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COMIDA E ANTROPOLOGIA Uma breve revisão · PDF fileem Szechwan, África Ocidental e Índia; em segui-da, a popularização de chá, café, açúcar e chocola-te pela Europa (só o

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Desde seu início como uma ciência da ob-servação próxima a disciplinas como a história na-tural, a antropologia mostrou grande interessepela comida e pelo ato de comer. Dificilmente ou-tro comportamento atrai tão rapidamente a aten-ção de um estranho como a maneira que se come:o quê, onde, como e com que freqüência come-mos, e como nos sentimos em relação à comida.O comportamento relativo à comida liga-se dire-tamente ao sentido de nós mesmos e à nossaidentidade social, e isso parece valer para todosos seres humanos. Reagimos aos hábitos alimen-tares de outras pessoas, quem quer que sejamelas, da mesma forma que elas reagem aos nos-sos. Não é de surpreender, portanto, que o com-portamento comparado relativo à comida tenhasempre nos interessado e documentado a grandediversidade social. Também não espanta que osantropólogos, desde o começo, tenham se fasci-nado pela ampla gama de comportamentos cen-trados na comida.

Como precisamos comer para viver, ne-nhum outro comportamento não automático seliga de modo tão íntimo à nossa sobrevivência.Como Audrey Richards assinalou há muito tem-po, o impulso de comer é mais forte do que o im-pulso sexual (Richards, 1948 [1935]). A prosperi-dade nos leva a esquecer o quanto a fome podeser impositiva, mas mesmo nesses períodos oshábitos alimentares continuam sendo veículos deprofunda emoção. Nossas atitudes em relação àcomida são normalmente aprendidas cedo e bem,e são, em geral, inculcadas por adultos afetiva-mente poderosos, o que confere ao nosso com-portamento um poder sentimental duradouro.Devemos comer todos os dias, durante toda nos-sa vida; crescemos em lugares específicos, cerca-dos também de pessoas com hábitos e crençasparticulares. Portanto, o que aprendemos sobrecomida está inserido em um corpo substantivo demateriais culturais historicamente derivados. Acomida e o comer assumem, assim, uma posição

COMIDA E ANTROPOLOGIA Uma breve revisão

Sidney W. Mintz

RBCS Vol. 16 nº 47 outubro/2001

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central no aprendizado social por sua natureza vi-tal e essencial, embora rotineira. O comporta-mento relativo à comida revela repetidamente acultura em que cada um está inserido. Nossos fi-lhos são treinados de acordo com isso. O apren-dizado que apresenta características como re-quinte pessoal, destreza manual, cooperação ecompartilhamento, restrição e reciprocidade, éatribuído à socialização alimentar das criançaspor sociedades diferentes. Os hábitos alimentarespodem mudar inteiramente quando crescemos,mas a memória e o peso do primeiro aprendiza-do alimentar e algumas das formas sociais apren-didas através dele permanecem, talvez para sem-pre, em nossa consciência, como atesta a amadamadeleine de Proust, o caso mais famoso.

Comer é uma atividade humana central nãosó por sua freqüência, constante e necessária, mastambém porque cedo se torna a esfera onde sepermite alguma escolha. Para cada indivíduo re-presenta uma base que liga o mundo das coisasao mundo das idéias por meio de nossos atos. As-sim, é também a base para nos relacionarmos coma realidade. A comida “entra” em cada ser huma-no. A intuição de que se é de alguma maneirasubstanciado – “encarnado” – a partir da comidaque se ingere pode, portanto, carregar consigouma espécie de carga moral. Nossos corpos po-dem ser considerados o resultado, o produto, denosso caráter que, por sua vez, é revelado pelamaneira como comemos.

Desde que o teólogo escocês William Ro-bertson Smith estudou o sacrifício e a comida nosanos 80 do século XIX, a antropologia tem se ocu-pado com a comida, e, particularmente, com ospapéis que desempenha na organização da vidasocial. Por exemplo, as discussões de BronislawMalinowski sobre o inhame na vida trobriandesa(Malinowski, 1965 [1935]; 1950 [1922]) nos condu-zem por fenômenos como o exercício de poderdos chefes e a redistribuição da comida; os laçosmatrilineares de parentesco ao longo dos quais semove o alimento, em suas funções de nutrição,exibição e a linha viva entre a afinidade e a con-sangüinidade; a competição por prestígio entre osfazendeiros trobriandeses na produção de seusinhames; e assim por diante.

A comida enquanto tal – isto é, intrinseca-mente enquanto comida – tem sido, talvez, umobjeto menos interessante para a antropologia doque suas implicações sociais. Porém, isso mudaquando nos deparamos com o livro de Audrey Ri-chards, aluna de Malinowski, Land, labour anddiet in Northern Rhodesia (Richards, 1951 [1939]).Nele, as funções sociais da comida são tratadaslonga e admiravelmente, mas a própria comidatambém recebe muita atenção. O ensaio de Ri-chards, uma das melhores monografias já escritasna antropologia da comida, ilustra de maneirabela a afirmação de Alfred Kroeber de que a cul-tura é o modo como as pessoas se relacionam mu-tuamente estabelecendo relações com seus mate-riais culturais (Kroeber, 1948).

