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8/18/2019 Comentários Ao Acórdão 1.046_2014 Do Tcu
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CABIMENTO DE PREGÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE AUDITORIA INDEPENDENTE:COMENTÁRIOS AO ACÓRDÃO 1.046/2014 DO TCU
Juliane Erthal de Carvalho
Mestranda em Direito do Estado pela USP
Advogada da Justen, Pereira Oliveira & Talamini
1. Introdução
Para licitar e, posteriormente, contratar grande parte dos bens e serviços de que necessita aAdministração Pública adota a modalidade do pregão. No âmbito da Administração Federal, estima-se queentre os anos de 2002 e de 2010 o pregão, utilizado na sua modalidade eletrônica, movimentou cerca de R$102bilhões na compra de produtos e contratação de serviços (informações disponíveis em: http://dados.gov.br/). Talmodalidade foi formulada e instituída para possibilitar maior celeridade e vantajosidade às contrataçõesadministrativas.
No entanto, não é todo e qualquer serviço que poderá ser licitado por meio desta modalidade. O art. 1ºda Lei 10.520/2002 prevê que o pregão deve ser utilizado apenas para a aquisição de bens e serviços tidoscomo comuns. O parágrafo único do referido artigo apresenta breve indicação do que sejam bens e serviços
comuns: (...) aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado . Não há maiores detalhamentos na legislação que rege otema sobre o que venha a ser comum .
2. A problemática da delimitação do conceito de bem ou serviço comum
Essa indefinição do conceito, por um lado, é útil porque possibilita se ajustar a classificação de um bemou serviço como comum conforme a dinâmica do mercado em que se insere. Ou seja, um bem hoje tido comonão comum poderá, no futuro, como decorrência do desenvolvimento tecnológico, tornar-se comum. Nessesentido Marçal Justen Filho pondera que a classificação como comum não é uma característica intrínseca enem imutável. Isso porque a evolução das atividades empresariais tende a aumentar a abrangência dos benstidos como comuns (para maior aprofundamento do tema consulte: Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 6ª ed. São Paulo: Dialética, 2013).
Aliás, dependendo de cada caso concreto, um mesmo bem poderá ora ser reputado como comum ounão comum. Tal como exposto pelo Min. José Múcio Monteiro no acórdão 1.092/2014 do Plenário do TCU:Ainda no que se refere ao emprego da modalidade pregão para contratação de serviços de engenharia consultiva, supervisão e elaboração de projetos de obras, a despeito do entendimento de que constitui uma
opção válida e forçosa na maioria das situações, por outro lado é bom deixar claro, na mesma linha do Acórdão nº 2932/2011-Plenário, que o modelo tradicional de licitação por melhor técnica ou técnica e preço, previsto no art. 46 da Lei nº 8.666/1993 especialmente para as mencionadas atividades, não está excluído, obviamente,
para o caso de trabalhos de alta complexidade que não possam ser enquadrados como comuns nem, portanto,ter padrões de desempenho e qualidade objetivamente definidos por meio de especificações usuais, segundo
reconhecimento e justificativa prévia do contratante .
Por outro lado, essa flexibilidade para se delinear e aplicar o conceito bem ou serviço comum geracontrovérsias na aplicação prática. Em alguns casos há grande dificuldade em se delimitar a extensão doconceito, o que gera dúvidas sobre o cabimento do pregão.
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3. O posicionamento do TCU: análise do acórdão 1.046/2014
Recentemente, no Acórdão 1.046/2014, do Plenário do TCU, de relatoria do Min. Benjamin Zymler,discutiu-se se o serviço de auditoria independente deveria ser licitado por pregão, que impõe a utilização do tipomenor preço, ou por outra modalidade que possibilitasse licitação por técnica e preço.
Alguns dos argumentos contrários à utilização do pregão no caso analisado foram: (i) as atividades deauditoria possuem natureza predominantemente intelectual, (ii) ausência de resultados homogêneos em cadatrabalho de auditoria, de modo que não pode ser tido como padronizável e a (iii) necessidade de verificação donível de escolaridade ou formação dos auditores independentes, bem como da experiência anterior comserviços de auditoria contábil.
