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1 COMO EU ENTENDO ALVORADA CRISTÃ Valentim Neto – 2015 apontamentos [email protected] FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER DITADO PELO ESPÍRITO NEIO LÚCIO

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COMO EU ENTENDO

ALVORADA CRISTÃ

Valentim Neto – 2015 apontamentos

[email protected]

FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER DITADO PELO ESPÍRITO

NEIO LÚCIO

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3 ÍNDICE ALVORADA CRISTÃ 4 CAPÍTULO 1 = SIGAMOS COM JESUS 5 CAPÍTULO 2 = NA DIREÇÃO DO BEM 6 CAPÍTULO 3 = PEQUENA HISTÓRIA 7 CAPÍTULO 4 = PRÊMIO AO SACRIFÍCIO 8 CAPÍTULO 5 = O SERVO FELIZ 10 CAPÍTULO 6 = REBELDIA 12 CAPÍTULO 7 = O GRANDE PRÍNCIPE 14 CAPÍTULO 8 = O JUIZ RETO 16 CAPÍTULO 9 = O RICAÇO DISTRAÍDO 17 CAPÍTULO 10 = O BURRO DE CARGA 19 CAPÍTULO 11 = A LIÇÃO INESQUECÍVEL 20 CAPÍTULO 12 = A ARMA INFALÍVEL 22 CAPÍTULO 13 = O SERVIDOR NEGLIGENTE 23 CAPÍTULO 14 = O DESCUIDO IMPENSADO 24 CAPÍTULO 15 = O PODER DA GENTILEZA 25 CAPÍTULO 16 = A TRILOGIA BENDITA 27 CAPÍTULO 17 = A CONTA DA VIDA 28 CAPÍTULO 18 = A AMIZADE REAL 29 CAPÍTULO 19 = O ENSINAMENTO VIVO 30 CAPÍTULO 20 = O ELOGIO DA ABELHA 31 CAPÍTULO 21 = O CARNEIRO REVOLTADO 32 CAPÍTULO 22 = O PIOR INIMIGO 34 CAPÍTULO 23 = A DECISÃO SÁBIA 35 CAPÍTULO 24 = O APRENDIZ DESAPONTADO 36 CAPÍTULO 25 = A FALSA MENDIGA 37 CAPÍTULO 26 = O GRITO DE CÓLERA 39 CAPÍTULO 27 = CARTA PATERNA 40 CAPÍTULO 28 = A PREGAÇÃO FUNDAMENTAL 41 CAPÍTULO 29 = O BARRO DESOBEDIENTE 43 CAPÍTULO 30 = DÁ DE TI MESMO 44 CAPÍTULO 31 = A LENDA DO DINHEIRO 45 CAPÍTULO 32 = A SENTENÇA CRISTÃ 46 CAPÍTULO 33 = VIVEREMOS SEMPRE 47 CAPÍTULO 34 = A GALINHA AFETUOSA 48 CAPÍTULO 35 = NA SEMENTEIRA DO AMOR 50 CAPÍTULO 36 = O MAIOR PECADO 51 CAPÍTULO 37 = APONTAMENTO 52 CAPÍTULO 38 = O REMÉDIO IMPREVISTO 53 CAPÍTULO 39 = DOS ANIMAIS AOS MENINOS 54 CAPÍTULO 40 = A LENDA DA ÁRVORE 55 CAPÍTULO 41 = O EXÉRCITO PODEROSO 56 CAPÍTULO 42 = O AMIGO SUBLIME 57 CAPÍTULO 43 = O PERU PREGADOR 58 CAPÍTULO 44 = SOMOS CHAMADOS A SERVIR 59 CAPÍTULO 45 = O ANJO DA LIMPEZA 60 CAPÍTULO 46 = NO PASSEIO MATINAL 62 CAPÍTULO 47 = O ENSINO DA SEMENTEIRA 63 CAPÍTULO 48 = O ESPÍRITO DA MALDADE 65 CAPÍTULO 49 = O DIVINO SERVIDOR 66 CAPÍTULO 50 = ORAÇÃO DOS JOVENS 67

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ALVORADA CRISTÃ

EMMANUEL Pedro Leopoldo, 21 de junho de 1948.

As páginas de Neio Lúcio, consagradas à mente juvenil em todos os padrões da experiência físi-ca, são, em verdade, valioso curso de iluminação espiritual. Sementeira de princípios renovadores, aqui encontramos avançadas noções de justiça e bondade para a elevação da vida. E a luta terrestre, em seus fundamentos, ainda mesmo considerada no setor expiatório, resume-se na obra educativa para a eternidade. A instrução é, sem dúvida, a milagrosa alavanca do progresso. Sem ela, perseveraria a mente humana nos resvaladouros da Ignorância, confinada á miséria, à ociosidade, a indigência e ao in-fortúnio, através da delinquência na praça publica e da correção na penitenciária. Mas não basta esclarecer a inteligência, repetiremos ainda e sempre. É imprescindível aperfeiço-ar o coração nos caminhos do bem. Nero, o tirano, era discípulo de Sêneca, o filósofo. Tito, o Príncipe admirável, que costumava dizer “perdi o meu dia”, quando a noite o alcançava sem algum gesto excepcional de bondade, mandou massacrar mais de dez mil israelitas doentes, abatidos e mutilados, depois de arruinar Jerusalém. Marco Aurélio, o Imperador virtuoso e sábio, consentiu no morticínio de cristãos indefesos. Inácio de Loiola, maravilhosamente bem-intencionado, tinha o cérebro cheio de letras quando incentivou a perseguição religiosa. Marat, o demagogo sanguinário, era jornalista de mérito e intelectual de renome. Todos os fazedores de guerra, ditadores e revolucionários, antigos e modernos, foram incubados no convívio de professores ilustres, de páginas científicas, de livros técnicos ou de universidades famosas. Razão sem luz pode transformar-se em simples cálculo. Instrução e ciência são portas de acesso à educação e à sabedoria. Quem apenas conhece nem sempre sabe. A cultura do Espírito vai mais longe: ajuda o humano a converter-se em santuário vivo, através do qual se irradia o Poder Soberano e Misericordioso. Necessário, pois, semear pensamentos enobrecedores e santificantes, amparando a mente que re-começa a lição de aprimoramento individual. Esquecer a infância e a juventude será desprezar o futuro. Regozijando-nos, assim, com a tarefa do amigo que nos doou estas páginas, cheias de sentimento paternal e de idealismo superior, saudamos, em companhia dele, a alvorada sublime de amor e paz, que resplandece, com Jesus, para a Terra de amanhã, regenerada e feliz. (Apontamentos: A instrução é, sem dúvida, a milagrosa alavanca do progresso. Sem ela, perseveraria a mente humana nos resvala-douros da Ignorância, confinada á miséria, à ociosidade, a indigência e ao infortúnio, através da delinquência na praça publica e da correção na penitenciária. Mas não basta esclarecer a inteligência, repetiremos ainda e sempre. É imprescindível aperfeiçoar o coração nos caminhos do bem. O irmão Emmanuel destaca o ‘milagre’ que é a instrução, mas o ‘santo’ somente vai se revelar nas ações di-recionadas por essa instrução! Estudar é se instruir. E a Doutrina dos Espíritos é o melhor milagreiro que temos, basta querermos com vontade férrea. Após a instrução conseguida, as ações educativas serão as provas de nossas conquistas morais e, de milagre em milagre, assim sendo chegaremos a ações ditas ‘santas’.)

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1 SIGAMOS COM JESUS Maomé foi valoroso condutor de humanos. Milhões de pessoas curvaram-se-lhe às ordens. Todavia, deixou o corpo como qualquer mortal e seus restos foram encerrados numa urna, que é visitada, anualmente, por milhares de curiosos e seguidores. Carlos 5º, poderoso imperador da Espanha, sonhou com o domínio de toda a Terra, dispôs de ri-quezas imensas, governou muitas regiões; entretanto, entregou, um dia, a coroa e o manto ao asi-lo de pó. Napoleão era um grande homem. Fez muitas guerras. Dominou milhões de criaturas. Deixou o nome inesquecível no livro das nações. Hoje, porém, seu túmulo é venerado em Paris... Muita gente faz peregrinação até lá, para visitar-lhe os ossos... Como acontece a Maomé, a Carlos 5º e a Napoleão, os maiores heróis do mundo são lembrados em monumentos que lhes guardam os despojos. Com Jesus, todavia, é diferente. No túmulo de Nosso Senhor, não há sinal de cinzas humanas. Nem pedrarias, nem mármores de preço, com frases que indiquem, ali, a presença da carne e do sangue. Quando os apóstolos visitaram o sepulcro, na gloriosa manhã da Ressurreição, não havia aí nem luto, nem tristeza. Lá encontraram um mensageiro do reino espiritual que lhes afirmou: “Não está aqui”. E o túmulo está aberto e vazio, há quase dois mil anos. Seguindo, pois, com Jesus, através da luta de cada dia, jamais encontraremos a angústia da morte e, sim, a vida incessante. No caminho de notáveis orientadores do mundo poderemos encontrar formosos espetáculos da glória passageira; contudo, é muito difícil não terminarmos a experiência em desilusão e poeira. Somente Jesus oferece estrada invariável para a Ressurreição Divina. Quem se desenvolve, portanto, com o exemplo e com a palavra do Mestre, trabalhando por reve-lar bondade e luz, em si mesmo, desde as lutas e ensinamentos do mundo, pode ser considerado cidadão celeste. (Apontamentos: O nosso estágio de orgulho e egoísmo, de toda a humanidade encarnada e desencarnada, não nos permite ab-dicar facilmente dos valores mundanos e assumir os valores espirituais. Na atualidade podemos observar a priorização de tudo que se refere à ‘liberalidade’ como se isso fosse ‘liberdade’, e toda essa ‘liberalidade’ de-nota desequilíbrio moral com total desvio da Lei de Deus. Não é pregação de púlpito, nem de purismo burro e nem de sinais catastróficos, apenas sinais de intensa encarnação de Espíritos que ‘sentem’ ter perdido o trem da bem-aventurança e procuram desestabilizar àqueles que se preparam para a próxima ‘partida’ do trem. Estudar, observar, meditar e decidir, pelo seu inteiro livre-arbítrio, se é interessante ou não ser passageiro do trem... Alguém disse: Aquele que quiser, pegue seu fardo e Me siga!)

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2 NA DIREÇÃO DO BEM O Senhor tudo criou na direção do bem. Todas as criaturas, por isto, são chamadas a produzir proveitosamente. A erva tenra sustenta os animais. A fonte oculta socorre o inseto humilde. A árvore é abençoada companheira dos humanos. A flor produzirá fruto. O fruto dar-nos-á mesa farta. O rio distribui as águas. A chuva lava o céu e sacia a terra sedenta. A pedra faz o alicerce de nossa casa. A boa palavra revela o bom caminho. Como desconhecer os santos propósitos da vida, se a natureza que a sustenta reflete os sábios de-sígnios da Providência? Grande escola para o nosso Espírito, a Terra é um livro gigantesco em que podemos ler a mensa-gem de amor universal que o Pai Celeste nos envia. Desde a gota de orvalho que alimenta o cacto espinhoso, à luz do Sol que brilha no alto para to-dos os seres, podemos sentir o apelo da Infinita Sabedoria ao serviço de cooperação na felicida-de, na paz e na alegria dos semelhantes. Todo homem e toda mulher nascem no mundo para tarefas santificantes, segundo a Divina Lei. Com alegria, o bom administrador governa os interesses do povo. Com alegria, o bom lavrador ara o solo e protege a sementeira. O homem que semeia no chão, garantindo a subsistência das criaturas, é irmão daquele que diri-ge o pensamento das nações para o conhecimento divino. A mulher que recebe homenagens pelas suas virtudes públicas é irmã daquela que, na intimidade do lar, se sacrifica pela criancinha doente. Deus conhece as pessoas pelo que produzem, assim como nós conhecemos as árvores pelos fru-tos que nos estendem. Em razão disto, os humanos bons são amados e respeitados. A presença deles atrai o carinho e a veneração dos semelhantes. Os maus, todavia, são portado-res de ações e palavras indesejáveis e toda gente lhes evita o convívio, tanto quanto nos afasta-mos das plantas espinhosas e ingratas. O humano bom compreende que a vida lhe pede a bênção do serviço e levanta-se cada manhã, pensando: — “Que belo dia para trabalhar!”. O mau, porém, ergue-se de mau humor. Não sabe sorrir para os que o cercam e costuma excla-mar: — “Dia terrível! Que destino cruel! Detesto o trabalho e odeio a vida!”. Um humano, qual esse, precisa de auxílio dos humanos bons, porque em não se dedicando ao serviço digno será realmente muito infeliz. (Apontamentos: Todo homem e toda mulher nascem no mundo para tarefas santificantes, segundo a Divina Lei. Quando lemos a frase em destaque, logo observamos a palavra ‘santificante’, e nos vem a ideia de ‘religião! Mas esse pensamento é produto da deturpação efetuada no sentido dessa palavra pelo próprio humano ao se empoleirar no ‘poder’ de igrejas! Ao nos criar, por Deus fomos agraciados pela oportunidade de atingirmos a ‘perfeição’ de conhecimentos e a ‘pureza’ moral, e essas duas situações é que indicam a ‘santificação’, portan-to nada tem com os valores igrejeiros ou humanos, é de valor transcendente e vem de dentro de cada criatura humana!)

7 3 PEQUENA HISTÓRIA

Um dia, a Gota d’Água, o Raio de Luz, a Abelha e o Homem Preguiçoso chegaram ao Trono de Deus. O Todo-Poderoso recebeu-os, com bondade, e perguntou pelo que faziam. A Gota d’Água avançou e disse: — Senhor, eu estive num terreno quase deserto, auxiliando uma raiz de laranjeira, vi muitas ár-vores sofrendo sede e diversos animais que passavam, aflitos, procurando mananciais. Fiz o que pude, mas venho pedir-te outras Gotas d’Água que me ajudem a socorrer quantos necessitam de nós. O Pai sorriu, satisfeito, e exclamou: — Bem-aventurada sejas pelo entendimento de minhas obras. Dar-te-ei os recursos das chuvas e das fontes. Logo após, o Raio de Luz adiantou-se e falou: — Senhor, eu desci... desci... e encontrei o fundo de um abismo. Nesse antro, combati a sombra, quanto me foi possível, mas notei a presença de muitas criaturas suplicando claridade. Venho ao Céu rogar-te outros Raios de Luz que comigo cooperem na libertação de todos aqueles que, no mundo, ainda sofrem a pressão das trevas. O Pai, contente, respondeu: — Bem-aventurado sejas pelo serviço à Criação. Dar-te-ei o concurso do Sol, das lâmpadas, dos livros iluminados e das boas palavras que se encontram na Terra. Depois disso, a Abelha explicou-se: — Senhor, tenho fabricado todo o mel, ao alcance de minhas possibilidades. Mas vejo tantas cri-anças fracas e doentes que te venho implorar mais flores e mais Abelhas, a fim de aumentar a produção... O Pai, muito feliz, abençoou-a e replicou: — Bem-aventurada sejas pelos benefícios que prestaste. Conceder-te-ei novos jardins e novas companheiras. Em seguida, o Homem Preguiçoso foi chamado a falar. Fez uma cara desagradável e informou: — Senhor, nada consegui fazer. Por todos os lados, encontrei a inveja e a perseguição, o ódio e a maldade. Tive os braços atados pela ingratidão dos meus semelhantes. Tanta gente má permane-cia em meu caminho que, em verdade, nada pude fazer. O Pai bondoso, com expressão de descontentamento, exclamou: — Infeliz de ti, que desprezaste os dons que te dei. Adormeceste na preguiça e nada fizeste. Os seres pequeninos e humildes alegraram meu Trono com o relatório de seus trabalhos, mas tua boca sabe apenas queixar, como se a inteligência e as mãos que te confiei para nada valessem. Retira-te! Os filhos inúteis e ingratos não devem buscar-me a presença. Regressa ao mundo e não voltes a procurar-me enquanto não aprenderes a servir. A Gota d’Água regressou, cristalina e bela. O Raio de Luz tornou aos abismos, brilhando cada vez mais. A Abelha desceu zumbindo, feliz. O Homem Preguiçoso, porém, retirou-se muito triste. (Apontamentos: — Infeliz de ti, que desprezaste os dons que te dei. Adormeceste na preguiça e nada fizeste. Os seres pequeninos e humildes alegraram meu Trono com o relatório de seus trabalhos, mas tua boca sabe apenas queixar, como se a inte-ligência e as mãos que te confiei para nada valessem. Tente repetir a frase acima, em voz alta e firme, estando defronte ao espelho, e observe a resposta do espe-lho...)

8 4 PRÊMIO AO SACRIFÍCIO

Três irmãos dedicados a Jesus leram no Evangelho que cada humano receberá sempre, de acordo com as próprias obras, e prometeram cumprir as lições do Mestre. O primeiro colocou-se na indústria do fio de algodão e, de tal modo se aplicou ao serviço que, em breve, passou à condição de interessado nos lucros administrativos. Dentro de vinte e cinco anos, era o chefe da organização e adquiriu títulos de verdadeiro benfeitor do povo. Ganhava di-nheiro com imensa facilidade e socorria a infortunados e sofredores. Dividia o trabalho equitati-vamente e distribuía os lucros com justiça e bondade. O segundo estudou muito tempo e tornou-se juiz famoso. Embora gozasse do respeito e da esti-ma dos contemporâneos, jamais olvidou os compromissos que assumira à frente do Evangelho. Defendeu os humildes, auxiliou os pobres e libertou muitos prisioneiros perseguidos pela malda-de. De juiz tornou-se legislador e cooperou na confecção de leis benéficas e edificantes. Viveu sempre honrado, rico, feliz, correto e digno. O terceiro, porém, era paralítico. Não podia usar a inteligência com facilidade. Não poderia co-mandar uma fábrica, nem dominar um tribunal. Tinha as pernas mirradas. O leito era a sua resi-dência. Lembrou, contudo, que poderia fazer um serviço de oração e começou a tarefa pela hu-milde mulher que lhe fazia a limpeza doméstica. Viu-a triste e lacrimosa e procurou conhecer-lhe as mágoas com discrição e fraternidade. Con-fortou-a com ternura de irmão. Convidou-a a orar e pediu para ela as bênçãos divinas. Bastou isto e, em breve, trazidos pela servidora reconhecida, outros sofredores vinham rogar-lhe o concurso da prece. O aposento singelo encheu-se de necessitados. Orava em companhia de to-dos, oferecia-lhes o sorriso de confiança na bondade celeste. Comentava os benefícios da dor, expunha suas esperanças no Reino Divino. Dava de si mesmo, gastando emoções e energias no santo serviço do bem. Escrevia cartas inúmeras, consolando viúvas e órfãos, doentes e infortuna-dos, insuflando-lhes paz e coragem. Comia pouco e repousava menos. Tanto sofreu com as dores alheias que chegou a esquecer-se de si mesmo e tanto trabalhou que perdeu o dom da vista. Ce-go, contudo, não ficou sozinho. Prosseguiu colaborando com os sofredores, através da oração, ajudando-os, cada vez mais. Morreram os três irmãos, em idade avançada, com pequenas diferenças de tempo. Quando se reuniram, na vida espiritual, veio um Anjo examinar-lhes as obras com uma balança. O industrial e o juiz traziam grande bagagem, que se constituía de várias bolsas, recheadas com o dinheiro e com as sentenças que haviam distribuído em benefício de muitos. O servidor da prece trazia apenas pequeno livro, onde costumava escrever suas rogativas. O primeiro foi abençoado pelo conforto que espalhou com os necessitados e o segundo foi tam-bém louvado pela justiça que semeara sabiamente. Quando o Anjo, porém, abriu o livro do ex-paralítico, dele saiu uma grande luz, que tudo envolveu numa coroa resplandecente. A balança foi incapaz de medir-lhe a grandeza. Então, o Mensageiro falou-lhe, feliz: — Teus irmãos são benditos na Casa do Pai pelos recursos que distribuíram, em favor do próxi-mo, mas, em verdade, não é muito difícil ajudar com o dinheiro e com a faina que se multiplicam facilmente no mundo. Sê, porém, bem-aventurado, porque deste de ti mesmo, no amor santifi-cante. Gastaste as mãos, os olhos, o coração, as forças, os sentimentos e o tempo a benefício dos semelhantes e a Lei do Sacrifício determina que a tua moradia seja mais alta. Não transmitiste apenas os bens da vida: irradiaste os dons de Deus. E o servidor humilde do povo foi conduzido a um céu mais elevado, de onde passou a exercer autoridade sobre muita gente. (Apontamentos: — Teus irmãos são benditos na Casa do Pai pelos recursos que distribuíram, em favor do próximo, mas, em verda-de, não é muito difícil ajudar com o dinheiro e com a faina que se multiplicam facilmente no mundo. Sê, porém, bem-aventurado, porque deste de ti mesmo, no amor santificante. Gastaste as mãos, os olhos, o coração, as forças, os sentimentos e o tempo a benefício dos semelhantes e a Lei do Sacrifício determina que a tua moradia seja mais alta. Não transmitiste apenas os bens da vida: irradiaste os dons de Deus.

9 Aqui estão muito bem representadas as duas formas de ‘caridade’; a material e a espiritual. Ainda acredi-tamos que seus valores são iguais, e fazemos a material por ser mais fácil! Quando entendermos que o mos que seus valores são iguais, e fazemos a material por ser mais fácil! Quando entendermos que o auxílio material – benemerência - é escola educativa para atingirmos o auxílio espiritual – caridade -, poderemos caminhar tranquilos, pois acertamos a vereda do evolutivo espiritual!)