Nos sessenta e tantos anos decorridos desdea publicação do livro de Richards, a antropologiada comida e do comer continuou a crescer, mas astarefas de pesquisa com que seus praticantes lidamse transformaram quase inteiramente. A seguir,quero falar sobre algumas das maiores referênciasneste campo ao meu ver e comentar os estudoscontemporâneos. Quase todos os estudos de co-munidade ou da cultura material que se escolhaexaminar, publicados entre os anos 30 e 60, con-têm um ou dois capítulos sobre a sobrevivência ea economia doméstica, em que a comida e a suabusca são mencionadas. Mas obras como Malayfishermen (1966 [1946]), de Raymond Firth, ouHousekeeping Among malay peasants (1966 [1943]),de sua mulher Rosemary, se destacam porque emambas a comida assume um papel central. No en-tanto, não há muitas monografias desse tipo. Tal-vez porque a comida e sua preparação fossem vis-tas como trabalho de mulher, e a maioria dos an-tropólogos fosse composta por homens; ou porqueo estudo da comida fosse considerado prosaico epouco importante, comparado ao da guerra, da su-cessão na chefia ou da mágica e da religião. Masqualquer que seja a razão, mesmo nos anos 80 (oque poderia ser considerado bem tarde), quandoJack Goody publicou Cooking, cuisine and class(1982), o estudo antropológico da comida aindanão tinha renascido como tema.

Notam-se mudanças significativas nesse estu-do com o aparecimento de um mercado mundial

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de alimentos. Os antropólogos tradicionalmenteconcentraram seus esforços em sociedades queeram pequenas, não ocidentais e que não tinhammáquinas de fazer máquinas, e cujos povos basea-vam a maioria de suas relações sociais no paren-tesco ou na localidade. Essas sociedades ditas“primitivas” eram, em geral, explicadas em seuspróprios termos. Isto é, a produção, a distribuiçãoe o consumo em tais sociedades tendiam a serpartes intimamente relacionadas de um único sis-tema. Digo “tendiam”, porque nenhum dos siste-mas tem fronteiras perfeitas. O trabalho pioneirode Alexander Lesser (1961) sobre campos sociaismostrou de maneira eloqüente que a resistênciade Durkheim à idéia de sociedades como sistemasfechados era inteiramente sólida. Mas alguns sis-temas são mais amarrados, outros menos. O círcu-lo kula, por exemplo, contrasta com as relaçõestrobriandesas cotidianas. O roubo dos rebanhosDinka pelos Nuer captura nosso olhar porque sãorebanhos Dinka e não Nuer (Sahlins, 1961). Taiscasos podem sugerir alguma distorção e possivel-mente um auto-engano no modo como os antro-pólogos atribuem o isolamento, a auto-suficiênciae a autarquia às sociedades estudadas. Mas emobras como The Nuer, de Evans-Pritchard, a deMalinowski sobre os trobriandeses, ou We, thetikopia, de Firth, a unidade de produção, distribui-ção e consumo que tipifica cada um desses siste-mas alimentares facilitou muito o estudo. Por ou-tro lado, as análises de comunidades humanas nomundo moderno se tornaram mais complexas gra-ças à crescente interconexão econômica das loca-lidades. Tantas pessoas no mundo inteiro nãomais produzem o que consomem ou consomem oque produzem, e tanta comida flui e em tal volu-me e velocidade, que a unidade de produção econsumo muitas vezes se perde ou se oculta.

É um engano, porém, supor que a transiçãoda auto-suficiência e do isolamento para a interde-pendência e a globalidade aconteceu de maneirarepentina. A difusão mundial de certos alimentos,como os que foram primeiro cultivados no NovoMundo, é muito mais antiga do que a chamada“globalização”, e é importante continuar lembran-do os entusiasmados globalistas – que parecem sertantos – dessa verdade tão pouco espetacular. A di-

fusão do milho, da batata, do tomate e da pimen-ta-do-reino, da mandioca e do pimentão, do amen-doim e da castanha, tanto no Novo quanto no Ve-lho Mundo, não precisaram de transporte aéreo, decientistas de aventais brancos, do McDonald’s, nemde engenharia genética – nem tampouco de propa-ganda, e muito menos de antropólogos – e come-çou a acontecer há quinhentos anos. O milho, o to-mate e o pimentão, no Mediterrâneo; a introduçãodo cultivo da batata pela Europa Central, da Irlan-da à Sibéria; o rápido sucesso da pimenta-do-reinoem Szechwan, África Ocidental e Índia; em segui-da, a popularização de chá, café, açúcar e chocola-te pela Europa (só o último sendo nativo do NovoMundo) são algumas lembranças da transformaçãorevolucionária dos hábitos alimentares, para o les-te e para o oeste, há cinco séculos.

