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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

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À Luz d o Novo T e s t a m e n t o G r e g o

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A. T. ROBERTSON

COMENTÁRIO MATEUS & MARCOSÀ Luz d o N ovo T e s t a m e n t o G r e g o

Traduzido por Luís Aron de Macedo

Ia Edição

0*0Rio de Janeiro

2011

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Todos os direitos reservados. Copyright © 2011 para a língua portuguesa da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Aprovado pelo Conselho de D outrina.

T ítulo do original em inglês: Word Pictures o f the New Testament Kregel Publications, G rand Rapids, M I, EUA Primeira edição em inglês: 2004 Tradução: Luís Aron de Macedo

Preparação dos originais: Daniele Pereira e Esdras Bentho Revisão: Marcos Braga Capa: Josias FinamoreAdaptação de Projeto Gráfico e Editoração: Oséas E Maciel

C D D : 225 - Novo Testamento ISBN: 978-85-263-1066-7

As citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida, edição de 1995, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário.As citações bíblicas assinaladas pela sigla AEC referem-se a Almeida Edição Contemporânea (São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil/Vida, 1990).As citações bíblicas assinaladas pela sigla BJ referem-se a A Bíblia de Jerusalém, Nova Edição, Revista e Ampliada (São Paulo: Paulus, 2002; Terceira Impressão, 2004).As citações bíblicas assinaladas pela sigla N T L H referem-se a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000).As citações bíblicas assinaladas pela sigla N V I referem-se a Nova Versão Internacional (São Paulo: Vida, 2001).As citações bíblicas assinaladas pela sigla ARA referem-se a Almeida Revista e Atualizada (Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002).

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Casa Publicadora das Assembleias de Deus Caixa Postal 33120001-970, Rio de janeiro, RJ, Brasil

I a edição: 2011 T iragem 3.000

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Prefácio da E dição Revista

A edição original de Comentário Mateus e Marcos, da lavra de A. T. Robertson, foi publicada há mais de setenta anos. Esta obra tem proporcionado um ministério duradouro e profícuo a pastores, missio­nários e estudantes do Novo Testamento.

A revisão da obra clássica de Robertson atualiza informações e apresenta nova formatação. Compusemos a matéria do livro em tipos modernos e fizemos as seguintes mudanças:

1. Atualizamos e editamos o texto original publicado em 1930. A. T. Robertson usou a Canterbury Version, versão bíblica em inglês. Preferimos citar o texto bíblico da New American StandardBible (edição de 1995; [NASB]), salvo indicação con­trária. Dentro do escopo da revisão editorial, mudamos da or­tografia britânica para a americana.

2. Cada página identifica o livro, capítulo e versículo que está sendo examinado.

3. Optamos pelo alfabeto grego no lugar da transliteração. O gre­go transliterado foi originalmente usado por causa da dificul­dade de imprimir o texto grego.

4. Nas notas finais de capítulo, citamos outras versões bíblicas para efeito de comparação e esclarecimento.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

5. Usamos um texto grego genérico do Novo Testamento. Quando julgamos oportuno e esclarecedor, apresentamos as variantes que mostram leituras diferentes do texto grego crítico de 1881 de Brooke Foss Westcott e Fenton John Anthony H ort (WH), Texto Majoritário (TM), Textus Receptus (TR) e leituras do TR feitas por Beza (TRb) e por Stephanus (TRs).

6. Algumas abreviaturas foram escritas por extenso — como Novo Testamento (NT) e Antigo Testamento (AT) — , en­quanto outras foram mantidas, MSS para manuscrito e LXX para Septuaginta. Optamos por usar as palavras por extenso ao longo do texto e usar abreviações nas notas finais de capítulo.

7. Substituímos os números romanos pelos números arábicos.

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Prefácio da E dição d e 1 9 3 0

Faz quarenta anos (1890) que o Dr. Marvin R. Vincent escre­veu a utilíssima série de livros intitulada Word Studies in the New Testament (Estudos de Palavras do Novo Testamento). Ainda são livros úteis para o público ao qual se destina, mas muita coisa acon­teceu no transcurso desses anos. Hoje em dia estão em uso métodos mais científicos de filologia. Já não explicamos os tempos verbais e preposições gregas em termos de traduções ou trocas conjeturais inglesas de acordo com o capricho do intérprete. A gramática com­parativa elucidou muitíssimo o verdadeiro significado de formas e expressões idiomáticas do Novo Testamento. Deixamos de explicar os escritores do Novo Testamento através do uso de uma construção “por” outra. As descobertas de papiros no Egito nos deram novas ex­plicações. Palavras gregas incomuns, do ponto de vista dos críticos literários ou dos eruditos em línguas clássicas, foram encontradas no uso cotidiano em cartas e documentos comerciais e públicos.

Hoje sabemos que o grego do Novo Testamento não é um dialeto novo ou peculiar do idioma grego, mas a própria língua da época. O vernáculo Koivri, a língua falada no dia a dia, aparece no Novo Testamento como nas sucatas de papiros de Oxyrhynchus e de Fayum. Há exemplos do Koivr\ literário nos papiros como tam­bém nos escritos de Lucas, nas epístolas de Paulo, na epístola aos Hebreus. Um novo léxico grego-inglês do Novo Testamento será

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

lançado no devido tempo que anotará as muitas descobertas sur­preendentes e inéditas que os papiros e inscrições gregas nos têm oferecido. Essas descobertas foram feitas em primeira mão pelo Dr. Adolf Deissmann, então de Heidelberg, hoje de Berlim, em suas re­lações com o Novo Testamento. Os estudantes pouco acostumados com os originais alemães dispõem dos livros Bible Studies (tradu­ção de Alexander Grieve, 1901) e Light from Ancient East (edição revista traduzida por L. R. M. Strachan, 1927).

Levando em conta os novos conhecimentos de hoje, não há dú­vida da necessidade de uma nova série de livros. Muitos ministros solicitaram-me incisivamente que empreendesse tal tarefa até que, por fim, concordei em atender-lhes quando meus editores uniram-se à mesma voz. Nosso desejo é que os leitores destes livros sejam, em sua maioria, os que não saibam ou comparativamente pouco sai­bam do idioma grego, mas que, a despeito disso, estejam ávidos de inteirar-se dos mais recentes recursos do estudo de palavras e frases do Novo Testamento, por não terem acesso a livros exigentemente técnicos, como o Vocabulary o f the Greek Testament (Vocabulário do Testamento Grego), de Moulton e Milligan.

Os estudiosos críticos apreciarão as distinções mais sutis de palavras. Mas o fato triste é que muitos ministros, leigos e mulhe­res que estudaram grego na faculdade, universidade ou seminário permitiram que os cuidados do mundo e a falsidade das riquezas sufocassem o grego que eles outrora falavam. Alguns, por incrível que pareça, agiram assim no suposto interesse do próprio evange­lho, cujas mensagens vívidas eles fizeram com que ficassem cada vez mais turvas e vagas. Se alguns destes muitos reavivarem o inte­resse no grego do Novo Testamento, esta série em seis volumes terá valido a pena. Outros dentre eles talvez fiquem animados — como muitos ficaram ao ler o meu livro The Minister and His Greek New Testament (O Pastor e seu Novo Testamento Grego) — a começar a estudar o grego do Novo Testamento sob a orientação educacional de um livro como Beginner s Grammar o f the Greek New Testament (Gramática do Novo Testamento Grego para Iniciantes), de Davis. Aqueles que não têm inclinação para o grego ou careçam de opor­

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Prefácio da Edição de 1930

tunidade para estudar o idioma poderão seguir o rumo das observa­ções e usá-lo para aprimorar sermões, lições de escola dominical ou para edificação pessoal.

Para desenvolvimento puramente exegético e expositivo, seria necessário seguir uma ordem mais cronológica. Estes livros não têm a pretensão de serem um comentário formal. Em nenhuma parte o texto é analisado por inteiro, mas em todos os lugares selecio­nei para análise palavras que se me afiguraram ricas para atender as necessidades do leitor tendo em vista o conhecimento hodierno. Desta forma, grande parte da equação pessoal é inevitável. Minhas observações foram ora léxicas, ora gramaticais, ora arqueológicas, ora exegéticas, ora ilustrativas, qualquer coisa que a disposição do momento tenha me movido a escrever algo que lance luz aqui e ali nos termos e expressões idiomáticas do Novo Testamento. Outro escritor pode se sentir compelido a escrever detalhadamente sobre quesitos não tratados aqui. Este é o procedimento habitual até com comentários mais formais, por mais profícuos que sejam. Até certo ponto, o mesmo se dá quando se trata de léxicos. Ninguém sabe tudo, até na sua especialidade escolhida, ou tem a sabedoria para detectar o que todo leitor deseja que seja explicado. Contudo, até diamantes brutos são diamantes. É tarefa cabível ao leitor poli-los como desejar. Ele gira fazendo a luz deste ou daquele modo. Há certa repetição em alguns pontos, parte disso com o propósito de economizar tempo e enfatizar o ponto.

Originalmente, intitulei estes livros Ilustrações do Novo Testamento Grego pela razão óbvia de que o idioma grego era pu­ramente pictográfico. Crianças gostam de ler olhando figuras, seja onde haja somente figuras seja onde as figuras estejam entremeadas com palavras simples. A Pedra de Rosetta é um exemplo famoso. O hieroglífico egípcio está no terço superior da pedra, a língua egíp­cia demótica está no terço central com a tradução grega no terço inferior. O segredo dos hieroglíficos ou pictogramas foi desvendado por meio desta pedra. Os caracteres chineses também são pictográ- ficos ou ideográficos. As imagens representavam primeiramente as ideias, depois as palavras, depois as sílabas, depois as letras. Ainda

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

hoje no Alasca há índios que só usam figuras para comunicar ideias. “A maioria das palavras era originalmente metáforas, e as metáfo­ras estão continuamente entrando no status de palavras” (professor Campbell). Mas não é verdade que as palavras são metáforas, às vezes com a imagem da flor ainda florescendo, às vezes com a ima­gem da flor já murcha? As palavras jamais ficam totalmente longe da fase de imagens.

Estas antigas palavras gregas do Novo Testamento são ricas de significado. Elas nos falam do passado com imagens vivas para os que têm olhos para ver. E impossível traduzir tudo de uma língua para a outra. O tradutor pode transmitir muito, mas não tudo. Sutis nuanças de significado o desafiam. Mas ainda temos algumas das palavras de Jesus, como ele disse: “As palavras que eu vos disse são espírito e vida” (Jo 6.63). Jamais devemos esquecer que lidar com as palavras de Jesus é lidar com elementos que têm vida e respiração. O mesmo ocorre com todo o Novo Testamento, que é o mais mara­vilhoso de todos os livros de todos os tempos. Dá de sentir o pulsar do coração do Deus Todo-Poderoso no Novo Testamento, quando os olhos do nosso coração são iluminados pelo Espírito Santo. Que o Espírito de Deus pegue todas as coisas relacionadas a Jesus e as faça nossa, enquanto meditamos nas palavras de vida que falam so­bre o novo concerto que chamamos o Novo Testamento.

- A. T. R o b e r t s o n

Louisville, Kentucky O Evangelho segundo Mateus

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S umário

Prefácio da Edição Revista....................................................................... 5Prefácio da Edição de 1930 .................................................................... 7

O EVANGELHO SEGUNDO MATEUSIn trodução............................................................................................... 15Capítulo 1................................................................................................. 21Capítulo 2 ................................................................................................. 35Capítulo 3 ................................................................................................. 47Capítulo 4 ................................................................................................. 55Capítulo 5 ................................................................................................. 65Capítulo 6 ................................................................................................. 79Capítulo 7 ................................................................................................. 91Capítulo 8 ................................................................................................. 97Capítulo 9 ...................................................................................................107Capítulo 10................................................................................................ 115Capítulo 11................................................................................................ 127Capítulo 12................................................................................................ 137Capítulo 13................................................................................................ 147Capítulo 14................................................................................................ 163Capítulo 15................................................................................................ 175Capítulo 16................................................................................................ 183Capítulo 17.................................................................................................195

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Capítulo 18................................................................................................203Capítulo 19................................................................................................215Capítulo 2 0 ................................................................................................223Capítulo 2 1 ................................................................................................ 231Capítulo 2 2 ................................................................................................243Capítulo 2 3 ................................................................................................251Capítulo 2 4 ................................................................................................263Capítulo 2 5 ................................................................................................275Capítulo 2 6 ................................................................................................285Capítulo 2 7 ................................................................................................309Capítulo 2 8 ................................................................................................331

O EVANGELHO SEGUNDO MARCOSIntrodução...............................................................................................341Capítulo 1 ..................................................................................................345Capítulo 2 .................................................................................................. 361Capítulo 3 .................................................................................................. 371Capítulo 4 ..................................................................................................383Capítulo 5 ..................................................................................................397Capítulo 6 .................................................................................................. 411Capítulo 7 .................................................................................................. 431Capítulo 8 .................................................................................................. 441Capítulo 9 ..................................................................................................453Capítulo 10............................................................................................... 467Capítulo 11................................................................................................481Capítulo 12................................................................................................491Capítulo 13................................................................................................503Capítulo 14................................................................................................511Capítulo 15............................................................................................... 527Capítulo 16............................................................................................... 539

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Parte1

O E v a n g e lh o se g u n d o M a t e u s

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M a t e u s : In t r o d u ç ã o

Os estudiosos modernos têm levantado dúvidas a respeito da au­toria do Evangelho de Mateus em grego. Conforme citado por Eusébio, Pápias registra que Mateus escreveu o Logia de Jesus em hebraico (ara­maico). Mas será que o nosso Evangelho de Mateus foi baseado em uma tradução grega do Logia em aramaico junto com Marcos e outras fontes, como tendem a pensar tais estudiosos? Nesse caso, o tradutor foi o apóstolo Mateus ou outro discípulo? Considerando os fatos co­nhecidos, não há modo de chegarmos a uma conclusão definitiva. Não há verdadeira razão para Mateus não ter escrito o Logia em aramai­co e o nosso Mateus em grego, a menos que acreditemos que alguém editou Mateus e partes de Marcos para compor uma obra, colocando Marcos no mesmo nível que Mateus. O livro de Marcos apóia-se pri­mariamente na pregação de Simão Pedro. Em 1927, Jack P. Scholfield publicou An Old Hebrew Text o f St. Matthew’s Gospel (Um Antigo Texto Hebraico do Evangelho de Mateus). Tal obra tem de estar baseada em conjectura. Pouco sabemos sobre a origem dos Evangelhos Sinóticos para afirmarmos, de forma dogmática, que o apóstolo Mateus não foi o autor.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Se o livro for genuíno, como creio, a data torna-se tema de inte­resse. Também nesse ponto não há nada absolutamente decisivo pela pesquisa textual, a menos que Mateus tenha sido escrito depois do Evangelho de Marcos e, evidentemente, utilize Marcos. Se Marcos foi escrito em data recuada, então o livro de Mateus seria relativamente antigo. Muitos colocam o seu surgimento entre 70 e 80 d. C. Não te­mos certeza se Lucas foi escrito depois de Mateus, embora seja bastante possível. Não há como comprovar terminantemente que Lucas usou Mateus. Uma suposição é tão boa quanto a outra, e cada um decide de acordo com predileções próprias. A minha opinião é que Mateus foi escrito em cerca de 60 d.C., e constitui-se uma posição tão boa quanto qualquer outra.1

No próprio Evangelho, encontramos “Mateus, o publicano” (Mt 9.9; 10.3; cf. M t 9.9), embora Marcos (Me 2.14) e Lucas (Lc 5.27) o chamem de “Levi”. E lógico que ele tinha dois nomes (um grego e um hebraico), como também João Marcos. É significativo o fato de Jesus ter chamado esse homem de negócios de tão má reputação para segui- lo. Não há indicação de que Levi era discípulo de João Batista. Ele fôra especialmente escolhido por Jesus para ser um dos doze apóstolos. Era um homem de negócios como os pescadores Tiago, João, André e Simão. Nas listas dos apóstolos, ele consta em sétimo ou oitavo lugar. Os Evangelhos nada contam especificamente sobre ele, a não ser o fato de que fazia parte do círculo dos doze e que deu um banquete aos seus colegas publicanos para honrar o Mestre Jesus.

Mateus exercia a função de administrar contas e cuidar dos livros fiscais, sendo possível que, por hábito, tomasse notas das declarações de Jesus enquanto as ouvia. De qualquer modo, ele prestava muita atenção aos ensinos de Jesus como mostra, por exemplo, o Sermão da M ontanha nos capítulos 5 a 7, as parábolas no capítulo 13, a repre­ensão pública aos fariseus no capítulo 23 e o grande discurso escato- lógico nos capítulos 24 e 25. Como morador da Galiléia e publicano (cobrador de impostos) que colaborava com Roma, ele não era um judeu intolerante, por isso não temos um livro inclinado a favor dos judeus. Ele não mede esforços para mostrar que Jesus é o Messias judeu e a esperança nacional, e faz citações frequentes do Antigo Testamento

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Mateus: Introdução

para confirmar e ilustrar a posição messiânica de Jesus. Contudo, não encontramos nacionalismo intransigente em Mateus. Jesus é o Messias dos judeus e o Salvador do mundo.

H á dez parábolas em Mateus que não constam nos outros Evangelhos: 1) O Joio; 2) O Tesouro Escondido; 3) A Rede; 4) A Pérola de Grande Valor; 5) O Credor Incompassivo; 6) Os Trabalhadores na Vinha; 7) Os Dois Filhos; 8) As Bodas; 9) As Dez Virgens; e 10) Os Talentos. Os únicos milagres encontrados somente em Mateus são a cura de dois cegos (Mt 9.27-31) e a moeda na boca do peixe (Mt 17.24-27). A história de Bartimeu é relatada com o detalhe adicional de que um segundo cego também foi curado com ele (Mt 20.29-34). Contudo, Mateus faz a narrativa do nascimento de Jesus do ponto de vista de José, ao passo que Lucas conta essa história maravilhosa na perspectiva de Maria. Há certos detalhes da morte e ressurreição de Jesus que só aparecem em Mateus.

O livro segue o mesmo plano cronológico geral que em Marcos, mas procura colocar em grupos as matérias relacionadas, como os mi­lagres nos capítulos 8 e 9 e as parábolas no capítulo 13.

O estilo é livre de hebraísmos e tem poucas peculiaridades indivi­duais. O autor gosta da expressão “o Reino dos céus” e descreve Jesus como o Filho do Homem, mas também como o Filho de Deus. Às vezes, ele abrevia as declarações de Marcos e, outras, ele as amplia para ser mais preciso.

Alfred Plummer mostra o plano geral e amplo de Marcos e Mateus:

• Introdução do Evangelho: Marcos 1.1-13 corresponde a Mateus 3.1— 4.11.

• Ministério na Galiléia: Marcos 1.14— 6.13 corresponde a Mateus 4.12— 13.58.

• Ministério nas circunvizinhanças: Marcos 6.14— 9.50 corres­ponde a Mateus 14.1— 18.35.

• Viagem pela Peréia a Jerusalém: Marcos 10.1-52 corresponde a Mateus 19.1— 20.34.

• Ultima semana em Jerusalém: Marcos 11.1— 16.8 correspon­de a Mateus 21.1— 28.8.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

O Evangelho de Mateus consta em primeiro lugar nas páginas do Novo Testamento, embora não esteja assim em todos os manus­critos gregos. Por causa de sua posição, é o documento mais lido e mais influente do Novo Testamento. Tal honra é apropriada, embora Mateus tenha sido escrito depois de Marcos, não seja tão belo quanto Lucas e nem tão profundo quanto João. É uma descrição exata e direta da vida e ensinos de Jesus Cristo como Senhor e Salvador. O autor mostra persuasivamente que Jesus cumpre a esperança messiânica do Antigo Testamento. Desta forma, o livro serve de excelente ponto de ligação entre a profecia do Antigo Testamento e o cumprimento do Novo Testamento.

O TÍTULO

O Textus Receptus traz “O Santo Evangelho segundo Mateus” (tò « m á M k tGklov áyiov EmyyéÀiov), embora os Elzevires omi­tam “santo”, não concordando com Stephanus, Griesbach e Scholz. Só os MSS minúsculos (manuscritos gregos cursivos e todos mais recentes) têm o adjetivo. Outros MSS minúsculos e nove unciais, in­clusive o W (Códice Washington do século V), o C, do século V (ma­nuscritos palimpsestos), e o Delta, do século IX, junto com a maioria dos MSS latinos, trazem “Evangelho segundo Mateus” (EuayyéAaov Katà MoaGalov). Os MSS Aleph e B, que são os dois unciais gregos mais antigos do século IV, só têm “Segundo Mateus” (Koaà MaGGoâ ov; note a letra dupla G, theta). O manuscrito uncial grego D, do sé­culo X ou XI, segue Aleph e B, como fazem alguns dos mais antigos manuscritos latinos e o Curetoniano Siríaco. Então, está claro que a forma mais antiga do título era apenas “Segundo Mateus”. Podemos duvidar que Mateus (ou o autor, caso não tenha sido Mateus) tivesse algum título. O uso de “segundo” deixa claro que o significado não é “o Evangelho de Mateus”, mas o Evangelho conforme foi dado por Mateus, secundum Matthaeum, para distinguir o relato feito por ele do relato feito por Marcos, Lucas e João. Não há a menor autorida­de nos manuscritos para dizer “São Mateus”, uma prática católica romana observada por certos protestantes.

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Mateus: Introdução

O termo evangelho (eú ayyéÀ Loy) veio a significar “boas novas” em grego, embora originalmente se referisse à recompensa pelas boas novas, como vemos na Odisséia de Homero, em 14.152, e na LXX, em 2 Reis 4.10. No Novo Testamento, trata-se das Boas Novas de salvação por meio de Cristo. Há quem pense imediata­mente no uso do termo Palavra ou Verbo (Àóyoç) citado em João 1.1,14. Portanto, de acordo com o grego, não são as “Boas Novas de Mateus”, mas as “Boas Novas de Deus”, reveladas através de Cristo, a Palavra, o Filho de Deus, a Imagem do Pai, a Mensagem do Pai. Temos de estudar essa história conforme Mateus a descreve. A mensagem é de Deus e nos é tão nova e alvissareira hoje como o foi no período quando Mateus a escreveu originalmente.

NOTAS____________________________________________________

1 N. do E.: Desde que A. T. Robertson escreveu esta introdução, muitas pesquisas contribuíram para datar os autógrafos do Novo Testamento, inclusive a desco­berta dos Rolos do Mar Morto e outras evidências manuscritas. Os que estão dispostos a degradar a historicidade dos Evangelhos têm se esforçado, sem êxi­to, em achar evidências para colocar Mateus depois do século I. Contudo, há mais evidências para colocá-lo bem antes disso, possivelmente na década de quarenta ou início da de cinquenta.

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Capítulo1

Mateus1.1. Livro1 (Bípioç). Na abertura do Evangelho grego, não há

artigo2 mas os genitivos que seguem a palavra pípioç a tornam defi­nida. Esse termo helénico referia-se originalmente a uma planta cha­mada papiro, cujas hastes ou cascas eram usadas para fazer folhas para se escrever. A palavra papel é derivada da palavra grega Tíáuupoç (pa­piro). Pedaços de papiro eram juntados e macetados a fim de formar uma superfície plana para a escrita. Compravam-se papiros em rolos de comprimentos variados, de acordo com a necessidade do escritor. Essa palavra consta no Novo Testamento dez vezes com o significado de “livro” ou “rolo”.3 BipÀÍov é o diminutivo de Bi(3Àoç, mas nas páginas do Novo Testamento não possui a força diminutiva, sendo sinônimo de pípioç.4 A forma plural dessa palavra é Tà (3i(3Ala, da qual se deriva o termo Bíblia? Os cristãos primitivos usavam as palavras pípioç para referirem-se aos livros do Antigo e do Novo Testamento. Mateus não está aplicando a palavra livro ao Antigo Testamento, nem ao livro que está escrevendo. Ele se refere à geração6 de Jesus Cristo (BípÀoç yevéaeGOc; TipoO Xplotou). Moífatt traduz por “o rolo do nascimento de Jesus Cristo”. Não temos meio de saber onde o escri­tor obteve os dados para compor essa genealogia. Difere radicalmente

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

da genealogia que consta em Lucas 3.23-38. Podemos apenas teori­zar sobre a diferença. Pelo visto, em Mateus temos a genealogia de José, que seria a genealogia legal de Jesus de acordo com o costume judaico. Em Lucas, entretanto, temos a genealogia da realeza de Jesus através de Maria, que, como seria de se esperar, Lucas descreve por estar escrevendo para os gentios.

Jesus Cristo (Ir|aoü Xplotou). A ausência de artigos é comum em títulos de livros. Mateus usa os dois nomes, Jesus Cristo. O primeiro é o nome Jesus (’Ir]ooOç), dado pelo anjo a José (Mt 1.21), descrevendo a missão da criança. O segundo nome era originalmente um adjetivo verbal (Tr|aoOç) que significa ungido, do verbo ungir. Na LXX consta frequentemente como adjetivo, por exemplo, “sacerdote ungido” (1 Rs 2.10 na LXX é igual a 1 Sm 2.10 na Escritura canônica), e depois como substantivo para traduzir a palavra hebraica Messias (Meooíaç). André disse a Simão: “Achamos o Messias (que, traduzido, é o Cristo)” (Jo 1.41). Nos Evangelhos, às vezes é o Ungido, o Messias, ou é um nome próprio com título, como aqui, Jesus Cristo. Nas epístolas, escritas perto do final de sua vida, Paulo grafa normalmente Cristo Jesus.

Filho de Davi,7 Filho de Abraão (ulou Aauiõ8 uloO ’APpaá|i). Mateus propõe mostrar que Jesus Cristo é, no lado humano, filho de Davi, como o Messias tinha de ser, e filho de Abraão. Ele não era um mero herdeiro judeu das promessas abraâmicas; ele cumpria a promes­sa feita a Abraão. Mateus começa a linhagem messiânica com Abraão, ao passo que Lucas retrocede a linhagem de Cristo até chegar a Adão. O hebraico e o aramaico usam muito a palavra Jilho para referir-se à qualidade ou caráter da pessoa, mas aqui a ideia literal é descendência consanguínea. Os cristãos são chamados filhos de Deus, porque Cristo nos deu essa dignidade (Rm 8.14; 9.26; G1 3.26; 4.5-7). O versículo 1 é a descrição da lista apresentada nos versículos 2 a 17. Os nomes apre- sentam-se em três grupos: primeiro, de Abraão a Davi (w. 2-6); segun­do, de Davi à deportação babilónica (w. 6-11); terceiro, de Jeconias a Jesus (w. 12-16). A deportação babilónica (|iexoiKeoíaç Ba|3uÀtóvoc;) ocorre no fim do versículo 11, no começo do versículo 12 e duas vezes no resumo do versículo 17. Mateus usa esse grande acontecimento para diferenciar as duas últimas divisões uma da outra. E excelente a ilustra­

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Mateus 1

ção do genitivo quanto ao caso de gênero ou tipo. A deportação para a Babilônia pode significar “para a Babilônia” ou “da Babilônia”. Mas os leitores judeus conheciam os fatos do Antigo Testamento. Mateus quer dizer a deportação “para a Babilônia”.9 O versículo 17 faz um resumo das três listas, quatorze nomes em cada, contando Davi duas vezes e omitindo vários nomes, um tipo comum de dispositivo mne­mónico. Mateus não quer dizer que só havia quatorze descendentes em cada uma das três listas genealógicas. Os nomes das mulheres (Tamar, Raabe, Rute e Bate-Seba, a mulher de Urias) também não são conta­dos. Mas é uma lista muito interessante.

1.2. Gerou10 (éyévvr|oev). Como acontece em alguns dos primei­ros capítulos de Gênesis, esta palavra ocorre com regularidade até o versículo 16, chegando ao nascimento de Jesus, quando há então uma mudança súbita. A palavra nem sempre significa ascendência imediata, mas meramente descendência direta. O artigo ocorre todas às vezes com o complemento direto 4yévvr|aev, mas não com o sujeito do verbo para distinguir os nomes próprios. Os nomes próprios indeclináveis (inflexíveis) têm normalmente o artigo se a situação não estiver clara. Note que aqui os nominativos não têm artigo, mas os acusativos têm. O artigo enfatiza a distinção entre o sujeito e o complemento direto. A conjunção de. funciona aqui como mero copulativo em lugar de atuar como oposição.11

1.2-16. Jessé gerou ao rei Davi... Jacó gerou a José... (Ieooal õe èyéwri oev tòv ôéavlô tòv Paca Aia...’Iaicàp õe kykvvv\o^v xòv ’Iwoqcjj ) No caso de Davi, o rei (Mt 1.6), e José, o marido de Maria (Mt 1.16), o artigo é repetido para mostrar justaposição. A menção dos irmãos de Judá (Mt 1.2) e de Perez e Zerá (Mt 1.3) indica que Mateus não estava copiando uma linhagem conhecida, mas compilava a sua própria lista.

Da que foi mulher de Urias (ék Tf|ç toü Oúpíou). No versículo 6, o artigo duplo ilustra o genitivo de relação. O tf|c; feminino se refere à espo­sa de toíj Oúp lod. As palavras da que foi mulher de Urias12 estão indicadas no grego pelo artigo rf|ç. A tradução exige uma paráfrase ou expansão do artigo para que o texto seja compreensível (ver 2 Sm 11— 12). Em grego, a soletração dos nomes hebraicos é feita violando-se as regras gregas para

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

a terminação das palavras que não terminam em consoantes, exceto v, p, or ç. A ortografia grega dos nomes difere da ortografia hebraica. Uma das razões é que, em grego, o uso do som de h está limitado ao sinal diacrítico aspirado colocado no começo da palavra, ou às consoantes duplas x (“ch”),9 (“th”) e (j) (“ph”). Assim, em grego, Abrão ou Abraão sempre é soletrado da mesma forma “'A(3paá|i” sem o som de h que tem em hebraico. Outro exemplo é Br|9À.ée i (Mt 2.1ss.), que em hebraico tem o som de h na úl­tima sílaba. Além disso, as palavras gregas só podem terminar com vogal, ditongo, com as consoantes v, E, ou tjf ou com as consoantes duplas x e y . Isso força uma alteração em os nomes adaptados para o idioma gre­go. Por exemplo, a palavra hebraica Judah se tornaria Judas (’Ioúôaç ou ’Ioúôa), porque o grego não tem o som de h no fim da palavra como tem na palavra hebraica. Quando os substantivos próprios gregos terminam em letras que não sejam vogal, ditongo, as consoantes v ou ” ou as con­soantes duplas, indicam que se trata de uma transliteração de nome es­trangeiro para o grego. A maioria destes nomes próprios é indeclinável.

1.16. José, marido de Maria, da qual nasceu JESUS, que se chama o Cristo (xòv ’Ioooricj} xòv avôpa M apíaç, èE, rjç èyewiíGri ’IriooCç ó Xeyófieyoç X p io ioç).13 Todos os MSS gregos apre­sentam o versículo 16 como está acima, exceto o Grupo Ferrar dos manuscritos minúsculos que é apoiado pela Versão Sinaítica Siríaca. Esse grupo traz a leitura: “Jacó gerou José; José, que estava noivo da virgem Maria, gerou Jesus que é chamado o Cristo”. Mas um estudo mais minucioso desta leitura mostra que o escriba não tencionava negar o nascimento virginal de Jesus. A própria frase diz que Maria era virgem e a passagem sobre José (Mt 1.18-25) fala que ela não foi tocada, que são dados que afirmam term inan­temente o nascimento sobrenatural de Jesus. É provável que tudo que signifique essa leitura de “gerou” é que José era o “‘suposto pai’ (ou seja, pretenso, conhecido, reputado, comumente conside­rado) de Jesus”, como traduz M offatt em New Translation o f the New Testament (Nova Tradução do Novo Testamento). É notável que o mais antigo fragmento de papiro (P’) de qualquer porção do Novo Testamento contenha o texto grego comum de Mateus 1.16.14

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Mateus 1

1.18. Ora, o nascimento de Jesus Cristo (ToO ôe ’Iipou XpioxoG T) yéveoLÇ1-"'). A palavra outjgoç, mostra que um novo tópico será apre­sentado em perfeita harmonia com o raciocínio precedente. No grego, Jesus Cristo vem antes de nascimento, indicando o assunto importante depois de 1.16.16 Mas é claro que a história do nascimento de Jesus Cristo será contada brevemente. “Foi assim” (outg)ç) é expressão idio­mática grega habitual. Em vez de nascimento, os MSS mais antigos têm a palavra geração (yéveo iç) usada em 1.1, e não a palavra gerou como ocorre em 1.16 (èyéwr|aev). “Na realidade, é a palavra Gênesis. O evangelista está a ponto de descrever, não a gênese do céu e da terra, mas a gênese daquele que fez o céu e a terra, e que ainda fará um novo céu e uma nova terra.”17

Estando Maria, sua mãe, desposada com. José ([ivr|Gi;ei)9eíar|<;18 ufjç |ir|Tpòç aÚTOÍ) Mapíaç tcô ’Icoar|4>).19 Mateus passa a explicar a decla­ração feita em 1.16, que insinuara que José, embora pai legal de Jesus na linhagem da realeza, não era o pai biológico do filho de Maria. Estar desposado (noivo) era questão séria entre os judeus, em cujo estado civil não se entrava levianamente e nem se desfazia facilmente. “O homem que desposava uma moça era legalmente o seu marido (Gn 29.31; Dt 22.23-28), sendo impossível o cancelamento informal do noivado.”20 Embora não vivessem juntos como marido e mulher até ao casamento, a quebra de fidelidade por parte de um dos noivos era tratada como adultério e punível pela morte. Mateus usa a construção do caso geni­tivo absoluto, uma expressão idiomática grega bastante comum.21

Do Espírito Santo (ék iTveúiiaToc; (xyíou).22 A descoberta de que Maria estava grávida foi inevitável e claro que ela não contara a José.

Achou-se ter concebido (eupé0r| kv yompl ’éxouoa). Este modo de dizer, que é expressão idiomática grega costumeira, mostra nitidamente que foi a descoberta que chocou José. Ele ainda não sabia o que Mateus afirma claramente, que foi o Espírito Santo, e não José ou outro homem, o responsável pela gravidez de Maria. O nascimento virginal de Jesus tem sido um fato intrigante para certas pessoas ao longo de todos estes séculos e continua sendo uma dificuldade para quem não crê na preexistência de Cristo, o Filho de Deus, antes de encarnar-se. Este é o fato primordial sobre o nascimento de Cristo. Paulo (2 Co 8.9; Fp 2.5-11; e implícito

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

em Cl 1.15-19) e João (Jo 1.14; 17.5) declaram abertamente a encarna­ção de Jesus. Quem admite francamente a preexistência e a Encarnação de Jesus deu o passo mais longo e mais difícil na questão do nascimento sobrenatural de Jesus. Sendo verdade, não há nascimento meramente humano, sem o elemento sobrenatural, que explique os fatos admissi- velmente. A Encarnação é muito mais que a habitação de Deus pelo Espírito Santo no coração humano. Admitir a Encarnação e também o nascimento humano pleno, de pai e mãe, cria uma dificuldade maior que admitir a concepção pelo Espírito Santo. Só Mateus e Lucas contam a história do nascimento sobrenatural de Jesus, embora João 1.14 toque no assunto. Marcos não tem absolutamente nada relativo ao nascimento e infância de Jesus e, portanto, não pode ser usado como testemunha do caso. Mateus e Lucas insistem que Jesus não teve pai humano. Na natureza, há formas reprodutivas como a partenogênese entre animais de espécies inferiores de vida. Mas este fato científico não tem sustentação aqui. Vemos Deus enviando o seu Filho ao mundo para ser o Salvador do mundo. Ele lhe deu uma mãe humana, mas não um pai humano, de forma que Jesus Cristo é Filho de Deus e Filho do Homem — o Deus- Homem. Mateus conta a história do nascimento de Jesus na perspectiva de José, como Lucas a conta do ponto de vista de Maria. As duas narra­tivas se harmonizam. Há quem atribua essas descrições do nascimento ao que se sabe sobre o amor e o poder do Deus Todo-Poderoso de fazer o que bem quer. Para Deus, que tem todo o poder e conhecimento, não existe milagre. As leis da natureza expressam a vontade de Deus, mas Ele não revelou toda a sua vontade nas leis que descobrimos. Deus é Espírito. Ele é Pessoa. Ele mantém em seu poder toda a vida. Dizem que João 3.16 é o “Pequeno Evangelho”, porque apresenta resumidamente o amor de Deus pelos homens enviando o seu próprio Filho para viver e morrer por nós.

1.19. Como erajusto2i (õÍKcaoç wv). Este mesmo adjetivo é usado para qualificar Zacarias e Isabel (Lc 1.6) e Simeão (Lc 2.25).24 Ele tinha a consciência judaica para observar a lei que teria condenado Maria à morte por apedrejamento (Dt 22.23). “Como bom judeu, ele teria mostrado zelo caso a tivesse estigmatizado com desgraça pública.”25 Embora fosse um homem reto, José não faria isso.

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Mateus 1

E [...] não queria26 (xm |_ir] BeÀcov). É como temos de enten­der Kfxí, aqui: “e mesmo assim”. Mateus faz distinção entre “dis­posição” (9éA.G)v) e “desejo” (épouÀtí9r|).27 A distinção entre “pro­por” (BÉÀgo) e “desejar” (poúA,o|ica) nem sempre é delineada, mas aqui ocorre. O propósito não era “a [...] infamar” (ôeiy |iat[oai),28 da raiz (ôéÍkvu|íl “mostrar”), uma palavra rara (ver o uso em Cl 2.15).29 O substantivo (ôeiy[_iai;ia|j,ó<;) ocorre na Pedra de Roseta no sentido de verificação. Há algumas ocorrências do verbo nos papiros, embora o significado não seja claro.30 A forma compos­ta (TTapaõeiYiiaTLÇGo) aparece em Hebreus 6.6. Curiosamente, há ocorrências mais antigas da forma composta do que da forma sim­ples, mas podem surgir outras ocorrências do verbo simples quan­do se descobrirem textos mais antigos.31 José planejava divorciar-se dela reservadamente.32 Ele poderia lhe dar a escritura de divórcio (aTTOÀOoai), o gêt formulado na ÀáGpa, sem fazer o julgamento pú­blico. Ele tinha de lhe dar o escrito {gêt) e pagar a multa (Dt 24.1). Seu propósito era fazê-lo secretamente (ÀáGpa)33 para evitar escân­dalo tanto quanto fosse possível. Somos obrigados a respeitar José e concordar com os seus motivos. É óbvio que ele amava Maria e ficou horrorizado ao descobrir a infidelidade dela. De acordo com a narrativa de Mateus, é impossível atribuir a ascendência de Jesus a José sem dizer que Mateus produziu uma lenda para encobrir o nascimento ilegítimo. O Talmude acusa Maria abertamente desse pecado. José teve “uma luta curta e trágica entre a sua consciência legal e o seu amor”.34

1.20. Em sonho, lhe apareceu um anjo do Senhor (ayyeÀoç Kupíou kctc’ ovap ecjráyr) ccòtgo). Nas páginas do Novo Testamento, esta ex­pressão (ayyeÀoç Kupíou) sempre ocorre sem o artigo, exceto quando, como em 1.24, há referência a um anjo previamente mencionado. Este é um artigo anafórico. Às vezes, o Antigo Testamento usa essa frase para apresentar o próprio Jeová. E lógico que José precisava da ajuda de Deus, ainda mais em uma situação como essa. Se Jesus era realmente o Filho de Deus, José tinha o direito de saber esse fato supremo para que fosse justo com Maria e a criança. O auxílio veio em um sonho, mas a mensagem era nítida e decisiva para José. Ele é chamado “filho

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

de Davi”35 como Mateus mostrara em 1.16. Maria é chamada “tua mulher” (rpv yuvcâicá aou).36

Não temas receber a Maria, tua mulher ([if| 43oPri0r|ç Tiapcdapeiv M apià|i TT)y yuvcâKá oou). “Não temas” é a segunda pessoa do sin­gular aoristo primeiro passivo depoente ingressivo do subjuntivo em proibição: |ir] c|)oPr|9f|Ç. “Receber” (TrapaÀapeiv) é o infinitivo aoristo ingressivo ativo. O versículo 20 explica que, “projetando ele” (auxoü év0U|ir]9évxo<;), o genitivo absoluto (kv e 9Ú|íoç), ele ia mandá-la em­bora com um escrito de divórcio. Ele ponderara e planejara fazer o que fosse melhor nessa situação, mas agora Deus o manda parar. Cabia a ele decidir se estava disposto a acolher Maria, casando-se com ela, e tomar sobre si qualquer estigma ligado a ela. Pelo sonho, José fica sabendo que a criança foi gerada do Espírito Santo e que Maria era inocente de pecado. Mas agora quem acreditaria se ele contasse esses fatos a respeito dela? Maria sabia a verdade e não lhe falara, porque não esperava que ele acreditasse.

1.21. [Tu] lhe porás o nome de JESUS (KaÀéoeiç xò õvop,a auxoü ’Iriooúy).37 Os rabinos citam seis pessoas que receberam nome antes de nascer: “Isaque, Ismael, Moisés, Salomão, Josias e o nome do Messias, a quem o Santo, santificado seja o seu nome, envie em nossos dias”. José foi informado de que a criança seria chamada JESUS. Jesus é igual a Josué, contração de Jehoshuah (Nm 13.16; 1 Cr 7.27), que em he­braico significa “Jeová é ajudante”, “Ajuda de Jeová”38 ou “Jeová Salva”. Jesus é a forma grega de Josué (Hb 4.8). Ele é outro Josué para levar o verdadeiro povo de Deus à Terra Prometida. O nome em si era bastante comum. Josefo fala que havia numerosos “Josués” no século I. “Jeová é salvação” atuou na liderança de Josué pelo deserto a favor dos hebreus e em Jesus a favor de todos os crentes. “O significado do nome se ex­pressa no título de Salvador conforme se aplica ao nosso Senhor (Lc 1.47; 2.11; Jo 4.42).”39

Porque ele salvará (ocóoei) o seu povo dos seus pecados para, as­sim, ser o seu Salvador (acoxrp). Ele será Profeta, Sacerdote e Rei, mas Salvador resume tudo em uma palavra. A explicação se efetua na promessa, porque é Ele (aúxòç) que salvará (ooóoet com um toque no nome Jesus) o seu povo dos seus pecados. Mais tarde, Paulo explicará

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Mateus 1

que, pelo povo do concerto, os filhos da promessa, Deus tem em vista o Israel espiritual — todos os que crerem, quer judeus quer gentios. Esta palavra maravilhosa atinge o âmago da missão e mensagem do Messias. O próprio Jesus mostrará que o Reino dos céus diz respeito a todos aqueles e só aqueles que têm o Reino de Deus no coração e na vida.

Dos seus pecados (dorò xwv à|aapTicòv cujtwv), tanto pecados de omissão quanto de comissão. O substantivo (à|iapxía) é derivado do verbo (à\iap~áveiv) e significa “errar o alvo”, como com uma seta. Jesus salvará aqueles que caem “longe de” (coto), como também “fôra de” (ék) os seus pecados. Em Cristo, os pecados cairão em esquecimento e Ele os encobrirá, colocando-os fôra de vista.

1.22. Tudo isso aconteceu para que se cumprisse (toüto ôè òÀov yéyovev 'iva TTÀTpGoGri). Alford diz que “é impossível interpretar'iva em outro sentido que não para que\A0 Esta era a antiga noção, mas os gramáticos modernos reconhecem o uso não-final dessa partícula no koiné e até mesmo o uso sucessivo como o ut latino. Alguns até argu­mentam a favor do uso causal. Se o contexto pede resultado, não pre­cisamos hesitar em dizê-lo, como em Marcos 11.28, João 9.36, 1 João 1.9 e Apocalipse 9.20; 13-13-41 Aqui se refere a propósito, o propósito de Deus. Mateus informa que o anjo disse: “foi dito da parte de” (ímó o agente imediato) o Senhor “por” (ôiá agente intermediário) o profeta. Quando dia, é acrescentado a ôiá írrró, faz-se uma distinção entre o agente intermediário e o agente mediato.

Tudo isso aconteceu (toúto ôe ÓÀov yéyovev, terceira pessoa do sin­gular do perfeito ativo do indicativo). Baseia-se no registro como fato histórico. Todavia, o nascimento virginal de Jesus não se deve a essa in­terpretação de Isaías 7.14. E desnecessário sustentar42 que o próprio Isaías viu algo mais quando profetizou que uma mulher, então virgem, daria à luz um filho e que, no decurso de alguns anos, os assírios libertariam Acaz dos reis da Síria e Israel. Essa ilustração histórica tem o seu cumpri­mento mais rico quando Jesus nasceu de Maria. “As palavras em si são vazias. Elas são úteis apenas como recipientes para carregar coisas de uma mente para outra.”43 A palavra hebraica para referir-se à virgem é tradu­zida por mpGtvoç em grego. Mas não é necessário concluir que Isaías contemplou o nascimento sobrenatural de Jesus. Não temos de dizer

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

que a ideia do nascimento virginal de Jesus procedeu de fontes judaicas. Claro que não veio dos mitos pagãos que eram completamente alieníge­nas a este ambiente, atmosfera e espírito. É muito mais simples admitiro fato sobrenatural que tentar explicar a invenção da ideia como mito para justificar a deificação de Jesus. O nascimento, vida e morte de Jesus esclarecem muitíssimo as narrativas e profecias do Antigo Testamento para os cristãos primitivos. Em particular, em Mateus e João vemos “que os acontecimentos da vida de Cristo eram divinamente ordenados para o propósito expresso de cumprir o Antigo Testamento”.44

1.23. Ele será chamado (KKÀéaouaiv).45 Homens, povos, chamarãoo seu nome Emanuel,46 “Deus [está] conosco”.47 “O interesse do evan­gelista, como também dos escritores do Novo Testamento, na profecia, era puramente religioso.”48 Contudo, é lógico que a linguagem de Isaías ilustrava maravilhosamente a encarnação de Jesus. Esta é a explicação que Mateus oferece do significado de Emanuel, um título descritivo de Jesus Cristo, e mais que mera designação emblemática. Observemos que a ajuda de Deus, Jesus, é igual ao socorro de Deus. Jesus disse a Filipe: “Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14.9).

1.24. E recebeu a sua mulher49 (apéÀapev50 xr\v yuvalKa aútou). O anjo lhe dissera que não tivesse medo de receber Maria como mulher (Mt 1.20). Quando ele despertou do sono, obedeceu ao anjo pronta­mente e “levou a sua esposa para casa” (Moffatt).51 Só ficamos a ima­ginar o alívio e alegria de Maria quando José nobremente assumiu o sublime dever para com ela.52

1.25. E não a conheceu até que deu à luz seu filho53 (kocI ouk èyLVOOOKey aúrr]V ecoç ou eteicev uióv). Note a ação contínua ou linear do tempo imperfeito. José viveu em continência sexual com Maria até ao nascimento de Jesus. Usa-se c-gjç ou (“até”) com um ao- risto indicativo, quando se registra um acontecimento, etekév (“deu à luz”). Mateus não diz que Maria não deu à luz outro filho exce­to Jesus. “Primogênito” não é genuíno aqui, mas faz parte do texto de Lucas 2.7. Mateus não está ensinando a virgindade perpétua de Maria. Jesus tinha irmãos e irmãs, e o significado natural é que eram filhos mais jovens de José e Maria, e não filhos que José teve de um casamento anterior.

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Mateus 1

[José] pôs-lhe o nome de JESUS (kKÚXeoev54 tò 8vo|ict ctíiToO ’IriooGy),55 conforme a orientação do anjo, e o filho era legítimo. José mostrou que era homem reto em situação muito difícil.

NOTAS1 “Registro” (NVI).2 A. T. Robertson declara: Os títulos dos livros podem ficar sem artigo, porque já

são bastante específicos (A Grammar o f the Greek New Testament in the Light ofHistorical Research [Nashville: Broadman, 1934], p. 793).

3 Livro de Moisés (Me 12.26), livro de Salmos (Lc 20.42; At 1.20), livro dos profetas (At 7.42), livro das palavras do profeta Isaías (Lc 3.4), livro da geração de Jesus Cristo (Mt 1.1), livro da vida (Fp 4.3; Ap 3.5; 20.15) e livros das artes mágicas (At 19.19).

4 B ip io ç é usado em Lc 3.4 para referir-se às palavras do profeta Isaías, e fiifilíov é usado em Lc 4.17 para referir-se aos escritos do profeta Isaías.

5 O termo grego PiPÀÍoc foi transliterado para o latim bíblia, que foi transliterado para o francês antigo biblie, que foi transliterado para o português bíblia.

6 Aqui Robertson faz a sua própria tradução, “tabela genealógica”. “A referência específica é às considerações do nascimento de Jesus apresentadas nos capítulos 1 e 2. Alguns a aplicam somente a 1.1-17. Cf. Gn5.1: ‘o livro das gerações de Adão’. O termo geração, como também o termo grego no original, é ambíguo, mas a tradu­ção mais provável é linhagem; ‘o livro da linhagem de Jesus Cristo’” (Commentary on the Gospel According to Matthew [Nova York: Macmillan, 1911], p. 51).

7 “Não diz respeito meramente à descendência davídica; filho de Davi era um termo messiânico (Mt 21.9; cf. também Mt 9.27; 15.22; 20.30,31; 22.42). Jesus não fez reivindicações à descendência davídica, provavelmente porque os judeus teriam entendido que ele estava reivindicando um reino político.” Robertson, Commentary on Matthew, pp. 51, 52.

8 Aauíõ em Greek New Testament, editado por Eberhard e Erwin Nestlé, e Bárbara e Kurk Aland (abreviado daqui em diante por GNT/NA); Aaueíô em WH; Aapíô no TR e TM.

9 Tradução de Robertson: “a deportação (dos judeus) para a Babilônia”. “No tempo do exílio na Babilônia” (ARA).

10 “Foi pai de” (NTLH).11 No grego clássico, õé, chamando atenção ao segundo de duas coisas, significa:

1) “no próximo lugar”, ou 2) “por outro lado”. O primeiro destes usos é o ori­ginal e é copulativo. O segundo é adversativo.

12 “Cuja mãe tinha sido mulher de Urias” (NVI).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

13 “Chamado Messias” (NTLH).14 Robertson discute o problema no Capítulo 14 de Studies in the Text o f the New

Testament (Reimpressão, Joplin, Missouri: College Press, 1969), pp. 162-173.15 GNT/NA tem yéveaiç e WH, TR e TM têm y€yvr)0 iç.16 Não é certo se “Jesus” faz parte deste texto aqui, visto que está ausente no si-

ríaco antigo e no latino antigo, enquanto que o Códice Washington tem apenas “Cristo” . O Códice Vaticano tem “Cristo Jesus”.

17 James Morison, A Practical Commentary on the Gospel According to St. Matthew (Londres: Hodder & Stoughton, 1899), p. 8.

18 TR e TM incluem a conjunção yáp depois de |iv r|0Tei)8eL0r|Ç.19 “Maria, sua mãe, comprometida em casamento com José” (BJ). “Maria, sua

mãe, estava prometida em casamento a José” (NVI).20 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 7.

21 Um substantivo ou pronome e um participio anártrico (sem artigo) no caso genitivo funciona como oração subordinativa ou sem conexão gramatical com a oração principal. O substantivo ou pronome no genitivo funciona como o sujeito do participio genitivo.

22 “Pelo Espírito Santo” (ARA).23 “O participio sugere a base (ou causa) de ação no verbo principal. Cf. “ôiKOtioç

gov Kcd |_if| GéAtiOV õ e iy ia a tio a i.” Robertson, Grammar, p. 1.128. Esta tradução dá corretamente um sentido causai: “Por ser José, seu marido, um homem justo” (NVI).

24 “Um homem que sempre fazia o que era direito” (NTLH).25 McNeile, Matthew, p. 7.26 “E não [...] querendo” (ARA).27 “Intentou” (ARC); “pretendia” (NVI).2S “Denunciá-la publicamente” (BJ); “expô-la à desonra pública” (NVI). TR e TM

têm irap tó e iy [taxi oca.29 “Difamar” (NTLH); “traducere” (Vulgata Latina), “divulgare” (latim antigo),

“publicar” (Wycliffe), “desgraçar” (Moffatt).30 James Hope Moulton and George Milligan, The Vocabulary o f the Greek

Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 138.31 Os exemplos dos papiros dão uma amostra (P Tebt. 5.75), “fazer julgamento de”

(P. Ryl. I. 28.32). O substantivo significa “exposição” em (P Ryl. I. 28.70).32 “Pretendia” (NVI).33 GNT/NA, WH e TM têm A.á9pa TR não tem o iota subscrito, ÀáOpa.

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Mateus 134 McNeile, Matthew, p. 8.35 Robertson declara: “Este fato confirma esta interpretação: a genealogia é de

José e refere-se tão-somente à genealogia legal de Jesus” (Commentary on Matthew, p. 58).

36 “Como sua esposa” (NTLH; NVI). Maria já era considerada legalmente esposa de José antes de ele a levar para a casa. Em 1.19, ocorre a mesma estrutura e ordem de palavras: “José, seu marido” (“Maria, tua mulher”, 1.20).

37 “Você deverá dar-lhe o nome de Jesus” (NVI).38 John A. Broadus, Commentary on Matthew (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1990), p. 10. [Tradução Brasileira: BROADUS, J. A. Comentário do Evangelho de Mateus. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1949, V. I,II.]

39 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 16.

40 Henry Alford, The Greek Testament, with a Critically Revised Text, 4 Volumes em 2 Volumes; The Four Gospels, revisado por Everett F. Harrison (Chicago: Moody, 1958), vol. 1, p. 8.

41 Ver análise em Robertson, Grammar, pp. 997-999.42 Broadus, Commentary on Matthew, p. 11. [Tradução Brasileira: BROADUS,

J. A. Comentário do Evangelho de Mateus. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1949, V. I, II.]

43 Morison, Practical Commentary, p. 11.44 McNeile, Matthew, p. 11. Ver também Mt 2.15-18; 4.12-17; 8.17; 12.17-21;

13.13-15; 21.4,5; Jo 12.38,39; 13.18; 19.24,28,36,37.45 GNT/NA, WH e TRs têm KaÀéaouau' TRb e TM não incluem o v eufônico,

Kodéoouoi.46 Emanuel é a transliteração da soletração grega; Imanuel é a transliteração da

soletração hebraica.47 “A palavra em si não denota encarnação. Na ocorrência em Isaías 7.14 foi uma

visitação de Deus com poder em relação ao incidente. Mas aqui muito mais é posto na frase, porque a real encarnação de Deus aconteceu na pessoa de Jesus” (Robertson, Commentary on Matthew, p. 60).

48 Alexander Balmain Bruce, The Expositor's Greek Testament, vol. 1, The Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 68.

49 “E recebeu Maria como sua esposa” (NVI; cf. NTLH). A palavra Maria está claramente implícita no texto, embora não conste no original grego.

30 GNT/NA, WH e TRs têm irapéla|3ev TRb e TM não incluem o v eufônico, irapéÀape.

51 Esta tradução de Moffatt é melhor (cf. BJ).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

52 Os problemas de Maria estão esboçados em A. T. Robertson, Mary the Mother o f Jesus: Her Problems and Her Glory (Nova York: Doran, 1925).

53 “Porém não teve relações com ela até que a criança nasceu” (NTLH; cf. NVI).54 GNT/NA, WH e TRs têm 6KáÀeaev, TRb e TM não têm o V eufônico,

6KKÀ.eae.

55 “E ele o chamou com o nome de Jesus” (BJ).

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Capítulo2

Mateusí£I2JS!Jmí3M S]^í3M M ^

2.1. E, tendo nascido Jesus1 (Toü õè Tr|aou yeyyr^éytoç). O fato do nascimento de Jesus é declarado pela construção do genitivo absoluto (particípio passivo do aoristo primeiro do mesmo verbo yeyváw usado já duas vezes acerca do nascimento de Jesus, 1.16,20, e na sua genealogia, 1.2-16). Mateus não propõe dar detalhes bio­gráficos do nascimento sobrenatural de Jesus, por mais maravilhoso que seja e por mais descrido que é pelas pessoas que ainda hoje negam que Jesus nasceu ou tenha existido. São proponentes que falam do “Mito Jesus” ou “Mito Cristo”. “O propósito principal é mostrar a recepção que o mundo deu ao Rei messiânico recém-nas­cido. Homenagem de longe, hostilidade de perto; presságio da sina do novo sistema de crenças: recepção pelos gentios, rejeição pelos judeus.”2

Em Belém daJudéia (kv Br|9Xéeii xrjç ’Iouõaíac;3). Na Galiléia, havia uma Belém que distava quase doze quilômetros a noroeste de Nazaré.4 Esta Belém (o nome significa “casa do pão”) de Judá foi o palco da vida de Rute com Boaz (Rt 1.1,2; Mt 1.5) e a casa de Davi, descendente de Rute e antepassado de Jesus (Mt 1.5). Davi nasceu nesta cidade e foi ungido rei por Samuel (1 Sm 17.12). A cidade

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

veio a chamar-se “cidade de Davi” (Lc 2.11). Jesus, que nasceu nes­sa “Casa do Pão”, intitulou-se “o pão da vida” (Jo 6.35), o verdadei­ro maná do céu. Mateus pressupõe o conhecimento dos detalhes do nascimento de Jesus em Belém, os quais são apresentados em Lucas 2.1-7, ou não os considera relevantes para o que tem em vista. José e Maria foram para Belém de Nazaré, porque era a casa ancestral de ambos. O primeiro alistamento promulgado pelo imperador César Augusto, como mostram os papiros, foi feito “por famílias” (kkt ’ oLklkv). Alguma razão deve ter levado José a adiar a viagem. Agora ele tinha de ir, e o tempo para o nascimento da criança estava se aproximado.

No tempo do rei Herodes5 (èv rpépouç 'Hpcóôou toü paoiÀécoç6). Esta é a única data do nascimento de Cristo que Mateus fornece. A passagem de Lucas 2.1-3 oferece uma data mais precisa. Era o tem­po do primeiro alistamento feito por César Augusto, sendo Cirênio o governador da Síria (ver análise no Volume Dois, “O Evangelho segundo Lucas”). Mateus conta que Jesus nasceu enquanto Herodes era rei. Esse Herodes é chamado “Herodes, o Grande”, que morreu em 4 d.C.7 No ano 47 a.C., ele foi nomeado governador da Galiléia, mas em 37 a.C. foi elevado a rei da Judéia sob o império de Antônio e Otávio. Ele era notável em pecado e crueldade, e ganhara o favor do imperador.8 A história em Josefo é uma tragédia.9 Mateus não es­tipula quanto tempo antes da morte de Herodes Jesus nasceu. A data de 1 d.C., outrora comumente aceita, está indubitavelmente errada, como mostra Mateus. É óbvio que o nascimento de Jesus não pode ser fixado em data posterior a 5 a.C. Os dados fornecidos por Lucas exigem a data de 7 ou 6 a.C.

Magos vieram do Oriente (|iáyoi árrò àvazokõv). A etimologia da palavra liáyos é bastante incerta. Pode derivar da mesma raiz in- do-européia que néyocç, ainda que haja quem identifique uma origem babilónica. Heródoto fala de uma tribo de magos que havia entre os habitantes da Média. Entre os persas havia uma casta sacerdo­tal de magos semelhante aos caldeus da Babilônia (Dn 1.4). Daniel era chefe de tal ordem (Dn 2.48). O vocábulo mágico deriva desse termo grego. A palavra transmite a ideia de mágica, como no caso

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do mágico Simão (At 8.9,11) e de Elimas Barjesus (At 13.6,8). Em Mateus, a ideia é que os magos eram astrólogos. Babilônia era a casa da astrologia, mas só sabemos que os homens eram do Oriente. Isso significa que podiam ser da Arábia, Babilônia, Pérsia ou de outro lugar. A noção de que eles eram reis surgiu da interpretação de Isaías 60.3 e Apocalipse 21.24. A concepção de que eram três deve-se à menção dos três tipos de presentes (ouro, incenso, mirra), mas não há a menor comprovação disso. A lenda acrescentou à história os nomes de Gaspar, Baltasar e Melquior, dizendo que representavam os filhos de Noé: Sem, Cão e Jafé. Supõe-se que o caixão que está na catedral de Colônia, Alemanha, contenha o crânio desses três per­sonagens. A frase grega traduzida por “do Oriente”, áirò àvaxolQv significa “dos levantes” (do sol).

2.2. Onde está aquele que é nascido rei dos judeus?10 (IIou êoTiv ó xexGelç PocaiA.euç tgòv ’Iouôoáwv;) Os magos afirmaram que viram a estrela desse rei. A estrela era um milagre ou uma combinação de estrelas brilhantes ou um cometa. É possível que esses homens fossem prosélitos judeus e soubessem da esperança messiânica, pois até Virgílio, que viveu de 70 a 19 a.C., tinha um vislumbre disso. O mundo inteiro estava inquieto na expectativa de algo prestes a acontecer. James Hope Moulton11 informa que os magos criam que uma estrela era o congênere ou “anjo” (cf. Mt18.10) de um grande homem.12 Eles foram adorar o Rei dos judeus recém-nascido. Sêneca'3 fala sobre magos que chegaram a Atenas com sacrifícios para Platão depois que este morrera. De alguma maneira, eles concluíram que a estrela que viram indicava o nas­cimento desse Rei messiânico. Cícero (De Divin. i. 47) refere-se à constelação pela qual, na noite do nascimento de Alexandre, os magos predisseram que o destruidor da Ásia nascera.14 Alford15 está convencido de que Mateus não está dizendo que os magos criam que um milagre ocorrera no céu noturno. Mas podemos di­zer que o nascimento de Jesus, no momento em que o Filho único de Deus tornou-se carne, é o maior de todos os milagres. Nem sequer os métodos utilizados pelos astrólogos precisam perturbar os que estão seguros deste fato.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Porque vimos a sua estrela no Oriente16 (e’íôo|iey yàp aíruoO zòv áoxépa kv xfj àvaioÀri). Isso não significa que eles viram uma estrela que estava no Oriente. Caso tivessem seguido uma estrela para o Oriente, eles não teriam ido para a Judéia. As palavras no Oriente têm de ser consideradas com vimos, ou seja: “Nós estáva­mos no Oriente quando a vimos”, ou mais provavelmente: “Nós vi­mos a sua estrela na sua ascensão”. Moffatt traduz “quando subiu”. A forma singular if} àvazoXr\ às vezes significa “oriente” (ver Ap 21.13, NVI), embora o plural seja mais comum, como em Mateus2.1. Em Lucas 1.78, a forma singular significa “sol nascente” (ARA; “oriente”, ARC), como o verbo ávéxeiÀev significa em Mateus 4.16 (“raiou”).

2.3. Perturbou-se,11 e toda a Jerusalém, com ele (éTapáxQt] «ai TTâoa 'lepooóÀufia |aet’ aírcoü). Quem conhece bem a história de Herodes, o Grande, entende perfeitamente por que a cidade fica­ria alarmada com a notícia de um rei irritado.18 Na sua fúria com as rivalidades e ciúmes entre os membros da sua família, Herodes matou os dois filhos de Mariana (Aristóbulo e Alexandre), a própria Mariana, e Antípater, outro filho e outrora seu herdeiro, além do irmão e mãe de Mariana (Aristóbulo e Alexandra) e o avô dela, João Hircano. Ele fazia um testamento depois do outro e agora padecia de uma doença fatal. A pergunta dos magos o deixou extremamen­te furioso. Ele externou a sua agitação, colocando a cidade inteira em alvoroço. As pessoas sabiam muito bem o que ele poderia fazer quando ficava com raiva por seus planos terem sido atrapalhados. “O estrangeiro e usurpador temia o rival, e o tirano receava que o rival fosse acolhido favoravelmente.”19 Herodes era um detestável idumeu.

2.4. [Ele] perguntou-lhes onde havia de nascei20 o Cristo (êmjyGáve-uo ™p’ airrwv ttou ô Xpioròç yevvâxca). Temos o presen­te profético (yevvcaca), mostrando que Mateus registrou as palavras exatas de Herodes. A terceira pessoa do singular do pretérito imper­feito ativo do indicativo (éiTuvBávÉTo) dá a entender que Herodes indagava repetidamente, de um e outro dos líderes reunidos, tanto dos saduceus (os príncipes dos sacerdotes) quanto dos fariseus (os

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escribas do povo). Alan McNeile21 duvida que Herodes tenha reu­nido todo o Sinédrio, porque ele começara o reinado massacrando os membros do mesmo. “Ele poderia facilmente perguntar a um só escriba.”22 Não obstante, já fazia trinta anos que Herodes mandara assassinar os anciãos, e agora ele estava por demais ansioso para saber exatamente o que os judeus esperavam com relação à vinda do Messias. Mateus não menciona os anciãos, donde concluímos que Herodes não convocou o Sinédrio, mas chamou apenas os líderes entre os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo. Esta teria sido uma assembléia facultativa para simples consulta, e não uma reunião formal. É lógico que ele já ouvira falar desse esperado rei, e engoliria bastante orgulho para maquinar o malogro de tais espe­ranças.

2.5. E eles lhe disseram (ol ôe eiuau aÚTtò).23 Mesmo sem ter de pesquisar as Escrituras, os eclesiásticos dão a opinião judai­ca comum de que o Messias tinha de vir de Belém e da descen­dência de Davi (Jo 7.42). Citaram Miquéias 5.2 em “paráfrase li­vre”, como diz Henry Alford, pois não está exatamente nos termos do texto hebraico ou da LXX.24 Pode ser citação de um acervo de testimonia que ficou conhecido pela pesquisa de J. Rendei Harris. Herodes consultou os peritos e ouviu a resposta: “O lugar é Belém da Judéia”. O uso da terceira pessoa do singular do perfeito passivo do indicativo (Yéypcanm) é a forma comum para citar as Escrituras: “está escrito”.

2.6. Que há de apascentar25 (ootlç TToqiavei). “Homero chama os reis ‘os pastores do povo’.”26 Em Hebreus 13.20, Jesus é chama­do o “grande Pastor das ovelhas”. Jesus se chama “o bom Pastor” (Jo 10.11). Pedro chama Cristo o “Pastor e Bispo da vossa alma” (1 Pe 2.25). “O Cordeiro que está no meio do trono os apascentará” (Ap 7.17). Jesus disse a Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21.16).

2.7. Então, Herodes, chamando secretamente os magos21 (Tóxe 'Hpcóôriç XáQpa 28 KccAiaaç touç laáyouç). Claro que Herodes não disse para os peritos judeus a razão do seu interesse pelo Messias. Semelhantemente, ele esconde os seus motivos dos magos. E com

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

isso “inquiriu exatamente”29 (riKpißwoev Trap’ auxuv), ou “informou- se com precisão”. Ele estava ansioso para saber se a profecia judaica do local do nascimento do Messias concordava com as indicações que a estrela deu aos magos.

Acerca do tempo em que a estrela lhes aparecera (uòv xpóvov Toü 4mvo|iévoi) omépoç) não é “o tempo quando a estrela apare­ceu”, mas a época da aparição da estrela.30

2.8. E, enviando-os a Belém, disse (kkI ué[_u|jaç ctíitouç elç Bri9A.ée|-i31 eíuev). Participio aoristo simultâneo, “enviando disse”.

Perguntai diligentemente32 (klexáaate axpißuc;)33 a respeito do menino.

Participai-mo, para que também eu vá e o adore (áTTctyyeiÀaTé (0,01, ottgoç Káyò) èA.9ò)y upooKuvrioco aírctò). O artifício de Herodes era bastante plausível e teria sido bem-sucedido, não fosse a inter­venção de Deus para proteger o seu Filho da raiva invejosa do rei.

2.9. Ia adiante deles34 (irpofiyev autouç), terceira pessoa do singular do pretérito imperfeito ativo do indicativo, “mantinha-se à frente deles”. A estrela não era um guia para a cidade, visto que agora eles sabiam qual era a cidade, mas para o lugar onde o menino estava. De acordo com 2.11, o menino estava em uma casa.35

2.10. Alegraram-se muito com grande júbilo36 (kxápr\oav %apàv [ieyáÀriv ocfióôpa), terceira pessoa do singular do aoristo segundo passivo do indicativo com acusativo cognato. A alegria devia-se ao sucesso da procura.

2.11. Abrindo os seus tesouros (àvoíE.avxeç touç Orioaupouç cdr.áv). Aqui, tesouros significa “caixas de jóias”. No grego vem do verbo uí9r||_ii, e significa um recipiente para objetos de valor. Nos es­critores antigos, significava “tesouro”, como em 1 Macabeus 3.29. Em Mateus 13.52, é um “depósito”. Significa “as coisas colocadas em estoque [armazenadas]”, “tesouros” no céu (Mt 6.20), “tesouros” em Cristo (Cl 2.3). Nas caixas de jóias, os magos tinham ouro, incenso e mirra. Naquele tempo, todos esses artigos eram obtidos na Arábia, embora se encontrasse ouro na Babilônia e em outros lugares.

2.12. Sendo por divina revelação avisados em sonhos37 (Xpr||-ioaio9évT;ec; kcct’ bvap). O verbo significa “tratar de negócio”

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(XprpaTÍ(G) de xpfpa e este de %páo|ioa), “usar”. Daí “consultar”, “de­liberar”, “dar resposta” como de magistrados ou um oráculo, “instruir”, “advertir”. Na LXX e nas páginas do Novo Testamento, ocorre com a ideia de ser avisado por Deus e tem o mesmo significado nos papiros.38 A tradução de Wycliffe é: “Uma resposta recebida no sono”.

2.13. Porque Herodes há de procurar o menino para o matar (laéÀÀei yàp 'Hpcóõr|ç (r\ielv tò rnuôíov toO áuoÀéaai aírcó39). Os magos foram avisados em sonhos para que não informassem Herodes, e agora José é avisado em sonhos para que fugisse com Maria e o menino. A declaração grega acima pincela um quadro vívido do propósito de Herodes.

2.15. [Ele] esteve lá até à morte de Eferodes40 (ecoç xrjç T€À.euxf|ç 'Hpcóôou). No Egito, José teve de cuidar de Maria e Jesus até a morte de Herodes, o monstro. Mateus cita Oséias 11.1 para mostrar que se tratava do cumprimento do propósito de Deus para chamar o seu Filho do Egito.41 A citação pode ter sido tirada de um acervo de tes- timonia, em vez de ser citação da LXX. Há uma tradição judaica no Talmude que diz que Jesus “trouxe consigo artes mágicas do Egito em uma incisão no corpo”.42 “Essa tentativa de atribuir os milagres do Senhor à agência satânica é independente de Mateus, e pode ter sido do seu conhecimento, de forma que um dos objetivos da sua narrativa é combater essa ideia.”43

2.16. Matar todos os meninos que havia em Belém (dtvellev ravraç touç TToâôaç touç kv BriGXéep).44 A fuga de José era justifica­da, pois Herodes “irritou-se muito” (è0u|acó9ri kíav) por ter sido es­carnecido ou iludido (èu<ETrcáx0r|) pelos magos.45 Claro que Herodes não sabia qual era a idade do menino. Por isso, não querendo correr o risco de perdê-lo, ele engloba “todos os meninos” (uáv-zaç xoíiç TTcâòaç. substantivo masculino acompanhado de artigo) de Belém, de dois anos para baixo, perfazendo talvez quinze ou vinte. Não admira que Josefo não mencione esse pequeno detalhe na câmara de horrores de Herodes. Tratava-se de outro cumprimento profético, desta feita de Jeremias 31.15.

2.18. Em Ramá se ouviu uma voz, lamentação, choro e grande pranto... porque já não existiam (Í>gout] ev 'Pa|ià r)KOÚa0r|, kà,(xu0[íÒí;

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Kcd óõuppòç; uoÀúç, ... o u oi)K eloív). A o que parece, o texto de Jeremias 31.15 foi citado da LXX. Originalmente, o texto profético foi escrito a respeito do cativeiro babilónico, mas tem pertinência notável neste caso. Macróbio46 observa que Augusto disse que era melhor ser a porca (uç) de Herodes do que o seu filho (ulóç), pois a porca tinha mais chance de sobreviver.

2.20. Porque já estão mortos os que procuravam a morte do me- nino41 (Te0vr|Kaoiv yàp ol Çtitouvtéç iln>xf)v T°t) ircuôíou48). Só Herodes procurara matar o menino, mas trata-se de uma declaração geral de um fato particular, como na expressão idiomática: “Dizem que...” Os dizeres podem ter sido evocados pelo texto de Êxodo 4.19: “Porque todos os que buscavam a tua alma morreram”.

2.22. Mas, avisado em sonhos por divina revelação49 (Xpr||j,aTiG0eiç ôe kkt’ ovap). José ainda estava com medo de ir para a Judéia, porque era Arquelau50 que agora ali reinava (regia, embora não fosse tecnicamente rei — ßccoiAeuei). Em uma choradeira lamu­rienta pouco antes da morte, Herodes mudara o seu testamento de novo, desta vez colocando Arquelau, o pior dos seus filhos vivos, em lugar de Antipas. Por isso, José foi para a Galiléia. Mateus nada diz sobre José e Maria já terem morado em Nazaré. Sabemos dessa informação por Lucas, que não conta nada sobre a fuga para o Egito. As duas narrativas completam uma à outra e de modo nenhum são contraditórias.

2.23. Ele será chamado Nazareno (NaÇwpoâoç KA,r|0r|aeTca). Mateus diz que era para cumprir o que fôra dito pelos profetas (ottcoç uA.r|pa)0f| tò pr|0èv ôià tòjv TTpo4>r)T<jov). É a forma plural, e não existe uma única profecia sobre o Messias ser chamado Nazareno.51 O significado talvez seja um termo de desprezo (Jo 1.46; 7.52), e que várias profecias estejam combinadas, como Salmos 22.6,8; 69.11,19; Isaías 53.2,3,4. O nome Nazaré quer dizer “broto”, “re­bento” ou “ramo”, mas de forma alguma é certo que Mateus tivesse isso em mente (ver Broadus para inteirar-se de teorias52). Porém, por mais menosprezada que a cidade Nazaré fosse naquela época, Jesus a elevou à fama. No início foi o Nazareno humilde, mas agora é a nossa glória ser seguidores do Nazareno. Bruce afirma que, “neste

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Mateus 2

caso, em vez da profecia que cria a história, sabemos com certeza que o fato histórico propôs a referência profética”.53 Os paralelos feitos por Mateus entre a história de Israel e o nascimento e infância de Jesus não são mera fantasia. A história algumas vezes se repete, e os escritores da história encontram paralelos frequentes. É óbvio que Mateus não está fôra dos limites da razão ou dos fatos ao ilus­trar, a seu modo, o nascimento e infância de Jesus pela providência de Deus na história de Israel.

NOTAS_____________________________________________________1 “Depois que Jesus nasceu” (NVI).2 Alexander Balmain Brace, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 69. Ver Js 19.15.3 GNT/NA e TM têm Br|0A,ée(i, WH e TR acentuam a última sílaba Br|0Àeé|j..4 Josephus, Antiquities o f the Jews, 19.15. [Edição brasileira: Flávio Josefo,

História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]5 “Em dias do rei Herodes” (ARA).6 GNT/NA, WH e TM têm o iota subscrito, 'Hpcóôou; TR não tem, 'Hpúôou.7 Josephus, Antiquities o f the Jews, 17.6. [Edição brasileira: Flávio Josefo,

História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]8 Robertson o chama “Herodes, o Grande Pervertido”, em Some Minor Characters

in the New Testament (Reimpressão, Nashville: Broadman & Holman, 1976), p. 25.

9 Josephus, Antiquities o f the Jews, 14 — 18. [Edição brasileira: Flávio Josefo, História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).] Harold W. Hoehner menciona que Herodes, o Grande, chegou a fazer seis testamentos diferentes, causando dificuldades para a sucessão depois da sua morte, a qual ele sabia que não estava distante (Herod Antipas: A Contemporary o f Jesus Christ [Grand Rapids: Zondervan, 1972], pp. 269-276). Robertson declara: “Ele era idumeu, amigo dos romanos, aficionado pelos costumes gregos, odia­do pelos fariseus e judeus por suas inovações e crueldades, mas homem de extremo vigor e força de caráter. Reconstruíra (ou mais exatamente, começara a reconstruir) o templo. Mudou o seu testamento muitas vezes por causa de suspeitas e ciúmes entre os seus numerosos filhos e esposas, mãe, irmã e sogra. Mesmo agora ele estava com a saúde debilitada e anormalmente sensível sobre qualquer dúvida”. A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York: Macmillan, 1911), p. 62.

10 “Onde está o recém-nascido Rei dos judeus?” (ARA).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

11 James Hope Moulton em Journal o f Theological Studies (1902): p. 524.12 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 14.

13 Epistle 58.14 McNeile, Matthew, p. 14.15 Henry Alford, The Greek New Testament, with a Critically Revised Text, 4

Volumes em 2 Volumes (Chicago: Moody, 1958), vol. 1, p. 10.16 “Vimos sua estrela no seu surgir” (BJ; cf. NVI, nota de rodapé).17 “Ficou muito preocupado” (NTLH); “alarmou-se” (RA; cf. BJ).IS Josephus, Antiquities o f the Jews, pp. 14, 15. [Edição brasileira: Flávio Josefo,

História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]19 Brace, Expositor s, p. 71.2° “p erguntou onde devia nascer o Messias” (NTLH).21 McNeile, Matthew, p. 15.22 Josephus, Antiquities o f the Jews, 14.9.4. [Edição brasileira: Flávio Josefo,

História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]23 “Responderam eles” (ARA) à pergunta de Herodes. GNT/NA e WH têm: eíimv;

TR e TM tem uma grafia diferente para o mesmo verbo: éittoi\24 Alford, Greek New Testament, vol. 1, p. 13.25 “Que, como pastor, conduzirá” (NVI).26 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), vol. 1, p. 20 .

27 “Então Herodes chamou em secreto os magos” (AEC; cf. NTLH).28 GNT/NA, WH e TM têm o iota subscrito em ambas as palavras, 'Hptóôr|ç ÀáGpa;

TR omite o iota subscrito em ambas as palavras, 'Hpcóõr]ç ÀáOpa.29 “Procurou certificar-se com eles” (BJ); “informou-se com eles” (NVI).30 “O tempo exato em que a estrela havia aparecido” (NTLH; cf. NVI).31 Ver comentários sobre Br|9/lég[i em 1.2-16.32 “Procurai obter informações exatas” (BJ).33 GNT/NA e WH têm ^eraoaxe (kpipwç; TR e TM têm as palavras em ordem

invertida, àKpipwç kE,eláoaie.34 “Ia à frente deles” (BJ). Robertson declara: “Não podemos deixar de supor que

a estrela desaparecera depois do seu surgimento e que agora ela voltara a surgir.O que Mateus quer dizer é que a estrela continuava se movimentando a frente deles” {Commentary on Matthew, p. 66).

35 A. T. Robertson, Word Pictures in the New Testament, 6 Volumes (Nova York: Richard R. Smith, 1930-1933), vol. 2, p. 19, fala de “estalagem de acordo com

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Mateus 2

Lucas 2.7. Justino Mártir diz que era em uma caverna. A baia onde o gado e os jumentos ficavam podia ser um lugar situado em nível inferior à estalagem, do lado da colina”. Porém, Mateus 2.11 fala que o menino estava em uma casa. E improvável que Jesus e seus pais tivessem ficado em uma estalagem por dois anos. E lógico que eles se mudaram para uma casa.

36 “Alegraram-se com grande e intenso júbilo” (ARA).37 “Tendo sido advertidos em sonho” (NVI).38 G. Adolph Deissmann, Bible Studies: Contributions, Chiefly from Papyri and

Inscriptions, to the History o f the Language, 2a ed., traduzido por A. Grieve (Edimburgo: T. & T. Clark, 1923), p. 122.

39 GNT/NA, WH e TM têm o iota subscrito, ao passo que TR o omite, 'Hpcóôriç.40 “Onde ficou até a morte de Herodes” (NVI).41 Robertson declara: “Não existe profecia a respeito, mas é uma alusão ao fato

histórico que Deus tirara do Egito os filhos de Israel (Israel é frequentemente chamado filho ou servo de Deus). Trata-se de uso típico do evento famoso, uma coincidência projetada de acordo com o autor, que vê paralelo surpreendente entre a história de Israel e a vida de Jesus” (Commentary on Matthew, p. 67).

42 Shabb, 104b. Robertson declara: “Jesus ficou no Egito pouco tempo como bebê, não tendo chance de ser influenciado pelas artes mágicas praticadas naquele país. Celso fez esta acusação gratuita contra Cristo” (Commentary on Matthew, p. 67).

43 McNeile, Matthew, p. 19.44 Ver comentários em 2.1.45 “Illusus esset” (Vulgata Latina); “havia sido enganado” (NVI; cf. BJ).46 Sat., 2.4.11.47 “Porque já morreram os que atentavam contra a vida do menino” (ARA).48 GNT/NA e WH têm o v eufônico em TeGviÍKotaiv, ao passo que TR e TM o

omitem, Te9vr|Kaai.49 “Tendo sido avisado em sonhos” (AEC).50 Robertson declara: “Quando José deixara a Judéia, o testamento de Herodes

estipulava que Antipas o sucedesse. À última hora, ele mudou o testamento (Josephus, Antiquities o f the Jews, 18.8-11 [Edição brasileira: Flávio Josefo, História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]), de­terminando que ’ ApxéA.aoç fosse o governador da Judéia e Samaria, Antipas, o tetrarca da Galiléia e Peréia, e Filipe, o tetrarca da Ituréia e Trachonito. José fi­cou sabendo dessas mudanças quando chegou às fronteiras da Judéia’ ApxeA.aoç era um homem muito pior que Antipas. Por conseguinte, José hesitou em expor a criança à furia de outro homem de temperamento semelhante a Herodes, o Grande” (Commentary on Matthew, p. 69).

51 De início, supomos que diz “o que fôra escrito” . Mas não diz assim! Diz “o que fôra dito”. O fato é que há profecias que foram escritas e nunca foram

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

ditas. Algumas foram escritas e ditas; ao passo que outras foram ditas e nun­ca escritas. Esta profecia se classifica no último grupo. Há grande diferença entre to pr|0év, “o que fôra dito”, e o yiÉYpcnnm, “o que fôra escrito”! E. W. Bullinger, Figures o f Speech Used in the Bible (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1968), pp. 710,711.

52 John A. Broadus, Commentary on Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Kregel, 1990), p. 28. [Tradução Brasileira: BROADUS, J. A. Comentário do Evangelho de Mateus. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1949, V. I,II.]

53 Bruce, Expositor’s, p. 78.

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Capítulo3

Mateus3.1. Naqueles dias, apareceu João Batista (’Ev ôè mlç rpépaiç

ètceívaiç mxpayíveToa ’Icoáwriç1 ò pauTiotriç). Aqui a narrativa sinóti- ca começa com o batismo de João (cf. Me 1.2; Lc 3.1) de acordo com a apresentação de Pedro em Atos 1.22: “Começando desde o batismo de João até ao dia em que dentre nós foi recebido em cima”.2 Mateus não indica a data quando João Batista apareceu, como Lucas faz no capítulo 3 (o ano quinze do império de Tibério César). Isso ocorreu uns trinta anos depois do nascimento de João Batista, embora não saibamos precisamente quanto tempo foi depois do retomo de José e Maria para Nazaré. Moffatt traduz o verbo ™pay [vexea por “entrou em cena”, mas o verbo está no presente histórico e exige uma ima­ginação vívida por parte do leitor. Lá vem ele adiantando-se, fazen­do a sua aparição. O nome João quer dizer “Presente de Jeová” (cf. Gotthold, em alemão) e é uma forma encurtada de Joanã ou Joanão. “Batista”, que significa “aquele que batiza”, é o rito que o caracteriza. Os judeus tinham o batismo de prosélito, como mostra I. Abrahams,3 mas esse rito era exclusivo para os gentios que aceitavam o judaísmo. João Batista está tratando os judeus como gentios ao exigir que se deixem batizar por ele com base no arrependimento.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Pregando no deserto da Judeia («ripúaaGJV' kv xfj èpr||ito xf|ç ’Iouôaíaç). Era a região escarpada que se estendia pelos montes próximos ao rio Jordão e o mar Morto. Havia algumas pessoas dis­persas pelos penhascos áridos e estéreis. João Batista tinha contato estreito com pedras, árvores, cabras, ovelhas e pastores, cobras que fugiam da relva que queimava pelos cantos das pedras. Ele era o batista, mas também o pregador, anunciando a sua mensagem primeiramente pelos montes desnudos, onde havia poucas pesso­as, mas logo a sua mensagem surpreendente atraiu multidões de perto e de longe.

3.2. Arrependei-vos (iiexavoeiTe). Há certa complexidade en­volvendo a tradução desse termo. João Batista não está chaman­do as pessoas para “sentir tristeza de novo” (do latim repoeni- tet, [impessoal]), mas para mudar (pensar subsequentemente) de atitude mental (laeiavoeiTe) e conduta. A Vulgata Latina tem “fa­zer penitência”, e Wycliffe a segue. O Siríaco Antigo é melhor: “Voltar”. Esta é a grande palavra4 de João Batista cuja tradução é difícil. O detalhe trágico é que não existe palavra em outro idioma que reproduza o significado e a atmosfera que o grego transmite. Em grego, há uma palavra que significa “sentir tristeza de novo” (|iera[iéXo|ica), que corresponde a arrepender-se. E a palavra grega usada acerca de Judas (Mt 27.3). João Batista era um novo profe­ta, que voltou à chamada dos antigos profetas: “Torne” (Is 55.7), “convertei-vos” (Ez 33.11; Joel 2.12), “restituindo” (Ez 33.15).

Porque é chegado o Reino dos céus (ríyyiKev5 yàp f] pomÀeía züv oíipavwv).6 Observe a posição do verbo e o uso do tempo per­feito ativo. Era uma mensagem impressionante que João Batista trovejou pelos montes e fez ecoar ao longo da terra. Os profetas do Antigo Testamento anunciaram que chegaria no tempo certo de Deus. Como arauto do novo dia, João Batista proclama que estava se aproximando. O quanto estava próximo, ele não diz, mas com certeza ele quer dizer que estava muito perto — suficientemente perto para que se pudessem ver os sinais e a prova. Ele não explica o sentido da frase “o Reino dos céus” . Os outros Evangelhos usam “o Reino de Deus”, como às vezes Mateus também usa. Mateus

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Mateus 3

menciona “o Reino dos céus” mais de trinta vezes. João Batista quer dizer “o reinado de Deus”, não a organização política ou eclesiástica que os fariseus esperavam. As suas palavras seriam entendidas de modo diferente por grupos diferentes. Apocalipses judaicos ligavam numerosas imagens escatológicas a “o Reino dos céus”. Não está claro que afinidade João Batista tinha com essas características escatológicas. O seu linguajar era denso e enérgico, mas não temos de limitar o horizonte intelectual e teológico de João Batista ao dos rabinos dos seus dias. Ele era um estudante original do Antigo Testamento no seu ambiente desértico. Não há evidências que comprovem que ele tenha entrado em contato com os essênios que também moravam no deserto. A sua voz é uma nova voz que causa terror entre os teólogos superficiais do Templo e da sinagoga. Certos críticos negam habitualmente a João Batista a concepção do conteúdo espiritual das suas palavras. Trata-se de crítica totalmente gratuita e infundada.

3.3. Porque este é o anunciado pelo profeta Isaías1 (outoç yáp eoxiv ó pr|9e!ç ôià ’Hoaíou toO TTpo rpuoi) 8). Mateus interpreta a missão e a mensagem do Batista servindo-se de Isaías 40.3, onde “o profeta se refere ao retomo de Israel do exílio, acompanhado pelo seu Deus”.9 O evangelista o aplica à obra de João Batista como a “voz do que clama no deserto” para que as pessoas preparem o ca­minho do Senhor que agora está próximo. Ele era só uma voz, mas que voz. Ele ainda é ouvido nos transcurso destes séculos.

3.4. E este João (aÚTòç ôè ó ’Icoáwr|ç 10). É assim que Mateus apresenta o homem, descrevendo distintamente as suas roupas (note ei%ev, no tempo imperfeito), hábitos e comida. Tal figura grosseira pode não ser adequada para o púlpito, mas no deserto esse quesito pouco importava. O seu estilo de vida era questão de necessidade, e não uma afetação, embora fosse o traje original de Elias. Elias usava vestes feitas de; pêlo de camelo (2 Rs 1.8). Alfred Plummer defende que “João tomou Elias conscientemente como modelo”.11

3.6. E eram por ele batizados ( k ch k^avzíÇovzo). O tempo im­perfeito indica a repetição do ato. As multidões da Judeia e regiões circunvizinhas iam continuamente ter com ele (ècf-opeúeTo); temos

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

de novo o tempo imperfeito, mostrando um fluxo regular de pessoas que saíam para ouvi-lo. Moffatt entende como causativo médio, “fo­ram batizados”, o que é possível. “O movimento do curso era gradual. Começou em pequena escala e foi aumentando cada vez mais até al­cançar proporções colossais.”12 É pena que hoje o batismo seja questão de tanta controvérsia. Deixemos que Plummer, notável comentarista anglicano, fale sobre o fato de João estar batizando essas pessoas que iam até ele em multidões: “O seu ofício é ligá-las a uma nova vida, simbolizada pela imersão em águas”.13 Corretíssimo, simbolizada e não causada ou obtida. A palavra rio é a leitura correta, “o rio Jordão”. Eram batizadas “confessando os seus pecados” (&;0|j,0A.0Y0Ú|!ev0i), provavelmente cada pessoa fazendo confissão imediatamente antes do batismo, “fazendo confissão aberta” (Weymouth). Era uma cena para nunca mais ser esquecida às margens do rio Jordão. João Batista estava chamando uma nação para uma nova vida. As pessoas vinham de todas as partes da Judeia e até da Pereia, que ficava do outro lado do El Gôr (o Desfiladeiro do Jordão). Marcos acrescenta que toda a Jerusalém acabou indo também.

3.7. Dos fariseus e dos saduceus (xcòv Oapioaíooy koc! EaôõouKmwv). Era raro esses dois partidos rivais entrarem em ação comum, mas eles se unem contra João Batista e, mais tarde, também contra Jesus (ver Mt 16.1). “Uma atração forte aqui, uma repulsão forte ali, fizeram com que se esquecessem momentaneamente das suas diferenças.”14 João Batista viu esses eclesiásticos rivais “que vinham ao seu batismo” (èpxonivouç èttI tò páTrciopoc). Alford co­menta que “os fariseus representavam a superstição hipócrita; os saduceus, a descrença carnal”.13 Não podemos entender adequada­mente a atmosfera teológica da Palestina vigente naqueles dias sem nos inteirarmos devidamente desses dois movimentos divergentes.16 João Batista compreendeu muito bem o que os eclesiásticos que­riam dizer ao seguirem as multidões ao rio Jordão. Ele lhes expôs a hipocrisia diante do povo.

Raça de víboras (rewrmara exLÔvcõv). Jesus usará o mesmo linguajar contra os fariseus (Mt 12.34; 23.33). Era habitual João Batista ver ninhadas de cobras pelas tocas e fendas das pedras.

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Mateus 3

Quando as cobras sentiam o calor do fogo, corriam (^uyeiv) para a segurança da toca.

A ira futura (xr|ç |ieAAoúar|ç ópyf|ç) não se destinava somente para os gentios, como supunham os judeus, mas para todos os que não estivessem preparados para a chegada do Reino dos céus (1 Ts1.10). Não há dúvida de que os fariseus e saduceus estremeceram pelo golpe certeiro dessa forte acusação.

3.8. Frutos dignos de arrependimento (KapTTÒv rrjç^ÉTavoLocç). Antes de batizar esses homens, João exige que eles apre­sentem provas da nova vida. “Os frutos não são a mudança de co­ração, mas são os atos que resultam dela.”17 João Batista foi muito corajoso quando contestou a dignidade dos que se faziam de luzes e líderes da ética. “Qualquer um pode fazer atos externamente bons, mas só o homem bom pode fazer uma colheita de atos e hábitos certos.”18

3.9. E não presumais de vós mesmos (kcu |af| ôó£r|Te Àéyeiv év èauTOLç). João Batista tocou o ponto fraco do orgulho eclesiásti­co. Na opinião deles, os méritos dos pais, especialmente de Abraão, eram suficientes para todos os israelitas. O reformador deixou claro que existia uma ruptura entre o patriarca e os líderes religiosos no que tange ao valor da raça diante de Deus.

Mesmo destas pedras (ék tíôv A.Í0gov toijtgov). “Apontando, enquanto falava, os seixos na margem do rio Jordão.”19

3.10. E também, agora, está posto o machado à raiz das árvo­res20 (r|õr| 5è r] d^ívri Trpòç Tf|v pí(av tgôv õévõpcov kéltcu). Este verbo Keiioa é usado como o presente passivo de TÍ9r||ai. Na verda­de, a ideia é: “O machado está na (/npóç, “diante da”) raiz das árvo­res”. Está lá, pronto para agir. O presente profético também ocorre com “é cortada” e “lançada”.

3.11. Mais poderoso do que eu21 (loxupói;epó<; |ioú). É o caso ablativo depois do adjetivo comparativo. O seu batismo é o batismo com água, mas aquele que vem “vos batizará com o Espírito Santo e com fogo”. “A vida na era vindoura está na esfera do Espírito. Espírito e fogo estão unidos por uma preposição como se fosse um batismo duplo.”22 Broadus23 entende “fogo” no sentido de separação

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

semelhante ao uso da joeira. Como o mais humilde dos servos, João Batista sentia-se indigno de carregar as sandálias daquele que vem. (Acerca de PacraxCco, ver análise em Mt 8.17.)

3.12. Queimará a palha com fogo que nunca se apagará24 (KataKaúoei uupi áapéaTtú). Note o uso do aspecto perfectivo de Kaxá. A eira, a pá, o trigo, o celeiro, a palha (axupov, palha, palhiço, restolho), o fogo são elementos de um quadro comum da vida. O “fogo” aqui é o julgamento do Messias que se aproxima, da mes­ma maneira que no versículo 1 1 .0 Messias “limpará a sua eira”25 (ÔLíXKaBapiei tqy alcova aúxoír6). Ele a varrerá de lado a lado para deixá-la limpa.

3.13. Então, veio Jesus (Tóxe uapaYÍ. veiai ô ’Irioouç). O mesmo presente histórico é usado em Mateus 3.1. Saindo da Galileia, Jesus se dirige ao rio Jordão “para ser batizado por ele”27 ( to ú PaiTtiaGf] va i Í)tt’ aíruoü). É o genitivo articular do infinitivo de propósito, uma expressão idiomática muito comum. A fama de João Batista alcan­çara Nazaré, determinando a hora pela qual Jesus esperava.

3.14. Mas João opunha-se-lhe2* (ó ôè ’Icoáwriç ôieKxóA.uev aircò v29). É o pretérito imperfeito conativo.30 Os dois homens de destino estão face a face, possivelmente pela primeira vez. Aquele que vem estava diante de João Batista, que o reconhece, mesmo antes ter ocorrido o sinal comprobatório.

3.15. Cumprir toda a justiça (uA.rípcôoaL uâoav ô iK a io aú v r |v ) . A explicação de Jesus satisfaz João. Ele, então, batiza o Messias, que não tem pecado para confessar. Isso “convém” (TTpéirov) fazer, se não o Messias dará a impressão de ficar de lado do precursor. Desta forma, unem-se os ministérios de ambos.

3.16. Viu o Espírito de Deus descendo como pomba (eiõev31 to TTveü|aa xou 9eot) Kaxapaivov còoel 'n ep u n ep àv ). Não está cla­ro se Mateus quer dizer que o Espírito de Deus tomou a forma de pomba ou veio sobre Jesus como desce uma pomba. Qualquer uma das opções faz sentido. Mas em Lucas 3.22, temos “em forma cor­pórea, como uma pomba” (oo)|j,aTiKCÔ e íõ e i tóç TiepioTepáv). Esta é provavelmente a ideia aqui. Os cristãos consideram a pomba como símbolo do Espírito Santo.

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Mateus 3

3.17. Uma voz dos céus (cjjcovr] ék tgôv oúpavwv). Era a voz do Pai para o “meu Filho amado” (ó ulóç [íou ó áyauriTÓç). Assim, cada pessoa da Trindade (Pai, Filho, Espírito Santo) está representada nesta entrada formal de Jesus no seu ministério messiânico. Claro que João Batista ouviu a voz e viu a pomba. Foi ocasião muito importante para João Batista, para Jesus e para0 mundo inteiro. As palavras são semelhantes a Salmos 2.7, e a voz semelhante à que soou no monte da transfiguração (Mt 17.5). O comprazimento do Pai é expresso pelo tempo aoristo (eúôÓKrioa).

NOTAS_____________________________________________________1 GNT/NA, TM e TR têm ’Iwávvriç, ao passo que WH tem um único v ’Icoávriç.2 A. T. Robertson declara: “Como habitualmente faziam muitos escritores antigos,

há um enorme intervalo aqui entre o incidente do retomo de José para Nazaré e o aparecimento de João Batista como pregador. O escritor quer dizer que enquanto Jesus morava em Nazaré, João Batista começou o seu trabalho” (Commentary on the Gospel According to Matthew [Nova York: Macmillan, 1911], p. 72).

3 I. Abrahams, Studies in Pharisaism and the Gospels (Reimpressão, Nova York: Ktav, 1967), p. 37.

4 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 79.

5 GNT/NA e WH têm o v eufônico, líyyiKey, ao passo que TR e TM o omitem, r|yyiK6.

6 “Porque está próximo o reino dos céus” (ARA).7 “Este é aquele de quem o profeta Isaías falou” (AEC; cf. BJ).8 GNT/NA, TR e TM têm a diérese em ’Haocíou, ao passo que WH a omite,

’Haaíou.9 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and Indices (Re-impressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 25.

10 Ver nota 1 do capítulo 3 relativa à ortografia de ’Iioávvriç.11 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint

Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 27.12 Bruce, Expositor’s, p. 81.13 Plummer, Matthew, p. 28.14 McNeile, Matthew, p. 26.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

15 Henry Alford, The Greek Testament, with a Critically Revised Text, 4 Volumes em 2 Volumes; The Four Gospels, revisado por Everett F. Harrison (Chicago: Moody, 1958), vol. 1, p. 22.

16 Há numerosos livros, artigos e verbetes em dicionários bíblicos. Robertson descreveu os fariseus nas primeiras Conferências Stone (1916), realizadas na Universidade de Princeton. Esta série de palestras foi publicada em livro com o título de The Pharisees and Jesus (Nova York: Scribner, 1920).

17 McNeile, Matthew, p. 27.18 Bruce, Expositor s, p. 83.19 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol.l, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 24.20 “O machado já está pronto para cortar as árvores pela raiz” (NTLH).21 “Mais forte do que eu” (BJ).22 McNeile, Matthew, p. 29.23 John A. Broadus, Commentary on Matthew (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1990), pp. 51, 52. [Tradução Brasileira: BROADUS, J. A. Comentário do Evangelho de Mateus. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1949, V. 1, II.]

24 “Queimando a palha com fogo que nunca se apagará” (AEC).25 “Limpará completamente a sua eira” (RA).26 Futuro ático de -i(w e nota õia-.27 “Para ser batizado por João” (NVI). O nome João não se encontra no texto grego.2S “João, porém, tentou impedi-lo” (NVI).29 Ver nota 1 do capítulo 3 relativa à ortografia de ’Iwávvriç.30 O conativo significa que ele tentou ou tencionou, mas a ação foi incompleta.31 GNT/NA e WH têm o v eufônico, eíôev ao passo que TR e TM o omitem, eiõe.

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Capítulo4

Mateus4.1. Para ser tentado pelo diabo (ité ipaaGrjvoa ÚttÒ toü

ôiapóÀoi)). Mateus situa a tentação em um tempo definido: “então” (totê), e em um lugar específico: “ao deserto” (elç xf|v eprpov). É a mesma região geral na qual João Batista estava pregando. Não admira que Jesus fosse tentado pelo Diabo imediatamente depois do batismo, que representava a sua entrada formal na obra messiânica. Esta é uma experiência comum para os que se expõem por Cristo. Mateus diz que “foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo”. Marcos usa uma palavra mais forte, dizen­do que o Espírito “impeliu” (èi<(3áAA€i) Jesus para o. deserto (Me1.12). Foi um impulso forte do Espírito Santo que levou Jesus ao de­serto para refletir sobre a profunda significação do grande passo que dera. Este passo abriu a porta para Satanás e implicou em conflito inevitável com o caluniador (toíj õux(3óA.oi)). Esse termo é aplicado a Judas (“diabo”, Jo 6.70), a homens (“caluniadores”, 2 Tm 3.3) e a mulheres (“caluniadoras”, 1 Tm 3.11 [NVI]; Tt 2.3) que fazem a obra do arquicaluniador. Hoje em dia, há aqueles que não crêem que exista o Diabo em pessoa, mas ao mesmo tempo não oferecem uma explicação adequada para a existência do pecado. Certamente Jesus

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

nunca diminuiu ou negou a realidade da presença do Adversário. O verbo tentar (ueipá(a)) aqui e em Mateus 4.3 significa originalmen­te “testar”, “experimentar”. Esse é o significado habitual no gre­go antigo e na LXX. Ocorre um sentido ruim do verbo (na forma èien-eipá(cú) em 4.7 e em Deuteronômio 6.16, versão da LXX. Por conseguinte, veio a significar, como se dá na maioria das vezes no Novo Testamento, “solicitar para pecar”. “E difícil de entender que Jesus, como o Filho de Deus, pudesse ser tentado. Mas é da mesma maneira difícil ver que Ele, como ser humano, pudesse escapar da tentação. E lógico que nesta e em todas as tentações de Cristo o propósito de Deus era preparar Jesus para, mediante a experiência que teve, ser um Salvador que entendesse os nossos sentimentos (Hb 2.10,18; 4.15; 5.7-9). A realidade da tentação não implica pecado na natureza de Jesus. Ele sentiu a tentação muito mais, porque resistiu até a última gota. Ele era um verdadeiro ho­mem, embora livre de pecado.”1 O sentido ruim do verbo vem do seu uso para o propósito mau.

4.2. Tendo jejuado2 (yrioteúoaç). Não um jejum cerimonial su­perficial, mas a abstinência de comida durante certo tempo de co­munhão com o Pai. Moisés fizera tal jejum durante quarenta dias e quarenta noites (Êx 34.28). “O período do jejum, como no caso de Moisés, foi gasto em enlevo espiritual, durante o qual os desejos do corpo natural foram suspensos.”3

Depois teve fome'1' (uouepov èiTeívaoev) ao fim dos quarenta dias.4.3. Se tu és o Filho de Deus (El uiòç e! toO 0eoü). Mais exata­

mente: “Se tu és Filho de Deus”, pois não há artigo antes de “Filho” (cf. BJ; ARA). O Diabo, porém, está se referindo às palavras que o Pai disse a Jesus no batismo: “Este é o meu Filho amado” (Mt 3.17). Ele desafia esse modo de tratamento usando uma situação de primeira classe. Ele presume que a situação é verdadeira e, com ha­bilidade, exige que Jesus exercite o seu poder como Filho de Deus para saciar a fome. Tais ações provariam, para ele e para todos, que Jesus realmente era o que o Pai o chamou.

Se tornem em pães (aptoi yévcovTOi). Literalmente, “que estas pedras (redondas e lisas, as quais possivelmente o Maligno apontou

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Mateus 4

ou quem sabe até as apanhou e segurou) se tomem em pães” (cada pedra um pão). Era tudo tão simples, óbvio e fácil. Satisfaria a fome de Jesus e estaria tudo dentro do seu poder.

4.4. Está escrito (yéypcnTtoa). Terceira pessoa do singular do per­feito passivo do indicativo, “permanece escrito e ainda está em vigor”. Todas as três vezes, Jesus cita Deuteronômio para repelir a tentação sutil do Tentador. Aqui as palavras são de Deuteronômio 8.3, da LXX. O pão é um mero detalhe5 de nossa dependência de Deus.

4.5. Então o diabo o transportou (Tóte ™,paA.a|j,pávei aútòv ó ôiápoÀoc;). Mateus gosta de usar o advérbio temporal tóte (ele já usou em 2.7; 3.13; 4.1,5). Note como é vívida a imagem mental do presente histórico. Lucas coloca esta tentação em terceiro lugar, organizando-as em ordem geográfica. Alford opina que o Maligno recebeu a permissão de ter ao seu dispor a pessoa de Cristo.6

Sobre o pináculo do templo (cit! tò utepúyiov toü lepou). Literalmente “asa”. A palavra pináculo vem do latim pinnaculum, que é diminutivo de pinna (asa). “O templo” (tou lepou) aqui inclui a área total do Templo e não só o santuário (ó vaóç): o Lugar Santo e o Lugar Santíssimo. Não está claro em que lugar ficava essa “asa”. Pode ser alusão ao pórtico real de Herodes, o qual se projetava sobre o vale de Cedrom que distava uns cento e quarenta metros abaixo, uma altura vertiginosa.7 Esta ala se situava no sul do pátio do tem­plo. O historiador Hegesipo diz que Tiago, irmão do Senhor, foi lançado abaixo da asa do Templo.

4.6. Lança-te daqui abaixo (pá/U oeautòv Kcítto). A atração para atirar-se abaixo ao abismo intensifica o medo nervoso que as pessoas sentem quando estão em um lugar alto. O Diabo insistiu na confiança presunçosa em Deus e citou a Bíblia para fundamentar a sua opinião (SI 91.11,12). Fazendo isso, ele omitiu uma cláusula e tirou conclusões errôneas da Palavra de Deus para fazer o Filho de Deus tropeçar. Se a população o visse planando até ao chão como se tivesse vindo do céu, não haveria quem não acreditasse que Jesus era o Messias. Este seria um sinal do céu em concordância com a expectativa messiânica popular. Os anjos seriam um tipo de “pára- quedas espiritual” para Cristo.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

4.7 Não tentarás o Senhor, teu Deus& (Oúk eKTTeipáaeiç KÚpiov tÒv Qeóv oou). Jesus cita Deuteronômio mais uma vez (Dt 6.16) para mostrar que o Adversário usou de maneira totalmente errada a promessa de proteção dada por Deus.

4.8. E mostrou-lhe (Wi õeiKvuoiv aurto). Esse panorama mara­vilhoso tinha de ser parcialmente mental e imaginativo, visto que o Tentador fez passar em revista “todos os reinos do mundo e a glória deles”. Mas esse fato não prova que todas as fases das tentações sejam subjetivas ou que o Maligno não estivesse verdadeiramente ali. Temos aqui mais uma vez o presente histórico (õeÍKvuoiv) que nos proporciona uma imagem mental vívida. Agora o Maligno tem Cristo em um monte muito alto, seja o tradicional monte Quarantânia seja outro lugar. Do ápice do monte Nebo, Moisés teve a visão da terra de Canaã (Dt 34.1-3). Lucas diz que o panorama ocorreu “num momento de tempo” (Lc 4.5). Portanto, é óbvio que houve um ele­mento de visão.

4.9. Tudo isto te darei9 (Tauxá ooi vávicc ôcóoco). Satanás afirma que governa o mundo, até as regiões que estejam fôra da Palestina ou do Império Romano. Jesus não contesta o que ele afir­ma. “Os reinos do mundo” (Mt 4.8) estavam sob a sua influência. Kóopou salienta o arranjo ou disposição metódica do universo, ao passo que t) 0lK0U(iévri apresenta a terra habitada. Ainda que Satanás possa cumprir o que prometeu, Jesus repele a condição:10 “Se pros­trado, me adorares”11 (TTeooov irpooKwriariç poi). Lucas (4.7) diz: “Se tu me adorares, tudo será teu” (TTpoaKuviícrflç èvGÓrriov époO), que é linguagem menos ofensiva, mas mesmo assim implica adoração ao Diabo. Desta forma, a ambição de Jesus é imposta ao custo do reconhecimento da primazia do Diabo no mundo. Esse acordo teria implicado na rendição do Filho de Deus ao príncipe mundial das trevas. “A tentação era tripla: ganhar domínio temporal e não espiri­tual, ganhá-lo imediatamente e ganhá-lo por um ato de homenagem ao príncipe deste mundo, que tomaria o auto-constituído Messias no vice-regente do Diabo e não de Deus.”12

4.10. Vai-te, Satanás13 Ç'Ymr/e, Earavâ). As palavras “para trás de mim” (óttlogj pou) pertencem a Mateus 16.23 e não são originais

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Mateus 4

aqui. Esta tentação é o limite da sugestão diabólica e argumenta a favor da ordem lógica em Mateus. Satanás significa “adversário”, e é como Cristo identifica o Diabo. Jesus cita Deuteronômio 6.13 para repelir a sugestão infame pelo uso da citação da Bíblia. Mais tarde, Jesus advertirá os homens a não servirem a Deus e a Mamom (Mt 6.24). O Maligno, como senhor do mundo mau, constantemente tenta ganhar os homens para o servirem. A palavra em Mateus 4.10 traduzida por servirás é ÂaTpeúaeiç, de Àátpiç, que significa “servo contratado”, aquele que trabalha por contrato.

4.11. Então, o diabo o deixou (Tóxe á^írioiv cojtov ó ôiápoÀoç). Note o uso mais uma vez de então (tÓté) e do presente histórico. O movimento é rápido.

E, eis ( kou íôoú), como frequentemente ocorre em Mateus, são palavras que dão prosseguimento à cena.

Chegaram os anjos e o serviram14 (ayyeÀoi TTpoafjÀGov «ai ôir|KÓvouv auTcò). IIpoof|À0oy é um aoristo constativo, terceira pes­soa do plural do aoristo ativo do indicativo. Alt|kÓvoi)v descreve ação pitoresca imperfeita e linear. A vitória foi ganha apesar do je­jum de quarenta dias e os ataques repetidos do Adversário que expe­rimentara todas as possibilidades de abordagem. Os anjos o anima­ram por causa da inevitável reação nervosa e espiritual da tensão do conflito, e também lhe deram comida, como no caso de Elias (1 Rs 19.6,7). As questões em jogo eram de suma importância, visto que os defensores da luz e das trevas lutaram por domínio. Lucas (4.13, ARA) informa que o Diabo deixou Jesus somente “até momento oportuno” (axPL Kcapoü).

4.12. Jesus,15porém, ouvindo (AkoÚoccç ôé). Arazão de Jesus ter voltado para a Galiléia é que João Batista fôra preso. Os Evangelhos Sinóticos pulam um ano inteiro: da tentação de Jesus ao seu minis­tério galileu. Mas da passagem de João 1.19—3.36, não saberíamos nada sobre o “ano da obscuridade”.16 A obra de Cristo na Galiléia começou depois do fim do ministério ativo de João Batista, cuja obra se estendeu na prisão por um ano ou muito mais.

4.13. [Ele] fo i habitar em Cafarnaum17 (èÀQoòv kktgÓktioév eiç Kacjjapvaoup.). Jesus foi primeiro para Nazaré, o seu antigo lar, mas

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

ali o rejeitaram (Lc 4.16-31). Em Cafamaum (provavelmente o sítio arqueológico de Tell Hum), Jesus estava em uma cidade grande, um dos centros da vida política e comercial da Galiléia, que tinha um comércio de peixes. Muitos gentios dirigiam-se a Cafamaum. Ali, a mensagem do Reino teria melhor chance que em Jerusalém, com seus preconceitos eclesiásticos, ou em Nazaré, com seus ciúmes lo­cais. Assim, Jesus “foi habitar” (KaxcÓKr|oev) ali.

4.16. Viu uma grande luz18 (4>(3ç eíôev |aéya). Mateus se refere a Isaías 9.1-5 e aplica ao Messias as palavras a respeito do libertador da Assíria. “O mesmo distrito achava-se em trevas e morte espiri­tual e o novo tempo amanheceu quando Cristo foi para lá.”19 A luz resplandeceu “aos que estavam assentados na região e sombra da morte” (kv %cópa KCCL 0KLÍ Qaváxou). A morte foi personificada.

4.17. Começou Jesus a pregar (r\ pactuo ô Tr|ooOç icrpúcaeiv) na Galiléia. Já fazia um ano ou mais que ele estivera pregando em ou­tro lugar. A sua mensagem levou avante as palavras de João Batista sobre “arrependimento” e a proximidade do “Reino dos céus” (Mt 3.2). A mesma palavra traduzida por “pregar” (KTpúoaeiv), deriva­da de Kfjpui;, aquele que anuncia, é usada em pertinência a Jesus como também a João Batista. Ambos proclamaram as Boas Novas do Reino. Mateus descreve Jesus mais frequentemente por Mestre (ó ôiôáaKcdoç) que ensinava (èõíõaoKev) o povo. Ele era anunciador e professor.

4.18. Lançavam as redes ao mar20 (páAAovraç á|i4> ípÀr|aTpov elç xr]y 0áA.aaaav). O tem o usado se refere a uma rede de arremes­so (compare á|i(t)ipáXX(jO em Marcos 1.16, lançando em ambos os lados). A rede era lançada por cima do ombro e espalhada em um círculo (á[i4>í). Em Mateus 4.20, 21, ocorre outra palavra, õíicrua, e refere-se a redes de qualquer tipo. A grande rede de arrasto (oayrivr]) consta em Mateus 13.47.

4.19. Pescadores de homens (áÀielç àvGpcÓTTOúv). André e Simão eram pescadores profissionais. Eles já tinham se tomado discípulos de Jesus (Jo 1.35-42), mas agora a chamada é para deixar o trabalho secu­lar e seguir a Jesus nas suas viagens e atividades ministeriais. Esses dois irmãos prontamente (eúBécoç) atenderam a chamada e desafio de Jesus.

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Mateus 4

4.21. Consertando as redes11 (KarapTiÇovTaç m õlktw oojtqv). Estes dois irmãos, Tiago e João, estavam preparando as redes para a pesca. O verbo (KcrcapríCco) significa “ajustar”, “articular” a homens se necessário (Lc 6.40; Rm 9.22; G16.1). Assim, imediatamente dei­xam o barco e o pai para seguir a Jesus. Eles também já tinham se tomado discípulos de Jesus. Agora há quatro homens que o seguem permanentemente.

4.23. Percorria Jesus toda a Galiléia22 ('iTepirp/ey lv tf) rcdiAaía). Literalmente, Jesus “estava circulando (imperfeito) por toda a Galiléia”. Esta é a primeira das três excursões da Galiléia que Jesus fez. Dessa vez, ele levou os quatro pescadores que chamara para prestarem serviço pessoal. Na segunda vez, Ele levou os doze. Na terceira visita, enviou os doze à frente, de dois em dois. Ele ensi­nava e pregava o evangelho do Reino principalmente nas sinagogas, mas também nas estradas e mas onde os gentios poderiam ouvir.

Curando todas as enfermidades e moléstias (GepaneÚQv Tiâaav vóaov Koà Trâaav liaÀaKiav). A doença ocasional é [lakaKÍav, ao passo que a doença crônica ou séria é vóaov.

4.24. A sua fama correu por toda a Síria23 (áuf|X0ev r] (xkoti aÚTOu elç oÀr|v tí]v üupíctt'). O boato (ckori) espalha as novidades quase como a telegrafia sem fio ou o rádio. Os gentios de todas as partes da Síria, que fica ao norte, ouviram o que estava acontecen­do na Galiléia. O resultado era inevitável. Jesus tinha um hospital ambulante de pacientes provenientes de todas as regiões da Galiléia e Síria.

Todos os que padeciam (-coíjç KaKdòç ’éxoviaç), literalmente “os que tinham mal”, casos que os médicos não puderam curar.

Acometidos de várias enfermidades e tormentos (TTOiKÍlaiç vóooiç Kctl paaávoiç auvexo[iévou<;). “Mantidos unidos” ou “com­primidos” é a ideia do particípio grego. Usando a mesma palavra, Pedro se refere à multidão que apertava Jesus (Lc 8.45); o Senhor Jesus diz que estava angustiado (Lc 12.50) e Paulo fala que estava em aperto (Fp 1.23). As pessoas levavam os casos difíceis e crônicos (tempo presente do particípio) para Jesus, “várias” (ttoiklàixiç) difi­culdades de saúde como febre, lepra, cegueira. O adjetivo significa

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que os problemas de saúde eram, literalmente, “muito coloridos” ou “matizados”, como flores, pinturas ou icterícia. Algumas pessoas tinham “tormentos” (Paoávoiç), um termo de origem oriental que significava uma pedra de toque para testar o ouro. Quando se esfre­gava ouro puro nessa pedra ficava uma marca peculiar. Portanto, era usada para exame por tortura. A doença era considerada como tortu­ra. Mateus descreve essas doenças “em escala descendente de vio­lência”24 (ôai|ioviÇo|iévoi)ç kocI oeÀ.r|via(o|iévouç Kod 'napaA.UTiKOÚc;), como faz Moffatt: “endemoninhados, lunáticos e paralíticos”, e como faz Weymouth: “endemoninhados, epilépticos e paralíticos”. O vocábulo lunático, derivado do latim luna (lua), evoca a mesma imagem que o vocábulo grego o(-h~\viá(o\sai, derivado de oeA.r\vr\ (lua). Outrora, até os epilépticos eram chamados “lunáticos” ou “aluados”, porque supunham que os ataques epiléticos acompanha­vam as fases da lua25 (ver esse uso em Mt 17.15). O vocábulo para­lítico é a transliteração da palavra grega com o mesmo significado. Estas doenças são chamadas “tormentos”.

4.25. Seguia-o uma grande multidão (r|KoA.oú0r|Gav autó) o^Iol ttoAAo I ) . Note a forma plural em AEC, BJ, NTLH, NVI, ARA; não era só uma multidão, mas multidões. E de todas as partes da Palestina, inclusive Decápolis, a região das Dez Cidades Gregas si­tuadas a leste do rio Jordão. Não há campanha política que se iguale a essa inundação de pessoas para ouvir e ser curadas por Jesus.

NOTAS________________________________________________1 A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York:

Macmillan, 1911), p. 83.2 “Depois de jejuar” (ARA).3 Henry Alford, The Greek Testament, with a Critically Revised Text, 4 Volumes

em 2 Volumes; The Four Gospels, revisado por Everett F. Harrison (Chicago: Moody, 1958), vol. 1, p. 28.

4 “Estava com fome” (NTLH).5 Alexander Balmain Brace, The Expositor s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 89.6 Alford, Greek Testament, p. 29.

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Mateus 4

7 Josephus, Antiquities o f the Jews, 15.11.5. [Edição brasileira: Flávio Josefo, História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]

8 “Não ponha à prova o Senhor, seu Deus” (NTLH).9 GNT/NA e WH têm Taüiá aoi irávra ôcóaw mas TR e TM têm uma ordem

diferente de palavras, Taüra irávia aoi õcóocü.10,Eáv e aoristo do subjuntivo, segunda classe indeterminada com probabilidade

de determinação.11 “Se você se ajoelhar e me adorar” (NTLH).12 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 41.

13 “Retira-te, Satanás” (ARA).14 “E cuidaram [dele]” (NTLH).15 O nome Jesus não se acha no texto grego de GNT/NA e WH (cf. BJ). Temos,

porém, ó ’Ir|aoüç em TR e TM.16 James Stalker, The Life o f Christ (Nova York: Revell, 1891), pp. 49-53.17 TR e TM têm uma soletração diferente para a cidade, KaTrepvaoúii.18 GNT/NA, WH e TM têm a palavra com o u móvel, ao passo que TR tem eíôev

sem o v eufônico.19 McNeile, Matthew, p. 44.20 “Lago” (NTLH), em lugar de mar.21 “Preparando as suas redes” (NVI).22 GNT/NA e WH têm kv 0A13 tr) FaAiAaía, ao passo que TR e TM têm oÀr|v xx]v

raA.iA.aíctv.23 “Espalhou-se por toda a Síria” (BJ).24 McNeile, Matthew, p. 48.25 Bruce, Expositor ’s, p. 94.

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Capítulo5

Mateus5.1. Subiu a um monte (ávé(3r| elç to õpoç). Não a um monte,

mas ao monte (ARA). A maioria das versões bíblicas lida muito mal com o artigo grego. Não sabemos que monte era. Foi aquele em que Jesus e as multidões estavam. “Delitzsch diz que o monte das Beatitudes é o monte Sinai do Novo Testamento.”1 Ao que parece, “vendo a multidão”, Jesus subiu ao monte para ficar em contato mais estreito com os discípulos. Lucas diz que ele “subiu ao monte a orar” (Lc 6.12), e Marcos fala que ele “subiu ao monte e chamou” os doze (Me 3.13). Todos os três propósitos são verdadeiros. Lucas acrescenta que, depois de passar uma noite inteira em oração e ter escolhido os doze, Jesus desceu a um lugar plano no monte para fa­lar às multidões da Judeia e Fenícia. As multidões são grandes tanto em Mateus quanto em Lucas. Não há dificuldade que nos impeça de identificar o Sermão do Monte, em Mateus, com o Sermão da Planície, em Lucas.2

5.2. Abrindo a boca, os ensinava ( è ô íô a o K e v aurouç). Imperfeito incoativo (inceptivo). Ele sentou-se no lado do monte, à maneira dos rabinos judeus, em vez de ficar de pé. Era uma cena muito im­pressionante, enquanto Jesus falava suficientemente alto para ser

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ouvido pela grande multidão. Estavam ali os doze apóstolos que Jesus recentemente escolhera, “um grande número de seus discípu­los, e grande multidão do povo” (Lc 6.17).

5.3. “Bem-aventurados” (Maicápioi). A palavra bendito tra­duz mais precisamente o eúÀayrrcoí verbal grego, como em Lucas 1.68 (no louvor de Zacarias a Deus: “bendito”); ou o particípio passivo perfeito eúÀoyruievoç como em Lucas 1.42 (na saudação de Isabel a Maria: “bendita”) e em Mateus 21.9 (o clamor das mul­tidões enquanto Jesus entrava em Jerusalém: “bendito”). Ambas as formas vêm de eúÀoyéoo “falar bem de” (eu Àóyoç). Maxápim é um adjetivo que significa “feliz”. “Claro que bem-aventurança é algo infinitamente mais sublime e melhor que mera felicidade”, segundo afirmou Weymouth. Desta forma, elevamos o termo bem- aventurados (ou benditos) a um patamar mais alto que felizes. Mas o que Jesus disse foi “felizes”.3 A palavra grega é tão antiga quanto Homero e Píndaro. Era usada para caracterizar os deuses gregos e também os homens, mas na maioria das vezes em alusão à prosperidade externa. Em Apocalipse 14.13, é aplicada aos que morreram no Senhor. O Antigo Testamento na versão LXX usa a palavra para referir-se à qualidade moral. “Livrando-se de to­dos os pensamentos de bem exterior, toma-se o símbolo expresso de uma felicidade identificada com o caráter puro. Por trás disso, acha-se a cognição clara do pecado, como a origem principal de toda miséria, e da santidade, como a cura final e eficaz para toda desgraça. Quanto ao conhecimento como a base da virtude e, por­tanto, da felicidade, essa palavra substitui a fé e o amor.”4 Jesus põe a palavra felizes em um ambiente repleto de significado. “Esta é uma das palavras que foram transformadas e enobrecidas pelo uso do Novo Testamento; por associação, como nas Beatitudes, a situações incomuns, consideradas ruins pelo mundo, ou por as­sociação a situações raras e difíceis.”5 Pena que não mantivemos a palavra felizes no patamar alto e santo onde Jesus a colocou. “Já que vocês conhecem esta verdade, serão felizes (iiaicápioi) se a praticarem” (Jo 13.17, NTLH). “Felizes ([ictKápioi) são os que não viram, mas assim mesmo creram!” (Jo 20.29, NTLH). Paulo

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Mateus 5

aplica esse adjetivo a Deus: “Conforme o evangelho da glória do Deus feliz ([iatcápioi)” (1 Tm 1.11, tradução minha; ver também Tt2.13). O termo beatitude (latim, beatus) chega perto do significado que Jesus dá aqui a |iaKápioi. Será recompensador fazermos um estudo meticuloso de todas as “beatitudes” no Novo Testamento, onde consta a palavra |iai<ápioi. Ocorre nove vezes em Mateus5.3-11, embora as beatitudes nos versículos 10 e 11 sejam muito semelhantes. Nestas nove ocorrências não constam o elemento de ligação. Em cada caso, é dada uma razão para a beatitude, “por­que” (ôti). Isso mostra a qualidade espiritual envolvida em cada beatitude. Algumas das frases que Jesus emprega aqui ocorrem nos Salmos; outras estão no Talmude, um escrito judaico rabíni­co surgido depois do Novo Testamento. Este fato não é de pouca monta. “A originalidade de Jesus acha-se em dar o devido valor a estes pensamentos, reunindo-os e tornando-os tão proeminentes quanto os Dez Mandamentos. Não há maior serviço que se faça à humanidade do que resgatar da obscuridade os conceitos morais comuns que são menosprezados.”6 Jesus repetia as suas declara­ções muitas vezes, como fazem os grandes mestres, mas este ser­mão tem unidade, progresso e acabamento. Não contém tudo que Jesus ensinou, mas se destaca como o maior sermão de todos os tempos em sua perspicácia, pungência e poder.

Os pobres de espírito (ol tttwxo! xq uveú|_i(m). Em Lucas, cons­ta apenas “os pobres” (Lc 6.20), mas ele quer dizer o mesmo que essa expressão em Mateus. Diz respeito aos “piedosos em Israel, a maior parte pobre, a quem os ricos irreligiosos menosprezavam e per­seguiam”.7 Em Lucas 16.20,22, a palavra ttxcoxóç é usada em conexão ao mendigo Lázaro. Derivada de 11X000000, “abaixar-se”, “agachar-se”, a palavra grega denota privação espiritual. O substantivo alternativo para referir-se a “pobre”, uevriç, é derivado de Tiévo|ioa, que significa “trabalhar pelo pão diário”. A referência é àquele que trabalha para vi­ver. O termo ttxgoxó<; é mais frequente nas páginas do Novo Testamento e denota pobreza mais profunda que o termo grego néyrjç. “O Reino dos céus” aqui significa o reinado de Deus no coração e na vida do crente. Este é o summum bonum, ou seja, o que mais importa.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

5.4. Os que choram (oi TrevGoüvTeç). Este é outro aparente pa­radoxo. Esse verbo grego “ocorre muito frequentemente na LXX para aludir ao choro pelos mortos, e pelos infortúnios e pecados dos outros”.8 “Não pode haver consolo onde não haja aflição.”9 A tris­teza deve nos fazer buscar o coração e a mão de Deus para, assim, encontrarmos o consolo latente na aflição.

5.5. Os mansos10 (ol upoceiç). “Bem-aventurados os brandos” (Wycliffe). Os antigos usavam a palavra para aludirem à conduta externa. Eles não a classificavam como virtude. Tratava-se de uma equanimidade moderada que poderia ser negativa ou positi­va. Mas Jesus elevou a palavra a certa dignidade. As Beatitudes pressupõem um coração novo, pois o homem natural não encon­tra felicidade nas qualidades mencionadas aqui por Cristo. A pa­lavra manso perdeu a sua referência a uma mistura fina entre porte e força espiritual, que foi o que o Mestre quis dizer. Ele se auto-intitula “manso e humilde de coração” (Mt 11.29) e Moisés também se chama “manso” (Nm 12.3). É a mansidão da força e não a efeminação. Por “a terra” (tt|v yfjv), ao que parece, Jesus dá a entender a Terra da Promessa (SI 37.11), embora Bruce11 opine que seja a terra inteira. Podia ser a terra firme em vez do mar ou do ar?

5.6. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça (ol TreivwvTec; Kcd ÕLTjxGJvxeç tf]v õiK(uoaúvr|v). Jesus direciona um dos elementares instintos humanos ao uso espiritual. Há em todos os ho­mens fome por comida, por amor, por Deus. Trata-se de uma fome e sede ardentes de bondade, de santidade. A palavra grega traduzida por fartos, xopraoGiíoovrai, significa alimentar ou engordar o gado. É derivada das palavras referentes a forragem ou erva verde usadas em Marcos 6.39, xA.copò<; xópTOç.

5.7. Eles alcançarão misericórdia12 (èÀer)0iíoovT(xi). “Uma lei automática do mundo moral.”13 O que às vezes é verdadeiro acerca dos homens é a lei do Reino dos céus.” '4

5.8. Eles verão a Deus (aúxol ibv 0eòv ôi|rovrai). Sem a santifi­cação ninguém verá o Senhor (Hb 12.14). A visão beatífica somente é possível aqui na terra para os limpos de coração. Hoje, ninguém

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Mateus 5

pode ver o Rei. O pecado confunde e anuvia o coração, de forma que não podemos ver a Deus. A limpeza ou pureza (cf. AEC; NVI) tem aqui o sentido mais amplo e inclui tudo.

5.9. Os pacificadores (ol elprivouoioí). Não meramente “ho­mens pacíficos” (Wycliffe), mas “as pessoas que trabalham pela paz” (NTLH; cf. BJ). É muito difícil manter a paz. Mais difícil ainda é levar paz onde não há. “O pacificador perfeito é o Filho de Deus (Efésios 2.14,15).”15 Assim, seremos como o nosso “Irmão mais velho”.

5.10. Os que sofrem perseguição por causa da justiça (ol ôeôiwy|iévoi evecev 5iKoaoaúvr|c;). As vezes, as pessoas tentam ga­nhar atenção e simpatia agindo como se estivessem sendo persegui­das. O Reino dos céus pertence aos que sofrem, porque eles estão seguindo a Cristo sem fazer concessões de qualquer tipo; são pesso­as que não são culpadas de erro.

5.11. Mentindo [...]por minha causa (i|íeuôó|J,evoi eveicev è|ioü). O Códice Beza muda a ordem dessas duas últimas beatitudes, mas esse fato é irrelevante ao significado. Dois critérios são estabelecidos para recebermos no céu a coroa de mártir e o “galardão” ([iioGóc Mt 5.12). As coisas ruins ditas a respeito dos seguidores de Cristo têm de ser inverídicas e eles devem suportar a calúnia pela causa de Cristo. Não há recompensa para quem mereça a opinião má dos outros.

5.13. Se o sal fo r insípido16 (khv ôè tò aXac, fioopavQfj). O ver­bo é derivado de [awpóç (“estúpido”, “indolente”, “lerdo”, “bobo”, “tolo”) e significa “bancar o bobo”, “fazer-se de tolo”. Aqui se re­fere ao sal que ficou insípido ou sem gosto (Me 9.50). Na Síria e Palestina, é comum haver pilhas de sal espalhadas por toda parte porque o sal ficou insosso (cf. Mt 5.13, BJ; NTLH).

O sal se tomou a coisa mais inútil que se possa imaginar. E pos­sível que Jesus tenha usado um provérbio em vigor nos seus dias.

5.15. Se coloca debaixo do alqueire17 (xiGéaaiv aúròv írrrò tòv lióõiov). Do alqueire é a tradução correta, e não de um alqueire (cf. AEC; NTLH; NVI). “A ilustração é tirada da vida humilde em caba­nas. Havia na parede uma pedra saliente na qual se colocava a candeia ou lâmpada. A casa era de um único compartimento, de forma que a luz minúscula bastava para iluminar todo o ambiente.”18 A candeia

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não era colocada debaixo do alqueire (o único que havia na cabana), exceto para apagá-la ou escondê-la. O alqueire era um artefato de bar­ro que servia de unidade de medida de capacidade para secos.

O velador (tt]v Xu^víav), e não “castiçal”. É um suporte de candeia ou lâmpada em cada uma das doze ocorrências na Bíblia. Havia um único suporte de candeia para cada ambiente.

5.16. Assim19 (o íjtg o ç). O advérbio aponta retrospectivamente à candeia ou lâmpada. Deste modo, os homens têm de deixar brilhar a sua luz e não glorificar a si mesmos, mas ao “vosso Pai, que está nos céus”. A luz brilha para que os outros vejam por ela, e não para chamar a atenção em quem a tem.

5.17. Não vim ab-rogar, mas cumprir (o ú k fjÀGov K o c ra lü

oca ctXXà TTÀripôaca). O verbo ab-rogar significa “soltar”, “desa­tar”, “desprender” como se faz com uma casa ou tenda (2 Co 5.1). Cumprir significa “encher por completo” ou “completar”. Foi o que Jesus fez com a lei cerimonial, que o apontava. Ele também guardou a lei moral. “Ele veio completar a lei, revelar a total profundidade do significado que estava ligado a quem a guardava.”20

5.18. Um iota ou um til21 (Lcôra e v r] ( a ia K e p a ía ) . “Nem um iota, nem uma vírgula” (Moffatt). “Nem a menor letra, nem uma partícula” (Weymouth). O iota é a menor vogal grega que Mateus usa para representar o iode hebraico, a menor letra he­braica. “Título” vem do latim titulus, que veio a significar o traço para indicar abreviação de palavra e, por conseguinte, qualquer pequena marca. Não é certo se K e p a ía quer dizer um pequeno chifre, o mero ponto que distingue algumas letras hebraicas de outras, ou a letra “gancho” vau. As vezes o iode e o vau eram difíceis de serem distinguidos. “Em Yay. R. 19, a culpa de alterar uma delas é tão grande que, se ocorresse a alteração, o mundo seria destruído.”22

5.19. Aquele, porém, que os cumprir e ensinar23 (ôç 5’ av uoiiíar) K cà ôiôá^). Jesus põe a prática antes da pregação. O profes­sor tem de viver a doutrina antes de ensiná-la aos outros. Os escribas e fariseus eram homens que “dizem e não praticam” (Mt 23.3), que pregam e não fazem. Este é o teste da grandeza que Cristo faz.

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Mateus 5

5.20. Exceder (irepLooeúoi] ... Tilelov). Transbordar como as águas do rio transbordam as margens. Depois, Jesus acrescenta “em muito” (ARA) seguido por um ablativo não expresso (genitivo, xf\ç ôiKcaooúvri), braquilogia (brevidade). Trata-se de uma declaração ousada da parte de Cristo dizer que eles tinham de ser melhores que os rabinos. Tinham de superar muitíssimo os escribas, o pequeno número de mestres regulares (Mt 5.32-48), e os fariseus (Mt 6.1- 18), que eram os separados, os pietistas ortodoxos.

5.22. Eu, porém, vos digo (èyà) õè Aiyoo í)|ilv). E em seis que­sitos, Jesus assume um tom de superioridade em relação aos regula­mentos mosaicos e aos seus intérpretes. Ele vai mais fundo que a lei ao âmago da questão. “Ele encontra o princípio por trás do preceito e o endossa.”24

Raca... louco ('PocKá ... Mcopé). A primeira palavra é aramai- ca, significa “vazio”, “fútil”, “simplório” ou “cabeça-dura”,25 sen­do usada para expressar o desprezo por alguém. A segunda palavra é grega (“tolo”, “estúpido”) e é um equivalente exato de “raca”. Alguns defendem que |icopé é uma palavra hebraica, mas Field (Otium Norvicense) objeta tal ideia. “A palavra para expressa des­prezo pela cabeça do homem: estúpido! A palavra |_i(jpé expressa desprezo pelo coração e caráter do homem: ordinário.”26

O fogo do inferno27 (rf|v yéevrnv toü trupoç), “a geena de fogo” (BJ). O caso genitivo (toü mjpóç) é o caso de gênero que descreve a geena como marcada pelo fogo. A geena é o vale de Hinom, onde o fogo ardia continuamente. Outrora, os judeus idólatras ofereciam ali os seus filhos a Moloque (2 Rs 23.10). Jesus considera a linguagem abusiva como caso de assassinato. Devemos distinguir cuidadosa­mente a geena do hades (aôr|<;), que nunca é o lugar de punição. O inferno é o lugar dos espíritos de pessoas falecidas, sem referência à condição moral.28 O lugar de tormento está no hades (Lc 16.23), mas aii também está o lugar de bênção — o “paraíso”.

5.24. Vai reconciliar-te primeiro (ijTraye TipwTov ôiaAAáyr|9i), segunda pessoa do singular do aoristo segundo passivo do impera­tivo: “fique reconciliado” (aoristo ingressivo: “tome a iniciativa”). Esta é a única ocorrência dessa combinação no Novo Testamento.

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Em geral, KaTcdÀáaoa> ocorre com essa combinação.29 Certo filho pródigo, Longinus, escreveu à sua mãe, Nilus: “Eu te peço, mamãe, seja reconciliada (ôicdáyr|Ti) comigo”. O rapaz não escreve correta­mente, mas, com coração partido, ele usa a forma idêntica que Jesus usa. “O verbo denota concessão mútua depois de hostilidade mútua, uma ideia ausente de KcacdÀ.áooco”, de acordo com Lightfoot. E por causa de ôiá (“dois; entre dois”).

5.25. Concilia-te depressa com30 fíoGi ewodòv), um imperativo presente ativo perifrástico. O verbo é derivado de euvooç (“amigá­vel”, “amavelmente disposto”). “Entra em acordo sem demora com o teu adversário” (ARA). Entrar em acordo é melhor do que ir para a prisão, quando não há princípio em questão, mas só interesse pes­soal. É muito fácil ver um princípio vital quando a questão envolve o orgulho.

O oficial (tcô ímripéTfl). 'Yttó “debaixo de”, e qpéao«, “remar”. Esta palavra se referia originalmente ao escravo de galera que era o “remador debaixo” ou remador de fundo em um navio com vá­rios níveis de remadores. Veio a significar qualquer criado, inclusi­ve o ajudante na sinagoga (Lc 4.20, “ministro”, ARC; “assistente”, ARA). É como Lucas descreve João Marcos na relação deste com Bamabé e Saulo (At 13.5, “cooperador”). Em Lucas 1.2, ele aplica o termo aos “ministros” da palavra.

5.26. O último ceitiP1 (tòv eoxatov Koôpávxriv), uma palavra latina, quadrans, um quarto de asse (áoaápiov) ou duas pequenas moedas (Me 12.42), um quadro bem claro de castigo inevitável por dívida. Isso é enfatizado pela forte dupla negação oú p,f| com o sub­juntivo aoristo.

5.27. Não cometerás adultério32 (Oü (j-oixeúaeiç). Estas ci­tações (vv. 21,27,33) do Decálogo da LXX (Êx 20 e Dt 5) usam oi) e a segunda pessoa do singular do futuro do indicativo ati­vo (futuro volitivo, expressão idiomática grega comum) Em 5.43, ocorre a forma positiva (ou afirmativa), futuro volitivo (áYaTníoeiç). No versículo 42, é usada a segunda pessoa (ôóç) do singular aoristo segundo ativo do imperativo. No versículo 38, não ocorre o verbo.

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5.28. Em seu coração (kv tf| Kctpôía aírroü). O homem interior, inclusive o intelecto, o sentimento e a vontade. Não é só o centro da circulação sanguínea, embora também signifique isso, nem é só a natureza emocional. Esta palavra é extremamente comum no Novo Testamento e sempre deveria ser reservada e anotada para estudo minucioso. E derivada de uma raiz que significa “tremer” ou “pal­pitar”. Jesus situa o adultério nos olhos e no coração antes do ato externo. Wunsche (Beitrage) cita duas declarações rabínicas perti­nentes ao tema traduzidas por Bruce: “Os olhos e o coração são os dois corretores do pecado”.33 Por conseguinte, eis o perigo para os puros as imagens e peças teatrais lascivas e libertinas.

5.29. Te escandalizar (aKavôodí.íei oe). A tradução te fa z tro­peçar é muito melhor (ARA). A noção não é de escandalizar ou ofender, mas de armar uma armadilha. O substantivo (oKKVôcdov, derivado de OKdcvôodqGpov) significa o pau na armadilha que salta e fecha-a, quando o animal o toca. Arrancar o olho quando se tra­ta de armadilha, cortar a mão, mesmo que seja a mão direita. Não devemos considerar essas imagens mentais literalmente, mas como apelos vigorosos e veementes ao domínio próprio. Jesus não está ordenando a mutilação do corpo, mas o controle do corpo contra o pecado. Quem brinca com fogo se queima. A cirurgia moderna ilustra primorosamente o ensino de Jesus. Se as amídalas, dentes ou apêndice estiverem infectados e não forem retirados, o corpo aca­bará perecendo. Corte-os a tempo e a vida será salva. “O que Jesus tem em mente é a cirurgia espiritual”.34 Marvin Richardson Vincent comenta que “as palavras escândalo e difamação são derivadas de OKávôaÀoy.”35 Wycliffe traduz: “Se o teu olho direito te difamar'. Ficou claro que a difamação é um escândalo e pedra de tropeço, uma armadilha e cilada.

5.31. Carta de desquite (àv:oamaiov), “certificado de divórcio” (Moffatt), “notificação escrita de divórcio” (Weymouth). O grego é uma abreviação de pipxíov áiT0cn;a0 L0i) (Mt 19.7; Me 10.4). Aqui, a Vulgata Latina tem libelhtm repudii. Os papiros usam ouyypa^-n áTToataoLOU nas transações comerciais como “contrato de libera­ção”.36 A notificação escrita (pt-PAiov) era uma proteção para a mu­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

lher contra o capricho do marido irado. Afinal, ele poderia mandá- la embora sem lhe dar um documento comprobatório da sua nova condição civil.

5.32. A não ser por causa de prostituição37 (uapeKtòç Xóyou TTopveíaç). Uma frase incomum que talvez signifique “exceto com base na falta de castidade” (Weymouth), “a não ser por infidelida­de” (Goodspeed), sendo equivalente a ètrl uopveía em Mateus 19.9. McNeile nega que Jesus tivesse feito esta exceção, porque Marcos e Lucas não a têm .38 Ele afirma que os cristãos primitivos abriram a exceção para atender a uma necessidade premente. Entretanto, não vemos a força dessa acusação contra o relato que Mateus fez das palavras de Jesus. Parece crítica para satisfazer as necessidades ho­diernas.

5.34. De maneira nenhuma, jureis7'9 (i_if) òfióoai oàgoç) é a tra­dução correta (ordem indireta e infinitivo aoristo). Claro que Jesus não proíbe juramentos em tribunais, porque ele mesmo respondeu a Caifás sob juramento (Mt 26.63,64). Paulo fez apelos solenes a Deus (1 Co 15.31; 1 Ts 5.27). Jesus proíbe todas as formas de pro­fanação. Os judeus eram mestres na arte de perder-se em minúcias sobre juramentos permissíveis ou formas de profanação, exatamen­te como fazem os cristãos de hoje sob o pretexto de uma grande variedade de “palavras de baixo calão”.