10 5 O SERVO FELIZ

Certo dia, chegaram ao Céu um Marechal, um Filósofo, um Político e um Lavrador. Um Emissário Divino recebeu-os, em elevada esfera, a fim de ouvi-los. O Marechal aproximou-se, reverente, e falou: — Mensageiro do Comando Supremo, venho da Terra distante. Conquistei muitas medalhas de mérito, venci numerosos inimigos, recebi várias homenagens em monumentos que me honram o nome. — Que deseja em troca de seus grandes serviços? — indagou o Enviado. — Quero entrar no Céu. O Anjo respondeu sem vacilar: — Por enquanto, não pode receber a dádiva. Soldados e adversários, mulheres e crianças cha-mam-no insistentemente da Terra. Verifique o que alegam de sua passagem pelo mundo e volte mais tarde. O Filósofo acercou-se do preposto divino e: — Anjo do Criador Eterno, venho do acanhado círculo dos humanos. Dei às criaturas muita ma-téria de pensamento. Fui laureado por academias diversas. Meu retrato figura na galeria dos di-cionários terrestres. — Que pretende pelo que fez? — perguntou o Emissário. — Quero entrar no Céu. — Por agora, porém — respondeu o mensageiro sem titubear —, não lhe cabe a concessão. Mui-tas mentes estão trabalhando com as ideias que você deixou no mundo e reclamam-lhe a presen-ça, de modo a saberem separar-lhe os caprichos pessoais da inspiração sublime. Regresse ao ve-lho posto, solucione seus problemas e torne oportunamente. O Político tomou a palavra e acentuou: — Ministro do Todo-Poderoso, fui administrador dos interesses públicos. Assinei várias leis que influenciaram meu tempo. Meu nome figura em muitos documentos oficiais. — Que pede em compensação? — perguntou o Missionário do Alto. — Quero entrar no Céu. O Enviado, no entanto, respondeu, firme: — Por enquanto, não pode ser atendido. O povo mantém opiniões divergentes a seu respeito. I-númeras pessoas pronunciam-lhe o nome com amargura e esses clamores chegam até aqui. Re-torne ao seu gabinete, atenda às questões que lhe interessam a paz íntima e volte depois. Aproximou-se, então, o Lavrador e falou, humilde: — Mensageiro de Nosso Pai, fui cultivador da terra... Plantei o milho, o arroz, a batata e o feijão. Ninguém me conhece, mas eu tive a glória de conhecer as bênçãos de Deus e recebê-las, nos rai-os do Sol, na chuva benfeitora, no chão abençoado, nas sementes, nas flores, nos frutos, no amor e na ternura de meus filhinhos... O Anjo sorriu e disse: — Que prêmio deseja? O Lavrador pediu, chorando de emoção: — Se Nosso Pai permitir, desejaria voltar ao campo e continuar trabalhando. Tenho saudades da contemplação dos milagres de cada dia... A luz surgindo no firmamento em horas certas, a flor desabrochando por si mesma, o pão a multiplicar-se!... Se puder, plantarei o solo novamente para ver a grandeza divina a revelar-se no grão, transformado em dadivosa espiga... Não aspiro a ou-tra felicidade senão a de prosseguir aprendendo, semeando, louvando e servindo!... O Mensageiro Espiritual abraçou-o e exclamou, chorando igualmente, de júbilo: — Venha comigo! O Senhor deseja vê-lo e ouvi-lo, porque diante do Trono Celestial apenas comparece quem procura trabalhar e servir sem recompensa. (Apontamentos: — Venha comigo! O Senhor deseja vê-lo e ouvi-lo, porque diante do Trono Celestial apenas comparece quem pro-cura trabalhar e servir sem recompensa.

11 É evidente que sempre esperamos colher ‘recompensas’ por aquilo que estamos fazendo! O que a frase em destaque se refere como ‘recompensa’ é a imediata. Queremos que os resultados apareçam tão logo façamos a ação. Quando já entendemos os valores espirituais não ficamos observando a ocorrência de ‘recompensas’, apenas fazemos aquilo que as nossas possibilidades permitem e colocamos à Lei de Deus, no tempo devido, as eventuais recompensas!)

12 6 REBELDIA

O pequeno rebelde amava a Mãezinha viúva com entranhado amor; entretanto, iludido pela in-disciplina, dava ouvido, aos conselhos perversos. Estimava a leitura de episódios sensacionais, em que humanos revoltados formam quadrilhas de malfeitores, nas cidades grandes, e, a qualquer página edificante, preferia o folhetim com aventu-ras desagradáveis ou criminosas. Engolfou-se em tantas histórias de gente má que, embora a pa-lavra materna o convidasse ao trabalho digno, trazia sempre respostas negativas e rudes na ponta da língua. — Filho — exclamava a senhora paciente —, humano de bem acomoda-se no serviço. — Eu não! — replicava, zombeteiro. — Vamos à oficina. O chefe prometeu ceder-te um lugar. — Não vou! Não vou!... — Mas já deixaste a escola, meu filho. É tempo de crescer e progredir nos deveres bem cumpri-dos. — Não fui à escola, a fim de escravizar-me. Tenho inteligência. Ganharei com menor esforço. E enquanto a genitora costurava, até tarde, de modo a manter a casa modesta, o filho, já rapaz, vivia habitualmente na rua movimentada. Tomava alcoólicos em excesso e entregava-se a com-panhias perigosas que, pouco a pouco, lhe degradaram o caráter. Chegava a casa, embriagado, altas horas da noite, muita vez conduzido por guardas policiais. Vinha a devotada mãe com o socorro de todos os instantes e rogava-lhe, no outro dia: — Filho, trabalhemos dignamente. Todo tempo é adequado à retificação dos nossos erros. Atrevido e ingrato, resmungava: — A senhora não me entende. Cale-se. Só fala em dever, dever, dever... A pobre costureira pedia-lhe calma, juízo e chorava, depois, em preces. Avançando no vicio, o rapaz começou a errar às escondidas. Assaltava instituições comerciais, onde sabia fácil o acesso ao dinheiro; e quando a mãezinha, adivinhando-lhe as faltas, tentou a-conselhá-lo, gritou: — Mãe, não preciso de suas observações! Deixá-la-ei em paz e voltarei, mais tarde, com grande fortuna. Dar-lhe-ei casa, roupa e bem-estar com fartura. A senhora tem o pensamento preso a o-brigações porque, desde cedo, vem atravessando vida miserável. Assim dizendo, fugiu para a via pública e não regressou ao lar. Ninguém mais soube dele. Ausentara-se, definitivamente, em direção a importante metrópole, a-limentando o propósito de furtar recursos alheios, de maneira a voltar muito rico ao convívio ma-ternal. Passou o tempo. Um, dois, três, quatro, cinco anos... A mãezinha, contudo, não perdeu a esperança de reencontrá-lo. Certo dia, a imprensa estampou nos jornais o retrato de um ladrão que se tornava famoso pela audácia e inteligência. A costureira reconheceu nele o filho e tocou para a cidade que o abrigava. A policia não lhe conhecia o endereço e, porque fosse difícil localizá-lo rapidamente, a senhora tomou quarto num hotel, a fim de esperar. Na terceira noite em que aí se encontrava, notou que um homem embuçado lhe penetrava o apo-sento às escuras. Aproximou-se apressado para surripiar-lhe a bolsa. Ela tossiu e ia gritar por so-corro, quando o ladrão, temendo as consequências, lhe agarrou a garganta e estrangulou-a. Nos estertores da morte, a costureira reconheceu a presença do filho e murmurou, debilmente: — Meu... meu... filho... Alucinado, o rapaz fez luz, identificou a mãezinha já morta e caiu de joelhos, gritando de dor selvagem. A desobediência conduzira-o, progressivamente, ao crime e à loucura. (Apontamentos:

13 — A senhora não me entende. Cale-se. Só fala em dever, dever, dever... Interessante é que não existe um só indivíduo no mundo, quer seja homem ou mulher, que reclame de usar de seus direitos, nós acreditamos que os direitos são nossos naturalmente e que os deveres são artificiais, e nem ligamos se os outros também assim podem pensar e agir! Ao estudarmos os Evangelhos, ou ao Evangelho Se-gundo o Espiritismo, facilmente compreendemos que o Mestre nos ensina o seguinte: Use seu livre-arbítrio dentro de seus direitos e deveres, pois a felicidade está no correto uso destes dentro da Lei de Deus. O amanhã - acredite se quiser - é que julgará esse correto uso...)

14 7 O GRANDE PRÍNCIPE

Um rei oriental, poderoso e sábio, achando-se envelhecido e doente, reuniu os três filhos, deu a cada um deles dois camelos carregados de ouro, prata e pedras preciosas e determinou-lhes gas-tar esses tesouros, em viagens pelo reino, durante três meses, com a obrigação de voltarem, logo após, a fim de que ele pudesse efetuar a escolha do príncipe que o sucederia no trono. Findo o prazo estabelecido, os jovens regressaram à casa paterna. Os dois mais velhos exibiam mantos riquíssimos e chegaram com enorme ruído de carruagens, mas o terceiro vinha cansado e ofegante, arrimando-se a um bordão qual mendigo, despertando a ironia e o assombro de muita gente. O rei bondoso abençoou-os discretamente e dispôs-se a ouvi-los, perante compacta multidão. O primeiro aproximou-se, fez larga reverência, e notificou: — Meu pai e meu soberano, viajei em todo o centro do País e adquiri, para teu descanso, um admirável palácio, onde teu nome será venerado para sempre. Comprei escravos vigorosos que te sirvam e reuni, nesse castelo, digno de ti, todas as maravilhas de nosso tempo. Dessa moradia resplandecente, poderás governar sempre honrado, forte e feliz. O monarca pronunciou algumas palavras de agradecimento, mostrou amoroso gesto de aprova-ção e mandou que o segundo filho se adiantasse: — Meu pai e meu rei! — exclamou, contente — trago-te a coleção de tapetes mais ricos do mundo. Dezenas de pessoas perderam o dom da vista, a fim de tecê-los. Aproxima-se da cidade uma caravana de vinte camelos, carregando essas preciosidades que te ofereço, ó augusto diri-gente, para revelares tua fortuna e poder!... O monarca expressou gratidão numa frase carinhosa e recomendou que o mais moço tomasse a palavra. O filho mais novo, alquebrado e mal vestido, ajoelhou-se e falou, então: — Amado pai, não trouxe qualquer troféu para o teu trono venerável e glorioso... Viajei pela ter-ra que o Supremo Senhor te confiou, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, e vi que os súditos espe-ram de teu governo a paz e o bem-estar, tanto quanto o crente aguarda a felicidade da Proteção do Céu... Nas montanhas, encontrei a febre devorando corpos mal abrigados e movimentei médi-cos e remédios, em favor dos sofredores. Ao Norte, vi a ignorância dominando milhares de me-ninos e jovens desamparados e instalei escolas em nome de tua administração justiceira. A Oes-te, nas regiões pantanosas, fui surpreendido por bandos de leprosos e dei-lhes conveniente asilo em teu nome. Nas cidades do Sul, notei que centenas de mulheres e crianças são vilmente explo-radas pela maldade humana e iniciei a construção de oficinas em que o trabalho edificante as re-colha. Nas fronteiras, conheci inúmeros escravos de ombros feridos, amargurados e doentes, e li-bertei-os, anunciando-lhes a magnanimidade de tua coroa!... A comoção interrompeu-o. Fez-se grande silêncio e viu-se que o velho soberano mostrava os o-lhos cheios de lágrimas. O rapaz cobrou novo ânimo e terminou: — Perdoa-me se entreguei teu dinheiro aos necessitados e desculpa-me se regresso à tua presen-ça envolvido em extrema pobreza, por haver conhecido, de perto, a miséria, a enfermidade, a ig-norância e a fome nos domínios que o Céu conferiu às tuas mãos benfeitoras... A única dádiva que te trago, amado pai, é o meu coração reconhecido pelo ensinamento que me deste, permitin-do-me contemplar o serviço que me cabe fazer... Não desejo descansar enquanto houver sofri-mento neste reino, porque aprendi contigo que as necessidades dos filhos do povo são iguais às dos filhos do rei!... O velho monarca, em pranto, muito trêmulo, desceu do trono, abraçou demoradamente o filho esfarrapado, retirou a coroa e colocou-a sobre a fronte dele, exclamando, solene: — Grande Príncipe: Deus, o Eterno Senhor te abençoe para sempre! É a ti que compete o direito de governar, enquanto viveres. A multidão aplaudiu, delirando de júbilo, enquanto o jovem soberano, ajoelhado, soluçava de emoção e reconhecimento.

15 (Apontamentos: É evidente que esta história se encaixa no ensino do Mestre Amado: Não junteis tesouros na Terra... O difícil é nós nos conscientizarmos desse valor, ele é espiritual! Ainda amamos os bens materiais, louvamos os pode-rosos da Terra e... Esquecemo-nos do nosso amanhã! O tempo está aí, usemo-lo para aprender e fazer...)

16 8 O JUIZ RETO

Ao tribunal de Eliaquim ben Jefté, juiz respeitável e sábio, compareceu o negociante Jonatan ben Caiar arrastando Zorobabel, miserável mendigo. — Este homem — clamou o comerciante, furioso — impingiu-me um logro de vastas propor-ções! Vendeu-me um colar de pérolas falsas, por cinco peças de ouro, asseverando que valiam cinco mil. Comprei as joias, crendo haver realizado excelente negócio, descobrindo, afinal, que o preço delas é inferior a dois ovos cozidos. Reclamei diretamente contra o mistificador, mas este vagabundo já me gastou o rico dinheiro. Exijo para ele as penas da justiça! É ladrão reles e con-denável!... O magistrado, porém, que cultuava a Justiça Suprema, recomendou que o acusado se pronunci-asse por sua vez: — Grande juiz — disse ele, timidamente —, reconheço haver transgredido os regulamentos que nos regem. Entretanto, tenho meus dois filhos estirados na cama e debalde procuro trabalho dig-no, pois mo recusam sempre, a pretexto de minha idade e de minha pobre apresentação. Real-mente, enganei o meu próximo e sou criminoso, mas prometo resgatar meu débito logo que pu-der. O juiz meditou longamente e sentenciou: — Para Zorobabel, o mendigo, cinco bastonadas entre quatro paredes, a fim de que aprenda a so-frer honestamente, sem assalto à bolsa dos semelhantes, e, para Jonatan, o mercador, vinte basto-nadas, na praça pública, de modo a não mais abusar dos humildes. O negociante protestou, revoltado: — Que ouço? Sou vítima de um ladrão e devo pagar por faltas que não cometi? Iniquidade! Ini-quidade!... O magistrado, todavia, bateu forte com um martelo sobre a mesa, chamando a atenção dos pre-sentes, e esclareceu, em voz alta: — Jonatan ben Caiar, a justiça verdadeira não reside na Terra para examinar as aparências. Zo-robabel, o vagabundo, chefe de uma família infeliz, furtou-te cinco peças de ouro, no propósito de socorrer os filhos desventurados, porém, tu, por tua vez, tentaste roubar dele, valendo-te do infortúnio que o persegue, apoderando-te de um objeto que acreditaste valer cinco mil peças de ouro ao preço irrisório de cinco. Quem é mais nocivo à sociedade, perante Deus: o mísero esfo-meado que rouba um pão, a fim de matar a fome dos filhos, ou o humano já atendido pela Bon-dade do Eterno, com os dons da fortuna e da habilidade, que absorve para si uma padaria inteira, a fim de abusar, calculadamente, da alheia indigência? Quem furta por necessidade pode ser um louco, mas quem acumula riquezas, indefinidamente, sem movimentá-las no trabalho construtivo ou na prática do bem, com absoluta despreocupação pelas angústias dos pobres, muita vez passa-rá por inteligente e sagaz, aos olhos daqueles que, no mundo, adormeceram no egoísmo e na am-bição desmedida, mas é malfeitor diante do Todo-Poderoso que nos julgará a todos, no momento oportuno. E, sob a vigilância de guardas robustos, Zorobabel tomou cinco bastonadas em sala de portas la-cradas, para aprender a sofrer sem roubar, e Jonatan apanhou vinte, na via pública, de modo a não mais explorar, sem escrúpulos, a miséria, a simplicidade e a confiança do povo. (Apontamentos: É bom nem imaginar se houvesse um juiz desse calibre por aqui!)

17 9 O RICAÇO DISTRAÍDO

Existiu um humano devoto que chegou ao Céu e, sendo recebido por um Anjo do Senhor, implo-rou, enlevado: — Mensageiro Divino, que devo fazer para vir morar, em definitivo, ao lado de Jesus? — Faze o bem — informou o Anjo — e volta mais tarde. — Posso rogar-te recursos para semelhante missão? — Pede o que desejas. — Quero dinheiro, muito dinheiro, para socorrer o meu próximo. O emissário estranhou o pedido e considerou: — Nem sempre o ouro é o auxiliar mais eficiente para isso. — Penso, contudo, meu santo amigo, que, sem ouro, é muito difícil praticar a caridade. — E não temes as tentações do caminho? — Não. — Terás o que almejas — afirmou o mensageiro —, mas não te esqueças de que o tesouro de cada humano permanece onde tem o coração, porque todo Espírito reside onde coloca o pensa-mento. Tuas possibilidades materiais serão multiplicadas. No entanto, não olvides que as dádivas divinas, quando retidas despropositadamente pelo humano, sem qualquer proveito para os seme-lhantes, transformam-no em prisioneiro delas. A lei determina sejamos escravos dos excessos a que nos entregarmos. Prometeu o humano exercer a caridade, servir extensamente e retornou ao mundo. Os Anjos da Prosperidade começaram, então, a ajudá-lo. Multiplicaram-lhe, de início, as peças de roupa e os pratos de alimentação; todavia, o devoto já remediado suplicou mais roupas e mais alimentos. Deram-lhe casa e haveres. Longe, contudo, de praticar o bem, considerava sempre escassos os dons que possuía e rogou mais casas e mais ha-veres. Trouxeram-lhe rebanhos e chácaras, mas o interessado em subir ao paraíso pela senda da caridade, temendo agora a miséria, implorou mais rebanhos e mais chácaras. Não cedia um quar-to, nem dava uma sopa a ninguém, declarando-se sem recursos para auxiliar os necessitados e esperava sempre mais, a fim de distribuir algum pão com eles. No entanto, quanto mais o Céu lhe dava, mais exigia do Céu. De espontâneo e alegre que era, passou a ser desconfiado, carrancudo e arredio. Receando amigos e inimigos, escondia grandes somas em caixa forte, e quando envelheceu, de todo, veio a morte, separando-o da imensa fortuna. Com surpresa, acordou em Espírito, deitado no cofre grande. Objetos preciosos, pedaços de ouro e prata e vastas pilhas de cédulas usadas serviam-lhe de leito. Tinha fome e sede, mas não podia servir-se das moedas; queria a liberdade, porém, as notas de banco pareciam agarrá-lo, à maneira do visco retentor de pássaro cativo. — Santo Anjo! — gritou, em pranto — vem! Ajuda-me a partir, em direção à Casa Celestial!... O mensageiro dignou-se baixar até ele e, reparando-lhe o sofrimento, exclamou: — É muito tarde para súplicas! Estás sufocado pela corrente de facilidades materiais que o Se-nhor te confiou, porque a fizeste rolar tão somente em torno de ti, sem qualquer benefício para os irmãos de luta e experiência... — E que devo fazer — implorou o infeliz — para retomar a paz e ganhar o paraíso? O Anjo pensou, pensou... E respondeu: — Espalha com proveito as moedas que ajuntaste inutilmente, desfaze-te da terra vasta que reti-veste em vão, entrega à circulação do bem todos os valores que recebeste do Tesouro Divino e que amontoaste em derredor de teus pés, atendendo ao egoísmo, à vaidade, à avareza e à ambi-ção destrutiva e, depois disso, vem a mim para retomarmos o entendimento efetuado há sessenta anos... Reconhecendo, porém, o humano que já não dispunha de um corpo de carne para semelhante serviço, começou a gritar e blasfemar, como se o inferno estivesse morando em sua própria consciência.

18 (Apontamentos: Sempre que rogamos ajuda dos irmãos espirituais para ações materiais, nós devemos pesar muito bem se es-sas ações também têm valor espiritual. Construir uma salinha para reuniões de Evangelho e estudo é muito mais válido do que erguer um palacete àquele que não o tem! O primeiro apresenta possibilidades de elucida-ção espiritual, o segundo dificilmente apresentará essa qualidade. Oferecer uma refeição ao faminto é utilís-simo e idealmente deve ser continuada por um tempo, mas e se o faminto é um ‘vagabundo’? Fazer o bem sem olhar a quem, mas obrigatoriamente saber por que faz!)

19 10 O BURRO DE CARGA

No tempo em que não havia automóveis, na cocheira de famoso palácio real um burro de carga curtia imensa amargura, em vista das pilhérias e remoques dos companheiros de apartamento. Reparando-lhe o pelo maltratado, as fundas cicatrizes do lombo e a cabeça tristonha e humilde, aproximou-se formoso cavalo árabe, que se fizera detentor de muitos prêmios, e disse, orgulho-so: — Triste sina a que recebeste! Não invejas minha posição nas corridas? Sou acariciado por mãos de princesas e elogiado pela palavra dos reis! — Pudera! Exclamou um potro de fina origem inglesa — como conseguirá um burro entender o brilho das apostas e o gosto da caça? O infortunado animal recebia os sarcasmos, resignadamente. Outro soberbo cavalo, de procedência húngara, entrou no assunto e comentou: — Há dez anos, quando me ausentei de pastagem vizinha, vi este miserável sofrendo rudemente nas mãos de bruto amansador. É tão covarde que não chegava a reagir, nem mesmo com um coi-ce. Não nasceu senão para carga e pancadas. É vergonhoso suportar-lhe a companhia. Nisto, admirável jumento espanhol acercou-se do grupo, e acentuou sem piedade: — Lastimo reconhecer neste burro um parente próximo. É animal desonrado, fraco, inútil... Não sabe viver senão sob pesadas disciplinas. Ignora o aprumo da dignidade pessoal e desconhece o amor próprio. Aceito os deveres que me competem até o justo limite; mas, se me constrangem a ultrapassar as obrigações, recuso-me à obediência, pinoteio e sou capaz de matar. As observações insultuosas não haviam terminado, quando o rei penetrou o recinto, em compa-nhia do chefe das cavalariças. — Preciso de um animal para serviço de grande responsabilidade — informou o monarca —, a-nimal dócil e educado, que mereça absoluta confiança. O empregado perguntou: — Não prefere o árabe, Majestade? Não, não — falou o soberano — é muito altivo e só serve para corridas em festejos oficiais sem maior importância. — Não quer o potro inglês? — De modo algum. É muito irrequieto e não vai além das extravagâncias da caça. — Não deseja o húngaro? — Não, não. É bravio, sem qualquer educação. É apenas um pastor de rebanho. — O jumento serviria? — insistiu o servidor atencioso. — De maneira nenhuma. É manhoso e não merece confiança. Decorridos alguns instantes de silêncio, o soberano indagou: — Onde está o meu burro de carga? O chefe das cocheiras indicou-o, entre os demais. O próprio rei puxou-o carinhosamente para fora, mandou ajaezá-lo com as armas resplandecen-tes de sua Casa e confiou-lhe o filho, ainda criança, para longa viagem. Assim também acontece na vida. Em todas as ocasiões, temos sempre grande número de amigos, de conhecidos e companheiros, mas somente nos prestam serviços de utilidade real aqueles que já aprenderam a suportar, servir e sofrer, sem cogitar de si mesmos. (Apontamentos: Como caminhamos para a fraternidade universal e somos todos irmãos, é importante que nos lembremos de sempre colocar a frase correta: Somente prestam serviços de valor espiritual aqueles que se suportam, se ser-vem e sofrem juntos. Qualquer outra interpretação é interesseira...)