A comida foi então um capítulo vital na his-tória do capitalismo, muito antes dos dias de hoje:como alimentar pessoas, e como fazer dinheiroalimentando-as. No Brasil, no Caribe e mais tardepor toda parte, o capitalismo tinha como alvo asatisfação de antigos desejos por novos meios, e,assim, ajudou a fazer o mundo global, muito an-tes de nossos dias. Durante dois séculos, a cana-de-açúcar baniu implacavelmente o mel, o açúcarde bordo, a alfarroba e todos os outros adoçantes,exceto para produção de especialidades enfren-tando seu principal desafio, açúcar de beterraba,apenas em meados do século XIX. As plantaçõesde cana-de-açúcar, junto com as fazendas de café,as destilarias de rum e as lavouras de tabaco,instigadas pelo chá da China, dissolveram as fron-teiras entre o alimento e a droga, estimulandoapetites dos novos proletários, e facilitando o su-cesso do capitalismo nas terras do coração da Eu-ropa. Os séculos seguintes assistiriam à criaçãodas banana republics, como parte da criação dasplantações de banana e dos mercados de consu-mo de banana; enquanto a Argentina, o Canadá,a Austrália e a Nova Zelândia aprendiam a alimen-tar o Ocidente com suas ovelhas, carnes em con-serva, trigo e manteiga. A África começaria a pro-duzir óleos de palmeira e de coco em larga esca-la, mesmo quando muitos de seus lavradoresabandonavam o trigo sarraceno e os tubérculostradicionais em prol da mandioca.

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Entretanto, a despeito dessas grandes mu-danças, é verdade que as últimas duas décadas as-sistiram a uma difusão sem precedentes de novosalimentos e novos sistemas de distribuição emtodo o globo. A invasão da Ásia pela fast foodnorte-americana é um importante exemplo dessamudança (Watson, 1997), assim como houve, in-versamente, uma grande e rápida difusão de res-taurantes familiares asiáticos nos Estados Unidos(Mintz, s/d.). Aqui temos dois exemplos, inteira-mente diferentes e não relacionados, de como ocapitalismo opera. No caso das comidas asiáticasna América do Norte, milhares de famílias da Chi-na, da Malásia, da Tailândia, do Vietnã, do Cam-boja, das Filipinas e de outros lugares, arriscaramsuas economias abrindo pequenos cafés, restau-rantes e deliveries de um extremo a outro dosEUA. E os norte-americanos tiveram oportunidadede experimentar novos conceitos de refeição, no-vas idéias sobre a relação entre a proteína animale outras comidas. Esses empreendimentos, muitosdos quais fracassaram no primeiro ano, são con-dizentes com a história do primeiro capitalismo, ea coragem desses empreendedores é inspiradora.Em contrapartida, a difusão dos restaurantes nor-te-americanos fast food na Ásia tem uma aparên-cia corporativa: apenas os acionistas arriscam.Como documentam os ensaios do livro editadopor James L. Watson sobre o McDonald’s, Goldenarches east, na Ásia, essas empresas são tambémencaradas de maneira diferente. Na China, porexemplo, comer no McDonald’s é sinal de mobi-lidade ascendente e de amor pelos filhos. Ondequer que o McDonald’s se instale na Ásia, as pes-soas parecem admirar a iluminação feérica, os ba-nheiros limpos, o serviço rápido, a liberdade deescolha e o entretenimento oferecido às crianças.Mas também percebe-se que eles gostam maisdessas coisas do que propriamente da comida!Uma pequena história cotidiana pode ilustrar amaneira pela qual um lugar, como o McDonald’s,se transforma em um espaço onde se acumulamvalores mais importantes do que os que normal-mente seriam creditados a uma refeição rápida:uma senhora que não se dá bem com a nora es-pera no McDonald’s por seu neto a caminho daescola de manhã e lhe compra um sanduíche. A

lanchonete passa a ser, então, o ponto de encon-tro dos dois. Neste caso, podemos também inferircomo esse tipo de lugar oferece aos clientes umaoportunidade de se identificar com o poder nor-te-americano. Yan Yunxiang cita um entrevistadoque diz:

O Big Mac não tem um gosto muito bom; mas aexperiência de comer neste lugar me faz sentirbem. Às vezes chego a imaginar que estou senta-do num restaurante em Nova York ou em Paris(Yan, 1997, p. 49).

Aprendemos, portanto, que o produto que oMcDonald’s vende e o que as pessoas compramnão são necessariamente a mesma coisa, aindaque a empresa tenha sucesso financeiro. Mas ofato de que tantas pessoas em sociedades outroradescritas como extremamente conservadoras este-jam prontas a experimentar comidas radicalmentediferentes é uma evidência de que os comporta-mentos relativos à comida podem, às vezes simul-taneamente, ser os mais flexíveis e os mais arrai-gados de todos os hábitos.

