aos quais Paulo tem-se prendido, e relacionado ao que agora acaba de pedir aos colossenses, ou seja, que se lembrem dele e de seus companheiros em oração (veja vv.3,4, acima), ele agora os exorta a aderir a um modo semelhante de vida. Ele diz: Conduzam-se com sabedoria para com os de fora. Para o judeu, todo

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COLOSSENSES 4.5 455

não judeu era um “de fora”. E para o crente, todo não crente é, num certo sentido, um de fora (veja ICo 5.12,13; lTs 4.12; lTm 3.7). Nos dias da Igreja primitiva, os crentes eram, com freqüência, injuriados por esses “de fora”. Eram, por exemplo, chamados de ateus porque não serviam aos deuses visíveis; de antipatriotas porque não queimavam incenso diante da imagem do imperador, e imorais porque, por necessi­dade, se reuniam freqüentemente a portas fechadas. O apóstolo sabia que a melhor maneira de vencer essas calúnias era que os cristãos se conduzissem diariamente não apenas virtuosamente em vez de perver­samente, mas também sabiamente em vez de tolamente. Veja O que a Bíblia diz sobre tato, no Apêndice. Assim como naquele tempo, e tam­bém ainda agora: no final das contas, a reputação do evangelho depende da conduta de seus devotos. E como se o apóstolo estivesse dizendo: “Comportem-se de modo sábio em relação aos de fora, mantendo sem­pre em mente que, apesar de serem poucos os homens que lêem os rolos sagrados, todos eles vos lêem”.

Essa conduta sábia não serve apenas para que os crentes empre­guem os melhores meios a fim de atingirem os mais altos objetivos, mas servem também como uma arma contra a difamação e a destruição do caráter. Ela tem também um propósito positivo, a saber, ganhar os “de fora” para Cristo. Paulo estava plenamente consciente do fato de que a maneira mais eficiente para os cristãos espalharem o evangelho, a fim de que pudesse ser aceito, era se conduzirem de modo tal que o ímpio pudesse dizer: “Vejam como amam uns aos outros, e, apesar de tudo o que temos dito a seu respeito, eles até mesmo nos amam e nos tratam com bondade, pagando o mal com o bem”. Que Paulo tinha em mente esse propósito positivo é evidente também no fato de que ele acrescenta: aproveitando ao máximo as oportunidades. Se o gerúndio usado no original tiver retido completamente sua significação etmológica, o após­tolo disse literalmente: “... resgatando as oportunidades”. O sentido seria então: “Não fiqueis aí sentados esperando que as oportunidades lhe caiam no regaço, mas ide atrás delas. Sim, comprai-as. Comprai todo o estoque de oportunidades” (Moule, obra citada, pág. 134). “Não avalieis o custo. Vale a pena ganhar mesmo que seja uma alma para Cristo (cf. Pv 11.30; Rm 11.14), e assim também a própria salvação” (Mt 13.44,45). Mas, em qualquer caso, o significado possível é: “Po­nham-se à disposição a toda oportunidade de ser uma bênção para os outros”.

Um pensamento que, apesar de não ser aqui expresso, pode muito bem ter estado na visão de Paulo é este: os dias são maus e se apressam

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456 COLOSSENSES 4.6

para a grande consumação de todas as coisas. “A noite já vai alta; o dia se aproxima”. Portanto, aproveitem ao máximo as oportunidades en­quanto vocês as têm (cf. Rm 13.11,12; ICo 7.29; G1 6.9,10; especial­mente Ef 5.16).

6. Veja também o comentário em Colossenses 3.8,9,16. Paulo pede aos colossenses que orem a fim de que o seu modo de falar seja sempre o melhor (veja acima, v.4). Tendo-se assim constituído num exemplo, ele agora admoesta os destinatários a serem igualmente cuidadosos no uso de sua língua: Que a sua palavra seja sempre agradável... Note o sempre, isto é, tanto ao se dirigir a um grupo como na conversação com o próximo, tanto ao falar com um igual quanto ao responder a alguma autoridade, a ricos e pobres, igualmente, não somente ao proclamar a mensagem de salvação, mas também ao falar sobre o clima, quando a palavra agradável se toma um hábito, não precisam usar de linguagem imprópria quando forem, de repente, confrontados com uma situação difícil; por exemplo, quando convocados a comparecerem diante de um juiz secular ou quando perseguidos por causa da fé.

O que exatamente quer dizer “palavra agradável”? A mesma ex­pressão era usada pelos não cristãos dos dias de Paulo. Entretanto, o significado que lhe davam era o de conversão brilhante, uma fala pon­tilhada de comentários espirituosos e perspicazes. Quando Paulo em­prega o termo, ele se refere ao tipo de linguagem que resulta da ação de graça de Deus no coração humano. Negativamente, tal modo de falar não será abusivo (Rm 1.29-32; 2Co 12.20; G1 5.19-21,26; Ef 4.31; Tt3.2). Nem será retaliador. Seguirá o exemplo de Cristo que, “quando ultrajado não revidava com ultraje” (IPe 2.23). Positivamente, será verdadeiro e amoroso. A melhor descrição da palavra agradável é en­contrada, talvez, nas palavras do próprio Paulo: “falando a verdade em amor” (Ef 4.5); e o melhor exemplo nas palavras de Jesus: “Pai, per­doa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34).

Uma descrição mais completa desse tipo de palavra é: temperada com sal. Aqueles a quem o Senhor chama de “sal da terra” (Mt 5.13; Mc 9.49,50; Lc 14.34,35) não devem ter linguagem insípida. O sal im­pede a corrupção. É difícil imaginar que essa idéia estivesse ausente da mente de Paulo, pois na passagem análoga ele diz: “Que nenhuma pala­vra corrupta proceda de sua boca, mas somente aquela [palavra] que for boa para edificação, segundo a necessidade, a fim de que transmita graça àqueles que ouvem” (Ef 4.29). Mas o sal não tem somente a capa­cidade de preservar. Possui também sabor. Logo, a palavra temperada com sal não é vazia nem insípida, mas faz pensar e faz bem. Não é

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COLOSSENSES 4.7,8 457

perda de tempo. E, ainda, tal palavra não repele. Ela atrai, possui en­canto espiritual. É também distinta: o crente é conhecido por sua pala­vra bem como por sua conduta.

Ora, nas suas conversações, os crentes precisam ter cuidado, não apenas nas ocasiões especiais que evoquem suas observações, mas tam­bém com a pessoa a quem são dirigidas. Assim o apóstolo prossegue: a fim de que vocês saibam como responder a cada um. Em outras pala­vras, devem falar a palavra certa, na hora certa, para a pessoa certa. Isso nos lembra 1 Pedro 3.15. “Mas, em seus corações, santifiquem a Cristo como Senhor, estando sempre preparados para responder a qual­quer um que lhes pedir razão da esperança que está em vocês, fazendo- o, todavia, com mansidão e reverência.” O próprio Espírito Santo os ajudará a fazer isso. Logo, não precisam temer (Mt 10.19,20; Mc 13.11). Cristo lhes dará boca e sabedoria (Lc 21.14,15).

7 Toda a minha situação os informará Tíquico, irmão amado, fiel ministro e conservo no Senhor, 8 a quem lhes envio com esse expresso propósito, para que vocês conheçam nossas circunstâncias e para que ele possa fortalecer o seu coração. 9 [Ele está] acompanhado por Onésimo, irmão fiel e amado, que é um de vocês. Eles os farão saber tudo (o que tem acontecido) aqui.

4.7-9III. Uma boa palavra para Tíquico e para Onésimo, que foram

enviados portando notícias de Roma e encorajamento.7,8. Toda a minha situação os informará Tíquico. Tíquico165 era

um dos amigos íntimos de Paulo e mensageiro altamente valorizado. Ele era procedente da província da Ásia e acompanhara o apóstolo quando este, na conclusão da terceira viagem missionária, retomava da Grécia através da Macedônia e logo cruzava a Ásia Menor e dali a Jerusalém, numa missão caridosa (At 20.4); quer dizer, naquela viagem Tíquico havia viajado adiante de Paulo da Macedônia a Trôade, e o aguardava naquela cidade. E agora, alguns anos mais tarde, havendo passado al­gum tempo com Paulo em Roma durante o seu primeiro aprisionamento romano, Tíquico fora encarregado pelo apóstolo de levar a seu destino não somente a Epístola aos Colossenses, como é indicado aqui em Co- lossenses 4.7,8, e a de Filemom como parece indicar a comparação de

165. Arespeito do significado do nome, veja CNT em Filipenses 2.25, nota de rodapé 116, sobre o nome Epafrodito, onde é dada também a explanação de vários outros nomes pessoais. Para maiores informações a respeito de Tíquico, sua relação com Paulo após seu primeiro aprisionamento roma­no, veja CNT em Tito 3.12 e em 2 Timóteo 4.12.

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458 COLOSSENSES 4.9

4.9 e Filemom 1.8-22, mas também a carta que nos foi transmitida como Epístola aos Efésios (veja Ef 6.21,22, que é quase idêntico a Cl 4.7,8). A descrição de Tíquico como o irmão amado, fiel ministro e conservo no Senhor é quase igual à de Epafras (apesar de não empregar as pala­vras na mesma ordem). Existe identidade essencial. Assim, veja a res­peito no comentário em Colossenses 1.7. E as razões para a alta reco­mendação da pessoa de Tíquico são também semelhantes àquelas dadas no caso de Epafras. É evidente que Tíquico, tendo acabado de passar algum tempo com Paulo e sendo um homem de bom senso, seria a pes­soa certa para fornecer toda a informação necessária a respeito de Pau­lo, seus companheiros e os crentes de Roma. Além disso, o papel não era abundante e barato como hoje, as circunstâncias sob as quais Paulo, o “idoso” prisioneiro (veja comentário em Fm 9), tinha para dar suas cartas não eram de todo favoráveis, certas coisas eram melhor ditas do que escritas', logo, devido a tais e semelhantes razões, Paulo prossegue: a quem lhes envio166 com esse expresso propósito, para que vocês conheçam nossas circunstâncias.167 Entretanto, não somente isso, mas também para que ele possa fortalecer o seu coração, provavelmente acalmando os seus medos (cf. Fp 1.12-14), entregando-lhes essa carta, e, de modo geral, providenciando oralmente a “atmosfera” de consolo e alento espirituais baseados nas promessas de Deus.

9. O apóstolo prossegue. [Ele está] acompanhado por Onésimo, irmão fiel e amado, que é um de vocês. Eles os farão saber tudo [o que tem acontecido] aqui.E desnecessário repetir o que foi dito a respeito de Onésimo na In­

trodução IV B e no CNT em Filemom (veja especialmente vv.8-22). A enfática recomendação de Onésimo a toda a igreja de Colossos era, sem dúvida alguma, um forte apoio para o pedido em seu favor, o qual Paulo endereçou a Filemom, ao senhor do escravo e a um dos membros daque­la igreja. E provavelmente correto o que tem sido afirmado por vários comentaristas, a saber, que a própria preservação da Epístola a File­mom prova que esse pedido foi bem-sucedido. Ao chamar Onésimo de “irmão fiel e amado”, o apóstolo sublinha diante de toda a igreja o verso16 de sua carta pessoal a Filemom. Ao permitir que Onésimo estivesse ao lado de Tíquico como informante de todas as coisas concernentes a Paulo e à igreja em Roma, o apóstolo está dizendo aos colossenses, inclusive a Filemom, que ele considera o homem que, pela graça trans-

166. epistolar aoristo.167. Apesar da leitura - “que ele possa conhecer suas circunstâncias” - possuir o apoio de p46 e

outros manuscritos, deve ser considerada inferior devido ao contexto (veja v.9b).

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COLOSSENSES 4.9 459

formadora de Deus, está agora justificando o significado do nome - Onésimo: útil, ajudador-com o sendo também inteiramente confiável.

10 Aristarco, prisioneiro comigo, os saúda; também o faz Marcos, primo de Bamabé - a respeito de quem vocês re­ceberam instruções; se ele for a vocês, recebam-no; 11 e Jesus, que é chamado Justo. Dentre os da circuncisão, esses são os únicos colaboradores do reino de Deus que têm sido conforto para mim. 12 Epa- fras, que é um de vocês, servo de Cristo Jesus, os saúda, sempre lutando por vo­cês em suas orações, a fim de que este­jam firmes, maduros e plenamente con­victos em toda a vontade de Deus. 13 Pois a seu respeito posso testificar que muito tem se preocupado por vocês e por aque­les de Laodicéia e de Hierápolis. 14 Lu­cas, o médico amado, os saúda, e tam­bém o faz Demas. 15 Estendam sauda­ções aos irmãos de Laodicéia, e Ninfas e à igreja em sua casa.

23 Epafras, prisioneiro comigo em Cristo Jesus, os saúda, 24 (bem como) Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus colaboradores.

Colossenses 4.10-15 Filemom 23.24IV. Saudações

Essa seção de Colossenses pode ser dividida em duas partes: a. ver­sos 10-14, nos quais três dos companheiros de Paulo, de origem judaica - Aristarco, Marcos e Jesus Justo - e também três de origem gentia - Epafras, Lucas e Demas - enviam saudações aos Colossenses; e b. ver­so 15, no qual o apóstolo pede aos colossenses que estendam suas sau­dações aos “irmãos de Laodicéia, a Ninfas e à igreja em sua casa”.

Um exame das colunas análogas revela o seguinte:(1) Devido principalmente ao fato de que na passagem de Colossen­

ses Paulo se detém mais sobre Marcos, nos “da circuncisão” e Epafras, essa passagem é bem mais extensa do que a lista correspondente de saudações de Filemom.

(2) Em Colossenses, seis homens enviam saudações. Em Filemom, apenas cinco. Jesus Justo não é mencionado na carta menor. Não sabe­mos por que seu nome é omitido. A ordem dos nomes também é diferen­te. A lista em Colossenses menciona Aristarco, Marcos, Jesus Justo, Epafras, Lucas e Demas, nessa ordem. Em Filemom a ordem é: Epa­fras, Marcos, Aristarco, Demas e Lucas.

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460 COLOSSENSES 4.10a

Tomando os nomes um a um na ordem em que são mencionados em Colossenses, iniciemos com:

Aristarco10a. Aristarco, prisioneiro comigo, os saúda. A cidade natal deste

homem, ou pelo menos o lugar ao qual estava primariamente associado, era Tessalônica. Em Efeso, durante o extenso ministério de Paulo ali (terceira viagem missionária, indo para outras regiões), ele estava com o apóstolo e, reconhecido pelos amotinadores efésios como um dos com­panheiros de viagem de Paulo, foi, juntamente com outro homem da Macedônia (Gaio), impulsivamente agarrado pela turba (At 19.29). Mais tarde encontramo-lo novamente na companhia de Paulo no retomo da mesma viagem. Aliás, Tíquico, da “Ásia” (veja acima a respeito no v.7), e Aristarco e Segundo, de Tessalônica, são mencionados como com­panheiros de viagem de Paulo no mesmo versículo (At 20.4). Essa foi a viagem na qual delegados de várias igrejas de origem predominante­mente gentílica levavam ajuda aos necessitados em Jemsalém. Encon­tramos Aristarco uma vez mais bem no início do relato da Perigosa Viagem de Paulo (At 27.2). Ele começou a viagem com Paulo e, prova­velmente, acompanhou o apóstolo durante todo o trajeto até Roma. (Não existe qualquer evidência para a idéia de Lightfoot de que Aristarco tenha desembarcado em Mira.). De Roma, ele está agora enviando sau­dações tanto para os colossenses quanto para Filemom.

Ora, uma olhadela nas colunas da página anterior indicará uma pe­culiaridade um tanto surpreendente que necessita de atenção. Em Co­lossenses, Aristarco é chamado de “prisioneiro comigo”, mas em File­mom não é acrescentada tal designação qualificativa. Juntamente com outros, ele é descrito como “meu conservo” (veja o comentário em Fm 1). Ao contrário, em Filemom é Epafras que é descrito como “prisionei­ro comigo em Cristo Jesus”, mas em Colossenses, apesar de muito ser dito a respeito de Epafras, essa designação específica não é empregada em relação a ele. A partir dessa circunstância e do fato de que Aristarco não estava “na prisão” quando Paulo, como um prisioneiro dentre ou­tros prisioneiros, iniciou sua viagem a Roma, e que Epafras também, algum tempo mais tarde, foi enviado a Roma como homem livre, a infe­rência foi provavelmente fundamentada no fato de que quando Aristar­co, aqui em Colossenses 4.10, e Epafras, em Filemom 23, são chama­dos de prisioneiro comigo, isso deve ser tomado num sentido estrita­mente literal. Esses homens podem muito bem ter-se voluntariado para compartilhar das cadeias de Paulo, assistindo-o de toda maneira possí-

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COLOSSENSES 4.10b 461

vel. Devem ter-se sentido felizes por fazer isso, já que eles, como Paulo, eram cativos do séquito de Cristo (2Co 2.14; cf. 10.5).168

Marcos10b. Também o faz Marcos, primo de Barnabé.Marcos, aquele a quem reconhecemos como o autor do segundo

Evangelho, era também colaborador de Paulo em Roma nessa época, e, como tal, envia saudações aos colossenses e a Filemom. Ficamos sa­bendo agora que ele era primo de Barnabé. Essa pode ser a razão pela qual, uns doze anos antes, esse último o havia tratado com tão extraor­dinária bondade. Isso aconteceu logo depois que Marcos, na primeira viagem missionária de Paulo, havia deixado seus companheiros mais velhos e voltado para casa. Devido a esse ato de deslealdade e covardia, Paulo havia-se recusado a aceitar a sugestão de Barnabé para que Mar­cos tivesse outra chance e fosse levado na segunda viagem missionária (At 15.36-41). Houve uma “discussão acirrada” entre Paulo e Barnabé a respeito desse assunto. Mas agora parece que Marcos se redimiu. O apóstolo não o considera mais como prejudicial, mas o recomenda de modo caloroso e até mesmo o inclui entre aqueles que lhe têm servido de conforto (veja v .ll). E mais, essa atitude favorável perseverou, pois, mesmo na sua última carta que chegou até nós, Paulo diz: “Marcos... me é muito útil [ao] ministério” (2Tm 4.11).