5.38. Olho por olho e dente por dente (’OijjQodiiòv òvxx óc OaX |ío0 Km óôóvra àvxi óôóvtoç).40 Note àvxí com a noção de troca ou substituição. Como no divórcio, esta lex talionis (lei de talião) é uma restrição à vingança desenfreada. “Limitava a vingança fixando uma compensação exata pelo dano.”41 A Mishná permite pagamento em dinheiro. Ainda hoje a lei de talião vigora em alguns países.

5.39. Não resistais ao mal (|if| àvxiaxr\va.v x<2> Tioyrípcô). Nesta passagem, novamente ocorre o infinitivo (aoristo segundo ativo) em ordem indireta. Mas é o “homem mau” ou o “ato mau”? O caso da­tivo é a mesma forma para o masculino e para o neutro. “Não resis­tais a um (o) homem mau” (Weymouth). “Não resistais a um dano” (Moffatt). “Não resistais ao dano” (Goodspeed). Os exemplos con­cordam com qualquer visão. Jesus protestou quando levou uma bo-

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fetadano rosto (Jo 18.22); acusou abertamente os fariseus (Mt 23.1- 39) e sempre lutou contra o Diabo. O linguajar de Jesus é ousado e pitoresco, e não deve ser considerado de forma extremamente lite­ral. O propósito das expressões que parecem paradoxais é chamar a nossa atenção e nos fazer pensar. Jesus espera que preenchamos o outro lado do quadro. Uma coisa é certa: Jesus queria dizer que a vingança pessoal é tirada de nossas mãos. O Senhor também conde­na a guerra agressiva ou ofensiva que as nações fazem entre si, mas não necessariamente a guerra defensiva ou a defesa contra o roubo e assassinato. O pacifismo profissional pode ser mera covardia.

5.40. A vestimenta... a capa42 (xòv xL™vá oou ... Koà to 1[!(xtiov). A “túnica” é realmente um tipo de vestimenta, ou roupa de baixo, e seria pleiteada em juízo. O ladrão agarraria primeiro a peça de roupa exterior ou o “manto” (capa). Se a pessoa perdesse em ju ­ízo a roupa de baixo, a peça de roupa exterior também seria perdida (a mais valiosa). “Melhor deixá-lo levar também a peça de roupa exterior que é cara. Teremos menos incomodação, economizaremos os honorários do advogado e, talvez, envergonharemos o agressor com o nosso procedimento.”43

5.41. Se qualquer te obrigar (òotlç oe áyyapeúoei). A Vulgata Latina tem angariaverit. A palavra é de origem persa e significa mensageiros públicos ou mensageiros a cavalo (ctyyapoi). Esses mensageiros ficavam em pontos estratégicos, com cavalos prontos para, a qualquer momento, levarem as mensagens do rei. O viajante que passava por tal estação de correios poderia ser abordado ines­peradamente por um funcionário, que o forçaria a voltar para outra estação a fim de cumprir uma incumbência ao rei. Isso se chamava “recrutamento forçado em serviço”. Foi exatamente o que aconte­ceu com Simão cireneu que, desta forma, foi compelido a levar a cruz de Cristo (Mt 27.32, rjyyápeuaav).

5.42. Não te desvies (|if| àuooipac^fic;). Segunda pessoa do sin­gular do aoristo segundo do subjuntivo passivo em proibição. “Este é um dos exemplos mais claros da necessidade de aceitar o espírito e não a letra dos mandamentos do Senhor (ver Mt 5.32,34,38). Os atos indiscriminados de caridade pouco fazem, como também causam

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

danos para a sociedade. Todavia, as palavras têm de abranger muito mais que atos filantrópicos.”44 Não esqueçamos que Jesus é um mes­tre popular que espera que os ouvintes entendam os seus paradoxos.

5.43. E aborrecerás o teu inimigo ( k íx i |iicnía€iç t ò v exQpóv oou). Essa frase não consta em Levítico 19.18. Trata-se de uma conclusão rabínica que Jesus repudia firmemente. O Talmude nada diz sobre amor pelos inimigos. Em Romanos 12.20, Paulo cita Provérbios 25.22 para provar que devemos tratar os nossos inimi­gos amavelmente. Jesus nos ensinou a orar pelos nossos inimigos e ele mesmo o fez quando estava pendurado na cruz. Nesta perí- cope, a palavra grega uÂrpíov tem a conotação de “aquele que está próximo”. Contudo, a proximidade, por vezes, significa conflito, e não amor. Os que possuem fazendas ou casas adjacentes podem ser positivamente de espírito hostil. Os judeus consideravam que os membros da mesma tribo ou os judeus de todos os lugares eram os seus próximos. Mas eles odiavam os samaritanos por serem meio- judeus e habitarem entre a Judeia e a Galileia. Na Parábola do Bom Samaritano (Lc 10.29-37) Jesus ensinou aos homens como agir com0 próximo.

5.48. Sede vós, pois, perfeitos45 (’'EoeoGe ouv í)(ielç télgioi). TéÀeioi vem de xéloç que significa “fim”, “meta”, “limite”. É a meta que está diante de nós, o padrão absoluto do nosso Pai Celestial. A palavra também é usada para referir-se à perfeição relativa, como a dos adultos em comparação às crianças.

NOTAS___________________________________________________1 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 33.2 Ver análise completa em A. T. Robertson, Harmony o f the Gospels fo r Students

o f the Life o f Christ (Nova York: Harper & Row, 1922), pp. 273-276.3 Há diversas traduções e paráfrases bíblicas do século XX que usam a tradução

“felizes” (BJ; NTLH).4 Vincent, Word Studies, p. 35.5 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 97.6 Ibid., vol. 1, p. 96.

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7 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 50.

8 Ibid., p. 50.9 Bruce, Expositor s, p. 98.

10 “Os humildes” (NTLH; NVI).11 Bruce, Expositor’s, p. 98.12 Literalmente, “Eles serão misericordiados”.13 Bruce, Expositor’s, p. 99.14 A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York:

Macmillan, 1911), p. 94.15 McNeile, Matthew, p. 53.16 “Se o sal se tomar insosso” (BJ); “se o sal perde o gosto” (NTLH); “se o sal

perder o seu sabor”, (NVI).17 “Se coloca debaixo de uma vasilha” (AEC; cf. NVI); “para colocá-la debaixo

de um cesto” (NTLH).18 Bruce, Expositor’s, p. 102.19 “Do mesmo modo” (BJ).20 McNeile, Matthew, p. 58.21 “Nem a menor letra, nem qualquer acento” (NTLH); “a menor letra ou o menor

traço” (NVI).22 McNeile, Matthew, p. 59.23 “Aquele, porém, que os observar e ensinar” (ARA).24 Robertson, Commentary on Matthew, p. 98.25 Ibid., p. 99.26 Brace, Expositor's, p. 107.27 “O inferno de fogo” (ARA).28 Vincent, Word Studies, p. 40.29 Adolph Deissmann, Light from the Ancient East (Reimpressão, Grand Rapids:

Baker, 1978), p. 187, dá um exemplo de papiro do século II d.C.30 “Assume logo uma atitude conciliadora” (BJ).31 “O último centavo” (ARA).32 “Não adulterarás” (ARA).33 Brace, Expositor’s, p. 108.34 Robertson, Commentary on Matthew, p. 100.35 Vincent, Word Studies, p. 41.36 James Hope Moulton and George Milligan, The Vocabulary o f the Greek

Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 69.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

37 “A não ser por causa de infidelidade conjugal” (AEC); “exceto em caso de re­lações sexuais ilícitas” (ARA).

38 McNeile, Matthew, p. 66.39 “Não jureis em hipótese nenhuma” (BJ).40 De Êx 21.24; Dt 19.21; Lv 24.20.41 McNeile, Matthew, p. 69.42 “A túnica... o manto” (BJ); “a túnica... a capa” (AEC; NTLH; NVI; ARA).43 Robertson, Commentary on Matthew, p. 102.44 McNeile, Matthew, p. 70.45 “Portanto, deveis ser perfeitos” (BJ).

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Capítulo6

Mateus6.1. Guardai-vos dex (IIpooéxeTe), isto é, “mantende a mente na

questão”, “esforçai-vos”, “prestai cuidado”. A expressão idiomática grega é antiga e ocorre na LXX em Jó 7.17. Na literatura neotesta- mentária, o substantivo voüç está implícito.

Esmola (tr|y õiKcaooúvriv2) não é o texto correto neste versí­culo, mas “justiça” (ARA). “Jesus acabara de analisar a teoria da justiça em contraste com a dos escribas. Agora, ele se volta à prática da justiça em contraste com a dos fariseus.”3 O Senhor dá três exem­plos da “justiça” dos fariseus (esmola, oração, jejum).

Para serdes vistos por eles (upoç to 9ea9f]vca (xütolç), aoristo primeiro passivo infinitivo de propósito. A palavra teatro é derivada dessa palavra grega, que diz respeito a um desempenho espetacular.

Junto de vosso Pai (/napà tcÔ wupi í)|icôv). Literalmente, “ao lado do vosso Pai”, estando ao lado dele, enquanto ele olha.

6.2. Não faças tocar trombeta diante de t f (iii) aod-nio^c; e|iTTpoo0év aou). O sentido é literal ou metafórico? Não encontra­mos exemplo de tal conduta nos escritos judaicos. Alan McNeile propõe que se refere ao toque de trombeta nas ruas por ocasião das festas públicas.5 Marvin Richardson Vincent opina que são as

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

treze arcas em forma de trombeta que ficavam na tesouraria do Templo para receber as contribuições do povo (Lc 21.2).6 Em um centro de conferência de verão realizado no lago Winona, Indiana, certo missionário da índia, chamado Levering, declarou que ele vira os sacerdotes hindus agirem exatamente assim para que a multidão observasse as suas beneficências. Os rabinos também poderiam ter procedido da mesma maneira; não há dúvida de que estava de acordo com o gosto que tinham por elogios. Jesus diz expressamente que é isso que os hipócritas (ol ÒTTOKpiTcá) fazem. “Hipócrita” vem de í)iT0Kptv0|aca, que significa “responder em ré­plica” a palavra para o ator, intérprete ou alguém que representa o papel de outrem. A forma grega ática era átroKpívonai, “fingir”, “dissimular”, “imitar”, “ludibriar”, “agir o hipócrita” ou “usar uma máscara”. Esta é a palavra mais severa que Jesus usa para caracterizar qualquer classe de pessoas. Ele a emprega para esses impostores piedosos que se fazem de perfeitos.

Já receberam o sen galardão7 (áuéxouaiv uòv |iia9òv aÜTWv). ’Atto/jÍ significa “recibo”. O presente verbo é muito comum nos pa­piros para descrever a obtenção de um recibo. “Eles já receberam o recibo de quitação plena e rasa”, de toda a recompensa que tinham de receber. Com essa notoriedade pública, “eles podem assinar o recibo do galardão adquirido”.8 O mesmo também ocorre no versí­culo 5.

6.4. Ocultamente (kv xcô Kpwmô). O Textus Receptus e o Texto Majoritário têm as palavras adicionais kv tcô cjmvepw (“publicamen­te”) ao término desse versículo e também ao término de 6.6 (a tra­dução consta apenas na ARC e somente em 6.4, estando ausente em 6.6). Essas leituras não são genuínas. Jesus não promete uma recompensa pública por uma devoção oculta.

6.5. Se comprazem em orar em pé nas sinagogas e às esquinas das ruas (kv r a iç auvayGúyaiç koc! kv x a lç y w v ía tç t q v TiÀaTeicôv ecrucÔTeç upooeúxeoGcti). As sinagogas eram os lugares habituais de oração, e nas esquinas das ruas as multidões paravam para negociar ou conversar. Se a hora de oração colhesse um fariseu na ma, ele assumiria uma atitude de oração. Os mulçumanos ajoelham-se e to­

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cam a testa no chão da calçada para fazer as suas orações; este seria um exemplo semelhante.

6 .6. Entra no teu aposento9 (eioeÀGe eíç tò tajielóy oou). A palavra grega traduzida por “aposento” é uma forma sincopada re­cente de lafictoi-', derivada de xcqaíaç, “mordomo”, “camareiro”, e a raiz xoqi, “cortar”, de xé|ivco. O significado é um depósito, despensa, apartamento particular, quarto de dormir, quartinho ou “gabinete”, onde a pessoa pode retirar-se e fechar-se do mundo para comungar com Deus.

6.7. Não useis de vãs repetições10 (|af| PattaÀoyTÍoriTe). Palavra usada para referir-se aos gagos que repetem as palavras, portanto, mero palavrório ou tagarelice, palavreado oco, conversa tola, re­petição vazia. A etimologia é incerta, mas provavelmente é um vocábulo onomatopéico (substantivos cujos sons reforçam o sig­nificado), como a expressão popular “blábláblá”. Os adoradores de Baal no monte Carmelo (1 Rs 18.26) e de Diana no anfiteatro em Éfeso, que ficaram gritando durante duas horas (At 19.34), en­tregaram-se a tagarelice repetitiva. A Versão Sinaítica Siríaca tem: “Não fiqueis dizendo coisas fúteis”. Lógico que Jesus não quer condenar toda repetição na oração, visto que ele mesmo orou três vezes no jardim do Getsêmani “dizendo as mesmas palavras” (Mt 26.44). “Como os gentios”, esclarece Jesus. “Os pagãos pensavam que por meio de repetições infinitas e muitas palavras eles infor­mariam os deuses sobre o que estivessem precisando e os cansa­riam (fatigare deos) para que lhes concedessem os pedidos.”11 Mas a intenção dos fariseus não era ganhar os ouvidos de Deus, mas os olhos dos homens.”12

6.9. Portanto, vós orareis assim (Oíkcoç ouv TTpooeúxeoGe ò|i6Lç). “Vós” está em contraste com “os gentios”. Esta oração de­veria ser chamada “oração-modelo” e não “Oração Dominical”. Portanto, oremos conforme o modelo que apresentado por Jesus. O próprio Cristo não a usou como liturgia (cf. Jo 17). Não há prova de que Jesus desejasse que a oração-modelo fosse liturgicamente usada pelos outros. Mais tarde, em Lucas 11.2-4, Jesus apresenta aos apóstolos, em resposta ao pedido para que lhes ensinasse a

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orar, praticamente a mesma oração, embora um pouco mais curta. McNeile defende que a forma em Lucas é a original, à qual Mateus fez adições: “A tendência das fórmulas litúrgicas é o enriqueci­mento, e não a abreviação”.13 Mas não há qualquer tipo de evi­dência que confirme que Jesus pretendia fazer dessa oração uma fórmula estabelecida. Não há mal algum em uma fórmula litúrgica se a pessoa gosta, mas ninguém deve orar seguindo sempre uma única fórmula de invocação. Faz muito bem às crianças quando elas aprendem essa nobre oração.

Pai nosso (nátep rpuv). Algumas pessoas ficam incomodadas com as palavras “Pai nosso”. Dizem que ninguém que não tenha nascido de novo tem o direito de chamar Deus de “Pai”. Mas isso significa que o pecador não convertido não pode orar até que se converta, o que é uma contradição absurda. Deus é o Pai de todas as pessoas em um sentido: reconhecê-lo como “Pai” no pleno sentido do termo é o primeiro passo para o pecador regressar a Deus, em regeneração e conversão.

Santificado seja o teu nome (áytaoGritcú tò òvo|_iá aou). No gre­go, o verbo vem em primeiro lugar, como nos pedidos constantes no versículo 10. Todos eles são imperativos aoristos, ação que expressa urgência.

6 .1 1 . O pão nosso de cada dia dá-nos hoje14 (Tòv aptov fi|ió)v t ò v èiuoúoiov ôòç fifilv cnípepov). No grego, este adjetivo “de cada dia” (èTTioúaiov), após a frase “dá-nos hoje” (õòç rp iv cní|j.epov), tem causado muita dificuldade aos comentaristas. Fizeram a ten­tativa de derivá-lo de èrrC e wy (oüoa). Está claro que vem de €ttl e lcòv (êiú e elpi) como Tfj...érri.oúar| (“no dia seguinte”, Atos 16.11). Mas o adjetivo éTTioúoioç é raro. Orígenes disse que os evangelistas Mateus e Lucas cunharam a palavra para reproduzir a ideia de uma palavra original aramaica. Em 1919, Moulton e Milligan escreveram: “Até agora, os papiros ainda não elucidaram essa palavra difícil (Mt 6.11; Lc 11.3), que com toda a probabili­dade foi cunhada pelo autor do grego Q para traduzir o aramaico original”.15 Deissmann advoga que só podemos reconhecer cerca de cinquenta palavras puramente neotestamentárias ou “cristãs”

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entre as mais de cinco mil usadas. “Mas quando uma palavra não é imediatamente reconhecível como de formação judaica ou cristã, temos de considerar que se trata de uma palavra grega comum até provar em contrário. Segundo as aparências, êTTioúoioç é uma pa­lavra que se originou nos intercâmbios comerciais da vida cotidia­na .16 Essa opinião foi confirmada quando Albert Debrunner desco­briu17 a palavra êTuoúoioç em um livro antigo sobre administração doméstica.”18 Não é uma palavra cunhada pelo evangelista ou por Q para expressar um original aramaico. A palavra também ocorre em três recentes manuscritos (MSS) depois de 2 Macabeus 1.8, xouç eTTLOúoioç depois de xouç apxouç. O significado, em virtude do particípio relacionado (èmoriori) que ocorre em Atos 16.11, é “para o próximo dia”, uma oração diária pelas necessidades do dia seguinte. Toda empregada encarregada dos assuntos domés­ticos, inclusive aquela que escreveu as palavras descobertas por Debrunner, entendia esse conceito.19

6.12. Perdoa-nos as nossas dívidas (ac))eç rplv xà óc elA-tuj-oítoí fi[icòv). Lucas 11.4 tem “pecados” (áiactpxíaç). No grego antigo, ôcJjeíÀriiia era um termo muito comum para designar as dívidas le­gais, como ocorre em Romanos 4.4. Mas nesta perícope, o vocá­bulo é usado para aludir as dívidas morais e espirituais para com Deus. “Transgressões” é uma tradução errada que se tornou co­mum pelo Livro de Oração Comum, da Igreja Luterana. Ajusta-se bem a Mateus 6.14 no argumento de Jesus sobre a oração, mas não é a palavra usada na oração-modelo. Em Mateus 18.28,30, Jesus descreve novamente o pecado “como dívida e o pecador como de­vedor”.20 Assim, a Bíblia descreve o pecado como se nós preju­dicássemos a Deus, à semelhança com que um devedor prejudica o seu credor. Outrora, pensávamos que a palavra ò^eiÀrí, que se refere à obrigação moral, fosse peculiar ao Novo Testamento. Mas hoje descobrimos que é comumente usada nesse sentido nos papi­ros.21 Pedimos perdão “assim como” (tòç) também perdoamos os que estão em dívida conosco — uma reflexão muito solene. “Jesus presume que o homem que pede perdão a Deus já perdoou os que estão em dívida com ele.”22 Ac|)tíkcc[iév é um dos três aoristos com

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

k (kappa): eOr^a, eõcoKoc e T]K(x. Significa “despachar”, “despedir”, “demitir”, “esfregar para fôra”.

6.13. E não nos induzas à tentação23 (k<x'i |ít] eloevéyKriç ri(iâç elç Tíeipaofióv). “Induzir” é palavra que aborrece muitas pesso­as. Parece que apresenta Deus como agente ativo em nos sujeitar à tentação, uma ação especificamente negada em Tiago 1.13. A palavra grega aqui traduzida por “tentação” (TTeipaaiióv) significa “tentativa”, “experiência” ou “teste”, como em Tiago 1.2. É como Vincent a considera nesse trecho.24 Mas Deus realmente nos testa ou nos peneira, ainda que não nos tente para o mal. Ninguém en­tendeu a tentação tão bem como Jesus, porque o Diabo o tentou usando toda forma de abordagem e todos os tipos de pecado, mas sem sucesso. No jardim do Getsêmani, Jesus diz a Pedro, Tiago e João: “Orai, para que não entreis em tentação” (Lc 22.40). Esta é a ideia desse excerto. Nessa passagem temos o que os gramáticos chamam “imperativo permissivo”. A ideia é: “Não nos permitas ser induzidos à tentação”. Há um escape (1 Co 10.13), mas é um risco terrível.

Livra-nos do mal25 (püoca rjiiâç áirò tou uovripoíj). O caso abla- tivo no grego obscurece o gênero. Não temos meio de saber se a forma deriva de ó irovipóc; (o Maligno) ou tò TTOvipóv (a coisa má). Se a forma é masculina, ô TTOvripóc;, pode referir-se ao Diabo como o Maligno ou a um espírito maligno que está dentro de quem pro­cura nos fazer mal. A palavra TTOvripóç tem uma história curiosa que vem de u óvoç (labuta) e irovécú (trabalhar). Reflete a ideia de que trabalho é ruim ou que este trabalho em particular é mim. A ideia mim expele o bom que há no trabalho ou labuta, um exemplo da depravação humana.

Algumas versões bíblicas suprimem a doxologia (BJ), outras a citam, mas a colocam em itálico (NTLH; ARA), ou juntam uma nota de rodapé informando que está ausente nos MSS gregos mais antigos (NVI); ao passo que outras simplesmente a citam (AEC; ARC). As formas mais antigas variam muito, algumas são mais cur­tas, outras são mais longas. O uso de uma doxologia surgiu quando essa oração começou a ser usada como liturgia para ser recitada

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ou cantada na adoração pública. Evidentemente, não fazia parte da oração-modelo conforme foi dada por Jesus.

6.14. Se perdoardes aos homens as suas trangressões 26 (’Eàv yàp à(|)f|te tolç ávBpcóuoiç xà TrapaTTTOÓiiara carucôv). Esse trecho não faz parte da oração-modelo. A palavra transgressão é, literal­mente, “queda para um lado”, um lapso ou divergência da verdade ou retidão. Os antigos às vezes a usavam para mencionar a que­da ou ataque intencional ao inimigo. Mas a ideia comum no Novo Testamento é “deslize” ou “falta” (G1 6.1). IlapápaoLç (Rm 5.14) é uma violação positiva, uma transgressão, passar conscientemente de um lado para outro.

6.16. Contristados (okuGpgottol).27 No Novo Testamento, só ocorre aqui e em Lucas 24.17. É uma combinação de oKU0pót; (ta­citurno) e oijjtç (semblante). Esses atores ou hipócritas “assumem um olhar triste” (Goodspeed) e, se necessário, até mesmo “desfi­guram o rosto”2S (àcfjavLCoucHv ... zà. npÓGCoua aÓTOÒv), para que pa­reça que estão jejuando. E essa simulação de devoção que Jesus tão nitidamente ridiculariza. Há um trocadilho nas palavras gregas àcjmvíÇouoiv (desfigura) e tjjavwcuv (figura). Eles escondem o seu verdadeiro olhar para que pareçam estar jejuando, em uma hipocri­sia consciente e afetada.

6.18. Que está ocidto (kv tcô Kpixtxúcp).29 Aqui, como nos ver­sículos 4 e 6, o Textus Receptus tem a frase adicional kv tcô cjxy. vepw (“no aberto”, “publicamente”), mas não é genuína (não consta, por exemplo, em AEC; BJ; NTLH, NVI; ARA; ARC). A palavra Kpucjmoç só ocorre nessa passagem em todo o Novo Testamento, mas aparece quatro vezes na LXX.

6.19.Não ajunteis tesouros (Mq 9r|oaupí(eTe óntv Oricraupouç). Não tenhais esse hábito (pq — o imperativo presente). Ver em Mateus 2.11 a análise da palavra tesouros. Aqui há um trocadilho com a palavra Gqaaupoúç. “Não entesoureis para vós mesmos te­souros.” O mesmo tipo de trocadilho ocorre no versículo 20 com o acusativo cognato. Em ambos os versículos, úptv está no dativo de interesse pessoal e não é reflexivo, mas o pronome pessoal comum. “Não entesoureis para vós tesouros” (Wycliffe). “Onde a traça e a

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

ferrugem tudo consomem” (ottou oriç Kcd ppcôoiç àfjjcaáCei). Algo que “come” (PippGÓaKw), ou “rói”, ou “corrói”.

Minam30 (ôiopúaoouaiv). Literalmente, “cavar através de”, “furar”. Era fácil cavar as paredes de barro ou os tijolos secos ao sol. Os gregos chamavam um assaltante de “cavador de barro” (TOixópuxoç). Cofres de aço não são totalmente seguros, mesmo que a blindagem seja de trinta centímetros de espessura.

6.22. Se os teus olhos forem bons31 (éàv o i j v 13 ó ó(J)9aÀ|ióç aou áTTA.oOç). A palavra grega cxttàoOç é usada para referir-se a um contrato de casamento no qual 0 marido tinha de pagar 0 dote “puro e simples” (tt|v c|)epvriv áiTÀriv) na ocasião do divórcio. No caso de não fazê-lo tão prontamente, ele tinha de pagar ju ros .32 Há vários exemplos de tal uso. Nesta perícope, os olhos são cha­mados “bons” e em Lucas 11.34, “simples”, ambos os termos em sentido moral. A palavra significa “sem dobras”, como um pedaço de pano desdobrado (em latim, simplex). Na opinião de Bruce, esta parábola dos olhos é difícil. “A ilustração e o sig­nificado ético parecem estar misturados, pois atributos morais são atribuídos aos olhos físicos que, com eles, ainda dão luz ao corpo. Essa confusão pode ser pelo fato de que os olhos, além de serem o órgão da visão, são o lugar da expressão, revelando as disposições interiores.”33 Os olhos “maus” (uovrpóç) podem estar enfermos, e a LXX usa 0 termo grego para mencionar a mesquinhez. Assim, àiTA.oü<; pode referir-se à liberalidade, como argumenta Hatch .34 A passagem pode ser elíptica, para a qual temos de acrescentar algo. Se os nossos olhos estiverem saudá­veis (cf. BJ), veremos nitidamente e com um foco simples (sem astigmatismo). Porém, se estiverem doentes (ruins, maus), eles podem ser estrábicos. Temos visão dupla e ficamos confusos com0 que vemos. Mantemos um olho fixo nos tesouros acumulados na terra, e dirigimos o outro orgulhosamente ao céu. A visão du­pla é inconstância, como mostra 0 versículo 24.

6.24. Ninguém pode servir a dois senhores (Oúôeiç õúvarai ôuoi Kupíoiç ôouÀeúeiv). Muitos tentam, mas 0 fracasso os aguarda. Os homens querem “servir a Deus e a Mamom” (Gecô ôouleúeiv kou

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Mateus 6

|ia|!G)vâ). Mamom é uma palavra caldeia, siríaca e púnica, como Pluto é a palavra grega para o deus (ou Diabo) da riqueza. O servo de Mamom obedecerá a Mamom ao mesmo tempo em que finge obedecer a Deus. Quando um cego conduz outro cego, ambos aca­bam caindo no buraco. Aquele que não sabe diferenciar a estrada do buraco é porque vê ilusoriamente.

[Ele] se dedicará a um (cvòç àvQk^exai). A palavra significa “alinhar-se, face a face” (dcvtí) com um homem, e, por meio dele mesmo, contra o outro.

6.25. Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida35 (i_ir] |_ie p lavette xf| ij/uxti ú|i(5v). Há pessoas que citam esta passagem “como objeção ao ensino moral do Sermão do Monte, pois dizem que, na prática, incentiva e até manda sermos despreocupada- mente negligentes quanto ao futuro”.36 O verbo (lepiiaváco é deri­vado de i-iepíç, iiepíÇoú, porque o cuidado ou a ansiedade distrai e divide. A palavra ocorre na reprimenda de Cristo à Marta por ela estar excessivamente preocupada em ter algo para comer (Lc 10.41). A noção de cuidado pertinente e premeditação apropriada aparece em 1 Coríntios 7.32, 12.25 e Filipenses 2.20. Esta pas­sagem está no imperativo presente com o negativo, um manda­mento para não termos o hábito da preocupação petulante quanto ao que comer e vestir. O mandamento diz que paremos com tal preocupação ou que não comecemos a viciar-nos nessa prática. No versículo 31, Jesus repete a proibição com a segunda pessoa do plural do aoristo ingressivo ativo do subjuntivo: “Não andeis, pois, inquietos”.

Quanto à vossa vida (xr) ijruxrj). Nesta perícope, \|n)xií repre­senta o princípio comum de vida para os homens e animais que estão encarnados no 0041a: O primeiro precisa de comida; 0 último precisa de roupa.37 Nos Evangelhos Sinóticos, o(ô|i<x ocorre em três sentidos.38 Primeiro, é 0 princípio de vida, como aqui, que pode ser morto (Me 3.4). Segundo, é o lugar das emoções e pensamentos, no mesmo nível que Kapôía e ôiavoía (Mt 22.37) e uveí>(j,a (Lc 12.46; cf. Jo 12.27, 13.21). Terceiro, é o que constitui o verdadeiro eu (Mt10.28, 16.26). Em Mateus 16.25 (Lc 9.24), ij/ux1! ocorre em dois

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

sentidos, salvando a vida física e perdendo a vida mais alta e im­portante.

Pelo que haveis de comer... pelo que haveis de beber... pelo que haveis de vestir ( ií cj)áyr)T;e [rj t i TrCrixe]... xí êvõúcrr|a9e). Neste versículo, com cada verbo ocorre a pergunta direta com o subjuntivo deliberativo (4)ctyco|j.aiv, itÍgoiígov, TTepipaA.ú|j,e0(x). Este subjuntivo deliberativo da pergunta direta é retido na pergunta in­direta utilizada no versículo 25. Nos versículos 25 e 31, ocorrem verbos diferentes, embora ambos no indireto médio, para aludir à roupa. IIepipaÀcó|j,e9c(;, “lançar em volta de nós mesmos”, no versí­culo 31 (“haveis de vestir”) está em aposição a 6v5úor]o9e, “pôr em nós mesmos”, no versículo 25 (“nos vestiremos”).

6.27. A sua estatura (eni xr\v r]ÀiKÍccv aikoü). ApalavraijA-iKÍav é usada para aludir à altura (estatura) ou à extensão da vida (idade). Qualquer uma das duas acepções faz bom sentido aqui, embora “es­tatura” se ajuste melhor ao contexto. É lógico que a ansiedade não contribui em nada para qualquer um dos dois tipos de crescimento. Não se trata de defesa em favor da inatividade, pois até os pássaros são diligentes e as flores crescem.

6.28. Os lírios do campo (to Kpí.voc toü àypou). O significado se estende além dos lírios e abrange outras flores silvestres.39

6.29. Nem mesmo Salomão... se vestiu (oúõè Soào|í,gÒv ... TTepiepáA.eTO). A voz média e, portanto, “não se vestiu”, “não pôs em volta de si”.

6.30. A erva do campo (tov xóp^ov toü àypoú). E a erva co­mum do campo. Isso realça a comparação. “Ainda hoje na Palestina usa-se erva seca para acender fogo para assar pão.”40

6.33. Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu remo [ARA] (Cr)xei to ôè TTpoòTOv xr\v paoLÀeiav ... corroü). “Mas buscai primeiro o Reino de Deus” (ARC). Esta é uma resposta aos que só veem co­mentários éticos no Sermão do Monte. Nas Beatitudes, Jesus des­creveu o homem de coração novo. Ele coloca o Reino de Deus e a sua justiça antes da comida e do vestuário temporal.

6.34. Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã (jaf) ouv laepilWiariTe elç ifiv aüpiov). Este é o último recurso da alma an-

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Mateus 6

siosa quando todos os outros medos lhe são aquietados. O fantasma do amanhã ataca à espreita, com todos os espectros da dúvida e desconfiança. “Afinal de contas, as pessoas se preocupam mais com males imaginários do que com os males reais.”41

NOTAS___________________________________________________1 “Tenham o cuidado de não” (NVI).2 TR e TM têm if|v èA.er||ioaúvr|i'.3 A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York:

Macmillan, 1911), p. 104.4 “Não anuncie isso com trombetas” (NVI).5 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 74.

6 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 43.

7 “Eles já receberam sua plena recompensa” (NVI).8 G. Adolph Deissmann, Bible Studies: Contributions, Chiefly from Papyri and

Inscriptions, to the History o f the Language, 2a ed., traduzido por A. Grieve (Edimburgo: T. & T. Clark, 1923), p. 229. Ver também Adolph Deissmann, Light from the Ancient East (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1978), pp. 110 , 111.

9 “No teu quarto” (ARA).10 “Não fiquem sempre repetindo a mesma coisa” (NVI).11 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 119.12 Robertson, Commentary on Matthew, p. 106.13 McNeile, Matthew, p. 76.14 “Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia” (NVI).15 James Hope Moulton and George Milligan, The Vocabulary o f the Greek

Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 242.16 Ver as sugestões de Deissmann em Neutestamentliche Studien Georg Heinrici

Dargebracht (Leipzig, 1914), pp. 118, 119.17 Albert Debrunner, Theol. Lit. Ztg. (1925), col. 119.18 Adolph Deissmann, Light from the Ancient East (Reedição, 1927), p. 78, nota 1.19 Albert Debrunner, A Greek Grammar o f the New Testament and Other Early

Christian Literature (Edição Revisada, Chicago: University of Chicago Press, 1961), B p . 123.1.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

20 Vincent, Word Studies, p. 43.21 Deissmann, Bible Studies, p. 221, e Light from the Ancient East, Reedição, p. 331.22 Robertson, Commentary on Matthew>, p. 108.23 “E não nos deixes cair em tentação” (ARA).24 Vincent, Word Studies, pp. 43, 44.25 L‘Livra-nos do Maligno” (BJ).26 "Se perdoardes aos homens os seus delitos” (BJ).27 “Um ar sombrio” (BJ); “uma cara triste” (NTLH); “uma aparência triste” (NVI).28 “Mudam a aparência do rosto” (NTLH).29 Esta é a leitura do texto em GNT e WR. TR e TM têm a leitura kv xw Kpinrao,

igual a em 6.9.10 “Arrombam” (NVI).31 “Se teu olho estiver são” (BJ).32 Moulton and Milligan, Vocabulary, p. 58.33 Bruce, Expositor s, p. 124.34 Hatch, Essays in Biblical Greek, p. 80.35 “Não vos preocupeis com a vossa vida” (BJ).36 Vincent, Word Studies, p. 48.37 McNeile, Matthew, p. 86.38 Ibid.39 Ibid., p. 89.40 Robertson, Commentary on Matthew, p. 112.41 Ibid., p. 113.

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Capítulo7

Mateus7.1. Não julgueis (Mi) Kpíveue). É o hábito da disposição de

condenar e criticar; a crítica acentuada e injusta. A palavra crítica vem desta palavra grega. Significa “separar”, “distinguir”, “discri­minar”.

7.3. O argueiro (tò Kápcjioç). Não um grão de pó, mas um pe­daço de madeira seca ou palhiço, lasca (Weymouth, Moffatt), uma partícula muito pequena que irrita.

A trave1 (ôokòv). É um cepo no qual se apóiam as tábuas da casa (segundo os papiros), travessa, viga, barrote, prancha (Moffatt); uma estaca que se ressalta grotescamente do olho. É possível que Jesus estivesse citando um provérbio semelhante a “quem tem telhado de vidro não joga pedra no telhado dos outros”. Tholuck cita um pro­vérbio árabe: “Como tu vês a lasca no olho do teu irmão, e não vês a viga-mestra no teu olho? ”2

7.5. Cuidarás (ôiapA.ó[íei<;). Nas páginas neotestamentárias, só ocorre neste versículo. Em Lucas 6.42 e Marcos 8.25: “Olhar através de”, “penetrar”, em contraste com piémEiç, “fitar”, “contemplar”, no versículo 3. Tire o cepo do seu olho para você ver claramente (ARA) e poder ajudar o irmão a tirar a lasca (éKpcdetv) do olho dele.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

7.6. Não deis aos cães as coisas santas3 (Mfj ôcòte zo ayiov ToXç kixhv). Não está claro a que coisas santas a determinação se refere, se aos brincos ou aos amuletos. Os cães não sentem atração pelo que seja santo. Richard Trench diz que a referência é a car­ne oferecida em sacrifício que não deve ser arremessada aos cães: “Não é que os cães não a devorariam, pois o fariam com muita gana; mas seria uma profanação dá-la a eles, desta forma tomando-a um GKÚpkxÀov, Êxodo 22.31”.4 Os cães ganindo pulariam em cima disso. Os cães são aparentados aos lobos e infestam as mas das cidades orientais.

Nem deiteis aos porcos as vossas pérolas (xoüç [iapyapÍTaç u(ícòv 6|_iTTpoo0£:V x(òv xoípoov). Na palavra grega traduzida por pé­rola temos o nome Margarita (ou Margarete). As pérolas parecem ervilhas ou bolotas e enganariam os porcos até que descobrissem que foram ludibriados. Os javalis selvagens pisoteiam e dilaceram com as presas qualquer coisa que os enfureça.5

7.9. Pedra... pão (aptov ... ÀÍGov). Certas pedras parecem pães.0 Diabo sugeriu que Jesus transformasse pedras em pães (Mt 4.3).

7.10. Peixe... serpente (LjcGuv ... õcfnv). O peixe é um gênero alimentício comum, sendo facilmente substituído por cobra d’água. Há anacoluto nesta oração em grego.

7.11. Quanto mais (71000) |iâAAov). Jesus gosta de raciocínios “com tanto mais razão”, indo do menor para o maior.6

7.12. Vós quereis que os homens vos façam (Ívcl ttolgòolv ú|iiv01 avGpornoL). Lucas (6.31) põe a Regra Áurea em confronto com Mateus 5.42. A forma negativa consta em Tobias 4.15: “Não faças a ninguém o que não queres que te façam” (BJ). Este dito era usado por Hillel, Fílon, Isócrates, Confucio. “A Regra de Ouro é a essên­cia refinada do ‘cumprir’ (Mt 5.17) ensinado no sermão.”7 Jesus 0 coloca na forma positiva.

7.13. Pela porta estreita (õià xíjç oTevqç uúÀriç). A ilustração dos dois caminhos desfrutava de ampla circulação nos escritos ju ­daicos e cristãos (cf. Dt 30.19; SI 1.1-6; Jr 21.8).8 Aporta estreita é repetida no versículo 14 com 0 acréscimo de -íe0A.i[j,|iévr|. O caminho é “apertado”, estreito como uma passagem estreita por entre mon­

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Mateus 7

tanhas ou rochas altas, um lugar bem apertado como óxeyoxupía em Romanos 8.35. “O caminho que conduz à vida envolve apuros e tribulações.”9 Vincent cita Pinax ou Tablet de Cebes, um contempo­râneo de Sócrates: 10 “Estás vendo uma pequena porta e um caminho que sai da porta. O caminho não está muito cheio, pois são muito poucos os que trafegam por ele. Este é o caminho que leva à verda­deira cultura”. Toda cidade, vila, aldeia tem um caminho “espaçoso” (eúpúxwpoç) com luzes brilhantes que seduzem para a destruição.

7.15. Falsos profetas (tgõv i|/euõoupocJ)r|i;côv). Havia falsos pro­fetas nos tempos do Antigo Testamento. Jesus prediz a vinda de “falsos cristos e falsos profetas” (Mt 24.24) que desviarão a mui­tos. No tempo determinado, eles surgirão como se fossem anjos de luz, assim como Satanás o faz. Entre eles haveria judaizantes (2 Co 11.13-15) e protognósticos (1 Tm 4.1; 1 Jo 4.1). No momento em que Jesus falava, já existiam os falsos profetas (cf. At 13.6; 2 Pe 2.1). Por fôra, parecem “ovelhas”, mas por dentro são “lobos devoradores” (Aúkol aprayeç), ávidos pelo poder, ganho e orgulho. É uma tragédia que tais homens e mulheres tenham reaparecido ao longo dos séculos e sempre encontrem vítimas. Lobos são mais pe­rigosos do que cães e porcos.

7.16,20. Por seus frutos os conhecereis11 (crrrò tgòv KapTicôv aí)Tcòv èTTiyyGÓoeoBe aúxoúç). A partícula ém, está acoplada ao verbo conhecer (yiycóoKw), significando “conhecer completamente”. As ilustrações da árvore e da vinha têm muitos paralelos nos escritores antigos.

7.21. Nem... mas (Oú ... cúJJ). Nítido contraste entre o mero falador e o fazedor da vontade de Deus.

7.22. Não profetizamos nós em teu nome? (oú tcô oco óyófmxi èTTpoc(jr|T6Úoa|iey12). O uso de oú na pergunta pede a resposta afirma­tiva. Eles afirmam ter profetizado ou pregado em nome de Cristo e feito muitos milagres. Mas Jesus lhes arrancará a pele de ovelha e exporá o lobo voraz.

7.23. Nunca vos conheci (Oúô6ttoté eyvtov ú|iâç). “Nunca me fui pessoalmente conhecido de vós” (conhecimento experimental). O sucesso, segundo estimação do mundo, não é um critério de co­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

nhecer Cristo e ter uma relação com ele. “Eu lhes direi abertamente” (ô[ioA.oyiíoco aÚTOiç); o mesmo vocábulo usado para confessar Cristo diante dos homens (Mt 10.32). Esta expressão Jesus usará para o anúncio público e franco do destino dessas pessoas.

7.24. E as pratica13 («ai uoiel airuouç). Este é o ponto central da Parábola do Construtor Prudente e do Construtor Insensato. O construtor prudente “cavou, abriu bem fundo, e pôs os alicerces so­bre rocha” (Lc 6.48).

7.25. Estava edificada14 (TeGeneAiorro). Terceira pessoa do singu­lar do pretérito perfeito passivo do indicativo de conclusão no passa­do. Fôra edificada sobre a rocha e ainda estava de pé, simplesmente.

7.26. E as não cumpre15 («od (j.r) ttolgôv aúuouç). O constru­tor insensato edificou a casa sobre a areia que, como é sabido, não dá firmeza na tempestade. Lembremo-nos das palavras de Jesus ditas no começo do sermão sobre “cumprir e ensinar” (Mt 5.19). Ouvir sermões é um negócio perigoso se não os pusermos em prática.

7.28. A multidão se admirou da sua doutrina (è eTTÀr|Ooovi;o oi òxA.01 4ui x\\ õiôaxíí aírcou). As pessoas ouviram encantadas e fi­caram pasmas. Note o tempo imperfeito, um rumor de assombro. O verbo significa literalmente “estavam chocados e fôra de si”.

7.29. E não como os escribas16 (kocI oí)% coç oi ypcwoaelç auxGÒv) .17 As pessoas estavam habituadas aos sermões dos rabinos nas sinagogas. Há exemplos desses discursos registrados na Mishná e na Gemará, o Talmude judaico. Essas obras apresentam uma co­leção surpreendente de comentários curtos, enfadonhos e desloca­dos, que tratam de todo tipo de problema concebível na história. Os escribas citavam os rabinos na presença deles e tinham medo de expressar uma ideia sem tê-la apoiado devidamente em algum an­tecessor. Jesus falava com a autoridade da verdade, a realidade e o frescor da luz matutina e o poder do Espírito de Deus. Este sermão, que causou tão forte impressão, terminou com a tragédia da queda da casa que fôra edificada sobre a areia, como o estrondo de um gigantesco carvalho na floresta. Não houve a mínima suavização quanto ao resultado.

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NOTASMateus 7

1 “Viga” (NVI).2 Citado em Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol.

1, The Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 49.3 “Não dêem para os cachorros o que é sagrado” (NTLH).4 Richard Trench, Exposition o f the Sermon on the Mount drawn from the Writings

o f St. Augustine, 4a edição revisada (Londres: Kegan Paul, Trench & Company, 1886), pp. 301, 302, nota 4.

5 Uma versão bíblica na qual o quiasmo (repetição de palavras em ordem rever­tida) ajuda a interpretação é: “Não dêem o que é sagrado aos cães, nem atirem suas pérolas aos porcos; caso contrário, estes as pisarão e, aqueles, voltando-se contra vocês, os despedaçarão” (NVI). A NVI apresenta os cães e os porcos pisoteando as coisas santas e atacando a pessoa. A NTLH desfaz o quiasmo de forma que só os cães atacam, enquanto que os porcos pisoteiam.

6 A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York: Macmillan, 1911), p. 115.

7 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 93.

s Ver Didaquê 1— 6; Epístola de Bamabé 18—20.9 McNeile, Matthew, p. 94.

10 Vincent, Word Studies, p. 50.11 “Vocês os reconhecerão por seus frutos” (NVI; cf. BJ).12 Assim é a leitura de GNT/NA e WH, ao passo que TR e TM têm

TTpOecj)r)T€ÚGCqj,£V.13 “E vive de acordo com eles [os ensinamentos]” (NTLH).14 “Estava alicerçada” (BJ); “tinha seus alicerces” (NVI).15 “E não as pratica” (ARA).16 “E não como os mestres da lei” (NVI).17 TR e TM omitem o pronome aúxâv.

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Capítulo8

Mateus8.2. Senhor, se quiseres (Kúpie, kav 0éÀr)ç). O leproso sabia que

Jesus tinha o poder para curá-lo. A dúvida era sobre a vontade de Jesus. “Os homens acreditam mais facilmente no poder milagroso do que no amor milagroso.”1 Esta é a condição da terceira classe (indeterminada, mas com prospecto de ser determinada). O leproso tinha uma dúvida esperançosa. Jesus aceitou o desafio dando a ga­rantia de “quero”. O mandamento: “Não o digas a ninguém”, visava a suprimir a excitação e prevenir a hostilidade.

8.5. Chegou junto dele um centurião (TTpoof|À0ey aúxcô èKaióvTapxoç). Dativo apesar do genitivo absoluto eloeÀGóvuoç au

’ ToCr como no versículo 1 , uma expressão idiomática grega não rara,sobretudo no koiné.

8.6. Violentamente atormentado3 (õeivwç paoccvaÇó ievoç). Particípio passivo presente no nominativo masculino singular da raiz pacrávoç (ver Mt 4.24). O menino (uatç), escravo (õoOÀoç, Lc 7.2), estava acamado (péplr|Tcu, perfeito passivo do indicativo de páÀÀco), um paralítico crônico.4

8.7. Eu irei e lhe darei saúde5 (’Eycò èÀ0còv OeptxTTeiJoa) autóv). Primeira pessoa do futuro do singular ativo do indicativo, não um

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

subjuntivo deliberativo em questão.6 A palavra aqui traduzida por “darei saúde”, Gepa-neijoco, significa primeiro “servir com atenção médica”, daí “curar” ou “restabelecer a saúde”. No versículo 8, o centurião usa a palavra mais definida para curar (íaGrjoeim), como Mateus usa no versículo 13 (íá0r|). Lucas (9.11), como médico, diz que Jesus sarava (Lâuo) os que necessitavam de cura (GepaTreíocç), mas a distinção nem sempre é observada. Em Atos 28.8, Lucas usa Láacao para falar sobre as curas milagrosas que Paulo fazia na ilha de Malta. Em Atos 28.9, ele emprega o termo éGepcnreiJovTo, ao que tudo indica pela prática do médico Lucas (segundo opina William M. Ramsay). Mateus diz que o próprio centurião falou com Jesus, ao passo que Lucas conta que dois comitês do centurião levaram as suas mensagens, sendo esta claramente uma narrativa mais de­talhada. O que alguém faz pelos outros é como se ele mesmo ti­vesse feito, como Pilatos que “açoitou a Jesus” ordenando que ele fosse açoitado.

8.9. Pois também eu sou homem sob autoridade (kcu yàp èycò avBpwTTÓç e l|ii úttò è^ouoíav). “Também” está no texto, ainda que Km aqui possa significar “até mesmo”. Se esta foi a intenção, o sen­tido seria: “Mesmo eu em minha posição subordinada tenho solda­dos sob meu comando”. Como militar, ele aprendera a ser obediente aos superiores e, por conseguinte, esperava obediência imediata aos seus comandos (imperativos aoristos e indicativos aoristos do pre­sente). Por conseguinte, a fé que ele tinha na autoridade de Cristo sobre a doença do menino-servo o levou a presumir que Jesus só precisava dizer uma palavra para que a cura fosse realizada.

8.10. Tanta fé (toaaÚTriv ttÍo-civ). A convicção demonstrada por um centurião romano era maior que a convicção de um judeu. Da mesma forma, Jesus ficou surpreso com a grande fé da mulher cana- néia (ver Mt 15.22-28).

8.11. Assentar-se-ão à mesa1 (ávaKliGiíaovTCu). Reclinar-se à mesa em sofás como os judeus e romanos faziam. Por conseguinte, o famoso quadro A Ultima Ceia, pintado por Leonardo da Vinci, é um anacronismo, porque apresenta todas as pessoas sentadas em cadeiras.

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Mateus 8

8.12. E os filhos do Reino& (ol õè ulol xf|ç paoiÀcíaç). Expressão idiomática hebraica cuja força e sentido semelha-se em intensidade a “filho do inferno” (Mt 23.15) e “filhos deste mundo” (Lc 16.8). Os judeus sentiam que tinham direito aos privilégios do Reino por serem da descendência de Abraão. Todavia, o mero nascimento na­tural não ocasiona filiação espiritual, como já ensinara João Batista (Mt 3.9).

Nas trevas exteriores9 (eiç xò okotoç xò é^cóxepov). Um adje­tivo comparativo como “mais avançado para fôra”. A referência é à escuridão que havia fôra dos limites do palácio iluminado, uma metáfora do inferno ou punição (Mt 25.30). O artigo repetido toma o adjetivo mais ousado e mais impressivo, “as trevas do exterior”, lá onde se ouvem o gemido e o ranger dos dentes na densa negridão da noite.

8.14. Jazendo com febre10 (p^pirpevriv kcu uupéooouaav). Dois particípios, “acamada” ([ARA], acusativo feminino singular do per­feito passivo de páAAw) e “ardendo em febre” ([ARA], acusativo feminino singular do presente ativo). O texto não informa quanto tempo fazia que ela estava febril, mas a febre pode ter sido súbita e severa (Me 1.30), visto que Jesus, ao chegar à casa de Pedro, é avisado imediatamente a respeito do estado da mulher. A febre em si era considerada uma doença. “Febre” em grego é tíOp.

8.15. E tocou-lhe na mão (ríij/axo xf|ç xeipòç aúxfj), em ato de compaixão tema e amorosa por ser o grande Médico.

Serviu-osn (õiriKÓvei auxw).12 Ela “começou a servir” ([cf. ARA], imperfeito conativo ou inceptivo) a Jesus imediatamente em gratidão e amor.

8.16. E chegada a tarde ('Oi|iíaç õè yevo[j.évr|c;), um genitivo ab­soluto. Mateus desenha um belo panorama de pôr-do-sol ao fim do dia de sábado, como faz Marcos 1.32. Multidões vão a Jesus quando ele ficou à porta da casa de Pedro (Mt 8.16; ver também Me 1.33). A cidade toda se juntou lá com “todos os que estavam enfermos” (ver Mt 4.24), e ele os curou “com a sua palavra” (A.óyco). Tratava-se de uma cena inesquecível para os que a viram.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

8.17. Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e levou as nossas doenças13 (Amòç xàç àaQeveíac, rptòv ’éXocfiev «m làç vóoouç èpáotaoev), citação de Isaías 53.4. Não está claro em que sentido Mateus aplica as palavras de Isaías, se no sentido preciso do hebrai­co ou de maneira independente. Moffatt traduz: “Ele tirou as nossas enfermidades e carregou o fardo de nossas doenças”. Goodspeed traduz: “Ele tomou a nossa enfermidade e levou embora as nossas doenças”. Deissmann opina que Mateus fez uma interpretação livre do hebraico, descartou a tradução da LXX e transpôs os dois ver­bos hebraicos. Neste caso, Mateus quer dizer: “Ele levou sobre si as nossas dores e carregou as nossas doenças”.14 Alfred Plummer advoga que “é impossível e também desnecessário entender o que o evangelista entendia por ‘tomou’ (éXafiev) e ‘levou’ (ê(3áaxaoev). Pelo menos, tem de significar que Jesus retirou os sofrimentos dos sofredores. Dificilmente ele quis dizer que as doenças foram trans­feridas para Jesus”.15 A palavra paotáCu ocorre largamente nos papi­ros com o sentido de levantar, levar, carregar, suportar, levar embora (o significado mais comum).16 Em Mateus 3.11, temos o uso comum do vernáculo “levar as suas sandálias”. O grego ático não usava a expressão no sentido de “levar embora”. “Esta passagem é a base da teoria da cura pela fé (evangelho da saúde e da prosperidade) que afirma que a expiação de Cristo inclui a provisão para a cura física não menos que para a cura espiritual, e, por conseguinte, teima em traduzir ‘levou embora’ .”17 Vimos que a palavra PaoraÇco permite esse significado, mas concordo com McNeile: “A passagem, como Mateus a emprega, não tem influência na doutrina da expiação”. Mas Jesus mostra a sua compaixão por nós. “A compaixão de Cristo pelos sofredores era tão intensa que ele realmente sentia as suas enfermidades e dores.”18 Em nossos fardos, Jesus se põe debaixo da carga junto conosco e nos ajuda a carregar.

8.19. Um escriba (etc ypafi^iateúç). Um (<áç), numeral, é igual a “um”, artigo indefinido. Já era discípulo como mostra a expressão “outro de seus discípulos” (étepoç ôè tmv |ia0Tyuájv [aírcou]) em8.21. Ele chama Jesus “Mestre” (õiõáoKode), mas ao que parece é irmão “presunçoso”, extremamente autoconfiante e plenamente sa­

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Mateus 8

tisfeito consigo mesmo. “Era um membro dessa classe difícil de impressionar, em espírito e tendência completamente opostos aos caminhos de Jesus.”19 Contudo, Jesus lida gentilmente com ele.

8.20. As raposas têm covis (Al áÀGÓiTeKeç cjjcoÀeouç exouoiv), toca ou buraco escondido.

As aves do céu têm ninhos (zà irezeivà zov ovpavov KazaoKrivúcKELç). “Poleiros, ou seja, folhados, OKr|vcá para pou­sar à noite (tabernacula, habitacula), e não ninhos.”20 O verbo (KaTaoKT|vóoo) consta na LXX em Salmos 103.12 (104.12) falando sobre os pássaros.

O Filho do Homem (ó ulòç toü òcvGpoÓTToi)). Esta expressão no­tável, que Jesus costumava aplicar a si mesmo, surge aqui pela pri­meira vez em Mateus. Muitos estudos já foram feitos sobre as suas nuanças de significado. A expressão “significa muito para o orador, que a escolheu deliberadamente em concordância com reflexões pri­vadas, cuja natureza só nos resta adivinhar pelo estudo das muitas ocasiões em que o nome é usado.”21 Na maioria das vezes, quer dizer “o homem representativo”. Pode ter o significado do vocábulo aramaico barnasha, “o homem”, mas em grande parte das ocorrên­cias não terá essa ideia. Jesus usa a expressão como título messiâni­co oculto. E possível que este escriba não tenha entendido nada da expressão. Bruce opina que Jesus quis dizer “o Homem não-privi- legiado” que é pior do que as raposas e as aves.22 Jesus falava grego como também aramaico. E inconcebível que os Evangelhos nunca tivessem dito que Jesus é “o Filho do Homem” e sempre creditas­sem a expressão a Ele mesmo falando nas suas próprias palavras se Ele não se chamasse assim. O termo é usado nos Evangelhos cerca de oitenta vezes, sendo que trinta e três vezes constam em Mateus. Nos primeiros tempos do seu ministério, exceto bem no começo em João 4, Jesus priva-se de chamar-se Messias. Este termo se ajustava perfeitamente ao seu propósito para fazer com que as pessoas se habituassem ao título especial de Messias, quando então ele estaria pronto para dizê-lo abertamente.

8.21. Senhor, permite-me que, primeiramente, vá sepultar meu pai23 (Kúpie, kziízp^óv [ioi upcôiov áire/lGeiv Kcà Gcajjcu tòv natépa

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(íou). O primeiro homem era um entusiasta. Este é excessivamente cauteloso. De modo algum é conclusivo que o pai estivesse mor­to. Tobit exortou o filho Tobias que se assegurasse de enterrá-lo: “[Filho], quando eu morrer, dar-me-ás uma digna sepultura”.24 A probabilidade é que esse discípulo estivesse dizendo que, depois que o pai estivesse morto e enterrado, então ele estaria livre para seguir a Jesus. “Em nossos próprios dias, sabe-se de um oriental sentado ao lado de seu pai, falando dos seus projetos futuros: ‘Mas primeiro tenho de enterrar o meu pai! ’”25 Jesus desejava que as coisas mais importantes fossem feitas primeiro. Mesmo que o pai do homem não estivesse morto, o serviço a Cristo vem em primeiro lugar.

8.22. Deixa aos mortos sepultar os seus mortos (acj)eç xoijç veKpoiiç 0ái|m xoi)ç èauxwv veKpoúç). Os espiritualmente mortos sempre estão por perto para enterrar os fisicamente mortos, se o nosso verdadeiro compromisso estiver com Jesus. Crisóstomo diz que, ainda que seja uma boa ação enterrar os mortos, a melhor é pregar Cristo.26

8.24. Ele, porém, estava dormindo27 (aúxòç ôè eKá0euôev); ter­ceira pessoa do singular do pretérito imperfeito ativo do indicativo, “estava dormindo” — uma cena pitoresca. O mar da Galiléia fica a duzentos e dez metros abaixo do nível do mar Mediterrâneo. Essas rajadas súbitas vêm do pico do monte Hermom com força surpre­endente (oeia|iòç |iéyaç), semelhante a um terremoto. Marcos 4.37 e Lucas 8.23 dizem respectivamente que foi um “grande temporal”, uma “tempestade de vento” (A,oâÀai[r) com rajadas fortes.

8.25. Senhor, salva-nos, que perecemos (Kúpie, ogxjov, áTToAAú[ie0a).28 Mais precisamente: “Senhor, salva-nos imediata­mente (aoristo); estamos perecendo (presente linear)”.

8.27. Até os ventos e o mar lhe obedecem?29 (kocI oi ave|_ioi Kcd f) Qákaooa aúxcô útokoúouoiv). Um milagre da natureza. Nem uma gota ao sabor do vento se acalmaria no mar de um momen­to para o outro. “J. Weiss explica que por ‘incrível coincidência’ a tempestade acalmou no momento exato em que Jesus falou!”30 Certas pessoas pensantes se satisfazem facilmente com a sua pró­pria estupidez.

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8.28. A provínciados gadarenos31 (xf]v xcopav i(2>v rtóapr|voôv).32 Este é o texto correto em Mateus, ao passo que em Marcos 5.1 e Lucas 8.26 é a “região dos gerasenos” (BJ). Thompson descobriu às margens do lago as ruínas de Córsia (Gerasa). Essa aldeia está no distrito da cidade de Gadara, poucos quilômetros para o sudoeste, de forma que pode ser chamada por Gerasa ou Gadara.33 Mateus fala de “dois endemoninhados”, ao passo que Marcos e Lucas mencio­nam só um principal.

Os sepulcros (xC)v |_ivrpe ícov) eram câmaras entalhadas na en­costa das montanhas. No lado oriental do lago, os penhascos íngre­mes são de formação de pedra calcária e estão cheios de cavernas. E uma das provas de que é maníaco quem assombra os sepulcros. As pessoas evitavam a região por considerá-la perigosa por causa dos loucos.

8.29. Filho de Deus (ulè xoü Geou). E surpreendente o fato de os demônios reconhecerem Jesus. O assunto da demonologia é di­fícil. Há quem defenda que é apenas o modo antigo para descrever as doenças. Mas isso não explica situações como esta. Jesus trata os demônios como seres reais. Ele separa a existência deles da persona­lidade humana. Certos missionários afirmam ver demônios quando estes são expulsos. O Diabo conhecia muito bem a Jesus, e não é es­tranho que o Senhor seja reconhecido pelos agentes do Adversário. Eles sabem que não há nada em comum entre eles e o Filho de Deus (r||!iv kocI ooí — dativo ético) e temem que o tormento chegue “an­tes do tempo”34 (irpò Kaipou). Tà ôoa|_ióvia é a palavra normalmente usada nas perícopes do Novo Testamento para referir-se aos demô­nios; mas no versículo 31 temos ol ôaí|j.oveç — a única ocorrência exata deste termo no Novo Testamento. Aaqióviov é diminutivo de ôcáfiwv. Em Homero, ôctí^cov é sinonimamente usado com Geóç e Geá. Hesíodo empregou o termo Saíjauv para referir-se aos homens da idade de ouro como deidades tutelares. Homero usa o adjetivo ôaqióvLOç em sentido mau. Empédocles opinava que os demônios eram tanto ruins quanto bons. Eram usados para aliviar os deuses e as deusas das muitas baixarias e falta de escrúpulos. George Grote comenta que, sendo este o uso pagão, os cristãos estavam justifica­

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dos em dizer que a idolatria era adoração a demônios 35 (ver 1 Co 10.20,21; 1 Tm 4.1; Ap 9.20; 16.13,14). Nos Evangelhos, os demô­nios são comparados a espíritos imundos (Me 3.22,30; 5.12,15; Lc 4.33). Os demônios são perturbadores de todos os aspectos da vida do homem (Vincent; Mt 12.45; Me 5.2-5; 7.25; Lc 13.11,16).

8.32. Toda aquela manada de porcos se precipitou no mar por um despenhadeiro (up[ir|oev moa f] ày€A.r| Karà xoü Kprujvoí)); pelo precipício abaixo (caso ablativo) até ao mar, aoristo constativo. Hoje entendemos melhor a influência da mente sobre a matéria, mas temos o domínio da mente do Mestre sobre a mente dos maníacos, o poder de Cristo sobre os demônios, o poder dos demônios sobre a manada de porcos. Existem dificuldades em excesso para quem só vê folclore e lenda, mas tudo fica bastante claro se considerarmos que Jesus é verda­deiramente o Senhor e o Salvador. Não precisamos ficar preocupados com o extermínio incidental dos porcos, quando estamos tão acostuma­dos com tragédias da natureza que nos são incompreensíveis.

8.34. Rogaram-lhe que se retirasse do seu território36 (TiapeKáÀeoccy òttwç fiecapri c o t ò 'coôv ópíoov omcòv). A cidade em peso ficou em polvorosa com a ruína total dos porcos e implorou que Jesus se retirasse. Preocupados com a perda da propriedade, esqueceram a cura dos endemoninhados. Importaram-se mais com os porcos do que com as almas humanas.

NOTAS___________________________________________________1 Alexander Balmain Bruce, The Expositor s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 137).2 No lugar do genitivo absoluto, TR e TM têm um dativo absoluto EioelGovii

aÚTcò.3 “Sofrendo horrivelmente” (ARA).4 A. T. Robertson, Commentary on the GospelAccording to Matthew (Nova York:

Macmillan, 1911), p. 121.5 “Eu irei curá-lo” (ARA).6 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and índices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 104.

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7 “Tomarão lugares à mesa” (ARA).8 “Mas os súditos do Reino” (NVI).9 “Para fôra, nas trevas” (ARA).

10 “Estava de cama e com febre” (AEC).11 “Começou a servi-lo” (NVI).12 No lugar da forma singular, TR tem oanmç.13 “Ele levou as nossas doenças e carregou as nossas enfermidades” (NTLH; cf.

BJ).14 G. Adolph Deissmann, Bible Studies: Contributions, Chiefly from Papyri and

Inscriptions, to the History o f the Language, 2a ed., traduzido por A. Grieve ( Edimburgo: T. & T. Clark, 1923), pp. 192, 193.

15 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 128.

16 James Hope Moulton e George Milligan, The Vocabulary o f the Greek Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 106.

17 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 53.

18 McNeile, Matthew, p. 108.19 Bruce, Expositor s, p. 142.20 McNeile, Matthew, p. 109.21 Bruce, Expositor s, p. 142.22 Ibid.23 “Senhor, primeiro deixe que eu volte e sepulte o meu pai” (NTLH).24 Tobias 4.3 (BJ).25 Plummer, Matthew, p. 130, nota 1.26 The Nicene and Post-Nicene Fathers, Vol. 10, “The Works of St. Chrysostom”,

Homily 27 (Nova York: Christian Literature Company, 1894), p. 188.27 “E Jesus estava dormindo” (NTLH). O substantivo próprio Iriaoüç não se acha no

texto grego, mas consta o pronome Aíruóç, que obviamente se refere a Jesus.28 TR e TM incluem o pronome: “Salva-nos” (owaov ípâv), ao passo que GNT/

NA e WH não incluem o pronome.29 “Que homem é este que manda até no vento e nas ondas?!” (NTLH).30 McNeile, Matthew, p. 111.31 “País dos gadarenos” (BJ); “região dos gadarenos” (NVI); “terra dos gadare-

nos” (ARA).32 GNT/NA e WH têm raõctpr]v(3v, ao passo que TR e TM têm repyearivúv.33 William M. Thompson, The Land and the Book (Grand Rapids: Baker, 1954),

p. 375.

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34 “Antes do devido tempo” (NVI).35 George Grote, History o f Greece (Nova York: American Book Exchange, 1881),

pp. 255, 256.36 “Pediram com insistência que fosse embora da terra deles” (NTLH).

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Capítulo9

Mateus9.1. [Jesus] chegou à sua cidade1 (rjÀGev elç xr\v lôíav ttóàlv).

Cafamaum se tomou a casa de Jesus2 (Mt 4.13; Me 2.1).E eis que lhe trouxeram um paralítico3 (upooé^epov aikcô

TTapaÀutLKÒy). O pretérito imperfeito “estavam trazendo” apresenta uma cena visualmente nítida. Os detalhes expostos em Marcos 2.1-4 e Lucas 5.17 dão ainda mais vivacidade.

Deitado numa cama4 (èul KÀÍvr|c; (3epA.r|[aévov). Esticado em uma maca, um particípio passivo do pretérito perfeito no acusativo masculino singular. KÀivíôiov refere-se a uma pe­quena cama ou maca em Lucas 5.19; é “um catre” (KpápaiToç) em Marcos 2.4,9,11.

9.2. Perdoados tesão os teus pecados (á4> íevra í5 oou ai á|j.a;pT ía l). Terceira pessoa do presente do plural passivo do indicativo (presente do aoristo). Em Lucas 5.21 consta àfalvai, o pretérito perfeito passi­vo do indicativo do grego dórico e jónico para o grego ático à^elvrai, uma das formas dialéticas que aparecem no grego Koivr|.

9.3. Ele blasfema6 (Outoç piao^rmei). Note a zombaria indica­da pelo uso de “este” (ARA). “Do ponto de vista convencional, o profeta sempre é um blasfemador escandaloso e irreverente.”7

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

9.6. Ora, para que saibais (iva ôè elõíyue). Jesus aceita o de­safio apresentado pelos pensamentos dos escribas e opera o milagre da cura do paralítico, que até ali só teve os pecados perdoados. A cura física tornou-se o sinal visível para provar o poder messiânico de Jesus de, na Terra, perdoar pecados como Deus perdoa. A palavra èçouoía significa poder ou autoridade. Na verdade, ele tinha ambos. Note a mesma palavra em 9.8.

Disse então ao paralítico (xóte Aiyei tcô uapaA.i)TiKtò). Claro que estas palavras não foram ditas por Jesus. Curiosamente, Mateus as insere direito no meio das declarações de Jesus em resposta ao desprezo dos escribas. Ainda mais extraordinário é o fato de Marcos (2 .10 ) colocar as mesmas palavras exatamente no mesmo lugar, sal­vo pela adição de tóxe em Mateus — uma palavra muito frequente no vocabulário mateano. Marcos, como sabemos, relata em grande parte as palavras de Pedro e vê conforme a ótica de Pedro. Lucas (5.24) tem a mesma ideia no mesmo lugar sem o presente histó­rico vívido Àéyei (eluev TTapaA.eÀ.u|iévoo) com o particípio no lugar do adjetivo. Esta é uma das muitas evidências que comprovam que Mateus e Lucas usaram o Evangelho de Marcos.

Toma a tua cama8 (apov aou tt)v KÀívriv). Arrume de uma vez (segunda pessoa do singular do aoristo ativo do imperativo) o catre de enrolar.

9.9. Viu assentado na alfândega um homem9 (eíõev ay9pGOTTOv KaGr|[ievov èul tò TeÀúviov). A alfândega ou secretaria de impos­tos de Cafamaum recebia o pagamento de impostos dos barcos que cruzavam o lago para sair do território de Herodes ou de pessoas que iam de Damasco para o litoral. Esta cidade ficava numa rota de caravana.

Chamado Mateus10 (MaGGalov leyó[ievov). Nesta passagem e no capítulo 10.3, Mateus é nomeado entre os doze apóstolos. Ele ti­nha dois nomes, como era comum. Marcos 2.14 e Lucas 5.27 o cha­mam Levi. Os publicanos (leXoôvai) eram homens que cumpriam deveres públicos. Não era designação muito precisa. Eram detesta­dos, porque praticavam extorsão. Até Gabínio, procônsul da Síria, foi acusado por Cícero de roubar dinheiro dos impostos legítimos

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Mateus 9

dos sírios e judeus. Jesus já falara acerca do publicano (Mt 5.46), mostrando, de certo modo, o desfavor público dessa classe.

9.10. Muitos publicanos e pecadores11 (ttoAAo! TeÀwvai «m (X|iapTCóÀ.oI), quase sempre são citados juntos, demonstrando o des­prezo comum e contrastando-os com os justos (ôlkcuoi em Mt 9.13). Era uma estranha mistura de gente no banquete de Levi: Jesus e os quatro discípulos pescadores junto com Natanael e Filipe; Mateus Levi e seus ex-companheiros de trabalho, publicanos e pecadores. Os fariseus com os seus escribas (ou estudantes) observavam jun­tamente com os discípulos de João Batista, que estavam jejuando no mesmo momento em que Jesus estava banqueteando com essas pessoas. Os fariseus criticam (“o vosso Mestre”) rispidamente por tal quebra de etiqueta social por “reclinar-se à mesa” junto com pu­blicanos no banquete de Levi.

9.12. Mas sim, os doentes (àAA’12 ol kkkíôc; exovteç). Provavelmente um provérbio sobre médicos vigente na época de Jesus. Como médico do corpo e da alma, Jesus via-se compelido a entrar em estreito contato com os desterrados sociais.

9.13. Ide, porém, e aprendei (TTopeuGévTeç õè |iá9ere). Segunda pessoa do plural do aoristo ativo ingressivo do imperativo ([láB&ic). Com sarcasmo aguçado, Jesus convida esses pregadores a aprender o significado de Oseias 6.6 . O convite é repetido em Mateus 12.7.

9.14. Os discípulos deJoãou (ol |j.(x9r|Tal ’Iwávvou l4). Ficamos suipresos por achar alguns discípulos de João Batista junto com os fariseus a fim de criticar a Jesus. João Batista estava preso, e talvez eles culpassem ao Senhor Jesus por não fazer nada a respeito. O Batista não teria ido ao banquete de Levi em um dia judaico de je ­jum. “Os discípulos de João Batista imitaram o asceticismo rígido de seu mestre (Mt 11.18) e dos rabinos fariseus (Lc 18.12).” '5

9.15. Os filhos das bodas16 (oi uioi t;oü vu|i(j)(I)voc;). E uma expressão idiomática hebraica recente para referir-se aos convida­dos de casamento, “os amigos do noivo e todos os filhos da câmara nupcial”17 (cf. Jo 3.29).

9.16. Pano novo (pctKouç áyvácjjou), um tecido de lã rústico e sem pregas que, quando molhado, encolhe e rasga, ocasionando

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

um buraco maior do que o rasgo primitivo. Assim, “faz-se maior a rotura”18 (xeipov oxío^a yívetai). O “semelhante” remendo (tò uÀiípcofia) faz mais mal que bem.

9.17. Odres velhos (áoKouç ucdcaoúç). Odre é uma espécie de receptáculo feito de pele de cabra com a parte peluda para dentro. “A palavra garrafa significa etimologicamente ‘utensílio para trans­portar água’. Em espanhol, bota significa garrafa de couro, pipa, barrica. Na Espanha, ainda hoje o vinho é transportado para o co­mércio em peles de porco.”19 O vinho novo fermenta e rebenta a pele ressecada. “Entoma-se o vinho”20 (ó oívoç éic/eiiai).

9.18. Minha filha faleceu agora mesmo ('H Guycmp |_iou ap-u èxeÀeÚTrioey), tempo aoristo com ápxi: “faleceu agora mesmo”, “morreu há pouco” (Moffatt), “está moribunda” (Me 5.23), “estava à morte” (Lc 8.42). Nem sempre é fácil para os médicos contarem quando a morte veio. Em Mateus 9.24, Jesus diz explicitamente: “A menina não está morta, mas dorme”, dando a entender que sua morte não foi definitiva.

9.20. Tocou a orla da sua veste2X (tÍi}jcít;o toC KpaoTíéôou tou L|acaíou amou), a bainha ou franja da roupa, borla ou tufo que fica pendurado da barra da roupa de acordo com Números 15.38. Era feito de lã trançada. Jesus usava a roupa exterior comum dos seus dias, com essas franjas nos quatro cantos. Os judeus contavam as palavras Jeová Um de acordo com os números das linhas brancas trançadas, um refinamento que não teria interessado a Jesus. Na sua fé, essa pobre mulher tinha um elemento de superstição como mui­tas pessoas hoje têm, mas Jesus lhe honra a fé e a cura.

9.23. Os instrumentistas (touç auAxiiác;). A menina havia acaba­do de morrer, mas “o povo em alvoroço”22 (tòv bxXov 9opupoú|aevov) já se reunira no pátio externo com lamentos extravagantes e gritos frenéticos. Tais pranteadores estavam “reunidos por motivos diver­sos: pena, dinheiro, desejo de tomar parte da comida e bebida em tal ocasião”.23 Entre os instrumentistas (voluntários ou contratados), havia também “algumas carpideiras (Jr 9.17) praefcae , que eram contratadas e pagas para cantar naenia em enaltecimento ao mor­to”.24 Estes, quando foram expulsos por Jesus, “riram-se dele”25

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(KmeyéÀGúv kútoú) em sonoras e repetidas gargalhadas de desprezo (imperfeito). Jesus superou esse ambiente repugnante.

9.27. Partindo Jesus dali (napáyovui 6Ket0ev tcò ’Ir|oou), caso instrumental associativo com r]KoA,oú0rioay. Era a oportunidade su­prema para os dois cegos. Note dois endemoninhados em Mateus8.28 e dois cegos em 20.30. Ver a mesma palavra uapáXojv usada em 9.9 acerca de Jesus.

9.29. Tocou, então, os olhos deles (rjiJ/aTo tcòv ó<t)9aA,|i(ôv auucôv). Os homens tinham fé (Mt 9.28) e Jesus lhes recompensa a fé. Mesmo assim, tocou os olhos deles como às vezes fez em atitude de compaixão tema e bondosa.

9.30. E os olhos se lhes abriram.16 E Jesus ameaçou-os27 (rjvecóxQ OK 28 amwv oi óc))9aA.|J0Í Kai èveppi|ir|9r| aÚTOiç ô ’Ir|ooDç) ’Eveppi|afí9r| é uma palavra difícil, uma combinação de kv com ppi(iáo|iai (ser movido com a raiva). E termo usado para referir-se aos cavalos quando relincham ,29 e a homens irritando- se ou enraivecendo-se (Dn 11.30). O vocábulo só ocorre aqui em Mateus30, mas duas vezes em Marcos (1.43; 14.5), principalmente nos pontos em que Mateus omite a palavra. Consta também em João 11.33. Nesta perícope, tem a noção de comandar com severidade — um sentido desconhecido para os escritores antigos. A maioria dos MSS tem a voz média èvePpiiariaaTO,31 mas Aleph e B têm a voz passiva êveppi|iií9r|, que Westcott e Hort aceitam, mas sem o sentido passivo (cf. daTeKpí9r|). “A palavra descreve o ímpeto de sen­timentos profundos que nas passagens sinóticas apresentou-se no modo injuntivo, e em João 11.33, no olhar e na maneira.”32 Bruce traduz Eutímio Zigabeno em Marcos 1.32: “Olhando severamente para eles, ele contraiu as sobrancelhas e balançou a cabeça de um lado para o outro, como estão habituados a fazer os que desejam ter a garantia de que os segredos não venham a ser revelados”.33

Olhai que ninguém o saiba ('Opâue p/r|ôelç yiycooKétco). Note a mudança elíptica de pessoas e número nos dois imperativos.

9.32. Um homem mudo (av9pcorrov kq^òv).34 Literalmente, grosseiro de língua, como sugere a presente passagem, e tão mudo (de ouvidos como em Mt 11.5) quanto surdo. Homero usou a pa­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

lavra para referir-se aos dardos não afiados.35 Outros a aplicaram a embotamento mental.

9.34. Pelo príncipe dos demônios36 (’Ev zQ ap% ovti tgôv ôca|_iovÍG)v). Demônios, não diabos. O Códice Beza omite este ver­sículo, mas provavelmente é genuíno. Os fariseus estão ficando de­sesperados. Incapazes de negar a realidade dos milagres, eles procu­ram desacreditá-los tentando relacionar Jesus com o próprio Diabo, o príncipe dos demônios. Mais tarde, eles repetirão essa acusação (Mt 12.24), quando então Jesus a refutará com sarcasmo cortante.

9.35. Percorria Jesus71 (Kcà TrepiíiYev ô ’Iriooüç), tempo pretéri­to imperfeito descritivo desta terceira excursão por toda a Galileia.

9.36. Andavam desgarrados e errantes3S (rjoav èoKDÀfiévoi39 Kcà èpp i|i[iévo L), pretérito perfeito perifrástico com o pretérito im­perfeito do indicativo. Era um estado triste e lamentável em que estava a multidão, como se tivesse sido despedaçada ou mutilada por animais selvagens. Nos papiros, okúàA.oo ocorre no sentido de “pilhagem”, “juro”, “vexação”. “Usada aqui para referir-se aos ho­mens comuns, a palavra descreve a condição religiosa deles. Eram pessoas molestadas, importunadas, desnorteadas por quem deveria tê-las ensinado; impedidas de entrar no Reino dos céus (Mt 23.13), carregadas com os fardos que os fariseus colocavam sobre elas (Mt 23.3). ’Eppi|j,|iévoi denota homens lançados para baixo e prostrados ao chão, quer por embriaguez,40 quer por feridas mortais.”41 Este particípio perfeito passivo é derivado de pímco, “jogar ao chão”. O povo estava em estado de abatimento mental que moveu Jesus com compaixão (èoTTÀayxyíoBri).

9.38. Que mande ceifeiros (ottcoç eKpáA/fl èpyáraç). Jesus muda da figura das ovelhas sem pastor para o campo de plantações ma­duras e prontas para a ação dos ceifeiros. O verbo éKpáAAoo significa “pôr para fôra”, “empurrar para fôra”, “tirar para fôra com ou sem violência”. A oração é o remédio oferecido por Jesus para essa crise da falta de mestres. Como é raro ouvirmos oração por mais prega­dores.

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NOTASMateus 9

1 O substantivo próprio ’ It)ooíjç não ocorre no texto grego, porém, é óbvio que o sujeito se refere a Jesus (consta em AEC; NVI; ARA).

2 A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York: Macmillan, 1911), p. 130.

3 “Alguns homens lhe trouxeram um paralítico” (AEC).4 “Deitado em sua maca” (NVI).5 TR e TM têm ácjjçcovTcu, terceira pessoa do plural do pretérito perfeito do indi­

cativo.6 “Este blasfema” (ARA).7 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 149.8 “Pegue a sua maca” (NVI).9 “Viu Jesus um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos”

(BJ).10 GNT/NA e WH escrevem o grego com um teta duplo (90), ao passo que TR e

TM têm McrcGaiov.11 A NVI coloca a palavra “pecadores” entre aspas.12 GNT/NA, TM e TR têm àXX’, ao passo que WH tem klXú..13 “Os discípulos de João Batista” (NTLH).14 Só WH soletra “João” com um v, Twávou.15 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 120.

16 “Os amigos do noivo” (BJ); “os convidados do noivo” (NVI); “os convidados para o casamento” (ARA).

17 Tos. Berak., ii.10.18 “Aumentando o buraco” (NTLH).19 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 55.20 “Derrama-se o vinho” (ARA).21 “Tocou na barra da capa dele” (NTLH).22 “A multidão numa confusão geral” (NTLH).23 Bruce, Expositor’s, p. 127.24 Ibid.25 “Todos começaram a rir dele” (NVI).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

26 “A visão deles foi restaurada” (NVI).27 “Jesus, porém, os advertiu severamente” (ARA).28 TR e TM têm a grafia àyeú%9r|oav.29 Ésquilo, Theb., p. 461.30 McNeile, Matthew, p. 97.31 Inclusive TR e TM.32 McNeile, Matthew, p. 127.33 Bruce, Expositor s, p. 155.34 “Um homem que não podia falar” (NTLH). WH não inclui av9pcoirov.35 Ilíada 11.390.36 “Pelo maioral dos demônios” (ARA).37 “Jesus ia passando por” (NVI).38 “Estavam aflitas e exaustas” (ARA).39 TR tem èKÀeXunévoi..40 Políbio, 5.48.2.41 Willoughby G. Allen, A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel

According to Matthew, International Critical Commentary ( Edimburgo: T. & T. Clark, 1912), p. 99.

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Capítulo10

Mateus10.1. Os seus doze discípulos (touç ôcÓôékcí |j,a0r|Tàç oarroO). Na

primeira vez que Mateus menciona o grupo dos “aprendizes”, usa o artigo para mostrar que o grupo já estava estabelecido (ver Me 3.14-17). Foram escolhidos antes do Sermão do Monte, mas Mateus não cita este fato. Marcos (3.13-19) e Lucas (6.12-16) declaram que Jesus os escolheu ou nomeou depois de uma noite de oração e des­ceu com eles a certo lugar plano do monte para entregar o Sermão do Monte (Lc 6.17).

Deu-lhes poder (íéõgúkév ccutoiç è^ouoíay). “Poder” (Moffatt, Goodspeed). Ficamos um tanto surpresos que Mateus só fale sobre o trabalho de cura, ao passo que Lucas fala sobre “pregar o Reino de Deus” e “curar os enfermos” (Lc 9.2). E Mateus diz: “E, indo, pregai” (Mt 10.7). Por conseguinte, não é justo dizer que Mateus só soubesse da incumbência de curar os enfermos, por mais importante que fosse como sinal de que Jesus era o Cristo. A aflição física era grande, mas a espiritual era maior. Poder é a ideia mais provável de kífiXioía aqui. O ministério de cura chamava a atenção e fazia muito bem. Hoje, temos hospitais, médicos e enfermeiras. Mas não negue­mos o poder de Deus para abençoar essas agências e curar doenças

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

como ele quiser. Jesus ainda é o Mestre da alma e do corpo, mas a fé inteligente não se priva de buscar a ajuda de médicos experientes.

10.2. Os nomes dos doze apóstolos (Tcôv ôè õúôeKa áiroaxóA.wv xà óvó|iaiá). O apostolado é a função oficial dos discípulos, cor­respondendo ao trabalho de missionários. O nome “Simão” sempre aparece em primeiro lugar nas listas, inclusive na lista das pessoas que se reuniram no cenáculo em Atos 1.13. Ele foi o principal dis­cípulo até o começo da igreja no Dia de Pentecostes (At 2— 3). Em todas as listas, “Judas Iscariotes” consta em último lugar até sua morte ser informada em Atos 1.15-18 e ele ser substituído (At 1.20- 26). Mateus o descreve: “Aquele que o traiu” (ô TTapaôoúç). Pensa- se que Iscariotes signifique “o homem de Queriote”, referindo-se a uma cidade perto de Edom citada em Josué 15.25. “Filipe” vem em quinto lugar e “Tiago, filho de Alfeu”, em nono. “Bartolomeu” é outro nome de Natanael. “Tadeu” é outro nome de Judas, irmão de Tiago. “Simão, o Zelote”, também é chamado Simão, o Cananeu (zelote é derivado de uma palavra hebraica). Esta é a primeira ex­cursão de pregação e cura que eles fazem sem Jesus. Ele os envia de dois em dois (Me 6.7). Mateus os cita aos pares, provavelmente segundo a dupla como foram enviados.

10.5. Jesus enviou estes doze (Toúxouç xouç ôgóôékíx áTréoxeLlev ó ’Irioouç). A palavra áuéoxeiÂev, traduzida por “enviou”, vem da mesma raiz da palavra grega traduzida por “apóstolos”. Esta palavra reaparece no versículo 16.

Caminho das gentes1 (óôòv eQvãv), genitivo objetivo, o cami­nho que conduz aos gentios. A proibição de ir aos gentios e sama­ritanos só se aplicou a esta aventura inicial. Os apóstolos tinham de dar a primeira oportunidade aos judeus e não se envolver com tensões inter-raciais que prejudicariam a causa nesta fase. Mais tar­de, Jesus os enviou a fazer discípulos de todas as nações (Mt 28.19, ARA).

10.6. As ovelhas perdidas da casa de Israel (xà Tipópaxa xà á7TOÀQA.óxa olkou ’Ioparil), as ovelhas, as que estão perdidas, são mencionadas aqui pela primeira vez em Mateus. Jesus está expres­sando compaixão e não censura.2 John Bengel comenta que Jesus

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Mateus 10

diz “perdido” e assemelhados mais frequentemente do que “des­viado” e assemelhados.3 “Se a nação judaica pudesse ser levada ao arrependimento o novo tempo despontaria.”4

10.7. Indo, pregai (Tropeuóp,evoi õè Kripúooete), particípio pre­sente e imperativo presente. Eles eram pregadores itinerantes — “arautos”, “anunciadores” (icfjpui;) que proclamavam as Boas Novas. A mensagem sumária é a de João Batista (Mt 3.2) que assustara o país com as palavras: “E chegado o Reino dos céus”. Esse sermão ecoara pelo vale do Jordão em todas as direções. Agora chegou a vez de eles sacudirem a Galiléia com essa mensagem, como fizera Jesus inicialmente (Mt 4.17).5

10.9. Não possuais ouro6 (Mf] KTT|or|o96 xpuoòv). Não é: “Não possuais” ou “não tenhais”, mas: “Não obtenhais” para vós mesmos, segunda pessoa do plural do aoristo médio indireto do subjuntivo. “Ouro”, “prata”, “cobre” aparecem em escala de valor descendente, que também abrange o metal mais insignificante, o bronze.

Em vossos cintos (elç mç Çwyaç ú|icôv). Usava-se os cintos ou as faixas para levar dinheiro.

10.10. Nem alforjes (|if) mpav). Pode significar uma maleta de viagem para carregar pertences ou um lugar para os viajantes guardarem o pão. Deissmann opina que Tripa se refira ao saco que os mendigos usavam para coletar esmolas, segundo diz certa inscri­ção encontrada em um monumento na cidade de Kefr Hanar, Síria: “Nos primórdios do cristianismo, os sacerdotes pedintes faziam as suas andanças pela terra da Síria em nome da deusa nacional”.7 Deissmann também cita um jogo de palavras em AiôaaKaAia8 acerca de viúvas itinerantes que diziam que elas não estavam tanto xrjpai (sem esposo) como urjpoa (sem bolsa). Também cita Shakespeare:9 “Há tempo, meu senhor, uma bolsa às costas, na qual ele põe esmo­las para cair no esquecimento”.10

Porque digno é o operário do seu alimento11 (cc£ioç yàp ó èpYcarjç Tf|ç Tpo<J)fjç aírroü) .12 Lucas cita a mesma expressão quan­do registra a missão de Jesus aos setenta (Lc 10.7), usando o ter­mo |ílo9ou, que significa “salário”, em lugar de “alimento”, xpo^ç. Em 1 Timóteo 5.18, Paulo cita a forma de Lucas na qualidade de

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Escritura (ri 7p(xcj)ií) ou declaração comum. A palavra grega tradu­zida por “operário”, kpyáxr\cé usada por Jesus quando ele manda que os seus seguidores orem pelo envio de trabalhadores (Mt 9.38). O Didaquê, documento dos Pais da Igreja, mostra que no século II os líderes ainda tinham certa cautela em receber pagamento por pregar. Os sofistas ambulantes também desprestigiaram o trabalho de mestres itinerantes.13 A sabedoria dessas restrições tinha justifi­cativa levando-se em conta a Galiléia daqueles dias. Marcos 6.6-13 e Lucas 9.1-6 variam ligeiramente de Mateus em certos detalhes concernentes às instruções de Jesus.

10.13. Se a casa fo r digna14 (èàv (ièv rj r) o i K Í a áÇía), uma condição de terceira classe. O que torna a casa digna? “Seria logica­mente a prontidão em receber os pregadores e sua mensagem .”15

10.14. Sacudi o pó dos vossos pés (kKiiválaxe xòv Koviop-uóv). “Sacudir”, um gesto vigoroso de desfavor. Os judeus tinham precon­ceitos ardentes contra as menores partículas do pó pagão. A ques­tão não era a existência de germes no pó. Tal fato não se conhecia na época. Os judeus consideravam que qualquer coisa relacionada aos gentios estava contaminada com a putrescência da morte. Se os apóstolos fossem maltratados, eles tinham de tratar os impiedosos donos da casa como se eles fossem gentios (cf. Mt 18.17; At 18.6). Essa instrução também era restrita a esta excursão, com seus perigos peculiares.

10.15. Menos rigor16 (àveKTÓiepov). Os papiros usam esse adje­tivo para caracterizar um convalescente. Os galileus tiveram muitas mais oportunidades para ouvir a verdade do que tiveram Sodoma e Gomorra.

10.16. Como ovelhas ao meio de lobos17 (ooç TTpópara êv |aéoo) À.Úkü)v). A presença de lobos era um fato de então como é de hoje. Algumas dessas ovelhas de Israel (Mt 10.6) mostrariam que eram lobos quando exigiram a crucificação de Cristo. A situação requeria sabedoria e coragem.

Portanto, sede prudentes como as serpentes e símplices como as pombas (yíveaGe ouv 4)póvi|_ioi ooç oi ocj^iç «ai ««épaioi wç ai TTepLo-cepaí) A serpente simbolizava sabedoria ou intelecto astuto e

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Mateus 10

perspicaz (Gn 3.1; SI 58.5), a pomba era símbolo de simplicidade (Os 7.11). Trata-se de um provérbio que dizia respeito a uma com­binação difícil de virtudes a dominar. Uma sem a outra ocasionava problemas. A primeira parte da frase com apvaç em lugar de Trpópocra ocorre em Lucas 10.3.18 A combinação de cautela e inocência é necessária para a proteção das ovelhas e a derrota dos lobos. Por “símplices” (cképoaoi) Moffatt e Goodspeed:traduzem por “since­ros”, “ingênuos”. A palavra significa “não misturado” (a privativo e Kepávyu[ii), “não adulterado”, “genuíno”, “simples” ou “puro”.

10.17. Acautelai-vos, porém, dos homens19 (upoaéxeTe õè <xttò tcúv ávBpGÓTTGOv), caso ablativo com <xitó. “Manter a mente (substan­tivo implícito) longe de”. O artigo com áv8pcÓTT00v simboliza Amcov (lobos) no versículo 16.

Aos sinédrios20 (elç ouvéôpia), os tribunais de justiça que toda cidade judaica tinha. Heródoto usa a palavra para referir-se a um corpo deliberativo (concilium). Tomou-se sinônimo do “Sinédrio” em Jerusalém.

Nas suas sinagogas (kv Taiç ouvayGoycfiç aótcov). O corpo em vez do lugar da adoração. Jesus refere-se à sinagoga como assem­bléia que exerce disciplina eclesiástica. Um exemplo é o homem nascido cego que foi expulso da sinagoga por defender Jesus (Jo 9.35). Depois do exílio babilónico, as sinagogas eram os centros da comunidade onde quer que os judeus morassem.

10.19. Não vos dê cuidado (|if| |iep i|j,vr|ar|Te), um subjuntivo aoristo ingressivo em proibição. “Não andeis, pois, inquietos” (Mt 6.31). “A defesa pessoal diante dos reis judeus e governadores gen­tios seria uma provação terrível para os galileus humildes. A proibi­ção aplicava-se a casos em que a preparação de um discurso de defe­sa seria impossível.”21 “Os mais valentes desses pescadores simples poderiam ficar alarmados se lhes dissessem que teriam de responder por suas ações em prol de Cristo na presença dos conselhos judaicos e dos tribunais gentios.”22 Cristo não está aconselhando os pastores a não preparar sermões.

Naquela mesma hora23 (èv exeíi/fl tfj wpa), se não antes. “O Espírito de vosso Pai é que fala em vós” e por vós (Mt 10.20). Aqui

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

está a diferença entre fazer-se de mártir ou procurar a coroa e fé autêntica de mártir nas quais a total lealdade a Cristo induz o verda­deiro heroísmo.

10.22. Odiados de todos sereis24 (eoeo9e iiiaoú|ievoi), futuro perifrástico passivo, ação linear, com um sentido infinito. Isso con­tinuará ao longo dos séculos.

Por causa do meu nome2' (õià xò õvo|iá |aou). No Antigo Testamento, como nos targums e no Talmude, “o nome” representa a pessoa (Mt 19.29; At 5.41; 9.16; 15.26).

Aquele que perseverar até ao fim 26 (ó ôè ínTOfj.eívaç eíç xéA.oç). Este é um particípio aoristo efetivo, com o futuro do indicativo se- guindo-o.

10.23. Sem que venha o Filho do Homem27 (ecoç a\v eÀGri ó ulòç xoü àvSpcÓTTOU2S). Moffatt traduz: “Antes de o Filho do Homem chegar”, como se Jesus se referisse a esta excursão especial pela Galiléia. Jesus poderia alcançá-los. Isso é possível, mas não está perfeitamente claro. Os exegetas ligam as palavras de Jesus ao mon­te da transfiguração, à vinda do Espírito Santo no Dia do Pentecostes e à segunda vinda. Alguns defendem que Mateus pôs a declaração no contexto errado ou que Jesus estava enganado, uma acusação muito séria. O uso deecoç com um subjuntivo aoristo para um evento futuro é uma boa expressão idiomática grega.

10.25. Belzebu29 (BeeCepouÀ de acordo com B ;30 BeeA.(epouA. 31 segundo a maioria dos manuscritos gregos; Beelzebube32 de acordo com muitos MSS não gregos). A etimologia da palavra é desconhe­cida. É um termo de repreensão, quer signifique “o senhor de habita­ção” com um jogo de palavras com “pai de família” (oLkoôéottÓxtiv) ou “senhor das moscas”, ou “senhor do esterco”, ou “senhor dos sacrifícios idólatras”. É “um epíteto ultrajante; a forma exata da pa­lavra e do significado do nome tem dado mais dificuldade aos co­mentaristas do que vale a pena”33 (ver Mt 12.24).

10.26. Portanto, não os temais34 (Mf] ouv cf)opr|0fjxe aüxoúç). As palavras são repetidas nos versículos 28 e 31 ([iri c|)opeia0x€, pre­sente médio do imperativo aqui em contraste com um aoristo passi­vo do subjuntivo nas proibições precedentes). Note também o caso

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Mateus 10

acusativo com o aoristo passivo do subjuntivo, transitivo embora passivo. A mesma construção é usada em Lucas 12.5. Em Mateus 10.28, a construção está com àm e o ablativo, uma tradução do he- braísmo encontrada em Lucas 12.4.35

10.28. Perecer no inferno a alma e o corpo (kou kccl omlia cboÀéaai kv yeévvr)). Aqui, “alma” significa o espírito etemo e não somente a vida no corpo. “Perecer” não é aniquilação, mas o castigo etemo na geena, o verdadeiro inferno (ver Mt 5.22). Bmce opina que a alusão seja ao Diabo como tentador, e não a Deus como juiz ;36 contudo, o seu raciocínio não é convincente. Temos a tendên­cia a evitar pensar meditativamente sobre o temor de Deus, e não há nada mais importante do que aprendermos isso.

10.29. Dois passarinhos (õúo otpouGía). O diminutivo de otpouGóç significa qualquer pássaro pequeno, em particular par- dais.

Por um centiP1 (àooapíou), genitivo de preço, no Novo Testamento encontra-se somente aqui e em Lucas 12.6. É um dimi­nutivo da designação monetária romana: o asse.

Sem a vontade de vosso Pai38 (aveu tou mrcpòç úp,G)v). O Pai que sabe sobre os passarinhos sabe e se preocupa conosco.

10.31. Do que muitos passarinhos (ttoãàwv oipouGícov), caso ablativo de comparação com ôiacjjépete.

10.32. Qualquer que me confessai29 [...] eu o confessarei:4Ü (oütlç òiioÀoyrjoei kv ê|_iol ... ò(ioÀoynoco Kaycò kv caruô). Esta é uma expressão idiomática aramaica, não é hebraica (ver também Lc 12.8). Essa expressão idiomática aramaica reproduzida em grego significa, literalmente, “confessar em mim”, denotando um sentido de unidade com Jesus e de Jesus com o homem que toma posição aberta por ele.

10.33. Qualquer que me negar41 (ootiç ô’ a\v àpvr\or\xaí |ie), terceira pessoa do singular do aoristo médio do subjuntivo aqui com ootlç, embora o verbo ó(j,oÀoyr|oei, citado acima, esteja na terceira pessoa do singular do futuro do indicativo ativo. Note o uso do acu­sativo como o caso de extensão. Dizer não a Jesus ocasiona uma ruptura completa. Essa divisão feita por Jesus de alguém que o re­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

pudia é uma lei solene, não uma mera desconexão social. É público e final.

10.34. Não vim trazer paz, mas espada (o u k rjA.0ov Podetv elpr|vr)v àXXà |iáxaipav). Este é um clímax arrojado e dramático. O infinitivo aoristo significa uma estocada súbita de espada onde se esperava paz. Jesus traz paz, mas não como o mundo a dá, porque a paz do mundo vem pela derrota da inimizade, não pelo acordo com o mal. Este é o triunfo da cruz sobre Satanás. Ao mesmo tempo, a causa de Cristo significa infalivelmente divisão em famílias, em comunidades, em estados. Não é sentimentalismo piegas que Cristo prega, nem paz a qualquer preço. A cruz de Cristo é a resposta à ofer­ta do diabo de fazer concessões ao domínio mundial. Para Cristo, o Reino de Deus é retidão viril e não mero sentimentalismo.

10.35. Pôr em dissensão42 (õixáoai), literalmente, “dividir em dois”, ôixa. Jesus usa Miquéias 7.1-6 para descrever a mesma po­dridão que vigorava na época que Miquéias condenara. Os laços familiares e as relações sociais formadas neste contexto não podem barrar o caminho à lealdade a Cristo e à vida íntegra.

Nora (vú[ii})r|v), literalmente “noiva”, “jovem esposa”, que fre­quentemente mora na casa da sogra e sob as normas desta. E uma tragédia ver um pai ou mãe entre o filho ou a filha e Cristo.

10.38. Não toma a sua cruz (oi) A.a|i(3ávei t o v oxaupòv caitoO). Esta é a primeira menção de “cruz” em Mateus. Os criminosos eram crucificados fôra de Jerusalém. Era costume o condenado levar a pró­pria cruz, como Jesus fez até Simão cireneu ser pressionado a ajudá- lo. Os judeus estavam familiarizados com crucificação desde os dias, ou antes, de Antíoco Epifânio. Um governante macabeu, Alexandre Janeu, crucificara oitocentos fariseus. Não é certo que Jesus estivesse pensando na sua crucificação que se aproximava quando ele usou essa ilustração. Os discípulos dificilmente pensariam nesse fim, a menos que alguns deles tivessem notável presciência.

10.39. Perdê-la-á (áTTOÀéaei ax>zr\v). De acordo com Willoughby Allen,43 este aparente paradoxo ocorre em quatro formas: 1) Marcos 8.35 é igual a Mateus 16.25, que é igual a Lucas 9.24; 2) Mateus 10.39; 3) Lucas 17.33; 4) João 12.25. Temos em A Sabedoria de

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Mateus 10

Siraque (texto hebraico [ou Eclesiástico]), em 51.26: “Aquele que dá a vida acha a [sabedoria]”. Cristo repete essas declarações pro­fundas em ocasiões múltiplas. Platão44 diz algo semelhante, embo­ra não de forma tão categórica. O artigo e particípios em aoristo (ó eúpdw, ó (ZTToAiaa<;) são atemporais em si mesmos, exatamente como ó õexó|-ievo<; nos versículos 40 e 41.

10.41. Na qualidade de profeta'45 (elç òvo\xa upo4)r|i;ou). Nos papiros de Oxyrhynchus, datados de 37 d.C., encontramos òvò\io~i èÀeuGépou em virtude de ser nascido livre. “Aquele que recebe um profeta por nenhum motivo ulterior, senão simplesmente qua pro­feta (utprophetam , Jer.) receberá recompensa na era vindoura igual ao do seu convidado.”46 A palavra dç aqui é simplesmente kv com o mesmo significado. Não é correto que a palavra elç tenha de ser tra­duzida por “em”. Além desses exemplos de elç õvo|i(x nos versículos 41 e 43, ver também Mateus 12.41, elç tò Kipuyijx^ltovà;47

10.42. A um destes pequenos (eva tcôv |iiKp«v ioÚtjgov). Os “pequenos” são crentes simples que não são apóstolos, profetas ou particularmente justos. São meros aprendizes “em nome de discípu­lo”48 (elç õvo[iC6 |ia0r|TOÜ). Alford opina que as crianças (os “peque­nos”) estavam presentes (cf. Mt 18.2-6).49NOTAS___________________________________________________1 “Rumo aos gentios” (ARA).2 Alexander Balmain Bruce, The Expositor s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 159.3 John Albert Bengel, New Testament Word Studies, vol. 1 (Reimpressão, Grand

Rapids: Kregel, 1971), p. 156.4 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and índices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 134.

5 Bruce, Expositor’s, p. 159.6 “Não leveis ouro” (AEC); “não vos provereis de ouro” (ARA).7 Adolph Deissmann, Light from the Ancient East (Reimpressão, Grand Rapids:

Baker, 1978), pp. 108, 109.8 AiõaaKaA.ía é igual a Const. Apost. 3.6.9 Tróilo e Cressida 3.3.145.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

10 Deissmann, Light from the Ancient East, p. 109.11 “Pois o trabalhador é digno do seu sustento” (NVI).12 TR e TM tornam o verbo êotlv explícito, ao passo que GNT/NA e WH o deixam

implícito ou elíptico.13 Didaquê 13.14 “Se as pessoas daquela casa receberem vocês bem” (NTLH).13 McNeile, Matthew, p. 136.16 “Deus terá mais pena” (NTLH).17 “Como ovelhas entre lobos” (BJ).18 Bernard P. Grenfell and Arthur S. Hunt, editores, New Sayings o f Jesus and

Fragment o f a Lost Gospel from Oxyrhynchus (Nova York: Oxford University Press, 1904).

19 “Guardai-vos dos homens” (BJ).20 “Aos tribunais” (ARA).21 McNeile, Matthew, p. 140.22 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary’ on the Gospel According to Saint

Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 152.23 “Naquele momento” (BJ).24 “Todos odiarão vocês” (NTLH).25 “Por minha causa” (NVI).26 “Mas quem ficar firme até o fim” (NTLH).27 “Antes que venha o Filho do Homem” (NTLH).28 WH não inclui av.29 “Beelzebu” (BJ).30 De acordo com WH.31 De acordo com GNT/NA, TRs e TM.32 De acordo com TRb.33 Bruce, Expositor s, p. 165.34 “Portanto, não tenham medo de ninguém” (NTLH).35 Ver A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 577.36 Bruce, Expositor s, p. 166.37 “Por uma moedinha” (NVI); “por um asse” (ARA).38 “Se o Pai de vocês não deixar” (NTLH).39 “Todo aquele [...] que se declarar por mim” (BJ).40 “Eu me declararei por ele” (BJ).

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Mateus 10

41 “Aquele [...] que me renegar” (BJ).42 “Causar divisão entre” (ARA).43 Willoughby G. Allen, A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel

According to Matthew, International Critical Commentary ( Edimburgo: T. & T. Clark, 1912), p. 111.

44 Gorgias 512.45 Moffatt e a NVI traduzem: “Porque ele é profeta”.46 McNeile, Matthew, p. 150.47 Robertson, Grammar, p. 593.48 “Porque ele é meu discípulo” (NVI); “por ser este meu discípulo” (ARA).49 Henry Alford, The Greek Testament, with a Critically Revised Text, 4 Volumes

em 2 Volumes; The Four Gospels, revisado por Everett F. Harrison (Chicago: Moody, 1958), vol. l ,p . 112.

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Capítulo11

Mateus11.1. E aconteceu que, acabando Jesus (Kal èyéveTO oie

éxéÀeoev ó ’Ir|oouç). Cinco vezes em Mateus, ocorre uma fórmula de transição entre os grandes discursos da narrativa: “E aconteceu que, concluindo Jesus” (7.28); “e aconteceu que, acabando Jesus” (11.1); “e aconteceu que Jesus, concluindo” (13.53); “e aconteceu que, con­cluindo Jesus” (19.1) e “e aconteceu que, quando Jesus concluiu” (26.1).1 A divisão de capítulo não deveria estar aqui, pois 11.1 per­tence à seção precedente.

De dar instruções2 (ôuraxoowv, particípio complementar com èxéÀeoev), significa “dar ordens em detalhes” (ôloc-). Note a expres­são “ensinar e [...] pregar”, como ocorre em Mateus 4.23. Para onde Jesus foi? Ele seguiu atrás dos doze como fez com os setenta (Lc10.1)? Bruce, concordando com Crisóstomo, afirma que Jesus evi­tou os lugares onde eles foram, dando-lhes lugar e tempo para faze­rem a obra.3 Mas, se o próprio Jesus foi para as principais cidades da Galiléia, ele necessariamente visitou muitos dos mesmos pontos. Jesus os teria seguido a certa distância. Os apóstolos se reuniram em Cafamaum e contaram a Jesus tudo que fizeram e ensinaram (Me 6.30). Mateus acompanha o esboço geral de Marcos, mas os eventos

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

não se agrupam em ordem cronológica. O registro bíblico diz que ele “partiu dali a ensinar e a pregar” ((ieiépri êiceiBev toíj ôiôáoKeivK c d K T |p iJ O G € L V ).

11.2. E João, ouvindo no cárcere falar ('O õe ’Icoávvriç àKoúoaç èv tú õeoiiooTqpícp4). Isso provavelmente coincide com a ressurrei­ção do filho da viúva de Naim (Lc 7.18). A palavra traduzida por “cárcere”, ÕÉa|Jtornpiov, é o lugar onde o indivíduo era mantido en­carcerado (At 5.21,23; 16.26; ver Mt 4.12). Era em Maqueros, a les­te do mar Morto, que nessa época estava sob o governo de Herodes Antipas.5 Os discípulos de João Batista tinham acesso a ele. Assim, ele fez uma pergunta “por” (ôiá) eles a Jesus, não por “dois” (õúo) deles, como consta em Lucas 7.19.

11.3. Es tu aquele que havia de vir [...]? (2u eí ó èpxófievoç [;]). Esta frase refere-se ao Messias (SI 118.26; Dn 7.13; Me 11.9; Lc 13.35; 19.38; Hb 10.37). Certos rabinos aplicavam a frase ao precursor do reino.6 Tinha de haver “outro”7 (étepov) depois de Jesus? João Batista tinha estado “bastante tempo na prisão para de­senvolver uma mentalidade de prisão”.8 Outrora estivera claro para ele, mas agora o seu ambiente era deprimente, e Jesus nada fizera para tirá-lo de Maqueros.9 João Batista ansiava por restauração da confiança.

11.4. As coisas que ouvis e vedes (a àKoúftg Kai pA-eueie). Quem tinha de interpretar esta mensagem simbólica era João Batista, e não os seus emissários.

11.5. Os mortos são ressuscitados (yeKpol èYeípovToa). O filho da viúva de Naim fôra ressuscitado. Será que ele também ressuscitou mortos nessa ocasião? “Contai esta história a João repetidamente e fazei com que ele se lembre destes textos proféticos”10 (cf. Is 35.5;61.1). Os elementos da história eram convincentes e mais claros que mero simbolismo escatológico. “Os pobres” em particular têm “o evangelho”, um clímax.

11.6 . Aquele que se não escandalizar em mimu (oç kkv [ar] OKtxv õaA.ia9fj kv qaoí12). Oração gramatical relativa indefinida com aoris- to passivo primeiro do subjuntivo. Esta beatitude é uma reprimenda a João por duvidar, embora estivesse na prisão. A dúvida não é pro­

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Mateus 11

va de superioridade intelectual, erudita ou devocional. João estava mentalmente confuso, e esse não é o momento para tomar decisões sérias. “De certo modo, até João Batista achara motivo de tropeço em Jesus.” 13

11.7. Então, em partindo eles14 (Toúxcov ôè uopeuo|_iévuv), par- ticípio presente em genitivo absoluto. Jesus o elogiou depois que os dois discípulos de João Batista foram embora. Não é lamentável eles não terem ouvido as palavras elogiosas de Jesus para com elas alegrarem o coração de João Batista? “Poderíamos dizer que este foi o discurso fúnebre de João Batista, pois pouco tempo depois Herodias maquinou sua morte.”15

Uma cana agitada pelo vento? (KáÀoc[iov úuò avé^iou craÀeuo|iévov;). KáÀajiOí; (em latim, calamus) refere-se às canas que crescem em abundância no vale do Jordão onde João Batista pre­gava. A palavra é usada para aludir a um bastão feito de cana (Mt27.29), à pena do escritor(3 Jo 13), ou uma vara de medir(Ap 11.1). As canas que havia pelas margens do rio Jordão dobravam-se com o vento, mas João Batista não era assim.

11.9. E muito mais do que profeta (kou Trepiaoóuepov tTpo4)r|tou). Ablativo de comparação. A palavra TrepLooótepov é em si compara­tiva, significando “excedente”, “circundante por” ou “transbordan- te”. João Batista tinha todas as grandes qualidades dos verdadeiros profetas: “convicção moral vigorosa, integridade, força de vontade, zelo destemido pela verdade e justiça”.16 Ele também era o precur­sor do Messias (Ml 3.1).

11.11. Mas aquele que é o menor (ò ôe liiKpÓTepoç). O artigo com o comparativo estava se tomando forma aceitável de superlativo no grego Koivr| vernacular. No grego moderno, é a única expressão idio­mática para o superlativo.17 Os papiros e as inscrições mostram a mes­ma construção. Essa declaração parece paradoxal. João Batista é maior (laeíCoov) do que todos os outros em caráter, mas no Reino ocorre uma troca qualitativa. Hoje, todo crente em Deus goza de posição superior e privilégio maior. João Batista está no fim de uma era (ver Mt 11.14), e outra era está despontando. Todos os que vêm depois de João Batista ficam acima dele. João Batista é o auge entre o velho e o novo.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

11.12. Se faz violência18 (picc(emi). No Novo Testamento, esse verbo ocorre só aqui e em Lucas 16.16. Pelo visto, está na voz média em Lucas. Deissmann19 cita uma inscrição “na qual PidcCo|iai é, sem dúvida, reflexivo e absoluto”, como em Lucas 16.16. Mas em nume­rosos exemplos nos papiros, está na voz passiva.20 “Há pouca coisa que promete ajuda decisiva para o Logion difícil de Mateus 11.12 ser igual a Lucas 16.16.” Em Mateus 11.12, a forma pode ser na voz média ou passiva, e qualquer voz faz sentido, embora os significa­dos respectivos não sejam os mesmos. A ideia da voz passiva é que o Reino é atacado violentamente ou tomado por homens violentos21 (Piaotoà àpTíáCouoiy oorcqv)- É como uma cidade conquistada. A voz média pode significar “sofre violência” ou “força seu caminho”, como o vento forte e impetuoso. Essas palavras difíceis de Jesus significam que a pregação de João Batista “levou o povo em tropel violento e impetuoso a reunir-se em tomo de Jesus e dos seus discípulos”.22

11.14. É este o Elias23 (aútóç kox w ’HÀíaç24). Aqui, Jesus iden­tifica João Batista como o “Elias” prometido em Malaquias. As pes­soas entendiam que Malaquias 4.1 significava que Elias voltaria. João Batista negou que ele fosse o Elias renascido (Jo 1.21). Mas Jesus afirma que João Batista desempenhou o papel de Elias (Mt 17.12). E enfatiza o ponto: “Quem tem ouvidos para ouvir ouça”.

11.16. É semelhante aos meninos que se assentam nas pra­ças25 (ó|ioía èoxlv Traiôíoiç Ka9r||iévoiç kv Tcâç áyopaic;26). Lucas 7.31,32 também apresenta esta parábola de meninos assentados nas praças. E quando era menino em Nazaré, não brincara Jesus com outras crianças? Ele deve tê-las observado muitas vezes, já que se importou muito com elas. De fato, Jesus criou o mundo da criança modema. Ele rejeitou a indiferença que até então se dava às crian­ças. Essas metáforas nos Evangelhos são vívidas. Em casamentos ou funerais, crianças não fingem atitudes de choramingas irritantes. A cr/opá era originalmente a assembléia, depois passou a referir-se ao foro ou praça pública, onde as pessoas se reuniam para comerciar ou conversar (At 17.17). O foro romano servia de mercado, e ainda hoje vemos bazares ao longo das mas, embora não tanto em praças públicas. A palavra traduzida por “lamentações”, éKÓ\|/aa0e, signifi­

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Mateus 11

ca “bater o coração”. É a voz média direta, segundo o costume das lamentações fúnebres no Oriente.

11.19 .A sabedoria é justificada por seus filhos21 (éôiKmoóOr] f] ooctua kttò tjgôv epytov aúrfjc;28), um aoristo infinito na voz passiva.29 Justificada significa “concertada”, “colocada em ordem”. Em Lucas7.35, consta a frase: “Por todos os seus filhos”, a qual alguns manus­critos acrescentam em Mateus, presumivelmente para harmonizar Mateus a Lucas. Essas palavras são difíceis, mas compreensíveis. A sabedoria de Deus planejou uma conduta para João e outra para Jesus. O seu desejo não é que tudo seja exatamente igual em tudo. “Esta geração” (Mt 11.16) é infantil, não pueril, e cheia de inconsis­tências caprichosas em suas reclamações. Eles exageram. João não tinha demônio e Jesus não era comilão nem beberrão. “E, pior que qualquer um dos dois, pois (j)ÍÀoç é usado em sentido ameaçador e insinua que Jesus era companheiro de pessoas da pior reputação e tinha conduta igual a elas. No princípio, era um apelido malicioso, mas hoje é um nome honroso: amigo de pecadores”30 (cf. Lc 15.2). O plano de Deus está justificado pelos resultados.

11.20. A maior parte dos seus prodígios (ai 'nÀgiatai ôuvá|i€L<; aikoí)). Literalmente, “as suas muitas obras poderosas”, se está no caso elativo como ocorre habitualmente nos papiros.31 Mas o super­lativo faz sentido aqui. A palavra ôuvcqiiç traduzida por “prodígios” apresenta a noção de poder, como a palavra dinâmico. A palavra uépaç significa “maravilha” ou “portento”. É miraculum (milagre), como aparece em Atos 2.19 (“prodígios”). Só ocorre na forma plu­ral e sempre com ornaeta. A palavra orpeiov quer dizer “sinal” (Mt 12.38) e é comum no evangelho de João ao lado de epyoy, “obras”, como em João 5.36. Outras palavras usadas são TOpáõo^oç, que está etimologicamente relacionada com paradoxo (Lc 5.26); evòoçoç, “gloriosas” (Lc 13.17); e Gaufiáoioç, “maravilhas” (Mt 21.15).

11.21. Chorazim (Xopa(í.v32) é mencionado aqui e em Lucas10.13. O pouco que sabemos dessa cidade indica a “escassez do que sabemos sobre o judaísmo no tempo de Jesus”33 e as muitas coisas não contadas nos Evangelhos (Jo 21.25). Sabemos algo de Betsaida e mais de Cafamaum além de serem lugares de privilégio.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

11.22. Por issoi4 (uA.fiv). Nenhuma dessas cidades se arrepen­deu e mudou de conduta. Note nos versículos 21 e 23 a condição de segunda classe, dada como não realizada.

11.25. Naquele tempo, respondendo Jesus, disse (’Ev eceívco tcô KmpGÒ (riTOKpiBelç; ó ’Irioouç eiirev). Jesus falou com o Pai em voz audível. Mesmo não sabendo quando e onde isso aconteceu, temos um vislumbre de Jesus em adoração. “É comum dizer que essa conversa maravilhosa é uma oração, mas é ao mesmo tempo oração, louvor e autocomunhão em espírito de devoção.”35 Os crí­ticos sentem-se incomodados, porque essa passagem do Logia de Jesus ou “Q” da crítica sinótica (Mt 11.25-30 é igual a Lc 10.21 -24) é de espírito e linguagem tão manifestadamente joanina, “o Pai” (ó mrcrip), “o Filho” (ó ulóç). O quarto Evangelho foi escrito perto do fim do século I, e qualquer Logia que tivesse existido foi escrito an­tes dos Evangelhos Sinóticos. A única explicação satisfatória acha- se no fato de que Jesus tinha uma linha de ensino que foi preservada no Evangelho de João. Aqui está Jesus comungando com o Pai de modo exatamente sublime conforme vemos em João 14 a 17. Até Adolf Hamack está propenso a aceitar este Logion como declaração genuína de Jesus. “Graças” (ô|ioA.oyoíj[iai) é mais bem traduzido por “louvores” (Moffatt). Jesus louva ao Pai “não porque oo(|joÍ eram ignorantes, mas porque viÍttloi sabiam”.36

11.26. Porque assim te aprouve37 (eúõoKÍa èyévexo ’é|j/íTpoa9év ooi) 38). “Porque assim é segundo a tua vontade benevolente” (Weymouth).

11.27. Todas as coisas me foram entregues por meu Pai39 (Etávra j-ioi rrapeõóOri uttò toíj uatpóç iaou). Esta declaração sublime não será retalhada ou destrinchada por explicações. E o aoristo infi­nito passivo, como eõó9r| em Mateus 28.28, e “aponta um momento do passado na eternidade, indicando a preexistência do Messias”.40 A consciência messiânica de Cristo está claramente declarada nes­se momento de suprema comunhão. Note a ocorrência dupla de êiTLyivGJOKÉi para dizer “conhecer”. Note também poúÀrpm, que quer dizer “quiser; estiver disposto”. O Filho detém o poder e a vontade para revelar o Pai.

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Mateus 11

11.28. Vinde a mim (Aeúte upóç [íé). Os versículos 28 a 30 não constam em Lucas, mas estão entre as preciosidades especiais do Evangelho de Mateus. Esta chamada de Jesus para os cansados e oprimidos é sublime. Os chamados estão em estado de cansaço (IIec|)optLoiiéyoL), nominativo plural masculino do particípio perfei­to passivo.

E eu vos aliviarei (kct/gò txvaTTaúoco ú|iâ<;). Aqui é rejuvenes­cimento e não apenas descanso. A palavra grega é composta àva - uaúoo. E a voz ativa causativa.

11.29. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim (apaTetòv (uyóv k(xl |_ux0ete dar’ è|_ioú). Os rabinos usavamo termo jugo para referirem-se à escola. A palavra escola está eti- mologicamente relacionada à palavra grega o/oai], “lazer”. Mas, na sua escola, Jesus oferece refrigério (àváTrauoiv) e promete tornar o fardo leve, porque Ele é um professor manso e humilde. A humilda­de parecia servil aos antigos; não era uma virtude. Jesus tomou esse vício em virtude. Ele glorificou essa atitude. Paulo exorta: “Cada um considere os outros superiores a si mesmo” (Fp 2.3). Em certas regiões do mundo, ainda hoje as pessoas usam jugos no ombro para tomar os fardos mais fáceis de carregar. Jesus promete que desco­briremos que o seu jugo alivia grandemente o fardo. “Suave” é a tradução correta de xpiptóç; “ameno” (Moffatt). Este é o significa­do do termo quando a Septuaginta a usa no Antigo Testamento. Não temos adjetivo que transmita totalmente a noção de “ameno e bom”.0 jugo de Cristo é útil, bom e suave (cf. Ct 1,10).

11.30. Porque o meu jugo é suave (ô yàp (uyóç |_iou xpriGtòç). “Os rabinos chamavam o jugo da lei pesado. Era um fardo que nin­guém podia suportar. Jesus faz exigências que são comparativamen­te leves.”41

NOTAS1 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matt.hew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and índices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 99.

2 “De instruir” (AEC).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

3 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 169.

4 WH tem só um v,Twcor|<;.5 Josephus, Antiquities o f the Jews, 18.5.2. [Edição brasileira: Flávio Josefo,

História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]6 McNeile, Matthew, p. 151.7 “Algum outro” (NVI).8 Bruce, Expositor’s, p. 169.9 Ver A. T. Robertson, John the Loyal: Studies in the Ministry o f John the Baptist

(Nashville: Broadman, 1977), cap. 9.10 Bruce, Expositor’s, p. 170.11 “Aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (ARA).12 WH tem a variante &v.13 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint

Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 161.14 “Quando os discípulos de João foram embora” (NTLH).15 Plummer, Matthew, p. 161.16 Bruce, Expositor’s, p. 172.17 A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 668.18 “É tomado por esforço” (ARA).19 G. Adolph Deissmann, Bible Studies: Contributions, Chiefly from Papyri and

Inscriptions, to the History o f the Language, 2a ed., traduzido por A. Grieve (Edimburgo: T. & T. Clark, 1923), p. 258.

20 James Hope Moulton e George Milligan, The Vocabulary o f the Greek Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 109.

21 “E violentos se apoderam dele” (BJ).22 Fenton John Anthony Hort, Judaistic Christianity: A Course o f Lectures

(Londres: Macmillan, 1894), p. 26.23 “Ele mesmo é Elias” (ARA). A NTLH acrescenta o nome “João”, embora não

conste no texto grego.24 WH tem uma grafia diferente,’ HÀeíaç, e TRb tem o sinal diacrítico para indicar

aspiração 'H líaç.25 “Ela é como crianças sentadas nas praças” (BJ).26 TM tem uma ordem de palavras diferente além de grafias diferentes, êaxí

TTcaõíoiç kv áyouoâç Kcc0ri|iévoi,; TRs usa o v eufônico em èoxlv e ttcuõíolç kv áyopcâç KaGrpevoii;; TPP tem kaxl iraiõapícaç KaGvuévoiç.

27 “Mas a sabedoria é justificada por suas obras” (ARA).

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Mateus 11

28 TR e TM usam tíkv<s>v em lugar de epytov.29 Robertson, Grammar, pp. 836, 837.30 Bruce, Expositor ’s, p. 175.31 Moulton and Milligan, Vocabulary, vol. 1, p. 79, e Robertson, Grammar, p.

670.32 WH tem uma soletração diferente, XopaÇeíi> .33 Plummer, Matthew, p. 164.34 “Mas” (B.T; NVI); “pois” (NTLH); “e, contudo” (ARA).35 Bruce, Expositor’s, p. 177.36 McNeile, Matthew, p. 161.37 “Porque assim foi do teu agrado” (ARA).38 TR e TM têm uma ordem de palavras diferente que não afeta a tradução, èyéveto

eúõoKÍa.39 “O meu Pai me deu todas as coisas” (NTLH). Esta declaração é igual a que

Jesus fez aos discípulos depois da ressurreição (Mt 28.18).40 Plummer, Matthew, p. 168.41 A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York:

Macmillan, 1911), p. 155.

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Capítulo12

Mateus12.1. Naquele tempo (’Ev eKeívcú xcõ Kcupw), uma declaração

geral sem ideia clara de tempo específico (também ocorre em Mt14.1). Este parágrafo começa com a mesma indicação de prazo como em Mateus 11.25. A palavra Kcapóç significa que isso aconteceu em um momento definido e particular, mas não podemos determiná-lo.

Pelas searas, em um sábado (xote; oáppaaiv ôià xtôv auopíiicov1). Os campos eram de trigo ou cevada, as únicas plantações de grãos. Era costume os viajantes arrancarem grãos. Tal ato não era conside­rado roubo (Dt 23.25).2

1 2 .2 . Os teus discípulos fazem1, (ol laaGrixoú oou ttoioüoiv). Esses críticos estão esperando pela menor chance, e, quando a vêem, atacam repentinamente essa violação das normas farisaicas da ob­servância sabática. Os discípulos estavam arrancando espigas de grãos e esfregando-as entre as mãos para separar o núcleo da palha. Os fariseus consideravam que essas ações eram, respectivamente, colher e trilhar (Lc 6.1). O Talmude proíbe “colheita” de qualquer tipo no sábado.4

12.3. O que fez Davi (xí èuoír|aev Aauiô5), movido pela neces­sidade da fome. Cristo apela para a conduta de Davi (1 Sm 21.6).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Davi e os que estavam com ele fizeram “o que não era lícito” (o oí)K k^ov rjv), que era a exata acusação feita contra os discípulos (o oòk ê £ e m v ) no versículo 2. “Todos os argumentos usados por Jesus voltam-se contra a verdadeira significação do dia como dia de descanso e adoração. O significado não é ser uma escravidão, mas uma bênção. [...] No caso de Davi, o apelo é a um exemplo histórico onde a necessidade supera as regras de adoração.”6

12.6. Quem é maior do que o templo1 (tou kpoü |ieiÇóv8), abla- tivo de comparação, roü lepoü. Qual é o maior? Jesus pode estar se referindo a si mesmo como o Cristo. Pode ser que ele queira dizer que “a obra de Cristo e seus discípulos era de maior importância do que o Templo”.9 “Se o Templo não tinha de ser subserviente às normas sabáticas, quanto menos o Messias!”10

12.7. Os inocentes (touç ávcuTÍouc;). ’Av + aUíoç, não há “ne­nhuma base contra; nenhuma acusação”. O mesmo termo, comum no grego antigo, é usado nos versículos 5 e 7. Jesus cita Oséias 6.6 como fez em Mateus 9.13. Esta é uma profecia pertinente que escapara da atenção dos defensores da literalidade cerimonial e da letra da lei. “No Antigo Testamento a verdadeira adoração sempre era mais importante do que as formas de adoração. Os fariseus não entenderam este ponto.”11

12.8. Porque o Filho do Homem até do sábado é Senhor (icúpLoç yáp èoTiv12 toü aappáxou ó uíòç toíj àvGpcÓTrou). A declaração de Jesus de que o Filho do Homem é o Senhor do sábado e, portanto, está acima dos regulamentos dos fariseus, naturalmente os enfure­ceu ao extremo. Com a expressão Filho do Homem, Jesus precipita a reivindicação ao messiado, e como o Homem representativo ele afirma a sua solidariedade com a raça humana, “representando os interesses humanos”.13

12.10. E lícito curar nos sábados? (El eçeonv toiç oápp aoiv G c -p a T T tÍ ja c a 14) . O uso de el nas perguntas diretas está elíptico e tam­bém parece uma imitação do hebraico.15 Ver também Mateus 19.3. Não é traduzido.

12.12. Quanto mais vale um homem do que urna ovelha? (ttÓoco

ouv õic4>épei ayGpcoTroc; upopátou). Esta é outra das perguntas en-138

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Mateus 12

genhosas de Jesus que vão direto à raiz das coisas. É um raciocínio “com tanto mais razão”: “Por quanto difere um ser humano de uma ovelha? Esta é a pergunta que nem mesmo a civilização cristã respon­deu adequadamente”.16 Os pobres fariseus são deixados na “cova”.

12.13. Estende a mão (’'EKxeivóv oou rnv xelpa17). Provavelmente o braço não estava mirrado, embora não se tenha certeza. Mas Jesus fez o impossível. “E ele a estendeu”, em linha reta, espero, apontando diretamente os fariseus que observavam Jesus (Me 3.2).

12.14. Formaram conselho contra elen (au|ißoi)A,iov elaßov Kat’ aúxou). Uma imitação do latim concilium capere e encontrada em papiros do século II d.C .19 Este incidente marca uma crise no ódio que os fariseus nutriam por Jesus. Eles trancafiaram a sina­goga e foram conspirar com os seus odiados rivais, os herodianos, para matar Jesus (Me 3.6 é igual a Mt 12.14, que é igual a Lc 6.11). “Matarem” (óhToÀéouoiv).

12.15. Sabendo isso (yvouç), particípio ativo no nominativo singular masculino do aoristo segundo de yivoÓGKto. Jesus leu os pensamentos dos fariseus que estavam claros a qualquer um que visse os seus semblantes raivosos.

12.17. Para que se cumprisse (Iva20 TTÀr|pco0r)). Este uso final de 'iva refere-se a todas as obras curativas de Jesus por essa época, con­forme estão resumidas no versículo 16. A passagem citada é Isaías 42.1-4, “uma reprodução bastante livre do original hebraico com ocasionais olhares laterais à Septuaginta”,21 possivelmente de um acervo aramaico de testimonia.22 Mateus aplica a Cristo a profecia sobre Ciro.

12.18. O meu amado23 (ó áyauriTÓç |aou). Esta frase lembra a frase usada em Mateus 3.17, as palavras que o Pai disse no batismo de Jesus.

12.20. A cana quebrada24 (KáÀap,ov ouviexpipiiévov). “A cana esmagada ele não quebrará”, uma cena de compaixão. Notemos o curioso acréscimo silábico em Kaieá^ei (terceira pessoa do singular do futuro ativo do indicativo). Os copistas mantiveram o acréscimo silábico que não pertencia a esse verbo,25 como em Platão.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

O morrão que fumega26 (Xívov Tucj)ó|j.evov), o pavio da lâmpa­da, fumegando, chamejando e apagando. Ocorre só aqui no Novo Testamento. Linho (de que era feito o morrão ou pavio) ocorre em Êxodo 9.31. Imagens vivas que pintam Jesus na mesma tendência que as suas notáveis palavras registradas em Mateus 11.28-30.

12.23. Não é este o Filho de Davi?21 (Mqti oíkóç èonv ô ulòç Aauíô28). A forma da pergunta espera a resposta “não”, mas eles a fizeram assim por causa da hostilidade dos fariseus contra Jesus. As multidões estavam admiradas29 ou “salientavam-se de si mesmas” (fçíotavxo), pretérito imperfeito, descrevendo a situação vivamente. Estavam quase fôra de si de tanta emoção.

12.24. Mas os fariseus, ouvindo isso (oi ôè íap ioaio i áKoúaavTeç). Mateus 9.32-34 apresenta a acusação de que Jesus es­tava em conluio com o príncipe dos demônios, embora o incidente possa ser posterior a este. Sobre “Belzebu”, consulte os comentários em Mateus 10.25. Os fariseus perceberam que o estado de entusias­mo das multidões e a disposição manifesta em crer que Jesus era o Messias (o Filho de Davi) requeriam uma resposta estrénua. Não havia como negar o fato dos milagres, pois o homem que era cego e mudo agora vê e fala (Mt 12.22). Desesperados, sugerem que Jesus faz milagres usando o poder de Belzebu, príncipe dos demônios.

12.25. Jesus, porém, conhecendo os seus pensamentos, disse- lhes^ (elôcòç õè xàç, èv9u|_rr|oeiç oarrây eiTTev oarcoiç31). Agora eles descobrem que oponente forte é Jesus. Por parábolas, por uma série de condições (de primeira classe), por sarcasmo, por pergunta retó­rica, por lógica impiedosa, Ele lhes expõe a insinceridade oca e a futilidade dos argumentos.

12.26. Se Satanás expulsa a Satanás, está dividido contra si mesmo (ei ó Ikrravâç tòv Saxavâv èK(3áÀA.ei, êcj)’ ècarcòv êfiepía9r|). Satanás não expulsa Satanás. Note o aoristo infinito passivo è[j.ep ío9r|, equiparando-se com o aoristo passivo ecfrôaoev de 4)9ávoo no versícu­lo 28 (ver Fp 3.16). As alternativas são especificadas pelos aoristos. Ou Satanás divide-se contra Satanás, ou o Reino de Deus chegou.

12.29. Ou como pode alguém entrar em casa do homem valen­te e furtar os seus bens [...]? (t] ttojç ôúvaraí xiç eioeA.9eiv eiç tt]v

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Mateus 12

oÍK Íav toü Lo%upoíj K ai xà OKeúri aüxou àpm xaaL). Cristo está en­gajado em conflito mortal com Satanás, o homem valente. “Bens”32 (aKeuri) significa utensílios domésticos, mobília ou equipamentos, como em Lucas 17.36 e Atos 27.17, as velas do navio.

12.30. Quem não é comigo (ò |íti gj|v |iex ’ éfioü). Com estas palavras solenes, Jesus traça a linha divisória entre Ele e os seus ini­migos, de então e de hoje. Jesus ainda tem inimigos que o odeiam, assim como odeiam todas as palavras e ações do Espírito. Essas palavras e ações atormentam a consciência rebelde de quem odeia a Deus e põem lenha na fogueira da furia. Cada incrédulo pode ter a escolha. Ou juntamos com (ouváycov) Jesus ou espalhamos (oKopTTtCei) para os quatro ventos. Jesus é o imã dos séculos. Ele atrai ou repele. “Satanás é o perito em espalhar, Jesus é o perito em ajuntar, o Salvador.”33

12.31. Mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos homens (n õè xoü TTVfúfiaxoç |3Àaa4>r||iía), um genitivo objetivo. Este é o pecado imperdoável.

12.32. Mas, se alguém falar contra o Espírito Santo (kuzu, xot> Tiyeú|iatoç xoü àyíou). A forma do pecado imperdoável fica mais clara. Qual é a blasfêmia contra o Espírito Santo? Estes fariseus tinham atribuído as obras do Espírito Santo, por cujo poder Jesus fizera os milagres (Mt 12.28), ao Diabo. Isso era imperdoável, quer nesta vida quer na vindoura (Mt 12.32). Os crentes sempre pergun­tam se eles podem inadvertidamente cometer o pecado imperdoável. Lógico que nem todos ridicularizam a obra manifesta que o Espírito de Deus faz na vida das pessoas e a atribuem ao Diabo.

12.34. Raça de víboras (y e v v rp a r a èx iôvw v). João Batista usa­ra essas mesmas palavras terríveis para condenar os fariseus e sadu­ceus (Mt 3.7). Esses fariseus tomaram o partido de Satanás. A acu­sação de que Jesus estava em conluio com Satanás revela o coração mau que havia neles.

12.35. O homem bom tira boas coisas do seu bom tesouro (ò àya9òç avBpconoç èk tou àyaGoü 9r|oaupoú èi<páA.À,eL àyaGá). O co­ração “esguicha para fôra” (4KpkxXÀ.ei) o que é bom ou mau de acordo com a provisão do tesouro, Gqaaupoíj, que está dentro. O versículo

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

35 é similar a Mateus 7.17-19. Jesus repetia as suas declarações concisas e pungentes.

12.36. Toda palavra ociosa ( u â v p r p a à p y ó v ) . A palavra ine­ficaz e inútil (a privativo e è p y ó v ) . A palavra que não faz bem e, portanto, é perniciosa. É um pensamento solene. Jesus, que co­nhece os nossos pensamentos (Mt 12.25), insiste que as palavras revelem os pensamentos e formem a base justa para a interpreta­ção do caráter (Mt 12.37). Aqui temos o julgamento pelas palavras como em Mateus 25.31-46, onde Jesus apresenta o julgamento pe­las ações. Ambos são provas reais do caráter. Homero falou que as “palavras têm asas” (u x e p ó e v T a ê u é a ) . As palavras que dizemos aqui podem ser ouvidas ao redor do planeta. Quem sabe onde elas param?

12.38. Da tua parte algum sinal34 (octtò o o íj arpciou). Ficamos boquiabertos com a audácia dos escribas e fariseus. Depois de te­rem acusado Jesus de expulsar demônios por estar em conluio com Satanás, eles gentilmente lhe pedem um “sinal”, como se os outros milagres não fossem sinais. “O pedido era descarado, hipócrita, in- sultante.”35

12.39. Uma geração má e adúltera pede um sinaP6 ( r e v e à tto

vrpà K cà | !0 ix a À .iç orpetov è iu ( r ) T e l) . Eles eram adúlteros no que tange a terem rompido os laços matrimoniais que ligavam Israel a Jeová37 (ver SI 73.27; Is 57.3ss.; 62.5; Ez 23.27; Tg 4.4; Ap 2.20).

12.40. A baleia (to G K iyco u ç), um monstro marinho, um peixe enorme. Em Jonas 2.1, a LXX usa a palavra p e y c d ó ). Na lin­guagem popular, “três dias e três noites” pode simplesmente signifi­car três dias. Jesus ressuscitou “ao terceiro dia” (Mt 16.21), não “ao quarto dia”. Trata-se de mera forma mais completa de dizer “depois de três dias” (Me 8.31), “ao terceiro dia” (Me 10.34).

12.41. No Juízo (kv rf) Kpíoei). Nos versículos 41 e 42, Mateus fala de “o Juízo”. Em todas as outras referências, Mateus se refere ao “Dia do Juízo” (rpépa Kpíoecoç; ver Mt 10.15; 11.22,24; 12.36). Lucas 10.14 usa a frase kv ifi Kpíoei.

[Eles] se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis que está aqui quem é mais do que Jonas ( f ie x e v ó r io a v e íç t ò K ijp u y ia a

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Mateus 12

’Icovâ, Kcd Lôoí) uXeíov ’Icovâ coôe). Os ninivitas se arrepende­ram, ao passo que os fariseus ficam criticando desfavoravelmente Jesus. Note que aqui elç é equivalente a kv. Mateus usa o neutro iT/leíov, que quer dizer “o que é mais”, e não o masculino ule ícov, que quer dizer “quem é mais”. A mesma linguagem ocorre nos versículos 6 e 48. Jesus é maior que o Templo, maior que Jonas, maior que Salomão. “Vós continuareis descrendo independente de tudo que eu diga ou faça, e, no fim, vós me matareis. Mas eu ressuscitarei, sinal que vos deixará confusos, caso não vos con­verterdes.”38

12.44. Para a minha casa39 (Elç uòv olkov [íou). E como o demônio descreve o homem em quem ele habitara. “A descrição é irônica, visto estar implícito que ele deixou a vítima voluntariamen­te, como sai um homem de casa para dar um passeio.”40 “Piores do que o primeiro” é um provérbio.

12.46. Sua mãe e seus irmãos (f| [ir|i:r|p kcu ol áõeA4)oi aikoü). Os irmãos de Jesus, filhos mais jovens de José e Maria. Os discípu­los de Jesus não creram na acusação dos fariseus de que Jesus estava em conluio com Satanás. Mas alguns dos seus amigos pensaram que ele estava fôra de si, transtornado (Me 3.21), por causa da agitação e tensão. Era natural que Maria quisesse levá-lo para casa para que ele descansasse e restaurasse as forças. A cena apresenta a mãe e irmãos parados no lado de fôra da casa (ou da multidão). Eles enviam um mensageiro a Jesus.

12.47. As versões Aleph, B, L e a Siríaca Antiga omitem este versículo, como fazem WH .41 É texto genuíno em Marcos 3.32, que é igual a Lucas 8.20. Foi copiado em Mateus de Marcos ou Lucas.

12.49. Eis aqui minha mãe e meus irmãos42 (’Iôou f) |ir|rr|p [íou Kcd oi KôcÂcfjoí |j,ou). Um dramático gesto de mão em direção aos discípulos (os aprendizes) acompanhou essas palavras. Jesus amava sua mãe e irmãos, mas eles não deveriam interferir na obra messiâ­nica. A verdadeira família espiritual de Jesus abrangia todos que o seguissem. Mas era difícil Maria voltar para Nazaré e deixar Jesus com a multidão numerosa e entusiasmada que não lhe dava tempo nem para ele se alimentar (Me 3.20).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

NOTAS___________________________________________________1 TRb e TM omitem o v eufônico, oáfSpaai.2 A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York:

Macmillan, 1911), p. 155.3 “Os teus discípulos estão fazendo” (NVI).4 Robertson, Commentary on Matthew, p. 156.5 WH grafa o substantivo próprio assim AaueCõ, e TR e TM o grafa assim Aapíô.6 Robertson, Commentary on Matthew, p. 156.7 “Algo maior do que o Templo” (BJ); “o que é maior do que o templo” (NVI).8 TR tem |iei(cov„ mas o neutro é o correto.9 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint

Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 173.10 Willoughby G. Allen, A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel

According to Matthew, International Critical Commentary ( Edimburgo: T. & T. Clark, 1912), p. 128.

11 Robertson, Commentary on Matthew, p. 157.12 TR acrescenta kcíl aqui.13 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 183.14 WH, TR e TM têm o infinitivo presente Gepairgúeiv.15 A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 916.16 Bruce, Expositor’s, p. 184.17 TR e TM têm a ordem inversa:’'E ktê Lvov ttiv x€~LP“ oou-18 “Tramaram contra ele” (BJ).19 G. Adolph Deissmann, Bible Studies: Contributions, Chiefly from Papyri and

Inscriptions, to the History o f the Language, 2a ed., traduzido por A. Grieve ( Edimburgo: T. & T. Clark, 1923), p. 238.

20 TR e TM têm ouwç em lugar de Iva.21 Bruce, Expositor’s, p. 185.22 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 172.

23 “Aquele que amo” (NTLH).24 “Não quebrará o caniço rachado” (BJ).25 Robertson, Grammar, p. 1.212.

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Mateus 12

26 “O pavio fumegante” (NVI).27 “Será que este homem é o Filho de Davi?” (NTLH).28 TR e TM têm a grafia Aa(3í5, e WH tem a grafia AaueíS.29 “Toda multidão ficou espantada” (BJ).30 “Mas Jesus conhecia os pensamentos deles e disse” (NTLH). O nome Jesus

encontra-se nas versões AEC, BJ, NTLH, NVI, ARA, ARC e no TR, mas não no texto grego de WH e GNT/NA.

31 TR e TM incluem ó’Ir|ooi)Ç aqui.32 “Pertences” (BJ).33 Bruce, Expositor’s, p. 188.34 “O senhor fazer um milagre” (NTLH); “um sinal miraculoso feito por ti”

(NVI).33 Bruce, Expositor’s, p. 191.36 “Uma geração má e adúltera busca um sinal milagroso” (BJ). Para inteirar-se

de prova da maldade que vigorava na época, ver Josephus, Wars o f the Jews, 5.10.5. [Edição brasileira: Guerras dos Judeus. Volumes I ao VIII (Curitiba: Juruá, 2002).]

37 Plummer, Matthew, p. 182.38 Bruce, Expositor’s, p. 191.39 “Para a casa” (NVI).40 McNeile, Matthew, p. 183.41 Este versículo está incluído entre parênteses em GNT/NA. TR e TM o in­

cluem.42 “Aqui estão minha mãe e meus irmãos” (AEC).