Como as comidas são associadas a povos emparticular, e muitas delas são consideradas inequi-vocamente nacionais, lidamos freqüentementecom questões relativas à identidade. Todos sabe-mos que os franceses supostamente comem rãs ecaracóis; os chineses, arroz e soja; e os italianos,macarrão e pizza. Mas a espantosa circulação glo-bal de comidas e a circulação paralela de pessoaslevantam novas questões sobre comida e etnicida-de. Seria mais fácil mudar o sistema político daRússia do que fazê-los abandonar o pão preto; aChina abandonaria sua versão do socialismo maisfacilmente do que o arroz. E, no entanto, a popu-lação desses dois países mostra uma extraordiná-ria disposição para experimentar novas comidas.Parece, então, que uma estranha congruência deconservadorismo e mudança nos acompanhasempre no estudo da comida. Sangmee Bak, es-crevendo sobre o McDonald’s em Seul, explicacomo essa rede de lanchonete se tornou um sím-bolo do Ocidente, e como as pessoas que defen-dem a cozinha coreana resistem à sua instalação(Bak, 1997). Embora todos os alimentos sejam lo-

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calmente produzidos, na Coréia o McDonald’s évisto como intruso, invasor.

Numa escala mais ampla, em Rice and self,de Ehmiko Ohnuki (1993), o arroz no Japão éavaliado em toda sua complexidade política e cul-tural. A defesa econômica da produção local dearroz está de acordo com as concepções míticas eromânticas que cercam esse alimento – símbolochave do espírito japonês –, de tal modo que esselivro é quase uma leitura do caráter nacional atra-vés do estudo de um único alimento.

Pode-se encontrar estudos semelhantes emuma série de outros trabalhos mais recentes. Ste-ve Penfold descobriu que os doughnuts (roscasassadas, de massa semelhante à dos “sonhos”) sãoum símbolo surpreendente do patriotismo cana-dense e do anti-americanismo (Penfold, no prelo).Embora o doughnut seja produzido em larga es-cala nos Estados Unidos, a marca Tim Horton –em homenagem a um astro do hóquei já falecido– surgiu como símbolo da modéstia e informalida-de do Canadá. Em contrapartida, os norte-ameri-canos são considerados arrogantes, comerciais ecarentes de calor humano.

Também surpreendente é o caso da sopa demassa vietnamita chamada pho bo, oriunda donorte do país. Thach Giao Truong (s/d.) descobriuque a pho bo tinha suplantado rapidamente a sopade massa típica do sul do país desde a união doVietnã do Sul e do Norte, tornando-se um símbo-lo da identidade nacional emergente.

A tortilla, no México, é um outro exemploem que um produto passa a ser símbolo podero-so de identidade nacional, segundo Jeffrey Pil-cher, em Que vivan los tamales! (1998). Contudo,a análise mostra que a modernização do país tor-nou a cozinha e a dieta mestiças mais habituais doque as comidas tradicionais do passado asteca.Não deve nos surpreender o fato de que certascomidas consideradas marcadores étnicos – porexemplo, macarrão, croissants, bagels, pizza, ocroque monsieur – estejam perdendo hoje esse ró-tulo, tornando-se, dentro do mercado global dealimentos, o que eu chamaria de comidas etnica-mente neutralizadas. As comidas se tornam étni-cas; e também deixam de sê-lo.

A comida como índice de mudança socialestá relacionada a todos esses fenômenos. Exce-

lente exemplo é o pioneiro Food, gender and po-verty in the Ecuadorian Andes (1988), de MaryWeismantel, que analisa em conjunto as mudan-ças na economia do Equador, o fluxo dos ho-mens do campo para a cidade, o conseqüente au-mento do número de mulheres na miséria e anova dieta dos trabalhadores andinos. Weisman-tel nos permite ver como a comida da cidade ad-quire um significado especial por ser da cidade,enquanto a cevada e as favas perdem sua atraçãojustamente porque não são “comida da cidade”. Aautora demonstra que a emigração do trabalhomasculino alterou a vida rural no âmbito local, eque a comida serve de portadora de significadona medida em que velho e novo, urbano e rural,masculino e feminino, índio e não-índio, são so-cialmente conjugados.