Que fatores ou instrumentos o Espírito Santo usou para realizar essa mudança favorável na vida de João Marcos?

Com toda probabilidade, foi um ou mais dos seguintes:a. “A bondosa tutela de Barnabé, o verdadeiro ‘filho da consola­

ção.’” Não foi inteiramente devido a isso, mas o foi “sem dúvida em grande parte” (F. F. Bruce, obra citada, pág. 305).

b. A firme disciplina de Paulo, demonstrada na recusa de levar Marcos consigo na segunda viagem missionária. Talvez Marcos preci­sasse exatamente daquela aparente dureza.

168. O significado da raiz de aixuáXcoxoç é a q u e le p e g o c o m a e s p a d a ; logo, um p r i s i o n e i r o d e g u e r r a , e assim simplesmente um c a t iv o ou p r e s o (veja CNT 2Tm 3.6). Portanto, não é incorreto traduzir avvaixiad&coxoç por p r i s i o n e i r o c o m ig o . Já que o próprio apóstolo era um prisioneiro no sentido literal do termo, é difícil acreditar que ao falar de “prisioneiro comigo” ele estivesse empre­gando essa expressão num sentido ex clu s iv a m en te espiritual, apesar de ter que se admitir que não somente em 2 Coríntios 2.14, mas também em outros trechos, o apóstolo utiliza terminologia militar em relação ao serviço prestado à causa de Cristo (Fp 2.25; Fm 2; e 2Tm 2.3). O emprego de Paulo da palavra c a t iv o ou p r is io n e ir o , mesmo quando usada no sentido literal, traz freqüentemente uma implicação espiritual. Assim, quando se refere a si mesmo como “prisioneiro”, ele acrescenta “de Cristo Jesus” . Portanto, podemos muito bem presumir que aqui também a expressão “cativo comi­go” ou “prisioneiro comigo” carregue esse tom espiritual.

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462 COLOSSENSES 4.11

c. A influência de Pedro que chama Marcos de “meu filho” (IPe5.13). Uma tradição primitiva consistente une esses dois homens. Pedro sabia, de experiência própria, haver esperança para aqueles que ha­viam caído no pecado da deslealdade e covardia.

O Espírito Santo pode muito bem ter utilizado todos os três fatores, e também outros, para realizar essa maravilhosa obra na mente e na consciência do “homem que voltou”.

Paulo prossegue: a respeito de quem vocês receberam instruções; se ele for a vocês, recebam-no.Quais eram essas instruções e quem as deu nós não sabemos. Pode

ter sido o próprio Paulo; e se for o caso, ele sublinha aqui o que havia recomendado previamente em relação a Marcos; Bamabé, Pedro, ou alguma outra pessoa investida de certo grau de autoridade, e, no caso, o apóstolo endossa aqui as diretrizes anteriormente fornecidas. A primei­ra alternativa parece a mais provável. De qualquer modo, está claro que Marcos, estando agora em algum lugar próximo a Paulo, estava para fazer uma viagem à Ásia Menor, e seu itinerário incluiria Colossos. O apóstolo recomenda uma entusiástica “recepção” para ele.

Não há nenhuma razão para se duvidar de que Marcos tenha feito essa viagem, apesar de não existir nenhum relato específico a respeito dela. Existem, no entanto, duas linhas de evidência que ligam Marcos às igrejas da região da Ásia Menor nos tempos apostólicos:

a. Sabemos que Pedro estava estreitamente relacionado às igrejas dessa região, pois endereçou-lhes sua primeira epístola (IPe 1.1,2). E também a segunda? (Cf. 2Pe 3.1.) E na carta de Pedro as saudações de Marcos são enviadas a essas igrejas (IPe 5.13).

b. Sabemos também que, durante o segundo aprisionamento roma­no de Paulo, Marcos se encontrava num lugar onde poderia facilmente ser apanhado por Timóteo, que naquele tempo estava, com toda proba­bilidade, continuando seu trabalho em Éfeso, província da “Ásia” (veja CNT 1 e 2 Timóteo e Tito, Introdução e 2 Timóteo 11b,12,13.

Jesus Justo11.... e Jesus, que é chamado Justo: Dentre os da circuncisão, esses são os únicos colaboradores do reino de Deus que têm sido conforto para mim.169

169. Embora nem todos concordem com a pontuação apropriada e a construção gramatical do verso 11b, está claro que a palavra circuncisão não conclui uma sentença. O sentido não é: “Aristar­co, Marcos e Jesus Justo, que são da circuncisão; esses são os únicos colaboradores para o reino de

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COLOSSENSES 4.11 463

O nome deste judeu, que havia se tomado cristão, é uma combina­ção do equivalente grego (Jesus) de Josué, ou Jesua, e o sobrenome latim (Justus) que, significando “o justo” ou “o reto”, e pode muito bem ter sido considerado por aqueles de origem judia como reapresentando o hebreu Zadoque (lRs 1.32); cf. também Zedequias (Jr 1.3; “Jeová é justo” ou “a justiça é de Jeová”). O mesmo cognome é também encon­trado em Atos 1.23, “José chamado Barsabás, cognominado Justo”, um cristão judeu, e em Atos 18.7, “Tício Justo”, um romano ou latino que havia sido atraído para a sinagoga. O nome Justo era bem comum entre os judeus e os não judeus, e podia ser usado tanto sozinho quanto como sobrenome.

Não temos, a respeito deste homem (que não foi mencionado em Filemom), nenhuma outra informação autêntica além daquela dada aqui em Colossenses 4.11. Entretanto, é muito favorável o pouco que é dito sobre ele quando se junta aos demais enviando saudações aos crentes da igreja de Colossos. Mas ficamos sabendo que, dos judeus cristãos, as três pessoas ora mencionadas - a saber, Aristarco, Marcos e Jesus Jus­to170 - , eram os únicos colaboradores que foram um conforto para Pau­lo (esse tom do significado da palavra TKxprfyopía predomina aqui). Em relação ao termo “colaboradores”, veja o comentário em Filemom 1. Note o surpreendente modificativo após a palavra colaboradores: “co­laboradores do reino de Deus”. Quis o apóstolo assim qualificar o ter­mo a fim de transmitir a idéia: “Especialmente entre os judeus, com sua grande ênfase no reino, eu deveria ter recebido mais cooperação”?. Além do mais, não havia ele pregado “o reino de Deus” entre essa mesma gente desde o momento de sua chegada a Roma?, (veja At 28.31). Na­quela passagem, e também aqui em Colossenses 4.11, o termo “reino de Deus” obviamente faz referência à esfera divina como uma realidade presente. Indica a dispensação da salvação que na sua presente faseDeus”, etc. Seguramente, Paulo não teria negado que homens tais como Epafras, Lucas e outros eram também colaboradores e haviam sido também fonte de consolação para ele. A idéia é que dentre os de origem judaica esses três homens eram os únicos colaboradores que haviam servido de conforto para ele.

170. A combinação “Aristarco... e Marcos... e Jesus que é chamado Justo” (vv. 10,11) parece tomar bem evidente que todos os três eram cristãos judeus. Apesar de serem acrescentados alguns modifi- cativos, esses três nomes são, contudo, mencionados de um só fôlego, sendo ligados por “... e...”. Portanto não posso concordar com A.S. Peake que, ao comentar essa passagem no Expositor is Greek Testament (vol. III, pág. 546), declara: “Aristarco, provavelmente, não está incluído, pois foi como um dos integrantes da delegação enviada pelos cristãos gentios levando a coleta para a igreja de Jerusalém”. Nem tampouco posso concordar com Lenski que defende essa mesma idéia até com mais vigor: “Ele era tessalonicense e não judeu”. Atos 17.1 -4 dá a entender que dentre os convertidos de Tessalônica se encontravam também alguns judeus.

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464 COLOSSENSES 4.12,13

iniciou com a Vinda de Cristo. Deus está usando Paulo e outros como seus agentes no estabelecimento deste reino de Deus no coração dos homens (vejatambém comentário em Cl 1.13).

Deve-se ter em mente que a declaração do apóstolo, em referência a esses três homens, como os únicos colaboradores cristãos judeus que se tomaram um grande conforto para ele, implica grande decepção às ou­tras pessoas de sua própria raça. Paulo estava tristemente consciente deste distanciamento de sua própria gente (Rm 9.1-5). E não era insen­sível ao fato de que os judaizantes (judeus que confessavam a Cristo, mas dão muito destaque à lei) olhavam para ele com suspeita (At 15.1,2,24; 21.20,21; G12.12; Fp 3.23). Não pode ser incorreto conside­rar Filipenses 1.14-17; 2.20,21; 2 Timóteo 4.16 como luz sobre os senti­mentos do apóstolo acerca deste assunto. Assim, ele aprecia muito mais a cooperação que está recebendo de Aristarco, Marcos e Jesus Justo.

Epafras12,13. Às saudações dos três cristãos judeus, Paulo acrescenta ago­

ra as dos três de origem gentílica, a saber, Epafras, Lucas e Demas. Os versos 12 e 13 dizem respeito a Epafras, o evangelista de Colossos, Laodicéia e Hierápolis. A interpretação desses versículos já foi dada até certo ponto. Com relação a esse irmão e à grande estima do apóstolo por ele, veja Introdução IIIA 1 (veja também Cl 1.7). Na sua qualidade de “prisioneiro comigo” (Fm 23), já discutimos Epafras juntamente com Aristarco (veja acima a respeito no v. 10a). Sobre as três cidades às quais é feita referência no verso 13, veja Introdução II e III. Paulo escreve: Epafras, que é um de vocês, servo de Cristo Jesus, os saúda. No sentido espiritual, Paulo emprega a palavra doulos (servo) apenas com referência a si mesmo (Rm 1.1; G11.10; Fp 1.1; Tt 1.1), Timóteo (Fp 1.1) e Epafras (aqui em Cl 4.12). O servo de Cristo Jesus é aquele que foi comprado por um preço e, portanto, pertence ao seu Senhor, de quem depende completamente, a quem deve lealdade indivisível e a quem ministra com alegria no coração, em novidade de espírito e no gozo da perfeita liberdade (Rm 6.18,22; 7.6), recebendo dele uma gloriosa re­compensa (Cl 3.24). Todo cristão verdadeiro é, em certo sentido, servo como tal (veja CNT em Fp 1.1, para saber mais acerca deste conceito). É para a igreja em Colossos e para Filemom que Epafras está enviando suas “lembranças”.

Paulo prossegue: sempre lutando por vocês em suas orações. Acer­ca de “lutando” e “esforçando” em oração, veja ainda Romanos 15.20 e cf. o que o apóstolo diz a respeito de si mesmo em Colossenses 2.1.

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COLOSSENSES 4.14a 465

Epafras estava profundamente disposto, pois constantemente invocava o favor de Deus sobre os colossenses e implorava ao Senhor que os ajudasse a fim de que não se desviassem, mas permanecessem firmes na fé verdadeira. Assim, a fim de que estejam firmes, maduros. (Acerca do significado da palavra “maduro” veja acima em 1.28; ainda CNT em Fp 3.15, especialmente nota de rodapé 156.)

Quando Paulo define ainda mais o objetivo ou resultado almejado das orações de Epafras, ajuntando: e plenamente convictos em toda a vontade de Deus, ele deve estar empregando o particípio perfeito “ple­namente convictos” no sentido do substantivo cognato em Colossenses 2.2 (veja aquela passagem). O que se quer dizer é discernimento pleno, rico e gratificante em todos os assuntos espirituais; entendimento que penetra não apenas a mente, mas enche também o coração de plena certeza. Epafras não quer que essas igrejas, queridas do seu coração, sejam enganadas pelo erro. Devem permanecer fieis a sua confissão de fé no Todo-suficiente Salvador Jesus Cristo. É por essa razão que luta por elas em oração.

E é precisamente a luta em oração talvez a melhor explicação para as palavras: Pois a seu respeito posso testificar que muito tem-se preocupado por vocês e por aqueles de Laodicéia e de Hierápolis. A heresia colossense havia, sem dúvida, afetado todas as três igrejas fun­dadas por Epafras. Assim, devido ao perigo que a todas ameaçava é que ele se dirigia ao trono da graça em intercessão séria e perseverante.171

Lucas14a. Lucas, o médico amado, os saúda.A partir da comparação com o verso 11, descobrimos que Lucas era

um crente gentílico. Apresente passagem mostra que ele estava agora em Roma, que era médico e uma pessoa de personalidade amável, ama­do pelo seu Senhor, pelos crentes em geral e por Paulo especialmente. Ele se tornaria o autor do terceiro Evangelho. Note que ele e Marcos, que escreveu o segundo Evangelho, estavam juntos em Roma. Não é de modo algum uma surpresa, ao contrário, é gratificante que, a despeito

171. Essa explanação se harmoniza com o contexto. Outra interpretação, sugerida por E.F. Scott, The E pistles o fP a u l to th e C o lo ss ia n s, to P h ilem on a n d to th e E ph esian s, pág. 90, ligaria a “luta” na qual Epafras se colocava com o terremoto que sacudiu o vale do Lico cerca do ano 60 d.C. Veja acima, I n tro d u çã o IIB . De acordo com essa teoria, Paulo está transmitindo a idéia de que Epafras esteve trabalhando arduamente a fim de conseguir ajuda financeira para a população atingida. Entre­tanto, não existe nenhum testemunho preciso e consistente em referência ao terremoto ou à data exata, nem à gravidade deste terremoto. Além do mais, se o apóstolo quisesse dizer isso, deveríamos esperar uma referência mais clara ao fato.

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466 COLOSSENSES 4.14b,15

de extensivos argumentos em contrário, a linha absolutamente conser­vadora está, cada vez mais, chegando à conclusão de que, ao compor seu próprio Evangelho, Lucas tenha se servido do Evangelho de Marcos como uma de suas fontes.172

Lucas era uma pessoa admirável, sempre leal a Paulo, ao evangelho e ao seu Senhor. Fora, com freqüência, companheiro de Paulo em suas viagens, como indicam as seções “chave” em Atos (16.10-17; 20.6-16; 21; 27; 28). Ele estivera com Paulo na segunda viagem missionária, a saber, em Trôade e em Filipos. Foi evidentemente deixado para trás na última cidade (At 16.17-19). Mais para o final da terceira viagem, pare­ce ter-se juntado novamente a Paulo em Filipos (At 20.6), e o acompa­nhou a Jerusalém. Por algum tempo não o vemos. Mas de repente ele reaparece, pois está em companhia de Paulo na longa e perigosa viagem marítima para Roma (At 27). E é de Roma, durante o primeiro aprisio­namento romano de Paulo, que ele está enviando suas saudações aos colossenses e também a Filemom. Mais tarde, vivendo seu segundo e último aprisionamento romano, o apóstolo escreveria essas comoventes palavras: “Lucas é o único que está comigo” (2Tm 4.11 a). A essas seguiriam: “Toma a Marcos e traze-o contigo...”.

Lucas e Paulo tinham muito em comum. Ambos eram homens de muito estudo, homens de cultura. Ambos possuíam um grande coração, mente aberta e coração compassivo. Ambos eram crentes e missionários.

Demas14b... e também o faz Demas.Sim, Demas também é um colaborador (Fm 24), um dos assistentes

de Paulo no ministério, que deseja enviar saudações à igreja em Colos­sos e a Filemom. Paulo não sabe ainda que um dia esse homem será uma grande decepção para ele, e em referência a esse colaborador no ministério do evangelho, ele escreverá, durante sua segunda prisão ro­mana, estas palavras de queixa: “Demas me abandonou porque se apai­xonou pelo presente século, e se foi para Tessalônica” (2Tm 4.10). E com essa trágica declaração, Demas desaparece da história sagrada.

15. Havendo concluído a seção, na qual seis homens - três judeus e três gentios - enviam suas saudações aos colossenses, o apóstolo pede agora que cumprimentos sejam remetidos aos crentes vizinhos. Seu pe­

172. Cf. Zahn, E in leitung, II, págs. 404 segs. (Tradução em inglês, III, págs. 101 segs.); H.I. Cadbury, The S tyle a n d L itera cy M eth od o fL u k e, págs. 73 segs.; eN.B. Stonehouse, O rig in s o f th e S yn op t ic G osp e ls, pág. 49.

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COLOSSENSES 4.16 467

dido é: Estendam saudações aos irmãos de Laodicéia, e Ninfas e à igreja em sua casa.173Note que Hierápolis (veja v. 13, acima) não é mais mencionada. Sim­

plesmente não sabemos qual pode ter sido a razão para isso. O apóstolo quer que os destinatários estendam suas saudações aos irmãos da vizi­nha Laodicéia. Acerca da geografia das três cidades - Colossos, Laodi­céia e Hierápolis - em sua relação uma com a outra e com Éfeso, e acerca de sua história, veja Introdução IIA (inclusive os mapas 1,2,3) e II B. Em Laodicéia, Paulo destaca como receptoras de saudações, Ninfas e a igreja em sua casa.174 Ele conhecia pessoalmente a Ninfas? Talvez um grupo de laodicenses que moravam perto, mas separados dos outros por uma distância inconveniente, se reunia em sua casa para prestar culto. Assim saudações especiais são extensivas a eles e a sua hospedeira. A respeito da idéia de casa-igreja, veja Filemom 2.

16 E quando essa carta tiver sido lida entre vocês, cuidem para que seja lida também na igreja dos laodicences, e que vocês leiam também a de Laodicéia.