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Capítulo13

Mateus13.1. Naquele dia1 (’Ev Trj niiépa èiceívi]2). Mateus coloca

este grupo de parábolas no mesmo dia em que foi feita a acusa­ção blasfema e a visita da mãe de Jesus. Conhecemos esse dia como “o dia cheio”, porque Mateus conta muita coisa sobre esse dia. Serve de exemplo de muitos outros dias cheios de estresse e tensão.

Estava assentado junto ao mar3 (eK«0r|TO uapà Qálaaoav). O caso acusativo não é problema. Jesus saiu da casa sufocante e tomou assento na orla da praia. “Estava assentado”, èf<á0r|TO, é a terceira pessoa do singular da voz média/passiva depoente do imperfeito do indicativo. Nesta cena pitoresca, as pessoas esta­vam espalhadas para cima e para baixo ao longo da praia.

13.2. E toda a multidão estava em pé na praia4 (kkI uaç ó õxAoç 6ttí tòv aiYi.aA.0y elaTtÍKei.. Tempo pretérito perfeito com sentido de imperfeito, “tinha ficado de pé” e, portanto, “estava parada” . Note o acusativo com èui, “em” a praia onde as ondas quebram. A palavra aL.YiaA.0c; é derivada de aAç, “mar”, e ayvi)|j.L, “quebrar”, ou de aíoaco, “apressar”. Jesus teve de sentar-se em um barco para escapar da compressão da multidão.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

13.3. E falou-lhe de mintas coisas por parábolas5 (kcíI klálr\o£v aikoLç uoAla èv rapapoÀcuc;). Esta é a primeira vez que tantas parábolas são registradas juntas e com esta extensão. Diversas constam em Lucas 12 a 18 e Mateus 24 a 25. Mateus já nos deu a parábola do sal e da luz (Mt 5.14-16), das aves e dos lí­rios (Mt 6.26-36), do argueiro e da trave (Mt 7.3-5), da árvore boa e da árvore ruim (Mt 7.17-19), dos construtores prudentes e dos construtores insensatos (Mt 7.24-27), do pano novo em vestido velho e do vinho novo em odres velhos (Mt 9.16,17) e dos me­ninos nas praças (Mt 11.16,17). Não sabemos quantas parábolas Jesus falou nessa ocasião. Mateus menciona oito parábolas: do semeador, do joio, do grão de mostarda, do fermento, do tesouro escondido, da pérola de grande valor, da rede e do pai de família. Marcos acrescenta a Parábola da Candeia (Me 4.21-23 é igual a Lc 8.16-18) e a Parábola da Semente (Me 4.26-29). Marcos 4.33 e Mateus 13.34 dão a entender que houve outras parábolas. A palavra parábola (TiapaPoÀrí derivada de Tiap(xpáÀA.(jo) significa “colocar ao lado para medida ou comparação como parâmetro”. Ela ilustra a verdade espiritual ou moral. A palavra é ocasional­mente empregada para ditos sentenciosos ou provérbios (Mateus 15.15; Marcos 3.23; Lucas 4.23; 5.36-39; 6.39) ou uma figura ou tipo (Hebreus 9.9; 11.19). Os Evangelhos Sinóticos usam com­parações parabólicas, como a Parábola do Semeador, e ilustra­ções não-comparativas, como a Parábola do Rico Insensato e a Parábola do Bom Samaritano.6 O discurso do Oriente Médio “se expressa em uma multiplicidade de tais formas de expressão”.7 O Antigo Testamento e o Talmude contêm parábolas, mas as de Jesus estão em uma categoria própria. Jesus segurou o espelho bem alto na natureza para lançar luz sobre a verdade. A fábula descreve coisas que não existem. A parábola pode não ser fato, mas poderia ser. Está em harmonia com a natureza do caso. A alegoria (áÀÀTiyopía) é uma parábola expressiva que é auto-ex- plicativa. O Peregrino, de John Bunyan, é um exemplo clássico. Todas as alegorias são parábolas, mas nem todas as parábolas são alegorias. O filho pródigo é alegoria (Lc 15.11-32), como é

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Mateus 13

a videira verdadeira (Jo 15.1-11). Em vez da palavra parábola, João recorre a um ™ pot|iía, “um dito de passagem” (Jo 10.6;16.25,29). Cada parábola de Jesus ilustra um ponto principal e os detalhes são incidentais. Se os detalhes tiverem significado, Jesus os explica. Muita heresia tem surgido de esforços fantás­ticos de ler excessivamente as parábolas. No caso da Parábola do Semeador (Mt 13.3-8), Jesus dá a exposição cuidadosa (Mt 13.18-23). Na mesma ocasião, Jesus explica por que se serviu de parábolas (Mt 13.9-17).

Eis que o semeador saiu a semears (’Iôoi) è f|À0ev ó OTTeípGJv xou aireípeiv). Mateus gosta muito desta palavra exclamativa ’lôoú. (“eis”). E “o semeador” e não “um semeador”. Jesus espe­ra que vejamos o homem adiantando-se para começar a espalhar sementes com a mão. As parábolas de Jesus são imagens verbais vívidas. Para entendê-las, temos de vê-las com os olhos de Jesus. Cristo compunha as parábolas de acordo com objetos e situações bem conhecidos.

13.4. Quando semeava9 (év tcô aneípeiv auuòv). Literalmente, “na semeadura quanto a ele”, linguagem distintamente grega. O caso locativo com o infinitivo ativo articular do presente.

Ao pé do caminho10 (irapà xr\v óôóv). Caminhos de acesso que cercam os campos. Na agricultura mais primitiva, os campos não eram tão claramente esquematizados ou profundamente ara­dos. Por isso, as pessoas faziam caminhos pelo meio dos campos arados. As sementes caiam e ficavam nas trilhas compactadas pelo uso frequente.

E comeram-na11 (Kaié^ayev aútá). Literalmente, “comeram- na toda”. Terceira pessoa do singular do aoristo segundo ativo do indicativo Kaxeo0ío) (um verbo defectivo ou depoente).

13.5. Pedregais (tà netpióôri). Nesse país de pedra calcária, bordas de pedra sobressaem-se e são cobertas por camadas rasas de terra.

Logo nasceu12 (ev>0éa)ç è^avéTeiÀev). “Cresceu de uma vez” (Moffatt). Palavra composta dupla (è£, para fôra do solo, àva, para cima). Aoristo ingressivo de k^avazéXXo).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

13.6. Mas, vindo o solu (rjÀíou õè ávaTeíÀavxoç). O mesmo verbo que ocorre no versículo 5, com exceção da ausência de è£, um genitivo absoluto de ãvaTéÀÀ.Go. “Tendo o sol se levantado de um salto”.

13.7. E outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram14 e sufocaram-na15 (4ttl xàç ài<áv9aç, «ai à.vk$r\ouv a i aKavGai «ai eirvi£av16 aútá). Os espinhos não “nasceram” como no versícu­lo 5, pois aqui ocorre um verbo diferente, que significa “vieram para fôra” do solo. As sementes dos espinhos já estavam na terra. Os espinhos tiveram um começo rápido, como têm as ervas dani­nhas, e, literalmente, “sufocaram-na” (eirvitav, o aoristo efetivo de àuoTTyLyco; ver Mt 18.22). Lucas usa òlví v Í ^ acerca do afoga­mento dos porcos (Lc 8.33).

13.8. Deu fruto (êôíôou Kapiróv). O tempo verbal muda para o pretérito imperfeito de ôÍõgo[_ii, “dar”. Havia frutificação contínua.

Um, a cem (o [ièv eKaxóv). A produção centuplicada significa que foram colhidos cem grãos para cada um plantado. Pelos pa­drões atuais, não é produção tão grande, mas para a agricultura an­tiga da Palestina era muito boa (cf. Gn 26.12). Wetstein dá exem­plos de produção centuplicada na Grécia, Itália e África. Heródoto diz que na Babilônia os grãos produziam duzentas e até trezentas vezes mais.17 Claro que esse fato ocorria em virtude da irrigação, como no vale do Nilo.

13.9. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça (ó e^cov wxa aKOuéxco18). Frase que também ocorre em Mateus 11.15 e 13.43. Até Jesus teve de exortar as pessoas para prestarem atenção e en­tenderem as suas declarações, especialmente as parábolas. As pa­lavras de Jesus exigem reflexão e são enigmáticas.

13.10. Por que lhes falas por parábolas?19 (Alà xí2ü kv Tiapa(3oA.atç ÀaXeiç aúxoiç). Já os discípulos estavam confusos quan­to ao significado desta parábola e à razão para ensinar com essas histórias. Por isso, perguntaram. Jesus estava acostumado com per­guntas e sobrepujava aos outros mestres nas respostas que dava.

13.11. Conhecer os mistérios21 (yvGJvai xà |iuaxripta). Aoristo segundo do infinitivo ativo de ylvgÓokgú. A palavra |iuatripiov é

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Mateus 13

derivada de ^uoTriç, “o iniciado”, e daí derivada de |auéu (j-iúoo), “fechar” ou “trancar” (latim, muíus). As religiões de mistério do Oriente tinham todos os tipos de segredos e sinais, como as so­ciedades secretas ainda têm hoje. Mas os iniciados os conheciam. Assim, os discípulos eram iniciados nos segredos do Reino dos céus. Paulo fala do mistério outrora oculto, mas que hoje é reve­lado ou tornado conhecido em Cristo (Rm 16.25; 1 Co 2.7). Em Filipenses 4.12, Paulo diz que aprendeu ou foi iniciado ([ie[iúr||_uu) no segredo de viver em dependência do que Deus provê. Jesus ex­plica que as parábolas estão abertas aos discípulos, mas fechadas aos fariseus hostis. Nos Evangelhos, a palavra puoTipiov só é usa­da aqui e nas passagens paralelas de Marcos 4.11 e Lucas 8.10.

13.13. Por isso, lhes falo por parábolas (õià toü to év TTapa[3o7aiç kijtolç Xaltô). Jesus pode continuar pregando os mis­térios do Reino que os fariseus jamais compreenderão o que Ele está dizendo. Por outro lado, Ele está ansioso que os discípulos recebam conhecimento pessoal (yvcôvai-, Mt 13.11) desses mes­mos mistérios. Assim, Ele explica em detalhes o que quer ensinar pelas parábolas. Note a posição de úpeiç. Ele insiste que prestem atenção nas explicações que dá.

Porque eles, vendo22 (òti pAiTTovteç). Nas passagens paralelas em Marcos 4.12 e Lucas 8.10, encontramos a palavra 'iva com o subjuntivo. Isso não significa necessariamente que em Marcos e Lucas a palavra 'iva seja igual à palavra ô tl com o sentido causal, embora haja alguns exemplos raros de tal uso no grego recente.23 Mateus tem “uma adaptação de Isaías 6.9,10, que é citado por inteiro nos versículos 14 e 15” .24 Mateus apresenta um aparente paradoxo: As pessoas vêem por fôra, mas não em realidade (cf. Jo 9.41).25 A linguagem em Mateus não dá problema, salvo em comparação com Marcos e Lucas. A forma ouvioüoiv é uma forma verbal em co (ouvíoo) em lugar do verbo em |ii (auví.r||j.i) comum no grego Koivr|.

13.14. Se cumpre26 (àvauAripoÜTai). Terceira pessoa do singu­lar do presente aoristo passivo do indicativo. Jesus mostra o cum­primento. A fórmula 'iva ou ottoúç TrÀwpfíGri tò pf|9ev (“para que as

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

palavras se cumprissem”; por exemplo, Mt 1.22) não é habitual de Mateus. O verbo óvct-nA.ripóco ocorre nas Epístolas Paulinas, mas em nenhuma outra parte nos Evangelhos. Significa “encher completa­mente como um copo”, “encher o lugar de outro” (1 Co 14.16), ou “encher completamente o que está faltando” (Fp 2.30). Aqui, significa que a profecia de Isaías 6.9,10 se satisfaz na conduta dos fariseus. Há dois modos de reproduzir a expressão idiomática he­braica (infinitivo absoluto), um por áicor), o outro por PÂÍttovtéç. Note a negação forte oí) \ir\ com um subjuntivo aoristo.

13.15. Está endurecido27 (eiTaxúvGri). Terceira pessoa do sin­gular do aoristo passivo do indicativo. Derivado de Tráxuç, “gros­so”, “gordo” ou “robusto”. O significado é que o coração se dege­nera com calos ou com gordura.

Ouviu de mau grado com seus ouvidos28 (toiç woiv Papéwç TÍKOuaav), outro aoristo. Literalmente, “ele ouviu (ou ouve) pesa­damente com os ouvidos”.

Fechou os olhos (xouç òc|)9aA.|_ioí)<; airucôv éicáf4 ii)aav). O verbo épico e vernacular Koqi|iú«, “fechar”. O verbo hebraico em Isaías 6.10 significa “cobrir em cima de”. Os olhos podem ser cobertos com cera ou catarata e, assim, são fechados. “Lacrar os olhos era um castigo oriental”29 (ver Isaías 29.10; 44.18).

Para que não (iiiÍitoxé). Este propósito negativo como julga­mento é deixado na citação de Isaías. Trata-se de um pensamento solene para todos que lerem ou ouvirem a Palavra de Deus.

E eu o cure (Kcd láoo|ioa oojtoÚç). A Septuaginta muda para o futuro do indicativo em lugar do subjuntivo do aoristo, como antes.

13.16. Mas bem-aventurados [felizes] os vossos olhos (u|icôv ôè [Micápioi ol ócj)9cd[ioi). Uma beatitude para os discípulos em contraste com os fariseus. Ver em Mateus 5.3 para inteirar-se da análise de “bem-aventurados” ou “felizes”.

13.18. Escutai vós, pois, a parábola30 ('Y|iei<; o5v aKoúoaTe •ur)y irapapoÀTÍv). Em Mateus 13.13, Jesus apresentou uma razão para o uso de parábolas. Por serem estagnados espiritualmente, os fariseus trouxeram sobre si este julgamento de não entenderem a palavra anunciada por Jesus.

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Mateus 13

13.19. Ouvindo alguém (ttkvtcx; àKoúovxoç). Particípio pre­sente do genitivo absoluto, “enquanto todo o mundo está ouvindo e não está entendendo” (|ifi ouviévioç, “não pondo junto”, “não juntando” ou “não agarrando”, “não segurando”). Talvez, naque­le preciso momento, Jesus observou um olhar confuso em alguns rostos.

Vem o maligno e arrebata (ep^erai ô uovripòç Kal ápTTá(ei). Os pássaros apanham as sementes enquanto o semeador semeia. O Diabo está sempre ocupado arrebatando ou apoderando-se, como um bandido, da palavra do Reino antes que ela tenha tempo de germinar.

O que fo i semeado no seu coração (tò koi\ap[iévov kv tr| Kapôía aikoü). Particípio no acusativo neutro singular do perfeito passivo de oueípco, “semear”.

Este é o que (oíkóç èoxiv ó). Mateus, como Marcos, fala das pessoas que ouvem as palavras como a própria semente. Isso cria certa confusão nesta forma condensada do que Jesus de fato disse, mas a lição que Ele quer ensinar permanece clara.

Foi semeado ao pé do caminho31 (ó rapà ir]v òõòv cmapeíç), Particípio no nominativo masculino singular do aoristo passivo. A semente no coração não é responsável por esta perda ao longo do caminho. Em termos humanos, a culpa é de quem deixa o Diabo arrebatar a verdade.

13.21. Mas não tem raiz em si mesmo32 (oúk exeL õe píÇav kv èctUTÚ; cf. éppiÇcóiievoL em Cl 2.7 e E f 3.17). A pessoa não tem a estabilidade de uma árvore com raízes profundas e fortes. Houve durante a noite “crescimento em forma de cogumelo” que durou por certo tempo (upóoKaipoç). Mas o que teve germinação rápida foi temporário, e a pessoa se ofendeu (oKavôaA.íCerai,). Essa é des­crição de pessoas que, em um momento de emoção, querem seguir a Jesus Cristo. Mas, de um dia para outro, afastam-se e desistem, porque não houve a realidade da fé salvadora.

Angústia33 (0Àí\|/ecjç). Derivado de GAip«, “apertar”, “opri­mir”, “espremer” (cf. Mt 7.14). A palavra tribulação, usada em algumas traduções (BJ; NVI), vem do latim tribulum, que era o

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

rolo usado pelos romanos para amassar trigo. “De acordo com a antiga lei da Inglaterra, os que voluntariamente se recusassem a defender-se recebiam pesos pesados no peito, e eram apertados e esmagados até a morte. Isso era literalmente GÀLij/ic;.”34

13.22. Sufocam a palavra (ai)|iTTvíyei33 tòv Àóyov). No versí­culo 7, Mateus usou a palavra “sufocar para fôra” (“su­focaram”). Aqui, o termo é ou|_iTrvíyeL, “sufocar junto”. Ambos os sujeitos são agregados no presente histórico do singular. “O desejo ardente por dinheiro e as preocupações desta vida estão juntos e entre eles saqueiam de muitos a natureza religiosa séria” ;36 são de fato “espinhos”. Os espinhos surgem, e o caráter adoece e morre, sufocado até à morte pela falta de alimento, ar e sol espirituais.

13.23. E dá fru to 37 (oç ôf) KctpiTocjiopei). Alguns, na verdade (õrj), frutificam (cf. Mt 7.16-20). O fruto revela o caráter da árvore e o valor do caule como talo de trigo. O caule, que não for nada mais que palhiço e palha, é inútil. As primeiras três classes não dão fruto, mostrando que elas são não salvas. Toda pessoa que per­tence ao Semeador é frutífera. A lição da parábola explicada por Jesus é precisamente esta: a diversidade nos resultados da semente semeada de acordo com a terra onde cai. Todos os professores e pregadores sabem que as coisas são assim. É tarefa do professor, como semeador, semear a semente certa, a palavra do Reino. A ter­ra determina o resultado. Hoje em dia, certos críticos desprezam a interpretação dada por Jesus a esta parábola, porque julgam-na demasiadamente alegórica, muito rica em detalhes. A explicação dada por Jesus não era essa. O problema é que os estudiosos não estão de acordo quanto ao ponto principal da parábola. O propó­sito dessa parábola não era explicar todos os problemas da vida humana; ela apenas prova o seu ponto de vista.

13.24. [Jesus] propôs-lhes outra parábola38 (”AA,Àr|v uapaPoÀriv TTapé0r|Kev Kiruoiç). Esta introdução ocorre novamente no versículo 31. Ele colocou outra parábola ao lado de (uapá) uma já dada e ex­plicada. O mesmo verbo, TTapocOeivou, ocorre em Lucas 9.16.

E semelhante39 ('Q|_ioiG$0 r |). Aoristo infinito do indicativo e uma maneira comum de introduzir essas parábolas do Reino, onde

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Mateus 13

se faz uma comparação (Mt 18.23; 22.2; 25.1). O caso de <xv0pa)iToi é instrumental associativo.

13.25. Dormindo os homens40 (èv ôè tg ô KaGeúõeiv t o u ç (xyGpútTOuç). Mesmo uso do infinitivo presente articular com èv e o acusativo, como ocorre no versículo 4.

Semeou o jo io 41 ( è T r é o i r e i p e y 42 ( L Ç á v i a ) . Literalmente, “se­meou sobre”, “resemeou” (Moffatt). O inimigo semeou “o joio” deliberadamente. Tecnicamente, a palavra ÇiÇávia não se refere ao joio, mas ao joio com praganas, um trigo bastardo. O inimigo semeou joio “em cima de”, 4 t t l , o trigo bom. Esse joio, lolium temulentum, é comum na Palestina e assemelha-se ao trigo, a não ser pelos grãos que são pretos. Antes de amadurecer, o joio é indistinguível do trigo, não podendo ser capinado até perto da colheita.,

13.26. Apareceu também o joio ( t o t é écjjccvri K o à T a ÇiÇáma). O joio “ficou claro”, êcfjávr), terceira pessoa do singular do aoristo segundo do indicativo, aoristo efetivo passivo de (Jmyco, “mos­trar”.

13.29. Para que [...] não arranqueis também o trigo com ele ( è K p i ( w o r ) T e a | i a a Ú T o i ç TÒy o l t o v ) . Literalmente, “arraigar para fôra”. É fácil desfazer-se das raízes de trigo e joio misturadas. Assim, a palavra auXÀiyovTÉç não é “juntar para cima”, mas “jun­tar junto”, aqui e nos versículos 28 e 30. Note outros verbos com­postos: “crescer junto” (oúauÇáyeaGai); “queimar para cima” ou “incinerar” ( K c a a K c â i a c c i ) ; “trazer junto” ( o u y a y á y e T e ) .

13.30. No meu celeiro (T-qy áiToGriKriy fiou). Ver Mateus 3.12;6.26. Silo, armazém, lugar para guardar coisas.

13.31. É semelhante ('0|ioía ê o T Í v ) . Adjetivo de comparação com instrumental associativo, como ocorre nos versículos 13, 44, 45, 47, 52.

Um grão de mostarda (kokkco aiyKTTe«ç), um único grão em contraste com o coletivo ouépiia (Mt 17.20).

Um homem, pegando dele, semeou43 (Àapàv âyBpooTTOc; eoTieipey). Fraseado vernacular, como o hebraico, e estilo plena­mente coloquial no grego Koivr\.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

13.32. Uma árvore (ôévôpov). “Não de natureza, mas de tama­nho.” “Um exagero desculpável no discurso popular.”44

13.33. O Reino dos céus é semelhante ao fermento45 ('Ofioía êotlv ri paoiA-eia tgôv oúpavwv Cú|-ifl), em seu poder de penetra­ção. Curiosamente, há pessoas que negam que Jesus aqui compare o poder expansivo do Reino dos céus com o fermento, porque, dizem, o fermento é símbolo de corrupção. Mas a linguagem de Jesus não tem de ser explicada por tal malabarismo exegético. O Diabo é comparado a um leão (1 Pe 5.8), mas Jesus é “o Leão da tribo de Judá” (Ap 5.5). A natureza do fermento é introduzir-se na farinha (áÀeúpou) até que tudo fique fermentado. Não há sim­bolismo oculto no fato de que há três medidas. Era apenas uma quantidade comum para assar pão. T. R. Glover propõe que Jesus pode ter se lembrado de sua mãe usando três medidas de farinha de trigo para fazer pão .46 Procurar uma referência à Trindade aqui é errar totalmente. A palavra traduzida por fermento, (ú|JT), é deri­vada de (<égú, “ferver” ou “fervilhar”. Era comum à fermentação, outro processo de penetração.

13.35. Publicarei (èpeú^o|icci). Expedir como um rio, gargare­jar, vomitar, a paixão de um profeta (dos SI 19.2; 78.2). O salmista afirma que profere “coisas ocultas desde a criação do mundo”, e Mateus aplica essa linguagem às palavras de Jesus. Certamente, a vida e ensino de Jesus lançaram uma torrente de luz nos propósitos de Deus que há muito tempo estavam ocultos (KeKpu|_i|j,év(x).

13.36. Explica-nos (Aiaaá^riaov47 t](j,lv). Tempo aoristo de urgência, também ocorre em Mateus 18.31. “Explique tudo com­pletamente agora mesmo”. Os discípulos esperaram até que eles estivessem a sós com Jesus em casa para pedirem ajuda com a Parábola do Joio e do Trigo. Lógico que eles tiveram menos difi­culdade com as Parábolas do Grão de Mostarda e do Fermento.

13.38. O campo é o mundo (ó ôè áypóç êoTiv ó koo|j,oç). No grego, o artigo com as duas palavras “campo” e “mundo” significa que o sujeito e o predicado são de extensão ou duração igual e, portanto, intercambiáveis. A semente boa e o joio são semeados no mundo, não no Reino, a igreja.

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Mateus 13

13.39. A ceifa é o fim do mundo (ó ôè Gepiopòç awxéleia altô vóç kauiy48). A separação ocorrerá na consumação dos séculos, o tempo da colheita. Enquanto isso, todas as sementes crescem jun­tas no campo, que é o mundo.

13.41. Do seu Reino (c-k r f |ç p a a iÀ e ía ç a m o u ) . Para fôra do meio do Reino, onde o governo de Deus se estende e onde os bons e os maus estão misturados (cf. ék [iiaou tw v õiK aícov em Mt13.49, “dentre os justos”). Da mesma forma que o trigo e o joio estão misturados no campo até serem separados na colheita, assim o mau e o bom estão misturados no mundo até serem separados. Jesus não quer dizer que a semente ruim que “causa escândalo” ( t à GKávôaÀa) seja os membros do Reino. Mais exatamente, as sementes ruins estão misturadas no campo com o trigo, e Deus as deixa até que chegue o tempo da separação. O destino delas é “a fornalha de fogo” ( t f |v K a^uvov toü uupóç , Mt 13.42).

13.43. Os justos resplandecerão como o sol (Tóte ol ôÍKatoL èKÀ.cqa\|/oiKJiv óç ó í]Àio<;). Brilhar como o sol que aparece de trás de uma nuvem49 e afugenta as trevas depois que ocorreu a separa­ção (cf. Dn 12.3).

13.44. E escondeu50 (eKpmj/ev «aí). O tesouro foi escondido novamente até que a pessoa tivesse o direito a ele; não se trata de falta de integridade. “Escondeu-o talvez para evitar que fosse rou­bado, ou impedir a si mesmo de antecipar a compra do campo.”M Mas mesmo que tivesse sido uma prática questionável, esse não é o ponto. O Reino de Deus tem um valor enorme para o qual não há sacrifício que seja demasiadamente elevado para fazer.

13.45. Negociante (è|iuópco). Esse tipo de negociante é um agente comercial ambulante, ou um vendedor de porta em porta do tipo “caixeiro-viajante”, um “tocador de tambor”, porque ele tocava um tambor para anunciar a chegada quando se aproximava dos limites de uma casa.

13.46. Foi, vendeu (árreÀBGÒy TT<ÉTTpaKev). Literalmente, “ele foi embora e vendeu”. O presente perfeito do indicativo, o perfeito dramático de quadro vívido. Então, ele a comprou. Os tempos pre­sente perfeito, imperfeito e aoristo misturado com ação viva.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

13.47. Uma rede (aayr|vr]). Em latim, sagena. As pontas eram estendidas e juntadas. Este é o único uso da palavra no Novo Testamento. Da mesma maneira que o campo é o mundo, assim a rede de arrastão pega todo tipo de peixe que esteja no mar. A separação vem depois. Marvin Richardson Vincent cita pertinente­mente Odisséia, de Homero (22.384-389), onde os litigantes mor­tos nos corredores de Odisseu são comparados a peixes na praia apanhados por redes com miríades de armadilhas.52

13.48. Cestos53 (ayyr|54). Aúnica ocorrência no Novo Testamento, embora em Mateus 25.4 ocorra um termo semelhante para referir-se a um frasco de óleo, a|yyeíov.

13.52. Instruído acerca do Reino dos céus55 (|ioc0r|T€i)0el<; tf) PaoLÀeía56 ucôv oüpavów). Nominativo singular masculino do aoris- to primeiro do particípio passivo. O mesmo verbo é usado na forma transitiva na Grande Comissão (Mt 28.19). Aqui um escriba toma- se instruído acerca do Reino. “O mero escriba, de espírito rabínico, produz só o velho e o rotineiro. Semelhante ao Mestre, o discípulo do Reino sempre é voltado para o novo. Contudo, ele sabe ava­liar todos os antigos tesouros espirituais da Escritura Sagrada ou da tradição cristã.”57 Esse escriba crente tem um tesouro especial, guardando o que vale a pena preservar da tradição (raAmá) e substi­tuindo o que é obsoleto por coisas novas (icoavá). Essa pessoa “tira” (ètcpctAlei) ambos os tipos de coisas.

13.55. Não é este o filho do carpinteiro? (oí)% outóç koxiv ó toü xéKTOvoc; ulóç). José pode ter sido o famoso, o principal ou até o úni­co carpinteiro/pedreiro de Nazaré até Jesus começar sua profissão. As pessoas de Nazaré não compreendem como alguém proveniente dessa origem e ambiente respeitáveis e medíocres poderia possuir a sabedoria que Jesus demonstrava por seus ensinos (èõíõacJKev, Mt 13.54). Eles conheceram José, Maria, os irmãos (quatro deles cita­dos por nome) e as irmãs (nenhuma citada por nome). Como o filho de José, Jesus passou por aqui e estes eram os seus irmãos e irmãs mais novos (tecnicamente, meios-irmãos e meias-irmãs).

13.57. E escandalizavam-se nele (kocÍ êaKavôaÀLCovTO kv uv ’xô). Pretérito imperfeito gráfico passivo. Literalmente, “eles tro­

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Mateus 13

peçavam nele”, “eles foram repelidos por ele” (Moffatt), “eles vi- raram-se contra ele” (Weymouth). Era imperdoável que Jesus não fosse tão comum quanto eles.

Não há profeta sem honra (OÚk eoxiv Trpod)r|xr|c; aTi|ioç). Este provérbio comum acha-se na literatura dos escritores judeus, gregos e romanos, como também no Logia de Jesus.58

13.58. Muitas maravilhas (ôuvá|j.eiç TroAAáç). Literalmente, Jesus não mostrou “muito poder” em Nazaré. Jesus não faria mila­gres no meio de tal “incredulidade” (caucruíav) entre os habitantes da cidade.

NOTAS1 “Naquele mesmo d ia ’ (AEC; NTLH; NVI; ARA).2 TR e TM incluem õrj aqui.3 “Sentou-se ali [...] a beira do lago da Galiléia” (NTLH).4 “Ao povo reunido na praia” (NVI).5 “Jesus usou parábolas para ensinar muitas coisas” (NTLH).6 John A. Broadus, Commentary on Matthew (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1990), p. 283.7 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and índices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 185.

s “Certo homem saiu para semear” (NTLH).9 “Quando estava espalhando as sementes” (NTLH).

10 “À beira do caminho” (ARA).11 “Comeram tudo” (NTLH).12 “Logo brotou” (NVI).13 “Mas, ao surgir o sol” (BJ).14 “Espinhos, que cresceram” (NVI).15 “Sufocaram as plantas” (NVI).16 WH, TR e TM têm o verbo soletrado assim: áiTéiTviÇav.17 Herodotus, History, 1.93. [Edição brasileira: História: O Relato Clássico da

Guerra entre Gregos e Persas (São Paulo: Prestígio Editorial, 2002).]18 TR e TM têm áKoúeiv àKouétw.19 “Por que falas ao povo por parábolas?” (NVI).20 TR tem Aiaxí.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

21 “O conhecimento dos mistérios” (NVI).22 “Porque vêem sem ver” (BJ).23 Para inteirar-se de uma análise sobre o problema, veja A. T. Robertson, “The

Causal Use of 'iva”, in: Studies in Early Christianity, editor S. J. Case (1928).24 McNeile, Matthew, p. 190.25 Ibid.26 “Acontece” (NTLH).27 “Se tomou insensível” (BJ).28 “Eles taparam os ouvidos” (NTLH).29 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 79.30 “Ouçam o que significa a parábola do semeador” (NVI).31 “Foi semeado à beira do caminho” (ARA).32 “Todavia, visto que não tem raiz em si mesmo” (NVI).33 “Tribulação” (BJ; NVI); “sofrimentos” (NTLH).34 Richard Trench, Synonyms o f the New Testament (Reimpressão, Grand Rapids:

Baker, 1989), pp. 202-204.35 Somente WH soletra esta palavra assim: auvTTvíyei.36 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 197.37 “E dá uma colheita” (NVI).38 “Jesus contou outra parábola” (NTLH); “Jesus lhes contou outra parábola”

(NVI). O nome Jesus não consta no texto grego.39 “É como” (NTLH; NVI).40 “Quando todos estavam dormindo” (NTLH).41 "Semeou [...] uma erva ruim” (NTLH).42 TRs tem eoireipev, mas TRb e TM têm ’É0TTei,pe.43 “Um homem tomou e plantou” (ARA).44 Bruce, Expositor’s, p. 201.45 “O Reino do Céu é como o fermento” (NTLH).46 T. R. Glover, Jesus o f History (Londres: Student Christian Movement, 1927),

pp. 27, 28.47 TR e TM têm $páoov.48 TR e TM têm toC alwvóç eativ.49 Vincent, Word Studies, p. 81.50 “E toma a esconder” (BJ); “e esconde de novo” (NTLH).

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Mateus 13

51 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 197.

52 Vincent, Word Studies, p. 81.53 “Vasilhas” (BJ).54 TR e TM têm áyyeta.55 “Que se tomou discípulo do Reino dos Céus” (BJ); “que se toma discípulo no

Reino do Céu” (NTLH).56 TR e TM têm elç ir]v paoileíav.57 Brace, Expositor s, p. 204.58 Oxyrhynchus, Papyrus 1.3.

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Capítulo14

Mateus14.1. Herodes, o tetrarca ('Hpcóõriç ò Texpaápxriç1). “Aqui,

tetrarca, mas ‘rei’ no versículo 9 como em Marcos 6.14. Tetrarca estava tecnicamente correto. Era um título inferior a rei, e indicava um governante nativo sujeito a Roma, mas de poder considerável.”2 Herodes Antipas era administrador da Galiléia e da Peréia, um quar­to do domínio de Herodes, o Grande.

Ouviu Herodes, o tetrarca, a fama de Jesus3 (r|KOuae:u ... "cr|v (XKOTiv ’Iipou — ver análise em Mt 4.24). Este é um cognato femini­no singular acusativo. Ele “ouviu a audição ou rumor”, seguido por um genitivo objetivo. E bastante surpreendente que ele não tivesse ouvido falar de Jesus antes.

14.2. Disse aos seus criados4 ( e íu e v t o l ç u c clo I v atJToO), lite­ralmente “meninos”, mas aqui são os cortesãos ou bajuladores, não os serviçais do palácio.

Maravilhas operam nele5 (öuvcqjei<; èvepyouoiv kv oanjoò). A palavra èyepyéco está relacionada com a palavra energia e energizar. “Os poderes do mundo invisível, vastos e vagos na imaginação do rei.”6 Herodes pensou que Jesus poderia ser a reencamação de João Batista. Embora João Batista não tivesse realizado nenhum milagre,

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

alguém que voltasse da morte estaria sob o controle de poderes in­visíveis. Assim arrazoava Herodes, os seus medos estimulados por uma consciência culpada. Talvez ele até tivesse pesadelos com a cabeça de João andando em um cavalo de batalha. “Será que o rei só pensa em João Batista?”7 Josefo contou a história que os fantasmas de Alexandre e Aristóbulo assombravam o palácio de Herodes, o Grande, depois que ele os assassinara.8 Há muitas conjeturas sobre Jesus em resultado da excursão que fez pela Galiléia, e Herodes Antipas temia esta.

14.3. No cárcere (èv cj)u/.aKf}). Literalmente, “na casa da guar­da”, “prisão militar”. Josefo fala que a fortaleza prisional se chama­va Maqueros.9 Situava-se em uma colina alta onde fôra construída uma fortaleza inconquistável. H. B. Tristram faz uma descrição ini­cial sobre o local, descrevendo as ruínas de “dois calabouços, um deles fundo com as paredes em bom estado”, contendo “buracos pequenos, ainda visíveis na construção, onde estiveram os grampos e argolas de madeira e ferro para fixação das correntes. Com certe­za, um desses calabouços deve ter sido a cadeia de João Batista”.10 “No alto deste cume, Herodes, o Grande, construíra um palácio es­paçoso e bonito.”11 “As janelas dominavam uma paisagem ampla e vasta, incluindo a vista do mar Morto, do curso do rio Jordão e de Jerusalém.”

Por causa de Herodias (ôià 'Hpcoôiáôa12). A morte de João Batista acontecera algum tempo antes. Aqui, os aoristos gregos (eôrioey, àueGeio) não são usados para o pretérito perfeito. O aoristo grego narra o evento sem fixar distinções no tempo passado. Esta Herodias era a esposa ilegal de Herodes Antipas. Era descendente de Herodes, o Grande, e casara-se com Herodes Filipe de Roma, não o Filipe, o Tetrarca. Ela se divorciou de Filipe para casar-se com Antipas depois que este se divorciara da sua esposa, a filha de Aretas, rei da Arábia. O seu primeiro marido ainda estava vivo, e, para os judeus, era proibido o homem casar-se com a cunhada (Lv 18.16). João Batista condenou a união. Por causa disso, Herodes Antipas o lançara na prisão em Maqueros. O fato puro e simples é mencionado em Mateus 4.12 sem citar o nome do lugar (ver tam­

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Mateus 14

bém em Mt 11.2 para inteirar-se de uma análise sobre o desânimo de João Batista “no cárcere”, kv Tfj ô^am píco ).

14.4. Porque João lhe dissera (eleyev yàp ô ’Icoávvriç autw13). Os fariseus podem ter proposto que Herodes induzisse João para Maqueros em uma das suas visitas ali para expressar uma opinião concernente ao seu casamento com Herodias, e o tempo imperfeito (eÀeyev) significa que João dizia isso reiteradamente.14 O julgamen­to de João acerca de Herodes e Herodias foi brusco e violento. A sua proclamação inflexível lhe custou a cabeça, mas é melhor ter uma cabeça como a de João e perdê-la do que ter uma cabeça co­mum e mantê-la. Herodes Antipas era um político e refreou o seu ressentimento para com João Batista, porque as pessoas ainda con­sideravam (terceira pessoa do plural do pretérito imperfeito ativo do indicativo) que João fosse profeta.

14.6. Festejando-se, porém, o dia natalício de Herodes15 (yeveaíoiç õe yevo|aévoiç toO 'Hpúôou l6). Este é um locativo de tempo (cf. Me 6.21) sem o genitivo absoluto. Os gregos mais an­tigos usavam a palavra yeveaía para referirem-se a comemorações fúnebres (aniversários de pessoas mortas), yeveGÀÍíx que é a palavra para referir-se a comemorações natalícias de pessoas vivas. Mas, pelo visto, essa distinção desapareceu com o passar do tempo, como mostram os papiros. A palavra yeveoía nos papiros17 sempre é um banquete de aniversário, como é em Mateus e Marcos. Fílon usa ambas as palavras pertinentes a banquetes de aniversário. Pérsio, um escritor satírico romano, descreve um banquete feito no Dia de Herodes.18

Dançou [...] diante dele19 (wpxiíoaTo' kv xcô [léoco). Tratava-se de Salomé, filha de Herodias do seu primeiro casamento. A raiz do verbo significa algum tipo de movimento rápido. “Saltou no meio” (Wycliffe). Era uma dança vergonhosa e lasciva arranjada de antemão por Herodias para conspirar contra a vida de João Batista. Salomé se baixara ao nível de um almeh, ou seja, uma dançarina comum.

14.7. Prometeu, com juramento (|aeô’ ò p K O U GÒ|ioA.óyr|aev). Literalmente, “confessou com juramento”. Quanto a este verbo no sentido de promessa, ver Atos 7.17.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Tudo o que pedisse (o kkv aíxrímTuai). Note a voz média de aitr|or|Tai. Herodes quis dar algo que a jovem pedisse (cf. Et 5.3; 7.2).

14.8. Instruída previamente (Trpopipao0€laa). Ver Atos 19.33 para um verbo semelhante (tTpopaA.óvxcúv), “impelindo-o”. “Deve ter exigido bastante ‘educação’ para levar uma jovem a fazer tal pedido cruel e satânico.”20

Aqui (coõe), neste mesmo lugar, aqui e agora.“Num prato” (êni ttlvixkl), chapa, prato grande, bandeja.14.9. Afligiu-se21 (Àimr|0el<;22). No versículo 5, lemos que

Herodes quis (GéÀcov) matar João Batista (kttoktcIvki). Porém, diante dos problemas de relações públicas que essa demonstração covarde de brutalidade e crueldade desencadearia, ele retrocedeu. Homens que fazem o mal sempre têm desculpas esfarrapadas pelos pecados que cometem. “Por causa do juramento” (õlò; touç òpKOUç), Herodes cometera o assassinato judicial do tipo mais revoltante. “Foi mais semelhante a um juramento profano do que a uma declaração deli­berada e definitiva de um juramento solene.”23 Ele estava levemente embriagado pelo vinho e um tanto quanto estonteado pela presença dos convidados.

14.10. Mandou degolar João (áTreice(J)áA.i.aÉV ’Iooávvr|v24). Um tempo causativo ativo de um verbo recente àvoKtfyaXÍCj.,), ele tirou a cabeça dele.

14.11. Ela a levou a sua mãe (rjveytcev zr\ nr|Tpl aúxfiç). Esta é uma cena horrível, quando Herodias testemunha com satisfação diabólica o triunfo do seu ódio implacável contra João Batista por ousar reprovar o casamento dela com Herodes Antipas. A lenda diz que Salomé desejava sexualmente João Batista, mas não há prova disso.

14.12. E foram anunciá-lo a Jesus ( koc! èÀGóvueç áirriYYeiÀav tcò TipoO). Depois que enterraram João Batista, os discípulos con­taram a Jesus o ocorrido, que era o único que sabia realmente como João era grande. O destino de João prefigurava o que Jesus enfren­taria. De acordo com Mateus 14.13, assim que ficou sabendo do assassinato, Jesus retirou-se ao deserto para ficar sozinho. Só por

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Mateus 14

conta da tensão da recente excursão feita, Ele já estava precisando de descanso.

14.13. Num barco25 [...] a pé (4v ttA.oí.0) ... TreÇrj). Em lugar de TTe£f}, alguns MSS têm Tre(tò. Note o contraste entre o lago e a rota por terra.

14.14. Os seus enfermos (touç àppúoTOUç oaiiwv). “Sem for­ça”, ptóvvu[ii e a que indica negação ou privação.

Intima compaixão (èoTTÀayxvíoGr)), um depoente passivo. O verbo dá a concepção judaica tradicional de os intestinos (a-nláyyva) serem o lugar da compaixão.

14.15. Sendo chegada a tarde26 (ói)úaç ôè yevo[iévr|ç). Este é um genitivo absoluto. Os judeus marcavam o pôr-do-sol em cerca das seis horas da tarde, como em Mateus 8.16 e 14.23, mas a “tarde” começava às três horas da tarde.

O lugar é deserto (wEpr||ióç kaxiv ó tóttoç). Para ficar sozinho, Jesus se dirigiu a um lado da montanha em uma região que estava relativamente despovoada, sem cidades grandes por perto. Agora muitas pessoas já o ouviram. Havia “aldeias” (Któp.aç) onde as pes­soas poderiam comprar comida, mas elas teriam de ir andando agora para chegar lá enquanto houvesse luz do dia. Por isso que os discí­pulos salientaram que “a hora é já avançada”27 ( t ) copa rjõr| rapfi XQev). Jesus deveria despedir as pessoas enquanto ainda houvesse tempo para acharem o que comer.

14.16. Dai-lhes vós de comer (ôóxe ocútoiç í)|ieiç cjjayeiv). A ênfase está em í)|_ieiç em contraste (note a posição) com o “despede” (áiróÀuaov). E o aoristo urgente de ação imediata (ôóte). Era uma ordem estarrecedora. Os discípulos tinham de aprender que “não há situação que lhe seja desesperadora, nem há dificuldade que lhe seja intratável”.28

14.17. Eles lhe disseram29 (ol ôè A.éyouaiv oartcô), terceira pes­soa do plural do presente ativo do indicativo como presente histó­rico. Os discípulos prontamente apresentam as razões óbvias para explicar por que a tarefa imposta por Jesus não é praticável.

14.18. E ele disse (ó ôè eiTTtv). Aqui está o contraste entre a dúvida impotente dos discípulos e a ousadia confiante de Jesus. Ele

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

usou “cinco pães e dois peixes” (Mt 14.17), que eles haviam men­cionado como razão para não fazerem nada.

Trazei-mos aqui (Oépexé [íol toôe auxoúç30). Eles não levaram em conta o poder de Jesus nesta emergência.

14.19. & assentasse sobre a erva (ávaKÀi0r|uoa èifi xoí> xópxoir31). Claro que a palavra significa “reclinar”, aoristo primeiro passivo do infinitivo. Um belo cenário no sol da tarde, eles assentados sobre a relva na encosta da montanha que dava para o oeste. A organi­zação em centenas e cinquentas (Me 6.40)32 tornava fácil contar e alimentar as pessoas. Jesus estava em pé onde todos podiam vê-lo partindo (KÃáaaç) os pães achatados judaicos e, em seguida, dis­tribuindo-os pelos discípulos. Este é o único milagre de natureza registrado por todos os quatro Evangelhos. Era impossível a mul­tidão entender mal ou enganar-se sobre o que estava acontecendo. Se Jesus é mesmo o Senhor do universo (Jo 1.1-18; Cl 1.15-20), aquEle que criou tem poder para continuar criando o que quiser.

14.20. Saciaram-se (èxopxáaGriaav), terceira pessoa do plu­ral do aoristo efetivo passivo do indicativo xopxá(o) (ver Mt 5.6). Derivado do substantivo xóptoç, “erva”. O gado se saciou com erva e as pessoas com outra comida. Todos ficaram satisfeitos.

Dos pedaços que sobejaram doze cestos cheios (xwv KÀao|iáTGov ÔGÓÔÉKa Kocj) lvouç TrA.r|p6 lç). Não os restos fragmentá­rios espalhados pelo chão, mas os pedaços partidos por Jesus e que ainda estavam nos “doze cestos” (ôoóôékoc ko^lvouç) e não foram comidos. Cada um dos doze ficou com um cesto cheio de sobra (xò uepiaaeüov). Esperamos que o menino que tinha os cinco pães e dois peixes iniciais (Jo 6.9) tenha ficado com alguns dos alimentos extras. Cada um dos Evangelhos usa a palavra para cestos feitos de vime (ko^ívoç). A tradução de Wycliffe usou o termo “caixões”. Juvenal diz que o pomar de Numa, perto da porta Capeniana de Roma, era “deixado para os judeus cuja mobília compunha-se de uma cesta (cophinus) e um pouco de feno” (para uma cama).33 Descrevendo a multiplicação dos pães, Mateus e Marcos usam a palavra o-rrupíç, referindo-se a um tipo de cesto ou cesta grande para provisões.

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Mateus 14

14.21. Além das mulheres e crianças (xwpU y w a i K G Ô v Kod

tolôícov). Talvez nessa ocasião não houvesse tantas mulheres e crianças como sempre por causa da pressa da multidão em torno da cabeceira do lago. Mateus acrescenta este detalhe. Ele não quer dizer que as mulheres e crianças não foram alimentadas, mas que entre “os que comeram” (ol êa0íovT€<;) incluíam-se cin­co mil homens (avôpeç), além das mulheres e crianças.

14.22. E logo ordenou Jesus que os seus discípulos entras­sem no barco e fossem adiante, para a outra banda (Kod eú0éoo<; riyáyKaoey t o u ç )ia9r|xàç34 ê^pfjvai eíç t ò ttX o l o v k«1 Trpoáyeiv aikòv 6lç tò uépav). Literalmente, ele “compeliu” ou “forçou” (cf. Lc 14.23) os discípulos a partir. João 6.15 apresenta a ex­plicação para esta palavra forte aqui e em Marcos 6.45. A mul­tidão entusiasmada pretendia tomar Jesus à força para fazê-lo o rei nacional. Esse procedimento teria desencadeado uma revo­lução política e a derrota de Jesus. Os discípulos poderiam ter se deixado levar por essa psicologia das multidões, porque eles compartilhavam a esperança dos fariseus de um reino político. Talvez Jesus tivesse mandado os discípulos saírem do caminho para acalmá-los e permitir que Ele controlasse a multidão mais facilmente.

Enquanto despedia a multidão35 (ecoç ou áTToXúoi] touç ox^ouç). O uso da terceira pessoa do singular do aoristo ativo do subjuntivo com ecoç ou ecoç ou é uma linguagem grega comum, na qual o propósito ainda não é percebido (ver também Mt 18.30; 26.36). A tradução às vezes poderia ser “enquanto”. O subjuntivo é retido depois de um tempo passado em vez da mudança para o optativo antigo grego ático. De qualquer forma, o optativo é muito raro, mas Lucas o usa com irplv í] em Atos 25.16.

14.23. Ao monte36 (elç tò õpoç). Depois de despedir a mul­tidão, Jesus subiu só ao monte, no lado oriental do lago, para orar como frequentemente fazia. Se alguma vez ele precisou da compreensão terna do Pai, foi agora. As multidões estavam se descontrolando no seu entusiasmo, e os discípulos o entenderam totalmente errado. Só o Pai poderia oferecer-lhe ajuda.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

14.24. Açoitado pelas ondas37 (PaoaviÇóiaevov ímò tcôv KU|acaa)v), como um homem com demônios (Mt 8.29). E possível ver, como Jesus viu (Me 6.48), o barco subindo e descendo no mar agitado.

14.25. Caminhando por cima do mar3* (n6p nnxTCÔv êirl rí]v Qákaaoav 39). Este é outro milagre da natureza. Certos estudiosos tentam explicá-lo insistindo que Jesus só estava caminhando ao lon­go da praia, e não sobre as águas, uma interpretação impossível, a menos que a narrativa de Mateus seja mito. No versículo 25, Mateus usa o acusativo. (extensão) com èni, e no versículo 26, o genitivo (especificando o caso).

14.26. Assustaram-se (4xapáx0r|oav). São traduções mais for­tes: “Ficaram atemorizados” (BJ); “ficaram apavorados” (NTLH); “ficaram aterrorizados” (NVI); “ficaram aterrados” (ARA).

Um fantasma (<E>ávTao|ioc), “uma aparição” ou “um espectro”. O substantivo é relacionado a cj)avi;áÇcú, “aparecer” ou “fazer visível”, e daí de cfmvo), “brilhar” ou “dar luz”. Eles clamaram “com medo” (é-íTÒ -roí) (|)ópou). “Um pequeno toque de superstição de marinhei­ro.”40

14.28. Por cima das águas (eià xà üôotra). Pedro, como sem­pre, é impulsivo. Mateus só dá este detalhe.

14.30. Mas, sentindo o vento forteAX (PAíttcov ôè iòv ave|j,ov). Esta é a fala popular (cf. Êx 20.18 e Ap 1.12, “ver a voz”, tt|v § íòvt\v). Pedro viu o efeito do vento nas ondas.42 “Uma coisa é ver uma tem­pestade do convés de um navio robusto; outra, é vê-la do meio das ondas.”43 Pedro estava começando a afundar (KaTairovTÍÇeaBou) no mar, embora, por ser pescador, fosse um excelente nadador.44

Senhor, salva-me (Kúpie, owoóv |ie). Era um momento dramá­tico que arrancou um grito de Pedro. Com o aoristo, o significado era: “Faze depressa”. Ele caminhou sobre as águas até que viu o vento rodopiar as águas ao seu redor.

14.31. Por que duvidaste? (elç xí êôíaxaoaç;). No Novo Testamento, o verbo grego ocorre somente aqui e em Mateus 28.17. A palavra kôíoiaoaç é derivada de ôiaraÇw, que está relacionada a ôíç (duas vezes). Significa “puxado [por] dois caminhos”. A con-

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Mateus 14

fiança de Pedro no poder de Cristo deu lugar ao medo do vento e das ondas. Jesus, que estava em pé e parado sobre as águas, agarrou Pedro (6TTeA.ápeTO, voz média) e o levantou.

14.32. Acalmou45 (èKÓTOaev), derivado de KÓTroç, “labutar”. O vento ficou cansado ou exausto. Ele se exaurira na presença do seu Senhor (cf. Me 4.39). Não é mera coincidência que o vento tivesse se acalmado exatamente nesse momento.

14.33. Adoraram-no (iTpoaeKÚvriaay aikcõ). Jesus aceitou a adoração dos discípulos. Eles estavam crescendo em aprecia­ção da pessoa e poder de Cristo desde a atitude demonstrada em Mateus 8.27. Logo estarão prontos para a confissão que farão em Mateus 16.16. Já podem dizer: “És verdadeiramente o Filho de Deus”46 (’AA/r|0c3ç 0eoü ulòç et). A ausência do artigo permi­te que signifique um Filho de Deus, como o centurião diz em Mateus 27.54. Mas eles quiseram dizer “o Filho de Deus”, como Jesus afirmava ser.

14.34. Genesaré (rew rioapét), uma planície rica de sete quilômetros de comprimento por três quilômetros de largura no lado ocidental do lago.47 Ao que parece, a primeira visita de Jesus despertou a habitual empolgação por suas curas.

14.36. E todos os que a tocavam ficavam sãos4S (kcò. oooi TÍi|/avTO ôieoG)0rioav). Completamente (ôi-) curados. As pessoas estavam ansiosas em tocar a bainha do manto de Jesus, como fez a mulher em Mateus 9.20. Jesus honrou essa fé.

NOTAS___________________________________________________1 TR tem Hpcóôr)ç; TR e TM têm ó Tetpápxnç.2 A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York:

Macmillan, 1911), p. 175.3 “Herodes, o tetrarca, ouviu os relatos a respeito de Jesus” (NVI).4 “Oficiais” (BJ); “funcionários” (NTLH).5 “Nele operam forças miraculosas” (ARA).6 Alexander Balmain Bruce, The Expositor s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 206.7 Ibid.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

8 Josephus, Wars o f the Jews, 1.30.7. [Edição brasileira: Guerras dos Judeus. Volumes I ao VIII (Curitiba: Juruá, 2002).]

9 Josephus, Antiquities o f the Jews, 17.5.2. [Edição brasileira: Flávio Josefo, História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]

10 H. B. Tristram, The Land o f Moab: Traveis and Discoveries on the East Side o f the Dead Sea and Jordan (Nova York: Harper & Brothers, 1873).

11 John A. Broadus, Commentary on Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Kregel, 1990), p. 316.

12 TR tem 'Hpcoõuxõa sem o iota subscrito.13 WH tem só um v errilwávriç.14 Broadus, Commentary on Matthew, p. 317.15 “Ora, por ocasião do aniversário de Herodes” (BJ).16 TR tem 'Hpcóôou, sem o iota subscrito.17 Fayum Towns, 114(20), 115(8), 119(30).18 Persius, Sat. V., pp. 180-183.19 “Dançou [...] diante de todos” (ARA).20 Bruce, Expositor’s, p. 207.21 “Entristeceu-se” (ARA).22 TR e TM têm èÀinrr|9r|.23 Bruce, Expositor’s, p. 207.24 TR e TM incluem o artigo com o substantivo próprio, tòv ’lu>ávvr\v; WH tem

só um v com o substantivo próprio,’ Icoávr|v.25 “De barco” (BJ).26 “Ao cair da tarde” (ARA).27 “Já está ficando tarde” (NVI).28 Bruce, Expositor’s, p. 209.29 “Eles responderam” (ARA).30 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, aútouç uõe.31 TR e TM têm um caso e número diferente com a preposição: eiri toüç

XÓpTOOUÇ.32 Robertson, Commentary on Matthew, p. 178.33 Juvenal, Satires, 3.14.34 TR inclui o sujeito específico do verbo e o pronome pessoal, fiváyKaaev o Irpoüç

Touç iia0r|xáç aúxoü; TM inclui o mesmo que TR, com a exceção do pronome pessoal, aúroí) no fim.

35 “Até que ele despedisse a multidão” (BJ); “enquanto ele mandava o povo em­bora” (NTLH).

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Mateus 14

36 “A um monte” (NVI).37 “Fustigado pelas ondas” (NVI).38 “Andando em cima da água” (NTLH).39 TR e TM têm um caso diferente com a preposição, €ttl xf\ç 9ccÀáaar|<;.40 Bruce, Expositor’s, p. 210.41 “Mas, observando o vento forte” (AEC).42 Robertson, Commentary on Matthew, p. 180.43 Bruce, Expositor’s, p. 211.44 John Albert Bengel, New Testament Word Studies, vol. 1 (Reimpressão, Grand

Rapids: Kregel, 1971), p. 197.45 “Cessou” (ARA).46 “Verdadeiramente és Filho de Deus!” (ARA).47 Robertson, Commentary on Matthew, p. 180.48 “E todos os que tocavam nela ficavam curados” (NTLH).

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Capítulo15

Mateus15.1. Escribas e fariseus ($<xpiaoâoi «m yp^ii^ateic). É inco-

mum ver os fariseus mencionados antes dos escribas (cf. “fariseus e escribas”, ARA). “Na capital judaica, os guardiões da tradição estão com os olhos maus fixados em Jesus e colaboram com os rigoristas provincianos”,1 isso se os fariseus não forem todos de Jerusalém.

De Jerusalém (áirò 'IepoooÀúfioov). Jerusalém é a sede da cons­piração contra Jesus, sendo os fariseus os conspiradores principais. Os herodianos já haviam se unido com os fariseus para matar Jesus (Mt 12.14 é igual a Me 3.6, que é igual aL c 6.11). Logo, Jesus tam­bém avisará os discípulos acerca dos saduceus (Mt 16.6).

15.2. A tradição dos anciãos? (uriv Trapáõooiv z(òv TTpeoPuxépGov;). Esta era a lei oral passada pelos anciãos do passado em forma de ex cathedra e, mais tarde, sistematizada na Mishná. Lavar as mãos antes das refeições não é uma exigência do Antigo Testamento. Hoje, sabemos que é uma coisa boa por razões sanitá­rias, mas os rabinos fizeram disso uma marca de justiça. O ensino oral expandiu muito esse quesito. Lavar (vÍTrcovrai, voz média) as mãos exigia a observância de regulamentos minuciosos. Era uma obrigação lavar as mãos antes das refeições, e um dever fazê-lo de­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

pois de comer. Os mais rigorosos o faziam no meio das refeições. As mãos devem ser imersas. Depois, a própria água deve ser “limpa” e os copos ou potes usados devem ser cerimonialmente limpos. Os re­cipientes eram mantidos cheios de água limpa para pronto uso (ver Jo 2.6-8). Desta forma, levanta-se uma disputa central entre Jesus e os rabinos, muito mais do que um pormenor de etiqueta ou uma questão de higiene. Os rabinos consideravam a impureza ritual um pecado mortal. A confrontação pode ter atingido o ponto culminante na casa de um fariseu.

15.3. Vós também1 (xcà u|ieiç). Jesus reconhece que os discí­pulos transgrediram as tradições rabínicas. Jesus trata este assunto como de pouca importância. A verdadeira questão era pôr a tradição dos anciãos no lugar dos mandamentos de Deus. Quando as duas observâncias conflitavam, os rabinos transgrediam o mandamento de Deus “pela vossa tradição” (ôià tfiv rrapáôooiv í)|ioôv). O acusa- tivo com 5 iá significa “por causa de”, e não “por meio de”. A tradi­ção não é boa ou ruim em si mesma. E meramente o que é passado de um para o outro. Os costumes tendiam a tomar as tradições tão obrigatórias como a lei. O Talmude é um monumento à luta com a tradição. Não podemos transigir neste assunto. Jesus apóia a ver­dadeira justiça e a liberdade espiritual, e não a escravidão à mera cerimônia e tradição. Os rabinos colocavam a tradição (a lei oral) acima da lei de Deus.

15.5. Mas vós dizeis (ò[iei<; õè Xéyexe). Essa expressão está em nítido contraste com o mandamento de Deus. Jesus citara o quinto mandamento (Mt 15.4; cf. Êx 20.12; Dt 5.16) com a penalidade: “Que morra de morte”3 (Gctvcao) teleutíruG)), “prossiga ao seu fim pela morte”, em imitação da linguagem hebraica. Esquivavam-se deste mandamento divino sobre a penalidade por desonrar o pai ou a mãe através da tradição de Korba’n (no gr. KopP&v, Me 7.11). Tudo que se tinha de fazer para evadir-se do dever ao pai ou à mãe era dizer “korba ’n” ou “dádiva” (ôcôpov), com a ideia de usar o dinheiro para Deus. Através de um juramento inflamado de recusa em ajudar os pais, o juramento ou voto se tomava obrigatório. Por meio dessa “palavra mágica”, o indivíduo ficava livre (oi> |_if] xqrrioei, ele não

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Mateus 15

honrará, Mt 15.6) da obediência ao quinto mandamento. Às vezes, filhos não filiais pagavam suborno aos legalistas rabínicos para usu­fruir de tal escape. Será que esses críticos que levantaram a questão do lavar as mãos não eram eles mesmos culpados disso?

15.6. Invalidastes [...] o mandamento de Deus4 (r|Kupoóacae xòv A.óyoi' -uou Geou5). Era uma acusação cortante que expunha a aspira­ção oca da questiúncula sobre lavar as mãos. A palavra KÚpoç quer dizer “força” ou “autoridade”, daí ckupoç significa “sem autorida­de”, “nulo e sem valor”. E um verbo recente, áKupóco, mas na LXX, em Gálatas 3.17 e nos papiros, o adjetivo, o verbo e o substantivo ocorrem na fraseologia legal, como o cancelamento de um testa­mento. Jesus acusa que detalhes técnicos excessivamente minucio­sos e conduta imoral anularam a força moral da lei de Deus.

15.7. Bem profetizou Isaías a vosso respeito6 (koíXgòç èfipocjjTÍ-ueuaey u e p i ú(ia)v 'Haaíaç 7). Há sarcasmo nesta aplicação expositiva das palavras de Isaías (Is 29.13, na LXX) a esses rabinos. A descrição era um retrato fiel de uma vida “ensinando doutrinas que são preceitos dos homens” (Mt 15.9). Na verdade, eles estavam longe de Deus se imaginassem que o Senhor se agradaria de tais dádivas à custa do dever para com os pais.

15.11. O que contamina o homem* ( to üto kolvol t o v avG pto iT ov). Esta palavra é derivada de koivÓç, que é usada em dois sentidos, ouo que é “comum” a tudo e geral, como o grego Koivri, ou o que é impuro e cerimonialmente “comum”, como na vida cotidiana. A “comunidade” cerimonial perturbou Pedro no terraço da casa em Jope (At 10.14; ver também At 21.28; Hb 9.13). Aquele que é reli­giosamente comum ou impuro está excluído de fazer atos religio­sos. A “contaminação” era um assunto sério para os cerimonialis- tas rabínicos. Jesus apela à multidão (Mt 15.10): “Ouvi e entendei” ('A K O Ú ete K a! a u v í e t e ) . Ele estabelece uma grande distinção. A im­pureza moral é o que contamina ou torna comum. E o que deve ser temido, e não encoberto. “Isso vai além da tradição dos anciãos e praticamente ab-roga as distinções levitas entre puros e impuros.”9 Vemos os hipócritas e impostores tremerem diante dessas palavras contundentes.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

15.12. [Os fariseus] se escandalizaram (èoKavôcdíoGriaav), terceira pessoa do plural do aoristo primeiro passivo do indicati­vo. “Foram levados a tropeçar”, “ficaram ofendidos” (Moffatt), “se viraram contra ti” (Weymouth), “ficaram chocados” (Goodspeed).10 Ofenderam-se (ficaram ressentidos e desgostos) por conta da repre­ensão pública, com a picada de escorpião da verdade. As faces car­rancudas dos fariseus deixaram os discípulos intranquilos.

15.14. São condutores cegos (tucJjàoÍ. eíoiv óôriyoL11), um qua­dro vivo. Certa vez, em Cincinnati, um cego me apresentou ao seu amigo cego. Disse que ele estava “lhe mostrando a cidade”. Jesus não tem medo dos fariseus. Deixe-os que continuem causando ma­les. É uma expressão proverbial de que os líderes cegos e as vítimas cegas cairão no buraco no fosso.

15.15. Explica-nos essa parábola (3>páoov rpLV zr\v 'napapoA.iív za\Kr\i>). Os discípulos lhe pediram que explicasse a declaração ex­pressa no versículo 11 e não a que está no versículo 14. Eles fica­ram preocupados por causa da exposição extremamente incisiva de Cristo acerca da fraude relacionada à “korba >?” e das palavras sobre a “contaminação” (Mt 15.11).

15.16. Até vós mesmos estais ainda sem entender?12 (’Ak^V Kcd í)fj,eiç áoúvÉTOí ècrce). A palavra Ak[ít|v é um acusativo adver­bial (o clássico cd%r|vr|, “ponta de uma arma”) é igual a ck[jf|v xpo voü (“neste ponto de tempo”, “agora mesmo”), que é igual a eiu. A palavra áK|iT}v ocorre em papiros e inscrições, embora seja conde­nada pelos gramáticos tradicionalistas. Jesus estava perguntando: “Apesar de todos os meus ensinos, vós também estais, como os fa­riseus, sem percepção e entendimento espiritual?” Nunca devemos esquecer que os discípulos viviam em um ambiente dominado pelos fariseus. A cosmovisão religiosa dos discípulos era determinada pe­los fariseus. Estava faltando-lhes inteligência ou sentimento espiri­tual, eram “totalmente ignorantes” (Moffatt).

15.17. Não compreendeis f...]? '3 (oú voeiie [;]14). Cristo es­pera que usemos o nosso youç, intelecto, não para sermos orgulho­sos, mas para termos compreensão profunda e íntima das coisas. A mente não trabalha como quem nunca erra, mas deveríamos usá-la

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Mateus 15

para o propósito determinado por Deus. A preguiça ou flacidez intelectual não faz parte do mérito de quem é temente a Deus.

15.18. Sai da boca (4k toü otóiíocuoç). As palavras faladas saem do coração e, portanto, são verdadeiros indicadores do caráter. Por “coração” (Kctpõíaç), Jesus não quer dizer só a natureza emocional, mas toda a vida interior dos “maus pensamentos” (ôiaÂoyio|iol ttõ vrpoí, Mt 15.19) que resultam em palavras e ações. “Isso contamina0 homem”, e não o “comer sem lavar as mãos”. As evasivas capcio­sas dos fariseus, por exemplo, partiram de corações maus.

15.22. Uma mulher cananéia (yuvf) Xavavaía). Os fenícios eram descendentes dos habitantes cananitas originais da Palestina. Eram pagãos semitas.

Tem misericórdia de mim (’EA.ér)oóv |ie). Ela se identificou com a situação da filha.15

15.23. Que vem gritando atrás de nós16 (ott KpcéÇei ouioBev rilicôv). Os discípulos não gostaram da atenção pública que essa mu­lher estrangeira, gritando atrás deles, estava despertando. Eles não davam a mínima se a mulher fosse embora sem que a filha fosse curada.

15.24. Eu não fu i enviado (Oúk ài\eoxáXr\v), primeira pessoa do singular do aoristo passivo do indicativo de àuoo~.t)jM. Jesus toma uma ação diferente com essa fenícia pondo em teste o seu pedido e, desta forma, servindo de caso que estabelece preceden­te. Ela representava o problema do mundo gentio. Os judeus ainda eram as “ovelhas perdidas da casa de Israel”, apesar da conduta dos fariseus.

15.27. Mas também os cachorrinhos (kocI ... xà Kuvápia). Ela não se ofendeu por ser chamada um cachorrinho gentio. Pelo con­trário, com veloz sagacidade, usou em vantagem própria a mesma palavra que Jesus usou para dizer “cachorrinhos” («wápia). Os ca­chorrinhos comem os pedacinhos de pão, as “migalhas” (i|jixlcov, outro diminutivo), que caem da mesa das criancinhas (Kupíoov).

15.28. Seja isso feito para contigo, como tu desejas17 (yevr|0r|TCú001 gòç GéÂeiç). A sua grande fé e réplica perspicaz fizeram com que ela passasse no teste.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

15.29. Assentou-se lá (èncáGrixo èicel). Jesus estava assentado no monte perto do mar da Galiléia, possivelmente para descansar e desfrutar a visão, porém, mais provavelmente para ensinar.

15.30. E os puseram aos pés de Jesus (Wi €ppu|/oa> aüuoix; uapà Toijç TTÓõac ooitoü18). Uma palavra muito forte que poderia ser traduzida por “e os lançaram ao chão”. Os doentes não foram colocados de qualquer jeito, mas com pressa. Havia tantos que che­gavam.19 Era um grande dia, porque “a multidão [...] glorificava o Deus de Israel” (Mt 15.31).

15.32. Três dias (rpépca xpelç 20). Um nominativo parentético feminino plural.21

Não tem o que comer (ouk exouoLv z í (Jxxywoiv). Esta é uma pergunta indireta com o subjuntivo deliberativo retido. Na primeira multiplicação dos pães e dos peixes, Jesus teve compaixão das pesso­as e curou-lhes os enfermos (Mt 14.14). Aqui, a fome da multidão o move à compaixão (oiTÀayxvíCofiai, em ambos os exemplos). Ele está pouco disposto (oi) Gélco) a mandar as pessoas embora com fome.

Para que não desfaleça no caminho (èKÀuGoõoLv). Soltos, (èKÀúw) exaustos.

15.33. E os seus discípulos disseram-lhe22 («m Àéyouoiv aúicòol (j,aGr|T(xí23). Terceira pessoa do plural do presente ativo do indica­tivo como presente histórico. Em tão pouco tempo se esqueceram da primeira multiplicação dos pães e dos peixes (Mt 14.13-21). Jesus os lembra de ambas as demonstrações do seu poder (Mt 16.9,10). Eles esqueceram as duas. Certos estudiosos ridicularizam a ideia de dois milagres tão semelhantes, embora ambos sejam narrados em detalhes por Marcos e Mateus e ambos sejam citados depois por Jesus. Era comum Jesus repetir pontos de ensino e fazer muitas curas semelhantes. Por que Ele não deveria usar a mesma estratégia milagrosa para satisfazer a uma necessidade semelhante? Agora ele está na região de Decápolis.

15.34. Uns poucos peixinhos (ólíyoc IxGúôia), outra vez um diminutivo.

15.35. No chão (êiu xf|v ynv). Em Mateus 14.19, a palavra usada traduzida por “abençoou” é eúÀóyrioev. Vincent comenta que

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Mateus 15

o costume judaico era o dono da casa dar graças somente se ele fosse comer também, a menos que os convidados fossem os de sua própria casa.24 Mas não precisamos pensar que Jesus ficasse preso aos costumes judaicos.

15.39. Ao território de Magdala25 (elç rà òpia Mayaõáv26). No lado oriental do mar da Galiléia e, assim, mais uma vez na Galiléia. Marcos diz que a região era Dalmanuta (Me 8.10). Talvez seja, afi­nal de contas, o mesmo lugar que Magdala, como consta na maioria dos manuscritos.

NOTAS______________________________________________1 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 212.2 A BJ tem apenas “vós” (cf. NTLH; NVI).3 “Certamente será morto” (AEC); “terá que ser executado” (NVI).4 “Vocês anulam a palavra de Deus” (NVI).5 TR e TM têm riKupwaaTE tr)v kvxoXr\v io0 Geou.6 “Isaías estava certo quando disse a respeito de vocês” (NTLH).7 TRs tem Trpoej)r|Teuaev; TRb e TM não incluem o v eufônico: irpO€<t>r|Teua€.8 “Isto sim é o que contamina o homem” (AEC).9 Brace, Expositor s, p. 214.

10 “Ficaram escandalizados” (BJ; NTLH).11 TRs tem a ordem inversa de palavras: óõtiyol eloiv lutJiÀoí; TRb e TM elimi­

nam o y eufônico: eloi.12 “Nem mesmo vós tendes inteligência?” (AEC).13 “Não percebem [...]?” (NVI).14 TR e TM têm oJjttw voetxe.15 “Minha filha está endemoninhada e está sofrendo muito” (NVI).16 “Pois vem clamando atrás de nós” (ARA).17 “Seja feito como queres” (BJ).18T R tem napà xouç tt óõaç touTrioou.19 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 89.20 TR tem fpépaç ipetç.21 A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 460.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

22 “Os seus discípulos responderam” (NVI).23 TR e TM têm o pronome pessoal, oi' maqhtai. auvtou/.24 Vincent, Word Studies, p. 90.25 “Para a região de Magadã” (AEC).26 TR e TM têm a grafia do substantivo próprio: Magdala.

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Capítulo16

MateusÍSMMSMtlM3JÊ!MMM3M5faMSf3M3MSMSM3J

16.1. Os fariseus e os saduceus (oí Oapiaoâoi Kcà SaõôouKaí 01). E a primeira vez que temos a combinação dos dois partidos que se detestavam um ao outro excessivamente. O ódio une es­tranhos aliados. Eles odiavam Jesus mais do que uns aos outros. A hostilidade não diminuiu durante a ausência de Jesus; só au­mentou.

Para o tentarem, pediram-lhe{ (iTeipáCovTeç éuripcóxriaav caruòv). O motivo deles era mau.

Algum sinal do céu (arpeiov ék toü oúpotvoü). Os escribas e fariseus já tinham pedido um sinal (Mt 12.38). Agora esse novo agrupamento partidário acrescenta “do céu”. O que será que eles tinham em mente? Talvez não tivessem nenhuma ideia definida so­bre como envergonhar Jesus. Os apocalipses judaicos falavam de espetaculares demonstrações de poder feitas pelo Filho do Homem (o Messias). O Diabo sugerira que Jesus deixasse as pessoas verem- no caindo do pináculo do Templo, e o povo esperava que o Messias viesse de uma origem desconhecida (Jo 7.27) e que fizesse grandes sinais (Jo 7.31). Crisóstomo2 propõe a detenção do curso do sol, o ato de embridar a lua ou o ribombo de trovão.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

16.2. Bom tempo (Eúôíct). Uma antiga palavra poética derivada de eu e Zeúç, como o regente do ar e o doador de bom tempo. Assim, hoje os homens dizem “quando o céu está vermelho ao pôr-do-sol”. Ocorre na Pedra de Rosetta e em um papiro de Oxyrynchus do sé­culo IV para descrever “tempo calmo” que toma impossível velejar de barco.3

16.3. Sombrio4 (azuyvá(tov), um céu coberto de nuvens. A pa­lavra grega também é usada em relação a um semblante sombrio, como o do jovem rico em Marcos 10.22. Não consta em nenhuma outra parte do Novo Testamento. Este é o mesmo sinal de dia chu­voso que usamos hoje. A palavra grega traduzida por “tempestade” (-/i i[J.G.)v)5 é a palavra comum para aludir a inverno e temporal.

Os sinais dos tempos (zu ... orpeia z(òv Kcapwv). Os fariseus e saduceus entendiam muito pouco da situação. Em breve, Jerusalém seria destruída e o estado judeu acabaria. Nem sempre é fácil “dife­rençar”6 (õiaKpíveiv, “discriminar”) os sinais de nosso tempo, mas não precisamos ser cegos quando os outros forem ingênuos.

16.4. Uma geração má e adúltera pede um sinal (T eveà Trovripà içai [ioixodiç orpeiov èTTiÇriTei). A exigência de um sinal é exata­mente a que ocorre em Mateus 12, exceto que agora os oponentes de Jesus querem um sinal “do céu”. Assim, Jesus dá a mesma res­posta exata como em Mateus 12.39, uma das verdadeiras parelhas da Bíblia. A única diferença é que Mateus 16.4 omite a descrição de Jonas como “o profeta”, toü irpo^riToO.7

16.5. Passando8 (èA-Govieç). Isso provavelmente significa “foi”, como em Lucas 15.20 (o mesmo ocorre em Me 8.13, caTf|À0ev).

Tinham-se esquecido9 (èneA.á0ovi;o). Talvez na pressa de dei­xar a Galiléia, provavelmente no mesmo barco em que vieram de Decápolis.

16.7. Eles arrazoavam entre siw (ôieÀoyíCovTo). Eles o mantive­ram, terceira pessoa do plural depoente da voz média/passiva do im­perfeito do indicativo. Era digna de pena a incapacidade de os discípu­los entenderem a advertência parabólica de Jesus contra o “fermento dos fariseus e saduceus” (Mt 16.6), depois do confronto com ambos os partidos em Magdala. É “pães” (aptouç) em lugar de “pão”.11

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Mateus 16

16.8-11. Não compreendeis ainda, nem vos lembrais [...]? (oüuoo voeiTe, oijôè lavrpoveúeTe). Jesus faz quatro perguntas con­tundentes, criticando a estagnação intelectual dos discípulos. Ele se refere à primeira multiplicação dos pães e peixes, e usa a palavra Kocjúvouç para aludir aos cestos usados para juntar os pães que so­braram (Mt 16.9; cf. Mt 14.20). Ele se refere aos cestos maiores, aiTupíôac;, usados para juntar as sobras depois que os quatros mil foram alimentados (Mt 16.10; cf. Mt 15.37). Depois de esclarecer esse mal-entendido, ele repete a advertência para se guardarem do fermento dos fariseus e saduceus (Mt 16.11). Quem é professor en­tende que a paciência desse Professor estava no máximo.

16.12. Então, compreenderam (tóté ouvfjKav), terceira pessoa do plural do aoristo primeiro ativo do indicativo de ouvlt|)íl, “agar­rar” ou “entender”. Depois dessa reprimenda e explicação elaborada, eles perceberam que por “fermento” Jesus queria dizer “ensino”.

16.13. Cesaréia de Filipe (Kaiaapelaç xf|ç OiAÍttttou). Sobre um dos picos do monte Hermom, essa cidade pertencia à adminis­tração do governante Herodes Filipe.

Interrogou'2 (rípcóta), começou a perguntar, tempo imperfeito incoativo ou inceptivo. Jesus estava fazendo um teste com eles. A primeira pergunta dizia respeito à opinião dos homens sobre o Filho do Homem.

16.14. E eles disseram13 (oi òt e lm v 14). Os discípulos estavam prontos a responder, porque sabiam que a opinião popular estava di­vidida sobre esse ponto (Mt 14.1,2). Dão quatro opiniões. Jesus não mostrou muito interesse nessa resposta. Ele sabia que os fariseus e saduceus lhe eram amargamente hostis. As multidões só o estavam seguindo superficialmente, e nutriam expectativas vagas acerca dEle como um Messias político. O seu interesse concentrava-se mais nas observações feitas pelos discípulos e na fé em desenvolvimento.

16.15. E vós, quem dizeis que eu sou? ('Y|ielç ôè uiva |ie A.éyete eivai;). E o que importa. E o que Jesus queria ouvir. Note a posição enfática da palavra fyieiç: “E vós, quem dizeis [vós] que eu sou?”

16.16. Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo (Si) et ô Xpiauòç ó uiòç toD QeoO toü (wvto<;). Pedro fala por todos. Tratava-se de uma

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

nobre confissão, mas não uma nova declaração. Pedro já a fizera an­tes (Jo 6.69), quando a multidão abandonara Jesus em Cafamaum. Desde o início do seu ministério (Jo 4), Jesus evitara usar a palavra “Messias” por causa das conotações políticas ligadas ao título. Mas agora Pedro claramente o chama “o Ungido, o Messias, o Filho do Deus, o vivo” (note os quatro artigos definidos). Essa sublime con­fissão de Pedro significava que ele e os outros discípulos criam que Jesus era o Messias e eram verdadeiros, a despeito da deserção da populaça galiléia (Jo 6).

16.17. Bem-aventurado és tu (MaKápLoç el), uma beatitude para Pedro. Jesus aceita a confissão como verdadeira. Assim, nessa ocasião, Jesus reivindica ser o Messias, o Filho do Deus vivo; em outras palavras, Ele confirma a sua deidade. Os discípulos expres­sam a crença positiva no messiado ou qualidade messiânica de Jesus em contraste com as opiniões divididas da populaça. “Os termos que Jesus usa para falar de Pedro são característicos — ternos, ge­nerosos, irrestritos. O estilo não é de um editor eclesiástico que põe o fundamento para o poder da igreja e as pretensões prelatícias, mas de um Mestre magnânimo que, em termos comoventes, elogia um discípulo leal.”15 O Pai ajudara Pedro nessa percepção espiritual so­bre a pessoa e obra do Mestre.

16.18. Pois também eu te digo16 (Kàyò õé ooi Àéyco). “A ênfase não está em ‘Tu és Pedro’ em contraste com ‘Tu és o Cristo’, mas em KayGÓ: ‘O Pai te revelou uma verdade, e eu também te conto outra’.”17 Aqui, Jesus chama Pedro pelo nome que dissera que ele teria (Jo 1.42). Pedro (Iléxpoç) é simplesmente o correspondente grego de Cephas (aramaico). Outrora era profecia, agora é fato. No versículo 17, Jesus se dirige a ele por “Simão Barjonas”, o seu nome patronímico completo (aramaico). Mas agora Jesus tem um propó­sito especial para usar o nome que dera a Simão — “Pedro”. Jesus faz um incrível jogo de palavras com o nome de Pedro, um troca­dilho que tem causado controvérsia numerosa e discussão teológica infindável.

Sobre esta pedra (cit! tocÚt t ] x f j uérpa), uma saliência de roche­do, ou um rochedo íngreme, ou uma pedra como em Mateus 7.24, no

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Mateus 16

qual o homem prudente construiu a sua casa. Normalmente, uérpoç é um desmembramento menor de um rochedo maciço. Mas não de­vemos nos apegar excessivamente a esse quesito, visto que Jesus falou com Pedro em aramaico, que não tem tal distinção (Kr^âç).

Edificarei a minha igreja (oLkoôo|ítÍooo |iou èKKA,r|oíav). O que Jesus quis dizer com esse jogo de palavras? É a ilustração de uma construção, de um edifício. Ele usa a palavra êKicA,r|aí.av, que em geral se refere a uma organização local no Novo Testamento. Entretanto, pode assumir um sentido mais amplo. Originalmente, a palavra significava “ajuntamento” (At 19.39; “assembléia”, ARA), mas veio a ser aplicada a uma “assembléia não reunida”, como em Atos 8.3, onde se refere aos cristãos que eram perseguidos por Saulo de casa em casa. “E o nome para o novo Israel, èKKÀrioLa, na sua boca não é um anacronismo. E um nome antigo bem conhecido para aludir à congregação de Israel encontrado em Deuteronômio (Dt 18.26; 23.2) e Salmos (SI 22.36), ambos livros que Jesus conhecia muito bem.”18 E interessante observar que a maioria das palavras importantes empregadas por Jesus nessa ocasião ocorre no texto do Salmo 89 na versão da LXX. Assim, ol«oôo|j,r|aGú em Salmos 89.5; eKKÀr|oía no versículo 6; KirrioxÚG) no versículo 22; Xpicnjóç nos versículos 39 e 52; aôqc; no versículo 49 ( é k xetpoç aôou). Se fi­carmos intrigados com a conexão entre a palavra edificar e a pala­vra éKKÀrioía, 1 Pedro 2.5a explica-nos: “Vós [...] também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual” (olKoõofietoGe oikoc; TTveuiiaTiKÓç). Pedro, o mesmo com quem Jesus está falando aqui, está escrevendo aos cristãos das cinco províncias romanas da Ásia (1 Pe 1.1). É difícil resistir à impressão de que Pedro está pensando nas palavras de Jesus. Mais adiante (1 Pe 1.9), Pedro diz que esses cristãos são parte de uma “geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa”. A edificação espiritual de Pedro é geral, e não local. Não há dúvida de que esta é a imagem que Jesus tem em mente em Mateus16.18. A grande casa espiritual é o Israel de Cristo, e não a nação judaica. Qual é a pedra sobre a qual Cristo edificará o seu vasto tem­plo? Não era só em Pedro. Por meio de sua confissão, Pedro fornece a pedra sobre a qual a igreja cristã firmará. Jesus edificará sobre o

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

mesmo tipo de fé que Pedro confessou. Está garantida a perpetuida­de dessa igreja geral.

As portas do inferno não prevalecerão contra ela19 (núlcu aôou ou Koaiaxúoouoiy ai>Tf|<;). Cada uma dessas palavras cria dificul­dade. Tecnicamente, o inferno (“Hades”, BJ; NVI) é o mundo não visto, o sheol hebraico, a terra dos mortos, que é a morte. Em 1 Coríntios 15.55, Paulo usa a palavra Gávate ao citar Oséias 13.14 referindo-se a aõr|. Não é termo comum nos papiros, mas é comum nas lápides espalhadas pela Ásia Menor, “indubitavelmente uma sobrevivência do uso feito na antiga religião grega”.20 Os pagãos antigos dividiam o Hades (palavra composta por a, elemento de ne­gação, e íôeiv, ver, “domicílio dos não vistos”) em Elísio e Tártaro. Os judeus identificaram as partes de sheol em o seio de Abraão e a geena (cf. Lc 16.25). Jesus esteve no Hades (At 2.27,31), não na geena. Temos aqui a figura de dois edifícios. Primeiro, há a Igreja de Cristo sobre a sua pedra e, segundo, há a Casa da Morte (Hades). “No Antigo Testamento, ‘as portas do Hades’ (sheol) nunca tem ou­tro significado (Is 38.10; cf. nos livros apócrifos de Sabedoria 16.3 e 3 Macabeus 5.51) senão a morte”, afirma McNeile21 (ver também SI 9.13; 107.18; Jó 38.17 (TTiJÀca Oaváxou uulcàpoi aôou). Cristo não fala sobre a possibilidade de o Hades vir a atacar a igreja. Mais exa­tamente, a questão é se a morte pode prevalecer ou obter uma possí­vel vitória sobre a igreja. “A 6KKÀr|oí.a é edificada sobre o messiado do seu Mestre, e a morte, as portas do inferno, não prevalecerão contra ela mantendo-o preso. Trata-se de uma verdade misteriosa que logo Ele lhes contará usando termos mais claros (Mt 16.21); essa verdade é repercutida em Atos 2.24-31.”22 A igreja de Cristo prevalecerá e sobrevirá, porque ele arrebentará as portas do inferno e aparecerá o conquistador. Ele viverá para sempre e será o fiador da perpetuidade do seu povo ou Igreja. O verbo Kaxioxúoo significa, literalmente, “ter força contra” (loxúoo derivado de ioxúç e koct ’). Também ocorre em Lucas 21.36 e 23.23. Aparece no grego antigo, a LXX, e nos papiros com o acusativo e é usado no grego moderno com o sentido de ganhar o domínio sobre algo. A riqueza de ima­gens em Mateus 16.18 toma difícil determinar cada detalhe, mas

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Mateus 16

o ponto principal está claro: A èKKÀr|aía, que se compõe daqueles que confessam Cristo como Pedro acabou de fazer, não cessará. As portas do inferno ou barras do sheol não a fecharão, encerrando as atividades. Cristo ressuscitará e manterá a sua Igreja viva. “Porta Sublime” era o nome que os turcos davam ao seu centro de poder, a cidade de Constantinopla.

16.19. As chaves do Reino (zàç KÃelõaç rf|ç (3aaiA,eía<;). Temos novamente a ilustração de uma construção, um edifício com cha­ves para abrir pelo lado de fôra. Imediatamente levantamos a ques­tão se Jesus não está querendo dizer a mesma coisa que “reino” como disse por “igreja” no versículo 18. Em Apocalipse 1.18 e 3.7, Cristo, o Senhor ressurreto, tem “as chaves da morte e do inferno”. Ele também tem “as chaves do Reino dos céus”, as quais entrega a Pedro como “porteiro” ou “mordomo” (oIkovÓhoç), contanto que não entendamos como prerrogativa especial e peculiar pertencente a Pedro. O mesmo poder aqui dado a Pedro pertence a todos os discí­pulos de Jesus em todas as eras. Os defensores da supremacia papal insistem na primazia de Pedro aqui e no poder de Pedro passar essa suposta soberania a outros. Mas essa concepção erra o alvo. Logo veremos os discípulos disputando entre si (Mt 18.1) sobre qual de­les é o maior no Reino dos céus. Eles ainda estarão nessa disputa na noite anterior à morte de Cristo (Mt 20.21). Está claro que nem Pedro nem os demais entenderam que Jesus quis dizer que Pedro tinha de ter autoridade suprema. O que vem a seguir esclarece a questão. Pedro tem as mesmas chaves dadas a todo pregador e pre- letor bíblico.

Tudo o que ligares na terra será ligado nos céus (o èctv ôipflç éttí tf|ç yf|<; ecnm ôeôe^évov kv toIç oíipavotç). Na linguagem ra­bínica, “ligar” é proibir, “desligar” (A.úofl<;) é permitir. Pedro seria como um rabino que passa muitos pontos de lição. Os rabinos da escola de Hillel desligavam muitas coisas que os rabinos da escola de Shammai ligavam. O ensino de Jesus é o padrão para Pedro e para todos os pregadores de Cristo. Note o particípio futuro peri­frástico perfeito (eoTca õeõe|_iévov, èarai A.eA.u|iévov), um estado de conclusão. Lógico que tudo isso presume que o fato de Pedro usar

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

as chaves estará de acordo com o ensino e mente de Cristo. Em Mateus 18.18, Jesus repete ligar e desligar para todos os discípulos (Mt 18.18). Depois da ressurreição, Cristo usará essa mesma lin­guagem para com todos os discípulos (Jo 20.23). Pedro só era “o primeiro entre iguais”, primus inter pares, no quesito em que nessa ocasião ele falou pela fé de todos. É um violento salto na lógica entender que a linguagem rabínica técnica que Jesus empregou seja uma declaração de que Pedro recebeu poder para perdoar pecados. Todo crente que verdadeiramente proclama os termos da salvação em Cristo usa as chaves do Reino. A proclamação desses termos quando aceitos pela fé em Cristo tem a sanção e aprovação do Deus Pai. Quanto mais pessoais tomarmos essas grandiosas palavras, mais perto chegaremos da mente de Cristo. Quanto mais eclesiásti­cas as tomarmos, mais nos afastaremos dEle.

16.20. Que a ninguém dissessem23 (iva [ir|ôevi éittüjoiv). Jesus tinha o cuidado de não fazer essa declaração em público. Ele era o Messias (ó Xpiouóç), mas as pessoas não entendiam o que isso significava. Elas viam o Messias necessariamente como uma figura política. É óbvio que Jesus ficou profundamente comovido com a importante confissão de Pedro como representante dos discípulos. Ele estava grato e confiante no resultado final. Mas previu perigos a todos. Pedro o confessara como Messias, e sobre esta pedra de fé as­sim confessada Ele edificaria a Igreja ou o Reino. Todos eles teriam e usariam as chaves deste maior de todos os edifícios, mas agora era hora de ficar em silêncio.

16.21. Desde então, começou Jesus (’AttÒ tóte rp&rro ó Triooüç). Era tempo apropriado para a revelação do maior segredo da sua morte. Restavam meros seis meses antes da cruz. Os discí­pulos tinham de estar prontos. A grande confissão de Pedro mostrou que o tempo era apropriado. Ele enfatizará os avisos (Mt 17.22,23; 20.17-19) que ele agora “começou” a ensinar. Só a duras penas eles entenderiam a necessidade (õ e t, “convinha”) de ele morrer pela ação dos eclesiásticos de Jerusalém e ser ressuscitado “ao terceiro dia” (urj ipí^r] r][iépa).24 Muito vagamente os chocados discípulos compreenderam alguma coisa do que Jesus disse.

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Mateus 16

16.22. Pedro, tomando-o de parte (upoola|3ófj,evoç aÚTÒv ó néijpoç). Voz média, “tomando para si mesmo”, à parte e separa­damente, “como por um direito seu próprio. Ele agiu com maior familiaridade depois que recebera o símbolo de reconhecimento. Jesus, porém, o coloca no seu lugar”.25 “Pedro está com nova per­sonalidade; há um minuto ele falou sob a inspiração do céu, agora estava sob a inspiração do extremo oposto.”26 A Versão Sinaítica Siríaca de Marcos 8.32 tem “como que tendo pena dele”. Mas essa exclamação e objeção de Pedro foram imediatamente obstadas por Jesus.

Senhor, tem compaixão de ti;21 de modo nenhum te acontecerá isso ('lÀecóç col, KÚpie- oú [ir] earai ooi xouxo). Fornecer eu] ou eotco ó 9eóç. E o tipo mais forte de negação, como se Pedro não o deixasse acontecer de jeito nenhum. Pedro tinha absoluta certeza; ele estava perfeitamente seguro.

16.23. Ele, porém, voltando-se28 (ó ôè oxpacfiÈÍc;). Nominativo masculino singular do aoristo segundo do particípio passivo, ação ingressiva rápida, para longe de Pedro em revulsão e em direção aos outros discípulos (Me 8.33 tem êTTiOTpactjeú; koci iôcbv toÍjç |_ia0r|Tàç cakoü).

Para trás de mim, Satanás ("YTraye Óttlooú |aou, Saravá). Pedro desempenhara o papel de pedra na nobre confissão e recebera o lu­gar de liderança. Agora ele desempenha o papel de Satanás e é man­dado para a retaguarda. Pedro estava tentando Jesus a não ir à cruz, da mesma maneira que Satanás tentara Jesus no deserto. “Não há instrumentos de tentação mais temíveis do que amigos bem-inten­cionados, que se importam mais com o nosso bem-estar do que com o nosso caráter.”29 “Em Pedro, Satanás, que fôra expulso, voltara mais uma vez.”30

Que me serves de escândalo (oKavôaÀov ei è|iot>31). Genitivo objetivo. Pedro estava agindo como instrumento de Satanás, sem saber, mas verdadeiramente estava. Ele armara uma armadilha para Cristo que arruinaria toda a sua missão na terra. “Tu não és, como antes, uma pedra nobre, colocada na posição certa como sólida pe­dra de fundação. Pelo contrário, tu és agora uma pedra totalmente

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

fôra do seu lugar adequado e colocada bem no caminho pelo qual devo andar — colocada como pedra de tropeço.”

Não compreendes as coisas32 (oú (JjpoveLç). “A tua perspectiva não é a de Deus, mas a do homem” (Moffatt). Você não pensa os pensamentos de Deus. Claro que a consciência da cruz não é uma ideia nova para Jesus. Não sabemos quando Jesus previu esse re­sultado não mais do que sabemos quando lhe surgiu a consciência messiânica. Os primeiros indícios dessa consciência lhe ocorreram quando Ele era um menino de doze anos, na ocasião em que falou sobre “a casa de meu Pai” (Lc 2.49, ARA). Agora ele sabe que tem de morrer na cruz.

16.24. Tome sobre si a sua cruz (ápáxco tov cnaupòv aúxou), tome de uma vez, tempo aoristo. Esta mesma declaração consta em Mateus 10.38. Mas aqui é pertinente na explicação da reprimenda que Pedro recebeu de Jesus. Apropria cruz de Jesus está à sua fren­te. Pedro ousara afastar Jesus de sua missão. Seria melhor o após­tolo enfrentar diretamente a própria cruz e, carregando-a, seguir a Jesus. Como figura de linguagem, os discípulos estavam habituados com carregar a cruz, visto que os criminosos eram crucificados fôra de Jerusalém.

Siga (áKoAouGeiTCjo), terceira pessoa do singular do presente ati­vo do imperativo. Continue seguindo.

16.25. Salvar a sua vida (tt}v vJjuxtiv aúxoíj ocôoai). Jogo de palavras paradoxal com vida ou alma, usando-a em dois sentidos. O mesmo é verdade acerca de salvar e perder (ánoÀéo^).

16.26. Ganhar [...]perder (Kepôriar} .... (rpicoQíi ). Ambos na terceira pessoa do singular do subjuntivo aoristo (um na voz ativa, o outro na voz passiva), condição de terceira classe, indeterminada, mas com prospecto de determinação, apenas um suposto caso. O verbo grego traduzido por “perder” ocorre no sentido de ser mul­tado ou punido com pagamento em dinheiro. E como consta nos papiros e inscrições.

Em recompensa (ÒM~á.XAay\±a), como troca, acusativo em justa­posição com tC. A alma não tem preço de mercado, embora o Diabo pense que tenha. “O homem tem de dar, entregar, renunciar a vida

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Mateus 16

e nada menos a Deus; não há è.vxáXXa.y\xa que seja possível.”33 Esta palavra òivxáXhv{\WL ocorre duas vezes em Sabedoria de Siraque: “Amigo fiel não tem preço” (Eclesiástico 6.15a, BJ). “Não existe preço para a que é bem educada” (Eclesiástico 26.14b, BJ).

16.28. Alguns há, dos que aqui estão (xiveç x(òv coõe eotcótcov34). Está Jesus se referindo à transfiguração, à ressurreição, ao Dia de Pentecostes, à destruição de Jerusalém ou à Segunda Vinda e julga­mento? Tudo que sabemos é que Jesus tinha certeza da sua vitória final, que seria tipificada e simbolizada de muitas maneiras. O sim­bolismo escatológico apocalíptico empregado por Jesus aqui não predomina no seu ensino. Ele o usou de vez em quando para des­crever o triunfo do Reino, e não para apresentar o ensino completo sobre esse tema. O Reino de Deus já estava no coração dos homens. Haveria pontos culminantes e consumações.

NOTAS__________________________________________________1 “Pediram-lhe, para pô-lo à prova” (BJ). O substantivo próprio ’ IrpoCç não

consta no texto grego.2 Chrysostom, Homily 53.3 Aleph e B e alguns outros manuscritos omitem os versículos 2 e 3. W omite par­

te do versículo 2. Esses versículos são semelhantes a Lucas 12.54-56. McNeile os rejeita aqui. Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text with Introduction, Notes, and índices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 235. WH os coloca entre parênteses. Jesus repetia as declara­ções que fazia. Theodor Zahn propõe que Pápias acrescentou essas palavras a Mateus. Geschichte des neutestamentlichen Kanons (Erlangen: 1888-1892).

4 “Nublado” (NVI).5 “Chover” (NTLH).6 “Discernir” (ARA).7 TR e TM incluem toü upotj)r|TOu; GNT/NA e WH não incluem toü irpo(j)r|TOÍ).8 “Tendo [...] passado” (ARA); “indo” (NVI).9 “Esqueceram-se” (ARA).

10 “Discutiam entre si” (AEC).11 “Pão” (AEC; NTLH; NVI; ARA; ARC); “pães” (BJ).12 “Perguntou” (ARA).13 “E eles responderam” (ARA).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

14 TR e TM têm Oi õè elirov.15 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 223.16 “E eu lhe digo” (NVI).17 McNeile, Matthew, p. 240.IS Bruce, Expositor s, pp. 223, 224.19 “As portas do Hades não poderão vencê-la” (NVI).20 James Hope Moulton and George Milligan, The Vocabulary o f the Greek

Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 9.21 McNeile, Matthew, p. 242.22 Ibid.23 “Que não contassem a ninguém” (NVI).24 “Ao terceiro dia” e “depois de três dias” são termos claramente equivalentes.

Em liberdade de expressão, “depois de três dias” pode ainda ser no terceiro dia, mas não pode significar no quarto dia. Ver T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York: Macmillan, 1911), p. 193.

25 John Albert Bengel, New Testament Word Studies, vol. 1 (Reimpressão, Grand Rapids: Kregel, 1971), p. 214.

26 Bruce, Expositor’s, vol. 1, p. 226.27 “Deus não o permita, Senhor!” (BJ; cf. NTLH); “nunca, Senhor!” (NVI).28 “Jesus virou-se” (NVI). O substantivo próprioTriaoüç não consta no grego texto.29 Bruce, Expositor s, vol. 1, p. 226.30 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint

Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 234.31 TR e TM têm OKávòaXóv |iou el.32 “Não compreendes as coisas” (AEC); “[você] não pensa nas coisas” (NVI);

“não cogitas das coisas” (ARA).33 McNeile, Matthew, p. 247.34 TRtemTiveç tcõv cSôe êcn;r|KÓTWv; TM tem xiveç uõe èoTCÔxeç.

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Capítulo17

Mateus17.1. Seis dias depois (|ie0’ rpépaç e£). Pode ser no sexto dia,

mas, como Lucas diz, “quase oito dias depois” (Lc 9.28), só pode­mos concluir que foi aproximadamente uma semana. Não há por que tentar ser preciso, visto que o número exato de dias é irrelevante para a narrativa.

Tomou Jesus consigo (irapo'Acqj.ßcti'ei ó Trioouç), tradução li­teralmente correta. Note o presente histórico. Pedro, Tiago e João formam um círculo interno dos apóstolos de Jesus. Esses três mos­traram que entendiam mais o Mestre. Os mesmos três estariam no jardim do Getsêmani.

Os conduziu em particular a um alto monte (àvax\)( pc i aikouç úq òpoQ ínjrriÀòv), provavelmente de novo ao monte Hermom, em­bora não saibamos. “O monte da transfiguração não diz respeito à geografia”, de acordo com Holtzmann.

Em particular (kcct’ Lõíav); Marcos 9.2 acrescenta “sós” (laóvouç).

17.2. E transfigurou-se diante deles (|a.eTe|aopc|3CÓ0ri <É|iTTpocf9ev carcGJv). A palavra grega é igual a metamorfosear1 da mitologia pagã. Lucas, falando aos gentios, não a usa. A ideia é mudança (jiera-) de

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

forma (|aopct>r|). Apresenta a essência real de uma coisa em distinção a oxrj|j,a (modelo), o acidente externo. Em Romanos 12.2, Paulo usa os dois verbos, (ir] auaxrn-urcíCeoGe (“não vos conformeis”) e [letaiiop (jjoGoGe (“transformai-vos”). Em 1 Coríntios 7.31, Paulo usa oxrpa para referir-se à “aparência” do mundo, ao passo que em Me 16.12 |iop4>ií é utilizada para aludir à forma de Jesus depois da ressurrei­ção. Em 2 Coríntios 11.13-15, ele usa a palavra |ietaaxr|^ai:íao|J.oa para descrever os falsos apóstolos (“transfigurando-se”, “se transfi­gura” e “se transfigurem”). Em Filipenses 2.6, èv |iop4>fj (“forma”) diz respeito ao estado pré-encamado de Cristo, e em Filipenses 2.7, liopcf^v òoijÃou (“forma”) alude ao estado encarnado, ao passo que apít-iaTL úç av0p(i)TToç enfatiza o fato de ele fazer-se “semelhante aos homens”. Traduzir por “metamorfoseou-se” em Mateus 17.2 é incorreto por causa de suas associações pagãs. “Transfigurou-se”, da Vulgata Latina transfiguratus est é melhor. “Vemos a força mais profunda de |ieicqiop4)oíja0ca em Romanos 12.2 e em 2 Coríntios 3.18 (com referência ao brilho no rosto de Moisés [“transforma­dos”]).”2 A palavra ocorre em um papiro do século II acerca dos deuses pagãos que são invisíveis. Mateus se previne da ideia pagã, acrescentando e explicando que o rosto de Cristo era “como o sol” e que as suas vestes eram “como a luz”.

17.3. Lhes apareceram Moisés e Elias3 (âxj)0r| oorcolç Ma)i}af|<; «m ’H/áaç4). Terceira pessoa do singular do aoristo passivo do indicativo com Moisés (também entendível com Elias), mas o particípio avllà ÀouvTeç é plural, concordando com os dois. “A visão é desfrutada por todos os três, fato que garante objetividade suficiente.”5 Os apocalip­ses judaicos revelam as expectativas populares de que Moisés e Elias reapareceriam. Ambos tiveram aspectos misteriosos relacionados à morte de cada um. Um representava a lei, o outro, a profecia, ao passo que Jesus representava o evangelho (a graça). Eles “falavam da sua morte” (Lc 9.31). A cruz era o tema mais sublime na mente de Cristo. Os discípulos não estavam compreendendo, por isso Jesus recebe o consolo necessário pela companhia de Moisés e Elias.

17.4. Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus (áuoKpiOeiç 5è ó néxpoç eÍTTev tu Tr|ooO). “Pedro se destaca novamente, mas não

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Mateus 17

tanto para a sua honra.”6 Não está claro o que Pedro quer dizer com a declaração: “Bom é estarmos aqui” (Kcdóv éoiiv fpâç coõe eívai). Lucas acrescenta: “Não sabendo o que dizia”, visto que “estavam carregados de sono” (Lc 9.32,33). Portanto, não é bom levar Pedro muito a sério nessa ocasião. De qualquer forma, ele faz uma propos­ta clara e específica.

Façamos1 (ttoltíoco 8), primeira pessoa do singular do futuro ati­vo do indicativo, embora o subjuntivo aoristo tenha a mesma for­ma.

Três tabernáculos9 (Tpetç OKr\váç,), tendas, barracas. A Festa dos Tabernáculos não estava longe. Pedro pode ter pretendido dizer que eles deveriam ficar no monte e não ir a Jerusalém durante a festa.

17.5. Uma nuvem luminosa os cobriu10 (vecjxÉÀri Lvr) êrreaKÍaaey aúroúç). Eles estavam em um lugar elevado, lugar de nuvens, quando uma nuvem os engolfou em volta e por cima deles. Ver este verbo usado acerca de Maria (Lc 1.35) e acerca da sombra de Pedro (At 5.15).

Este é o meu Filho amadou (OutÓç etmv ô ulóç pou ó áyairr|TÓç). No batismo de Jesus (Mt 3.17), essas palavras foram dirigidas a Ele. Aqui, a voz que saiu da nuvem luminosa fala com esses três discí­pulos acerca de Jesus.

Escutai-o (dcKoúexe carcoü), mesmo quando Jesus falar sobre a sua morte. É uma repreensão mordaz a Pedro por querer consolar Jesus sobre a sua morte.

17.7. E, aproximando-se Jesus, tocou-lhes12 ( k k 'l TTpoof|A.9ev ó

’Ir|oouç Kcà à\|já|j,evoç auiGÒv 13), ternura e afeto no momento em que eles sentiam medo.

17.8. E, erguendo eles os olhos14 (empaviec; õè touç ócj)6aA.|iouc; airccôv), depois do toque tranquilizador de Jesus e de suas palavras de alegria.

Ninguém viram, senão a Jesus'5 (oüôéva eíõov el pf| oíijtÒv ’IriooOv [ióvov16). Moisés e Elias tinham ido embora com a nuvem luminosa.

17.9. Até que o Filho do Homem seja ressuscitado dos mortos (écoç ou ó uLòç Tot) ávGpúuou <èk veKpwv eyepGfj). Essa conjunção

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

é comum com o subjuntivo para dizer um acontecimento futuro, a sua ressurreição (éyepGfi). Mais uma vez eles ficaram sem entender o que significavam essas palavras (Me 9.10). Lógico que Jesus espe­rava que a sua glória e essa visão de Moisés e Elias prestassem um bom serviço referente à sua morte.

17.10. É mister que Elias venha primeiro (’HÀÍav17 õet éÀGeiv rrpákov). Essa questão teológica os interessava mais que qualquer outra coisa. Eles haviam acabado de ver Elias, mas Jesus, o Messias, viera antes de Elias. Os escribas usavam Malaquias 4.5. Jesus tam­bém falara de novo sobre a sua morte e ressurreição. Eles não con­seguiram juntar todos esses elementos para entender.

17.12. Elias já veio (’HAÍaç18 f|ôr) r|/,0ev). Jesus identifica João Batista com a promessa em Malaquias, embora não com a pessoa de Elias (Jo 1.21).

Não o conheceram (oúk énéyvwaav aúxòv), terceira pessoa do singular do aoristo segundo ativo do indicativo de èiuyivGXJKGO, “reconhecer”. Da mesma maneira que eles não reconheceram Jesus (Jo 1.26), não reconheceram João. Por conseguinte, João morrera e Jesus logo morreria.

17.13. Então, entenderam os discípulos (totc auvf|Kav oi \iã 0rpm). Um dos três aoristos de k . Ficou bastante claro para eles. João Batista era como Elias em espírito e preparara o caminho para o Messias.

17.15. [Ele] é lunático19 (aeÀ.r|viáÇeToa). Significa, literalmen­te, “afetado pela lua”. Supunha-se que os sintomas da epilepsia se agravassem com as mudanças da lua (cf. Mt 4.24).

E sofre muito20 ( kccI kockcoç 7 rá a % < H ) como ocorre frequentemen­te nos Evangelhos Sinóticos.

17.17. O geração incrédula e perversa!21 (TQ yeveà enuaxoç Kcà òL6axpa[ifiéyr|), torcida, tortuosa, trançada em duas, corrupta. Nominativo singular feminino do particípio perfeito passivo de ôiaoTpécjjGO.

17.20. Por causa da vossa pequena fé 22 (Aià xf]v óA.LyoTTiaiíav ò[iGÕv23), uma boa tradução. Era menor que “um grão de mostarda”24 (còç kokkov oLvá-newç, Mt 13.31). Eles não tinham a fé de milagre.

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Mateus 17

De acordo com Bruce, “este monte” é o monte da transfiguração para o qual Jesus apontou.25 Se for verdade, então ele está ensinando em uma parábola. O nosso problema sempre é com “este monte” que obsta o nosso caminho.

Passa (Merapa26). Uma forma de |iexápr|Qi, imperativo de [ie-capcávci), “mudar de lugar”.

17.23. is eles se entristeceram muito27 (kocI éA.u'írr|6r)aav ocjjóôpa). Finalmente, os discípulos entenderam que Jesus estava falando so­bre a sua morte e ressurreição.

17.24. Os que cobravam as didracmas2S (ol zà ôiõpaxM-a Ãa[ipávoyieç). Esse imposto do Templo perfazia uma dracma áti­ca ou meio siclo judaico,29 cerca de um terço de dólar. Todo judeu de vinte anos de idade para cima tinha de pagar essa importância para a manutenção do Templo. Mas não era um imposto compul­sório como o cobrado pelos publicanos para o governo romano. “O imposto era como uma taxa eclesiástica voluntária; ninguém era obrigado a pagar.”30 A mesma palavra grega ocorre em dois papiros egípcios do século I d.C. para aludir ao recibo do imposto do templo de Suchus.31 Esse imposto do Templo de Jerusalém era recolhido no mês de adar (março); agora fazia quase seis meses que estava vencido e não fôra pago. Mas na maior parte deste tempo, Jesus e os doze tinham estado fôra da Galiléia, daí a pergunta dos cobrado­res de impostos. O pagamento só podia ser feito com o meio siclo judaico, assim os cambistas tinham um negócio próspero cobrando uma pequena porcentagem pela moeda judaica. O lucro chegava a quarenta e cinco mil dólares por ano. E significativo eles terem abordado Pedro em vez de Jesus, talvez não desejando envergonhar “o vosso mestre”, fato que “indica indiretamente que o imposto es­tava vencido e não fôra pago”.32 Evidentemente, Jesus tinha o hábito de pagar o imposto de Pedro.

17.25. Jesus se lhe antecipou33 (iTpoécjjGaoev aútòv ò ’Iipoüç Àéyuy). A palavra TTpoécjíGaaev só ocorre aqui no Novo Testamento. Achou-se uma ocorrência em certo papiro datado de 161 d.C.34 O antigo uso idiomático de cfiGávco com o particípio sobrevive nessa ocorrência de TTpocj)9áv(o no versículo 25, significando “antecipar-

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

se”, “conseguir antes de alguém fazer uma coisa”. O grego Koivií usa o infinitivo com cjrôávco, que veio a significar simplesmente “chegar”. Aqui, a antecipação é clara pelo uso de upo-.35 Pedro se sentiu obrigado a levar o assunto a Jesus. Mas o Mestre observara o que estava acontecendo e falou primeiro com Pedro.

Os tributos ou os impostos36 (xéÀri r|| Kf|voov). Os publicanos co­letavam tributos ou impostos ou mercadorias (como cjrópov, Rm 13.7) e também a capitação por pessoa (o imposto pago por cabeça), tributação indireta e direta. A palavra Kf|vooç é semelhante à palavra latina census (“censo”), uma inscrição com a finalidade de avaliar a propriedade, cor­respondendo a f] àTTOvpa(|)r| em Lucas 2.2 e Atos 5.37. Por meio dessa parábola, Jesus, como o Filho de Deus, reivindica isenção do imposto do Templo pelo fato de o Templo ser do seu Pai, da mesma maneira que as famílias reais não pagam impostos, mas recebem tributo dos “alheios” ou estrangeiros que são os verdadeiros súditos.

17.26. Estão livres os filhos (èXeúGepoi eioiv oi moi). Claro que Jesus e os discípulos também estão em contraste com os judeus. Portanto, a resposta ao lembrete de Pedro é “sim”. “Logicamente” ('Apa ye, “logo”) eles estão isentos do imposto do Templo, mas, na prática, Ele se submeterá.

17.27. Mas, para que os não escandalizemos37 (Iva ôè p.f| oK(xyôaÀioco|iey caixoúç). Jesus não deseja criar a impressão de que Ele e os discípulos menosprezam o Templo e a adoração feita ali. Aqui está o tempo aoristo, embora alguns manuscritos tenham o subjuntivo presente (linear).

O anzol (ayKioxpov). Este é o único exemplo no Novo Testamento de pescar com anzol. Derivado de um verbo não usa­do ayKiCo), “angular”, e daí de ayKoç, “uma curva” (assim também ayKaAri, a curva interna do braço, Lc 2.28). Este pode ter sido um equipamento de anzóis múltiplos, visto que Pedro tinha de olhar para “o primeiro peixe que subir”38 (xòv àvafiávm iípcúxov lx0í)v).

Um estáter39 (oxcmpa). O grego estáter é igual a quatro drac­mas, o suficiente para pagar o imposto de duas pessoas.

Por mim e por ti40 (ávx! è|_ioü Kod goü). O uso comum de ávií. nas transações comerciais, “em troca de”. Aqui temos um milagre

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Mateus 17

de presciência. Tais coisas aconteciam. Alguns tentam se livrar do milagre tachando-o de provérbio ou dizendo que Jesus só quis dizer para Pedro vender o peixe e, assim, obter o dinheiro. Mais pare­ce em um tipo de ânsia nervosa para aliviar Jesus e o Evangelho de Mateus do elemento milagroso. “Todas as tentativas feitas pelo antiquíssimo racionalismo foram vãs para dar um significado não miraculoso a essas palavras”, de acordo com B. Weiss. O texto não declara que Pedro tenha realmente pescado tal peixe, embora seja a dedução óbvia. Não sabemos por que a provisão é apenas para Pedro e Jesus.N O TAS__________________________________________________1 Cf. Ovídio (43 a.C. a 17 d.C.), poeta romano que escreveu Metamorfose.2 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and índices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 249.

3 “Apareceram diante deles Moisés e Elias” (NVI).4 TR e TM têm cj4>9r|oav em lugar de w4)0r|.5 Alexander Balmain Bruce, The Expositor s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 229.6 Ibid.7 “Levantarei” (BJ); “armarei” (NTLH); “farei” (NVI; ARA).8 TR e TM têm Timr|aw|j,Ev.9 “Três abrigos” (AEC); “três tendas” (BJ; NVI; ARA); “três barracas”

(NTLH).10 “Uma nuvem resplandecente os envolveu” (NVI).11 “Este é o meu Filho querido” (NTLH).12 “Jesus chegou perto deles e, tocando-os” (BJ).13 TR e TM têm rui/ato aútoõv.14 “Então, eles, levantando os olhos” (ARA).15 “Não viram ninguém: Jesus estava sozinho” (BJ).16 TR e TM têm TOv’Ir|aoíjv \íòvov.17 TRs tem H líav; WH tem HA.eíai'.18 TRs tem HÀÍaç; WH tem'HA.eíaç.19 “É epiléptico” (AEC); “ele tem ataques” (NVI).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

20 “E está sofrendo muito” (NVI).21 “Gente má e sem fé!” (NTLH).22 “Por causa da fraqueza da vossa fé” (BJ).23 TR e TM têm dauatíav.24 “Do tamanho de uma semente de mostarda” (NTLH).25 Bruce, Expositor’s, p. 233.26 TR e TM têm Metápr|9i..27 “E os discípulos ficaram cheios de tristeza” (NVI).28 “Os coletores do imposto de duas dracmas” (NVI).29 Josephus, Antiquities o f the Jews, 3.194. [Edição brasileira: Flávio Josefo,

História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]30 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint

Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 244.31 James Hope Moulton and George Milligan, The Vocabulary o f the Greek

Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 159.32 Bruce, Expositor s, p. 234.33 “Jesus foi o primeiro a falar” (NVI).34 Moulton e Milligan, Vocabulary, p. 556.35 Ver A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 1.120.36 “Impostos e taxas” (NTLH).37 “Mas nós não queremos ofender essa gente” (NTLH).38 “O primeiro peixe que fisgar” (ARA).39 “Uma moeda de quatro dracmas” (NVI).40 “O meu imposto e o seu” (NTLH).

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Capítulo18

Mateus18.1. Quem é o maior1 (Tíç apa |_ieíCoov éa-clv). Ao que parece,

(Íçm aponta o incidente do pagamento do imposto do Templo, quan­do Jesus reivindicara isenção por serem “filhos” do Pai. Mas não era uma nova disputa, pois o ciúme vinha crescendo no coração dos discípulos. É lógico que as palavras maravilhosas que Jesus disse a Pedro no monte Hermom (Mt 16.17-19) fizeram-no sentir um novo alento de liderança. Foi com base nisso que ele tivera a petulância de reprovar Jesus por falar da sua morte (Mt 16.22). E Pedro foi um dos três, junto com Tiago e João, que acompanharam o Mestre ao topo do monte da transfiguração. Naquela ocasião, Pedro falara prontamente. Agora os cobradores de impostos tiveram um aparte com Pedro como alguém que parecia representar o grupo. Marcos 9.33 diz que Jesus lhes perguntou o tema da discussão que vinham tendo pelo caminho até entrarem em casa, talvez logo depois da pergunta feita em Mateus 18.1. Jesus notara a discussão. Ocorrerá outra vez (Mt 20.20-28; Lc 22.24). Esse episódio recorrente dei­xa bastante claro que os outros não reconheciam a “primazia de Pedro”. O uso do comparativo lieiÇcov (como ò neíCwv em Mt 18.4), em vez do superlativo pivioioç, está totalmente de acordo com o

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

grego Koivri, no qual o comparativo está deslocando o superlativo.2 Mas é uma descoberta triste saber que os discípulos estão mais in­teressados em lugares (ofícios) no reino político que esperavam que Jesus estabelecesse.

18.2. Chamando uma criança3 (TTpoaKaA.eoá|ievoç muõíov4). Particípio aoristo médio indireto no nominativo masculino singular. Pode ter sido a “criancinha” (tkuôÍov) de Pedro (seu filho), visto que é provável que eles estivessem em sua casa (Me 9.33).

[Ele] a pôs (ecnr|csev oaixó). Terceira pessoa do singular do ao­risto primeiro ativo do indicativo transitivo, e não do aoristo segun­do intransitivo, eoTr).

No meio deles5 (kv [iéoco oorcajv). Em Lucas 9.47, Lucas acres­centa “junto a si” (rnp ’ èavzcò). Ambas as declarações podem ser verdadeiras.

18.3. Se não vos converterdes e não vos fizerdes como crian­ças6 (èàv |if| GTpKcJííyue kkl yévrioGe wç tà muôía). Esta é uma condição de terceira classe, indeterminada, mas com o prospecto de determinação; atpc«j)f|tÉ é a segunda pessoa do plural do aoristo segundo do subjuntivo passivo, e yévr)o0e é a segunda pessoa do plural do aoristo segundo do subjuntivo médio. Eles estavam indo para a direção errada com essa ambição egoísta. “O seu tom nessa ocasião é destacadamente severo, como quando denuncia o farisa- ísmo em seus estágios iniciais como quando denuncia o farisaísmo nos primeiros momentos em que teve de lidar com essa questão.”7 A forte dupla negação oí) |ifi eloéÀOryre significa que, de outro modo, eles não entrarão de jeito nenhum no Reino dos céus, muito menos ter posições importantes nele.

18.4. Esta criança (zò naiôíov toíjto). Jesus repetiu muitas vezes esta declaração sobre humildade (por exemplo, Mt 23.12). Provavelmente Jesus apontou para a criança que estava junto dEle. A história do século XI que fala que essa criança era Inácio é inútil. O ponto não é que a criança se humilhou, mas que a criança é humilde por natureza do caso, em relação às pessoas mais velhas. Trata-se de uma verdade por mais voluntariosa que a criança seja. Bruce observa que humilhar a si mesmo é “a coisa

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Mateus 18

mais difícil do mundo tanto para os santos quanto para os peca­dores”.8

18.5. Em meu nome (èrrl tcô òvóiíoctí. (íou). Por “uma criança tal como esta” (qualquer crente em Cristo), Lucas tem “esta crian­ça” como representante ou símbolo (Lc 9.48). “Com base ou fun­damento no meu nome”, “por causa de mim”. Muito semelhante a elç ôyo(i(x, em Mateus 10.41, que não difere muito de év òvò\io.x i (At 10.48).

18.6. Estes pequeninos (tcôv [JiKpwv toútgúv), no mesmo senti­do que “uma criança tal como esta” supracitada. A criança é um tipo que representa os crentes.

Uma mó de azenha9 (|j,úàoç óvikoç), a mó grande e pesada de cima que era girada por um jumento (õvoç). Não havia exemplo do adjetivo óvlkoç (girado por um jumento) fôra do Novo Testamento até que os papiros revelaram várias referências a pedras ou outras cargas que um jumento precisava levar. G. Adolf Deissmann nota exemplos ocorridos em papiros da venda de um jumento e do impos­to cobrado sobre a carga de bens que um jumento transportava.10

Na profundeza do marn (tco 'neA.áyei tfjç 0aA.áaar|ç). “O mar do mar.” A palavra uéA.ayoç é provavelmente derivada de vkr\mtú, “ba­ter”, e daí “a batida”, “as ondas respingadas do mar”. “Longe fôra no mar aberto, um substituto vívido de elç zr\v 9áÀaooav.”12

18.7. Por quem (ôi’ ou). Jesus reconhece a inevitabilidade das pedras de tropeço, armadilhas, obstáculos, o mundo ser como é, mas Ele não perdoa os que armam as armadilhas (cf. Lc 17.1).

18.8,9. No fogo eterno [...] no fogo do inferno (elç tò nup tò altóviov... elç tfiv yéevvav xou rrupóç). Nos versículos 8 e 9 ocorre uma das parelhas em Mateus. Para ver outra que é quase a mesma, ver Mateus 5.29,30. Jesus repetia variações das suas de­clarações contundentes muitas vezes. Em vez de elç yéevvav, em Mateus 5.29,30, Mateus 18.8 tem elç tò -rrup tò alúviov, e Mateus 18.9 tem elç rf|v yéevvav toú rrupóç.13 O versículo 8 é o primei­ro uso em Mateus de alwvioç. Ele o usará novamente em Mateus 19.16,29 com (oyr|v (“vida”), em Mateus 25.41 com uup (“fogo”) e em Mateus 25.46 com KÓA.aoiv (“tormento”) e (ccnív. A palavra

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

alcóvioç significa “sem começo”, quando aplicada ao evangelho em Romanos 16.25, e “imutável”, “sem começo ou fim”, quando aplicada a Deus em Romanos 16.26. Em outros lugares, como este, significa, na maioria das vezes, “sem fim”. Os esforços para limitar o significado ao fogo, mas não à permanência do tormento no fogo, também devem ser aplicados ao paralelo da vida. Se o tormento é limitado, ipso facto a vida é limitada.

18.9. Com um só olho (|j,ovócj)0cd[j.ov), é tradução literal. Essa combinação iônica em Heródoto é condenada pelos aticistas, mas é reavivada no Koivri vernacular. As únicas ocorrências no Novo Testamento são aqui e em Marcos 9.47.

18.10. Não desprezeis algum destespequen inos14 (ícaracf) povrioriTe evòç tüv |_LiKpGòv toútgov). Literalmente, “pensar para baixo em”, com a suposição de superioridade.

Os seus anjos (ol a yyd o i airrcôv). Os judeus acreditavam que cada nação tinha um anjo guardião (Dn 10.13,20,21; 12.1). Cada uma das sete igrejas mencionadas em Apocalipse tem “anjos” (Ap 1.20), quer signifique mensageiros humanos quer mensageiros di­vinos. Será que Jesus quis dizer que cada criancinha ou criança que crê é cuidada por um anjo que se reporta à presença de Deus e que, com intimidade especial, esses anjos “vêem a face de meu Pai” (pXéiTouaiv xò upóacúiTOv toO TOipoç [iou)? Ou quem sabe ele quis dizer que os anjos se interessam pelo bem-estar do povo de Deus (Hb 1.14)? Sentimo-nos consolados por esse pensamento. Certamente Jesus quer dizer que o Pai tem cuidado especial pelos seus “pequeninos” que crêem nEle. Há anjos na presença de Deus (Lc 1.19).

18.11. E quase certo que esse versículo não é genuíno aqui,15 mas consta em Lucas 19.10.

18.12. Não irá pelos montes, deixando as noventa e nove, embusca da que se desgarrou?16 (oux! c«})r|aei xà èvevr|KOvi:a évvéa17 4ttI xà opr| Koà iropeuBelç xò ttàocv<jÓ|í€vov;). “Não deixará asnoventa e nove nos montes e não vai buscar (mudança para o tempo presente) a desgarrada?” Nos pastos altos onde as ovelhas pastam à vontade, uma se desgarra pelos campos (ver essa parábola em Lc

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Mateus 18

15.4-7). A palavra planeta é derivada de TTA.aváo|_ica. Os planetas se chamam “estrelas errantes (ou moventes)” em oposição a “estrelas fixas”, como é a sua aparência relativa no céu da noite.

18.14. Não é vontade de vosso Pai, que está nos céus1 x (oúk íéotiv 9éA.r|[ia ’é|iiTpoaGev xoü mupòç ú|icôv tot> kv oúpavoiç). Observe que WH lê |_iou (“meu”) em lugar de ú|i«v (“vosso”) de acordo com a Versão Cóptica Saídica B. Qualquer uma das opções faz bom senti­do, embora a palavra vosso transmita a imagem do cuidado de Deus por cada “um destes pequeninos” (ev tôv [iiKpGÒv toútwv) entre os filhos de Deus. O uso de eprrpooGev (literalmente, “diante da face”; “na frente de”) com GéÀrpa é um hebraísmo, como é ’éfiupooGev oou em Mateus 11.26 comeúôoicía, “boa vontade”, “bom prazer”.

18.15. Se teu irmão pecar19 (’Eàv õè èiiaprrior] elç oè20 ó áõeÀcjjóç oou). A forma significa, literalmente, “comete um pecado”, terceira pessoa do singular do aoristo ativo ingressivo do subjuntivo de qmpTOUü).

Repreende-o (eÀeyÇov amòv). A reprovação em particular é dura, mas é o modo cristão.

Ganhaste (èicepôrioaç). Segunda pessoa do singular do aoris­to ativo do indicativo de Kcpòaív« em conclusão de uma terceira condição de classe, um tipo de aoristo infinito, um grande feito já obtido.

18.16. Leva ainda contigo um ou dois21 (uapáÀaPe (aexà oou eci eva r)| õúo). Leva (uapá) com (|ietá) você (cf. Dt 19.15).

18.17. Não as escutar (rapctKOÚari autôv). O significado é igual a Isaías 65.12, em que Deus é o ignorado. Há muitos exemplos nos papiros de “ignorar”, “desconsiderar”, “ouvir sem atender a”, “ouvir à parte” (uapa-), “ouvir indevido” ou “ouvir por acaso” (Me 5.36).

A igreja (rfj fKKÂrioía). Aqui está em vista a assembléia local, e não a geral, como em Mateus 16.18 (ver análise ali). O problema aqui é se Jesus tem em mente um corpo de crentes em existência ou se está falando profeticamente de igrejas locais, de como elas serão organizadas depois do Dia de Pentecostes. Há estudiosos que vêem como prova de que os doze apóstolos já constituem uma 4kkà,t|oÍ(x local, um tipo de igreja ambulante de pregadores. Mas isso só seria

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

verdade em essência, visto que eles não tinham uma assembléia res­trita a determinado local. Alexander Bruce defende que, de qualquer fornia, eles eram “o núcleo” de uma igreja local.22

18.18. Será ligado23 (eoxoa ôeôe|aéva kv oúpavcô 24). Terceira pessoa do plural do fúturo do indicativo com um nominativo plu­ral neutro do particípio perfeito passivo como uma construção peri­frástica como em “será desligado”25 (eotai A.eA.u|_iéva). Em Mateus 16.19, ocorre essa mesma forma incomum. Lá, o ligar e o desligar são dirigidos somente a Pedro, mas aqui são repetidos para a igreja, ou pelo menos para os discípulos.

18.19. Se dois de vós concordarem (éàv ôúo oufi^coyriocooiv hí ú|j,(5v). A palavra sinfonia vem dessa raiz grega. A palavra já não significa “um acordo de vozes”, “um coro em harmonia”, embora isso seja um ideal apropriado para a igreja.

Por meu Pai (mxpà toO uaipóç fiou), do lado do meu Pai.18.20. A í estou eu2b (exei eí|ii). Essa promessa grandiosa dá a

entender que os reunidos realmente são os discípulos com o Espírito de Cristo como também os discípulos “em meu nome” (elç tò è|aòv ovo|j,ct). Uma das “Declarações de Nosso Senhor” que consta dos pa­piros de Oxyrhynchus diz: “Onde quer que haja (dois) eles não estão sem Deus, e onde quer que haja um só eu digo que estou com ele”. Também diz: “Levante a pedra e lá tu me acharás, corte a madeira e ali estou eu”.

18.21. Até sete? (éoç étttokiç;). Pedro pensou que estava sendo generoso quando perguntou se deveria perdoar um irmão até sete vezes. A regra judaica para perdoar alguém era três vezes (Am 1.6). A pergunta é uma extensão natural de Mateus 18.15. Ao que parece, “contra mim” é genuíno aqui. “A pessoa que faz tal pergunta real­mente não sabe o que significa perdão.”27

18.22. Até setenta vezes sete (ewç è(3Õ0|ir|K0VTáKiç eircá). Não está claro se esse linguajar significa setenta e sete ou quatrocen­tos e noventa (“setenta vezes sete”). Se çhtcÍkiç ocorreu aqui, seria claramente quatrocentos e noventa vezes. A mesma ambiguidade aparece em Gênesis 4.24, onde o texto da LXX, omitindo kai tor­na a vingança orgulhosa de Lameque ou setenta e sete vezes ou

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quatrocentas e noventa vezes tão grande quanto a ofensa. No livro apócrifo Testamento dos Doze Patriarcas, Benjamim.2- é claramente usado no sentido de setenta vezes sete. A pergunta é sem sentido em Mateus 18.22. Jesus obviamente quer dizer que o perdão tem de ser ilimitado, seja quantas vezes for pedido. “A vingança ilimitada do homem primitivo deu lugar ao perdão ilimitado do cristão.”29

18.23. One quis fazer contas (oç r)0éA.r|crev ouvâpai Àóyov), também visto em Mateus 25.19. Talvez um latinismo, rationes con- ferre. Infinitivo aoristo primeiro ativo de ouvaípco, “computar con­tas”, “liquidar (contas)”, “comparar contas com”. Não ocorre nos escritores gregos antigos, mas consta em dois papiros do século II d.C. no mesmo sentido aqui. O substantivo aparece em um óstraco núbio do início do século III.30

18.24. Dez mil talentos ([iupícov TaÀávTGov). Um talento era o valor equivalente a seis mil denários, o que equivalia a seis mil dias úteis de trabalho ou trinta anos de trabalho. Um único talento era quase a renda de uma vida inteira. Os impostos imperiais anuais da Judéia, Iduméia e Samaria elevam-se a somente seiscentos talentos, enquanto que a Galiléia e Peréia pagavam duzentos talentos.31

18.25. Não tendo ele com que pagar (p.fi éxovtoç õè «òtou à-íToõoüvca). Não há “com que” no original grego. Vemos essa lin­guagem em Lucas 7.42, 14.14 e Hebreus 6.13. Genitivo absoluto, embora avzóv na mesma cláusula seja frequentemente encontrada no Novo Testamento.

Fossem vendidos (upa0f|vai), infinitivo aoristo primeiro passivo TTiupáoKío. Isso estava de acordo com a lei (Ex 22.3; Lv 25.39,47). Nesses tempos primitivos, a esposa e os filhos eram tratados como propriedade.

18.27. A dívida (tò ôáveiov). O termo é comum nos papiros para referir-se a empréstimo. O juro aumentara a dívida excessiva­mente. “Essa elevada usura oriental é do cenário da parábola.”32

18.28. Que lhe devia cem dinheiros (oç co^eiÀev ocutíô eKcaòv ôr|vápict). Um dinheiro ou denário era o salário de um dia para o trabalhador. Os cem denários aqui eram iguais a uns “cinquenta xe­lins”,33 “mais ou menos quatro libras”,34 “vinte libras” (Moffatt),

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

“vinte dólares” (Goodspeed), “cem xelins” (Weymouth). Estes são esforços para representar em linguajar dos dias de hoje a quantia pequena dessa dívida comparada com a grande.

[Ele] sufocava-o35 (êttviyév). “Segurou-o pela garganta”.36 E a terceira pessoa do singular do pretérito imperfeito ativo do indica­tivo, provavelmente incoativo (inceptivo), “começou a sufocá-lo” ou “começou a estrangulá-lo”. A lei romana permitia esse ultraje. Marvin Richardson Vincent cita Tito Lívio, historiador romano,37 que conta como os pescoços eram torcidos (collum torsisset), e como Cícero, estadista e escritor romano,38 diz: “Conduza-o ao tri­bunal com o pescoço torcido (collo aborto).”

O que me deves (eí t i ò4)tílc iç3'J). Literalmente, “se tu deves alguma coisa”, ainda que pouco. Ele nem sabia quanto era, só que ele lhe devia algo. “O ‘se’ meramente é a expressão de uma lógica impiedosa.”40

18.30. Ele, porém, não quis4] (ó õè oúk T]0eA.ev). Terceira pes­soa do singular do pretérito imperfeito ativo do indicativo, indican­do recusa persistente.

Até que pagasse a dívida (ecoç áiToõcò42). Esse subjuntivo aoris- to futurístico é a regra com ecoç para referir-se a uma meta futura. Ele tinha de ficar na prisão até pagar. “Ele age no instinto de uma natureza vil e ordinária, e claro que também em consonância com os antigos hábitos de comportamento tirânico e severo pertinentes a homens em posição de poder.”43 Sobre a prisão por dívida entre os gregos e romanos, ver Deissmann.44

18.31. Declarar45 (ôieoa^rioav), tomar perfeitamente claro ao senhor.

18.33. Não devias tu, igualmente'46 (ouk eõei Km oé [;]). “Não era necessário?” O rei assenta a carapuça nesse escravo mau na mesma medida em que ele enfiou a carapuça no devedor pobre.

18.34. Os atormentadores47 (tolç pocoavioraiç). Não simples­mente para prisão, mas para o castigo terrível. Os papiros dão vá­rios exemplos do verbo PceaavíCco, “torturar”, “atormentar”, que era aplicado a escravos e outras pessoas. “Tito Lívio (2.23) fala de um centurião velho que reclama por ter sido levado pelo credor, não em

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escravidão, mas para uma casa de correção e tortura, mostrando as costas marcadas por cicatrizes ainda com as feridas vivas.”48

Até que pagasse tudo (ecoç ou áiToõú rrâv). Da mesma maneira que no versículo 30, as suas exatas palavras. Todavia, essa condena­ção não é purificadora, mas punitiva, porque ele jamais conseguiria pagar a dívida imensa.

18.35. Do coração ((xttÒ twv xapôioòv ú|awv). Não um perdão fingido ou da boca para fôra; e também um perdão sempre que ne­cessário.49 Esta é a resposta completa que Jesus deu à pergunta que Pedro fez em Mateus 18.21.

NOTAS___________________________________________________1 “Quem é, porventura, o maior” (ARA).2 A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), pp. 667ss.3 “Ele chamou perto de si uma criança” (BJ).4 TR e TM têm irpoaKodeacqievog ó’Ir|aoik; mxiôíov.5 “Na frente deles” (NTLH).6 “A não ser que vocês se convertam e se tomem como crianças” (NVI).7 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 236.8 Ibid.9 “Uma grande pedra de moinho” (AEC); “uma pesada mó” (BJ).

10 G. Adolf Deissmann, Light from the Ancient East: TheNew Testament Illustrated by Recently Discovered Texts o f the Graeco-Roman World, traduzido por L. R. M. Strachan (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1965), p. 81.

11 “No lugar mais fundo do mar” (NTLH).12 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 261.

13 “Na geena de fogo” (BJ); “no inferno de fogo” (ARA).14 “Não desprezarem um só destes pequeninos!” (NVI).15 A. T. Robertson, Commenta?y on the Gospel According to Matthew (Nova York:

Macmillan, 1911), p. 202.16 “Será que não deixa as noventa e nove pastando no monte e vai procurar a ove­

lha perdida?” (NTLH).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

17 TR tem átjjeiç tà kvvevr\KOvxaewéa; TM temác^eiç tk èvvriKovua kvvka.18 “O Pai de vocês, que está no céu, não quer” (NVI).19 “Se teu irmão pecar contra ti” (ARC; cf. AEC; NTLH). A NVI coloca em nota

de rodapé: “Alguns manuscritos não trazem contra você”. A ARA coloca a ex­pressão contra ti em itálico. A BJ grafa simplesmente: “Se o teu irmão pecar”, sem a expressão “contra ti”.

20 WH, baseado em Aleph B Sanhidic, não inclui “contra ti” (eiç aé). “É possível que essas palavras não sejam genuínas, mas elas interpretam o sentido corre­tamente, como está claro pelos versículos 21 e 22; o mesmo se dá com Lucas 17.3,4, onde esse logion ocorre em outra relação” (Robertson, Commentary on Matthew, p. 202).

21 “Leve com você uma ou duas pessoas” (NTLH).22 Bruce, Expositor’s, p. 240.23 “Terá sido ligado” (ARA).24 TR e TM têmecrcoa ôgõefjiva ev ucS oúpavcS.25 “Terá sido desligado” (ARA).26 “Eu estou ali” (NTLH).27 Alfred Plummer, An Exegetical Commentaty on the Gospel According to Saint

Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 255.28 Testament of the Twelve Patriarchs, Benjamin 7.4.29 McNeile, Matthew, p. 268.30 Deissmann, Light from the Ancient East, p. 117.31 Josephus, Antiquities o f the Jews, 11.4. [Edição brasileira: Flávio Josefo,

História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]32 McNeile, Matthew, p. 269.33 Brace, Expositor’s, p. 243. Todas as equivalências dadas neste volume referem-

se ao valor monetário da década de 1930. Lógico que tais valores variam radi­calmente, pois refletem a economia da época.

34 McNeile, Matthew, p. 269.35 “Começou a sufocá-lo” (NTLH).36 Willoughby G. Allen, A Criticai and Exegetical Commentary on the Gospel

According to Matthew, International Critical Commentary ( Edimburgo: T. & T. Clark, 1912), p. 200.

37 Tito Livio 4.53.38 Pro cluentio, 21.39TRtem oxi óc|)eíA.eu;.40 Heinrich August Meyer, Critical and Exegetical Hand-Book to the Gospel o f

Matthew (Reimpressão, Winona Lake, Indiana: Alpha, 1980), vol. 1, p. 333.

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Mateus 18

41 “Mas ele não quis ouvi-lo” (BJ); “mas ele não concordou” (NTLH).42 TR e TM têm ecoç ou âiroõw43 Bruce, Expositor’s, p. 243.44 Deissmann, Light from the Ancient East, pp. 270, 330.45 “Relatar” (ARA).46 “Você não devia” (NVI).47 “Ser castigado” (NTLH).48 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), vol. 1, p.107.

49 “Ressentimento que demonstra afeição não é perdão” (Robertson, Commentary on Matthew, p. 205).

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Capítulo19

Mateus19.1. [Ele] saiu1 (jaeTfjpev), literalmente, “erguer para cima”,

“mudar algo para outro lugar”. É transitivo na LXX e em uma inscrição de pedra encontrada na Cilicia. É intransitivo aqui e em Mateus 13.53, as únicas ocorrências no Novo Testamento. A ausência de oui ou Km depois que ícal kyéveio torna este aqui um dos hebraísmos claros do Novo Testamento.2 Essa linguagem é um tipo de fórmula que Mateus coloca ao término de grupos importantes de Àóyia, como em Mateus 7.28, 11.1, 13.53.

Os confins da Judéia, além do Jordão2, (tà opia xfjç ’Iouõoáaç Tiépav toü ’Iopõávou). Esta é uma expressão curiosa. Dá a en­tender que Jesus deixou a Galiléia para ir à Judéia pela rota da Peréia, como os galileus habitualmente faziam, a fim de evitar passar por Samaria. Lucas 17.11 diz expressamente que Ele atra­vessou pelo meio de Samaria e da Galiléia quando deixou Efraim no norte da Judéia (Jo 11.54). Ele não estava com medo de cruzar os limites da Galiléia e descer pelo vale do Jordão na Peréia nes­sa última viagem para Jerusalém. McNeile é desnecessariamente contra o aspecto transjordânico ou pereiano dessa fase da obra de Cristo.4

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

19.3. Chegaram ao pé dele os fariseus, tentando-o5 (upoaf|À0ov avrô (Papiocâoi TieipáCovieç avzòu6). “Não havia perguntas que eles faziam a Jesus que não tivessem sido movidos por razões ma­léficas”.7 Ver Mateus 4.1 para inteirar-se da análise feita acerca da palavra TTeipá(co.

Por qualquer motivo (Kocrà uâaav aízíav). Esta condição é uma alusão à disputa que havia entre as duas escolas teológicas sobre o significado de Deuteronômio 24.1. A escola de Shammai assumia o ponto de vista rígido e não popular do divórcio só por falta de castidade, ao passo que a escola de Hillel defendia a visão liberal e popular do divórcio fácil por qualquer capricho momentâneo. O marido poderia se divorciar caso visse uma mulher mais bonita ou se a esposa deixasse queimar o almoço. Era um dilema e significava dividir a popularidade de Jesus com as pessoas. Não há verdadeira dificuldade com o uso de Kccra aqui no sentido de “por causa de”.8

19.5. Se unirá9 (KoAAr|9r|aerai I0). A terceira pessoa do singular do futuro passivo do indicativo do verbo que significa, “será colado a”.

Serão dois numa só carne (eoovtoa oi õúo eiç aápKa |j,í(xv). Esse uso de eíç depois de eljat chama-se acusativo predicativo e é imitação do hebraico, embora haja algumas ocorrências no grego mais antigo e nos papiros. A sua frequência é em virtude da influ­ência hebraica, e a forma em tais textos como este e na LXX é uma tradução direta da expressão idiomática hebraica.

19.6. Portanto, o que Deus ajuntou (ô ouv ô 9eòç auvé(eu£ev). Note “o que” e não “quem”. Deus estipulou a relação matrimonial. “A criação do sexo e o elevado princípio quanto à coesão que pro­duz entre o homem e a mulher, estabelecidos em Gênesis, inter­ditam a separação.”11 A palavra grega traduzida por “ajuntou” sig­nifica “jungir junto”, “ligar junto por jugo”, “emparelhar”, verbo comum para aludir a casamento em grego antigo. E o aoristo infinito do indicativo (auvé(eui;ev), sempre verdadeiro.