Mudanças de outra ordem são documentadasem diversos textos recentes. O volume organizadopor Jun Jing, Feeding China’s little emperors(2000), mostra como as políticas de população daChina influenciaram os cuidados com as crianças,a socialização e até a nutrição. Os avós tendem aconcentrar toda sua atenção no único neto homemque terão, para entretê-lo e satisfazer suas vonta-des. Mas o caso não é tão simples. Aumentos con-sideráveis no consumo de proteína animal, o usocrescente de alimentos preparados, o aparecimen-to da categoria “comida de criança” e outras ino-vações sugerem que a dieta da China estárealmente mudando. Isso ocorre porque forçasmaiores estão operando e não simplesmente por-que “o gosto” das pessoas está mudando. Diantedo material sobre o McDonald’s e dos hábitos ali-mentares chineses, e reconhecendo a disposiçãodos pais em satisfazer as preferências alimentaresdas crianças, salientei em outro artigo que

[...] a escolha de um restaurante levanta a possi-bilidade de que os pais acreditem que a criançaconhece alguma coisa que eles não conhecem, eque o que ela conhece é digno de ser conheci-do. Estou preparado para acreditar que as crian-ças sempre estiveram prontas a expressar suasopiniões, mas no leste da Ásia o que é novo éque os pais prestem atenção nelas (Mintz, 1997,p. 200).

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Existem análises afins no livro organizadopor Carola Lentz, Changing Food habits (1999).Os artigos acrescentam dados à nossa compreen-são etnográfica de como os hábitos alimentaresestão se modificando na África, Europa e Américado Sul. Ayse Çaglar, por exemplo, oferece umquadro criativo de como os alemães se tornaramapreciadores do prato turco döner kebap, e das re-lações antes não reveladas entre essa humilde co-mida de imigrantes, produzida para os anfitriõesalemães, e questões maiores de imigração e pre-conceito étnico (Çaglar, 1999).

Graças à associação das mulheres com a co-mida e com o cozinhar, e dos homens com a caçae a política, desenvolveu-se uma importante litera-tura dedicada à comida e ao gênero. Parte delatrata da relação entre a comida e a imagem do cor-po; outros livros tratam da relação entre domesti-cidade e liberação das mulheres; outros, ainda, dasligações entre comida e auto-identificação com gê-nero. No volume de 1998 organizado por CarolCounihan e Steven Kaplan, Food and gender, Mi-riam Kahn explora a insistência na lavoura do taro(Colocasia esculenta) e em seu consumo numa co-munidade Papua da Nova Guiné. Lá, o taro é umpoderoso símbolo de masculinidade e a principalcomida ritual nas festas políticas. Embora muitascomidas novas venham invadindo a sociedade,Kahn mostra como o abandono do taro requereriaum rearranjo social e simbólico considerável nessacomunidade. Uma vez mais, o novo e o tradicio-nal se revelam em complexa interação.

Como uma grande parte de seu trabalho seconcentrava em povos sem uma tecnologia demáquinas, e para quem a comida era uma daspreocupações mais importantes, se não a mais im-portante da vida diária, os antropólogos mostra-ram desde cedo um interesse considerável na tec-nologia de busca e de uso da comida nas culturasque estudavam. É digno de nota que os primeirosmuseólogos, como Otis T. Mason (1895) e ClarkWissler (1927), usaram esse interesse para mapeare categorizar povos tecnicamente mais simples. As“áreas alimentares” de Wissler dividiam as Améri-cas nativas segundo os alimentos prevalecentesdos povos aborígines. O livro Cultural and natu-ral áreas of native North America, de Kroeber

(1947), segue essa tradição, pois se dedica ao es-tudo do clima, da vegetação natural e da distribui-ção cultural. Os americanistas sabiam que haviapoucos animais domesticados no Novo Mundo –os camelídeos dos Andes, o porquinho da Índia,o pato “de Moscou” (Cairina moschata), a abelhasem ferrão e o peru eram dos poucos que havia.Estavam interessados nesses e em outros exem-plos da descoberta de domesticação de animaisno Novo Mundo independentemente do contatocom qualquer outra civilização, e da demonstra-ção que essa descoberta fazia da genealidade dosnativos americanos, cuja origem era, é claro, asiá-tica. Mas não foram eles que fizeram os estudospioneiros de espécies únicas de plantas ou ani-mais. O livro do médico britânico, Redcliffe Sala-man, inaugurou esse gênero de análise. The his-tory and social influence of the potato (1970[1949]) marcou época, relacionando a batata às ci-vilizações andinas, de um lado, e à natureza dapolítica irlandesa, de outro. Passou-se meio sécu-lo antes que o modelo que oferecia fosse retoma-do, desta vez por um antropólogo. Meu livro,Sweetness and power (1985), um estudo da saca-rose, procurou relacionar as colônias às metrópo-les européias, os escravos do Novo Mundo aosproletários do Velho. La historia de un bastardo(1988), iluminadora monografia de Arturo War-man sobre o milho, que foi publicada alguns anosdepois, fez mais ou menos o mesmo com a disse-minação global dessa estranha planta americana.Pouco depois, três obras sobre a pimenta-do-rei-no, Peppers (1992), de Amal Naj, Capsicum y cul-tura (1986), de Janet Long-Solís, e Chilies to cho-colate (1992), organizado por Nelson Foster e Lin-da Cordell, examinavam essa notável comida pi-cante e sua difusão fulminante em todo o globo.Certamente as celebrações do quinto centenárioderam grande ímpeto aos estudos das realizaçõesdo Novo Mundo relativas ao cultivo. Logo depois,os livros de Edmundo Morales (1995) e EduardoArchetti (1997) sobre o porquinho da Índia prova-ram que não só as plantas do Novo Mundo po-diam ser interessantes. E a voga continua, comnovos livros sobre o bacalhau, o ruibarbo, o cho-colate, e muitos outros animais, plantas, sabores ealucinógenos.