20 11 A LIÇÃO INESQUECÍVEL

Hilda, menina abastada, diariamente dirigia más palavras à pequena vendedora de doces que lhe batia humildemente à porta da casa. — Que vergonha! De bandeja! De esquina a esquina! Vai-te daqui! — gritava, sem razão. A modesta menina se punha pálida e trêmula. Entrementes, a dona da casa, tentando educar a filha, vinha ao encontro da pequena humilhada e dizia, bondosa: — Que doces tão perfeitos! Quem os fez assim tão lindos? A mocinha, reanimada, respondia, contente: — Foi a mamãe. A generosa senhora comprava sempre alguma coisa e, em seguida, recomendava à filha: — Hilda, não brinques com o destino. Nunca expulses o necessitado que nos procura. Quem sa-be o que sucederá amanhã? Aqueles que socorremos serão provavelmente os nossos benfeitores. A menina resmungava e, à noite, ao jantar, o pai secundava os conselhos maternos, acrescentan-do: — Não zombes de ninguém, minha filha! O trabalho, por mais humilde, é sempre respeitável e edificante. Por certo, dolorosas necessidades impelirão uma criança a vender doces, de porta em porta. Hilda, contudo, no dia seguinte, fustigava a vendedora, exclamando: — Fora daqui! Bruxa! Bruxa!... A mãe devotada acolhia a pequena descalça e repetia à filha as advertências carinhosas da véspe-ra. Correu o tempo e, depois de quatro anos, o quadro da vida se modificara. O paizinho de Hilda adoeceu e debalde os médicos procuraram salvá-lo. Morreu numa tarde calma, deixando o lar vazio. A viúva recolheu-se ao leito extremamente abatida e, com as despesas enormes, em breve a po-breza e o desconforto invadiram-lhe a residência. A pobre senhora mal podia mover-se. Privações chegaram em bando. A menina, anteriormente abastada, não podia agora comprar nem mesmo um par de sapatos. Aflita por resolver a angustiosa situação, certa noite Hilda chorou muitíssimo, lembrando-se do papai. Dormiu, lacrimosa, e sonhou que ele vinha do Céu confortá-la. Ouviu-o dizer, perfeita-mente: — Não desanimes, minha filha! Vai trabalhar! Vende doces para auxiliar a mamãe!... Despertou, no dia imediato, com o propósito firme de seguir o conselho. Ajudou a mãezinha enferma a fazer muitos quadrinhos de doce de leite e, logo após, saiu a ven-dê-los. Algumas pessoas generosas compravam-nos com evidente intuito de auxiliá-la; entretan-to, outras criaturas, principalmente meninos perversos, gritavam-lhe aos ouvidos: — Sai daqui! Bruxa de bandeja!... Sentia-se triste e desalentada, quando bateu à porta de uma casa modesta. Graciosa jovem aten-deu. Ah! Que surpresa! Era a menina pobre que costumava vender cocadas noutro tempo. Estava crescidinha, bem vestida e bonita. Hilda esperou que ela a maltratasse por vingança, mas a jovem humilde fitou nela os grandes o-lhos, reconheceu-a, compreendeu-lhe a nova situação e exclamou, contente: — Que doces tão perfeitos! Quem os fez assim tão lindos? A interpelada lembrou os ensinamentos maternos de anos passados e informou: — Foi a mamãe. A ex-vendedora comprou quantos quadrinhos restavam na bandeja e abraçou-a com sincera ami-zade. Desse dia em diante, a menina vaidosa transformou-se para sempre. A experiência lhe dera ines-quecível lição.

21 (Apontamentos: Quem se lembra de um velho ditado: Aquilo que não se faz com o amor, se faz com a dor! Será que sempre precisamos sofrer para aprender? Já não está na hora de estudarmos, para conhecermos e praticarmos ações de valor evolutivo espiritual!)

22 12 A ARMA INFALÍVEL

Certo dia, um humano revoltado criou um poderoso e longo pensamento de ódio, colocou-o nu-ma carta rude e malcriada e mandou-o para o chefe da oficina de que fora despedido. O pensamento foi vazado em forma de ameaças cruéis. E quando o diretor do serviço leu as fra-ses ingratas que o expressava, acolheu-o, desprevenidamente, no próprio coração, e tornou-se fu-rioso sem saber por quê. Encontrou, quase de imediato, o subchefe da oficina e, a pretexto de en-xergar uma pequena peça quebrada, desfechou sobre ele a bomba mental que trazia consigo. Foi a vez do subchefe tornar-se neurastênico, sem dar o motivo. Abrigou a projeção maléfica no sentimento, permaneceu amuado várias horas e, no instante do almoço, ao invés de alimentar-se, descarregou na esposa o perigoso dardo intangível. Tão só por ver um sapato imperfeitamente engraxado, proferiu dezenas de palavras feias; sentiu-se aliviado e a mulher passou a asilar no peito a odienta vibração, em forma de cólera inexplicável. Repentinamente transtornada pelo raio que a ferira e que, até ali, ninguém soubera remover, encaminhou-se para a empregada que se in-cumbia do serviço de calçados e desabafou. Com palavras indesejáveis inoculou-lhe no coração o estilete invisível. Agora, era uma pobre menina quem detinha o tóxico mental. Não podendo despejá-lo nos pratos e xícaras ao alcance de suas mãos, em vista do enorme débito em dinheiro que seria compelida a aceitar, acercou-se de velho cão, dorminhoco e paciente, e transferiu-lhe o veneno imponderável, num pontapé de largas proporções. O animal ganiu e disparou, tocado pela energia mortífera, e, para livrar-se desta, mordeu a pri-meira pessoa que encontrou na via pública. Era a senhora de um proprietário vizinho que, ferida na coxa, se enfureceu instantaneamente, possuída pela força maléfica. Em gritaria desesperada, foi conduzida a certa farmácia; entretanto, deu-se pressa em transferir ao enfermeiro que a socorria a vibração amaldiçoada. Crivou-o de xingamentos e esbofeteou-lhe o rosto. O rapaz muito prestativo, de calmo que era, converteu-se em fera verdadeira. Revidou os golpes recebidos com observações ásperas e saiu, alucinado, para a residência, onde a velha e devotada mãezinha o esperava para a refeição da tarde. Chegou e descarregou sobre ela toda a ira de que era portador. — Estou farto! — bradou — a senhora é culpada dos aborrecimentos que me perseguem! Não suporto mais esta vida infeliz! Fuja de minha frente!... Pronunciou nomes terríveis. Blasfemou. Gritou, colérico, qual louco. A velhinha, porém, longe de agastar-se, tomou-lhe as mãos e disse-lhe com naturalidade e bran-dura: — Venha cá, meu filho! Você está cansado e doente! Sei a extensão de seus sacrifícios por mim e reconheço que tem razão para lamentar-se. No entanto, tenhamos bom ânimo! Lembremo-nos de Jesus!... Tudo passa na Terra. Não nos esqueçamos do amor que o Mestre nos legou... Abra-çou-o, comovida, e afagou-lhe os cabelos! O filho demorou-se a contemplar-lhe os olhos serenos e reconheceu que havia no carinho mater-no tanto perdão e tanto entendimento que começou a chorar, pedindo-lhe desculpas. Houve então entre os dois uma explosão de íntimas alegrias. Jantaram felizes e oraram em sinal de reconhecimento a Deus. A projeção destrutiva do ódio morrera, afinal, ali, dentro do lar humilde, diante da força infalível e sublime do amor. (Apontamentos: O motivo mais banal de uma grande parte das nossas tragédias; a irritação! Toda vez em que nos irritemos, tentemos ir ao nosso ponto delicado que foi ferido e, normalmente, descobriremos que foi ferido o nosso orgu-lho, o nosso egoísmo. Filhos diletos desses dois são; o ódio, a prepotência, a vaidade, a maledicência, a vingan-ça, a cobiça etc. Como podemos, ainda, estar dando as rédeas da nossa vida a essa turma tão vil?)

23

13 O SERVIDOR NEGLIGENTE À porta de grande carpintaria, chegou um rapaz, de caixa às costas, à procura de emprego. Pare-cia humilde e educado. O diretor da instituição compareceu, atencioso, para atendê-lo. — Tem serviço com que me possa favorecer? — indagou o jovem, respeitoso, depois das sauda-ções habituais. — As tarefas são muitas — elucidou o chefe. — Oh! Por favor! — tornou o interessado — meus velhos pais necessitam de amparo. Tenho ba-tido, em vão, à porta de várias oficinas. Ninguém me socorre. Contentar-me-ei com salário redu-zido e aceitarei o horário que desejar. O diretor, muito calmo, acentuou: — Trabalho não falta... E, enquanto o candidato mostrava um sorriso de esperança, acrescentou: — Traz suas ferramentas em ordem? — Perfeitamente — respondeu o interpelado. — Vejamo-las. O moço abriu a caixa que trazia. Metia pena reparar-lhe os instrumentos. A enxó se achava deformada pela ferrugem grossa. O serrote mostrava vários dentes quebrados. O martelo tinha cabo incompleto. O alicate estava francamente desconjuntado. Diversos formões não atenderiam a qualquer apelo de serviço, tal a imperfeição que apresenta-vam seus gumes. Poeira espessa recobria todos os objetos. O dirigente da oficina observou... Observou... E disse, desencantado: — Para o senhor, não temos qualquer trabalho. — Oh! Porquê? — interrogou o rapaz, em tom de súplica. O diretor esclareceu, sem azedume: — Se o senhor não tem cuidado com as ferramentas que lhe pertencem, como preservará nossas máquinas? Se é indiferente naquilo em que deve sentir-se honrado, chegará a ser útil aos interes-ses alheios? Quem não zela atentamente no “pouco” de que dispõe, não é digno de receber o “muito”. Aprenda a cuidar das coisas aparentemente sem importância. Pelas amostras, grandes negócios se realizam neste mundo e o menosprezo para consigo é indesejável mostruário de sua indiferença perniciosa. Aproveite a experiência e volte mais tarde. Não valeram petitórios do moço necessitado. Foi compelido a retirar-se, em grande abatimento, guardando a dura lição. Assim também acontece no caminho comum. Quem deseja o corpo iluminado e glorioso na espiritualidade, além da morte, cuide respeitosa-mente do corpo físico. Quem aspira à companhia dos anjos, mostre boas maneiras, boas palavras e boas ações aos vizi-nhos. Quem espera a colheita de alegrias no futuro, aproveite a hora presente, na sementeira do bem. E quantos sonharem com o Céu tratem de fazer um caminho de elevação na Terra mesma. (Apontamentos: Cuidar do corpo físico, frase de larga interpretação. Alguns de nós chegamos ao cúmulo de cuidar tanto do corpo físico que até nos esquecemos de cuidar do Espírito! Outros desprezam o corpo físico como se isso ele-vasse o Espírito! Estamos na carne para aprender, portanto ainda não sabemos. Saibamos pesar corretamen-te os valores da matéria e do Espírito e de acordo com as nossas forças de conhecimento e moral. Aqui somos todos alunos da vida, ninguém é professor!)

24 14 O DESCUIDO IMPENSADO

No orfanato em que trabalhava, Irmã Clara era o ídolo de toda gente pelas virtudes que lhe ador-navam o caráter. Era meiga, devotada, diligente. Daquela boca educada não saíam más palavras. Se alguém comentava faltas alheias, vinha solícita, aconselhando: — Tenhamos compaixão... Inclinava a conversa em favor da benevolência e da paz. Insuflava em quantos a ouviam o bom ânimo e o amor ao dever. Além do mais, estimulava, acima de tudo, em todos os circunstantes a boa vontade de trabalhar e servir para o bem. — Irmã Clara — dizia uma educadora —, tenho necessidade do vestido para o sábado próximo. Ela, que era a costureira dedicada de todos, respondia, contente: — Trabalharemos até mais tarde. A peça ficará pronta. — Irmã — intervinha uma das criadas —, e o avental? — Amanhã será entregue — dizia Clara, sorrindo. Em todas as atividades, mostrava-se a desvelada criatura qual anjo de bondade e paciência. Invariavelmente rodeada de novelos de linha, respirava entre a agulha e a máquina de costurar. Nas horas da prece, demorava-se longamente contrita na oração. Com a passagem do tempo, tornava-se cada vez mais respeitada. Seus pareceres eram procurados com interesse. Transformara-se em admirável autoridade da vida cristã. Em verdade, porém, fazia por merecer as considerações de que era cercada. Amparava sem alarde. Auxiliava sem preocupação de recompensa. Sabia ser bondosa, sem humilhar a ninguém com demonstrações de superioridade. Rolaram os anos, como sempre, e chegou o dia em que a morte a conduziu para a vida espiritual. Na Terra, o corpo da inesquecível benfeitora foi rodeado de flores e bênçãos, homenagens e cân-ticos e seu Espírito subiu, gloriosamente, para o Céu. Um anjo recebeu-a, carinhoso e alegre, à entrada. Cumprimentou-a. Reportou-se aos bens que ela espalhara, todavia, sob impressão de assombro, Irmã Clara ouviu-o informar: — Lastimo não possa demorar-se conosco senão por três semanas. — Oh! Porquê? — interrogou a valorosa missionária. — Será compelida a voltar, tomando novo corpo de carne no mundo — esclareceu o mensageiro. — Como assim? O anjo fitou-a, bondoso, e respondeu: — A Irmã foi extremamente virtuosa; entretanto, na posição espiritual em que se encontrava não poderia cometer tão grande descuido. Desperdiçou uma enormidade de fios de linha, impensa-damente. Os novelos que perdeu, por alhear-se à noção de aproveitamento, davam para costurar alguns milhares de vestidos para crianças desamparadas. — Oh! Oh! Deus me perdoe! — exclamou a santa desencarnada — e como resgatarei a dívida? O anjo abraçou-a, carinhoso, e reconfortou-a dizendo: — Não tema. Todos nós a ajudaremos, mas a querida irmã recomeçará sua tarefa no mundo, plantando um algodoal. (Apontamentos: Sempre temos pontos falhos, se fôssemos perfeitos não estaríamos encarnados no orbe terreno. Mas a grande verdade que se destaca aqui é a da justiça amorosa e justa da Lei de Deus, ela nos permite, sem grandes traumas, corrigirmos os erros desde que tenhamos a boa vontade de fazê-los.)

25 15 O PODER DA GENTILEZA

Eminente professor negro, interessado em fundar uma escola num bairro pobre, onde centenas de crianças desamparadas cresciam sem o benefício das letras, foi recebido pelo prefeito da cidade que lhe disse imperativamente, depois de ouvir-lhe o plano: — A lei e a bondade nem sempre podem estar juntas. Organize uma casa e autorizaremos a pro-vidência. — Mas, doutor, não dispomos de recursos... — considerou o benfeitor dos meninos desprotegi-dos. — Que fazer? — De qualquer modo, cabe-nos amparar os pequenos analfabetos. O prefeito reparou-lhe demoradamente a figura humilde, fez um riso escarninho e acrescentou: — O senhor não pode intervir na administração. O professor, muito triste, retirou-se e passou a tarde e a noite daquele sábado, pensando, pensan-do... Domingo, muito cedo, saiu a passear, sob as grandes árvores, na direção de antigo mercado. Ia comentando, na oração silenciosa: — Meu Deus, como agir? Não receberemos um pouso para as criancinhas, Senhor? Absorvido na meditação, atingiu o mercado e entrou. O movimento era enorme. Muitas compras. Muita gente. Certa senhora, de apresentação distinta, aproximou-se dele e tomando-o por servidor vulgar, de mãos desocupadas e cabeça vazia, exclamou: — Meu velho, venha cá. O professor acompanhou-a, sem vacilar. À frente dum saco enorme, em que se amontoavam mais de trinta quilos de verdura, a matrona recomendou: — Traga-me esta encomenda. Colocou ele o fardo às costas e seguiu-a. Caminharam seguramente uns quinhentos metros e penetraram elegante vivenda, onde a senhora voltou a solicitar: — Tenho visitas hoje. Poderá ajudar-me no serviço geral? — Perfeitamente — respondeu o interpelado —, dê suas ordens. Ela indicou pequeno pátio e determinou-lhe a preparação de meio metro de lenha para o fogão. Empunhando o machado, o educador, com esforço, rachou algumas toras. Findo o serviço, foi chamado para retificar a chaminé. Consertou-a com sacrifício da própria roupa. Sujo de pó escu-ro, da cabeça aos pés, recebeu ordem de buscar um peru assado, à distância de dois quilômetros. Pôs-se a caminho, trazendo o grande prato em pouco tempo. Logo após, atirou-se à limpeza de extenso recinto em que se efetuaria lauto almoço. Nas primeiras horas da tarde, sete pessoas davam entrada no fidalgo domicílio. Entre elas, rela-cionava-se o prefeito que anotou a presença do visitante da véspera, apresentado ao seu gabinete por autoridades respeitáveis. Reservadamente, indagou da irmã, que era a dona da casa, quanto ao novo conhecimento, conversando ambos em surdina. Ao fim do dia, a matrona distinta e autoritária, com visível desapontamento, veio ao servo im-provisado e pediu o preço dos trabalhos. — Não pense nisto — respondeu com sinceridade —, tive muito prazer em ser-lhe útil. No dia imediato, contudo, a dama da véspera procurou-o, na casa modesta em que se hospedava e, depois de rogar-lhe desculpas, anunciou-lhe a concessão de amplo edifício, destinado à escola que pretendia estabelecer. As crianças usariam o patrimônio à vontade e o prefeito autorizaria a providência com satisfação. Deixando transparecer nos olhos úmidos a alegria e o reconhecimento que lhe reinavam n’Espírito, o professor agradeceu e beijou-lhe as mãos, respeitoso. A bondade dele vencera os impedimentos legais.

26 O exemplo é mais vigoroso que a argumentação. A gentileza está revestida, em toda parte, de glorioso poder. (Apontamentos: Apesar da história acima terminar em sucesso, não devemos fazer alguma coisa esperando resultados imedia-tos, quer sejam materiais ou espirituais. A ocorrência de sucesso ou não, depende de fatores que fogem ao nosso imediato entendimento, portanto façamos a nossa parte do melhor modo possível e deixemos os resul-tados ao sabor da Lei de Deus.)

27 16 A TRILOGIA BENDITA

Em tempos remotos, o Senhor vinha ao mundo frequentes vezes entender-se com as criaturas. Certa vez, encontrou um humano irado e mau, que outra coisa não fazia senão atormentar os se-melhantes. Perseguia, feria e matava sem piedade. Quando esse Espírito selvagem viu o Senhor, aproximou-se atraído pela luz d’Ele, a chorar de arrependimento. O Cristo, bondoso, dirigiu-lhe a palavra: — Meu filho, porque te entregaste assim à perversidade? Não temes a justiça do Pai? Não acre-ditas no Celeste Poder? A vida exige fraternidade e compreensão. O malfeitor, que se mantinha prisioneiro da ignorância, respondeu em lágrimas: — Senhor, de hoje em diante serei um humano bom. Alguns anos passaram e Jesus voltou ao mesmo sítio. Lembrou-se do infeliz a quem havia acon-selhado e buscou-o. Depois de certa procura, foi achá-lo oculto numa choça, extremamente aba-tido. Interpelado quanto à causa de tão lamentável transformação, o mísero respondeu: — Ai de mim, Senhor! Depois que passei a ser bom, ninguém me respeitou! Fiz-me escárnio da rua... Tenho usado a compaixão e a generosidade, segundo me ensinaste, mas em troca recebo apenas o ridículo, a pedrada e a dilaceração... O Mestre, porém, abençoou-o e falou. — O teu lucro na eternidade não será pequeno com o sacrifício. Entretanto, não basta reter a bondade. É necessário saber distribuí-la. Para bem ajudar, é preciso discernir. Realmente é pos-sível auxiliar a todos. Contudo, se a muita gente devemos ternura fraterna, a numerosos compa-nheiros de jornada devemos esclarecimento enérgico. Estimularemos os bons a serem melhores e cooperaremos, a benefício dos maus, para que se retifiquem. Nunca observaste o pomicultor? Algumas árvores recebem dele irrigação e adubo; outras, no entanto, sofrerão a poda, a fim de serem convenientemente amparadas. O Senhor retirou-se e o aprendiz retomou luta para conquistar o conhecimento. Peregrinou através de muitos livros, observou demoradamente os quadros da vida e recebeu a palma da ciência. Os anos correram apressados, quando o Cristo regressou e procurou-o, novamente. Dessa vez, encontrou-o no leito, enfermo e sem forças. Replicando ao Divino Amigo, explicou-se: — Ai de mim, Senhor! Fui bom e recebi injustiças, entesourei a ciência e minhas dificuldades cresceram de vulto. Aprendi a amar e desejar em sã consciência, a idealizar com o plano superi-or, mas vejo a ingratidão e a discórdia, a dureza e a indiferença com mais clareza. Sei aquilo que muita gente ignora e, por isto mesmo, a vida tornou-se-me um fardo insuportável... O Mestre, porém, sorriu e considerou: — A tua preparação para a felicidade ainda não se acha completa. Agora, é preciso ser forte. A-creditas que a árvore respeitável conseguiria viver e produzir, caso não soubesse tolerar a tem-pestade? A firmeza interior, diante das experiências da vida, conferir-te-á o equilíbrio indispen-sável. Aprende a dizer adeus a tudo o que te prejudica na caminhada em direção da luz divina e distribuirás a bondade, sem preocupações de recompensa, guardando o conhecimento sem sur-presas amargas. Sê inquebrantável em tua fé e segue adiante! O aprendiz reergueu-se e nunca mais experimentou a desarmonia, compreendendo, enfim, que a bondade, o conhecimento e a fortaleza são a trilogia bendita da felicidade e da paz. (Apontamentos: Acreditas que a árvore respeitável conseguiria viver e produzir, caso não soubesse tolerar a tempestade? A firmeza interior, diante das experiências da vida, conferir-te-á o equilíbrio indispensável. Aprende a dizer adeus a tudo o que te prejudica na caminhada em direção da luz divina e distribuirás a bondade, sem preocupações de recompensa, guardando o conhecimento sem surpresas amargas. Sê inquebrantável em tua fé e segue adiante!

Caminhar confiante e tranquilo, sabendo escolher os desvios dos cascalhos pontiagudos, proteger-se das tem-pestades, livrar-se das vaidades, afastar-se dos elogios, enfim; fazer a sua parte com toda a pujança e confian-ça que possui, vislumbrando o futuro espiritual baseado na caminhada pela Lei de Deus!)