19.7. Carta (PipAiov). Um pequeno pípioç (ver análise em Mt 1.1), era um rolo de papel ou documento (papiro ou pergaminho). Essa declaração escrita servia de certa proteção para a mulher divor­ciada e de restrição à lassidão.

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Mateus 19

19.8. Por causa da dureza do vosso coração (irpòç xf|v GKÀripoKapÔLoa’ í)|_idov). Está claro que a palavra aKÀripoKapõíav é estritamente de origem bíblica. Só é encontrada na LXX e no Novo Testamento. O significado é um coração seco (ÓKÀrpóç), duro e rígido.

Mas, ao princípio, não foi assim12 (áu’ ápxfiç ôè oú yéyovev ouxgoç). Terceira pessoa do singular (presente) do perfeito ativo do indicativo de yívo|iou é usado para enfatizar a permanência do ideal divino. “A ordenança original nunca foi ab-rogada nem substituída, mas continua em vigor.”13 “Os discutidores fariseus devem ter se sentido pequeninos na presença de tamanho ensino santo, que se elevava acima da visão partidária dos controversistas para a região serena da verdade universal, eterna e ideal.”14

19.9. Não sendo por causa de prostituição15 ( |a f i é u i T T o p v e í a ) . A leitura na margem do texto grego em WH (m x p e K x ò ç A,óyou TTopyeíaç) também acrescenta “lhe faz adúltera” (nmel ai)xf]y |_ioixeu9f|vm) e também estas palavras: “E aquele que se casar quando ela for di­vorciada comete adultério” ( k k I ó àTToA.eA,i)[_iévr|v yct|ir|a(xç |ioixâ xca). Pelo visto, há certa quantidade de assimilação em diversos ma­nuscritos entre este versículo e as palavras constantes em Mateus5.32. Mas, seja qual for a leitura admitida aqui, até o texto curto em WH (|if| êrrl TTopveia, não por fornicação), está claro que em ambos os lugares Mateus apresenta Jesus a permitir o divórcio por “fornicação” (uopveí.(x), que tecnicamente é adultério ( |i o ix e ía é um substantivo cognato do verbo |_iOLxáto ou [loixeúco). Aqui, como em Mateus 5.31,32, certo grupo de estudiosos nega a autenticidade da exceção dada exclusivamente por Mateus. McNeile defende que “a adição da cláusula de exceção é, na realidade, oposta ao espírito do contexto, devendo ter sido inserida em uma época em que a prática de divórcio por adultério já havia aumentado”.16 Em minha opinião, isso é crítica gratuita de quem está pouco propenso a aceitar o re­lato de Mateus, porque discorda do ponto de vista que ele expres­sa. E acrescenta: “Não podemos supor que Mateus tivesse desejado apresentar Jesus a apoiar a escola de Shammai”. Por que não, se Shammai neste ponto concordava com Jesus? Os que negam o re­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

lato de Mateus são os se opõem ao segundo casamento. Claro que Jesus levou o assunto do casamento e do divórcio a um nível novo e sublime, muito além das contenções insignificantes das escolas de Hillel e Shammai.

19.10. Disseram-lhe seus discípulos (Aiyouaiv aiitcò ol |ia0r|rai aíruoO). “A doutrina de Cristo sobre o casamento não só o separava diametralmente das opiniões farisaicas de todas as nuanças de signi­ficado, mas era demasiadamente elevada até para os doze.”17

A condição18 (rj ocltloc). A palavra pode referir-se ao uso no ver­sículo 3 “por qualquer motivo”. Aqui, pode ter a ideia vaga de ser igual a res, “condição”. Seja como for, o ponto claro é que “não é recurso para casar-se” (oú aujacjíépel yqifjaoa) se tal opinião rí­gida for mantida. Se o vínculo é tão apertado, é melhor o homem não contrair casamento. E um tanto quanto incomum ter avBptòvoç e yiW| contrastado em lugar de ávip e yuvri.

19.11. Mas só aqueles a quem fo i concedido ( à l l ’ otç ôéõoTai). Esta é uma linguagem nitidamente grega, caso dativo de relação e terceira pessoa do singular do perfeito passivo do indicativo. A mesma ideia está repetida ao término do versículo 12. Trata-se de renúncia voluntária de casar-se por causa do Reino dos céus. “Jesus reconhece a severidade do mandamento por estar fôra da capacidade de todos, menos de um grupo seleto de pessoas.” Não era um apelo direto à inteligência espiritual dos discípulos errar na compreensão do seu significado, como certamente erram as ordens monásticas.

19.13. Mas os discípulos os repreendiam (oi ôè [o,a0r|Tm ê7T€TL|j/r|aav cojtoiç). Não há dúvida de que as pessoas se aglomera­vam frequentemente em volta de Jesus para receber um toque de sua mão e a sua bênção. Os discípulos sentiam que eles estavam fazendo um favor para Jesus. Como entendiam pouco de crianças e de Jesus! É uma tragédia fazer as crianças sentirem que estão incomodando em casa e na igreja. Esses homens eram os doze apóstolos e ainda não tinham visão do amor de Cristo pelos pequeninos. Aonde quer que as crianças sejam protegidas, a razão é a influência de cristãos e das palavras de Jesus.

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Mateus 19

19.14. Deixai (’'Acj eue). “Deixai-os paz”, segunda pessoa do plural do aoristo segundo do imperativo ativo.

Não os estorveis (|ar] Kcolúete aútá). A estrutura de [_ir] com o imperativo presente significa: “Parai de impedi-los”.

Dos tais (tgòv...toioÚtcúv), as crianças e os semelhantes a crian­ças (ver análise em Mt 18.3-6).

19.16. Que bem farei ( ti áyaGòv). Em Marcos 10.17, tem o adjetivo “bom” junto com “Mestre”.

Conseguir19 (a%ar°). Primeira pessoa do singular do aoristo in- gressivo ativo do subjuntivo, “adquirir” ou “obter”.

19.17. Por que me chamas bom? (TÍ êpcomç Trepl toú àyâ Goü;)21 No versículo 16, o jovem perguntara a Jesus “que bem” ele deveria fazer. É lógico que ele tinha uma ideia clara do que signifi­cava àyaGóc;. “Tratava-se apenas de um método que os mestres utili­zavam para atrair a atenção do aluno.”22 Desta forma, Jesus explica que “não há bom, senão um só” que é realmente bom no sentido absoluto.

19.20. Que me falta ainda?23 ( x l exi úorepoo). Pelo visto, o jo ­vem sofria de um paradoxo psicológico. Ele não se achava em falta em relação ao cumprimento de todos esses mandamentos. Mesmo assim, sua consciência estava intranquila. Jesus citou o que ele não tinha. O jovem pensava na bondade em termos quantitativos (uma série de atos), e não em termos qualitativos (pertinente à natureza de Deus). A pergunta revelava convencimento orgulhoso ou desespero patético? Talvez houvesse um pouco de ambos.

19.21. Se queres ser perfeito (El GéÀeiç léleioç eivai). Esta é uma condição de primeira classe, determinada como cumprida. Jesus parte do pressuposto de que o jovem realmente deseja ser per­feito (ver Mt 5.48).

Tudo o que tens (oou xà ímápxovra). “Os teus pertences.” Particípio plural neutro grego. Era uma ordem implacável, porque ele era rico.

19.22. [Ele] retirou-se triste2'1' (à'nfjlGev A.imoú|j,evoç). “Foi em­bora enlutado.” O jovem sentiu que Jesus pedira muito dele. O teste mostrou que ele adorava o dinheiro mais do que a Deus. A ordem de

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Jesus não é dada como normativa, exceto para os que estão nas gar­ras do materialismo. Cada pessoa está sob o domínio de um pecado ou outro. Basta um pecado para manter a pessoa longe de Cristo.

19.23. É difícil ('õuokÓÃ(jç), “com dificuldade”, um advérbio de ôuokóIoc;. Essa palavra tem uma gama de significados, indo de “di­fícil de achar comida”, “fastidioso” e “reclamação” ao sentido no qual é usado aqui, “difícil”.

19.24. E mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha (eÚKOuúxepóv koziv KqariA.ov 5ux Tpwrpauoç pcajúôoç ôieÀGeiv 25). É lógico que por meio dessa comparação, quer seja um provérbio oriental quer não, Jesus deseja expressar o impossível. Os esforços para explicá-lo como algo possível estão fadados ao erro, quer se refira à amarra de um navio, KcqjiÀov, ou pacj) íç como um desfila­deiro estreito, quer uma porta de entrada que os camelos têm de ajoelhar-se para passar. Jesus diz incisivamente que se tratava de algo “impossível” (Mt 19.26). Os judeus no Talmude babilónico têm um provérbio que diz que nem em seus sonhos o homem viu um elefante passar pelo orifício de uma agulha.26 O Alcorão fala sobre os ímpios acharem as portas do céu fechadas “até que um camelo passe pelo orifício de uma agulha”. O Alcorão, porém, copia muitas das alusões bíblicas. A palavra grega para “agulha” comum é pacfáç. Lucas 18.25 emprega PeA.óvr|, o termo médico para referir-se a uma agulha cirúrgica, e não ocorre em outro lugar do Novo Testamento.

19.25. Admiraram-se muito27 (É eTTÃiíaaovTo). A terceira pessoa do plural do pretérito imperfeito passivo do indicativo descreve o absoluto espanto em que ficaram. Os discípulos foram literalmente “golpeados”.

19.26. Olhando para eles2& (è[iPÀéi|j<x<;). Jesus viu o assombro estampado neles.

19.27. Que receberemos? (zí apoc eozai rplv). Uma pergunta digna de pena, mostrando a tremenda falta de compreensão.

19.28. Na regeneração29 (èv irj TTccA.iYYeveoLo:30). O novo nasci­mento do mundo se cumprirá quando Jesus assentar-se no trono da sua glória. Essa palavra era usada pelos estóicos e pelos pitagóricos. Também é comum nas religiões de mistério.31 Encontra-se também

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Mateus 19

nos papiros. Não precisamos pôr ideias fabulosas na boca de Jesus, mas ele realmente olhou para a consumação do seu Reino. Não está claro o que significa os discípulos assentados em doze tronos.

19.29. Cem vezes tanto32 (èKatovicnTA.aaíovo'33). A vida eterna é a verdadeira recompensa.

19.30. Porém muitos primeiros serão derradeiros, e muitos derradeiros serão primeiros34 (IIoAAol ôè eoovtai npwtoi ’kayçcioi Kod ea%aiOL irpcÔTOi). Esse enigma paradoxal faz parte natural de uma repreensão a Pedro e refere-se a posições no Reino. Há outras aplicações possíveis, como ilustra a parábola a seguir.

NOTAS___________________________________________________1 “[Ele] deixou” (ARA).2 A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), pp. 1.042, 1.043.3 “A região da Judéia que fica no lado leste do rio Jordão” (NTLH).4 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 271.

5 “Alguns fariseus aproximaram-se dele para pô-lo à prova” (NVI). Há versões que incluem o nome Jesus, o qual não consta no texto grego, mas que indiscu­tivelmente se refere a Ele.

6 TR e TM têm o artigo, ol <&ap tacâo u7 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 245.8 Robertson, Grammar, p. 509.9 “Para se unir com” (NTLH).

10 TR e TM têm irpoaKo;Ur|0r|oeT(H.11 Bruce, Expositor's, p. 246.12 “Mas no princípio da criação não era assim” (NTLH).13 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), vol. 1, p.108.

14 Bruce, Expositor’s, p. 246.15 “A não ser em caso de adultério” (NTLH); “não sendo por causa de relações

sexuais ilícitas” (ARA).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

16 McNeile, Matthew, p. 274.17 Bruce, Expositor s, p. 246.18 “A situação” (NTLH; NVI).19 “Ter” (BJ; NVI); “alcançar” (ARA).211 TR e TM têm o verbo no tempo presente, e%u.21 TR e TM têm T í |i€ Aiyeiv áyaGóv;22 Bruce, Expositor’s, p. 249.23 “O que mais me falta fazer?” (NTLH).24 “Saiu pesaroso” (BJ).25 TR e TM têm õieABeív. “Jesus objetivava que a ilustração fosse considerada

literalmente. [...] E um exagero, mas foi proposital. Na época, não havia porta na Porta de Jaffa que se chamasse ‘o orifício da agulha’.” A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York: Macmillan, 1911), p. 211.

26 Vincent, Word Studies, p. 109.27 “Ficaram grandemente maravilhados” (ARA).28 “Fitando neles o olhar” (ARA).29 “As coisas forem renovadas” (BJ).30 WH tem uma grafia diferente, 4v xrj Tralivyeveaia. “Essa palavra ocorre somen­

te mais outra vez no Novo Testamento (Tt 3.5), e então, no sentido de regene­ração pessoal” (Robertson, Commentary on Matthew, p. 212).

31 Samuel Angus, The Mystery Religions and Christianity: A Study in the Religious Background o f Early Christianity (Londres: J. Murray, 1925), pp. 95ss.

32 “Muito mais” (BJ); “muitas vezes mais” (ARA).33 WH lê TToA.lairA.ao[o va , “ m uitas vezes” .

34 “Porém, muitos dos primeiros serão últimos, e muitos dos últimos, primeiros” (AEC).

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Capítulo20

Mateus20.1. Porque (yáp). A parábola ilustra o provérbio em Mateus

19.30.Um homem, pai de família (ávGpcÓTTto 01k0Õ60ttÓtti). Como no

caso de avGpconco paoilei em Mateus 18.23, não é necessário usar a palavra homem para traduzir literalmente avGpwTTOç. O significado é mais bem traduzido por “um proprietário de terras” (cf. “um pro­prietário”, NVI).

Saiu de madrugada (òc|íoc irpcoi). Uma expressão idiomática clássica. A palavra òt(ia como uma preposição “imprópria” é co­mum nos papiros. A palavra irpoot é apenas um advérbio na for­ma de locativo. Refere-se ao crepúsculo da manhã, ao despontar do dia, quando habitualmente as pessoas do interior começam a trabalhar.

Assalariar (jiiaGcóoaaSca). O tempo aoristo na voz média signi­fica “contratar para si mesmo”.

20.2. A um dinheiro por dia (ék õrivapíou tt]v rpépai/). O salá­rio normal de um dia de trabalho (ver Mt 18.28). O ex com o ablativo representa o ajuste (aujicjjtoviíaaç) com os trabalhadores (èpyatcòv). “O dia”, o texto grego o tem, um acusativo de extensão de tempo.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

20.3. Que estavam ociosos na praça1 (eaxwxaç kv xf) àyopâ cpvoúç). A praça era o lugar onde se encontravam os trabalhadores que trabalhavam por dia e os empregadores. Em Hamadã, na Pérsia, Morier em Second Journey Through Persia (Segunda Viagem pela Pérsia), conforme citado por Richard Trench, diz: “Observamos to­das as manhãs, antes de o sol se levantar, que se junta um numeroso grupo de camponeses, com pás nas mãos, esperando serem contrata­dos para trabalhar durante o dia nos campos circunvizinhos” .2

20.4. O que fo r justo (ô kuv rj õÍKoaoi/). “For merecido” ,3 não qualquer coisa de que ele gostasse, mas um salário proporcional­mente justo. Relativo indefinido com o subjuntivo eàv que é igual a av.

20.6. Ociosos todo o dia4 ( ò à x |v xr|v rpépav àpyoí). Extensão de tempo (acusativo) novamente. A palavra ápyoi, é composta por a, elemento de negação, e epyov, trabalho, “sem trabalho”, que é o problema dos desempregados.

20.10. Mas, do mesmo modo, receberam um dinheiro cada um (kccl eÀapov tò àvk ôr|vápiov Koà oíüxoí5). Literalmente, “eles mesmos também um denário cada” (uso distributivo de àvá). Bruce pergunta se esse dono da casa era um humorista, visto que começou pagando primeiro os últimos e para cada um pagou um denário con­forme o acordo. Os que chegaram para trabalhar primeiro alimen­tavam falsas esperanças até que receberam o que tinham aceitado receber.6

20.11. Murmuravam1 (èyóyyu(ov). Palavra onomatopéica, o significado ajustando-se ao som. As palavras murmurar e resmun­gar são semelhantes. Aqui é provavelmente um imperfeito incoativo (ingressivo), “começaram a murmurar”. Ocorre no grego jónico an­tigo e aparece nos papiros.

20.12. Tu os igualaste conosco (íoouç rpiv aúxouç êTT0Ír|0aç), caso instrumental associativo rpiv depois de loouç. Era um protesto contra a suposta injustiça do dono da casa.

A fadiga e a calma do dias (xò (3ápoç xf|ç rpépaç «m xòv Kaúa(i)va). Os trabalhadores que chegaram por último trabalharam por uma hora. Pelo visto, trabalharam com tanto afinco e eficiência

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Mateus 20

quanto os outros que haviam sido contratados. Mas os outros ho­mens banhados de suor tinham estado sob o siroco, que é o vento quente, seco e poeirento do oriente. Foi esse vento que destruíra as espigas no sonho de faraó (Gn 41.6), murchara a aboboreira de Jonas (Jn 4.8) e secara a videira na parábola de Ezequiel (Ez 17.10). Os queixosos pareciam ter um excelente caso judicial.

20.13. A um deles (évi aúxGÒy eiiTev9). Evidentemente era o porta-voz do grupo. “Amigo” ('E raipe), “camarada”, “compa­nheiro”. O proprietário de terras respondeu a um deles em vez de tratar com todo o grupo. A palavra èiaípc sobrevive no grego moderno.

20.14. Toma (âpov), segunda pessoa do singular do aoristo ati­vo do imperativo de aipo. Juntar, como se ele tivesse insolentemen­te se recusado a pegar o denário da mesa ou tivesse jogado o denário desdenhosamente ao chão. Se o primeiro tivesse sido pago primeiro e liberado, não teria havido murmurador, mas “o murmurador foi necessário para pôr em relevo a lição” .10

Eu quero (GéÀco). A vontade do proprietário de terras é o ponto central da parábola.

20.15. O que quiser do que é meu?n (o GéAio ... kv tolç ê|aoIç[;]), na esfera dos meus próprios interesses. No grego Koivií, há uma ex­tensão do uso instrumental de kv.

E mau o teu olho [...]?n (ó ó4>0od|ióç oou TTOvnpóç èoTiv...). Ver Mateus 6.22-24 para inteirar-se da análise sobre os olhos maus e os olhos bons. O queixoso tem um olho invejoso, ao passo que o pro­prietário de terras tem um olho liberal ou generoso. Ver Romanos 5.7 para inteirar-se de uma distinção entre õíkouoç e áya0óç.

20.16. Os derradeiros serão primeiros, e os primeiros, derra­deiros (eoovTca ol eo^axoi npcôToi Kal oi upórcoi ea%aToi). Os adjetivos mudam de lugar em compararão a Mateus 19.30. O ponto principal é o mesmo, embora essa ordem se ajuste melhor à parábo­la. Afinal de contas, o trabalho não se acha inteiramente na quanti­dade de tempo gasto nesse esforço. “Mesmo assim o rabino Bun bar Chija em vinte e oito anos fez mais do que muitos eruditos estudio­sos em cem anos.” 13

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS20.17. À parte (kkx’ lõíav). Em Mateus, essa é a predição da

cruz (Mt 16.21; 17.22; 20.17). “À parte sozinhos” (Moffatt). O ver­bo é TTapéA.apÉV’. Jesus está tendo a sua luta interior (Me 10.32) e faz mais um esforço para que os doze o entendam.

20.19. E crucifiquem14 (kcíl axaupwaai). Os detalhes caem em ouvidos surdos, até a informação da ressurreição ao terceiro dia.

20.20. Então (Tóxe). Com certeza, era a hora errada de fazer tal pedido: imediatamente após a predição incisiva da crucificação de Cristo. Talvez a mente dos discípulos estivesse excessivamente toma­da pelas palavras que Jesus disse que eles se assentariam em doze tro­nos (Mt 19.28), pois consideraram esses arranjos em sentido literal. A mãe de Tiago e João, provavelmente Salomé e possivelmente irmã da mãe do Mestre (Jo 19.25), resolveu promover seus dois filhos com base em laços de família e, agora, fala em favor deles.

Fazendo-lhe um pedido15 (aixouoá xi). “Pedindo algo”, “tra­mando, talvez, enquanto o Mestre estava predizendo” .16 O “algo” apresentado como um pequeno assunto era nada menos que a esco­lha dos dois principais tronos prometidos por Jesus (Mt 19.28).

20.22. Não sabeis o que pedis (Oúk oíõaxe xí alxeioGe). Alxet o9e é a segunda pessoa do plural do aoristo médio indireto, “pedis para vós mesmos”, “um pedido egoísta”.

Podemos (Auvá|ie9a). Esta é uma prova surpreendente da ig­norância e autoconfiança dos discípulos. A ambição lhes cegara os olhos. Eles não tinham entendido o espírito de mártir.

20.23. Na verdade bebereis17 (irteoGe), segunda pessoa do plu­ral do futuro médio do indicativo de ttlvco. O cálice de Cristo era o martírio. Tiago foi o primeiro dos doze conhecer a morte de mártir (At 12.2) e João, o último, caso os relatos sobre ele sejam verdadei­ros. Como era profunda a ignorância do que estavam dizendo.

20.24. Os dez [...] indignaram-seis (ol ôera riyaváKxriaav), uma palavra forte para descrever ressentimento cheio de raiva. Os dez perceberam que Tiago e João tinham se aproveitado da relação de família que eles tinham com Jesus.

20.25. Chamando-os para junto de si]9 (TTpoaKccA.eaá|ievo<;), no­minativo singular masculino do particípio aoristo médio indireto,

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Mateus 20

“chamando para ele”. “Todos eles estavam em extrema necessidade de mais ensinamentos sobre humildade e serviço.” 20

20.26. Todo aquele que quiser, entre vós, fazer-se grande21 (ô ç kkv 0€Àri kv í)|iiv fiéyaç yevéoGoa). Jesus não condena o desejo de fazer-se grande. Trata-se de uma ambição louvável. Há “os gran­des” (|ieyaA.oí) entre os cristãos como há entre os não-cristãos, mas aqueles não “dominam [uns] sobre” os outros (KocraKupieúouaiv), uma palavra da LXX e muito expressiva, ou “desempenham o tira­no” (Kaxe^ouoiáÇouoLv), outra palavra sugestiva.

Vosso serviçal (úficòv ôiáxovoç). Essa palavra pode ser derivada de õiá e kovlç (“pó”), “levantar pó pela pressa da pessoa” , e daí “auxiliar”, “ministrar”. E uma palavra geral para referir-se a servo e é usada de muitas maneiras, inclusive no sentido técnico de “di­áconos” como consta em Filipenses 1.1. Mais frequentemente, era aplicada na igreja do Novo Testamento aos ministros do evangelho (1 Co 3.5). O modo de ser “grande” (TipdÒTOç), diz Jesus, é ser o seu “serviçal” (õoOÀoç). Esse método invertia a opinião popular de então como de hoje.

20.28. Resgate de muitos (Ampov ávtl ttoA.A.gòv). O Filho do Homem é o melhor exemplo ilustrativo desse princípio de auto-re- núncia, em contraste direto com a ambição interesseira de Tiago e João. A palavra traduzida por “resgate” é a comumente empregada nos papiros como o preço pago por um escravo, que, então, é liber­to por quem o comprou, o dinheiro de compra para a libertação de escravos.22 Há também a noção de troca no uso de àvxL. Jesus deu a própria vida como o preço de liberdade pelos escravos do pecado. Há estudiosos que se recusam a admitir que Jesus mantivesse essa noção de morte substitutiva, porque no Novo Testamento a palavra só ocorre aqui e na passagem correspondente em Marcos 10.45. Mas não podemos nos livrar tão facilmente de passagens que contradi­zem uma opinião teológica. Jesus aqui se mostra à altura da plena consciência da significação da sua morte pelos homens.

20.29. Saindo eles de Jericó23 (eKiTopeuo^évtov aikcôv àuò ’IepixüJ24). Mateus e Marcos narram que Jesus e os discípulos es­tavam saindo de Jericó (Me 10.46), ao passo que Lucas situa o

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

incidente dizendo que eles estavam chegando perto de Jericó (elç ’IepiXQ, Lc 18.35). Arazão provável é que Marcos e Mateus se refe­rem à velha Jericó, cujas minas foram descobertas, enquanto Lucas alude à nova Jericó romana. Essa explicação coloca os dois cegos entre as duas cidades. No estado americano de Kentucky, há duas cidades que estão separadas por uns oitocentos metros, as quais se chamam “Pleasureville” (uma Old Pleasureville e a outra New Pleasureville). Marcos e Lucas mencionam só um cego (Me 10.46; Lc 18.35), Bartimeu (citado apenas por Marcos).

20.30. Que Jesus passava25 (òti Tr|ooüç irapáyei). “Dois cegos, assentados junto do caminho” 26 (ôúo rucjjÀol KctOrpevoi impà tf]v óôóv), no seu lugar costumeiro. Ouviram a multidão dizer que Jesus de Nazaré estava passando ('rrocpáYei, terceira pessoa do singular do presente ativo do indicativo de discurso direto retido no indireto). Era a chance deles. Eles tinham ouvido o que Jesus fizera a outros cegos. Saudaram-no como “Filho de Davi”, uma confissão de seu messiado. Até agora, Jesus curara muitos cegos, e a multidão estava impaciente para ver algo maior. Por isso, as pessoas ficaram impa­cientes com os gritos desses pobres homens para que seus olhos fossem “abertos” (àvoíytòoiv, terceira pessoa do plural do aoristo segundo passivo do subjuntivo).

20.34. Tocou-lhes nos olhos (iíi|/aTO xwv ójifiáicov27 aúucòv). A palavra ó[i[mTGov é sinónimo de ò4)9aÀ GÒy em Marcos 8.23 e só ocorre aqui no Novo Testamento. E uma palavra poética comum de Eurípides e ocorre na LXX e nos papiros. O verbo KTruo|iai é comum nos Evangelhos Sinóticos. O toque da mão de Cristo aliviaria os olhos quando fossem curados.

NOTAS___________________________________________________1 “Que não estavam fazendo nada” na “praça do mercado” (NTLH).2 Richard Trench, Notes on the Parables, T ed. (Londres: Parker & Son, 1857),

p. 171.3 Willoughby G. Allen, A Criticai and Exegetical Commentary on the Gospel

According to Matthew, International Criticai Commentary ( Edimburgo: T. & T. Clark, 1912).

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Mateus 20

4 “O dia todo aqui sem fazer nada?” (NTLH).5 TR tem uma ordem diferente de palavras Kctl elapov Kcà aiitoi àvà 5r|vápiov.6 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 254.7 “Começaram a resmungar” (NTLH); “começaram a se queixar” (NVI).8 “O peso do dia e o calor do sol” (BJ); “o peso do trabalho e o calor do dia”

(NVI).9 TR tem uma ordem diferente de palavras, eluei' èvi aí)Twv.

10 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 274.

11 “Com o meu próprio dinheiro?” (NTLH).12 “Estás com ciúme [...]?” (BJ); “você está com inveja [...]?” (NTLH; NVI).13 Jer. Berak. 2.5c.14 “E crucificado” (AEC; BJ; ARA).15 “Pediu-lhe um favor” (ARA).16 Bruce, Expositor’s, p. 256.17 “Bebereis” (ARA).18 “Ficaram zangados” (NTLH).19 “Chamando-os a si” (AEC); “chamou todos para perto de si” (NTLH).20 A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York:

Macmillan, 1911), p. 216.21 “Quem quiser tomar-se importante” (NVI).22 Ver exemplos em James Hope Moulton e George Milligan, The Vocabulary o f

the Greek Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), pp. 382, 383, e G. Adolf Deissmann, Light from the Ancient East: The New Testament Illustrated by Recently Discovered Texts o f the Graeco-Roman World, traduzido por L. R. M. Strachan (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1965), pp. 328, 329.

23 “Quando Jesus e os discípulos estavam saindo de Jericó” (NTLH). As palavras Jesus e os discípulos não constam no texto grego, mas estão implícitas.

24 TR grafa 'Iepi^to com um sinal diacrítico para indicar aspiração; WH a grafa assim:’ Iepeixcó.

25 “Que Jesus estava passando” (NVI).26 “Dois cegos, assentados à beira do caminho” (ARA).27 TR e TM têm óc|)9aA.|iwv.

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Capítulo21

MateusfMMSM@ISMSMSÍSMSMMSÍ3M3JÊlM3M3MSJSJ

21.1. A Betfagé (e tç BriGc^ayn), um nome aramaico indecli­nável usado só aqui na Bíblia (igual a Me 11.1, que é igual a Lc 19.29). Significa “casa de figos verdes e imaturos”. Situava-se na ladeira oriental do monte das Oliveiras ou ao pé do monte, um pouco mais distante de Jerusalém que Betânia. Marcos e Lucas falam de Cristo vindo “de Betfagé e de Betânia”, como se Betfagé fosse alcançada primeiro. Era maior que Betânia.

Ao monte das Oliveiras1 (eíç2 tò ’'Opoç xcòv ’EA-cauv). Mateus tem três exemplos de eiç com Jerusalém, monte das Oliveiras. Marcos e Lucas usam irpóç com monte das Oliveiras, as árvores do monte das Oliveiras (éÀcuuv de kXaía, oliveira), o monte com a superfície coberta de oliveiras.

21.2. A aldeia que está defronte de vós (eLç rriv KCÓ|ar|v tt]v KCixkvoLVci3 ú(i(5v), outro uso de eLç. Se significar “à” como foi traduzido, seria a aldeia de Betânia que estava imediatamente do outro lado do vale; e essa é a ideia.

Um jumentinho com elaA («m u(3A.ov (aei’ oci)tf|ç), o filhote de qualquer animal. Esse vai com a mãe e, assim, com muito mais presteza.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

21.3. O Senhor ('0 KÚpioç). Não está claro como a palavra foi entendida aqui pelos que ouviram a mensagem, embora es­teja claro que Jesus a aplica a si. A palavra é derivada de KÚpoç, “poder” ou “autoridade”. Na LXX, é comum em uma diversidade de usos. Ocorre no Novo Testamento para referir-se ao “senhor” do escravo (Mt 10.24), da seara (Mt 9.38) ou da vinha (Mt 20.8). Refere-se a Deus (Mt 11.25), ou a Jesus como Messias (Mt 8.25; At 10.36). Esta é a única vez em Mateus onde as palavras ó KÚpioç são aplicadas a Jesus, com exceção de uma passagem duvidosa em Mateus 28.6.5 Particularmente no Egito, era apli­cada a “o Senhor Serápis”. Ptolomeu e Cleópatra são chama­dos “os senhores, os maiores deuses” (ol KÚpioi Geoi [aéyiotoi). Até Herodes, o Grande, e Herodes Agripa I são tratados como “Senhor Rei”. No Ocidente, os imperadores romanos só foram chamados “senhores” durante o tempo de Domiciano. Mas nessa ocorrência, os cristãos sempre entenderam que é uma referência a Jesus Cristo. Ao que parece, os discípulos já estavam chaman­do Jesus “Senhor”, e Ele aceitou o apelativo e usava-o, como fez aqui.

21.4. Pelo profeta (õià toO irpo^TÍtou). A primeira linha é de Isaías 62.11, as demais são de Zacarias 9.9. O texto de João 12.14-16 deixa claro que Jesus não citou a passagem para si. Em Mateus não está tão claro, mas é o seu próprio comentário sobre o incidente. Não é que Cristo esteja cumprindo a profecia de modo artificial, mas que a sua conduta flui naturalmente ao cumprimento.

21.5. Afilha de Sião (xf) Guycapi Eicóv). A referência a Jerusalém consta em Isaías 22.4. Linguagem semelhante se refere à Babilônia (Is 47.1) e a Tiro (SI 45.12).

Assentado6 (èiuPe(3r|KCÓc;), nominativo singular masculino do particípio do perfeito ativo de èTripaívco, “tendo ido sobre”.

E sobre um jumentinho, filho de animal de carga1 (cit! ovov Kod éttI 'ttgòA.ov uLòv mro(uyíou8). Essas palavras ocasionam certa difi­culdade se Kcá for considerado aqui com o significado “e”. Fritzsche argumenta que Jesus montou alternadamente sobre cada um dos

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Mateus 21

animais, uma possível interpretação, porém desnecessária. Este é um paralelismo hebraico poético comum: “Sobre uma jumenta, até mesmo sobre um jumentinho”. O uso de ÒTToCuyíou (um animal de carga, debaixo de jugo) para referir-se a jumento é comum na LXX e nos papiros.9

21.7. E fizeram-no assentar em cima10 ( k o u è T ie ic á G iaev èuávco

aüxwv). Marcos 11.7 e Lucas 19.35 mostram que Jesus montou o jumentinho. Mateus não contradiz essa informação. As vestes (xà Lfiáxia) foram postas sobre o jumentinho por “eles” (aúxuv), não em ambos os jumentos. A construção é um pouco incorreta, mas inteligível. As vestes lançadas sobre os animais eram as roupas exte­riores (l|iáxia). Jesus “tomou assento” (è-neKáGioev, terceira pessoa do singular do aoristo ingressivo ativo do indicativo) em cima das roupas.

21.8. Muitíssima gente11 (ó õè uXeloioç b%loç). Ver Mateus 11.20 para esse mesmo linguajar, artigo com superlativo, um verda­deiro superlativo.12

Pelo caminho13 (kv xrj óõw). A maioria da multidão estendeu as suas roupas exteriores pela estrada. Note a mudança de tempo verbal (aoristo constativo ’éoxpcooav, pretéritos imperfeitos descriti­vos íékottxov... Kai éaxpoWuov, mostrando o entusiasmo crescente da multidão). Quando o jumentinho passava por cima das peças de roupa, eles as apanhavam e as espalhavam novamente pelo caminho à frente.

21.9. As multidões, tanto as que iam adiante como as que o seguiam (oi õè oxA.oi oi Trpoáyovxeç aüxòv14 kocI oi cxkoXouGoü vxeç). Note os dois grupos com dois artigos e o tempo presente (ação linear) e o imperfeito eKpaCov, “estavam gritando” enquanto iam.

Hosana ao Filho de Davi! ,'Qoavvà xcô uicô Aauíô15). Agora, Jesus deixou que as multidões o proclamassem Messias. “Hosana” significa “Salva, pedimos”. Essas pessoas repetem as palavras do Hallel (SI 148.1), e recordamos a canção das hostes angelicais quando Jesus nasceu: “Glória a Deus (hosana) nas alturas (céu)” (Lc 2.14).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

21.10. Toda a cidade se alvoroçou16 (éoeío8r| uâoa f] ttÓàlç). Foi sacudida como por um terremoto. “Até a Jerusalém paralisa­da pelo formalismo religioso e socialmente reservada, ficou agitada pelo entusiasmo popular como por um vento poderoso ou por um terremoto.” 17

21.12. Expulsou (ê^épaXev). Empurrou para fôra, apropriou- se da autoridade sobre “o templo de Deus” .18 João 2.14 narra um incidente semelhante no início do ministério de Jesus. Não é impossível que Jesus repetisse essa purificação no final do seu ministério. Os mesmos abusos ainda persistiam. O comércio con­tinuava no pátio dos gentios. Até certo ponto, serviu de propósi­to legítimo. Aqui, as mesas “dos cambistas” (tcôv koAAuPio-ucôv, de koAAuPÓç, “uma moeda pequena”) foram derrubadas. Ver em Mateus 17.24 para informar-se sobre a necessidade de mudan­ça para o imposto do Templo. As pombas eram as ofertas dos pobres.

21.13. Covil de ladrões19 (arr|Axaov Xiprâv). Porque eles co­bravam preços exorbitantes. Esta citação é da versão Septuaginta de Isaías 56.7.

21.15. Os meninos (touç ttklôkç). O termo grego é masculino e refere-se aos meninos que se deixaram levar pelo entusiasmo das multidões.

21.16. Ouves (’ÁKoúeiç...;). Enraivecidos pela profanação do Templo que os gritos dos meninos ocasionavam, os principais dos sacerdotes e os escribas tentam envergonhar Jesus, responsabilizando-o por isso.

Tiraste20 (KarrpTÍoGo). A citação é da versão LXX de Salmos 8.3. Em Mateus 4.21, o mesmo verbo é usado para referir-se a consertar as redes. Aqui, é o aoristo infinito do indicativo com o uso perfeito de kocto-. Tratava-se de uma repreensão contundente e mordaz.

21.17. Para Betânia (elç Br|9aví,<xv). A palavra hebraica signifi­ca “casa da depressão” ou “casa da miséria” .21 Mas a casa de Marta, Maria e Lázaro foi uma casa de consolo para Jesus durante essa semana de destino.

Ali passou a noite22 (r|ijXío9r| êicet), quer na casa em Betânia, ou fôra ao ar livre. Era um tempo de crise para todos.

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Mateus 21

21.18. Teve fome (c ttc ívaoc-v). Terceira pessoa do singular do aoristo ingressivo ativo do indicativo, “sentiu-se faminto” (Moffatt). É possível que Jesus tenha passado a noite ao ar livre e não tenha tomado o desjejum.

21.19. Uma figueira (ouKf|V |j,íav). “Uma única figueira”. A construção grega cumpre o propósito que se assemelha um tanto quanto ao que faz o artigo indefinido. A rigor, o grego não tem artigo indefinido, da mesma maneira que o latim não tem artigo definido. Às vezes, etc (“um”, “única”, “alguém”) ou tlç (“alguém”, “algo”) é usado como artigo indefinido, embora não aqui.

Nunca mais nasça fruto de ti23 (Mr)KÉTL ék ooO kíxpttÒç yévritca elç tÒv aiwva). No sentido exato, esta é uma predição, e não uma proibição ou desejo como ocorre em Marcos 11.14 (cjjáyoi optati­vo). “Em ti nenhum fruto jamais crescerá de novo” (Weymouth). A dupla negação oú [ir\ com o subjuntivo aoristo (ou futuro do indi­cativo) é o tipo mais forte de predição negativa. Às vezes, equivale a uma proibição como oú e o futuro do indicativo.24 Os primeiros figos dão na primavera antes das folhas e se desenvolvem depois das folhas. A principal colheita de figos ocorria no início do outono (Me 11.13). Deveria ter havido figos na figueira com a colheita das folhas. Era uma lição prática. Mateus não distingue entre as duas manhãs como Marcos distingue (Me 11.12,20), mas diz “imedia­tamente” 25 (TTapaxpf||j,a:) duas vezes (Mt 21.19,20). Essa palavra é uma forma de irapà tò XPHI-1“ como a expressão “na mesma hora” .26 Ocorre nos papiros em transações monetárias com pagamento ime­diato em dinheiro vivo.

21.21. Não duvidardes (|ii] õiocKpiGfiTe), segunda pessoa do plu­ral do aoristo passivo do subjuntivo, condição de terceira classe. “Ser de mente dividida”, “mover para cá e para lá”, “balançar-se”, “oscilar”, “duvidar”, o oposto de “fé” (ttlotlv), “convicção”, “con­fiança”.

O que fo i feito à figueira (tò trjç ai)Kf|ç Tiotr|oexe). Em grego, significa “o assunto da figueira”, como se fosse uma questão fácil e leve em comparação a “este monte” (tcô òpc i toútcü). Remover um monte é tarefa maior que ressecar uma figueira. “A maldição da

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

figueira sempre foi considerada a partir da significância simbólica, a árvore estando na mente de Cristo como emblema do povo judeu, com grande mostra de religiosidade, mas sem fruto verdadeiro de espiritualidade. Essa hipótese é muito digna de crédito.” 27 Alfred Plummer concorda com Theodor Zahn ao dizer que a figueira é re­ferência à cidade santa.28 Claro que “este monte” é uma parábola, e uma já relatada em Mateus 17.20 (cf. Lc 17.6).

21.22. Crendo29 (TTLoxeúoyieç). Este é o ponto central da pará­bola do monte: “fé na eficácia da oração” .30

21.24. Eu também vos perguntarei uma coisa31 (’Epwníoco úfiâç «áy« Âóyoy 'iva). Literalmente, “uma palavra”. A resposta à palavra de Cristo dará a resposta à pergunta que fizeram. A única autoridade eclesiástica humana que Jesus teve veio de João Batista.

21.25. O batismo de João donde era?32 (xò páTruia|_ia tò ’Ioúávvou33 TTÓGev rjv[;]). Isso representa a sua relação com Jesus, que foi batizado por ele. Imediatamente, os líderes eclesiásticos se acham em um dilema criado pelo próprio desafio que fizeram a Cristo.

Epensavam entre sPA (oi õè õieÀoyíÇovTO kv eoarcoiç35). Tempo imperfeito pitoresco que descreve a luta deles com uma situação embaraçosa e melindrosa.36

21.29. Nem- eu vos digo (Oú Gélco).37 E lógico que o “eu vou, senhor” (’Eyú, KÚp lé) serve melhor para o segundo filho (Mt 21.30) com uma referência à recusa indelicada do primeiro. Assim tam­bém os manuscritos diferenciam no versículo 31 entre o primeiro ('O TTpciòToç) e o último (ó uoiepoç ou eo^aioç).

Mas, depois, arrependendo-se, fo i (üoxepov ôe |aeT(x|ieA,r|0eiç áiTfiÀGev). O filho que de fato fez a vontade do pai é aquele que, “ar­rependendo-se, foi” ,38 p,6TO|ieA.r|9ei<; (rnf|A.9ev. A palavra |ieTct|i,éA.o|icã realmente significa “arrepender-se”, “estar arrependido mais tar­de”. Esta palavra deve ser categoricamente diferenciada da palavra [letavoÉcj, que é usada trinta e quatro vezes no Novo Testamento (por exemplo, Mateus 3.2), e da palavra lieravoícc, usada vinte e quatro vezes (por exemplo, Mt 3.8). O verbo laeTa éXo ccL ocorre no Novo Testamento somente cinco vezes (Mt 21.29,32; 27.3; 2 Co 7.8; Hb 7.21). Paulo diferencia categoricamente entre a mera triste-

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Mateus 21

z a e o arrependimento ativo quando ele chama [iczávoiav (2 Co 7.9). No caso de Judas, era mero remorso (Mt 27.3). Na história de Jesus, o rapaz se arrependeu tanto por ter se recusado obstinadamente a obedecer ao seu pai que foi e obedeceu. A tristeza segundo Deus opera arrependimento (|aexávoiav), mas a tristeza egocêntrica não é arrependimento.

21.31. Entram adiante de vós no Reino de Deus39 (Trpoáyouoiv ú[iâç elç if|v paaiÀeíav toO OeoD). “Na frente de vós” (Weymouth). No Reino dos céus, os publicanos e as meretrizes marcham à frente dos eclesiásticos. É uma forte denúncia que revela o convencimento dos líderes teólogos judeus.

21.32. No caminho de justiça (kv óõcô ÕLKcuoaúvrii;). Na vereda da justiça. Compare os dois caminhos citados em Mateus 7.13,14 e “o caminho de Deus” (Mt 22.16).

21.33. Circundou-a de um valado (cjjpayi-iòv' aiiicò TTepié0r|K:ev). Ou cerca como proteção contra os animais selvagens.

Construiu nela um lagar (copu^ev kv aircoò Àr|vòv), de pedras maciças para conter as uvas e o vinho enquanto fossem esmagadas.

Edificou uma torreA0 (cÒKOÔó|j,r|aev Trúpyov). Era para os vinha­teiros e os guardas (2 Cr 26.10). Portanto, foram tomados os mais extremos cuidados. Note “a cabana na vinha” (Is 1.8; ver também Jó 27 18; Is 24.20).

Arrendou-a (è^éõexo), por contrato de aluguel, cujas cláusulas não são dadas. Havia três formas de arrendamento: uma quantia em dinheiro, uma proporção da colheita ou uma quantidade definida do produto quer o ano fosse bom quer fosse ruim. Provavelmente, a última forma é a que está em vista aqui.

21.34. Os seus servos (uouç ôoúÀoç oarcoü). Esses servos não são os “lavradores” 41 da vinha (yecopyolç, “trabalhadores da terra”) ou os trabalhadores da vinha que a arrendaram do pai de família an­tes de ele ir embora. A conduta dos lavradores para com os servos do proprietário das terras descreve o comportamento do povo judeu e dos líderes religiosos, em particular, aos profetas e, agora, a Cristo.O modo em que os judeus trataram os profetas de Deus ilustra ex­plicitamente essa parábola.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

21.37. Terão respeito a meu filho (’EvxpamíaovTcu tòv ulóv |aou). Terceira pessoa do plural do futuro segundo passivo do indica­tivo de èvTpémo, “virar a”, mas usado transitivamente aqui como se fosse ativo ou médio. É a cena de virar com respeito quando aparece alguém digno disso.

21.38. Apoderemo-nos da sua herança42 (oxw(j,ev43 ir)v KA.ripovoiJ.Lay cüjtoü), primeira pessoa do plural do aoristo ingres- sivo ativo do subjuntivo (incitativo, volitivo) de exco. “Vamos pegar a herança dele.”

21.41. Dará afrontosa morte aos maus (Kockouç koíkGliç ccTToAioei ocikoúç). A paronomásia ou assonância é muito clara. Uma expressão idiomática comum em grego literário. “Ele dará aos miseráveis uma morte miserável” (Weymouth).

Que (oixiveç). “Quem” ou “os quais”, aqueles que são de caráter diferente.

21.42. A pedra que (AíGov o), atração inversa do anteceden­te no caso do comparativo.

Os edificadores rejeitaram (á'rceõoKÍ|j,o'a(xv ol olkoôo|íoü vxeç), de Salmos 118.22. Esses peritos em construir o Templo de Deus tinham rejeitado a pedra fundamental que Deus escolheu para a sua própria casa. Mas Deus tem a última palavra e despre­za os peritos em construção, e põe o seu Filho como a cabeça do ângulo.

21.43. O Reino de Deus vos será tirado (ápOriaerai ácj)’ í)|icôv r] PaoiÀeía xoO 0eoC>), terceira pessoa do singular do futuro passivo do indicativo de aípco. Era o alarma da morte para a nação judaica, com as suas esperanças de liderança mundial política e religiosa.

21.44. Despedaçar-se-á (auv9Xoca9iíoeTai). Alguns manus­critos antigos não têm esse versículo. Mas ele descreve em ter­mos vívidos o destino daquele que rejeita Jesus. O verbo grego significa “estilhaçar”, “espatifar”. Estamos acostumados com os danos causados quando um automóvel colide com um muro de pedra, uma árvore ou um trem.

Ficará reduzido a pó 44 (ÀiK|iiíoei aikóv). O verbo grego era usado para referir-se a separar a palha e, daí, passou a ser usado

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Mateus 21

para aludir a reduzir a pó. Esse é o destino de todo aquele sobre quem essa pedra rejeitada cair.

21.45. Entenderam45 (eyvtooav), terceira pessoa do plural do aoristo segundo ingressivo ativo do indicativo de yivgookgo. Não ha­via mal entendido quanto ao significado dessas parábolas. O mais lerdo de entendimento conseguiria perceber o ponto.

21.46. [Porque] o tinham por profeta*6 (elç TTpoc|)r|Tr|v aírcòv élXov47), pretérito imperfeito descritivo de dyw, “segurar”, “reter”. Esse medo do povo foi tudo que freou as mãos dos rabinos nessa ocasião. A raiva assassina que nutriam por Jesus já estava no cora­ção deles.NOTAS___________________________________________________1 “No monte das Oliveiras” (BJ).2 TR e TM têm a preposição upóç em vez de elç.3 TR e TM têm áirévavu em lugar de Kaxivavxi.4 “Com um jumentinho ao lado” (NIV).5 Há um uso semelhante mostrado em James Hope Moulton e George Milligan,

The Vocabulary o f the Greek Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), pp. 365, 366, e em G. Adolf Deissmann, Light from the Ancient East: The New Testament Illustrated by Recently Discovered Texts o f the Graeco-Roman World, traduzido por L. R. M. Strachan (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1965), pp. 349-367.

6 “Montado” (ARA).7 “Num jumentinho, cria de animal de carga” (ARA).8 TR e TM omitem o segundo c-ttú.9 G. Adolph Deissmann, Bible Studies: Contributions, Chiefly from Papyri and

Inscriptions, to the History o f the Language, 2a ed., traduzido por A. Grieve ( Edimburgo: T. & T. Clark, 1923), p. 161.

10 “Sobre elas Jesus montou” (ARA). O nome Jesus não consta no texto grego, mas está implícito pelo contexto.

11 “A maior parte da multidão” (ARA).12 A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 670.13 “No chão” (NTLH).14 TR e TM omitem aútóy.15 TR e TM grafam o nome Aapíô; WH o grafa Aaueíô.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

16 “Toda a cidade ficou agitada” (NVI).17 Alexander Balmain Bruce, The Expositors Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 262.18 TR e TM têm xò lepòv tou 9eoC. Robertson comenta que o texto correto prova­

velmente é com toü 8eoE>, embora seja o único exemplo da frase.19 “Covil de salteadores” (ARA).20 “Preparaste” (BJ); “suscitaste” (NVI).21 “Pode significar ‘casa das tâmaras’.” A. T. Robertson, Commentary on the

Gospel According to Matthew (Nova York: Macmillan, 1911), p. 222.22 “Onde pernoitou” (ARA).23 “Nunca mais produzas fruto!” (BJ); “nunca mais dê frutos!” (NVI).24 Robertson, Grammar, pp. 926, 927.25 “No mesmo instante” (BJ); “na mesma hora” (NTLH).26 Joseph Henry Thayer, Greek-English Lexicon o f the New Testament (Nova

York: American Door, 1889), p. 487.27 Brace, Expositor s, p. 264.28 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint

Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 291.29 “Se crerem” (NTLH; NVI).30 Plummer, Matthew, p. 291.31 “Eu também vos farei uma pergunta” (ARA).32 “Quem deu autoridade a João para batizar?” (NTLH).33 WH tem a grafia ’ Iwávou.34 “E discutiam entre si” (AEC).35 TR e TM usam uma preposição diferente m p ’ èctuToíç.36 “Imediatamente, viram as duas opções desagradáveis entre as quais tinham de

optar. Se admitissem a origem divina do batismo de João, a réplica mordaz era demasiadamente patente. Se a negassem, eles não prejudicariam Jesus com o povo, mas só prejudicariam a si mesmos. Estavam verdadeiramente num beco sem saída lógico” (Robertson, Commentary on Matthew, p. 225).

37 Muitos manuscritos lêem assim, embora o manuscrito Vaticano (B) tenha a ordem dos dois filhos invertida.

3S “Mudou de ideia e foi” (NTLH; NVI).39 “Vos precedem no reino de Deus” (ARA).40 “Construiu uma torre para o vigia” (NTLH).41 “Vinhateiros” (BJ).42 “Tomar a sua herança” (NVI).

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Mateus 21

43 TR e TM têm o verbo Kctiáaxw|iev.44 “Ficará esmagado” (BJ).45 “Perceberam” (BJ); “sabiam” (NTLH).46 “Elas o consideravam profeta” (NVI).47 TR e TM têm úç Trpoc|DT|TT|v amòv eixov.

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Capítulo22

MateusíSíSMSMMMSMMSMISMMSMMSMMSISraMSÍSJ22.1. Jesus [...] tornou a falar-lhes em parábolas (ó ’Ir|ooGç

TiáXiv eiTTev kv uapaPoÀoâc aúxoiç). Mateus já apresentou a Parábola dos Dois Filhos e a Parábola dos Lavradores Maus. Só ele registra a Parábola das Bodas. É semelhante à Parábola da Grande Ceia (Lc 14.16-23), mas esta é de outra ocasião. Certos estudiosos conside­ram que essa é a versão de Mateus da parábola de Lucas, só que está no lugar errado. Mateus tende a agrupar as declarações de Jesus. Mas aqui a palavra uáÀiv indiscutivelmente situa essa parábola em certa ocasião particular. Alguns críticos opinam que Jesus nunca disse essas palavras. Pensam que são os esforços do escritor para tratar do pecado e destino dos judeus, da chamada dos gentios e da exigência de Deus por justiça. Não há evidência que apóie a alega­ção de que a parábola não pertence a essa ocasião ou que não seja de Jesus. Essas parábolas se ajustam ao estilo de Jesus como contador de histórias e se adaptam à ocasião.

22.2. As bodas1 (ycqaouç). O plural, como aqui (vv. 2,3,4,9), é comum nos papiros para referir-se a festas de casamento. As festas poderiam ser feitas várias vezes em um período de dias. Houve sete em Juizes 14.17. Uma forma da frase usada aqui (yá^ouç uoielv)

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

ocorre no grego dórico de Santorini, ilha do mar Egeu, cerca de 200 a.C. O singular yáuoç é comum nos papiros para aludir ao contrato de casamento, mas Frederick Field2 não vê diferença entre o singu­lar aqui em Mateus 22.8 e o plural (ver também Gn 29.22; Et 9.22;1 Macabeus 10.58).

22.3. A chamar os convidados («odeoai toíjç KÉKÀrpévouç). “Talvez um jogo de palavras inconsciente: ‘a chamar os chama­dos ’ .” 3 Era costume judaico convidar uma segunda vez os que já tinham sido convidados (Et 5.8; 6.14). Os profetas de antigamente tinham feito o convite de Deus para o povo judeu. Agora, João Batista e Jesus tinham feito o segundo convite dizendo que o ban­quete já estava pronto.

E estes não quiseram vir4 (kocI oúk fíGelov èÀGeív). Este preté­rito imperfeito negativo caracteriza a recusa inflexível dos líderes judeus em aceitar Jesus como o Filho de Deus (Jo 1.11). Esta é “A Tragédia Hebraica” .5

22.4. O meu jantar (tò ãpioxóv [iou). E o desjejum, não o jan­tar. Em Lucas 14.12, ocorrem as duas palavras apiotov (desjejum) e ôeiTTvov (jantar). Essa refeição do meio-dia, como o desjejum francês ao meio-dia, às vezes se chamava õeiTTvov n,eorinppivóv (jantar ou almoço do meio-dia). O jantar regular (ôeliTvov) ocorria à noite. A confusão surgiu por aplicar apiotoy à refeição inicial matutina e, então, à refeição do meio-dia (alguns não fazem uma refeição mais cedo). Em João 21.12,15, àpioraco é usado para alu­dir à refeição inicial matutina: “Quebrar o jejum” (ápiatiíoate). Quando apiotov era aplicado ao almoço, como a palavra latina prandium, àKpáxio|act era o termo aplicado ao desjejum de manhã cedo.

Os meus [...] cevadosb (tà oLtiotà). Substantivo verbal de oltlCgo, “alimentar com trigo ou outro grão”, “engordar”. Animais cevados ou gordos.

22.5. Eles, não fazendo caso (áiieÀiíaavTet;), literalmente, “desprezando”, “não se importando com”. Desprezar um convite de festa de casamento é uma descortesia grosseira. Podem até ter ridicularizado o convite, mas o verbo não diz isso.

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Mateus 22

Um para o seu campo, e outro para o seu negócio7 (oç |ièv eiç xòv ’íõlov áypóv, oç ôè êiu tf|y e|iTTopíav aútoíj8). Este é o único exemplo de è[iTTopíav no Novo Testamento, derivado de 6)-iTropoç “mercador”, “negociante”, “aquele que viaja para comer­ciar” (é iTTopeúo|iai).

22.7. Exércitos9 (aTpcaeúnara). Tropas de soldados, não exér­citos principais.

22.9. As saídas dos caminhos10 (tàç õie^óõouç rây óõcôv). A palavra õioõoí significa as ruas transversais, ao passo que a pa­lavra ôie^óôoi (combinação dupla) dá a entender que são as ruas principais que conduzem para fôra da cidade, das quais também se ramificam as ruas laterais, “caminhos secundários”, “atalhos”, “becos”.

22.10 .A festa nupcial11 (ó yá[ioç). Mas WH lê corretamente ó vu|icj)cóv, “sala do banquete de casamento”. A mesma palavra ocor­re em Mateus 9.15 e significa a “quarto de dormir da noiva”.

22.12. Não tendo veste nupcial ((j,f| excov <Évõu|ia yá|iou). A palavra \ir\ está no KolvtÍ, o negativo habitual com particípios, a menos que se deseje dar ênfase especial na negação, como emo i ) K évôeõi^évov. Há uma diferença sutil entre \ir\ e oú, como as noções subjetivas e objetivas de outras línguas. Certos estudiosos defendem que a roupa de casamento aqui é parte de uma parábola perdida independente da Parábola das Bodas. Mas não há provas que sustentem tal ideia. Wunsche relata que um rabino contou a parábola de um rei que não marcou a hora para a festa de casa­mento e alguns convidados chegaram adequadamente vestidos es­perando à porta, ao passo que outros entraram com as suas roupas de trabalho. Os que estavam inadequadamente vestidos não espe­raram, mas foram trabalhar. Quando o convite chegou de repente, eles não tiveram tempo para vestir-se apropriadamente. Eles fo­ram colocados em determinado lugar para ficar vendo os outros participarem do banquete.

E ele emudeceu (ó ôè ècp i(j.oS9ri). Ele foi amordaçado, mudo de confusão e embaraço. A palavra grega é usada acerca da boca do boi (1 Tm 5.18).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

22.13. Lançai-o nas trevas exteriores12 (èKpáÀexe auxòv elç to okóxoç xò è^wxepov13). A escuridão para esse indivíduo lhe pareceu muita mais negra, porque ele estivera na sala da festa de casamento brilhantemente iluminada (ver análise sobre Mt 8.12).

Ali, haverá pranto e ranger de dentes (èi<ei çoxai ó KÀca)0|iò<; Kcà ó PpuYiiòç xcòv óôóvxwv). “As trevas exteriores” é “uma das descrições mais terríveis do inferno” .14

22.14. Porque muitos são chamados, mas poucos, escolhidos15

(ttoàIoI yáp eiaLv kAx|xoI, óÀíyoi õè èi<A.eKxoí.). Essa declaração categórica de Cristo ocorre em várias conexões. Está claro que Ele repetiu a declaração para fazer uma distinção entre os chamados (kAxitoÍ.) e os chamados dos chamados (èKÀeKxoí).

22.15. Então, retirando-se os fariseus16 (Tóxe uopeuGévxeí; oi í>apiacáoi). O assim chamado uso depoente passivo e redundante do verbo como em Mateus 9.13: “Ide [...] e aprendei”.

Consultaram entre si11 (au[ipoúÀiov elapov). Semelhante ao termo latino consilium capere, como ocorre em Mateus 12.14.

Como o surpreenderiam em alguma palavra18 (Òttcoç aúxòv TTayiõeúocúaiv kv Àóyco). O verbo Tiaytõeúco, “enlaçar”, “armar o laço” ou “apanhar”, “apanhar numa armadilha”, ocorre só aqui no Novo Testamento. Na Septuaginta, é encontrado em 1 Reis 28.9 e Eclesiastes 9.12; consta tambémno Testamento dos Doze Patriarcas, José 7.1. Este é um quadro vívido do esforço para apanhar Jesus nas suas palavras, como capturar um passarinho ou animal em uma ar­madilha.

22.16. E enviaram-lhe os seus discípulos (kccI caToai:éÀA.oualv kütcô touç |ia9r|Tàç aikcòv), os estudantes, os alunos dos fariseus, como em Marcos 2.18. Havia dois seminários teológicos dos fari­seus em Jerusalém, a escola de Hillel e a escola de Shammai.

Com os herodianos (|ietà tgòv 'Hptoôiavcôv19), não os membros da família de Herodes ou os soldados de Herodes, mas os partidá­rios ou seguidores da dinastia de Herodes. A forma -iavoç é uma terminação latina, como em Xpio-uavoúç de Xpiotiavóç (At 11.26). Marcos 3.6 também menciona que os herodianos se uniram com os fariseus contra Jesus.

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Mateus 22

Sem te importares com quem quer que seja20 (ov yàp pAiireiç elç TTpóocouov ávGpoóiTCjOv). Literalmente, “tu não olhas no rosto dos homens”. Levar em consideração a aparência é o pecado da par­cialidade, o qual é condenado em Tiago 2.1,9, quando as palavras TTpooGúTToA.rp\j/ícaç;, npoGOOTTOÀri iTíTeixe são usadas em imitação do idioma hebraico. Esse elogio insincero dava a entender “que Jesus era um simplório descuidado” .21

22.19. Mostrai-me a moeda do tributo22 (êiTiôeíÇaxé |íoi xò vóp,io[ia xofi kt|Voou). Kf|vaoç, o censo em latim, era a capitação, ou seja, o imposto pago por cabeça, tributum capitis, para o qual foram cunhados os denários de prata com a imagem de César e uma inscrição, por exemplo, “TLpepíou Kcáootpoç” 23 A palavra vó|iio|ic6

é a palavra latina numisma e só ocorre aqui no Novo Testamento. E comum no grego antigo, derivada de vo|_lÍ(go, significa “sancionado por lei ou por costume”.

22.20. De quem é esta efígie e esta inscrição?24 (Tívoç f] eiKÓv ccuxri Kcà f| êTTiypoajrri). Era provavelmente uma moeda romana por causa da imagem (figura) que havia nela. Herodes, o Grande, evitou essa prática por causa do preconceito judaico, mas o tetrarca Filipe a introduziu nas moedas judaicas e foi seguido por Herodes AgripaI. Com certeza essa moeda foi estampada em Roma com a imagem e nome de Tibério César.

22.21. Dai25 (Airóôoxe). “Dai de volta” a César o que já é de César. “A própria inscrição no dinheiro era um reconhecimento de dívida a César. O imposto não era um presente, mas uma dívida em troca de lei, ordem e estradas. Há o dever ao estado e o dever a Deus. Jesus já endossara o imposto do Templo. A ‘efígie e inscri­ção’ indicavam a autoridade do imperador que cunhara a moeda. As duas esferas são distintas, mas ambas existem. O cristão não deve esquivar-se de nenhuma das duas.” 26

22.24. Casará o seu irmão com a mulher dele27 (èiuyoqappeúoei ó áõeA.cj)òç aüxoí) xt]v yuvaiKa aúxoü). Os saduceus estavam “que­rendo diversão em vez de causar dano mortal” .28 Era provavelmente um antigo enigma que eles usaram para derrotar os fariseus. Esta passagem é citação de Deuteronômio 25.5,6. A palavra só ocorre

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

aqui no Novo Testamento e em outro lugar somente na LXX. É usada para referir-se a qualquer ligação por casamento, como em Gênesis 34.9 e 1 Samuel 18.22. Mas em Gênesis 38.8 e Deuteronômio 25.5 é usada especificamente em alusão ao levirato, que é a instituição matrimonial que impunha à viúva casar-se com o irmão do falecido marido.

22.33. Ficaram maravilhadas (è eTTA.iíaaovTo). A terceira pes­soa do plural do pretérito imperfeito passivo descritivo do indicati­vo mostra o assombro e admiração permanente das multidões.

22.34. Ele29 fizera emudecer os saduceus (écj)L|_icooev touç SaôôouKcáouç). Jesus amordaçara os saduceus. Os fariseus não pu­deram se conter de alegria, embora tivessem se unindo com os sa­duceus para tentar apanhar Jesus em alguma falta.

Reuniram-se no mesmo lugar30 (auvqxÔTloav èui tò carcó). Terceira pessoa do plural do aoristo primeiro passivo do indicativo, “foram reunidos junto”. ’E ttI t ò o c ú tó explica mais completamente auv- (ver também At 2.47). Eles “reuniram as forças” (Moffatt).

22.36. Qual é o grande mandamento da lei?31 (uoía èvTOÀf) |0,eyáA.r| kv xtô vÓ|íq). O adjetivo positivo é, às vezes, de nível tão alto quanto o superlativo. Ver |_iéyaç em Mateus 5.19 em contraste com êA.áxi0T0ç. No Novo Testamento, o superlativo |iéyiOTOç só ocorre em 2 Pedro 1.4. Possivelmente, esse escriba desejava saber qual era o primeiro mandamento (Me 12.28) na opinião de Jesus. “Os escribas declararam que havia duzentos e quarenta e oito pre­ceitos afirmativos, tantos quantos os membros do corpo humano; e trezentos e sessenta e cinco preceitos negativos, tantos quantos os dias do ano, totalizando seiscentos e treze, o número das letras do decálogo.” 32 Mas Jesus corta caminho por tais minúcias e vai direto ao cerne do problema.

22.42. Que pensais vós do Cristo? (TÍ Ú|_llv ôokêl uepl toú XpioToü). Aqui, Jesus entende que o Salmo 110 se refere ao Messias. Por meio dessa pergunta contundente sobre o Messias ser o filho eo Senhor de Davi, ele força os fariseus a enfrentar o problema da deidade e humanidade conjunta do Cristo. “Eles mantinham pontos de vista divergentes acerca do Messias” ,33 e provavelmente nunca

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tinham enfrentado esse texto antes. Eles não souberam o que res­ponder.

NOTAS___________________________________________________1 “As núpcias” (BJ); “uma festa de casamento” (NTLH); “um banquete de casa­

mento” (NVI).2 Frederick Field, Notes on the Translation o f the New Testament (Reimpressão,

Peabody, Massachusetts: Hendrickson, 1994).3 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 119.4 “Mas eles não quiseram vir” (NTLH).5 C. R. Conder, The Bible and the East ( Edimburgo: W. Blackwood, 1896).6 “Gordos” (NTLH).7 “Um foi para a sua fazenda, e outro, para o seu armazém” (NTLH).8 TR e TM têm ô ô 5é.9 “Tropas” (BJ; ARA).10 “As encruzilhadas dos caminhos” (ARA); “às esquinas” (NVI).11 “A sala nupcial” (BJ); “o salão de festas” (NTLH); “a sala do banquete de ca­

samento” (NVI).12 “Lançai-o para fôra, nas trevas” (ARA).13 TR e TM têm Spate aikòv k<x! eKpalete eíç tò okotoç tò èÇútepov13.14 A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York:

Macmillan, 1911), p. 229.15 “Pois muitos são convidados, mas poucos são escolhidos” (NTLH).16 “Então os fariseus saíram” (NVI).17 “E começaram a planejar” (NVI).18 “Como apanhá-lo por alguma palavra” (BJ); “um meio de enredá-lo em suas

próprias palavras” (NVI).19 TR omite o iota subscrito' Hpwôiavwv.20 “Não dás preferência a ninguém” (AEC; BJ); “tu não te deixas influenciar por

ninguém” (NVI).21 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 274.22 “Mostrem-me a moeda usada para pagar o imposto” (NVI).23 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 319.

Mateus 22

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

24 “De quem são o nome e a cara que estão gravados nesta moeda?” (NTLH).25 “Devolvam” (NVI, nota de rodapé).26 Robertson, Commentary on Matthew, p. 231.27 “Seu irmão deverá casar-se com a viúva” (NVI).28 Bruce, Expositor 's, p. 275.29 O nome Jesus não está explícito no texto grego, mas implícito (cf. NTLH;

NVI).30 “Reuniram-se em grupo” (BJ); “reuniram-se em conselho” (ARA).31 “Qual é o maior mandamento da Lei?” (BJ; NVI).32 Vincent, Word Studies, p. 122.33 Robertson, Commentary on Matthew, p. 234.

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Capítulo23

Mateus23.2. Na cadeira de Moisés, estão assentados os escribas e fa ­

riseus1 (’EttI Tfjç Moolkséooc;2 KaGéôpac; exáGioav oi ypaii(J,ateiç tcoàoi $apiacâoi). Este é o tempo aoristo gnômico ou infinito, ètcáBurav, não o aoristo para o perfeito. A “cadeira de Moisés” significa o ofí­cio de intérprete de Moisés. “Os herdeiros da autoridade de Moisés podem, por tradição ininterrupta e como catedráticos, fazer pronun­ciamentos sobre os ensinos mosaicos.” 3

23.3. Porque dizem e não praticam4 (ÀéyoixJiv yàp kk'l oò ttoioü oiv). “Como mestres, eles têm o seu lugar, mas tomem cuidado para não seguir-lhes o exemplo.” 5

Não procedais em conformidade com as suas obras6 (Kccxà ôè xà epya aikdòv [aí] uoteite). Não pratiqueis as suas práticas. Aqui, Jesus não desaprova o ensino dos fariseus como ele faz em outras ocasiões. O que Jesus quer dizer aqui é que eles não praticam o que ensinam como Deus o vê.

23.4. Eles, porém, nem com o dedo querem movê-los1 (autoi ôè tw ôocktÚAxo cojtgôv oi) 9éA.ouoiv Kivf|aoa aúxá 8). Um provérbio pitoresco. Os escribas e fariseus são chefes de serviço e não carre­gadores de fardos ou ajudantes solidários.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

23.5. E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos ho­mens (uccvto õè xà epya aúxuv Troioíjaiv irpòç xò 9ea9f)vca xoiç ày0pGÓnoiç). Este linguajar ocorre em Mateus 6 .1. A imagem pública regula a conduta dos rabinos.

Pois trazem largos filactérios9 (ttàcixÚvouo lv yàp xà 4)uA.axxr|pia;10). A palavra cjjuÀíXKXiípia é um adjetivo de cj)uA.ctKxr|p, (jjuláooQ (“guardar”, “salvaguardar”). O termo se refere a “lugar fortificado”, “posto avançado” ou “guarnição”. Mas no uso rabínico significava uma salvaguarda de proteção, como um talismã ou amu­leto. Os rabinos usavam tefilins ou “filetes de oração”, “filactérios”, que eram caixinhas de couro com quatro tiras de pergaminho. Em uma tira de pergaminho estava escrito o texto de Êxodo 13.1-10, na segunda tira, o texto de Êxodo 13.11-16, na terceira, o texto de Deuteronômio 6.4-9 e na quarta, o texto de Deuteronômio 11.13-21. Eles tomavam literalmente as palavras “sinal na tua mão”, “testeiras entre os teus olhos” e “frontais entre os teus olhos”. O filactério da testa (“testeira”, “frontal”) era uma caixinha com quatro comparti­mentos, cada uma contendo uma tirinha de pergaminho com uma das quatro passagens escrita. Cada tira era amarrada com um pêlo bem lavado do rabo de bezerro. Uma linha das fibras poderia ficar contaminada por mofo. O filactério do braço continha uma única tirinha de pergaminho, com os quatro textos escritos em quatro co­lunas de sete linhas cada. Era preso ao braço esquerdo por tiras de couro pretas enroladas sete vezes ao redor do braço e três vezes ao redor da mão. Os rabinos tinham em elevada conta esses talismãs, reverenciando-os tanto quanto as próprias Escrituras. Os rolos das Escrituras e essas caixinhas eram as únicas posses que poderiam ser salvas de incêndio em dia de sábado. Eles imaginavam que Deus usava filactérios.11 Jesus ridiculariza tamanha preocupação minu­ciosa por exterioridade e literalismo pretensioso. Hoje, os judeus ultra-ortodoxos usam filactérios na testa e no braço esquerdo duran­te a oração matinal diária.12 “O tamanho dos filactérios indicava a medida do zelo, e o uso de filactérios grandes tendia a tomar o lugar da obediência.” 13 Por conseguinte, eles os faziam “largos”. Os su­persticiosos os usavam como meros talismãs para repelir o mal.

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Mateus 23

Alargam as franjas das suas vestes14 ([ieyaÀúvouaiv tà KpáoTTÉÔa). Em Mateus 9.20, vemos que Jesus, como os judeus em geral, usava uma borla, bainha ou borda, uma franja na roupa exte­rior confeccionada de acordo com Números 15.38. Nesse quesito, os rabinos judeus tinham regras minuciosas sobre o número dos fios e dos nós da franja (ver análise em Mt 9.20). Eles consideravam o tamanho das franjas uma virtude. “Tais coisas eram úteis como lem­bretes; mas eram fatais quando consideradas como talismãs.” 15

23.6. Amam os primeiros lugares nas ceias ((jHÀoûoiv ôe16

TTpcjOtOKlLoíay kv Toíç ôeííTvoiç). Literalmente, este é o primeiro lugar reclinado no divã às refeições. Os persas, gregos, romanos e judeus diferiram de costume, mas todos queriam o lugar de hon­ra nas ocasiões formais e solenes. O equivalente contemporâneo é sentar-se à cabeceira da mesa. Na última Páscoa, que estava a ape­nas dois dias dessa exposição de fatos comprometedores dos fari­seus na presença dos apóstolos, os apóstolos tiveram uma altercação vergonhosa sobre este mesmo ponto de precedência (Lc 22.24; Jo 13.2-11).

E as primeiras cadeiras nas sinagogas17 (ku\ zkc TrpcoxoKaGeôp íaç kv raiç auvayojycâç). “Uma fome insaciável por proeminência.” 18

Esses assentos principais estavam na plataforma que dá para a audi­ência e com as costas para a caixa na qual guardavam os rolos das Escrituras. Os essênios tinham um arranjo diferente. Hoje em dia, as pessoas pagam preços elevados pelos primeiros lugares no teatro, mas preferem os últimos lugares na igreja.

23.7. E as saudações nas praças19 («ai touç àcmao^oúç kv tcciç áyopcâç). Os rabinos gostavam extremamente e procuravam avida­mente a mesura pública e a atenção especial. Queriam que todos apoiassem e aprovassem a sua dignidade ministerial, como alguns no ministério profissional ainda hoje fazem.

23.8. Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi20 (ò|ieíç ôè l_if| KÀr|0r]T(, 'Pappí), um evidente aparte para os discípulos. Note a posição enfática de í)|_ieiç. Certos estudiosos consideram que os versículos 8 a 10 sejam uma adição posterior ou que não façam par­te desse discurso aos fariseus. No seu comentário aos Evangelhos,

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Eutímio Zigabeno, o monge-exegeta e estudioso do século XII, diz: “Não busqueis ser chamados (aoristo ingressivo do subjuntivo), se os outros vos chamarem assim não será culpa vossa”. Isso não está longe do que o Mestre quer dizer. Rabi significa “meu grande”, “meu mestre”, pelo visto um título comparativamente novo nos dias de Cristo.

23.9. E a ninguém na terra chameis vosso pai ( k o u ucaépoc |ir] Ka/ior|Te úficõv ctt! xrjç yriç).21 No jardim do Getsêmani, Jesus disse: “Aba, Pai” (Me 14.36). Com certeza, a atribuição de “pai” ao papa e padre está em desacordo com o que Jesus diz aqui. Não devemos entender que Ele esteja condenando o título que damos ao nosso verdadeiro pai terreno. Jesus deixa que as exceções se complemen­tem por si mesmas.

23.10. Nem vos chameis mestres22 (|_ir|õè KA.r|GfjT€ Ka6r|yr|TaL). Esta palavra só ocorre aqui no Novo Testamento. Acha-se nos pa­piros para aludir a “mestre” (latim, doctor). É a palavra grega mo­derna para dizer “professor”. “Enquanto ôiôáoK<xA.oç quer dizer Rab, KaGriyriTJiíç significa o mais honroso Rabban [“mestre”], - |3ov.” 23

Gustaf Dalman propõe que a mesma palavra aramaica possa ser tra­duzida por õiõáoKcdoç ou KaGriyTycriç.

Porque um só é o vosso Mestre, que é o Cristo24 (òxi KaGr|yr|Tf|ç í)[ic3v êoTiv eíç ó Xpiotóç 25). Certos estudiosos sustentam que Jesus não teria usado essas palavras aqui, assim como Ele não disse “Jesus Cristo” na sua oração em João 17.3, e que as palavras foram acrescentadas pelo evangelista ao que Jesus de fato disse, visto que o Mestre não teria se descrito assim. Mas ele recomendou que Pedro o chamasse “o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16,17). Não devemos esvaziar demasiadamente a consciência de Jesus.

23.12. E o que a si mesmo se exaltar (ootiç õe ín|/cóoei. eauróv). E um tanto quanto semelhante a Mateus 18.4 e 20.26. Lucas apre­senta a mesma declaração em outros contextos (Lc 14.11; 18.14). Isso é característico de Cristo.

23.13,14. Mas ai de vós, escribas efariseus, hipócritas!26 (Ouai õè Ypoq4 urüeiç «ai í>apiooâoi ÚTTOKpuaí). Jesus usa a terrível palavra oim (“ai”) em repetição impressionante27 nos versículos 13,

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Mateus 23

15, 16, 23, 25, 27 e 29. O verbo na voz ativa (wroKpívco) significava “separar lentamente ou ligeiramente sujeitar a investigação gradu­al”. A voz média era “fazer resposta”, “assumir um papel no pal­co”, “desempenhar um papel”. Veio a significar “fingir”, “fazer de conta”, “usar uma máscara”, “agir como hipócrita” ou “representar um papel”. Essa palavra mais dura recai sobre os lideres religiosos — os escribas e fariseus — , que tinham justificado essa manifesta­ção inesperada de ira pela sua conduta para com o Messias e o seu tratamento das coisas celestiais e santas. Alfred Plummer cita esses sete ais como outro exemplo do gosto de Mateus pelo número sete.28

Essa observação se deve mais à fantasia de Plummer do que aos fatos. O Evangelho de Mateus não é o Apocalipse de João. Note que todos os ais são ilustrações do dizer e não praticar dos fariseus.29

Pois que fechais aos homens o Reino dos céus30 (otl Kleíeije rf]v paoiÀeíav i(òv oí)pavá)v e|iTrpoa9ev tgõv áyGpGÓucov). Em Lucas 11.52, os doutores da lei são acusados de manter a porta da casa do conhecimento fechada e tirar a chave para que eles e o povo permaneçam na ignorância. Pelo seu ensino, esses guardas do reino obscureceram o caminho para a vida. É uma tragédia pensar que os pregadores e ensinadores do Reino de Deus podem trancar a porta para os que tentam entrar (uouç doepxojiévouç, acusativo conativo particípio do depoente médio/passivo do presente masculino plural). Esses porteiros do reino batem a porta na cara das pessoas, estando eles mesmos do lado de fôra onde permanecerão. Escondem a chave para impedir que outros entrem.

23.15. O fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós (TToieiTe aúüòv ulòv yeéwrjç õiTrÀÓTepov í)(_i(T>v). E um converti­do ao farisaísmo e não ao judaísmo que diz respeito ao termo “um prosélito” 31 (éva upocníXuTOv), derivado de TTpooépx,o|-ica, “recém- chegados”, “recém-vindos”, “estrangeiros”. Havia dois tipos de prosélitos: 1) os prosélitos da porta que não eram judeus verdadei­ros, mas indivíduos tementes a Deus e simpatizantes do judaísmo, como Comélio; e 2) os prosélitos da justiça que eram circuncidados e se tornavam judeus verdadeiros. Uma porcentagem muito peque­na desse segundo grupo se tornava fariseus. Havia uma literatura

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

judaica helenística (inclusive os escritos de Fílon e os Oráculos Sibilinos) escrita exclusivamente para atrair os gentios ao judaísmo. Mas o zelo missionário dos fariseus para percorrer o mar e a terra (TTepiáYete, “ir em volta de”, “circular”) era um fracasso relativo. E o sucesso era até pior, diz Jesus claramente. A palavra òlttâoíjç (“duas vezes mais”, “duplo”, “dobro”) é comum nos papiros. O comparati­vo é usado, como de ôittâóç. A forma comparativa também aparece nos escritos do historiador Apiano. Note o ablativo de comparação ú|icoy. O “filho da geena” significa alguém adaptado ou sob medida e, portanto, destinado para a geena. “Quanto mais convertido mais pervertido”, disse H. J. Holtzmann. Em sentido especial, os fariseus declaravam ser os filhos do Reino (Mt 8.12). Eles eram mais parti­dários do que devotos.

23.16.A idevós, condutores cegos! (Oual u|ílv, óôriyol ti4>A.oí). Note neste terceiro ai a omissão das palavras “escribas e fariseus, hipócritas”. Em Mateus 15.14, Jesus já dissera que os fariseus eram “condutores (líderes) cegos”. Jesus explicara em Mateus 5.33-37 que eles perdiam-se em minúcias acerca dos juramentos, como, por exemplo, fazer diferença entre o Templo e o ouro do Templo.

Mas o que jurar pelo ouro do templo, esse é devedor32 (oç õ’ a\v ò[ióoT] kv tcô XPU0V TC)ú wtoü, ôcjjetÀei). Tal indivíduo deve ou fica preso pelo juramento que fez. Não é que ele seja culpado, como a uma multa ou pagamento.

23.17. Insensatos e cegosZ33 ((acopol kkI TixfjÀoí). Em Mateus5.22, Jesus já chamara a atenção para o perigo de dizermos, no ímpe­to da raiva, que alguém é ((_icopóç, mas aqui ele descreve a estupidez dos fariseus cegos como classe. “O texto mostra que o que realmen­te importa não é a palavra, mas o espírito no qual foi proferida.” 34

23.23. Dais o dízimo35 (àTioõeKatoÜTe). O dízimo tinha de ser pago “de toda a novidade da tua semente” (Lv 27.30; Dt 14.22). A palavra dízimo significa “décimo”, “a décima parte”. As peque­nas ervas aromáticas, hortelã (tò fiôúoa|_iov, “cheiro doce”), endro ou erva-doce (tò avr|9ov) e cominho (tò kÚ|ílvov, “com sementes aromáticas”), mostram a consciência escrupulosa dos fariseus em dizimar mercadorias comerciáveis. “O Talmude conta a história de

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Mateus 23

um jumento de certo rabino que fôra treinado a recusar comer grãos dos quais não foram tirados o dízimo.”36

Deveis, porém, fazer essas coisas e não omitir aquelas37 (xaü xa ôè eÔÉL iToif)aoa KKKelvK [_if] àcj)iévou38). Jesus não condena dar o dízimo. O que Ele condena é dar o dízimo e ao mesmo tempo des­prezar “o mais importante da lei” 39 (xà (3ctpúxepa). Os fariseus eram exterioristas (cf. Lc 11.39-44).

23.24. Coais um mosquito (ol õiüÀÍCovxec; xòv kgÓvgottoc). E filtrar através de (dia,), não “coar em” para engolir.

E engolis um camelo (xf)v õè Ká|ir|Àov Kaxcnúvovxeç). Tragar ou beber de um gole o camelo é hipérbole oriental semelhante ao que ocorre em Mateus 19.24 (ver também Mt 5.29,30; 17.20; 21.21). Insetos e camelos eram cerimonialmente imundos (Lv11.4,20,23,42). De acordo com os rabinos, “aquele que mata uma pulga no sábado é tão culpado quanto se matasse um camelo” .40

23.25. Mas o interior está cheio de rapina e de iniquidade41

(eocoGev õè yéfiouoiv àpuayriç Kal áKpaaíac;). Acusação séria. Esses observadores de cerimônias exteriores, na sua falta de contro­le, não se recusavam ao roubo (ápTTayfiç) e ao suborno (àKpaaíaç). Este é um quadro moderno de maldade em altos cargos — tanto civis quanto eclesiásticos — , onde a moralidade e a decência são impiedosamente espezinhadas.

23.26. Limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo (KaGápioov upcòxov xò êvxòç xoü 'noxrpúoi), 'iva yévr|xai Kal xò êkxoç aúxoü KaGapóv). A ideia é que o “exterior” (èKxóç) e o “interior” (êvxóç) do copo e do prato (prato que tem o lado bom) estejam limpos, mas o interior é o mais importante. Note a mudança para o singular no versículo 26, como se Jesus em tom mais amigável rogasse que um fariseu mudasse de caminho.

23.27. Sois semelhantes aos sepulcros caiados (iTapo[j.oiá(exÉ xácj)oiç KÉKOViafiévoií;). O dativo plural masculino do particípio pas­sivo perfeito é derivado de Koviáw, e daí de Kovía. Jesus não está falando dos sepulcros dos prósperos, que eram emaWiados YiàTOdYà, mas dos sepulcros de pessoas de classe mais baixa, os quais pon­tilhavam os campos e as margens de estrada. A coloração branca

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

era em virtude da aplicação de pó de cal. Quando Jesus falou essas palavras, os sepulcros tinham sido recentemente caiados. Os sepul­cros eram caiados um mês antes da Páscoa para que os viajantes os identificassem e evitassem ficar impuros por tocar num deles (Nm 19.16). Em Atos 23.3, Paulo chamou o sumo sacerdote de “parede branqueada!”

23.29. Edificais os sepulcros dos profetas42 (oLkoòo[j.cl té toíjç xácjiouç tcÔv iTpocjnTucôv). Eles estavam testemunhando contra si mesmos (ékdtoíç, Mt 23.31; cf. Lc 11.48-52). “Esses homens que professavam estar tão consternados pelo assassínio dos profetas, estavam maquinando a morte daquEle que, de lon­ge, era maior que todos os profetas.” 43 Há quatro monumentos chamados popularmente os Sepulcros dos Profetas situados ao sopé do monte das Oliveiras. Foram identificados com Zacarias, Absalão, Josafá e o apóstolo Tiago. Há muito que se esqueceu o verdadeiro propósito por que foram construídos, mas eles datam aproximadamente do século I. Concebivelmente, um ou mais desses monumentos poderia ter estado em construção na ocasião em que Jesus proferiu essas palavras. As acusações deste sétimo e último ai aplicavam-se a toda a nação judaica, e não somente aos fariseus.

23.32. Enchei vós, pois, a medida de vossos pais44 (k a i úiaeiç TTÃrípcóoaTe uò liétpov tcôv naTépcov úfj-côv). Alguns manuscritos enfraqueceram a ironia extremamente mordaz neste mandamen­to colocando-o no futuro do indicativo (tTXrípcóoeTe). “Enchei a medida de vossos pais; coroai os crimes deles matando o profeta que Deus vos enviou. Fazei, afinal, o que há muito tempo está em vosso coração. Chegou a hora .” 45

23.33. Serpentes, raça de víboras/46 (oc^eiç, yevvrpara éxLÔvcôv). Essas palavras devastadoras são um clímax remanes­cente das palavras semelhantes ditas por João Batista (Mt 3.17). Jesus fez a mesma caracterização no seu diálogo com os fariseus depois que eles o acusaram de estar em conluio com Belzebu (Mt 12.34). Certa maldição no Talmude diz mais ou menos assim: “Ai da casa de Anás! Ai dos seus ceceios semelhantes às serpentes” .

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Mateus 23

Como escapareis da condenação do inferno?41 (ttwç 4)úyr|T6 ocTrò Tf|ç KpLoeooç xrjç yeéwriç). Subjuntivo deliberativo.

23.35. Zacarias, filho deBaraquias (Za^apíou ulou Bapaxíou). John Broadus48 oferece as explicações alternativas sobre a razão de a frase “filho de Baraquias” ocorrer aqui, mas não em Lucas 11.51. A explicação habitual é que a referência seja a Zacarias, filho de Joiada, o sacerdote que foi morto no pátio do Templo (2 Cr 24.20- 22). Não sabemos como as palavras, “filho de Baraquias”, entraram em Mateus. No caso de Abel, há a predição do ajuste de contas pelo seu sangue derramado (Gn 4.10) e há a mesma predição acerca da morte de Zacarias (2 Cr 24.22).

23.37. Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos49 (-nooÚKiç f|0éÀr|oa èuiauvaYaYeiv zà xéKva oou). Mais exatamente, “quantas vezes eu ambicionei ajuntar para mim” (infinitivo composto duplo).0 mesmo verbo (émauváYei) é usado para referir-se à galinha com a preposição composta uTioKáxu. Em uma cultura em que galinhas perambulavam livremente, não era incomum ver uma galinha ajun­tar os pintinhos às pressas debaixo das asas quando desconfiasse de haver perigo. Essas palavras nos lembram as visitas prévias de Jesus a Jerusalém, as quais são descritas com mais detalhes no Evangelho de João.

NOTAS___________________________________________________1 “Os escribas e fariseus estão sentados na cátedra de Moisés” (BJ).2 TR e TM têm a grafia Mcoaéuç; WH tem Mcouaécoç.3 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and índices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 329.

4 “Pois não praticam o que pregam” (NVI).5 Alexander Balmain Bruce, The Expositor s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 278.6 “Mas não façam o que eles fazem” (NVI).7 “Mas eles mesmos não os ajudam, nem ao menos com um dedo, a carregar

esses fardos” (NTLH).8 TR e TM têm t u ôé tw 5aKiúA.cp aüxw v oú GéÀoixuv K iv f|aa i a ú rá .

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

9 “Pois alargam os seus filactérios” (ARA).10 TR e TM têm ôé em lugar de yáp.11 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 123.12 McNeile, Matthew, p. 330.13 Bruce, Expositor s, p. 279.14 “Encompridam as franjas das suas vestes” (AEC).15 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint

Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), pp. 314-319.16 TR e TM têm te em lugar de ôé.17 “E [os] assentos mais importantes nas sinagogas” (NVI).18 Bruce, Expositor ’s, p. 280.19 “Gostam de ser cumprimentados com respeito nas praças” (NTLH).20 “Vós, porém, não sereis chamados mestres” (ARA).21 Robertson tinha uma opinião muito mais elevada sobre o termo á(3(3S do que

a maioria dos estudiosos. Citando McNeile, Matthew, p. 331, sobre este que­sito, Robertson escreve: “Jesus quis dizer o pleno sentido desta palavra nobre referindo-se ao nosso Pai celestial. ‘Aba não era um modo de tratamento comu­mente dirigido a uma pessoa viva, mas um título de honra para os rabinos e os grandes homens do passado’.” Desde que Robertson escreveu essas palavras, várias referências antigas a esse termo foram descobertas, confirmando que o termo era usado no círculo familiar judaico como modo de tratamento direto correspondendo de forma livre à palavra grega nocnp. Talvez estejamos for­çando ao último grau de intimidade dizer, como alguns, que chamar Deus áp(3â seja equivalente a chamá-lo “papai”. A lei grega, porém, negava o uso do termo a escravos dirigirem-se aos seus senhores, visto que era desrespeitoso em sua informalidade.

22 “Nem sereis chamados guias” (ARA).23 McNeile, Matthew, p. 332.24 “Porque um só é vosso Guia, o Cristo” (ARA).25 TR e TM têm etç yàp ú|iõv èoii.v ó KOcGriyriTTiç ó XpiOTÓç.26 “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas!” (NVI).27 Bruce, Expositor’s, p. 280. TR e TM tinham oito ais, adicionando o versícu­

lo 14. WH intitula o versículo 14 de versículo 13, rejeitando a autoridade de Aleph B D como uma glosa óbvia de Marcos 12.40 e Lucas 20.47. Os MSS que inserem o versículo 14 o colocam antes ou depois do versículo 13. [Versões brasileiras: A BJ coloca o número 14 entre colchetes e em nota de rodapé expli­ca que se trata de uma interpolação tomada de Marcos 12.40 e Lucas 20.47; a NTLH e a ARA grafam o versículo 14 em itálicos simplesmente; a NVI contém

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Mateus 23

o versículo 14, dizendo em nota de rodapé: “Vários manuscritos não trazem o versículo 14”; a AEC e a ARC tão-somente contêm o versículo 14 sem oferecer explicações.]

28 Plummer, Matthew, p. 316.29 Willoughby G. Allen, A Criticai and Exegetical Commentary on the Gospel

According to Matthew, International Criticai Commentary ( Edimburgo: T. & T. Clark, 1912), p. 245.

30 “Pois vocês fecham a porta do Reino do Céu para os outros” (NTLH).31 “Um convertido” (NVI).32 “Mas, se alguém jurar pelo ouro do Templo, então é obrigado a cumprir o que

jurou” (NTLH).33 “Tolos e cegos!” (NTLH).34 McNeile, Matthew, p. 334.35 “Pagais o dízimo” (BJ); “vocês dão a Deus a décima parte” (NTLH).36 Vincent, Word Studies, p. 124.37 “Mas são justamente essas coisas que vocês devem fazer, sem deixar de lado

as outras” (NTLH).38 TR e TM omitem õé.39 “[Os] mandamentos mais importantes da Lei” (NTLH).40 Jer. Shabb. p. 107.41 “Mas por dentro eles estão cheios de ganância e cobiça” (NVI).42 “Vocês fazem túmulos bonitos para os profetas” (NTLH).43 Plummer, Matthew.44 “Acabem, pois, de encher a medida do pecado dos seus antepassados!” (NVI).45 Bruce, Expositor s, p. 285.46 “Cobras venenosas, ninhada de cobras!” (NTLH).47 “Como haveis de escapar ao julgamento da geena?” (BJ).48 John A. Broadus, Commentary on Matthew (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1990), pp. 476-77.49 “Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos” (ARA).

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Capítulo24

MateusIMSJBMSÍMSMSJSMSMMSMSMSMSraraJSMlElM!

24.1. Tendo Jesus saído do templo1 ([ARA] ê eXGcòy ô TnaoOç áiTÒ toü lepoü). Desde Mateus 21.23, os discursos têm sido nos pátios do Templo (lepóv, a área cercada sagrada). Mas agora Jesus deixa o recinto do Templo para sempre depois de fazer a denúncia aberta e veemente aos escribas e fariseus que está registrada no ca­pítulo 23. O seu ensino público terminou. Era um momento triste.

Ia-se retirando ([ARA] èTropeúexo, terceira pessoa do singu­lar do pretérito imperfeito médio/passivo depoente descritivo do indicativo). Os discípulos, como que querendo aliviar a tensão do Mestre, “aproximaram-se” dele (Trpoaf|A,9ov) “para lhe mostrarem” (èiuõei&u, infinitivo aoristo ativo ingressivo) “a estrutura do tem­plo” (xuç 0lK0Õ0(iàç toO lepoü). Esses edifícios eram bem conheci­dos por Jesus e seus discípulos, sendo belos como uma montanha de neve.2 O monumento que Herodes, o Grande, começara só estaria concluído alguns anos antes da sua destruição (cf. Jo 2.20). As gran­des pedras eram de mármore polido.

24.2. Não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada (oi) (_if| á4)60r| coõe ÀÍGoç êui ÀÍGov), pedra sobre pedra. A predição surpreendente mostra a melancolia da corrente dos pensamentos de

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Jesus, que não se desviou do seu curso pelas palavras de admiração ao Templo.

24.3. E, estando assentado3 (KaGruaévou ôè aúxou), um geniti­vo absoluto. Jesus se assenta no monte das Oliveiras olhando para baixo, a Jerusalém e ao Templo que Ele há pouco deixara. Depois da subida ao monte, quatro discípulos, Pedro, Tiago, João e André, achegam-se a Jesus com perguntas suscitadas por suas palavras so­lenes. Perguntam sobre a destruição do Jerusalém e do Templo, a Segunda Vinda (™pouaúa, “presença”, palavra comum nos papiros para referir-se à visita do imperador) de Cristo e o fim do mundo. Será que pensavam que todos esses eventos aconteceriam simul­taneamente? Não há modo de saber, mas Jesus trata todos os três neste grande discurso escatológico. Essa mistura de acontecimen­tos e eras é levantada como assunto de controvérsia pelos críticos textuais dos Evangelhos Sinóticos. As teorias modernas tendem a impugnar o conhecimento de Jesus ou dos escritores ou de ambos. Para o nosso propósito, é suficiente ver que Jesus usa a destruição do Templo e de Jerusalém como parte de um complexo de eventos que leva à sua Segunda Vinda e, no final das contas, ao fim do mun­do ou consumação da era (ouvTeÀeíaç tou ccLgjvoç). Em um quadro, o artista se serve de perspectiva habilidosa e esmerada para pintar na mesma tela o interior de um quarto, os campos que aparecem fôra pela janela e o céu muito distante. Claro que nesse discurso Jesus mescla em linguajar apocalíptico o pano de fundo da sua morte na cruz, a destruição próxima de Jerusalém, a sua Segunda Vinda e o fim do mundo. Ora Ele toca em um desses temas, ora em outro. Não é fácil separarmos claramente os eventos. A lição que Jesus está en­sinando sobre o quadro geral é que temos de estar prontos para a sua vinda e o fim. A destruição de Jerusalém em 70 d.C. ocorreu confor­me Ele previra. Certos estudiosos datam os Evangelhos Sinóticos depois de 70 d.C. somente para evitar o elemento preditivo. Tais teoristas querem restringir a presciência de Jesus a um nível mera­mente humano. A palavra uapouoía não ocorre em outra parte dos Evangelhos, exceto nos versículos 3, 27, 37 e 39 deste capítulo 24 de Mateus. Aparece frequentemente nas Epístolas, quer em alusão

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Mateus 24

à presença em oposição à ausência (Fp 2 12) quer em referência à Segunda Vinda de Cristo (2 Ts 2.1).

24.4. Acautelai-vos, que ninguém vos engane4 (BAÍttété |j-r] xiç òfiâç TTÁavr|ar|). Este aviso percorre ao longo do discurso. Tendo em vista a clareza das palavras de Jesus, as muitas decepções escato- lógicas no decorrer dos séculos são ainda mais surpreendentes. O verbo no passivo ocorre em Mateus 18.12, quando uma ovelha se desgarrou do rebanho. Aqui está na voz ativa com o sentido causati- vo de desviar. A palavra planeta vem dessa raiz grega.

24.5. Porque muitos virão em meu nome (ttoAAol yàp èlf úaovmi èni tcô òvó\xazí |aou). Eles arrogarão para si falsas reivindicações ao messiado em (com base em) nome do próprio Cristo.5 Josefo atribui aos falsos cristos uma das razões para a manifestação violenta da po­pulação contra Roma que levou à destruição da cidade. Cada novo herói era bem recebido pelas massas, inclusive Simão Bar-kokhba, “o Messias do deserto”, que despertou a segunda rebelião judaica contra Roma (132-135 d.C.). “Eu sou o Messias”, cada um dizia. No Ocidente hodierno, muitos e diversos pseudomessias têm surgi­do. Por exemplo, Annie Besant apresentou um messias teosófico e Mary Baker Eddy fundou a Igreja de Cristo, a Ciência Cristã, cujas reivindicações na prática a punham no mesmo nível que Jesus.

24.6. Olhai, não vos assusteis6 (òpâze [íí] BpoeloOe). Temos aqui um assíndeto, com dois imperativos,7 como ópãte pAiuere em Marcos 8.15. Olhar as guerras e os rumores de guerras, mas não se apavorar. A palavra Gpoéco significa “chorar em voz alta”, “gritar”, e na voz passiva, significa “ser aterrorizado por uma gritaria”. Em 2 Tessalonicenses 2.2, Paulo usa este mesmo verbo (|ariõè 0po€Lcnm) como aviso contra a perturbação ocasionada por falsos relatórios que diziam que ele predissera a Segunda Vinda imediata de Cristo.

Mas ainda não é o fim s (àXk’ oüuto éaulv rò téÀot;). E curioso como as pessoas não fazem conta dessas palavras de Jesus quando insistem em estabelecer datas para o fim imediato. Isso aconteceu continuamente ao longo do século XX.

24.8. Mas todas essas coisas são o princípio das dores9 (líávza õe taúra àpyj] còôívoov). Os judeus usavam a mesma frase para alu­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

dir aos sofrimentos do Messias que teriam de acontecer antes de sua vinda (Jubileu 23.18; Apocalipse de Baruque 27—29). Mas a palavra ocorre sem a idéia de nascimento como as dores da morte (SI 18.6; At 2.24). Esses ais, diz Jesus, não são provas do fim, mas do começo.

24.9. Atormentados10 (9Hi|av, ver Mt 13.21), uma palavra co­mum em Atos, nas Epístolas e no Apocalipse para referir-se à opres­são imposta sobre os cristãos.

E sereis odiados de todas as gentes11 (kk! eoeoGe fiiaoú[ievoi úttÒ uávacov tcòv êGvwv). A frase participial passiva perifrástica no futuro enfatiza o processo contínuo de ação linear.

Por causa do meu nome ( ô i à t ò õvo|iá |iou). O nome mais glo­rioso do mundo logo se tomaria um apelido pejorativo e vergonhoso (At 5.41). Os discípulos considerariam uma honra o fato de serem desonrados pela causa do nome de Cristo.

24.11. Surgirão muitos falsos profetas12 ( í t o á ã o l ij/euôoTTpo^fi rai èyepGiíaovTOi). No Sermão do Monte, Jesus já avisara sobre os falsos profetas (Mt 7.15).

24.12. O amor de muitos se esfriará'3 (i(/uyr|aerai f] àyáirri xáv ttoAAcôv), terceira pessoa do singular do futuro segundo passivo do indicativo de i|/Úxgo. “Respirar frio soprando”, “ficar frio”; é quando a “energia espiritual fica ressecada ou é esfriada por um vento ma­ligno ou venenoso” .14 O amor da fraternidade dá passagem ao ódio e desconfiança mútuos.

24.14. E este evangelho do Reino será pregado em todo o mun­do ( i< r |p u x 6 r |aeu cu t o ü t o t ò e m y y é À io v i f j ç p a o iX e ía ç kv òÀr) ir ] o lK o u p é v r i) . Será anunciado em todo o mundo habitado. Aqui não está dizendo que todos serão salvos, nem deve este linguajar ser entendido muito literal e detalhadamente como uma aplicação para abranger todo indivíduo.

24.15. Quando, pois, virdes que a abominação da desolação15

("Oxav ouv ’íôr)Te tò pôéÀuyjiO!; Tf|ç éprpcooecoç). Esta é uma alusão a Daniel 9.27, 11.31 e 12.11. Antíoco Epifânio ergueu um altar a Zeus no altar de Jeová (1 Macabeus 1.54,59; 6.7; 2 Macabeus 6.1-5). Pelo visto, a desolação que Jesus tinha em mente é o exército romano (Lc 21.20) no Templo, uma aplicação das palavras de Daniel para

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Mateus 24

este fato terrível. O verbo põeA.úooo[iai é “sentir náusea por causa do fedor”, “sentir nojo”, “detestar”. A idolatria era um fedor a Deus (Lc 16.15; Ap 17.4). Josefo fala que os romanos queimaram o Templo e ofereceram sacrifícios aos seus emblemas na Porta Oriental ao mesmo tempo em que proclamavam Tito imperador.16

Quem lê, que entenda (ò ávayivcóaKOOv voeíxoo). Este parêntese também consta em Marcos 13.14. Não devemos supor que Jesus te­nha dito essas palavras. Marcos as inseriu quando escreveu o livro, e Mateus as copiou.

24.16. Então, os que estiverem na Judéia, que fujam para os montes (xóx6 oi kv xr| ’Iouõaía ctjeuyéxwoav elç xà õpr|17). A referên­cia é aos montes a leste do rio Jordão. Eusébio conta que, antes que Jerusalém fosse sitiada, os cristãos fugiram para Pela, que ficava ao sopé dos montes, cerca de vinte e sete quilômetros ao sul do mar da Galiléia.is Lembrando-se do aviso de Jesus, eles fugiram em busca de segurança.

24.17. Quem estiver sobre o telhado não desça a tirar alguma coisa de sua casa19 (ó êul xoü õcó|aaxoç [ir] Kaxapáxoo ápai xà 4k xf|ç olKÍaç aüxoü20). Eles poderiam fugir de telhado em telhado e, assim, escapar. Era “o caminho dos telhados”, como os rabinos o chamavam. A rapidez fazia-se necessária.

24.18. E quem estiver no campo não volte atrás a buscar as suas vestes21 («m ó kv xw àypcò |if| éTTLOxpei(/áxw ÓttÍog) apai xò l|_iáxLOv aijxoü22). O camponês deixava a capa em casa enquanto estava no trabalho.

24.20. E orai para que a vossa fuga não aconteça no inverno nem no sábado23 (upoaeúxecrôe ôè Iva |j,f| yévr|xai r] cj uyfi ò|_iG)v Xeificôyoç |ir|Õ6 oappáxco24). A palavra xei[iGÔvoç é um genitivo de tempo, a palavra oappáxco é um locativo de tempo. O “inverno” é mencionado por causa do tempo borrascoso; e a exceção “no sába­do” é citada porque alguns hesitariam em fugir viajando no dia de adoração. Josefo25 faz excelente descrição dos horrores preditos por Jesus no versículo 21.

24.22. E, se aqueles dias não fossem abreviados26 (kcu ei |if| 6KoA.opGÓ0r|oay ai rpépai èiceiuai). O verbo é derivado de koàoPóç,

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

que significa “podados”, “mutilados”. É uma condição de segunda classe, determinada como não cumprida. E uma imagem profética, o futuro considerado como passado.

Mas, por causa dos escolhidos (ôià ôè touç èKÀeKTOuç). Ver o versículo 31. Jesus também usa esta frase em Mateus 22.14. O cerco foi encurtado por vários fatos históricos, como a decisão de Herodes Agripa de parar de fortificar os muros, as ordens imperiais recebidas pelos invasores romanos, a chegada súbita de Tito para liquidar os rebeldes e o fracasso dos defensores em preparar-se para um cerco longo. “O próprio Tito confessou que Deus estava contra os judeus, visto que, caso contrário, nem os seus exércitos nem as suas máquinas de guerra teriam sido bem-sucedidos em vencer as defesas judaicas.” 27

24.23. Eis que o Cristo está aqui ou ali2'* (’Iõou toõe ô Xpioxóç, rj, rQôe). Os falsos profetas (Mt 24.11) contribuíram para a difi­culdade da nação, e os falsos cristos (ijieuõóxpiaTOi, cf. Mt 24.24) ofereceriam a sua própria solução — rebelião para depor o jugo de Roma. As vítimas ludibriadas elevavam a voz, gritando “Ei-lo ali!”, quando esses falsos messias surgiam com as suas panacéias para todos os tipos de males políticos, religiosos, morais e espirituais.

24.24. Farão tão grandes sinais eprodígios29 (õúaouoiv orneia lieyáXa K cà tépaxa). Estas são duas das três palavras usadas com muita frequência no Novo Testamento acerca das obras (epya) de Jesus, sendo que a terceira é ôuvcqaeiç, “poderes”. Elas quase sempre ocorrem juntas em relação à mesma obra (Jo 4.48; At 2.22; 4.30; 2 Co 12.12; Hb 2.4). A palavra tépaç é uma “maravilha” ou “prodí­gio”; õúvcquç é uma “obra poderosa” ou “poder grandioso”; orpeiov é um “sinal do propósito de Deus”. A palavra milagre (miraciáum) apresenta somente a noção de maravilha ou portento ou prodígio. A mesma ação ou proeza pode ser vista desses ângulos diferentes. Mas o ponto central a observar aqui é que meros “sinais e prodígios” não provam por si que o poder é de Deus. Esses charlatães serão tão hábeis e engenhosos a ponto de, “se possível” (el ôuvoaóv), desviar os próprios eleitos. A dedução é que não é possível. As pessoas fi­cam empolgadas, são logradas e tomam-se ineptas para julgar pelos

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Mateus 24

resultados. A publicidade e o marketing fazem pleno uso da creduli­dade das pessoas, assim como fazem os médiuns espíritas.

24.26. Eis que ele está no deserto (lôoú kv xrj epípcp koxLv), como Simão, filho de Gioras.30

Eis que ele está no interior da casa3i (’Iõoú kv xoíç xa^eíoiç). Como João de Giscala.32 Os falsos messias desempenham o papel dos grandes não vistos e desconhecidos.

24.27. Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente33 (okmep yàp r] àoxpaTrn èÇépx^xa l octtò àvazoXúSv Kal tjmvexai ecoç ôuapwv). Visível em contraste com a invisibilidade dos falsos messias (cf. Ap 1.7), como o lampejo do relâmpago.

24.28. Pois onde estiver o cadáver34 (ottou èàv rj xò iruó)|ia35), como em Mateus 14.12. Originalmente, um corpo caído de ttíttxg), “cair”, como a palavra latina cadaver derivada de cado, “cair”. O provérbio aqui, como em Lucas 17.37, é semelhante ao de Jó 39.30 e Provérbios 30.17.

A í se ajuntarão as águias (èicel ouvaxGriaovxai oi àexoí). Talvez o abutre, maior que a águia, que era avistado seguindo o mesmo caminho de um exército e que seguiu a retirada de Napoleão da Rússia.

24.29. Logo depois da aflição daqueles dias36 (EùGécoç; ôè |_iexà xr]v 9A.Xi|/lv tgôv rpepwv èKeívcov37). Essa palavra, eúBécoç (“logo”), comum no Evangelho de Marcos assim como eúGúç, oferece dificul­dade se acentuarmos o elemento tempo. O problema é quanto tempo se passa entre “a aflição daqueles dias” e o simbolismo vívido do versículo 29. O uso de kv táxei em Apocalipse 1.1 deve nos fazer parar para pensar. Temos aqui um panorama profético como aquele com perspectiva escorçada. As imagens apocalípticas no versículo 29 também exigem julgamento equilibrado. Podemos comparar a profecia de Joel conforme foi interpretada por Pedro em Atos 2.16- 2 2 . O literalismo é inadequado para a interpretação da escatologia apocalíptica.

24.30. Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem (Kal xóxe (j)avr|aeTai xò orpelov xoû uioú ioú âvGpwTTOi) kv oúpavcò3S).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Muitas teorias têm sido propostas para o que seja esse “sinal”, por exemplo, uma cruz no céu. A. B. Bruce entende que é referência a Daniel 7.13: “Um como o filho do homem”, e sustenta que o próprio Cristo é o sinal em questão (o genitivo de justaposição).39 Claro que isso é possível.

Verão o Filho do Homem vindo (ôij/ovTm tòy uiòv xou évGpcjiTOi) èpxó|i€vov). É confirmado pelo restante do versículo (ver Mt 16.27; 26.64). Os judeus já tinham pedido tal sinal40 (Mt 12.38; 16.1; Jo 2.18).

24.31. E ele enviará os seus anjos com rijo clamor de trombeta (kccl cxttoot6À6l touç àyyéA.ouc; crái:oü |ierà41 oáÀiuyyoç |aeyáÀr|c;).42

A trombeta era o sinal para convocar os exércitos de Israel à mar­cha. É usado em imagem profética (Is 27.13; Ap 11.15). É lógico que “a vinda do filho do homem não deve ser identificada com o julgamento de Jerusalém, mas, antes, forma o seu plano de fundo sobrenatural” .43

24.32. Quando já os seus ramos se tornam tenros e brotam folhas44 (omv f|ôr| ô KÀáôoç a,ÚTf|<; yévryuoa àuaÀòç Kcà xà 4)Úààoí eKcjaúri). O segundo verbo é a terceira pessoa do singular do presente ativo do subjuntivo.45 Se o verbo eK^ufi for acentuado na última sí­laba, é a terceira pessoa do singular do aoristo segundo passivo do subjuntivo.

24.34. Esta geração (q yeveà aüxr|). O problema é se Jesus está se referindo à destruição de Jerusalém ou à Segunda Vinda e ao fim do mundo. Se for à destruição de Jerusalém, houve um cumprimen­to literal. No Antigo Testamento, considerava-se que uma geração compunha-se de quarenta anos. Este é o modo natural46 de entender os versículos 33 e 34, “todas essas coisas” significando o mesmo em ambos os versículos.

24.36. Ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho (ouõeiç oíõev, otiõè ol ayyeA.oi udiv oúpavoòv oòõè ó inóç 47). Esse versículo é provavelmente genuíno, embora esteja ausente em al­guns manuscritos antigos. A ideia está estritamente relacionada com as palavras “mas unicamente meu Pai” (ei |ifi ó to itip48 [ióvoç). Está igualmente claro que neste versículo Jesus tem em mente a hora da

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Mateus 24

sua vinda. No versículo 34, Ele já declarara abertamente que esses eventos (a destruição de Jerusalém) aconteceriam naquela geração. Agora Ele declara enfaticamente que ninguém sabe, senão o Pai, o dia ou a hora quando essas coisas (a Segunda Vinda e o fim do mundo) ocorrerão. Claro que alguém pode acusar Jesus de confusão mental ou de ignorância por misturar a Segunda Vinda em toda essa cadeia de eventos. Conforme escreveu McNeile: “É impossível fu­gir da conclusão de que Jesus, como homem, esperava o fim, dentro da expectativa de vida dos seus contemporâneos” .49 Mas aqui Jesus nega explicitamente que esperasse qualquer coisa do tipo. E igual­mente fácil atribuir ignorância aos estudiosos dos dias de hoje com as suas teorias várias sobre Jesus.

24.37. Como fo i nos dias de Noé50 ((ja-rrep yàp51 a i rpépai toü Nóàe). Jesus já usara essa ilustração entre os fariseus (Lc 17.26-30). Nos dias de Noé havia muita advertência, mas total despreparo. Hoje, a maioria das pessoas é indiferente quanto à Segunda Vinda ou expressam-na de acordo com as suas imaginações. Poucos estão realmente desejosos e expectantes e deixam com Deus o tempo e os planos.

24.38. Comiam, bebiam52 (rjoav ... Tpoóyovueç Kcd ttlvovteç), uma construção participial perifrástica do imperfeito. O primeiro particípio significa “mastigar legumes ou frutas cruas como nozes ou amêndoas”.

24.41. Estando duas moendo no moinho53 (ôúo áÀr|9ouoai év t(ò |jajàü) 54). A mó mencionada aqui era parte de um moinho de mão que podia ser acionado por mulheres (cf. Ex 11.5). Havia uma ma­nivela perto da extremidade da mó de cima.

24.42. Vigiai, pois55 (ypriyopeiTe ouv). Um recente imperati­vo presente do perfeito segundo c/priyopcc de èyeípoo. “Mantende acordado”, “estai na vigilância”, “pois”, ou seja, por causa da in­certeza do tempo da Segunda Vinda. Jesus dá seis parábolas para reforçar o ponto central desta exortação: 1) a Parábola do Porteiro;2) a Parábola do Pai de Família (Mt 24.43,44); 3) a Parábola dos Dois Servos (Mt 24.45-51; 4) a Parábola das Dez Virgens (Mt 25.1- 13); 5) a Parábola dos Talentos (Mt 25.14-30); e 6) a Parábola das

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Ovelhas e Bodes (Mt 25.31-46). Mateus não registra a Parábola do Porteiro (ver Me 13.35-37).

24.43. Se o pai de família soubesse a que vigília da noite havia de vir o ladrão56 (eí rjôei ò oíkoõ6ottótt|c; ttolíx i uÀaKfi ó KÀéuxriç epxexai). A noite era dividida em quatro vigílias (cf. Mt 14.25).

Não deixaria que fosse arrombada a sua casa (ouk oc|v eíaoev 5iopux9f|vca57 xr\v oIkÍhv omoü). O ladrão escavava pelo teto de ladrilhos de barro cozido ou por debaixo da parede. O chão da casa dos pobres era de terra.

24.44. Porque o Filho do Homem há de vir à hora em que não penseis58 (otl rj oü ôoKeixe oópa ó ulòç toü àyGpcóuoi) Ip^exai59). É inútil fixar o dia e a hora da vinda de Cristo. E loucura não fazer caso dela. Paulo também usa essa figura do ladrão em relação à im- previsibilidade da Segunda Vinda de Cristo (1 Ts 5.2). Ver também Mateus 24.50 acerca da imprevisibilidade da vinda, com o pertinen­te castigo para o mau servo.

24.48. O meu senhor tarde virá60 (XpovíÇei (iou ò KÚpioç61). Esta é a tentação para dar vazão à satisfação dos apetites da carne ou ao orgulho do intelecto superior. Em menos de uma geração, os es- camecedores já estavam denegrindo a promessa da vinda de Cristo (2 Pe 3.4). Tais pessoas esquecem que a hora de Deus não é como a nossa (2 Pe 3.8).

NOTAS1 “Quando Jesus ia saindo do templo” (ARC). TR e TM têm èÇeÀBcòv ó ’IriaoOç

èTropeúeio àirò toí LepoO.2 Josephus, Wars o f the Jews, 5.5.6. [Edição brasileira: Guerras dos Judeus.

Volumes I ao VIII (Curitiba: Juruá, 2002).]3 “Achava-se Jesus assentado” (ARA). O nome Jesus não está explícito no texto

grego, mas está implícito.4 “Vede que ninguém vos engane” (ARA).5 Josephus, Wars o f the Jews, 6.5.2,3. [Edição brasileira: Guerras dos Judeus.

Volumes I ao VIII (Curitiba: Juruá, 2002).]6 “Cuidado para não vos alarmardes” (AEC; BJ).7 A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 949.

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Mateus 24

8 “Mas ainda não será o fim” (NTLH).9 “Tudo isso será o início das dores” (NVI).

10 “Tribulação” (BJ); “atribulados” (ARA).11 “Sereis odiados de todos os povos por causa do meu nome” (BJ); “sereis odia­

dos de todas as nações, por causa do meu nome” (ARA).12 “Levantar-se-ão muitos falsos profetas” (ARA).13 “O amor de quase todos esfriará” (AEC).14 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 127.15 “Assim, quando vocês virem ‘o sacrilégio terrível’” (NVI).16 Josephus, Wars o f the Jews, 6.6.1. [Edição brasileira: Guerras dos Judeus.

Volumes I ao VIII (Curitiba: Juruá, 2002).]17 TR e TM têm a preposição èiu em vez de elç.1S Eusebius, Church History, 3.5.3. [Edição brasileira: História Eclesiástica: Os

Primeiros Quatro Séculos da Igreja Cristã (Rio de Janeiro: CPAD, 1999).]19 “Aquele que estiver no terraço, não desça para apanhar as coisas da sua casa”

(BJ).20 TR e TM têm KcaaPcavétG) apca, ao invés de Karapátu apai.21 “E quem estiver no campo não volte atrás para buscar a sua capa” (ARA).22 TR e TM têm o plural tà liiáiim em vez do singular rà [(iáriov.23 “Pedi que a vossa fuga não aconteça no inverno ou num sábado” (BJ).24 TR tem a preposição èv antes de oapptrcco.25 Josephus, Wars o f the Jews, book 5. [Edição brasileira: Guerras dos Judeus.

Volumes I ao VIII (Curitiba: Juruá, 2002).]26 “Porém Deus diminuiu esse tempo de sofrimento” (NTLH).27 Vincent, Word Studies, p. 129.28 ‘“ Vejam, aqui está o Cristo!’ ou: ‘Ali está ele!’” (NVI).29 “Operando grandes sinais e prodígios” (ARA).30 Josephus, Wars o f the Jews, 6.9.5,7. [Edição brasileira: Guerras dos Judeus.

Volumes I ao VIII (Curitiba: Juruá, 2002).]31 “Ei-lo em lugares retirados” (BJ).32 Josephus, Wars o f the Jews, 5.6.1. [Edição brasileira: Guerras dos Judeus.

Volumes I ao VIII (Curitiba: Juruá, 2002).]33 “Pois assim como o relâmpago parte do oriente e brilha até o poente” (BJ).34 “Onde estiver o corpo de um morto” (NTLH).35 TR e TM acrescentam a conjunção yáp aqui.36 “Imediatamente após a tribulação daqueles dias” (NVI).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

37 TR tem o acento agudo no lugar do acento circunflexo em 0A.ú|av.38 TR e TM têm o artigo tw antes de oúpavto39 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 295.40 John A. Broadus, Commentary on Matthew (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1990), p. 490.41 TR e TM acrescentam o substantivo (Jjcovfiç aqui.42 TR e TM incluem cjròvíjç, xa'i aTiooteleí touç àyyélouç aúraü jieiá oáÀiuyyoç

cj)wvfiç (jeyálriç.43 Bruce, Expositor’s, p. 296.44 “Quando já os seus ramos se renovam e as folhas brotam” (ARA).45 Em WH.46 Bruce, Expositor’s , p. 296.47 TR e TM omitem oúôe ó ulóç.48 TR e TM acrescentam o pronome |íou aqui.49 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker,1980), p. 355.

50 “Como aquilo que aconteceu no tempo de Noé” (NTLH).51 TR e TM têm a conjunção ôé aqui em lugar de yáp.52 “O povo comia e bebia” (NTLH).53 “Duas mulheres estarão no moinho moendo trigo” (NTLH).54 TR e TM têm [iúàcovi.55 “Fiquem vigiando, pois” (NTLH).56 “Se o dono da casa soubesse a que hora da noite o ladrão viria” (NVI).57 TR e TM têm o infinitivo õiopuyf|vcu aqui em lugar de ÔLopuxOiivoa.58 “Pois o Filho do Homem chegará na hora em que vocês não estiverem esperan­

do” (NTLH); “porque o Filho do homem virá numa hora em que vocês menos esperam” (NVI).

59 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras: fj üpa ou õoKÊLte.60 “Meu senhor está demorando” (NVI).61 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras mais um infinitivo no final:

XpovíÇei ó KÚpLÓç |j,ou éXGeiv.

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Capítulo25

MateusfSMIMSMMfSMMSfSISMMISMMSISÍSíSMÍMSMlMSJ25.1. Dez virgens (ôét<a u a p G é v o i í ; ) . Não há ponto especial

quanto ao número dez. A cena gira em tomo da casa da noiva, em direção da qual o noivo está indo para as festividades de casamento. Alfred Plummer coloca a cena perto da casa do noivo que foi buscar a noiva para levá-la para casa.' Essa referência ao ambiente cultural é obscura para nós hoje, mas não é pertinente ao ponto central da parábola.

Lâmpadas (Àct|_iuáôaç). Provavelmente tochas com um suporte de madeira e um prato em cima, no qual se colocava um pedaço de corda ou pano imerso em óleo ou piche. Mas às vezes a palavra ÀctiiTiáç tem o significado de lâmpada de óleo (Xvyyoç), como em Atos 20.8. É possível que este seja o significado aqui.2

25.3. Não levaram azeite consigo3 ( oúk elaPov \ieQ’ éaurây eÀcaov). Elas não levaram absolutamente nada, não percebendo a falta de óleo até que foram acender as tochas quando o noivo che­gou para a festa de casamento.

25.4. Mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas4 (al õe cfipóviiioi eÀccpoy iÉAmov kv xotç áyyeíoiç). A palavra àyyeíoiç ocorre somente aqui no Novo Testamento, embora «yyr| conste em

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Mateus 13.48. Essas vasilhas continham um suprimento extra de óleo além do que havia no prato em cima do suporte.

25.5. Tosquenejaram todas e adormeceram5 (evúataí;av Trâoai Kod eKáGeuôov). Elas cochilaram de sono, deixaram pender a cabeça (aoristo ingressivo) e, depois, continuavam dormindo (imperfeito, ação linear), uma cena vívida desenhada pela diferença nos dois tempos verbais.

25.6. Mas, à meia-noite, ouviu-se um clamo?* ((iéor|ç ôè vuktòç Kpcar/r] yéyovei/). Houve um grito, um uso dramático do perfeito presente (perfeito segundo ativo) do indicativo, não o perfeito para o aoristo. Não é kanv, mas yéyovev, que enfatiza um clamor súbito que rasga o ar. A própria lembrança disso é conservada por esse tempo verbal, com todo o alvoroço e confusão.

Saí-lhe ao encontro! (èçépxeoQe: elç à™,vi:r|aiv oaruoü). Ou: “Saí para encontrá-lo”, dependendo de onde partiu o grito, se de fôra ou de dentro da casa, onde elas estão dormindo por causa da demora. A frase grega expressa nitidamente uma saudação cerimonial.

25.7. Prepararam as suas lâmpadas (èKÓG|J,r|aav tàç Àafiuáôaç éauicòv7), “colocaram em ordem”, “aprontaram”. A chama se apagou enquanto dormiam, por isso acenderam os pavios e abasteceram de óleo os pratos. No livro Parables (Parábolas), Richard Trench nar­ra uma cerimônia de casamento ocorrida na índia do século XIX: “Depois de esperar duas ou três horas, perto da meia-noite foi anun­ciado, como nas exatas palavras da Bíblia: ‘Aí vem o esposo! Saí- lhe ao encontro!’”

25.8. As nossas lâmpadas se apagam (ai A.a|iuáõe<; rip,«v apévvuvTai), terceira pessoa do plural do presente passivo do indi­cativo de ação linear, não aoristo. Quando as cinco virgens loucas acenderam as lâmpadas, descobriram que faltava óleo. Os pavios crepitantes, tremeluzentes, fumegantes eram uma triste constatação. “E talvez tenhamos de entender que haja algo na coincidência de as lâmpadas apagarem-se exatamente na hora que o noivo chegou. A mera religião externa não tem o poder de iluminar.” 8

25.9. Mas as prudentes responderam, dizendo: Não seja caso que nos falte a nós e a vós9 (áTT6Kpí0r|aav ôè ai cjjpóv 14101 Aiyouaai,

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Mateus 25

Minore oú |if] àpKéori rpiv kocI Ú|íiv). Não é fácil explicar a cons­trução grega. Alguns MSS têm oúk em vez de oú |j,r|. Mesmo assim, [ítÍttoté tem de ser explicado, fornecendo ou um imperativo, como yivéoGco, ou um verbo de temor, como 4>opoú|j,e9a. A última opção é a mais provável. Tanto oúk quanto oú [ii] seria adequado com o sub­juntivo futurístico àpKéori:10 “Temos medo da não possibilidade de haver o bastante para nós duas.” As virgens prudentes negam o óleo, porque não há bastante. “Era necessário mostrar que as virgens lou­cas não poderiam evitar as consequências da sua loucura no último instante.” 11 A resposta é cortês, mas definitiva. Os negativos gregos compostos são expressivos: |_ir|TT0Te ou oú [ir\.

25.10. E, tendo elas ido comprá-lo'2 (triTepxoijivQv õè aútcôv), um genitivo particípio plural depoente médio/passivo feminino, ge­nitivo absoluto, enquanto elas estavam indo, ação linear descritiva.

E fechou-se a porta (èKÀeío9r| f] Gúptx), terceira pessoa do sin­gular do aoristo efetivo passivo do indicativo. Foi fechada com de­terminação e ficaria fechada.

25.11. Depois, chegaram também as outras virgens13 (uotepov ôè epxovrai Kcd ed Àoimu u(xp9évoi). O caminho foi barrado para elas.

Dizendo: Senhor, senhor, abre-nos a porta!u (Àéyouocu, Kúpie KÚpie, avoilov rptv). Elas apelam para o noivo, que é agora senhor, quer na casa quer na propriedade do noivo.

25.12. Vos não conheço15 (oúk oíõa ú|iâç). Não havia razão para a concessão de favores especiais. Elas têm de suportar as con­sequências do seu descuido e negligência.

25.13. Vigiai, pois16 (Tpriyopeite ouv). Este é o refrão em todas estas parábolas; a falta de previsão é indesculpável. A ignorância da hora da Segunda Vinda não desculpa a negligência e descuido. Trata-se de uma razão para a prontidão.

25.14. Porque isto é também como um homem que, partindo para fôra da terra17 ("Qcmep yàp ay9pa)Troç áuoôruioõv). O homem estava a ponto de ir para o estrangeiro, prestes a ir embora do seu povo (õf||ioç). Essa palavra está em uso antigo neste sentido. Temos de fornecer uma elipse, “é como quando” ou “o Reino dos céus é

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

como quando”. Esta Parábola dos Talentos é bastante semelhante à Parábola das Minas em Lucas 19.11-28. Jesus variou a história. Certos estudiosos negam que Ele pudesse ter feito isso, atribuindo a Jesus muito pouca versatilidade.

Entregou-lhes os seus bensls (rrapéôooKev amoiç rà ÚTiápxoyxa cojtoü). As palavras “os seus bens” são um particípio ativo presente no acusativo neutro plural, usado como substantivo.

25.15. A um deu cinco talentos (co |ièv eõwKev uévxe táÀavxa). Funcionando como o demonstrativo oç e não como o relativo, uma construção claramente grega.

A cada um segundo a sua capacidade (eKáaxco Kaxà tt]v lôíav ôúvcqiiv). Cada um recebeu o máximo com que era capaz de lidar. O uso que a pessoa faz das oportunidades é a medida da sua capaci­dade de ter mais. Um talento representava uma quantia considerável de dinheiro em uma época em que um ôr|vápiov era o salário de um dia de trabalho (ver Mt 18.24).

25.16. Imediatamente|l) ([ARA] eüGéwç20). O temperamento empresarial desse escravo é demonstrado pela sua prontidão.

Negociou com eleslx (rjpyáooao22 kv amolç). Ele trabalhou, ne­gociou, comerciou com os talentos. “As virgens esperam, os servos trabalham .” 23

Granjeou (éKépôr|oev), como no versículo 17. A palavra Kepôoç quer dizer “juros”. Esse ganho foi de 100%.

25.19. E ajustou contas com eles (owaípei Àóyov fiex’ airuoô v24), como em Mateus 18.23. Adolf Deissmann cita dois registros em papiros e um óstraco núbio que usam esse mesmo linguajar co­mercial.25 Os antigos escritores gregos não o mostram.

25.21. Entra no gozo do teu senhor16 (eloeXQe elç if|v ^apàv toú Kupíou aou). A palavra XW“ , “alegria”, pode se referir à festa em comemoração ao retomo do senhor (cf. Mt 25.23).

25.24. Mas, chegando também o que recebera um talento disse27 (TipooeÀ0Goy õè kcu ò to ev xáXcuvxov eUr^cbc;). Note o particípio do perfeito ativo no nominativo masculino singular para enfatizar o fato de que ele ainda tinha o talento. No versículo 20, temos ó ... kafiáv (particípio do aoristo ativo no nominativo masculino singular).

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Mateus 25

Eu conhecia-te, que és um homem duro (èyvGOV oe oil OKÀripòç et ayGp(.)Tioç). Primeira pessoa do singular do aoristo segundo ativo do indicativo, conhecimento prático, baseado em experimento, de­rivado de YLvúoKG) e uso proléptico de se. “Um homem duro”: “se­vero”, “inflexível”, “rigoroso”, pior que aúoxripóc; em Lucas 19.21, “ávido”, “pessoa que tem sede de sucesso” e “mísero”, “não gene­roso”.

Ajuntas onde não espalhaste (owáywv Ò9ev ov ÕLeoKÓpiTLcaç). Esse espalhamento era de semente misturada com a palha que voava longe quando o trigo era joeirado.

25.26. Mau e negligente servo (üovripè ôoüÀe Kod ÓKvripé). A palavra irovripé vem de ttovoç, “trabalho duro”, “trabalho perturba­dor”, e ókvéo), “estar lento”, “estar limitado” ou “estar indolente”. WE1 lê essa resposta no final do versículo 26 como uma pergunta. E um sarcasmo.

25.27. Devias, então, ter dado o meu dinheiro aos banqueiros28 (eÔÉL oe ouv paÀelv xà ápyúpLá |aou xolç xpaTTeCCxaiç29). As suas próprias palavras de desculpa o condenam. Era uma necessidade ( è ô e L ) , um dever que ele não viu. Os banqueiros (xoiç xpooreC íxoaç) eram os cambistas ou intermediários financeiros que trocavam di­nheiro por determinada taxa e recebiam investimentos a juros. A palavra é comum no grego recente.

[Eu] receberia o que é meu com os juros (èycb 4K0|iLaá|J/r|i' a|v xò èfiòv ai)v xÓKip). A conclusão de uma condição de segunda classe. A condição está implícita: “Se tu tivesses feito isso”. A palavra xoko), “juros”, é derivada de xÍkxü), “trazer para fôra”, “produzir”. O encar­go financeiro não era usura no sentido de extorsão ou opressão. O termo usura significava, originalmente, apenas “uso”. Os juros com­postos de 6% dobra o capital a cada dezesseis a dezessete anos. Se os juros forem somados ao capital, dobram em onze anos. No início do Império Romano, o teto dos juros legais era de 8%. Contudo, os de­sesperados tomadores de empréstimos poderiam não achar dinheiro com juros por menos de 12%, 24% ou até 48%.30 A lei mosaica não permitia que os judeus cobrassem juros dos irmãos hebreus, mas po­deriam emprestar a juros aos gentios (Dt 23.19,20; SI 15.5).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

25.30. Lançai, pois, o semo inútil (xòv àxpeiov ôoíâov «pálexe31). “Inútil” é derivado de a, elemento de negação, e xpeioç , “útil”. O escravo é “improdutivo”. Entre a gama de significados temos “fazer mal”, “prejudicar”. Não fazer nada é fazer mal.

25.32. Todas as nações serão reunidas diante dele (auvct%0r|aovTca è|_iTTpoa8ev cokoü Tiávra tà <É9vr|32), judeus como também gentios. Certos estudiosos contestam esse programa para o julgamento geral afirmando que é composição feita pelo evan­gelista para exaltar a Cristo. Mas por que Cristo não diria isso se sabia que era Filho do Homem e Filho de Deus? Um Cristo “re­duzido” tem dificuldade com todos os Evangelhos, não somente com o quarto Evangelho, e não menos com a fonte Q e Marcos do que com Mateus e Lucas. Esta é uma cena majestosa com a qual encerrar a série de parábolas sobre prontidão para a Segunda Vinda. Este é o programa quando Ele vier. William Sanday escre­veu: “Estou ciente de que certos críticos lançam dúvidas sobre esta passagem. Mas a dúvida é extremamente injustificável. Onde está o segundo ‘crânio’ que poderia ter inventado algo tão original e tão sublime quanto as descrições constantes nos versículos 35 a 40 e 42 a 45? ” 33

Como o pastor aparta dos bodes as ovelhas (uoTiep ô iTOi,|if)v ác^opíCei rà TTpópcaa cnrò ttòv èpCcpoov), uma cena comum na Palestina. Em geral, as ovelhas são brancas e os bodes, pretos. Os filhotes (épujjoç) pastam juntos. Os bodes podem devastar a pasta­gem de um campo inteiro. O pastor ficava no portão e dava panca­dinhas nas ovelhas para que fossem para a direita e nos bodes para que fossem para a esquerda.

25.34. Possuí por herança o Reino que vos está preparado des­de a fundação do mundo34 (KA/r|povo|ir|aoae rf|v rii:oi|j,aa|i6vr|v ò|ilv paaiA.ei.av <nrò KaxapoA.f|ç koo[j.ou). Este é o propósito eterno do Pai para os seus eleitos de todas as nações. No versículo 31, o Filho do Homem é o rei, aqui assentado no trono para julgar.

25.36 .Nu, e vestistes-me35 kocI nepiepálexé |_ie), segun­da pessoa do plural do aoristo segundo ativo do indicativo, “lanças­tes algo em volta de mim”.

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Mateus 25

Adoeci, e visitastes-me36 (riaGévrjoa Km éueoKéij/aoGé |ae), “olhastes depois”, “vieste ver”, “cuidastes de”, “tomastes conta de”. A palavra visitar é derivada do latim viso, video, que significa “ir ver”.

25.40. A mim o fizestes (è|_iol èiTOir|a(rue). Este é um dativo de interesse pessoal. Cristo se identifica com os necessitados e sofredo­res. Essa conduta é prova de posse de amor por Cristo e semelhança a Ele.

25.42. Porque tive fome, e não me destes de comer (eTreivíxaa yàp Kcà oi)K èõtÓKaié |_ioi c aveXy). Vós não me destes qualquer coisa para comer. A repetição do negativo ou nos versículos 42 e 43 é como a queda de torrões de terra em cima do caixão ou do sepul­cro. É curioso que Jesus diga que as ovelhas e os bodes expressem surpresa. Algumas ovelhas pensarão que são bodes e alguns bodes pensarão que são ovelhas.

25.46. Irão estes para o tormento eterno (àiTeXeúooyTca outol elç KÓÀaaiy odomov). A palavra KÓXaoiv é derivada de KOÀáCco, “mutilar” ou “podar”. Por conseguinte, os que se agarram na espe­rança de salvação universal usam essa frase para dizer que significa uma poda que dura uma era que, no final das contas, conduzirá à sal­vação dos bodes. Eles acreditam que a poda seja disciplinar, e não penal. Aristóteles faz tal distinção entre [iopí« (vingança) e kó/molc. Mas o mesmo adjetivo alomoç é usado com kÒXuoiv e Ç(ór|y. Se pela etimologia limitarmos a esfera de ação de kÓXixoiv, temos igualmen­te apenas Cwr|y que dura uma era. Não há, nas palavras de Jesus, o menor indício de que o tormento não é da mesma maneira eterno como a vida. Se alguém acredita em castigo condicional, parece-nos difícil imaginar como uma vida de pecado no inferno mudaria a pes­soa para que ela aceitasse uma vida de amor e obediência. A palavra cÚGÓyiOí; (derivada de aícóy, “era”; em latim aevum, aeí) significa sem começo e sem fim, ou sem ou o começo ou o fim. Chega muito perto da ideia de eterno como o original grego põe em uma palavra.O conceito é difícil de expressar em palavras. Temos, às vezes, “eras das eras” (aíávcç xíòv alcóywv).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

NOTAS___________________________________________________1 Alfred Plummer, An Exegeticcil Commentary on the Gospel According to Saint

Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 343.2 Rutherford, New Phrynichus.3 “Não levaram óleo de reserva” (NTLH).4 “As prudentes, porém, levaram óleo em vasilhas” (NVI).5 “Todas elas acabaram cochilando e dormindo” (AEC; BJ).6 “Mas, à meia-noite, ouviu-se um grito” (ARA).7 TR e TM têm aúxúi' em lugar de êauuôv.8 Plummer, Matthew, p. 345.9 “As prudentes responderam: ‘De modo algum, o azeite poderia não bastar para

nós e para vós’” (BJ).10 Moulton, Prolegomena, 1.192, e A. T. Robertson, ,4 Grammar o f the Greek New

Testament in the Light o f Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), pp. 1.161,1.174.

11 Plummer, Matthew, p. 345.12 “Enquanto foram comprar o azeite” (BJ); “e, saindo elas para comprar”

(ARA).13 “Mais tarde, chegaram as virgens néscias” (ARA).14 “Dizendo: ‘Senhor, senhor, abre-nos!’” (BJ); “e começaram a gritar: “Senhor,

senhor, nos deixe entrar!” (NTLH).15 “Eu não sei quem são vocês!” (NTLH).16 “Portanto, fiquem vigiando” (NTLH).17 “Pois será como um homem que, viajando para o estrangeiro” (BJ); “e também

será como um homem que, ao sair de viagem” (NVI).18 “Lhes confiou os seus bens” (ARA).19 “Logo” (NTLH); “imediatamente” (NVI).20 O texto grego traz esta palavra no final do versículo 15 (cf. “imediatamente”,

BJ; “logo”, ARC). A NTLH, NVI e ARA colocam-na no versículo 16 (“logo”, NTLH; “imediatamente”, NVI; “imediatamente”, ARA).

21 “Saiu a trabalhar com eles” (BJ); “fez negócios com o dinheiro” (NTLH).22 TR e TM têm a grafia do verbo assim eípyáoaTo.23 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 133.24 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, cuimpei. |i€r’ai)Tuy Àóyov.25 G. Adolf Deissmann, Lightfrom the Ancient East: The New Testament Illustrated

by Recently Discovered Texts o f the Graeco-Roman World, traduzido por L. R. M. Strachan (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1965), p. 117.

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Mateus 25

26 “Venha e participe da alegria do seu senhor!” (NVI).27 “Chegando, por fim, o que recebera um talento, disse” (ARA).28 “Pois então devias ter depositado o meu dinheiro com os banqueiros” (BJ).29 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras e lêem eõei ow oe (3cdelv tò

ápyúpióv |íou tolç tpaireÇítaiç.30 Vincent, WordStudies, p. 135.31 TR tem o verbo no tempo presente, gKpáXXeTC.32 TR e TM têm o verbo na terceira pessoa do singular, oi)va%0r|oeTa l .33 William Sanday, Life o f Christ in Recent Research, p. 182.34 “Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do

mundo” (NVI).35 “Necessitei de roupas, e vocês me vestiram” (NVI).36 “Estive enfermo, e vocês cuidaram de mim” (NVI).

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Capítulo26

Mateus26.2. Daqui a dois dias, é a Páscoa1 (|_iexà ôúo r)[iépa<; xò váoya

yí. vexoa), uso futurístico do presente médio/passivo do indicativo. Esta noite era a nossa noite de terça-feira (começo da quarta-feira judaica). A Páscoa começou em nossa noite de quinta-feira (começo da sexta-feira judaica). “Daqui a dois dias” é apenas o modo da fala popular. Tecnicamente, a Páscoa ocorreu no segundo dia a contar desse tempo.

O Filho do Homem será entregue (ô ulòç xoG ávOpoÓTrou uapaõíõoxai), outro exemplo do presente médio/passivo futurís­tico do indicativo. A mesma forma verbal ocorre no versículo 24. Desta forma, Jesus estabelece uma data definida para a sua cruci­ficação próxima, a qual Ele vinha predizendo durante os últimos seis meses.

26.3. Depois, os príncipes dos sacerdotes, e os escribas, e os anciãos do povo reuniram-se2 (Tóxe ov>vr\%Qr\oav ol àp^u- pelç ’ Koàoi TTpeopúxepoL xoü laoü). Trata-se de uma reunião do Sinédrio como indica a menção a esses três grupos (cf. Mt 21.23).

Na sala do sumo sacerdote4 (eLç xt]v aú/lf|v xou ápxiepéooc;), no átrio ou pátio em tomo do qual construíram os edifícios do palácio.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Tratava-se de uma reunião informal feita nesse pátio aberto. Caifás foi o sumo sacerdote d e l8 a 3 6 d .C .O seu sogro Anás fôra o sumo sacerdote de 6 a 15 d.C. Muitos ainda se referiam a ele pelo título.

26.4. Consultaram-se mutuamente (auvePouÀeúaavTo), terceira pessoa do plural do aoristo médio do indicativo, indicando o estado mental de confusão em que estavam. Não lhes era difícil encontrar Jesus (Jo 11.57). O problema era como “prenderem Jesus com dolo e o matarem” 5 (iva tòv ’Ir|aot>v ôóAxp Kpatr|Gcoaiv6Ka! áTTOKieivcooiv). A entrada triunfal e o debate de terça-feira no Templo revelaram o tamanho do grupo dos seguidores de Jesus, especialmente entre a população da Galiléia.

26.5. Para que não haja alvoroço entre o povo1 (iva |_ifi 0ópi>Poç yévr|Tai kv tcò Àacô). Eles temiam uma insurreição em favor de Jesus. Havia entre eles quem argumentava que o assunto deveria ser tratado somente depois do término da festa, quando então as multidões teriam debandado. Assim, eles poderiam capturá-lo “com dolo” (õóÀop, Mt 26.4), como se captura um animal selvagem.