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Muito mais poderia ser dito sobre esse as-sunto. Não dei atenção a substâncias expansivasda consciência nem ao canibalismo; ou a algumasdas principais monografias sobre comida e rituais.Mas antes de concluir, poderia ser útil lançar umolhar para o futuro da antropologia da comida,particularmente no contexto do quadro da ali-mentação mundial. O deslocamento de pessoas ealimentos, a separação crescente de produtores econsumidores, a disposição cada vez maior emconsumir alimentos preparados, o declínio da ha-bilidade culinária das classes médias e outras ten-dências, particularmente no chamado mundo de-senvolvido, poderiam nos levar a perguntar se,afinal, haverá qualquer coisa que os antropólogosda comida possam estudar nos próximos cinqüen-ta anos. A prudência nos aconselharia uma res-posta positiva. É preciso ter em mente que todasas grandes mudanças das últimas décadas foramprevistas com base nos baixos custos artificiaisdos combustíveis fósseis, o baixo valor históricodas terras no Novo Mundo e a quase total derro-ta mundial do socialismo. Qualquer acontecimen-to que possa levar a uma contração significativado mercado, a curto ou a longo prazo, reverterá,de maneira muito rápida, as tendências que venhodescrevendo. Tão poucos de nós tiveram de en-frentar pessoalmente uma real escassez de dinhei-ro ou material – escassez que afetasse pessoal-mente nossas oportunidades de comer em exces-so – que uma recessão séria ou uma decadênciado mercado seria difícil de imaginar. A maioriadas pessoas nascidas na década de 30, porém,não têm dificuldade em imaginar tal coisa.

Mas, para além dessa possibilidade, estão osproblemas associados ao constante aumento po-pulacional no mundo. Em um simpósio recente(Waterlow et al., 1998), a principal questão que secolocava era: é possível alimentar uma populaçãomundial com mais de 8 bilhões de pessoas? (o nú-mero é impressionante, mas nenhuma autoridadeparece esperar menos do que isso da populaçãomundial daqui a cinco ou seis décadas). Se essapopulação pode ser alimentada adequadamente équestionável – conclusão a que se chegou. Osparticipantes do simpósio são otimistas, ao contrá-rio de David Pimentel e outros autores (por exem-

plo, Pimentel e Giampietro, 1994) que prevêemcontrações significativas em dietas com o aumen-to da população, particularmente nos EstadosUnidos. Sua previsão é de que a população dosEstados Unidos dobrará até 2050, a terra arável sereduzirá à metade, as exportações de alimentosterminarão, o custo da comida aumentará de ma-neira considerável – atingindo, possivelmente,50% da renda per capita total – e o consumo deproteína animal per capita terá uma abrupta redu-ção. Contudo, Pimentel não tem dúvida de que aAmérica pode alimentar a si mesma. Já LesterBrown, do World Watch, prevê problemas aindamais sérios para a República Popular da China(Brown, 1994), apesar do notável controle de na-talidade. De fato, Brown conclui que chegará omomento em que não será possível alimentar opovo chinês.

Nesse cenário mundial, o fato de o especia-lista ser otimista ou pessimista faz muita diferen-ça, afinal, ninguém pode prever o futuro; os estu-diosos apenas projetam idéias sobre ele, as quaispodem ser bastante úteis. Mitchell, Ingco e Dun-can (1997) são otimistas, e pelo menos alguns deseus números são animadores. A produção mun-dial de cereais, por exemplo, aumentou em 2,7%ao ano desde 1950, enquanto a população mun-dial cresceu a uma taxa muito menor. O rendi-mento dos cereais também cresceu a uma taxa de2,25% ao ano durante esse período. Milhões depessoas ainda sofrem de desnutrição crônica, masesses autores afirmam que a situação alimentar domundo está melhor hoje do que nunca, e talvezestejam certos. O consumo per capita em econo-mias em desenvolvimento, medido por calorias,aumentou aproximadamente 27% desde a décadade 60; espera-se que a melhora continue. Apenasna África o crescimento da população superou aprodutividade, e muitos países africanos não po-dem controlar os ganhos com a exportação parasustentar-se sem ajuda.