4.16V. Pedido de troca de cartas

16. E quando essa carta tiver sido lida entre vocês. A carta, após ter sido entregue por Tíquico às autoridades eclesiásticas competentes de Colossos, seria lida à congregação reunida para o culto. Quando isso acontecesse, Paulo diz: cuidem para que seja lida na igreja dos laodi­censes. Os crentes da vizinha Laodicéia além de se interessarem pela carta vinda do amado apóstolo Paulo, também serão beneficiados por ela. Portanto, a carta deve ser lida entre eles. Até aqui, nenhum proble­

173. Ou, “a Ninfas e a igreja em sua casa (dele)”. Os manuscritos não só variam entre Ninfas (feminino) e Ninfos (masculino), mas também entre “em sua casa (dela)” e “em swaçasa (dele)”.

Alguns trazem até “em sua casa (deles)”. Nesse último caso, é provável que um escriba tenha erroneamente, incluído uma referência aos “irmãos” chegando assim à frase “em sua casa (deles)”. Quanto a ela ou ele, a confirmação textual para a primeira é qualitativamente mais forte. Além disso, não é difícil compreender que um escriba, não julgando conveniente falar da igreja na casa dela substituiria por dele. Portanto, de qualquer forma, a tradução “Ninfas e a igreja em sua casa (dela)” merece a preferência. Em relação aos nomes Ninfa e Ninfas, veja CNT em Filipenses 2.25, nota de rodapé 116, sobre o significado do nome Epafrodito.

174. F. W. Beare, em seu comentário acerca desta passagem (na The interpreter ’s Bible, vol. II pág. 293), opina que era a igreja de Hierápolis que se reunia na casa de Ninfas. Mas, após a analogia de Romanos 16.23, escrita de Corinto (vejaRm 16.1,23; cf. ICo 1.14), e 1 Coríntios 16.19 escrita de Éfeso (ICo 16.8), parece mais natural que quando uma casa-igreja e o dono dacasa são menciona­dos em estreita relação a uma cidade (claramente inferido ou mesmo citado pelo nome), essa igreja pertence àquela comunidade particular e não a algum outro lugar no mapa.

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468 COLOSSENSES 4.16

ma. Mas Paulo agora prossegue: e que vocês leiam também a de Lao-dicéia. Em geral, vasta literatura tem sido produzida em tomo destas poucas palavras. Incontáveis conjecturas têm sido feitas a respeito des­ta “carta de Laodicéia”.175

As principais são as seguintes. Paulo se referia a:(1) Uma carta escrita pelos laodicenses.Segundo a maioria dos que concordam com esse ponto de vista, ela

foi endereçada ao próprio apóstolo.Essa teoria foi fortemente defendida, entre outros, por Theodoro de

Mopsuestia (428-350 d.C.). representante clássico da escola de Antio- quia. A defesa de João Calvino não foi menos vigorosa. Disse ele: “Os que pensam que isso foi escrito por Paulo aos laodicenses estão acome­tidos de anomalia mental dupla. Não tenho nenhuma dúvida de que foi a epístola enviada a Paulo, cuja leitura cuidadosa poderia beneficiar os colossenses, já que cidades vizinhas têm, geralmente, muitas coisas em comum. Entretanto, (...) alguma pessoa sem valor, não sei quem, teve a audácia de forjar uma epístola tão insípida que é impossível conceber- se algo mais estranho ao espírito de Paulo”.176

Sem dúvida, Calvino estava influenciado pelo anseio de rejeitar a espúria Epístola aos Laodicenses; talvez ainda pela hesitação em acei­tar uma epístola paulina “perdida”.

Entre as muitas objeções à teoria (1) estão as seguintes:a. Se Paulo estivesse de posse dessa carta, por que pediria aos co­

lossenses para consegui-la dos laodicenses?b. Como sabia que os laodicenses haviam feito uma cópia da carta

antes de enviá-la a Paulo? Mas se tivessem feito tal cópia, como o após­tolo sabia que estariam dispostos a cedê-la aos colossenses, permitindo- lhes lê-la à igreja reunida para o culto?

c. Por que colocaria essas duas em pé de igualdade: uma carta sob a inspiração do Espírito Santo, escrita por ele mesmo aos colossenses, e uma comunicação não inspirada supostamente enviada a ele pelos lao- dicences?

(2) Uma carta escrita por Paulo de Laodicéia; talvez Gálatas ou 1 Timóteo ou 1 Tessalonicenses ou 2 Tessalonicenses.

175. Veja o sumário de teorias de J.B. Lightfoot, o b ra c i ta d a , pág. 274, e sua extensiva discussão.176. A declaração original é encontrada no C om m entariu s In E pistolam P au li Ad C o lo s s en s e s (C or­

p u s R eform atorum , vol. LXXX), Brunsvigae, 1895 - a nota explicativa de Colossenses 4.16 na D utch S taten B i jb e l holandesa (tenho uma cópia impressa em 1643) defende o mesmo ponto de vista.

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COLOSSENSES 4.16 469

Objeções:a. Apesar de Paulo poder muito bem ter passado por Laodicéia (veja

Introdução III A), a saber, no seu trajeto para Éfeso, (terceira viagem missionária), o propósito daquela viagem era confirmar igrejas já esta­belecidas na rota da viagem, e chegar a Éfeso a fim de passar algum tempo ali como prometera. Nessa viagem deve ter havido pouco ou nenhum tempo para escrever cartas.

b. Com toda probabilidade, nenhuma das cartas referidas foi escrita de Laodicéia. Gálatas, 1 e 2 Tessalonicenses parecem ter sido escritas de Corinto (CNT 1 e 2Ts, Introdução, IV. Data e lugar). E 1 Timóteo originou-se provavelmente da Macedônia (Filipos? Veja CNT 1 e 2Tm e Tt, Introdução, IV. Qual é seu antecedente histórico e seu propósito.).

(3) Uma carta escrita por Paulo a Filemom.Já que, segundo essa teoria, Filemom morava em Laodicéia, essa

carta, quando chegou a Colossos via Laodicéia, poderia ser chamada de “a carta de Laodicéia”.

Objeção:Essa teoria foi discutida um tanto detalhadamente (veja Introdução

IV B; e vej a comentário em Fm 1,2). Com toda probabilidade, Filemom não morava em Laodicéia, e, sim, em Colossos. Desse modo, não existe apoio consistente para esse ponto de vista.

(4) A carta aos Laodicenses que hoje é conhecida como “a epísto­la apócrifa aos Laodicenses 177

Objeções:a. Essa carta não é nada além de “um grupo de frases paulinas

enfileiradas sem nenhuma conexão definida ou qualquer objetivo claro” (Lightfoot).

177. É um curto escrito apócrifo que ocorre em vários manuscritos da Vulgata. Segue geralmente Colossenses. Mas é anterior à Vulgata e pode ser encontrado em velhos manuscritos em latim antes de Jerônimo. E mesmo na parte da igreja de fala grega entre os séculos 4o e 8®, com freqüência, é feita referência à “epístola de Paulo aos Laodicenses”. Conclui-se que existia tanto em grego como em latim; e se fosse em grego, não deve ter surgido depois da primeira metade do século 3« d.C. Sua autenticidade foi defendida por Gregório, o Grande (século 6»), Aelfric de Cerne (século IO), João de Salisburgo (século 12), e muitos outros. E encontrada em várias edições antigas de Bíblias em inglês, alemão, holandês, e outras. “Por mais de nove séculos essa epístola foijada vagou pelas portas do cânon sagrado, sem nunca ter sido admitida ou peremptoriamente excluída. Com o tempo, o reavivamento do saber aplicou seu golpe de morte a essa e a tantas outras pretensões espúrias” (Lightfoot, obra citada, pág. 299). Arespeito do texto latino desta forja, veja Lightfoot obra citada, págs. 287-289, sobre a reconstrução de Lightfoot do texto em grego, obra citada, págs. 293,294; e duas formas da carta em inglês antigo, obra citada, págs. 298,299.

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470 COLOSSENSES 4.16

b. Jerônimo já declarou que “é rejeitada por todos”. O Concílio de Nicéia (787 d.C.) advertiu contra ela.

c. Obviamente foi fabricada para satisfazer a curiosidade em rela­ção a Colossenses 4.16b.

d. Desde que uma parte desproporcionalmente longa dessa pequeni­na carta foi tirada da Epístola de Paulo aos Filipenses, é evidente que ela nem cabe à situação do vale do Lico.

(5) A canônica epístola de Paulo aos Efésios.Essa teoria tem angariado muitos adeptos. E geralmente ligada ao

ponto de vista da “carta circular” aos Efésios, apesar da última teoria não depender realmente desta. Segundo essa interpretação de Colossen­ses 4.16b, logo que “Efésios”, no seu circuito de igrejas, fosse lida à igreja de Laodicéia, deveria, de acordo com o desejo de Paulo, ser en­viada a Colossos em troca de “Colossenses”.

Avaliação:Faltam provas conclusivas para a validade dessa teoria. Não são

fornecidas nem aqui em Colossenses, nem em Efésios 1.1. (A discussão desta última passagem seria apropriada num Comentário de Efésios.) Por outro lado, apesar de ser meramente uma teoria, não está exposta às objeções que contam contra as quatro precedentes. Prossegue sobre a válida suposição de que ambas as cartas, às quais refere Colossenses 4.16b, foram escritas pelo apóstolo Paulo e para as igrejas. Então, de acordo com essa teoria, havendo “Efésios” alcançado os colossenses vindo de Laodicéia, então se tomará na verdade uma carta “dos laodi- censes”.

(6) Uma genuína carta de Paulo destinada aos Laodicenses, mas que está agora perdida.

Como anteriormente (veja acima, item 5), quando essa carta alcan­çar os colossenses será uma carta “dos laodicenses”.

Avaliação:Aqui também falta prova, e a teoria está igualmente livre das obje­

ções mencionadas como válidas contra as quatro primeiras.Não deve ser considerado como objeção válida o fato de que essa

teoria provém da suposição de que uma carta escrita por Paulo pode ter sido “perdida”, no sentido de que não foi passada à posteridade. Nem todas as cartas de Paulo foram preservadas (veja ICo 5.9). Os que apóiam essa teoria são da opinião de que a razão pela qual, na providên­cia de Deus, a carta de Paulo aos laodicenses não foi preservada, pode

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COLOSSENSES 4.17 471

muito bem ter sido que à porção distinta da epístola - aquela na qual diferia da dos colossenses - apesar de certamente ter real valor para a membresia no vale do Lico (pelo menos para a de Laodicéia e Colos­sos), faltava significado duradouro e universal.

Deve-se ter em mente que Tíquico tinha que passar por Laodicéia para chegar a Colossos. Com toda probabilidade, ele viajou pela estra­da que o próprio Paulo havia utilizado, mas agora Tíquico viajava na direção oposta (do Oeste para o Leste). Veja Introdução II A, mapa 4. Não teria sido estranho se, havendo entregue “Efésios” aos anciãos de Éfeso, e estando a caminho para entregar “Colossenses” às autoridades de Colossos, ele não tivesse nenhuma carta de Paulo à igreja de Laodi­céia por cuja cidade estaria passando? Ambas as teorias preenchem essa necessidade. Segundo (5) Tíquico, poderia ter dito aos laodicenses: “A carta de Paulo que deixei em Efeso lhes será enviada em breve. Após lê- la, enviem-na aos colossenses, que em troca lhes enviarão a que lhes entregaremos”. Segundo (6) Tíquico, bem recebido pelos laodicenses, lhes entregaria a carta de Paulo destinada especificamente a eles. Essa mesma provavelmente continha o pedido de que ela (ou uma cópia) fosse enviada aos colossenses em troca daquela dirigida a eles.

Contra (6), insiste-se, às vezes, que Paulo dificilmente teria pedido aos colossenses para estender suas saudações aos irmãos de Laodicéia, a Ninfas e à igreja em sua casa (Cl 4.15), se ao mesmo tempo, ele tivesse uma carta destinada especificamente aos laodicenses. Outros, entretanto, respondem que para um coração tão cheio de amor e amiza­de, tal coisa não pode ser considerada impossível nem pouco natural. Além disso, têm havido objeções também contra (5), particularmente contra a teoria da carta circular.

Às vezes, no curso da exegese, é impossível dar uma resposta preci­sa, e deve-se deixar a escolha entre duas alternativas, o que, neste caso, são as teorias (5) e (6).

17 E digam a Arquipo: atenda ao ministério que você recebeu do Senhor, para cumpri-lo.

4.17VI. Vigorosa diretiva e Arquipo

17. E digam a Arquipo. Arquipo era um membro da família de Filemom, que vivia em Colossenses, e em cuja casa a igreja costumava reunir-se para o culto. Em Filemom 2, o apóstolo coloca sobre ele o

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472 COLOSSENSES 4.17

sinal de honra chamando-o de “nosso companheiro de luta”. Veja neste livro o comentário em Filemom 1,2. Como provavelmente ele era o filho de Filemom e Afia, não podia ser muito velho. Podemos talvez compa­rá-lo a Timóteo, a quem Paulo, após sua soltura da presente prisão romana, escreveria: “Que ninguém despreze a tua mocidade” (lTm 4.12). Essas palavras foram dirigidas a Timóteo quando ele tinha talvez entre 34 e 39 anos de idade (veja CNT lTm 4.12).

Ora, Paulo tem uma mensagem especial para esse companheiro de luta - Arquipo. Ele a expressa em linguagem que, devido aos seu cará­ter sucinto e imperativo, deve ter soado um tanto direta e inequívoca. Paulo diz à igreja de Colossos que dissesse a Arquipo: atenda ao minis­tério que você recebeu do Senhor, para cumpri-lo. Nada mais é dito a respeito da natureza deste “mistério”. Nem nos é dito por que Arquipo precisava ser admoestado. Alguns pensam que a razão foi porque lhe faltava diligência ou energia, que ele estava um tanto moroso, sempre adiando para um futuro indefinido (“para amanhã”) as incumbências que necessitavam de atenção imediata. A objeção a essa idéia é que, nesse caso, Paulo dificilmente o teria chamado de “nosso companheiro de luta”. Talvez um método mais seguro para se chegar a uma provável resposta à questão dupla - a. “Que mistério é esse?” e b. “Por que Paulo escolheu esse método para lembrar Arquipo sua responsabilidade”? - seria estudar o significado exato da expressão usada. Arquipo deve aten­der ao ministério. A palavra em itálico é o equivalente ao grego diako- nia. Ela possui vários significados nos escritos de Paulo.178 Entretanto, destaca-se o significado espiritual segundo o qual a palavra se refere ao ofício do ministério e ao serviço subentendido nesse ofício. No presente caso podemos talvez prosseguir até mais adiante e chegar a uma con­

178. Paulo a emprega 22 vezes. Nem sempre os comentaristas e tradutores estão de pleno acordo em relação a sua exata significação textual. Assim, em 1 Coríntios 12.5 é traduzida variadamente: s e r v i ç o , m in istra çã o , d isp en sa çã o , m in is té r io ; e variedade semelhante obtém-se acerca dos signifi­cados conferidos a ela em 2 Coríntios 3.7,8,9 (duas vezes). Relativamente correto, no entanto, é o sentido a s s i s t ê n c ia , cu id a d o (para com os pobres), c o n tr ib u içã o (para assistir os necessitados), em Romanos 15.31; 2 Coríntios 8.4; 9.1,12,13. Entretanto, s e r v i ç o de uma ou outra forma parece ser o significado em 1 Coríntios 16.15 e em 2 Coríntios 11.8. Em muitas passagens o o f í c i o e sp ir itu a l (por exemplo o de apóstolo ou evangelista) e/ou sua a d m in is t ra çã o (“ministro” ou “o ministro”) é claramente demonstrado ser o sentido à luz desse contexto no qual a palavra é usada. E então defini­do em termos tais como a d iak on ia “da reconciliação”, a d iak on ia “para a edificação do corpo de Cristo”, ou é usada como sinônimo de uma expressão como “o trabalho de um evangelista”. (Claros exemplos deste emprego - apesar de que em alguns casos até esses gerarem debates - são os seguin­tes: Rm 11.13; 12.7; 2Co4.1; 5.18; 6.3; EÍ4.12; lTm 1.12; 2 T m 4.5 ,ll). Parece que Colossenses 4.17 também pertence a esse grupo. Quanto à significação do v e r b o c o g n a t o , veja CNT 1 Timóteo 3.13 e Tito, especialmente nota de rodapé 67; e para o su b sta n t iv o c o g n a t o , veja 1 Timóteo 3.8-12, nota de rodapé 65 sobre referências do NT a diáconos).

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COLOSSENSES 4.18a 473

clusão razoável em relação ao sentido do termo em Colossenses 4.17. Esta passagem possui uma analogia bem estreita com 2 Timóteo 4.5, como se segue:

Cl 4.17b 2Tm 4.5 b“Atende ao ministério que tens re- “Faze o trabalho de evangelista, cebido do Senhor, para que o cum- cumprindo cabalmente o teu mi-pras.” nistério.”

Ora, no caso de Timóteo, o “ministério” era “o trabalho de evange­lista” ou pregador do evangelho (At 21.8; Ef 4.11). Timóteo, que estaria em Éfeso como enviado de Paulo quando este lhe escreveu essas pala­vras, deveria “proclamar a palavra, instar, quer seja em tempo ou fora de tempo”. Ele deveria “corrigir, repreender, admoestar com toda a lon­ganimidade e ensino” (2Tm 4.2).