26.6. Em casa de Simão, o leproso (kv oiKÍa Sí[ia)vo<; xou A.I T r p o ü ) . Obviamente, um homem que fôra curado de lepra por Jesus fez um banquete para honrar Jesus. Todo tipo de teorias fantasiosas têm surgido sobre essas informações. Certos estudiosos chegam a identificar este Simão com o citado na narrativa de Lucas 7.36-50, mas o nome Simão era muito comum, e os detalhes são muito di­ferentes. Outros opinam que era a casa de Marta, visto que ela ser­via (Jo 12.2), e que esse Simão era o pai ou marido dela. Contudo, Marta gostava de servir, de forma que esse quesito não prova nada. Há ainda quem identifique Maria de Betânia com a mulher pecadora de Lucas 7.36-50 e até mesmo com Maria Madalena. Nenhuma des­sas teorias têm o mínimo fundamento.8 João 12.1 situa o banquete seis dias antes da Páscoa, ao passo que Marcos 14.1-3 e Mateus 26.6 colocam-no na noite de terça-feira (a quarta-feira judaica), apenas dois dias antes da refeição pascal. E possível que João antecipe a data e registre o banquete em Betânia neste momento, porque ele não vai mais se referir a Betânia. Seja como for, devemos seguir a ordem sequencial de Marcos. De acordo com a ordem sequencial de

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Mateus 2 6

Marcos e Mateus, esse banquete aconteceu na mesma hora em que o Sinédrio estava maquinando matar Jesus (Me 14.1-3).

26.7. Aproximou-se dele uma mulher com um vaso de alabas­tro, com unguento de grande valor9 (npoof|A.0ÉV aütcô yuvr] èxouoa (xÀápaaxpov [iijpou10 papuTÍiiou). O frasco era de alabastro, um car­bonato de cal ou sulfato de cálcio hidratado, pedra branca ou amare­la, chamado alabastro por causa da cidade do Egito onde era encon­trado com abundância. Era o material usado no fabrico de frascos caros para guardar unguentos e perfumes preciosos, como mostram os escritos de escritores antigos, além de inscrições e papiros. Em geral, os recipientes de alabastro tinham a forma de pêra e possuíam uma tampa cilíndrica, como um botão de rosa fechado, de acordo com Plínio. Mateus não identifica o unguento (|_iúpou), além de dizer que era “de grande valor [papuiíiiou], de valor pesado, vende-se por grande preço”. O termo é usado somente aqui no Novo Testamento. “Um alabastro de nardo ((lúpou) era um presente para um rei.” 11 Foi um dos cinco presentes enviados por Cambises ao rei da Etiópia.12

[Ela] derramou-lho sobre a cabeça (Kctcéxeev érrl rfiç Ke^cdfiç13

carcoü). O mesmo diz Marcos 14.3, enquanto que João 12.3 diz que ela “ungiu os pés de Jesus”. Ela poderia ter feito as duas ações. O verbo Kcaéxeev significa, literalmente, “derramar para baixo”. Essa forma incomum é a terceira pessoa do singular do aoristo ativo do indicativo.

26.8. Por que este desperdício? (Elç xí f| áutÓÂeia cdrrr| ). Eles consideraram perda total (áiTGÓÀeLa), nada mais que aroma sentimen­tal. Deve ter sido um choque cruel para Maria de Betânia ouvir a crítica depois que ela desempenhou tal ato generoso de adoração. Mateus não conta, como João 12.4 revela, que foi Judas quem fez o comentário, sendo endossado pelos demais. Marcos 14.5 estima o preço do presente em “trezentos dinheiros [ou denários]”, ao passo que Mateus 26.9 diz apenas “por grande preço” (ttoààoíj).

26A0. Por que afligis esta mulher?14 (Tí kÓttouç TOpéxeTe xf| yuvaiKÍ.). A frase não é comum nos escritores gregos, embora haja duas ocorrências nos papiros para referir-se a dar dificuldade.15 A palavra kÓttoç é derivada de kóutco, “bater”, “golpear”, “cortar”.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Refere-se a uma “batida”, “dificuldade” ou “labuta”. Jesus defende o ato de Maria com essa frase notável. É difícil certas pessoas darem liberdade para os outros expressarem a sua própria personalidade em louvor. É fácil levantar pequenas objeções ao que não gostamos e não entendemos. Jesus disse que ela fizera “uma boa ação para comigo” 16 (epyov yàp kocàòv ripyáaaxo17 elç é|ie), uma linda façanha feita no próprio Jesus.

26.12,13. [Ela] fê-lo preparando-me para o meu sepultamento (irpòç to kvxafyiáoui (_ie eTroíriaev). Só Maria entendeu o que Jesus viera dizendo repetidamente sobre a sua morte que se aproxima­va. Os discípulos estavam tão envolvidos em suas próprias ideias de um reino político que não entenderam nada dos sentimentos de Jesus enquanto enfrentava a cruz. Porém Maria, com a excelente intuição feminina, começou a entender. Agora ela expressou as suas sublimes emoções e extrema lealdade. Em João 19.40, a palavra èvxacjuáoca descreve o que José de Arimatéia e Nicodemos fizeram ao coipo de Jesus antes do sepultamento. npòç xó, o infinitivo de propósito, mostra a intenção do ato. Jesus defendeu Maria. A sua ação nobre se tomou uma “memória sua” (ele; [ivr|(j.óauvov aúxf|ç) como também de Jesus.

26.15. Que me quereis dar [■■■]?K (Tí GéÀexé (íoi ôouvai...;). Houve regateio na transação.19 Maria e Judas são colocados lado a lado em opostos extremos, “ela gastando livremente em amor, ele querendo vender o Mestre por dinheiro” .20 O ato de amor de Maria e a repreensão de Jesus, além de outras motivações, provocaram Judas a praticar a sua ação desprezível.

E eu vo-lo entregarei? (Káyò) í>|uv TTapaÔGÓoco amóv ). O uso de kk í com uma oração gramatical coordenada é um coloquialismo comum no grego Koivií como é no uso hebraico de vau (wav). “Um coloquialismo ou um hebraísmo, o traidor apresentado em estilo como em espírito.” 21 O uso de èyú como parte de Kàyw parece sig­nificar: “Eu, embora um dos seus discípulos, o entregarei para vós se me derdes bastante”.

E eles lhe pesaram trinta moedas de prata22 (ol ô'e c-atrpav aúxcò xpiáKovxa ápyúpia). Eles colocaram o dinheiro na balança

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Mateus 2 6

ou nos pratos da balança. “O dinheiro cunhado estava em circula­ção, mas homens meticulosos podem ter pesado os siclos à moda antiga para fazer uma coisa injusta do modo mais ortodoxo possí­vel.” 23 Não sabemos se o Sinédrio oferecera uma recompensa pela prisão de Jesus. As trinta peças de prata é uma referência a Zacarias 11.12. Se o boi escornasse um servo, o dono do boi tinha de pagar essa quantia (Êx 21.32). Certos manuscritos têm a palavra crccmipaç (estáteres). Esses trinta siclos de prata eram iguais a cento e vinte dinheiros ou denários, o salário de um trabalhador por cento e vinte dias de trabalho. Podia-se comprar um escravo por esse preço. Não há dúvida de que o preço espelhava deliberadamente o desprezo que o Sinédrio e Judas tinham por Jesus.

26.16. Desde então, buscava oportunidade para o entregar24 (êÇritei euKcapíco' lua amòu mpaôô). Note o tempo imperfeito. Judas foi tratar do seu negócio. “Judas sabia como apanhá-lo de noite longe da multidão.” 25

26.17. Onde queres que preparemos a comida da Páscoa?26 (üou Géleiç èroi|iáaoo|j,év ooi cfiayeiv tò i\áaja ). Duas festas foram combinadas, a Festa da Páscoa e a Festa dos Pães Asmos. Empregava-se qualquer um dos nomes. Usava-se o nome a Festa dos Pães Asmos para aludir a todos os oito dias festivos.27 Aqui o significado é a refeição pascal, embora João 18.28 dê a entender que a festa ligada à comida da Páscoa (a última ceia) já tivesse sido observada. Há a controvérsia famosa sobre a discordância aparen­te entre os Evangelhos Sinóticos e o quarto Evangelho quanto à data dessa última refeição pascal. A minha opinião é que as cinco passagens em João (Jo 13.1,2,27; 18.28; 19.14,31) concordam com os Evangelhos Sinóticos (Mt 26.17,20 é igual a Me 14.12,27, que é igual a Lc 22.7,14). Corretamente interpretadas, essas passagens indicam que Jesus comeu a refeição da Páscoa na hora regular de cerca de seis horas da tarde no começo do dia 15 de nisã. O cordeiro da Páscoa foi morto na tarde do dia 14 de nisã e a refeição foi comi­da ao pôr-do-sol no começo do dia 15 de nisã. De acordo com essa visão, Jesus comeu a refeição pascal na hora regular e morreu na cruz na tarde do dia de 15 de nisã.28 A pergunta dos discípulos aqui

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

dá a entender que eles observarão a comida da Páscoa regular. Note o subjuntivo deliberativo èToi[iáoco|aev depois de Géleiç com 'iva.29

26.18. Ide à cidade a um certo homem ('Yiráyeue elç triv ttóàiv Tipòç tòv õeiva). Este é o único exemplo no Novo Testamento desse linguajar do antigo grego ático para referir-se a uma pessoa que não se pode ou não se quer dar o nome.30 Os papiros mostram-no por “Fulano” ,31 e o grego moderno o mantém. Jesus pode ter indicado o nome do homem. Segundo descrição de Marcos 14.13 e Lucas22.10, é um homem que leva um cântaro de água. Certos estudiosos pensam que pode ter sido a casa de Maria, a mãe de João Marcos.

Em tua casa celebrarei a Páscoa com os meus discípulos32

(TTpòç oè ttoiu to ti<xayu (J-exà tcòv p,a0r|Tá)v (j,ou), um presente futu- rístico do indicativo. O uso de irpòç oe, para “em tua casa” é grego excelente do período clássico. Obviamente, a ordem de Jesus não causou surpresa para esta casa. Era um privilégio da graça servi-lo assim.

26.20. Assentou-se [reclinou-se] à mesa com os doze [discípu­los] (áveKeiTo (lexà tcòv õúõeKa). Ele estava reclinando, deitando-se do lado esquerdo no divã com a mão direita livre. De acordo com o costume da Páscoa, Jesus e os doze reclinaram-se todos. O cordeiro pascal tinha de ser consumido por inteiro (Êx 12.4,43).

26.21. Um de vós me há de trair (elç í)|_i(3v rapaõcóaei |_ie). Esta era uma declaração inesperada para todos, exceto para Judas. Ele deve ter se assustado ao descobrir que Jesus sabia da sua nego­ciata de traição.

26.22. Porventura, sou eu, Senhor? (Miyci eycó el|ii, KÚpie). A negação pede a resposta não. Judas blefou ao fazer a mesma pergun­ta que os outros fizeram (Mt 26.25).

26.23. O que mete comigo a mão no prato, esse me há de trair33 ('O è[ipái|mç [ler è ioii tf|v xe~LPa T<í xpupiíco34 ouioç p,e TrapaÕGÓaeL). Todos eles metiam a mão, porquanto não existiam fa­cas, garfos ou colheres. O nominativo singular masculino do particí- pio aoristo ativo com o artigo significa simplesmente que o traidor é quem mete a mão no prato ou bandeja com o caldo de nozes, passas e figos, no qual imergiam o pão antes de comê-lo. Os demais ainda

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Mateus 2 6

não perceberam que Judas é a pessoa sobre quem Jesus falara. Esse linguajar significa que um desses que comera o pão com Ele violara os direitos de hospitalidade, traindo-o. A cultura árabe sempre foi escrupulosa quanto a este ponto. Comer o pão amarra as mãos do anfitrião que poderia desejar fazer mal. Comer junto obriga a ami­zade.

26.24. Bom seria para esse homem se não houvera nascido35

(kcxXòv rjv aúxtô ei oi>k èyewr|9r| ó avOpwrroç èKelvoc;). Conclusão de uma condição de segunda classe que é o contrário do fato. Nenhuma cláusula da condição é falsa, embora av não esteja expresso. Não é preciso com os verbos de obrigação e necessidade. Certos estudio­sos querem justificar o crime de Judas, mas Jesus pronuncia uma terrível sentença. Judas ouviu essas palavras e, ao que parece, saiu da reunião nesse momento (Jo 13.31). Ele foi dar andamento à bar­ganha satânica com o Sinédrio.

26.25. Tu o disseste (XA c ÍTraç). Agora foi a vez de Judas per­guntar se ele era o traidor. A resposta de Jesus significa sim, ele é.

26.26. Jesus tomou o pão, e, abençoando-o, o partiu36 (Àapuv ó ’Irpouç apxov37 kou euÀoyr|oaç èKÀ.aoev'38). A “graça” especial veio no meio da refeição da Páscoa, “enquanto comiam”. Para a institui­ção da ceia, Jesus partiu um dos pães chatos ou bolos da Páscoa para que cada um recebesse um pedaço, não como símbolo da partição ou quebra do seu corpo como traz o TR em 1 Coríntios 11.24. O texto correto tem lá somente xò ímèp Íj\iójv ck-[í K}dí)\x(-vov. De fato, o corpo de Jesus não foi “quebrado” (Jo 19.33), como João expres­samente declara.

Isto é o meu corpo (xoüxó éoxiv xò oô|iá |iou). O pão como símbolo representa o corpo de Jesus oferecido por nós, “um sím­bolo graciosamente simples, patético e poético da sua morte. [...] Mas alguns o fizeram ‘funcionar em adoração de fetiche’ .” 39 Claro que Jesus não quer dizer que o pão se toma verdadeiramente o seu corpo, devendo ser adorado. O propósito do memorial é nos fazer lembrar da sua morte pelos nossos pecados.

26.28. Porque isto é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento40 (xoüxo yáp èaxiv xò at^á [xou xrjç ôia0r|Kr|<; 41). O

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

adjetivo Kmvr|ç no TR não é genuíno. O Testamento (“aliança”, ARA) é um acordo ou contrato entre dois (õiá õúó 0r|Ke, derivado de tl9t|hl). A palavra é usada para referir-se a um testamento (la­tim, testamentum), um acordo que entra em operação pela morte (Hb 9.15-17). Tanto a palavra aliança quanto a palavra testamento fazem sentido aqui. Aliança é a ideia que está por trás de Hebreus 7.22 e 8.8 . Na cultura hebraica, fazer uma aliança envolvia cortar em pedaços um sacrifício pelo qual se ratificava o acordo (Gn 15.9- 18). Lightfoot argumenta que õia0r|K:r| quer dizer “aliança” em todos os lugares do Novo Testamento, exceto em Hebreus 9.15-17. Jesus usa aqui as palavras solenes de Êxodo 24.8: “O sangue da aliança” (ARA) no monte Sinai. “Meu sangue da aliança” está em contraste com isso. Este é o concerto novo de Jeremias 31 e o novo concerto de Hebreus 8.

Que é derramado por muitos (to uepi rroÀA.wv kKXWVÓ\ievov), um particípio passivo do presente profético. O ato é simbolizado pela ordenação, o propósito de Cristo expresso em Mateus 20.28. Lá é usado àvxí e aqui nep l .

Para remissão dos pecados42 (eu; ac^eoiv qiapTiájv). Esta frase ocorre somente em Mateus, mas nem por isso deve ser restritiva. É a verdade. Essa passagem contesta todo o sentimentalismo moderno que vê no ensino de Jesus somente ética religiosa ou sonhos escato- lógicos. Ele tinha a concepção específica da sua morte na cruz como a base para o perdão dos pecados. O propósito do derramamento do seu sangue do Novo Testamento ou nova aliança era precisamente remover (remir, perdoar) os pecados.

26.29. Em que o beba de novo convosco no Reino de meu Pai43

(óxav amo ttlvcú |í€0’ Ò[íc2>v Koavòv kv urj paoiA-eía toü Troapóç fiou). Esse linguajar dá a entender que o próprio Jesus participou do pão e do vinho, embora a ideia não esteja inconfundivelmente declarada. No banquete messiânico não é necessário supor que Jesus quer dizer o linguajar literalmente, “fruto da vide”. Deissmann44 dá um exem­plo do uso da palavra yévrpa em relação à vide em um papiro de 230 a.C. O linguajar aqui empregado não toma obrigatório a utilização de vinho em lugar do suco de uva puro, caso se prefira este.

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Mateus 26

26.30. E, tendo cantado um hino45 (í)|j,vr|aavTe<;), o Hallel, parte dos Salmos 115 a 118. Pelo visto, eles não saíram imediatamente para o jardim do Getsêmani. Jesus permaneceu com eles no cenácu­lo para fazer o discurso maravilhoso e a oração famosa registrados em João 14 a 17. Eles podem ter saído para as ruas depois de João14.31. Já não era mais obrigatório permanecer na casa até pela ma­nhã depois da refeição da Páscoa como se dera na primeira Páscoa (Êx 12.22). Jesus saiu para o jardim do Getsêmani, o jardim da ago­nia, que ficava fôra dos muros de Jerusalém, em direção ao monte das Oliveiras.

26.33. Ainda que todos se escandalizem em ti, eu nunca me es­candalizarei46 (El41 ttávxeç aKavôaXiaBriGOVTOi kv ooí, éyó ouôénme aKoa'ôaÀia0iíao|j.ai), “feito para tropeçar”, não “ofendido”, um futu­ro volitivo passivo do indicativo. Pedro ignorou a profecia da res­surreição de Jesus e a reunião prometida na Galiléia (Mt 26.32). A citação de Zacarias 13.7 não lhe causou nenhuma impressão. O seu desejo era mostrar que ele era superior aos demais. Judas virara traidor, e todos eram fracos, especialmente Pedro, embora não se desse conta.

26.34. Antes que o galo cante (upiv (xÀéKiopa <J>(júvf)Gai). Não há o artigo definido no original grego, portanto é “antes que um galo cante”. Jesus teve de deixar o ponto mais claro, destacando que o tempo era “nesta mesma noite”. Marcos 14.30 diz que Pedro nega­rá Jesus três vezes antes que o galo cante duas vezes. Quando um galo canta pela manhã, outros geralmente o imitam. O período das três negações ditas mais tarde nessa noite durou cerca de uma hora. Certos estudiosos afirmam que os judeus não permitiam galinhas em Jerusalém, mas os romanos as tinham.

26.35. Ainda que me seja necessário morrer contigo (Kav ôér) [íé auv col àiToGaveiv), uma condição de terceira classe. Uma de­claração nobre e de boas intenções. A sua confissão de lealdade fica mais forte com as palavras “não te negarei”, ou “não te renunciarei”, ou “não te desconhecerei” (oú oe àuapvr|oo|ioa). Obviamente en­vergonhados pela ostentação de Pedro, os outros discípulos uniram- se na confissão de fidelidade.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

26.36. Getsêmani (FeGorpcaá48). A palavra significa, em he­braico, “prensa de óleo” ou “tanque de azeitonas”. O lugar (xtopíov) era um terreno ou propriedade fechada, “jardim” ou pomar (ktiitoç). A Vulgata Latina a chama vila em João 18.1. Ficava do outro lado do ribeiro de Cedrom, ao sopé do monte das Oliveiras, a cerca de mil e duzentos metros dos muros orientais de Jerusalém .49

Assentai-vos aqui, enquanto vou além orar (KaGíoaie aikoü écoç ou áiTeA.9tbv eKet Trpoaeú^Qi-icu30). E bem claro o gesto de Jesus apontando para o lugar a que se referia. Literalmente, “ali”.

26.37. Levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu51

(Trapcda(3à)v tòv néupov koc! touç õúo uiouç ZePeôcáou). “Levando consigo, ao seu lado” (napa-), como marca de favor e privilégio especial, em vez de deixar este círculo interno dos três discípu­los (Pedro, Tiago e João) com os outros oito discípulos. Os oito serviram como um tipo de guarda externo no portão do jardim do Getsêmani para vigiar a vinda de Judas, enquanto os três tomariam parte na agonia de alma que já estava em Jesus. Pelos menos, eles poderiam lhe dar um pouco de simpatia humana, algo Ele almejava quando buscou a ajuda do Pai em oração. Foram esses três que esti­veram com Jesus no monte da transfiguração e agora estão com Ele nessa crise do mais alto grau. Nesse momento, a agonia de Cristo era severa em extremo.

Começou a entristecer-se e a angustiar-se muito*2 (r\p^axo À,u TTeioGca K cà áôruioveiv). A palavra traduzida por “angustiar-se mui­to” é de etimologia duvidosa. Há o adjetivo áõf||ioç, que é igual a áuóôrmoç, significando “não em casa”, “longe de casa”, como as pa­lavras alemãs unheimisch e unheimlich. Mas seja qual for a etimolo­gia, a noção de aflição intensa é clara. A palavra áôr||-iovê.v ocorre nos papiros53 do século I, onde significa “excessivamente preocupado”. Em Filipenses 2.26, Paulo a usa em relação a Epafrodito (“muito an­gustiado”). Aqui, Moffatt traduz por “agitar-se”. Às vezes, a palavra ocorre com áuopeo), “estar perdido quanto a qual caminho ir”. Aqui, Mateus também tem “estar triste” (limeloGcu), mas Marcos 14.33 tem a frase “começou a ter pavor e a angustiar-se” (éKGafipeloGai Koà áôrpoveiv), “um sentimento de surpresa apavorada”.

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Mateus 2 6

26.38. Vigiai comigo (ypriyopeixe |iex’ 4|ío0). Este recente tem­po presente do perfeito de èypiíyopa significa “ficar acordado e não ir dormir”. A hora estava adiantada e a tensão tinha sido severa, mas Jesus pediu um pouco de empatia humana enquanto falava com o Pai. Não era pedir muito. Ele expressara a sua tristeza em linguajar forte, “até à morte” (éooç Gaváxou). Isso deveria tê-los alarmado.

26.39. Indo um pouco adiante54 ('iTpoeA.Gwv55 |iiKpòy). Como se não pudesse lutar a batalha na presença imediata desses discípulos. Ele estava sobre o seu rosto, não de joelhos.56

Passa de mim este cálice37 (mxpeÀGáxGO58 án’ €|aoú xò -Troxfpiov xouxo). A frase pode significar só a morte que se aproximava. Jesus já usara essa expressão acerca da sua morte quando Tiago e João se aproximaram dEle com o pedido ambicioso: “O cálice que eu hei de beber” (Mt 20.22). Mas agora o Mestre está a ponto de provar a borra amarga do cálice da morte pelo pecado do mundo. Ele não tinha mais medo de morrer antes da cruz, embora instintivamente recuasse diante do cálice. Ele rendeu imediatamente a sua vontade à vontade do Pai e bebeu o cálice até a última gota. Lógico que nesse momento Satanás tentava Jesus para fazê-lo recuar da cruz. Aqui Jesus recebeu o poder para continuar indo até ao Calvário.

26.40. Então, nem uma hora pudeste vigiar comigo? (Ouxcoç oi)K loxúoaxe [iiav copav ypriyopfjaai fiex’ è|_iou). O advérbio grego (ouxg)ç) não é interrogativo ou exclamativo. Significa somente “as­sim” ou “deste modo”. Há um tom de decepção triste ao descobrir que eles estavam dormindo depois do pedido sério para que ficas­sem acordados (Mt 26.38). “Vós não tivestes bastante força para ficardes acordado por uma hora?”

26.41. Vigiai e orai (ypriyopeixe Km TipoaeúxeoGe). Jesus repete a ordem do versículo 38 com o acréscimo da oração e com o aviso do perigo da tentação. Naquele exato momento, ele estava sentindo a pior de todas as tentações da vida terrena. Ele não desejava entrar em tal “tentação”, rreipao^óv, não meramente uma prova, como é o significado primário da palavra. É desta forma que temos de enten­der a oração em Mateus 6 .13 sobre induzir (ser induzido) à tentação. O insucesso dos discípulos devia-se à fraqueza da carne, como se

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

dá na maioria das vezes. Aqui, “espírito” (nveuim) é a vida moral (intelecto, vontade, sentimentos) em oposição à carne (cf. Is 31.3; Rm 7.25).

26.42. Se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber59

( e l oi) ô ú v a r a i t o u t o uapelGelv è à v |j,T] aúxò ttlo o 60). Condição negativa de primeira classe, seguida por uma condição negativa de terceira classe com probabilidade de determinação. Essa distinção tênue apresenta com precisão a verdadeira atitude de Jesus para com essa tentação sutil.

26.43. Porque os seus olhos estavam carregados (rjoav yàp ctúrâv oi ó4)9a;À[j,o! pepctpr||jivoi). Construção participial perifrásti­ca do pretérito perfeito passivo do indicativo. Os olhos deles estive­ram sobrecarregados com sono da mesma maneira que estiveram no monte da transfiguração (Lc 9.32).

2 6 .4 5 . Dormi, agora, e repousai (KaGeúôeie t ò A .o ittò v Kod ávaTOÚeoGe). Há uma “ironia pesarosa” 61 ou concessão repreensiva nas palavras: “No que me diz respeito, vós podeis dormir e descan­sar indefinidamente; não preciso mais de vossa utilidade de vigilân­cia” .62 Ou a questão pode conter mais tristeza, como na tradução de Moffatt: “Vós ainda estais dormindo e descansando?” Esse uso de A-olttÓv por “agora” ou “de agora em diante” é comum nos papiros.

Eis que é chegada a hora63 ( í íy y iK e v rj u p a ) . Chegou a hora da. ação. Eles perderam a chance de mostrar solidariedade por Jesus. Agora Ele obtivera a vitória sem a ajuda deles. “A hora de fraqueza do Mestre passou; Ele está preparado para enfrentar o pior.” 64

O Filho do Homem será entregue nas mãos dos pecadores65 (ó uLòç to Í ) ávGpGJTTOu ra p a Õ L Ô O T a i) . Presente futurístico ou incoativo (ingressivo), o primeiro ato da traição chegou. Durante muito tempo Jesus previra esta “hora” e agora Ele a enfrenta corajosamente.

26.46. Partamos66 (áyco iev). O traidor está vindo agora. Ao que pa­rece, os oito discípulos que estavam no portão do jardim do Getsêmani não deram o aviso. Nesse ponto da história, os três Evangelhos Sinóticos descrevem Judas como e lç tc ò v ôcóôeK a, “um dos doze” (cf. Mt 26.47; Me 14.43; Lc 22.47). Esse detalhe enfatiza o aspecto do horror do mo­mento: É um dos doze escolhidos que está fazendo isso.

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Mateus 26

Eis que é chegado o que me trai61 (TÍyyiKev ó Trapaôiôoú<; |ae). É o mesmo verbo e tempo verbal usados acerca da “hora” acima, perfeito presente ativo de éyyíÇw, “puxar perto”, “aproximar-se”, que é a mesma forma verbal usada por João Batista acerca da vin­da do Reino dos Céus (Mt 3.2). Não sabemos se Jesus ouviu a aproximação do traidor acompanhado pela multidão, ou se viu as luzes, ou se só sentiu a proximidade do traidor (J. Weiss). Esse quesito não tem importância. A cena é pintada como acontecida com poder natural.

26.47. Estando ele ainda a fa lar (êti aúxou ÀaÀouvtoç), uma construção de genitivo absoluto. Foi um momento eletrizante quando Jesus encarou Judas com a sua horda de ajudantes como se enfrentasse um exército.

Grande multidão com espadas e porretes68 (oyf oç ttoXuç |_ietà |j,aXaLP“ y KÍX'L £úAxov). Os principais dos sacerdotes e os fariseus aparelharam Judas com um grupo de soldados que estavam posta­dos na guarnição de Antônia (Jo 18.3) e com a polícia do Templo (Lc 22.52) munidos com espadas (punhais) e porretes. Havia tam­bém uma escolta contratada que levava lanternas (Jo 18.3, ARA), apesar da lua cheia. Judas não queria se arriscar, porque conhecia muito bem o poder estranho de Jesus.

26.48. E o traidor tinha-lhes dado um sinal69 (ó ôè TTapaôiõouç; aikòv êÔGOKev aikoic; ari|j,eiov), provavelmente logo antes de chegar ao local, embora Marcos 14.44 diga “tinha-lhes dado” (ôeôokei), o que certamente significa antes da chegada ao jardim do Getsêmani. De qualquer modo, Judas dera a entender aos lí­deres que beijaria (4nAr|aü)) Jesus para identificá-lo com certeza. O beijo era um modo comum de cumprimentar. Judas escolheu esse sinal e, de fato, “beijou-o fervorosamente” (KaTecjHAriaev, Mt 26.49), embora os papiros mostrem que o verbo composto perdeu a força intensiva. Bruce opina que Judas foi incitado pelos moti­vos incompatíveis de amor ardente e covardia latente.70 Seja como for, esse beijo ostentoso e nojento é “o exemplo mais terrível de eKoúoai (f)iA.ií|icrax e^Opou (Pv 27.6 na LXX), os beijos profusos de um inimigo” .71 Esse verbo composto ocorre em Lucas 7.38 acerca

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

da mulher pecadora, em Lucas 15.20 acerca do abraço do Pai do filho pródigo e em Atos 20.37 acerca do afeto dos anciãos efésios por Paulo.

26.50. A que vieste?12 (ècj)’ o uápei73). Moffatt e Goodspeed tra­duzem assim: “Cumpra a tua incumbência”. Essa frase tem causado muita dificuldade. Deissmann mostra que êcj)’ o no grego recente tem o sentido interrogativo de éui xí. Portanto, é uma pergunta.74 O uso de è(J)’ o para “por que aqui” ocorre em um tablete sírio do sécu­lo I. “Era a moeda corrente na linguagem do povo.” 75 A maioria das traduções antigas (por exemplo, a Versão Latina Antiga e a Versão Siríaca Antiga) vertem-no como pergunta. A Vulgata Latina tem ad quid venisti. Aqui, a tradução: “Amigo, a que vieste?” está mais pró­xima do sentido do original grego. A pergunta expõe o fingimento e mostra que Jesus não acredita no afeto exibicionista de Judas.76

26.51. Um dos que estavam com Jesus (eiç xúv [ierà TtpoD). Igualmente ao que se dá nos outros Evangelhos Sinóticos, Mateus guarda segredo sobre o nome de Pedro, provavelmente porque fe­rir alguém no cumprimento do dever judicial e oficial era assunto sério, e Pedro ainda estava vivo antes de 68 d.C. Escrevendo perto do fim do século I, João está livre para identificar Pedro (Jo 18.10). A espada ou punhal era um dos dois que os discípulos tinham (Lc22.38). Bruce opina que era a faca grande que fôra usada nos prepa­rativos da refeição pascal. Pedro pode ter querido cortar a cabeça do homem, não a orelha, pois a palavra okiov é diminutiva em forma, mas não em sentido. Talvez este servo fosse o líder do grupo. O seu nome, Malco, também é dado em João 18.10, porque a essa altura Pedro já estava morto e não havia mais perigo.

26.52. Mete no seu lugar a tua espada (’Auóatpeij/ou tt]v [iáxcapáv oou etc tÒv tjÓttov aimiç;77). “Põe de volta a tua espada no seu lugar.” Era uma repreensão para Pedro, que mostrou que en­tendera mal o ensino de Jesus em Mateus 5.39 e Lucas 22.38 (cf. Jo 18.36). A razão apresentada por Jesus tinha inumeráveis ilustrações na história humana. Espada pede espada. A guerra ofensiva recebe plena condenação. A vontade para a paz é o primeiro passo para a paz e o banimento da guerra.

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Mateus 2 6

26.53. Agora (apxi), “agora mesmo”, “neste exato momento”.Doze legiões de anjos? (õcóõeKa ÀeyiGÒvaí; àyyé/ltov;). A palavra

Àeyitjòvaç é a versão grega de uma palavra latina. Nessa época na Palestina, não havia número grande de soldados romanos até que começou a Guerra Judaica em 66 d.C. Havia, então, contingen­tes consideráveis na Cesaréia e postados na torre de Antônia, em Jerusalém. No tempo de César Augusto, uma legião romana com­pleta tinha seis mil e cem soldados a pé e setecentos e vinte e seis soldados a cavalo. Jesus vê mais de doze legiões às suas ordens (o suficiente para uma para cada discípulo) e mostra a sua coragem destemida nesta conjuntura perigosa. A declaração lembra a história de Eliseu em Dotã (2 Rs 6.17).

26.54. Assim convém que aconteça? (õei yevéoGoa). Jesus vê claramente o seu destino agora que obtivera a vitória no jardim do Getsêmani.

26.55. Como para um salteador78 ('Qç eu! lr]oxf]V'). Como um salteador, não como um ladrão, mas um salteador que se esconde da justiça. Ele será crucificado entre dois salteadores e na cruz que era do líder deles, Barrabás. Eles chegaram sem a justificação de qual­quer crime, mas com uma força armada para agarrar Jesus como se ele fosse um salteador de estrada. Jesus os lembra de que tinha se assentado (imperfeito, èraGeCófieriv) no Templo ensinando. Mas Ele vê o propósito de Deus em ação, pois os profetas predisseram este seu “cálice”. Logo após essa repreensão do esforço de Pedro, os discípulos abandonam Jesus. Os discípulos fugiram porque Jesus se rendera.

26.58. Assentou-se entre os criados, para ver o fim 79 (èKáOrjio |ietà xtòv úuripexwv lõeiv xò xéÀoç). Pedro se refez do pânico e se­guia a Jesus de longe ((_ia;Kpó0ev), “mais corajoso do que os demais e, ao mesmo tempo, não suficientemente corajoso” .80 João, o discí­pulo amado, entrou na sala onde Jesus estava. Os demais permane­ceram fôra, mas Pedro “assentou com os criados” para ver e ouvir, esperando não ser reconhecido.

26.59. Todo o conselho buscavam falso testemunho contra Jesus81 (xò ouvéõpiov olov éÇr|X0uv ij/euôo|i,apxup íav Kaxà xoü

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

TipoO). O tempo imperfeito, “continuavam buscando”. Os juizes não têm o direito de ser os acusadores, muito menos de buscar falso testemunho e até oferecer subornos para obtê-lo.

26.60. Não o achavam (oüx eupov). Eles acharam falsas teste­munhas em abundância, mas nenhuma falsa testemunha que resis­tisse a qualquer tipo de prova da verdade.

26.61. Eu posso derribar o templo de Deus (Aúvoc|iai KotraÀü cai tòv vcíov ToO 9eo0). O que Ele dissera (Jo 2.19) referia-se ao templo do seu corpo que eles matariam e que Ele levantaria nova­mente em três dias. Eles perverteram o que Jesus dissera. Mesmo assim, as duas testemunhas discordavam em suas declarações falsas (Me 14.59).

26.63. Jesus, porém, guardava silêncio*2 (ó ôè Tipouc; éoicóua). Terceira pessoa do singular do pretérito imperfeito ativo do indicati­vo. Jesus se recusou a responder à petulância de Caifás.

Conjuro-te pelo Deus vivo83 (’E^opKÍÇw oe Kcrrà xou Oeoü xou (tóvToç 84). Caifás pôs Jesus sob juramento para fazer com que se incriminasse. Esse era um procedimento ilegal na jurisprudência ju­daica, mas Caifás estava desesperado, porque não conseguira acu­sação que se mantivesse de pé. Jesus não se recusou a responder sob juramento solene, mostrando claramente que não proibiu fazer juramentos em tribunais de justiça (Mt 5.34). Caifás acusa Jesus de afirmar ser o Messias, o Filho de Deus. Recusar-se a responder seria equivalente a negar, por isso Jesus responde, sabendo o que farão com a sua declaração.

26.64. Tu o disseste85 (2u eíuaç). Esta é uma resposta grega afirmativa. Em Marcos 14.62 a resposta é bem clara: “Eu o sou” (eífú). Mas não é tudo que Jesus disse a Caifás. Ele declara que virá o dia em que Jesus será o Juiz e Caifás, o culpado. Jesus usa o linguajar profético de Salmos 109.1 e Daniel 7.13. Isso era tudo que Caifás queria para poder justificar a sua posição.

26.65. Blasfemou (T3piaa4)r||ir|aev). Não havia mais necessida­de de testemunhas, pois Jesus se incriminara quando afirmou, sob juramento, ser o Messias, o Filho de Deus. Não seria blasfêmia o verdadeiro Messias fazer tal afirmação, mas era inconcebível para

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Mateus 26

esses homens que Jesus fosse o Messias da esperança judaica. No começo do seu ministério, Jesus usou ocasionalmente a palavra Messias para referir-se a si mesmo. Mas logo deixou de dizê-lo, pois ficou claro que o povo o tomaria para ser um revolucionário político que sacudiria o jugo romano. Se Ele recusasse esse papel, os fariseus não teriam nada dEle, pois esse era o tipo de Messias que desejavam. Mas a hora chegara. Na entrada triunfal, Jesus dei­xara as multidões da Galiléia o saudarem de Messias, sabendo qual seria o efeito. Agora, Ele fez a sua reivindicação e desafiou o sumo sacerdote.

26.66. É réu de morte86 (’'Evoxoç Oavcaou èoxív). “Ele está preso nos laços da morte” (kv è^co) como verdadeiramente culpado, com o genitivo, Gaváxou. O dativo expressa endividamento, obri­gação, como trj Kpíoei e elç e o acusativo em Mateus 5.21,22. A morte era a pena por blasfêmia (Lv 24.15). Contudo, de acordo com a lei judaica, o voto de condenação não podia ser dado à noite. O procedimento também era impróprio, visto que eles já não tinham autoridade para executar um criminoso. Os romanos tinham-lhes to­mado esse poder. Mas eles gostaram de dar esse voto como resposta aos discursos incontestáveis que Jesus fez no Templo na terça-feira terrível daquela mesma semana. O voto foi unânime entre os que estavam presentes. José de Arimatéia e Nicodemos, e talvez outros, não concordaram, mas eles provavelmente nem sabiam que esse processo judicial estava em andamento. Eles estavam sob suspeita de ser discípulos secretos do galileu.

26.68. Profetiza-nos, Cristo, quem é o que te bateu?*1 (IIpo4)iÍTeuooy thj.lv, XpLoxé), com absoluta zombaria diante das afir­mações que Jesus fez sob juramento em Mateus 26.63. Com alegria desenfreada e desembaraço irrestrito de uma gangue de criminosos violentos, esses doutores em teologia insultaram Jesus. Na verdade, eles cuspiram-lhe no rosto, bateram-lhe no pescoço (éKoÀá^ioav, derivado de KÓkafyoç, “punho”) e esbofetearam-no no rosto com as palmas das mãos (èpchuoav, derivado de páiuç, “vara”). Depois de já terem perpetrado a injustiça judiciária, deram vazão à malvadeza e ódio por meio de insultos pessoais.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

26.69. Tu também estavas com Jesus (Kod oi) fjoGa |aexà Tipou). Pedro tinha ido ao (eooo) palácio do sumo sacerdote (Mt 26.58), mas sentou-se do lado de fôra (e co) da sala onde o julgamento estava sendo realizado. Ele estava no pátio aberto e central com os criados ou oficiais (i)TTT|p6TÓ)y, literalmente, “remadores de baixo”, cf. Mt 26.58) do Sinédrio. Pela porta aberta em cima, era possível ver o que estava acontecendo lá dentro. Não está claro em que fase du­rante o julgamento judaico ocorreram as negações de Pedro, nem a ordem exata em que sucederam. Os relatos dos Evangelhos variam. Uma escrava (ttcuÔíokti) adiantou-se de Pedro, que estava sentado no pátio, e disse incisivamente: “Tu também estavas com Jesus, o galileu”. Pedro estava se esquentando perto da fogueira, cuja luz lhe iluminava o rosto. Ela notara Pedro chegar com João, que subira à sala de julgamento. Ou ela pode ter visto Pedro anteriormente com Jesus.

26.70. Não sei o que dizes ( O ú k oíôa t í Àéyeiç). Este rompante de ignorância extrema não enganou ninguém .88 Foi um subterfugio ineficaz. Dalman propõe que Pedro usou a palavra aramaica galiléia para dizer “sei”, em vez de usar a palavra aramaica judaica. Só esse detalhe já o teria traído como galileu.89

26.71. E, saindo para o vestíbulo90 (è^eÀGóvxa ôè elç tòv ttuàg) vr/91). Pedro passou para um lugar menos iluminado, mas não adian­tou nada, porque outra criada o reconheceu. Referindo-se a ele, ela disse “este” ( outo ç ) , com um gesto de modo que as pessoas ali sou­bessem sobre quem estava falando.

26.72. E ele negou outra vez, com juramento (kocI toXiv r\pvr\aaxo |aetà opncou92). Dessa vez, Pedro acrescentou um juramen­to, caindo no hábito comum entre os judeus daqueles dias. Ele ne­gou ter qualquer tipo de relação com Jesus, chegando a referir-se a Ele como “tal homem” (xòv avGpwuov), uma expressão que poderia transmitir desprezo, “esse homem”.

26.73. E, logo depois, aproximando-se os que ali estavam, dis­seram a Pedro (\xezà [iiKpòv ôè TTpooeÀGóvxec; o i e o t c ô ie ç éI ttov tw neípco). A conversa sobre Pedro continuou. Lucas 22.59 declara que passara mais ou menos uma hora. Alguns espectadores aproxima­

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Mateus 26

ram-se e bruscamente confirmaram que Pedro era “verdadeiramen­te” (’AÀr|0(ôç) um dos seguidores de Jesus, pois a sua fala o traía. O original grego tem “te faz evidente” (õf|A.óv ae ttolél). O seu dialeto (Àcdiá) claramente revelava que ele era galileu. Os galileus tinham dificuldade com os sons guturais, e até a fraseologia de Pedro nessa imprecação na segunda negação expusera a verdade aos ociosos que continuavam importunando-o.

26.74. Então, começou ele a praguejar e a jurar93 (xóxe f|pi;axo KceTct0É|acaí(ei,v94 kcu ó|ii/úeiv). Pedro repetiu a negação com o acrés­cimo de profanação, tentando provar que dizia a verdade, quando todos sabiam que estava mentindo. Cada negação repetida o traía, porque ele não conseguia pronunciar os sons guturais que os falan­tes da Judéia falavam. Ele invocou sobre si (Kaxa0e|iaxí(<Eiv) maldi­ções em sua perda desesperada de autocontrole diante da revelação de fatos comprometedores.

E imediatamente o galo cantou (ku\ eí)0écoç áAiKxoop kfyúvr\o€v). Não há o artigo definido no original grego, só “um galo cantou” nes­sa conjuntura. Pedro ficou assustado.

26.75. E lembrou-se Pedro das palavras de Jesus, que lhe dis­sera (kcu é|_ivr|a0r| ó néxpoç tou pií|iaxoç ’IipoO95 elpr)KÓxoç), uma coisa pequena, mas magna circumstantia. Ele recordou as palavras de Jesus ditas poucas horas antes (Mt 26.34) e a ostentação orgulho­sa que “ainda que me seja necessário morrer contigo, não te nega­rei” (Mt 26.35). E agora essa negação tripla era um fato. Não há ate­nuação para as negações básicas de Pedro. Agora ele recebeu a pena terrível sobre a qual Jesus avisou em Mateus 10.33. Jesus negaria Pedro diante do Pai, que está nos céus? Mas Pedro sentiu revulsão súbita e imediata pelo seu pecado.

E, saindo dali, chorou amargamente (kcu kE,eXB(bv eíco eKÀauaev TTLKpcõç). Lucas 22.61 acrescenta que o Senhor se virou e olhou Pedro. Esse olhar fez Pedro cair em si. Ele não pôde ficar com os difamadores de Jesus, nem se sentia digno ou capaz de entrar publi­camente na sala onde Jesus estava. Por isso, saiu com o coração par­tido. O aoristo constativo aqui não enfatiza tão claramente quanto o imperfeito eKÃcaev em Marcos 14.72 a profundidade do seu choro

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

contínuo. As lágrimas ficaram ainda mais amargas por aquele olhar de compaixão compreensiva de Jesus. Uma das tragédias da cruz é o coração sangrento de Pedro. Judas foi uma perda total, e Pedro ficou quase desamparado. Satanás peneirara a todos os discípulos como trigo, mas Jesus havia orado especificamente por Pedro (Lc 22.31,32). Será que Satanás mostraria que Pedro era somente palha, como Judas?N O T A S ____________________________________________1 “Estamos a dois dias da Páscoa” (NVI).2 “Então, os principais sacerdotes e os anciãos do povo se reuniram” (ARA).3 TR e TM acrescentam koc! ol Ypam-icaelç aqui.4 “No palácio do sumo sacerdote” (ARA).5 “Prender Jesus em segredo e matá-lo” (NTLH).6 TR inverte as duas palavras, Kparr|0WGiv 5ólw.7 “Para não haver uma revolta no meio do povo” (NTLH).8 Para inteirar-se da prova de que Maria de Betânia, Maria Madalena e a mulher

pecadora de Lucas 7.36-50 são individuos diferentes, ver A. T. Robertson, Some Minor Characters in the New Testament (Reimpressão, Nashville: Broadman& Holman, 1976).

9 “Uma mulher chegou perto de Jesus com um frasco feito de alabastro, cheio de um perfume muito caro” (NTLH).

10 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, àÀápaoxpoi' (iúpou 'í iio u a u .11 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 308.12 Herodotus, History, 3.20. [Edição brasileira: História: O Relato Clássico da

Guerra entre Gregos e Persas (São Paulo: Prestígio Editorial, 2002).]13 TR e TM têm o caso acusativo depois da preposição, 4n! tf|v k í$ u.)J)v .14 “Por que molestais esta mulher?” (ARA).15 James Hope Moulton and George Milligan, The Vocabulary o f the Greek

Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 355.16 “Ela fez para mim uma coisa muito boa” (NTLH).17 TR e TM têm uma grafia diferente para o verbo elpyáoato.18 “O que me dareis [...]?” (BJ).19 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 137.

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Mateus 26

20 Bruce, Expositor’s, p. 309.21 Ibid.22 “E pagaram-lhe trinta moedas de prata” (AEC).23 Bruce, Expositor ’s, p. 310.24 “E daí em diante Judas ficou procurando uma oportunidade para entregar Jesus”

(NTLH).25 A. T. Robertson, Commentary on the Gospel According to Matthew (Nova York:

Macmillan, 1911), p. 255.26 “Onde queres que te façamos os preparativos para comeres a Páscoa?” (ARA).27 Josephus, Antiquities o f the Jews, 2.15.1. [Edição brasileira: Flávio Josefo,

História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]28 Ver A. T. Robertson, Harmony o f the Gospels fo r Students o f the Life o f Christ

(Nova York: Harper & Row, 1922), pp. 279-284.29 Para comentários sobre o assíndeto, ver A. T. Robertson, A Grammar o f the

Greek New Testament in the Light o f Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 935.

30 W. Bauer, W. F. Arndt, and F. W. Gingrich, Greek-English Lexicon o f the New Testament and Other Early Christian Literature (Chicago: University of Chicago, 1957), p. 172.

31 Moulton and Milligan, Vocabulary, p. 138.32 “Os meus discípulos e eu vamos comemorar a Páscoa na sua casa” (NTLH).33 “O que comigo põe a mão no prato, esse me trairá” (BJ).34 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, èv xw xpupAlto zr\v x^pa.35 “Melhor lhe fôra não haver nascido!” (ARA).36 “Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o” (NVI).37 TR e TM têm o artigo, xòv ãpxov\38 TRb e TM não têm o v eufônico, eKÀ,axe.39 Bruce, Expositor 's, p. 312.40 “Pois isto é o meu sangue, o sangue da Aliança” (BJ).41 TR e TM têm xoüxo yáp éaxiv xò <xl|j.á |_iou, xò xf|Ç Kaivíiç ôia0r|Kr|<;.42 “Para perdão de pecados” (NVI).43 “Em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai” (ARA).44 G. Adolf Deissmann, Bible Studies: Contributions, Chiefly from Papyri and

Inscriptions, to the History o f the Language, the Literature, and the Religion o f Hellenistic Judaism and primitive Christianity, traduzido por A. Grieve ( Edimburgo: T. & T. Clark, 1901), pp. 109, 110.

45 “Depois de terem cantado o hino” (BJ).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

46 “Ainda que venhas a ser um tropeço para todos, nunca o serás para mim” (ARA).

47 TR inclui Kaí entre E l e irávieç.48 TR e TM têm re0or]|iavr|; WH tem reBarniaveí.49 Na década de 1930, Robertson podia acrescentar o seguinte comentário: “Hoje

há oito oliveiras antigas que ainda permanecem neste terreno cercado. Podemos dizer que são as mesmas árvores próximas das quais Jesus passou a sua agonia, mas elas são muito velhas”. Acerca dessas árvores, ele cita Arthur Penrhyn Stanley: “Elas permanecerão contanto que a sua já prolongada vida seja pou­pada, as mais veneráveis da sua espécie na superfície da terra. Os seus tron­cos preservados e a sua folhagem escassa sempre serão considerados como os memoriais sagrados mais tocantes de Jerusalém ou a respeito dela” (Sinai and Palestine [Nova York: W. J. Widdleton, 1865], p. 450).

50 TR e TM têm a ordem das palavras invertida, TTpoaeúÇco[iaL 6kêl.51 “Levando Pedro e os dois filhos de Zebedeu” (BJ).52 “Começou a entristecer-se e a angustiar-se” (BJ; NVI; ARA).53 Oxyrynchus Papyrus 2, 298, 456. Moulton and Milligan, Vocabulary, p. 9.54 “Ele foi um pouco mais adiante” (NTLH).55 TM tem upooéÀGuv.56 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text

with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 390.

57 “Afasta de mim este cálice” (NVI).58 TR e TM têm TTapeÀGéTU.59 “Se não é possível que esta taça passe sem que eu a beba” (BJ).60 TR e TM têm ei oi) ôúvatai. xoúto tò irortípiov irapeA.0eiv chi’ èjioü èàv p/f)

a i ) T Ò T T L G O .01 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint

Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 371.62 Bruce, Expositor’s, p. 315.63 “Eis que a hora está chegando” (BJ).64 Bruce, Expositor’s, p. 315.63 “O Filho do Homem está sendo entregue nas mãos de pecadores” (ARA).66 “Vamos embora” (NTLH); “vamos!” (BJ; NVI; ARA).67 “Vede, o traidor se aproxima!” (AEC).68 “Grande multidão com espadas e cacetes” (AEC); “grande turba com espadas

e porretes” (ARA).69 “O traidor tinha combinado com eles um sinal” (NTLH).

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Mateus 2 6

70 Bruce, Expositor s, p. 316.71 John A. Broadus, Commentary on Matthew (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1990), p. 540.72 “Para que estás aqui?” (BJ).73 TR e TM têm ecfa’ to irápei.74 G. Adolf Deissmann, Light from the Ancient East: The New Testament

Illustrated by Recently Discovered Texts o f the Graeco-Roman World, traduzi­do por L. R. M. Strachan (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1965), pp. 125- 131; Robertson, Grammar, p. 725.

75 Deissmann, Light from the Ancient East, p. 129.76 Bruce, Expositor s, p. 317.77 TR e TM têm Airóatpe^óv aou xr\v p.áxaipav eLç tov tótiov aúxfi.78 “Estou eu chefiando alguma rebelião” (NVI).79 “Sentou-se com os guardas, para ver o que aconteceria” (NVI); “assentou-se

entre os serventuários, para ver o fim” (ARA).80 Bruce, Expositor s, p. 319.81 “Todo o Sinédrio procuravam algum testemunho falso contra Jesus” (ARA).82 “Mas Jesus permaneceu em silêncio” (NVI).83 “Exijo que você jure pelo Deus vivo” (NVI).84 TRs tem o acento agudo em oé.85 “Tu mesmo o disseste” (NVI).86 “Ele é culpado e deve morrer!” (NTLH).87 “Faze-nos uma profecia, Cristo: quem é que te bateu?” (BJ).88 Bruce, Expositor s, p. 321.89 Gustaf Dalman, The Words o f Jesus, Considered in the Light o f Post-Biblical

Jewish Writings and the Aramaic Language ( Edimburgo: T. & T. Clark, 1902), pp. 80, 81.

90 “Saindo para o pórtico” (BJ); “e, saindo para o alpendre” (ARA).91 TR e TM têm ê£eA.9óvTa ôè aútòv eíç tòv iruA-uva.92 TR e TM têm a preposição grafada assim jaeG’.93 “Aí ele começou a se amaldiçoar e a jurar” (NVI).94 TR tem o infinitivo grafado assim KcrnxvaOeijaTÍ.Çeu'.95 TR e TM têm o artigo com o substantivo próprio, ioí> ’Iipou.

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Capítulo27

MateusEMMSMSJSMSÍSJSMSMMSMMMSMSÍSMSMSJ

27.1. E, chegando a manhã1 (Ilpcoíaç ôe yevo|_iévr|<;), uma cons­trução de particípio em genitivo absoluto. Depois que amanheceu, o Sinédrio fez uma reunião formal para ratificar o julgamento ile­gal que fôra formado em convênio durante a noite (Me 15.1; Lc 22.66-71). Lucas dá os detalhes desse segundo julgamento, com a pertinente condenação de Jesus. “Formavam juntamente conselho contra” (ou|í|3oijàiov èla(3ov) é um linguajar latino (consilium cepe- runt) para auve|3ouÀeúaavTo.

27.2. O entregaram ao governador Pôncio Pilatos (rapéôtOKav ÍIiAdato x(ô f|ye|j,óvi2). O que fizeram não passou de formalidade e farsa. Só Pilatos detinha o poder da morte, mas eles haviam apre­ciado muito a condenação e as bofetadas em Jesus, que agora estava nas mãos deles, amarrado como um criminoso condenado à morte. Ele já não era mais o mestre das assembléias no Templo, capaz de fazer o Sinédrio encolher-se de medo. Ele fôra detido no jardim do Getsêmani e amarrado na presença de Anás (Jo 18.12,24), mas pode ter sido desamarrado na presença de Caifás.

27.3. Arrependido3 (p,eTCí|j.eA.ri9elç). Judas viu Jesus ser levado a Pilatos e assim soube que a condenação era um fato. Este nominati­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

vo singular masculino do aoristo primeiro passivo do particípio de |ieTa|j,éA.O|ica significa “arrepender-se muito posteriormente”, como a palavra latina repoenitet, que significa “ter dor novamente” ou “ter dor posteriormente”. O mesmo verbo, |ieua|iÉA,r|9elç em Mateus21.29, descreve o filho que se arrependeu da sua rebelião e decidiu obedecer. Paulo o usa para referir-se à sua tristeza pela carta con­tundente que ele escrevera aos crentes coríntios, uma tristeza que cessou quando o bem veio da carta (2 Co 7.9). Quando Pedro cho­rou amargamente, essa tristeza o levou de volta a Cristo. No entanto, essa tristeza levou Judas ao remorso suicida.

27.4. Isso é contigo4 (oi) oxj/r]5). Ao Sinédrio, mas não a Deus, nem a Jesus, Judas fez uma confissão atrasada do pecado de ter tra­ído sangue inocente. O Sinédrio tinha parte nessa culpa, por isso ignoraram o “sangue inocente” ou “sangue justo” (ou|ia áGcòov ou ôÍKcaov) e disseram a Judas que fosse qual fosse a culpa que sentia era problema dele. Eles ignoram a própria culpa na questão. O uso de ou

como futuro volitivo, equivalente ao imperativo, é comum em latim (tu videris), mas é raramente visto em grego. Ocasionalmente, os escritos em grego Koivri o mostram. Hugo Grócio e A. B. Bruce observam que o sentimento dos rabinos do Sinédrio é igual ao de Caim .6

27.5. Retirou-se e foi-se enforcar1 (áueÀ.Gcòv cnrriY ftTo), voz média reflexiva. O seu ato foi súbito depois que jogou o dinheiro no santuário (elç tòv v aóv), o lugar sagrado onde os sacerdotes esta­vam. Os motivos de Judas trair eram confusos, como normalmente acontece com os criminosos. O dinheiro, ainda que significativo, não era uma quantia imensa. O montante relacionava-se mais a uma expressão de desprezo, representando o preço de um escravo.

27.6. Não é lícito metê-las no cofre das ofertass (Oúk e^eoxiv pode lv aínà elç xov KopPavâv). Josefo também usa o termo KopPavavâç para referir-se à caixa das ofertas do Templo.9 Em ara­maico, korba’n é a palavra que significa presente, dádiva (ôcòpov), como em Marcos 7.11. O preço de sangue, segundo a restrição de Deuteronômio 23.18, contaminaria o cofre das ofertas, por isso usa­ram o dinheiro para um propósito secular. Os rabinos sabiam per­

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der-se em minúcias sobre o korba’n (Mt 15.1-20; Me 7.1-23), mas a sua teologia esquivava-se desse dinheiro de sangue.

27.7. O campo de um oleiro10 (tòv àypòv toü Kepa|aétoç). Grócio propõe que era um pequeno terreno de onde o oleiro se abastecia de barro, como uma fábrica de tijolos.11 Desconhecemos se havia outra razão para o nome. Atos 1.18 oferece outra perspectiva sobre a mor­te de Judas. O seu corpo “rebentou pelo meio” (possivelmente por­que o cadáver inchado caiu do lugar onde ele se enforcara) depois que ele comprou o campo com o salário da iniquidade. Enquanto Atos 1 indica que Judas adquiriu o campo, Mateus 27 mostra que foi comprado no seu nome pelos administradores do Templo. Assim, “adquiriu”, éKTrjoaTo em Atos 1, refere-se ao uso do dinheiro de san­gue de Judas depois de sua morte. Mateus não é incompatível com Atos 1.18,19.

27.8. O Campo de Sangue (’Aypòç A'í|icao<;). Esse nome ficou ligado ao caso, porque era o preço de sangue. Na história britânica e americana, as comunidades estabeleceram cemitérios tipo “campo de oleiro” para indigentes que não tinham onde ser sepultados. Esse campo se tomou cemitério para estrangeiros (elç Tac(5f|v tolç £évoiç, Mt 27.7) ou para judeus de outros lugares que morriam enquanto estavam em Jemsalém. Em Atos 1.19, chama-se Aceldama ou “lu­gar de sangue” (Xcópiov A'í(icctoç), ou porque o sangue de Judas foi derramado ali, ou porque foi comprado com o dinheiro de sangue, ou por ambas as razões.

27.9. Se realizou o que vaticinara o profeta Jeremias (tò pr|0èv ôià ’Iepqaíou xou upoclnÍTOu). Esta citação vem principalmente de Zacarias 11.13, embora não seja textual. Em Jeremias 18.1-4, o profeta relata a visita que fez à casa de um oleiro, e em Jeremias 32.6-9, fala da compra de um campo. É Zacarias que menciona dezessete siclos, ou cerca de trinta peças de prata. Existem teorias elaboradas sobre a razão de as palavras de Zacarias e Jeremias estarem combinadas e serem atribuídas a Jeremias. Uma mescla semelhante de textos proféticos ocorre em Marcos 1.2,3, onde par­te da citação de Isaías é de fato de Malaquias. A prática pode ter sido, ao citar profecias, atribuir ao mais proeminente. Nos seus

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respectivos comentários, John Broadus e Alan McNeile examinam as várias teorias.12 Mateus tem: “campo do oleiro” (eiç xòv áypòv toü Kepa(iécjOç, Mt 27.10). Em Zacarias consta: “E as arrojei ao oleiro, na Casa do Senhor” (Zc 11.13). Essa linguagem é mais paralela com a linguagem de Mateus 27.7.

27.11. E fo i Jesus apresentado ao governador ('O õè Tr|GOÜç èotáQr] è|inpoo9ev toü r]ye|ióyoç). Em um dos episódios dramá­ticos da história, Jesus está face a face com o governador roma­no. O verbo èoiáBr), não <éott|13 (segundo aoristo ativo), é aoristo primeiro passivo e pode significar “foi colocado” lá, mas ele es­tava de pé e não sentado. O termo fiyefiúv (derivado de riyéopoa, “conduzir”) refere-se tecnicamente a um legatus Caesaris, um funcionário do imperador, e mais precisamente a um procura­dor. Os procuradores governavam sob as ordens do imperador em províncias menos importantes do que os propretores, que governavam em províncias mais importantes, como a Síria. Os procônsules governavam em províncias senatoriais, por exem­plo, a Acaia. Pilatos representava a lei romana em uma região insignificante do império.

És tu o Rei dos judeus? (2i) et ó pamXeüç tcôv ’Iouõaícov). Esta era a pergunta que realmente importava para Pilatos. Mateus não relata as acusações feitas pelo Sinédrio (Lc 23.2), nem a en­trevista particular com Pilatos (Jo 18.28-32). Se Pilatos ignoras­se a acusação que Jesus afirmava ser “o Rei dos judeus”, poderia ser acusado de infidelidade a César. Rivais a César ou pretensos libertadores de Roma surgiram comumente por todo canto do império. Este era mais um. Com a resposta: “Tu o dizes”, Jesus confessa que é, em algum sentido, rei. O problema de Pilatos é determinar que tipo de rei Jesus afirma ser.

27.14. E nem umapalavra lhe respondeu14 (kcu oik áiTeKpí0r| áureo upòc; oúôè ev pfj|ia). Jesus recusou responder às acusações dos judeus (Mt 27.12). Ele permaneceu em silêncio diante da pergunta direta de Pilatos. O original grego é muito preciso e usa a dupla negação. Essa dignidade silenciosa pasmou Pilatos. Todavia, ele ficou estranhamente impressionado.

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27.17. Barrabás ou Jesus, chamado Cristo? (Bapappâv f| TipoOv tòv Àe.yó|ievov XpLotóv). Pilatos procurou qualquer brecha para não ter de condenar um lunático inofensivo ou explicador de um culto supersticioso, como ele considerava que Jesus fosse. Obviamente este não era um rival político a César. Os judeus interpretaram “Cristo” para Pilatos, dizendo que a afirmação de ser Rei dos ju ­deus estava em oposição a César. Por isso, o versículo 15 diz que Pilatos se aproveitou do costume da Páscoa de libertar “um preso, escolhendo o povo aquele que quisesse” 15 (éva xcò òx^oj ôéo|iiov ov f|9eÀov). Ainda não encontramos caso paralelo nos registros romanos ou judaicos, mas Josefo menciona o costume.16 Barrabás era, por alguma razão, um herói popular, um prisioneiro famoso (èiúcrrpov), talvez notório. Ele liderara uma insurreição ou revo­lução (Me 15.7), provavelmente contra Roma. Pilatos pode tê-lo escolhido, porque ele era obviamente culpado do mesmo crime que os líderes judeus estavam tentando imputar a Jesus. Contudo, Pilatos ficara sabendo que Jesus afirmava ser rei no sentido es­piritual. Pelo seu estratagema, Pilatos, sem perceber, comparou dois prisioneiros que representam as forças antagônicas de todos os tempos. Ele coloca a pergunta em uma estrutura elíptica: “Qual quereis que vos solte?” (Tíva GéÀete auoA-uou) úfitv;). Ou era duas perguntas em uma, um assíndeto, ou era a elipse de lua antes de áTToA.úaoo. A mesma linguagem ocorre no versículo 21. Mas Pilatos testou os judeus e a si mesmo com a pergunta. A mesma decisão tem testado as pessoas desde então. Alguns manuscritos acrescen­tam o nome Jesus a Barrabás, o que equilibra o paralelo: “Vós quereis Jesus Barrabás ou Jesus Cristo?”

27.18. Porque sabia que por inveja o haviam entregado (õià cj)9óvov uapéôGOKca' airaw). Pilatos não tinha o quadro completo da situação, mas ele sabia que os líderes judeus tinham ciúmes do po­der de Jesus entre o povo. E possível que ele tenha ouvido falar dos acontecimentos relacionados à entrada triunfal e, talvez, até dos ensinos no Templo.

27.19. Sua mulher mandou-lhe dizer17 (áuéoteiley Tipoç aikòv T) yi)vf| aÚTOÜ). O pobre Pilatos ia ficando cada vez mais emara-

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nhado a cada momento que passava enquanto hesitava. Ele sabia que devia libertar Jesus, pois o homem não cometera nenhum cri­me contra César. Exatamente quando ele estava tentando recrutar apoio para Jesus entre as pessoas da multidão contra as maquina­ções dos líderes judeus, sua esposa lhe enviou uma mensagem so­bre o sonho que ela teve com Jesus. Ela chama Jesus “esse justo” 18

(tgò ôlkoúgo exeívoo), e os sofrimentos psíquicos que teve suscita­ram o medo supersticioso de Pilatos. A tradição diz que o nome dela era Procla e improvavelmente a chama uma discípula secreta. As suas palavras enervaram o fraco Pilatos, enquanto ele estava assentado no tribunal (èui toü PtÍiícítoç), olhando para as pessoas lá em baixo.

27.20. Mas os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persu­adiram à multidão (Ol ôè àp^iepeiç Kcd oi upeopúiepoL errelaav touç o A-ouç). Os príncipes dos sacerdotes (saduceus) e os anciãos (fariseus) viram o perigo da situação e não se arriscaram. Enquanto Pilatos hesitava em insistir na pergunta, eles incitaram o povo para que “pedisse para ele mesmo” (aíníowvrai, aoristo ingressivo mé­dio indireto do subjuntivo), escolhendo Barrabás e não Jesus.

27.22. Que farei, então, de Jesus, chamado Cristo? (TÍ ouv. uoiríoco Triaoüv xòv Xeyó\xevov XpioTÓv). Sob a instigação do Sinédrio, as pessoas da multidão pediram Barrabás, mas Pilatos enfatizou o problema de Jesus com a tênue esperança de que elas também o escolhessem. E pelo menos possível que alguém dessa multidão que de manhã gritara: “Hosana”, na entrada triunfal, ago­ra gritou: “Crucifica-o!”, ou: “Seja crucificado!” (Si:aupco0iÍTa)). O herói do domingo era o criminoso condenado à morte de sexta- feira. O tempo todo Pilatos contorna a sua responsabilidade me­drosa e esconde a sua fraqueza e injustiça atrás do clamor popular e do preconceito.

27.23. Mas que mal fe z ele?19 (TÍ yàp kkkòv èiTOÍTiaev). Era um protesto medíocre vindo de uma consciência vacilante. Pilatos fôra levado a argumentar com a turba inflamada de ódio pelo san­gue de Jesus. Esta exibição de fraqueza fez a turba recear que Pilatos se recusasse a prosseguir com o julgamento.

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E eles mais clamavam20 (ol õè 'nepiooGÒç eKpa(ov), terceira pes­soa do singular do pretérito imperfeito ativo do indicativo de ação repetida e veementemente. A exigência que faziam à crucificação de Jesus era como um show de gladiadores no qual o público exigia a morte.

27.24. Tomando água, lavou as mãos diante da multidão (ÀccPcov üôoop áuevíi|jcao toç xelpocç). A demonstração da lavagem de mãos foi a última tentativa de Pilatos para fazer com que a multidão pen­sasse no meio do tumulto (Gopupoç) que aumentava por ele estar vacilante. O verbo áuovíCto significa “lavar para fôra”, “remover lavando”, e a voz média significa que ele lavou as próprias mãos como símbolo comum de limpeza. A sua alegação de virtude foi um tapa neles.

Estou inocente do sangue deste justo; considerai isso2' (’AGúóç ei|ii (xttò toO aí|iaToç toÚtou- u|ieiç õij/eoGe22). Os judeus usavam esse símbolo (Dt 21.6; SI 26.6; 73.13). Alfred Plummer duvida que Pilatos estivesse pensando na mensagem que a sua esposa lhe en­viou quando disse essas palavras (Mt 27.19),23 mas não vemos base para esse ceticismo. O falso Evangelho de Pedro diz que Pilatos lavou as mãos porque os judeus se recusaram a fazê-lo.

27.25. O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos24 (Tò autor) ècf)’ rp&ç Kcà to téKva: tuíqv). Estas palavras solenes,

provavelmente gritadas por um dos líderes, mostram certa consci­ência e até orgulho de ter culpa. Mas não era fácil assim para Pilatos tirar lavando a parte que lhe cabia da culpa. A água não lhe removeu das mãos o sangue de Jesus. A história inventa muita coisa sobre o ato de Pilatos. Dizem que em tempestades no monte Pilatos, na Suíça, o seu fantasma sai para lavar as mãos nas nuvens da tempes­tade. A culpa da morte de Jesus marcou Judas, Caifás e o Sinédrio, saduceus e fariseus, todo o povo (nâç ó Àaóç) judeu, Pilatos e a hu­manidade inteira. Os pecados de todos nós pregaram Jesus na cruz. Esse linguajar da multidão tem sido usado para desculpar o ódio ra­cial e contribui para a suscetibilidade que os judeus têm em relação aos cristãos. Ambos os lados abordam a questão da cruz com certo grau de preconceito.

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27.26. E, tendo mandado açoitar a Jesus25 (xòv ôè Tipouv (JjpayeÂÂúoaç), o verbo latino flagellare. Pelo visto, Pilatos perdeu o interesse em Jesus quando descobriu que o réu não tinha defen­sores. Os líderes religiosos estiveram ansiosos em conseguir conde­nar Jesus antes que os galileus amigáveis a Ele chegassem à cidade e ficassem sabendo do que estava acontecendo. E tiveram sucesso no que intentaram. Açoitar antes da crucificação era um costume romano brutal. Fazia parte da pena de morte. G. Adolf Deissmann cita um papiro florentino datado de 85 d.C., no qual G. Septimius Vegetus, governador do Egito, fala de certo Fíbion: “Tu és merece­dor de açoites, [...] mas eu te entregarei ao povo” .26

27.27. E logo os soldados do governador, conduzindo Jesus à audiência (Tóxe ol oxpaxicôxoa xoü f)ye[ióvo(; uapocXapóvieç xòv ’Ir|oouv eíç xò upaixcópiov). Em Roma, o pretório (“audiência”) era o acampamento da guarda pretoriana (derivado de pretor) de sol­dados (Fp 1.13). Nas províncias, era o palácio no qual o governador residia, como o palácio do governador em Cesaréia citado em Atos23.35. Então, aqui em Jerusalém, Pilatos ordenou que Jesus e todo o grupo ou coorte (olriv xf|v cmeipav) de soldados fossem levados ao palácio, em frente do qual fôra assentado o tribunal. A palavra latina spira era qualquer coisa enrolada em círculo como uma bola feita de fio enrolado. Essas palavras latinas são naturais aqui na atmos­fera do tribunal e no ambiente militar. Os soldados se reuniram por esporte para ver o açoitamento. Esses soldados pagãos gostavam de mostrar desprezo pelos judeus e pelos condenados à morte.

27.28. [Eles] o cobriram com uma capa escarlate (xA.aiaúôa K0KKivr|v TT6pL60r|Kay aüxcô27). Um tipo de manto curto usado por soldados, oficiais militares, magistrados, reis, imperadores (2

Macabeus 12.35),28 o sagum ou lenço de soldado. Carr propõe que era um dos lenços usados de Pilatos.29 A cor escarlate (kokklvtiv) era uma tintura derivada dos insetos femininos (Kép[ieç) que se juntavam no ilex coccifera encontrado na Palestina. Esses grupos secos de in­setos mortos têm a aparência de baga e são esmagados para formar a famosa tinta. A palavra ocorre nos escritos de Plutarco, Epíteto e Herodas, em papiros recentes, além da Septuaginta e do Novo

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Testamento. Marcos 15.17 tem a palavra “púrpura” (iropcjjupáv). Há várias tonalidades de púrpura e escarlata, não sendo fácil distinguir essas cores ou matizes. Os manuscritos variam aqui entre “despin­do” (èKÔúaavTeç) e “vestindo” (èvôúaavTec;). Ele fôra despido para ser açoitado. Se “vestindo” estiver correto, os soldados acrescen­taram o manto escarlate (roxo). Esse manto escarlate em Jesus era uma imitação zombeteira da púrpura real.

27.29. E, tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabe­ça30 (kcÒ. itAí&xvteç otécjjccvov àKavBwv eTíéGriKav en i xf)ç KecjjaÀfiçoarroO31). Eles teceram uma coroa de espinhos de uma planta que havia ali perto, talvez até no terreno do palácio. E insignificante se eram arbustos de espinhos novos e macios, como provavelmen­te seriam na primavera, ou arbustos duros com pontas afiadas. Os soldados não se preocupariam com esse detalhe, porque queriam o ridículo e o escárnio que causavam dor. Era mais como a guirlanda de vencedor (oxécjxxvov) que um diadema de rei (õiáõrpa), mas ser­viu ao propósito. Como também serviu a cana (KÓÁa\±ov), um caule de gramínea comum que fez a vez de cetro. Os soldados estavam familiarizados com o Ave César e imitam a saudação no escárnio de Jesus: “Saúde, Rei dos judeus!” (Xoâpe, (3aaiA.eíj ucôv 'Iouôaícov32). Acrescentaram os insultos usados pelo Sinédrio (Mt 26.67), cuspin­do nEle e batendo-lhe com a cana. Provavelmente Jesus fôra desa­marrado. Retiraram as roupas do escárnio antes da via dolorosa para a cruz (Mt 27.31).

27.32. Encontraram um homem cireneu, chamado Simão, a quem constrangeram33 (eupov av9pG)TT0v Kupr|voc'íov óvó|j,aT i £ íiicova, to ü to v Tiyyápeuoay). Esta palavra de origem persa riyyápeuaav, tra­duzida aqui por “constrangeram”, foi usada em Mateus 5.41. Há numerosos exemplos em papiros da época ptolemaica. A palavra sobrevive no vernáculo grego atual. Os soldados recrutam Simão de Cirene, uma cidade da Líbia, como mensageiro (ayyocpoç) persa, e forçam-no ao serviço. Jesus estava mostrando sinais de fraqueza fí­sica, pois estava carregando a trave-mestra da cruz, como as vítimas tinham de fazer. Não era uma pilhéria com Simão. “O Getsêmani, a traição, a provação da última noite sem dormir, os açoites lhe enfra­

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queceram a carne.” 34 O fardo do pecado pelo mundo também estava partindo-lhe o coração.

A levar a sua cruz35 (iva aprç tòv oxaupòv aótou). Jesus usara o termo cruz acerca de si mesmo (Mt 16.24). Era uma cena bem conhecida durante a dominação do governo romano. Jesus previra e predissera que esta forma horrível de morte seria sua (Mt 20.19; 26.2). Ele ouvira o grito da turba para Pilatos mandá- lo crucificar (Mt 27.22) e vira a rendição de Pilatos (Mt 27.26). Agora, estava a caminho da cruz (Mt 27.31). Havia vários tipos de cruz, e não sabemos precisamente a forma da cruz na qual Jesus foi crucificado, embora a tradição seja universal para a for­ma que se tornou símbolo cristão. Em geral, as mãos eram prega­das à trave-mestra antes de ser elevada e depois os pés. Não era muito alto. A crucificação era feita pelos soldados encarregados (Mt 27.35).

27.33. Chegando ao lugar chamado Gólgota (êÀBóvteç elç tÓttov A.eyó|j,evov roÀyoGâ). Gulgatha em aramaico ou caldeu, Gulgoleth em hebraico, que significa lugar de um monte em forma de crânio, e não lugar de crânios. A Vulgata Latina tem Calvariae locus, de onde veio a palavra Calvário. Tyndale equi­vocou-se com a palavra, entendendo ser lugar dos crânios dos mortos. O Gólgota ficava fôra da cidade de Jerusalém.

27.34. Deram-lhe a beber vinho misturado com fe l (eõtOKav aÚTGJ Tueiv oivov iieià xo^nÇ M-6M.i-YM.6yoy). Os MSS recentes36 lêem vinagre (õ£oç) em vez de vinho, e Marcos 15.23 tem mirra em vez de fe l. A mirra dava ao vinho azedo um sabor melhor e, como o fel amargo, tinha um efeito narcótico e estupefaciente. Ambos os elementos podem ter estado na bebida que Jesus pro­vou, mas recusou beber. As mulheres forneciam a bebida para enfraquecer o sentimento de dor, e os soldados podem ter acres­centado o fel para torná-lo desagradável. João 18.11 comenta que Jesus desejou beber o cálice cheio da mão do Pai.

27.36. Assentados, o guardavam ali37 (éiipouv autòy 6K6i), tempo imperfeito descritivo da tarefa para evitar a possibilidade de salvamento ou remoção do corpo. Esses soldados romanos insensí­

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veis lançaram sorte sobre as roupas de Jesus, numa representação de comédia ao pé da cruz, a tragédia de todas as eras.

27.37. E, por cima da sua cabeça, puseram escrita a sua acu­sação3S ( k o u è u é 0 T |K : a v èmvco r f | ç K e c fia À íiç aÜ To t) t t j v odxíav auxoO yeypa|i|iévriv). O título (tÍtàoç, Jo 19.19) ou cartaz anunciando o crime (a inscrição, f] ypacjjrj) que era levado à frente da vítima ou pendurado ao pescoço enquanto a pessoa caminhava para a execu­ção, agora foi colocado por cima ( c i t ’ a v c o ) da cabeça de Jesus na parte projetada (crux immurus). Esta inscrição dava o nome e lu­gar de origem: “JESUS NAZARENO”, e a acusação pela qual fôra condenado: “O REI DOS JUDEUS”, com a identificação: “ESTE E”. As quatro narrativas dão a acusação e variam em relação aos outros detalhes. A inscrição completa teria sido esta: “Este é Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus”. João 19.20 observa que estava escrito em três idiomas: latim para a lei, hebraico (aramaico) para os judeus e grego para todo o mundo. A acusação (acusação criminal, causa, alxía) descrevia corretamente os fatos da condenação.

27.38. Foram crucificados com ele dois salteadores (Tóxe orai) pouvTca auv aúucô õúo Acatai). Um salteador foi crucificado em ambos os lados de Jesus, formando uma fileira de três cruzes (Mt27.38). Estes eram salteadores, não ladrões (ícAiirau; ver Mt 26.55). Os intérpretes especulam que esses salteadores tenham sido inte­grantes do bando chefiado por Barrabás, em cuja cruz Jesus estava pendurado agora. Entretanto, a Bíblia não diz nada mais sobre eles ou Barrabás.

27.39. Meneando a cabeça39 (Kivovvveç zàç KecjjaÀàç aíruwv), provavelmente em falsa comiseração. Os judeus assistem com a mesma maldade que tinham demonstrado no julgamento peranteo Sinédrio.40 “Parece-nos incrível que até os seus piores inimigos poderiam ser culpados de algo tão brutal quanto lançar insultos a alguém sofrendo as agonias da crucificação.” 41 Estes transeuntes zombam (mpaTTopei>ó[ievoi) do inimigo caído.

27.40. Se és o Filho de Deus (el uiòç ei tou 9eot>). Mais exata­mente: “Se tu és um filho de Deus”, a mesma expressão que o Diabo disse para Jesus (Mt 4.3) nas primeiras tentações. Agora as palavras

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são arremessadas com violência sob a instigação do Diabo, enquan­to Jesus está pendurado na cruz. Claro que há a insinuação da afir­mação que Jesus fez sob juramento diante do Sinédrio: “O Filho de Deus” (ó uLòç tou Geou), e a repetição da deturpação das palavras ditas sobre o templo do seu corpo. Trata-se de cena lamentável de depravação e fracasso humano na presença de Cristo morrendo pe­los pecadores.

27.41. Da mesma maneira também os príncipes dos sacerdotes [...] escarnecendo41 (Ó|ío l c o ç kocI ol á p x ie p e iç êixucúCovTeí;43). Neste grupo de escarnecedores também estão “os escribas, e anciãos” do Sinédrio. A palavra grega eirrroáÇovTeç, traduzida por “escarnecen­do” (kv e TTcá(oo, derivado de m iç, “criança”), significa “agindo como crianças tolas” que gostam de escarnecer umas das outras. Esses senhores distintos e venerados tinham dado vazão à alegria pela condenação de Jesus (Mt 26.67).

27.42. Salvou os outros ea si mesmo não pode salvar-se (”AAAouç eatooev, èauuòv ou õúvaxoa owoai). O sarcasmo é verdadeiro, embora não saibam a significação do que estão dizendo. Se Ele se salvasse agora, não poderia salvar mais ninguém. O paradoxo é exatamente a filosofia proclamada pelo próprio Jesus (ver Mt 10.39).

Desça, agora, da cruz (K0aa(3ctTG0 vvv dcuò toü otaupoO). Jesus é um criminoso condenado à morte pregado na cruz, tendo por cima da cabeça a afirmação que fez de ser “o Rei de Israel” (os judeus). Declaram com más intenções que acreditariam “em Jesus” (èn’ ocutÓv) caso descesse da cruz. Trata-se de mentira deslavada. Caso Ele tives­se concordado, teriam trocado a condição por outra desculpa. Quando Jesus fez milagres maiores, eles quiseram “um sinal do céu”. Esses “zombadores virtuosos”44 são como muitos que fazem exigências factícias e arbitrárias de Cristo. O seu caráter, poder e deidade estão claros e evidentes a todos que não foram cegos pelo deus deste século. Cristo não dá novas provas aos cegos de coração.

27.43. Deus [...] livre-o agora (puoáoGu vvv ei, Gélei aúuóv45). Eles acrescentam a Salmos 22.8 a palavra “agora”. Mais uma vez, lançam sobre Jesus o ponto zombeteiro da afirmação que Ele fez de ser o Filho de Deus. Lógico que Deus tem o poder e a disposi­

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ção de ajudar o próprio “Filho”. Aqui, o verbo 0éÀGO pode significar “ama”, como na Septuaginta (SI 18.20; 41.23), ou “importa-se com” (Moffatt).46

27.44. O mesmo lhe lançaram também em rosto os salteado­res que com ele estavam crucificados47 (tò ô’ aúxò «m oi Âriotalo l ouoTaupcoGéyTeç oi)v aúxcò tove íô iC ov a u tó v 48). “Até mesmo os salteadores” (Weymouth) sentiram-se momentaneamente superio­res a Jesus enquanto era difamado assim por todos. O imperfeito incoativo (inceptivo) GÒveíôi(ov significa que eles “começaram a repreendê-lo”.

27.45. E, desde a hora sexta49 ( ’A itò ôè 6k tt)ç top aç). Curiosamente, McNeile apóia-se em João 19.14 para dizer que aqui Mateus se refere ao julgamento perante Pilatos.50 João fixa o jul­gamento à hora sexta, mas é óbvio que ele tem em mente a hora romana. João estava escrevendo no fim do século I, logo depois da Guerra Judaica e subjugação total da Palestina. Mesmo entre os judeus, a hora judaica não era mais um estilo de vida. Pelo cômputo romano, o julgamento perante Pilatos foi às seis horas da manhã. De acordo com Marcos 15.25, usando a hora judaica, a crucifica­ção começou à terceira hora ou às nove horas da manhã. As trevas começaram ao meio-dia, a hora sexta do tempo judaico, e durou até às três horas da tarde do tempo romano, a hora nona do tempo judaico (Me 15.33 é igual a Mt 27.45, que é igual a Lc 23.44). Três horas de intensa escuridão são muito longas para ser um eclipse do sol. Lucas 23.45 diz apenas “escurecendo-se o sol”. Esta poderia ter sido a escuridão que precede o terremoto, ou simplesmente massas de nuvens densas e espessas que obscureceram o sol. Ou, de certo modo divinamente orquestrado, a natureza lançou uma escuridão de tristeza e solidariedade sobre a tragédia do Criador agonizante na cruz. Isso expressaria literalmente a metáfora de Paulo, constante em Romanos 8.22, que diz que a criação geme e está juntamente com dores de parto sob a maldição.

27.46. Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? (0eé |iou 0eé |iou, ivaxí |j,e èYKcaélineç ). Mateus primeiro translitera o aramaico, de acordo com a versão Vaticano B, apresentando em ca­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

racteres gregos as palavras usadas por Jesus: HÀi rya 'kt\ia ocifiayQâ vi. Alguns MSS dão a transliteração hebraica de Salmos 22.1: Eli, Eli, lama Zaphthanei. Mateus e Marcos apresentam somente esta declaração de Cristo na cruz. As outras seis declarações ocorrem em Lucas e João. Esta é a única frase aramaica de qualquer extensão preservada em Mateus, embora ele use palavras aramaicas como amém, corbam, mamom, Páscoa, raca, Satanás e Gólgota. O supos­to Evangelho de Pedro conserva esta declaração em uma forma do- cética (ceríntio): “Meu poder, meu poder, tu me abandonastes!” Os gnósticos ceríntios sustentam que o aeon Cristo entrou no homem Jesus no batismo e deixou-o lá na cruz, de forma que só o homem Jesus morreu. Não há outra declaração de Jesus que ilustre tão bem a profundidade do seu sofrimento de alma. O Inocente sentiu-se fei­to pecado (2 Co 5.21). A mensagem de João 3.16 vem ao nosso alívio quando vemos o Filho de Deus levando o pecado do mundo. Este brado de desolação ocorre ao fim das três horas de trevas.

27.48. Dava-lhe de beber51 (ènmiCev carcóv), imperfeito de ação conativa (ação tentada, mas malsucedida), “oferecia-lhe uma bebida de vinagre” em uma esponja em uma cana. Os outros inter­romperam a ação desse homem amável, mas Jesus experimentou esse estimulante moderado, porque estava com sede (Jo 19.28,30).

27.49. Deixa, vejamos se Elias vem livrá-lo-2 (”Acj)eç íõco^ev el êpxenu ’HÀíaç ogóogov aíruóv). A alegação tinha um tom de reli­giosidade. Eles não entenderam direito as palavras de Jesus no seu clamor de angústia de alma. Temos aqui uma das ocorrências ra­ras (ocóowv) do particípio futuro para expressar propósito no Novo Testamento, embora fosse uma linguagem grega comum. Alguns MSS copiam aqui o texto de João 19.34. É genuíno em João, mas arruina completamente o contexto de Mateus 27.50. Jesus exclamou em voz alta e ainda não estava morto em Mateus 27.49. A adição de João 19.34 foi uma glosa mecânica e grosseira feita por algum escriba.53

27.50. Entregou o espírito54 (à(jDfiKÉV tò uveü^a). O brado alto pode ter sido o texto de Salmos 31.5, conforme temos em Lucas 23.46: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”. João 19.30 diz:

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Mateus 27

“Está consumado”, TetéA.eaT(u, embora não esteja claro o que re­almente está consumado. Jesus não morreu de esgotamento lento, mas com um brado alto. Mateus 27.50 fala de uma liberação ou re­envio do Espírito de Cristo. Marcos 15.37 relata que “[Ele] expirou” (ê^éíryeuoey). João 19.30 diz: “[Ele] entregou o espírito” (uapéôGOKey tò irve0|ia). O tema que traspassa por essas variações é que os pro­cedimentos de Jesus formam ações, e não reações. Ele entregou a vida porque quis, quando quis e como quis. William Stroud, um dos primeiros estudiosos do Novo Testamento a pesquisar o assunto do ponto de vista médico, considerou o brado alto uma das provas de que Jesus morreu de rompimento cardíaco em consequência de le­var o pecado do mundo.55

27.51. O véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo56 (tò KaranéTaaiaa toü vaoíi éoxío9r| áu’ àvcoGev ecoç káuoo elç ôúo57). Marcos 15.38 e Lucas 23.45 mencionam este fato. Mateus o liga com o terremoto. “Tremeu a terra” (t] yfj éoeíoBri). Josefo fala de um terremoto ocorrido no Templo antes da sua destruição e o Talmude menciona um terremoto ocorrido quarenta anos antes da destruição do Templo.58 Willoughby Allen propõe que “uma rachadura na es­trutura do pórtico, que rasgou o véu exterior e deixou o Lugar Santo exposto à vista, explicaria a linguagem dos Evangelhos, de Josefo e do Talmude” .59 Esse véu era um tecido confeccionado de forma muito elaborada, com setenta e duas pregas de vinte e quatro fios cada. O véu media cerca de dezoito metros de comprimento por mais ou menos nove metros de largura. O rasgo do véu significava a retirada da separação entre Deus e o povo.

27.52. Abriram-se os sepulcros (rà [ivrpeta àyecóxGrjoay). Terceira pessoa do plural do aoristo primeiro passivo do indicativo (acréscimo silábico duplo). A divisão das pedras e a abertura dos sepulcros podem ter sido consequências do terremoto. Mas a res­surreição dos corpos dos mortos depois da ressurreição de Jesus, que apareceram a muitos na Cidade Santa, confunde muitos hoje que crêem na ressurreição corpórea de Jesus. Alguns estigmati­zam todos esses portentos como lendas, visto que só constam em Mateus. Outros afirmam que “depois da ressurreição” deve ser lido

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

“depois da ressurreição deles”, mas isso entraria em conflito com as palavras de Paulo, que disse que Cristo “foi feito as primícias dos que dormem” (1 Co 15.20). Alguns ainda dizem que Jesus libertou esses espíritos depois que desceu ao Hades. E assim vai. Voltemos aos milagres relacionados ao nascimento de Jesus, o Filho de Deus entrando no mundo. Se aceitamos a possibilidade de tais manifes­tações do poder de Deus, há pouco a nos perturbar nessa história da morte do Filho de Deus.

27.54. Verdadeiramente, este era o Filho de Deus (’AXr|9c3ç 0eot> ulòç rjv ouxoç). Em grego, não há artigo com a palavra Deus ou Filho, de forma que não há modo de dizer se o soldado quer dizer “o Filho de Deus”, “o filho de um deus” ou “um Filho de Deus”. Claro que o centurião (aqui èKaióvxapxoç, “comandante de cem”; em Me 15.39, o latim é transliterado por Kevxupíwv) ficou profun­damente comovido pelos portentos que testemunhara. Ele ouvira as muitas repreensões feitas contra Jesus por afirmar ser o Filho de Deus e pode ter ouvido falar da afirmação feita perante o Sinédrio e Pilatos. Não sabemos o quanto ele quis dizer com as suas palavras, mas com certeza era mais que somente “justo” (Lc 23.47). A tradi­ção dá a esse centurião o nome Petrônio. Se ele passou a confiar em Cristo, veio como pagão e, semelhante ao salteador que creu, foi salvo enquanto Jesus estava pendurado na cruz. Todos que são sal­vos na verdade são salvos por causa da morte de Jesus na cruz. Seja qual tenha sido o estado do coração desse homem, a cruz começou a fazer o seu trabalho imediatamente.

27.55. Estavam ali [...] muitas mulheres (ôe eKel yuvofiKeç uoÀÀcá). Ficamos imaginando que as mulheres da Galiléia permane­ceriam fiéis. Elas foram as últimas na cruz e as primeiras no sepulcro. Lucas 23.49 diz que “todos os seus conhecidos” (Trávxeç ol yvcjaxol auxcô) mantiveram-se a distância e viram o fim. Esperamos que os apóstolos estivessem nesse grupo triste. Com certeza, as mulheres estavam. O discípulo amado levou para casa a mãe de Jesus, tirando- a de sua posição junto à cruz (Jo 19.27). Mateus cita o nome de três mulheres desse grupo. Maria Madalena é mencionada como uma pessoa famosa, embora não seja referida previamente no Evangelho

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Mateus 27

de Mateus. Claro que ela não é a mulher pecadora de Lucas 7.36- 50, nem a Maria de Betânia. Há outra Maria, a mãe de Tiago e José, sobre a qual nada mais sabemos. E há também a mãe dos filhos de Zebedeu (Tiago e João), normal mente identificada com a Salomé de Marcos 15.40. Mateus 27.55 conta que essas mulheres fiéis estavam “olhando de longe” (áirò |iaKpó0ev Getopoüoca). Elas podem ter se aproximado mais, pois Maria, a mãe de Jesus, estava junto à cruz (rrapà Tcô oraupcò) com a Maria de Clopas e Maria Madalena (Jo 19.25) antes que ela saísse. Elas tinham servido Jesus (õiaKovoOoai aikcô), mas agora Ele estava morto. Mateus não procura descrever a angústia de coração dessas mulheres nobres, nem diz, como Lucas23.48, que a multidão deixou a cena batendo nos peitos. Ele fecha a cortina nesse ponto mais triste de todas as tragédias, enquanto o grupo de fiéis fica vigiando o Cristo morto no Gólgota. E agora, que esperança a vida reservava para eles?

27.57-60. Vinda já a tarde60 (’Oi|/íaç õè yevoiiévr|<;). Isso seria entre três e seis horas da tarde. Era o dia da preparação (™pccaKer>r|), o dia anterior ao sábado (Me 15.42; Lc 23.54; Jo 19.42). A palavra TTapaoKêuri é o nome grego moderno para sexta-feira. Os judeus esta­vam ansiosos para que os corpos fossem tirados antes que o sábado começasse às seis horas da tarde. A ação de José de Arimatéia pedir o corpo de Jesus foi um alívio para Pilatos e para os judeus. Pouco sabemos sobre esse membro do Sinédrio, exceto que o nome era José e que ele era de Arimatéia. Era rico e um discípulo secreto que não concordara com a morte de Jesus. É possível que nessa conjun­tura ele tenha desejado já ter feito uma profissão pública. Mas agora tem a coragem quando os outros se mostram covardes, pois pediu o privilégio pessoal (f]-cr|oai;o, voz média, “pediu para si mesmo”) de colocar o corpo de Jesus na sua nova sepultura. Hoje, certos estu­diosos identificam esse sepulcro com um dos sepulcros escavados na rocha que são visíveis abaixo do Calvário de Gordon. Foi um pri­vilégio triste e dignidade lutuosa que tocou para José de Arimatéia e Nicodemos (Jo 19.39-41) envolver o corpo de Jesus em um fino e limpo lençol com as apropriadas especiarias e colocá-lo dentro des­se sepulcro novo (Kcavcô), no qual nenhum corpo fôra posto. José de

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Arimatéia mandara entalhar o sepulcro na rocha (èA.oaó|ieoev) para receber o seu corpo, mas agora era de Jesus. Ele rolou uma grande pedra na entrada do sepulcro e foi embora. Era uma medida de se­gurança. Duas mulheres ficaram assistindo à cerimônia triste. Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e José, estavam sentadas em frente ao sepulcro e olhando em silêncio.

27.63. Senhor, lembramo-nos61 (Kúpie, è|_ivr|a9r|[iev). No sába­do sagrado judaico, o “dia depois da Preparação” (Mt 27.62), Pilatos recebeu novamente uma delegação do Sinédrio. Aoristo ingressivo do indicativo, “acabamos de nos lembrar”. Há quem objete dizen­do que os líderes judaicos não saberiam de tal predição, mas pelo menos uma vez, registrado em Mateus 12.40, Jesus expressamente faz esse anúncio para eles. Certos críticos rejeitam a história de que Cristo indiscutivelmente predisse a sua ressurreição ao terceiro dia, tachando-a de lenda não-histórica. Tais estudiosos tomam em lenda grande parte dos Evangelhos e limitam Jesus à sua humanidade. O problema é por que os discípulos se esqueceram e os líderes judeus se lembraram. Em parte, deve-se à dor avassaladora dos discípu­los, agregada com a perda de todas as esperanças em um Messias político. Por outro lado, os líderes nervosos ainda temiam o poder e popularidade de Jesus, embora estivesse morto. Eles quiseram ter certeza da vitória e prevenir qualquer possível renascimento dessa heresia perniciosa.

Aquele enganador [...] disse (èncelvoç ó uÀávoç eíuev). Eles o chamam “vagabundo errante” (TTÀávoç), colocando um insulto no uso de “aquele” (eKetyoç), mais uma informação pitoresca sobre o ódio intenso e medo veemente que tinham de Jesus.

27.64. O último erro62 (r) koxáir\ vlávr\), “a última ilusão”, “a última impostura” (Weymouth), “fraude” (Moffatt). A palavra latina error (erro) é usada em ambos os sentidos, derivada de errare, “ir para fôra do caminho”, “perder-se”, “desviar-se”. A primeira fraude foi a crença no messiado de Jesus, a segunda foi a crença na sua ressurreição.

27.65. Tendes a guarda63 (’'Ex<eté KouoTcoôíav), imperativo pre­sente, uma escolta de soldados romanos, não a mera polícia do Templo.

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Mateus 27

O termo latino Koixraoôía ocorre em um papiro de Oxyrhynchus da­tado de 22 d.C.64 “A permissão curta dada aos judeus a quem ele me­nosprezava é satisfatória na boca do oficial romano.” 65

Ide, guardai-o como entenderdes (áatJjotAiactaGe coç oiôcrue). “Guardai-o para vós mesmos (aoristo ingressivo médio) como vós sabeis como.”

27.66. E, indo eles, seguraram o sepulcro com a guarda, selando a pedra66 (oi 5è iTopeuGévTeç r\a<^aXíoavzo ibv tá^ov a^payíaavTeí; xòv XíGov |aexà rrjç KOuoxGoôíaç). Provavelmente uma corda foi esticada ao longo da pedra e lacrada em cada ponta, como em Daniel 6.17. O selo foi feito na presença do guarda romano que estava encarregado de proteger esse selo de autoridade e poder ro­mano. Fizeram o melhor que puderam para prevenir o roubo e a res­surreição,67 mas exageraram, desta forma fornecendo testemunho adicional para o fato do túmulo vazio.68

NOTAS___________________________________________________1 “Ao romper o dia” (ARA).2 TR e TM têm TrapéôcoKcti' ceíruòv IIovtlcú niÀáttú t)Y6|j,Óvi.; WH soletra

Pilatos assim rki^oau.3 “Tocado de remorso” (ARA).4 “O problema é teu” (BJ).5 TR e TM têm oú õi|/ei.6 Alexander Balmain Bruce, The Expositors Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 323.7 “E, saindo, foi e enforcou-se” (NVI).8 “Não é lícito depositá-las no tesouro do Templo” (BJ).9 Josephus, Wars o f the Jews, 2.9.4. [Edição brasileira: Guerras dos Judeus.

Volumes I ao VIII (Curitiba: Juruá, 2002).]10 “O campo do oleiro” (ARA).11 John A. Broadus, Commentary on Matthew (Reimpressão, Grand Rapids:

Rregel, 1990), p. 559. [Edição brasileira: Comentário do Evangelho de Mateus. Volumes I ao II (Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1940).]

12 Ibid., pp. 560,561; ver também Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text with Introduction, Notes, and Indices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 409.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

13 TR e TM têm o verbo eaxr|.14 “Jesus não respondeu nem uma palavra” (ARA). O nome Jesus não se acha no

texto grego.15 “Um prisioneiro escolhido pela multidão” (NVI).16 Josephus, Antiquities o f the Jews, 20.9.3. [Edição brasileira: Flávio Josefo,

História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]17 “Sua mulher lhe enviou esta mensagem” (NVI).18 “Esse homem inocente” (NTLH).19 “Por quê? Que crime ele cometeu?” (NVI).20 “Eles, porém, gritavam com mais veemência” (BJ).21 “Estou inocente do sangue deste homem. A responsabilidade é vossa” (AEC).22 TR e TM têm A0CÕÓÇ eí|ii corò xoü a'í|j.axoç xoG ôlkoúou ioÚtou.23 Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint

Matthew (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1956), p. 391.24 “Que o castigo por esta morte caia sobre nós e sobre os nossos filhos!”

(NTLH).25 “E, após haver açoitado a Jesus” (ARA).26 G. Adolf Deissmann, Light from the Ancient East: The New Testament Illustrated

by Recently Discovered Texts o f the Graeco-Romcin World, traduzido por L. R. M. Strachan (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1965), p. 269.

27 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, iTepié0r]Kav aúx(3 xÀ,a|iúõaKOKK ÍVT\V.

28 Josephus, Antiquities o f the Jews, 5.1.10. [Edição brasileira: Flávio Josefo, História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]

29 A. Carr, The Cambridge Bible fo r Schools and Colleges: The Gospel According to St. Matthew (Cambridge: Cambridge University Press, 1894), p. 218.

30 “Fizeram uma coroa de espinhos e a colocaram em sua cabeça” (NTLH).31 TR e TM têm o caso acusativo em lugar do caso genitivo, 4irl xt)v Kaledin'

aúxoü.32 TR e TM têm Xoâpe, ó paaiAeuç xcôv ’Iouõoáwv.33 “Encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e o forçaram” (NVI).34 Bruce, Expositor’s, p. 328.35 “A carregar a cruz de Jesus” (NTLH).36 Como TR e TM.37 “E, sentando-se, ali montavam-lhe guarda” (BJ); “e, sentando-se, vigiavam-no

ali” (NVI).38 “Puseram acima da sua cabeça uma tabuleta onde estava escrito como acusação

contra ele” (NTLH).

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Mateus 27

39 “Balançando a cabeça” (NVI).40 McNeile, Matthew, p. 419.41 Bruce, Expositor s, p. 329.42 “Os chefes dos sacerdotes [...] também caçoavam dele” (NTLH).43 TR e TM têm as conjunções duplas, õè kccl.44 Bruce, Expositor’s, p. 330.45 TR e TM têm um amóv extra depois de v\>v.46 “Se, de fato, lhe quer bem” (ARA).47 “Os mesmos impropérios lhe diziam também os ladrões que haviam sido cru­

cificados com ele” (ARA).48 TR e TM não têm a preposição aúv e têm om ú em lugar de aütóv.49 “Do meio-dia” (NVI).50 McNeile, Matthew, p. 420.51 “Deu-a a Jesus para beber” (NVI).52 “Deixa, vejamos se Elias vem salvá-lo” (NVI).53 Ver discussão completa em A. T. Robertson, An Introduction to the Textual

Criticism o f the New Testament (Nashville: Broadman, 1925).54 “Rendeu o espírito” (AEC; BJ).55 William Stroud, Treatise on the Physical Cause o f the Death o f Christ: And

Its Relation to the Principles and Practice o f Christianity, 2a ed. (Londres: Hamilton, Adams & Company, 1871).

56 “A cortina do Templo se rasgou em dois pedaços, de cima até embaixo” (NTLH).

57 TR e TM têm to KataTréxao|aa xoO ec^ioGi] elç õúo ánò avcoGev ewç tarcio .58 Josephus, Wars o f the Jews, 6.299. [Edição brasileira: Guerras dos Judeus.

Volumes I ao VIII (Curitiba: Juruá, 2002).]39 Willoughby G. Allen, A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel

According to Matthew, International Critical Commentary (Edimburgo: T. & T. Clark, 1912), p. 296.

60 “Já era quase noite” (NTLH); “caindo a tarde” (ARA).61 “Governador, nós lembramos” (NTLH).62 “A última impostura” (BJ); “este último engano” (NVI); “o último embuste”

(ARA).63 “Levem um destacamento” (NVI); “aí tendes uma escolta” (ARA).64 James Hope Moulton and George Milligan, The Vocabulary o f the Greek

Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 356.65 McNeile, Matthew, p. 429.

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66 “Indo eles, montaram guarda ao sepulcro, selando a pedra e deixando ali a escolta” (ARA).

67 Bruce, Expositor ’s, p. 335.68 Plummer, Matthew, p. 410.

COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

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Capítulo28

Mateus28.1. E, no fim do sábado, quando já despontava o primei­

ro dia da semana1 (’Oi}rè ôè oappkruGov, tf) êiTKfjcúaKoúari elç [iíav oappátcoy). Esta declaração cronológica cuidadosa de acordo com os dias judaicos significa que antes que o sábado terminasse, ou seja, antes das seis horas da tarde, as mulheres “foram ver o sepulcro” (0ecopf)oai tòv xá(\)Ov). Elas tinham visto o lugar do sepultamento na tarde de sexta-feira (Mt 27.61; Me 15.47; Lc 23.55). Haviam descansado no sábado depois de preparar especiarias e unguentos para o corpo de Jesus (Lc 23.56). Tinham passado um sábado de tristeza e dor indescritível. Comprariam outros aromas depois do por do sol, quando começaria um novo dia e o sábado terminasse (Me 16.1). Tanto Mateus aqui (“despontava”) quanto Lucas 23.54 (“amanhecia”) usam o verbo èiTutjcúOKco para referirem-se ao come­ço do dia de vinte e quatro horas no por do sol, não ao começo do dia de doze horas no amanhecer. O aramaico usava o verbo traduzi­do por “amanhecer” em ambos os sentidos. O espúrio Evangelho de Pedro tem êiu<t)(óaKG) no mesmo sentido que Mateus e Lucas, como consta também em um papiro recente. Pelo visto, o sentido judaico de “amanhecer” é expresso aqui por esse verbo grego. Certos estu­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

diosos supõem que Mateus entende mal Marcos neste ponto, mas é lógico que Marcos está falando do amanhecer e Mateus do por do sol. Por que permitir só uma visita para as mulheres ansiosas?

28.2. Houvera um grande terremoto2 (aeia[iòc; èyévexo jiéyaç), obviamente não o terremoto mencionado em Mateus 27.51. O tem­po preciso desse terremoto não é dado. Foi antes do amanhecer do primeiro dia da semana, quando as mulheres fizeram a próxima visi­ta. Mateus só relata a vinda do anjo do Senhor que removeu a pedra e sentou-se sobre ela (áiTÉKÚliaev xòv ÀÍGov «ai éraBrixo ènáva) aiixoij3). Todo aquele que deseja evitar o assunto desses fenôme­nos sobrenaturais deve refletir que a ressurreição de Jesus é um dos grandes eventos sobrenaturais de todos os tempos. Comelius Lapide ousa dizer: “Aterra, que tremeu de tristeza diante da morte de Cristo, agora como que pulou de alegria diante da ressurreição”. O anjo do Senhor anunciou a encarnação do Filho de Deus e também a res­surreição. Há inconsistências aparentes entre as várias narrativas da ressurreição e aparições do Cristo ressurreto. Não conhecemos de­talhes suficientes para harmonizar as narrativas indiscutivelmente. Por ironia, as variações fortalecem o argumento de que estes são testemunhos independentes do fato essencial que Jesus ressurgiu da sepultura. Cada escritor faz o relato do seu ponto de observação. A pedra foi removida, não para deixar sair o Senhor, mas para que as mulheres entrassem e comprovassem o fato do túmulo vazio.4

28.3. O seu aspecto era como um relâmpago (rjv ôe f| elõéa ai> ’xoO c5ç àoxponrri). A palavra elõéa traduzida por “aspecto” consta so­mente aqui no Novo Testamento.5 Compare elõéa com [iopcjní (“for­ma” ou “natureza”) e axrj|ia (“semelhança” ou “forma natural”).

28.4. Os guardas, com medo dele, ficaram muito assombrados6 (kttò ôe xot) cj)ópoi) auxou éaeía0r|aav oi xtpoúvxeç). Não admira que eles ficassem como mortos e fugissem antes da chegada das mulheres.

28.5. O anjo [...] disse às mulheres (áuoKpi9ei<; ôe ó ayyeÀoç éIttév xcâç yuycci^ív). De acordo com João, Maria Madalena partiu correndo para informar Pedro e João sobre o suposto roubo sepul­cral (Jo 20.1,2). As outras mulheres ficaram e encontraram o anjo (ou homens, Lc 24.4) junto ao túmulo vazio e o Cristo ressurreto.

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Mateus 28

Jesus, que fo i crucificado1 (’Irpow tòv earaupcúiiévov), acu- sativo masculino singular do particípio do perfeito passivo, um es­tado de completude. Isso sempre será assim. Por isso, Paulo, em 1 Coríntios 2.2, prega como essencial ao seu evangelho “este crucifi­cado” (toutov ècnaupG)|iévov).

28.6. Ele não está aqui, porque já ressuscitou (oik ecrnv coõe, riyépGri yàp), “Jesus, o ressurreto.” Este é o âmago do testemunho do anjo para as mulheres. E o que Paulo deseja que Timóteo nun­ca esqueça (2 Tm 2.8): “Jesus Cristo [...] ressuscitou dos mortos” (Tqaow Xpiotòv èyr|yep|iévov ék veKpcõv).

Vinde e vede o lugar onde o Senhor jazia8 (ôeüxe íõexe xòv tóttov OTTOi) eiceira). Elas estavam com medo e deslumbradas pela glória da cena. Textos gregos críticos não têm ô KÚpioç, como em “onde o Senhor jazia”, mas Cristo é o sujeito de ékéito. O seu corpo não estava lá. De nada adianta dizer que Jesus ressurgiu em espírito e apareceu vivo, embora o seu corpo permanecesse na sepultura. O túmulo vazio é o primeiro grande fato que confrontou as mulheres e depois os homens. Assim como acontece hoje, muitas teorias foram propostas naquela época. Mas nenhuma das alternativas satisfaz a evidência e explica a sobrevivência da fé e esperança nos discípu­los. A única coisa que explica as mudanças nas pessoas é o fato do Cristo ressurreto, cujo corpo já não está na sepultura.

28.7. Ele vai adiante de vós para a Galiléia (iTpoáyei úfiâç elç t-qv Fa/UAmav). Jesus apareceu aos discípulos na Galiléia em pelo menos duas ocasiões notáveis: à margem do querido lago (Jo 21) e no monte (Mt 28.16-20). Jesus apareceu a vários discípulos em Jerusalém nesse primeiro grande domingo, provavelmente antes que as mulheres tivessem a oportunidade de, em detalhes, contar aos discípulos o encontro na Galiléia. Eles desprezaram os primeiros relatos das mulheres, reputando-os conversa tola (Lc 24.11). Jesus não disse que não veria nenhum deles em Jerusalém. Ele apenas marcou um encontro específico na Galiléia, o qual Ele cumpriu.

28.8. Saindo elas pressurosamente do sepulcro, com temor e grande alegria9 (àuelGotioa10 taxi) darò tou |_ivr||j,eíou [iexà cjjópou Kcà %apâç [ieyáÂr]ç). As mulheres entusiasmadas correram a toda

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

brida “a anunciá-lo aos seus discípulos” (àmyyelAai tolç |ia0Tyuaiç aírtoü). Eram portadoras das mais excelentes notícias que se podia ter. Marcos diz que era temor e assombro. Qualquer coisa era pos­sível agora. Marcos diz que inicialmente não contaram nada a nin­guém, porque tinham medo (Me 16.9). Este é o fim trágico do texto de Marcos em Aleph e B, nossos dois manuscritos mais antigos. Mas essas emoções mescladas de êxtase e medo não precisam nos assustar, quando consideramos todas as coisas em conjunto.

28.9. Jesus lhes sai ao encontro (’IriooDç ímr|VTr|aev aúroâç11), apareceu de repente face a face com elas, enquanto pensavam sobre a mensagem do anjo e o fato do túmulo vazio (instrumental associa­tivo, aírrcâç ; cf. Mt 8.34; 24.1-6). A porção perdida do Evangelho de Marcos talvez contivesse a história dessa reunião com Jesus que lhes mudou o medo e êxtase em alegria e paz. A saudação foi o co­mum “Eu vos saúdo”. Elas caíram aos pés de Jesus, segurando-os em reverência, enquanto o adoravam. Jesus permitiu esse ato de adora­ção, embora proibisse a manipulação ansiosa do seu corpo por Maria Madalena (Jo 20.17). Foi um grande momento de fé e alegria.

28.10. Não temais (Mri 4>opela0e). Ainda estavam com medo, sentindo a alegria misturada com a autoconsciência na presença da divindade. Jesus lhes acalma a inquietação, repetindo a incumbência do anjo para os discípulos o encontrarem na Galiléia. Não há menção especial de Pedro como em Marcos 16.7, mas podemos estar certos de que foi aqui que Jesus entregou a sua mensagem especial a Pedro.

28.11. Alguns da guarda, chegando à cidade, anunciaram aos príncipes dos sacerdotes (tivéç xf|ç Koucn;coõía<; 6À0óvTe<; elç rr)v ttÓàiv aTTfÍYYeiÀay toiç àp^LepeCoiv). Esses soldados romanos ha­viam sido colocados sob as ordens do Sinédrio. Também estavam com medo de informar a Pilatos e contar-lhe o que acontecera. Fizeram um relato verídico do sucedido até onde o entenderam. Mas o Sinédrio estava convencido da ressurreição de Jesus?

28.12. Deram muito dinheiro aos soldados (ápyúpio: iKavà eôooKav to iç oxpaTioóuaK;). O uso do plural para peças de pra­ta (ápyúpia) é comum. Os papiros têm muitos exemplos de [Kavá. para “muito” 12 (derivado de Lkccvgo, “alcançar a”, “atingir a”). Esses

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Mateus 28

membros piedosos do Sinédrio conheciam muito bem o poder do suborno. Fazem um contrato com os soldados romanos para que estes mintam sobre a ressurreição de Jesus, assim como deram di­nheiro para Judas trair Jesus. Não mostram a mais leve tendência a estarem convencidos pelos fatos.

28.13. Vieram de noite os seus discípulos e, dormindo nós, o furtaram (Ol |ia9r|Toà ocúxoü vuktòç kXQóvxeç eKletyav ambv fpwv KOi[iQ|iévcov), uma construção de genitivo absoluto. Se estivessem dormindo, nada saberiam sobre isso.

28.14. Nós o persuadiremos e vos poremos em segurança13 (rn-ieiç ueíaoiiev autòv Kal í^âç á|iepí|j,voi)<; TT0uía0[j.ev). Eles tam­bém ofereceriam dinheiro a Pilatos e assumiriam toda a responsa­bilidade. Por conseguinte, os soldados não têm nenhuma ansiedade (á|iepí.|i,vouc;, a elemento de negação, e |iepi|iváw, “estar ansioso”). Eles cumpriram a promessa e essa mentira se mantém viva ao longo dos séculos. Justino14 acusa os judeus de espalharem a farsa.

28.15. Foi divulgado esse dito entre os judeus, até ao dia de hoje15 (Õi«j)rpía0r| ô Xòyoç ofrroç irapà ’Iouõoáoiç). O Sinédrio traba­lhou diligentemente para desculpar-lhes o sentimento de descrença.

28.17. Mas alguns duvidaram16 (oi òc eôíotaoay), derivado de õlç (“em dois”, “de mente dividida”, cf. Mt 14.31). A referência não é aos onze, que agora estavam todos convencidos depois de certa dú­vida inicial, mas aos outros. Paulo declara que mais de quinhentos discípulos estavam presentes em um ou mais dos encontros com o Senhor. A maioria deles ainda vivia quando ele escreveu (1 Co 15.6). E natural que alguns hesitassem em crer em tão grande fato já na pri­meira aparição de Jesus para eles. A própria dúvida deles toma mais fácil a nossa crença. Era esse o monte em que Jesus prometera encon­trá-los. Esse detalhe explica o grande número de pessoas presentes. A hora e o lugar foram arranjados de antemão. Era o clímax das várias aparições e na Galiléia onde havia tantos crentes. Eles “adoraram” (TTpoaeKÚvriactv) Jesus como fizeram as mulheres (Mt 28.9).

28.18. É-me dado todo o poder no céu e na terra (’EõóGr) pm TTâaa c-çouaía), um aoristo infinito.17 Jesus aproximou-se deles (rrpoocÀGGjy) para fazer esta afirmação espantosa: agora Ele possuía

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

a completude da autoridade de Deus. Ele falou como alguém que já estava no céu, tendo um panorama mundial e os recursos do céu às suas ordens. O poder ou autoridade que tivera durante a vida ter­rena fôra grande (por exemplo, Mt 7.29; 11.27). Agora é ilimitado, incluindo a terra e o céu. O Cristo ressurreto, sem dinheiro, ou exér­cito, ou estado governamental, comissiona este grupo de quinhentos homens e mulheres para conquistar o mundo. Ele os faz crer que a tarefa é possível, caso a empreendam com paixão extrema e poder sério. O Pentecostes ainda está por vir, mas a fé dinâmica reina nes­se monte da Galiléia.

28.19. Ensinai todas as nações (laaGrixeúaaxe uávxa xà e9vr|), não só os judeus espalhados entre os gentios, mas os próprios gen­tios de cada nação. Não devem ensiná-los, tomando-os judeus, em­bora essa observação não esteja clara aqui. Levará tempo para os discípulos se desenvolverem nessa Magna Carta das missões. Mas aqui está o programa mundial do Cristo ressurreto. Não seria por esquecimento daqueles que procuram reduzir tudo, dizendo que Jesus esperava voltar logo, ainda antes da morte daquela geração. Deixemos a escolha do tempo com o Pai e empenhemo-nos na cam­panha pela conquista do mundo. Esse programa inclui fazer discí­pulos (ARA) ou aprendizes ([iaGrixeúotxxe) como eles. Isso significa evangelismo no mais pleno sentido. O batismo é em (elç, não para) o nome da Trindade — Pai, Filho e Espírito Santo. Há quem levante a objeção de que essas palavras são muito teológicas para serem de Jesus, não devendo, portanto, ser parte genuína do Evangelho de Mateus (cf. linguagem semelhante em Mt 11.27).18 O nome de Jesus é a parte essencial, como mostra Atos. O texto não está ensinando imersão três vezes. O uso de nome (ovo\xa) aqui é comum que na LXX e nos papiros signifique “poder” ou “autoridade”. Quanto ao uso de eiç com õvo|i<x neste sentido, ver Mateus 10.41,42 (cf. tam­bém Mt 12.41).

28.20. Ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos te­nho mandado19 (ôiõáoKOVxeç aíixouç xrpetv irávxa òaa êvexeiA.á|ar|v Í)|j,lv). Os cristãos demoraram para perceber o valor que há na edu­cação religiosa. O trabalho de ensinar pertence à família e à igreja.

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Mateus 28

Toda casa deveria ter bons livros, além da leitura da Bíblia. Alguns reagem de forma exagerada, colocando a educação no lugar da con­versão ou regeneração. Mas ensinar é a parte difícil no trabalho dos cristãos.

Eu estou convosco todos os dias (èycò (j.60’ ú(_iá)v equ náoaç zaç rpépaç). Jesus emprega o presente profético (el|ií, “eu estou”). Ele está conosco todos os dias até que volte em glória. Ele há de estar com os discípulos, quando for embora; estará com todos os discí­pulos, com todo o conhecimento, com todo o poder, com eles todos os dias (todos os tipos de dias: dias de fraqueza, tristeza, alegria e poder).

Até à consumação dos séculos20 (etoç rf|ç awxekeíaç toíj oclcô voç). Esta meta está no futuro desconhecido. Esta bem-aventurada esperança não é um sedativo para uma mente ociosa e consciên­cia complacente. Trata-se de um incentivo ao mais pleno esforço de prosseguirmos energeticamente, apesar das dificuldades, até aos rincões mais distantes do mundo, para que todas as nações conhe­çam Jesus e o poder da sua vida ressurreta. Assim, o Evangelho de Mateus se encerra em uma chama de glória. Jesus é o conquistador em prospecto e na realidade. A história cristã tem sido o cumpri­mento dessa promessa na medida em que o poder de Deus trabalha em nós. O Redentor ressurreto e todo-poderoso permanece com o seu povo todo o tempo.NOTAS___________________________________________________1 “No findar do sábado, ao entrar o primeiro dia da semana"' (ARA).2 “De repente, houve um grande tremor de terra” NTLH).3 TR e TM têm a frase preposicional cbò ríjç Bíipaç depois de xòv AlGov; TRb e

TM eliminam o v eufônico no verbo àireKÚÀiae.4 Alan Hugh McNeile, The Gospel According to St. Matthew: The Greek Text with

Introduction, Notes, and índices (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1980), p. 430.

5 TR e TM têm íòéa aqui.6 “Os guardas tremeram de medo dele” (AEC).7 “Jesus, o crucificado” (BJ).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

8 “Vinde ver onde ele jazia” (ARA).9 “Elas foram embora depressa do túmulo, pois estavam com medo, mas muito

alegres” (NTLH).10 TR e TM têm o particípio 4ÇeA.9oOoai.11 TR tem o artigo com o substantivo próprio, ó ’IriaoOç. TR e TM têm árrr|vtriaev

aural.12 James Hope Moulton and George Milligan, The Vocabulary o f the Greek

Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 302.13 “Nós lhe daremos explicações e livraremos vocês de qualquer problema”

(NTLH).14 Dial, 108.15 “E espalhou-se esta história entre os judeus, até o dia de hoje” (AEC).16 “Mas alguns tiveram suas dúvidas” (NTLH).17 A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), pp. 836, 837.18 Robertson dedica um capítulo sobre este assunto em The Christ o f the Logia

(Nova York: Doran, 1924).19 “Ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei” (NVI).20 “Até à consumação do século” (AEC; ARA).

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Parte2

O E van g elh o se g u n d o M a r c o s

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M a r c o s: In t r o d u ç ã olaaaMaiaiaBMaisiaisiasHaiaaiSMerafaai

Uma das mais nítidas contribuições do estudo crítico atual dos Evangelhos é a data antiga do Evangelho de Marcos. Não sabemos com certeza até que ponto é antiga, mas há destacados estudiosos que a fixam em 50 d.C., data bastante provável. Exponho minha opi­nião em detalhes no livro Studies in Mark’s Gospel (Estudos sobre o Evangelho de Marcos).1 Theodor Zahn argumenta que o Evangelho segundo Mateus foi escrito antes do relato de Marcos, mas há fortes argumentos contra a exatidão dessa sequência de tempo.2 A estru­tura do Evangelho de Marcos está por trás de Mateus e Lucas, e quase todo material de Marcos é usado por um ou por outro. Uma comparação cuidadosa das semelhanças e diferenças de conteúdo, usando uma harmonia dos Evangelhos em grego, dá a entender que a obra de Marcos foi servida pelos escritores de Mateus e Lucas. E possível que Marcos tenha usado alguma coletânea mais antiga de notas ou declarações registradas que poderiam corresponder ao que os críticos chamam fonte Q. Mas isso significaria apenas que a teórica fonte Q estaria ao lado da obra de Marcos e juntas serviriam de fonte para Mateus e Lucas. Seja o que for que se diga sobre a fonte Q, o que temos hoje é a obra de Marcos, independentemente

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

de ter sido usado por Mateus e Lucas. Somos muito gratos por esta preservação. Streeter (The Four Gospels3) enfatiza o uso local dos textos na preservação de porções do Novo Testamento.

Se Marcos escreveu em Roma, como é bastante possível, o seu livro teve um ambiente extremamente favorável no qual se firmar. Há méritos distintivos próprios que ajudaram a mantê-lo em uso. E essencialmente narrativo e de estilo direto e simples com pinceladas vivas. Usa o tempo presente histórico de uma testemunha ocular. Escritores primitivos afirmam que Marcos foi o intérprete de Simão Pedro, com quem esteve em certa ocasião, de acordo com a própria declaração de Pedro, ou em Babilônia ou em Roma (1 Pe 5.13). Embora este Evangelho seja o mais curto dos quatro, está densa­mente agrupado com detalhes que uma pessoa chegada a Jesus, como Pedro, poderia ter usado nos seus discursos. Marcos descreve a erva verde, camas de flores (Me 6.39), os dois mil porcos (Me5.13) e as nuanças físicas que acompanharam as palavras de Jesus (por exemplo, Me 3.5,34).

Pedro teria falado em aramaico, e Marcos tem mais fra­ses aramaicas do que os outros registros: Boanerges (Me 3.17), Talitá cumi (Me 5.41), Corbã (Me 7.11), Efatá (Me 7.34) e Aba (Me 14.36). O grego é distintamente o Koivrí vernacular, por exemplo, “com um só olho” (fiovócjrôaÀiiov, Me 9.47), como es­peraríamos de judeus palestinos como Pedro e Marcos. Há tam­bém mais frases e expressões latinas que nos outros Evangelhos: “o executor” (speculator, Me 6.27), “jarros” (sextarius, Me 7.4), “tributo” (census, Me 12.14), “quadrante” (quadrans, Me 12.42, ARA), “sala da audiência” (praetorium , Me 15.6), “açoitado” {flagellare, Me 15.15) e “centurião” (centurion, Me 15.39). C. H. Turner fica imaginando se Marcos poderia ter escrito o autógrafo (o manuscrito original) em latim. A influência latina pelo me­nos torna mais forte a evidência de Marcos ter escrito em Roma. Certos linguistas sustentam que Marcos escreveu primeiro em aramaico, mas o aramaico sentido no texto poderia ser explicado se Marcos estivesse trabalhando com as notas das pregações que Pedro fez em aramaico aos judeus em Roma. Marcos poderia ter

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Marcos: Introdução

escrito o Evangelho em Roma enquanto estava com Pedro, que teria lido o manuscrito.

B. W. Bacon defende que este Evangelho tem um tom pauli- no peculiar, já podendo ter tido várias edições revistas.4 A teoria do Ur-Marcos não goza de apoio forte. Marcos foi colega de trabalho com Bamabé e Paulo, mas abandonou-os em Perge. Por conta disso, Paulo se ressentiu de Marcos e recusou levá-lo na segunda excursão missionária. Bamabé levou consigo Marcos, seu primo, e depois este apareceu com Simão Pedro, com quem fez o seu grandioso trabalho. Quando Marcos demonstrou firmeza com Bamabé e Pedro, Paulo alegrou-se e recomendou-o entusiasticamente aos crentes colossenses (Cl 4.10). No fim, Paulo pede que Timóteo traga Marcos para Roma, pois o apóstolo achou Marcos útil para o ministério. Esta referência a Marcos (que cometera tamanho erro) e Paulo (que demonstra não ter nada mais contra ele) lança crédito à índole de ambos.5

O caráter do Evangelho de Marcos é em grande parte deter­minado pelo escopo da pregação de Pedro, como vemos em Atos 10.36-42, cobrindo o período de João Batista à ressurreição de Jesus. Não há nada sobre o nascimento de João Batista ou de Jesus. Não podemos usar essa peculiaridade do Evangelho de Marcos contra as narrativas do nascimento virginal de Jesus em Mateus e Lucas, visto que Marcos não conta absolutamente nada sobre o nascimento de Jesus.

A passagem final no Textus Receptus, Marcos 16.9-20, não se acha nos manuscritos gregos mais antigos, Aleph e B, e provavel­mente não é genuína. Farei uma discussão sobre as provas para esta conclusão no lugar apropriado.

Henry Swete mostra que Marcos lida com dois grandes temas: o ministério de Jesus na Galiléia (Me 1—9) e a última semana de Jesus em Jerusalém (Me 11— 16). Esses dois temas estão unidos por um breve esboço do período de retirada de Jesus da Galiléia (Me 10). Os primeiros quatorze versículos são introdutórios, e a passa­gem de Marcos 16.9-20 é um apêndice.

O Evangelho de Marcos pinta Jesus em ação. Há um mínimo de discurso e um máximo de ação. Não obstante, os mesmos quadros

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

essenciais de Cristo também constam nos escritos de Mateus, Lucas, João, Paulo, Pedro e do escritor de Hebreus.6 O Jesus de Marcos é o Cristo de Paulo. Cada narrativa tem a sua própria matização, mas o quadro é o mesmo. Cristo é o Filho de Deus e o Filho do Homem, o Deus da vida e da morte, o Operador de milagres e o Salvador das garras do pecado. Este Evangelho é próprio para as crianças lerem primeiro, pois é por ele que devemos colocar os fundamentos da nossa visão de Cristo. No livro Harmony o f the Gospels (Harmonia dos Evangelhos), coloquei Marcos em primeiro lugar na estrutura, visto que Mateus, Lucas e João seguem, em linhas gerais, o seu es­boço e plano, com acréscimos e materiais suplementares.7

Marcos pulsa com vida e eriça-se com detalhes vívidos. Vemos com os olhos de Pedro e captamos quase o próprio olhar e gesto de Jesus enquanto se movimentava entre o povo realizando a obra de curar o corpo e salvar a alma dos homens.

NOTAS1 A. T. Robertson, Studies in M ark’s Gospel (1919; Reimpressão, Nashville:

Broadman, 1958).2 Theodor Zahn, Geschichte des neutestamentlichen Kanons (Erlangen: 1888-

1892).3 Burnett Hillman Streeter, The Four Gospels: A Study o f Origins, Treating o f the

Manuscript Tradition, Sources, Authorship, and Dates (Londres: Macmillan, 1924).

4 Benjamin Wisner Bacon, An Introduction to the New Testament (Londres: Macmillan, 1924). Aqui e em outros lugares deste volume, são citadas inúme­ras teorias da alta crítica sem o acréscimo de comentários críticos. Tais referên­cias devem ser consideradas como informações não indicativas de aceitação.

5 Isso é mostrado em A. T. Robertson, Making Good in the Ministry: A Sketch o f John M ark( 1918; Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1976).

6 Como mostrado em A. T. Robertson, The Christ o f the Logia (Nova York: Doran, 1924).

7 A. T. Robertson, Harmony o f the Gospels fo r Students o f the Life o f Christ (Nova York: Harper & Row, 1922).

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Capítulo1

Marcos1.1. Princípio do evangelho (Ap/f] toü ei)ayyeÀiou). Em grego,

não há artigo antes de ápxr|. É possível que a frase servisse de cabe­çalho ou título para o parágrafo sobre o ministério de João Batista ou de sobrescrito para o Evangelho,1 sobrescrito colocado por Marcos ou por um escriba. E então “o evangelho de Jesus Cristo” significa a mensagem sobre Jesus Cristo (genitivo objetivo). A palavra evan­gelho (eúccYyéA.Loy) chega perto de significar o próprio registro con­forme foi contado por Marcos. Swete comenta que cada escritor tem um ponto de partida diferente (àpxií).2 Marcos, como a forma mais antiga da tradição evangélica, começa com a obra de João Batista, Mateus com a ascendência e nascimento do Messias, Lucas como nascimento de João Batista, João com o Lógos pré-encamado, Paulo com a fundação de cada uma das igrejas (Fp 4.15).

Filho de Deus (ulou 0eot>).3 Se este for um título acrescentado ao que Marcos escreveu, o título pode ter existido inicialmente em duas formas, uma com “Filho de Deus” e a outra sem “Filho de Deus”. Se Marcos escreveu as palavras, não há razão para duvi­dar que sejam genuínas, visto que ele usa tal construção em outro lugar.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

1.2. No profeta Isaías (kv icô ’Hoaía tcô upocjrrirfl). A citação4 vem de Malaquias 3.1 e Isaías 40.3. Mas Isaías é o principal dos profetas. Era comum combinar as citações de profetas diferentes em testimonia e catenae (cadeias de citações). Esta é a única cita­ção profética de Marcos, embora ele registre as citações feitas por Jesus.5

1.3. Voz do que clama no deserto (§<s>vv\ Pocòvtoç kv ifi èpruacp). Deus está chegando ao seu povo para livrá-lo do cativeiro na Babilônia. Por isso, o profeta clama como uma voz no deserto para preparar para a vinda de Deus. Quando o comitê do Sinédrio per­guntou a João quem ele era, ele usou este mesmo linguajar de Isaías (Jo 1.23). João só era uma voz, mas essa voz ainda ecoa pelo corre­dor dos séculos.

Endireitai as suas veredas6 (eòBeíaç uoiei-ce ikc, ipíf3ouç aí» ’toO). As maravilhosas estradas persas para os mensageiros do rei e para o próprio rei eram muito semelhantes às excelentes rodovias de hoje. Tais estradas ligavam todos os pontos do Império Romano. Trechos dessas estradas ainda sobrevivem. Com esta comparação, Marcos comprova que João Batista tinha uma missão sublime e san­ta como precursor do Messias.

1.4. Apareceu João batizando1 (èyévero ’Io)ávvr|<; ò fkxiTTLÇcovs). A chegada de João Batista assinalou uma nova época (èyéveto), não era um mero acontecimento (f)v). A chegada ocorreu de acordo com o quadro profético (kccBcoç, Me 1.2). Note que o mesmo verbo sobre João Batista ocorre em João 1.6. A chegada de João Batista foi o verdadeiro início da mensagem falada sobre Cristo. Em sua descri­ção, Marcos diz que ele veio “batizando (ó panríCtov) no deserto (èv uri èpiíiico)”. O batismo ocorreu no rio Jordão (Me 1.5,9) em área circunjacente ao deserto da Judéia.

Pregando o batismo de arrependimento (KTpúaaoov páimoiia laeravoiccç), anunciou um arrependimento centralizado no batismo (páuTiofia, caso de gênero genitivo; ver em Mateus 3.2 a análise sobre arrependimento, que é a grande palavra de João lieiavoéto. Ele chamou os judeus para mudar de mente e afastar-se dos seus peca­dos, “confessando os seus pecados” (è^oiioÀoyoúiaeyoL mç áiiapxíaç

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Marcos 1

aíiTíôv) em Me 1.5; ver Mt 3.16). As confissões públicas causavam uma impressão profunda, como causam hoje.

Para remissão de pecados (eíç acjjeoiv à^iapt lgúv) é uma frase difícil de traduzir com exatidão. Com certeza, João não quis dizer que o batismo era o meio de obter o perdão (remissão) de pecados ou necessário para o perdão de pecados. A dificuldade acha-se no uso de e lç , que às vezes expressa propósito e outras vezes não tem tal implicação (como em Mt 10.41; 12.41). Provavelmente “com referência a” é tão boa tradução quanto possível. O batismo estava na base do arrependimento e da confissão de pecados. Como Paulo explicou mais tarde (Rm 6.4), o batismo representava a morte ao pecado e a ressurreição à nova vida em Cristo. O símbolo era usado para marcar o renascimento dos prosélitos gentios em plena comu­nhão com os filhos de Abraão. João está tratando a nação judaica como um conjunto de pagãos que precisam arrepender-se, confessar os pecados e entrar no Reino de Deus. O batismo no rio Jordão era o desafio direto ao povo.

1.5. Toda a província da Judéia [...] iam ter com ele9 (kocI è^eTtopeúeto Tipòç aúiòv u&aa rj ’Iouõaía X^Pa)- A terceira pes­soa do singular do imperfeito médio/passivo depoente do indicativo descreve o fluxo constante de pessoas que continuavam indo ao ba­tismo (èpaTTTÍÇovio, terceira pessoa do plural do pretérito imperfeito passivo do indicativo), uma visão maravilhosa. O batismo era feito literalmente “no rio Jordão” (l-v xcô ’Iopôávr) TOioqacô).

1.6. E João andava vestido de pêlos de camelo10 (ícai f|Vn ó ’Icoáwriç12 évôeôufiévoç Tpíxaç Kct|j,r|Àou). Mateus 3.4 diz que era uma “veste” (evôufia) de pêlos de camelo. Mateus coloca veste no parti- cípio nominativo singular masculino do perfeito passivo com pêlos, seu objeto, no acusativo feminino plural, de acordo com a lingua­gem grega comum. Não era feito de couro curtido, mas de pano rús­tico tecido com os pêlos de camelo (quanto a “gafanhotos e mel sil­vestre”, ver análise em Mt 3.4). Gafanhotos secos são considerados saborosos. O mel silvestre ou “mel dos montes” ((iéXi aypiov) era abundante nas fendas das pedras. Ainda hoje os beduínos ganham dinheiro coletando este mel silvestre das pedras.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

1.7. Após mim vem aquele que é mais forte do que euu (’'Epxerai ó loxupóiepóç fiou òttloco (j.ou), acha-se em cada um dos Evangelhos Sinóticos. Gould diz que essa linguagem era auto-depreciação cética.14 Mas João era sincero em apreciar a di­ferença de status entre ele e o Messias que estava vindo. A “cor­reia”15 (tÒv l|iáv ra) prendia a sandália. Quando os convidados chegavam a casa de ricos, aparecia um escravo para desamarrar- lhes as sandálias antes que tomassem banho. Marcos só apresen­ta esse detalhe.

1.8. Tenho-vos batizado com água16 (êyco epáTrcioa ú|aâç uôaTi17). Lucas 3.16 também tem “com água”. Mateus 3.11 tem év (“em”) água e o Espírito Santo. O batismo em água de João era um símbolo do batismo espiritual de Jesus.

1.9 .Jesus [...] fo i batizado por João, no rio Jordão (èpaiTT Ío0r| eiç tÒv ’Iopôávr|v tjttò ’Icoávvou18). Essa construção segue “da água” ( é k z o v liôcaoç) no versículo 1 0 , depois do batismo no rio Jordão. Marcos gosta de usar o termo “logo”, “imediatamente” (euGuç), como Mateus gosta de “então” (tóté).

1.10. Vi'u os céus abertos]í) (<ziòev axiÇo|_iévouç xouç oúpavouç), rasgados como uma roupa (acusativo masculino plural do parti- cípio presente passivo). Jesus viu os céus separando-se enquanto Ele saía da água, uma cena com maior vivacidade do que “se lhe abriram”, em Mateus 3.16, e “se abriu”, em Lucas 3.21. Lógico que João Batista viu o Espírito Santo descendo em Jesus como pomba, porque a sua própria descrição está registrada em João1.32. Na opinião dos gnósticos ceríntios, a pomba significa o aeon Cristo divino que aqui desceu no homem Jesus e permane­ceu com Ele até sua crucificação, em cujo ponto o deixou. Trata- se do mesmo tipo de distinção que se procura fazer hoje entre o “Jesus histórico” e o “Cristo teológico”.

1.11. Tu és o meu Filho amado (Si) eí ó ulóç |aou ó áyauriTÓç), quase igual a Lucas 3.22: “Tu és meu Filho amado”. Em Mateus3.17, consta: “Este é o meu Filho amado” (outoç èonv ó uióç |_iou ó âyaTTriTÓç). Marcos 1.11 e Mateus 3.17 têm: “Em quem me com­prazo”, ao passo que Lucas tem: “Em ti me tenho comprazido”.

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Marcos 1

1.12. Logo o Espírito o impeliu20 (eú0uç tò uveGiia: aírcòv èKpáXÀei), um verbo vívido, mais arrojado que o verbo usado por Mateus: “foi conduzido” (ávrix0r|), e o verbo usado por Lucas: “foi levado” (f^exo). O mesmo termo é empregado para referir-se à ex­pulsão de demônios (Me 1.34,39). Aqui Marcos tem “logo”, onde Mateus tem “então” (ver comentário em Me 1.9). Os quarenta dias no deserto foram passados sob a orientação direta do Espírito Santo. A vida terrena inteira de Jesus estava associada com o Espírito Santo.

1.13. E vivia entre as feras21 (koíI r\v [ierà i(òv OipÍGov). Marcos não apresenta a narrativa das três tentações que consta em Mateus e Lucas, mas acrescenta este pequeno detalhe sobre os animais selva­gens no deserto. A noite, esse deserto rochoso era o abrigo de lobos, javalis, hienas, chacais e leopardos. Era um lugar solitário e até pe­rigoso em seu isolamento. Em Salmos 91.13, a promessa de vitória sobre os animais selvagens vem imediatamente depois da promessa da tutela angelical, a qual Satanás citou em Mateus 4.6.22 Os anjos chegaram e “serviam” (ôir|KÓvouv), terceira pessoa do plural do pre­térito imperfeito ativo do indicativo. Eles mantiveram-se em ritmo de ação constante até que Jesus fosse alegrado e fortalecido.

1.14. Veio Jesus para a Galiléia23 (rjXGev ó ’Ir)ooüç eLç ir\v YüXú,umv). Mateus e Lucas acompanham Marcos e iniciam do mesmo modo a narrativa do ministério ativo de Jesus. Marcos guia- se pela pregação de Pedro indubitavelmente. Mas sem o Quarto Evangelho, não saberíamos do ano de trabalho feito em diversas partes da terra (Peréia, Galiléia, Judéia, Samaria) que precedeu o ministério de Jesus na Galiléia. O Evangelho de João completa os Evangelhos Sinóticos. A prisão de João Batista influenciou Jesus a partir da Judéia para a Galiléia (Jo 4.1-4).

Pregando o evangelho do Reino de Deus24 (KTpúaawv xò eúayyéliov xou Geou25). Este é o genitivo subjetivo, referindo-se ao evangelho que vem de Deus. Swete observa que o arrependimento (liemvoía) é a idéia fundamental na mensagem de João Batista, as­sim como o evangelho (eüayyé/Uov) é na mensagem de Jesus.26 Mas Jesus e João proclamaram tanto o arrependimento quanto a chegada do Reino de Deus.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

1.15. O tempo está cumprido27 (neirÃripGmi ó Kcapòç). Marcos acrescenta essas palavras ao relato de Mateus. João Batista rememo­ra a promessa da vinda do Messias e anuncia que esse cumprimen­to está próximo (terceira pessoa do singular do perfeito passivo do indicativo). O tema de João Batista é como o de Paulo em Gálatas 4.4: “plenitude dos tempos” (nA,ipG)|i,aTOç toü xpóvou), e em Efésios 1.10: “plenitude dos tempos” (TTÀr|pGO|ia tgõv KaipGúv). Em Efésios 1, o apóstolo emprega a palavra Kaipóç, “oportunidade” ou “crise”, como ocorre aqui em Marcos, em vez do termo mais geral xpóvoç.

E crede no evangelho28 ( k c u u ia T e ú e T e kv tco e ü a y y e À L ü ) ) , tan­to arrepender-se quanto crer no evangelho. Em geral, espera-se a fé em Jesus como Deus, como em João 14.1. Mas esta crise exigia fé na mensagem de Jesus que anunciava a chegada do Messias. Ele não usou aqui o termo Messias, pois tal termo tinha conotações políticas provocantes. Mas o Reino de Deus chegara com a pre­sença do Rei. Crença ou descrença na mensagem de Jesus dividia nitidamente os que o ouviam. “Fé na mensagem era o primeiro passo; um credo de algum tipo acha-se na base da crença na pessoa de Cristo, e a ocorrência da frase 'íUG'ueúeTe èv tgò eúayyeÀÍco no mais antigo registro do ensino de nosso Senhor é uma confirmação valiosa desse fato.29

1.16. E, andando junto ao mar da Galiléia30 (Km rapáycov uapà tt)v QáXaoaav if\Q rodiXaíaç31). Marcos usa uapá (“ao longo de”, “ao lado de”) duas vezes e toma o quadro realista. Ele capta este vislumbre de Cristo em ação.

Lançavam a rede (àficj) ipáAAovraç32), literalmente, “lançavam em ambos os lados, ora em um lado, ora no outro”. Mateus 4.18 tem uma frase diferente. Dois papiros usam o verbo à[j,(j)ipáÀÀoo, um ver­bo irrestritamente para pescar como aqui, o outro com o acusativo.33 Esses quatro discípulos eram pescadores (cdielç) e sócios, como declara Lucas 5.7 (liecó/oiç).

1.17. Vinde após mim, e eu farei que sejais pescadores de homens34 (Aeüxe òttloco fiou, Km ttouÍogo í)|iâç; yevéaGca àlielç ávGpokGov). Marcos tem yevéaGa i (“sejais”), que não está em Mateus. Seria um processo lento e longo, mas desses homens pescadores

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Marcos 1

Jesus faria pescadores de homens. Todo aquele que quiser deixar tudo para servir a Cristo será feito um pescador de homens.

1.19. E, passando dali um pouco mais adiante35 (Kai npopàç óAÍyov36), um detalhe caracteristicamente de Marcos.

Consertando as redes37 (KaiapiíCoviaç m õÍKiuct). Compare com Mateus 4.21. Eles estavam se preparando para estar em melho­res condições a fim de obterem sucesso na próxima vez que saíssem para pescar.

1.20. Eles, deixando o seu pai Zebedeu no barco com os em­pregados (ácjjévteç tòv uaiépa aúicòv ZePeôaXoy èv tlü ttàoícü [ietà tcõv |iia9coTc3v). A palavra grega |ílo0Óç, “pessoa contratada por sa­lário”, é muito antiga. Zebedeu e os seus dois filhos tinham um ne­gócio grande evidentemente em cooperação com André e Simão (Lc 5.7,10). Só Marcos tem este detalhe dos empregados deixados com Zebedeu. Eles deixaram o barco e o pai (Mt 4.22) com os emprega­dos. O negócio continuaria até que eles deixassem tudo (Lc 5.11) e se tornassem seguidores permanentes de Jesus.