No entanto, o TCU reputou que: os padrões de desempenho e qualidade desses serviços podem se objetivamente definidos em edital, por meio de especificações usuais no mercado . Assim como, que os serviços de auditoria independente são executados segundo protocolos, métodos e técnicas conhecidos e determinados em normas expedidas pelas entidades regulamentadoras . Desse modo, decidiu-se pela obrigatoriedade deutilização da modalidade do pregão.
3.1. A delimitação do conceito comum no caso concreto
É necessário destacar que a definição objetiva de um bem ou um serviço a ser contratado é inerente aqualquer edital de licitação. No entanto, o que se deve verificar, tal como observado no caso concretoanalisado, é se há alguma peculiaridade na execução do serviço ou de composição do bem, que os diferenciadaqueles que usualmente se verificam no mercado.
Suponha-se, por exemplo, a compra de trilhos de trem. Em alguns casos, é possível que o objeto dacontratação vise a apenas e tão somente obter trilhos usualmente comercializados. Ou seja, cuja qualidade,medida e especificações técnicas são conhecidas e praticadas no mercado. Em outros casos, é possível que aAdministração, por questões técnicas, repute necessário adotar trilhos especiais, voltados, por exemplo, asuportar um limite maior de carga e cujas características sejam diferenciadas (o que exige alterações no objetousualmente comercializado).
Não é necessário que o modo de produção seja o mesmo entre os diversos fornecedores, mas o bem ouserviço deve ser padronizável, ou seja, não há grandes variações qualitativas que demandem análise específicae diferenciada do particular que pretende contratar com a Administração.
3.2. A verificação caso a caso
O rel. Min. Benjamin Zymler destacou que o entendimento firmado no Acórdão 1.046/2014 é válido tendoem vista as peculiaridades do caso concreto. Assim, reiterou os termos do voto proferido no Acórdão1.314/2013, do Plenário, no qual havia destacado não ser possível fixar um entendimento sobre o tema emabstrato, porque isso impede a necessária evolução do Direito calcada na apreciação do ordenamento jurídico,segundo a visão particular de cada Relator em cada situação concreta examinada .
Ou seja, não é possível se pré-determinar quais são todos os tipos de bens ou serviços que podem serenquadrados no conceito de bem comum. O modo mais adequado de se verificar cada caso concreto é,primeiramente, observar o mercado e avaliar se aquele bem é ou não facilmente disponibilizado. O que então,explica a previsão legal de que os bens ou serviços comuns são usuais no mercado . A pertinência ou não daadoção do pregão está diretamente vinculada aos padrões de mercado em que se insere determinado bem ouserviço.
Tendo-se como premissa que o intuito da instituição do pregão é a obtenção célere e a um menor custode produtos e serviços, deve-se compreender que o objeto tido como comum não exigirá alterações qualitativasem relação ao objeto. A necessidade de obtenção de bens ou serviços dotados de características exclusivas epeculiares não se coaduna com o procedimento do pregão. Mas isso não quer dizer que qualquer alteraçãonum bem descaracterize a possibilidade de utilização do pregão. Na compra de um automóvel, por exemplo,comumente é possível se escolher alguns componentes e recursos adicionais que irão integrar o bem sem queisso o torne peculiar.
3.3. Serviços de natureza eminentemente intelectual
Outro ponto discutido no Acórdão 1.046/2014 é se os serviços de auditoria independente são denatureza eminentemente intelectual. O TCU destacou que as demonstrações contábeis não requeremconhecimentos específicos, visto que as normas de contabilidade determinam todos os procedimentos que
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devem ser adotados.