28 17 A CONTA DA VIDA

Quando Levindo completou vinte e um anos, a mãezinha recebeu-lhe os amigos, festejou a data e solenizou o acontecimento com grande alegria. No íntimo, no entanto, a bondosa senhora estava triste, preocupada. O filho, até à maioridade, não tolerava qualquer disciplina. Vivia ociosamente, desperdiçando o tempo e negando-se ao trabalho. Aprendera as primeiras letras, a preço de muita dedicação ma-terna, e lutava contra todos os planos de ação digna. Recusava bons conselhos e inclinava-se, francamente, para o desfiladeiro do vício. Nessa noite, todavia, a abnegada mãe orou, mais fervorosa, suplicando a Jesus o encaminhasse à elevação moral. Confiou-o ao Céu, com lágrimas, convencida de que o Mestre Divino lhe ampa-raria a vida jovem. As orações da devotada criatura foram ouvidas, no Alto, porque Levindo, logo depois de arreba-tado pelas asas do sono, sonhou que era procurado por um mensageiro espiritual, a exibir largo documento na mão. Intrigado, o rapaz perguntou-lhe a que devia a surpresa de semelhante visita. O emissário fitou nele os grandes olhos e respondeu: — Meu amigo, venho trazer-te a conta dos seres sacrificados, até agora, em teu proveito. Enquanto o moço arregalava os olhos de assombro, o mensageiro prosseguia: — Até hoje, para sustentar-te a existência, morreram, aproximadamente, 2.000 aves, 10 bovinos, 50 suínos, 20 carneiros e 3.000 peixes diversos. Nada menos de 60.000 vidas do reino vegetal fo-ram consumidas pela tua, relacionando-se as do arroz, do milho, do feijão, do trigo, das várias ra-ízes e legumes. Em média calculada, bebeste 3.000 litros de leite, gastaste 7.000 ovos e comeste 10.000 frutas. Tens explorado fartamente as famílias de seres do ar e das águas, de galinheiros e estábulos, pocilgas e redis. O preço dos teus dias nas hortas e pomares vale por uma devastação. Além disto, não relacionamos aqui os sacrifícios maternos, os recursos e doações de teu pai, os obséquios dos amigos e as atenções dos vários benfeitores que te rodeiam. Em troca, que fizeste de útil? Não restituíste ainda à Natureza a mínima parcela de teu débito imenso. Acreditas, por-ventura, que o centro do mundo repousa em tuas necessidades individuais e que viverás sem con-ta nos domínios da Criação? Produze algo de bom, marcando a tua passagem pela Terra. Lem-bra-te de que a própria erva se encontra em serviço divino. Não permitas que a ociosidade te pa-ralise o coração e desfigure o Espírito!... O moço, espantado, passou a ver o desfile dos animais que havia devorado e, sob forte espanto, acordou... Amanhecera. O Sol de ouro como que cantava em toda parte um hino glorioso ao trabalho pacífico. Levindo escapou da cama, correu até à genitora e exclamou: — Mãezinha, arranje-me serviço! Arranje-me serviço!... — Oh! Meu filho — disse a senhora num transporte de júbilo —, que alegria! Como estou con-tente!... Que aconteceu? E o rapaz, preocupado, informou: — Nesta noite passada, eu vi a conta da vida. Daí em diante, converteu-se Levindo num humano honrado e útil. (Apontamentos: Caso fossem levantados os dados dos humanos que devem à Natureza, será que conseguiríamos pagar a dívi-da em uma só encarnação? Ainda bem, e graças a Deus, que temos muitas e muitas encarnações para ressar-cir os nossos débitos, sejam eles para com a Natureza ou com os nossos irmãos de caminhada evolutiva espiri-tual.)

29 18 A AMIZADE REAL

Um grande senhor que soubera amontoar sabedoria, além da riqueza, auxiliava diversos amigos pobres, na manutenção do bom ânimo, na luta pela vida. Sentindo-se mais velho, chamou o filho à cooperação. O rapaz deveria aprender com ele a distri-buir gentilezas e bens. Para começar, enviou-o à residência de um companheiro de muitos anos, ao qual destinava tre-zentos cruzeiros mensais. O jovem seguiu-lhe as instruções. Viajou seis quilômetros e encontrou a casa indicada. Contrariando-lhe a expectativa, porém, não encontrou um pardieiro em ruínas. O domicílio, apesar de modesto, mostrava encanto e conforto. Flores perfumavam o ambiente e alvo linho vestia os móveis com beleza e decência. O beneficiário de seu pai cumprimentou-o, com alegria efusiva, e, depois de inteligente palestra, mandou trazer o café num serviço agradável e distinto. Apresentou-lhe familiares e amigos que se envolviam, felizes, num halo enorme de saúde e contentamento. Reparando a tranquilidade e a fartura, ali reinantes, o portador regressou ao lar, sem entregar a dádiva. — Para quê? — confabulava consigo mesmo — aquele homem não era um pedinte. Não parecia guardar problemas que merecessem compaixão e caridade. Certo, o genitor se enganara. De volta, explicou ao velho pai, particularizadamente, quanto vira, restituindo-lhe a importância de que fora emissário. O ancião, contudo, após ouvi-lo calmamente, retirou mais dinheiro da bolsa, dobrou a quantia e considerou: — Fizeste bem, tornando até aqui. Ignorava que o nosso amigo estivesse sob mais amplos com-promissos. Volta à residência dele e, ao invés de trezentos, entrega-lhe seiscentos cruzeiros, mensalmente, em meu nome, de ora em diante. A sua nova situação reclama recursos duplicados. — Mas, meu pai — acentuou o moço —, não se trata de pessoa em posição miserável. Ao que suponho, o lar dele possui tanto conforto, quanto o nosso. Folgo bastante com a noticia — exclamou o velho. E, imprimindo terna censura à voz conselheiral, acrescentou: — Meu filho, se não é lícito dar remédio aos sãos e esmolas aos que não precisam delas, seme-lhante regra não se aplica aos companheiros que Deus nos confiou. Quem socorre o amigo, ape-nas nos dias de extremo infortúnio, pode exercer a piedade que humilha ao invés do amor que santifica. Quem espera o dia do sofrimento para prestar o favor, muita vez não encontrará senão silêncio e morte, perdendo a melhor oportunidade de ser útil. Não devemos exigir que o irmão de jornada se converta em mendigo, a fim de parecermos superiores a ele, em todas as circunstân-cias. Tal atitude de nossa parte representaria crueldade e dureza. Estendamos-lhe nossas mãos e façamo-lo subir até nós, para que nosso concurso não seja orgulho vão. Toda gente no mundo pode consolar a miséria e partilhar as aflições, mas raros aprendem a acentuar a alegria dos entes amados, multiplicando-a para eles, sem egoísmo e sem inveja no coração. O amigo verdadeiro, porém, sabe fazer isto. Volta, pois, e atende ao meu conselho para que nossa afeição constitua sementeira de amor para a eternidade. Nunca desejei improvisar necessitados, em torno de nossa porta e, sim, criar companheiros para sempre. Foi então que o rapaz, envolvido na sabedoria paterna, cumpriu quanto lhe fora determinado, compreendendo a sublime lição de amizade real. (Apontamentos:

Existem muitas maneiras e oportunidades para treinar nossa libertação do jugo material. A forma da página acima é uma delas, mas ela não tem a palavra que adoramos: Caridade! Treinar, sim, devemos treinar-nos no costume de ‘distribuir’ bens materiais e sem nos preocuparmos com quem os recebe. Quantos dias a mais de vida nos são garantidos com aquele ‘excesso’ de reservas? Quando desencarnarmos, será que os beneficiados por essas reservas farão correto uso? Ao pensarmos no bom uso que aqueles que beneficiamos farão com os benefícios que concedemos nos esquecemos de nos autoavaliar em nossa bondade!)

30 19 O ENSINAMENTO VIVO

Em observando qualquer edificação ou serviço, Maria Carmen não faltava à crítica. Ante um vestido das amigas, exclamava sem-cerimônia: — O conjunto é tolerável, mas as particularidades deixam muito a desejar. A gola foi extrema-mente malfeita e as mangas estão defeituosas. Perante um móvel qualquer, rematava as observações irônicas com a frase: — Não poderiam fazer coisa melhor? E, à frente de qualquer obra de arte, encontrava traços e ângulos para condenar. A Mãezinha, preocupada, estudou recursos de dar-lhe proveitoso ensinamento. Foi assim que, certa manhã, convidou a filha a visitar, em sua companhia, a construção de um edifício de vastas linhas. A jovem, que não podia adivinhar-lhe o plano, seguiu-a, surpreendida. Percorreram algumas ruas e pararam diante do arranha-céu a levantar-se. A senhora pediu a colaboração do engenheiro-chefe e passou a mostrar à filha os vários depar-tamentos. Enquanto muitos servidores abriam acomodações para os alicerces, no chão duro, ma-nobrando picaretas, veículos pesados transportavam terra daqui para ali, com rapidez e seguran-ça. Pedreiros começavam a erguer paredes, suarentos e ágeis, sob a atenciosa vigilância dos téc-nicos que orientavam os trabalhos. Caminhões e carroças traziam material de mais longe. Carre-gadores corriam na execução do dever. O diretor das obras, convidado pela matrona a pronunciar-se sobre a edificação, esclareceu, gen-til: — Seremos obrigados a inverter volumoso capital para resgatar as despesas. Requisitaremos, a-inda, a colaboração de centenas de trabalhadores especializados. Carpinteiros, estucadores, vi-draceiros, pintores, bombeiros e eletricistas virão completar-nos o serviço. Qualquer construção reclama toda uma falange de servos dedicados. A menina, revelando-se impressionada, respondeu: — Quanta gente a pensar, a cooperar e servir!... — Sim — considerou o chefe, sorrindo expressivamente —, edificar é sempre muito difícil. Logo após, mãe e filha apresentaram as despedidas, encaminhando-se, agora, para velho bairro. Vararam algumas travessas e praças menos agradáveis e chegaram à frente de antiga casa em demolição. Viam-se-lhe as linhas nobres, no estilo colonial, através das alas que ainda se acha-vam de pé. Um humano, apenas, ali se encontrava, usando martelo de tamanho gigantesco, aba-tendo alvenaria e madeirame. Ante a queda das paredes a ruírem com estrondo, de minuto a mi-nuto, a jovem observou: — Como é terrível arruinar, deste modo, o esforço de tantos! A Mãezinha serena interveio, então, e falou, conselheiramente: — Chegamos, filha, ao fim do ensinamento vivo que buscamos. Toda a realização útil na Terra exige a paciência e o suor, o trabalho e o sacrifício de muita gente. Edificar é muito difícil. Mas destruir e eliminar é sempre muito fácil. Bastará uma pessoa de martelo à mão para prejudicar a obra de milhares. A crítica destrutiva é um martelo que usamos criminosamente, ante o respeitá-vel esforço alheio. Compreendeu? A jovem fez um sinal afirmativo com a cabeça e, daí em diante, procurou ajudar a todos ao invés de macular, desencorajar e ferir. (Apontamentos: Toda a realização útil na Terra exige a paciência e o suor, o trabalho e o sacrifício de muita gente. Edificar é muito difícil. Mas destruir e eliminar é sempre muito fácil. Bastará uma pessoa de martelo à mão para prejudicar a obra de milhares. A crítica destrutiva é um martelo que usamos criminosamente, ante o respeitável esforço alheio. Compre-endeu?

É claro que muitos de nós ficaremos sem compreender, pois não estão satisfeitos nem consigo mesmos, e se fi-carem sem criticar aos outros; suas vidas ficam sem sentido... Aqueles que compreenderem já estão cami-nhando na estrada correta!)

31 20 O ELOGIO DA ABELHA

Grande mosca verde-azul, mostrando envaidecida as asas douradas pelo Sol, penetrou uma sala e encontrou uma abelha humilde a carregar pequena provisão de recursos para elaborar o mel. A mosca arrogante aproximou-se e falou, vaidosa: — Onde surges, todos fogem. Não te sentes indesejável? Teu aguilhão é terrível. — Sim — disse a abelha com desapontamento —, creia que sofro muitíssimo quando sou obri-gada a interferir. Minha defesa é, quase sempre, também a minha morte. — Mas não podes viver com mais distinção e delicadeza? — tornou a mosca — porque ferretoar, a torto e a direito? — Não, minha amiga — esclareceu a interlocutora —, não é bem assim. Não sinto prazer em perturbar. Vivo tão somente para o trabalho que Deus me confiou, que representa benefício ge-ral. E, quando alguém me impede a execução do dever, inquieto-me e sofro, perdendo, por vezes, a própria vida. — Creio, porém, que se tivesses modos diferentes... Se polisses as asas para que brilhassem à claridade solar, se te vestisses em cores iguais às minhas, talvez não precisasses alarmar a nin-guém. Pessoa alguma te recearia a intromissão. — Ah! Não posso despender muito tempo em tal assunto — alegou a abelha criteriosa. — O ser-viço não me permite a apresentação exterior muito primorosa, em todas as ocasiões. A produção de mel indispensável ao sustento de nossa colmeia, e necessária a muita gente, não me oferece ensejo a excessivos cuidados comigo mesma. — Repara! — disse-lhe a mosca, desdenhosa — tuas patas estão em lastimável estado... — Encontro-me em serviço — explicou-se a operária humildemente. — Não! Não! — protestou a outra — isto é monturo e relaxamento. E limpando caprichosamen-te as asas, a mosca recuou e aquietou-se, qual se estivesse em observação. Nesse instante, duas senhoras e uma criança penetraram o recinto e, notando a presença da abe-lha que buscava sair ao encontro de companheiras distantes, uma das matronas gritou, nervosa: — Cuidado! Cuidado com a abelha! Fere sem piedade!... A pequenina trabalhadora alada dirigiu-se para o campo e a mosca soberba passou a exibir-se, voando despreocupada. — Que maravilha! — exclamou uma das senhoras. — Parece uma joia! — disse a outra. A mosca preguiçosa planou... Planou... E, encaminhando-se para a copa, penetrou o guarda-comida, deitando varejeiras na massa dos pastéis e em pratos diversos que se preparavam para o dia seguinte. Acompanhou a criança, de maneira imperceptível, e pousou-lhe na cabeça, infec-cionando certa região que se achava ligeiramente ferida. Decorridas algumas horas, sobravam preocupações para toda a família. A encantadora mosca verde-azul deixara imundície e enfermidade por onde passara. Quantas vezes sucede isto mesmo, em plena vida? Há criaturas simples, operosas e leais, de trato menos agradável, à primeira vista, que, à maneira da abelha, sofrem sarcasmos e desapontamentos por bem cumprir a obrigação que lhes cabe, em favor de todos; e há muita gente de apresentação brilhante, quanto a mosca, e que, depois de se-duzir-nos a atenção pela beleza da forma, nos deixa apenas as larvas da calúnia, da intriga, da maldade, da revolta e do desespero no pensamento. (Apontamentos: Há criaturas simples, operosas e leais, de trato menos agradável, à primeira vista, que, à maneira da abelha, sofrem sarcasmos e desapontamentos por bem cumprir a obrigação que lhes cabe, em favor de todos; e há muita gente de apresentação brilhante, quanto a mosca, e que, depois de seduzir-nos a atenção pela beleza da forma, nos deixa ape-nas as larvas da calúnia, da intriga, da maldade, da revolta e do desespero no pensamento. Outro antigo ditado: Quem vê cara, não vê coração! Os dardos venenosos podem estar adornados por belos sorrisos, bonitas palavras, mas não deixam de serem dardos venenosos! Aqueles que fazem suas ações de mo-do orgulhoso, devem se lembrar da galinha. A galinha cacareja anunciando sua obra – o ovo -, mas lembre-mo-nos que a raposa e outros bichos também a ouvem... Aguardemos o resultado final antes de julgarmos!)

32 21 O CARNEIRO REVOLTADO

Certo carneiro muito sabido, mas indisciplinado, reparou os benefícios que a lã espalhava em to-da parte, e, desde então, julgou-se melhor que os outros seres da Criação, passando a revoltar-se contra a tosquia. — Se era tão precioso — pensava —, porque aceitar a humilhação daquela tesoura enorme? Ex-perimentava intenso frio, de tempos a tempos, e, despreocupado das ricas rações que recebia no redil, detinha-se apenas no exame dos prejuízos que supunha sofrer. Muito amargurado, dirigiu-se ao Criador, exclamando: — Meu Pai, eu não estou satisfeito com a minha pelagem. A tosquia é um tormento... Modifica-me, Senhor!... O Todo-Poderoso indagou, com bondade: — Que desejas que eu faça? Vaidosamente, o carneiro respondeu: — Quero que a minha lã seja toda de ouro. A rogativa foi satisfeita. Contudo, assim que o orgulhoso ovino se mostrou cheio de pelos pre-ciosos, várias pessoas ambiciosas atacaram-no sem piedade. Arrancaram-lhe, violentamente, to-dos os fios, deixando-o em chagas. O infeliz, a lastimar-se, correu para o Altíssimo e implorou: — Meu Pai, muda-me novamente! Não posso exibir lã dourada... Encontraria sempre salteadores sem compaixão. O Sábio dos Sábios perguntou: — Que queres que eu faça? O animal, tocado pela mania de grandeza, suplicou: — Quero que a minha lã seja lavrada em porcelana primorosa. Assim foi feito. Entretanto, logo que tornou ao vale, apareceu no céu enorme ventania, que lhe quebrou todos os fios, dilacerando-lhe a carne. Regressou, aflito, ao Todo-Misericordioso e queixou-se: — Pai, renova-me!... A porcelana não resiste ao vento... Estou exausto... Disse-lhe o Senhor: — Que desejas que eu faça? — A fim de não provocar os ladrões e nem ferir-me com porcelana quebrada, quero que a minha lã seja feita de mel. O Criador satisfez o pedido. Todavia, logo que o pobre se achou no redil, bandos de moscas as-querosas cobriram-no em cheio e, por mais corresse campo afora, não evitou que elas lhe sugas-sem os fios adocicados. O mísero voltou ao Altíssimo e implorou: — Pai, modifica-me... As moscas deixaram-me em sangue! O Senhor indagou, de novo, com inexaurível paciência: — Que queres que eu faça? Dessa vez, o carneiro pensou mais tempo e considerou: — Suponho que seria mais feliz se tivesse minha lã semelhante às folhas de alface. O Todo-Bondoso atendeu-lhe mais uma vez a vontade e o carneiro voltou à planície, na capri-chosa alegria de parecer diferente. No entanto, quando alguns cavalos lhe puseram os olhos, não conseguiu melhor sorte, Os equinos prenderam-no com os dentes e, depois de lhe comerem a lã, abocanharam-lhe o corpo. O carneiro correu na direção do Juiz Supremo, gotejando sangue das chagas profundas, e, em lá-grimas, gemeu, humilde: — Meu Pai, eu não suporto mais!... Como soluçasse longamente, o Todo-Compassivo, vendo que ele se arrependera com sincerida-de, observou: — Reanima-te, meu filho! Que pedes agora? O infeliz replicou, em pranto:

33 — Pai, eu quero voltar a ser um carneiro comum, como sempre fui. Não pretendo a superiori-dade sobre meus irmãos. Hoje sei que os meus tosquiadores de outro tempo são meus verdadei-ros amigos. Nunca me deixaram em feridas e sempre me deram de comer e beber, carinhosamen-te... Quero ser simples e útil, qual me fizeste, Senhor!... O Pai sorriu, bondoso, abençoou-o com ternura e falou: — Volta e segue teu caminho em paz. Compreendeste, enfim, que meus desígnios são justos. Cada criatura está colocada, por minha Lei, no lugar que lhe compete e, se pretendes receber, a-prende a dar. Então o carneiro, envergonhado, mas satisfeito, voltou para o vale, misturou-se com os outros e daí por diante foi muito feliz. (Apontamentos: — Volta e segue teu caminho em paz. Compreendeste, enfim, que meus desígnios são justos. Cada criatura está co-locada, por minha Lei, no lugar que lhe compete e, se pretendes receber, aprende a dar. Simples não! Esta é a Lei de Deus! Por amor Deus nos criou imortais, por bondade nos destinou à pureza e perfeição, por justiça nos permite reencarnar para aprender corretamente e, assim sendo, somente falta fa-zermos corretamente a nossa parte...)

34 22 O PIOR INIMIGO

Um humano, admirável pelas qualidades de trabalho e pelas formosas virtudes do caráter, foi visto pelos inimigos da Humanidade que conhecemos por Ignorância, Calúnia, Maldade, Discór-dia, Vaidade, Preguiça e Desânimo, os quais tramaram, entre si, agir contra ele, conduzindo-o à derrota. O honrado trabalhador vivia feliz, entre familiares e companheiros, cultivando o campo e ren-dendo graças ao Senhor Supremo pelas alegrias que desfrutava no contentamento de ser útil. A Ignorância começou a cogitar da perseguição, apresentando-o ao povo como mau observador das obrigações religiosas. Insulava-se no trato da terra, cheio de ambições desmedidas para enri-quecer à custa do alheio suor. Não tinha fé, nem respeitava os bons costumes. O lavrador ativo recebeu as notícias do adversário que operava, de longe, sorriu calmo e falou com sinceridade: — A Ignorância está desculpada. Surgiu, então, a Calúnia e denunciou-o às autoridades por espião de interesses estranhos. Aquele humano vivia, quase sozinho, para melhor comunicar-se com vasta quadrilha de ladrões. O ser-viço policial tratou de minuciosas averiguações e, ao término do inquérito vexatório, a vítima a-firmou sem ódio: — A Calúnia estava enganada. E trabalhou com dobrado valor moral. Logo após, veio a Maldade, que o atacou de mais perto. Principiou a ofensiva, incendiando-lhe o campo. Destruiu-lhe milharais enormes, prejudicou-lhe a vinha, poluiu-lhe as fontes. Todavia, o operário incansável, reconstruindo para o futuro, respondeu, sereno: — Contra as sombras do mal, tenho a luz do bem. Reconhecendo os perseguidores que haviam encontrado um Espírito robusto na fé, instruíram a Discórdia que passou a assediá-lo dentro da própria casa. Provocações cercaram-no de todos os lados e, a breve tempo, irmãos e amigos da véspera relegaram-no ao abandono. O servo diligente, dessa vez, sofreu bastante, mas ergueu os olhos para o Céu e falou: — Meu Deus e meu Senhor, eu estou só, no entanto, continuarei agindo e servindo em Teu No-me. A Discórdia será por mim esquecida. Apareceu, então, a Vaidade que o procurou nos aposentos particulares, afirmando-lhe: — És um grande herói... Venceste aflições e batalhas! Serás apontado à multidão na auréola dos justos e dos santos!... O trabalhador sincero repeliu-a, imperturbável: — Sou apenas um átomo que respira. Toda glória pertence a Deus! Ausentando-se a Vaidade com desapontamento, entrou a Preguiça e, acariciando-lhe a fronte com mãos traiçoeiras, afiançou: — Teus sacrifícios são excessivos... Vamos ao repouso! Já perdeste as melhores forças!... Vigilante, contudo, o interpelado replicou sem hesitar: — Meu dever é o de servir em benefício de todos, até ao fim da luta. Afastando-se a Preguiça vencida, o Desânimo compareceu. Não atacou de longe, nem de perto. Não se sentou na poltrona para conversar, nem lhe cochichou aos ouvidos. Entrou no coração do operoso lavrador e, depois de instalar-se lá dentro, começou a perguntar-lhe: — Esforçar-se para quê? Servir por quê? Não vê que o mundo está repleto de colaboradores mais competentes? Que razão justifica tamanha luta? Quem o mandou nascer neste corpo? Não foi a determinação do próprio Deus? Não será melhor deixar tudo por conta de Deus mesmo? Que es-pera? Sabe, acaso, o objetivo da vida? Tudo é inútil... Não se lembra de que a morte destruirá tu-do? O humano forte e valoroso, que triunfara de muitos combates, começou a ouvir as interrogações do Desânimo, deitou-se e passou cem anos sem levantar-se... (Apontamentos: Sempre que o imediatismo se instala em nosso coração, as boas obras deixam de ter valor!)