1.21. Indo ele à sinagoga, ali ensinavan (eLoeA.9«v elç Tf|v o\)vayiú-;r\v èôíôccoKev), imperfeito incoativo (ingressivo). Ele come­çou a ensinar assim que entrou na sinagoga de Cafamaum no sábado. A sinagoga de Cafamaum proporcionou o melhor espaço para Jesus. Ele fizera de Cafamaum (Tell Hum) a sua sede depois que Nazaré o rejeitara (ver Mt 4.13-16; Lc 4.16-31). Foram descobertas as ruínas de uma antiga sinagoga em Cafamaum. Jesus ensinava (èôiõaoKÉv) e pregava (eKipuoaev) nas sinagogas judaicas conforme a oportunidade lhe era oferecida pelo chefe ou líder da sinagoga (ápxiouváytOYOç). A cerimónia religiosa consistia em oração, louvor, leitura das Escrituras e exposição feita por rabino ou pessoa competente. Paulo falava em tais reuniões. Lucas 4.20 descreve Jesus lendo e devolvendo o rolo de Isaías ao ministro, ou assistente, ou bedel (tcò írrrripé^), que cuidava para que o manuscrito precioso permanecesse em segurança. Jesus vinha pregando por um ano quando começou a ensinar na sinagoga de Cafamaum. A sua reputação o precedera (Me 1.14).

1.22. Maravilharam-se da sua doutrina7’9 (è eTrÀiíooovTO èrrl tti ÔLÔctxí) aírcoü). Um pretérito imperfeito pictórico como em Lucas

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

4.32 para descrever o assombro dos espectadores, “significando es­tritamente golpear uma pessoa para fôra dos seus sentidos por meio de um sentimento forte, como medo, maravilha ou até alegria”.40

Como tendo autoridade e não como os escribas41 (còç k&voíuv €xcov Koà oüx wç oi Ypa|i(J.aif i(;). Lucas 4.32 só tem “com autori­dade” (kv è^ouoía), enquanto que Marcos tem “como tendo autori­dade” (coç k^ovoíav ’éxwv).42 Jesus tangeu uma nota que os rabinos desconheciam. Eles citavam outros rabinos e sentiam que sua fun­ção era ser explicadores das tradições que eles colocavam no pes­coço das pessoas como uma mó. A verdade é que as suas tradições e legalismo insignificante transgrediam a lei revelada de Deus (Me7.9,13). Os escribas eram casuístas que faziam falsas interpretações para provar as suas opiniões meticulosas de normais comportamen- tais ao custo do descaso absoluto da realidade espiritual. As pessoas imediatamente perceberam que aqui se tratava de alguém que tinha o poder (autoridade) de Deus. Era diferente da autoridade dos escri­bas, que se utilizavam somente das idéias de rabinos importantes.43 Mateus 7.29 descreve uma impressão semelhante causada nas pes­soas que ouviram o Sermão do Monte. A principal controvérsia de Cristo era com os mestres profissionais da lei oral. A independência que Jesus tinha do grupo antigo causaram uma sensação no melhor sentido da palavra. O murmurinho da agitação só aumentou com o milagre que ocorreu depois do sermão.

1.23. Estava na sinagoga deles um homem com um espíri­to imundo44 (rjv kv xfj ouvaywyfi aí)i;(5v avGpeouoç kv ttv6Ú|_iccti (XKCt0ápTGo). O uso de kv (“em”) relativo ao espírito maligno que estava no homem é comum na LXX, como o hebraico “be”, mas também ocorre nos papiros. É o mesmo linguajar que “em Cristo” ou “no Senhor” que é comum com Paulo. Em inglês, fala-se que a pessoa está “em amor” (“apaixonada”). O espírito imundo estava no homem e o homem estava no espírito imundo, um homem no poder do espírito imundo. Lucas fala de pessoas tendo um espírito maligno (ver também Mt 22.43). O espírito imundo aqui é sinônimo de demônio. É a idéia de um espírito apartado de Deus (Zc 13.2). O assunto da demonologia é difícil, mas não mais do que o problema

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do Diabo. Jesus faz distinção entre o homem e o espírito imundo. Em geral, a doença física ou mental acompanhava a posse por de­mônios.

1.24. Que temos contigo45 (Tí f||iiv Kcà ooí), o mesmo lin­guajar em Mateus 8.29, um dativo ético. Não há nada em comum entre o demônio e Jesus. Note o uso do plural nós (oculto). O ho­mem fala pelo demônio e por si, uma personalidade dupla. Note que os demônios reconheceram Jesus, ao passo que os rabinos não. Os demônios chamam Jesus “o Santo de Deus” (ò ayioç toü 0eou). O demônio temia que Jesus tivesse vindo para destruir a ele e ao homem sobre o qual tinha poder. Em Mateus 8.29, um demônio chama Jesus “Filho de Deus”. Mais tarde, os discípulos chamarão Jesus “o Santo de Deus” (Jo 6.69, ARA). O demônio clamou em voz alta (àvéKpa^ev, forma tardia do aoristo primeiro, àvéicpayev, aoristo segundo comum), para que todos ouvissem o testemunho estranho que ele estava dando de Jesus. Em várias famílias de texto, o homem diz “sei” (oíôa) ou “sabemos” (oiõafiev), o plural com a intenção de incluir o demônio.

1.25. Cala-te (tj)L|j.có0r|Ti). Aoristo primeiro passivo do imperati­vo de cJ)L[ióco. “Fica quieto” (Moffatt). Mas é uma palavra mais vigo­rosa: “sê amordaçado”, como um boi. O mesmo ocorre, literalmente, em Deuteronômio 25.4, 1 Coríntios 9.9 e 1 Timóteo 5.18. É comum nos escritos de Flávio Josefo e Luciano de Samósata, bem como na LXX (ver Mt 22.12,34). Pode ser traduzido por “cala a boca”, mas seria muito coloquial. Vincent sugere “amordaçado”,46 mas essa é mais a idéia de éni0T0|j.aCeiv em Tito 1.11: “Tapar a boca”.

1.26. Agitando-o47 (onapá£av aüióv) ou “convulsionando-o”. Lucas 4.35 acrescenta: “E o demônio, lançando-o por terra no meio do povo”. Marcos menciona a “grande voz” ((j)cov |_ieyáÀri) ou guin­cho. Era um momento de intensa emoção.

1.27. A ponto de perguntarem entre si (auÇr|mv upòç eocurouç A,éyovT;aç48), pelo olhar e com palavras.

Que nova doutrina é esta? Pois com autoridade49 (õiõaxTi ncaivri kcct’ è^ouoíav50). Uma surpresa se seguia a outra nesse dia. A doutri­na ou ensino era fresco (t<mvr|), original como o orvalho da manhã

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

nas flores. Isso era uma novidade naquela sinagoga, onde só se ou­viam normas e regras rabínicas faladas em tons calmos e formais. Esse novo ensino encantou as pessoas, mas logo seria classificado como heresia pelos rabinos. E era “com autoridade” (kcct’ èÇouoíca/). Não está claro se a frase diz respeito à “nova doutrina”. “É novo ensino com autoridade por trás” (Moffatt). Ou pode ser relacionado ao verbo: “Com autoridade ordena aos espíritos imundos” (ral toiç TTveúiiaoi iolç ckaBápToiç èîTimoaei). Aposição é equívoca e pode ser pelo fato de “Marcos dar os comentários incoerentes e entusias­mados da multidão nessa rusticidade natural”.51 Mas o fato mais surpreendente é que os demônios “lhe obedecem” (úraKOÚoimv aùuô). As pessoas estavam acostumadas com os exorcistas usarem palavras rituais ou fórmulas mágicas (Mt 12.27; At 19.13), mas aqui era algo totalmente diferente. Simão, o Mágico, não entendia como Simão Pedro podia fazer milagres sem trapaça (At 8.19).

1.28. A sua fam a52 (r) «Kof| oüjtoü). O termo da Vulgata Latina usado para “fama” pode ser traduzido por “rumor” (ver Mt 14.1; 24.6). Não havia telefone, telégrafo, jornal ou rádio, mas as notícias se espalharam depressa de boca em boca. A fama desse novo mestre foi “por toda a parte” (TTavraxoú53) ao longo da Galiléia.

1.29. Foram à casa de Simão e de André5A (rjlGov elç xf]v olKÍav 2l|!gwoç Kai Avõpéou). Acredita-se que Pedro e André mo­ravam na casa de Pedro com a esposa e a sogra de Pedro. Claro que Pedro era casado antes de começar a seguir Jesus. Tempos mais tar­de, a sua esposa o acompanhava nas viagens apostólicas (1 Co 9.5). Este incidente ocorreu imediatamente depois do culto na sinagoga no sábado. Todos os Evangelhos Sinóticos o registram. Marcos sou­be diretamente de Pedro, visto que aconteceu na casa de Pedro, onde Jesus ficava quando estava em Cafamaum.

1.30. E a sogra de Simão estava deitada, com febre55 (f) ôè uevGepa 2l|í(j0voç Kará<eiTO ïïupéaoouaa). Ela jazia prostrada arden­do de febre. Cada Evangelho apresenta detalhes exclusivos à histó­ria. Mateus 8.14 diz que a mulher estava “acamada (ßeßA.r||ievr|v) e ardendo em febre” (ARA). Lucas 4.38 usa uma descrição médica mais precisa, dizendo que ela estava “enferma com muita febre” (rjv

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auvexofiévr] uupeTCÔ [içyaÀcô). Os relatos mencionam a recuperação imediata, sem período se convalescença. Marcos e Mateus 8.14,15 falam que Jesus a tocou, tomando-a pela mão, e Lucas 4.39 mostra a cena tema de Jesus “inclinando-se para ela” como um médico agiria em uma consulta.

1.32. Quando já estava se pondo o sol56 (ote eôu ó rjÀLOç). Marcos usa esta frase pitoresca para se expandir na declaração “ten­do chegado a tarde”57 ,(0\jiíaç õe yevo(iévr|ç, um genitivo absoluto, “tendo chegado a noite”). Mateus 8.16 tem “chegada a tarde”, e Lucas 4.40 tem “ao pôr-do-sol”. O sábado terminou ao pôr-do-sol. Assim, as pessoas estavam livres para levar os doentes a Jesus. As notícias sobre a expulsão do demônio e a cura da sogra de Pedro ti­nham se espalhado por toda a Cafamaum. Elas vinham trazendo em um fluxo constante (tempo imperfeito, ec^epov). Lucas 4.40 acres­centa que Jesus impôs a mão em cada uma das pessoas, enquanto passavam em procissão cheia de gratidão.

1.33 Toda a cidade se ajuntou à porta58 (rjv òXri f) toàiç êiTiauvriyiiévr) upoç tf|v Gúpav59). Do lado de fôra da casa de Pedro, as pessoas de todas as partes da cidade se aglomeraram, uma cons­trução perifrástica passiva do passado perfeito, composição dupla de étrí e aúv. Só Marcos menciona esse detalhe vívido. Ele está ven­do pelos olhos de Pedro. Não há dúvida de que Pedro presenciou a cena maravilhosa com prazer e gratidão, enquanto Jesus ficava à porta e curava as grandes multidões na glória daquele pôr-do-sol. Ele deve ter gostado muito ter descrito esta cena.

1.34. [Ele] curou muitos que se achavam enfermos de diver­sas enfermidades60 (éGepáueuaev ttoAAouç KOtKÓjç itolkÍAcuçvÓoolç). Ver análise em Mateus 4.24 a respeito de ttolkÍA,oç, que sig­nifica “de muitas cores”, “multicolorido” ou “matizado”. Todos os tipos de pessoas doentes foram e eram curados.

[Ele] não deixava falar os demônios61 (oúk TÍctuev Àccleiv rà ôaqióvia). Jesus não permitia, tempo imperfeito de recusa continu­ada. A razão dada é que “o conheciam” (oxi rjõeiaav auxóv). “Ser o Cristo” (Xpiotòv eivai) é uma referência direta a Marcos 1.24, quando na sinagoga o demônio reconheceu e dirigiu-se a Jesus como

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

o Santo de Deus. O testemunho de tal fonte não promoveria a causa de Cristo com o povo. Ele ordenara que o outro demônio se calasse (ver análise sobre a palavra demônio concernente a Mt 8.29).

1.35. De manhã muito cedo, estando ainda escuro62 (irpojí ewuxa lía v 6i). Só Lucas 4.42 tem “sendo já dia” (yevo[iévr|ç rpépaç). Em Marcos, a palavra upooi quer dizer “a última hora da noite”, que ia das três horas da manhã às seis horas da manhã (ver análise em Me 6.48). ’'Evvuxa líav quer dizer “na parte inicial da hora enquan­to ainda estava um pouco escuro” (cf. Me 16.2, Àíav npcot).

Levantando-se [Jesus] [...], saiu [da casa] (àvaomç é£fjA.0ev), foi para fôra da casa e da cidade (âirfjA,0€v). Ezra Gould observa que Jesus se retira diante da súbita popularidade, a fim de orar ao Pai, “para que não seja enlaçado por essa popularidade, ou de qual­quer forma induzido a aceitar o caminho da facilidade em vez do dever”.64 Mas Jesus também tinha um plano para fazer uma excur­são de pregações pela Galiléia, e “ele sentiu que não podia come­çar antes da hora própria. Ele saiu de noite, temendo a oposição do povo”.65 Jesus sabia o que era passar uma noite inteira em oração. Ele conhecia a bênção e o poder da oração.

E ali orava66 (icâKei upooriúxeTo). O tempo imperfeito pinta a cena de Jesus orando nas primeiras horas da manhã.

1.36. Seguiram-no Simão e os que com ele estavam61 (Kccteôíco gy oòrròv üiiacov Kcd oi [iei’ auTOÚ68), “caçaram-no” (Moffatt), uso per- fectivo da preposição mxá (“até o fim”). O verbo õuÓkco é usado para referir-se à caça de perseguição ou de busca. A Vulgata Latina tempersecutus est. A história pessoal de Pedro entra aqui. “A inten­ção de Simão era pelo menos boa; o Mestre parecia estar perdendo oportunidades preciosas e tinha de ser trazido de volta.”69 Pedro e os que com ele estavam mantiveram-se na busca até que o acharam. A mensagem que levavam seguramente traria Jesus de volta para a casa de Pedro.

1.38. Vamos às aldeias vizinhas70 (’Ayoj^ev àAAaxoí) elç xàç éxo|iévac; KU[iOTTÓÀeLç71). Foi uma decisão surpreendente Jesus deixar as multidões ansiosas e entusiasmadas em Cafamaum para ir a cida­des do interior, sem muros ou de pouca importância. Kw[i,OTróA.eiç é

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uma palavra grega recente para referir-se a “aldeias”, não ocorrendo em outro lugar no Novo Testamento. O uso de kyp\ikvuç, traduzido por “vizinhas”, significa “agarrado a uma coisa” ou “próximo de uma coisa” (o mesmo se dá em Lc 13.33; At 13.44; 20.15; Hb 6.9). O texto D tem èyyúç (“perto”).

1.39. Epregava nas sinagogas deles, por toda a Galiléia72 (r|À9ey KipúaoGDV elç vàç ovvaYCúvàç avvôu elç òÀr|v Tr]v ra fo la ía v 73). Pouco nos é dito sobre essa primeira excursão de pregações que Jesus fez pela Galiléia.

1.40. Pondo-se de joelhos diante dele1A (kocI yovuTreTGÒv75), detalhe pitoresco omitido por alguns manuscritos. Lucas 5.12 tem “prostrou-se sobre o rosto”.

1.41. Movido de grande compaixão76 (ouÀayxvLoGelç), ocorre só em Marcos, aoristo primeiro passivo do particípio.

1.43. Advertindo-o severamente, logo o despediu11 ( k k I

é|j,ppi|_ir|aá|ievo<; aúxcô eúGiiç è^épcdev amóv 78), uma intensidade à ordem de Cristo, recurso só usado em Marcos. Lucas 5.14 tem TTapiÍYYeiA.ev, “ordenou[-lhe]”. A palavra <É[ippi[ir|aá|aevoç também ocorre em Marcos 14.5 e em Mateus 9.30 e João 11.38 (ver análise em Mt 9.30; Me 14.5). É uma palavra forte usada para aludir ao bufo de cavalo e expressava a forte emoção de Jesus que estava face a face com a lepra, em si um símbolo do pecado e de toda a seqüên­cia de males. A ordem para apresentar-se aos sacerdotes estava de acordo com os regulamentos mosaicos (Lv 14.2-32). A proibição para falar sobre isso objetivava acalmar a agitação entre o povo e evitar oposição desnecessária.

1.44. Para lhes servir de testemunho (elç [mpxúpiov coruotç). Sem o testemunho formal dos sacerdotes, as pessoas não recebe­riam o leproso como oficialmente limpo.

1.45. Começou a apregoar muitas coisas19 (ííp^axo Krpúaaeiv -noÀÀá). Lucas 5.15 tem “ainda mais” (\mXlov). Um dos melhores mo­dos de espalhar uma história é proibir as pessoas de falar a respeito. Com certeza é o que temos aqui. Não demoraria muito para Jesus ter de ficar em áreas rurais para evitar as multidões. Mesmo assim as pes­soas continuavam indo a Jesus (fipxovxo, tempo imperfeito).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

NOTAS___________________________________________________1 Alexander Balmain Brace, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 341.2 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1977), p. 1.3 Aleph 28, 255 omitem essas palavras, mas B, D e L as têm e a grande maioria

dos manuscritos tem uLoü t o í j Geoü.4 As classes ocidentais e neutras lêem “Isaías”, a versão alexandrina e síria, “os

profetas”, uma correção evidente porque parte disso é de Malaquias.5 Brace, Expositor’s, p. 342.6 “Abram estradas retas para ele!” (NTLH); “façam veredas retas para ele”

(NVI).7 “Apareceu João Batista” (ARA).8 TR e TM não incluem o artigo.9 “A ele vinha toda a região da Judéia” (NVI).

10 “As vestes de João eram feitas de pêlos de camelo” (ARA).11 TR e TM têm rjv õé.12 WH soletra ’IwávT]ç com só um v.13 “Após mim vem aquele que é mais poderoso do que eu” (ARA).14 Ezra P. Gould, Critical andExegetical Commentary on the Gospel According to

St. Mark (Edimburgo: T. & T. Clark, 1896), p. 9.15 “Correias” (ARA).16 “Eu vos batizei com água” (BJ).17 TR e TM têm eyoò iev èpáiruiaa fyiaç êv uôoai.18 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, épairtíoGriç uirò ’Icoáwou eiç

tÒv ’Iopõávrçv. Contudo, TRb e WH soletram ’Icoávou só com um v.19 “Ele viu os céus se rasgando” (BJ); “viu os céus rasgarem-se” (ARA).20 “Imediatamente o Espírito o impeliu” (AEC).21 “Estava com os animais selvagens” (NVI).22 Swete, Commentary on Mark, p. 11.23 “Foi Jesus para a Galiléia” (ARA).24 “Pregando o evangelho de Deus” (ARA).25 TR e TM têm Kipuaacov xò eúaYyéA.iov tf|ç paoileíaç t o O Geou.26 Swete, Commentary on Mark, p. 12.27 “Chegou a hora” (NTLH).28 “E creiam nas boas novas!” (NVI).

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29 Swete, Commentary on Mark, p. 16.30 “Jesus estava andando pela beira do lago da Galiléia” (NTLH).31 TR e TM têm nepimraôv 5è rrapà Tf|v QáXaaaav tt)ç raÀiÀ.aíaç.32 TR e TM têm pálloviaç àncj)í|3Xr|aTpov.33 James Hope Moulton and George Milligan, The Vocabulary o f the Greek

Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 28.34 “Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens” (ARA).35 “Pouco mais adiante” (ARA).36 TR e TM têm Kal npopàç fKcl06v òXiyóv.37 “Preparando as suas redes” (NVI).38 “Jesus entrou na sinagoga e começou a ensinar” (NVI).39 “Estavam espantados com o seu ensinamento” (BJ).40 Gould, Critical a ndExegetical Commentary, p. 21.41 “Como alguém que tem autoridade e não como os mestres da lei” (NVI).42 “Como quem tem autoridade” (ARA).43 De acordo com Brace, “Marcos omite muitas coisas e é, sob muitas formas,

um Evangelho bem resumido, mas faz contribuição inconfundível à história evangélica mostrando através de poucos detalhes realistas (este é um deles) a personalidade extraordinária de Jesus” (Bruce, Expositor’s, p. 345; grifos de Brace).

44 “Não tardou que aparecesse na sinagoga um homem possesso de espírito imun­do” (ARA).

45 “Que queres de nós” (BJ).46 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 165.47 “Convulsionando-o” (AEC); “sacudindo-o violentamente” (BJ).48 TR tem aÚTOÚç em lugar de éaircoúç.49 “Um novo ensinamento com autoridade” (BJ).50 TR e TM têm Tiç f) ôiÕKxn f] Kaivr) odkr|, oxi, kcct’ èÇouaíav.51 Swete, Commentary on Mark, p. 21.52 “As notícias a seu respeito” (NVI).53 TR e TM não incluem TTaytaxoí>.54 “Foram [...] diretamente para a casa de Simão e André” (ARA).55 “A sogra de Simão estava de cama, com febre” (NVI).56 “Depois do pôr-do-sol” (NTLH); “ao cair do sol” (ARA).57 “Ao anoitecer” (NVI); “à noite” (ARA).58 “Todo o povo da cidade se reuniu em frente da casa” (NTLH).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

59 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras: f| itóàiç oàt| €TTiauvr|Y|-iévr| rjvTTpòç xf|v Búpav.

60 “Jesus curou a muitos doentes de diversas enfermidades” (AEC).61 “Não lhes permitindo que falassem” (ARA).62 “Alta madrugada” (ARA).63 TR e TM têm upwt ’éwvxov Xíav.64 Gould, Critical andExegetical Commentary, p. 28.65 Bruce, Expositor’s, p. 347.66 “E ficou ali orando” (NTLH); “onde ficou orando” (NVI).67 “Procuravam-no diligentemente Simão e os que com ele estavam” (ARA).6S TR e TM têm KaTCÕÍwÇav aíiiòv ó SÍ|j.ov K o à ol |í6t’ aíruoü.69 Swete, Commentaiy on Mark, p. 26.70 “Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas” (ARA).71 TR e TM não incluem âXlaxoO.72 “Pelo que foi por toda a Galiléia, pregando nas sinagogas deles” (AEC).73 TR e TM têm rjv Krpúaaiov kv rcâç auvaycoYoâç aÜTCôv e Lç olr|v iriv

raÀLÀaíav.

74 “Implorando-lhe de joelhos” (BJ); “suplicou-lhe de joelhos” (NVI).75 TM tem uma grafia diferente para yoveuireTcSv.76 “Irado” (BJ); “profundamente compadecido” (ARA).77 “Fazendo-lhe, então, veemente advertência, logo o despediu” (ARA).78 TR e TM têm uma grafia diferente, eú9éwç.79 “Começou a proclamar ainda mais” (BJ); “entrou a propalar muitas coisas”

(ARA).

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Capítulo2

Marcos2.1 .E, alguns dias depois, entrou outra vez em Cafarnaum (Kal

eioeA.0tòv TiáÀiv elç Kacjjapvaoíjfj. õ i’ rpepájv1). Depois da primeira excursão pela Galiléia, Jesus voltou à cidade que era agora a sede do trabalho na Galiléia. A frase ôi’ rpepoòv significa que transcorreram dois dias (ôiá õúo, “dois”) entre a partida e o retomo.

Soube-se que estava em casa2 (r]Koúa0r| oti kv oÍkco èoxív3), pois a casa de Pedro se tomara a casa de Jesus. Outro quadro retira­do diretamente do discurso de Pedro.4 “Soube-se” (f|KOÚo0r), aoristo primeiro, passivo do indicativo de dcKOÚQ, “ouvir”). As pessoas es­palharam o rumor: “Ele está em casa, ele está dentro de casa”.

2.2. Que nem ainda nos lugares junto à porta eles cabiam5 (uoxe [iriKexi peiv [ir|ôè tà TTpòç x-qv Gúpav). Outro detalhe gráfi­co caracteristicamente de Marcos que é visto pelos olhos de Pedro. A palavra composta dupla intensifica a negação em grego. Ao que parece, a porta dessa casa dava para a ma, e não para um pátio como em casas maiores. A casa estava abarrotada de gente dentro, e havia uma aglomeração de pessoas fôra.

E anunciava-lhes a palavra6 (Kal èláÀei aúxotç xòv Xóyov). O tempo favorito de Marcos é o pretérito imperfeito descritivo

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

(eÂáÀei). Note que Xodéco, como contrastado com Aiyo) (“dizer”), é uma palavra onomatopaica com certa ênfase no som e na maneira de falar. A palavra é comum nos papiros vernáculos para indicar conversa.

2.3. E vieram ter1 (kccI epxovrai), uma ótima ilustração do pre­sente histórico dramático vívido de Marcos. É preservado por Lucas5.18, mas não por Mateus 9.2, que usa o pretérito imperfeito.

Trazido por quatro8 (aipó|j,evov Ú ttÒ xeooápuy), outro de­talhe caracteristicamente de Marcos não encontrado nos outros Evangelhos.

2.4. E, não podendo aproximar-se dele, por causa da mul­tidão,9 descobriram o telhado onde estava10 (kocI [_ir| ôuvá|ievoi TrpooevéyKca11 carcw ôtà tòv oxXov áTreoxéyaoav xr]v cn;éyr)v ottou rjv). “Eles destelharam o telhado.” Este é o único exemplo do verbo àrrooteyáCco no Novo Testamento, uma palavra rara no grego recen­te, sem exemplo nos papiros.12 Subiram por uma escadaria pelo lado de fôra da casa ou serviram-se de uma escada de mão para chegar ao telhado ladrilhado e plano. Depois, tiraram ou quebraram os la­drilhos ou telhas (o telhado). Havia ladrilhos ou telhas (ôià xáv Kepcqacov, Lc 5.19) de ripas e gesso e até lajes de pedra introduzidas para dar sustentação que tinham de ser escavados. Não está claro onde Jesus estava (ottou rjv), ou escada abaixo, ou escada acima, ou no pátio quadrangular (átrio ou compluvium), se é que a casa tinha um. “Esparrama-se sobre os telhados uma composição de argamas­sa, piche, cinzas e areia, e revolve-se fortemente; o mato cresce nas brechas. Na casa dos pobres do interior, o mato cresce mais livre­mente, e os bodes nos telhados o comem.”13

Baixaram o leito em que jazia o paralítico14 (xodwoi xòv Kpápaxxov ottou ô TTapaÀUTiKÒç KttTÉKÉiTo 15), outro presente histó­rico (“eles baixaram”), tempo aoristo em Lucas 5.19 (i<á0riKav). O verbo significa abaixar de um lugar mais alto, como de um barco. Provavelmente os quatro homens tinham uma corda amarrada em cada canto do catre ou cama do pobre homem (Kpáparrou; em latim, grabatus, esta é uma das palavras latinas de Marcos). Mateus 9.2 tem k)'1vt\c, um termo geral para aludir a cama. Lucas tem kXwiòiov,

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Marcos 2

“pequena cama” ou “pequeno sofá-cama”. A palavra de Marcos é comum nos papiros e às vezes é soletrada assim Kpáppaxoç e às ve­zes assim Kpápatot;, ao passo que W, o Códice Washingtoniano, tem assim Kpáppcruov.

2.5.E Jesus, vendo-lhes a /ê '6 (tcai lõwv ó17 Tqaoüç xr]v ttÍcsxiv aijxwv), a fé dos quatro amigos e do paralítico. Não há razão para excluir a fé do doente. Todos eles tinham confiança no poder e na vontade de Jesus.

Filho, perdoados estão os teus pecados (Tét<vov, dajnevxcH aou ai qiapxíoa 1S). Acjnevxoa, presente aorístico passivo.19 O mesmo ocorre em Mateus 9.3, mas Lucas 5.20 tem o perfeito passivo dó- rico à^écovxoa. A coisa surpreendente tanto para o paralítico quanto para os quatro amigos é que Jesus lhe perdoou os pecados em vez de curá-lo.

2.6. E estavam ali assentados alguns dos escribas, que arra­zoavam em seu coração20 (r|oay õé xiveç xtôv ypamiatéoy éicet Ka0r|(J.eyoL koc! õiodoYiÇó|j,evoi k v xcâç K a p õ íc a ç ocÚxgúv), outro dos quadros de Marcos desenhado pelos olhos de Pedro. Esses escribas (e fariseus, Lc 5.21) estavam ali para causar dificuldade, catar falhas no ensino e conduta de Jesus. A sua popularidade e poder tinham lhes despertado o ciúme.

2.7. Blasfêmias (pÀaacj)r||j,ei2I). Esta é a acusação não verba­lizada que transitava nos seus corações. Os críticos justificam a acusação com a crença de que só Deus tem o poder (õwaxca) para perdoar pecados. A palavra PàococIjtiijíg) significa “fala prejudicial” ou “difamação”. Eles opinavam que era blasfêmia Jesus assumir essa preiTogativa divina. A lógica estava correta. A única falha era que eles ignoraram a possibilidade alternada de que uma relação exclusiva com Deus justificava a afirmação de Jesus. Assim as duas forças colidiam na deidade de Cristo Jesus. Sabendo muito bem que exercera a prerrogativa de Deus perdoando os pecados do homem, Ele passa a justificar a afirmação curando o homem.

2.8. E Jesus, conhecendo logo em seu espírito que assim ar­razoavam entre si22 (koc! eí>0iíç èuiYvouç ô Tipouç xtô ttv<eij|icxxi aüxoü oxl ouxgoç ôiaA.OYL(ovxcu kv èauxoiç Ikyei aüxoiç 23). Não há

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

indicação de eles terem lado em voz alta o murmúrio “entre si” (Mt 9.3). Não era necessário, pois o olhar os denunciava, e Jesus lhes conhecia os pensamentos (Me 2.4) e lhes percebia o raciocínio (Lc 5.22). O debate (ôiaA.oyi(ó|aevoi.) que vigorava no coração estava escrito no rosto.

2.10. Ora, para que saibais ('iva õè eLôf|xe). Os escribas po­deriam ter dito qualquer uma das alternativas no versículo 9 com a mesma futilidade. Jesus também poderia dizer qualquer uma delas com o mesmo efeito. A verdade é que Jesus escolheu a primeira mais difícil: o perdão que eles não podiam ver. Por isso, ele executa o milagre da cura para que todos vissem, pela qual todos soubessem que ele realmente tinha autoridade para perdoar pecados. Ele se cha­ma “o Filho do Homem”, a autodesignação favorita de Cristo, uma reivindicação de ser o Messias em termos que não podiam ser fa­cilmente atacados. Ele tem o direito e o poder na terra para perdoar pecados, aqui e agora sem ter de esperar o Dia do Juízo.

Disse ao paralítico (Aiyei tcô uapaÃuTiKGÕ). Este parêntese ca­racteristicamente de Marcos no meio da frase também ocorre em Mateus 9.6 e Lucas 5.24, fato que indica que Mateus e Lucas tive­ram acesso à narrativa de Marcos. É inconcebível que todos os três escritores tivessem independentemente inserido o mesmo parêntese no mesmo lugar.

2.12. [Ele] saiu em presença de todos24 (éÇr|À0ev ’é[_LTTpoa0ev TiávTGJv25). Lucas 5.25 segue Marcos nesse detalhe. Ele apanhou (apaç) o catre ou maca, caminhou e foi para casa como Jesus lhe ordenara que fizesse (Me 2.11).

Todos se admiraram e glorificaram a Deus, dizendo: Nunca tal vimos (é iaxaoBaL ttávxaç «ai õo^áÇeiv xòv 9eòv Xéyovxaç ou Oíjtcoç oúôéiTOTe e’íõo[i€v26). O procedimento surpreendente tomou desneces­sário Jesus insistir em refutar os escribas nessa ocasião. O assombro (è^íaraaGai, do qual vem a palavra êxtase) ocorreu porque Jesus agira com o poder de Deus e reivindicara igualdade com Deus e dera pro­vas do que reivindicara. Por tudo isso eles glorificaram a Deus.

2.13. E tornou a sair para o mar27 (Kal è f|À0ev toàlv rapà ttiv 0áA.aaaav), um belo quadro de Jesus andando a beira mar, pois

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Marcos 2

era um passeio que Jesus gostava de fazer (Mt 4.18; Me 1.16). Jesus provavelmente deixou a multidão na casa de Pedro assim que pôde. Era uma alegria receber a brisa de ar fresco do mar. Mas não levaria muito tempo para que a multidão começasse a vir (rpxexo, terceira pessoa do singular depoente do imperfeito médio/passivo do indi­cativo), e Jesus passasse a ensiná-la (èôíôocoKev, terceira pessoa do singular do pretérito imperfeito ativo do indicativo).

2.14. E passando2S (kcò. 'rTapáywv), nominativo singular masculino do particípio presente ativo: “Ele estava passando”. Jesus constantemente estava em alerta de oportunidades para fazer o bem. Um candidato improvável ao favor de Jesus era Levi (Mateus), filho de Alfeu, que estava sentando na barreira de pedágio (telcóvioy) na grande estrada ocidental de Damasco ao Mediterrâneo. Ele era publicano (TeÀwvriç) que coletava pe­dágio para Herodes Antipas. Os judeus odiavam, ou no mínimo menosprezavam, esses publicanos, classificando-os de pecadores (à|iapt(oA,oí, ver Me 2.15). O desafio de Jesus foi súbito e contun­dente, mas Levi (Mateus) estava pronto para responder, diferente de homens de negócios que adiam o serviço a Cristo para cuidar dos interesses próprios. Com freqüência, grandes decisões são tomadas a qualquer momento.

2.16. Os escribas dos fariseus (oi ypct|i|j,caeiç xc5v ^apioaícov [ARA];29 cf. “os escribas deles” em Lc 5.30). Mateus deu uma grande recepção (ôoxfiv) na sua casa (Me 2.15; Lc 5.29). Esses publicanos e pecadores não só aceitaram o convite de Levi, mas lhe imitaram o exemplo, pois “o tinham seguido [Jesus]” ( k c u

t)koàoú0odv oorccô, Me 2.15). Era um grupo de pessoas escandaloso do ponto de vista dos escribas dos fariseus que estavam por perto para identificar possíveis falhas. Os escribas estariam de pé e ridi­cularizariam Jesus e os discípulos no amplo salão da casa, a menos que eles estivessem lá fôra por se sentirem muito espirituais para entrar na casa de um publicano. Era uma ofensa para os judeus comerem com os gentios, que se tornaria um problema para os primitivos judeus cristãos (At 11.3). Publicanos e pecadores eram considerados não melhores que gentios (1 Co 5.11).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

2.17. Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores (oijk rjÀOov Kodéaai ôitcaíouç áAAà ã|iapi;cúÀ.oú<;). Como hipótese, Jesus aceita a reivindicação de que os fariseus são justos. Em outro lugar (Mt 23), Ele acusará os fariseus de só usarem uma capa de orgulho e respeitabilidade hipócrita enquanto extorquiam e devoravam. As palavras “ao arrependimento” (e lç [laiávoiav) são acrescentadas em Lucas 5.32. Jesus chamou as pessoas ao arrependimento e uma nova vida espiritual longe do pecado. Mas essa afirmação calou a boca de­les contra o que Jesus estava fazendo. Os sãos ou fortes (íayfovzec) não são os que precisam de médico em uma epidemia.

2.18. Ora, os discípulos de João e os fariseus jejuavam30 (Kai rjoav oi [ia0r|tai ’Iwáwou31 Kai oi $apioaioi vricrceiWTeç32), o pretérito imperfeito perifrástico, tão comum na descrição vívida de Marcos. Provavelmente Levi era o anfitrião desse banquete feito em um dos dias semanais de jejum (o segundo e o quinto dia da semana para os judeus rigorosos). Portanto, havia um confronto de pontos de vista. Os discípulos de João Batista ficaram do lado dos fariseus no que tangia às observâncias ritualistas cerimoniais dos judeus. João ainda era um prisioneiro em Maqueros. João era mais asceta que era Jesus (Mt 9.14,15; Lc 7.33-35), mas nenhum dos dois agradava os críticos. Os aprendizes ou discípulos (|ia0r|raí) de João Batista tinham perdido o espírito do seu líder quando se alinharam com os fariseus contra Jesus. Mas não havia real congenialidade no formalismo dos fariseus (oi |_ta0r|Tal ’Iooávvou Kai oi (ia0r]Tal ucòv $apioaícov). Mais tarde, fariseus, saduceus e herodianos, os quais se detestavam amargamente, fizeram causa comum contra Jesus Cristo. Assim, hoje vemos grupos mutuamente hostis se tomarem aliados quando os cristãos estão por perto (ver mais comentários em Mt 9.14-17). Mateus segue Marcos de perto.

2.19. Os filhos das bodas33 (oi uioi toü vu|í(J)gõvoç), não mera­mente o padrinho do noivo, mas os convidados também, os para­ninfos (TTapavú|i4)oi do grego antigo). Jesus adota a própria metáfora de João Batista (Jo 3.29), mudando “o amigo do esposo” (ô cfúÀoç ToO v ic io u ) para “os filhos do quarto de núpcias”. Jesus se iden­tifica com Deus na sua relação de concerto com Israel, o Noivo do

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Marcos 2

Antigo Testamento (Os 2.18-20).34 O luto não se ajusta à festa de casamento. Mateus, Marcos e Lucas apresentam as três parábolas (a Parábola do Noivo, a Parábola do Pano Novo em Vestido Velho e a Parábola do Vinho Novo em Odres Velhos) para ilustrar e defender a conduta de Jesus em festejar com Levi em um dia de jejum judai­co. Lucas 5.36 diz textualmente que são parábolas. Aos eclesiásti­cos e revolucionários, Jesus parece iconoclasta na ênfase que dá ao aspecto espiritual em vez do aspecto ritualista e cerimonial.

2.21. Ninguém costura remendo de pano novo em veste velha (ouôd.q èTiíplriiia páKouç áyvá^ou èiupáutei éu! i\iánov uaXaióv35). A forma composta do verbo só é encontrada na literatura grega, em­bora o verbo não composto pânico (“coser”) seja bastante comum. Quanto a “deita [...] em” (Mt 9.16) e “tira [...] para [...] coser” (Lc 5.36) são traduções de CTipáÀÀei, “põe em” ou “bata palmas em”.

2.22. E ninguém põe vinho novo em odres velhos36 (âXXà oivov vkov elç àoKOUç Kcavoúç37). Westcott e Hort põem entre parênteses esta cláusula no texto crítico de 1881, como uma não-interpolação ocidental através da qual é omitido só em D e alguns manuscritos latinos antigos.

2.23. Passando ele num sábado pelas searas38 (èyéveto aúxòv kv tolç cráppamv TrapcrnopekaBai ôià tcjv crnopí^wv39), ver em Mateus 12.1, o mesmo em Mateus e Lucas 6.1. Porém Marcos usa TrapcoTopeúeaBca, “ir junto ao lado de”, a menos que õiaTropeúeoGai (encontrado em B, C e D) seja aceito. Talvez ora na extremidade, ora no interior da plantação. Marcos também usa óõòu ãokIv, “fazer espaço”, “abrir caminho”, como o latim iter facere, como que pe­los grãos parados, “começaram a colher espigas”40 (zíXXovzeç touç otáxnaç). Os rabinos diziam que colher grãos e preparar comida era trabalhar. A versão correta seria esta: Eles começaram a abrir espaço arrancando as espigas de cereais (grão, trigo ou cevada, diríamos). Ver em Mateus 12.1-8 para mais comentários sobre esta passagem e na passagem paralela de Lucas 6.1-5.

2.26. Como entrou na Casa de Deus (ttgòç eiof|À0ev elç tòv oÍkov tou 0eoü), na tenda ou tabernáculo em Nobe, não no Templo de Salomão em Jerusalém.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

No tempo deAbiatar, sumo sacerdote41 (eul ApiaGàp ápxiepéwç 42). A referência ao tempo de Abiatar como sumo sacerdote é um ní­tido linguajar grego. Havia confusão no texto massorético e na LXX sobre a diferença entre Aimeleque (Abimeleque) e Abiatar (2 Sm 8.17), o filho e sucessor de Aimeleque (1 Sm 21.2; 22.20). Ao que parece, Aimeleque, não Abiatar, era o sumo sacerdote nesta época. E possível que pai e filho tivessem os dois nomes (1 Sm 22.20; 2 Sm 8.17; 1 Cr 18.16). Abiatar é mencionado embora ambos este­jam envolvidos, como èiri pode querer dizer que está identificando Abiatar. Os sacerdotes antigos tinham regras elaboradas para prepa­rar os pães da proposição (touç apxoix; xrjç TTpoGéoeojç), os pães da apresentação, os pães da face ou presença de Deus. No começo do sábado, levavam-se pães novos e depositavam-se os pães velhos na mesa de ouro no pórtico do santuário. Os sacerdotes comiam esses pães velhos enquanto iam e vinham no cumprimento dos seus deve­res. Foi esse pão que Davi comeu.

2.27. O sábado fo i feito por causa do homem (Tò oáffiaiov ôià tòv avGpoouov éyéveco). Só Marcos tem essa declaração profunda que subordina o sábado ao verdadeiro bem-estar da humanidade. O uso de um artigo genérico com avGpwiToç, classe de classe, mostra que é a raça humana que está em vista aqui. As pessoas não foram feitas para o sábado como os rabinos pensavam, com todas as suas regras insignificantes sobre comer um ovo posto no sábado ou olhar no espelho (ver 2 Macabeus 5.19 e Mequilta em Êx 31.13: “O sá­bado é liberto de vós, mas vós não sois libertos do sábado”). O cris­tianismo tem lutado essa batalha sobre institucionalismo. Apropria igreja é para as pessoas, e não as pessoas para a igreja.

2.28. Assim, o Filho do Homem até do sábado é senhor (cooie KÚpióç éoTiv ô uiòç Toü ávGpoÓTrou K c à -roí) aappáxou). Marcos, Mateus 12.8 e Lucas 6.5 apresentam essa declaração como clímax para as cinco razões dadas que na ocasião Cristo deu para a con­duta dos discípulos. Mas Marcos tem a palavrinha “até” (kocl) que não está nos outros. Desta forma, Marcos proclama que Jesus sabia que estava fazendo importante declaração como Filho do Homem, o homem representativo. O Messias tinha senhorio (KÚpioç) até so­

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Marcos 2

bre o sábado. Ele não era o escravo do sábado, mas o Senhor dele. “Mesmo do sábado, tão inestimável aos vossos olhos. Senhor, não para abolir, mas para interpretar e mantê-lo no seu devido lugar, e dar um nome novo.”43

NOTAS___________________________________________________1 TR e TM têm kcu uáÀiv elof|À9ev eLç Kairepvaoí>|i ô i’ rpepúv.2 “O povo ouviu falar que ele estava em casa” (NVI).3 TR e TM têm riKOiJOTri oil eLç olkov èoxiv.4 Alguns dos manuscritos têm elç olkov, ilustrando a identidade prática no

significado de kv e elç. Ver A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), pp. 591-596.

5 “Que já não havia lugar nem à porta” (BJ).6 “Enquanto Jesus estava anunciando a mensagem” (NTLH).7 “Vieram alguns homens” (NVI).8 “Transportado por quatro homens” (BJ).9 “Não podendo levá-lo até Jesus, por causa da multidão” (ARA).10 “Fizeram um buraco no telhado da casa, em cima do lugar onde Jesus estava”

(NTLH).11 TR e TM têm Trpoaeyyioca em lugar de irpoaevéyKoa.12 James Hope Moulton and George Milligan, The Vocabulary o f the Greek

Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952).13 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 170.14 “Baixaram a maca em que estava deitado o paralítico” (NVI).15 TR e TM têm xalwaiv tÒv Kpápparrov ecj)’ cp ò TOpaXirciKÒç KaxéKeiTO.16 “Jesus, vendo a sua fé” (BJ); “Jesus viu que eles tinham fé” (NTLH); “vendo a

fé que tinham, Jesus” (NVI).17 TR e TM têm lôwv ôé.18 TR e TM têm T É k v o v , ácjjécovim aoi al à^aptíai aou.19 Robertson, Grammar, pp. 864ss.20 “Alguns mestres da Lei que estavam sentados ali começaram a pensar”

(NTLH); “estavam sentados ali alguns mestres da lei, raciocinando em seu ín­timo” (NVI).

21 TR e TM têm pA,aocj)r||_iíaiç.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

22 “Jesus imediatamente percebeu em seu espírito o que pensavam em seu ínti­mo” (BJ); “Jesus percebeu logo em seu espírito que era isso que eles estavam pensando” (NVI).

23 TR e TM têm eúGéwç.24 “[Ele] retirou-se à vista de todos” (ARA).25 TR e TM têm è^ÀGev kvavxíov uávucov.26 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, oüôéuoTê outcoç eíõo|iev.27 “Jesus saiu outra vez para beira-mar” (NVI); “de novo, saiu Jesus para junto do

mar” (ARA).28 “Enquanto estava caminhando” (NTLH).29T R eT M têm ol YpamiaTeiç kch oi ®<xpiaoâoi.30 “Ora, os discípulos de João e os fariseus estavam jejuando” (ARA).31 WH tem a grafia 'Icoávriç.32 TR e TM têm ol xüv OccpiacáGov vrioteúovTeç.33 “Os amigos do noivo” (BJ); “os convidados do noivo” (NVI); “os convidados

para o casamento” (ARA).34 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids;

Kregel, 1977), p. 44.3d TR e TM têm xai oúôelç éirípÀrpa páKouç áyvátjíoi) eirippcnrcei 4t t l l(j,áti.G)

iralaíco.36 “E ninguém põe vinho novo em vasilha de couro velha” (NVI).37 TR e TM têm a palavra adicional pÀr|iéov ao término da frase.38 “Aconteceu atravessar Jesus, em dia de sábado, as searas” (ARA).39 TR e TM têm uma ordem de palavras diferente, Kai èyéyero uapaTropeúeaGca

aútòv év tolç aáppaoLV ôià tojv atropíjicjv.40 “Começaram a abrir caminhos arrancando as espigas” (BJ); “os discípulos iam

colhendo espigas” (NTLH).41 “Nos dias do sumo sacerdote Abiatar” (NVI).42 TR tem ApiáGap toO àpxigpétoç.43 Alexander Balmain Bruce, The Expositor s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 356.

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Capítulo3

Marcos3.1. E estava ali um homem que tinha uma das mãos mirrada1

(kai rjv ék€l av0pcoTTOç kír\ç>vL\i.\}.kvr\v exoov ir\v xeipa). É um lingua­jar comum no grego ter a função de artigo como caso possessivo. Assim, a “sua” mão estava em estado murcho, acusativo singular fe m in in o do particípio perfeito passivo (adjetivo £qpav em Mt e Lc), mostrando que não era congênito, mas o resultado de lesão por aci­dente ou doença. Lucas 6.6 presta a informação de que era a mão direita que estava doente.

3.2. E estavam observando-o2 (kcu u a p e tr ip o u v a ü u ò v ) , tercei­ra pessoa do plural do pretérito imperfeito ativo do indicativo. Os fariseus estavam assistindo de lado ou às escondidas. Lucas 6.7 usa a voz média, iraperripoüvT O , para acentuar o interesse pessoal que tinham nos procedimentos de Jesus. Wycliffe traduz corretamente: “Eles o espionavam”. Eles bancavam o espião em Jesus. O dia era sábado e o lugar era na sinagoga. Eles estavam lá prontos para apa­nhá-lo no ato caso ousasse violar as regras como fizera nos campos de trigo. Provavelmente são os mesmos fariseus de então.

Para o acusarem3 (iva KaxriyopriotooLv aíruoü), o mesmo em Mateus 12.10. Lucas 6.7 tem “para acharem de que o acusar” (iva

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

eupwoiv KocxriYopelv aútoO). Eles estavam determinados a acusá-lo. A controvérsia do sábado oferecia a melhor oportunidade. Portanto, estão prontos para agir.

3.3. Levanta-te e vem para o meio4 (’'Eyeipe elç tò fiéoov5). Caminhe até ao meio do recinto para que todos possam ver. Cristo desafiou ousadamente os inimigos espiões. E possível sentir a emo­ção perpassando entre os hipócritas de barbas longas em vista desse ato intrépido de Jesus.

3.4. E eles calaram-se6 (ol ôè èaiGúiTGov), terceira pessoa do plural do pretérito imperfeito ativo do indicativo. Em silêncio e im­potência taciturnos diante das perguntas impiedosas de Jesus, en­quanto o pobre homem estava parado à vista de todos eles. Jesus os encurralou com as alternativas da guarda do sábado entre fazer o que é bom (áycídòu ttoiÍ go, grego recente na LXX e Novo Testamento) ou fazer o que é mau (kkkoitou:«, palavra grega antiga). Tinham de salvar a vida ou matar? (i|ru%f|v ocôoai rj árroKTeivcu). A escolha es­tava na cena que estavam presenciando. Foi uma revelação horrível de fatos comprometedores.

3.5. Olhando para eles em redor com indignação1 (TTepi(3A.€\j/á[j,ÉV0c; aütouç ópyrjç). Marcos quase sempre se re­fere às emoções faciais de Jesus quando este olhava os outros (Me 3.5,34; 10.23; 11.11). Em Lucas, essa referência só aparece em 6.10. Os olhos de Jesus varreram o ambiente. Cada hipócrita rabínico sen­tiu a estocada daquele olhar condenatório. Essa raiva indignada não era incompatível com o amor e espiritualidade de Jesus. Ele viu o assassinato em seus corações. A raiva do erro como erro é sinal de saúde moral.8

Condoendo-se da dureza do seu coração9 (ouAAuitoÍ>|í€voç èni irj uGopGÓoei Tf|ç Kapõíaç ooitqv). Só Marcos faz essa observação. A raiva foi moderada pela dor.10 Jesus é o Homem de Dores. Este particípio presente põe em relevo o estado contínuo de aflição, ao passo que o olhar indignado momentâneo é expresso pelo particípio aoristo. O coração ou atitude dessas pessoas estava em estado de ossificação moral (ttcÓpgjolç), como mãos ou pés endurecidos. Em grego, a palavra iTupoç referia-se a um tipo de mármore, e depois

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Marcos 3

passou a significar o calo em ossos fraturados. “Suas concepções prévias os endureceram em relação a essa verdade nova.”11 Ver tam­bém análise em Mateus 12.9-14.

3.6. E, tendo saído os fariseus, tomaram logo conselho com os herodianos contra elen ( k k I é£eÀ9óvTeç ol $apLoaioi eí)0i)ç13 TGúv 'Hpcpõiavcjy aui_ipoúXiov èôíõouv14 kcct’ aúioü). Os fariseus não aguentaram mais. Lá fôra eles se reuniram cheios de ódio (Lc 6.11). Fôra da sinagoga, tomaram conselho (au|iPoúA.iov ênmriaav) ou entraram em deliberação (au|iPoúA.iov èõíõouv, como consta em alguns manuscritos, tempo imperfeito, deliberação oferecida como a solução que encontraram para o problema) com os seus amargos inimigos, os herodianos, no dia de sábado, “procurando ver como o matariam”15 (oitcoç a u tò v crrroAiacoaiy). Temos aqui uma ilustração notável das mesmas alternativas que Jesus há pouco lhes apresenta­ra, “salvar a vida ou matar”. Esta é a primeira menção dos herodia­nos, que apoiavam que Herodes Antipas e a família de Herodes as­sumissem o lugar dos romanos. Os fariseus aceitaram de bom grado a ajuda dos rivais para matar Jesus. Na presença de Jesus, eles unem forças, como vemos em Marcos 8.15 e 12.13 e em Mateus 22.16.

3.7. E retirou-se Jesus com os seus discípulos para o mar16 (ó Tipouç [iexà twv iiaGiyucôv aúuoü kveyápfioev upòç zr\v 0áÀaoaav17). Jesus sabia que “Ele e os seus estariam mais seguros ao longo da praia aberta”.18 Ele tem os discípulos consigo. Vincent nota que Marcos menciona em onze ocasiões as retiradas de Jesus para es­capar dos inimigos e ir orar, descansar ou conversar em particular com os discípulos (Me 1.12; 3.7; 6.31,46; 7.24,31; 9.2; 10.1; 14.33). Mas, como sempre, uma grande multidão (ttoàu irÀrj0oç) da Galiléiao seguia.

3.8. Uma grande multidão que, ouvindo quão grandes coisas fazia19 ((koúovTeç oaa eiroíei20), nominativo plural masculino do particípio presente ativo, embora a palavra iTÀfjBoç seja neutro singu­lar (construção de acordo com o sentido em número e gênero). Essas pessoas que estavam em massa junto ao mar tinham vindo do norte, sul, leste e noroeste. Vieram da Galiléia, Judéia e Jerusalém, além do rio Jordão (Decápolis e Peréia), Tiro e Sidom, e Fenícia. Havia

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

alguns até da Iduméia, que é mencionada somente aqui no Novo Testamento. João Hircano anexara pela guerra esta área à Palestina. A Iduméia era praticamente parte da Judéia, com uma população ju ­daica.21 Muitos desses provenientes da Fenícia e de Decápolis eram gentios que só saberiam o idioma grego. A fama de Jesus se espa­lhara por regiões de todo o lado. Havia uma aglomeração de pessoas dirigindo-se a Jesus que estava às margens do mar da Galiléia.

3.9. E ele disse aos seus discípulos que lhe tivessem sempre pronto um barquinho junto dele22 (kc/A e iirev to I ç [ia0r)"alç autoO Iva nÀoiápiov TTpocJK(xpT6pf| a u to ) ) . O barco tinha de ser mantido perto (note o tempo presente do subjuntivo de TipooKapTepéa)) da costa em prontidão constante e posto em movimento quando Jesus se movia. Se Ele precisasse ou não do barco o texto não informa.

Por causa da multidão, para que o não comprimisse27’ (iva (iti Glípcooiy cuj-uóv). As pessoas poderiam prensá-lo ou esmagá-lo. Jesus ficava com as multidões, porque elas precisavam dEle, sub­juntivo presente.

3.10. Todos quantos tinham algum mal se arrojavam sobre ele, para lhe tocarem24 (wote éttlttlttt6 iv autcô 'iva aüuoü ca[íG)VT(xi. òaoi eíxov |aáoTLya<;). As pessoas estavam se lançando em cima dEle em tal proporção que estava ficando perigoso. Não eram hostis, apenas estavam intensamente ansiosas, cada qual querendo ser atendida por Jesus. Esperavam cura pelo contato com Cristo, terceira pessoa do plural do subjuntivo aoristo. Era uma cena realmente patética e uma tremenda tensão sobre Jesus. Todos quantos tinham pragas, ataques ou flagelos (aqui [moTiYaç, “batidas”, “aflições”). A palavra praga é derivada de TiÀriYri (plaga, em latim), de TTA.r|Yvu|j,L, “dar um soco”, comum em grego antigo nesse sentido. A palavra liáaTiYctç tem a mesma gama de significado (ver também Me 5.29,34; Lc 7.21; 2 Macabeus 9.11).

3.11. E os espíritos imundos, vendo-o2i (ómv aírcòv èGecópouv26), terceira pessoa do plural do pretérito imperfeito ativo do indicativo com oxav de ação repetida. Eles continuavam caindo ao chão diante dEle (TTpoaéiTiTruov) e clamando (ç« p c í(o v ), e Jesus continuava proi­bindo ou repreendendo (enfuna) a eles, todos no tempo pretérito

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Marcos 3

imperfeito. Os espíritos imundos ou demônios outra vez reconhe­ceram Jesus como o Filho de Deus, e Jesus outra vez os proibiu de fazê-lo conhecido. Ele não desejava o testemunho deles. Só Marcos apresenta essa experiência penosa. Note o uso não final de 'iva.

3.13. E subiu ao monte21 (Kai àvafkúyei elç tò ôpoç). Lucas 6.12 acrescenta “a orar”. O verbo indica o presente histórico tão co­mum na narrativa vívida de Marcos. Nenhum Evangelho dá o nome do monte, desta forma presumindo que era sabido por todos. Não ficava longe do lago.

E chamou para si os que ele quis28 (kai 'npooKaA.e ira i ouç f|9eA,ev aútóç), uso enfático de airróç (a si mesmo) no fim da frase. Quer por imitação pessoal quer por intermédio dos discípulos, Jesus convida ou chama para si (irpoaraleiTca, presente histórico médio do indica­tivo) um grupo seleto de discípulos entre as vastas multidões junto ao mar, aqueles a quem Ele realmente desejava ter consigo.

E vieram a ele (Kai àTrf|À,0ov irpoç amóv). Lucas 6.12 declara que Jesus “passou a noite em oração a Deus”. Era uma crise no mi­nistério de Cristo. Esse grupo seleto que estava em cima no monte respeitava a longa agonia de Jesus, embora não compreendesse o motivo. Esses discípulos formavam um tipo de guarda-costas espi­rituais ao redor do Mestre durante a sua vigília noturna no monte.

3.14. E nomeou doze (Kai éuoíriaev ôoóôeKa). Esta foi uma se­gunda seleção entre os convidados ao monte, feita depois da noite de oração (Lc 6.13). Escolheu doze talvez para representar os eleitos de Deus das doze tribos do Israel nacional. Tinham de ser os prín­cipes do novo Israel (cf. Mt 19.28; Lc 22.30; Ap 21.14,15). Lucas 6.13-16 apresenta a lista dos doze neste ponto da narrativa, enquan­to Mateus adia até recontar como os doze são enviados pela Galiléia (Mt 10.1-4). Há uma quarta lista em Atos 1.13.29 Os três grupos de quatro começam semelhantemente (Simão, Filipe, Tiago).

Escolheu doze, designando-os apóstolos ([NVI] [ouç K a i

áiToaTÓÀouç còvófiaaev]).30 Foi o próprio Jesus que deu o nome “apóstolo” ou “missionário” (àmoxéXXu, “enviar”) a esse grupo de doze. A palavra também é aplicada no Novo Testamento a delega­dos ou mensageiros de igrejas (2 Co 8.23; Fp 2.25) e a mensageiro

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

em João 13.16. Também é aplicada por Paulo no mesmo nível que os doze (por exemplo, G1 1.1,11—2.9), a Bamabé (At 14.14) e tal­vez a Timóteo e Silas (At 17.14,15; 1 Ts 2.7-9; 1 Pe 5.12).

Para que estivessem com ele e os mandasse a pregar (iva. goolvaikoü kcc! 'iva áuooTéÀÀri aikouç Krpúaaeiv). Marcos men­

ciona dois propósitos para Jesus ter escolhido esses doze. Eles não estariam prontos para serem enviados até que tivessem estado com Jesus por certo tempo. Uma das tarefas principais de Cristo era trei­nar esse grupo de homens.31 A mesma palavra caróoxoÀoç é derivada de à~oozó)a.(n. Dois infinitivos expressam os dois propósitos para enviar os apóstolos. Eles tinham de “pregar” (Krpúaoeiv, derivado de Kf|pu£, “arauto”, “anunciador”) e “para que tivessem o poder de [...] expulsar os demônios” (exeiv e^ouoíav 0<páA,A,eiv rà ôoafióvux32). Esse ministério duplo de pregação e cura era a marca distintiva do trabalho que faziam. Entretanto, as duas coisas são diferentes, e uma não envolve necessariamente a outra.

3.16. Simão, a quem pôs o nome de Pedro (êué0r|Kev õvo|_ia xw Eí.|í(jOvi nétpov33). No idioma grego, essa frase não é desajeitada. Pedro está em justaposição com nome ou ôvo|aa (acusativo). Este sobrenome Jesus deu em acréscimo (èué0r]Kev) a Simão (caso dati­vo). Aqui é, então, uma referência direta ao que é narrado em João 1.42, quando Jesus encontrou Simão pela primeira vez. Marcos re­flete as próprias palavras de Pedro. Lucas 6.14 diz apenas: “Ao qual também chamou Pedro”. Ver em Mateus 16.18 para inteirar-se da explicação dos nomes Pedro, Pedra e Cefas.

3.17. Aos quais pôs o nome de Boanerges, que significa: Filhos do trovão (èuéGriKev aÚTOiç óvó|_ia ia Boavrpyéç;34, ò koxiv Ylol Bpovrfiç). Só Marcos apresenta esse apelido hebraico. Pode ser alu­são ao temperamento inflamado revelado em Lucas 9.54, quando Tiago e João quiseram mandar descer fogo do céu para as aldeias samaritanas hostis. A palavra Boavrpyéç significa, literalmente, “fi­lhos do tumulto” ou “filhos do trovão” em siríaco. Marcos não dá nenhum outro epíteto, exceto as descrições para distinguir entre ho­mens com os mesmos nomes, como Simão, o Zelote (ou Cananeu), e Judas Iscariotes, “o que o traiu” (Me 3.19). André (derivado de

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Marcos 3

àvrjp, “um homem”) e Filipe (Filipos, “gostar muito de cavalos”) são nomes gregos. Mateus é um nome hebraico que significa “pre­sente de Deus” (MaGGouoç). Tomé é hebraico e significa “gêmeo” (Dídimo, Jo 11.16). Há duas formas do nome de Tiago (também

“Jacó”). Tadeu é outro nome para Lebeu.3.20. Eforam para urna casa35 (Kai ep%eTai36eiç oíkov), outro

presente histórico sem o artigo. Vindo do monte, Ele vai para casa, provavelmente a casa de Simão como em Marcos 1.29. Marcos ig­nora o Sermão do Monte narrado por Mateus e Lucas no monte (em Lucas, planalto no monte). O Evangelho de Marcos está cheio de ação e não visa contar tudo que Jesus fez e disse.

De tal maneira que nem sequer podiam comer pão31 (uote j-ir] ôúvaoGoa aÚToi)ç |ar|ôè3S aptov 4>ayeiv). Não o infinitivo com oxrce. Pelo visto, Jesus e os discípulos estavam em uma casa com a gran­de multidão dentro e porta afora, como em Marcos 1.33 e 2.2, aos quais Marcos se refere “outra vez”. A aglomeração de gente era tão grande que eles não podiam descansar nem comer, e pelo visto Jesus nem mesmo podia ensinar. A multidão reajuntou-se imediatamente depois que Jesus voltou do monte.

3.21. E, quando os seus parentes ouviram isso39 (kocI (XKOÚaavTjeç;oi rap ’ amou). A frase significa literalmente “aqueles do lado dEle [Jesus]”. Poderia significar outro círculo de discípulos que há pouco chegara e que ficara sabendo das multidões e tensões do ministério na Galiléia que agora chega nessa conjuntura especial. Mas o lin­guajar significa os parentes ou a família de Jesus, como é comum na LXX. O versículo 31 menciona expressamente “seus irmãos e sua mãe”, indicando que eles são “os seus parentes” do versículo 21.

Está fôra de si40 (è£éo tr|), terceira pessoa do singular do aoristo segundo ativo do indicativo intransitivo. E um espetáculo triste pen­sar que a mãe e os irmãos disseram isso. A acusação foi levantada contra Paulo (At 26.24; 2 Co 5.13). Claro que Maria não achava que Jesus estava sob o poder de Belzebu, como disseram os rabinos (ver em Mt 9.32-34; 10.25 e 12.24 para inteirar-se de análise sobre a palavra Belzebu). Os escribas de Jerusalém estão tentando desacre­ditar o poder e prestígio de Jesus (Me 3.22). Maria sentiu que Jesus

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

estava exausto e desejava levá-lo para casa, tirá-lo dessa agitação e tensão, de forma que ele pudesse descansar e alimentar-se apropria­damente.41 Os seus irmãos ainda não criam nas afirmações preten­siosas de Jesus (Jo 7.5). Mais tarde, Herodes Antipas considerará que Jesus é João Batista ressurgido dos mortos. Os escribas tratam- no como uma pessoa possuída por demônios. Até os familiares e amigos temem que Ele esteja sofrendo de alguma alienação mental conseqüência de esforço exagerado. Era um momento crucial para Jesus, quando a família ou amigos vieram levá-lo para casa, apode­rar-se dEle (KpaTjfjaai) à força e violência se necessário.

3.23. Disse-lhes por parábolas42 (év iTapa|3oA.oâç eÀeyev aÚToIç), em energéticas investidas penetrantes Jesus expôs as in­consistências dos escribas e fariseus. Ver em Mateus 13 para intei- rar-se de análise da palavra parábola (uapapolri, “colocar ao lado para comparação”). Ele começa com uma pergunta retórica sobre Satanás para esclarecer o poder que tem para expulsar demônios.

3.24. Se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não pode subsistir (kav paxnA.eí(x 6^’ èautriv |j,epia9fj, oú ôúvcrrcíi ata 9f|vai ri PaoiA-eía 6Keívr|). Sátiras parabólicas curtas nos versícu­los 24 e 25 mostram que Satanás não pode se expulsar (èicpáM-ei, a mesma palavra usada acerca de expulsar demônios). Um reino dividido G-iepioBrj, por uma mera porção) contra si mesmo e uma casa dividida (jiepiaGfj) contra si mesma mostra duas condições de terceira classe indeterminada, mas com prospecto de determi­nação.

3.27. Ninguém pode roubar os bens do valente, entrando-lhe em sua casa43 (ou ôúvcrau oúôelç elç tt|v oÍkÍolv toú Lo^upou eioeÀGuv xà OKeúri cajuoíj ôiapTiáacu, èàv |af| -rrpákov tòv iaxupòv ôtÍot], Kod tÓté tr]y oiKÍav aútoO õiapuáaei 44). Roubar é um verbo composto que significa “saquear completamente”. Em um reductio ad absurdum, Jesus descreve Satanás saqueando os de­mônios, as mesmas ferramentas (aiceúri) pelas quais opera o seu negócio. Jesus é o conquistador de Satanás, não o seu aliado.

3.29. Mas será réu do eterno ju ízo (àXXu ’évo^óç éoTiv aicovíoi) áiiapitíiictToc; 45). O genitivo de penalidade ocorre aqui

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Marcos 3

com evoxóç. Ao dizer que Jesus tinha um espírito imundo (Me 3.30), os inimigos de Jesus atribuíram ao Diabo a obra do Espírito Santo. Este é o pecado imperdoável, e pode ser cometido hoje pelos que dizem que a obra de Cristo é a obra do Diabo. Foi o que Friedrich Nietzsche fez no campo da filosofia. Os que esperam que no futuro haja uma segunda chance devem ponderar com cuidado que uma alma que eternamente peca em tal ambiente nunca pode se arrepender. Trata-se de castigo eterno. O texto usa á[iapTTÍ|_uxTOç (pecado), e não Kpioéwç (julgamento) como no Textus Receptus.

3.31. Estando de fô ra (e£w axiÍKovxeç 46), um recente tempo presente do perfeito eotr|Ka. Que quadro patético: a mãe e os irmãos de Jesus estavam no lado de fôra da casa, pensando que Jesus, lá dentro, estava fôra de si, por cuja razão queriam levá-lo para casa. Eles não podiam entrar porque a multidão era excessi­vamente numerosa.

Mandaram-no chamar47 (àiT éoT eiÀ ay u p ò ç o rò tò v K a lo u v ie ç 48 aikóv). Eles não queriam revelar que o propósito que tinham em mente era levá-lo para casa.49 Por isso, usam a multidão para passar a palavra para o lado de dentro da casa onde Jesus esta­va, desta forma “chamando-o” pelos outros. Alguns manuscritos acrescentam “irmãs” à mãe e irmãos que buscavam a Jesus.

3.32. E a multidão estava assentada ao redor dele (<=Ká9r|TO i ie p l cujtÒv õxA.oç50). As pessoas da multidão se sentaram em cír­culo (kÚkàgo) em torno de Jesus, com os discípulos formando um tipo de círculo interno.

3.34. E, olhando em redor para os que estavam assenta­dos junto dele5X ( kou u e p L.pÀe\j;á|aevoç xouç Trepi aúxòv kÚkXcú KccGruiévoDc;52), outro dos detalhes vívidos de Marcos. Jesus diz que os que fazem a vontade de Deus são a sua mãe, irmãos e irmãs. Isso não prova que as irmãs estavam de fato lá. Os irmãos eram hostis e este é o ponto das palavras trágicas de Jesus. Nosso cora­ção dói por Maria que tem de voltar para casa sem nem ao menos ver o seu Filho maravilhoso. O que tudo isso significava para ela a essa altura dos acontecimentos?

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

NOTAS___________________________________________________1 “E estava ali um homem com uma das mãos atrofiada” (BJ; NVI); “e estava ali

um homem que tinha ressequida uma das mãos” (ARA).2 “Ficaram espiando Jesus com atenção” (NTLH).3 “Algumas pessoas que queriam acusar Jesus de desobedecer à Lei” (NTLH).4 “Levanta-te e vem aqui para o meio” (BJ); “vem para o meio!” (ARA).3 TR e TM têm ’'Eyeipoa elç tò jjiaov.6 “Mas eles ficaram em silêncio” (ARA).7 “Irado, olhou para os que estavam à sua volta” (NVI).s Ezra R Gould, Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to

St. Mark (Edimburgo: T. & T. Clark, 1896), p. 53.9 “Profundamente entristecido por causa do coração endurecido deles” (NVI).

10 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 52.

11 Gould, Critical and Exegetical Commentary, p. 53.12 “Retirando-se os fariseus, conspiravam logo com os herodianos” (ARA).13 TR e TM têm eúGécoç em lugar de eúGúç.14 TR e TM têm íttoÍouv em lugar de éôíõouv.15 “Sobre como o destruiriam” (BJ); “em como lhe tirariam a vida” (ARA).16 “Jesus e os discípulos foram até o lago da Galiléia” (NTLH).17 TR e TM têm uma ordem diferente palavras, «ed ó Tr|aoüç ávexúpriaev [ierà

t(5v |ia0r)Ttôv aútoO irpòç tt|v QáXaaaav. Entretanto, TRb e TM não incluem o v eufônico no verbo àvexúprioe.

18 Swete, Commentary on Mark, p. 54.19 “Uma grande multidão, sabendo quantas coisas Jesus fazia” (ARA).20 TR e TM têm o particípio aoristo, áKoúoavTCç ooa eiToíei.21 George Adam Smith, The Historical Geography o f the Holy Land (Nova York:

Harper & Brothers, 1931).22 “E ele disse aos seus discípulos que deixassem um pequeno barco à sua dispo­

sição” (BJ).23 “A fim de não ser esmagado pela multidão” (NTLH).24 “Os que sofriam de doenças ficavam se empurrando para conseguir tocar nele”

(NVI).25 “Sempre que os espíritos imundos o viam” (NVI).26 TR e TM têm bmv aúiòv êGecópei.27 “Jesus subiu a um monte” (AEC; NVI).

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Marcos 3

28 “E chamou os que ele mesmo quis” (ARA).29 Ver uma discussão acerca dos nomes dos apóstolos em Mateus 10.1-4 e em A.

T. Robertson, Harmony o f the Gospels fo r Students o f the Life o f Christ (Nova York: Harper & Row, 1922), pp. 271-273.

30 WH se inspira em Aleph, B, C, etc. É genuíno em Lucas 6.13, mas aqui não é considerado.

31 Ver Alexander Balmain Bruce, The Training o f the Twelve (Grand Rapids: Kregel, 1971).

32 TR e TM têm €X€lv èÇouaíai' OepaneúeLV ràç vóaouç Kal èKpáXÀeiv xà õiavóvia.

33 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, Kal èiré0T]Kev tw 2í|icovi õvo|ia nétpov. Entretanto, TRb e TM não incluem o v eufônico no verbo èríé0r|Ke.

34 TR e TM grafam assim: Boavepyéç.35 “E voltou para casa” (BJ); “então, ele foi para casa” (ARA).36 TR e TM têm o plural ep^oviau TRs tem esta frase como parte do versículo

19.37 “De tal modo que eles não podiam se alimentar” (BJ).38 TR e TM têm o negativo iiiyué.39 “E quando os seus tomaram conhecimento disso” (BJ).40 “Enlouqueceu” (BJ).41 Ver A. T. Robertson, Maiy the Mother o f Jesus: Her Problems and Her Glory

(Nova York: Doran, 1925).42 “Falou-lhes por parábolas” (BJ).43 “Ninguém pode entrar na casa do homem forte e levar dali os seus bens”

(NVI).44 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, oú ôúvaicu otiõelç tà aKeúri toO

íaxupoü, elaelGwv elç if]v oIkÍcív amou Siapmkm. Entretanto, TM começa afrase comOúõelç õúwrau.

45 TR e TM têm o seguinte: àXk’ evo^óç èoiiv alcovíou Kploewç.46 TR e TM têm eÇw êotcÔTeç.47 “Mandaram alguém chamá-lo” (NVI).48 TR e TM têm (})a)yoíjvTeç em lugar de Kalouvieç.49 Swete, Commentary on Mark, p. 69.50 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, èKá0r|TO õx^oç uepi aíitóv.

“Muita gente estava assentada ao redor dele” (ARA).51 “E, repassando com o olhar os que estavam sentados ao seu redor” (BJ); “e,

correndo o olhar pelos que estavam assentados ao redor” (ARA).52 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, Kal irep ipÀeijjá|j,evoç kÚkA.u toijç

irepl aüxòv Ka0r||iévoi)ç.

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Capítulo4

Marcos4.1. Ajuntou-se a ele grande multidão1 (auyáyexai2 npoç aútòv

6%Àoç TTÀeioToç., outro presente pictórico gráfico. Veja as multidões apertando Jesus em direção ao mar. Primeiro, ele se sentou na praia (Mt 13.1) e depois uma “grande multidão” (oyj-oi TíÂeiaxoç) o fez entrar em um barco, no qual ele se sentou e ensinou. Neste ponto do seu ministério, era comum Jesus ensinar as multidões na praia (Me 2.13; 3.7-12).

Ele entrou e assentou-se num barco, sobre o meu3 (w o té ocijtÒv e iç ttA,olov è[ipávT a K a0f|o0 (u ev r f | Oodáaori4). Ele sentou-se no barco que estava no mar.

4.2. Ensinava-lhes5 (èô íô aaK ev oarcouç), um tempo imperfeito que mostra que a ação era feita continuamente.

Por parábolas6 (kv TTapaPoXaXç), como em Marcos 3.23, só aqui as parábolas são mais extensas. Ver análise em Mateus 13 sobre o uso que Cristo fez das parábolas. Mateus 13 apresenta oito parábo­las. A Parábola da Candeia consta em Marcos 4.21 e Lucas 8.16. Tanto a Parábola do Semeador quanto a Parábola da Candeia estão em Lucas. A Parábola da Semente está em Marcos 4.26-29 e não consta em Mateus ou Lucas. Marcos 4.1-34 menciona quatro pará­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

bolas (a Parábola do Semeador, a Parábola da Candeia, a Parábola da Semente e a Parábola do Grão de Mostarda). Mas Marcos acres­centa: “Sem parábolas nunca lhes falava” (Me 4.34), mostrando claramente que Jesus falou muitas outras parábolas nessa ocasião. Mateus 13.34 faz a mesma declaração. É lógico, então, que Jesus contou muitas parábolas nesse dia, e todas as teorias exegéticas ou dispensacionais pertinentes ao número das parábolas do Reino são irrelevantes.

4.3. Ouvi1 (’AKOúere). E significativo que até Jesus teve de pedir que as pessoas o ouvissem ou prestassem atenção quando falava. Ver também o versículo 9.

4.7. E, crescendo os espinhos, a sufocaram8 (k<xI àvífir\oav a i ckavGaL Kai owévvi^av airuó). O verbo TrvíyG) significa “estrangu­lar”, “sufocar”, “afogar”. Marcos tem a forma composta com ouv- (“apertaram junto”). Mateus 13.7 tem è-iv.vilp.v, “sufocaram fôra”.

E não deu fruto9 (Kai Kapuòv oúk eÕGOKev), só ocorre em Marcos, “estéril de resultados”.

4.8. Que vingou e cresceu10 (êôíôou Kapuòv ávapaívovxa Kai ai)£avó(i,eva "), só ocorre em Marcos, um detalhe vívido que aumenta no crescimento continuado implícito no pretérito imperfeito “dava fruto” (traduzido por “deu fruto”). Continuava dando fruto enquan­to crescia. O fruto é o que importa.

4.10. Quando se achou só12 (ote èyévexo Karà [ióvaç13), ocorre apenas em Marcos, uma lembrança vívida de Pedro. Marcos tam­bém tem “os que estavam junto dele com os doze”14 (oi Ttep l airròv ai)v TOLc ôúõeKa). Mateus 13.10 e Lucas 8.9 têm simplesmente “dis­cípulos”. Os discípulos não queriam que a multidão visse que eles não entenderam o ensino de Jesus.

4.11. A vós vos é dado saber os mistérios do Reino de Deus15 ÇY[iiv xô fujcmpiov ôéôoTai uf|ç paoiÀeíaç to£> Geoü 16). Ver aná­lise em Mateus 13.11 relativa a [ídoitiplov. E usado neste sentido somente nos Evangelhos (Me 4.11 é igual a Mt 13.11, que é igual a Lc 8.10). Mas nos escritos de Paulo ocorre vinte e uma vezes e em Apocalipse, quatro vezes. Também ocorre na Septuaginta em Daniel e nos livros apócrifos. Mateus e Lucas o usam no plural e acrescen­

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Marcos 4

tam “conhecer” (yvoòvca), porém Marcos abrange uma gama mais ampla que conhecimento crescente, a posse permanente do mistério antes mesmo de o entenderem. O segredo não está mais oculto aos iniciados. Discipulado quer dizer iniciação no segredo do Reino de Deus, e virá gradualmente a esses homens.

Mas aos que estão de fô ra17 (èKgíyoLç õè xolç eçu). Isso é pe­culiar a Marcos. Significa os que estão fôra do nosso círculo, os não iniciados, o grupo hostil como os escribas e fariseus que estavam acusando Jesus de estar em conluio com Belzebu. Lucas 8.10 tem “aos outros” (xotç I oittoI ç), Mateus 13.11 tem “a eles” (éKeívoiç). Sem a chave, as parábolas são difíceis de entender, pois as parábolas ocultam a verdade do Reino. A verdade é declarada em termos de outra esfera de ação. Sem revelação espiritual, são ininteligíveis, e ainda hoje são distorcidas. As parábolas condenam as pessoas in­tencionalmente cegas e hostis, ao mesmo tempo em que guiam e abençoam as pessoas que têm fé.

4.12. Para que (iva). Marcos tem a construção do hebraico “para que não” de Isaías 6.9,10 (ARA) com o subjuntivo; o mesmo ocorre em Lucas 8.10. Mateus 13.13 usa o õxi causal com o indica­tivo seguindo a LXX. Ver análise em Mateus 13.13 para o suposto uso causal de 'iva. Ver Ezra Gould em Marcos 4.12 para inteirar-se de uma discussão das diferenças entre Mateus, Marcos e Lucas. Ele argumenta que Marcos “mantém a forma original das declarações de Jesus”.18 Deus ironicamente ordena que Isaías endureça o cora­ção do povo. Se a noção de propósito estiver preservada no uso de 'iva em Marcos e Lucas, há, então, certa ironia nas palavras tristes de Jesus. Se 'iva for dado o uso causativo de o ti em Mateus, a difi­culdade desaparece. O certo é que usando parábolas Jesus assumiu a cegueira judicial de Deus desses que não verão.

Para que se não convertam, e [...] sejam perdoados (|j,r|U0Te èTUOTpéJjGúoiv Koà òxjjeQf) autoiç). Lucas não tem essas palavras di­fíceis que em Isaías parecem ter um floreio irônico, embora Mateus13.15 as retenha até mesmo depois de usar o t i para a primeira parte da citação. Não há modo de fazer lirjiro-cf em Marcos 4.12 e Mateus13.15 ter um sentido causal. É o propósito da condenação pela ce­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

gueira e rejeição voluntariosa conforme se ajusta aos fariseus depois da sua acusação blasfema contra Jesus. Jesus está pronunciando a destruição deles usando o linguajar de Isaías. Parece o canto fúnebre dos condenados.

4.13. Não percebeis esta parábola? (Oí)K oiôaxe xi]v TrapapoA.r)v raúur|v). Os discípulos tinham pedido que Jesus lhes explicasse por que ele usava parábolas. Essa pergunta insinua surpresa diante da lentidão que esses iniciados tinham para entender o segredo do Reino de Deus. A incapacidade para compreender a parábola do semeador levanta dúvida sobre todas as outras hoje e em todos os tempos.

4.14. O que semeia semeia a palavra19 (ô crrreípcov xòv Àóyov aimpei). Não está dito assim clara e simplesmente em Mateus 13.19 ou Lucas 8.11.

4.15. Em quem a palavra é semeada (ottou oueípeTai ó Àóyoç), um detalhe explicativo que ocorre somente em Marcos.

Satanás (Eoaocvâç). Mateus 13.19 tem “o maligno” (ô Trovr|pó<;) e Lucas 8.12 tem “o diabo” (ô õiápoÀoç).

Que fo i semeada no coração deles20 ( tò v éa™p[iévov elç (xijtoÚç21), dentro deles, não só entre eles. Mateus 13.19 tem “no seu coração”.

4.19. As ambições de outras coisas (ai irepi m A.oiirà èTU0u|j,Loa). Todas as paixões ou desejos, sensuais e mundanos, “deleites desta vida” (rjôovGÔv toO píou) como em Lucas 8.14, o mundo dos sen­tidos que submerge o mundo do espírito. A palavra èm0u[j.í.o: não é ruim em si mesma. Podemos ambicionar coisas altas e santas (Lc 22.15; Fp 1.23).

4.20. Os que ouvem a palavra, e a recebem, e dão fruto22 (omveç áKoúonoiv xov Xóyov kccI uapaôéxovTai Kod Kapuotjjopou oiv), mesma palavra em Mateus 13.23 e Lucas 8.15. Marcos dá a ordem de trinta, sessenta e cem, enquanto Mateus 13.23 a inverte.

4.21. Não vem, antes, para se colocar no velador?23 (oi>% 'iva étt! tt|v Âuxvíav ie0f|24), terceira pessoa do singular do aoristo pri­meiro passivo do subjuntivo de tl0t||_ii, com'Ívcc (propósito). A can­deia na casa de um compartimento era um objeto familiar junto com o alqueire, a cama e o velador. Note o artigo com cada palavra.

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Marcos 4

Em grego, a palavra [_ir)TL espera a resposta não.25 Pôr a candeia debaixo do alqueire (j-ióôiov) a apagaria, além de não iluminar. O mesmo aconteceria se fosse posta debaixo da cama ou divã de mesa (kXÍvt\v), no chão, ficando passível de pegar fogo. Jesus repetia cer­tas declarações em outras ocasiões, como mostrado em Mateus e Lucas.

4.22. Porque nada há encoberto que não haja de ser mani­festo26 {oh yáp èoi Lv Kpunròv kkv (j.f) lua cjjaveptoGfi27), note kàu [ir| e iva. Lucas 8.17 tem “que não haja de manifestar-se” (ò oú cfjavepòy yev7Íoei;ca). Aqui em Marcos é declarado que o encobri­mento temporário é um meio para esse fim de manifestação final. Aqueles que nesse momento recebem o segredo têm a responsa­bilidade fixa de proclamá-lo nos telhados depois da ascensão.28 O encoberto (kputttÒv) e o oculto (áTTÓKpuc oy) serão revelados a seu devido tempo.

4.23. Se alguém tem ouvidos para ouvir, que ouça (Ví tiç c'%ei tora ckoúeiv áKouéTu). O versículo 23 repete o versículo 9 com uma forma condicional em vez de uma frase relativa. Talvez Jesus notasse alguma desatenção entre os ouvintes.

4.24. Atendei ao que ides ouvir29 (BÀéueTe xí áKoúete). Lucas 8.18 tem “como ouvis” (ttcòç ctKoúeTe). Ambos são importantes. Algumas coisas não deveriam ser ouvidas de jeito nenhum, pois sujam a mente e o coração. O que vale a pena ouvir deve ser feito com razão e a devida atenção.

Com a medida com que medirdes30 (ku cp |iéxpcp). Ver já no Sermão do Monte (Mt 7.2; Lc 6.38).

4.25. Até o que tem lhe será tirado (kocI ô e^ei ápGriaerai áu’ oarcoí)). Lucas 8.18 tem “até o que parece ter” (kcò. ô õok6l éxeLV)- É possível que e%e l aqui tenha a conotação de “adquirir”. Aquele que não adquire, logo perde o que pensa que teve. Este é um dos parado­xos de Jesus que recompensa pensamento e prática.

4.26. O Reino de Deus é assim como se um homem lançasse semente à terra1'1 (Oikcoç eouív r] PaoiAeia toD Geou coç32 avGpcjiToç páA.r] tÒv GTTÓpov ènl Tf|c; yfjç). Note òç com o subjuntivo aoristo sem av. E um caso imaginável ou presumível, e daí o tempo aoristo

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

no subjuntivo por causa de um único exemplo. Blass considera essa linguagem “bastante impossível”, mas é o verdadeiro texto e faz bom sentido.33 A linguagem mais comum teria sido òç Mv (ou av).

4.27. E dormisse, e se levantasse de noite ou de dia34 (kkI KaGeúõfl Kcà è y e íp r i r a i vikra Koà rpépav), subjuntivo presente para ação continuada. O mesmo também em “a semente brotasse e cres­cesse” («m ô oiTÓpoç plaorâ35 «ai (ariKÚvriTocL), dois verbos recentes. O processo de crescimento continua toda a noite e todo o dia, um acusativo de tempo.

Não sabendo ele como36 (wç oúk oíôev airuóç). Note a posição de GÒç (começo) e afruóç (fim) da frase: Literalmente, é: “Como sabe não ele”. Alguns mecanismos de crescimento da planta ainda con­fundem os agricultores e os cientistas, mas os processos secretos da natureza operam porque somos ignorantes. Esse crescimento secre­to e misterioso do Reino no coração e na vida é o ponto central dessa bonita parábola. “Quando o homem faz a sua parte, o processo de crescimento fica fôra do seu alcance ou compreensão.”37

4.28. A terra por si mesma frutifica38 (ai)to|iátri r] yrj «apuo tropel39). Dizemos que o crescimento é automático. O segredo do crescimento está na semente. A terra, o clima e o cultivo ajudam, mas a semente trabalha espontaneamente de acordo com a sua natu­reza. A palavra aÚTO|idn;r] é derivada de amóç (“si mesmo”) e (_té|aaa (“desejar avidamente”) do obsoleto |iá(o. Outro único exemplo des­se termo no Novo Testamento está em Atos 12.10, quando a porta da cidade se abriu para Pedro por si mesma. “A mente se adapta à verdade, como os olhos à luz.”40 Assim semeamos a semente, a ver­dade do Reino de Deus, e a terra (a alma) está pronta para a semen­te. O Espírito Santo trabalha no coração e usa a semente semeada, fazendo-a germinar e crescer, “primeiro, a erva, depois, a espiga, e, por último, o grão cheio na espiga”41 (irp c jto v %ópiov e i r aeira uÀripriç42 olzov ev tcô ara^úi). Esta é a ordem da natureza e também da graça no Reino de Deus. Por conseguinte, vale a pena orar e ensinar. “Este único fato cria a confiança mostrada por Jesus no estabelecimento último do seu Reino apesar dos obstáculos que obstruem o seu progresso.”43

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Marcos 4

4.29. E, quando já o fruto se mostra'44 (oxav õè irapaôoi ô KapTTÓc;45), aoristo segundo do subjuntivo, sempre que o fruto se dá ou se mostra.

Mete-lhe logo a foice46 (eij0uç àTToaxéAAei xò ô p e ra v o v ) , envia a foice. A palavra apóstolo vem desse verbo (ver Jo 4.38: “Eu vos enviei a ceifar”, èyu áiTéaxeila újiâç B epíÇ eiv ). Foice (õ p é u a v o v ) por metonímia representa os ceifeiros que a usam quando está na hora da colheita (rap éa x riK ev , “fica ao lado”, presente perfeito do indicativo).

4.30. A que assemelharemos o Reino de Deus?41 (IIgõç48 ó|aoi(óo(4 i€v tt]v paoileíav xoü 0eoü[;]), um primeiro subjuntivo aoristo deliberativo. Esta pergunta só consta em Marcos, como é a pergunta companheira que vem logo a seguir: “Ou com que pará­bola o representaremos?”49 (èv xívi aúxriv uapaPoÀr] 9(3|iev50), um segundo subjuntivo aoristo deliberativo. A pergunta gráfica chama a atenção e desperta o interesse dos ouvintes. Lucas 13.18 retém a pergunta dupla. Mateus 13.31,32 não usa uma pergunta, embora Mateus esteja citando algumas das declarações favoritas de Cristo, que são ensinos que Ele repetia com freqüência.

4.31. Que, quando se semeia na terra (oç oxav ouapri c-tt! xf|ç yf|ç), terceira pessoa do singular do aoristo segundo passivo do sub­juntivo de oireípco, ocorrendo somente em Marcos e repetido no ver­sículo 32.

E a menor de todas as sementes que há na terra51 ( |a iK p ó tep ov o|v rrávTGov tgòv onepiiátcov xcôy èul xf|ç yfiç52), um adjetivo com­parativo com o caso ablativo vindo depois. Jesus usa a hipérbole para acentuar que plantas grandes podem crescer de uma semente muito pequena, e assim sucederá com o poder expansivo, penetrante e gradual do Reino de Deus.

4.32. Cresce, [...] de tal maneira que as aves do céu podem ani­nhar-se debaixo da sua sombra (ò.vafiolvti uoxe ôúvaoBai òuò xr\v OKiàv aiJToO xà TTexeivà xou oupavoü KaxaoKrjvoGy). O quadro difere do de Mateus 13.32: “Nos seus ramos” (èv xoiç KÀáòoiç aòxoü), mas Mateus e Marcos usam KaxaoKrjyóco, “acampar” ou “acampar debaixo”, “fazer ninhos nos ramos à sombra” ou “saltar no chão sob

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a sombra igual a um bando de pássaros”. Em Mateus 8.20, “as aves do céu têm ninhos” (KaxaaKrivoóoeic;). O uso do grão de mostarda para aludir à pequenez parece ter sido proverbial, e Jesus o emprega em outros lugares (Mt 17.20; Lc 17.6).

4.33. Segundo o que podiam compreender53 (KaOcòç rjôúvavxo aKoúeiv), só ocorre em Marcos, um pretérito imperfeito do indica­tivo (ver Jo 16.12 para oú ôúvaoGe ßaaxaCeiv, “não o podeis supor­tar”). Havia um limite ao uso de parábolas na presença de incrédu­los. Jesus apresentou os mistérios do Reino nessa forma parabólica oculta, a qual nessa fase era a única forma possível.

4.34. Porém tudo declarava em particular aos seus discípulos54 («m’ Lôíav ôe xotç lôtoiç |aa,9r|Taiç55 eiTeXuev ttocvtoc). Para os seus (lôíoiç) discípulos em particular, em distinção da massa de pessoas, Jesus tinha o hábito (tempo imperfeito, éTTéÀuev) de revelar todas as coisas (jiúvtol) em linguajar claro, sem a forma parabólica usada diante das multidões. O verbo 4itiAúg) ocorre no Novo Testamento só aqui e em Atos 19.39, quando o escrivão da cidade de Efeso fala das dificuldades causadas pela turba: “Averiguar-se-á em legítimo ajuntamento” (èv xrj èvvójico èKKÀrioía eiTi.Àú0r|oex<xi), terceira pes­soa do singular do futuro primeiro passivo do indicativo de émA.-úca. A palavra significa dar adicional (èuí) soltura (Àúco), portanto ex­plicar, tomar mais claro, mais simples, até ao ponto da revelação. Esta última conotação é a idéia do substantivo em 2 Pedro 1.20, que diz: “Nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação” (uâoa Trpocj)r)xeía ypcaj)f]ç lôíaç èTTiAúaeGúç oú yívexai). Aqui o uso de yívexai (“vem”) com o caso ablativo (èiuAúaecoç) e a explica­ção dada no versículo 21 mostram claramente que o significado é a revelação ao profeta, e não a interpretação do que o profeta disse. O impulso e a mensagem proféticos vieram de Deus pelo Espírito Santo. Em particular, as revelações adicionais de Jesus chegaram a novas revelações relativas aos mistérios do Reino de Deus.

4.35. Sendo já tarde (ói[áaç yevo|_iévr|ç), um genitivo absoluto. Tinha sido um dia bastante cheio. A acusação blasfema, a visita da mãe e irmãos, e possivelmente irmãs, que queriam levá-lo para casa, a saída da casa abarrotada de gente para ir à beira mar, as primeiras

COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

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Marcos 4

parábolas ensinadas junto ao mar e, depois, a volta à casa ainda abarrotada de gente, e agora fôra de casa e sobre o mar.

Passemos para a outra margem (AiiÀ9ü)|iev eíç xò uépav). Subjuntivo exortativo (volitivo), tempo aoristo segundo ativo. Eles estavam no lado ocidental, e uma viagem de barco até à costa orien­tal de noite seria uma mudança deliciosa e refrescante para o Cristo cansado. Era o único modo de escapar das multidões.

4.36. Assim como estava (úç rjv). Eles levam Jesus consigo (rapcda|i(3ávoi)aiv) sem preparação prévia.

E havia também com ele outros barquinhos36 (kcu akXa ttàoXcc rjv |í€t’ aúxoü 57). Esse detalhe também só é dado por Marcos. Algumas pessoas embarcaram em outros barcos para ficar perto de Jesus. Havia uma multidão até mesmo sobre o lago.

4.37. E levantou-se grande temporal de vento58 (k k l yívexai latlai); i_ieyáA.r| àvé[iou59). Marcos inclui novamente um presen­te histórico vívido. Mateus 8.24 tem èyévexo (“sobreveio”, ARA) e Lucas 8.23 Kaxépri (“abateu-se”, NVI). Lucas também tem Am Àai|r, mas Mateus oeioiiòt; (“tempestade”), uma elevação violenta da superfície da terra como um terremoto. AcâÃaijf é uma palavra antiga para referir-se a essas rajadas ou tempestades ciclônicas. O “abateu-se” de Lucas mostra que a tempestade veio de repente do monte Hermom ao vale do Jordão, atingindo violentamente o mar da Galiléia em sua profundidade de duzentos e sete metros abaixo do nível do mar Mediterrâneo. O ar quente a esta profundidade puxa as tempestades para baixo com ferocidade súbita. A palavra ocorre na LXX em alusão ao vendaval, pelo qual Deus respondeu a Jó (Jó 38.1), e em Jonas 1.4.

Subiam as ondas por cima do barco60 (xà61 KÚ|iaxa eiTépocAlev elç xò ttáolov), tempo imperfeito (“estavam batendo”) descrevendo vividamente o rolo da água por cima dos lados do barco, de forma “que o barco era coberto pelas ondas” (Mt 8.24). Marcos tem: “De maneira que já se enchia de água”62 (díoxe f|õr| y€|_iíCeo0(xi xò uàol ov63), uma descrição gráfica do apuro dos discípulos.

4.38. Dormindo sobre uma almofada64 (èiri xò upooKetjráAmov KaGeúôGov). Marcos menciona a almofada ou travesseiro e tam­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

bém a popa do barco (év -urj TFpú[ivg). Mateus 8.24 nota que Jesus “estava dormindo” (êKáBeuôev), Lucas 8.23 diz que “adormeceu” (à ÚTTvcooev, terceira pessoa do singular do aoristo ingressivo ativo do indicativo). Ele estava esgotado pela labuta do dia.

Despertaram-no65 (éyeípouoiv cojtov 66), continua o presen­te histórico gráfico de Marcos. Mateus 8.25 e Lucas 8.24 têm “o despertaram”. Marcos também tem o que os outros não têm: “Não te importa [,..]?”67 (ou |j,eÀei ooi). Os discípulos estavam bravos e frustrados, pois Jesus estava dormindo durante tamanha tempestade perigosa, quando eles precisavam dos braços fortes dEle.

Que pereçamos?68 (ánoAAúfieBo', presente linear). Esta é preci­samente a forma grega encontrada em Mateus 8.25 e Lucas 8.24.

4.39. Ele, despertando, repreendeu o vento (õieyepBelç èTTeTi|_ir|oev tco cevéficp) como ocorre em Mateus 8.26 e Lucas 8.24. Ele também falou com o mar. Todos os três Evangelhos mencionam a calmaria súbita (yaA.r|vr|) e a repreensão aos discípulos por essa falta de fé.

4.40. Por que sois tão tímidos?69 (Tí ôeiÀoí êoxe 70). Eles ti­nham consigo no barco o Senhor dos ventos e das ondas. Ele ainda era Senhor mesmo que estivesse dormindo durante a tempestade.

Ainda não tendes fé?1'' (outtgo exete ttlo tlv 72). Ainda não ti­nham percebido que Jesus era realmente o Senhor da natureza. Eles aceitaram o messiado, mas ainda não haviam tirado todas as conclu­sões disso.

4.41. Sentiram um grande temor13 (èc))opr|0rioav cjíópov |iéyav), um acusativo cognato com o aoristo primeiro passivo do indicativo. Eles temeram um grande medo. Mateus 8.27 e Lucas 8.25 mencio­nam que eles “se maravilharam”. Mas também havia medo nessa emoção.

Quem é este [...]?74 (Tíç apa omóç èoxiv [ ]). Não admira que temessem, visto que Ele podia mandar no vento e nas ondas de acordo com a sua vontade, expulsar os demônios, curar todas as doenças e falar tais mistérios em parábolas. Eles estavam cres­cendo em apreensão e entendimento de Jesus Cristo. Tinham muito que aprender. Hoje também há muito que ainda temos de aprender

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Marcos 4

ou procurar crescer no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo. Este incidente abriu os olhos e a mente dos discípulos à majestade de Jesus.

NOTAS___________________________________________________1 “A multidão que se ajuntou em volta dele era tão grande” (NTLH).2 TR e TM têm o verbo ouvrixBr).3 “Ele entrou e sentou-se num barco perto da praia” (NTLH).4 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, coaxe avxòv èupávxa eíç xò uloi

ov Ka0f|O0at kv rrj Godáacn].5 As versões AEC, BJ, NTLH, NVI, ARA têm redação semelhante.6 “Por meio de parábolas” (BJ).7 “Escutai” (BJ).8 “Os espinhos cresceram e a sufocaram” (BJ; ARA).9 “Por isso nada produziram” (NTLH).

10 “Subindo e se desenvolvendo” (BJ).11 TR e TM têm o particípio aúÇávovTK.12 “Quando ficaram sozinhos” (BJ); “quando Jesus ficou só” (ARA).13 TR e TM têm "Oxe õè éyévexo Koaà |ióvaç.14 “Os Doze e os outros que estavam ao seu redor” (NVI).15 “Avós foi dado o mistério do Reino de Deus” (BJ).16 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras,'Yjitv ôéõotoa yvúvoa xò

|iuoTiípLov rf|ç PaoiÂfíaç toü 9eoí>.17 “Aos de fôra, porém” (BJ).18 Ezra P. Gould, Criticai and Exegetical Commentary on the Gospel According to

St. Mark (Edimburgo: T. & T. Clark, 1896), p. 73.19 “O semeador semeia a palavra” (NVI; ARA).20 “Semeada neles” (ARA).21 TR eTM têm tòv éauap|iéyov kv ratç rapôícaç aúiâv.22 “Ouvem a palavra, aceitam-na e dão uma colheita” (NVI).23 “Não a traz para colocá-la no lampadário?” (BJ); “acaso não a coloca num lugar

apropriado?” (NVI).24 TR e TM têm o verbo composto èiuie0f| em lugar de xe9f|.25 É um exemplo curioso de corrupção textual antiga que Aleph e B, os dois do­

cumentos mais antigos, tenham ímò tt|v (debaixo do velador) em vezde èxi iriv koxvíav, arruinando o sentido. WH a coloca na margem, mas isso é escravidão pura a Aleph e B.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

26 “Pois tudo o que está escondido será descoberto” (BJ).27 TR e TM têm oú yàp eorLv t i Kpimiòv o eàv jxf) 4)avepa)9fl. Entretanto, TRb e

TM não incluem o v eufônico com o verbo eotí.28 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1977), p. 82.29 “Cuidado com o que ouvis!” (BJ); “considerem atentamente o que vocês estão

ouvindo” (NVI).3U “Deus usará para julgar vocês a mesma regra que vocês usarem para julgar os

outros” (NTLH).31 “Acontece com o Reino de Deus o mesmo que com o homem que lançou a

semente na terra” (BJ).32 TR e TM têm a partícula condicional káv depois de coç.33 A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 968.34 “Noite e dia, estando ele dormindo ou acordado” (NVI).35 TR e TM grafam o verbo $\u.axúvr\ em vez de pXomâ.36 “Sem ele saber como isso acontece” (NTLH).37 Swete, Commentary on Mark, p. 84.38 “É a própria terra que dá o seu fruto” (NTLH).39 TR e TM têm o pospositivo yáp entre aÚTOiiáiri e f],40 Gould, Critical and Exegetical Commentary, p. 80.41 “Primeiro aparece a planta, depois a espiga, e, mais tarde, os grãos que enchem

a espiga” (NTLH),42 TR e TM têm a grafia irA.r|pr| em lugar de irÀr|pr|ç.43 Gould, Criticai and Exegetical Commentary, p. 80.44 “E, quando o fruto já está maduro” (ARA).45 TR e TM têm a grafia do aoristo segundo ativo do subjuntivo irapaôcòj em vez

de TiapaõoL.46 “O homem lhe passa a foice" (NVI).47 “Com que compararemos o Reino de Deus?” (BJ; NVI).48 TR e TM têm Tívi em vez de riaiç.49 “Que parábola usaremos para descrevê-lo?” (NVI).50 TR e TM têm kv uma irapaPoAíj irapapáA.W|iev ainriv)51 “É a menor semente que se planta na terra” (NVI).52 TR e TM têm iiLKpÓTCpoç irávuwv tcúv airep|ictTG)v eaxiv tcSy èià xrjç

Entretanto, TRb e TM não incluem o v eufônico no verbo ècrcí.53 “De um modo que eles podiam entender” (NTLH).

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Marcos 4

54 “Quando, porém, estava a sós com os seus discípulos, explicava-lhes tudo” (NVI).

55 TR e TM têm a frase tolç ^aGriraiç cujtcôv.56 “E outros barcos o seguiam” (ARA).57 TR e TM têm Kcà ãXXa ôè irloiápia rjv aúioíj.58 “De repente, começou a soprar um vento muito forte” (NTLH).59 TR e TM têm uma ordem inversa de palavras, avelou |aeyáA.r).60 “As ondas arrebentavam com tanta força em cima do barco” (NTLH).61 TR e TM incluem a conjunção pospositiva ôé.62 “De modo que já estava a encher-se” (AEC).63 TR e TM têm coate aircò r}5r| ye|iíCea9ai.64 “Dormindo com a cabeça sobre um travesseiro” (NVI).65 “Os discípulos o acordaram” (NTLH; NVI).66 TR e TM têm o verbo composto ôieyeípouau’ aij-cóv.67 “Não se te dá [...]?” (AEC).68 “Que morramos?” (NVI).69 “Por que tendes medo?” (BJ).70 TRe TM têm T l SêlIol èote oíkwç.71 “Como é que não tendes fé?” (ARA).72 TR e TM têm TTÚç oúk ttÍotiv.73 “Eles, possuídos de grande temor” (ARA).74 “Que homem é este [...]?” (NTLH).

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Capítulo5

MarcosfSMÍMSJSMíSÍSMÍSJSMÍSÍMMMSÍSJSMEMfSMÍMSMj

5.1. À província dos gadarenos' (elç tf|v X“ Pay T(Sv repaarjvw v2), como em Lucas 8.26, ao passo que Mateus 8.28 tem “gadarenos”. As ruínas da aldeia de Khersa (Gerasa) estão nesse local, que fica no distrito de Gadara a uns dez quilômetros ao sudeste; não se refere à cidade de Gerasa, que está a uns cinqüenta quilômetros de distância.

5.2. E, saindo ele do barco3 (Wi è£eA.9óvTO<; ooitoü çk touttàolou4). Marcos diz imediatamente (eúGúç5), usando o genitivo ab­soluto e depois repetindo aúxcô, instrumental associativo, depois de íiTTtívtrioey, “ao seu encontro”. O endemoninhado cumprimentou Jesus imediatamente. Marcos e Lucas 9.27 mencionam só um ho­mem, enquanto Mateus cita dois endemoninhados (talvez um fosse mais violento que o outro). Cada um dos Evangelhos tem uma fra­se diferente. Marcos tem “um homem com espírito imundo”6 (èv TTveú|ia;Ti áKCcGápxcp), Mateus 8.28 tem “dois endemoninhados” (ôúo ôia[ioviÇó[ievoi), Lucas 8.27 tem “um homem que [...] estava pos­sesso de demônios” (tiç ôai|ióvia). Marcos inclui detalhesnão citados por Mateus ou Lucas (ver análise em Mt 8.28).

5.3. E nem ainda com cadeias o podia alguém prender (kcu oúõè cdijoei oükéti oíiôetç èõúvato airròv õf|oai7), caso instrumental

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

cdúaei, uma algema (a privativo e â ú g j , soltar). Esse endemoninha­do tinha forças para arrebentar algemas e grilhões como se tivesse sido amarrado com barbante.

5.4. Porque, tendo sido muitas vezes preso (bm xò aúxòv 'rroAAáKiç ... 5eôéo0cu), infinitivo passivo do perfeito, estado de conclusão.

Com grilhões (tt6Ôklç), derivado de neía, “pé” ou “dorso do pé”. As cadeias lhe amarravam as mãos e os pés inutilmente.

As cadeias foram por ele feitas em pedaços8 (ôiecnráoGca ím’ aúxou xàç óduoeiç), perfeito passivo do infinitivo, puxado (auáoo) em dois (ôia- da mesma raiz que ôúo).

Em migalhas9 (ouviexpi^Gcu), outra vez perfeito passivo do in­finitivo, derivado de ouvxpípo), “esfregar junto” ou “friccionar jun­to”. “Esfregado junto”, “esmagado junto”. Talvez os vizinhos que contaram a história pudessem apontar os fragmentos quebrados das cadeias e correntes. As correntes podem ter sido cordas ou até peda­ços de madeira, e não grilhões.

E ninguém o podia amansar (Kod oitôelç Taxuev aúxòv10), ter­ceira pessoa do singular do pretérito imperfeito ativo do indicativo. Ele andava a esmo à vontade como um leão na selva.

5.5. Clamando [...] e ferindo-se com pedras11 (rjv KpáCwv Km KaxaKOTrxwv éauxòv AlBoiç), mais detalhes vívidos mostrados por Marcos. Noite e dia as pessoas ouviam o grito forte ou o guincho ruidoso (cf. Me 1.26; 3.11; 9.26). O verbo traduzido por “ferindo- se” (“cortar-se”) só ocorre aqui no Novo Testamento, embora seja um verbo antigo. Significa “cortar para baixo”, “reduzir” (uso per- fectivo de raxa-). Dizemos “acutilar”, “ferir”, “picar” ou “cortar em pedaços”. Talvez ele tivesse cicatrizes por todo o corpo com feridas e cortes dos momentos noturnos e diurnos de frenesi selvagem pas­sados nos sepulcros e nos montes. Imperfeito ativo perifrástico com rjv e os particípios.

5.6. Correu e adorou-o12 (éòpoqiev «oà upoaeKÚvr|aev aúxcô). “A princípio talvez com intenções hostis. A investida do maníaco nu e gritando deve ter tentado a confiança recentemente recuperada dos doze. Imagine a surpresa nos seus rostos quando o endemoninhado, ao aproximar-se, se lançou de joelhos diante de Jesus.”13

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Marcos 5

5.7. Conjuro-te por Deus14 (ópKÍÇco oe xòv Geóv). O endemoni­nhado apela para Jesus com um juramento (dois acusativos) depois de um clamor assustado como aquele em Marcos 1.24 (ver análise naquele texto). Ele chama Jesus “Filho do Deus Altíssimo” (me toú 9eot> toü ínjáatou), como em Lucas 8.28 (cf. Gn 14.18,19.).

Não me atormentes15 (|aií |_te Paoavíogç), proibição com |if] e o subjuntivo aoristo ingressivo. Atormentar significa “testar me­tais” ou “torturar”. A mesma palavra grega ocorre em todos os três Evangelhos.

5.8. Porque lhe dizia16 (eAeyev yàp aikw ), um pretérito imperfeito progressivo. Jesus tinha ordenado repetidamente que o demônio saísse do homem, mas o demônio protestava. Mateus 8.29 tem “antes do tempo” (irpò Ktupou), e Lucas 8.31 mostra que os demônios não queriam voltar para o abismo (xfiv ctpuooov) naquele momento. O abismo era a verdadeira casa de­les, mas eles não desejavam voltar ao lugar de tormento naque­le momento.

5.13. E Jesus logo lho permitiu11 (kcíI èuéTpal/ev kútolç). Estas palavras apresentam dificuldade crucial para os intérpretes. O texto não informa por que Jesus permitiu os demônios entrarem nos por­cos e destruí-los, em vez de mandá-los de volta ao abismo. Lógico que era melhor os porcos perecerem do que os homens, mas essa perda de propriedade aumenta o mesmo problema como a perda devido a furacões e terremotos, visto que estes também vêm de Deus. Certos estudiosos também se perguntam como um homem poderia alojar tantos demônios. Considerando que os demônios são seres espirituais, sem dimensão de espaço, parece uma controvér­sia desnecessária o fato de um demônio poder morar em alguém. Jesus contou a história sobre um demônio que foi expulso de um homem, mas voltou com sete demônios piores e tomou posse da mesma pessoa (Mt 12.43-45). Ezra Gould opina que “legião de de­mônios” seja uma hipérbole, algo parecido a: “Sinto-me como se eu estivesse possuído por mil demônios”. Trata-se de explicação fácil demais. Quanto a “se precipitou por um despenhadeiro” ver análise em Mateus 8.32.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

E afogou-se no mar (kai kzwíyovxo kv trj GaÀáaori), tempo im­perfeito que descreve vividamente o desaparecimento de um porco depois do outro no mar. Lucas 8.33 tem (XTreTrvÍYri, “afogou-se”, um aoristo segundo passivo constativo do indicativo, tratando o rebanho como um todo. Mateus 8.32 tem apenas “morreram” (áiTéGavov).

5.14. [Eles] o anunciaram na cidade e nos campos18 (áTrnYYeiÀav19 elç z\\v itóàiv Kai eiç touç aYpoúç). Nos campos e na cidade, à medida que os homens entusiasmados corriam, eles contavam a história da matança dos porcos. “Saíram muitos a ver” (rjÀGov Lôelv). “Toda aquela cidade saiu ao encontro de Jesus” (Mt 8.34). “Saíram a ver o que tinha acontecido” (Lc 8.35).

5.15. Eforam ter com Jesus20 (Kai epxoviai upòç zbv Tr|ooüv), o tempo presente vívido. Eles se dirigiram à causa de tudo: “Ao encontro de Jesus” (etç bzuxvzr\aiv xâ ’Ir]ooü, Mt 8.34).

E viram o endemoninhado, o que tivera a legião21 (Kai Gecopou o iv xòv ôai|iovi(ofj,evov), novamente o tempo presente vívido.

E temeram22 (Kai écfíoptíGrioav). Marcos volta ao tempo ao­risto ingressivo (voz passiva). Todos tiveram medo do homem, mas agora lá estava ele, “assentado, vestido e em perfeito juízo”23 (raGipevov24 ifiaTiafiévov Kai acocjjpovoOvTa). Note os particípios. Lucas 8.35 acrescenta que o homem estava sentado “aos pés de Jesus”. De acordo com Lucas 8.27, por muito tempo ele não usara roupa. O mesmo Jesus curara o louco e matara os porcos.

5.17. E começaram a rogar-lhe que saísse do seu território25 (Kai ripÇavTO uapaKaleiv aútòv aTTeA.6eiv áuò xwv óptcov aúxcôv). Certa vez, o povo de Nazaré expulsara Jesus da cidade (Lc 4.16- 31). Logo o farão de novo (Mt 13.3-58; Me 6.1-6). Em Decápolis, a influência pagã era forte. Os donos dos porcos se preocuparam mais com a perda de propriedade do que com o homem que fôra curado. No confronto entre negócio e bem-estar espiritual, os ne­gócios vêm em primeiro lugar. Todos os três Evangelhos contam que eles pediram que Jesus partisse. Temeram o poder de Jesus e não quiseram outras interferências nos seus negócios.

5.18. E, entrando ele no barco, rogava-lhe o que fôra endemoni­nhado26 (Kai è|iPaiyovroç27 aikoí) eiç to ttàoiov TTapeKaÀeL auTÒv).

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Marcos 5

5.19. Vai para tua casa, para os teus2S ("Yuave e Lç tòv oikov oou Tipòç toí)ç ooúç). “Para a tua gente” em vez de “para os teus amigos”. Claro que não havia pessoas que precisassem mais da mensagem de Cristo do que estas que estavam pedindo que Jesus fosse embora. Jesus abençoara grandemente esse homem. Por isso, deu-lhe a tarefa difícil de ir para casa como testemunha da nova vida. Por diversas vezes na Galiléia, Jesus proibira as pessoas que curou de contarem o que Ele fizera. Mas aqui era di­ferente. Não havia perigo de muito entusiasmo por Cristo nessas bandas.

5.20. E ele foi29 (kccI áirf)A.9ev). Ele fez conforme Jesus orientou. Ele anunciou (Kipúaaeiv) ou publicou a história por toda a Decápolis, e as pessoas continuavam se maravilhando (é9aú[j,aÇov, tempo imperfeito) com o que Jesus fizera. O homem teve a maior oportunidade para Cristo exatamente na região da sua casa do que teria tido em outro lugar. Todos sabiam que este ex-endemoninhado louco era um novo homem em Cristo Jesus.

5.23. M inhafilhinha ([ARA] Tò Guyá-upióv |aou), diminuti­vo de 9i>Ycar|p (Mt 9.18). “Este pequeno detalhe afetuoso no uso do diminutivo é peculiar a Marcos.”30

Está moribunda31 (éoxáuQç e^ei). Era um momento trági­co para Jairo. Mateus 9.18 tem “minha filha faleceu agora mes­mo” (apxi èicóA-uoev). Lucas 8.42 tem “estava à morte” (aíitr) (XTré9vi]GKev, imperfeito). Uma elipse antes de iva não é inco- mum, um tipo de uso imperativo de iva com o subjuntivo.32

5.24. E fo i com ele33 ( kcc I ánf|X9ev |iex’ autou), tempo aoris- to. Jesus foi com Jairo prontamente, mas uma grande multidão continuou seguindo (r|K0À0Ú9ei, tempo imperfeito).

Que o apertava34 (owé9A.i|3ov amóv), tempo imperfeito novamente. As únicas ocorrências dessa combinação no Novo Testamento estão aqui e no versículo 31. Era comum no grego antigo. Jesus quase não conseguia se mover por causa da aglo­meração de gente (auvéTTviyov, Lc 8.42).

5.26. E que havia padecido muito com muitos médicos35 (Koà noXXà TTaBouoa ímò 'noAAcov iaipwv), uma situação digna de pena

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

para uma mulher com um caso crônico que tentara cura em médico após médico.

E despendido tudo quanto tinha (kocI òai\avr\acíaa rà nap’ aí)Trj Q36 TTávta) em tratamentos médicos. Quanto à linguagem com -rrapá ver Lucas 10.7 e Filipenses 4.18.

Nada lhe aproveitando isso, antes indo a pior31 (i<at [_ir|õèv coc e Àr|9eioa à llà laâÀAov e-iç tò x^pov êA.0oüaa). O dinheiro acabara e a doença estava avançando. Contudo, ela tinha esperança com a chegada de Jesus. Mateus não diz nada sobre a experiência dela com os médicos. Lucas 8.43 diz que ela “gastara com os médicos todos os seus haveres, e por nenhum pudera ser curada”. O médico Lucas considera um caso crônico, pelo qual os médicos não podiam ser culpados. Ela tinha uma doença que eles não sabiam curar. Vincent cita uma receita no Talmude para curar fluxo de sangue. Ficamos mais do que felizes por já não estarmos sob os cuidados de médicos desse tempo.38

5.28. Se tão-somente tocar nas suas vestes39 (’Eàv ai|ico[!ai Ka\v toòv i[_iai;íoov aíiToO40). Ela era tímida e não desejava chamar a aten­ção. Enfiando-se pela multidão, ela tocou a bainha ou borda da rou­pa (KpaoTTéõou) de Jesus, segundo Mateus 9.20 e Lucas 8.44.

5.29. Esentiu no seu corpo (Kai eyvco tgõ ocófiaxi). “Ela soube”, significa o verbo. Ela disse para si mesma: “Estou curada” (urau).

’Tarai, é um verbo que retém o perfeito passivo no discurso indireto. Era um momento vívido de alegria. A praga (liáoTiyoç, “mal”) ou açoite era um chicote usado em flagelações. Foi esse tipo de açoite que os soldados romanos em Jerusalém quase infligiram em Paulo para descobrir a sua culpa (At 22.24; cf. Hb 11.26). E uma palavra antiga usada para referir-se a aflições consideradas um açoite de Deus (ver análise em Me 3.10).

5.30. Logo Jesus, conhecendo que a virtude de si mesmo41 (<EÚ0i)ç ô Triooüç eTTiyvouç kv éautcô42). Ela pensou, talvez, que o toque na roupa de Jesus a curaria sem que Ele percebesse. Mas Jesus ficou ciente de que poder curativo saíra dEle. O significado mais exato do linguajar grego é: “Jesus percebendo em si mesmo o poder de sair” (tt}v hí aikoü ôúva|aiv è£eX0oOaav). O particí-

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Marcos 5

pio aoristo aqui é um pontual simples e infinito, como em Lucas 10.18: “Eu via Satanás caindo do céu” ([ARA] ’EGecópouv xòv Eaxavâi/ Treaóvra; ou: “Eu estava vendo Satanás cair”). A palavra ueoóvra não quer dizer “caiu” (ttétttcokóto), como em Apocalipse9.1, nem “caindo” (TTÍlTxovxa), mas simplesmente o aoristo consta- tivo “cair”.43 Portanto, Jesus quer dizer: “Eu senti em mim o poder de mim ir”. Os estudiosos discutem se, neste caso, Jesus curou a mulher por vontade consciente ou por resposta inconsciente quan­do ela lhe tocou a roupa. Só sabemos que Jesus ficou ciente de que saíra poder. Lucas 8.46 usa eyvwv (conhecimento pessoal), mas Marcos tem «ÉTuyvoúç (conhecimento pessoal e adicional cla­ro). Podemos observar que ninguém faz o verdadeiro bem sem que haja a emissão de poder. Trata-se de uma verdade pertinente a mães, pregadores, professores, médicos.

Quem tocou nas minhas vestes?44 (Tíç [iou ruj/axo xwv ifiaxÍGov) mais precisamente: “Quem me tocou nas minhas vestes?” O verbo grego usa dois genitivos, de pessoa e de coisa. Era um momento de emoção. Depois se tomou uma prática comum as multidões tocarem a bainha da roupa de Cristo para seres curadas (Me 6.56). Mas Jesus insistiu acerca da ação da mulher. Não havia magia nas roupas de Jesus. Havia, talvez, a superstição na mente da mulher, mas Jesus lhe honrou a fé, como foram honrados os que pensaram que seriam curados pela sombra de Pedro ou pelos lenços e aventais de Paulo (At 5.15; 19.12).

5.31. Vês que a multidão te aperta45 (BA.éireiç tòv òylov ouvGÀípovxa, se, ver Me 5.24). Os discípulos estavam pasmos que Jesus estivesse fazendo conta de determinado toque no meio da multidão. Eles não entenderam a extrema simpatia humana de Jesus pelos sofredores que curava.

5.32. E ele olhava em redor46 («m TrepiepiéneTo), um imperfei­to médio do indicativo. A resposta de Jesus ao protesto dos discípu­los foi esse olhar examinador (ver análise em Me 3.5,34). Jesus não precisava explicar que conhecia a diferença entre os toques.47

5.33. A mulher, que sabia o que lhe tinha acontecido, temendo e tremendo48 (r) ôè yuvr] cj)o(3r|9eiGa kcu tpé(iouoa, elõifia o yéyovev

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COiMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

ai)if|49). Esses particípios descrevem vividamente os medos dessa mulher que procurou se esconder na multidão. Ela ouviu a pergunta de Jesus e sentiu o seu olhar. Teve de ir e confessar, pois algo “tinha acontecido” (yéyovev, segundo perfeito ativo do indicativo) com ela. Quando soube que Jesus estava ciente do que ela fizera, “prostrou- se diante dele”50 (irpoaéueoev ccütcò). A adoração era a única atitude apropriada.

Toda a verdade (nâoav if]v àXiíGeiav). Não era mais possível guardar segredo. Ela contou “a história lamentável da miséria crô­nica”.51

5.34. Vai em paz (uuaye elç elpr|vr|v). Ela encontrou simpa­tia, cura e perdão de pecados. Paz pode ter mais a idéia do shalom hebraico, saúde de corpo e de alma. Por isso Jesus acrescenta: “Sê curada deste teu mal”52 (Xa9l úy^ç íxttò xf|ç |j.á<myóç oou). O signi­ficado é: “Continua em inteireza e bem-estar”.

5.35. Estando ele ainda falando53 (”E ti cojtou ÀcdoíjvTOç;), uma construção em genitivo absoluto. Este é outro detalhe vívido em Marcos e Lucas 8.49. A frase consta em Gênesis 29.9. Em nenhum lugar Marcos preserva melhor as características naturais de uma tes­temunha ocular como Pedro do que nos episódios narrados no capí­tulo 5. Naquele momento, os mensageiros de Jairo chegaram tiran­do o foco das atenções na mulher. A filha do principal da sinagoga morreu (áuéBavev). Portanto, “para que enfadas mais o Mestre?” (xí é tl oKÚÀÀeiç TOv ôiôáoKcdov). Jesus ressuscitara o filho da viúva de Naim (Lc 7.11-17), mas as pessoas não esperaram que Ele res­suscitasse dos mortos.O verbo gkúààco, derivado de okDA.ov (“pele”, “peliça”, “espólio”), significa “esfolar”, “espoliar”, nos escritos de Esquilo. O termo pode significar “vexar”, “aborrecer”, “angustiar” (ver Mt 9.36). A voz média é comum nos papiros para referir-se a “preocupação”, “importunação”, como em Lucas 7.6. Não havia mais razão para aborrecer o Mestre com essa menina.

5.36. E Jesus, tendo ouvido essas palavras54 (ó ôè ’Iriooúç uapocKoúaaç55). A construção pode significar “não dando atenção” (ver Mt 18.17 e ocorrências na Septuaginta). O sentido é o de “ou­vir à parte”. Jesus ouviu o que não fôra falado diretamente a Ele.

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Marcos 5

“Jesus ouviu o que foi dito e desconsidera o seu significado.”56 É lógico que ele ignorou a conclusão dos mensageiros. O particípio presente A.cdoú[aevov ajusta-se à idéia de ouvir por acaso. Marcos e Lucas 8.50 afirmam que Jesus respondeu ao principal da sinagoga (tcô àpxiouvaycóyco): “Não temas, crê somente” (Mr] 4)opoü, \ióvovULOxeue).

5.37. A não ser Pedro, e Tiago, e João, irmão de Tiago (el |if| tòv üeTpov K a l ’IctKwpov K a l ’Iwávvr|v57). A casa pode ter sido muito pequena conter os outros discípulos junto com a família. Esta é a primeira vez que vemos este círculo intemo dos três discípulos em situação separada dos demais. Eles terão importância no monte da transfiguração e no jardim do Getsêmani (por exemplo, Me 9.2;14.33). O uso grego de um único artigo para todos os três trata o grupo como uma unidade.

5.38. Viu o alvoroço e os que choravam muito epranteavam58 («cà 0(-(jpe! BópuPov Kal KÀaíovTaç Kal àkaXáÇovmç noAAá59). A palavra àXakáCoviaç foi considerada como palavra onomatopaica desde Píndaro, poeta lírico grego, em diante. Ao entrarem na bata­lha, os soldados clamavam ’AXâXa. É termo usado para referir-se a soar címbalos (1 Co 13.1) e como óA.oXú(w em Tiago 5.1. E usado acerca da lamúria monótona dos pranteadores contratados.

5.39. Por que vos alvoroçais e chorais?60 (Tl GopupeloGe Kal KÀaíeie). Jesus despedira a multidão (Me 5.37), mas encontrou os pranteadores contratados fazendo tumulto (Gópupoç) na casa. Era costume eles demonstrarem luto e dor fazendo barulho ostentoso. Mateus 9.23 fala dos tocadores de flauta (aiJÀritáç) e a algazarra da multidão agitada (GopuPoú[ievov, cf. Me 14.2; At 20.1; 21.34). Marcos, Mateus e Lucas citam Jesus dizendo as palavras: “A me­nina não está morta, mas dorme”. Certos comentaristas opinam que Jesus quis dizer que a menina não estava realmente morta. E mais provável que Ele quis dizer que ela não ficaria morta. Jesus usa uma palavra bonita (KaGeúôei, “ela está dormindo”) para refe­rir-se à morte.

5.40. E riam-se dele6] (Kal KaieyéAxov aÚTOu). “Eles zombaram dele” (Weymouth). Note o tempo imperfeito. Eles ficavam rindo. E

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

note também Km- (uso perfeetivo; as mesmas palavras são encon­tradas em Mt 9.24 e Lc 8.53). Jesus, no que lhe diz respeito (aÚToç õé), encarregou-se da situação.

Tomou consigo o pai e a mãe da menina e os que com ele esta­vam62 (iTapaÂ.afi(3ávei tov uctuépa t o O Traiõíou k c u tt|v |ir|Tépa K a l

t o u ç \xez' aÚToO). Tendo posto fôra ( e K P a À w v ) os demais por meio de uma afirmação inflexível de autoridade, como se Ele fosse o dono da casa, Jesus entra só com mais cinco pessoas na câmara da morte “onde a criança estava” (òttou rjv tò m u ô í o v ) . A presença de certas pessoas arruina a atmosfera para a obra espiritual.

5.41. Talitá cumi63 (TaÀiOa kou|í64). Jesus disse essas palavras aramaicas para a menina. Pedro lembrou-se delas e passou-as para nós através de Marcos. Marcos adicionou uma tradução grega para os leitores que não falavam aramaico (Tò Kopáoiov, col Aiyoo, eyeipe65): “Menina, a ti te digo: levanta-te!” Marcos usa o diminutivo Kopáoiov, uma “pequena menina”, “menininha”, derivado de KÓpr], “menina”.66 Lucas 8.54 tem ~H muç, eyeipe: “Levanta-te, menina” (“Criança, levanta-te!”, BJ). Todos os três Evangelhos mencionam o fato de que Jesus a tomou pela mão, um toque de vida (Kparqaaç Tfiç xeLpòç), dando confiança e ajuda.

5.42. E logo a menina se levantou e andava67 (eü8 u<;6S á v é o T r| t ò K o p á o i o v K a l TrepieTraTei), um tempo aoristo (um ato simples) seguido pelo pretérito imperfeito (o andar continuou).

Pois já tinha doze anos (rjv yàp eTCÔv õoóôeKa). Marcos mencio­na a idade provavelmente para explicar que ela era suficientemente crescida para andar.

E assombraram-se com grande espanto69 (Kal è£éoTr|aav eúGuç70 èKOTáoei |_ieyáA.ri). Ver análise em Mateus 12.23 e Marcos 2.12 no que diz respeito a essa construção verbal. Aqui a palavra está repetida no substantivo no caso instrumental associativo (èKOTáoei |ieyáA,ri), com grande êxtase, especialmente por parte dos pais (Lc 8.56).

5.43. E mandou-lhes expressamente que ninguém o soubesse71 (Kal Ô L e o T e Í À a T O a i k o l ç TroÀÀà 'iva jiriôelç y v o X touto), o último verbo é um aoristo segundo ativo do subjuntivo. Mas eles se man­teriam calados quanto ao fato? Também havia a menina. Marcos e

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Marcos 5

Lucas observam que Jesus ordenou que a menina fosse alimentada: “Que lhe dessem de comer” (koò, eíirev õo0f|voa aíruf) ^ayeiv), um cuidado natural do Grande Médico. Dois infinitivos aqui (primeiro aoristo passivo e segundo aoristo ativo). “Ela podia andar e comer; não só estava viva, mas estava bem.”72

NOTAS___________________________________________________1 “Para a região dos gerasenos” (NVI).2 TR e TM têm a grafia raõccpr|vwv.3 “Logo que Jesus desceu do barco” (BJ).4 TR e TM têm a frase em dativo absoluto, éÇeGóvTi. ai)tc3 êk toO ttàolou.5 TR e TM têm o advérbio grafado assim eúGéuç.6 “Um homem possuído por um espírito impuro” (BJ).7TReTMtêmKcà oure àA.úoeou' oúõelç r|ôúvaTO aúiòv õf|aoa.8 “Mas ele arrebentava os grilhões” (BJ).9 “Estraçalhava” (BJ).10 TR e TM têm o pronome e verbo em ordem inversa: ocúràv ía%uey. Entretanto,

TRb e TM não incluem o v eufônico no verbo loxue.11 “Gritando e cortando-se com pedras” (NVI).12 “Correu, caiu de joelhos diante dele” (NTLH).13 Henry Barclay Swete, Commentaiy on Mark (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1977), p. 94.14 “Rogo-te por Deus” (BJ).15 “Não me castigue!” (NTLH).16 “Pois Jesus lhe tinha dito” (NVI).17 “Ele deixou” (NTLH); “ele lhes deu permissão” (NVI).18 “Contaram esses fatos na cidade e nos campos” (NVI).19 TR e TM têm o verbo àvr\yyí\,X«.v.20 “Quando chegaram perto de Jesus” (NTLH).21 “Viram ali o homem que fôra possesso da legião de demônios” (NVI).22 “E ficaram com medo” (BJ; NVI).23 As versões AEC, B J, NTLH, NVI, ARA têm redação semelhante.24 TR e TM incluem um Kaí depois de Ka0r||ievov.25 “Então começaram a pedir com insistência a Jesus que saísse da terra deles”

(NTLH).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

26 “Quando ele estava entrando no barco, o homem curado pediu com insistência” (NTLH).

27 TR e TM têm o particípio do aoristo segundo è|i(3ca’Toç para o parficípio presente è|4SaívovTOç.

28 “Vá para casa, para a sua família” (NVI).29 “Então, aquele homem se foi” (NVI).30 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 188.31 “Está morrendo” (BJ; NTLH; NVI); “está à morte” (AEC; ARA).32 A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 943.33 “Ele o acompanhou” (BJ); “e Jesus foi com ele” (NTLH).34 “Apertando-o de todos os lados” (BJ).35 “E que muito sofrera nas mãos de vários médicos” (BJ).36 TR tem o pronome reflexivo eau-cfjç em vez do pronome pessoal aÚTrjç.37 “Mas, em vez de melhorar, ela havia piorado cada vez mais” (NTLH).38 Vincent, Word Studies, p. 189.39 “Se eu apenas lhe tocar as vestes” (ARA).40 TR e TM têm kSv twv iiacmwv aircoü cú|jw|ica.41 “No mesmo instante, Jesus percebeu que dele” (NVI).42 TR e TM têm o advérbio grafado assim eiiGéioç.43 Robertson, Grammar, p. 684.44 “Quem me tocou nas vestes?” (ARA).45 “Vês a multidão aglomerada ao teu redor” (NVI).46 “Mas Jesus continuou olhando ao seu redor” (NVI).47 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 375.48 “A mulher, atemorizada e tremendo, cônscia do que nela se operara” (ARA).49 TR e TM têm a preposição com o pronome, èu' aíitíj.50 “Caiu-lhe aos pés” (BJ); “atirou-se aos pés dele” (NTLH).51 Bruce, Expositor’s, p. 376.52 “Fica livre do teu mal” (ARA).53 “Ainda falava” (BJ); “enquanto Jesus ainda estava falando” (NVI).54 “Não fazendo caso do que eles disseram” (NVI).55 TR e TM têm 0 ôè Tipouç eíiSéuç àKoúaaç.

Bruce, Expositor's, p. 376.

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Marcos 5

57 WH tem a grafia com um só v: T.wávr]v.58 “Encontrou ali uma confusão geral, com todos chorando alto e gritando”

(NTLH).=9 TR e TM não incluem a conjunção Kcá entre 0ópu(3ov e Klaíoviaç.60 “Por que tanto choro e tanta confusão?” (NTLH).61 “Então eles começaram a caçoar dele” (NTLH).62 “Tomou consigo o pai e a mãe da criança e os discípulos que estavam com ele”

(NVI).63 "Talítha kum" (BJ).64 TR e TM têm TaA.i0á, koü|íl; WH tem TcdeiGá koÚ|í .65 TR e TM têm o verbo grafado assim: ’éygipoa.66 “Menina, eu te mando, levanta-te!” (ARA).67 “No mesmo instante, a menina [...] se levantou e começou a andar” (NTLH).68 TR e TM têm o advérbio grafado assim eij0écoç.69 “Então, ficaram todos sobremaneira admirados” (ARA).70 TR e TM não incluem eúOúç.71 “Ele deu ordens expressas para que não dissessem nada a ninguém” (NVI).72 Bruce, Expositor s, p. 377.

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Capítulo

Marcos6.1. [Jesus] chegou à sua terra1 (elç triy uaTpíõa autoO), o

mesmo em Mateus 13.54. Não há verdadeira razão para identificar esta visita a Nazaré com a registrada em Lucas 4.16-31, que ocorreu no começo do ministério galileu. Jesus foi rejeitado ambas as vezes; não é incongruente que Ele desse a Nazaré uma segunda chance. Era natural que Jesus visitasse a sua mãe, irmãos e irmãs. Neste episódio, nem Marcos nem Mateus mencionam Nazaré por nome, mas está claro que por naxpíòa quer dizer a região de Nazaré. Ele não morara em Belém desde o seu nascimento

6.2. Começou a ensinar na sinagoga (ríp^oao õiôáoKeiv èv rrj ouyaycoyfi2), como era agora o seu costume, na sinagoga em dia de sábado. O principal da sinagoga (ópxiouvaY^Y^ Me 5.22) pediria que alguém falasse em qualquer momento que desejasse. A reputa­ção de Jesus por toda a Galiléia lhe abriu a porta. Jesus pode ter ido a Nazaré para descansar, mas não pôde resistir a essa oportunidade para servir.

De onde lhe vêm essas coisas? (IIóGev toÚtcü tcíDtcí). Lacônico e curto: “De onde estas coisas para este companheiro?”, com um tom de ironia e reprimenda nas palavras, como mostra a seqüência.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Continuaram impressionados (hííTâfoaovzo, tempo imperfeito pas­sivo). Desafiam a sabedoria óbvia (Soc^ía) com a qual Ele falava e as obras poderosas (ou “poderes”, õwdqiÉic;) como essas (xoLaüxai) que acontecem (“repetidamente feitas”, yivó|iev(u, particípio mé­dio/passivo presente) “por suas mãos” (ôià xwv xeipuv). Percebiam que havia algum artifício ou truque. Não negam a sabedoria das palavras nem a maravilha das obras, mas os cidadãos conheciam Jesus, e nunca tinham suspeitado de que Ele possuísse tais talentos e graças.

6.3. Não é este o carpinteiro [...]? (oúx ouxóç éoxiv ô xéKxwv). Mateus 13.55 diz que Jesus era “o filho do carpinteiro” (ó xoü xéKxovoç ulóç). Ele era ambos. Lógico que desde a morte de José Ele tinha continuado na profissão e sido “o carpinteiro” de Nazaré. A palavra xékxgov vem de xeicelv, xÍkxgü, “procriar”, “criar”, como xexvri (“arte”, “perícia”, “profissão”). É uma palavra muito antiga, de Homero em diante. Aplicava-se originalmente ao trabalhador em madeira ou construtor com madeira, como o carpinteiro. Era usado para referir-se a qualquer artesão ou especialista em metal ou em pe­dra, como também em madeira e até de escultura. Justino Mártir fala de arados e jugos feitos por Jesus. Na Palestina, onde a madeira era um artigo raro, carpinteiro também queria dizer pedreiro. Jesus pode ter ajudado a construir algumas das sinagogas de pedra na Galiléia, como a de Cafamaum. Mas em Nazaré, as pessoas conheciam a Ele, a sua família (nenhuma menção de José) e a sua profissão. Então, não fizeram caso de tudo que agora viam com os próprios olhos e ouviam com os próprios ouvidos. Esta palavra carpinteiro “lança o único lampejo no caráter contínuo dos primeiros trinta anos de in­fância até à vida adulta da vida de Cristo”.3 Trata-se de um exagero, porque temos Lucas 2.41-50 e “segundo o seu costume” (Lc 4.16), ir não longe disso. Mas agradecemos o uso realístico que Marcos faz de xéKxcov aqui.

E escandalizavam-se nele (éoKavôodíÇovxo kv auxcò). Como em Mateus 13.57: “E escandalizavam-se nele”, apanhado pelo OKÚvòaXov, porque até recentemente fôra um deles e eles não conseguiram elu­cidá-lo. “Os nazarenos acharam a pedra de tropeço na pessoa ou cir­

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Marcos 6

cunstâncias de Jesus. Ele se tomou ué/cpa oKocvõáÀoi) (1 Pe 2.7,8; Rm9.33) para os que descreram.”4 Mateus 13.57 também preserva esta réplica de Jesus usando o provérbio que diz que um profeta não tem honra no seu próprio país. João 4.44 registra que Jesus dissera a mes­ma coisa em outro retomo a Galiléia. Não deixemos de observar que o uso da declaração significa que Jesus se identificou como profeta ou vidente (iTpo(|)r|Tr|c;, um anunciador para Deus). Ele já declarara ser Messias (Jo 4.26 é igual a Lc 4.21), o Filho do Homem com o poder de Deus (Me 2.10 é igual a Mt 9.6, que é igual a Lc 5.24), o Filho de Deus (Jo 5.22). Os céticos tropeçam na identidade de Jesus hoje como os habitantes de Nazaré de então.

6.4. Na sua casa5 (kv xrj oIkux airroü; ver também análise em Mt 13.57). Literalmente, os seus próprios irmãos descriam das suas reivindicações messiânicas (Jo 7.5).

6.6. E estava admirado da incredulidade deles6 (kou è9aú|j,a(ev òm tt]v derrtcrcíav aúxwv), tempo aoristo, embora WH ponha o pre­térito imperfeito na margem. Jesus tinha conhecimento divino e dis­cernimento exato sobre o coração humano, mas tinha limitações hu­manas em certas coisas que não nos são claras. Ficou maravilhado com a fé do centurião romano onde não se esperaria fé (Mt 8.10 é igual a Lc 7.9). Aqui, Ele se maravilha com a falta de fé onde tinhao direito de esperar que houvesse fé, não somente entre os judeus, mas na sua cidade natal, entre os parentes e até na sua casa. Não pre­cisamos considerar que Maria, a mãe de Jesus, fizesse parte dessa incredulidade. Confusa como ela estava pela conduta de Jesus (Me 3.21,31), não há prova de que ela tenha duvidado da sua divindade messiânica.

Epercorreu as aldeias vizinhas, ensinando1 (Kal Trep Lfiyev ràç Kcópaç kÚkàcü ÔLÕáoKoav). Um parágrafo completamente novo co­meça com essas palavras, quando Jesus inicia a terceira excursão pela Galiléia. Estas palavras deveriam ser colocadas no versículo 7. “Jesus retoma o papel de pregador itinerante na Galiléia”,8 tempo imperfeito, Trepif|Yev.

6.7. E começou a enviá-los de dois a dois9 (Kal rip^ato aúxouç áiToaTéÀAeiv õúo ôúo). Essa repetição do numeral em vez do uso de

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

àvu õúo ou kcztk ôúo chama-se normalmente hebraísmo. O hebraico tem essa linguagem, mas consta nos escritos de Ésquilo e Sófocles, no Koiyr) vernáculo (Papiros de Oxyrhynchus 121), no grego bizanti­no e no grego moderno.10 Marcos preserva o koiviÍ vernáculo dentro do seu estilo vívido mais claramente do que os outros Evangelhos. Os seis pares de apóstolos poderiam cobrir a Galiléia em seis dire­ções diferentes. Marcos nota que Ele “começou a enviá-los” (fjpÇcxTO aÚTOuç caiocruéAAeiv), tempo aoristo e infinitivo presente. Pode ser referência apenas a essa ocasião em particular segundo o modo pito­resco de Marcos. O imperfeito éôíôou significa que, por meio dessa excursão, Ele continuou dando a todos um poder (autoridade) con­tínuo sobre os espíritos imundos — escolhido por Marcos como re­presentantes de “toda enfermidade e todo mal” (Mt 10.1), “curarem enfermidades” (vóoouç Bepaueúeiv, Lucas 9.1; cf. “curar”, iâo0ca, Lucas 9.2). Eles tinham de orar e curar (Mt 10.7; Lc 9.1,2). Nesta primeira excursão, Marcos não menciona o quesito pregação na co­missão aos doze, mas declara que eles pregavam (Me 6.12). Eram missionários, que foram enviados (àitoo-zkXXeiv) em concordância com o ofício (daTÓaraXoi.).

6.8. Senão um bordãon (el |af| pápôov \ióvov). Todo viajante e peregrino levava o seu bordão pessoal. A. B. Bruce pensa que Marcos preservou o significado de Jesus com mais precisão do que Mateus 10.10 e Lucas 9.3, em cujos textos a instrução era não le­var um bordão.12 Os comentaristas matutam sobre essa diferença. Grotius propõe que em Mateus e Lucas era para não levar um segun­do bordão.13 Henry Swete considera que Mateus e Lucas reportam “um exagero inicial da severidade do mandamento”.14 “Não levar sequer um bordão é o estado da excelência da simplicidade austera e da abnegação. Aqueles que obedecerem ao espírito desses preceitos não trabalharão em vão.”