Em Colossos, alguém deve ter sido igualmente encarregado do re­banho. Quando Colossenses estava sendo escrita e trazida ao seu desti­no, não poderia ter sido Epafras o ministro das igrejas do vale do Lico, pois ele estava justamente agora com Paulo em Roma, de onde envia saudações (4.12). Quem era? Diante da notável semelhança entre Co­lossenses 4.17 e 2 Timóteo 4.5b, não parece absurdo concluir que esse pastor interino não fosse outro senão Arquipo. E mais, já que ele, como Timóteo, era provavelmente jovem e um tanto tímido, imaginando o que a igreja lhe daria - homem tão inexperiente - sua plena colaboração nesse importante trabalho, o apóstolo, com bastante habilidade, ordena que a própria congregação o encoraje, dizendo-lhe: “Prossiga, estamos com você prometemos ajudá-lo de todas as maneiras. A tarefa que você tenta cumprir foi dada pelo Senhor e você a esta levando a cabo na força por ele concedida”. Logo, “atenda ao ministério que você recebeu do Senhor, para o cumprir”. Naturalmente, tudo isso não é mais do que uma razoável conjectura.

18 As saudações são de próprio punho: Paulo. Lembrem-se das minhas algemas. A graça [seja] com vocês.

4.18VII. Saudações pessoais, lembrete, bênção

18a. As saudações são de próprio punho: Paulo. Era costume de Paulo escrever umas poucas palavras de saudação com seu próprio punho (veja 2Ts 3.17; cf. ICo 16.21). Ele tinha um propósito duplo ao fazer isso:

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474 COLOSSENSES 4.18b,c

a. Marcar a carta autografada como genuína, um autêntico produto da mente e coração de Paulo (2Ts 3.17); e

b. Desencorajar a propagação de cartas espúrias (veja 2Ts 2.1,2).E claro também, a partir disso, que Paulo tinha o hábito de ditar

suas cartas (além das referências dadas acima, veja Rm 16.22; G16.11; e veja ainda comentário em Fm 19).

18b. Lembrem-se das minhas algemas. É sinal de grandeza de Paulo o fato de que não se julgou tão superior para pedir solidariedade e intercessão em favor de si, um prisioneiro (veja em 1.9; cf. 4.3).

18c. A graça [seja] com vocês. Nessa forma mais curta possível, a bênção é também encontrada em 1 Timóteo 6.21 (cf. 2Tm 4.22b). Mas, apesar de breve, é rica em significado, pois a graça é a bênção mais importante e mais básica de todas. E o favor de Deus, em Cristo, doado aos não merecedores, transformando o coração e vida deles e levando- os para a glória. O apóstolo, que na sua saudação introdutória havia falado de graça (seguida de paz), encerra agora a sua carta pronuncian­do outra vez com autoridade essa graça (note o artigo: portanto, real­mente “a graça”) sobre os crentes de Colossos.179

Pensamentos Germinais de Cohssenses 4-2- 18(1) “Perseverem na oração”. Às vezes a resposta não vem imediata­

mente porque não estamos ainda prontos para receber a bênção; e às vezes porque a bênção ainda não está pronta para nós. Além do mais, se todas as vezes que orássemos Deus concedesse imediatamente aquilo que pedimos, apreciaríamos nós suas bênçãos? (v.2a.)

(2) “... mantendo-se alertas com ações de graças.” Paulo estava preso quando escreveu isso. Quão verdadeiras são as linhas:

“Paredes de pedra não fazem uma prisão Nem barras de ferro uma jaula.”

LovelaceDe sua primeira prisão romana, Paulo escreveu quatro cartas que

chegaram até nós: Colossenses, Filemom, Efésios e Filipenses. Colos- senses transborda de “ações de graças” (1.3,12; 2.7; 3.15,16,17; 4.2); Efésios de “graça” (1.2,6,7; 2.5,7,8; 3.2,7,8; 4.7,29; 6.24) e “glória”

179. Alguns manuscritos juntam o “Amém”, mas esse acréscimo parece surgir do uso litúrgico ou pode ter sido acrescentado por um escriba que aconteceu lembrar-se de que essa era a palavra usada na conclusão de Gálatas e, segundo as melhores traduções, também de Romanos.

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COLOSSENSES 4.12-18 475

(1.6,12,14,17,18; 3.13,16,21); Filipenses, de “alegria” (1.4,18,25; 2.2,17,18,28,29; 3.1; 4.1,4,10); e as quatro, de “amor” (veja especial­mente Fm 1,5,7,9,16, e cf. 12), (v.2b).

(3) “... orando ao mesmo tempo por nós, para que Deus nos abra uma porta para a mensagem.” O prisioneiro ora não por uma porta para sair da prisão, mas uma para a entrada da mensagem (v.3).

(4) “...[orando] a fim de que eu tome claro [e possa falar] como devo fazê-lo.” Não somente é importante o que dizer, mas também como dizê-lo (v.4); (cf. Ef 4.15).

(5) “... aproveitando ao máximo as oportunidades” ou “...resgatan­do as oportunidades”. Para alguns, “tempo é dinheiro”. Para Paulo, é “oportunidade” para conduzir-se sabiamente para com os de fora (v.5).

(6) “... a fim de que saibam como responder a cada um.” O impor­tante não é somente o que dizer, como dizer [veja item (4) acima], mas também a quem dizê-lo (v.6).

(7) “Toda a minha situação os informará Tíquico...” Algumas coi­sas são melhor ditas do que escritas (vv.7 e 8).

(8) “... Onésimo, irmão fiel e amado”; “Marcos, primo de Bama- bé(...) se ele for a vocês, recebam-no”. O irmão A é bastante generoso na sua boa vontade em fechar os olhos ao pecado que o irmão B come­teu contra o irmão C, mas não tão ansioso para perdoar a falta de D, cometida contra ele mesmo (A). Paulo, todavia, faz as duas coisas. Ele perdoa Onésimo por haver ofendido Filemom, e perdoa igualmente Marcos por tê-lo ofendido, isto é, ofendido Paulo (vejaAtl3.13;15.38; 2Tm 4.11) (vv.9 e 10).

(9) “Dentre os da circuncisão, esses são os únicos colaboradores do reino de Deus que têm sido conforto para mim.” As pessoas mais privi­legiadas nem sempre são as mais úteis (v. 11).

(10) “Epafras, que é um de vocês, servo de Cristo Jesus, os saúda, sempre lutando por vocês em suas orações, a fim de que estejam firmes, maduros e plenamente convictos em toda a vontade de Deus.” A marca de um grande líder é que ele está sempre pronto a falar bem de uma pessoa e a dedicar-lhe confiança. Paulo fez isso repetidamente (vv. 12,13).

(11) “Lucas, o médico amado, os saúda, e também o faz Demas.” Aqui esses dois são mencionados favoravelmente de um só fôlego. Mais tarde o contraste se tomaria aparente quando Paulo escreveu: “Demas me abandonou porque se apaixonou pelo presente século... Lucas é o único que está comigo”. Aos olhos humanos, dois obreiros do reino

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476 COLOSSENSES 4.12-18

podem trabalhar lado a lado, realizando o mesmo tipo de trabalho. Deus vê o coração (v. 14; cf. 2Tm 4.10,11).

(12) “... e à igreja em sua casa.” No sentido de todo lar deveria ser uma casa-igreja (v. 15).

(13) “... cuidem para que seja lida também à igreja dos laodicenses, e que vocês leiam também a de Laodicéia.” Isso não apenas porque essas duas cartas eram importantes para as duas igrejas, mas também porque as duas congregações deveriam ser importantes uma para a outra (v. 16).

(14) “... para cumpri-lo.’’Toda responsabilidade dada por Deus deve ser cumprida (v. 17).(15) “Lembrem-se das minhas algemas.” Um homem verdadeira­

mente grande não é tão orgulhoso que não possa pedir para ser lembra­do em oração (v. 18b).

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C o m e n t á r io à E p ís t o l a d e

F ilem o m

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ESBOÇO DE FILEMOM

Tema: O pedido de Paulo por uma acolhida bondosa a Onésimo, o escravo fugitivo

I. Saudação introdutória - vv.1-3II. Ações de graças e oração - vv.4-7

III. Pedido em favor de Onésimo, incluindo pedido de hospedagem- vv.8-22

IV. Saudações finais - vv.23-25.

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F ilem o m

1 Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, e Timóteo nosso irmão, a Filemom, nosso amado [irmão] e colaborador, 2 e a Afia, nossa irmã, e a Arquipo, nosso companheiro de luta, e à igreja em sua casa; 3 graça a vocês e paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.

versos 1-3 I. Saudação introdutória

Acerca da forma ou estrutura das cartas de Paulo, veja comentá­rio em Colossenses 1.1,2. Para uma discussão a respeito dos destina­tários aqui em Filemom 1, 2, e acerca de todos os outros assuntos de natureza introdutória, veja a Introdução neste livro, Introdução à Co­lossenses e Filemom.

1, 2. A saudação tem início com as palavras: Paulo, prisioneiro (cf.v.9; ainda Ef 3.1; 4.1; 2Tm 1.8). Ele acrescenta: de Cristo Jesus. Em toda referência a si mesmo, como prisioneiro, Paulo enfatiza que, como tal, pertence a seu Senhor, pois enquanto se ocupava de seu servi­ço e, portanto, por sua causa, ele foi aprisionado. E mais, todos os detalhes da prisão, bem como seu resultado, seja a pena de morte ou absolvição, estão nas mãos que foram perfuradas por causa deste prisi­oneiro, aquelas mesmas mãos que governam todo o universo no interes­se da igreja (Ef 1.22). O confinamento de Paulo é, portanto, muito hon­roso. A menção de si mesmo como prisioneiro de Jesus Cristo é também cheia de tato, provavelmente insinuando: “Comparado ao sacrifício que estou fazendo, não é fácil o favor que lhes estou pedindo?”. Veja o su­mário no final deste capítulo para uma discussão sobre o tato, de após­tolo, demonstrado nesta carta. Veja ainda no Apêndice: O que a Bíblia diz sobre tato. Paulo prossegue: e Timóteo nosso irmão (sobre esta adição, veja comentário em Cl 1.1). Arespeito de “irmão”, veja também Filemom versos 7 e 20, onde essa designação de íntima relação espiritu­al e amor eterno é aplicada a Filemom (dando-nos o direito de inserir esta palavra entre parênteses após a expressão “nosso amado”, no v.l), e o verso 16, onde é empregada em referência a Onésimo.

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480 FILEMOM 1,2

A carta é endereçada a Filemom, nosso amado [irmão] e colabo­rador. Em Cristo e por sua causa, Filemom, um habitante de Colossos, é amado por Paulo, por Timóteo e por todo crente que tenha ouvido falar dele. E amado por Cristo e possui as características de um irmão. Na carta aos Colossenses, Paulo fala de Epafras como o “amado con­servo” (1.7), de Tíquico e Onésimo como “irmãos amados” (14.7,9), e de Lucas como “o médico amado” (4.14). Filemom é chamado também de “colaborador”. Não é impossível que ele tivesse estado assistindo a Paulo na obra espiritual durante o extenso ministério deste em Éfeso, e que houvesse continuado o seu trabalho evangelístico após a partida do apóstolo da Ásia Menor. Mas, fora isto, o que está escrito a seu respeito em Filemom 7 não o qualificaria a ser chamado de colaborador? Paulo possui muitos cooperadores. Dentre eles estavam homens tais como Urbano (Rm 16.9), Timóteo (Rm 16.21), Apoio (ICo 3.9), Tito (2Co 8.23), Epafrodito (Fp 2.25), Sízigo [que significa “companheiro de jugo” e assim é traduzido pela ARA. N.T.] e Clemente (Fp 4.3), Jesus Justo (Cl 4.11), Marcos, Aristarco, Demas e Lucas (Fm 23); o casal (casado) Aquila e Priscila (Rm 16.3); e mulheres tais como Evódia e Síntique (Fp 4.2), e as mencionadas em Romanos 16. O que deve ser ressaltado neste ponto é que o apóstolo os considera cooperadores não apenas no sentido que eram dele, mas no sentido que eram colaboradores de Deus. Neste sentido, o próprio Paulo era também um colaborador (1 Co 3.9).

Estreitamente ligadas a Filemom, e com ele mencionadas num só fôlego, como às da saudação de abertura, e, num sentido mais geral, toda a carta é destinada, estão duas outras pessoas. Deste modo, a sen­tença continua: e a Afia, nossa irmã, e Arquipo, nosso companheiro de luta. Após mencioná-los e “à igreja em sua casa [de Filemom]”, e pronunciar sobre todos eles {vós) a bênção apropriada (v.3), o escritor mais uma vez se dirige mais especificamente ao próprio Filemom (utili­zando os pronomes você e seu, e não o plural) em todo o corpo da carta (o v.6b provavelmente não constitui exceção), retomando ao plural (de vocês), como era de se esperar no que tange às orações da congregação (v.22) e na saudação final (v.25). A inferência parece indicar que File­mom, além das exceções já mencionadas, é tratado no singular ao longo da carta, seja o cabeça da família, e que Afia e Arquipo, membros dessa família. Áfia pode muito bem ter sido a esposa de Filemom, e Arquipo o filho deles. Apesar desse ponto de vista não poder ser demonstrado, e das possíveis contradições, as teorias divergentes têm fracassado em convencer a muitos, além daqueles que as propõem. Não é difícil com­preender este emprego da segunda pessoa do plural em todo o conteúdo

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FILEMOM 1,2 481

da carta. A missiva é um pedido para uma acolhida bondosa ao escravo fugitivo, Onésimo, que está sendo devolvido ao seu senhor. Logo, em última análise, cabe ao próprio Filemom - e não a Áfia, Arquipo ou mesmo à igreja - decidir se este pedido será concedido. Mas, apesar de Filemom ter o dever de tomar a decisão, os outros também devem ouvir a carta. Portanto, que assistam a Filemom no cumprimento de seu de­ver. Que ouçam também como Paulo, pela inspiração do Espírito San­to, resolveria o importante problema do escravo fugitivo. A mente deles também seria iluminada e a sua compaixão, expandida.

Áfia é chamada de “nossa irmã”. Isto é verdadeiro, não fisicamente, como Marta e Maria eram irmãs de Lázaro (Jo 11.1), nem metaforica­mente, referindo-se à igreja (2Jo 13), mas espiritualmente: Áfia é “nos­sa irmã” no mesmo sentido em que Timóteo é “nosso irmão”, isto é, pertencente à família da fé. Ela é nossa irmã no Senhor. Arquipo é chamado “nosso companheiro de luta”, um tratamento que no Novo Testamento é dado apenas a uma outra pessoa, a saber, Epafrodito (Fp 2.25). A este mesmo Arquipo, o apóstolo conferiu uma diretiva definida (Cl 4.17). Se alguém, ao ouvir esta ordem, começasse a menosprezar este jovem irmão, Paulo, com maravilhoso tato, confere-lhe este título de honra, significando “nosso companheiro de armas” (cf. CNT Fp 2.25).

Paulo acrescenta: e à igreja em sua casa. Já que nos séculos Ia e 2a os templos do modo como os concebemos hoje ainda não estavam dis­poníveis, as famílias cultuavam a Deus em seus próprios lares. Tais cultos eram freqüentados pelos membros da casa: pai, mãe, filhos, em­pregados. Se ela fosse suficientemente espaçosa para acomodar outros, esses também eram convidados. A Igreja primitiva contava com muitos membros hospitaleiros, prontos e ansiosos a oferecer seus lares para propósitos religiosos. Assim, em Jerusalém “muitos se achavam reuni­dos e oravam” na casa de Maria, mãe de João Marcos (At 12.12). Lídia convidou bondosamente a Paulo, Silas, Timóteo e Lucas a usarem sua casa como sede (At 16.15,40). Aonde quer que Áquila e Priscila fos­sem, recebiam, tanto quanto possível, adoradores em sua casa. Logo, tanto em Éfeso (ICo 16.19) como em Roma (Rm 16.3-5), havia “uma igreja na casa deles”. Laodicéia também possuía sua casa-igreja (veja CNT Cl 4.15). E igualmente Corinto, na casa de Gaio (Rm 16.23). Se o número de crentes fosse pequeno numa cidade, uma casa-igreja poderia ser suficiente; se existisse grande número ou se morassem longe uns dos outros, era necessário mais de uma. Assim não é de se surpreender que Filemom também tivesse demonstrado essa mesma hospitalidade. Já que a membresia da igreja colossense era provavelmente pequena em núme­

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ro (veja Introdução IIB 4), é perfeitamente possível que a congregação inteira se reunisse para a adoração em sua casa.180

3. A saudação introdutória apropriada segue com as palavras fami­liares: graça a vocês e paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo. É assim dirigida a Filemom, Áfia, Arquipo, e toda a congrega­ção que se reúne na casa de Filemom. Graça, isto é, o favor ativo de Deus, espontâneo e imerecido, sua soberana misericórdia operando, tendo como resultado a paz, isto é, a certeza de reconciliação pelo sangue da cruz, verdadeira inteireza espiritual e prosperidade, essas duas bênçãos (graça e paz), vindas de Deus o Pai e do Senhor Jesus Cristo (para maiores detalhes explicativos e discussão a respeito da questão se esta é uma saudação exclamativa, uma declaração ou talvez meramente uma expressão de voto piedoso, veja CNT lTs 1.1; 2Ts 1.1,2).