Talvez ainda mais interessantes sejam as ob-servações destes autores sobre os novos padrõesde consumo, tanto na África quanto em qualqueroutro lugar. Por exemplo, “desde 1961, o consu-mo per capita de arroz no Japão”, caiu de aproxi-madamente 107 kg para menos de 65 kg, enquan-

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to o consumo de carne aumentou de 5 para qua-se 40 kg” (Mitchell, Ingco e Duncan, 1997, p. 73).Embora menos extremas, mudanças semelhantesocorreram na Malásia, no Nepal, em Singapura, naTailândia e em Taiwan. Assim, no caso japonês, oconsumo de arroz caiu praticamente pela metadeem menos de quarenta anos, enquanto o consu-mo de carne aumentou oito vezes; o mesmo per-fil geral de mudança vale para os outros casos.

O arroz está suplantando os tubérculos emmuitas áreas outrora dependentes deles, como emgrande parte da África. Contudo, em lugares ondeeste cereal é tradicionalmente um item da dieta,particularmente na Ásia, o pão comprado em lo-jas começa a suplantá-lo à medida que mais mu-lheres passam a trabalhar fora. A divisão sexualdo trabalho tende, nesse caso, a desfazer as dis-tinções existentes entre o meio rural e o urbano.Em toda parte, as dietas rurais incorporam maisgêneros de primeira necessidade do que as dietasurbanas. As calorias ditam a escolha do alimentorural porque as pessoas precisam de todas as ca-lorias que puderem obter. Mas com maiores ren-dimentos e menor produção física, como aconte-ce em muitas cidades, os consumidores urbanoscomeçam a procurar uma maior variedade.

As comidas escolhidas pelas pessoas indicamuma padronização em nível mundial. Como suge-rido acima, em dietas que incluem tubérculos e ce-reais, uma característica regular do aumento darenda é a diminuição do consumo de tubérculos eo aumento do consumo de cereais. Porém, se arenda continua a subir, o consumo de cereais atin-ge o máximo, e só decai quando é substituído pelaproteína animal e por alimentos assados. A China éum bom exemplo desse movimento de consumo.De 1961 a 1984, o consumo per capita de cereaisaumentou de 120 para 233 kg. Porém, em seguida,começou a cair simultaneamente ao aumento doconsumo de carne, que triplicou entre 1961 e 1990.Trata-se de um padrão típico da Ásia, não só doschamados “cinco tigres”, mas também de naçõescomo o Nepal. Na África, o arroz começou a supe-rar a mandioca, o que é um fato notável já que, an-teriormente, a mandioca (Manihot esculentaCrantz) nativa da América, suplantara outros tubér-culos nativos da África, especialmente o inhame.

O aumento de poder aquisitivo parece, assim,resultar em claros paralelos de preferência. Algunsestudiosos afirmam que esses paralelos revelampredisposições próprias dos consumidores. Demodo semelhante, outros dirão que as necessida-des humanas são não só genericamente infinitas,mas que também crescem em escala, segundo suasdefinições. Diferentes fatores, entretanto, concor-rem para isso. Entre eles, observa-se a imitação daspessoas socialmente privilegiadas, a identificaçãosimbólica com o poder externo e a percepção deque não se pode ser moderno enquanto houvertempo suficiente para fazer o que se queira.

A partir dessas reflexões é possível traçar umpadrão de consumo nos países pobres: a princípiocom uma orientação puramente calórica, as pes-soas passam a substituir os tubérculos pelos ce-reais, e quando o consumo de cereais chega aomáximo, começam a acrescentar a proteína ani-mal. Essa seqüência implica em prosperidade.Nos países desenvolvidos, a obesidade, proble-mas circulatórios e cardíacos e muitos outros ma-les são atribuídos a uma dieta que, ao longo dotempo, parece infelizmente ser a mesma aspiradanos países mais pobres, e que, muitas vezes, é al-cançada nos países em desenvolvimento.

Diferenças de classe em padrões alimentaresestão agora mais integradas a diferenças entre ospaíses desenvolvidos e aqueles em desenvolvi-mento; o mercado mundial de alimentos acarretamudanças mais rápidas e menos desvios. Isso ex-plica o fato de que, cada vez mais, grupos privile-giados de assalariados e empresários chineses co-mecem a comer em massa pela primeira vez oque a classe média dos Estados Unidos acreditaser uma dieta excessivamente rica, gordurosa eabundante em proteínas. Os povos africanos e la-tino-americanos parecem ansiar pela mesma die-ta, e parecem prontos a adotá-la, se surgir a opor-tunidade. É claro que há exceções a essas inclina-ções, baseadas em barreiras religiosas e ideológi-cas, porém isso não invalida o que se apresentacomo uma tendência global.

Assim, o quadro mundial relativo à comidaespelha o quadro ambiental: as nações desenvol-vidas dizem às nações pobres que não destruamo meio-ambiente, enquanto estas lutam por seu

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direito de ser tão displicentes como seus antigossenhores coloniais.