35 23 A DECISÃO SÁBIA

Em tempos recuados, existiu um rei poderoso e bom, que se fizera notado pela sabedoria. Convidado a verificar, solenemente, a invenção de um súdito, cuja cabeça era um prodígio na matemática, compareceu em trajes de honra à festa em que o novo aparelho seria apresentado. O calculista, orgulhoso, mostrou a obra que havia criado pacientemente. Tratava-se de largo ta-buleiro forrado de veludo negro, cercado de pequenas cavidades, sustentando regular coleção de bolas de madeira colorida. Acionadas por longos tacos de marfim, essas bolas rolavam na dire-ção das cavidades naturais, dando ensejo a um jogo de grande interesse pela expectação que pro-vocava. Revestiu-se a festa de brilho indisfarçável. Contendores variados disputaram partidas de vulto. Dia inteiro, grande massa popular rodeou o invento, comendo e bebericando. O próprio monarca seguiu a alegria geral, dando mostras de evidente satisfação. Serviu-se, ao almoço, junto às grandes bandejas de carne, pão e frutos, em companhia dos amigos, e aplaudia, contente, quando esse ou aquele participante do novo e inocente jogo conseguia posição invejá-vel perante os companheiros. À tardinha, encerrada a curiosidade geral, o inventor aguardou o parecer do soberano, com inex-cedível orgulho. Aglomerou-se o povo, igualmente, a fim de ouvi-lo. Não se cansava o público de admirar o jogo efetuado, através de cálculos divertidos. Despedindo-se, o rei levantou-se, fez-se visto de todos e falou ao vassalo inteligente: — Genial matemático: a autoridade de minha coroa determina que sua obra de raciocínio seja premiada com cem peças de ouro que os cofres reais levarão ao seu crédito, ainda hoje, em ho-menagem à sua paciência e habilidade. Essa remuneração, todavia, não lhe visa somente o valor pessoal, mas também certos benefícios que a sua máquina vem trazer a muitos homens e mulhe-res de meu reino, menos afeitos às virtudes construtivas que todos devemos respeitar neste mun-do. Enquanto jogarem suas bolas de madeira, possivelmente muitos indivíduos, cujos instintos criminosos ainda se acham adormecidos, se desviarão do delito provável e muitos caçadores o-ciosos deixarão em paz os animais amigos de nossas florestas. O monarca fez comprida pausa e a multidão prorrompeu em aplausos delirantes. Via-se o inventor cercado de abraços, quando o soberano recomeçou: — Devo acrescentar, porém, que a sabedoria de meu cetro ordena que o senhor seja punido com cinquenta dias de prisão forçada, a fim de que aprenda a utilizar sua capacidade intelectual em benefício de todos. A sabedoria humana é uma luz cuja claridade deve ser consagrada à coopera-ção com o Supremo Senhor, na Terra. Sua invenção não melhora o campo, nem cria trabalho sé-rio; não ajuda as sementes, nem ampara os animais; não protege fontes, nem conserva estradas; não colabora com a educação, nem serve aos ideais do bem. Além disto, arrasta centenas de pes-soas, qual se verificou neste dia, conosco, a perderem valioso tempo na expectativa inútil. Volte aos seus abençoados afazeres mentais, mesmo no cárcere, e dedique sua sabedoria a criação de serviço e utilidades em proveito de todos, porque, se o meu poder o recompensa, a minha experi-ência o corrige. Quando o rei concluiu e desceu da tribuna, o inventor se fizera muito pálido, o povo não bateu palmas; entretanto, toda gente aprendeu, na decisão sábia do grande soberano, que ninguém deve menosprezar os tesouros da sabedoria e do tempo sobre a Terra. (Apontamentos: A inteligência, propriedade espiritual, ao adquirir conhecimentos torna-se sábia; tem sabedoria! Podemos usar o nosso saber para múltiplas ações e, como vimos acima, muitas podem ser úteis e outras inúteis. Obser-vando o nosso mundo atual, por utilidades e inutilidades, como classificaríamos o saber humano? E olha que não está sendo chamada a atenção para a aplicação desse saber às coisas de valor espiritual!)

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24 O APRENDIZ DESAPONTADO

Um menino que desejava ardentemente residir no Céu, numa bonita manhã, quando se encontra-va no campo, em companhia de um burro, recebeu a visita de um anjo. Reconheceu, depressa, o emissário de Cima, pelo sorriso bondoso e pela veste resplandecente. Alucinado de júbilo, o rapazelho gritou: — Mensageiro de Jesus, quero o paraíso! Que fazer para chegar até lá?! O anjo respondeu com gentileza: — O primeiro caminho para o Céu é a obediência e, o segundo, é o trabalho. O pequeno, que não parecia muito diligente, ficou pensativo. O enviado de Deus então disse: — Venho a este campo, a fim de auxiliar a Natureza que tanto nos dá. Fixou o olhar mais docemente na criança e rogou: — Queres ajudar-me a limpar o chão, carregando estas pedras para o fosso vizinho? O menino respondeu: — Não posso. Todavia, quando o emissário celeste se dirigiu ao burro, o animal prontificou-se a transportar os calhaus, pacientemente, deixando a terra livre e agradável. Em seguida, o anjo passou a dar ordens de serviço em voz alta, mas o menino recusava-se a con-tribuir, enquanto o burro ia obedecendo. No instante de mover o arado, o rapazinho desfez-se em palavras feias, fugindo à colaboração. O muar disciplinado, contudo, ajudou quanto pôde, em silêncio. No momento de preparar a sementeira, verificou-se o mesmo quadro: o pequeno repousava e o burro trabalhava. Em todas as medidas iniciais da lavoura, o pesado animal agia cuidadoso, colaborando eficien-temente com o lavrador celeste; entretanto, o jovem, cheio de saúde e leveza, permaneceu amua-do, a um canto, choramingando sem saber por que e acusando não se sabe a quem. No fim do dia, o campo estava lindo. Canteiros bem desenhados surgiam ao centro, ladeados por fios de água benfeitora. As árvores, em derredor, pareciam orgulhosas de protegê-los. O vento deslizava tão manso que mais se assemelhava a um sopro divino cantando nas campânulas do matagal. A Lua apareceu espalhando intensa claridade. O anjo abraçou o obediente animal, agradecendo-lhe a contribuição. Vendo o menino que o mensageiro se punha de volta, gritou, ansioso: — Anjo querido, quero seguir contigo, quero ir para o Céu!... O emissário divino respondeu, porém: — O paraíso não foi feito para gente preguiçosa. Se desejas encontrá-lo, aprende primeiramente a obedecer com o burro que soube receber a bênção da disciplina e o valor da educação. E assim esclarecendo subiu para as estrelas, deixando o rapazinho desapontado, mas disposto a mudar de vida. (Apontamentos: É interessante como nós adulamos aos seres celestiais, reclamando das nossas dificuldades e pedindo facilida-des. Em vez de fazermos o nosso obrigatório trabalho; fazemos doações de dízimos para Deus. Em vez de a-plicarmos nosso dinheiro em obras benemerentes; doamos dinheiro ao ‘dono’ de tudo. Enquanto assim pro-cedermos, estaremos justificando a frase acima: O paraíso não foi feito para gente preguiçosa!)

37 25 A FALSA MENDIGA

Zezélia pedia esmolas, havia muitos anos. Não era tão doente que não pudesse trabalhar, produzindo algo de útil, mas não se animava a en-frentar qualquer disciplina de serviço. — Esmola pelo amor de Deus! — clamava o dia inteiro, dirigindo-se aos transeuntes, sentada à porta de imundo telheiro. De quando em quando, pessoas amigas, depois de lhe darem um níquel, aconselhavam: — Zezélia, você não poderia plantar algum milho? — Não posso... — respondia logo. — Zezélia, quem sabe poderia você beneficiar alguns quilos de café? — Quem sou eu, meu filho? Não tenho forças... — Não desejaria lavar roupa e ganhar algum dinheiro? — indagavam damas bondosas. — Nem pensar nisto. Não aguento... — Zezélia, vamos vender flores! — convidavam algumas jovens que se compadeciam dela. — Não posso andar, minhas filhas!... —exclamava, suspirando. — E o bordado, Zezélia? — interrogava a vizinha, prestativa — você tem as mãos livres. A agu-lha é uma boa companheira. Quem sabe poderá ajudar-nos? Receberá compensadora remunera-ção. — Não tenho os dedos seguros — informava, teimosa — e falta-me suficiente energia... Não posso, minha senhora... E, assim, Zezélia vivia prostrada, sem ânimo, sem alegria. Afirmava sentir dores por toda parte do corpo. Dava notícias da tosse, da tonteira e do resfriado com longas palavras que raras pessoas dispunham de tempo para ouvir. Além das lamentações contínuas, clamava que não bebia café por falta de açúcar, que não almoçara por não dispor de alimentação. Tanto pediu, chorou e se queixou Zezélia que, em certa manhã, foi encontrada morta e a caridade pública enterrou-lhe o corpo com muita piedade. Todos os vizinhos e conhecidos julgaram que o Espírito de Zezélia fora diretamente para o Céu; entretanto, não foi assim. Ela acordou em meio dum campo muito escuro e muito frio. Achava-se sem ninguém e gritou, aflita, pelo socorro de Deus. Depois de muito tempo, um anjo apareceu e disse-lhe, bondoso: — Zezélia, que deseja você? — Ah! — observou, muito vaidosa — já sou conhecida na Casa Celestial? — Há muito tempo — informou o emissário, compadecido. A velha começou a chorar e rogou em pranto: — Tenho sofrido muito!... Quero o amparo do Alto!... — Mas, ouça! — esclareceu o mensageiro — o auxílio divino é para quem trabalha. Quem não planta, nada tem a colher. Você não cavou a terra, não cuidou de plantas, não ajudou os animais, não fiou o algodão, não teceu fios, não costurou o pano, não amparou crianças, não fez pão, não lavou roupa, não varreu a casa, não cuidou de flores, não tratou nem mesmo de sua saúde e de seu corpo... Como pretende receber as bênçãos de Cima? A infeliz observou, então: — Nada podia fazer... Eu era mendiga... O anjo, contudo, replicou: — Não, Zezélia! — você não era mendiga. Você foi simplesmente preguiçosa. Quando aprender a trabalhar, chame por nós e receberá o socorro celeste. Cerrou-se-lhe aos olhos o horizonte de luz e, às escuras, Zezélia voltou para a Terra, a fim de re-novar-se. (Apontamentos: Existem muitas Zezélias reencarnadas, seremos nós algumas delas? Ou só estamos esperando o anjo que nos

38 levará ao Céu? Ouço dizerem que devemos aproveitar enquanto o anjo não vem e irmos fazendo algum trabalho, será que voluntariado vale? )

39 26 O GRITO DE CÓLERA

Lembra-se do instante em que gritou fortemente, antes do almoço? Por insignificante questão de vestuário, você pronunciou palavras feias em voz alta, desrespei-tando a paz doméstica. Ah! Meu filho, quantos males foram atraídos por seu gesto de cólera!... A Mamãe, muito aflita, correu para o interior, arrastando atenções de toda a casa. Voltou-lhe a dor de cabeça e o coração tornou a descompassar-se. — As duas irmãs, que cuidavam da refeição, dirigiram-se precipitadamente para o quarto, a fim de socorrê-la, e duas terças partes do almoço ficaram inutilizadas. Em razão das circunstâncias provocadas por sua irreflexão, o papai, muito contrariado, foi com-pelido a esperar mais tempo em casa, chegando ao serviço com grande atraso. Seu chefe não estava disposto a tolerar-lhe a falta e recebeu-o com repreensão áspera. Quem o visse, ereto e digno, a sofrer essa pena, em virtude da sua leviandade, sentiria compai-xão, porque você não passa de um jovem necessitado de disciplina, e ele é um humano de bem, idoso e correto, que já venceu muitas tempestades para amparar a família e defendê-la. Humilha-do, suportou as consequências de seu gesto impulsivo, por vários dias, observado na oficina qual se fora um menino vadio e imprudente. Os resultados de sua gritaria foram, porém, mais vastos. A Mãezinha piorou e o médico foi chamado. Medicamentos de alto preço, trazidos à pressa, im-puseram vertiginosa subida às despesas, e o papai não conseguiu pagar todas as contas de arma-zém, farmácia e aluguel de casa. Durante seis meses, toda a sua família lutou e solidarizou-se para recompor a harmonia quebra-da, desastradamente, por sua ira infantil. Cento e oitenta dias de preocupações e trabalhos árduos, sacrifícios e lágrimas! Tudo porque vo-cê, incapaz de compreender a cooperação alheia, se pôs a berrar, inconscientemente, recusando a roupa que lhe não agradava. Pense na lição, meu filho, e não a repita. Todos nós estamos unidos, reciprocamente, através de laços que procedem dos desígnios divi-nos. Ninguém se reúne ao acaso. Forças superiores impelem-nos uns para os outros, de modo a aprendermos a ciência da felicidade, no amor e no respeito mútuo. O golpe do machado derruba a árvore de vez. A ventania destrói um ninho de momento para outro. A ação impensada de um humano, todavia, é muito pior. O grito de cólera é um raio mortífero, que penetra o círculo de pessoas em que foi pronunciado e aí se demora, indefinidamente, provocando moléstias, dificuldades e desgostos. Por que não aprende a falar e a calar, a benefício de todos? Ajude em vez de reclamar. A cólera é força infernal que nos distancia da paz divina. A própria guerra, que extermina milhões de criaturas, não é senão a ira venenosa de alguns hu-manos que se alastra, por muito tempo, ameaçando o mundo inteiro. (Apontamentos: O grito de cólera é um raio mortífero, que penetra o círculo de pessoas em que foi pronunciado e aí se demora, inde-finidamente, provocando moléstias, dificuldades e desgostos. Por que não aprende a falar e a calar, a benefício de todos? A paciência é a mãe das virtudes! A folha acima confirma o adágio popular. Quantas desgraças evitaríamos caso cultivássemos um pouco de paciência!)

40 27 CARTA PATERNA

Meu filho, não tinhas razão em favor da cólera. Vi, perfeitamente, quando o velhinho se aproximou para servir-te. Trazia um coração amoroso e atento que não soubeste compreender Deste uma ordem que o pobrezinho não ouviu tão bem, quanto desejavas. Repetiste-a e, porque novamente te perguntasse qualquer coisa, proferiste palavras feias, que lhe feriram as fibras mais íntimas. Como foste injusto!... Quando nasceste, o antigo servidor já vencera muitos invernos e servira a muita gente. Enfraqueceram-se-lhe os ouvidos, ante as imperiosas determinações alheias. Nunca refletiste na neblina que lhe enevoa o olhar? Adquiriu-a trabalhando à noite, enquanto dormias, despreocupado. Sabes por que traz ele as pernas trêmulas? Devorou muitas léguas a pé, solucionando problemas dos outros. Irritas-te, quando se demora a movimentar-se a teu mando. Contudo, exiges o automóvel para a viagem de dois quilômetros. Em muitas ocasiões, queixas-te contra ele. É relaxado aos teus olhos, tem as mãos descuidadas e a roupa não muito limpa. Entretanto, nunca imaginaste que o apagado servidor jamais encontrou oportunidades iguais às que recebeste. Além disto, não lhe ofereces o ensinamento amigo e nem tempo para cogitar das próprias necessidades espirituais. Reclamas longos dias para examinar pequenina questão, referente ao teu bem-estar; todavia, não lhe consagras nem mesmo uma hora por semana, ajudando-o a refletir... Respondes, enfadado, quando o velho companheiro te pede alguns níqueis, mas não vacilas em despender pequenas fortunas com amigos ociosos, em noitadas alegres, nas quais te mergulhas em fantasioso contentamento. Interrogas, ingrato: que fizeste do dinheiro que te dei? Esqueces que o servo de fronte enrugada não dispôs de tempo e recurso para calcular, com exati-dão, os processos de ganhar além do necessário e não conseguiu ensejo de ilustrar o raciocínio com o refinamento que caracteriza o teu. Ah! Meu filho, quando a impaciência te visita o Espírito, recorda que o monstro da ira indesejá-vel te bate à porta do coração. E quando a ele te entregas, imprevidente, tuas conquistas mais e-levadas tremem nos alicerces. Chego a desconhecer-te porque a fúria dos elementos interiores te alteram a individualidade aos meus olhos e eu não sei se passas a condição de criança ou de de-mônio!... Se não podes conter, ainda, os movimentos impulsivos de sentimentos perturbadores, chegado o instante do testemunho cala-te e espera. A cólera nada edifica e nada restaura... Apenas semeia desconfiança e temor, ao redor de teus passos. Não ameaces com a voz, nem te insurjas contra ninguém. É provável que guardes alguma reclamação contra mim, teu pai, Porque eu também sou ainda humano. No entanto, filho, acima de nós ambos permanece o Pai Supremo, e que seria de ti e de mim, se Deus, um dia, se encolerizasse contra nós? (Apontamentos: O atrito das gerações, a nova sempre se acredita superior àquela que vai substituir. Em nenhum momento a nova geração louva a base construída pela velha geração, apenas goza das benesses... Mas existe o amanhã, e nesse amanhã a nova geração será a velha e sofrerá os mesmos louvores com que prodigalizou àquela que substituiu!)

41 28 A PREGAÇÃO FUNDAMENTAL

Um aprendiz de Nosso Senhor Jesus-Cristo entusiasmou-se com os ensinamentos do Evangelho e decidiu propagá-los, enquanto vivesse. Leu, atencioso, as lições do Mestre e começou a co-mentá-las por toda parte, gastando dias e noites nesse mister. Chegou, porém, o momento em que precisou pagar as próprias despesas e foi compelido a traba-lhar. Empregou-se sob as ordens de um orientador que lhe não agradou. Esse diretor de serviço acha-va-se muito distante da fé e, por isto, contrariava-lhe as tendências religiosas. Controlava-lhe as horas com rigor e observava-o com apontamentos acrimoniosos e rudes. O pregador do Crucificado não mais se movimentava com a liberdade de outro tempo. Era obri-gado a consagrar largos dias a trabalhos difíceis que lhe consumiam todas as forças. Prosseguia, ensinando a boa doutrina, quanto lhe era possível; porém, não mais podia agir e falar, como que-ria ou quando pretendia. Tinha os minutos contados, as oportunidades divididas, as semanas ta-beladas e, porque se julgasse vítima das ordenações de sua chefia, procurou o diretor do serviço e despediu-se. O proprietário que o empregara indagou do motivo que o levava a semelhante resolução. Um tanto irônico, o rapaz explicou-se: — Quero ser livre para melhor servir a Jesus. Não posso, pois, aceitar o cativeiro de sua casa. Nesse dia de folga absoluta, sentiu-se tão independente e tão satisfeito que discorreu, animada-mente, sobre a doutrina cristã, até depois de meia-noite, em várias casas religiosas. Repousando, feliz, alta madrugada sonhou que o Mestre vinha encontrá-lo. Reparou-lhe a beleza celeste e ajoelhou-se para beijar-lhe a túnica resplandecente. Jesus, porém, estampava na fisionomia dolorosa e indisfarçável tristeza. O discípulo inquietou-se e interrogou: — Senhor, porque te sentes amargurado? O Cristo, respondeu, melancolicamente: — Porque desprezaste, meu filho, a pregação que te confiei? — Como assim, Senhor? — replicou o jovem — ainda hoje abandonei um homem tirânico para melhor ensinar a tua palavra. Tenho discursado em vários templos e comentado a Boa-Nova por onde passo. — Sim — exclamou o Mestre —, esta é a pregação que me ofereces e que desejo continues fer-vorosamente; todavia, confiei ao teu Espírito a pregação fundamental da verdade a um humano que administra os meus interesses na Terra e não soubeste executá-la. Classificaste-o de ignoran-te e cruel; entretanto, olvidas que ele ignora o que sabes. E pretendes, acaso, desconhecer que o orientador humano que te dei somente poderia abordar-me os ensinos, nesta hora, através de teu exemplo? Tua humildade construtiva, no espírito de serviço, modificar-lhe-ia o coração... Se lhe desses cinco anos consecutivos de demonstrações evangélicas, estaria preparado a caminhar, por si mesmo, na direção do Reino Divino!... E ele, que determina sobre o tempo de duzentos huma-nos, se faria melhor, mais humano e mais nobre, sem prejuízo da energia e da eficiência... Pode-rás ensinar o caminho celestial a cem mil ouvidos, mas a pregação do exemplo, que converta um só coração ao Infinito Bem, estabelece com mais presteza a redenção do mundo!... O aprendiz desejou perguntar alguma coisa; entretanto, o Cristo afastou-se num turbilhão de lu-minosa neblina. Acordou, sobressaltado, e não mais dormiu naquela noite. De manhã, pôs-se a caminho do estabelecimento em que trabalhara, procurou o diretor de quem se despedira e pediu humildemente: — Senhor, rogo-lhe desculpas pelo meu gesto impensado e, caso seja possível, readmita-me nes-ta casa! Aceitarei qualquer gênero de tarefa. O chefe, admirado, indagou: — Quem te induziu a esta modificação? — Foi Jesus — respondeu o rapaz —; não podemos servi-lo por intermédio da indisciplina ou do orgulho pessoal.