4 Agradeço sempre ao meu Deus, mencionando você em minhas orações, 5 por­que tenho ouvido do seu amor e da fé que você tem, [esta] para com o Senhor Jesus, e [aquele] por todos os santos, 6 [orando] para que o compartilhar oriundo de sua fé possa ser fortemente estimulado para Cristo por meio do claro reconhecimento de tudo de bom que é nosso. 7 Pois tenho recebido muita alegria e conforto no seu amor, porquanto o coração dos santos tem sido reanimado por seu intermédio, irmão.

versos 4-7II. Ações de graças e oração

4, 5. Como sempre a saudação é seguida por ações de graças e oração. O apóstolo pode honestamente escrever: Agradeço sempre ao meu Deus,181 mencionando você em minhas orações. E prossegue: porque tenho ouvido do seu amor e da fé que você tem, [esta] para com o Senhor Jesus, e [aquele] por todos os santos. Epafras, o líder espiritual da igreja de Colossos, ele próprio um colossense (Cl 4.12,13), e estando agora com Paulo (Fm 23), deve ter dado ao apóstolo valiosa

180. Era provavelmente gradual a transição de uma casa particular oferecida pelo dono para o culto público, para um espaçoso prédio de igreja construído expressamente para reuniões congrega- cionais. Assim a mais velha igreja descoberta por arqueólogos era, na realidade, uma casa utilizada anteriormente como domicílio particular. Esta foi construída em 232-233 d.C. em Dura Europos ao leste da Síria, no Eufrates. Três de seus cômodos haviam sido transformados numa capela com capa­cidade para cem pessoas. Para uma descrição completa, consulte C. Hopkins e P.V. C. Baur, Chris­tian Church at Dura-Europos; cf. GE. Wright, Biblical Archaeology, págs. 245-247. Até mesmo mais cedo há distinção inferida, em 1 Coríntios 11.18,22, entre as residências estritamente particu­lares e o que deve ter sido um lugar um tanto espaçoso para reunir a igreja. Com a conversão de Constantino (323-337 d.C.), a arquitetura da igreja recebeu o impulso de que necessitava.

181. Veja comentário em Colossenses 1.3, nota de rodapé 28, a respeito da razão por que a palavra sempre deveria ser interpretada com “agradeço ao meu Deus”, em vez de com “fazendo menção”.

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informação a respeito das condições naquela congregação. Relacionado a isto ele também havia falado do trabalho de Filemom para o Senhor e da sua generosidade e hospitalidade. O escravo fugitivo, Onésimo, pro­vavelmente forneceu maiores detalhes. Após a conversão do escravo, sua atitude para com seu senhor deve ter mudado o suficiente para po­der dizer boas coisas a respeito dele. E pode ter havido outros informan­tes. Desse modo o apóstolo tinha ouvido acerca do amor de Filemom. Não havia ele aberto sua casa para os ofícios religiosos? (Veja os vv. 1,2.) Não havia ele “reanimado os santos” também de outras maneiras? (Veja v.7.) Este amor pelos consagrados filhos de Deus tinha suas raízes, como sempre, na fé para com o Senhor Jesus.182

6 .0 verso 6 segue naturalmente. É ligado não somente ao verso 4, pois fornece o conteúdo da oração de Paulo por Filemom, mas também ao verso 5. Nesta última passagem é feita menção do “amor por todos os santos” nutrido pelo destinatário. Esse amor era demonstrado pela boa vontade da parte de Filemom em compartilhar seus bens com os outros. Sem dúvida ele havia feito muitas contribuições, tanto materiais quanto espirituais, para o bem da pequena comunidade. Que ele de­monstre então essa mesma atitude de liberalidade e ao mesmo tempo o

182. Alguns crêem que tanto o amor quanto a fé têm o Senhor Jesus como objeto. Interpretam a fé como fidelidade. Como resultado, estes intérpretes negam também a estrutura quiástica da passa­gem. Mas o fato de que o amor é pelos santos e a fé é diretamente dirigida ao Senhor está claro a partir das passagens análogas (Ef 1.15; Cl 1.14).

Note, então, a estrutura quiástica da sentença:amor fé

Jesus os santosA estrutura em cruzamento ocorre freqüentemente nos escritos de Paulo (veja CNT Fp 2.3,8,12; Cl

1.10; 1.16; 3.11; e lTm 3.16). No presente caso, arazão para esse arranjo é provavelmente a seguin­te: o apóstolo quer que Filemom, que já havia manifestado seu amor pelos outros, use de bondade também com Onésimo. Logo, sendo isto predominante na mente de Paulo, ele menciona antes de mais nada o amor e o liga à sua fonte, a saber, a fé genuína no Senhor Jesus. Isto lhe possibilita referir-se agora aos objetos desse amor: todos os santos (v.5b), que se liga imediatamente ao próximo verso (v.6), no qual ele ora a fim de que essa comunhão, que acaba de elogiar em Filemom, se tome muito eficiente. Está claramente inferida a seguinte idéia: “Agora, dê mais um passo, amado irmão; estenda essa mesma bondade e amor a Onésimo”. E assim (v.7), o apóstolo elogia mais uma vez a Filemom pela maneira como ele tem reanimado o coração dos santos, acrescentando que ele mesmo (Paulo) fora alegrado e confortado por isso. Será evidente que a estrutura quiástica, neste caso, se presta ao propósito de Paulo. O amor pelos santos ocupa naturalmente os dois lugares de maior importância nesse modificativo causal (v.5), o primeiro e último lugares.

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genuíno caráter de sua fé em outro ponto ainda, a saber, usando de misericórdia para com Onésimo. Esse pensamento que permeia toda a carta para ser expresso nos versos 8-21, está por trás da declaração do verso 6. Isto é verdade não importa qual das duas seguintes traduções desta passagem difícil seja adotada. Se o sentido for:

a. (orando) para que a sua participação na fé possa tomar-se clara­mente conhecida pelas boas obras, etc., ou

b. (orando) para que o compartilhar oriundo de sua fé possa ser fortemente estimulado para Cristo por meio do claro reconhecimento de tudo de bom que é nosso, em qualquer caso a implicação básica é a mesma. É uma oração para que Filemom, que já demonstrou seu des­prendimento de tantas maneiras, possa também dar o passo seguinte.183

Não é estranho ao pensamento paulino o fato de que o extasiante contemplar das bênçãos da redenção - “tudo de bom” - que é nosso em Cristo deve evocar em nosso coração uma resposta de amor, e que não

183. As diferenças na tradução se derivam principalmente do fato de que a passagem contém várias palavras e frases importantes com diferentes possíveis significados ou interpretações, especialmente as seguintes:

(1) Koivcovía, do modo como é aqui empregada significa p a r t i c ip a ç ã o (em), ou quer dizer c o m ­p a r t i lh a r (os bens de alguém com os outros?).

(2) Assim também: xriç Kíaxecaq significa na f é ou quer dizer d a su a f é , isto é, f lu in d o d a su a f é l(3) O que significa eíç Xpiaxóv e o que modifica?(4) èv Èftvyvofaei significa aqui p e l o c la r o r e c o n h e c im en to , ou n o c la r o (ou pleno) c o n h e c im en to ?(5) èc/aBoC faz referência à s b ê n çã o s ou p r i v i l é g i o s que g o z a m o s e deveriam nos estimular a

mostrar bondade para com os outros, ou fazem referência ao b em q u e p r a t i c a m o s?(6) E como se isso não fosse o bastante, há a questão sobre qual le itu ra é a correta: èv rp iv ou èv

Í)jjâ.v. E a o b em q u e é n o s s o , ou a o b em q u e é d e v o c ê s ?Sem entrar em grandes detalhes, as minhas respostas são as seguintes: Quanto a (1), qualquer um

dos significados pode ser dado a esta palavra que, freqüentemente, tem o sentido de com u n h ã o (para uma discussão extensiva, veja CNT Fp 1.21-24). Entretanto, se for adotado o significado p a r t ic ip a ­ç ã o (em) a leitura ú|iív em vez de rmiv é preferível (“que a sua participação na fé possa tomar-se claramente conhecida pelas suas boas obras”). Mas por que a mudança de su a para d e v o c ê s l Além disso, há outra objeção à adoção da leitura í>nív, como será indicado sob o número (6) abaixo.

Quanto a (2), a resposta à precedente também determina isso. Logo, prefiro a tradução: f lu in d o da su a f é ou a q u a l d á o r i g em à su a f é .

Quanto a (3), a frase eiç Xpicrcóv é mais comumente traduzida como p a r a C risto do que em C risto . Quanto ao que ela modifica, não faz muita diferença no resultante significado da sentença inteira se se traduzir por “possa ser fortemente estimulado (ou “possa tomar-se eficiente”) para Cris­to por meio do claro reconhecimento de tudo de bom que é nosso”, ou “possa ser fortemente estimu­lado por meio do claro reconhecimento de tudo de bom que é nosso para Cristo” (isto é, para a sua glória).

Quanto a (4), a tradução n o c la r o c o n h e c im e n to toma difícil chegar-se a um significado inteligí­vel para a sentença na sua totalidade. Ao contrário, a tradução p e l o c la r o r e c o n h e c im e n to (“p e la tom ada d e c o n h e c im en to ” , R. V.) leva a um resultado que faz sentido e que está em harmonia com o pensamento paulino, como indicado na explicação.

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somente Deus, mas também os outros crentes devem ser incluídos no objeto deste amor. A epístola começa exatamente com esta idéia: “... o amor que nutris por todos os santos pela razão da esperança que vos está depositada nos céus” (Cl 1.4,5). O melhor comentário de Filemom 6 é provavelmente aquele encontrado em Colossenses 3.13. “Assim como o Senhor vos perdoou, assim fazei-o também” (cf. Ef 4.32; 5.2). Quan­to mais Filemom reconhecer plenamente o quanto ele próprio tem sido beneficiado, tanto mais estará propenso a exercer misericórdia e perdão para com os outros, especialmente para com Onésimo. E o próprio fato de Filemom haver demonstrado tão alto espírito no passado, convence o apóstolo de que ele não está escrevendo em vão.

7. Assim, ele prossegue: Pois tenho recebido muita alegria e con­forto no seu amor, porquanto o coração184 dos santos tem sido rea­nimado por seu intermédio, irmão. Como já foi indicado, este verso está estreitamente ligado ao precedente. E ainda naturalmente com o verso 4 (“Agradeço ao meu Deus”), pois o verso 7, assim como o 5, mostra por que Paulo estava agradecido. Em tempos de dificuldade ou necessidade, Filemom dera, mais de uma vez, descanso aos fatigados, seguindo o exemplo e promessa de Cristo (veja Mt 11.28).185 Não é declarado aqui que este descanso e ânimo havia sido dispensado especi­

Quanto a (5), apesar de a palavra usada no original poder indicar a q u ilo q u e é m o ra lm en te b om (Rm 2.10) ou b ên çã o , p r i v i l é g i o (Rm 14.16), a última tradução oferece melhor significado no presente contexto, como demonstrado na explicação.

Quanto a (6), já foi ventilado que, exceto as bênçãos no início e no final (vv. 1-3,25) e a referência a “as orações de vocês” no verso 22, a carta é especificamente dirigida, na sua totalidade, a uma pessoa, a saber, Filemom (veja CNT vv. 1,2). Até mesmo as saudações são dirigidas a ele somente (vv.23,24). Portanto, a aparição repentina da segunda pessoa do plural (únív), aqui no corpo da carta (v. 6), seria certamente muito estranha. Por outro lado, é fácil entender que Paulo, refletindo sobre a bondade de Deus em Cristo para com Filemom, imediatamente incluísse a si mesmo, e, aliás, a todos os crentes como objetos deste divino amor e cuidado e, portanto, escreveria: “o bem que é n o s s o ” .

E.J. Goodspeed dá à passagem um significado inteiramente diferente. Ele traduz os versos 5 e 6 da seguinte maneira: “Ouço a respeito do amor e fé que tens no Senhor Jesus e todo o seu povo, e oro para que por meio do conhecimento de toda e boa coisa a nosso respeito como cristãos, eles possam eficazmente compartilhar da tua fé”. Objeções: (1 )0 que ele quer dizer com “o amor e fé em... todo o seu povo”? (2) Por que deveria o apóstolo orar para que “todo o seu povo” [os santos] pudesse eficazmente compartilhar da fé em Filemom? Eles já possuem fé! Outras traduções ou reinterpreta- ções são até mesmo prováveis e não requerem nenhuma discussão.

184. Acerca de oKXàs/xva veja nota de rodapé 39 sobre “tema misericórdia”, em CNT Filipenses 1.8.185. Segundo o g r e g o , naquela passagem, o Senhor empregou d u a s v ez e s uma forma da palavra

que aqui em Filemom foi traduzida como rean im a r. Ela indica d e s c a n s o e, portanto, rev iv er , obter novo ânimo e vigor. E na tradução s ir ía ca da passagem de Mateus, a palavra não ocorre menos de t r ê s vezes numa forma ou noutra. Este é um jogo de palavras até mesmo mais surpreendente, e pode refletir o exato idioma da Galiléia. Assim Jesus também teria dito: “Vinde a mim... e eu vos darei d e s ca n s o . . . pois eu sou r ep o u sa n te [o g r e g o aqui traz a palavra m anso]... e encontrareis d e s c a n s o para vós mesmos”.

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ficamente aos escravos como afirmam alguns. O que Paulo infere, mas ainda não declara expressamente por meio dessas palavras, é isto: já que Filemom demonstrara tal compaixão e generosidade aos crentes no passado, que o faça novamente. Desta vez, que esbanje seu amor e sim­patia para com Onésimo. O próprio Paulo recebera disto alegria e con­forto como fora, com freqüência, o caso em outras vezes no passado nas quais ouvira a respeito dos atos de bondade realizados por Filemom. Quando o apóstolo escreve: “... porquanto o coração dos santos tem sido reanimado por seu intermédio, irmão”, esta palavra - irmão - cons­titui-se num ápice apropriado, mostrando quão profundamente o após­tolo ama o homem a quem aqui se dirige, em quão alta estima o tem e quão plenamente confia nele.

8 Pois, apesar de que em Cristo tenho bastante liberdade para lhe ordenar [a fazer] o seu dever, 9 todavia, por causa do amor, prefiro apelar a você - já que sou essa pessoa, Paulo, o velho, e agora também um prisioneiro de Cristo Jesus - , 10 Eu lhe solicito a favor de meu filho, a quem gerei em minhas cadeias, Onésimo, 11 que antes lhe foi inútil, mas agora é útil tanto para você quanto para mim, 12 a quem lhe estou enviando de volta; [sim, até mesmo] ele, que é meu próprio coração, 13 a quem desejaria conservar comigo, a fim de que, em seu lugar, pudesse me prestar serviço nas algemas do evangelho; 14 mas sem o seu consentimento eu não quis fazer nada, para que a sua bondade não seja compulsória, porém voluntária.

15 Ademais, talvez a razão pela qual ele foi afastado [de você] por um curto período tenha sido esta: que você o tenha de volta para sempre, 16 não mais como um escravo, mas algo melhor do que um escravo, um irmão amado, especialmente para mim, mas muito mais para você, tanto na carne como no Senhor. 17 Se, pois, você me considera companheiro, aceite-o como [aceitaria] a mim. 18 Mas se ele lhe causou algum prejuízo, ou lhe deve alguma coisa, coloque em minha conta. 19 Eu, Paulo, escrevo isto de próprio punho: eu pagarei - para não fazer menção de que você me deve, além disso, a si mesmo. 20 Sim, irmão, que eu receba algum benefício de você no Senhor. Reanima-me o meu coração em Cristo.

21 Certo de sua obediência, escrevo-lhe, sabendo que você fará ainda mais do que lhe peço. 22 Ao mesmo tempo, prepare um quarto de hóspedes para mim, pois espero que por intermédio de suas orações eu lhes seja concedido.

versos 8-22III. Solicitação em favor de Onésimo,

incluindo pedido de hospedagemPode parecer que essa solicitação e esse pedido não tenham nada

em comum e deveriam ser tratados sob títulos diferentes. A convicção de que, todavia, pode haver uma ligação sutil (veja comentário no v.22) me leva a tratá-los sob um só tema.

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8,9. Pois, já que você é o tipo de pessoa que se compraz em reani­mar o coração do povo de Deus, um crente inabalável em amar e repar­tir (vv.4-7), logo, apesar de que em Cristo tenho bastante liberdade para lhe ordenar [a fazer] o seu dever, todavia, por causa do amor, prefiro apelar a você. Paulo está consciente de sua autoridade como apóstolo de Cristo. Houve vezes em que até enfatizou seu direito de governar a igreja em questões de fé e conduta, uma incumbência dada a ele por seu Senhor (Rm 1.1; ICo 5.3,4; 9.1; 2Co 10.13,14; 12.12; G1 1.1; 2Tm 1.1,11; 4.1; Tt 1.1). Mas, agora quando derrama seu coração em favor de Onésimo, ele prefere deixar de enfatizar sua prerrogativa apostólica. Em vez disso, baseia seu pedido no amor cristão inteligente e intencional, esse mesmo amor que Filemom tem demonstrado a todos os santos (v.5). Não se pode realmente dizer que mesmo aqui Paulo exclua completamente qualquer apelo à sua autoridade como embaixa­dor oficial de Cristo. Se isso fosse verdade, ele não teria, é claro, nem mesmo tocado no assunto. Nesse aspecto, os versos 8 e 9 podem ser comparados ao 19, onde o apóstolo diz: “para não fazer menção de que me deve, além disso, a si mesmo”, mas, mesmo assim, mencionai As­sim também aqui nos versos 8 e 9, a referência à autoridade passa como um flash diante de Filemom, por apenas um momento, para depois re­cuar inteiramente ao fundo quando a luz se volta para iluminar a maior força dinâmica e motivadora de todo o universo, a saber, o amor. Num tom de profunda afeição e gentil persuasão o apelo prossegue: já que sou essa pessoa, Paulo, o velho,186 e agora também um prisioneiro de Cristo Jesus. Não sabemos exatamente qual a idade de Paulo quan­do isto foi escrito. Na morte de Estevão ele era “um jovem” (At 7.58). Com base neste fato e em vários outros dados no livro de Atos e nas epístolas, muitos são de opinião que o apóstolo deveria estar agora na casa dos sessenta anos de idade. Se isto não parecer velho para nós, devemos lembrar que a expectativa de vida humana era mais curta na­queles dias do que nos nossos e que, como resultado de todo o seu labu­tar e aflições (veja o comovente relato de 2Co 11.23-33, ao qual outros sofrimentos foram subseqüentemente acrescentados), este bravo servo de Cristo havia “envelhecido” no serviço de seu Senhor e Mestre. Não trazia ele no corpo “as marcas do Senhor Jesus”? (G16.17). Não era ele

186. Não posso concordar aqui com Lightfoot, C.F.D. Moule e outros que, apelando para Efésios 6.20, defendem a teoria de que icpeapiÍTTiç aqui significa icpeapemiiç (embaixador). Isso não é uma clara violação do contexto? Havendo acabado de declarar (vv.8,9a), em linguagem inconfundível, que não desejava basear seu pedido na autoridade, à qual seu ofício de apóstolo lhe tinha investido, daria agora uma meia-volta e, quase num só fôlego, apelaria afinal à sua alta prerrogativa como embaixador de Cristo? Isso não faz sentido.