O tempo não me permite dar prosseguimen-to a essas linhas de raciocínio. Antes de finalizar,porém, gostaria de expor brevemente alguns as-pectos da pesquisa a que eu e uma colega temosnos dedicado atualmente (pesquisa financiadapelo The Center for a Livable Future, Schcool ofPublic Health, Johns Hopkins University). Trata-sede um estudo sobre a soja e seus derivados nosEstados Unidos. O que chamou a atenção foi a di-ferença existente em relação à inserção desse ali-mento no Velho e no Novo Mundo. Em suma,uma planta rica em proteínas, cultivada há maisde dois milênios, que constitui a maior fonte deproteína de milhões de asiáticos desde então, foitransformada no Novo Mundo em fonte de óleo,alimentação animal e vários outros produtos. Ra-ramente sua proteína é diretamente consumida,mas é usada, em contrapartida, para alimentar suí-nos, bovinos e aves preferidas dos norte-america-nos. Ao mesmo tempo, a soja superou qualqueroutra lavoura norteamericana – apenas o milhomantém a liderança –, tornando-se o maior produ-to agrícola de exportação. Esse alimento estranha-mente “moderno” – moderno por causa de sua re-dutibilidade a um sem número de elementos bá-sicos para o uso em várias aplicações nutritivas emédicas – necessita de uma atenção maior porparte das Ciências Sociais.

Até o momento, escrevemos uma breve his-tória da soja nos Estados Unidos e do vasto com-plexo de indústrias que cresceu em torno dela.Elaboramos uma tipologia dos produtos derivadosda soja a fim de iniciar o trabalho de campo e fi-zemos ligações com instituições asiáticas para es-tabelecer um quadro comparativo na pesquisa.Além dessa pesquisa, estou publicando com umacolega chinesa um trabalho sobre o consumo e asatitudes em relação ao queijo de soja (tofu) entreos habitantes de Hong Kong (Mintz e Tan, 2001).Considero esse estudo um resultado direto de mi-nha pesquisa anterior sobre a sacarose.

Comidas cotidianas, prosaicas, que tende-mos a considerar comuns, escondem histórias so-ciais e econômicas complexas. O lugar da proteí-na vegetal no futuro do mundo pode se tornar um

problema político de primeira ordem. Espero queesse material seja de interesse, pelo menos comoexemplos de pesquisa num campo em permanen-te mudança.

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COMIDA E ANTROPOLOGIA:UMA BREVE REVISÃO

Sidney W. Mintz

Palavras-chaveAlimentos, comida e comer, Globali-zação; Etnicidade; Mercadorias;Fome; Gênero.

Este trabalho é uma revisão de cer-tas tendências na pesquisa antropo-lógica sobre a comida: do estudo decomunidades e sociedades suposta-mente auto-contidas a obras sobrecertas mercadorias (como açúcar, ar-roz ou atum), o sistema mundial dealimentos, o cultivo de alimentos et-nicamente neutralizados, a situaçãoalimentar mundial, a fome e pos-síveis implicações no futuro. Mostra-se que a globalização é muito maisantiga do que em geral se reconhe-ce. A difusão da fast food ocidentalé acompanhada pela das cozinhasasiáticas; e o Terceiro Mundo apos-ta em repetir a experiência ocidentalem consumo excessivo de proteínaanimal. A sustentabilidade e a saúdecontinuam ideais distantes.

FOOD AND ANTHROPOLOGY:A BRIEF OVERVIEW

Sidney W. Mintz

KeywordsFood and eating; Globalization; Eth-nicity; Commodities; Famine; Gender.

The paper presents a review ofsome trends in anthropological re-search on food: from the study ofsupposedly self-contained commu-nities and societies to the work onsingle commodities (such as sugar,rice or tuna), the world food system, the rise of ethnically-neutralfood, the world food situation,famine and possible future implica-tions. Globalization is shown to bemuch older than generally recogni-zed; the spread of Western fast foodis matched by the diffusion of Asiancuisines; and the Third World bidsto the repetition of the Western ex-perience concerning overconsump-tion of animal protein. Sustainabilityand health still remain distant ideals.

NOURRITURE ET ANTHROPO-LOGIE : UNE BRÈVE RÉVISION

Sidney W. Mintz

Mots-clésAliments; Nourriture et Manger; Glo-balisation; Ethnie; Marchandises;Famine; Genre.

Ce travail est une révision de certai-nes tendances de la recherche anth-ropologique à propos de la nourri-ture. À partir de l’étude de certainescommunautés et sociétés, du systè-me mondial d’aliments, de la cultu-re d’aliments ethniquement neutrali-sés et de la situation alimentairemondiale, l’auteur démontre que laglobalisation est beaucoup plus an-cienne que ce que l’on croit en gé-néral. Le développement du fastfood occidental est suivi par celuides cuisines asiatiques, et le tiers-monde parie sur la répétition del’expérience occidentale de consom-mation excessive de protéine anima-le. Le développement durable et lasanté demeurent des idéaux dis-tants.

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