No entanto, ressaltou-se que nos casos em que se tratar de serviço de natureza intelectual não seaplicará o pregão. Nessa linha destacou-se que: por ocasião da prolação do recente Acórdão 2.471/2008- Plenário, da relatoria do próprio Ministro Benjamin Zymler, a questão foi finalmente pacificada, e esta Corte adotou posicionamento pela obrigatoriedade da utilização da modalidade pregão para contratação de bens e serviços de informática considerados comuns, salvo se forem de natureza predominantemente intelectual, vez que, para estes, o art. 46 da Lei 8.666/93 exige licitação do tipo 'melhor técnica' ou 'técnica e preço (incompatível com o pregão) (Acórdão 237/2009, Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, declaração de Voto Min.
Augusto Sherman).
3.4. A complexidade do objeto
Como destacou Diogenes Gasparini, a noção de comum não está na estrutura simples do bem; nem a estrutura complexa é razão suficiente para retirar do bem na sua qualificação de bem comum (Pregãopresencial. In : GASPARINI, Diogenes (Coord.). Pregão presencial e eletrônico . Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.40).
Um veículo destinado ao transporte de substâncias perigosas é um bem complexo, mas usual nomercado. A exigência de normas técnicas e de tecnologias diferenciadas para a sua fabricação, a princípio, nãoafastam a utilização do pregão. Considerando-se que há normas técnicas a serem cumpridas por quaisquer
fabricantes deste veículo, é possível que diferentes empresas estejam acostumadas a produzir veículosdotados de características similares, o que permitiria a adoção da modalidade do pregão.
Como já mencionado acima, a natureza de um bem não é suficiente para se determinar se ele é comum.A complexidade do objeto individualmente considerada não pode obstar a utilização pregão. O TCU já semanifestou nesse sentido: Quanto à alegação de que a modalidade licitatória escolhida (pregão) mostra-se incompatível com a natureza do serviço a ser executado, entendo, tal como expresso pela unidade técnica, que,ainda que os serviços objeto da licitação possam sugerir, a priori, certa complexidade, não há óbices para que sejam enquadrados como serviços comuns eis que pautados em especificações usuais de mercado e detentores de padrões objetivamente definidos no edital (Acórdão 188/2010, Plenário, Rel. Raimundo Carreiro).
3.5. Capacitação técnica específica
A Lei 10.520 prevê no art. 4º, inc. XIII, a possibilidade de ser exigida a comprovação de capacidadetécnica. Na maioria dos casos, devido à simplicidade dos bens e serviços é dispensada essa exigência (nessesentido, confira-se: JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão . Ob. cit., p. 125). No entanto e como exposto acima, nemtodo objeto do pregão precisa ser destituído de complexidade. Sendo assim, em relação a determinadosobjetos, será possível se exigir a comprovação da capacidade técnica. No acórdão ora analisado, ressaltou-se justamente que o fato de o objeto exigir capacitação técnica específica não é suficiente, por si só, para excluí-lo do conceito de bem ou serviço comum .
4. Conclusões
O acórdão 1.046/2014 é relevante para se refletir sobre a hipótese de cabimento do conceito de bem ouserviço comum. Nele bem se demonstra que não são os atributos inerentes a cada bem ou serviço que osdefinem como comuns. Sendo necessária a verificação caso a caso para se identificar os casos em que serápossível ou não a utilização do pregão. Essa indeterminação conceitual é tida como salutar, porque permiteajustar-se a dinamicidades das atividades econômicas com a regulação jurídica das contrataçõesadministrativas. Mas há enormes dificuldades quanto à aplicabilidade prática do conceito. Futuramente hápossibilidade de que essas controvérsias venham a ser minimizadas com a extensão da aplicação da Lei doRegime Diferenciado de Contratações Públicas, visto que tal conceituação não foi incorporada nessalegislação. O que poderá permitir a ampliação da adoção da forma eletrônica e de práticas similares ao pregãosem a necessidade de se recorrer à classificação do que seja ou não comum.
Informação bibliográfica do texto:
ERTHAL DE CARVALHO, Juliane. Cabimento de pregão para contratação de serviços de auditoriaindependente: comentários ao acórdão 1.046/2014 do TCU. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini ,Curitiba, n.º 87, maio de 2014, disponível em http://www.justen.com.br/informativo, acesso em [data].
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