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o homem com “um espinho na carne”? (2Co 12.7). E não era, ainda agora, um prisioneiro de Cristo Jesus? (Veja a respeito no v.l.). Certa­mente, Filemom não pôde recusar um pedido razoável vindo de um ho­mem que demonstra todo tempo sua disposição em entregar todo o seu ser ao serviço do Rei dos reis.

10,11. Paulo prossegue: Eu lhe solicito a favor de meu filho, a quem gerei em minhas cadeias, Onésimo. Esta é a ordem da sentença no original. Deve ser preservada na tradução (cf. A.R.Y.). Não é o caso na A.V. e na R.S.V. A razão pela qual deve ser ressaltado esse ponto é que o apóstolo obviamente planejou esta afirmativa com muito cuidado. Desse modo, antes mesmo de citar o nome da pessoa em cujo interesse está escrevendo, busca primeiramente criar na mente de Filemom uma impressão favorável a respeito dele e também compaixão por aquele que escreve. Leia a sentença novamente da maneira como Paulo a escre­veu (ou ditou), comparando-a com o que ele poderia ter escrito: “Eu lhe escrevo a respeito de Onésimo, esse seu supostamente imprestável es­cravo que, provavelmente, após roubá-lo, fugiu de você”. Note com que afeição Paulo chama Onésimo de “meu filho”; e até mais comovente “a quem gerei em minhas cadeias”; logo, “o filho do meu cárcere”; “meu filho, que pela graça de Deus foi levado ao conhecimento salvador de Cristo por intermédio de meu ministério pessoal aqui na prisão”. Visua­lizemos isso do seguinte modo: Quando ainda em casa de Filemom, o escravo ouvira a respeito de Paulo e seu evangelho, seu zelo, coração amoroso, etc. Chegara a Roma como fugitivo, em sérias dificuldades, e busca refúgio com o apóstolo. Este foi usado por Deus para transfor­mar o escravo em um irmão amado; o ladrão, em um cooperador. Paulo prossegue: que antes lhe foi inútil, mas agora é útil tanto para você quanto para mim. Note com que tato o apóstolo equilibra os modifica- tivos para que o primeiro termine com a palavra inútil, o segundo com útil. Entretanto, o último é mais enfático porque, ao passo que Onésimo tinha sido inútil apenas a uma pessoa, a saber, Filemom, ele é descrito aqui como útil a dois indivíduos, “tanto para você quanto para mim”. Há um jogo de palavras no nome Onésimo, que significa benéfico, aju- dador, ou, mais precisamente, no seu sinônimo útil (euchrestó) contras­tado com inútil (achrêstos).m Onésimo, que antes foi para ti inútil, não cumprindo seu dever, um larápio e fujão, logo, totalmente inverídico ao significado de seu nome, toma-se agora útil, pois como cristão ele tra­

187 É surpreendente a negativa de Lenski sobre esse jogo de palavras. O trocadilho é muito óbvio. Ele nos lembra 2 Tessalonicenses 3.11: “não trabalham duro, antes trabalham intrometendo-se na vida alheia”.

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balhará para ti com uma nova atitude, esforçando-se para agradá-lo por causa de Cristo, e assim agradando também a mim. Sem dúvida há também referência aos serviços de Onésimo: se tivesse permanecido com Paulo, poderia prestar-lhe auxílio, para aliviar-lhe o peso do cárce­re, pois o apóstolo se refere a isso no verso 13.

Paulo já apelou à personalidade extrovertida de Filemom (vv.4-7,9a), a sua própria idade (de Paulo), a sua prisão por causa de Cristo (9b) e ao fato de que Onésimo havia se tomado um crente (v. 10). Ele lembra agora a Filemom o fato de que será do seu próprio interesse conceder uma boa acolhida ao fugitivo que retoma. Este não servirá a seu senhor muito melhor do que antes?

12-14. A tudo isso, é acrescentado um argumento, quem sabe até mais comovente, nas palavras: a quem lhe estou enviando de volta;188 [sim, até mesmo] ele,189 que é meu próprio coração.190 Onésimo está sendo mandado de volta, mas não está de modo algum sozinho. Paulo, dono de um grande coração, insiste que, em vez de forçar esse escravo a implorar misericórdia completamente sozinho, retorna apoiado por: a. Tiquico (veja explicação de Cl 4.7-9); b. uma carta de Paulo endereça­da a toda a congregação de Colossos, na qual são enfatizados o amor e o espírito de perdão; e c. uma carta tratando especificamente do caso de Onésimo. Seguramente, nunca um fugitivo retornou ao seu senhor em melhor companhia. Onésimo é “meu próprio coração”, escreve Paulo. Ele se sente tão profundamente apegado a esse novo convertido, ganho para a fé cristã (veja também Cl 4.9). Como poderia Filemom rejeitar o próprio coração de Paulo?

Em caráter semelhante, o apóstolo prossegue: a quem desejaria conservar comigo, a fim de que, em seu lugar, pudesse me prestar serviço nas algemas do evangelho. É como se Paulo estivesse dizendo: “Ocorreu-me, por um instante, que deveria manter Onésimo comigo, a

188. ootércEtni/a aoristo epistolar. Não foi estabelecido que esta palavra deveria ser tomada aqui num sentido legal, como se o acusado estivesse sendo “mandado para cima” a alguém com maior autoridade. No presente caso, o sentido mais simples é provavelmente o melhor.

189. “Ele... queé.” Essa retomada de um relativo por intermédio de um pronome ocorre freqüen­temente em hebraico. Se a presente retomada deve ou não ser considerada como um semitismo, não é talvez tão importante quanto o fato de que esta repetição é obviamente em favor da ênfase: este mesmo escravo que se fez tão detestável, tomou-se agora objeto da mais tema afeição de Paulo.

190. Para cnXcqxva, no sentido de coração, tanto aqui como nos versos 7 e 20, veja nota de rodapé 39 sobre “tema misericórdia”, CNT Filipenses 1.8. As palavras adicionais da A.V., “você, portanto, receba-o” , são baseadas numa interpretação para a qual a evidência textual é definitiva­mente fraca. Entretanto, a respeito da idéia em si, veja o verso 17, que é provavelmente a fonte das palavras inseridas aqui no verso 12.

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fim de prestar-me assistência pessoal no meu cárcere.191 Mas imediata­mente meu bom senso me disse: Não, isto não pode ser feito. Não sou eu, e, sim, Filemom quem deve tomar a decisão final a respeito de Oné- simo”. Paulo está falando da ajuda que lhe poderia ser prestada por Onésimo, trabalhando no lugar de Filemom. Note “em seu lugar”. O apóstolo está aqui, com sua maravilhosa generosidade, presumindo que Filemom estivesse desejoso de que ele próprio pudesse prestar tal servi­ço a Paulo; e também que, sendo impedido pela distância de fazê-lo, Filemom, se conhecesse todas as circunstâncias, ficaria muito feliz em substituir os seus serviços pelos de Onésimo. Entretanto, Paulo está também convencido de que teria sido incorreto para ele agir sobre esta suposição e manter Onésimo consigo em Roma. Por que teria sido im­próprio? Paulo diz: mas sem o seu consentimento eu não quis fazer nada, para que a sua bondade não seja compulsória, mas voluntá­ria. Não há aqui nem mesmo uma pista de que Paulo agora queira que Filemom envie Onésimo de volta a Roma para auxiliar o apóstolo. Tal idéia é simplesmente deduzida do texto. Pelo contrário, Paulo o prisio­neiro, espera ser solto e já está pedindo que lhe seja preparada uma hospedagem em Colossos (v.22). O propósito real de Paulo nos versos 10-14 é mostrar a Filemom em que homem de valor Onésimo se trans­formou. Ele é benéfico, é o próprio coração de Paulo, alguém que o apóstolo alegremente teria conservado consigo. “Assim, Filemom, é melhor que você perdoe e esqueça” (cf. v. 17).

É como se Paulo dissesse: “Se o tivesse conservado comigo, não teria sido justo para com você. Isso o teria colocado diante de um fato consumado. Nesse caso, a sua conseqüente aquiescência ou aprovação teria sido uma questão de coerção e não de espontânea vontade”. Paulo está aqui imitando a Deus como um filho amado (cf. Ef 5.1). Não foi essa a razão pela qual Deus emitiria a ordem probatória do Jardim do Éden, a saber, a fim de dar ao homem oportunidade de servi-lo de livre e espontânea vontade? E não havia Paulo, em 2 Coríntios 8.1-6, elogi­ado as igrejas da Macedônia por haverem feito generosas contribuições “de modo voluntário”? (Cf. ainda Êx 35.29; 36.5.). Filemom teria sido privado do privilégio de fazer tal contribuição espontaneamente - neste caso consistindo do serviço de Onésimo - houvesse Paulo se baseado na sua suposta bondade.

15,16. É apresentada ainda uma outra razão pela qual Filemom deveria conceder o que Paulo pedia em favor de Onésimo: Ademais, talvez a razão pela qual ele foi afastado [de você] por um curto pe­

191. Acerca de serviço similar, veja o que é dito a respeito de Epafrodito em Filipenses 2.25b.

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ríodo tenha sido esta: que você o tenha de volta para sempre. Note que, com um amor que cobre todas as coisas (IPe 4.8; cf. ICo 13.7), o litigante coloca aqui a maior interpretação caridosa possível sobre o caso de Onésimo. Ele não diz: “Talvez a razão pela qual ele fugiu de você após cometer furto”, etc., mas “Talvez a razão pela qual ele foi afastado [de você]”, etc. Em outras palavras, Paulo, apesar de não estar de modo algum isentando Onésimo de culpa, pede que Filemom veja e considere a gloriosa e diligente providência de Deus. E como se disses­se: “Eis a mão de Deus neste acontecimento”, e usou o ato mau de Onésimo para produzir o bem, e ambos para a própria fuga e para Filemom. Onésimo largara a escravidão por pouco tempo. O elo entre os dois como irmãos em Cristo nunca seria rompido, nem aqui nem no porvir. Esse foi o grande desígnio de Deus, seu maravilhoso plano.

Novamente aqui não existe pista de uma intenção da parte de Paulo de que Onésimo lhe fosse devolvido a fim de prestar-lhe assistência em Roma. Aliás, o oposto acontece: “que você o tenha para sempre, escreve Paulo”.192

Havendo dito “que você o tenha para sempre”, o apóstolo prosse­gue: não mais como um escravo, mas algo melhor do que um escra­vo, um irmão amado. Esta passagem torna claro que Paulo não consi­dera a emancipação imediata e forçada a verdadeira solução ao proble­ma da escravatura. Ele não diz: “a fim de que você o liberte”, mas “a fim de que você o tenha de volta, não mais como um escravo, mas algo melhor do que um escravo, um irmão amado”. Quando um escravo se torna um “irmão amado”, ele cessa de ser escravo apesar de ainda ser, neste caso, um servo. Paulo acrescenta: especialmente para mim, mas muito mais para você. A primeira vista, estas palavras parecem um tanto ilógicas, pois se for verdade que ao dizer “especialmente para mim” Paulo já está destacando o mais proeminente exemplo dentre to­dos aqueles de quem Onésimo seria agora um irmão amado, como pode ajuntar “muito mais para você”? Encontrei as seguintes soluções:

(1) A palavra traduzida por especialmente, como é aqui empregada, na realidade significa excessivamente ou imensamente [que tal intensa- mentel]. Isto permite a expressão “quanto mais” sem na realidade vio­lar a lógica.193

192. Portanto, concordo plenamente com C.F.D. Moule que declara (obra citada, págs. 146,147) “mas o tó%a yóp, seguindo o que é dito no verso 14, toma difícil interpretar o presente verso doutro modo senão como uma referência à possibilidade de não ser sua intenção principal (yvcónri) apartar- se de Onésimo.

193. Em outras palavras, nókiaxa é aqui empregada num sentido de entusiasmo.

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(2) Isto é, na realidade, uma expressão ilógica de entusiasmo: “aci­ma de tudo para mim - mais do que acima de tudo para ti”.

Se for necessário aceitar uma destas duas soluções, eu, de minha parte, prefiro a primeira, pois a segunda não é realmente solução algu­ma. Não existe uma terceira possibilidade? Poderia ser a seguinte:

(3) Quando Paulo principia a escrever este modificativo, está com­parando seu próprio relacionamento com Onésimo à relação que preva­leceria agora entre os crentes em geral e este homem convertido. E já que a ele, Paulo, e a ninguém mais, havia sido concedido o privilégio de se tomar o pai espiritual de Onésimo (v. 10), ele está plenamente justifi­cado ao chamá-lo de “um irmão amado, especialmente para mim”. Como, porém, o apóstolo continua a descrever a pessoa em cujo favor escreve este comovente apelo, compara agora seu próprio relaciona­mento com ele à relação que Filemom manteria com ele. Em certo as­pecto, esse último relacionamento excederia o anterior, e por essa razão Paulo imediatamente acrescenta: tanto na carne como no Senhor. O relacionamento - “na carne” - que existia entre senhor e escravo, não prevalecia entre “pai” e “filho”. Entre Paulo e Onésimo existia somente um relacionamento espiritual apesar de, seguramente, ser uma relação muito bonita. Entre Filemom e Onésimo existia, além disso, também esse relacionamento “na carne”. Em ambos os casos, supõe-se aqui que Onésimo seria muito querido de Filemom. Indagações a respeito da ques­tão do que realmente querem dizer as palavras “tanto na carne como no Senhor” tem resultado em respostas tais como as seguintes:

(1) Tanto como um conterrâneo colossense quanto como um irmão no Senhor.

(2) Tanto nos assuntos deste mundo como nos da vida mais elevada.A mim me parece que a última merece aqui a preferência, em har­

monia com o emprego da palavra “carne” (aópí;) em passagens tais como Gálatas 2.20; Filipenses 1.22,24.194 Tanto no trabalho como na igreja se sustentará este relacionamento santificado entre senhor e ser­vo, irmão e irmão.

17. Portanto, com base em todos esses aspectos apresentados por Paulo em apoio de seu pedido, que Filemom tome posição favorável: Se, pois, você me considera companheiro, aceite-o como [aceitaria] a mim. No original significa “tome a Onésimo para você mesmo como

194. Para uma classificação dos vários tons do significado que esta palavra possui nas epístolas de Paulo, veja CNT Filipenses 1.22, nota de rodapé 55, sobre a expressão viver na came. O significado c. parece ser indicado aqui.

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faria comigo”. Isso é mais do que receber bem uma pessoa na sua che­gada. Além disso, quando Paulo escreve “se, pois, você me considera companheiro”, ele quer dizer muito mais do que “se me considera um amigo”. O companheiro aqui é o koinõnos, aquele que participa da koiriõnia (comunhão espiritual). Essa comunhão sempre sugere o re­partir (veja comentário do v.6), e às vezes precisa ser traduzida como tal.195 Logo, que todos os direitos e privilégios pertencentes a qualquer um que esteja incluído nessa comunhão abençoada sejam concedidos àquele que retoma, agora como humilde penitente, um sincero filho de Deus.

18-20. Durante o tempo todo em que Paulo escrevia ou ditava, esta­va presente em sua mente um último aspecto que poderia, ao final de contas, ser um obstáculo real na trilha que levava à completa reconcilia­ção. O apóstolo sabia muito bem que qualquer um, viajando de Colos­sos a Roma, precisaria de dinheiro. Ele também não ignorava o fato de que a falta de confiança em se tratando de coisas materiais era caracte­rística dos escravos. Após sua soltura da prisão (primeiro de Roma), ele escreveria a Tito: “Insiste com os escravos para serem submissos em tudo a seus próprios senhores... não furtem, mas dêem prova da máxi­ma confiança” (Tt 2.9,10). É possível que Onésimo tivesse contado a Paulo que havia roubado. Para mim é mais provável que Paulo, com razão, supunha ter tal ato sido cometido. Isso justifica o uso da palavri­nha de duas letras se no verso 18. Paulo não tinha certeza, mas suspei­tava.196 Deveria ser removido esse possível embargo ao estabelecimento da relação cristã apropriada entre o senhor e o servo que retomava. Dessa maneira, Paulo, bondoso e de um grande coração, prossegue: Mas se ele lhe causou algum prejuízo, ou lhe deve alguma coisa, coloque em minha conta. Teria Paulo recebido recentemente uma he­rança para que pudesse fazer oferta tão generosa? Alguns chegaram a essa conclusão com base no fato de que, segundo Atos 24.26, Félix detivera o apóstolo na esperança de que este comprasse sua liberdade; de Atos 28.30, que faz referência à “sua própria casa alugada”; e da passagem ora em discussão. De qualquer modo, ou Paulo tinha algum dinheiro ou sabia onde consegui-lo. Ele era absolutamente sincero ao oferecer compensação pela perda que Filemom pudesse ter sofrido. As­

195. Para uma completa discussão, veja CNT em Filipenses 1.5, inclusive nota de rodapé ali indicada.

196. Prefiro essa interpretação um tanto comum àquela oferecida por Lenski (obra citada, págs. 968,969), segundo a qual o erro cometido era simplesmente este: em sua fuga Onésimo havia priva­do seu dono de seus serviços. Mas nesse caso é difícil explicar o se de Paulo. Era inegável o fato de que o escravo causara a seu senhor a perda de seus serviços.