42 O diretor concordou sem vacilação, exclamando: — Entre! Estamos ao seu dispor. Anotou a boa vontade e o sincero desejo de servir de que o empregado dava agora vivo testemu-nho e passou a refletir na grandeza da doutrina que assim orientava os passos de um humano no aperfeiçoamento moral. E o aprendiz do Evangelho que retomou o trabalho comum, intensamen-te feliz, compreendeu, afinal, que poderia prosseguir na propaganda verbal que desejava e na pregação básica do exemplo que Jesus esperava dele. (Apontamentos: A maior qualidade da Doutrina dos Espíritos é a de nos proporcionar o conhecimento racional e, com ele, po-dermos realizar ações de valor material e moral, e tudo ao sabor do nosso livre-arbítrio. Ficar somente nas palavras já é denotar conhecimento, mas temos que exemplificar esse conhecimento para torná-lo verdadeiro. Adquira o correto conhecimento e, conforme julgue possível, vá realizando ações propostas nesse conheci-mento.)

43 29 O BARRO DESOBEDIENTE

Houve um oleiro que chegou ao pátio de serviço e reparou com alegria um pequeno bloco de barro. Contemplou-o, enlevado, em face da cor viva com que se apresentava e falou: — Vamos! Farei de ti delicado pote de laboratório. O analista alegrar-se-á com teu concurso va-lioso. Imensamente surpreendido, porém, notou que o barro retrucava: — Oh! Não, não quero! Eu, num laboratório, tolerando precipitações químicas? Por favor, não me toques para semelhante fim! O oleiro, espantado, considerou: — Desejo dar-te forma por amor, não por ódio. Sofrerás o calor de forno para que te faças belo e útil... Entretanto, porque te recusas ao que proponho, transformar-te-ei numa caprichosa ânfora destinada a depósito de perfumes. — Oh! Nunca! Nunca!... — exclamou o barro — isto não! Estaria exposto ao prazer dos incons-cientes. Não estou inclinado a suportar essências, através de peregrinações pelos móveis de luxo. O dono do serviço meditou muito na desobediência da lama orgulhosa, mas, entendendo que tu-do devia fazer por não trair a confiança do Céu, ponderou: — Bem, converter-te-ei, então, num prato honrado e robusto. Comparecerás à mesa de meu lar. Ficarás conosco e serás companheiro de meus filhinhos. — Jamais! — bradou o barro, na indisciplina — isto seria pesada humilhação... Transportar ar-roz cozido e aguentar caldos gordurosos na face? Assistir, inerme, às cenas de glutonaria em tua casa? Não, não me submetas!... O trabalhador dedicado perdoou-lhe a ofensa e acrescentou: — Modificaremos o programa ainda uma vez. Serás um vaso amigo, em que a límpida água re-pouse. Ajudarás aos sedentos que se aproximarem de ti. Muita gente abençoar-te-á a cooperação. Despertarás o contentamento e a gratidão nas criaturas!... — Não, não! — protestou a argila — não quero! Seria condenar-me a tempo indefinido nas can-toneiras poeirentas ou nas salas escuras de pessoas desclassificadas. Por favor, poupa-me! Pou-pa-me!... O oleiro cuidadoso considerou, preocupado: — Que será de ti quando te conduzirem ao forno? Não passarás de matéria endurecida e informe, sem qualquer utilidade ou beleza. Sem sacrifício e sem disciplina, ninguém se eleva aos planos da vida superior. O barro, todavia, recusou a advertência, bradando: — Não aceito sacrifício, nem disciplina... Antes que pudesse prosseguir, passou o enfornador arrebanhando a argila pronta, e o barro deso-bediente foi também conduzido ao forno em brasa. Decorrido algum tempo, a lama vaidosa foi retirada e — ó surpresa! — não era pote de laborató-rio, nem ânfora de perfume, nem prato de refeição, nem vaso para água e, sim, feio pedaço de terra requeimada e morta, sem qualquer significação, sendo imediatamente atirada ao pântano. Assim acontece a muitas criaturas no mundo. Revoltam-se contra a vontade soberana do Senhor que as convida ao trabalho de aperfeiçoamento, mas, depois de levadas pela experiência ao forno da morte, se transformam em verdadeiros fantasmas de desilusão e sofrimento, necessitando de longo tempo para retornarem às bênçãos da vida mais nobre. (Apontamentos: Assim acontece a muitas criaturas no mundo. Revoltam-se contra a vontade soberana do Senhor que as convida ao trabalho de aperfeiçoamento, mas, depois de levadas pela experiência ao forno da morte, se transformam em verda-deiros fantasmas de desilusão e sofrimento, necessitando de longo tempo para retornarem às bênçãos da vida mais nobre. Este fato é muito comum neste estágio de resgates e expiações. Não queremos fazer nenhum sacrifício disci-plinar para a nossa elevação espiritual, mas carregamos montanhas para atender aos nossos caprichos mate-riais! Cada um tem seu livre-arbítrio, cada um faz suas escolhas, cada um colhe exatamente aquilo que plan-tou ou planta, portanto nada podemos reclamar nas nossas colheitas encarnatórias!)

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30 DÁ DE TI MESMO Declaraste não possuir dinheiro para auxiliar. Acreditas que um pouco de papel ou um tanto de níquel te substituem o coração? Esqueces-te, meu filho, de que podes sorrir para o doente e estender a mão ao necessitado? A flor não traz consigo uma bolsa de ouro e, entretanto espalha perfume no firmamento. O céu não exibe chuvas de moedas, mas enche o mundo de luz. Quanto pagas pelo ar fresco que, em bafejos amigos, te visita o quarto pela manhã? O oxigênio cobra-te imposto? Quanto te custa a ternura materna? As aves cantam gratuitamente. A fonte que te oferece o banho reconfortador não exige mensalidade. A árvore abre-te os braços acolhedores, repletos de flor e fruto, sem pedir vintém. A bênção divina, cada noite, conduz o teu pensamento a bendito repouso no sono e não fazes re-tribuição de espécie alguma. Habitualmente sonhas, colhendo rosas em formoso jardim, junto de companheiros felizes; no entanto, jamais te lembraste de agradecer aos gênios espirituais que te proporcionam venturoso descanso. A estrela brilha sem pagamento. O Sol não espera salário. Por que não aprenderes com a Natureza em torno? Por que não te fazeres mais alegre, mais comunicativo, mais doce? Tens a fisionomia seca e ensombrada por faltar-te dinheiro excessivo e reclamas recursos materi-ais para ser bom, quando a bondade não nasce dos cofres fortes. Sê irmão de teu irmão, companheiro de teu companheiro, amigo de teu amigo. Na ciência de amar, resplandece a sabedoria de dar. Mostra um semblante sereno e otimista, aonde fores. Estende os braços, alonga o coração, comunica-te com o próximo, através dos fios brilhantes da amizade fiel. Que importa se alguém te não entende o gesto de amor? Que seria de nós, meu filho, se a mão do Senhor se recolhesse a distância, por temer-nos a rude-za e a maldade? Dá de ti mesmo, em toda parte. Muito acima do dinheiro, pairam as tuas mãos amigas e fraternais. (Apontamentos: Na ciência de amar, resplandece a sabedoria de dar. Mostra um semblante sereno e otimista, aonde fores. Quando amamos queremos dar ao nosso amor as melhores coisas possíveis, mas será que o nosso amor reco-nhece que essas coisas dadas são as melhores para si? Quando conhecemos e reconhecemos a Lei de Deus ca-minhamos serenos e otimistas, nesta situação somente nos falta a sabedoria de saber dar...)

45 31 A LENDA DO DINHEIRO

Conta-se que, no princípio do mundo, o Senhor entrou em dificuldades no desenvolvimento da obra terrestre, porque os humanos se entregaram a excessivo repouso. Ninguém se animava a trabalhar. Terra solta amontoava-se aqui e ali. Minerais variados estendi-am-se ao léu. Águas estagnadas apareciam em toda parte. O Divino Organizador pretendia erguer lares e templos, educandários e abrigos diversos, mas, com que braços? Os homens e as mulheres da Terra, convidados ao suor da edificação por amor, respondiam: — “para quê?”. E comiam frutos silvestres, perseguiam animais para devorá-los e dormiam sob as grandes árvores. Após refletir muito, o Celeste Governador criou o dinheiro, adivinhando que as criaturas, presas da ignorância, se não sabiam agir por amor, operariam por ambição. E assim aconteceu. Tão logo surgiu o dinheiro, a comunidade fragmentou-se em pequenas e grandes facções, incen-tivando-se a produção de benefícios gerais e de valores imaginativos. Apareceram candidatos a toda espécie de serviços. O primeiro deles pediu ao Senhor permissão para fundar uma grande olaria. Outro requereu mei-os de pesquisar os minérios pesados, de maneira a transformá-los em utensílios. Certo trabalha-dor suplicou recursos para aproveitamento de grandes áreas na exploração de cereais. Outro, ain-da, implorou empréstimo para produzir fios, de modo a colaborar no aperfeiçoamento do vestuá-rio. Servidores de várias procedências vieram e solicitaram auxílio financeiro destinado à criação de remédios. O Senhor a todos atendeu com alegria. Em breve, olarias e lavouras, teares rústicos e oficinas rudimentares se improvisaram aqui e aco-lá, desenvolvendo progresso amplo na sabedoria e nas coisas. Os humanos, ansiosamente procurando o dinheiro, a fim de se tornarem mais destacados e pode-rosos entre si, trabalhavam sem descanso, produzindo tijolos, instrumentos agrícolas, máquinas, fios, óleos, alimento abundante, agasalho, calçados e inúmeras invenções de conforto, e, assim, a terra menos proveitosa foi removida, as pedras aproveitadas e os rios canalizados conveniente-mente para a irrigação; os frutos foram guardados em conserva preciosa; estradas foram traçadas de norte a sul, de leste a oeste e as águas receberam as primeiras embarcações. Toda gente perseguia o dinheiro e guerreava pela posse dele. Vendo, então, o Senhor que os humanos produziam vantagens e prosperidade, no anseio de pos-se, considerou, satisfeito: — Meus filhos da Terra não puderam servir por amor, em vista da deficiência que, por enquanto, lhes assinala a posição; todavia, o dinheiro estabelecera benéficas competições entre eles, em be-nefício da obra geral. Reterão provisoriamente os recursos que me pertencem e, com a sensação da propriedade, improvisarão todos os produtos e materiais de que o aprimoramento do mundo necessita. Esta é a minha Lei de Empréstimo que permanecerá assentada no Céu. Cederei possi-bilidades a quantos mo pedirem, de acordo com as exigências do aproveitamento comum; toda-via, cada beneficiário apresentar-me-á contas do que houver despendido, porque a Morte condu-zi-los-á, um a um, à minha presença. Este decreto divino funcionará para cada pessoa, em parti-cular, até que meus filhos, individualmente, aprendam a servir por amor à felicidade geral, livres do grilhão que a posse institui. Desde então, a maioria das criaturas passou a trabalhar por dedicação ao dinheiro, que é de pro-priedade exclusiva do Senhor, da aplicação do qual cada homem e cada mulher prestarão contas a Ele mais tarde. (Apontamentos: Existe até uma música que define muito bem a relação entre o dinheiro e a felicidade, sua letra inicial é: Di-nheiro pra que dinheiro, se ela não me dá bola... E tudo isso por erro de endereço, a felicidade está dentro de nós e não nos objetos externos! É bom aplicarmos corretamente o nosso dinheirinho...)

46 32 A SENTENÇA CRISTÃ

Um juiz cristão, rigoroso nas aplicações da lei humana, mas fiel no devotamento ao Evangelho, encontrando-se em meio duma sociedade corrompida e perversa, orou, implorando a presença de Jesus. Tantas sentenças condenatórias devia proferir diariamente, que se lhe endurecera o coração. Atormentado, porém, entre a confiança que consagrava ao Divino Mestre e as acusações que se acreditava compelido a formular, rogou, certa noite, ao Senhor, lhe esclarecesse o Espírito an-gustiado. Efetivamente, sonhou que Jesus vinha desfazer-lhe as dúvidas aflitivas. Ajoelhou-se aos pés do Amoroso Amigo e perguntou: — Mestre, que normas adotar perante um homicida? Não estará logicamente incurso nas penas legais? O Cristo sorriu, de leve, e respondeu: — Sim, o criminoso está condenado a receber remédio corretivo, por doente do Espírito. O juiz considerou estranha a resposta; contudo prosseguiu indagando: — Como agir, ante o delinquente rude, Senhor? — Está condenado a valer-se de nosso auxílio, através da educação pelo amor paciente e cons-trutivo — explicou Jesus, bondoso e calmo. — Mestre, e que corrigenda aplicar ao preguiçoso? — Está condenado a manejar a enxada ou a picareta, conquistando o pão com o suor do rosto. — Que farei da mulher pervertida? — interrogou o jurista, surpreso. — Está condenada a beneficiar-se de nosso amparo fraterno, a fim de que se reerga para a eleva-ção do trabalho e para a dignidade humana. — Senhor, como julgar o ignorante? — Está condenado aos bons livros. — E o fanático? — Está condenado a ser ouvido e interpretado com tolerância e caridade, até que aprenda a liber-tar o próprio Espírito. — Mestre, e que diretrizes adotar, ante um ladrão? — Está condenado à oficina e à escola, sob vigilância benéfica. — E se o ladrão é um assassino? — Está condenado ao hospício, onde se lhe cure a mente envenenada. O magistrado passou a meditar gravemente e lembrou-se de que deveria modificar todas as peças do tribunal, substituindo a discriminação de castigos diversos por remédio, serviço, fraternidade e educação. Todavia, não se sentindo bem com a própria consciência, endereçou ao Senhor su-plicante olhar, e perguntou, depois de longos instantes: — Mestre, e de mim mesmo, que farei? Jesus sorriu, ainda uma vez, e disse, sereno: — O cristão está condenado a compreender e ajudar, amar e perdoar, educar e construir, distribu-ir tarefas edificantes e bênçãos de luz renovadora, onde estiver. Nesse momento, o juiz acordou em lágrimas e, de posse da sublime lição que recebera, reconhe-ceu que, dali em diante, seria outro homem. (Apontamentos: — O cristão está condenado a compreender e ajudar, amar e perdoar, educar e construir, distribuir tarefas edificantes e bênçãos de luz renovadora, onde estiver. E como poderemos nos comportar como cristãos quando não conhecemos a Lei de Deus? Somente pelos estu-dos constantes é que poderemos conhecer a lei de Deus, aceitá-la e realizar ações que já julgamos possíveis...)

47 33 VIVEREMOS SEMPRE

Filho, não humilhes os ignorantes e os fracos. Todos somos viajores da vida eterna. Do berço ao túmulo atravessamos apenas um ato do imenso drama de nossa evolução para Deus. Por vezes, o senhor veste o traje pobre do operário humilde para conhecer-lhe as duras necessi-dades, e o operário humilde veste o suntuoso traje do senhor para conhecer-lhe as duras obriga-ções na tarefa administrativa. Quando um humano menospreza as oportunidades de tempo e dinheiro que o Céu lhe confia, volta ao mundo em outro corpo, experimentando a escassez de tudo. Não escarneças do aleijado. Tua boca poderá cobrir-se de cicatrizes. Não recolhas os bens que te não pertencem. Teus braços são suscetíveis de caírem paralíticos, sem que possas acariciar o que é teu, provisoriamente. Não caminhes ao encontro do mal, porque o mal dispõe de recursos para surpreender-te, talvez com a perturbação e com a morte. Ajuda e passa adiante, expandindo um coração compassivo para com todas as dores e cheio de amor e perdão para todas as ofensas. Quando não puderes louvar, cala-te e espera, porque a língua viciada na definição dos defeitos alheios regressa ao mundo em plena mudez. Quem chega através de um berço risonho, na maioria dos casos é alguém que torna ao campo da carne, a fim de restaurar-se e aprender. Assim como a flor se destina ao fruto que alimenta, o teu conhecimento deve produzir a bondade que constrói e santifica. Lembra-te de que longo é o caminho e que necessitaremos trocar de corpo, na direção da vitória final, tantas vezes quantas forem precisas, até que a indispensabilidade da vestimenta física se desvaneça com as encarnações sucessivas... Colheremos da sementeira que fizermos. Não desprezes, assim, os menos felizes. O malfeitor e o vagabundo que se deixaram escravizar pelos demônios da preguiça são igual-mente nossos irmãos. Ajudemo-los, através de todos os meios ao nosso alcance. Nem sempre o verdadeiro infortunado é aquele que se debate num leito de sofrimento. Não olvi-des o infeliz bem trajado que cruza as avenidas da ignorância, sem paz e sem luz. Filho meu, voltaremos ainda à Terra, provavelmente, muitas vezes... O serviço de redenção assim o exige. Ama a todos. Auxilia indistintamente. Semeia o bem, à margem de todas as estradas. Recorreremos ao amparo de muitos. É da Lei do Senhor que não avancemos sem os braços fra-ternos uns dos outros. Prepara, desde agora, a colaboração de que necessitarás, a fim de prosseguirmos, em paz, monta-nha acima! Sê irmão de todos, para que te sintas, desde hoje, no centro da grande família huma-na, e o Senhor Supremo te abençoará. (Apontamentos: Quando o nosso estágio de orgulho e egoísmo nos faz desacreditar nas reencarnações, pesa-nos a necessidade de tudo fazer em uma só encarnação, e isso é terrível, perturbador, desesperador. Ainda bem que conhecemos a Doutrina dos Espíritos, com ela sabemos das reencarnações e das várias oportunidades que o Pai Eterno nos concede para o nosso evolutivo espiritual. Somos privilegiados, não precisamos nos apressar, basta fazer corretamente!)

48 34 A GALINHA AFETUOSA

Gentil galinha, cheia de instintos maternais, encontrou um ovo de regular tamanho e espalmou as asas sobre ele, aquecendo-o carinhosamente. De quando em quando, beijava-o, enternecida. Se saia a buscar alimento, voltava apressada, para que lhe não faltasse calor vitalizante. E pensava, garbosa: — “Será meu pintainho! Será meu filho!” Em formosa manhã de céu claro, notou que o filhotinho nascia, robusto. Criou-o, com todos os cuidados. No entanto, em dourado crepúsculo de verão, viu-o fugir pelas águas de um lago, sobre as quais deslizava contente. Chamou-o, como louca, mas não obteve resposta. O bichinho era um pato arisco e fujão. A galinha, desalentada por haver chocado um ovo que lhe não pertencia à família, voltou muito triste, ao velho poleiro; todavia, decorrido algum tempo e encontrando outro ovo, repetiu a expe-riência. Nova criaturinha frágil veio à luz. Protegeu-a, com ternura, dedicou-se ao filho com todas as for-ças, mas, em breve, reparou que não era um pintainho qual fora, ela mesma, na infância. Tratava-se dum corvo esperto que a deixou em doloroso abatimento, voando a pleno céu, para juntar-se aos escuros bandos de aves iguais a ele. A desventurada mãe sofreu muitíssimo. Entretanto, embora resolvida a viver só, foi surpreendi-da, certo dia, por outro ovo, de delicada feição. Recapitulou as esperanças maternas e chocou-o. Dentro em pouco, o filhote surgia. A galinha afagou-o, feliz, mas, com o transcurso de algumas semanas, observou que o filho já crescido perseguia ratos à sombra. Durante o dia, dava mostras de perturbado e cego; no entanto, em se fazendo a treva, exibia olhos coruscantes que a ame-drontavam. Em noite mais escura, fugiu para uma torre muito alta e não mais voltou. Era uma coruja nova, sedenta de aventuras. A abnegada mãe chorou amargamente. Porém, encontrando outro ovo, buscou ampará-lo. Ani-nhou-se, aqueceu-o e, findos trinta dias, veio à luz corpulento filhote. A galinha ajudou-o como pôde, mas, em breve, o filho revelou crescimento descomunal. Passou a mirá-la de alto a baixo. Fez-se superior e desconheceu-a. Era um pavãozinho orgulhoso que chegou mesmo a maltratá-la. A carinhosa ave, dessa vez, desesperou em definitivo. Saiu do galinheiro gritando e dispunha-se a cair nas águas de rio próximo, em sinal de protesto contra o destino, quando grande galinha mais velha a abordou, curiosa, a indagar dos motivos que a segregavam em tamanha dor. A mísera respondeu, historiando o próprio caso. A irmã experiente estampou no olhar linda expressão de complacência e considerou, cacarejan-do: — Que é isto, amiga? Não desespere. A obra do mundo é de Deus, nosso Pai. Há ovos de gan-sos, perus, marrecos, andorinhas e até de sapos e serpentes, tanto quanto existem nossos próprios ovos. Continue chocando e ajudando em nome do Poder Criador; entretanto, não se prenda aos resultados do serviço que pertencem a Ele e não a nós, mesmo porque a escada para o Céu é in-finita e os degraus são diferentes. Não podemos obrigar os outros a serem iguais a nós, mas é possível auxiliar a todos, de acordo com as nossas possibilidades. Entendeu? A galinha sofredora aceitou o argumento, resignou-se e voltou, mais calma, ao grande parque a-vícola a que se filiava. O caminho humano estende-se, repleto de dramas iguais a este. Temos filhos, irmãos e parentes diversos que de modo algum se afinam com as nossas tendências e sentimentos. Trazem consigo inibições e particularidades de outras vidas que não podemos eliminar de pronto. Estimaríamos que nos dessem compreensão e carinho, mas permanecem imantados a outras pessoas e situa-ções, com as quais assumiram inadiáveis compromissos. De outras vezes, respiram noutros cli-mas evolutivos. Não nos aflijamos, porém. A cada criatura pertence a claridade ou a sombra, a alegria ou a tristeza do degrau em que se co-locou.

49 Amemos sem o egoísmo da posse e sem qualquer propósito de recompensa, convencidos de que Deus fará o resto. (Apontamentos: Continue chocando e ajudando em nome do Poder Criador; entretanto, não se prenda aos resultados do serviço que pertencem a Ele e não a nós, mesmo porque a escada para o Céu é infinita e os degraus são diferentes. Não podemos obrigar os outros a serem iguais a nós, mas é possível auxiliar a todos, de acordo com as nossas possibilidades. En-tendeu?

E nós, será que entendemos? Quando encarnamos, existe um patamar próprio para a nossa necessidade evo-lutiva espiritual, e dele ficamos observando aos irmãos. O patamar de cada irmão é próprio para as suas ne-cessidades e não sabemos quais são. Caso nos acreditemos mais informados que algum irmão, passemos a ele essas informações, mas ele é que resolverá se e como usá-las! Vamos corretamente percorrer o nosso caminho e deixar os irmãos percorrerem os deles à maneira deles!)