6.9. Mas que calçassem sandálias15 (àXXix í)iroõeôe|iévouc; aavòáXia16). Particípio perfeito passivo no caso acusativo como se estivesse com o infinitivo Tropeúea0oa ou 7TOpeu0f|vai (“ir”). Note o infinitivo aoristo médio, êvôúoaaGai (WH), mas èvôúor|o0e (aoristo médio do subjuntivo) na margem. A mudança do discurso indireto

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Marcos 6

para o direto é bastante comum, e não necessariamente em virtude das “notas desconexas das quais o evangelista dependeu”.17 Mateus 10.10 tem “nem sandálias” (jj,r)õè írnoõiíiaara., mantendo a distinção entre “calçados” e “sandálias” (usadas por mulheres na Grécia e por homens no Oriente, sobretudo pelos viajantes). A proibição era para não levar calçados extras (ver análise em Mt 10.10).

Que não vestissem duas túnicas18 (|ít] èyôúor|o0e õúo xitcovaç) pode indicar a orientação das instruções de Jesus relativas a calça­dos e bordão. “Em geral, essas orientações são contra o exagero no preparo, e também contra a proporcionar para si o que poderia ser obtido pela hospitalidade das pessoas.”19

6.10. Ficai nela até partirdes dali (exel [léyete ecoç cí|v êÇéA.0r)Te êKeI0ev), o mesmo também em Mateus 10.11 e Lucas 9.4. Só Mateus tem “cidade ou aldeia” (Mt 10.11), mas ele menciona “casa” (Mt 10.12). O objetivo era evitar agir com inquietação e insatisfação e esforçar-se para escolher uma casa. Não se trata de uma proibição contra aceitar convites.

6.11. Em testemunho contra eles20 (eiç iiapiúpiov airrolç), não consta em Mateus. Lucas 9.5 tem uma variação da expressão grega com a mesma tradução (elç i-iapTÚpiov èif cajTJOúç). Em Marcos, o dativo aikolç é o dativo de desvantagem e, na verdade, transmite a mesma idéia que tu t em Lucas. A ação dramática de sacudir “o pó que estiver debaixo dos vossos pés” (eKTivá^aie xòv xow tòv ÚTroKcaoo xájy ttoôwv í)[ioôv, imperativo aoristo efetivo, Marcos e Mateus). Lucas 9.5 usa o imperativo presente àvoziváoaexe, que foi traduzido por “sacudi”.

6.12. Saindo eles, pregavam ao povo que se arrependes­se (ê eÀGóvTeç èKiípu^Kv Iva fieTavocòoiv21), aoristo constativo (èKipuijav), descrição de resumo. Esta era a mensagem de João Batista (Mt 3.2) e de Jesus (Me 1.15).

6.13. E expulsavam muitos demônios, e ungiam muitos enfer­mos com óleo12 (kcu õaLiaóma TTOÀÀà è^épcdÀov, kou r|A.elc|dov eÀcáto uoAAouç áppúoTouç kcu èGepcbeuov), tempos imperfeitos, repetição continuada, só ocorre em Marcos. Este é o único exemplo no Novo Testamento de r]Àe Ccbco èA.ccíco usado com relação à cura, além de

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Tiago 5.14. Em ambos os casos é possível que o uso de óleo de oliva como medicamento seja a base da prática. Ver Lucas 10.34 a respeito da prática de colocar óleo e vinho nas feridas. Os papiros dão muitos exemplos do valor medicinal do óleo de oliva, uso in­terno ou tópico. Era frequentemente empregado depois do banho. Permanece a questão se àÀeíc G) em Marcos e Tiago 5.14 é usado es­tritamente no sentido cerimonial ou se a aplicação combina virtudes medicinais e simbólicas relacionadas à cura divina. “Indícios de uso ritual da unção de doentes tem a primeira aparição entre as práticas gnósticas do século II.”23 Temos hoje, como no século I, Deus e os medicamentos. Através da natureza, Deus faz a cura verdadeira quando tomamos medicamentos e consultamos médicos.

6.14. E ouviu isso o rei Herodes24 (Kal r|K0i)aev ó PaGLÀeijç 'Hpoóôriç25). Esta excursão pela Galiléia que os discípulos fizeram em duplas despertou toda a região, pois o nome de Jesus ficou co­nhecido (<E>avepóv), chegando até aos ouvidos de Herodes. “O palá­cio é o último a ouvir as notícias espirituais.”26

E por isso estas maravilhas operam nele21 (Kal ôià toüto èvep yoüaiv ai õuvá|j,eiç èv airucô). Herodes pode ter raciocinado que, embora João Batista não tivesse feito nenhum milagre (Jo 10.41), um João ressurgiu dos mortos. “A superstição e a consciência cul­pada de Herodes suscitaram esse fantasma para atormentá-lo.”28 A palavra energia é derivada de èvepyoíjGiv, e significa “no trabalho”, “trabalhando”, “de serviço”, “em ação”. Todos concordavam que maravilhas estavam em ação em Jesus, mas as opiniões diferiram amplamente quanto ao ponto de Ele ser apenas outro profeta ou João Batista ressuscitado. Herodes estava perplexo (ÕLTrnópe l, ver Mt 6.20; Lc 9.7).

6.16. Este é João, que mandei degolar; ressuscitou dos mor­tos29 ("Ov èyco (XTTeKe(t)áA,iaa ’I«ávvr|v, ouioç riyép9r|30). Os seus medos levaram a melhor sobre ele. O verbo recente à-rcoKe4)aX[(üJ significa “cortar a cabeça”. Herodes ordenara a execução e reconhe­cera a culpa.

6.17. Porquanto o mesmo Herodes mandara prender a João31 (Aíiiòç yàp ó 'Hpcóõrjç carocneÍÀaç eKpátr]aev uòv ’Iwáwr|V32).

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Marcos 6

Neste ponto, Marcos insere a história do assassinato de João Batista para apresentar a razão dos medos de Herodes. Marcos pode estar rente à ordem cronológica. A notícia da morte de João em Maqueros pode ter dado fim à excursão pela Galiléia. “Ao que parece, a novi­dade do assassinato de João Batista encerrou o recente circuito.”33 Os discípulos de João “foram anunciá-lo a Jesus. E Jesus, ouvindo isso, retirou-se dali num barco” (Mt 14.12,13; ver análise em Mt 14.3-12).

6.18. Não te é lícito possuir a mulher de teu irmão (Oík eçeoxíyool exeiv tt]v yuvouKft xou àõeÀtjjoí) oou). Depois da morte de um irmão, havia o dever de casar-se com a viúva. Mas neste caso, isso não se justificava porquanto o irmão ainda estava vivo (Lv 18.16; 20 .21).

6.19. E Herodias o espiava54 (f] ôè 'Hptpôiàç aúrcô),um dativo de desvantagem. Literalmente, ela “o tinha em para ele”. Não está expresso o objeto de embora ópyr|V ou xoA.óv possa estar implícito. O tempo imperfeito descreve habilmente os senti­mentos de Herodias para com este profeta arrogante do deserto que ousou denunciar as suas relações particulares com Herodes Antipas. Gould propõe que ela “o vigiava”, ou mantinha-se hostil para com ele.35 Ela nunca dera trégua, mas esperava que a sua oportunidade chegasse. Ver o mesmo linguajar em Gênesis 49.23.

Queria matá-lo36 (fíBeÀev aikòv áTTOKmvcu), o imperfeito outravez.

Mas não podia37 («m oúk fiôúvato). A palavra kíxl aqui tem um sentido adversativo: ela tinha a vontade, mas não o poder de matar João Batista.38

6.20. Porque Herodes temia a .Joâoyi (ó yctp 'Hpcóôriç ècjjopei-co tÒv ’Iwávvriv40), tempo imperfeito, estado ininterrupto de medo. Ele também tinha medo de Herodias. Entre os dois, Herodes vacilava. Ele sabia que João era “justo e santo” (õÍKCuoy «m ctyLoy), por isso “guardava-o em segurança”41 (kcu ouvexripei ccikóv), imperfeito. Marcos também disse que Herodes gostava de ouvir João Batista, presumivelmente na prisão em Maqueros. Essas conversas davam força “à sua mente esgotada como com uma brisa de ar fresco”.42

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Então, ele via Herodias e ficava novamente emaranhado (f|uópei, “perder o caminho”, a, elemento de negação, e TTÓpoç, “caminho”).

6.21. E, chegando uma ocasião favorável43 (Kal yevo^évr|c; rpepaç eikaípou), um genitivo absoluto. O dia estava “bem desig­nado” (ei), “bem”, Kaipóç, “tempo”) para a finalidade que Herodias tinha em mente. Ela fizera planos para fazer com que o seu marido Herodes Antipas lhe fizesse a vontade com relação a João Batista. A palavra yeveoíoiç é o caso locativo ou associativo instrumental de tempo. Ver em Mateus 14.6 para inteirar-se da discussão sobre o aniversário de Herodes.

Dava uma ceia aos grandes,44 e tribunos, epríncipes da Galileia (õeiTTVOV èTroír|oev45 tolç |ieyiotâoiv autoí) kcu tolç x^i-ápxoLç Kal tolç upüJTOLç tf|ç FaliA-aiac;). A palavra ^eyicn;âaiv forma-se de [i.eyio-cáv, que por sua vez é derivada de |j.éyaç, “grande”. O termo para nobreza sociável é comum na LXX e no grego mais tardio (cf. Ap 6.15; 18.23), sendo também encontrado nos papiros. Herodes Antipas convidou os tribunos militares e os chefes de mil homens (XiAiápxoç), como também os grandes, os magnatas, os nobres, os homens de destaque da vida civil (tolç hpgótolç rrjç raXilaíaç). O ajuntamento notável incluía os primeiros homens de importância e proeminência social no aniversário de Herodes.

6.22. A filha da mesma Herodias (icoà...Tfjç Guycapòç autoí) 'Hpcúôiáôoç46), um genitivo absoluto. Em vez de aúxf|ç, “ela mesma”, alguns manuscritos têm a leitura autoí), “sua”, referindo-se a Herodes Antipas (conforme WH). Nesse caso, a filha de Herodias também teriao nome Herodias como também Salomé, o nome que comumente lhe é dado. Perto do fim do banquete, quando todos tinham participado do vinho livremente, Herodias fez a sua filha entrar e dançar (eioeÀ9oúor|ç [...] Kal òpxr|aa|j,évr|c;) “diante de todos” (Mt 14.6, ARA). “Tal dança era algo quase sem precedentes para mulheres de dignidade ou respei­tabilidade. Tratava-se de dança mimética e licenciosa, executada por profissionais.”47 Herodias degradou a própria filha para cumprir o seu propósito contra João Batista.

[Ela] agradou a Herodes e aos que estavam com ele à mesa (rpeoev icô 'Hpcóõfl Kal toLç ouvavaKei|iévoi,ç 48). O grupo senti­

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Marcos 6

mental por motivo da embriaguez que se espreguiçava nos divãs ficou excitado pela dança licenciosa da princesa seminua.

6.23. E jurou-lhe49 (kccI oiaooev anurj iroAlá 50). A moça tinha idade para casar, embora fosse chamada «opáoiov (cf. Et 2.9). Mais tarde, Salomé casou-se com o tetrarca Filipe. O juramento fanfarrão de dar até a metade do reino lembra Ester 5.3, onde Assuero fez um juramento semelhante.

Tudo o que me pedires te darei5] (''O t i káv |_ie aLrr|oriç ôoóoco oot). O tetrarca bêbedo foi apanhado na rede de Flerodias pela pro­messa pública que fez.

6.24. Que pedirei? (Tí aiTiíocofica 52). A menina não fôra infor­mada de antemão sobre o que pedir. Mateus condensa a narrativa, e Mateus 14.8 não é tão claro. A voz média da pergunta da moça dá a entender que ela está pensando em algo para si. Sem dúvida, ela estava desprevenida para a resposta horrível que a mãe lhe deu.

6.25. Entrando apressadamente, pediu ao rei53 (elaelGoüaa eü9i)ç |i6T<x cmouôfjç irpòç xòv PaoiAia fixriaato54). Ela foi enviada de volta às pressas, antes que a disposição irrefletida do rei mudas­se e enquanto ele ainda estava sob o feitiço da princesa dançante. Herodias sabia muito bem o que queria (ver análise em Mt 14.8).

6.26. [Ele] não lha quis negar’5 ( o u k r]QéÀ.r)aev áGeifioca aírnV56). Antipas foi apanhado entre a sua consciência e o seu ambiente. O ambiente abafou a consciência.

6.27. E, enviando logo o rei o executor ( kccI eúGuç dcTToaxeílaç ó PaoiAenç aTrexouÃáxopa57), relacionado ao latim expeculator. Era o espião, o explorador, o assassino e freqüentemente o executor. A pa­lavra era usada para referir-se ao guarda-costas do imperador roma­no e aqui está em vista um oficial semelhante que servia Herodes. Esse homem de confiança era usado para incumbências assassinas. Ele entregou a cabeça de João Batista imediatamente à donzela, ao que parece na presença de todos os convidados. Ela o levou à mãe. Desse dia em diante, o tetrarca perseguido pela culpa, escravo de Herodias, tomara-se escravo dos seus medos. Ele estava assombra­do pelo fantasma de João Batista e estremecia com os relatos do que Jesus estava fazendo.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

6.29. Foram, tomaram o seu corpo e o puseram num sepulcro58 (rjA.9ov Ka! rjpav tò irc(3|J,a aÒTOÜ Kal e0r]Kav amb 4v |i.vrpeíco 59). Foi um tempo de luto para os discípulos de João Batista. “E foram anunciá-lo a Jesus” (Mt 14.12). O que mais poderiam fazer?

6.30. E os apóstolos ajuntaram-se a Jesus60 (Kcà auváyovTaiol á-nóotoXoi TTpòç xòv ’Iriaow), um presente histórico vívido.

E contaram-lhe tudo, tanto o que tinham feito como o que ti­nham ensinado («m ÓTTr]Yyeilav aúxcô nauta61 oaa èiroír|Gav Kal oaa lõíôalav). O grego usa o aoristo indicativo, aoristo constativo que resumiu a história da primeira excursão que os apóstolos fize­ram sem o Mestre. Jesus ouviu tudo (Lc 9.10). Ele estava extrema­mente interessado no resultado.

6.31. Vinde vós, aqui à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco62 (AeCrce ufieiç aúxol Ktrc’ lõíav elç êprpov tottov Kal áva-naijaaoGe63 óA.íyov). Os discípulos estavam entusiasmados e pre­cisavam de descanso (ávaTraúaaoBe, voz média, literalmente, “des­cansar”). Até Jesus sentia a necessidade de mudança ocasional e descanso.

E não tinham tempo para comer (Kal oúõè (Jmy Xv eiKaípouv64), tempo imperfeito. As multidões estavam vindo e indo, por isso a mudança era necessária.

6.32. Foram sós num barco para um lugar deserto65 (Kal àufj A.0OV èv tcô ttIoicl) elç êprpov tóuov Kax’ lôíav66). Eles concorda­ram com vivacidade, e foram-se.

6.33. E a multidão viu-os partir''1 (Kal elôov aúxouç ímáYOVxat;). A multidão que estava seguindo a Jesus não se deixaria afastar. As pessoas reconheceram (eTTey^woav) Jesus e os discípulos, e correram a pé (ueÇfi) ao redor da nascente do lago. Elas estavam esperando por Jesus quando o barco chegou.

6.34. Porque eram como ovelhas que não têm pastor (oxi ipav (í)ç Trpoßaxa |_it} exovta uoi|iéva). Mateus tem essas palavras em outro contexto (Mt 9.36). Só Marcos as tem aqui. A palavra \xr\ é o negativo habitual para o particípio no grego KOivr|. Essa multidão68 entusiasmada precisava de pregação e de cura (Mt 14.14 menciona cura, como faz Lc 9.11), mas em uma turma de corredores vigorosos

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Marcos 6

não haveria muitos doentes. O povo tinha muitos líderes oficiais, mas esses rabinos eram líderes espirituais cegos que guiavam cegos. Jesus tinha vindo para descansar, mas o seu coração foi tocado pelo patos dessa situação.

E começou a ensinar-lhes muitas coisas69 (kcÚ f|p£axo ôiõáoKeiv amobç iroAAá). Dois acusativos com o verbo ensinar e o presente do infinitivo significam que Ele se manteve nessa atividade.

6.35. E, como o dia fosse já muito adiantado70 (Kod tíôt) wpaç ttoâAííç yevofiévric;). Note o genitivo absoluto. A palavra dopaç é usada aqui para referir-se às horas do dia (o mesmo ocor­re em Mt 14.15) como consta nos escritos de Políbio e no grego recente (literalmente, “muito dia já ido”). Lucas 9.12 tem “já o dia começava a declinar” (kXÍv^ iv). Eram mais de três horas da tarde. Note a segunda tarde ou pôr-do-sol em Marcos 6.47, que é igual a Mateus 14.23, que é igual a João 6.16. O pôr-do-sol es­tava se aproximando. O linguajar é repetido ao final do versículo (ver análise em Mt 14.15).

6.36. Despede-os, para que vão aos campos e aldeias circun­vizinhas (ccTróXuaov aúxoúç, 'iva àiTeA,9óvxeç elç xoúç kukAxú àypoúç Kai KW iaç). Os campos (àypouç) eram as fazendas esparsas (latim, villae). Entre as aldeias (Koí|iaç) pode estar Betsaida Júlia, que ficava perto (Lc 9.10). A outra Betsaida estava no lado ocidental do lago (Me 6.45).

Pão para si (xí (tjáytooiv). Literalmente, “o que comer”, “o que eles tinham para comer”. Subjuntivo deliberativo retido na pergunta indireta.

6.38. Ide ver71 (ímáyexe iôexe72). João diz que Jesus pediu que Filipe descobrisse que comida havia com a multidão (Jo 6.5), prova­velmente depois que os discípulos sugeriram que Jesus mandasse as pessoas embora, visto que a noite estava chegando (Me 6.35). Nesta objeção à ordem para que eles alimentassem as multidões (Me 6.37 é igual a Mt 14.16, que é igual a Lc 9.13), Jesus disse: “Ide ver o que vós podeis conseguir”. André informa que um rapaz tem cinco pães de cevada e dois peixinhos ( Jo 6.8). Pouco antes, eles sugeriram que duzentos dinheiros ou denários (ôrivapícov õiaKOoícov, ver análise

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

em Mt 18.28) eram insuficientes. Só o Evangelho de João fala do rapaz com o seu almoço.

6.39. Em grupos (au(j,iTÓaia au|_i-iTÓaia). Aqui a distribuição é expressa pela repetição, como no versículo 7 ,ôúo ôúo), em vez de usar àvá ou kccxoc. A palavra simpósio é derivada do termo grego. Significava originalmente uma festa com bebidas (cf. latim convi- vium), mas o termo veio a significar uma festa com convidados de qualquer tipo sem a noção de bebida.73

Sobre a eiva verde (èrrl xcô xXojpcô xópxco). Este é outro detalhe caracteristicamente de Marcos. Era o tempo da Páscoa (Jo 6.4) e o sol da tarde brilhava sobre os grupos ordenadamente sentados na relva verde da primavera (ver análise em Mt 14.15). A relva não é verde na Palestina em grande parte do ano, principalmente na época da Páscoa. Assim, os Evangelhos Sinóticos dão a entender que hou­ve mais do que um ministério de um ano de Jesus.74 Havia ainda um ano para a última Páscoa quando Jesus seria crucificado. As pessoas estavam meio reclinadas (dcvaiclivai) e talvez estivessem sentadas como companhias em roda de mesas, abertas em uma ponta.

6.40. E assentaram-se repartidos (avéueoocv npaoioà rrpaoiaí). O verbo àvéiTeaav significa “caíram aqui”. Mas eles foram organi­zados por grupos de cem e por grupos de cinqüenta. A visão teria sido semelhante a canteiros coloridos pelas diversas roupas colori­das que até os homens usavam no Oriente. Novamente Marcos usa uma construção repetitiva, npccoiai npaouú, no nominativo absolu­to como no versículo 39. A alternativa teria sido usar kvá ou Kara com o acusativo para dar a idéia de distribuição. Pedro deve ter re­cordado a cor como também a ordem no agrupamento. Os alimentos foram distribuídos ao longo dos corredores ordenadamente feitos entre as filas e filas de comensais na relva verde.

6.41. E, tomando ele os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao céu, e abençoou, e partiu os pães, e deu-os aos seus discí­pulos para que os pusessem diante deles. E repartiu os dois peixes por todos75 (ei)Xóyr|06v kocÍ kcctéKÀccoev tobç apxouç ra i èôiõou xolç [aa0r|Tcâç aúxoü 'iva TrapaxiÔajaiv aúxolç, Kal xouç õúo íxôúaç é[j,épiaev nâaiv76). Ao que parece, os dois peixes foram mais que os

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Marcos 6

doze cestos cheios de pedaços partidos de pão (ver discussão acerca dos dois tipos de cestos, ko lvoç e o^úpiç, em Mt 14.20).

6.44. Eram quase cinco mil homens (kou rj oav [...] ttévtok iox l A.101 avôpeç). O termo é específico de gênero e não uma referência gené­rica a pessoas. Por isso, os homens são contados, como em Mateus14.21. Marcos não informa 0 número de mulheres presentes. Esse extraordinário milagre da natureza, o qual só Deus pode realizar, é registrado por todos os quatro Evangelhos. Não há teoria sobre processos naturais em ritmo acelerado que explique esse milagre. Mateus, João e Pedro, através de Marcos, fazem três relatórios de testemunhas oculares distintos.77

6.45. Epassar adiante, para o outro lado, aBetsaida7S (Trpoáyeiv elç to iTépav rrpòç Br|9acaôáv). Agora volta a atenção para a margem ocidental do lago, para Betsaida, não a Betsaida Júlia que ficava na margem oriental (Lc 9.10).

Enquanto ele despedia a multidão79 (ecoç aúuòç ccuoA.iki tÒv õxA.ovsn). Mateus 14.22 tem “enquanto despedia a multidão”81 (ecoç ou àuolúor) toíic oxÀouç) com 0 subjuntivo aoristo de propósito. O presente indicativo (xuoA,úei de Marcos descreve Jesus pessoal­mente empenhado em persuadir as pessoas a voltar para casa (cf. Jo 6.41). As multidões ficaram empolgadas com a comida grátis, e o entusiasmo as inclinava a proclamar Jesus rei em uma revolta contra Roma. Ele já dissera aos discípulos que passassem adiante (TTpoáyeiv) indo de barco. Ele pode ter querido que eles ficassem longe dessa atmosfera exausta. As pessoas estavam em perigo de sedição, visto que deram a sua própria distorção política ao con­ceito do Reino messiânico. Esta era a concepção dos fariseus, e perturbou o que Jesus estava comunicando (ver análise em Mt 14.22,23). Também poderia desencadear eventos que conduziriam à crucificação um ano antes de Jesus estar preparado. Jesus aju­dara e abençoara as multidões, e perdera a chance de descansar. Nesse momento, ninguém realmente o entendia, nem as multidões nem os discípulos. Jesus precisava do Pai para firmar-se. De certo modo, o Diabo o tentou novamente com 0 domínio mundial em associação com os fariseus e a populaça.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

6.47. Sobrevindo a tarde82 (ói|/íaç yevo|iévr|<;). A segunda ou última tarde, às seis horas da tarde nessa estação do ano, ou o pôr- do-sol.

Ele, sozinho em terra («a! aúuòç |ióvoç 4tt! Tf|ç yfjç), outro detalhe caracteristicamente de Marcos. Jesus orara ao Pai. Ele está novamente ao mar no último brilho do crepúsculo. Pelo visto, Jesus permaneceu algumas horas na praia. “Era já escuro, e ainda Jesus não tinha chegado perto deles” (Jo 6.17).

6.48. Vendo que se fatigavam a remar83 («a! lõcòv ocütouç PaacanCofiévouç kv tcü êÀaúveiv 84). O verbo PaaavíÇgj é analisa­do em Marcos 5.7, como também em Mateus 4.24 e 8.29. O verbo èÀaúveiv significa, literalmente, “dirigir”, “pilotar”, relativa a na­vios ou carruagens, e Xenofonte a usa para aludir a uma coluna de soldados em marcha. Os barcos eram dirigidos pelos remos.

Perto da quarta vigília da noite (uepi Tetáprriv (J)uàcíkt]v rf|ç vuktòç), entre três e seis da manhã. O vento “lhes era contrário” (kvaviLoç amole). Este era “um grande vento” (Jo 6.18). Remar era difícil contra tal vento contrário. Os discípulos tinham feito pouco progresso. Eles deveriam ter alcançado o outro lado do lago há mui­to tempo antes disso.

[Ele] queria passar adiante deles85 (içai r\QeXev irapelGeiv oaruoúç). Este detalhe, usando o imperfeito ríGeÀev, só é achado em Marcos.

6.49. Pensaram que era um fantasma*6 e deram grandes gri­tos87 (eôo^av otl cj)ávi;(xa[iá ècuiv88, kcu àvkKpa^av). Literalmente, um beiT O estridente de terror ou guincho agudo.

6.50. Tende bom cinimo (©apoeite, èyoó el|_u). Eram espantosas palavras de alegria, vindo da escuridão de alguém que estava andan­do por cima da água. Mas agora eles reconheceram Jesus, e a sua voz os acalmou.

6.51. Ficaram muito assombrados e maravilhados89 (Xíav <ek TTepioGoO kv eauTotç k^íozavxo). Só Marcos relata a reação comple­ta dos discípulos. Note o tempo imperfeito, descrevendo de forma vívida a agitação. Marcos ignora a tentativa de Pedro andar sobre a água. Talvez Pedro não gostasse dessa parte da história.

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Marcos 6

6.52. Pois não tinham compreendido o milagre dos pães90 (ou yàp owf\Kttv €ttI tolç aptoiç). Esta é a explicação do assombro excessivo, ou seja, do fracasso em não entender a significação com­pleta de quem Jesus era com base no milagre dos pães e dos pei­xes. O seu processo de raciocínio (Kapõía, no sentido interno geral) “estava endurecido”91 (aúioàv r] Kapôía TreTTOOpGO|iévri). Ver análise em Marcos 3.5 acerca da palavra iTcóptooiç. Por causa de tal dureza intelectual ou burrice, muitos não crêem em um Deus que pode ou faz milagres.

6.53. E ali atracaram92 (kocÍ upoacopi-iíaGrioav). Só aqui no Novo Testamento, embora seja um verbo grego antigo e ocorra nos papiros. A palavra op|ioç refere-se ao ancoradouro intemo de um porto onde os navios ficam. Eles lançaram âncora ou amarraram o barco com cordas a uma estaca em terra firme. Estavam na planície de Genesaré, muitos quilômetros ao sul de Betsaida. O vento notur­no os carregara para bem longe do curso.

6.54. O reconheceram93 (êTTiYvóvTeç oorròv). Eles reconhece­ram Jesus, conhecendo plenamente (éuí) como quase todos àquela altura o conheciam, um segundo aoristo em particípio ativo.

6.55. Percorrendo toda a terra em redor94 (irep léôpa^ov95 oA.r|V xf|v Pav éKÉivr|v). Um aoristo constativo vívido descreve a pro­cura entusiasmada que as pessoas fizeram por Jesus conforme se espalhava a notícia de que Ele estava em Genesaré.

E [...] começaram a trazer em leitos [...] os que se achavam enfermos96 (kcu TÍp^avro errl tolç KpapáxTOLç touç kkkwç exovTaç TTepic()6peLv). Os leitos ou macas eram iguais à maca na qual abaixa­ram o paralítico pelo telhado (Me 2.4).

Onde quer que sabiam que ele estava97 (óttou tÍkouov otl èoTÍv). Terceira pessoa do plural do imperfeito de kkoÚg) (“repetição”), ter­ceira pessoa do singular do presente do indicativo de èoiív retido no discurso indireto.

6.56. Onde quer que entrava, ou em cidade98 (kcu ouou a\v elaeuopeúeTO eiç kcÓ|í«ç). O pretérito imperfeito do indicativo com av é usado para fazer uma declaração geral indefinida com o ad­vérbio relativo. Ver a mesma construção ao término do versículo,

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

«ai oooi a\v ííi|/(xyto99 kutoú èooó(ovto (aoristo indicativo e av em uma frase relativa), “todos os que lhe tocavam [na orla] saravam”.100 Temos de ampliar os detalhes para obter uma idéia da riqueza do ministério de cura de Jesus. Agora estamos próximos do fim do mi­nistério galileu, quando a misericórdia de cura de Jesus e a agitação popular estavam em alta.101NOTAS_________________1 “Foi para a sua terra” (ARA).2 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, r\p&xo kv xfj ouvceywyfi õiõáaKeiv.3 Frederick W. Farrar, The Life o f Christ (Reimpressão, Minneapolis: Klock &

Klock, 1982).4 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1977), p. 114.5 “Na sua terra” (ARA).6 “E ficou admirado com a falta de fé que havia ali” (NTLH).7 “Jesus ensinava nos povoados que havia perto dali” (NTLH). [N. do T.: As ver­

sões BJ e NVI fazem uma separação no meio do versículo 6 em concordância com o comentário do autor deste livro.]

8 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 378.

9 “Enviou-os de dois em dois” (NVI).10 G. Adolf Deissmann, Light from the Ancient East: The New Testament Illustrated

by Recently Discovered Texts o f the Graeco-Roman World, traduzido por L. R. M. Strachan (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1965), pp. 122, 123.

11 “Anão ser um cajado apenas” (BJ).12 Bruce, Expositor’s , p. 379.13 Hugo Grotius, The Truth o f the Christian Religion.14 Swete, Commentary on Mark, p. 116.15 “Mas que andassem calçados com sandálias” (BJ).16 TR e TM têm àXX’ í)iroõe5e|iévouç aavôáXm.

17 Swete, Commentary on Mark, pp. 116, 117.18 “Não levar nem uma túnica a mais” (NTLH).19 Ezra R Gould, Critical andExegetical Commentary on the Gospel According to

St. Mark (Edimburgo: T. & T. Clark, 1896), p. 107.20 “Como sinal de protesto contra aquela gente” (NTLH).

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Marcos 6

21 TR e TM têm a forma imperfeita do verbo, èKripuaaov.22 As versões AEC, BJ, NTLH, NVI, ARA têm redação semelhante.23 Swete, Commentary on Mark, p. 119.24 “Chegou isto aos ouvidos do rei Herodes" (ARA).25 TR soletra o substantivo próprio sem o iota subscrito, 'Hpúôriç.26 John Albert Bengel, New Testament Word Studies, vol. 1 (Reimpressão, Grand

Rapids: Kregel, 1971), p. 334.27 “E por isso os poderes operam através dele” (BJ).28 Gould, Criticai and Exegetical Commentary, p. 109.29 “Ele é João Batista! Eu mandei cortar a cabeça dele, e agora ele foi ressuscita­

do!” (NTLH).30 TR e TM têm ôv kyò àiT€K:e(j)áÀiaa ’l<s>ávvr\v, ouxoç ècmv. coxuoç f|Yép0r| 4k

veKpúv.31 “Pois tinha sido Herodes mesmo quem havia mandado prender João” (NTLH).32 WH grafa o substantivo próprio com um só v: ’Icjávr|v.33 Swete, Commentary on Mark, p. 122.34 “Herodíades então se voltou contra ele” (BJ); “e Herodias o odiava” (ARA).35 Gould, Criticai and Exegetical Commentary, p. 112.36 “Querendo matá-lo” (ARA).37 “E não podia” (ARA).38 Swete, Commentary on Mark, p. 123.39 “Porque Herodes tinha medo dele” (NTLH).40 WH grafa o substantivo próprio com um só v: ’Iwávriv.41 “Por isso Herodes protegia João” (ARA).42 Swete, Commentary on Mark, p. 124.43 “Ora, chegou um dia propício” (BJ).44 “Ofereceu um banquete aos seus líderes mais importantes, aos comandantes

militares e às principais personalidades da Galiléia” (NVI).45 TR e TM têm o verbo imperfeito, õetwov èiroíei.46 TR grafa o substantivo próprio sem o iota subscrito,' Hptoõiáôoç.47 Gould, Criticai and Exegetical Commentary, p. 113.4S TR e TM têm Kcà àpeoáoriç t(ô'Hpúõri|; TM tem o iota subscrito, 'Hpúôri kcí!

toüç awctvaKei|iévoiç.49 “E prometeu-lhe sob juramento” (NVI).50 TR e TM não incluem ttoààcc.51 “Prometo que darei o que você pedir” (NTLH).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

52 TR e TM têm a forma íutura, Tí aLrr|ao|j.oa.53 “No mesmo instante a moça voltou depressa aonde estava o rei” (NTLH).54 TR e TM têm o advérbio grafado assim: eúGécoç.55 “Não pôde deixar de atender o pedido da moça” (NTLH).56 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, oik f|0éA.r|aev aútfiv áGetfiaai.57 TR e TM têm o advérbio grafado assim eüQécoç e o último substantivo grafado

assim oireKoutaraopa.58 “Os discípulos de João vieram, levaram o seu corpo e o colocaram num túmulo”

(NVI).59 TR tem o substantivo plural de acordo com os dois verbos anteriores, e inclui

um artigo,’é9r|Ká aÚTÓ kv utò |ivr||i£Í.tp.611 “Voltaram os apóstolos à presença de Jesus” (NTLH).61 TR e TM incluem a conjunção kcú entre návxa e Boa.62 “Venham! Vamos sozinhos para um lugar deserto a fim de descansarmos um

pouco” (NTLH).63 TR e TM têm o verbo no tempo presente, avavaveoQe.64 TR tem uma grafia diferente para o verbo, r|ÚKoápouv.65 “Então eles se afastaram num barco para um lugar deserto” (NVI).66 TR e TM têm «ai ání}A.9ov elç epr)|j.ov t o t t o v ico tt/Uhcj Kax’ iõíav.67 “Muitos, porém, os viram partir” (ARA).68 Bruce, Expositor’s, p. 383.69 “E começou a ensinar muitas coisas” (NTLH).70 “Ao declinar a tarde” (AEC); “em declinando a tarde” (ARA).71 “Verifiquem” (NVI).72 TR e TM têm UTráyexe Kai lÕ€T€ .73 O mesmo ocorre nos escritos de Plutarco e na LXX, especialmente em 1

Macabeus.74 Gould, Critical andExegetical Commentary, p. 118.75 “Tomando os cinco pães e os dois peixes e, olhando para o céu, deu graças e

partiu os pães. Em seguida, entregou-os aos seus discípulos para que os servis­sem ao povo. E também dividiu os dois peixes entre todos eles” (NVI).

76 TR e TM têm a forma aoristo do verbo, rapaGuaiv.77 Gould, Critical and Exegetical Commentary, p. 120.78 “E fossem na frente para o povoado de Betsaida, no lado leste do lago”

(NTLH).79 “Enquanto ele mandava o povo embora” (NTLH).80 TR e TM têm o verbo aoristo do subjuntivo, áTroXúor].

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Marcos 6

81 “Enquanto ele mandava o povo embora” (NTLH).82 “Quando chegou a noite” (NTLH); “ao anoitecer” (NVI).83 “Ele viu que os discípulos estavam remando com dificuldade” (NTLH).84 TR e TM têm o verbo no aoristo segundo do indicativo eíôev em lugar do par-

ticípio.85 “[Ele] estava já a ponto de passar por eles” (NVI).86 “Julgaram que fosse um fantasma” (BJ).87 “E começaram a gritar” (BJ; NTLH).88 TR e TM têm eôoEjdlv 4>céviaa|j,a eivai.89 “Eles, porém, no seu íntimo estavam cheios de espanto” (BJ); “ficaram entre si

atônitos” (ARA).90 “Pois não tinham entendido nada a respeito dos pães” (BJ).91 “É que a mente deles estava fechada” (NTLH).92 "Onde amarraram o barco na praia” (NTLH).93 “Os habitantes logo o reconheceram” (BJ).94 “E, percorrendo toda aquela região” (ARA).95 TR e TM têm o particípio presente ativo, irepiõpoqióvieç.96 “E levavam os doentes em macas” (NVI).97 “Para onde ouviam que ele estava” (NVI; ARA).98 “Em todos os lugares aonde ele ia, isto é, nos povoados” (NTLH).99 TR e TM têm a forma imperfeita do verbo, r\wxovxo.100 “Todos os que tocavam nela ficavam curados” (NTLH).101 Bruce, Expositor’s, p. 386.

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Capítulo7

MarcosJ J0IM3JO2íSiBiMSÍSIMS]SJMSlMMSlMSMfSÍSMÍ5ÍSfSj7.2. Alguns dos seus discípulos comiam pão com as mãos im­

puras, isto é, por lavar1 (tivàç xwv laaGriTGÕv airroG òxi Koivaiç Xepaiv, tou t’ eoiiv ávíirroiç, êaGíouaiv touç aptouç2). “Mãos por lavar” está no caso instrumental associativo. Originalmente, a pa­lavra koivÓç significava o que era comum a todos, relacionada ao termo koivií para o grego falado pelas pessoas comuns. Em uso pos­terior, a palavra koivÓç também veio a significar, como aqui, “aquilo que é vulgar” ou “aquilo que é profano”. Dirigindo-se a Deus, Pedro usa o termo em Atos 10.14 para dizer que nunca comera coisa al­guma “comum e imunda”. Os emissários dos fariseus e os escribas que vieram de Jerusalém tinham visto “alguns dos [...] discípulos” comendo com mãos que estavam cerimonialmente imundas, não la­vadas. O texto não informa quantos discípulos foram observados. Henry Swete sugere que enquanto os discípulos atravessavam a pla­nície foram vistos comendo os pães guardados nos doze cestos do milagre realizado no dia anterior, à tarde.3 A objeção foi levantada no quesito cerimonial, e não sanitário.

7.3. Sem lavar as mãos muitas vezes4 (n"uy|j,f) vújjGovxai xàç y d paç) é o caso instrumental, com o punho, até o cotovelo, esfregando

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

uma mão e braço com a outra mão fechada.5 Poderia ser uma lava­gem a seco ou esfregação das mãos sem água como uma concessão ritualista. A voz média reflexiva vÍi)/cúvtcu quer dizer as suas pró­prias mãos. Esse verbo é usado para referir-se às partes do corpo, ao passo que Àoúoo é usado para o corpo inteiro (Jo 13.10). Sobre a tradição dos anciãos, ver análise em Mateus 15.2.

7.4. E, quando voltam do mercado (kou áu’ áyopctç6). A conta­minação cerimonial era inevitável em público. Este àyopá derivado de áyeípco, “coletar” ou “juntar”, era a praça pública de toda cidade, onde as pessoas se reuniam. Os discípulos já estavam cerimonial- mente imundos.

Se lavarem1 (PanríawvToa), aoristo primeiro médio do subjunti­vo Pcartiíco, “lavagem”, “mergulho” ou “imersão”.s Antes de comer, eles sempre lavam as mãos. Quando chegam do mercado, tomam um banho antes de comer. Ezra Gould entende que pcaníacovrai é “uma edição evidente”, para livrar-se da dificuldade de imergir ou banhar o corpo inteiro.9 Este não é o lugar para debatermos o signi­ficado de PíxtttlÇoo, “imergir”, pavtíÇa), “borrifar” e exxéoo, “derra­mar”, termos usados no Novo Testamento. As palavras têm os seus significados distintivos aqui como em outros lugares. Certos escri­bas sentiam dificuldade quanto ao uso de pauTLawvTOi.10 Swete con­sidera a imersão de camas (PairTia^ouç kàlvcõv) “uma combinação incongruente”." Mas Gould diz que o arqueólogo Alfred Edersheim “mostra que a ordenação judaica exigia imersões, pocTTTiaiiouç, des­ses recipientes”.12

7.6. Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas13 (Kcdwç; è-npo4)r|i:euoev ’Hoataç uepi ú|i(3v iá v ÚTroKpiTCÔv14 ). Convenientemente aqui, mas com sarcasmo irônico no versículo 9.

7.8. Deixando o mandamento de Deus15 (á(j)évteç16 tt]v evio)ii]v toü Geou). Note o contraste nítido entre o mandamento de Deus e as tradições dos homens. Jesus faz uma divisão clara na contenda dos fariseus. Eles tinham encoberto a Palavra de Deus com ensino oral. Jesus mostra que eles se importam mais com o ensino oral dos escri­bas e anciãos do que com a lei escrita de Deus. O Talmude dá confir­mação específica e abundante sobre a verdade dessa acusação.

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Marcos 7

7.9. Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição17 (KocÀcôç áGeteXte tfjv èvToA.f|v toO Geou, Iva zr\v Tiapáôooiv ú|-iGÕu arr|ar|Te18). Quase podemos ver os escribas se encolhendo diante dessa acusação seríssima. O sarcasmo aguçado lhes atinge até o fundo do ser. A ironia evidente tinha a intenção de prevenir que uma interpretação literal favorecesse a um desvio fari­saico da Palavra de Deus19 (ver Mt 15.7).

7.11. Corbã, isto é, oferta ao Senhor20 (Kop(3âv, 6 kaxiv, Aoò pov; ver análise em Mt 15.5). Marcos cita a palavra hebraica que significa “dádiva a Deus” ou “oferta a Deus” (Êx 21.17; Lv 20.9), indeclinável aqui, significando “presente”, “dádiva” (Awpov), mas Kop(3a,vâç declinável em Mateus 27.6, significando “tesouraria sa­grada”. Os rabinos (“porém vós dizeis”, u|_ieiç ôè Àéyere) permitiam que o filho infiel fizesse a mera declaração dessa palavra para dei­xar de usar o dinheiro necessário para o sustento do pai ou da mãe. Afirmavam que, depois de dizer isso, o filho estava proibido de usar o dinheiro para ajudar o pai ou a mãe, embora ainda estivesse livre usá-lo para si.

7.13. Invalidando, assim, a palavra de Deus pela vossa tradi­ção21 (áKupoüvxeç -uòv Àóyov toü Geou tf] uapocôóaei ú^gov). Ver dis­cussão sobre (XKupoüvTeç em Mateus 15.6. Significa “invalidando” e é uma palavra mais forte que àGexetv, “pôr de lado” no versículo 9 (“invalidais”). As duas palavras aparecem em Gálatas 3.15,17. Pôr de lado realmente invalida.

7.14. E, chamando outra vez a multidão22 (Km 'npoaKodeaá|-ievo<; uáA.iv zov o jfov2i), um aoristo particípio médio, “chamando para si”. Os rabinos tinham atacado os discípulos sobre a questão de não lavar as mãos antes de comer. Jesus agora inverte as posições e põe a nu a hipocrisia oca e pretensiosa dos rabinos.

Ouvi-me, vós todos, e compreendei24 (Afcoucurré |_iou Tráyteç Kcà aúvete25). Trata-se de apelo mais incisivo para as pessoas não se deixarem enganar pela tramóia desses eclesiásticos (ver análise em Mt 15.11).

7.17. Depois, quando deixou a multidão e entrou em casa26 (Kcà ote elof|ÀGev elç oikov (xttÒ toü oj(A.ou). Esse detalhe, que

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

só consta em Marcos, mostra Jesus voltando à casa de Pedro em Cafamaum. Para a multidão Jesus falou a parábola do corbã, mas os discípulos queriam a interpretação (cf. Me 4.1ss.,33ss.). Mateus 15.15 apresenta Pedro como o porta-voz, informação que realmente tem fundamento.

7.18. Assim também vós estais sem entendimento?21 (Outgúç Kod í)|ieiç ctaúveTOÍ èate). Ver análise em Mateus 15.16. Era desa- nimador para o grande Professor se os seus alunos escolhidos ainda estivessem sob o feitiço da perspectiva teológica dos fariseus. As suas palavras permaneceram um enigma para eles. “Tendo sido en­sinados no judaísmo, no qual está enraizada a distinção entre limpo e imundo, eles não conseguiam entender a declaração de Marcos 7.21 que a ab-rogava.”28 Eles notaram que os fariseus tropeçaram na parábola de Jesus (Mt 15.12). Eles mesmos estavam tropeçando e não souberam responder aos fariseus. Jesus acusa os discípulos de intelecto obtuso e estupidez espiritual.

7.19. E, assim, considerou ele puros todos os alimentos29 ([ARA] KaBapíCcov TOvra m Ppcóficrua 30). Este anacoluto pode ser entendido repetindo o “dizia” (Aiyei) do versículo 18. O particípio masculino concorda com Jesus, o orador. As palavras não vêm de Jesus, mas foram adicionadas por Marcos. Pedro informa isso a Marcos, pro­vavelmente mediado por lembrança vívida da própria visão que teve mais tarde no telhado em Jope, quando três vezes ele recusou o con­vite do Senhor para matar e comer animais imundos (At 10.14-16). A ab-rogação de Cristo das leis da pureza permanecera um enigma para Pedro até esse dia. “Cristo afirma que a impureza levítica, como comer com as mãos por lavar, é de pouca importância em compara­ção com a impureza mora/.”31 As duas principais palavras em am­bos os incidentes, aqui e em Atos, é contaminar (kolvoco) e limpar (KaGapíçw). “Não faças tu comum ao que Deus purificou” (At 10.15). Era uma declaração revolucionária dita por Jesus. Pedro demorou para entender isso, até mesmo depois da vinda do Espírito Santo no Dia do Pentecostes. Jesus estava coberto de razão em ter feito a per­gunta surpresa de Marcos 7.18: “Não compreendeis [...]?” (oi) voei xe[;]). Eles estavam longe de compreender essa revelação espiritual.

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Marcos 7

7.21. Do interior do coração dos homens saem os maus pensa­mentos32 (4k xfjç Kapõíaç z(òv áv9pGüTTGoy ol ôiaÀoyio|iol ol kückoI eicTTopeiJovToa). O mal no coração interior leva à hedionda lista de pecados: prostituições33 (iTopveia, que significa em geral os peca­dos sexuais entre os solteiros); furtos (kà.ottoú); homicídios (4>óyoi); adultérios ([m^elai.,34 que se refere a pecados sexuais que traem a aliança matrimonial); avareza35 (nleove^iai, “loucura por cada vez mais”); maldades36 (iTovr|pL.ai, derivado de ttovoç, uma referência ge­ral à criminalidade ou patifaria); engano (õóàoç, “atrair com isca” ou “enganar com isca”); dissolução37 (àoéÀyeia, referência a impulsos sexuais desenfreados); inveja (ó(J)9aX|iòç rrovripóc;, “um olho que tra­balha mau” e assombra a pessoa com o seu olhar fixo que se alegra com o mau alheio); blasfêmia (PÀaacfjrpía, “fala danosa”, “discurso prejudicial”); e soberba (mrepr|(j)ayía, “manter a si mesmo acima dos outros”). O último item da lista é “loucura” (àcjjpooúvr), “falta de senso”) que descreve todos os outros.

7.24. E, levantando-se dali, fo i para os territórios de Tiro e de Sidom18 (’EiceiGev ôè àvaoxàç, âiTfil9ev elç xk opia Túpou39). Jesus faz a segunda das quatro retiradas da Galiléia. A primeira fôra à região de Betsaida Júlia no território de Herodes Filipe. Essa ter­ra é distintamente pagã, incluindo a extremidade da Fenícia, como também a região de Tiro e Sidom (Mt 15.21). Ele deixou para trás as pessoas que o coroariam rei, os fariseus amargos e a suspeita de Herodes Antipas.

Mas não pôde esconder-se40 (kocI ouk f|ôuvr|9r| ÀaGelv). Jesus queria ficar sozinho em casa depois dos momentos de tensão pas­sados na Galiléia. Ele almejava privacidade e descanso na Fenícia. Note o sentido adversativo de koú, “mas”.

7.25. Ouvindo falar dele41 (áAA’ eú9uç áKoúoaoa ... uepi an ’toG42). Até nesse território pagão Jesus era conhecido. Por exemplo,pessoas de Tiro e Sidom estiveram presentes e ouviram o Sermão da Planície (Lc 6.17).

Uma mulher cuja filha tinha um espírito imundo43 (yuvri ... t)ç eí%gy tò GuyáTpiov ai)xf|ç Trveíj|ia àtcáGapiov). “Filhinha” (ARA) é um diminutivo com um toque de afeto.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

7.26. E a mulher era grega, siro-fenícia de nação44 (r) õè yuvr] rjv 'EÀXr|víç, SupocjMivÍKiaaa45 xcô yévei). Ela era “de religião gre­ga, de língua síria, de raça fenícia”,46 segundo Eutímio Zigabeno. Ela não era fenícia de Cartago.

E rogava-lhe41 (riptóra cukòv). O tempo imperfeito indica que ela persistia em buscar a atenção de Jesus. Esse verbo, como no gre­go recente, é aqui usado para um pedido, não uma mera pergunta.

7.27. Deixa primeiro saciar os filhos48 (”A(j)eç upánov x°P raa0í]vcu rà T<ÉKva). Os judeus tinham o direito primeiro. Na terceira excursão pela Galiléia, Jesus evitou os gentios e os sa­maritanos (Mt 10.5). Esse padrão continuou sendo um modelo. Paulo era apóstolo dos gentios, mas deu aos judeus a primeira oportunidade ao mesmo tempo em que o evangelho avançava pelo mundo proveniente de um Deus imparcial (Rm 2 .9 ,10 ; ver análise em Mt 15.24).

7.28. Mas também os cachorrinhos comem, debaixo da mesa, as migalhas dos filhos (kocI rà Kuvápia Úitokíxtoo rf|ç TpcméÇriç èoGíouoiy áuò tcúv vJjlxlcov tcòv toiôlcov49). A persistente mãe gen­tia argumenta em atitude de humildade absoluta. Até os cachor­rinhos debaixo da mesa comem o que cai do prato das crianças. Cachorrinhos, pedacinhos de pão (i|nxíwv, diminutivo de vj/íxoç, “bocado”, “migalha”), filhinhos (raiôía, diminutivo de TTcâç).50 A mulher aceita as prerrogativas judaicas sem abandonar o seu clamor pela graça. A ação dela é “uma combinação exclusiva de fé e inte­ligência”.51 Em vez de se ressentir com as palavras de Cristo sobre dar o pão das crianças aos cachorros (gentios), no versículo 27, ela imediatamente usou o argumento em favor do seu argumento em prol da sua filhinha.

7.29. Por essa palavra, vai52 (Aià toütov tov Àóyov uuctye). Essa mulher tinha grande fé, como mostra Mateus 15.28, e a sua sabedoria agradou a Jesus. Valeu a pena deixar de descansar para atender a um pedido como esse.

7.30. O demôniojá tinha saído53 (kou tò ôaijióv iov é eA.r|A,u0óç54). O particípio perfeito ativo expressa o estado de conclusão. O demô­nio tinha ido embora para sempre.

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Marcos 7

7.31. Pelos confins de Decápolis55 (ctvà [léaov tgôv ôpíuv AeKaTTÓÀÉCoç). Jesus deixou a Fenícia, mas não voltou para a Galiléia. Ele foi rumo leste do mar da Galiléia à região das cida­des gregas de Decápolis. Assim, manteve-se fôra do território de Herodes Antipas. Foi nessa região que Ele curara o endemoninha­do (ver análise em Me 5.1).

7.32. E trouxeram-lhe um surdo, que falava dificilmente56 («ai cjjépouo lv cojtcú Koocjjòy Kcà |ioviÀáA.oy57). Esse acontecimento dra­mático só é relatado por Marcos.

7.33. E, tirando-o à parte de entre a multidão58 (kcu áiroÀapó|j,eyoí; oarcòv kttÒ toü o/A-ou kkt’ Lõíav). O procedimen­to de discrição era em parte evitar a agitação e em parte obter a atenção do endemoninhado surdo e gago. Não era para ele ouvir o que Jesus ia dizer. Por isso, Jesus pôs os dedos nos ouvidos dEle, cuspiu e tocou-lhe a língua. Marcos não diz por que Jesus usou saliva. Certas pessoas consideravam que a saliva tinha proprie­dades terapêuticas. Os exorcistas usavam-na nos encantamentos. Não sabemos se Jesus estava lidando com o homem de maneira compreensível, mas tudo indicava para o pobre homem que Jesus o curara do jeito dEle.

7.34. E disse: Efatá, isto é, abre-te (kcu léyei aúxcò, Ecj^aGa, ò éoTiv, Aia;voíx0r|TL). Esta é mais uma das palavras aramaicas de Marcos transliteradas para o grego.59 Jesus suspirou (koxkva^ev) enquanto olhava para o céu e falava a palavra Ec^aGa. Não sabe­mos o que Ele sentiu na complexidade desse homem como surdo, gago e possuído por demônio.

7.35. E falava perfeitamente (kou èA.áA.ei ópGcôç). Ele come­çou a falar com fluência, um tempo imperfeito inceptivo.

7.36. Tanto mais o divulgavam60 (aúxol laâAAov uepiaaÓTepov èKiípuaaou61). O tempo imperfeito indica ação continuada. Este é um comparativo duplo que ocorre em outros lugares para dar ênfase, como em Filipenses 1.23: “Ainda muito melhor” (ttoãàoI [iâAAov Kpeiooov).62 A natureza humana é algo peculiar. Quanto mais Jesus lhes ordenava que não contassem (ooov õè amoiç ôiecnéAAeTo), mais as pessoas contavam (cf. Me 1.44,45).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

7.37. Tudo faz bem (KaÀwç m v m TTÉTT0Ír|Kev). O perfeito pre­sente ativo mostra a crença firme dessas pessoas sobre Jesus. O grande espanto (ÚTTepTTepioowç è^enÀriooovto), advérbio composto e imperfeito passivo, dessas pessoas se expressa na dignidade de campeão vociferante de Jesus nessa terra pagã.NOTAS_______________________________________ ___________1 As versões AEC, BJ, NTLH, NVI, ARA têm redação semelhante.2 TR e TM não incluem ou e em lugar das últimas três palavras têm èoBíovraç

apiouç.J Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1977), p. 142.4 “Sem lavar o braço até o cotovelo” (BJ); “depois de lavar as mãos com bastante

cuidado” (NTLH); “sem lavar as mãos cerimonialmente” (NVI); “sem lavar cuidadosamente as mãos” (ARA).

5 O manuscrito Aleph tinha iruKvá, provavelmente por causa da dificuldade acer­ca de TTuy|j,f) (relacionado ao latim p u g n u s).

6 TR e TM têm kcu í x t t ò àyapSç.7 “Se aspergirem” (ARA).8 WH põe pavTLOGWTca no texto, traduzido por “se aspergirem” (ARA; cf. BJ),

porque Aleph, B e alguns dos cursivos mais seguros têm essa palavra.9 Ezra P. Gould, Criticai and Exegetical Commentary on the Gospel According to

St. Mark (Edimburgo: T. & T. Clark, 1896), p. 127.10 As classes ocidentais e sírias de manuscritos adicionam “e camas” («a! kXivüv)

ao término da frase.11 Swete, Commentary on Mark, p. 14512 Gould, Criticai and Exegetical Commentary, p. 127. Temos de deixar a escru-

pulosidade judaica se apresente por si só, ainda que “e camas” não seja apoiado por Aleph, B L D Boáirico, não sendo provavelmente genuíno.

13 “Hipócritas! Como Isaías estava certo quando falou a respeito de vocês!” (NTLH).

14 TR e TM soletram o verbo assim, npoecjiriTeuaev.15 “Negligenciando o mandamento de Deus” (ARA).16 TR e TM têm a conjunção pospositiva yáp.17 “Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tra­

dição” (ARA).18 TR e TM têm o verbo Ttpr|ar|Te.

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Marcos 7

19 Ver A. T. Robertson, The Pharisees and Jesus (Nova York: Scribner, 1920), para inteirar-se de ilustrações sobre o modo como eles colocavam essa tradição oral acima da lei escrita.

20 “Corbã, isto é, uma oferta dedicada a Deus” (NVI).21 “Assim vocês anulam a palavra de Deus, por meio da tradição” (NVI).22 “Convocando ele, de novo, a multidão” (ARA).23 TR e TM têm iTpoaKaA,eaá|ievoç uávTa xòv lóyov.24 As versões AEC, BJ, NTLH, NVI, ARA têm redação semelhante.23 TR e TM têm os verbos no tempo presente, AKoúeté |íou Tíávteç, Kcà ouvÍctc.26 As versões AEC, BJ, NTLH, NVI, ARA têm redação semelhante.27 “Então, nem vós tendes inteligência?” (BJ).28 Gould, Criticai andExegetical Commentaty, p. 131.29 “(Assim, ele declarava puros todos os alimentos)” (BJ).30 TR e TM têm Ka0apí.(oi' -mxvTK xà ppw|_iai:a.31 Vincent, Word Studies, p. 201.32 “Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios”

(ARA).33 “Imoralidade sexual” (NTLH).34 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, fioixelcu, iropveicti, cfióvoi,

kA-otol.35 “Cobiças” (NVI).36 “Malícias” (ARA).37 “Lascívia” (ARA).38 “Jesus saiu dali e foi para a região que fica perto da cidade de Tiro” (NTLH).39 TR e TM têm Kcà èK€i0ev àvaaxàç ánf|A.0ev eíç xà |j,e9ópia Túpou Kcà SiôcS

voç.40 “Contudo, não conseguiu manter em segredo a sua presença” (NVI).41 “Tendo ouvido a respeito dele” (ARA).42 TR e TM têm àKoúaaoa yàp yuvri uep C aüioü.43 “Uma mulher, cuja filhinha estava possessa de espírito imundo” (ARA).44 “Era estrangeira, de nacionalidade siro-fenícia” (NTLH).45 TR tem a grafia Supo^oíracraa.46 Alexander Balmain Bruce, The Expositor's Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 390.47 “E pediu que Jesus” (NTLH).48 “Deixe que os filhos comam primeiro” (NTLH).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

49 TR e TM têm Kal y“P "rò Kuvápia uttokoctgo xíjç tpairéCriç eaGíei «tto tcúv i)/lxCcov Twv muõícov.

50 “Mas, senhor, [...] até mesmo os cachorrinhos que ficam debaixo da mesa co­mem as migalhas de pão que as crianças deixam cair” (NTLH).

51 Gould, Critical a ndExegetical Commentary, p. 136.52 “Por causa desta resposta, você pode ir” (NVI).53 “O demônio a deixara” (ARA).54 TR e TM têm eupev xo ôai|ióvi.ov 4ÇeXr|Àu9óç, embora TRb e TM tenham o

verbo sem o v eufônico, eupe.55 “Através do território de Decápolis” (AEC; ARA).-r> “Então, lhe trouxeram um surdo e gago” (ARA).57 TR e TM não incluem a conjunção kcíÍ entre Koxjjóy e |ioyiA,áloy.5S “Depois de levá-lo à parte, longe da multidão” (NVI).59 As versões AEC, BJ, NTLH, NVI, ARA têm redação semelhante.60 “Mais eles falavam do que havia acontecido” (NTLH).61 TR e TM têm [i&XXov mpiaaóiepov èicripuaaov.62 A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), pp. 663, 664.

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Capítulo8

Marcos8.1. is não tendo o que comer1 (ral (afi kxóvxcov xí (Jjáycooiv).

Este é um absoluto genitivo plural, porque o ôxÀou anterior é um co­letivo singular. A multiplicação dos pães e dos peixes é um milagre da natureza. Sua repetição para os quatro mil em Decápolis perturba alguns críticos que não se permitem imaginar que Jesus pudesse fazer ou faria outro milagre tão semelhante quanto multiplicar pães e peixes para os cinco mil perto de Betsaida Júlia. Contudo, Marcos e Mateus apresentam os dois milagres sem fazer justificativas. Eles distinguem as palavras gregas traduzidas por cestos (kó^lvoç, o(j)úp lç). Mais tarde, Jesus se refere aos dois acontecimentos, fazen­do uma diferenciação entre eles (Mt 16.9,10). Com certeza é mais fácil conceber que Jesus fez milagres semelhantes do que imaginar que Marcos e Mateus (ou até mesmo algum “editor” posterior) ti­vessem feito tamanha confusão de assuntos.

8.2. Há já três dias que estão comigo2 (rjõri rpépai tpeiç upoaiiéyouaív |ioi3). Este texto preserva um curioso nominativo pa­rentético de tempo4 (ver análise em Mt 15.32).

8.3. Alguns deles vieram de longe (koú xiveç auxQv àuò [iai<pó0ev r|K(raLv5). Este detalhe só aparece em Marcos.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

8.4. Aqui no deserto6 (goôé [...] èu’ êpr||iíaç). De todos os lu­gares, nessa região desértica nas montanhas. Novamente, os discí­pulos se sentem impotentes. Eles não crescem na fé em virtude da experiência anterior.

8.6. [Ele] partiu-os e deu-os aos seus discípulos (eKÀaoev xm êõíõou Tolç [iaGritalç aüxoú). Note o aoristo constativo seguido por um pretérito imperfeito. A ação de dar ficou se repetindo.

Para que os pusessem diante deles1 (iva TrapímGGòaiv8), um subjuntivo presente que descreve o processo contínuo.

8.7. Tinham também uns poucos peixinhos9 (Wi eíxov i)(0úôic<: óÀÍya). Marcos os menciona por último, dando a entender que foram servidos depois dos pães. Mas não é assim que consta em Mateus15.36.

8.8. E, dos pedaços que sobejaram, levantaram sete cestosw (kcu rjpav uepLooeúiiaTa KÀao|iáxcov èirrà OTíupLÕaç). Os pães reco­lhidos não foram somente as sobras ou migalhas, mas os pedaços de pão que Jesus partira e dos quais as pessoas não se serviram. Houve uma superabundância.

8.10. [Ele] fo i para as regiões de Dalmanuta11 (f|À0ev elç xà [iépri AodfmvouGá). Mateus 15.39 diz que era o “território de Magdala”. Ambos os nomes não aparecem em outro lugar, mas pelo visto se referem à mesma região da Galileia, a oeste do lago, perto de Tiberíades. Marcos usa “regiões” (jiépr|) no mesmo sentido que “ter­ritórios” (opia) em Marcos 7.24. Mateus inverte o padrão de acordo com o original grego, com “partes” em Mateus 15.21 e “território” em Mateus 15.39. Marcos tem “com os seus discípulos” (j-iexà xãv [i(xGr|Twv aúxou), fato apenas insinuado em Mateus 15.39.

8.11 .E saíram osfariseus e começaram a disputar com ele12 (Kai èi;f|ÀGov oi $Kpio(XLoi Kai rip^avxo auCr^etv ccütq). Imediatamente, eles iniciaram uma controvérsia. Mateus 16.1 adiciona “e os sadu­ceus”, sendo a primeira vez que esses dois partidos aparecem juntos contra Jesus (ver discussão em Mt 16.1). Os fariseus e os herodianos já haviam unido forças contra Jesus na controvérsia sobre o sábado (ver análise em Me 3.6). O texto grego indica que foi disputa, e não mera investigação, com um caso instrumental associativo para

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Marcos 8

airj,). Eles começaram imediatamente e mantiveram-se nisso (infi­nitivo presente).

8.12. Suspirando profundamente em seu espírito (àvaoxevá^aç itò TTveúiiccTi corroí)). Este é o único exemplo no Novo Testamento desse particípio composto, embora seja encontrado na LXX. A for­ma não composta é comum. Por exemplo, ocorre em Marcos 7.34. A preposição àva- intensifica o significado do verbo (uso perfecti- vo). “O suspiro parecia vir, como dizemos, do fundo do coração, o espírito humano do Senhor se agitou em seu íntimo.”13 Jesus ficou ressentido com o preconceito que havia contra Ele e sua obra entre os fariseus e agora também entre os saduceus.

A esta geração não se dará sinal algum (el õo0r|aei:(XL xr\ ye veâ tkútt] ornaeiov). Mateus 16.4 tem oú ôoGiíoexaL, negativo claro com o futuro passivo do indicativo. Marcos tem ei em vez de oú que é tecnicamente uma frase condicional com a conclusão não ex­pressa,14 na verdade, uma aposiopese em imitação do uso hebraico de im. Esta é a única ocorrência nas páginas do Novo Testamento, exceto nas citações da LXX (Hb 3.11; 4.3,5). É comum na LXX. Os rabinos estavam discutindo minúcias sobre os milagres de Jesus, en­tendendo que tinham uma possível explicação natural (como fazem alguns críticos hoje), ainda que fosse pelo poder de Belzebu, e esses não do céu, que seriam manifestados de Deus. Por isso, propuseram esse teste fantástico a Jesus, com o qual Ele se ressente profunda­mente. Mateus 16.4 adiciona “senão o sinal do profeta Jonas” já mencionado por Jesus em certa ocasião anterior (Mt 12.39-41) com mais detalhes e a ser mencionado de novo (Lc 11.21). Mas a men­ção do sinal do profeta Jonas era “uma recusa absoluta dos sinais no sentido em que propunham”.15 E quando Jesus ressurgiu dos mortos ao terceiro dia, o Sinédrio se recusou a crer (ver At 3— 5).

8.14. Eles se esqueceram de levar pão16 (eTreA,á0ovTO À,a|Mv apiouç), pães, no plural (cf. BJ).

Senão um pão (el |af| eva ctpxov), exceto um pão. Os detalhes apresentados no versículo 14 encontram-se somente em Marcos.

8.15. Olhai, guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermen­to de Herodes11 ('Opâte, pAiuexe cbò xf)ç (ú|j.r)ç tgòv c&apiaoáoov Koà

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

tt|ç Cú|J.r|ç 'Hpcóôou18). Os dois verbos são imperativos presentes. Note kttÓ e o caso ablativo. A palavra (úpriÇ, “fermento”, é deri­vada de (i)[iÓGú, “causa para subir”, e ocorre em Mateus 13.33 em bom sentido. Quanto ao sentido mim, ver 1 Coríntios 5.6. Jesus repetidamente ordenava (õieoréXXezo, imperfeito indicativo) isso aos discípulos, mostrando que a advertência era necessária. Os dis­cípulos saíram de uma atmosfera insidiosamente farisaica, e tinham acabado de encontrá-la de novo em Dalmanuta. Note a combina­ção de Herodes com os fariseus. Isso ocorre depois da polêmica de Herodes por causa da morte de João Batista e por causa do minis­tério de Jesus (Me 6.14-29 é igual a Mt 14.1-12, que é igual a Lc 9.7-9). Jesus adverte os discípulos contra “o fermento de Herodes” (política mim) e o fermento dos fariseus e saduceus (teologia ruim e também política ruim).

8.16. Arrazoavam entre si (ôielovíÇov-uo iTpòç àÀXr|Xouç). O tempo imperfeito indica que eles se mantiveram nessa ação. Mateus16.7 tem kv èautoiç, “em si mesmos” ou “entre eles”.

8.17-20. Marcos apresenta seis perguntas contundentes de Jesus, enquanto Mateus 16.8-11 apresenta quatro que na verdade abrangem as seis de Marcos, algumas ocorrendo juntas. As pergun­tas revelam a decepção de Jesus diante da estagnação intelectual dos seus alunos. Ele questiona por que não podem compreender (voeite, derivado de voúç, auvíete), perguntando se a estagnação intelectual foi ocasionada pela dureza de coração (ueTTGopco|_iévr|v, particípio pre­dicativo no perfeito passivo como em Me 6.52). Não estão eles ven­do e ouvindo? Não se lembram? Cristo distingue nitidamente entre os dois milagres da multiplicação dos pães e dos peixes para os cinco mil e para os quatro mil. Ele diferencia até entre os dois tipos de cestos (ko4>ívouç, o^upíôcov). Os discípulos deveriam se lembrar do número de cestos que sobraram em ambos os casos, doze e sete. Jesus “administra dura reprimenda pela preocupação dos discípulos com meras temporalidades, como se não houvesse nada mais alto a ser pensado do quepão”.i9 “Os doze são ouvintes de beira de es­trada, com coração como um caminho trilhado, no qual as verdades mais sublimes não conseguem afundar para germinar.”20

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Marcos 8

8.21. Como não entendeis ainda? (Oírnco ouvíete21), depois de toda esta repreensão e explicação. O maior de todos os professores tinha a maior de todas as classes, mas encontrou dificuldades ines­peradas. Mateus 16.12 apresenta o resultado: “Então, compreen­deram que não dissera que se guardassem do fermento do pão, mas da doutrina dos fariseus”. Certa vez, eles disseram que entenderam as parábolas de Jesus (Mt 13.51), mas esses novos conceitos exigi­riam mais da paciência do Professor.

8.22. E chegou a Betsaida (Kal epxovtoa eiç Br|6aaiõáv22). Eles voltaram a Betsaida Júlia, a leste do mar da Galileia e não longe do lugar da multiplicação dos pães e dos peixes para os cinco mil. Note o tempo presente dramático, para eles chegam (epxovxca) e eles trazem (cjjépouaiv). Esta cura do cego realizada com saliva e imposição de mãos se acha apenas em Marcos (Me 8.22-26).

8.23 .Levou-o para fôra da aldeia23 (ê£r|veYKeu24 cokòv e£o) tf)ç KÚ|ir|ç). Filipe aumentara Betsaida Júlia até poder ser categorizada como vila ou até cidade, mas ainda era popularmente conhecida como aldeia (Me 8.23,26). Como no caso do endemoninhado sur­do e gago, apresentado somente em Marcos 7.31-37, Jesus observa extremo segredo na realização deste milagre. Marcos não diz por que era importante Jesus levar o homem para fôra da cidade. Jesus estava em seu período de afastamento das multidões, sendo esta a sua quarta retirada da Galileia. Este fato explica a sua discrição. A narrativa de Marcos é marcada por detalhes interessantes. Jesus conduziu o cego pela mão, pôs saliva nos olhos dele (usando a palavra poética que consta em papiros do grego Koivií, õm-iara, em vez da palavra grega habitual òttjGaXiaoúç) e impôs-lhe as mãos. Talvez tudo isso servisse para fortalecer a fé do homem.

8.24. Vejo os homens, pois os vejo como árvores que andam25 (BAÍttco touç àvGpcóiTouç o u wç õévôpa óptò iTepiiTaTrowTaç). Esta é uma descrição vívida de visão de amanhecer. O primeiro ní­vel de visão estava incompleto. Este é o único caso narrado nos Evangelhos no qual a cura não foi instantânea. Marcos não explica por que esse milagre foi tão diferente.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

8.25. Ele, olhando firmemente26 (òiépXei|jev27). Agora a cura chegou à conclusão (aoristo efetivo). A visão do homem foi com­pletamente restabelecida (áueica-uéaTr), aoristo segundo, composto duplo e aumento duplo), e ele “começou a ver tudo distintamente” (èvépÀeirev,28 imperfeito) ou ao longe (xr|Xauycôç, uma palavra grega comum derivada de rrrjle, “longe”, e ctúyri, “brilho”, “que brilha ao longe”).

8.26. Mandou-o para sua casa29 ((XTTéa-ueiÀev aúxòv elç30 oikov aúxou). O cego foi enviado de volta a um lar feliz com a sua família. Não lhe foi permitido entrar na aldeia para que nenhum tumulto seguisse Jesus a Cesareia de Filipe.

8.27. Para as aldeias de Cesareia de Filipe31 (elç ràç Kcó|accç Kaioapeíaç xfjç OiAíttuou). Mateus 16.13 tem “partes” (|iépr|). Esta Cesareia de Filipe deve ser diferenciada da Cesareia Marítima que ficava na costa mediterrânea. Marcos não está se referindo à própria Cesareia, mas às aldeias periféricas do distrito. Essa região está em um contraforte do monte Hermom, na Itureia, um território gover­nado por Flerodes Filipe. Aqui Jesus estava protegido de Herodes Antipas e dos fariseus e saduceus. Nas ladeiras dos montes, Jesus prepara os discípulos para a crucificação, a qual acontecerá em pou­co mais de seis meses.

Quem dizem os homens que eu sou? (Tíva |ie léyouaiv ol ávBpcoiToi eivou ). Mateus 16.13 tem “o Filho do Homem” no lugar do “eu” em Marcos e em Lucas 9.18. Os discípulos tinham ouvi­do as mesmas opiniões populares sobre Jesus como ouvira Herodes Antipas (Me 3.21,31).

8.28. E eles responderam32 (oi ôè eírav33). Os discípulos reve­lam o quanto foram influenciados pelo ambiente como também pelo ensino direto de Jesus. Eles sabiam muito bem (ver análise em Mt 16.14,28).

8.29. Tu és o Cristo (Si) et ó Xpiaxóç). Marcos não apresenta a frase “o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16) ou “o Cristo de Deus” (Lc 9.20). A confissão mais completa está em Mateus. A lin­guagem de Lucas tem o significado praticamente igual a Mateus, ao passo que o relato de Marcos é o mais breve. Todavia, a forma

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Marcos 8

em Marcos dá a ideia completa. Marcos omite o elogio de Pedro, provavelmente porque esta é a versão de Pedro do episódio. Ver em Mateus 16.16,18 a crítica da opinião que diz que a narrativa de Mateus reflete um desenvolvimento eclesiástico posterior e um esforço para justificar prerrogativas eclesiásticas. Os discípulos já tinham confessado Jesus como Messias antes (conforme Jo 1.41; 4.29; 6.69; Mt 14.33). Mas Jesus deixara de usar a palavra Messias para evitar as complicações políticas revolucionárias que aconte­ceriam caso as pessoas entendessem as palavras de modo errado (Jo 6.14,15). Agora ele verificaria se eles entenderam a verdade, apesar da oposição e deserções.

8.30. A ninguém dissessem aquilo dele ((irjôevl ÀéyGooiy Tiepl anxoO). Embora Ele fosse o Cristo (Mt 16.20), ainda não era tempo para uma declaração aberta. Isso aconteceria com a entrada triun­fal em Jerusalém, quando as próprias pedras teriam clamado, caso as pessoas tivessem permanecido caladas (Lc 19.40).

8.31. E começou a ensinar-lhes (fíp^axo õiôáaKeiv aíruouç). Marcos gosta dessas palavras, mas não é mero dispositivo retóri­co. Mateus 16.21 diz expressamente “desde então”. Os discípulos tinham de saber que a morte de Jesus estava se aproximando. A confissão de fé que deram indicou que a ocasião era boa para co­meçar o novo ensino. A morte ocorreria sob o poder do Sinédrio (os anciãos, os príncipes do sacerdote e os escribas), no qual fari­seus e saduceus tinham força mais ou menos igual. A ressurreição ao terceiro dia foi mencionada, mas ainda não causou impressão.

Depois de três dias, ressuscitaria (fiexà tpeiç rpépaç àvaazr\ vai). Mateus 16.21 tem “ao terceiro dia” (tf) tpítr) rpépçt) no caso locativo de ponto de tempo (o mesmo ocorre também em Lucas 9.22). Certos estudiosos exigem uma interpretação rígida de “depois de três dias”, o que daria “ao quarto dia”, e não “ao terceiro dia”. A frase de Marcos tem o mesmo sentido que a fra­se constante em Mateus e Lucas, ou então são desesperadamente contraditórias. Em linguajar popular, “depois de três dias” pode significar, e frequentemente significa, “ao terceiro dia”. O quarto dia é impossível.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

8.32. Dizia abertamente estas palavras34 (TTappriaía tòv A.óyov èláÀei). Ele não reteve nada, disse tudo (uâv, “tudo”, pr|oía, derivado de eíuov, “falar”), “sem reserva”, a todos deles. O tempo imperfeito em I XáXe i mostra que Jesus fazia isso repetidamente. Marcos não apresenta o grande elogio de Pedro registrado em Mateus 16.17,19 depois da confissão dele (Me 8.29; Mt 16.16; Lc 9.20), mas narra a repreensão contundente que recebeu de Jesus (ver análise em Mt 16.21,26).

8.33. Mas ele, vir ando-se e olhando para os seus discípulos35 (ó ôè éiTLOTpacj)elç kcu lõwv touç (_ia9r|i;àç amou). Pedro chamara Jesus à parte (íTpoaÁapófievoç), mas Jesus virou-se repentinamen­te e fez uma varredura em tomo de Pedro (enicrupact^íc;, somente 0Tpact)eíç em Mateus). Esta ação englobou os outros discípulos, co- locando-os em plena visão (esse detalhe só consta em Marcos). Por conseguinte, Jesus reprova Pedro na presença do grupo todo. Não há dúvidas de que Pedro sentiu que era o seu dever como líder dos doze protestar com o Mestre, assinalando que a morte não lhe era uma opção aceitável.36 Os outros tinham a mesma opinião de Pedro e estavam vendo e recebendo o efeito causado pela repreensão ou­sada do apóstolo. Pedro não se elevara acima do nível das pessoas comuns e, por isso, estava sendo usado por Satanás cujo papel ele estava desempenhando. A repreensão contundente fazia-se necessá­ria. O Diabo fizera a mesma tentação no monte como Pedro faz aqui (ver análise em Mt 16.23).

8.34. E, chamando a si a multidão, com os seus discípulos37 (Kal TrpooKaA.eaá|-ie'oç xov ôxàov aí)v toiç iiaGiyuaiç auxou). Só Marcos nota o ajuntamento inesperado de pessoas nessa região re­mota perto de Cesareia de Filipe em território gentio. Na presença dessa multidão, Jesus explica a sua filosofia de vida e morte que é bem diferente da oferecida por Pedro e compartilhada pelos ou­tros discípulos e pessoas. Jesus faz uma reinterpretação profunda da vida e da morte.

Negue-se a si mesmo (àuapyr|oáo9(j0 èairuóv). A pessoa tem de dizer não a si mesma. Note o reflexivo junto com a voz média, um primeiro aoristo ingressivo do imperativo (ver análise em Mt 16.24

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Marcos 8

sobre levar a cruz). A sombra da cruz já estava sobre Cristo e aque­les que o seguiriam (Me 8.31).

8.35. Por amor de mim e do evangelho3S (éveKev è[ioü «ai toO eúayyeÀLOi)). Esta frase se acha somente em Marcos (ver análise em Mt 16.25 quanto a este aparente paradoxo). Note os dois sentidos de vida e salvar. No lugar do último salvar (ocóoei, “salvará”), Mateus 16.25 tem achar (et>pr|or|, “achá-la-á”). Em Mateus 16.26, há uma análise adicional sobre as palavras aproveitar, ganhar e em recom­pensa.

8.38. Porquanto qualquer que [...] se envergonhar de mim e das minhas palavras39 (oç yàp èàv40 èmiax,uv9fj [ae xal touç è|aoi)ç Âóyouç). aoristo primeiro passivo do subjuntivo com o relativo in­definido eàv que é igual a av.41 Não é uma declaração sobre conduta futura, mas sobre uma atitude para com Jesus. A conduta do cristão para com Cristo determina a conduta de Cristo (è™ioxuv9r|aeim, futuro primeiro passivo do indicativo). Este verbo passivo é transi­tivo e usa o acusativo (|_ie, aúróv).

Entre esta geração adúltera e pecadora (kv -crj yeveâ xaúxr) zr\ lioixcdíôi «ai qmpTwÀcò). Esta frase só ocorre em Marcos.

Quando vier (òxctv eÀGi ). Este é um aoristo ativo do subjuntivo com referência à futura Segunda Vinda de Cristo com a glória do Pai com os seus santos anjos (cf. Mt 16.27). Trata-se de uma predição clara da vinda escatológica final de Cristo. Esse versículo não pode ser separado de Marcos 9.1 como divisão de capítulo. Estes dois versículos — Marcos 8.38 e 9.1 — formam um parágrafo e vão juntos.

NOTAS___________________________________________________1 “Visto que não tinham nada para comer” (NVI).2 “Há três dias que permanecem comigo” (ARA).3 T R te m f |ô r | rpépccç xpeiç upoa|iévoi>aL.v ^o l.4 A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 460.5 TR e TM têm uiveç yàp aúxcjv |iai<pó9ev íÍKomv.6 “Neste lugar deserto” (NVI).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

7 “Para que estes os distribuíssem” (ARA).8TRstem'ívcc TrapaGoôaiv e TRb e TM têm'iva uapaGcôoi.9 “Tinham também alguns peixes pequenos” (NVI).10 “E dos pedaços restantes recolheram sete cestos” (ARA).11 “[Ele] partiu para as regiões de Dalmanuta” (ARA).12 “Os fariseus vieram e começaram a interrogar Jesus” (NVI).13 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1977), p. 168.14Robertson, Grammar, p. 1.024.15 Alexander Balmain Bruce, The Expositor ’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 394.16 “Os discípulos haviam esquecido de levar pão” (NTLH).17 “Estejam atentos e tenham cuidado com o fermento dos fariseus e com o fer­

mento de Herodes” (NVI).18 TR não tem o iota subscrito no substantivo próprio,' Hpcóõou.19 Bruce, Expositor ’s, p. 395.20 Ibid.21 TR e TM têm II wç oú ouvíete.22 TR e TM têm o verbo singular, êpxetai.23 “[Ele] o levou para fôra do povoado” (NVI).24 TR e TM usam um verbo diferente,25 “Vejo pessoas; elas parecem árvores, mas estão andando” (NTLH).26 “Ele, passando a ver claramente” (ARA).27 TR e TM têm èiroíriaev aíiiòv ávaptó|m.28 TR e TM têm o tempo aoristo, êyépie^ey. TRb e TM não incluem o v eufònico,

év<=p.A.e4/e.29 “Mandou-o Jesus embora para casa” (ARA). O nome Jesus não se acha no texto

grego, mas certamente se refere a ele.30 TR e TM têm o artigo com a preposição, elç xòv olkov coitoü.31 “Para os povoados que ficam perto de Cesareia de Filipe” (NVI).32 “Os discípulos responderam” (NTLH).33 TR e TM têm Oí ôè áireKpíGriaav.34 “Isto ele expunha claramente” (ARA).35 “Jesus, porém, voltou-se, olhou para os seus discípulos” (NTLH).36 Swete, Commentary on Mark, pp. 154, 155.37 “Então, convocando a multidão e juntamente os seus discípulos” (ARA).

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Marcos 8

38 “Por causa de mim e do evangelho” (AEC).39 “Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras” (NVI).40 TR tem av em lugar de káv.41 Robertson, Grammar, pp. 957-959.

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Capítulo

Marcos9.1. Sem que vejam chegado o Reino de Deus com p o ­

der1 (ewç ct|v íôcooiv TT|y (3aoiÀeú(xv xoü Geou èÀr|A.u9ui<xi' kv ôuvá[j.ei). Em Marcos 8.38, Jesus abre o assunto da sua Segunda Vinda. Os comentaristas perguntam se esse assunto se estende a Marcos 9.1. Lembramos que Marcos 13.32 é igual a Mateus 24.36, onde Jesus expressamente declara que só o Pai sabe o dia ou a hora da sua vinda. Será que Jesus está dizendo que a sua volta é tão iminente que os seus ouvintes vão presenciá-la? Em primeiro lugar, observe que Lucas 9.27 tem só “vejam o Reino de Deus”, enquanto Mateus 24.30 tem “verão o Filho do Homem vindo” (épxói-ievov, particípio presente, um processo). Marcos tem “vejam chegado o Reino de Deus” (èA.r|Xu9uíav, particípio perfeito ativo, já vem). Jesus fala de uma vinda “com poder” . Em segundo lugar, Marcos passa imediatamente para a narrativa da transfiguração no monte Hermom — certamente um vislumbre da realidade do poder do Reino. Em terceiro lugar, a linguagem também poderia se aplicar à vinda do Espírito Santo no Dia do Pentecostes. Em quarto lugar, certos estudiosos vêem nas pala­vras de Jesus uma referência à destruição do Templo em 70 d.C.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

É questão de opinião se o Mestre está falando do mesmo evento em Marcos 8.38 e 9.1.

9.2. Sós2 (j-ióvouç). Esta palavra só é encontrada em Marcos. Mais análise sobre a transfiguração pode ser encontrada em Mateus 17.1-8. Lucas 9.28 acrescenta “a orar” como o motivo para Jesus levar Pedro, Tiago e João ao alto monte.

9.3. As suas vestes tornaram-se resplandecentes, em extremo brancas3 (xà l|iáxia aúxoü êyévexo axíX^ovxa Xemà Xíuv). Mateus17.2 tem “brancas como a luz” (ÀeuKà wç xò c(>cõç), Lucas 9.29 tem “brancas e mui resplandecentes” (ÀeuKÒç e^aaxpáirxGov) como o re­lâmpago.

Tais como nenhum lavadeiro sobre a terra as poderia bran­quear4 (ota yva(J)euç eni xf|ç yrjç oú õúvctxai ouxgoç5 ÀeuKâvca). A palavra yyácjjw é uma palavra antiga, “cardar lã”. Note oüxwç, “tão” branca. Alguns manuscritos em Mateus 17.2 acrescentam oç “como a neve”. O pico coberto de neve do monte Hermom podia estar visível nessa mesma noite. Ver análise em Mateus 17.2 para considerações sobre o termo transfigurar-se ((iexa|aop(j)óo|j,ca).

9.4. Apareceram-lhes Elias e Moisés6 («4>0r| aijxoiç ’HÀíaç oúv Mcoüoel7). Mateus e Lucas têm “Moisés e Elias”. Ambos, de fato, eram profetas e ambos lidaram com a lei. A outra ordem está em Marcos 9.5.

9.6. Pois não sabia o que dizia8 (oú yàp rjÔ€i xí áTTOKpiGfj9). Este é um subjuntivo deliberativo retido na pergunta indireta. Mas por que Pedro disse qualquer coisa? Lucas informa que ele falou “não sabendo o que dizia”, como desculpa à inadequação do comentário. Talvez Pedro se sentisse envergonhado por ter estado dormindo (Lc 9.32) e a Festa dos Tabernáculos (ou das Cabanas, 0KT]vaí) estava próxima. Ver análise em Mateus 17.4. Ao que parece, Pedro e os outros não ouviram ou pelo menos não entenderam a conversa com Moisés e Elias. Lucas 9.31 explica que eles estavam falando sobre a “morte” (eçoòov) próxima de Jesus, o seu “êxodo” ou “partida”. Mal sabiam os discípulos o consolo especial que Jesus encontrou nesses dois velhos amigos enquanto se aproximava do horror da cruz — acerca da qual Pedro demonstrara recentemente a mais ab­

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Marcos 9

soluta estupidez (Me 8.32,33). Quanto à sombra e à voz, ver análise em Mateus 17.5.

9.8. Tendo olhado ao redor10 (ê^cbiva uepi(3A.ei[rá|ievoi). Mateus17.8 tem “erguendo eles os olhos”. Marcos é mais pictórico. De repente, a nuvem com Moisés e Elias se fôra, e os discípulos fica­ram vasculhando com o olhar o lado da montanha procurando um indício do que viram.

Ninguém mais viram, senão Jesus com eles (oíiKéxi oüõéva eíõov àlXà tòv TriaoOv |ióvov [í<e9’ èautcôv). Marcos mostra a sur­presa dos discípulos. Eles ficaram com medo (Mt 17.6) até que Jesus lhes tocasse.

9.9. Até que o Filho do Homem ressuscitasse dos mortos (c L (j/r) otav ó ulòç tou ávGpcÓTTOU ék veKpwv ávaaxr)). Quanto a “até”, Mateus 17.9 tem 'éooç ou. O verbo é a terceira pessoa do singular do aoristo segundo ativo do subjuntivo. Mais precisamente, Marcos diz “até que o Filho do Homem se levantasse” (aoristo futurístico). Lucas 9.36 diz somente que “eles calaram-se e, por aqueles dias, não contaram a ninguém nada do que tinham visto”. O benefício pleno dessa alta e santa experiência secreta viria depois.

9.10. Eles retiveram o caso entre si, perguntando uns aos ou­tros11 (tòv Àóyov èncpárnoav Trpòç éautouç auÇritouvteç). Pela pri­meira vez eles notam a alusão que Jesus faz a ressuscitar dos mortos (Me 8.31).

9.12. Elias virá primeiro e todas as coisas restaurará (’H líaç12 (j,èv élBcòv uputov áTTOKaOiOTjávei13 uávia ). Este verbo recente du­plamente composto ocorre em geral nos papiros como àiTOK:a0íatr||j,i.. Cristo está descrevendo João Batista como o Elias prometido e o precursor do Messias (ver análise em Mt 17.10-13). Os discípulos agora entenderam que João Batista cumpriu a profecia de Malaquias4.5. Eles viram Elias no monte, mas Jesus precedera essa vinda de Elias. João preparara o caminho para o Cristo. Jesus explica pacien­temente para os seus alunos obtusos.

9.14. E alguns escribas que disputavam com elesH (kocI ypoq4J,octei<; au(r|TOÜvtaç Tipòç autoúç ,5). Marcos é mais detalhista neste episódio (Me 9.14-29) do que Mateus ou Lucas (Mt 17.14-20;

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Lc 9.37-43). Era justo que os escribas profissionais se interessassem muito pelo fracasso dos nove discípulos em curar esse pobre me­nino. Jesus e os três discípulos descem do monte e vêem os líderes judeus importunando e criticando de forma divertida.

9.15. Ficou espantada16 (é£e0a|ipr|9r|aav 17), aoristo primeiro passivo, aoristo ingressivo com ék- composto perfectivo. O apa­recimento súbito e oportuno de Jesus no meio da disputa, quando ninguém estava procurando-o, redirecionou a atenção de todos. As pessoas ficaram inicialmente admiradas “e, correndo para ele, o saudaram” (iipooxpéxovxeç ipTráCovxo auxóv), particípio presente e pretérito imperfeito depoente médio do indicativo.

9.16. Que é que discutis com eles?ls (Tí ou(r|xeixe upòç aúxoúç ). Jesus toma conta da situação para interceder pelos nove discípulos envergonhados.

9.17. Trouxe-te o meu filho (ríveyKa xòv uióv |iou Tipoç oé). O pai adiantou-se e explicou a disputa com emoção franca e simples.

9.18. Onde quer que o apanha (ottou kkv aúxòv KaxaÀápi]19). A palavra catalepsia está relacionada com esse termo grego, que era usado no mundo antigo por Galeno e Hipócrates para descrever um ataque ou espasmo. A palavra é muito comum nos papiros em vários sentidos como no grego mais antigo. Cada um dos verbos que Marcos usa aqui ajuda a pintar um quadro vívido.

Despedaça-o20 (piíoaei aüxóv), convulsiona, lacera e rasga em pedaços, uma palavra antiga e comum.

Ele espuma (ácppCÇel). Este termo poético recente se acha so­mente aqui no Novo Testamento. Trata-se de um hapax legomenon do Novo Testamento, ou seja, esta é a única ocorrência do termo no Novo Testamento.

Range os dentes21 (xpí(ei xouç óõóvxaç 22), o termo ranger é outro hapax legomenon do Novo Testamento.

Vai-se secando23 (^ipcávexai), uma palavra antiga para refe­rir-se a “secar” ou “murchar” como a relva, ocorre também em Tiago 1.11.

E não puderam (Kai oik Laxuoav). Os discípulos não tive­ram a força (laxuç) para lidar com esse caso. Ver Mateus 17.16,

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Marcos 9

que é igual a Lucas 9.40 (kíu oúk r|ôuvTÍ9r|Gocv, aoristo primeiro passivo).

9.19. Trazei-mo14 (Repete aüxòy upóç |ie). A incredulidade dos discípulos conduzira a esse fiasco. Eles eram parte da geração incré­dula (aiTLOTOç, descrente) em que viviam. Mas Jesus não tem medo de encarregar-se desse caso. Sempre podemos ir a Jesus quando os outros nos decepcionam.

9.20. Logo o espírito o agitou com violência25 (uò Trveü|aa eí)9i)ç ouveoTOpa^ev aòióv26). Lucas 9.42 tem as duas palavras: eppriÇev (“derribou”, como em Me 9.18, piíooei) e auveauápo^ev (“convul­sionou”). Esta composição com ouv- (“junto com”), fortalece a for­ça do verbo como em ouvttvÍy« (Me 4.7) e ouviripéu (Me 6.20). O único outro exemplo conhecido dessa composição verbal ocorre nos escritos de Maximus Tyruij (século II a.C.).

Revolvia-se, espumando11 (èncuAleto), imperfeito passivo, “era revolvido”, uma visão lamentável, uma forma recente da palavra antiga kuXlvôq.

9.22. Mas, se tu podes fazer alguma coisa (àXX’ eí t i õúvr)28). Jesus indagara (Me 9.21) a história do caso como um médico dos dias de hoje. O pai lhe contou e revelou mais detalhes dignos de pena sobre o fogo e a água. O fracasso dos discípulos não lhe destruíra completamente a fé no poder de Jesus, embora a forma condicional (primeira classe, assumindo ser verdadeiro) indique dúvida se o me­nino podia mesmo ser curado. Era um caso crônico e desesperador de epilepsia com a adição de posse demoníaca.

Ajuda-nos (poií9r|oov rplv), um imperativo aoristo ingressivo. Faze agora. Com ternura comovedora ele toma para si a defesa do menino como fizera a mulher sírio-fenícia com relação à filha: “Tem misericórdia de mim” (Mt 15.22). O leproso tinha dito: “Se queres” (Me 1.40). Esse pai diz: “Se tu podes”.

9.23. Se tu podes crer [...]? (Tò el õúvri29). O grego tem uma linguagem bonita que não passa para as traduções. O artigo toma as próprias palavras do homem e coloca a frase no caso acusativo de referência geral. “Quanto ao ‘se tu podes’, todas as coisas podem (àiívazá) para aquele que crê”. A palavra grega traduzida por “pos­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

sível” é õuvaxá, o adjetivo cognato do verbo ôúvfl (“poder”). Essa reviravolta súbita desafia a fé do pai.30

9.24. O pai do menino, clamando31 (xpá^aç, ó iroarp xoü TTcaõíou), um clamor alto e “logo” (eúGuç32). Os recentes manuscri­tos recentes têm “com lágrimas” ([iexà ôaKpúcov), palavras que não constam em documentos mais antigos.

Eu creio, Senhor! Ajuda a minha incredulidade33 (IlioteÚGo34 Por|0el |íod xrj (XTTioxía). Esta é uma descrição exata do estado mental e espiritual do pai do menino. Ele ainda tinha fé, porém al­mejava mais. Note o imperativo presente (ajuda contínua) ponGei, enquanto o imperativo aoristo (ajuda imediata) por]Gr|aov está no versículo 22. A palavra vem de Por|, “grito”, e Géo), “correr”, correr em um grito para ajudar, um quadro vívido do apuro desse pai.

9.25. A multidão concorria35 (êTTiowxpéxei- ô%Àoç). Uma pala­vra de composição dupla só encontrada aqui no Novo Testamento e não nos escritores gregos antigos. A palavra èTuxpéx« ocorre nos papiros, mas não é-TTiouvxpéx«. A palavra de composição dupla descreve de forma viva o ajuntamento rápido da multidão em tor­no de Jesus e do menino epiléptico para ver o que aconteceria.

Saia dele (e^XGe auxoO). Como costumeiramente faz, Jesus se dirige ao demônio como um ser separado do menino. Esta ação torna difícil acreditar que Jesus estivesse meramente favorecendo a crença popular em uma superstição. E lógico que Ele considera o demônio como a causa desse caso do infortúnio do menino.

9.26. Agitando-o com violência36 (uoAAà omxpá^ac;37). O verbo composto é usado no versículo 20.

Ficou o menino como morto (èyévexo ooael yeKpóç). Ele se tomou como morto por causa da violência do espasmo. O demônio fez todo dano possível ao deixá-lo.

9.28. Os seus discípulos lhe perguntaram à parte (ol [iaGrjxal aúxou Kax’ íòíav eTiripGÓxojy aúxóv38). Em casa, os nove discípulos buscam uma explicação para o fracasso colossal. Eles já tinham expulsado demônios e curado antes. Certos estudiosos ficam con­fusos aqui quanto ao uso que Marcos faz de òxi como partícula interrogativa, significando “por que”, onde Mateus 17.19 tem ÕLct

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Marcos 9

l i . Alguns manuscritos têm ôià xí aqui, em Marcos 9.28, como todos têm em Mateus 17.19 (ver também Me 2.16; 9.11). É pro­vável que nesses exemplos ò ti queira realmente dizer “por que”.39 O uso de oç como interrogação “de modo nenhum é raro no grego recente”.40

9.29. Esta casta não pode sair com coisa alguma, a não ser com oração (Toftxo tò yévoç kv oúôevi ôúvonm é£eA.Geiv el (_ir) év Tipooguxri). A adição de “e jejum” não aparece nos dois manus­critos gregos mais antigos (Aleph e B). É claramente uma adição recente para ajudar a explicar o fracasso dos nove discípulos. Mas é desnecessária e também infiel. Foi a oração que os nove discí­pulos não fizeram. Não tiveram poder, porque não tinham oração. O autoconvencimento causou-lhes a derrota. Mateus 17.20 tem “por causa da vossa pequena fé” (òÀiyoTTLaTÍav). Isso também é verdade. Tinham muita fé em si mesmos, muito pouca em Jesus. “Confiaram no poder semimágico com que pensaram que estavam investidos.”41 “Espíritos de tal malignidade eram ágeis em discer­nir a falta de poder moral e não se renderiam a ninguém.”42

9.30. Não queria que alguém o soubesse43 (ouk r\QeXev iva uiç yyot 44). O tempo imperfeito é seguido pelo aoristo ingressivo do subjuntivo. Ele não estava disposto que ninguém ficasse sabendo. De volta à Galiléia, Jesus era bem conhecido, mas agora estava evitando realizar obras em público ali (cf. Me 7.24). Ele já não era o herói da Galiléia. Ele deixara Cesaréia de Filipe para ir à Galiléia.

9.31. Porque ensinava os seus discípulos45 (éôíôaoKey yàp toÍjç i-iaGriKxç aikoíj). Este é um tempo imperfeito e a razão dada para o segredo. Jesus estava renovando de novo e terminantemente a predição da sua morte em Jerusalém que estava a uns seis meses à frente, como Ele fizera antes (Me 8.31 é igual a Mt 16.21, que é igual a Lc 9.22). Agora como então, Jesus prediz a sua ressurrei­ção “três dias depois” (ARA; “ao terceiro dia”, Mt 17.23).

9.32. Mas eles não entendiam esta palavra46 (ol 5è riyvóouv tò pf||j,a). Este é o tempo imperfeito, especialmente encontrado nas Epístolas de Paulo no Novo Testamento. Os discípulos con­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

tinuavam não entendendo. Eram céticos sobre o assunto da mor­te e ressurreição mesmo depois da experiência da transfiguração. Quando desceram do monte, eles ficaram novamente intrigados com a alusão do Mestre à sua ressurreição (Me 9.10). Mateus 17.23 observa que “eles se entristeceram muito” ao ouvir Jesus falar des­se modo outra vez, porém Marcos acrescenta que eles “receavam interrogá-lo” (ê^opouvio ocutòv èuepcotrioai). Continuavam tendo medo (tempo imperfeito), talvez com a amarga memória do termo Satanás lançado em Pedro quando ele protestou naquela vez em que Jesus falou de sua morte (Me 8.33 é igual a Mt 16.23). Lucas 9.45 explica que essa palavra “lhes era encoberta”, provavelmente em parte por preconceitos e idéias preconcebidas.

9.33. Entrando em casa (kv tt| o Lk La yeyó|ievoç). Provavelmente era a casa de Pedro em Cafarnaum, a casa de Jesus na cidade.

Que estáveis vós discutindo pelo caminho?41 (T í kv trj óôcô õieÀoyíCeaGe4S). Este é outro tempo imperfeito. Os discípulos ti­nham estado disputando (Me 9.34), não sobre a morte do Mestre que estava se aproximando, mas sobre a posição relativa de cada um deles no reino político que estavam esperando que Ele estabe­lecesse. Jesus suspeitara da verdade sobre eles e, pelo visto, eles mantiveram-se nesse assunto em casa. Ver análise em Mateus 18.1 que apresenta os discípulos levando a disputa a Jesus, quan­do Ele lhes pergunta por isso. Provavelmente eles perguntaram primeiro a Jesus, e mais tarde Ele retomou o assunto para tratá- lo mais a fundo e extensivamente. O seu objetivo era ver se esta não fôra a ocasião da discussão um tanto quanto acalorada que ocorrera pelo caminho.

9.34. Mas eles calaram-se49 (ol ôè êoiúucov). Aqui é outro tempo imperfeito. Tendo o assunto sido colocado diante deles, eles se sentiram envergonhados que o Mestre descobrira a rivalidade ciumenta entre eles. Não se tratava de mera questão abstrata, con­forme a apresentaram a Jesus, mas era um cancro nos seus cora­ções.

9.35. Assentando-se, chamou os doze50 («aGíoaç êcf)cóvrioev xoi)ç õcóõeKoc). Jesus tomou a ação deliberada para controlar esta

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Marcos 9

situação delicada. Jesus lhes dá a regra da grandeza: “Se alguém quiser ser o primeiro [ttpcôtoç], será o derradeiro [eoxcaoç] de todos e o servo [õiáKOvoç] de todos”. Esta declaração de Cristo, como muitas outras, foi repetida em outras vezes (Me 10.43,44; Mt 23.8-12; Lc 22.24,25).

9.36. Tomando-a nos seus braços (êv06YK0íA.Laáiaevoç aútó, particípio aoristo médio, palavra grega recente derivada de àyKáXri como em Lc 2.28), ele falou novamente com os discípulos. O gre­go de Mateus 18.2 diz que Ele chamou uma criancinha, uma que havia na casa, talvez o filho de Pedro. Lucas 9.47 nota que Ele “pô-la junto a si”.

9.37. Qualquer que receber uma destas crianças51 ("Oç a\v e v tgôv toloÚtcov TTcaõítov 52). Mateus 18.5 tem “uma criança tal como esta” e Lucas 9.48 tem “esta criança”. Era uma lição prática contra a vaidade arrogante dos doze apóstolos que buscavam ter primazia. Eles não aprenderam essa lição, porque ainda voltarão a disputar sobre a primazia (Me 10.33-45 é igual a Mt 20.20-28), e não será fácil eles compreenderem o que significava a atitude de Jesus para com as crianças (Me 10.13-16 é igual a Mt 19.13-15, que é igual a Lc 18.15-17). A criança foi usada como repreensão para os apóstolos.

9.38. Porque não nos segue53 (oxi oi>k r)KoA,oú9ei t]|_iLV 54). Note o tempo imperfeito vívido novamente. E óbvio que João pen­sou em mudar de assunto, por causa do constrangimento e embara­ço causado pela disputa deles. Por isso, contou o episódio de zelo extra da sua parte esperando receber um elogio de Jesus. Talvez o que Jesus acabara de dizer no versículo 37 levantasse dúvida na mente de João sobre a conveniência da sua estreiteza excessiva. Precisamos saber a diferença entre lealdade a Jesus e insistência aos nossos preconceitos tacanhos.

9.39. Não lho proibais55 (Mrj KGoAúe-re aúxóv). Pare de impedi- lo (Mrj e o imperativo presente) como João estivera fazendo.

9.40. Porque quem não é contra nós é por nós (oç yàp ouk €OTiv KC60’ t}|í(5v, ímèp T]|i(ôv éoTiv). Essa declaração profunda lança uma torrente de luz em todas as direções. O complemento

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

desse logion está em Mateus 12.30: “Quem não é comigo é contra mim”. Ambos são necessários. Há pessoas que imaginam que são realmente por Cristo, que se recusam a assumir posição pública com Ele e por Ele.

9.41. Sois discípulos de Cristo56 (otl XpioToü êoze). Este é um genitivo predicativo, pertence a Cristo (ver Rm 8.9; 1 Co1.12; 2 Co 10.7). Esse é o laço de fraternidade universal dos re­midos. Diz respeito à nação, raça, classe, sexo, tudo. Não há ser­viço pequeno demais, até um copo de água fria, se for feito pela causa de Cristo. Ver análise em Mateus 18.6,7 para inteirar-se de discussão sobre pedra de tropeço para esses pequeninos que crêem em Jesus (Me 9.42), um termo amoroso pertinente a todos os crentes, e não só a crianças.

9.43. Ires para o inferno, para o fogo que nunca se apaga51 (elç tt)v yéevvav, elç tò irOp tò aoPeoTov). Este não é o hades, mas o geena. A palavra «opeotov é palavra de negação de alfa e opéotoc;, derivado de apévvu|ji, que significa “extinguir”. Ocorre com freqüência nos escritos de Homero. Essa palavra entrou di­retamente em outros idiomas como asbesto, com um significado oposto. Refere-se a uma substância que pode extinguir o fogo. Mateus 18.8 tem “no fogo eterno”. Geena refere-se ao vale de Hinom que fôra profanado pelo sacrifício de crianças a Moloque. Era um lugar amaldiçoado, usado como aterro sanitário da cidade onde os vermes (“bichos”) sempre estão a comer e o fogo a arder. O geena é um quadro vívido do castigo eterno.

9.44,46. Os manuscritos mais antigos não têm esses dois ver­sículos. Eles entram no texto proveniente da família de textos oci­dentais e sírios (bizantinos) e repetem-se no versículo 48.

9.47. Com um só olho (|j,ovócj)9(xÀ|iov). Isso significa, literal­mente, “de um olho só” (ver análise em Mt 18.8,9). É o grego koi vr] vernáculo e condenado pelos puristas em reação à língua grega. Marcos tem aqui “Reino de Deus”, onde Mateus 18.9 tem “vida”.

9.48. Onde o seu bicho não morre (ottou ô gkgóàti ccutgõv oi) TeA.eurâ). “O bicho [“verme”, ARA], ou seja, aquilo que ataca os habitantes dessa esfera terrível.”58 Duas figuras fortes de geena são

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combinadas: o verme que come, o fogo que arde. Nenhuma figu­ra do geena pode igualar a realidade terrível que é descrita (ver Is 66.24).

9.50. Tende sal em vós mesmos (exete kv eauxoiç aXa^9). Jesus dissera que os discípulos são o sal da terra (Mt 5.13) e advertira-os para que não perdessem a salinidade do sal. Se for ãvaXov, nada pode adubá-lo (àpxúco) ou retemperá-lo, e é inútil para temperar o que quer que seja. É uma força gasta.

NOTAS___________________________________________________1 “Antes de verem o Reino de Deus chegar com poder” (NTLH).2 “Sozinhos” (BJ); “a sós” (NVI).3 “Suas roupas se tomaram brancas, de um branco resplandecente” (NVI).4 “Mais do que qualquer lavadeira seria capaz de deixar” (NTLH).5 TR e TM não incluem oíkuç.6 “Apareceu-lhes Elias com Moisés” (AEC).7 TR tem ’HAlaç e Mwixjél; TM tem ’HXeíaç e Mwoei; WH tem Mcaof|.8 “Pedro não sabia o que deveria dizer” (NTLH).9 TR e TM têm oú yàp f)õe u xi Xodriar}.10 “De súbito, olhando ao redor” (AEC).11 “Eles guardaram o assunto apenas entre si, discutindo” (NVI).12 TR tem ’HAlaç; WH tem ’HÀeLaç.13 TR e TM têm àiroKa0i.oi:â.14 “E os mestres da lei discutindo com eles” (NVI).15 TR e TM têm o caso dativo aúxolç em vez da frase preposicional.16 “Tomada de surpresa” (AEC; ARA).17 TR e TM têm èÇe9a|iPr|9r).18 “Que é que discutíeis com eles?” (ARA).19 TR e TM têm av em vez de káv.20 “Lança-o por terra” (ARA).21 “Rilha os dentes” (ARA).22 TR e TM têm xpíÇêL xouç óõóvtaç aÚTOÜ.23 “Fica rígido” (NVI).24 “Tragam o menino aqui” (NTLH).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

25 “O espírito [...] imediatamente causou uma convulsão no menino” (NVI).26 TR e TM têm eúOéwç t ò irveíj|i<x èoirapaÇav.27 “Começou a rolar, espumando pela boca” (NVI).28 TR e TM têm àXX’ e’í t i õúvaaai.29 TR e TM têm Tò ei ôúvaacu.30 Sobre este uso do artigo grego, ver A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek

New Testament in the Light o f Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 766.

31 “O pai do menino exclamou” (AEC: NVI); “o pai do menino gritou” (BJ).32 TR e TM têm túGéwç.33 “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!” (ARA).34 TR e TM incluem o vocativo depois de nioieúw, Kúpie.35 “Muita gente estava se juntando ao redor dele” (NTLH).36 “Sacudiu o menino” (NTLH).37 TR e TM têm avapá^av TTOÀA.á.38 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, oi [ia9r|icà aiitoD èirrípcóicoy

aikòv koüt’ lõíav.39 Robertson, Grammar, p. 730.40 G. Adolf Deissmann, Light from the Ancient East: The New Testament Illustrated

by Recently Discovered Texts o f the Graeco-Roman World, traduzido por L. R. M. Strachan (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1965), p. 126.

41 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 202.

42 Ibid.43 “Jesus não queria que ninguém soubesse onde ele estava” (NTLH).44 TR e TM têm o verbo grafado assim yv($.45 “Porque estava ensinando os discípulos” (NTLH).46 “Mas eles não entendiam o que ele queria dizer” (NVI); “eles, contudo, não

compreendiam isto” (ARA).47 “De que é que discorríeis pelo caminho?” (ARA).48 TR e TM têm Tí èv xfj óôcõ upòç éautoijç ôieloYÍÇeaGe.49 “Mas eles guardaram silêncio” (ARA).50 “Jesus sentou-se, chamou os doze” (NTLH). Note que o nome Jesus não se

acha no texto grego, embora o pronome implícito se refira claramente a Ele.51 “Qualquer que receber uma criança, tal como esta” ( ARA).52 TR e TM têm éccv em vez de vv.53 “Porque ele não é do nosso grupo” (NTLH).54 TR e TM têm õç em vez de otl.55 “Não o impeçais” (BJ).

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Marcos 9

56 “Por vocês pertencerem a Cristo” (NVI); “sois de Cristo” (ARA).57 “Ires para a geena, para o fogo inextinguível” (BJ).58 Ezra P. Gould, Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to

St. Mark (Edimburgo: T. & T. Clark, 1896), p. 180.59 TR e TM têm ãXotç em vez de ala.

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Capítulo10

Marcos10.1. Foi para o território da Judéia, além do Jordão1 (epxexou

elç rà opia Tf|ç ’Iouôoúaç KaPuépav xoG ’Iopõávou). Ver análise em Mateus 19.1 concernente a essa expressão curiosa. Mateus 19.1 adi­ciona “da Galiléia”, e Lucas 17.11 diz que Jesus “passou pelo meio de Samaria e da Galiléia” depois de deixar “Efraim” (Jo 11.54). Muita coisa interveio entre os acontecimentos narrados até o tér­mino de Marcos 9 e os constantes no princípio de Marcos 10. Para inteirar-se desses acontecimentos, veja Mateus 18.1-35, Lucas 9.57 a l8 .1 4 e J o ã o 7 a ll .U m terço do Evangelho de Lucas é dedicado a esse período. No final de Marcos 9, a Paixão de Cristo estava a uma distância de aproximadamente seis meses. Agora, em Marcos 10, a conjuntura perigosa está apenas a algumas semanas. Jesus começou a sua última viagem rumo a Jerusalém. Ele foi para o norte passan­do por Samaria, Galiléia; depois atravessou o rio Jordão para ir à Peréia; e voltou para a Judéia entrando perto de Jericó junto com os peregrinos da Páscoa que estavam vindo da Galiléia.

A multidão se reuniu em torno dele3 (oufiuopeúovTai -náXiv ôxA.oi). Observe o presente histórico dramático. Nessas carava­nas viajando para Jerusalém, muitos seguidores de Jesus eram da

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Galiléia. A maioria estava pelo menos amavelmente predisposta para com Ele.

Como tinha por costume (goç elcoGei). Este passado perfeito segun­do é usado como pretérito imperfeito de eloSGoc, perfeito segundo ativo.

Tornou a ensiná-los4 (èôíôaoKey aúxoúç, imperfeito, já não é tempo presente). Jesus estava ensinando essa caravana enquanto viajavam.

10.2. Aproximando-se dele os fariseus, [...] tentando-o (TrpoaeA.0óvte<; $apioaioi éuripGúxtov aúxòv5). Assim que Jesus apa­rece na Galiléia, os fariseus o atacam novamente (cf. Me 7.5; 8.11). A palavra firrptóxoov quer dizer “provando” ou “tentando”, pois o motivo deles era mal.6 Outrora tinham envolvido João Batista com Herodes Antipas e Herodias nesse assunto. Talvez tivessem certas esperanças sobre Jesus, ou o propósito pode ter sido ver se Jesus se­ria mais rígido que os ensinos de Moisés. Eles sabiam que Ele falara na Galiléia sobre o assunto (Mt 5.31,32).

10.3. Que vos mandou Moisés? (TL xjjjXv èvereLÀaxo Mooüoriç7). Jesus imediatamente levou o assunto em relação ao ensino de Moisés (Dt 24.1). Mas Jesus retrocede muito além dessa con­cessão permitida por Moisés, indo ao estado ideal ordenado em Gênesis 1.27.

10.4. Moisés permitiu escrever carta de divórcio e repudiar (’ETT6tpei(;ey Mwüofjç8 pipAiov áTiooxaoíou ypái|m ra! áTTOÀüaca). A palavra grega traduzida por “carta” (PipAiov) é um diminutivo e sig­nifica “pequeno livro”, como o latim libellus, da qual vem a palavra libelo.9 “Libelo de abandono” (Wycliffe). Os fariseus levantam esse mesmo ponto em Mateus 19.7, mostrando que eles advogam o pon­to de vista liberal de Hillel: divórcio fácil por quase qualquer causa. Esta era a opinião popular, como hoje (ver análise em Mt 19.7 para discussão de “pela dureza do vosso coração”, aKAxipoKapôía, Me 10.5). Ao expor o propósito do casamento (Gn 2.24), Jesus assume o ponto de vista mais rígido do divórcio defendido pela escola de Shammai (ver análise em Mt 19.1-12). Marcos 10.10 nota que os discípulos perguntaram a Jesus acerca do problema “em casa”, de­pois de terem se afastado da multidão.

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Marcos 10

10.11. Qualquer que deixar a sua mulher e casar com ou­tra adultera contra ela ("Oç a\v áuoXíio^ xr]v yuvaiKa atkoü kou ycqj/r|OT] ’ákXvy |aoi%âTai èrr’ omriv). Marcos não apresenta a exceção “não sendo por causa de prostituição” como consta em Mateus 19.9, embora o ponto esteja realmente incluso no que Marcos registra. O divórcio formal não extermina o casamento real consumado pela união física. Quebrar esse laço o anula de fato.

10.12. Se a mulher deixar a seu marido e casar com outro (èàvaútri àiTOÀúaaaa zòv avôpa ai)Tf|ç aAAov10). Esta é umacondição de terceira classe, uma ação possível ou suposta, não real ou assumida. A lei grega e romana permitia a esposa se divorciar do marido; a lei judaica não estipulava esse recurso. Herodias se divor­ciou do marido para casar-se com Herodes Antipas. Assim também Salomé, irmã de Herodes, divorciou-se do marido. A. B. Bruce e Gould opinam que Marcos acrescentou essa frase às palavras de Jesus para beneficiar os gentios que ouviriam esse evangelho sob a perspectiva romana.11 Mas Jesus sabia que esta era prática padrão por todo o mundo romano. Ele proibiu o casamento com um homem ou mulher divorciada.

10.13. Traziam-lhe crianças12 (Trpooécf)epov oaiTCÔ uaiõía), um pretérito imperfeito ativo do indicativo, indicando repetição. O mes­mo também ocorre em Lucas 18.15. Mateus 19.13 tem o aoristo passivo constativo (irpocrr|véx0Tiaav). “Este episódio vem com ap­tidão singular depois da afirmação do Senhor sobre a santidade da vida casada.”13 Essas crianças (muôía em Marcos e Mateus; ppécpri em Lucas) eram de várias idades. Elas foram levadas a Jesus para que Ele as abençoasse e orasse por elas (Mateus). As mães tinham reverência por Jesus e queriam que Ele tocasse (ca[rr|Tai) as crianças com a oração rabínica de bênçãos pela misericórdia de Deus.

10.14. Indignou-se (ó ’Iriooüç f|ya,váKi;r|Gev). Isso está somente em Marcos. O verbo é aoristo ingressivo, “ficou indignado”, e é uma palavra forte de emoção profunda (derivado de cr/áv e «%0o[ica, “sentir dor”). A palavra comum ocorre em Mateus 21.15; 26.8.

Deixai vir os pequeninos a mimH (’A^exe xk Trcuôía ep^eoGoa Tipóç |_ie). Marcos usa o infinitivo epxeoGou (“vir”) também encontra­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

do em Lucas. Com certeza era uma alegria para os pais levarem os filhos a Jesus, e isso lhes deveria ser permitido. Impedir a ida deles é um crime. Há pais que terão de prestar contas a Deus por manter os filhos longe de Jesus.

10.15. Como uma criança (wç muôíov). Como uma criancinha recebe o Reino de Deus? A criança aprende a obedecer simples e submissamente. Aqui, Jesus apresenta a criancinha com obediência confiante, simples e amorosa como modelo para os adultos entrarem no Reino. Jesus não está dizendo que as crianças estão no Reino de Deus porque são crianças.

10.16. Tomando-as nos seus braços (évayKaA.iaá|i€VOí;15), que era uma nítida repreensão ao protesto dos discípulos excessivamen­te minuciosos. Já vimos essa palavra em Marcos 9.36. Em Lucas2.28, temos o linguajar completo: “Ele [...] o tomou em seus braços” (êõéxato auxò eíç xàç àyKáÂa<;). Assim, com ternura Jesus repetida­mente as “abençoava” ([ARA] KaxeuÀóyei, imperfeito), impondo as mãos em cada uma delas (xiGelç, particípio presente).

10.17. Correu para ele um homem (TTpooõpcc|id)v etç). Jesus ha­via deixado a casa (Me 10.10) e estava prosseguindo com a cara­vana no caminho (elç òôóv ). Em determinado momento, um jovem príncipe avidamente correu, “se ajoelhou” (yovuiTexriaaç) e estava perguntando (èinpoóxa, imperfeito) a Jesus sobre o problema que ele tinha. Esses detalhes encontram-se somente em Marcos.

Que farei para herdar a vida eterna? (xí ttouÍoco 'iva Çcof]v alcóviov KÀripovofj/naGú). Mateus 19.16 tem (o%(3), para “conseguir”.

10.18. Por que me chamas bom? (Tí |ie Àéyeiç áyaBóv), o mesmo ocorre em Lucas 18.19. Mateus 19.17 tem “por que me perguntas acerca do que é bom?” (ARA). O jovem príncipe era sincero e não estava bajulando, mas Jesus o desafia a definir a sua atitude e a refletir em suas implicações. Será que ele quis dizer “bom” (áyaOóç) no sentido absoluto aplicado a Deus? O linguajar não é, como entendem certos céticos, uma retratação da deidade feita por Jesus.

10.20. Tudo isso guardei desde a minha mocidade16 (xaüxct m vza ècj)i)la£á|ir|v ék veóxr|xóç [iou), literalmente, “esses todos”.

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Marcos 10

10.21. Olhando para ele, o amou e lhe disse17 (ó õè Tr|aoüç è|iPA.éil/aç auTto fiyáiTriaev omòv). Só Marcos menciona esse olhar de afeto, participio e verbo no aoristo ingressivo. Jesus sentiu uma compaixão particular por esse jovem encantador.

Falta-te uma coisa ("Ev oe imepel18). Lucas 18.22 tem “ainda te falta uma coisa” ("Eti ev col leí/rrei). Possivelmente há duas tradu­ções da mesma frase aramaica. Mateus 19.20 cita a pergunta do jovem: “Que me falta ainda?” (TÍ eu ímépoo;). O jovem príncipe já entendia que a base de salvação tem de ir além da obediência externa a leis e regulamentos, mas é óbvio que ele tem em elevada conta a sua morali­dade própria. Jesus põe o dedo no centro da fraqueza do jovem príncipe em relação à lei. O verbo ímépcjO, derivado do adjetivo imépoç (“atrás de”), significa “estar muito atrasado”, “ser insuficiente” ou “estar em falta”. É usado com o acusativo como aqui, ou com o ablativo, como em 2 Coríntios 11.5. O Textus Receptus o usa com o dativo, ooL

10.22. Mas, ele contrariado19 (ô ôè axuyváaaç,). Esta palavra grega ocorre na LXX e nos escritos de Políbio uma vez e em Mateus16.3 (passagem colocada entre parênteses em WH). O verbo é de­rivado de oTuyyóç, “sombrio”, “escuro”, como uma nuvem amea­çadora. Quanto ao conceito relacionado, “triste” (ai>vo\í\i(-voç), ver discussão em Mateus 19.22.

10.23. Então, Jesus, olhando ao redor20 (Kal uepipA,ei|/á|ieyoç; ô ’Irioouç). Este é outro quadro dos olhares de Jesus encontrado so­mente em Marcos (ver também Me 3.5,34). “Para ver que impressão causara o episódio nos doze.”21 “Quando o jovem príncipe foi em­bora, os olhos do Senhor varreram o círculo dos doze, enquanto Ele desenhava para eles a lição do episódio.”22

Quão dificilmente entrarão (ncôç ôuokóAxoç). O mesmo ocorre em Lucas 18.24. Mateus 19.23 tem “é difícil (ôugkóAxjOc;) entrar um rico” (ver análise neste versículo).

10.24. Os discípulos se admiraram destas suas palavras (oi ôè l_ia0r|T(u è0aii|3oOyTo èul tolç A.óyoi<; aútoü), um pretérito imperfeito passivo. O olhar de absoluta surpresa no rosto deles diante dessa de­claração era natural, porque os judeus consideravam que a riqueza era prova do favor especial de Deus.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Filhos, quão difícil é [...] entrar no Reino de Deus! (Téicva,, ttcôç ôúokoàóv éaxiv elç xriv paoiA.et.av toO Geou eloeÀGelv23). Esse comentário afetuoso e paternal os confirma na perplexidade.24

10.25. E mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agu­lha (iiKOTTWiepóv krnv Kcqj,r|A,ov õià rf|ç TpuiaaAiâç Tfiç pa^iõoç õieAGeív25). Ver análise em Mateus 19.24. Lucas usa o termo refe­rente a uma agulha cirúrgica, pelóvr]ç. Mateus tem a palavra pacfúç como Marcos, derivada de páutco, “coser”, e consta nos papiros. Mateus e Lucas empregam Tpr)|iatoç para referirem-se a “buraco”, derivado de tpfuia, “orifício” ou “perfuração”.

10.26. Quem poderá, pois, salvar-se? (Km tlç ôúvarai ocoGrj vai ). Mateus 19.25 tem Tíç apa. Evidentemente, Kaí tem um sen­tido deduzível como apa.

10.27. Jesus, porém, olhando para eles, disse26 (é[j.pAitjja<; aÚTotç ó ’Irjaoijç Aiyei), o que também ocorre em Mateus 19.26. O espanto deles aumentou.

Para os homens é impossível, mas não para Deus (Ilapà ávGpcÓTTOiç áõúvaxov, àXX’ oi> Tiapà Gew).27 Observe o caso locativo com Ilapá (“ao lado de”). O que é impossível pelo lado dos seres humanos toma-se possível pelo lado de Deus. Este é o ponto central e repele todas as teorias insignificantes de uma porta ou portão cha­mado “fundo de agulha”.

10.28. Pedro começou a dizer-lhe (’'Hp^auo Àéyeiv ó nétpoç auTGj28). Pedro e os outros devem ter lutado para permanecer calado sobre o assunto de onde eles se ajustavam na nova economia de Deus. Mateus 19.27 diz que “Pedro lhe respondeu” (NVI), como se o comentário tivesse sido feito a ele em particular. Pedro lembra Jesus o que eles deixaram para segui-lo, quatro deles naquele dia junto ao mar (Me 1.20 é igual a Mt 4.22, que é igual a Lc 5.11). Ele reivindicou obediência ao ideal sublime no ponto em que o jovem príncipe rico falhara. Já que Jesus estava falando de morrer, Pedro quis saber o que o sacrifício dos discípulos significaria para a vida de cada um deles.

10.30. Com perseguições (|ierà ôicoy[icôv). Esse detalhe adi­cional só consta em Marcos. Há certa reminiscência de alguns es­

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Marcos 10

critos “apocalípticos sobre as descrições familiares das bênçãos do Reino messiânico. Mas Jesus usa tal linguajar religioso referente a esse tempo apenas para idealizá-lo”.29 Os apóstolos logo veriam um presságio da perseguição deles. Vincent nota que Jesus omite “mulher” e “cem vezes” dessa lista, mostrando que a zombaria do apóstata Juliano nesse quesito não tinha fundamento.30

10.31. Porém muitos primeiros serão derradeiros, e muitos derradeiros serão primeiros (uoAAoi ôè iÉaovrai irpcôtoi eoxoruoi Kcà o i eoxaxoi upcôxoi). Ver análise em Mateus 19.30 para o uso de ironia e até de visível paradoxo sobre sistemas de valores terrenos segundo a perspectiva do Reino. Depois da sua ostentação, Pedro teria sentido a mordacidade dessa repreensão, embora Jesus não es­tivesse se dirigindo pessoalmente a ele.

10.32. E eles maravilhavam-se31 (koc! è0oqj,pouvxo). O tempo imperfeito descreve os sentimentos dos discípulos, enquanto “Jesus ia adiante deles” (rjv irpoáytov aí)xou<; ò ’IqaoOç, imperfeito ativo perifrástico). Esta circunstância incomum em si mesma não parecia pressagiar algo de bom, enquanto eles viajavam pela Peréia rumo a Jerusalém. De fato, “seguiam-no atemorizados” (o i ôe (xkoA.ou0oíj vxeç ècjjopoijyxo32), enquanto Jesus se distanciava deles e caminhava sozinho. O linguajar (oi õé) pode não significar que todos os discí­pulos tinham medo. “O Senhor caminhou à frente dos doze com so­lenidade e determinação que prediziam perigo”33 (cf. Lc 9.5). Lendo a solenidade atípica de Jesus, eles começaram a temer pela desgraça iminente.

E, tornando a tomar consigo os doze (kou TOpodapcov 'uáXiv xouç ôcóôékoc). Mateus 20.17 tem “ à parte” das multidões, e é o que Marcos também quer dizer. Note ™paA.a:(3tóv, “levando para o seu lado”.

Começou a dizer-lhes as coisas que lhe deviam sobrevir (rpÇ axo aú x o lç A iyeiv xà |iéÀA.ovxa aúxcô a u iiP a ív e iv ) . Ele já havia falado de sua morte próxima pelo menos três vezes (Me 8.31; 9.13; 9.31), e eles não entenderam absolutamente nada. Lucas diz que os discí­pulos não deixaram de ficar menos estonteados dessa vez: “Não per­cebendo o que se lhes dizia” (Lc 18.34). Marcos e Mateus mostram

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

que dois discípulos estavam tão inteiramente ocupados com as suas próprias ambições egoístas, ao mesmo tempo em que Jesus estava lhes dando detalhes da morte e ressurreição que se aproximavam.

10.3 5. E aproximaram-se dele Tiago e João, filhos de Zebedeu34 (Kal 'rrpoaTTopeúovTm aíixdò ’IcíkcjúPoç Kai ’Ia)ávvr|ç oi uioi Zepeôcáoi)35). Aproximaram-se de Jesus. Observe o tempo presente dramático, literalmente, “e chegaram a ele Tiago e João”. Mateus tem tóté, “então”, mostrando que o pedido dos dois irmãos com a mãe deles ocorreu imediatamente depois da conversa sobre a morte de Cristo (Mt 20.20).

Queremos (Gélojiev), “desejamos”, dito abruptamente. Mateus 20.20 diz que a mãe “se aproximou [...] adorando-o” (TipooKuvoüaa). A mãe falou pelos filhos, tentando envolver Jesus nos desejos deles antes que dissessem o que queriam. Comportaram-se como crianças mimadas.

10.37. Na tua glória (èv tf| õóÇri oou). Mateus 20.21 tem “no teu Reino”. Ver em Mateus 20.20 para inteirar-se da interpretação literal de Mateus 19.28. Eles estão procurando um magnífico impé­rio mundial judaico com características apocalípticas na culminação escatológica do Reino do Messias. Esse sonho ignorou por comple­to a conversa sobre morte e ressurreição, tachando-a como mero pessimismo.

10.38. E ser batizados com o batismo com que eu sou batiza­do? (f| tò páuuaiia ô êycò PcnrcL(o(icu pa-TTTioGfivcu36). O acusativo cognato ocorre com ambos os verbos passivos. Mateus 20.22 tem apenas o “cálice” (ARA), porém Marcos tem o cálice e o batismo, ambos referindo-se à morte. No jardim do Getsêmani, Jesus se re­ferirá novamente à sua morte como “este cálice” (Me 14.36 é igual a Mt 26.39, que é igual a Lc 22.42). Ele já usara o batismo como figura para a sua morte (Lc 12.50). Paulo o usará várias vezes nesse sentido (Rm 6.3-6; 1 Co 15.29; Cl 2.12).

10.39-45. Porque o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos ( kccI

yàp ô uiòç toO ávGpcÓTTOU oijk rjlGev ôiaKovr|6f|V(u àXXà õiaKovfiaai Kcà ôoüvai tt|v i|ru%fiv aúxoí) Àútpov ávti tío\X(òv, Me 10.45). Ver

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Marcos 10

em Mateus 20.23-28 a análise sobre esses versículos memoráveis que são idênticos nos três Evangelhos Sinóticos. Em Marcos 10.45, observe o linguajar de Jesus referente à sua morte como “resgate de muitos” (Àútpov ávxi ttoAAgôv). Essas palavras do Mestre não fo­ram compreendidas pelos apóstolos no dia em que as ouviram Jesus falar, mas as suas implicações eram bastante claras quando Pedro as pregou tempos depois, e Marcos as registrou. Certos intérpretes esvaziam estas palavras de significado, acreditando que Jesus não podia ter mantido tal concepção de morte pelos pecadores.

10.46. E, saindo ele de Jericó (kcu êKTTopeuoliévou aiirou (xttÒ ’Iepi/oó 37). Ver em Mateus 20.29 a análise sobre esta frase. Lucas 18.35 tem “perto de Jericó”, com respeito à antiga Jericó e a nova cidade romana. A nova Jericó ficava cerca de um quilômetro e meio ao sul do local da Jericó mais antiga, situada uns oito quilômetros a oeste do rio Jordão, e vinte e quatro quilômetros a leste de Jerusalém. Ficava próximo da nascente do vádi Kelt.3s

Uma grande multidão (ôxÀou 'iKavoü), freqüentemente em Lucas e nos papiros neste sentido. Para o sentido de “digno” para a palavra 'iKavóç, ver comentário em Mateus 3.11.

O cego, [...] mendigando39 (xu^Àòç rrpooaÍTric;40). Lucas 18.35 tem “pedindo esmolas” ([ARA] èTrociTcSv). Todos os três Evangelhos Sinóticos dizem que ele “estava assentado junto ao caminho”41 (éKáGrjTO irapà tr]y óõóv). Bartimeu estava no seu lugar habitual. Vincent cita William Thompson em relação à cidade de Ramleh: “Certa feita, andei pelas mas contando todos que eram cegos ou tinham olhos com problemas congênitos, e a soma chegou a cerca da metade da população masculina. Não contei as mulheres, porque elas estavam usando véu”.42 O pó, o clarão do sol e os hábitos anti- higiênicos das pessoas contribuíam para a disseminação das doen­ças oculares contagiosas.

Bartimeu (Bapiifiaioç). Este é um nome aramaico como Bartolomeu, bar significando “filho” (hebraico, “Q). O nome sig­nifica “filho de Timeu”, como Marcos explica para as pessoas de­sacostumadas com nomes aramaicos, ô uiòç Ti|_ioúou. Marcos se concentra neste homem que poderia ser pessoalmente conhecido

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

por algumas pessoas que leriam a carta. Mateus não cita o nome Bartimeu e menciona que havia mais outro mendigo envolvido (ver análise em Mt 20.30).

10.48. Muitos o repreendiam, para que se calasse43 (érrexC|acov aÚTÚ ttoàAoI iva aicouriari). O tempo imperfeito indica que eles permaneciam repreendendo-o. O tempo aoristo ocorre em Mateus20.31. O subjuntivo aoristo ingressivo, aiio-mpi], significa “ficar ca­lado”.

Mas ele clamava cada vez mais44 (ó ôè ttoààw ^âÀÀov ÍÉKpaCev). Lucas 18.39 diz o mesmo. Mateus 20.31 usa a palavra padrão para dizer “cada vez [...] mais”, [iei(ov.

10.49. Jesus, parando (oxàç ó Triaoúç). Este é um particípio ao­risto segundo ativo ingressivo como em Mateus 20.32. Lucas 18.40 tem araGeíç, um particípio aoristo passivo.

Ele te chama (cficovei oe). Era a notícia mais alegre que Bartimeu poderia ter ouvido. Há presentes dramáticos vívidos em Marcos.

10.50. Lançando de si a sua capa (ó õè aTropaAxòv tò i^iánov aíiioú), um particípio aoristo segundo ativo. Em sua pressa, ele jo­gou o manto exterior para o lado.

Levantou-se (âvaTir|ôr|oaç4:’). Ele estava levantando-se de um salto (cf. ARA), um detalhe vívido de Marcos.

10.51. Que queres que te faça? (Tí ooi Géleiç noníoco 46). Este é um linguajar grego puro com o aoristo subjuntivo sem'iva depois de Géleiç.47

Mestre48 ('PaPPouvi). A palavra aramaica Rabbuni (BJ; “Rabi”, AEC) é traduzida por “Senhor” (Kúpie) em Mateus 20.33 e Lucas18.41. Esta forma ocorre novamente em João 20.16.

Que eu tenha vista49 (Iva âvaPAii|/co). Eu quero recuperar a mi­nha visão, quero voltar a ver (ává + pÀéi|rco). Pelo visto, ele fôra capaz de ver. Aqui é usado 'iva, embora BéÀco não seja usado (cf. Me 10.35). Esperava-se que o Messias desse visão aos cegos (Is 61.1; Lc 4.18; 7.22).

10.52. A tua fé te salvou50 (n ttÍotlç oou oéocoKév ae), um per­feito ativo do indicativo. O significado comum da palavra é salvar e esta pode ser a idéia.

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Marcos 10

Logo viu, e seguiu a Jesus pelo caminho (eüGuç ávépÀei|jev kkI r]KoA.oí)0ei aúxcô 51). Os tempos imperfeitos descrevem Bartimeu alegre, enquanto seguia a caravana de Jesus para entrar na nova Jericó.

NOTAS__________________________________________1 “Jesus, foi dali para o território da Judéia, além do Jordão” (ARA). Observe que

o nome Jesus não se acha no texto grego, mas está implícito.2 TR e TM têm õuà toíi em vez de K a í .3 “As multidões se reuniram junto a ele” (ARA).4 “Ele a ensinava” (NVI).5 TR e TM têm TTpoaeÀSóvteç oi í>apiacâoi èmpaknaav aútóv. Entretanto, TM

não tem o artigo oi.6 Ezra P. Gould, Criticai and Exegetical Commentary on the Gospel According to

St. Mark (Edimburgo: T. & T. Clark, 1896), p. 183.7 TR e TM grafam o substantivo próprio Mwaf|ç; WH o grafa Muuoíjç, aqui e no

versículo 4.8 TR e TM têm uma ordem inversa para Mcoariç èirétpejjev. TRb e TM não in­

cluem o v eufônico, êirétpei e.9 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 211.10 TR e TM têm kkv yuvn áiraA.úcrçi tov avôpa aúxf|ç Kcd ya[ir]9f| alXca.11 Alexander Balmain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 409; Gould, Critical and Exegetical Commentary, p. 186.

12 “Algumas pessoas levaram as suas crianças a Jesus” (NTLH). O substantivo próprio Jesus não consta no texto grego.

13 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 219.

14 “Deixai vir a mim as criancinhas” (AEC).15 TR e TM têm èvaypctA.Loá(i6yoç aüxá.16 “A tudo isso tenho obedecido desde a minha adolescência” (NVI).17 “Jesus olhou para ele e o amou” (NVI).18 TR e TM têm 'Ev ool uoTepel.19 “O homem [...] fechou a cara” (NTLH); “diante disso ele ficou abatido”

(NVI).20 “Jesus olhou ao redor” (NVI).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

21 Bruce, Expositor’s, p. 411.22 Swete, Commentary on Mark, pp. 227, 228.23 TR e TM têm Téicva, uc3ç õÚokoXÓv èaiiv t o u ç Tre-rroi.0(kaç éirl t o l ç xprpaaiv

eiç tt)v paoiA-eíav toü 0eoü eíaeXOetu.24 “Para os que confiam nas riquezas” (touç ireirot0ÓTaç eu! tolç xpiíiiaoLv). Essas

palavras não ocorrem nos manuscritos Aleph, B, Delta, menfítico e um antigo manuscrito latino. WH as omitem, evidentemente raciocinando que se trata de adição para explicar as palavras difíceis de Jesus. [N. do T.: A frase ocorre na AEC e ARC, e não consta na BJ e NTLH. A ARA coloca as palavras em itálico e a NVI as menciona em nota de rodapé.]

25 TR e TM têm eÚKOTrwtepóv éaxiv Ká|_ir|A.ov õià trjç xpu|i(xXiâç tfjç pccijúõoç eLo6À06lv.

26 “Jesus, porém, fitando neles o olhar” (ARA).27 TR e TM incluem a conjunção pospositiva õé.28 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, fipÇoao ó néxpoç Àéyeiv ceu

’tcô.29 Gould, Critical a ndExegetical Commentary, p. 196.30 Vincent, Word Studies, p. 213.31 “Os discípulos estavam admirados” (NVI).32 TR e TM têm Kcd áKoÀouOoüyieç ecjiopoijVTO.33 Swete, Commentary on Mark, p. 233.34 O texto grego não tem o nome próprio Jesus [como aparece na NTLH (N. do

T.)].35 WH grafa o substantivo próprio com um só v: ’Itoávriç.36 TR e TM têm a conjunção kcú em vez de f].37 WH grafa o substantivo próprio assim ’Iepeixú.38 Swete, Commentary on Mark, p. 242.39 “Cego mendigo” (ARA).40 TR e TM têm o artigo com o substantivo, ó TutfjÀóç.41 “Estava assentado à beira do caminho” (ARA).42 Vincent, Word Studies, p. 213. Vincent estava citando um viajante do Oriente

Médio no início do século XX, depois de ter visitado Ramleh, Egito, uma aldeia situada nos arredores de Alexandria. A observação de William M. Thompson sobre o grande número de cegos na cidade foi contada em seu livro The Land and the Book: Biblical Illustrations Drawn from the Manners and Customs, the Scenes and Scenery o f the Holy Land (Nova York: Thomas Nelson, 1913).

43 “Muitos o repreendiam para que ficasse quieto” (NVI).44 “Mas ele gritava ainda mais” (NVI).

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Marcos 10

45 TR e TM têm àvaoxáç.46 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, T l GéXêlç iTOLiíaw aoí;.47 Para ver a análise sobre este assíndeto (ou parataxe), ver A. T. Robertson, A

Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 430.

48 “Rabi” (AEC); “RabbuniV’ (BJ).49 “Que eu possa ver novamente” (BJ); “eu quero ver de novo!” (NTLH); “que eu

tome a ver” (ARA).50 “Você está curado porque teve fé!” (NTLH).51 TR e TM têm Koà eúGéuç aveßA.ei(i6(v), Kal f|Koloú0ei tcô ’Iriaoü. Entretanto,

TRb e TM não incluem o v eufônico, ávéplei|ie.

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Capítulo

Marcos11.1. Betfagé e [...] Betânia (éyyíCouaiv eiç 'IepoaóA,i)[ia elç

B r^ayr] kkI BriBavítxi-’1). As duas cidades são alistadas juntas aqui e em Lucas 19.29, embora Mateus 21.1 mencione apenas Betfagé (ver análise em Mt 21.1).

11.2. Logo que ali entrardes1 (eú9i)ç elo-rropeuóiievoi3), um par- ticípio presente médio/passivo depoente também é encontrado em Lucas 19.30.

Encontrareis preso um jumentinho (eí)pr|oeTe ttwàov õeõe|aévov). Mateus 21.2 fala de uma “jumenta” (óvov) também.

Sobre o qual ainda não montou homem algum4 (êcj)’ ôv oúôelç oxSttoo àv9pcÓTTG0v eKá9ioev).

11.3. O Senhor precisa dele ("O KÚpioç aúxoíj XPÉ Ky ’ÉXÉL), ocoiTe também em Mateus e Lucas. Ver em Mateus 21.3 a análise dessa palavra aplicada a Jesus para si mesmo.

Logo o deixará trazer para aqui (ei)0i)ç airròv àTTOGtéAAei. náliv toôe5). Observe o presente indicativo em sentido futurístico. Mateus21.3 tem o futuro àuoaTeA.el.

11.4. Foram, e encontraram o jumentinho preso fôra da porta, entre dois caminhos (àTTf|A,9oy «ai eüpov ttooXov ôeõefj,évov irpòç

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

Búpav íéço) 6tt! toí) á|_icj)óôou6), um quadro cuidadosamente pintado. O jumentinho estava fôra da casa, na rua, mas amarrado (“atado”, participio perfeito passivo) à porta. “A melhor classe de casas era construída por cima de um pátio aberto, do qual um corredor ou ga­leria debaixo da casa conduzia à rua pública. Era nessa abertura ex- tema à ma que o jumentinho estava amarrado.”7 A palavra à|ict)óôou (derivada de a^co, “ambos”, e óõóç, “caminho”, “estrada”) é difícil. Significa uma estrada que faz a volta em tomo de algo, uma ma tortuosa, como era a maioria (cf. ma Direita em Damasco, At 9.11). O termo só ocorre aqui no Novo Testamento além do manuscrito D em Atos 19.28.

E o soltaram (kcu Àúoimv carróv). Observe o tempo presente histórico dramático. Talvez Pedro fosse um dos que foram enviados dessa vez, como ele foi posteriormente (Lc 22.8). Neste caso, isso explicaria os detalhes vívidos de Marcos.

11.5. E alguns dos que ali estavam* (kocl tivéç twv eKei èaTriKÓTCOv), um genitivo plural do participio perfeito ativo que sig­nifica os espectadores, as pessoas que se encontravam próximas do fato que estava ocorrendo. Lucas 19.33 os chama “seus donos” (ol KÚpioi aÚToO), os senhores ou donos do jumentinho. Eles fazem um protesto natural.

11.7. Levaram o jumentinho a Jesus (cjxÉpoimv tÒv ugòàov Trpòç tòu ’Iriaoüv 9). O presente histórico é novamente usado. Os donos consentiram como Jesus predissera. Talvez fossem seguidores que consideravam Jesus “o Senhor” deles (Me 11.3).