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sim, usando fraseologia comercial, ele diz: “Coloque na minha conta”. E prossegue: Eu, Paulo, escrevo isto de próprio punho. Em outras palavras: “Aqui está a nota promissória trazendo a minha própria assi­natura”. Isto tem sido interpretado como se a carta toda estivesse escrita na caligrafia do próprio Paulo. Esta possibilidade deve ser levada em conta, mas não pode ser aprovada. Tudo o que a declaração na verdade significa é que a promessa de reembolsar Filemom pelo prejuízo sofrido foi escrita pelas próprias mãos de Paulo. Que a saudação final foi tam­bém escrita de próprio punho é evidente a partir de 2 Tessalonicenses 3.17. Possivelmente, o próprio apóstolo, sem se servir de um secretário, tenha escrito os versos 18-25. Mas isso são meras conjecturas. A oferta feita aqui é muito solene. Isso mostra o quão intensamente Paulo che­gou a amar Onésimo. Foi com um certo senso de humor benigno e pa­ternal que o litigante ajuntou: para não fazer menção [mas o faz; logo, não querendo talvez ressaltar o fato] de que você me deve, além disso, a você mesmo? “Filemom, em vez de lhe dever esse dinheiro, você realmente o deve a mim; sim, muito mais do que isso, pois você me deve a si mesmo, a sua própria vida como crente”.197

Filemom se convertera, ou diretamente por intermédio de Paulo, talvez quando o senhor de Onésimo esteve em visita a Efeso e ouviu o apóstolo pregar (At 19.10), ou indiretamente, por meio do trabalho de Epafras, que por sua vez devia sua conversão a Paulo. Em qualquer um dos casos, Paulo podia escrever: “Você me deve a si mesmo”. Isso de­monstra também que o apóstolo cria firmemente no princípio da reci­procidade: a obrigação de retribuir favores ou bênçãos recebidas. Ele cria que esse princípio se aplicava tanto para as coisas recebidas de Deus (veja v.6; também 2Co 1.34; 8.7,9; cf. SI 116.12) como dos ho­mens (cf. lTm 5.4).

Assim, refletindo uma vez mais todo o pedido com base naquilo até agora mencionado, Paulo prossegue: Sim, irmão, que eu receba algum benefício198 de você no Senhor. A palavra de afeto - irmão (veja tam­bém v.7) expressando amor e íntima relação espiritual, se encaixa muito bem neste ponto. O que é especialmente admirável é o modo como Paulo faz de tudo para se identificar com Onésimo. Ele diz: “Que eu receba algum benefício de você”. Em outras palavras, qualquer favor concedido por Filemom a Onésimo deve ser considerado como sendo

197. Do modo como vejo, temos aqui outro caso de expressão abreviada (veja CNT Jo 5.31). Para uma explicação diferente, veja Lenksi, obra citada, pág. 971.

198. òvcxí|j.T|v. Isto pode muito bem ser trocadilho no nome de Onésimo. É a única vez que ocorre o emprego da primeira pessoa optativa no Novo Testamento.

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concedido ao próprio Paulo. Temos um exemplo semelhante do maravi­lhoso poder identificador no comovente pedido da mulher siro-fenícia em favor de sua filha. Ela diz a Jesus: “Ajude-me/” (Mt 15.25), e natu­ralmente nas palavras do próprio Cristo: “Tudo quanto vocês fizerem a um destes meus pequeninos irmãos, (até mesmo) ao menor (deles), vo­cês fizeram a mim” (Mt 25.40). Como um mero ser humano, agindo fora de Cristo, poderia ser difícil para Filemom perdoar e restaurar Onésimo. Que ele o faça (e conceda um benefício a Paulo) no Senhor, em comunhão com ele, refletindo as bênçãos que ele próprio, o senhor de Onésimo, havia recebido da comunhão com o seu Senhor, e por meio da graça e poder dele advindos. Paulo acrescenta: Reanime o meu co­ração em Cristo. Para o significado destas palavras, veja comentário do verso 7. O apóstolo está expressando o desejo de que ele também possa ser incluído no círculo daqueles a quem Filemom, no passado, havia dado ânimo de coração. E isto em comunhão com Cristo. Que coloque o caso diante de Cristo. Se assim o fizer, não poderá haver outra resposta senão a de que ele certamente consentirá o pedido de Paulo. Aliás, fará até mais; assim, Paulo prossegue:

21. Certo da sua obediência, eu escrevo-lhe. Essa obediência à qual o apóstolo se refere é a obediência ao evangelho. E o atender aos mandamentos de Deus expressos no evangelho (cf. Rm 10.16; Fp 2.12; 2Ts 3.14). É, portanto, mais do que concordar com o conselho de Paulo e atender ao seu pedido. É exatamente o evangelho proclamado por Cristo que exige daqueles que têm sido grandemente abençoados a tam­bém demonstrarem bondade para com os outros. Mateus 18.21-35 pro­va esse ponto de forma admirável. E como se o apóstolo declarasse que ele nem precisava esperar para saber se Filemom tinha ou não agido conforme o comovente pedido a ele apresentado por meio dessa carta. Ele confia plenamente que Filemom fará o que for certo e caridoso. Aliás, acrescenta: sabendo que você fará ainda mais do que lhe peço. O que exatamente Paulo tinha em mente ao acrescentar essas palavras nós não sabemos. É certamente precipitado deduzir a partir dessa pista um tanto obscura que o apóstolo deve ter querido dizer: “Sei que você mandará Onésimo de volta a mim imediatamente”, ou: “Sei que você o emancipará prontamente”. Além do mais, Paulo não estava pensando em ter Onésimo de volta; pelo contrário, pensava na sua própria liberta­ção da prisão e numa viagem a Colossos (v.22). Além da emancipação, havia outras maneiras pelas quais Filemom poderia fazer ainda mais do que o solicitado. Para mencionar apenas algumas: ele poderia dar a Onésimo algum tempo extra para realizar trabalhos evangelísticos; po­deria rever a relação com seus servos com base nos princípios do evange-

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lho; como resultado, poderia incentivar os outros senhores a também tratarem seus servos com mais consideração; poderia mandar uma men­sagem a Paulo, dizendo: “Pediste-me que providenciasse para ti um quarto de hóspedes. Farei melhor do que isto. Poderás ficar em minha própria casa”. E assim pode-se facilmente prosseguir. Mas isso deve ser o suficiente para amostrar àqueles que pensam haver apenas uma ma­neira pela qual Filemom poderia fazer ainda mais do que lhe foi solici­tado, que estão errados.

22. Paulo conclui seu eloqüente apelo com palavras que, à primeira vista, parecem não ter nada a ver com tal pedido, e parecem introduzir um assunto inteiramente novo, mas, na realidade, estão em estreita co­nexão com ele, a saber: Ao mesmo tempo, prepare um quarto de hóspedes para mim. A verdadeira interpretação, a meu ver, é aquela dada por Lightfoot (obra citada, pág. 345), que mostra a ligação nestas palavras: “Há uma gentil compulsão nessa menção de uma visita pesso­al a Colossos. O apóstolo poderia assim ver por si mesmo que Filemom não o havia desapontado em suas expectativas”. O tato de Paulo é, com certeza, evidente também aqui, como o é tão admiravelmente por toda a carta (veja o Sumário de Filemom). Paulo prossegue: pois espero que por intermédio de suas orações eu lhes seja concedido. Aqui aparece [no original] a segunda pessoa do plural: as orações às quais Paulo se refere não são apenas as de Filemom, mas também as de Afia, Arquipo,e, aliás, as de todos os crentes de Colossos. Não somente ele ora por Filemom (v.4) e pelos crentes em toda parte, mas quer também que os crentes orem por ele e pelos demais engajados na luta espiritual. “Ir­mãos, orai por nós”, é a linguagem que usa em outro lugar (lTs 5.25; veja também comentário em Cl 1.9, nas colunas paralelas). Além do mais, ele não diz: “Por meio das orações de vocês espero ser solto da prisão”, mas, apesar de isso ser naturalmente inferido, expressa-o de modo muito mais belo: “lhes serei concedido”. Aqui toma-se evidente mais uma vez que Paulo, o prisioneiro, está consciente da mesma provi­dência na sua própria vida para a qual já havia direcionado a mente de Filemom no verso 15, a fim de que este pudesse, com gratidão, também discernir, seja qual fosse o resultado em sua vida. Acima de tudo, Paulo demonstra aqui, como o faz com freqüência, sua firme convicção de que Deus responde às orações. Toda evidência aponta para o fato de que Paulo foi, com certeza, solto de sua primeira prisão romana e realizou mais viagens.199 Sem dúvida fez uso do quarto de hóspede preparado para ele por Filemom, seja em sua própria casa ou em outro lugar.

199. Arespeito desta evidência e acerca de uma conjectura quanto ao itinerário do apóstolo, veja

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23 Epafras, prisioneiro comigo em Cristo Jesus, o saúda, 24 [e igualmente o fazem] Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus colaboradores.

25 A graça do Senhor Jesus Cristo (seja) com o seu espírito.

versos 23-25IV. Saudações finais e bênção

A. Saudações23,24. Epafras, prisioneiro comigo em Cristo Jesus, o saúda, [e igualmente o fazem] Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus cola­boradores.A respeito desses cinco homens e as saudações por eles enviadas,

veja comentário em Colossenses 4.10-14.B. Bênção

25. A graça do Senhor Jesus Cristo [seja] com o seu [de vocês] espírito. A melhor evidência textual apóia essa tradução (ela lembra Fp 4.23; cf. também G1 6.18; ICo 16.23; lTs 5.28; 2Ts 3.18; 2Tm 4.22). Paulo, como representante oficial de Deus, pronuncia a sua graça sobre Filemom, Afia, Arquipo, e todos aqueles que se reúnem para a adoração em sua casa, sim, sobre todos os crentes colossenses. Essa graça é o seu favor merecido por meio do Ungido Senhor e Salvador, baseada nos seus merecimentos, concedida por seu Espírito. Se esse pronunciamen­to for aceito por um coração crente, então dessa bênção fluirão todas as outras, enchendo o próprio espírito (pneuma), a personalidade interior considerada como o ponto de contato entre Deus e seus filhos, com a paz de Deus que excede todo o entendimento.

Ninguém acrescentou um pós-escrito a essa preciosa carta. É intei­ramente ausente a informação se Filemom agiu ou não segundo o como­vente e primoroso apelo, apesar da inferência favorável ser inevitável. O ponto principal é: aqui está o Cristianismo em ação. Aqui está uma real demonstração e demonstração de/e por meio de amor.

CNT em 1 e 2 Timóteo e Tito. Quem escreveu as pastorais? (6); IV. Qual é o seu antecedente histó­rico e seu propósito?

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Sumário de FilemomÉ uma obra-prima de Paulo, cheia de apelo habilidoso, na qual ele

pede a Filemom que o escravo fugitivo, Onésimo, agora um homem penitente e convertido, retome à casa de onde fugiu, seja completamente aceito.

(1) Ouça-me, isto é, a Paulo, um homem que envelheceu no serviço do Senhor (v.9).

(2) Sou agora um prisioneiro de Cristo Jesus (vv.1,9). Certamente, comparado às agruras de minha prisão, quão pequeno é o favor que lhe peço.

(3) Além disso, eu sou seu amigo, que o ama e admira pela maneira como você tem, continuamente, reanimado o coração dos santos (vv.4,5,7-9,20).

(4) Estamos em dívida com Deus por toda a sua bondade para co­nosco (v.6). Você, igualmente, está em dívida comigo. Aliás, você me deve a própria vida (v. 19).

(5) Onésimo é meu filho, meu próprio coração, um irmão amado (vv. 10,12,16).

(6) É sua vantagem atender ao meu pedido para aceitar Onésimo, pois aquele que era antes inútil se tomou útil. Eu, de minha par­te, certamente o considero assim (vv. 11,13,14).

(7) Uma ação favorável de sua parte estaria em harmonia com a providencial direção divina, à qual deveríamos reconhecer com gratidão (vv. 15,22 b).

(8) A comunhão de todos os crentes em Cristo exige isso, pois não estamos incluídos apenas você e eu, mas também Onésimo (v. 17).

(9) Tenho confiança de que você vai obedecer (v.21).(10) Quero que você me prepare um quarto, pois espero, em respos­

ta às orações dos filhos de Deus, ser restituído a vocês (v.22b). Certamente você não deseja desapontar-me.

Estes são os dez argumentos usados por Paulo.

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A pên d ic e

O que a Bíblia diz sobre tatoEsse assunto é geralmente negligenciado nos vários livros das ciências bíblicas. Ainda mais, não se lhe tem dado a menor importância. O tato é sem dúvida uma virtude. Apesar de sua existência não poder ser nega­da, com freqüência em grau bastante elevado, entre as pessoas do mun­do (cf. Lc 16.8), ainda assim, na sua forma mais nobre, constitui um produto da graça especial. Seus pais são o Amor e a Sabedoria. É aque­la habilidade que, sem qualquer sacrifício de honestidade ou franqueza, capacita uma pessoa a falar a palavra certa na hora certa, e agir da maneira correta em qualquer situação. É prudência premeditada, a pers­picácia, a mãe da ingenuidade santa. A pessoa de tato não se furta ao seu dever mesmo quando está convencida de que deve admoestar ou repreen­der. Mas ela aprendeu a arte de fazê-lo sem ser rude. É humilde, paciente e bondosa. O apóstolo Paulo pinta este quadro em 1 Coríntios 13.

O próprio Deus é o arquétipo ou modelo do tato a ser imitado pelos homens, como ensina tão admiravelmente Isaías 28.23-29. Sua divina sabedoria, aliada à consideração, é demonstrada em mais de uma ma­neira; por exemplo, no caso da criação de Eva (Gn 2.18-24); no seu trato punitivo, porém misericordioso, com Adão e Eva imediatamente após a queda (Gn 3.9-19); no modo como lidou com Caim (Gn 4.7,15), com Abraão (Gn 12.1-3; cf. capítulos 15,17,18,22) e com Jonas (Jn 4.10,11). Estes são alguns poucos exemplos. Aliás, Deus sempre usa a abordagem correta.

Jesus, durante sua estada na terra, demonstrou essa qualidade repe­tidas vezes. Eis alguns poucos exemplos de seu tato ao tratar com as pessoas: a ressurreição da filha de Jairo (veja especialmente Mt 9.25; Lc 8.55b); o envio de trabalhadores à vinha espiritual, selecionando aqueles mesmos homens que, por sua sugestão, estiveram orando em favor de tais trabalhadores (Mt 9.37-10.11); seu glorificado ensina­mento a respeito do caráter indispensável à humildade (Mt 18.1-3; Jo 13.1-18); sua conversa com amulher samaritana (Jo 4.1-42), com Tomé (Jo 20.24-29) ecom o amargurado Pedro (Jo 21.15-17).

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Dentre tantos exemplos bíblicos de fatos puramente humanos, en­contram-se os seguintes:

a. No Antigo Testamento. A generosa proposta de Abraão feita a Ló (Gn 13.1-13); o desafio de Josué aos anciãos de Israel, quando ele toma a frente fazendo por si mesmo e por sua família o que deseja que eles façam por eles e suas famílias (Js 24.15); o comovente pedido de Abi­gail a Davi, uma súplica apresentada tão habilidosamente que o levou a exclamar: “Bendita seja a tua prudência” (ISm 25.14-33); a parábola de Natã sobre “a pequena cordeirinha” (2Sm 12.1-12); o julgamento sábio de Salomão (lRs 3.16-28); e o ardente pedido de Mordecai apre­sentado sua prima e filha de criação, a rainha Ester (Et 4.13,14).

b. No Novo Testamento. A ação refletida de José em relação a Ma­ria (Mt 1.19); a humilde recusa de João Batista (Jo 3.22-30); a obse­quiosa ação do “discípulo a quem Jesus amava” para com Maria, a mãe de Jesus (Jo 27.19b); o conselho de Gamaliel (At 5.33-42); o parecer equilibrado e positivo do Concílio de Jerusalém (At 15.22-29); o irrecu­sável convite feito por Lídia aos missionários (At 16.15); as palavras pacificadoras do escrivão da cidade (At 19.35-41); a exposição de Pau­lo ao Sinédrio, “no tocante à esperança e à ressurreição dos mortos sou julgado”, bem verdadeira e bem engenhosa (At 23.6-9); e seu corajoso procedimento e palavras inspiradores durante a Viagem Perigosa nos momentos quando tudo parecia perdido (At 27.20-26,33-36).

Essa característica dos grandes homens do Antigo Testamento e da Igreja primitiva não pode ser menosprezada. Aliás, não é de forma algu­ma exagero dizer que uma das razões para o quase inacreditável suces­so de Paulo como missionário se deve ao seu tato em lidar com os ho­mens. Assim, por exemplo, ele estava ansioso por fazer “todas as coisas para todos os homens” para que pudesse por todos os modos salvar alguns (ICo 9.22). Logo, escolhia cuidadosamente uma abordagem para com os judeus (At 13.16-41), mas outra para com os gentios (At 17.22­31); não se dirigia somente a grandes públicos, mas procurava indiví­duos para levá-los a Cristo (lTs 2.11); trabalhava em serviço manual entre o povo a fim de não ser um peso a eles (lTs 2.9); e em suas epístolas cuidava, sempre que possível, em dizer palavras de elogio e encorajamento antes de apresentar suas admoestações de reprimenda. Contudo, nunca empregou palavras bajulatórias (lTs 2.5), e era capaz, quando a situação exigisse, de dizer: “0 gálatas insensatos! Quem vos fascinou”? (G1 3.1.).