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35 NA SEMENTEIRA DO AMOR

Ajuda sempre, filho meu. Pensa no bem, exalta-lhe a grandeza e intensifica-lhe os dons na Terra. A glória mais expressiva do perdão não reside tanto na superioridade daquele que o dispensa, mas sim na soma de benefícios gerais que virão depois dele. O mais alto valor do concurso fra-terno não está contido no socorro às necessidades materiais de ordem imediata e, sim, no estimu-lo à confiança e à fraternidade. Somente os Espíritos em desequilíbrio extremo, fundamente cristalizados no mal, menosprezam as manifestações do bem. Sei que é difícil julgar o destino de uma dádiva e, por vezes, teu pensamento se perde, inutilmen-te, em complicadas conjeturas. “Terei dado para o bem? Terei dado para o mal?” — interrogas a ti mesmo. Mas, se não deste quanto possuis, se apenas concedeste migalhas do tesouro que o Senhor te confiou, não poderás ajudar ao próximo, tranquilamente, em nome do mesmo generoso Senhor que tudo te emprestou no mundo, a título precário? Claro que te não rogo favorecer o crime e a desordem visíveis ao nosso olhar. Entretanto, se te posso pedir alguma coisa, em tempo algum te negues à cooperação fraterna. Não abandones o enfermo, receando aborrecimentos, e nem fujas ao irmão desditoso que caiu nas malhas da justiça, temendo dissabores. Se tua bondade não for compreendida, aprende a esperar. Não é mais cristão aquele que serve por amor de servir, sem qualquer expectativa de remunera-ção? Não te esqueças de que o Mestre foi conduzido ao madeiro da angústia, por ajudar e amar sem-pre... Erra, auxiliando. Será melhor assim, porque todos estamos sob o olhar da Vigilância Divina. O humano que ajuda por vaidade e ostentação, quase sempre, em pouco tempo, cria para si mesmo o hábito de auxiliar, atingindo sublimes virtudes. Aquele, porém, que muito fiscaliza os beneficiados e raciocina com excesso quanto ao “dar” e ao “não dar” converte-se, não raro, em calculista da piedade, a endurecer o coração, por séculos numerosos. Ouve! Estamos à frente do tempo infinito... É imprescindível semear. Não adubes o vício e o crime. Todavia, não olvides que é necessário plantar muito amor, para que o amor nos favoreça. (Apontamentos: O mais alto valor do concurso fraterno não está contido no socorro às necessidades materiais de ordem imediata e, sim, no estimulo à confiança e à fraternidade. Existem muitos e variados caminhos para a ajuda aos irmãos assim necessitados. A ajuda material é muito boa quando abranda as agruras do momento, quer seja de comida, roupa, remédio etc. A ajuda espiritual, mais delicada e valorosa, requer conhecimento e experiência prática na Lei de Deus, caso tenhamos essas vir-tudes nós podemos nos predispor a ajudar, caso contrário não devemos fazer, pois faremos errado.)

51 36 O MAIOR PECADO

Um sacerdote sábio, desejando ensinar o caminho do Céu aos crentes que confiavam nele, rogou a Jesus, depois de longas meditações e sacrifícios, lhe fosse revelado qual o maior impedimento contra a iluminação espiritual. Com efeito, de mente limpa, dormiu e sonhou que era conduzido à Porta Celestial. Nimbado de esplendor, um anjo recebeu-o, benevolente. — Mensageiro de Deus! — clamou o sacerdote — venho rogar a verdade para as ovelhas huma-nas que me seguem... — Que pretendes saber? — indagou a entidade angélica. — Peço esclarecimento sobre o maior obstáculo para o Espírito, na marcha para Deus. Sei que temos sete pecados mortais que aniquilam em nós a graça divina, na ascensão para o Alto. Sob a influência de semelhantes monstros, rola o Espírito no despenhadeiro infernal. Entretanto, dese-jaria explicações mais claras, quanto ao problema do mal, porque nossas faltas variam ao infini-to. O anjo sorriu e considerou: — A solução é simples. Quais são os pecados a que te referes? O ministro da fé movimentou os dedos e respondeu: — Soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça. Deles nascem as demais imperfeições. O mensageiro, contudo, acrescentou: — No fundo, porém, podemos reduzi-los à unidade. Todos os pecados, inclusive os mortais, pro-cedem de uma fonte única. O sacerdote, curioso, suplicou: — Oh! Anjo amigo, aclara-me o entendimento! Há muitos aprendizes, na Terra, aguardando-me a palavra!... O emissário da Esfera Superior, sem qualquer presunção de superioridade, passou a elucidar: — Escuta e atende! Se o soberbo trabalhasse para o bem de todos, não encontraria ensejo de cultivar o orgulho e a vaidade que o levam a acreditar-se ponto central do universo. Se o avarento conhecesse a vantagem do suor, na felicidade dos semelhantes, não se entregaria à volúpia da posse que o obriga a acumular dinheiro inutilmente. Se o humano inclinado à tentação dos prazeres fáceis aprendesse a despender as próprias forças em favor da elevação coletiva, não disporia de ocasião para prender-se às paixões aniquiladoras que o arrastam ao crime. Se as pessoas facilmente irascíveis estivessem dispostas a servir de acordo com os desígnios di-vinos, não envenenariam a própria saúde com remorsos e angústias injustificáveis. Se o guloso vivesse atento à tarefa construtiva que lhe cabe no mundo, não se escravizaria aos apetites devastadores que lhe arruínam o corpo e o Espírito. E se o invejoso utilizasse a existência, no trabalho digno, não gastaria tempo acompanhando ma-liciosamente as iniciativas do próximo, complicando o próprio destino... Como vê, o maior dos pecados, a causa primordial de todos os males, é a preguiça. Dá trabalho edificante às tuas ovelhas e convence-te de que, na posse do serviço, não se afasta-rão do caminho justo. O sacerdote não mais teve o que perguntar. Despertou, edificado, e, do dia seguinte em diante, o povo reparou que o ministro modificara as pregações. (Apontamentos: Vejamos o seguinte: Ler dá trabalho, escrever dá trabalho, explanar dá trabalho, quebrar pedra dá trabalho, ensinar dá trabalho etc., portanto todas as ações construtivas dão e são trabalho. A preguiça é mais perigosa quando produz a ociosidade; perturba a mente com ilusões materiais! A primeira fase à caminho do trabalho edificante é o da ocupação física e mental com alguma coisa própria a cada indivíduo e útil à sua educação.)

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37 APONTAMENTO Manifestaste indisfarçável aborrecimento, ante as observações paternas que te contrariaram os propósitos impensados. Ontem, abusaste da alimentação, hoje pretendias uma excursão inconveniente. Referiu-se teu pai às necessidades do Espírito, com acentuada tristeza; todavia, longe de lhe en-tenderes a nobreza do gesto, buscaste, intempestivo, os braços maternos, na ânsia incontida de aprovação aos teus caprichos juvenis. Foste, porém, injusto. O jovem que recusa a orientação acertada dos mais velhos que lhe desejam o bem, procede qual lavrador leviano que reprova a boa semente. Estimas as longas incursões no pomar, quando as laranjeiras se cobrem de frutos e quando a par-reira deita uvas doces. Acreditas, no entanto, que as árvores excelentes teriam crescido sem cuidado? Admites que a vi-nha não necessitou de amparo em pequena? Todas as plantas, mormente as mais tenras, sofrem insistentes perseguições de detritos e vermes. Sem carinhosas mãos que as protejam, ser-lhes-ia impraticável o desenvolvimento e a frutifica-ção; muitos dias de vigilância requerem do pomicultor antes de nos atenderem na chácara. Ignoras que o mesmo acontece no campo do coração? As más experiências de uma criança acompanham-na a vida inteira. Diz antigo provérbio: “com o tempo, a folha da amoreira converte-se em veludoso cetim”; mas não podemos esquecer que também com o tempo as águas desamparadas e esquecidas se trans-formam em pântano. Não te revoltes contra a sementeira de reflexão e bondade que o carinho paterno realiza em teu Espírito. Sobretudo, não te impressiones com a fantasiosa opinião de colegas da rua. O tempo dará corpo aos princípios inferiores ou superiores que abraçares e, enquanto o companheiro estranho ao teu lar pode ser o amigo de alguns dias, o papai ser-te-á o amigo e benfeitor de muitos anos. (Apontamentos: Atrito de gerações! É interessante a comparação entre os cuidadores de plantas e animais e os cuidadores de filhos. Devemos tomar muito cuidado para não entender ao pé da letra! As plantas e animais não possuem in-teligência e nem livre-arbítrio a serem respeitados... A nova planta nada tem a ‘acertar’ com o seu passado. O ser humano é produto do seu passado, e no inter-relacionamento aparecem os múltiplos elementos dos passa-dos de todos os participantes, sejam encarnados ou desencarnados.)

53 38 O REMÉDIO IMPREVISTO

O pequeno príncipe Julião andava doente e abatido. Não brincava, não estudava, não comia. Perdera o gosto de colher os pêssegos saborosos do po-mar. Esquecera a peteca e o cavalo. Vivia tristonho e calado no quarto, esparramado numa espreguiçadeira. Enquanto a mãezinha, aflita, se desvelava junto dele, o rei experimentava muitos médicos. Os facultativos, porém, chegavam e saíam, sem resultados satisfatórios. O menino sentia grande mal-estar. Quando se lhe aliviava a dor de cabeça, vinha-lhe a dor nos braços. Quando os braços melhoravam, as pernas se punham a doer. O soberano, preocupado, fez convite público aos cientistas do País. Recompensaria nababesca-mente a quem lhe curasse o filho. Depois de muitos médicos famosos ensaiarem, embalde, apareceu um velhinho humilde que propôs ao monarca diferente medicação. Não exigia pagamento. Reclamava tão somente plena autoridade sobre o doentinho. Julião deveria fazer o que lhe fosse determinado. O pai aceitou as condições e, no dia imediato, o menino foi entregue ao ancião. O sábio anônimo conduziu-o a pequeno trato de terra e recomendou-lhe arrancasse a erva dani-nha que ameaçava um tomateiro. — Não posso! Estou doente! — gritou o menino. O velhinho, contudo, convenceu-o, sem impaciência, de que o esforço era viável e, em minutos breves, ambos libertavam as plantas da erva invasora. Veio o Sol, passou o vento; as nuvens, no alto, rondavam a terra, como a reparar onde estava o campo mais necessitado de chuva... Um pouco antes do meio-dia, Julião disse ao velho que sentia fome, O sábio humilde sorriu, con-tente, enxugou-lhe o suor copioso e levou-o a almoçar. O jovem devorou a sopa e as frutas, gostosamente. Após ligeiro descanso, voltaram a trabalhar. No dia seguinte, o ancião levou o príncipe a servir na construção de pequena parede. Julião aprendeu a manejar os instrumentos menores de um pedreiro e alimentou-se ainda melhor. Finda a primeira semana, o orientador traçou-lhe novo programa. Levantava-se de manhã para o banho frio, obrigava-se a cavar a terra com uma enxada, almoçava e repousava. Logo após, antes do entardecer, tomava livros e cadernos para estudar e, à noitinha, terminada a última refeição, brincava e passeava, em companhia de outros jovens da mesma idade. Transcorridos dois meses, Julião era restituído à autoridade paternal, rosado, robusto e feliz. Ar-dia, agora, em desejos de ser útil, ansioso por fazer algo de bom. Descobrira, enfim, que o servi-ço para o bem é a mais rica fonte de saúde. O rei, muito satisfeito, tentou recompensar o velhinho. Todavia, o ancião esquivou-se, acrescentando: — Grande soberano, o maior salário de um humano reside na execução da Vontade de Deus, a-través do trabalho digno. Ensina a glória do serviço aos teus filhos e tutelados e o teu reino será abençoado, forte e feliz. Dito isto, desapareceu na multidão e ninguém mais o viu. (Apontamentos: Descobrira, enfim, que o serviço para o bem é a mais rica fonte de saúde. Podemos e devemos participar de serviços físicos ou mentais, somente depende da nossa capacidade para tal. Mas devemos observar e entender o que é serviço para o ‘bem’. Ao cuidar de uma planta se aprende a respei-tar a Natureza! Ao tratar de um animal se aprende o cuidado com o instinto natural! Ao tratar dos estudos se aprende a grandeza de Deus! Tudo tem seu valor para o evolutivo espiritual...)

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39 DOS ANIMAIS AOS MENINOS

Meu pequeno amigo: Ouça. Não nos faça mal, nem nos suponha seus adversários. Somos imensa classe de servidores da Natureza e criaturas igualmente de Deus. Cuidamos da sementeira para que lhe não falte o pão, ainda que muitos de nossa família, por ig-norância, ataquem os grelos tenros da verdura e das árvores, devorando germens e flores. Somos nós, porém, que, na maioria das vezes, garantimos o adubo às plantações e defendemo-las contra os companheiros daninhos. Se você perseguir-nos, sem comiseração por nossas fraquezas, quem lhe suprirá o lar de leite e ovos? Não temos paz em nossas furnas e ninhos, obrigados que estamos a socorrer as necessidades dos humanos. Você já notou o pastor, orientando-nos cuidadosamente? Julgávamo-lo, noutro tempo, um prote-tor incondicional que nos salvava do perigo por amor e lambíamos-lhe as mãos, reconhecida-mente. Descobrimos, afinal, que sempre nos guiava, ao fim de algum tempo, até ao matadouro, entregando-nos a impiedosos carrascos. Às vezes, conseguíamos escapar por momentos, tornan-do até ele, suplicando ajuda, e víamos, desiludidos, que ele mesmo auxiliava o verdugo a enter-rar-nos o cutelo pela garganta adentro. A princípio, revoltamo-nos. Compreendemos, depois, que os humanos exigiam nossa carne e re-signamo-nos, esperando no Supremo Criador que tudo vê. As donas de casa que comumente nos chamam, gentis, através de currais, pocilgas e galinheiros, conquistam-nos a amizade e a confiança, para, em seguida, nos decretarem a morte, arrastando-nos espantados e semivivos à água fervente. Não nos rebelamos. Sabemos que há um Pai bondoso e justo, observando-nos, de certo, os pade-cimentos e humilhações, apreciando-nos os sacrifícios. De qualquer modo, todavia, estamos inseguros em toda parte. Ignoramos se hoje mesmo seremos compelidos a abandonar nossos filhinhos em lágrimas ou a separar-nos dos pais queridos, a fim de atendermos à refeição de alguém. Por que motivo, então, se lembrará você de apedrejar-nos sem piedade? Não nos maltrate, bom amigo. Ajude-nos a produzir para o bem. Você ainda é pequeno e, por isto mesmo, ainda não pode haver adquirido o gosto de matar. Não é justo, assim, colocarmo-nos de mãos postas, ante o seu olhar bondoso, esperando de seu cora-ção aquele amor sublime que Jesus nos ensinou? (Apontamentos: O comportamento racional e compreensivo diante das manifestações da Natureza somente pode ser efetuado com a aplicação da Lei de Deus. Mas como a maioria absoluta da humanidade, encarnada e desencarnada, não conhece e nem respeita a Lei de Deus, somente nos resta ir estudando e aguardar que os nossos irmãos assim o façam, enquanto isso...)

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40 A LENDA DA ÁRVORE No princípio do mundo, quando os vários reinos da Natureza já se achavam apaziguados e en-quanto o ouro e o ferro repousavam no subsolo, o humano, os animais de grande porte, os passa-rinhos, as borboletas, as ervas e as águas viviam na superfície da Terra... E o Supremo Senhor, notando que os serviços planetários se desdobravam regularmente, chamou-os ao seu Trono de Luz, a fim de ouvi-los. A importante audiência do Todo-Poderoso começou pelo homem, que se aproximou do Altíssi-mo e informou: — Meu Pai, o globo terrestre é nossa gloriosa oficina. Minha esposa, tanto quanto eu, se sente muito feliz; entretanto, experimentamos falta de alguém que nos faça companhia, em torno do lar, e nos auxilie a criar os filhinhos. O Todo-Misericordioso mandou anotar a referência do homem e continuou a ouvir as outras criaturas. Veio o Boi e falou: — Senhor, estou muito bem; contudo, vagueio sem descanso durante as horas de sol. Grande é a minha fadiga e a resistência cada vez menor... Veio o Cavalo e reclamou: — Eu também, Grande Rei, sinto aflitivo calor cada dia... Aproximou-se a Corça e rogou: — Poderoso, estou exposta à perseguição de toda gente. Não terei a graça de um ser amigo que me proteja e defenda? Logo após, surgiu gracioso passarinho e suplicou: — Celeste Monarca, recebi a bênção da vida, mas não tenho recursos para fazer meu ninho. Nas pastagens rasteiras, não posso construir a casa... Adiantou-se a Borboleta e implorou: — Meu Deus, tudo é belo no mundo; todavia, onde repousarei? Em último lugar, chegou o Rio e disse: — Grande Senhor, venho cumprindo os meus deveres na Terra, escrupulosamente, mas preciso de alguém que me ajude a conservar as águas... O Supremo Soberano ficou pensativo e prometeu providenciar. No dia imediato, toda a Terra apareceu diferente. As árvores robustas e acolhedoras haviam surgido, representando a sublime resposta de Deus. (Apontamentos: A história acima é para destacar a importância de toda a vegetação, e não para demonstrar um criador que não sabia dos problemas da sua criação! O Criador Eterno é perfeito! Portanto Suas obras sempre apresen-tam a perfeição. Parábolas são histórias para serem entendidas fora das letras...)

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41 O EXÉRCITO PODEROSO O exército poderoso, à nossa disposição, está constituído, na atualidade, por vinte e três soldadi-nhos do progresso. Separam-se, movimentam-se, entrelaçam-se e dominam o grande país das ideias. Sem eles, cresceríamos para a sombra, quando não para a brutalidade. Em companhia desses auxiliares pequeninos, penetramos os santuários da ciência e da arte, aper-feiçoando a vida. Quem os não conhece? Estão nos documentos mais importantes. Fazem as mensagens telegráficas e as receitas dos médicos. Dão notícias de outras regiões e de outros climas. Contam as surpresas do Céu, explicam alguma coisa das estrelas longínquas. Fornecem avisos preciosos. São emissários do carinho entre os filhos e as mães distantes. Raros recordam os benefícios imensos que todos devemos a esses ajudantes minúsculos. No en-tanto, eles nos servem sem recompensa. Nada reclamam pelo trabalho que nos prestam. Alimen-tam as raízes dos valiosos conhecimentos dos administradores, dos juízes, dos médicos, dos ar-tistas, sem qualquer remuneração. Instrumentos das luzes espirituais que se transmitem, de cérebro a cérebro, enriquecem a vida; porém, assim como quase nunca nos lembramos de louvar a água, o vento e a planta, que repre-sentam gloriosas dádivas do Altíssimo, muito raramente lhes observamos os serviços. Jamais se cansam. Vivem no pensamento, de onde se expandem, amparando-nos os interesses e as realiza-ções. Os maus se utilizam deles para fazer a guerra; os bons empregam-nos na edificação da paz e do conforto, para a redenção e felicidade do mundo. Esses soldadinhos humildes e prestimosos são as letras do alfabeto. Sem a cooperação deles, o mundo não seria tão belo e a vida não seria tão boa, porque o acesso ao reino espiritual se torna-ria extremamente difícil. Aprender a trabalhar com esses pequenos auxiliares da inteligência é buscar tesouros imperecí-veis. O castelo da cultura humana começa sobre a colaboração deles e vai até à pátria divina, onde mora a sabedoria dos anjos. (Apontamentos: Explícito convite aos estudos... Os livros são conglomerados de ideias, aguardando que façamos o seu desmon-te racional, separando ideias e conceitos e, depois disso, criando uma fortaleza eterna que denominamos ‘co-nhecimento’. A muralha, intransponível, dessa fortaleza é chamada de ‘moral’. O conhecimento sob a prote-ção da moral é o nosso objetivo máximo, pois eles representam a perfeição espiritual!)

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42 O AMIGO SUBLIME É sempre o amigo sublime. Educa sem ferir-nos. Diverte, edificando-nos o caráter. Revela-nos o passado e prepara-nos, diante do porvir. Repete-nos o que Sócrates ensinou nas praças de Atenas. Descobre-nos ao olhar maravilhado as civilizações que passaram. O Egito resplandecente dos fa-raós, a Grécia dos filósofos e artistas, a Jerusalém dos hebreus, desfilam ante a nossa imagina-ção, ao seu toque espiritual. Conta-nos o que realizou Moisés, o grande legislador. Lembra-nos a palavra de Platão e Aristóteles. Junto dele, aprendemos quanto sofreram nossos antepassados, na conquista do bem-estar de que gozamos presentemente. Descreve-nos a inutilidade das guerras nascidas do ódio que devastaram o mundo. Aconselha-nos quanto à sementeira de tranquilidade e alegria. Ajuda-nos no entendimento de nós mesmos e na compreensão de nossos vizinhos. Dá-nos coragem para o trabalho, e humildade no caminho da experiência. Sem ele, perderíamos as mais belas notícias de nossos avós e a obra da vida não alcançaria a ne-cessária significação; passaríamos na Terra, em pleno desconhecimento uns dos outros, e a lição preciosa dos humanos mais velhos não chegaria aos ouvidos dos mais novos; a religião e a ciên-cia provavelmente não surgiriam à luz da realidade; os mais elevados ideais do Espírito humano morreriam sem eco; a indústria, o comércio e a navegação não possuiriam pontos de apoio. É o traço de união, entre os que ensinam e aprendem, entre os milênios que já se foram e o dia que vivemos agora. É, ainda, a esse amigo abençoado que devemos a coleção de notícias e ensinamentos de Jesus, que renovam a Terra para o Reino Divino. Esse inesquecível benfeitor do mundo é o livro edificante. Por isto, não nos esqueçamos de que todo livro consagrado ao bem é um companheiro iluminado de nossa vida, merecendo a estima e o respeito universal. (Apontamentos: Aqui se destaca, principalmente, o estado elevatório espiritual e o momento encarnatório do Espírito. Para aqueles que necessitam se reajustar com a Natureza, os livros edificantes serão das ciências naturais. Para os que necessitam edificar materialmente, os livros edificantes serão de ciências exatas. Outros reajustamentos existem e cada um tem sua biblioteca edificante. Porém a todos os reajustes devem, obrigatoriamente, ser es-tudados os livros edificantes da moral! O livre-arbítrio nessas escolhas é fundamental e decisivo!)