11.8. Outros cortavam ramos das árvores'0 (áXXoi Ôè OTipáôaç 11), um montículo de folhas e juncos dos campos. Mateus 21.8 tem KÀáôouç, derivado de KÀáoo, “quebrar”, “ramos quebrados de árvo­res” ou “ramos cortados de árvores”. João 12.13 usa os “ramos de palmeiras” (to Pcda ttôv (j)oivÍKtov) folhagens emplumadas que for­mam a coroa de tufos das árvores”.12 As pessoas entre a multidão acharam maneiras distintas de prestar homenagens a Jesus (ver aná­lise em Mt 21.4-9). Pela sua conduta deliberada, Jesus estava publi­camente se proclamando ser o Messias. Finalmente, a sua “hora” chegara. As multidões entusiasmadas à frente (oi TTpoáyoyTeç) e

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Marcos 11

atrás (oi áKoXoúGouvxeç) compreenderam plenamente a significação de tudo. Por conseguinte, o seu entusiasmo desenfreado. Esperavam que agora Jesus estabelecesse o seu governo em oposição ao de César. Roma será expulsa de Palestina, conquistando o mundo para os judeus.

11.11. Tendo visto tudo ao redor (uep i(3À.e\)já|aevoç vávza). Outro detalhe caracteristicamente de Marcos encontra-se neste particípio aoristo médio. Marcos não corresponde com Lucas 19.39-55 ou com Mateus 21.10-17. Mas está tudo implícito nesse olhar rápido que Ele dá pelo Templo antes de sair para ir a Betânia com os doze, “como fosse já tarde” (óijííaç rjõri ouor|ç xrjç copaç), um genitivo absoluto, “a hora sendo já tarde”.

11.12. No dia seguinte (xfj êiTaúpiov). Mateus 21.18 tem “cedo de manhã” ([ARA] upcoC), que tende a referir-se à quarta vigília da noite (antes das seis horas da manhã). Era a segunda-feira pela ma­nhã, depois da entrada de domingo em Jerusalém.

11.13. Foi ver se nela acharia alguma coisa13 (rjA.0ev, ei apa xi eúpipei kv aúxrj14). Este uso de ei e o futuro indicativo para propó­sito (“ver se...”, um tipo de pergunta indireta) como em Atos 8.22;17.27. Jesus estava com fome. Talvez não tivesse se alimentado na noite anterior depois da agitação e tensão da entrada em Jerusalém. Os primeiros figos na Palestina não ficam maduros antes de maio ou junho; a última safra ocorre em agosto. Não era o tempo de figos, observa Marcos. Mas essa árvore precoce em um lugar abrigado dera folhas como sinal de frutos. Tinha a promessa sem o cumpri­mento.

11.14. Nunca mais coma alguém fruto de ti (Mtikéxl eiç xòv aí(òva ék ooO |ir|ôelç Kapuòv cfjáyoi15). O verbo cpáyot está no aoristo segundo optativo ativo. E um desejo para o futuro que em sua forma negativa constitui uma maldição para a árvore. Mateus 21.19 tem o subjuntivo aoristo, que equivale a uma proibição. Jesus provavel­mente falou em aramaico nessa ocasião.

E os seus discípulos ouviram isso16 (kcu tÍkouov oi |_ioc9r|xc6L aúxou). Eles ouviram com evidente espanto. Afinal de contas, não era culpa da figueira que produzira folhas. Certas árvores frutíferas

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

florescem durante um período de tempo quente, e ficam crestadas pelo frio quando o tempo volta a ficar propício à frutificação.

11.15. Começou a expulsar os que vendiam e compravam no templo (líp^ato eKpáÀÀeiv xouç 'rrcoA.oüvraç koc! xouç17 àyopáíovxaç kv xcô lepw). Marcos gosta de “começou”. Ver em Mateus 21.12-14 a análise dessa segunda purificação do Templo em relação à primei­ra (cf. Jo 2.14-17).

Derribou as mesas dos cambistas (xpaTTéCac; xoòv KOÀ/luPiaxGÒv [...jKaxéoxpeij/ev). Ver análise em Mateus 21.12.

11.16. Não consentia que ninguém levasse algum vaso pelo templo (oÚk r^iev Iva xiç ôievéyid] OKeuoç õià xoü lepoü). As autoridades do Templo tinham proibido usar o pátio exterior do Templo como atalho entre a cidade e o monte das Oliveiras, mas a regra não era obedecida. Todo tipo de conduta irreverente ocorria ali, e o espírito de Jesus se agitou. Esse detalhe só é apresentado em Marcos. Observe o uso de 'iva depois de r\§iív (tempo imper­feito) em vez do infinitivo (a construção habitual).

11.17. A minha casa será chamada por todas as nações casa de oração? ('O oikÓç |j.ou olkoç TTpoaeu/fiç KÀr|9tíaex(u tooiv xoiç eGveoiv). Em Marcos, Jesus combina as declarações de Isaías 56.7 e Jeremias 7.11. As pessoas tomavam parte na culpa das autorida­des do Templo profanando a parte da casa de oração de Deus na qual os gentios poderiam cultuar a Deus. Jesus exercita autoridade messiânica para combater esse abuso político e financeiro. A sua denúncia tinha implicações comerciais e políticas internacionais.

11.18. Buscavam ocasião para o matar18 (kíxÍ e(r|Xouv ttgúç aüxòv àuoÀéowoiy19). O imperfeito do indicativo expõe uma ati­tude e empenho contínuo. Observe o subjuntivo deliberativo com TTtòç, retido em uma pergunta indireta. Os saduceus (os príncipes dos sacerdotes) e os fariseus (os escribas) se ressentem com as afirmações de Jesus e unem forças para matá-lo. Ver análise em Marcos 3.6 sobre a trama dos fariseus e herodianos para matar Jesus. No centro do poder dos fariseus-saduceus, Cristo inicia a crise final declarando a controvérsia de Deus com os poderes re­ligiosos.

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Marcos 11

Pois eles o temiam (è^opoüvTO yàp airuóv). Este é o imperfeito médio/passivo depoente do indicativo. Ao planejar a morte de Jesus, eles são cautelosos. Jesus tem poder entre as pessoas.

E toda a multidão estava admirada acerca da sua doutrina (ttccç yàp20 ó õ^loç è eTrÀr|00eT0 ènl ifi ôiôaxÔ oarcoü), um preté­rito imperfeito passivo. Aquelas pessoas que vêem e ouvem Jesus no Templo olham para Ele como o Messias e suscitam o medo do Sinédrio.

11.19. Sendo já tarde (omv21 cn|/è èyéveto), literalmente, “sem­pre que a tarde avançava”, ou, mais exatamente, “sempre que ficava tarde”. O uso de otov ,ore av) com o aoristo indicativo é como ottou àv com o pretérito imperfeito do indicativo (eloerropeúexo) e òooi av com o aoristo do indicativo (rjijjavTo) em Marcos 6.56. Como aqui, o uso de av geralmente toma a frase mais indefinida. Em certa ironia lingüística do grego, ocasionalmente essa construção toma a ação mais definida. A interpretação de um período de tempo mais indefinido combina com Lucas 21.37. Lucas tem o acusativo de ex­tensão de tempo, “de dia”, “à noite”. O tempo imperfeito, eles iriam (èçeTTopeúovxo) para fôra da cidade “sempre que” como sugere o sig­nificado de Marcos 11.19 (cf. ARA).

11.20. Eles, passando pela manhã22 (TTapaiT0peuó|j,ev0i npcot23), a manhã seguinte. Eles foram passar a noite no alojamento que fica­va estrada afora na subida do monte das Oliveiras, e desciam toda manhã pelo caminho mais íngreme e mais direto. Por conseguin­te, segundo a rota matutina, eles passaram pela árvore que Jesus amaldiçoara. Mateus 21.20 não separa as duas manhãs como faz Marcos.

[A figueira] se tinha secado desde as raízes (é£r|pa[i|-iévr|v €K pi(còv). Só Marcos dá este detalhe com ê£r]pa|i|aévr|v, um particípio suplementar perfeito passivo de í;rpaívco.

11.21. E Pedro, lembrando-se, disse-lhe24 (kocI áva|j,vr)a9eiç ò néipoç Aiyei aucu). Este é um primeiro particípio aoristo e só en­contrado em Marcos como parte da história de Pedro.

Eis que a figueira que tu amaldiçoaste se secou (iôe f] ouKf| r|V KaiTpáoco èçiípavTca). Pedro observa o que Jesus pela sua autoridade

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

fez à figueira. Um tom de repreensão estaria ligado a essas palavras, mas Jesus ignora tal motivação e faz uma observação sobre a fé.

11.22. Tende fé em Deus (’'Exeue -ítÍotiv Geoü). Este é o geniti­vo objetivo GeoO, como em Romanos 3.22,26 e Gálatas 2.26. Jesus usa o cumprimento imediato da maldição da figueira para ensinar o poder da fé (ver análise em Mt 21.21).

11.23. E não duvidar em seu coração («ai |afj ôiaKpiGr] kv tf| Kapôía oavroO). O verbo tem em vista um julgamento dividido (ôiá, derivado de õúo, “dois”, e Kpíyoj, “julgar”). Jesus quer dizer uma inconstância oscilante ou irresolução hesitante, e não um único ato de dúvida (ôicacpiGfj).

O que disser lhe será feito (o A.cdel yíverai 25), um presente médio/passivo depoente futurístico do indicativo.

11.24. Crede que o recebereis (u Loteúete o u eÀápeie26). A prova da fé é a confiança absoluta no cumprimento que ainda não aconteceu. O verbo éÀápexe é aoristo segundo ativo do indicativo, antecedente em tempo para TiioTeúexe, a menos que seja considerado aoristo infinito, quando é simultâneo com isso. Para um exemplo desse aoristo de conseqüência imediata, ver João 15.6.

11.25. Quando estiverdes orando (òmv OTT|KeTe 'npoaeuxó|-ievoi). Observe o uso de òxav como no versículo 19. Jesus não quer dizer que orar em pé seja a única postura adequada para orar.

Para que vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe as vossas ofensas (iva «ai ó rarnp ufioòv ó kv toIç oúpavolç âcjjfi iifiiy xh TTffipttTTT(jó|_uxra fyicôv). E claro que a vontade de Deus para per­doar está limitada pela nossa vontade em perdoar os outros. Este é um pensamento solene para todos que oram (ver análise em Mt 6.12,14,15).27

11.27. Os principais dos sacerdotes, e os escribas, e os anciãos se aproximaram dele (epxoimu upòç auxov oi ápxiepeiç kcò. oi YpawiaTÉLç Kal oi TipeapútepoL). Observe o artigo para cada grupo em separado, como ocorre em Lucas 20.1 e Mateus 21.23. Essas três classes estavam no Sinédrio. Este é um grande comitê representati­vo do Sinédrio enviado para confrontar Jesus em um ataque formal por conta da sua autoridade de purificar o Templo e ensinar nele.

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Marcos 11

11.28. Com que autoridade fazes tu estas coisas? (’Ev ttoux cíouoía -Mina ttoléXç). Essa pergunta, registrada nos três Evangelhos Sinóticos, era pertinente (ver análise em Mt 21.23-27). Observe o subjuntivo presente, 'iva xaüra TroiTjç, “para que tu continues fazen­do estas coisas”.

11.30. Respondei-me28 (ÓTTOKpí9r|Té |aoi). Esta exigência impe­tuosa e direta de uma resposta só é registrada em Marcos (ver Me 11.29). Jesus não se esquiva da pergunta. Pelo contrário, Ele mostra que este é o cerne do assunto — a atitude que define o fracasso dos líderes religiosos em entender João ou Jesus. Eles rejeitaram a fonte da autoridade de João, e agora rejeitam a autoridade inata de Jesus como Messias.

11.31. Se dissermos (’Eàv tÍTTGOfiev). Esta é uma condição de terceira classe com o aoristo ativo do subjuntivo. As alternativas são apresentadas claramente no conclave secreto que fizeram. E o comitê que tem de se esquivar da pergunta de Jesus, porque eles só estão pensando em termos de conveniência política, e não no que tange à verdade. Desta perspectiva, eles são impelidos a um dilema. Eles vêem muito bem aonde Jesus quer chegar. São apa­nhados pelo próprio ataque que fizeram em quebrar a autoridade popular de Cristo.

11.32. Se [...] dissermos29 (áAAà eiuc^iev...;30). Este é um sub­juntivo deliberativo com um aoristo ativo do subjuntivo. E possível fornecer káv como condição, baseado em seu uso condicional no versículo 31. Assim, Mateus 21.26 e Lucas 20.6 o usam. Todavia, em Marcos a estrutura continua grosseira depois de “dos homens” com anacoluto ou até aposiopese — “eles estavam com medo do povo”, acrescenta Marcos (“tememos o povo”, ARC). Mateus tem “tememos o povo”. Lucas tem “todo o povo nos apedrejará”. Todos os três autores mostram a opinião amplamente aceita de que João é profeta. O “verdadeiramente” de Marcos é òvxcoç. “realmente” ou “de fato”. As autoridades judaicas temiam o João morto exatamente como Herodes Antipas temia. O martírio de João firmara a opinião do povo acerca dele. O desrespeito para com a sua memória poderia provocar uma tormenta.’’

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

11.33. Não sabemos (Oük oíõa|aev). A ignorância que eles mes­mos declararam é uma recusa em tomar posição sobre João Batista como o precursor de Cristo. Entretanto, Jesus não está disposto a permitir que escapem com a admissão de derrota.NOTAS____________________________________________1 TR e TM têm esta forma.2 “Entrando nele” (BJ).3 TR e TM têm euGétoç eloTropeuó|ievoi..4 “Que ainda não foi montado” (NTLH).5 TR e TM têm eúGéwç aircòv áTrooielel cSôe.6 TR e TM têm ’ATirjAGov õè «ai eüpov tòv itwXov 5eôe|iévov npòç tt)v Búpav e

Çu 4irl toü íx|j,c))Ó6ou.7 Ezra P. Gould, Criticai andExegetical Commentary on the Gospel According to

St. Mark (Edimburgo: T. & T. Clark, 1896), p. 207.8 “Alguns dos que ali se encontravam” (BJ).Q TR e TM têm o verbo aoristo rp/ayoi'.

1(1 "Outros espalharam ramos” (NVI).11 TR e TM têm ãXXoi õè OTOipáôat;.12 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 214.13 “Foi ver se encontraria nela algum fruto” (NVI).14TReTM têm rjlGev el ãpa eúpiíaei n tu aurrj.15 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, Mriicé-u êk ooO eíç xbv aíiòva

|j,r|õelc Kapuòy cjxxyoL.16 “E seus discípulos o ouviam” (BJ).17 TR e TM não incluem o artigo toúç.18 “Procuravam um modo de lhe tirar a vida” (ARA).19 TR tem o verbo no tempo futuro, áiroléooimy.2U TR e TM têm ím irâç em vez de rrâç y P-31 TR e TM têm ote em vez de oxav.22 “De manhã, ao passarem” (NVI).23 TR e TM têm a ordem inversa de palavras, irpot napairopeuó(jevoi.24 “Pedro lembrou-se e disse a Jesus” (AEC). O nome próprio Jesus não se acha

no texto grego, mas o pronome obviamente se refere a Ele.25 TR e TM têm a Xéyei yiveTca.

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Marcos 11

26 TR e TM têm ULOieúeie Ôtl Àa^páveie.27 Em WH, Marcos 11.26 é omitido. [N. do T.: NTLH e ARA colocam o versí­

culo em itálico sem mais explicações. AEC põe o versículo entre colchetes e também não oferece explicações. NVI inclui o versículo e, em nota de rodapé, explica: “Muitos manuscritos antigos não trazem o versículo 26”. BJ omite o versículo do texto e o coloca em nota de rodapé, dizendo se tratar de adição.]

28 “Digam-me!” (NVI); “respondei” (ARA).29 “Se respondermos” (BJ).30 TR tem àXX’ kàv eífrcopev. TM tem AA.X’ e'íiTQ[iev.31 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1977), p. 264.

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Capítulo12

MarcosrsraM SM M SM SM SM SM SM M SM SM M SM M Sítü

12.1. ii começou a falar-lhes por parábolas (Kal ríp^aio aírtoiç kv TrapaPoÀaiç ÂaÃctv1). O linguajar comum característico de Marcos não significa que este era o começo do uso de parábolas por Cristo (ver Me 4.2). Mas sim que o seu ensino nessa ocasião se voltava às parábolas. “As circunstâncias estimulavam o modo parabólico, de alguém cujo coração desanimou e cujo espírito se entristeceu por um sentimento de solidão, e que, retirando-se em si mesmo, por um pro­cesso de reflexão, estrutura formas de pensamentos que em parte os esconde e em parte os revela.”2 Marcos não registra todo o conteúdo parabólico deste ataque aos líderes religiosos. Mateus coloca neste contexto a Parábola dos Dois Filhos (Mt 21.28-32) e a Parábola das Bodas (Mt 22.1-14). Marcos usa a Parábola dos Lavradores Maus (cf. Mt 21.33-46 é igual a Lc 20.9-19). Mateus 21.33 chama o dono da vinha de “pai de família” (olKOÕeoTTÓxriç).

Fundou nela um lagar (wpu^ev wroÀrivLov). Este substantivo se encontra no Novo Testamento somente aqui, embora seja comum na Septuaginta e no grego recente. Mateus 21.33 tem Irjvov, “lagar”. Este é o recipiente ou cocho que ficava debaixo do lagar ou prensa de vinho na ladeira para colher o suco quando as uvas fossem pi­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

soteadas. Os romanos o chamavam lacus e Wycliffe, dalf (ambos significando “lago”). Ver análise em Mateus 21.33.

E arrendou-a a uns lavradores3 (kocI è éõeTO4 auxòv yecopyotç). Estes são os trabalhadores do solo, os lavradores da terra.

12.2. Chegado o tempo (tcò Koapcô). Era a estação própria para os frutos.

Mandou um servo5 (àuéotelÀev ... ôoüÀov), um escravo. Mateus21.34 tem o plural, “servos”.

Para que recebesse, dos lavradores, do fruto da vinha6 (iva. Trapà x c ú v yecopycòv Àápr) <xttò t c j v Kapuüòv xou á|aTTÉÀ.côvoç 7). Esta é uma cláusula de propósito com o aoristo segundo do subjuntivo. Mateus 21.34 tem o infinitivo Àafteív, um infinitivo de propósito.

12.4. E eles [...] o feriram na cabeça8 (ncáiceivov èKe aA-LCOoay9). Este é um verbo antigo («g^aXaíco), “trazer debaixo de cabeças”, “subjugar cabeças” (ice4>aÀr|), “resumir”, e, por conseguinte, “bater na cabeça”. Ocorre somente só aqui no Novo Testamento.

12.5. A uns feriram e a outros mataram (oüç [ièv õépovxeç, oü ç ôè áuoKtéyyoyTeí;10). Esse uso distributivo do demonstrativo tam­bém aparece em Mateus 21.35 no singular. Originalmente, ôépco nos escritos de Homero significava “pelar”, “esfolar”, portanto, “gol­pear”, “bater”. A palavra àmKikvvovx<íç é uma forma do verbo -|_u ((xttoktÉ:WI)[_il) e significa “matar para fôra”, “eliminar matando”, “exterminar”.

12.6. Tendo ele [...] ainda um, seu filho amado (éva eixev ulòv àyaTriTÓv11). Lucas 20.13 tem “meu filho amado” (xòv uióy iou ròy àyauritóy). E lógico que Jesus tinha em mente as palavras que o Pai lhe dirigiu na ocasião do batismo (Mt 3.17 é igual a Me 1.11, que é igual a Lc 3.22).

Enviou-o também a estes por derradeiro (áiiéaTeiÂev aúxòv eoxaxov irpòç auxouç). Isto só é achado em Marcos. Ver a discussão sobre “terão respeito” em Mateus 21.37.

12.7. Mas aqueles lavradores disseram entre si12 (exeivoi ôè oi yewpyol rrpòç éairrouç eÍTTíxy 13). Esta frase só consta em Marcos. Lucas 20.14 tem “entre si” (npoç áÀÀriÀouç), um recíproco em vez de um pronome reflexivo.

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Marcos 12

12.8. E, agarrando-o, o mataram e o lançaram fôra da vinha («ed Àapóvaeç caréKte ivav aútóv Kcà kí,k$a\ov amòv e co roü àpire Àcôvoç14). Mateus 21.39 e Lucas 20.15 invertem a ordem: “[Eles] o arrastaram para fôra da vinha e o mataram” e “lançando-o fôra da vinha, o mataram”.

12.10. Ainda não lestes esta Escritura (oúôè xr\v ypacj)fiv Taúrnv àvéyvarue). Jesus cita Salmos 118.22,23 (ver análise em Mt 21.42).

12.11. Isso fo i feito pelo Senhor15 (uapà xupíou èyévexo omr|). O feminino na LXX pode se referir a KecjjaA.ií (“cabeça”) ou pode ser um hebraísmo traduzido. O original hebraico r X ' (“esta coisa”) em Salmos 118.23 seria caso contrário traduzido pelo neutro toüto.

12.12. Porque entendiam que contra eles dizia esta parábola (eyvcooav yàp ou upoç aúiouç tf|v uapaPoÀ-riv eiTiev). A citação do salmo relativo à pedra rejeitada, na parábola, combinado com a his­tória do lavrador mau, só poderia ter uma aplicação. Mateus 21.43- 45 mostra que Jesus certificou-se de que as pessoas entenderam o que Ele quis dizer. Os representantes do Sinédrio ficaram tão bravos que quase o agarraram ali mesmo. Mas o povo estava mais entu­siasmado que nunca. Os líderes religiosos se retiraram desgostosos, depois que suportaram a Parábola das Bodas (Mt 22.1-14).

12.13. Para que o apanhassem em alguma palavra16 (iva. aúxòv áypeúocooiv A.óycp), um subjuntivo aoristo ingressivo. O verbo, de­rivado de aypcc (“caça” ou “presa”), aparece na LXX e nos papi­ros, mas só aqui no Novo Testamento. Lucas 20.20 tem a mesma idéia, literalmente, “para que eles se apoderassem do seu discurso” (ètTLÀápcoyTai amou Àóyov), enquanto Mateus 22.15 usa “surpre­enderiam” (TrayiôeúoGooiv; ver análise em Mt 22.15). Os escribas e fariseus tentaram fazer isso antes. Marcos e Mateus notam a com­binação de fariseus e herodianos, como Marcos fez em Marcos 3.6. Mateus 22.16 fala de “discípulos” ou alunos dos fariseus, ao passo que Lucas 20.20 diz que são “espias” (èyKaGéxouç).

12.14. Pagaremos ou não pagaremos? (ôú^ey f| |_if| ôú[iev).17 Só Marcos repete a pergunta nesta forma contundente. O subjuntivo deli­berativo é o tempo aoristo na voz ativa. Para discussão sobre a bajula­ção feita por esses estudantes teológicos, ver em Mateus 22.16-22.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

12.15. Conhecendo a sua hipocrisia (ó ôè elõoòç cüjtmv tt]v ÚTTÓKpLOLv). Mateus 22.18 tem “Jesus, porém, conhecendo a sua ma­lícia” (yvouç õè ó ’IeooOç xv\v Trovipíva arixcSv). Esses jovens astu­tos e dissimulados não enganaram Jesus.

12.17. E maravilharam-se dele ( k o u é£e0aú(iaÇov ctt’ airctô18), o tempo imperfeito com uso perfectivo da preposição kl Mateus e Lucas usam o aoristo ingressivo. Lucas 20.26 acrescenta que eles “calaram-se” (èoíyr|aav), ao passo que Mateus 22.22 observa que eles “se retiraram” (cbf|À0av, “foram-se embora” ou “foram-se para fôra”).

12.18. Os saduceus [...] aproximaram-se dele (epxovxcu SaõôouKofioi TTpòç autóv). Observe o presente histórico dramático. Os fariseus e os herodianos tiveram a vez depois que o comitê for­mal do Sinédrio fôra derrotado. Agora os saduceus mostrariam o quanto eram intelectualmente superiores a esses teólogos inexpe­rientes (ver análise em Mt 22.23-33). Os saduceus tentaram obter vantagem sobre Jesus e, ao mesmo tempo, promulgar a descrença na ressurreição.

12.19. Moisés nos escreveu (Mojüofiç eypca|;ev19). A mesma for­ma é achada em Lucas 20.28 (ver Gn 38.8; Dt 25.5,6). Mateus 22.24 tem “disse” (eÍTrev).

12.20. E o primeiro tomou mulher20 (kcu ó iTpókoç eÀocPev yú valxa). Lucas 20.29 tem À.apcòv yuvaiKa. Mateus 22.25 tem “tendo casado” (yrpaç).

12.22. Depois de todos, morreu também a mulher (ka^aiov TrávTwv kou ri yuyr] àiréGccygy21). Observe o uso adverbial de eoxoaov.

12.23. Porque os sete a tiveram por mulher (ol yàp èTTià kayov aôtriy yuvoÚKa). Este é um acusativo predicativo em justaposição com “sua” (aúrriy). Lucas tem o mesmo, mas Mateus 22.28 tem me­ramente “a possuíram” (ea^ov aikriv), um aoristo constativo ativo do indicativo.

12.24. Porventura, não errais vós em razão22 ( O ú ôià t o ü t o

TTÀ(xvâa0€...;). Marcos apresenta como pergunta com ou, esperando a resposta afirmativa. Mateus 22.29 apresenta como declaração po-

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Marcos 12

sitiva: “Errais”. O verbo "Xaváo\mi significa “perambular errante- mente”, “vaguear para fôra do caminho” (cf. o significado da pala­vra planeta). Judas 13 se refere àqueles que conduziriam os cristãos ao pecado como “estrelas errantes”, âoxépeç i\Xavf\mi. O conceito corresponde ao latim errare (cf. “errar”, “erro”).

De não saberdes as Escrituras23 (p-f) eiôóxeç ràç ypacjiàç). Os saduceus faziam-se passar por homens de inteligência e conheci­mento superior, em oposição aos tradicionalistas entre os fariseus que tinham a lei oral. Contudo, esses intelectuais eram ignorantes das Escrituras como a verdadeira fonte da verdade.

Nem o poder de Deus? (|ir|ôè tt|v ôúvoqaiv tou 9eoú). A igno­rância da Palavra revelada de Deus acompanha a ignorância do ser e atributos de Deus (cf. 1 Co 15.34).

12.25. Porquanto, quando ressuscitarem dos mortos24 (òuocv yàp 6K ve«pcõv àvaoxãoiv), um aoristo segundo ativo do subjuntivo com otctv (ore mais av). Mateus 22.30 tem “na ressurreição”, Lucas20.35 tem “de alcançar [...] a ressurreição”. Na verdade, os sadu­ceus estavam derrotando só a visão errante dos fariseus de que o futuro corpo da ressurreição desempenharia funções matrimoniais. Os saduceus conheciam a visão dos seus oponentes, mas não a fon­te da verdade. Desta forma, revelaram a própria ignorância do que Deus dissera sobre o corpo da ressurreição e a vida futura, quando o casamento seria substituído por algo maior.

Mas serão como os anjos nos céus (àXX’ elolv coç ayyeÀoi év25 ToXç oupavotç). Ver análise em Mateus 22.30. Lucas 20.36 tem “iguais aos anjos” (laáyyeloi). Igualdade com os anjos significa que os seres humanos estão livres da mortalidade e suas conseqüências.26 Os anjos foram diretamente criados, não procriados.

12.26. Na sarça21 (èul tou páiou2s). Este uso técnico de êui é o grego bom para “no assunto de” ou “na passagem sobre”. A palavra pátoç é masculina aqui e feminina em Lucas 20.37. A referência é a Êxodo 3.3-6.

12.27. Vós errais muito (ttoXu TiA.avâo9e). Só em Marcos, uma declaração solene e severa sobre a importância que Jesus dá à res­surreição.29

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

12.28. Aproximou-se dele um dos escribas que os tinha ouvido disputar30 (Kai TTpoaeÂ.0à)v elç xgõv ypa|i[j,axécov àicoúoaç aúxcôy ouCrixoijytooy31). A vitória de Cristo sobre os saduceus agradou os fariseus que tinham voltado com emoções confusas quando Jesus pôs os saduceus no seu lugar (Mt 22.34). Lucas 20.39 apresen­ta um dos escribas elogiando Jesus pela resposta sábia dada aos saduceus. Marcos põe esse escriba sob luz favorável, “sabendo que lhes tinha respondido bem [aos saduceus]”32 (lôcòv oxi KaÀciòç áTTÉKpíOri aÚTOiç éiTr|p(óxr|aey omóv33). Mateus 22.35 mostra que a pergunta também tinha um motivo desonesto. O “doutor da lei” (yofUKÓç) perguntou para o “experimentar” (líeipáCcúy). Talvez ele tenha entendido que o rabino suplantou os fariseus como defensor da verdade, embora a sua tarefa fosse enganar o Mestre com uma inverdade.

Qual é o primeiro de todos os mandamentos?34 (Iloía èoxlv èyxoA.ri upcóxri TTáyxcoy35), o primeiro em posição e importância. Ver discussão de “grande” (p,eyaA.r|), o termo usado em Mateus22.36. Jesus provavelmente estava falando em aramaico. Em gre­go, primeiro e grande são conceitos indistinguíveis. Marcos cita Deuteronômio 6.4,5 e Levítico 19.18 da LXX. Mateus 22.40 acres­centa o sumário de Jesus: “Desses dois mandamentos dependem (KpéjiKxa) toda a lei e os profetas”.

12.32. E o escriba lhe disse36 (kocl eÍTiev (xúxoò ó ypa|a|j,axeúç). Só Marcos dá a resposta do escriba, que repete o que Jesus disse­ra sobre o primeiro e o segundo mandamentos, acrescentando 1 Samuel 15.22 sobre o amor ser superior a todos os holocaustos e sacrifícios.

Muito bem37 (Kodcõç). Não deve ser considerado com “disse” (e LTreç) conforme Wycliffe. A palavra kocAxôç (“bem”) é provavel­mente exclamativa: “Muito bem, Mestre; tu declaraste com verda­de...” (4tt’ àÀriGeíccç).

12.34. Sabiamente38 (youvexcôç), derivado de yoGç, “intelec­to”, e exGJ, “ter”. O advérbio significa usar a mente para o efeito bom; ocorre somente aqui no Novo Testamento. O homem era sá­bio para entender os assuntos eternos centrais.

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Marcos 12

Não estás longe (Ou |_LKKpáv). A atitude crítica do doutor da lei se transformara em entusiasmo genuíno diante da resposta de Jesus. O seu amor pela verdade de Deus e a franqueza a Jesus mostraram uma pureza de coração que ia além de meros fatos intelectuais sobre o Reino de Deus.

E já ninguém ousava perguntar-lhe mais nada39 (kou oúôelç oikéxi ètóÀ|j,a amòv èiTepwTfjaai). Note a dupla negação. O debate se encerrou (éióÀ|j,a, tempo imperfeito, “ousava”). Sob todos os as­pectos Jesus era o vencedor.

12.35. Como dizem os escribas (IIwç Aiyoimv ol Yp<x|4 iaTelç). Os oponentes de Jesus são silenciados, mas Ele lhes responde e continua ensinando (ôiôáoKoov) no Templo, como fazia antes que os ataques começassem naquela manhã (Me 11.27). Os escribas já não ousavam questionar Jesus, mas Ele tinha uma pergunta a fazer-lhes “estando reunidos os fariseus” (Mt 22.41). A pergunta de Cristo não é um enigma bíblico ou uma pegadinha.4u Ele destaca uma dificul­dade teológica que é resolvida na sua pessoa e obra.41 Todos os es­cribas ensinavam que o Messias seria o filho de Davi (Jo 7.41). Na entrada triunfal, o povo aclamara Jesus como o filho de Davi (Mt 21.9). Mas os rabinos faziam vistas grossas ao fato de que Davi, em Salmos 110.1, também disse que o Messias era o seu Senhor. A deidade e a humanidade em comum do Messias são a única resposta plausível a este problema. Mateus 22.46 observa que “ninguém po­dia responder-lhe uma palavra”.

12.37. E ci grande multidão o ouvia de boa vontade42 (kcu óttoAÀ)ç oyjkoQ tíkouçv arruou riõéGoç), literalmente, a “muita multi­dão”. Uma multidão enorme o ouvia (tempo imperfeito) com ale­gria. Só Marcos tem esse detalhe. O Sinédrio começara o ataque formal naquela manhã para destruir a influência que Jesus vinha mostrando desde a entrada triunfal. Em vez disso, os ataques acaba­vam atraindo as multidões para mais perto dEle.

12.38. Guardai-vos dos escribas43 (BAiueTe ccttÒ tcôv YP^iacaecov). Agora, Jesus adverte as multidões e os discípulos (Mt 23.1) sobre os escribas e os fariseus, embora os escribas e os fari­seus estivessem presentes e ouvissem a denúncia. Marcos 14.38-40

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

apresenta apenas um mero rascunho resumido desta acusação ousa­da que em Mateus 23.1-39 foi registrada com mais detalhes. Lucas 20.45-47 segue Marcos de perto. Ver Mateus 8.15 para a análise des­se mesmo uso de piéneie áuó com o ablativo. Em geral, chama-se hebraísmo traduzido, um uso baseado na tradução aramaica em gre­go que não se acha com PAÍttgú no grego mais antigo. Entretanto, os papiros o consideram como linguagem vernacular vívida. “Guardai- vos dos judeus” (piéue aáxov áirò tgúv ’Iouõcáwv).44

Das saudações nas praças (áairaa|j,ouç kv Tcâç áyopalç). Marcos registra o orgulho dos escribas pomposos: Eles andam com vestes compridas45 (kv ozoXalç nepiírcm iy), estolas, o traje de reis e sacerdotes. As pessoas podiam ver a dignidade deles e fazer-lhes reverência.

12.39. E das primeiras cadeiras nas sinagogas46 (koò.

iTpGOTOKaGeõpLaç kv zalç ovvayojyalç). Este é um marco de devoção especial; eles tomavam os assentos na frente, os melhores para se­rem vistos e admirados.

E dos primeiros assentos nas ceias (kocI uptóioKÀiaíaç kv tolç õeÍTivoíç), reconhecendo a posição social e status apropriados. Até os discípulos se tomam vítimas desse desejo de ter precedência à mesa (Lc 22.24).

12.40. Que devoram as casas das viúvas (oi KccxeoGíovieç ràç olicíaç xájv CTP“ 1')- Esta é uma nova frase no nominativo. Tais ho­mens persuadiam as viúvas a dar as casas ao Templo para depois tomar as habitações para si.

E isso, com pretexto de largas orações47 (Km TTpocjjáaei iiaicpà upoaeuxó|iÉvoi). A palavra upocjjáoei é um caso instmmental da pa­lavra upócj)r|iiL, da qual se deriva a palavra “profeta”. O verbo rela­cionado TTpócfmvw significa “mostrar adiante”, “anunciar”. Aqui o significado é o de devoção pretensiosa que promove glória pessoal e rouba as viúvas.

Estes receberão mais grave condenação48 (outol A,r|[ii|jovTca49 TTepiaaÓTepov Kpqia), “condenação mais abundante”.

12.41. E, estando Jesus assentado defronte da arca do tesouro50 (Kal KaBíoaç K&xkvuvxi xoG ya(o(})uÀaKÍou51). A tempestade passou.

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Marcos 12

Os fariseus, os saduceus, os herodianos e os escribas retiraram-se furtivamente e com vergonha. Marcos desenha este quadro imortal do Cristo cansado que se senta junto à arca do tesouro ou gazofilácio (uma palavra composta na LXX que une yáÇa, a palavra persa para “tesouro”, e cj)uÀaKr|, “guarda”).

Observava52 a maneira como a multidão lançava o dinheiro na arca do tesouro53 (èGeoópei ttcôç ò ôxA.oç páAAei %odKÒv eíç xò ~{ü:Cq<\sví}Àkiov). Tempo imperfeito: “Ele estava observando”.

12.42. Vindo, porém, uma pobre viúva (koc! èA-Goúoa [iía x^pa tttoox i)- A palavra ttxgoxóç dizia respeito às mais terríveis dificuldades financeiras, o oposto extremo dos ricos que estavam depositando as suas ofertas. O dinheiro dado por tal pessoa empobrecida era cobre.

Duas pequenas moedas (epodev Àe-nrà ôúo). A palavra àétttÓç significa “descascado” ou “desnudado” e, por conseguinte, “muito magro”. Dois Aeuxá era cerca de dois quintos de centavo de dólar.54

12.43. E, chamando os seus discípulos (koc! iTpooK(xA.eaá|ievo<; Toijç |J.oí0rjTà:ç ctuxoü), uma voz média indireta. Ele chama a atenção dos discípulos. Se este episódio tiver ocorrido imediatamente depois da denúncia que fez dos escribas e fariseus, os discípulos podem ter se afastado de modo despercebido com sentimento de perplexidade e medo diante da ferocidade das suas palavras. Agora Ele está fazendo uma aplicação prática dos valores do Reino que vinha defendendo.

Esta pobre viúva depositou mais do que todos os que deposi­taram na arca do tesouro (f] x^P® kutti r) tttwxti TTÀeloi' ttcívxoov ePcdev tcòv PcíA.A.Óvtcúv elç xò yaCo4)uA,áKLoy55). Pode significar: “Mais que todos os ricos reunidos”.

12.44. Depositou tudo o que tinha56 (mura oaa eíxev ’épaÀev), tempo imperfeito seguido pelo tempo aoristo, em nítido contraste.

Todo o seu sustento (oàov xòv píov auxfiç). O seu sustento, e não a sua vida.

NOTAS___________________________________________________1 TR e TM têm o infinitivo A.éyeLv.2 Alexander Balmain Bruce, The Expositor ’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 420.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

3 “Depois disso, arrendou-a a alguns vinhateiros” (BJ).4 TR e TM têm èçéõoTO.5 “Enviou um empregado” (NTLH).6 “Aos lavradores, para receber deles parte do fruto da vinha" (NVI).7 TR tem o substantivo articular plural, twv KapTTÚv. s “E eles o esbordoaram na cabeça” (ARA).9 TR e TM têm KaKetvov ÀiGopolrjoavTeç éKetjxxXaíwaav.10 TR e TM têm toÍjç (lèv õépovxeç, touç 5e áiroKTeívovTeç.11 TR e TM têm eva ulòv exojv àyaiTr|TÒv aúxoü.12 “Mas os lavradores disseram uns aos outros” (NVI).13 TR e TM têm uma grafia diferente para o verbo e uma ordem diferente de pala­

vras, 6K6LV0 L õè oi yewpyol upòç èautouç eínccv.14 TR e TM têm kou lafióvx<íç ainòv áiréKTeivotv Kal èÇépaÀov eÇco tou à|nrelcò

voç.15 “Isso é obra do Senhor” (BJ); “isto procede do Senhor” (ARA).16 “Para o apanharem em alguma coisa que ele dissesse” (NVI).17 Esta pergunta se acha em Marcos 12.14 no texto grego. [N. do T.: Em Marcos

12.14, consta em AEC; BJ; NTLH; ARA, ARC; em Marcos 12.15, consta emNVI.]

ls TR e TM têm Kal è9aú|iaa<xv €tt’ aikw.19 TR e TM têm a soletração Mcooriç; WH tem Ma)uof)ç.20 “O primeiro casou” (ARA).21 TR e TM têm kayá.xr\ uávicov áiréGavev K a l r) yuvr]; entretanto, o verbo em TRb

e TM não inclui o v eufônico, áiréGave.22 “Não provém o vosso erro” (ARA).23 “Não conhecendo nem as Escrituras Sagradas” (NVI).24 “Quando os mortos ressuscitam” (NVI).25 TR e TM incluem o artigo oi antes da preposição kv.26 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1977), p. 281.27 “No trecho referente à sarça” (AEC; ARA); “no relato da sarça” (NVI).2S TR tem ènl Tf|ç páiou.29 Bruce, Expositor s, p. 424.30 “Um dos mestres da lei aproximou-se e os ouviu discutindo” (NVI).31 WH grafa o particípio assim: ouvCtitoÚvtcov.32 “Notando que Jesus lhes dera uma boa resposta” (NVI).

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Marcos 12

33 TR e TM têm 6ÍÕCÒÇ oil koAwç aúraiç cxTTeKpC0r), èirr|pÚTr|aev.34 “Qual é o principal de todos os mandamentos?” (AEC).35 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, Iloía eailv irpokri uaowv kvxb

À.r|. Entretanto, TRb e TM não incluem o v eufônico em kaxí.36 “Disse o homem” (NVI).37 As versões AEC, B J, NTLH, NVI, ARA têm redação semelhante.38 “Com inteligência” (BJ); “com sabedoria” (NTLH).39 “Depois disso ninguém tinha coragem de fazer mais perguntas a Jesus”

(NTLH).40 Ezra P. Gould, Critical and Exegetical Commentary on the Gospel A ccording to

St. Mark (Edimburgo: T. & T. Clark, 1896), p. 234.41 Swete, Commentary on Mark, p. 288.42 “E a numerosa multidão o escutava com prazer!” (BJ).43 “Cuidado com os mestres da lei” (NVI).44 Berl. G. U. 1079. 41 d.C. Ver A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New

Testament in the Light o f Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 577.

45 “Gostam de circular de togas” (BJ); “eles gostam de andar para lá e para cá, usando capas compridas” (NTLH).

46 “E de ocupar os lugares mais importantes nas sinagogas” (NVI).47 “E, para disfarçarem, fazem orações compridas” (NTLH).48 “Estes sofrerão juízo muito mais severo” (ARA).49 TR e TM grafam o verbo sem |i, Xrytyovxui.50 “Estando Jesus assentado diante do gazofilácio” (AEC).51 TR e TM incluem o sujeito explícito, Kcel Karíoaç ò ’Irioouç Kaxkvavxi toO

yaÇo uA.aKÍou.52 “Olhando com atenção” (NTLH).53 “As pessoas que punham dinheiro ali” (NTLH).54 “De muito pouco valor” (NVI).55 TR e TM têm f) xtípa aikr| f) mtoxfi Tílelov uávtiov pé(31r|Kev xãv podóviwv

eíç to YaCa§\)lÁKiov. Entretanto, TRb e TM não incluem o v eufônico empépÀr|Ke.

56 “Deu tudo quanto possuía” (ARA).

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Capítulo13

Marcos13.1. Mestre, olha que pedras e que edifícios/' (AiõáoKaA,e, ’íôe

TToxfxiTol A.Í0OL Kal TiotctTKxi oÍKoôo|j,aí). Mateus 24.1 e Lucas 21.5 falam sobre o comentário, mas só Marcos cita as palavras exatas. Ao fazer essa observação agradável, talvez o próprio Pedro2 quisesse alegrar os ânimos depois das horas críticas e difíceis passadas no Templo. Josefo3 fala do tamanho grande dessas pedras e da beleza dos edifícios. Ainda existem algumas pedras dos ângulos sudeste e sudoeste, medindo de seis a doze metros de comprimento e pesando cem toneladas cada. Jesus e os discípulos as viam cada vez que iam ao Templo.

13.2. Vês estes grandes edifícios? (BAiiTeic; uaúraç tàç p,eyáA.aç olKoõo[o.áí;). Jesus aprecia de forma geral a grandeza e a beleza, o que tomará muito mais extraordinária a sua predição de destruição absoluta (KcaocÄuGri).4 Hoje, só permanecem as pedras da fundação e pedaços do muro depois que Jerusalém caiu em 70 d.C.

13.3. Defronte do templo, Pedro, e Tiago, e João, e André lhe perguntaram em particular (Ka-révavri xou lepou enripokcc aíitòv Kca’ lõíav néxpoç Kal ’IaKGoßoc; Kal ’Icoáwrit; Kal Avõpéaç5). No monte das Oliveiras, em plena visão do Templo em que estiveram

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

discutindo, os quatro discípulos, só nomeados em Marcos, ques­tionam evidentemente o comentário estranho de Jesus. Concluíram que tamanha destruição radical só poderia se aplicar ao fim dos tem­pos. Tomaram Jesus à parte para perguntar sobre isso, embora os demais certamente se aproximassem quando o Senhor começou o seu discurso escatológico.

13.4. Dize-nos quando serão essas coisas6 (EIttÒv rptv Time T atra ecjToa7). As traduções geralmente pontuam esta frase como pergunta direta, mas o grego dá a entender que é uma pergunta in­direta. Os discípulos perguntam sobre o “quando” (note) e o “que” (tí t ò arpeiov) do sinal da volta de Cristo. Mateus 24.3 inclui “que sinal haverá da tua vinda e do fim do mundo”, indicando que esses acontecimentos estão unidos no pensamento deles. Ver em Mateus 24.3 uma análise mais completa da interpretação desse discurso. Este capítulo em Marcos chama-se “o pequeno apocalipse”. Certos estudiosos modernos têm a noção de que Marcos adaptou um apo­calipse judaico e incorretamente o atribuiu a Jesus. Muitos crêem que Jesus, os escritores ou os editores do Evangelho cometeram um grave erro neste quesito. Minha visão adotada na análise em Mateus é que Jesus combinou em um quadro a sua morte e a des­truição de Jerusalém dentro do período dessa geração. A destruição de Jerusalém em 70 d.C. tipifica a Segunda Vinda e o fim do mundo. Os limites entre esses tópicos não aparecem nitidamente. Não é pos­sível separar de forma dogmática as palavras de Jesus em categorias tópicas. Este é o discurso mais longo que Marcos registra. Pedro e Marcos podem tê-lo apresentado com vistas a avisar8 os leitores sobre a catástrofe que se aproximava de Jerusalém. De fato, poucos cristãos, se não nenhum, foram pegos em Jerusalém pelos romanos, porque a Igreja entendeu muito bem o que aconteceria lá. Mateus 24 e Lucas 21.5-36 seguem a linha geral de Marcos 13. Mateus 24.43 a 25.46 adiciona as parábolas usadas por Jesus para ilustrar o que Ele queria dizer.

13.5. Olhai que ninguém vos engane9 (BAiire-te |_tr| tlç í>|iâç TTÀavriar)). Estas são as mesmas palavras gregas registradas em Mateus 24.4 (“Acautelai-vos, que ninguém vos engane”). Lucas 21.8

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Marcos 13

tem “que não vos enganem” (j-ir] TTXaviíGriTÉ). O vocábulo uÀaváco é uma palavra forte. O aviso permeia toda a discussão e permanece pertinente. Quanto à vinda dos falsos cristos e aos detalhes expostos nos versículos 6 a 8, ver análise em Mateus 24.5-8. Apesar da ad­vertência de Jesus, as pessoas têm insistido em aplicar este ensino às suas próprias desgraças.

13.7. Assim deve acontecer10 (ôeX yevéoGoa11). Já houvera ata­ques genocidas contra os judeus em Alexandria, Selêucia, Jâmnia e em outros lugares. Mais de cinqüenta mil judeus foram mortos. Calígula, Cláudio e Nero ameaçaram os judeus, antes mesmo da guerra judaica (65-71 d.C.) e da destruição da cidade e do Templo por Tito em 70 d.C. Nos anos entre essa profecia feita por Jesus em 29 ou 30 d.C. e a destruição de Jerusalém, houve grandes ter­remotos em Creta (46 ou 47 d.C.), Tome (51 d.C.), Apamaia, na Frigia (60 d.C.) e Campania (63 d.C.). Quatro períodos de fome assolaram o reinado de Cláudio em 41 a 54 d.C. Uma dessas fomes na Judéia12 está mencionada em Atos 11.28. Tácito13 descreve as tempestades assassinas em Campania no ano 65 d.C.

13.9. Mas olhai por vós mesmos14 (plénete õè i>|aetç ècorcoúç). Só ocorre em Marcos, mas é uma nota dominante de advertência para todos através do discurso. Observe v>|j,élç, muito enfático.

Porque vos entregarão aos concílios15 (TTapocôcóooimv up.ctç eíç auvfôpLa 16). Este é o mesmo substantivo usado acerca do Sinédrio em Jerusalém. Esses concílios locais (oúv, eõpa, “sentados jun­tos”) serviram de modelo segundo o existente em Jerusalém.

As sinagogas; sereis açoitados (eíç ouvaycoyàç õapTÍoeoGe), segundo futuro passivo do indicativo segunda pessoa do plural. O verbo ôépco significa “pelar” ou “esfolar”. Aristófanes usa o termo no sentido coloquial mais leve de “bater”, como ocorre nos papi­ros em grego KOivq.

Sereis apresentados ante governadores e reis, por amor de mim, para lhes servir de testemunho17 (riye|_ióvGov kcu j3(xoiA.éwv ora0TÍoeoGe eveicev è|ioü eíç n-apiúpiov aikoíç). Eles seriam ou­vidos por governantes gentios como também por conselhos ju ­daicos.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

13.10. O evangelho seja primeiramente pregado entre to­das as nações (kcu eiç i\ávxa xa e8vr| TípcÔTOi-' ôel Kiipu^Grivai tò eikyyéÀiov18). Isto só é encontrado em Marcos. É interessante notar que em Colossenses 1.6,23, mesmo antes da destruição de Jerusalém, Paulo afirma que o evangelho se espalhou por todo o mundo.

13.11. Não estejais solícitos de antemão pelo que haveis de di­zer (|if| upo|iepi|jvâTe xí Àodiíor|Te). O negativo com um imperativo presente toma uma proibição ou hábito geral. Jesus não está se re­ferindo à pregação, mas à defesa feita perante esses concílios e go­vernadores. Temos um exemplo típico na coragem e habilidade que Pedro e João demonstraram perante o Sinédrio em Atos 4. O verbo |ifpi(iváco é derivado de [iepí(Gú, “ser puxado em direções opostas”, “ser distraído” (ver análise em Mt 6.25). Eles têm de enfrentar sem medo aqueles que estão em altas posições, que buscam subverter a pregação do evangelho. Os pregadores preguiçosos usam essas palavras para não ter de preparar sermões. Não é este o tipo de con­fiança no Espírito Santo que Jesus está dizendo aqui (cf. Jo 14.16).

13.13. Mas quem perseverar até ao jim 19 (ô õe ímoiieívaç elç téàoç). Observe este particípio aoristo com o verbo futuro. A idéia é verdadeira à etimologia da palavra, “permanecendo embaixo” (ÚTToiiévco) até o fim. Jesus já havia predito divisões nas famílias (Lc 12.52,53; 14.26).

Esse será salvo (ouxoç ocoGrioexai). Jesus quer dizer a salvação final (futuro aoristo efetivo passivo), e não a salvação inicial.

13.14. Estar onde não deve estar20 (éotr|KÓTa ottou oí) õe! 21). Mateus 24.15 tem “está no lugar santo” (cazòç kv tottco àyíco), neu­tro e concordando com põéA,uy|_ia (“abominação”), a mesma frase aplicada em 1 Macabeus 1.54 ao altar de Zeus erguido por Antíoco Epifânio no lugar onde estava o altar de Jeová. Marcos personifi­ca a abominação como pessoal (masculino), enquanto Lucas 21.20 a define por meio da referência aos exércitos (de Roma, como se mostrou). Assim, as palavras de Daniel tiveram um segundo cum­primento, Roma tomando o lugar da Síria.22 Ver em Mateus 24.15 a análise desta frase e dos parênteses inseridos nas palavras de Jesus

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Marcos 13

(“quem lê, que entenda”). Ver também em Mateus 24.16-25 a análi­se dos detalhes apresentados em Marcos 13.14-22.

13.16. No campo (elç xòv àypóv). Mateus 24.18 tem kv toô àypcò, mostrando uso idêntico de eiç com o acusativo e de kv com o locativo.

13.19. Que Deus criou (rjv íéktioev ó Geòç23). Observe esta am­plificação à citação de Daniel 12.1.

13.20. Que escolheu (oüç kíúÀíaxo). Este é o aoristo médio indireto do indicativo, encontrado apenas em Marcos. Ele explica a escolha soberana de Deus no fim por Ele e através dEle.

13.22. Para enganarem24 (upòç tò àironXavâv25). “Com vistas a liderarem para fôra” (irpoç + infinitivo). Mateus 24.24 tem “que [...] enganariam” (woxe nlavfjaoa)-

13.23. Mas vós vede26 (í)|ietç ôe pAiue-re). A credulidade não é marca de santidade ou devoção. Observe a primeira posição enfáti­ca de “vós”, lificáç. A credulidade não se classifica em posição mais alta que o ceticismo. Deus nos fez inteligentes para nós mesmos nos protegermos. Cristo nos advertiu de antemão.

13.24. O sol se escurecerá (ò r|A.ioç okotioOr|aeToa), um futuro passivo do indicativo. Essas figuras vêm dos profetas (Is 13.9,10; Ez 32.7,8; J1 2.1,2,10,11; Am 8.9; Sf 1.14-16; Zc 12.12). Essa ima­gem profética, com os seus símbolos apocalípticos, ocupa-se com metáfora em vez de narrativa literal. Em Atos 2.15-21, Pedro aplica a profecia de Joel sobre o sol e a lua aos acontecimentos ligados ao Dia de Pentecostes. Ver análise em Mateus 24.29-31 para saber dos detalhes dos versículos 24 a 27.

13.25. E as estrelas cairão do céu21 (kou oi àotépeç eoovxca 6K toü oúpavoü 'ítítttovtéç28), um futuro perifrástico do indicativo, eaovrai, com um particípio presente ativo, ttltttovtéç.

13.27. Eajuntará os seus escolhidos (èulouvarei touç eK eK-uouç amou). Este é o propósito de Deus ao longo dos séculos.

Da extremidade da terra até a extremidade do céu (cru’ aKpou yfjç ctoç aKpou oüpavoü). O grego é muito sumário, “da ponta da terra à ponta do céu”. Esta frase exata não ocorre em nenhuma outra parte da Bíblia.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

13.29. Quando virdes sucederem essas coisas (orav lõt|té tau to29 yivóiaeva), um particípio presente médio/passivo depoen­te, ação linear. Ver em Mateus 24.32-36 a análise dos detalhes da Parábola da Figueira.

13.32. Nem o Filho (oúôe ò uióç). Esta retratação de conheci­mento naturalmente interpretada aplica-se à Segunda Vinda, e não à destruição de Jerusalém em 70 d.C., a qual Jesus terminantemente estabelecera como prazo àquela geração.

13.34. Mandasse ao porteiro que vigiasse30 (xcò Gupwptò èveteíXcrco Iva ypriyopri). O porteiro, como também todos os demais, têm de manter a vigilância (presente do subjuntivo). Esta Parábola do Porteiro só é encontrada em Marcos. A nossa ignorância do tem­po da volta do Mestre exige que fiquemos alertas e zelosamente prontos, e não indiferentes ou fanáticos.

13.35. Se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã (í] óijrè f| |_ieoovÚKi;iov31 f| àÀeKTOpocj)tovtaç [canto do galo] rí Trpooí). A noite era dividida nessas quatro vigílias.

13.37. Vigiai32 (YpryYopetTe). “Ficai na espreita”, um imperativo presente de um verbo que significa “estar acordado”. Ficai acordado até que o Senhor venha.

NOTAS___________________________________________________1 ‘‘Olha, Mestre! Que pedras enormes! Que construções magníficas” (NVI).2 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids:

Kregel, 1977), p. 295.3 Josephus, Antiquities o f the Jews, 15.11.3. [Edição brasileira: Flávio Josefo,

História dos Hebreus: Obra Completa (Rio de Janeiro: CPAD, 1998).]4 “Demolida” (BJ); “derribada” (ARC).5 TR e TM têm èmpcÓTim' airòv Kca' lõtav.6 “Dize-nos quando acontecerão essas coisas” (AEC).7 TR e TM têm EÍTTê rpLv note Tcrika eatoa;.s Alexander Baimain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 428.9 “Cuidai para que ninguém vos engane” (AEC).

10 “E necessário que tais coisas aconteçam” (NVI).

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Marcos 13

11 TR e TM têm a conjunção pospositiva incluída, õei yàp yevéaBca.12 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 222.13 Tacitus, Annals, 15.10-13.14 “Estai vós de sobreaviso” (ARA).15 “Entregar-vos-ão aos sinédrios” (BJ).16 TR e TM incluem a conjunção pospositiva, Trapaõwaoimv yàp elç

auvéõpia.17 “E vos conduzirão perante governadores e reis por minha causa, para dardes

testemunhos perante eles” (BJ).18 TR e TM têm a ordem inversa para õel irpwi;oi'.19 “Mas quem ficar firme até o fim” (NTLH).20 “Instalada onde não devia estar” (BJ).21 TRs tem êotÒç oitou oi) òcT: TRb e TM têm èoràç oirou oi) ôei.22 Swete, Commentary on Mark, p. 304.23 TR e TM têm f]ç eKtioei' ò Geóç.24 As versões AEC, BJ, NTLH, N VI, ARA têm redação semelhante.25 TR tem o iota subscrito com o infinitivo, à-noulav&v.26 “Estai vós de sobreaviso” (ARA).27 “As estrelas cairão do firmamento” (ARA).28 TR e TM têm kccI ol àaiépeç toü oúpavoü eaovioa èKiúuTOVTeç.29 TR e TM têm a ordem inversa para o verbo e o pronome demonstrativo, taO

ta iõr|T6.30 “Ao porteiro ordena que vigie” (ARA).31 TR e TM têm lieowuKiíou.32 “Fiquem vigiando!” (NTLH).

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Capítulo14

Marcos14.1. E, dali a dois dias, era a Páscoa e a Festa dos Pães

Asmos (THy ôè xò náaxcc kkI xà à(u[ia |aexà õúo ruaépaç). Era terça-feira à noite, de acordo com o modo como os ocidentais con­tam o tempo hoje. Pelo cômputo judaico, a data mudou às seis horas da tarde. As horas da noite pertenciam à mesma data como as horas da luz do dia seguinte. Em Mateus 26.2, Jesus diz que esta mesma terça-feira pela contagem moderna está a dois dias antes de Ele ser crucificado. João menciona cinco detalhes que super­ficialmente contradizem as narrativas dos Evangelhos Sinóticos dessa semana. Não há contradição, mas muita confusão ocidental sobre a terminologia judaica relativa à sexta-feira e ao período de feriado.1 Marcos fala de “a Páscoa e a Festa dos Pães Asmos”. Esses dois nomes designavam um período de festa de oito dias. Às vezes, a “Páscoa” referia-se especificamente ao primeiro dia, mas os judeus não observavam distinção minuciosa entre a primeira noite e os oito dias inteiros.

Os principais dos sacerdotes e os escribas buscavam como0 prenderiam com dolo e o matariam2 (èCiíxouv oi ápxiepeiç kcu01 ypcqi|i(xxeiç ttwç aüxòv kv ôóÂxo Kpaxrioavxeç áiroicueívwaiv). O

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

tempo imperfeito indica que eles ainda estavam com essa intenção, embora tivesse sido tomada há certo tempo.

14.2. Não na festa3 (Mf] kv if) eopiri). Eles planejaram matá- lo na festa (João 11.57), mas a entrada triunfal de Jesus e a derrota que tiveram no grande debate com Jesus no templo naquela mesma manhã forçou a decisão de esperar até depois da festa. Eles tinham medo da influência de Jesus sobre as massas (ver análise em Mateus 26.47).

14.3. Assentado à mesa (kktkkéliíévou aúuoü). Mateus 26.7 usa àvaK6i|j,évou, ambas as palavras significando “reclinado” ou “apoiado embaixo ou em cima ou para trás”. Essas palavras estão na construção genitivo absoluto. Ver análise em Mateus 26.6-13 para inteirar-se da diferenciação entre este episódio e o descrito em Lucas 7.36-50.

Ungüento de nardo puro, de muito preço Qiúpou vápõou 7TiOTiKf|ç rroÀi)xeA,oíjç). Uso de TTLOtLKfiç e vápõou ocorre só aqui e em João 12.3. O adjetivo é bastante comum no grego mais antigo e aparece nos papiros para descrever algo que é genuíno ou não adulterado. Ao que parece, esta é a idéia. A palavra espicanardo é derivada de nardi spicati, da Vulgada Latina, provavelmente do latim antigo nardi pistici.

Quebrando o vaso, lho derramou sobre a cabeça4 (ouvTpí.i[raoa TTjv ctÀápompov Ktruéxeev aírcou triç K64)aA.f|ç5). Esse detalhe está re­gistrado somente em Marcos. Provavelmente ela quebrou o pescoço estreito do vaso que continha o ungüento.

14.5. Porque podia vender-se por mais de trezentos dinheirosb (nôúvaTO yàp toüto to [iúpov upa9f|voa èuávco ôr|vapí,oov tplcckoolcov7). João também fixa o valor em trezentos dinheiros ou denários, ao passo que Mateus 26.9 tem “grande preço”.

E bramavam contra ela8 (kcu èvePpL[icòvto carcri). O tempo im­perfeito desta palavra notável é usado para referir-se ao bufar de cavalos e já foi vista em Marcos 1.43; 11.38. Ocorre na LXX no sen­tido de raiva, como aqui (Dn 11.30). Judas fez a reclamação contra Maria de Betânia (ver Jo 12.4), mas todos os apóstolos uniram-se em coro na crítica da extravagância esbanjadora.

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Marcos 14

14.8. Esta fe z o que podia (o eo% ev êTroírioev9). Isso está regis­trado somente em Marcos. Observe os dois aoristos. Literalmente, “o que ela teve ela fez”. Maria pode não ter compreendido a morte do Senhor, mas pelo menos mostrou a sua solidariedade com Ele e um pouco de compreensão do acontecimento trágico que se apro­ximava. Depois de todas as vezes que Jesus ensinou sobre a sua morte iminente, em certo nível ela entendeu o que os críticos não entenderam.

Antecipou-se a ungir o meu corpo para a sepultura10 (jTpoéA,apev [iupíoíXL tò o(5[iá |iou eiç tòv kvxufyiaoiióv11). Literalmente, “ela to­mou de antemão a ungir o meu corpo para o enterro”. Ela se anteci­pou ao evento. Esta é a justificativa de Cristo da ação nobre que ela fez. Mateus 26.12 também fala da preparação do enterro feito por Maria, usando o verbo évTcajjuxaai.

14.9. Para sua memória (elç [_ivr||_ióauvov aürfiç), o mesmo também em Mateus 26.13. Mausoléus e memoriais “permanentes” se esmigalham, mas esse monumento feito para Jesus continua en­chendo o mundo de fragrância.

14.10. E Judas Iscariotes, um dos doze (Kal ’Ioúôaç ’IaicapicòG ô elç tgôv ôeóôeKa12). Observe o artigo aqui, “o um dos doze”, en­quanto Mateus 26.14 tem só “um” (etç). Certos estudiosos opinam que aqui Marcos está dizendo que Judas é o principal entre os doze. Mais precisamente, quis chamar a atenção para a ideia de que ele era o um entre os doze que fez esta ação.

14.11. E eles, ouvindo-o, alegraram-se13 (ol õè áKOÚaaineç kxápr\aav). Não há dúvida de que os rabinos viram na deslealdade de Judas uma verdadeira dispensação da providência, que amplamente justificava a trama que faziam contra Jesus.

E buscava como o entregaria em ocasião oportuna14 (koci èÇriTei moç aÜTÒv eÚKaípax; -napccôoi15). Este era o ponto central da oferta de Judas. Ele afirmou que conhecia suficientemente os hábitos de Jesus para capacitá-los a pegá-lo “quando a multidão não estivesse presente” (Lc 22.6, NVI). Eles não precisavam esperar que a Páscoa terminasse e as multidões fossem embora. Para a análise dos moti­vos de Judas, ver Mateus 26.5. Marcos apenas nota a promessa de

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

“dinheiro”, ao passo que Mateus 26.15 menciona “trinta moedas de prata” (Zacarias 11.12), o preço de um escravo.

14.12. Quando sacrificavam a PáscoaXè (oté tò -náoxa eGuov). O tempo imperfeito indica uma prática costumeira aqui. O cordeiro pascal (observe rao^a) era morto às seis horas da tarde, o começo do décimo quinto dia do mês (Ex 12.6), mas as preparações eram feitas anteriormente no décimo quarto dia (quinta-feira). Ver em Mateus 26.17 a análise de “comida da Páscoa”.

14.13. Enviou dois dos seus discípulos ((XTrooteÀA.ei õúo tcôv |ja9r|T(3v aÜToü). Lucas 22.8 os nomeia: Pedro e João.

E um homem que leva um cântaro de água vos encontrará17 (àiravxríoei í)|ilv avGptoiroç Kepqiiov uõaxoç Pomá(tov). Esse deta­lhe também está em Lucas, mas não em Mateus.

14.14. Dizei ao senhor da casa (eiTToae tcò oiKOÔeanÓTT]). Esta é uma palavra não característica dos clássicos, mas consta nos papiros recentes. Significa “mestre (déspota) da casa” ou “dono da casa”. O grego habitual tem as duas palavras separadas, oikoíj ôeoTTÓtriç (“mestre da casa”).

Onde está o aposento (IIoü èouiv tò KaiáÀuiiá |iou 18). Ocorre na LXX, nos papiros e no grego moderno para referir-se a um lugar de alojamento ou hospedaria, como em Lucas 2.7, ou quarto de vi­sitas, sala para convidados, como aqui.

Em que hei de comer a Páscoa com os meus discípulos? (otíou •uò mo^a laerà twv |ia9r|TG)v [íou cjjáyco). Este é um subjuntivo ao- risto futurístico com ottou.

14.15. E ele («a! aÚTÓç), pronome enfático.Vos mostrará um grande cenáculo (ò|iiv Seí^ei àyáyaLOv),

qualquer coisa acima do solo, e particularmente escada acima, como aqui. Encontra-se nesta narrativa e em Lucas 22.12. Jesus deseja observar esta última refeição pascal sozinho com os discípulos, não com outras pessoas, como era freqüente. Evidentemente, esse ami­go de Jesus entenderia.

Mobilado (èaTpoj|iévov), um particípio perfeito passivo de oTpoWu|ji, um estado de prontidão. “Com tapetes espalhados pelo chão, e com divãs devidamente arrumados."19

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Marcos 14

14.17. Foi com os doze20 (ep^exai |iexà idòv õúõeKct). Note o presente histórico dramático. Presume-se que Jesus está ob­servando a Páscoa no tempo e hora tradicionais, às seis horas da tarde no começo do décimo quinto dia. Isso correspondia à noite de quinta-feira ocidental, embora fosse o começo da sexta-feira judaica. Marcos e Mateus mencionam o tempo como o anoitecer e identificam-no com a comida regular da Páscoa.

14.18. Quando estavam assentados a comer (àvaKei[iév<xiv aúrcòv). Esses verbos raramente são traduzidos de forma correta. Até mesmo a imortal pintura de Leonardo da Vinci — A Ultima Ceia — mostra Jesus e os apóstolos sentados, não reclinados. Se ele entendesse a verdade, tomaria a licença artística para colocar a ceia na tradição da refeição culturalmente adequada.

Um de vós, que comigo come (ó loGícov (íét’ è|iou). Ver Salmos 4.9. Até hoje, a tradição árabe exige que o convidado que recebeu pão partido não deve ser maltratado pelo dono da casa.

14.20. E um dos doze, que mete comigo a mão no prato2' (Etç tcôv ôcóôeKct22, ó éfiPaiTTÓiievoç |ie t’ é[ioG eiç xò tpupiiov23). É tão ruim quanto isso. O sinal que Jesus deu: “um [...] que mete comigo a mão no prato”, não foi percebido por todos. Jesus deu o bocado a Judas que entendeu que Jesus estava devidamente ciente do seu propósito (ver análise em Mateus 26.21-24).

14.23-25. Tomando o cálice24 (A.apoòv ttottÍplov25). Era pro­vavelmente o vinho comum produzido nacionalmente mistura­do com dois terços de água, embora a palavra grega usada para referir-se a vinho (oívoç) não conste nos Evangelhos, mas, sim, “o fruto da vide” (<èk toü yévtÍiííxtoç rrjç á|airéA.ou) no versículo 25. Ver análise em Mateus 26.26-29 para inteirar-se de detalhes importantes. Marcos e Mateus dão substancialmente a mesma narrativa da instituição da Ceia por Jesus, ao passo que Lucas 22.17-20 concorda de perto com 1 Coríntios 11.23-26, onde Paulo afirma ter obtido o seu relato por meio de revelação direta do Senhor Jesus.

14.26. Tendo cantado o hino26 (úiiviíoavTeç). Ver análise em Mateus 26.30.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

14.29. Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu21 (El «ou 'fíávieç oKavôaA.iaGiíaovTcn, àkk’ oük éycó28). Marcos registra a ostentação de lealdade de Pedro, ainda que todos o desertassem. Todos os Evangelhos falam sobre isso (ver análise em Mt 26.33).

14.30. Antes que o galo cante duas vezes (irpiv f| ôiç «AiicTopcc (j)G)vfiaoa). Este detalhe só consta em Marcos. Um galo cantar sem­pre é sinal de mais. Os papiros de Fayum concordam com Marcos em ter ôiç. O canto do galo marca a terceira vigília da noite (ver análise em Me 13.35).

14.31. Mas ele disse com mais veemência29 (ó õè éKiTepiaaâjç èláÀei30). Esse advérbio composto forte só é achado em Marcos e provavelmente preserva a própria declaração de Pedro sobre o co­mentário. Para análise adicional da ostentação de Pedro, ver em Mateus 26.35.

14.32. Foram a um lugar chamado Getsêmani31 (epxovxcti elç Xoopiov oí) tò õvo|ia re0ar||j,(xvL32). Literalmente, “cujo nome era”. Em relação ao Getsêmani, ver análise em Mateus 26.36.

Assentai-vos aqui, enquanto eu oro33 (KaGíooae toôe etoç TTpoof úço))iK i ). O subjuntivo aoristo com ecoç está realmente com pro­pósito envolvido, um linguajar comum. Mateus acrescenta “além” (áuéÀGcov èncei).

14.33. E começou a ter pavor e a angustiar-se (kkI ríp^axo 6K0a|j,peLo9ai «ai áôr||ioveiv). Mateus 26.37 pode ser traduzido por “aflito ou triste e muito angustiado”. Ver em Mateus 26.37 análise da palavra áõrnioveiv. Só Marcos usa êK0a|j,peiaGca,34 aqui e em Marcos 9.15. O verbo Gafipéco ocorre em Marcos 10.32 para descrever o assombro dos discípulos quando contemplaram o olhar no rosto de Jesus enquanto Ele ia para Jerusalém. Agora o próprio Jesus sente o assombro quando enfrenta diretamente a sua luta no jardim do Getsêmani. Ele obtém a vitória sobre si mesmo no jardim do Getsêmani, e então pode suportar a perda, menospre­zando a vergonha. Mas por ora, Ele está bastante estupefato com os sentimentos que brotam da sua natureza humana. Portanto, está muito saudoso do céu. “Improvável como Ele previra a Paixão, quando ela se delineou claramente com todo o seu terror e excedeu

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Marcos 14

todas as suas expectativas.”35 “Aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu” (Hb 5.8). Essa nova experiência enriqueceu a alma humana de Jesus.

14.35. Prostrou-se em terra (kocI... errnTxev 4ul xrjç yf|<;36). O pretérito imperfeito descritivo mostra que a pessoa o vê cair. Mateus tem o aoristo eiTeoev.

E orou para que (kocÍ Trpooriúxexo). O tempo imperfeito indica orar repetidamente, ou pode significar um sentido incoativo de co­meço da oração, como “ele começou a orar”. Qualquer um faz bom sentido.

Para que [...] passasse dele aquela hora37 (uapéÀ6r| án’ ab ’xoü fi top«). Há muito que Jesus esperara por essa “hora”, tendo-a mencionado muitas vezes (Jo 7.30; 8.20; 12.23,27; 13.1; ver análise em Me 14.41). Agora Ele sofre a imensidão do medo humano, uma característica que todos podem entender.

14.36. Aba, Pai (Appa ó -uaxiíp). A primeira palavra é aramai- ca e a segunda é grega. Este não é caso de tradução. Jesus poderia ter usado ambos os termos, como Paulo faz em Gálatas 4.6. Talvez Paulo estivesse se lembrando das suas orações de infância em uma casa suspensa entre as culturas hebraicas e gregas.

Afasta de mim este cálice (apéveyKe xò iro x ip io v xoüxo á u ’ è|aou). Sobre o significado de Jesus relativo a “o cálice”, ver análi­se em Mateus 26.39. Não é possível considerar que as palavras de Jesus signifiquem que Ele estava com medo de que pudesse morrer antes de ir à cruz. Ele foi ouvido (Hb 5.7,8) e ajudado a submeter-se à vontade do Pai, como faz imediatamente.

Não seja, porém, o que eu quero (áÀX’ oi) xí èycò Gélco). Mateus 26.39 tem “como” (coç). Vemos a humanidade de Jesus em sua ple­nitude nas tentações e no jardim do Getsêmani, mas sem pecado em cada vez. E esta foi a mais severa de todas as tentações: retirar-se da cruz. A vitória sobre o eu ocasionou a rendição à vontade do Pai.

14.37. Simão, dormes? (Sqjxúv, KaGeúõeiç). Este é o nome anti­go, não o nome novo, Pedro. A sua lealdade ostentada estava come­çando a falhar durante a hora da conjuntura decisiva. Jesus conhece a fraqueza da carne humana (ver análise em Mt 26.41).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

14.40. Porque os seus olhos estavam carregados (rjaav yàp aÚTCÔv oi òcj)9aÀ|iol KoaaPapuvó|ievoi38). Este é o uso perfectivo de KKia- com o particípio. Mateus tem o verbo simples. A palavra de Marcos ocorre somente aqui no Novo Testamento e é rara nos es­critores gregos. Marcos tem o vívido particípio presente passivo, ao passo que Mateus tem o perfeito passivo.

E não sabiam o que responder-lhe (tcai oíik fiôeioav t í criTOKpl 0GÒOLV aútc2>39). Só em Marcos o subjuntivo deliberativo é retido na pergunta indireta e lembra um dos constrangimentos semelhantes desses três discípulos no monte da transfiguração (Me 9.6). Em am­bas as ocasiões, a fraqueza da carne impediu que mostrassem so­lidariedade verdadeira para com Jesus em suas experiências mais altas e mais profundas. “A vergonha e a sonolência os deixaram calados.”40

14.41. Basta (â-rréxei), só em Marcos. Este uso impessoal é raro e tem confundido os expositores bíblicos. Os papiros fornecem mui­tos exemplos do termo, que também se refere a um recibo de quita­ção de pagamento41 (ver Mt 6.2,5; Lc 6.24 e Fp 4.18 para a noção de quitação de pagamento). Jesus usa essa palavra em sentido irônico. Não havia necessidade de repreender mais os discípulos por não es­tarem vigiando com Ele. “Não é hora de fazer uma exposição alon­gada das faltas dos amigos; o inimigo está à porta.”42 Ver análise em Mateus 26.45 para a descrição da aproximação de Judas.

14.43. Da parte dos principais dos sacerdotes, e dos escribas, e dos anciãos (írapà tcôv ápxiepécov kou tgjv ypap.iiaTécov kocI tqv TTpeoPuTépoov). Marcos acrescenta esta informação, ao passo que João 18.3 menciona “fariseus”. Era evidentemente um comitê do Sinédrio, o grupo com quem Judas tinha contatado para fazer um acordo (Mt 26.3 é igual a Me 14.1, que é igual a Lc 22.2). Ver aná­lise da traição e prisão em Mateus 26.47-56.

14.44. Ora, o que o traía tinha-lhes dado um sinal43 (ôeõokei. ôe ò irapaÔLÔoix; cojtòv oúaarpov aÚTOiç). Esta é uma palavra comum no grego antigo para referir-se a um sinal combinado. Só ocorre aqui no Novo Testamento. Mateus 26.48 tem “sinal” (orpeiov). O sinal era o beijo, uma profanação desprezível de uma saudação amigável.

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Prendei-o e levai-o com segurança’44 («pauriaaTe amov Kod àTíáyete45 àacjjaÀcôc;). Isso está somente em Marcos. Judas não queria que ocorresse o menor contratempo. Só João 18.4-9 fala do medo que fez a turba armada cair para trás quando Jesus os enfrentou.

14.47. E um dos que ali estavam presentes, puxando da espa­da (etç ôé tlç TGÒv uapeotriKÓTCov oraact|ievoç tf|v |iáxaipav). Só João 18.10, escrito depois da morte de Pedro, diz que era Pedro que tentou matar Malco, o servo do sumo sacerdote. Marcos também não registra a repreensão que Jesus dá em Pedro (ver análise em Mt 26.52-54).

14.48. Como a um salteador?46 ('Qç èirl X-florfiv...;). Os ladrões de estrada como Barrabás eram comuns. Os zelotes os considera­vam como heróis antiautoritários. Logo Jesus tomará a cruz de um ladrão no lugar de Barrabás.

14.51. Um jovem o seguia (veavíoicoç tiç ouvr|K:oÀoú9eL aí) ’tgò47). Este incidente é exclusivo em Marcos. E fácil especular quese tratava do próprio Marcos. Ele era filho de Maria, uma das segui­doras de Jesus (At 12.12). Pode ter sido a casa de Marcos na qual Jesus e os discípulos celebraram a Páscoa. O rapaz curioso pode ter seguido Jesus ao jardim do Getsêmani e ser apanhado no desdobra­mento dos eventos da apreensão. Este é um argumento de silêncio, pois se o jovem não for Marcos, o significado dessa anedota é difícil de ver. A história apresenta um toque de experiência da vida real do tipo que acompanha tais experiências momentosas. O jovem estava seguindo (tempo imperfeito) a Jesus.

Lançaram-lhe as mãos (Kpaxoúaiv aircóv). Observe o presente dramático vívido, literalmente, “eles o agarram”.

14.52. Envolto em um lençol sobre o corpo nu (ô ôè KaraA-Lircov tt|v oivõóva). Era um pano feito de linho de excelente qualidade, como poderia ser usado para envolver os mortos (Mt 27.59 é igual a Me 15.46, que é igual a Lc 23.53). Neste exemplo, poderia ter sido um lençol ou o que o rapaz usava para pôr na cama.

14.54. E Pedro o seguiu de longe (km ô nétpoç áuo |iaKpó0ev f]K0À0Ú9r|0ey airrcj). Marcos usa o aoristo constativo r|K0À0Ú9r|a€v, onde Mateus 26.58 e Lucas 22.54 utilizam o pretérito imperfeito

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

pitoresco, r|KoA.oú9ei, “estava seguindo”. Marcos não se preocupou em enfatizar a cena de Pedro seguindo furtivamente a distância, não suficientemente ousado para assumir uma posição franca por Cristo como fez o discípulo amado, ao mesmo tempo em que era incapaz de permanecer fôra com os outros discípulos.

E estava assentado com os servidores48 (kcu rjv ouyKa9ií|J,evo<;49 |ietà Twv úuripeTdiv), o imperfeito médio perifrástico a que Pedro es­tava se pondo à vontade nas sombras entre os servidores. João 18.25 descreve que Pedro estava parado eoToóç. Na sua agitação inquieta e enfadonha, ele não conseguia se decidir em que posição ficar.

Aquentando-se ao lume (kocI 9ep|aoavó|aevoç upòç tò cJjcôc;), um médio reflexivo. A luz do fogo iluminava o rosto de Pedro. Ele não estava tão escondido como supunha.

14.56. Porque muitos testificavam falsamente contra ele (7101X01 yàp èij/euôoi-iapxúpouv kcct’ autoíj). O tempo imperfeito indica ação repetida. Não havia duas testemunhas que contassem a mesma his­tória conforme a lei exigia para justificar uma sentença importante (ver Dt 19.15). Observe os pretéritos imperfeitos nos versículos 55 a 57 para indicar fracassos repetidos.

Mas os testemunhos não eram coerentes50 (k<xI looa al fiaptup ícti oik rjoav). Literalmente, os testemunhos não eram “iguais”. Eles não concordavam em pontos essenciais.

14.57. E, levantando-se alguns, testificavam falsamente contra eleiyicá t i veç àvaoxávxeç éi|/euôo|j,api;ijpouv Kat’ (xijtoí)). Desesperados, alguns tentaram mais uma vez (imperfeito conativo).

14.58. Eu derribarei este templo, construído por mãos de homens51 (’Eyw KoaaÀúôco xòv vaòv toütov tov xeipouoíritov), consta somente em Marcos. Em outros lugares, a forma negativa áxeipoTTOiriTOv ocorre somente em 2 Coríntios 5.1 e Colossenses2.11. Em Hebreus 9.11, 0 negativo é usado com a forma positiva. Um Àóyioy real de Jesus está por baixo dessa perversão do seu ensi­no. Marcos e Mateus não citam a testemunha de modo exatamente igual. Talvez citassem Jesus diferentemente, 0 que explica parte da discordância, pois Marcos acrescenta 0 versículo 59 que não está em Mateus: “E nem assim 0 testemunho deles era coerente”, re­

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Marcos 14

petindo o ponto central do versículo 57. Henry Swete observa que Jesus realmente fez o que as testemunhas diziam. A sua morte des­truiu a antiga ordem, e a sua ressurreição criou a nova.52 Mas essas testemunhas não queriam dizer isso. A única declaração registrada de que Jesus tenha dito isso consta em João 2.19. Lá Ele se referiu ao Templo do seu corpo, embora na ocasião ninguém tivesse enten­dido o significado da sua declaração.

14.60. E, levantando-se o sumo sacerdote (kou ávaoràç ó àpxiepeuç elç \ikoov33). Para dar um ar mais solene, ele se pôs de pé compensando a falta de evidências com ameaças. O sumo sacerdote dirigiu-se ao meio para atacar Jesus com perguntas veementes (ver análise em Mt 26.59-68).

14.61. Mas ele calou-se (ó ôè èoLoSua). Mateus 26.63 tem “guar­dava silêncio”, que é equivalente do afirmativo. Mas a declaração de Marcos está definida. Ver análise em Mateus 26.64-68 para as afirmações de Jesus e a conduta de Caifás.

14.64. E todos o consideraram culpado de morte (ol õè ucÍvtéç KaTéxpivav aikòv evoxoi' eivai Gavcaou54). Isso significa que ape­nas o contingente anti-Jesus do Sinédrio havia se reunido. José de Arimatéia não estava presente, visto que não consentia com a morte de Jesus (Lc 23.51). Nicodemos provavelmente não foi convidado por causa da empatia que mostrara por Jesus (Jo 7.50). Todos que estavam presentes votaram pela morte de Jesus.

14.65. E a cobrir-lhe o rosto (koc! TTepiKoc/UrriTeiv corcoü tò TTpóoGOTTOV55). Eles puseram um véu em tomo do rosto. Esse detalhe não se encontra em Mateus, mas somente em Lucas 22.64, onde diz “vendando[-lhe]” (iT€piKaA,úi|joavT€ç). Todos os Evangelhos registram as provocações zombeteiras do Sinédrio: “Profetiza” (irpocfnÍTc voov). Mateus e Lucas acrescentam que eles exigiram que Jesus dissesse quem havia batido nEle, enquanto estava vendado. Marcos adiciona “os servidores” (ver Me 14.54) do Sinédrio, re­ferindo-se aos lictores romanos ou oficiais de justiça, que tinham prendido Jesus no jardim do Getsêmani e ainda o tinham sob ordens (oi ouvexo^teç amóv, Lc 22.63). Mateus 26.67 alude ao tratamento dado a Jesus sem identificar esses atormentadores.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

E os servidores davam-lhe bofetadas56 (koc! ol ímripéxai paTTÍo|_iaoiv auxòv elapov57). O verbo paTiíCco em Mateus 26.67 significava originalmente “bater com vara”. Em escritores gre­gos recentes, veio a significar “esbofetear a face com a palma das mãos”. O mesmo significado é verdade acerca do substantivo P<xttlo|j.(x usado aqui. Um papiro do século VI d.C. usa o termo para referir-se a uma cicatriz facial, que é o resultado de um soco.58 Está no caso instrumental. “Eles o pegaram com socos”,59 sugere para o incomum èlapov nesse sentido. Claro que “com varas” é possível, visto que os lictores levavam varas. Foi uma absoluta indignidade.

14.66. E, estando Pedro embaixo, no átrio (Kal ovxoç xoü néxpou Kcaco kv xr) ai)A.fj60). Isso dá a entender que Jesus estava no andar superior quando o Sinédrio se reuniu. Mateus 26.69 tem “fôra, no pátio” (eçco kv xrj aúÀfi). O pátio aberto ficava fôra e em­baixo das salas.

14.67. E, vendo aPedro, que estava se aquentando (Km iõoüoa xòv Ilétpov 0epiaouvó|ievov). Marcos 14.54,67 menciona duas vezes este fato sobre Pedro como faz João 18.18,25. Ele ficou duas vezes ao lado da fogueira. É difícil relacionar as três negações claramente. Em cada vez, diversas mulheres e homens podem ter se reunido.

Tu também estavas com Jesus, o Nazareno (Kal oi) |_iexà xoú NaÇaprivoíj rjoGa xoú Tipou61). Em Mateus 26.69 é “galileu”. Mais de uma pessoa estava falando, cada uma dizendo algo diferente.

14.68. Não o conheço, nem sei o que dizes (Oüxe oí5a oíke èTTÍOTcqica oi> xí léyeiç62). Esta negação é mais longa em Marcos e mais curta em João. Pode ser entendida como pergunta direta.

E saiu fôra ao alpendre63 (Kal Kf|X0çv elç xò upoaúÀiov), termo usado só aqui no Novo Testamento. Platão utiliza-o para refe­rir-se a um prelúdio em flauta. Também ocorre no plural para aludir às preparações do dia anterior ao casamento. Aqui significa a pas­sagem de entrada ao pátio. Mateus 26.71 tem “vestíbulo” (TTuAxôva), uma palavra comum para referir-se a portão ou varanda da frente. A referência ao primeiro canto do galo (Kai àÀeKxcop è4>(óvr|aev) no versículo 68 ocorre somente em manuscritos recentes e não deve ser

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Marcos 14

considerado como genuína.64 Só Marcos fala que o galo cantou duas vezes, nos versículos 30 e 72.

14.69,70. E [...] começou a dizer aos que ali estavam65 (Wi ... típ^cxto toAlv Aiyeiv toiç uapeoTGSaiy66). Essa conversa sobre Pedro foi ouvida de passagem. “Este (ofixoç) é um dos tais”. Assim, no versículo 70, a conversa é diretamente a Pedro como consta em Mateus 26.73, mas em Lucas 22.59 diz que era a respeito dele. Logo as pessoas que estavam por ali (oi TOpeotuTeç) unem-se na acusa­ção (cf. Mt 26.73). Pelo visto, João 18.26 registra o clímax desse diálogo (ver análise em Mt 26.69,70).

14.71. E ele começou a imprecar e a jurar61 (ó ôè líp^axo áva9e|aai:í(eiv Kcd ófivúvai68). Observe a conexão com a palavra anátema, derivada de ò.váfk:\ia. Essa palavra significava original­mente “uma oferta”, mas ganhou a conotação de “algo dedicado à destruição ou à maldição”.69 Uma distinção entre os significados que podem ser observados no Novo Testamento era comum no gre­go Koivr|. Mateus 26.74 tem KcuaGeiacrcíCeiv, que é um hapax lego- menon do Novo Testamento, mas era comum na LXX. Este signifi­cado é invocar maldições em si mesmo se o que foi dito não fosse verdade.

14.72. E Pedro lembrou-se (kou (xve|_ivr|a9r| ó néxpoç). Mateus 26.75 tem o verbo não composto 4|a.vrjo9ri, ao passo que Lucas 22.61 tem o verbo composto, ímepenvrjoGri, “lembrou-se”.

Chorou70 (kcu éiupodwv tKkaic-v). O particípio aoristo segundo ativo de 4ui(3áA.ÀGO é usado em sentido absoluto, embora haja refe­rência a tò pfpa acima, a palavra de Jesus, e o linguajar envolve tòv vouv. Assim, o significado é “pôr a mente em algo”. Em Lucas 15.12, há outro uso absoluto com um sentido diferente.71 O verbo çicÀaiey é imperfeito incoativo (inceptivo), “começou a chorar”. Mateus 26.75 tem o aoristo ingressivo eKÀauoev, “rompeu em lágrimas”.

NOTAS___________________________________________________1 Ver a discussão em Mateus 26.17 e A. T. Robertson, Harmony o f the Gospels fo r Students o f the Life o f Christ (Nova York: Harper & Row, 1922), pp. 279- 284.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

2 “Os chefes dos sacerdotes e os mestres da Lei procuravam um jeito de prender Jesus em segredo e matá-lo” (NTLH).

3 “Não durante a festa” (ARA).4 “Quebrando o alabastro, derramou o bálsamo sobre a cabeça de Jesus” (ARA).5 TR e TM têm auvipíijjaaa to àlápaa"poi' Katéxeev aikoü Katà Tf|ç Ketjjalfiç.6 “Porque este perfume poderia ser vendido por mais de trezentos denários”

(ARA).7 TR e TM têm f]õúvaTO yàp toüto irpccôfivcu èmívco TpuxKoaíwv õrivapíaw.8 “E murmuravam contra ela” (AEC); “e a repreendiam severamente” (NVI).9 TR e TM têm ò autri ènoíriaev. Entretanto, TRb e TM não incluem o v

eufônico no segundo verbo enoí/riae.10 “Antecipou-se a ungir-me para a sepultura” (ARA).11 TR e TM têm irpoélctpev ^upíaca p,ou to acô^a elç xòv èvia(J)iaa|iói'.12 TR e TM têm Kal ó ’Ioúôaç ò ’IaKapiokriç, eiç tájy õúôeKa.13 “A proposta muito os alegrou” (NVI).14 “De modo que ele procurava uma oportunidade para o entregar” (AEC).15 TR e TM têm Kai êÇriiei. tolç eiKaípwç aútòv irapaõw.16 “Quando se fazia o sacrifício do cordeiro pascal” (ARA).17 “Um homem carregando um pote de água virá ao encontro de vocês” (NVI).18 TR e TM não incluem o pronome pessoal [íou. TRb e TM não incluem o v eu­

fônico no verbo 4<m.19 Marvin Richardson Vincent, Word Studies in the New Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, 1946), p. 227.20 “Jesus chegou com os Doze” (NVI).21 “Um dos Doze, que põe a mão no mesmo prato comigo” (BJ).22 TR e TM têm Elç êk x ( ò v ôúôeKa.23 TR acentua o substantivo na penúltima sílaba, e não na antepenúltima,

TpupAlov.24 “A seguir, tomou Jesus um cálice” (ARA).25 TR e TM têm laptòv iò TTonpiov.26 “Depois de terem cantado um hino” (NVI).27 “Ainda que todos te abandonem, eu não te abandonarei!” (NVI).28 TR e TM invertem as duas primeiras palavras, Kal eí.29 “Mas Pedro repetia com insistência” (NTLH).30 TR e TM têm’0 òè Ík TrepLaooO eÀeyev [iâ/Uov. Entretanto, TRb e TM não

incluem o v eufônico no verbo eleye.31 “E foram a um lugar cujo nome é Getsêmani” (BJ).

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Marcos 14

32 TR e TM grafam o substantivo próprio, reGarpavri; WH o soletra ,FeBorpavel.

33 “Permanecei aqui enquanto vou orar” (BJ).34 Há um exemplo em papiros citado em James Hope Moulton and George Milligan,

The Vocabulary’ o f the Greek Testament (Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 194.

35 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 342.

36 TR e TM têm a forma aoristo do verbo, eireofv.37 “Para que [...] lhe fosse poupada aquela hora” (ARA).38 TR e TM têm rjoav yàp ol ò(J)9aA.|j.oi ai)t(3v pepapr^évoi..39 TR e TM têm uma ordem diferente de palavras, icoà oúk koc'l oük fiõeioav tí

aútcõ aTTOKpiGwaiv. Entretanto, TRb e TM não incluem o v eufônico no verbo(XTTOKp 10CÔG l .

40 Ezra P. Gould, Critica! andExegetical Commentary on the Gospel According to St. Mark (Edimburgo: T. & T. Clark, 1896), p. 271.

41 Moulton and Milligan, Vocabulary, p. 57, 58; G. Adolf Deissmann, Light from the Ancient East: The New Testament Illustrated by Recently Discovered Texts o f the Graeco-Roman World, traduzido por L. R. M. Strachan (Reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1965), pp. 110-112.

42 Swete, Commentary on Mark, p. 348.43 “O seu traidor dera-lhes uma senha” (BJ).44 “Prendei-o e levai-o bem guardado" (BJ).45 TR e TM têm a forma aoristo do verbo, à-nayiíyext.46 “Como se eu fosse um bandido?” (NTLH).47 TR tem o verbo imperfeito, etç tiç vctvíoKoç f|K0Â.0Ú9ei aútqj; TM tem a forma

verbal aoristo, etç tiç veavÍGKoç f]KoA.oú0r|oev aúxw.48 “E estava assentado entre os serventuários” (ARA).49 WH tem a grafia para o particípio, aui'K<x9rpevoç.50 “Mas as suas histórias não combinavam umas com as outras” (NTLH).51 “Eu destruirei este santuário edificado por mãos humanas” (ARA).52 Swete, Commentary on Mark, p. 357.53 TR tem o artigo com o objeto da preposição, elç tò pioov.54 TR e TM têm o adjetivo e o infinitivo em ordem inversa, eivai cvo/ov.55 TR e TM têm Koà irepiKcdÚTTteiv tò irpóawuov carcoü.56 “E os guardas o tomaram a bofetadas” (ARA).57 TR e TM têm o tempo verbal imperfeito, epallov.5S Moulton and Milligan, Vocabulary, p. 563.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

39 Swete, Commentary on Mark, p. 362.60 TR e TM têm Kal õvxoç toG üétpou kv Tf) aíilrj Kaiu.61 TR e TM não incluem o artigo e invertem a ordem de ’Iriaoü f|a0a.62 TR e TM têm Olk oíõa oúõè èuíaTOiiccL xi ai) Xéyeiç.63 “E foi para fôra, para o pátio anterior” (BJ).64 Essas palavras estão omitidas nos manuscritos Aleph B L Sinaítico Siríaco.

O texto é genuíno no versículo 72, onde também ocorre “segunda vez” (è k

õeutépou). E possível que, por causa do versículo 72, as palavras tenham migra­do ao versículo 68.

65 “E [...] tomou a dizer aos circunstantes” (ARA).66 TR e TM têm uá/Uv rípÇcao Xéyeiv tolç Trapeorr|KÓaiv.67 “Ele começou a se amaldiçoar e a jurar” (NVI).68 TR tem o tempo presente do infinitivo, Ó|ívú<el.v.69 Deissmann, Lightfrom the Ancient East, pp. 95, 96, encontra exemplos na cida-

de-estado grega de Mégara de àváGeiact no sentido de maldição.70 “Desatou a chorar” (ARA).71 Moulton, Grammar, 1.131, cita um papiro ptolemaico Tb P 50, onde èuipodcóv

provavelmente significa “fixar em”, “pôr a mente em”.

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Capítulo15

Marcos15.1. Logo ao amanhecer1 (npcoí). Esta é a reunião de ratifica­

ção depois da alvorada (ver análise em Mt 26.1-5).Tiveram conselho1 (au[j.poúA,iov TTOirioavreç).3 A palavra rara e

recente au|iPoúA,iov é semelhante ao latim consilium. Alguns textos têm êtoiliáoccvTeç. Se este for o texto correto, a ideia seria preparar um plano de ação combinado.4 Mas a ação noturna que fizeram fôra ilegal, por isso eles se reuniram outra vez assim que amanheceu, como descreve Lucas 22.66-71. Lucas não registra o julgamento noturno ilegal.

Amarrando Jesus5 (õipavTeç tòv ’Ir|aoüv). Ele foi amarrado quando foi preso (Jo 18.12), e Anás o enviou amarrado para Caifás (Jo 15.24). Agora Ele é amarrado outra vez quando o enviam para Pilatos (Me 15.1 é igual a Mt 27.2). Implicitamente, ele foi desa­marrado enquanto estava perante Anás, Caifás e o Sinédrio.

15.2. Tu és o Rei dos judeus? (Ei) et ô PaoiÀeuç xcòv ’louôaíojv). Esta é a única acusação feita pelo Sinédrio observada por Pilatos (Lc 23.2). Se Pilatos acredita nessa acusação, tem de prestar atenção a ela. Ele não quer ser acusado de ignorar um revolucionário em potencial. Depois de interrogar Jesus, como está narrado em João

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

18.28-32, Pilatos fica convencido de que está lidando com um reli­gioso inofensivo e fanático (ver análise em Mt 26.11).

Tu o dizes6 (Si) Aiyeiç). Só Marcos registra esta afirmação, ao passo que João 18.34-37 fala de uma segunda reunião mais detalhada entre Pilatos e Jesus. “Aqui, como no julgamento perante o Sinédrio, esta é uma pergunta que Jesus responde. É a única pergunta na qual o seu testemunho é importante e necessário.”7 Os judeus estavam lá fôra no pavimento ou calçada que ficava fôra do palácio, enquanto Pilatos se apresentava a eles lá em cima na sacada (Jo 18.28,29) e interrogava Jesus lá dentro, chamando-o para si (Jo 18.33).

15.3. Os principais dos sacerdotes o acusavam de muitas coi- sass (kou KcmiYÓpouv ceírcoO oi àpxiepelç TToÀÀá). O tempo imper­feito dá a entender acusações repetidas além das que já foram feitas. O verbo é comumente usado para falar contra algo ou contra alguém perante um tribunal (rara e àyopeúoo). É usado com o genitivo da pessoa e o acusativo da coisa.

15.5. Pilatos se maravilhava (ojoif 9ai)|_iá(eiv tòv IIiÀâTov9). Pilatos viu a inveja dos acusadores e teve certeza da inocência de Jesus (Me 15.10). Ele esperava que Jesus respondesse a essas acusa­ções para livrá-lo do dever de apresentar provas. Ele ficou admirado com o autocontrole do prisioneiro.

15.6. [Ele] costumava soltar-lhes um preso (áTiéluev aúxoiç eva õéafuov). E usado o tempo imperfeito de ação costumeira. Mateus 27.15 tem o verbo eicóGei (“era costume do”, NVI).

Qualquer que eles pedissem'0 (ov rap^ioOuTo). O tempo im­perfeito expressa que as pessoas estavam habituadas a tomar parte nesse costume de soltura de feriado.

15.7. Barrabás [...] preso com outros amotinadores (rjv ... Bctpa(3|3âç |ieià tcôv oraoiaotójy11 ôeõeiiévoç). Ao que parece, Barrabás era um criminoso muito perigoso, possivelmente o líder na insurreição (èv -uf) oraaei) contra Roma. Era a mesma atitude que os judeus de Betsaida Júlia haviam desejado que Jesus tomasse (Jo 6.15). Pilatos deve ter presumido que os líderes religiosos não esco­lheriam alguém que fosse de fato um amotinador acima de alguém que era acusado falsamente do mesmo crime.

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Marcos 15

Que [...] tinha num motim cometido uma morte (oÍTiveç kv uri otáoei fyóvov TTÉU0irÍKeL0av). Os sacerdotes e o povo na verdade escolheram um assassino em detrimento de Jesus.

15.8. Como sempre lhes tinha feito '2 (KocGtòç euoíei cojtolc;13), o pretérito imperfeito de ação costumeira novamente com o caso dativo.

15.9. Quereis que vos solte o Rei dos judeus? (©élexe àTío/ajoa) Í)|ílv tòv p«,oiA.éa zõv ’Iouõcúoov). Esta frase retirada da acusação aguçou o contraste entre Jesus e Barrabás, a qual é declarada abrup­tamente em Mateus 27.17: “Barrabás ou Jesus, chamado Cristo?” (ver análise em Mt 27.17).

15.10. Porque ele bem sabia14 (éyívoooKgy yàp). O tempo im­perfeito indica que a impressão inicial de Pilatos sobre a natureza do caso estava sendo confirmada. A verdade estava despontando em seu interior. Marcos e Mateus 27.18 têm “inveja” (tjrôóvov) como o motivo primário do Sinédrio. Pilatos já ouvira falar da popularidade de Jesus. Com certeza seus oficiais o informaram da entrada triun­fal, e ele pode ter ouvido falar dos ensinos no Templo.

O tinham entregado15 (iTapaõeôcÓKeioav). Passado perfeito do indicativo sem acréscimo silábico. Mateus 27.18 tem o primeiro ao- risto (aoristo com kappa) do indicativo irapéôooKav, não preservando a distinção feita por Marcos.

15.11. Mas os principais dos sacerdotes incitaram a multidão (oi õe ápxiepeiç ávéoe lodlv xòv ôx^ov). Os líderes agitaram a mul­tidão como um terremoto (oeiofióç;). Mateus 27.20 usa o aoristo efe­tivo mais fraco do indicativo eneiaccv, significando “persuadiram”. Os sacerdotes e escribas tiveram sucesso surpreendente. Não eram os mesmos peregrinos que seguiram a Jesus quando entrava em Jerusalém ou que tinham ouvido os seus ensinos no Templo. O plano de Judas e do Sinédrio era superar a situação antes que chegassem os simpatizantes galileus de Jesus. “Era um caso de regulares contra um irregular, de sacerdotes contra profeta.”16 “Mas Barrabás, como Marcos descreveu, representava a paixão popular que era mais forte do que a simpatia que pudessem ter por uma personalidade tão ab­negada como Jesus — a paixão por liberdade política.”17 “Que cará-

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

ter sem princípios eles eram! Para Pilatos, acusam Jesus de ambição política, e para o povo recomendam Barrabás pela mesma razão.”18 O Sinédrio diria ao povo que Jesus já abdicara das suas afirmações de ser rei, ao passo que a Pilatos eles continuariam acusando-o de traição a César.

Para quefosse solto antes Barrabás ('iva |iâAAov tov Bapappâv aTTOÀúai] aikotç) do que Jesus.

15.12. Que quereis, pois, que faça daquele a quem chamais Rei dos judeus? (Tí ouv Bélexe uoi/ípco ov ÀéyeTe tov PamAia19 twv ’Iouõaíwv). Pilatos insiste em repetir isso aos judeus (cf. Me 15.9). “Pois” (“então”, ARA), ouv, significa “visto que vós escolhestes Barrabás em vez de Jesus”.

15.13. Crucifica-o (Sraúpcooov cojtóv). Lucas 23.21 repete o verbo. Mateus 27.22 tem “seja crucificado!” Havia um coro e uma zoeira de vozes confusas, todos exigindo a crucificação de Cristo (ver análise em Mt 27.23).

15.15. Querendo satisfazer a multidão (PouÀójievoç tcò o A-co tò Ikkvòv TTOif|aca). Esta é uma versão grega do latim satisfacere alicui, “fazer o que for suficiente para remover a base da recla­mação”. Esta mesma frase ocorre nos escritos de Políbio, Apiano, Diógenes Laertes e em papiros recentes.20 Pilatos estava ficando com medo do que a multidão poderia fazer agora que ela estava sob pleno controle do Sinédrio. O seu medo era o que as pessoas poderiam dizer a César sobre ele. Ver em Mateus 27.26 a análise acerca do açoite.

15.16. E os soldados o levaram para dentro do palácio, à sala da audiência (O i õè o i p a i i ó r a u àTrnYayov aúuòv eoco tfjç auXf|ç,o è o t iv TTpaiTGÓpiov). Era o palácio do governador provinciano ro­mano. Em Filipenses 1.13, significa a guarda pretoriana em Roma. Marcos menciona o “pátio” (if|ç aúÀfiç) dentro do palácio pelo qual as pessoas passavam da rua pelo vestíbulo. Ver mais detalhes sobre a “coorte” na análise em Mateus 27.27.

15.17. E vestiram-no de púrpura21 ( r a i êvôiôúoK O uaiv a u iò v 7Top(t)úpav22). Ver em Mateus 27.28 a análise sobre a capa escarlate e a coroa de espinhos.

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Marcos 15

15.19. E, postos de joelhos, o adoravam23 ( k o u TtGévxeç xà yóvaTa upooeKÚvow aírrw) em gozação. O tempo imperfeito é usa­do tão bem com eiurcov (“feriam”) e com èvéTTtuov (“cuspiam mes­mo em”). Jesus sofreu indignidades repetidas.

15.20. E o levaram para fôra, a fim de o crucificarem (kou è^áyouoiv aúxòv 'iva oiaupcóoGooiy amóv). Observe o presente his­tórico vívido depois do pretérito imperfeito no versículo 19.

15.21. E constrangeram um [...] que por ali passava (Kal áyyapeúouoLy uapáyovTá). Observe o presente histórico dramático do indicativo novamente onde Mateus 27.32 tem o aoristo. Para aná­lise desta palavra persa, ver comentário em Mateus 5.41 e 27.32.

Vindo do campo (èpxó|ievov db’ áypoü). Por conseguinte, Simão topou com a procissão. Marcos acrescenta que ele era “pai de Alexandre e de Rufo”. Paulo menciona um Rufo em Romanos16.13, mas esse nome era comum. Ver em Mateus 27.32 a análi­se sobre os criminosos carregarem a cruz. Lucas 23.26 acrescenta “após Jesus” (ouioGev toü Tipou). Mas Jesus levou a própria cruz até ser tirada dEle, e andou à frente da própria cruz pelo restante do caminho.

15.22. E levaram-no ao lugar do Gólgota (kou (j)épouaiv ocúxòv éttI tÒv rolyoGâv tóitou24). Observe o presente histórico novamen­te. Ver análise em Mateus 27.33 acerca da palavra “Gólgota”.25

15.23. E deram-lhe a beber vinho com mirra (kou éõíôouv aúxcp èo[iupyia|iévov olvov16). Observe o tempo imperfeito onde Mateus tem o aoristo eõooKav. O particípio êo|ujpvia|j,évov quer dizer “tem­perado com mirra”, “vinho com mirra”. Não é incompatível com Mateus 27.34: “Misturado com fel”.

Mas ele não o tomou (Òç õè27 ouk eÀapev2S). Observe o demons­trativo oç com õé. Mateus 27.34 diz que Jesus “não quis beber”. A declaração de Marcos é que Ele o recusou.

15.24. Lançando sobre eles sortes, para saber o que cada um levaria29 (páÀlovxeç KÀípov eu’ aútà tíç t l apr)). Essa informação consta apenas em Marcos. Observe a dupla interrogação: Quem? O quê? O verbo apr| é aoristo primeiro ativo do subjuntivo delibera­tivo retido na pergunta indireta. Os detalhes em Marcos 15.24-32

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

são seguidos de perto por Mateus 27.35-44, onde há a análise dos detalhes.

15.25. E era a hora terceira, e o crucificaram (rjv ôè copa xpCtt] Kcà èaraúpooaav aircóv). Esta é a hora judaica, e seriam nove horas da manhã. O julgamento perante Pilatos foi às seis horas da manhã, a hora sexta de acordo com o horário romano (ver Jo 19.14).

15.26. Estava escrita a sua acusação30 (koc! r\v t) èTTiypacjjri xfjç càiíaç amo\) èu Lyeypoc|a|aévri). Esta “epígrafe” era a inscrição que ficava no topo da cruz. Lucas 23.38 tem essa mesma palavra, porém Mateus 27.37 tem “acusação” (ocItíccv). Ver a análise em Mateus27.37. João 19.19 tem “título” (tÍtàov).

15.32. Desça agora da cruz (Karapáico vüv kttÒ toú oxocupoí)), agora que Ele está pregado na cruz.

Para que o vejamos e acreditemos (iva LÕoo|_iev Kod tt LOTeúocofiev). Observe o subjuntivo aoristo de propósito com'iva. Eles usam quase a mesma linguagem de Jesus para ridicularizá-lo, as próprias pa­lavras que ouviram quando Ele chamava os homens para verem e crerem.

Também os que com ele foram crucificados o injuriavam31 (kcuoi ouveoraupco|jévoi ouv üutgò còveíõiÇov airróv). Observe o tempo imperfeito, eles falaram várias vezes. A história do ladrão que se voltou a Cristo na cruz é contada em Lucas 23.39-43.

15.33. E, chegada a hora sexta (Kod ytvo\xkvr\ç òopaç <Éktt|<;32), ou seja, ao meio-dia, hora judaica, como a terceira hora corresponde às nove horas da manhã (ver análise em Me 15.25 e em Mt 27.45). Esta hora também é registrada por Lucas 23.44. Marcos dá a trans- literação do aramaico, como faz o manuscrito B em Mateus 27 (ver análise em Mt 27.45).

15.34. Por que me desamparaste? (elç t l èYKaTéÀiuéí; fie 33). Não podemos entrar na plenitude da solidão sentida por Jesus no momento quando o Pai o considerou como pecado (2 Co 5.21). Esta solidão foi o sofrimento mais profundo e intenso. Ele não deixou de ser o Filho de Deus, o que seria impossível.

15.35. Eis que chama por Elias (’'Iôe ’H liav cjjcovei34). Eles se enganaram, entendendo que EÀcoi (“Deus meu”) era Elias.

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Marcos 15

15.36. Deixai, vejamos se virá Elias tirá-lo (’'Acjjeue Tôwfiev ei ’épxetai ’HA.10CÇ KaGeÀeiv aútóv 35). Ver análise em Mateus 27.49, que tem “vem livrá-lo” (ooóatov).

15.37. Expirou (è^éTrveuaev). Ver análise em Mateus 27.50, que tem “entregou o espírito”. Marcos usa uoev novamente no versículo 39.

15.39. O centurião (ó KevtupÍGOv). No Novo Testamento, essa palavra é usada somente aqui e no versículo 44.

Que estava defronte dele (ô rrapea-uriKGÒc; èç kvavzíaç aikoíj). Essa descrição só consta em Marcos, mostrando o centurião “obser­vando Jesus”. Ver em Mateus 27.54 a análise do testemunho desse centurião sobre Jesus ser “o Filho de Deus”, ou provavelmente de acordo com o politeísmo romano do centurião: “o Filho de [um] deus”.

15.40. E Salomé (kcu Scdcó|ir|). Ao que parece, ela era a “mãe dos filhos de Zebedeu” (Mt 27.56).

15.41. As quais também o seguiam e o serviam36 (f|KOÀoú0ouv ai)Tu Kai õiriKÓvouv aikcò). Dois pretéritos imperfeitos descrevem o ministério longo dessas três mulheres e de muitas outras mulheres da Galiléia (Lc 8.1-3).

Que tinham subido com ele a Jerusalém (ai awavapâaai aura elç ' IepoaóÀu|j,a). Essa descrição sumária de Marcos é paralela à de Mateus 27.55,56 e de Lucas 23.49. Essas mulheres fiéis viram o fim terrível de todas as suas esperanças enquanto olhavam para a cruz.

15.42. Era o Dia da Preparação (rjv rapaaKeuri), o dia anterior ao sábado (npooáppcaov). Pelo cômputo ocidental, era sexta-feira. O sábado começava às seis horas da tarde (ver análise em Mt 27.57). Para evitar levar impureza ao dia de adoração, os judeus já tinham tomado medidas para retirar os corpos da cruz (Jo 19.31).

15.43. Senador honrado (eúaxrpGov (3ouÀeuTr|c;), um alto mem­bro do Sinédrio, um homem rico (Mt 27.57).

Que também esperava o Reino de Deus (oç Kai aÜTÒc; r\v TTpoaôexóp,evoç xriv paoileíav toü 9eoü), uma construção perifrás­tica do imperfeito (ver Lc 23.5). É o verbo usado por Lucas em alusão a Simeão e Ana (Lc 2.25,38). Mateus 27.57 diz que era “dis­

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

cípulo de Jesus”, ao passo que João 19.38 acrescenta “mas oculto, por medo dos judeus”. Pode ser que só agora ele assumiu posição pública por Jesus.

Ousadamente37 (iol|ir|aa<;), um particípio aoristo (ingressivo) ativo, “ficando ousado”, “ficando corajoso”. É para a glória de José e Nicodemos, discípulos secretos de Jesus, que eles assumissem po­sição corajosa quando os demais estavam com medo e desanima­dos.

15.44. Pilatos se admirou de que já estivesse morto3S (ó ôe niA.âtoç39 60aú|j,aaev eí f|ôr| T<É0vr|Kev). O perfeito ativo do indica­tivo com el depois de um verbo de desejo é um linguajar clássico, um tipo de pergunta indireta, como diríamos: “Eu gostaria de saber se...” O ponto principal era a surpresa de Jesus já estar morto, pois a morte por crucificação podia levar dias. Esse detalhe só ocorre em Marcos.

Perguntou-lhe se já havia muito que tinha morrido40 (èTnponriaev aútòv el TráÀai41 àuéQuvev42). Marcos não conta o pedido dos ju ­deus de quebrar as pernas dos três crucificados para acelerar a morte antes do começo do sábado (Jo 19.31-37). Pilatos quis ter certeza de que Jesus estava realmente morto, por isso pediu um relatório oficial. Marcos queria que os leitores entendessem que a morte de Jesus estava terminantemente clara. Ele não despertou depois quan­do estava no sepulcro.

15.45. Deu o corpo a José (èõwpTÍaoao tò iT-ccÔiia tcô ’Icoor|(j)43). Os corpos dos crucificados ficavam expostos no aterro sanitário da cidade. Mas Pilatos ficaria alegre em entregar esse corpo a José, tendo em vista o espalhafato que os líderes judeus demonstraram acerca do que fazer com o cadáver. Somente aqui, a palavra irctò|aa (“cadáver”) é aplicada ao corpo de Jesus. A palavra ocSfia é o termo usado em Mateus 27.59, Lucas 23.53 e João 19.40.

15.46. Envolveu-o em um lençol ([ARA] éveíA.rjoev tf| oivôóvi). Este verbo é um hapax legomenon do Novo Testamento, da mesma maneira que evTUÀioaa) só consta em Mateus 27.59, Lucas 23.53 e João 20.7. Esses verbos aparecem nos papiros, nos escritos de Plutarco e em outras literaturas gregas recentes, e qualquer um de-

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Marcos 15

les pode ser traduzido por “embrulhar”, “envolver”, “enrolar em”. O corpo de Jesus foi enrolado em um pano de linho que José trou­xe. As cem libras de essências trazidas por Nicodemos (Jo 19.39) para o sepultamento foram colocadas nas dobras do linho, e este foi amarrado em volta do corpo por meio de tiras de pano (Jo 19.40). O tempo era curto. O sábado estava quase começando. Esses dois ho­mens puseram reverentemente o corpo do Mestre no sepulcro novo de José, sepulcro que fôra talhado em uma pedra. O particípio per­feito passivo (À6ÀaTO r||iéyoy) é derivado de Àccrófioç, “lapidário”, “talhador de pedras” (Áok, “pedra”; “cortar”; ver análise emMt 27.57-60). Lucas 23.53 e João 19.41 também falam do sepulcro novo de José.

E revolveu umapedrapara a porta do sepulcro (kocI TipooeKÚÀ ioey AiGov eu! tt]v Oúpay xou [ivr||j.eíou). Mateus 27.60 tem o dativo Tfj 9úpat sem gttl e acrescenta o adjetivo “grande” (\ir/(iv).

15.47. Observavam44 (éGecópouy). O tempo imperfeito descreve as duas Marias “assentadas defronte do sepulcro” (Mt 27.61) e ob­servando em silêncio, enquanto as sombras caíam em cima de todas as suas esperanças e sonhos. Pelo visto, essas duas permaneceram depois que as outras mulheres, as que estiveram vendo de longe o fim melancólico (Me 15.40), foram embora, e “observavam as ações de José e Nicodemos”.45 Lógico que elas viram o corpo de Jesus ser carregado e sabiam onde fôra posto (ilGeirai, perfeito passivo do indicativo, estado de conclusão). “E evidente que elas se constituí­am um grupo de observação.”46

NOTAS___________________________ _______________________1 “Bem cedo de manhã” (AEC).2 “Chegaram a uma decisão” (NVI).3 O mesmo em WH, Vulgata Latina consilium jacientej, embora esse texto crítico

de 1881 apresente èioLiiáoavteç na margem.4 Ezra P. Gould, Criticai and Exegetical Commentary on the Gospel According to

St. Mark (Edimburgo: T. & T. Clark, 1896), p. 283.5 “Manietando a Jesus” (BJ).6 As versões AEC, BJ, NTLH, NVI, ARA têm redação semelhante.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

7 Gould, Criticai and Exegetical Commentary, p. 283.8 “Os chefes dos sacerdotes faziam muitas acusações contra ele” (NTLH).9 TR acentua o substantivo próprio niAárav; WH grafa assim neiÀârav.

10 “A pedido do povo” (NTLH).11 TR e TM têm o particípio grafado assim, avaxaamaxQv.12 “Como de costume” (AEC; ARA).13 TR e TM têm KaGuç txel eiroíei, aikoiç.14 “Sabendo” (NVI); “pois ele bem percebia” (ARA).15 “Haviam entregado Jesus” (NVI).16 Gould, Criticai and Exegetical Commentary, p. 286.17 Alexander Baimain Bruce, The Expositor’s Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 447.18 Ibid.19 TR e TM não incluem o artigo com ßomAia.20 James Hope Moulton e George Milligan, The Vocabulary o f the Greek Testament

(Londres: Hodder & Stoughton, 1952), p. 302.21 “Vestiram-no com um manto de púrpura” (NVI).22 TR e TM têm o verbo êvõúouaiv.23 “Ajoelhavam-se e lhe prestavam adoração” (NVI).24 TR e TM têm a frase preposicional sem o artigo, èiu FaÀyoGâ.25 Na época em que foi publicado esse estudo de palavras, a identificação do

Gólgota feita em 1885 pelo general Charles Gordon era amplamente aceita. A identificação de Gordon desse local baseava-se na sua compreensão teoló­gica da tipologia do Antigo Testamento e num engano sobre onde os muros da cidade estavam nos dias de Cristo. Robertson aceitou as suposições da época. Hoje é certo que o Gólgota não estava no “Calvário de Gordon”. O verdadeiro local permanece incerto, mas ficava provavelmente nas redondezas da Igreja do Santo Sepulcro.

26 R e TM incluem o infinitivo irielv entre kútío e èo(i,upviouc'vov.27 TR e TM têm ò õe em lugar de òç ôé.28 TR e TM não incluem o v eufônico no verbo elaße.29 “Tirando a sorte com dados, para ver qual seria a parte de cada um” (NTLH).30 “Esta a inscrição da sua culpa” (BJ) “estava, em epígrafe, a sua acusação”

(ARA).31 “E os ladrões que foram crucificados com Jesus também o insultavam”

(NTLH).32 TR e TM têm revo[iévr|ç õè topaç eKtr]ç.

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Marcos 15

33 TR e TM têm elç xó [_ie kyKaxiXweç. Alguns manuscritos dão wôeíôiaaç (“re­preendeste”) para o verbo.

34 TRs tem ’Iôoú, 'HÀÍccv cfjcaveT; TRb e TM têm ’Iôoú, 'HÀÍav (JjcüveX; W H tem ’I5é, 'HÀeíav (jicoveX.

35 TRs tem 'HAiaç; WH tem 'HÀeíaç.36 “Essas mulheres tinham acompanhado e ajudado Jesus” (NTLH).37 “Ousando” (BJ); “tomando coragem” (NTLH).38 “Pilatos se maravilhou de que já estivesse morto” (AEC).39 TR acentua o substantivo próprio assim, IJiláioç; WH o soletra assim IIc-iAS

TOÇ.

40 “Perguntou-lhe se Jesus já tinha morrido” (NVI).41 BD lê r]ôr] (“já”) novamente em vez de ncéA.ai(“muito tempo”).42 TRb e TM não incluem o v eufônico no verbo áiréGave.43 TR e TM têm èõcopriaaTO tò acô[ia tú ’ Icoar|cj>.44 “Viram” (AEC; NVI); “estavam olhando e viram” (NTLH).45 Henry Barclay Swete, Commentary on Mark (Reimpressão, Grand Rapids;

Kregel, 1977), p. 394.46 Gould, Critical andExegetical Commentary, p. 298.

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Capítulo1 6

Marcos16.1. E, passado o sábado (Kcà õiayevo^évoi) xoG aaPPcaou),

um genitivo absoluto, o sábado tendo vindo no entremeio e agora chegado ao fim. Para este sentido do verbo ver Atos 25.13 e 27.9. Era, portanto, depois do pôr do sol.

Compraram aromas (riyópaoav àpújaara), como fez Nicodemos no dia do sepultamento (Jo 19.40). Ezra Gould nega que os judeus estivessem familiarizados com o processo de embalsamento do Egito.1 Mas, de qualquer modo, tinha de ser uma unção reverente (Iva éA.9oüa(xi àA.e CxJjGoa iv aikóv) do corpo de Jesus com essências. Elas podiam comprá-las depois do pôr do sol. Salomé está nova­mente no grupo, como em Marcos 15.40. Ver em Mateus 28.1a aná­lise de “no fim do sábado” e a visita das mulheres ao sepulcro antes do pôr-do-sol. Depois de terem observado todo o sepultamento de Jesus no sepulcro no final da tarde de sexta-feira, elas foram prepa­rar especiarias e ungüentos (Lc 23.56). Agora elas se abastecem de nova provisão.

16.2. Ao nascer do sol2 (àvaitíXavioç, t o í rjXíou), um par- ticípio aoristo em genitivo absoluto.3 Lucas 24.1 tem “muito de madrugada” (õpGpou pccOéwç) e João 20.1 tem “de madrugada,

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

sendo ainda escuro” . A distância entre Betânia e o sepulcro era de pouco mais de três quilômetros. O próprio Marcos dá ambas as notificações de tempo: “de manhã cedo” (Xíav irpcoi/') e “ao nascer do sol”. Elas começaram enquanto ainda estava escuro. O sol estava surgindo quando eles chegaram ao sepulcro. Todos os três Evangelhos Sinóticos mencionam que era o primeiro dia da semana quando as mulheres chegaram. O corpo de Jesus foi enterrado no fim da tarde de sexta-feira, antes que o sábado co­meçasse ao pôr do sol. Lucas 23.54 deixa esse ponto claro. As mulheres descansaram no sábado (Lc 23.56) e saíram no começo da manhã do que hoje é domingo. Certos estudiosos ficam pertur­bados por Jesus não ter permanecido na sepultura três dias intei­ros — setenta e duas horas. Mas Jesus dissera que ressuscitaria ao terceiro dia. Foi o que exatamente aconteceu. Ele foi enter­rado na tarde de sexta-feira. Ressuscitou no domingo pela ma­nhã. Se Ele realmente tivesse permanecido no sepulcro três dias completos, a ressurreição teria sido ao quarto dia pelo cômputo judaico. A frase ocasional “depois de três dias” é uma linguagem vernacular comum em todos os idiomas e não tenciona ser exata. Podemos entender prontamente “depois de três dias” no sentido de “ao terceiro dia”. É impossível entender que “ao terceiro dia” signifique ao quarto dia.4

16.3. Quem nos revolverá a pedra da porta do sepulcro? (Tíç KTTOKuAlaeL f)[iiv tòv ÀÍ9ov...;). Este é o oposto de upooKUÀíco em Marcos 15.46. Em Marcos 16.4, também consta a frase “a pedra estava revolvida” (KTTOKeKÚl laxai ô AiGoç, perfeito passivo do indi­cativo). Ambos os verbos aparecem em textos do grego kolvtí e nos papiros. E claro que as mulheres não antevêem que Jesus pudesse ter ressuscitado. Elas estavam falando de mais outros assuntos mun­danos (eleyov, imperfeito) enquanto andavam.

16.4. Olhando, viram’ (áva|3A.éi|/(xaca Gecopoüoiv). Com olhos abatidos e coração pesado,6 elas subiam a colina. Mas agora vêem que o problema está resolvido, pois a pedra jazia rolada para trás. Marcos usa o seu vividamente tempo presente histórico dramático com “viram”. Lucas 24.2 tem o habitual aoristo “acharam”.

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Marcos 16

E era ela muito grande1 (rjv yàp jiéyaç a^óõpa). Marcos acres­centa o detalhe sobre o tamanho da pedra para aumentar o impacto dessa visão surpreendente.

16.5. E, entrando no sepulcro6 (kcu ela€À0oOa<u elç tò [j,vr|fiel ov). Este fato também é narrado em Lucas 24.3, embora não seja mencionado por Mateus.

Viram um jovem (elôov veavíaKOv), um “anjo” em Mateus 28.5, “dois varões” em Lucas 24.4. Essas variações nos detalhes mostram diferenças de perspectiva e todas podem ser harmonizadas quando es­tudadas segundo o fluxo das ocorrências naquela manhã. Essas dife­renças também mostram a independência das narrativas e fortalecem a evidência de que a ressurreição foi um acontecimento histórico ex­perimentado no tempo e no espaço por testemunhas. O anjo sentou-se sobre a pedra (Mt 28.2), do lado de fôra do sepulcro. Marcos diz que outro jovem estava “assentado à direita” (kv xoiç ôc-çloiç) dentro do sepulcro. Lucas menciona que em certo ponto ambos os varões esta­vam de pé dentro do sepulcro com as testemunhas (Lc 24.4).

Vestido de uma roupa comprida e branca’ (nep ipepÀrpévov otoAiiv A,euKr|v), um particípio perfeito passivo com o caso acusa- tivo da coisa retida (verbo de vestir). Lucas 24.4 tem “com vestes resplandecentes”.

E ficaram espantadas10 (kcu èí;e0a|iPr|0r|aav). Elas estavam to­talmente (èE, em composição) pasmas. Lucas 24.5 tem “muito ate­morizadas”. Em Mateus 28.3,4, a descrição da roupa é como sendo “branca como a neve”, tão impressionante que os guardas ficaram “com medo, [...] muito assombrados e como mortos”. Isso aconte­ceu antes da chegada das mulheres. Mateus, Marcos e Lucas não mencionam a saída súbita de Maria Madalena para contar a Pedro e João que houvera um roubo sério (Jo 20.1-10).

16.6. Não vos assusteis11 (Mf| êK0oqaPeio0€). O anjo notou o assombro delas (Me 16.5) e tranqüilizou-as.

O Nazareno (xòv NaÇaprivóv), usado somente em Marcos para identificar Jesus às mulheres.

Que fo i crucificado (xòv eataupoo^évov). Isso também está em Mateus 28.5. Essa descrição da vergonha de Cristo tomou-se a sua

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

coroa de glória. O mesmo seria para Paulo (G1 6.14) e para todos que olham o Cristo crucificado e ressurreto como Salvador e Senhor.

Já ressuscitou (f|yép9ri), um aoristo primeiro passivo do indi­cativo, conotando o fato simples do que aconteceu. Em 1 Coríntios15.4, Paulo usa o passivo perfeito do indicativo êynyepToa para en­fatizar o estado permanente de Jesus como ressuscitado.

Eis aqui o lugar12 (iõe ó tÓttoç). A palavra iõe é usada como interjeição sem efeito no caso (nominativo). Em Mateus 28.6, a pa­lavra ’íôete é o verbo com o acusativo.13

16.7. E a Pedro («m tcõ néxpcp). Isso só está em Marcos, mos­trando que Pedro se lembrou com gratidão dessa mensagem pessoal e especial do Cristo ressurreto. Mais tarde, no mesmo dia, Jesus também aparecerá para Pedro, um acontecimento que mudou a dú­vida em certeza para com os apóstolos (Lc 24.34; 1 Co 15.5). Ver análise em Mateus 28.7 acerca da reunião prometida na Galiléia.

16.8. Porque estavam possuídas de temor e assombro14 (el1- yàp aíràç xpófioç Koà eKoraaiç). O tempo imperfeito indica mais exa­tamente: “seguraram-nas”, “estavam segurando-as com força”. Marcos tem a palavra eKOTtxoLç, que entra em outras línguas como êxtase, ao passo que Mateus 28.8 tem “com temor e grande alegria” (ver análise em Mt 28.8). Clara e naturalmente as emoções dessas mulheres estavam misturadas.

Nada diziam a ninguém (oúõeiA oüõèv eíuav 16). Esta agitação era muito grande para uma conversa comum. Mateus 28.8 nota que elas “correram a anunciá-lo aos seus discípulos”. Caladas e silencio­sas, os seus pés tinham asas enquanto voavam correndo.

Porque temiam17 (êcboPoíJVTO yáp), tempo imperfeito. A conti­nuação do medo fascinante explica a permanência do silêncio.18

16.9. E Jesus, tendo ressuscitado na manhã do primeiro dia da semana (’ Avacraxç õè irpcoí 'npcÓTT] aappáiou). E provável que essa nota acerca do dia vá junto com “ressuscitado” (ávaoràç), embora faça bom sentido com “apareceu” (ècjxxvri). Jesus não é mencionado por nome, embora esteja claramente subentendido. Marcos usa fuâ no versículo 2, mas uporri] em Marcos 14.12 e o plural oappá-rcov no versículo 2, embora esteja no singular aqui.

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Marcos 16

Primeiramente (TTpcÓTOv). Observe a declaração definitiva de que Jesus apareceu (ètj)ávr|) para Maria Madalena em primeiro lu­gar. O verbo k$úvr\ (aoristo segundo passivo de cjmvw) está sozinho aqui acerca do Cristo ressurreto (cf/HÀíaç k^ávr\, Lc 9.8), sendo o verbo habitual dStt>9r| (Lc 24.34; 1 Co 15.5ss.).

Da qual19 (nap’ pç20). Esta é a única ocorrência de rapá com a expulsão de demônios, èic sendo a preposição habitual (Me 1.25,26; 5.8; 7.26,29; 9.25).

[Ele] tinha expulsado sete demônios (éi<pepA.r|Kei éuià õcapóvia). Essa descrição de Maria Madalena é semelhante à que consta em Lucas 8.2, e soa estranha neste ponto da narrativa de Marcos. Descreve como uma característica nova, embora Marcos mencione Maria Madalena três vezes pouco antes (Me 15.40,47; 16.1). João narra integralmente a aparição de Jesus para Maria Madalena (Jo 20.11 -18).

16.10. Ela (èKeivri). Esta é a única ocorrência deste pronome em Marcos, embora seja um bom linguajar grego (ver Jo 19.35). Ver versículos 11 e 20.

Partindo (iTopeuGetoa), um particípio aoristo primeiro passi­vo depoente. Esta é uma palavra comum para dizer “ir”, mas em Marcos ocorre só aqui e em Marcos 9.30 na forma não composta. Também consta nos versículos 12 e 15.

Anunciou-o àqueles que tinham estado com ele (ámíyyeiA.ev tolç |_i6t’ aüuoíj yevo[iévoiç). Esta frase para os discípulos aparece só aqui em Marcos e nos outros Evangelhos, caso estejam em vista os discípulos. As formas gregas discrepantes dão a entender que outra pessoa, que não Marcos, escreveu esta porção final dos versículos 9 a 20.

Os quais estavam tristes e chorando (iTev9oí>ai kou K/laLouaiv). Particípios no presente ativo no plural dativo que concorda com xoXç [...] yeyopevoic, descrevendo o páthos dos discípulos pelo luto e to­tal aflição.

16.11. Não o creram21 (r|TTÍ.cn;r|oav). Este verbo é comum no grego antigo, mas raro no Novo Testamento, ocorrendo outra vez no versículo 16, mas em nenhuma outra parte de Marcos. A palavra

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

habitual em uso no Novo Testamento é kttc i9éco. Lucas 24.11 usa riTTÍOTOuy acerca da descrença no relato de Maria Madalena e das outras mulheres. Em Marcos, o verbo è9eá9r| (derivado de 9eáop,ai) só ocorre aqui e no versículo 14.

16.12. E, depois22 (Mexà õè tküto), só aqui em Marcos. Lucas 24.13 fala que foi no mesmo dia.

Manifeston-se em outra forma23 (ècjxxvepGÓGr) kv eTepa |iop<J)fj). Não se trata de [ierqiópcfiwaiç ou transfiguração, conforme a des­crição em Marcos 9.2. Lucas explica que lhes foram impedidos de reconhecer Jesus (Lc 24.16; ver Lc 24.13-32).

16.13. Mas nem ainda estes creram (ouõè eKeívoiç èTTiaTeuoav). Os homens não se saíram melhor que as mulheres. Mas, com refe­rência a isso, o relato de Lucas acerca dos dois discípulos na estra­da de Emaús mostra que eles tiveram um acolhimento caloroso em Jerusalém (Lc 24.33-35). Isso mostra a independência das duas nar­rativas nesse ponto. Certos comentaristas ainda desacreditam todas as histórias da ressurreição, da mesma maneira que mais tarde, no monte da Galiléia, alguns duvidaram (Mt 28.17).

16.14. Finalmente apareceu aos onze24 ("Yotepov [õe25] ávaKei|jivoiç ocútolç tolç evôeica êcjjavepcjóGri). Ambos os termos, onze e doze (Jo 20.24), ocorrem depois da morte de Judas. De acor­do com Lucas 24.33, outros estavam presentes nessa primeira noite de domingo. “Finalmente” (uotepov) ocorre só aqui em Marcos, em­bora seja comum em Mateus.

Lançou-lhes em rosto26 (uveíôioev). Eles eram culpados de “in­credulidade”27 (ánumocv) e “dureza de coração”28 (oKÀripoKapõíav). A dúvida não é necessariamente marca de superioridade intelectual. Temos de nos orientar entre a credulidade e a dúvida. Lucas expli­ca como os discípulos ficaram perturbados com a aparição súbita de Jesus, não acreditando na evidência dos próprios sentidos (Lc 24.38-43).

16.15. Pregai o evangelho a toda criatura (KTpú ccTe to eúayyéXiov Tráori xr| ktÍoél). Esta comissão em Marcos é provavel­mente outra versão da Carta Magna missionária de Mateus 28.16- 20, a qual foi dita no monte na Galiléia. Jesus já dera uma comissão

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Marcos 16

(Jo 20.21-23). A terceira comissão aparece em Lucas 24.44-49, que é igual a Atos 1.3-8.

16.16. E fo r batizado («ai Paire ia0eíç). A omissão de batizado com não-crer mostra que Jesus não torna o batismo essencial para a salvação. A condenação apóia-se na não-crença e não na falta de batismo. Portanto, a salvação apóia-se na crença. O batismo é me­ramente a figura da nova vida, e não o meio de obtê-la. Mesmo que o texto ligue o batismo com a salvação, a sua canonicidade ques­tionável não pode exceder em valor outros textos indisputáveis que claramente ensinam que só a fé (não a obra do batismo) é necessária para a salvação.

16.17. Falarão novas línguas (yA.cóooai,ç ÀaÀriaoixnv Kaivalç).29 Vimos a expulsão de demônios no ministério de Jesus. Porém, falar línguas entra na era apostólica (At 2.3,4; 10.46; 19.6; 1 Co 12.28; 14.1-40).

16.18. Pegarão nas serpentes30 (ôcjjeiç àpoüoiv). Jesus dissera algo semelhante em Lucas 10.19, e Paulo passou incólume pela ser­pente em Malta (At 28.3-6).

E, se beberem alguma coisa mortífera (Ka|v Gaváoi\ióv ui níoooiv). Este é o único exemplo no Novo Testamento da anti­ga palavra grega 0aváoi|j,oç (“mortífera”, “fatal”). Tiago 3.8 tem 0avaxr)(j3Ópoç (“mortal”). A. B. Bruce considera esses versículos em Marcos “um grande lapso do alto nível da versão de Mateus das palavras de despedida de Jesus” e defende que “pegar em serpen­tes venenosas e beber venenos mortais parecem nos apresentar ao crepúsculo da história apócrifa”.31 A grande dúvida relativa à auten­ticidade desses versículos (em minha opinião, são provas bastante conclusivas contra eles) toma ininteligente aceitá-los como funda­mento de doutrina ou prática, a menos que sejam apoiados por ou­tras porções genuínas do Novo Testamento.

16.19. [Ele]foi recebido no céir'2 (áveÀií|i(j)0r| elç ibv oüpavóv), um aoristo primeiro passivo do indicativo. Lucas apresenta o fato da ascensão duas vezes: uma vez no seu Evangelho (Lc 24.50,51) e outra vez em Atos 1.9-11. Em Marcos, a ascensão ocorreu depois que Jesus falou com os discípulos, não na Galiléia (Me 16.15-18),

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

nem na primeira ou segunda noite de domingo em Jerusalém. Não saberíamos quando nem onde aconteceu se Lucas não a situasse no monte das Oliveiras (Lc 24.50) depois de quarenta dias a partir da ressurreição (At 1.3) e, portanto, depois do retomo da Galiléia (Mt 28.16).

Assentou-se à direita de Deus (eKáOioev <ek ôdjiwv xoü 9eou). Henry Swete nota que o autor “passa do campo da história para o campo da teologia”, mas a ação de Jesus quando sai da história hu­mana é um fato com muito apoio bíblico (At 7.55,56; Rm 8.34; Ef 1.20; Cl 3.1; Hb 1.3; 8.1; 10.12; 12.2; 1 Pe 3.22; Ap 3.21).

16.20. Por todas as partes (TTavtaxoíj). Isso é encontrado uma vez em Lucas.33

Cooperando com eles o Senhor (roí) Kupíou auvepyoíjVTOç), uma construção de genitivo absoluto. Esse particípio não aparece em outro lugar nos Evangelhos, nem é pep<noíjPTo<;, nem o composto èTiaKoÀouGoijyxoç. Tais construções são encontradas nas Epístolas de Paulo.NOTAS1 Ezra P. Gould, Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to

St. Mark (Edimburgo: T. & T. Clark, 1896), p. 299.2 “Ao despontar do sol” (ARA).3 Alguns manuscritos lêem àyaiélÀoyToç, um particípio presente.4 Ver A. T. Robertson, Harmony o f the Gospels fo r Students o f the Life o f Christ

(Nova York: Harper & Row, 1922), pp. 289-291.? “Erguendo os olhos, viram” (BJ).6 Alexander Balmain Bruce, The Expositors Greek Testament, vol. 1, The

Synoptic Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), p. 453.7 As versões AEC, BJ, NTLH, NVI, ARA têm redação semelhante.8 “Tendo entrado no túmulo” (BJ); “então elas entraram no túmulo” (NTLH).9 “Vestido de branco” (NTLH; ARA).10 “E ficaram surpreendidas e atemorizadas” (ARA).11 “Não vos atemorizeis” (ARA).12 “Vede o lugar” (AEC; BJ; ARA).13 Ver A. T. Robertson, A Grammar o f the Greek New Testament in the Light o f

Historical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 302.

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Marcos 16

14 “Apavoradas e tremendo” (NTLH).15 TR e TM têm a conjunção pospositiva Sé em lugar de yáp. TRb e TM não in­

cluem o v eufônico no verbo eí^e.16 TR e TM grafam o verbo êittov.17 “Porque tinham medo...” (BJ [N. do T.: Observe as reticências originais na

versão bíblica.]); “porque estavam com muito medo” (NTLH).18 Neste ponto, os manuscritos Aleph e B, os dois manuscritos gregos mais antigos

do Novo Testamento, param com este versículo. Três manuscritos armênios também terminam aqui. Alguns documentos (manuscrito cursivo 274 e o ma­nuscrito Latim Antigo k) têm um final mais curto que o habitual comprido. A grande maioria dos documentos tem o final comprido nas versões bíblicas. Alguns documentos têm ambos os fins: o longo e o curto, como os documen­tos L, 'F, 0112, 099, 579, dois manuscritos boaíricos; o manuscrito Harkleano Siríaco (final comprido no texto, final curto na margem grega). Certo manus­crito armênio (o manuscrito Edschmiadzin) apresenta o final longo e o atribui a Ariston (possivelmente o Aristion de Pápias). O manuscrito W (Códice de Washington) tem um versículo adicional no final longo. Assim, os fatos são muito complicados, mas argumentam fortemente contra a autenticidade dos versículos 9 a 20 de Marcos 16. São poucos os detalhes nesses versículos que não constam em Mateus 28. É difícil acreditar que Marcos termine o Evangelho no versículo 8, a menos que tivesse dado uma pausa na escrita. Uma folha ou coluna pode ter sido arrancada ao término do rolo de papiro. A perda do final tem sido tratada de vários modos. Alguns documentos o deixam sozinho. Outros adicionam um final, alguns outro, alguns acrescentam ambos. Uma discussão completa dos fatos encontra-se no último capítulo de A. T. Robertson, Studies in M ark’s Gospel (1919; Reimpressão, Nashville: Broadman, 1958) e em A. T. Robertson, An Introduction to the Textual Criticism o f the New Testament (Nashville: Broadman, 1925), pp. 214-216.

19 “De quem” (BJ; NTLH; NV1).20 TR e TM têm ácf)|’ fjç.21 “Não acreditaram” (AEC; ARA).22 “Depois disto” (ARA).23 “Jesus se apresentou com outra aparência” (NTLH).24 “Por último Jesus apareceu aos onze discípulos” (NTLH).25 TR e TM não incluem a conjunção õé.26 “Censurou-lhes” (BJ; NVI; ARA); “ele os repreendeu” (NTLH).27 “Não terem fé” (NTLH).28 “Teimarem” (NTLH).29 WH põe m ivalç na margem.30 “Se pegarem em cobras” (NTLH).

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

31 Bruce, Expositor’s.32 “[Ele] foi arrebatado ao céu” (BJ); “[ele] foi levado para o céu” (NTLH); “[ele]

foi elevado aos céus” (NVI).33 WH apresenta o final alternativo encontrado no manuscrito L: “E eles anuncia­

ram resumidamente a Pedro e aos que com ele estavam todas as coisas orde­nadas. E depois destas coisas, o próprio Jesus também enviou por meio deles para o oriente e para o ocidente a proclamação santa e incorruptível da salvação eterna”.

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COMENTÁRIO MATEUS & MARCOS

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Tendo sido publicado há mais de setenta anos. Imagens Verbais do Novo Testamento alcançou verdadeiro status de "clássico" e tomou-se ferramenta-padrão de consulta para pastores, professores e estudantes do Novo Testamento. Conhecido por sua erudição irretocávcTe uso pitoresco da língua. A. T. Robertson identifica neste livro conotações e nuanças fre­qüentemente perdidas na tradução das palavras d.o Novo Testamento.

A. T. ROBERTSÕN (1863-1934) foi em seus dias o principal estudioso do grego do Novo Testamento. Escrevgü quarenta e cinco livros, inclu­sive A Harmony of the Gospels e An Introduction to Textual Criticism. Robertson é estimado em alta conta pela combinação única de excelência acadêmica e devoção cristã profunda.

.. WESLEY J. PERSCHBACHER (Doctor of Ministry LD.Min.], Master of Arts [M.A.], Trinity Divinity School) é o autor de Refresh Your Greek — Practical Helps for Reading the New Testament, New Testament Gre­ek Syntax: An Illustrated Manual e Thç-New Analytical Greek Lexicon. Serviu como pastor e. antes de se aposentai; ensinou no Center for Exter­nal Studies do Moody Bible Institute.

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