Antes de deixar esse assunto acerca do uso do tato, deve-se ressaltar que o emprego de discrição ou prudência em assuntos práticos é como

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APÊNDICE 501

se fosse um tema a permear o livro de Provérbios, do início ao fim (veja especialmente Pv 1.4; 2.1-5,11; 3.1-12,21; 5.2; 8.12; 10.19; 11.22; 15.1,17,28; 19.11; 22.24,25; 25.11).

O que a Bíblia diz sobre a escravaturaNos tempos antigos, a escravatura era largamente utilizada. Era

prática comum, especialmente entre os gregos, reduzir ao estado de es­cravidão os cativos, e freqüentemente os criminosos e endividados. Na ilha de Delos, às vezes eram vendidos até dez mil escravos num só dia. Entre os romanos, o destino dos escravos parece ter sido bem mais cruel do que entre os gregos. O escravo não possuía direito algum. A lei não lhe oferecia nenhuma proteção. Existem certamente registros de oca­siões em que os senhores agiram com bondade para com seus escravos, mas foram exceções. Não é de se surpreender que uma civilização que enxergava a todos os estrangeiros como “bárbaros” e o trabalho como “vulgar e indigno do homem livre” (cf. CNT lTs 2.9) desse as boas- vindas à escravatura.

No Antigo Testamento, sentimos imediatamente o sopro da revela­ção especial. Entramos num mundo diferente. Devemos livremente ad­mitir que o Antigo Testamento não considera a posse de escravos como sendo sempre e sob todas as circunstâncias um mal moral. Aos israeli­tas era permitido impor a punição da escravatura àquelas nações cuja taça de iniqüidade estava cheia (Gn 15.16; Lv 25.44-46). Um ladrão que não podia fazer uma restituição segundo a lei tinha de ser vendido como escravo (Ex 22.1-3). Estas eram regulamentações divinas de ca­ráter punitivo. Mas tais condições estavam longe de ser uma permissão divina e indiscriminada a ponto de qualquer um ir e raptar homens para seu próprio deleite e lucro. A aprovação divina não repousava sobre o seqüestrador. Nesse ponto a lei era clara: “O que raptar um homem, e o vender, ou for achado na sua mão, será morto” (Êx 21.16). Desse modo, quando em séculos mais recentes, alguns têm tentado defender a escra­vatura moderna, apelando para Moisés, têm-no feito sem qualquer som­bra de fundamento.

A base insegura para tal argumento toma-se ainda mais evidente quando é levada em consideração a crueldade que tem caracterizado cada século em relação ao comércio escravagista. Talvez um único dia como escravo num “navio negreiro” teria mudado a mente de muitos defensores da escravatura. E bem possível que se eles próprios tivessem sido acorrentados a outros escravos por dezesseis horas num comparti­mento de noventa centímetros de altura, com pouca - e em caso de mau

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tempo com nenhuma - ventilação; se tivessem visto outros escravos morrerem em alto-mar com disenteria, varíola ou outra doença; e, no caso de terem chegado a salvo, tivessem ficado de pé numa plataforma, expostos a toda vulgaridade do tratamento desumano; e, depois, ao tra­balharem, tivessem sido açoitados sem piedade pelo chamado “feitor”, provavelmente nunca mais defenderiam a escravatura, nem mesmo “como um meio indispensável para levar os ímpios a Cristo”.

É exatamente a crueldade da escravatura que até mesmo o Antigo Testamento se opõe com toda veemência possível. Note o seguinte:

(1) A um homem que compra uma escrava com a intenção de fazer dela uma esposa inferior, não é permitido tratá-la como escrava (Ex 21.7-11).

(2) A extrema crueldade para com um escravo deve resultar em alforria imediata (Ex 21.26,27).

(3) É estritamente proibido devolver um escravo fugitivo a seu se­nhor para se tomar escravo uma vez mais (Dt 23.15).

(4) Apesar de existir uma diferença entre os comentaristas a respei­to da questão se toda regulamentação pertinente ao tratamento bondoso para com os escravos se aplicava aos escravos estrangeiros (não hebreus) bem como aos israelitas, a maior evidência é certamente direcionada à ordem divinamente imposta de, pelo menos, demonstrar justiça e miseri­córdia para com todos, inclusive o estrangeiro. Assim, por exemplo, foi feita provisão definida para a incorporação dos escravos estrangeiros na comunhão religiosa de Israel, e isso por intermédio da circuncisão (Gn 17.12,13,22,23,26,27) e pela participação na ceia Pascal (Êx 22.44).

(5) Entre os israelitas, uma pessoa empobrecida poderia “vender a si mesma” para poder assim pagar suas dívidas. Mas, na realidade, sua condição não era a de escrava, e, sim, a de uma escritura simples para aprendizado voluntário (Lv 25.39).

(6) Essa regra básica em Israel é declarada em Levítico 25.42,43, a saber, “são meus servos, que tirei da terra do Egito: não serão vendidos como escravos, nem se assenhoreará deles com tirania; tema, porém, ao seu Deus” (Lv 25.42,43; cf. Ne 5.5).

(7) O sétimo ano era, para o servo hebreu contratado, um ano de emancipação (Ex 21.1,2), ou se o ano do jubileu chegasse antes do sétimo ano, então aquele significava liberdade (Lv 25.39-41).

(8) Quando um hebreu tivesse servido o seu tempo de contrato, não deveria ser mandado embora como pobre ou mendigo. Pelo contrário, “E, quando você o despedir para a liberdade, não o deixará ir de mãos

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APÊNDICE 503

vazias. Liberalmente lhe fornecerá do seu rebanho, da sua eira e do seu lagar. Assim como Jeová seu Deus o abençoou, você deverá dar-lhe. Você se lembrará de que foi um dia escravo na terra do Egito, e que Jeová seu Deus o redimiu. Esta é a razão pela qual lhe ordeno isto hoje” (Dt 15.13-15).

(9) Aliás, existia a probabilidade de, por vezes, um servo contrata­do, ao receber a permissão de se tomar um homem livre, dizer: “Amo a meu senhor, minha mulher e meus filhos; não sairei livre”. Havia sido feita provisão definida para que também tal desejo pudesse ser satisfeito (Êx 21.5,6).

Chegamos agora ao Novo Testamento. Aqui, na atitude do centu- rião para com seu escravo, encontra-se o correlativo do número (9), acima. Quando as condições eram ideais, o “eu amo a meu senhor” do escravo (Êx 21.5) seria respondido pelo “meu servo me é precioso” do senhor (Lc 7.2), e vice-versa. Nosso coração se enche de puro gozo ao ouvir o centurião se dirigir a Jesus com estas palavras: “Diga uma pala­vra, e o meu rapaz será curado” (Lc 7.7). Seguramente, essa “escravi­dão” cessou completamente de ser escravidão. E mais, o amor procla­mado por Jesus, um amor extensivo até aos inimigos (Mt 5.43-48), tive­ra seu efeito certeiro no pensamento de todo crente firme. Paulo procla­mou a verdade: “Não pode haver nem judeu, nem grego; nem escravo, nem livre... vocês são todos um só homem em Cristo Jesus” (G13.28). Deus não valoriza mais aos senhores do que aos escravos. Para ele não há nenhuma parcialidade (Ef 6.5-9; Cl 3.11,25). Não é, portanto, de causar surpresa Paulo mencionar os “seqüestradores” ou “comercian­tes de escravos” juntamente com os assassinos e sodomitas, como aque­les contra os quais a lei de Deus troveja suas denúncias (lTm 1,9b, 10). O livro do Apocalipse sugere que uma das razões da queda e desolação da Babilônia foi o comércio escravagista (Ap 18.13).

Assim, o Antigo e o Novo Testamento se assemelham demonstrando que, apesar de estarem errados os que vinculam um valor exclusiva­mente “social” ao Cristianismo, também estão errados os que lhe desig­nam um propósito tão abstratamente “religioso”, sem ligação com as situações concretas da vida. Seguramente o Cristianismo é uma reli­gião, mas uma religião que encerra princípios para a ação humana em cada esfera da vida. Nenhum cristão deveria ter receio de condenar a maldita escravatura. Ele tem as Escrituras, o Antigo e o Novo Testa­mentos do seu lado.

Isso não quer dizer que nem Jesus, nem Paulo defendiam a revolu-

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ção social: alforria imediata de todo escravo. Tal revolução repentina de toda a economia romana teria resultado em miséria indescritível para muitos escravos que dependiam de seus senhores para viver, e teria co­locado um obstáculo intransponível à propagação da fé cristã.

A emancipação forçada não tem sido apreciada nem mesmo pelos escravos. O livreto Strange But True, páginas 6 e 7, relata que quando a Rússia Imperial ganhou o controle do território caucasiano, o vice-rei do czar ordenou aos príncipes locais e emanciparem seus escravos do­mésticos. No entanto, quando os escravos ficaram sabendo, protesta­ram amargamente e insistiram que a escravatura constituía seu direito hereditário.

Outra cena um tanto semelhante é retratada de modo comovente por Susan Dabney Smedes, cujos ensaios se encontram em The Heritage o f America, páginas 796-800. É sobre o tempo do pós-guerra civil. Ela escreve que muito tempo depois de Lincoln ter concedido a Proclama­ção Emancipatória “nenhuma aparente mudança teve lugar entre os ne­gros de Burleigh. Os que trabalhavam nos campos saíam como de cos­tume, cultivavam e colhiam. Os de dentro de casa faziam suas tarefas costumeiras. Esperávamos que partissem ou exigissem salários, ou que pelo menos dessem algum sinal de que sabiam ser livres. Mas, não vi­mos nenhuma mudança neles, exceto o fato de que estavam muito quie­tos e sérios, mais obedientes e bondosos como jamais os tínhamos visto, a não ser, por umas poucas semanas, em tempo de doença ou outra aflição. No Natal receberam compensação por seus serviços dentro da­quilo que parecia justo. Posteriormente lhes foi oferecido, e aceito, um salário fixo. Thomas então os chamou e lhes disse que não mais lhe pertenciam, e que deveriam parar de chamá-lo senhor. Sim, sinhô, sim, sinhô, foi a resposta deles.”200

Ora, qualquer que seja a importância das objeções contra essas idéias- elas devem ter tido características excepcionais - continua sendo ver­dade que o segundo exemplo aponta na direção certa para uma solução genuína, e não apenas sobre a questão da escravatura do passado mas de problemas semelhantes da atualidade. O que Paulo ensina, não ape­nas em sua carta a Filemom, mas também em outros trechos, é que o amor, vindo de ambos os lados (senhores e escravos), é a única solu­ção. Esse amor é a resposta do amor de Deus para com seus filhos, seja este filho negro ou branco, escravo ou livre, isto não faz nenhuma dife-

200. Do livro The Heritage o f América, organizado por Henry Steele Commager e AUan Nevins, Copyright 1939, 1949 por Henry Steele Commager e Allan Nevins. Reeditado com permissão de Little, Brown and Company, Publishers.

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rença. É o amor de Deus que derrete a crueldade transformando-a em bondade e, assim fazendo, transforma déspotas em patrões bondosos, escravos em servos desejosos de servir, e a todos os que o aceitam, em “irmãos” em Cristo. O reinado ou governo de Deus trabalha de dentro para fora, não de fora para dentro. A verdade do evangelho (Mt 5.43­48; 7.12; Jo 3.16; At 10.34,35; Rm 3.21-24; 12.9-14; ICo 13; Ef 6.5-9; Cl 3.12-17,25-4.1) fará muito mais para resolver questões sociais do que algumas baionetas.

Breve bibliografia a respeito da escravaturaAlém de artigos acerca da escravatura nas melhores enciclopédias, veja tam­

bém os seguintes:J. O. Buswell, Slavery, Segregation, and Scripture, Grand Rapids, 1964. Esse

livro apresenta uma boa bibliografia, págs. 93-97.H. S. Commager e A. Nevins (org.), The Heritage o f America, especialmente

seções 99 (“The Rev. Mr. Walsh Inspects a Slave Ship”) e 183 (“Thomas Dabney Does the Family Wash”).

J. C. Furnas, Goodbye to Uncle Tom. Nova York, 1956.A. Grünfeld, Die Stellung der Sklaven bei den Juden, Jena, 1886.E. Hamilton, “The Roman Way”, R. Carpenter, “Ancient Rome Brought to Life”,

e R. Stillwell, “Greece - The Birthplace of Science and Free Speech”, três artigos in Everyday Life in Ancient Times, publicados pela National Geogra­phic Society, 1951, como reimpressões de artigos das edições de outubro de 1941, março de 1944, novembro de 1946 e janeiro de 1951.

M. Mielziner, Die Verhältnisse der Sklaven bei den alten Hebräer, Leipzig, 1859, tradução em inglês in Evang. Review, 1862, págs. 311-355.

P. Schaff, Slavery and the Bible, Mercersburg, 1860.J. R. Spears, The American Slave Trade, Nova York, 1960.R. Wallace, “How the Negro Came to Slavery in America”, Life, 3 de setembro de

1956.

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B ib l io g r a fia S eleta

Recomendo especialmente os seguintes:Bruce, F. F., Commentary on the Epistle to the Colossians (New International

Commentary on the New Testament), Grand Rapids, MI, 1957.Calvin, John, Commentarius in Epistollam Pauli A d Colossenses... Ad Philemo-

nem (Corpus Reformatorum, vol. LXXX), Brunsvigae, 1895; tradução para o inglês (Calvin ’s Commentaries), Grand Rapids, MI, respectivamente, 1957, 1948.

Lightfoot, J. B., Saint Paul’s Epistles to the Colossians and to Philemon, reim­pressão da edição de 1879, Grand Rapids, MI.

Ridderbos, Herman, Aan de Kolossenzen (Commentaar op het Nieuwe Testa­ment), Kampen, 1960.

B ib l io g r a fia G er a l

Para os demais títulos, veja a lista de abreviações e breve bibliografia a res­peito da escravatura.Abbott, T. K., The Epistles to the Ephesians and to the Colossians (International

Critical Commentary), Nova York, 1916.Ante-Nicene Fathers, dez volumes, reimpressão, Grand Rapids, MI, 1950, para

referências a Clemente de Alexandria, Irineu, Justino Mártir, Origenes, Tertu- liano, etc.

Barclay, W., The Letters to the Philippians, Colossians, and Thessallonians (The Daily Study Bible Series), segunda edição, Filadélfia, 1959.

Barnes, A., Notes on the New Testament, Ephessians, Philippians and Colossi­ans, reimpressão, Grand Rapids, MI, 1949; também Thess.-Philemon.

Barnett, A. E. The New Testament: Its Making and Meaning, Nashville, 1946. Beare, F. W., The Epistle to the Colossians (Interpreter’s Bible, Vol. XI), Nova

York e Nashville, 1955.Benoit, P., La Sainte Bible traduite em français sous la direction de l ’Ecole Bibli­

que de Jerusalem, 1949.

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508 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

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referências às seguintes traduções em inglês: A.V., A.R.V., R.S.V., Berkeley, N.E.B., New American Standard, Moffatt, Goodspeed. Essas são referências. A tradução que se encontra no CNT seguida de exegese é do próprio comentarista.

Bieder, W., B rief and die Kolosser, Zurique, 1943.Bruce, F. F., Commentary on the Epistle to the Colossians (New International

Commentary on the New Testament), Grand Rapids, MI, 1957.Buckler, W. H., e Calder, W. M., Monumenta Asiae Minoris Antiqua, vol. VI.

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nem (Corpus Reformatorum, vol. LXXX), Brunsvigae, 1895; tradução para o inglês (Calvin ’s Commentaries), Grand Rapids, MI, respectivamente, 1957, 1948.

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zum Neuen Testament), 3§ edição, revisada por H. Greeven, Tübingen, 1953.Dodd, C. H., Colossians and Philemon (Abingdon Commentary), 1929.Erdman, C. R. The Epistles o f Paul to the Colossians and Philemon, Filadélfia,

1933.Findlay, G G., “The Reading and Rendering of Colossians 2:18”, Exp, primeiras

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Institute, 1906-1953.Fransen, H., “Enkele Opmerkingen over de exegese van Kol. 2:8 en 9”, G TT (1952),

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510 COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

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William HendriksenTh.D. (Princeton Theologi­cal Seminary), por dez anos foi professor de Novo Testa­mento no Calvin Seminary. Iniciou a sua série de co­mentários em 1953. Desde a sua morte, em 1982, seu trabalho foi continuado e completado pelo Dr. Simon Kistemaker, professor de Novo Testamento no Refor­med Theological Seminary.“Os comentários de William Hendriksen são excelentes e uma enorme contribui­ção para um campo que se encontra longe de estar congestionado. Eles ajudam a satisfazer uma necessidade definida e urgente.”R a lph Earle

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COM ENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO

1 e 2 Tessalonicenses, Colossenses

e FilemonC om sua tradução primorosa do texto grego das cartas aos

Tessalonicenses, Colossenses e a Filem on e sua clara explanação dos textos, incluindo os m uito debatidos, W illiam Hendriksen esquadri­nha esses fundam entais escritos paulinos e os aplica vigorosam ente aos nossos dias.

A série de C om entários do Novo Testam ento foi preparada para o estudante da Bíblia que deseja profundidade e clareza. Cada volum e apresenta introdução e esboço, uma tradução crítica, co ­m entário e aplicação.

William Hendriksen, Th.D. (Princeton Theological Seminary), por dez anos foi professor de Novo Testam ento no Calvin Seminary. Iniciou a sua série de com entários em 1953. Desde a sua morte, em 1982, seu trabalho foi continuado pelo Dr. Simon Kistemaker, professor de Novo Testam ento no Reformed Theological Seminary.

Q6DITORR CUITURR CRISTÃ

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