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43 O PERU PREGADOR Um belo peru, após conviver largo tempo na intimidade duma família que dispunha de vastos conhecimentos evangélicos, aprendeu a transmitir os ensinamentos de Jesus, esperando-lhe tam-bém as divinas promessas. Tão versado ficou nas letras sagradas que passou a propagá-las entre as outras aves. De quando em quando, era visto a falar em sua estranha linguagem “glá-glé-gli-gló-glu”. Não era, naturalmente, compreendido pelos humanos. Mas os outros perus, as galinhas, os gansos e os marrecos, bem como os patos, entendiam-no perfeitamente. Começava o comentário das lições do Evangelho e o terreiro enchia-se logo. Até os pintainhos se aquietavam sob as asas maternas, a fim de ouvi-lo. O peru, muito confiante, assegurava que Jesus-Cristo era o Salvador do Mundo, que viera alumi-ar o caminho de todos e que, por base de sua doutrina, colocara o amor das criaturas umas para com as outras, garantindo a fórmula de verdadeira felicidade na Terra. Dizia que todos os seres, para viverem tranquilos e contentes, deveriam perdoar aos inimigos, desculpar os transviados e socorrê-los. As aves passaram a venerar o Evangelho; todavia, chegado o Natal do Mestre Divino, eis que al-guns humanos vieram aos lagos, galinheiros, currais e, depois de se referirem excessivamente ao amor que dedicavam a Jesus, laçaram frangos, patinhos e perus, matando-os, ali mesmo, ante o assombro geral. Houve muitos gritos e lamentações, mas os perseguidores, alegando a festa do Cristo, distribuí-ram pancadas e golpes à vontade. Até mesmo a esposa do peru pregador foi também morta. Quando o silêncio se fez no terreiro, ao cair da noite, havia em toda parte enorme tristeza e irre-mediável angústia de coração. As aves aflitas rodearam o doutrinador e crivaram-no de perguntas dolorosas. Como louvar um Senhor que aceitava tantas manifestações de sangue na festa de seu natalício? Como explicar tanta maldade por parte dos humanos que se declaravam cristãos e operavam tan-ta matança? Não cantavam eles hinos de homenagem ao Cristo? Não se afirmavam discípulos d’Ele? Precisavam, então, de tanta morte e tanta lágrima para reverenciarem o Senhor? O pastor alado, muito contrafeito, prometeu responder no dia seguinte. Achava-se igualmente cansado e oprimido. Na manhã imediata, ante o Sol rutilante do Natal, esclareceu aos compa-nheiros que a ordem de matar não vinha de Jesus, que preferira a morte no madeiro a ter de justi-çar; que deviam todos eles continuar, por isso mesmo, amando o Senhor e servindo-o, acrescen-tando que lhes cabia perdoar setenta vezes sete. Explicou, por fim, que os humanos degoladores estavam anunciados no versículo quinze do capítulo sete, do Apóstolo Mateus, que esclarece: — “Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interi-ormente são lobos devoradores”. Em seguida, o peru recitou o capítulo cinco do mesmo evange-lista, comentando as bem-aventuranças prometidas pelo Divino Amigo aos que choram e pade-cem no mundo. Verificou-se, então, imenso reconforto na comunidade atormentada e aflita, porque as aves se re-cordaram de que o próprio Senhor, para alcançar a Ressurreição Gloriosa, aceitara a morte de sa-crifício igual à delas. (Apontamentos: Uma bela maneira de provar que os humanos se comportam como os saduceus, fariseus e doutores da lei, en-quanto os animais se comportam como discípulos do Mestre Amado, isto é; são cristãos!)

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44 SOMOS CHAMADOS A SERVIR O legislador, com a pena, traça decretos para reger o povo. O escritor utiliza o mesmo instrumento e escreve livros que renovam o pensamento do mundo. Mas, não é só a pena que, manejada pelo humano, consegue expressar a sabedoria, a arte e a be-leza, dentro da vida. Uma vassoura simples faz a alegria da limpeza e, sem limpeza, o administrador ou o poeta não consegue trabalhar. O arado arroteia o solo e traça linhas das quais transbordarão o milho, o arroz, a batata e o trigo, enchendo os celeiros. A enxada grava sulcos abençoados no chão, a fim de que a sementeira progrida. A plaina corrige a madeira bruta, cooperando na construção do lar. A janela é um poema silencioso a comunicar-nos com a natureza externa; o leito é um santuário horizontal, convidando ao descanso. O malho toma o ferro e transforma-o em utilidades preciosas. O prato recolhe o alimento e nos sugere a Caridade. O moinho recebe os grãos e converte-os no milagre da farinha. O barro desprezível, nas mãos operosas ao oleiro, em breve surge metamorfoseado em vaso pre-cioso. Todos os instrumentos de trabalho no mundo, tanto quanto a pena, concretizam os ideais superi-ores, as aspirações de serviço e os impulsos nobres do Espírito. Ninguém suponha que, perante Deus, os grandes humanos sejam somente aqueles que usam a autoridade intelectual manifestada. Quando os políticos orientam e governam, é o tecelão quem lhes agasalha o corpo. Se os juízes se congregam nas mesas de paz e justiça, são os lavradores quem lhes ofertam recurso ao jantar. Louvemos, pois, a Divina Inteligência que dirige os serviços do mundo! Se cada árvore produz, segundo a sua especialidade a benefício da prosperidade comum, lem-bremo-nos de que somos todos chamados a servir na obra do Senhor, de maneira diferente. Cada trabalhador em seu campo seja honrado pela cota de bem que produza e cada servo perma-neça convencido de que a maior homenagem suscetível de ser prestada por nós ao Senhor é a correta execução do nosso dever, Onde estivermos. (Apontamentos: Se cada árvore produz, segundo a sua especialidade a benefício da prosperidade comum, lembremo-nos de que so-mos todos chamados a servir na obra do Senhor, de maneira diferente. Sim! Cada um de nós está incumbido de uma parte do trabalho universal, podemos não saber e nem entender qual é esse trabalho, mas a intuição nos conduz a ele e de acordo com as nossas capacidades. O livre-arbítrio existe exatamente para garantir essa continuidade do trabalho geral em detrimento do individual!)

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45 O ANJO DA LIMPEZA Adélia ouvira falar em Jesus e tomara-se de tamanha paixão pelo Céu que nutria um desejo único — ser anjo para servir ao Divino Mestre. Para isso, a boa menina fez-se humilde e crente, e, quando se não achava na escola em contacto com os livros, mantinha-se na câmara de dormir em preces fervorosas. Cercava-se de lindas gravuras, em que os artistas do pincel lembram a passagem do Cristo entre os humanos, e, em lágrimas, repetia: — “Senhor, quero ser tua! Quero servir-te!...”. A Mãezinha, em franca luta doméstica, embalde convidava-a aos serviços da casa. Adélia sorria, abraçava-se a ela e reafirmava o propósito de preparar-se para a companhia do Di-vino Amigo. A bondosa senhora, observando que o ideal da filha só merecia louvores, deixava-a em paz com os estudos e orações de cada dia. Meses correram sobre meses e a jovem prosseguia inalterável. Orando sempre, suplicava ao Senhor a transformasse num anjo. Decorridos dois anos de rogativas, sonhou, certa noite, que era visitada pelo Mestre Amoroso. Jesus envolvia-se em vasta auréola de claridade sublime. A túnica luminosa, a cair-lhe dos om-bros com graça e beleza, parecia de neve coroada de sol. Estendendo-lhe a destra compassiva, o Cristo observou-lhe: — Adélia, ouvi tuas súplicas e venho ao teu encontro. Desejas realmente servir-me? — Sim, Senhor! — respondeu a pequena, inflamada de comoção jubilosa, convencida de que o Salvador a conduziria naquele mesmo instante para o Céu. — Ouve! — tornou o Mestre, docemente. Ansiosa de pôr-se a caminho do paraíso, a jovem replicou, reverente: — Dize, Senhor! Estou pronta!... Leva-me contigo, sinto-me aflita para comparecer entre os que retêm a glória de servir-te no plano celestial!... O Cristo sorriu, bondoso, e considerou: Não, Adélia. Nosso Pai não te colocou inutilmente na Terra. Temos enorme serviço neste mundo mesmo. Estimo tuas preces e teus pensamentos de amor, mas preciso de alguém que me ajude a retirar o lixo e os detritos que se amontoam, não longe de tua casa. Meninos cruéis prejudicaram a rede de esgoto, a pequena distância do teu lar. Aí se concentra perigoso foco de moléstias, a-meaçando trabalhadores desprevenidos, mães devotadas e crianças incautas. Vai, minha filha! Ajuda-me a salvá-los da morte. Estarei contigo, auxiliando-te nessa meritória tarefa. A menina preocupada quis fazer perguntas, mas o Mestre afastou-se, de leve... Acordou sobressaltada. Era dia. Vestiu-se à pressa e procurou a zona indicada. Corajosa muniu-se de desinfetantes, armou-se de enxada e vassoura pediu a contribuição materna, e o foco infeccioso foi extinto. A discípula obediente, todavia, não parou mais. Diariamente, ao regressar da escola, punha-se a colaborar com a Mamãe, em casa, zelando tam-bém quanto lhe era possível pela higiene das vias públicas e ensinando outras crianças a serem tão cuidadosas, quanto ela mesma. Tanto trabalhou e se esforçou que, certo dia, o diretor do gru-po escolar lhe conferiu o título de Anjo da Limpeza. Professoras e colegas comemoraram festi-vamente o acontecimento. Chegada a noite, dormiu contente e sonhou que Jesus vinha encontrá-la, de novo. Nimbado de luz, abraçou-a, com ternura, e disse-lhe brandamente: — Abençoada sejas, filha minha! Agora, que os próprios humanos te reconhecem por benfeitora, agradeço-te os serviços que me prestas diariamente. Anjo da Limpeza na Terra, serás Anjo de Luz no Paraíso. Em lágrimas de alegria intensa, Adélia despertou, feliz, compreendendo, cada vez mais, que a verdadeira ventura reside em colaborar com o Senhor, nos trabalhos do bem, em toda parte. (Apontamentos:

61 Os Eremitas acreditavam que a contemplação era suficiente para atingir o paraíso! Várias ordens religio-sas acreditam que ‘separando-se’ atingirão o Céu! A hierarquia religiosa acredita que são os preferidos, esco-lhidos, e que ganharão o Céu! Tudo isso é nossa invenção, o Mestre Amado nunca disse, e nem sugeriu, que o Céu se ganha na moleza! É trabalhando de forma correta que caminharemos para o Céu, este é o único modo de evoluir!)

62 46 NO PASSEIO MATINAL

Dionísio, o moleiro, muito cedo partiu em companhia do filhinho, na direção de grande milharal. A manhã se fizera linda. Os montes próximos pareciam vestidos em gaze esvoaçante. As folhas da erva, guardando, ainda, o orvalho noturno, assemelhavam-se a caprichoso tecido verde, enfeitado de pérolas. Flores vermelhas, aqui e ali, davam a ideia de joias espalhadas no chão. As árvores, muito grandes, à beira da estrada, despertavam, de leve, à passagem do vento. O Sol aparecia, brilhante, revestindo a paisagem numa coroa resplandecente. Reinaldo, o pequeno guiado pela mão paterna, seguia num deslumbramento. Não sabia o que mais admirar: se o lençol de neblina muito alva, se o horizonte inflamado de luz. Em dado mo-mento, perguntou, feliz: — Papai, de quem é todo este mundo? — Tudo pertence ao Criador, meu filho — esclareceu o moleiro, satisfeito —; o Sol, o ar, as á-guas, as árvores e as flores, tudo, tudo, é obra d’Ele, nosso Pai e Senhor. — Para que tudo isto? — continuou o petiz contente. — A fim de recebermos esta escola divina, que é a Terra. — Escola? — Sim, filho — tornou o genitor paciente —, aqui devemos aprender, no trabalho, a amar-nos uns aos outros, aprimorando sentimentos, quanto devemos aperfeiçoar o solo que pisamos, trans-formando colinas, planícies e pedras em cidades, fazendas, estábulos, pomares, milharais e jar-dins. Reinaldo não entendeu, de pronto, o que significava “aprimorar sentimentos”; contudo, sabia perfeitamente o que vinha a ser a remoção dum monte empedrado. Surpreso, voltou a indagar: — Então, papai, somos obrigados a trabalhar tanto assim? Como será possível modificar este mundo tão grande? O moleiro pensou alguns instantes e observou: — Meu filho, já ouvi dizer que uma andorinha vagueava só, quando notou que um incêndio la-vrava em seu campo predileto, O fogo consumia plantas e ninhos. Em vão, gritou por socorro. Reconhecendo que ninguém lhe escutava as súplicas, pôs-se rápida para o córrego não distante, mergulhando as pequenas asas na água fria e límpida; daí, voltava para a zona incendiada, sacu-dindo as asas molhadas sobre as chamas devoradoras, procurando apagá-las. Repetia a operação, já por muitas vezes, quando se aproximou um gavião preguiçoso, indagando-lhe com ironia: — “Você, em verdade, acredita combater um incêndio tão grande com algumas gotas d’água?”. A avezinha prestativa, porém, respondeu, calma: — “É provável que eu não possa fazer a obra to-da; entretanto, sou imensamente feliz cumprindo o meu dever”. O moleiro fez uma pausa e interrogou o filho: — Não acredita você que podemos imitar semelhante exemplo? Se todos procedêssemos como a andorinha operosa e vigilante, em pouco tempo toda a Terra estaria transformada num paraíso. O menino calou-se, entendendo a extensão do ensinamento e, no íntimo, contemplando a beleza do quadro matinal, desde as margens do caminho até a montanha distante, prometeu a si mesmo que procuraria cumprir no mundo todas as obrigações que lhe coubessem na obra sublime do In-finito Bem. (Apontamentos: Caso todos nós fizéssemos a nossa parte do trabalho, tudo seria corretamente fácil. Se cada um procedesse de forma correta, tudo seria corretamente fácil. Somente nos entre ajudando é que todas as diferenças serão e-liminadas. Mas devemos nos lembrar de que estamos num mundo de resgates e expiações, em duros reajustes, portanto caminhando lenta e duramente para aquelas afirmativas iniciais se concretizarem. Enquanto não chegamos lá, procuremos fazer, cada um, a nossa parte e deixar ao livre-arbítrio dos outros as suas obriga-ções...)

63 47 O ENSINO DA SEMENTEIRA

Certo fazendeiro, muito rico, chamou o filho de quinze anos e disse-lhe: — Filho meu, todo humano apenas colherá daquilo que plante. Cuida de fazer bem a todos, para que sejas feliz. O rapaz ouviu o conselho e, no dia imediato, muito carinhosamente alojou minúsculo cajueiro em local não distante da estrada que ligava o vilarejo próximo à propriedade paternal. Decorrida uma semana, tendo recebido das mãos paternas um presente em dinheiro, foi à vila e protegeu pequena fonte natural, construindo-lhe conveniente abrigo com a cooperação de alguns poucos trabalhadores, aos quais recompensou generosamente. Reparando que vários mendigos por ali passavam, ao relento, acumulou as dádivas que recebia dos familiares e, quando completou vinte anos, edificou reconfortante albergue para asilar viajo-res sem recursos. Logo após, a vida lhe impôs amargurosas surpresas. Sua Mãezinha morreu num desastre e o Pai, em virtude das perseguições de poderosos inimigos na luta comercial, empobreceu rapidamente, falecendo em seguida. Duas irmãs mais velhas casa-ram-se e tomaram diferentes rumos. O rapaz, agora sozinho, embora jamais esquecesse os conselhos paternos, revoltou-se contra as ideias nobres e partiu mundo afora. Trabalhou, ganhou enorme fortuna e gastou-a, gozando os prazeres inúteis. Nunca mais cogitou de semear o bem. Os anos se desdobraram uns sobre os outros. Entregue à idade madura, dera-se ao vício de jogar e beber. Muita vez, o Espírito de seu pai se aproximava, rogando-lhe cuidado e arrependimento. O filho registrava-lhe os apelos em forma de pensamentos, mas negava-se a atender. Queria somente comer à vontade e beber nas casas ruidosas, até à madrugada. Acontece, porém, que o equilíbrio do corpo tem limites e sua saúde se alterou de maneira lamen-tável. Apareceram-lhe feridas por todo o corpo. Não podia alimentar-se regularmente. Perdeu a fortuna que possuía, através de viagens e tratamentos caros. Como não fizera afeições, foi rele-gado ao abandono. Branquejaram-se-lhe os cabelos. Os amigos das noitadas alegres fugiram de-le; envergonhado, ausentou-se da cidade a que se acolhera e transformou-se em mendigo. Pere-grinou pôr muitos lugares e por muitos climas, até que, um dia, sentiu imensas saudades do anti-go lar e voltou ao pequeno burgo que o vira crescer. Fez longa excursão a pé. Transcorridos muitos dias, chegou, extenuado, ao sítio de outro tempo. O cajueiro que plantara convertera-se em árvore dadivosa. Encantado, viu-lhe os frutos tentado-res. Aproveitou-os para matar a própria fome e seguiu para a vila. Tinha sede e buscou a fonte. A corrente cristalina, bem protegida, afagou-lhe a boca ressequida. Ninguém o reconheceu, tão abatido estava. Em breve, desceu a noite e sentiu frio. Dois humanos caridosos ofereceram-lhe os braços e con-duziram-no ao velho asilo que ele mesmo construíra. Quando entrou no recinto, derramou muitas lágrimas, porque seu nome estava gravado na parede com palavras de louvor e bênção. Deitou-se, constrangido, e dormiu. Em sonho, viu o Espírito do pai, junto a ele, exclamando: — Aprendeste a lição, meu filho? Sentiste fome e o cajueiro te alimentou; tiveste sede e a fonte te saciou; necessitavas de asilo e te acolheste ao lar que edificaste em favor dos que passam com destino incerto... Abraçando-o, com ternura, acrescentou: — Porque deixaste de semear o bem? O interpelado nada pôde responder. As lágrimas embargavam-lhe a voz, na garganta. Acordou, muito tempo depois, com o rosto lavado em pranto, e, quando o encarregado do abrigo lhe perguntou o que desejava, informou simplesmente: — Preciso tão somente de uma enxada... Preciso recomeçar a ser útil, de qualquer modo.

64 (Apontamentos: O imediatismo é uma praga humana que devemos combater. É interessante que almejemos um paraíso que nem sabemos onde está, e nada vislumbramos da nossa necessidade de evoluir espiritualmente para lá che-gar! Os valores mediatos são transcendentes, não são materiais inúteis! Vamos dar uma boa olhada na estra-da que estamos construindo para chegar a um lugar; que lugar?)

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48 O ESPÍRITO DA MALDADE

O Espírito da Maldade, que promove aflições para muita gente, vendo, em determinada manhã, um ninho de pássaros felizes, projetou destruir as pobres aves. A mãezinha alada, muito contente, acariciava os filhotinhos, enquanto o papai voava, à procura de alimento. O Espírito da Maldade notou aquela imensa alegria e exasperou-se. Mataria todos os passari-nhos, pensou consigo. Para isto, no entanto, necessitava de alguém que o auxiliasse. Aquela ação exigia mãos humanas. Começou, então, a buscar a companhia das crianças. Quem sabe algum menino poderia obedecê-lo? Foi a casa de Joãozinho, filho de dona Laura, mas Joãozinho estava muito ocupado na assistência ao irmão menor, e, como o Espírito da Maldade somente pode arruinar as pessoas insinuando-se pelo pensamento, não encontrou meios de dominar a cabeça de João. Correu à residência de Ze-linha, filha de dona Carlota. Encontrou a menina trabalhando, muito atenciosa, numa blusa de tricô, sob a orientação materna, e, em vista de achar-lhe o cérebro tão cheio das ideias de agulha, fios de lã e peça por acabar, não conseguiu transmitir-lhe o propósito infeliz. Dirigiu-se, então, à chácara do senhor Vitalino, a observar se o Quincas, filho dele, estava em condições de servi-lo. Mas Quincas, justamente nessa hora, mantinha-se, obediente, sob as ordens do papai, plantando várias mudas de laranjeiras e tão alegre se encontrava, a meditar na bondade da chuva e nas la-ranjas do futuro, que nem de leve percebeu as ideias venenosas que o Espírito da Maldade lhe soprava na cabeça. Reconhecendo a impossibilidade de absorvê-lo, o gênio do mal lembrou-se de Marquinhos, o filho de dona Conceição. Marquinhos era muito mimado pela mãe, que não o deixava trabalhar e lhe protegia a vadiagem. Tinha doze anos bem feitos e vivia de casa em casa a reinar na preguiça. O Espírito da Maldade procurou-o e encontrou-o, à porta de um botequim, com enorme cigarro à boca. As mãos dele estavam desocupadas e a cabeça vaga. — “Vamos matar passarinhos?” — disse o Espírito horrível aos ouvidos do preguiçoso. Marquinhos não escutou em forma de voz, mas ouviu em forma de ideia. Saiu, de repente, com um desejo incontrolável de encontrar avezinhas para a matança. O Espírito da Maldade, sem que ele o percebesse, conduziu-o, facilmente, até à árvore em que o ninho feliz recebia as carícias do vento. O menino, a pedradas criminosas, aniquilou pai, mãe e filhotinhos. O gênio sombrio tomara-lhe as mãos e, após o assassínio das aves, levou-o a cometer muitas faltas que lhe prejudicaram a vida, por muitos e muitos anos. Somente mais tarde é que Marquinhos compreendeu que o Espírito da Maldade somente pode agir, no mundo, por intermédio de meninos vadios ou de homens e mulheres votados à preguiça e ao mal. (Apontamentos: Como vemos, o Espírito da maldade é muito fraco, ele precisa da ajuda de alguém para fazer suas maldades, coitado dele, no mundo atual somente encontram-se Espíritos bondosos e alguns distraídos e, estes últimos, é que são levados a cometer erros... Como é fácil deturpar as palavras, o culpado dos erros não é ‘aquele’ Espí-rito da maldade, é o ‘nosso’ Espírito maldoso! É bem conveniente jogar a culpa de nossos erros nas costas dos outros...)

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49 O DIVINO SERVIDOR

Quando Jesus nasceu, uma estrela mais brilhante que as outras luzia, a pleno céu, indicando a manjedoura. A princípio, pouca gente lhe conhecia a missão sublime. Em verdade, porém, assumindo a forma duma criança, vinha Ele, da parte de Deus, nosso Pai Celestial, a fim de santificar os humanos e iluminar os caminhos do mundo. O Supremo Senhor que no-lo enviou é o Dono de Todas as Coisas. Milhões de mundos estão go-vernados por suas mãos. Seu poder tudo abrange, desde o Sol distante, até o verme que se arrasta sob nossos pés; e Jesus, emissário d’Ele na Terra, modificou o mundo inteiro. Ensinando e a-mando, aproximou as criaturas entre si, espalhou as sementes da compaixão fraternal, dando en-sejo à fundação de hospitais e escolas, templos e instituições, consagrados à elevação da Huma-nidade. Influenciou, com seus exemplos e lições, nos grandes impérios, obrigando príncipes e administradores, egoístas e maus, a modificarem programas de governo. Depois de sua vinda, as prisões infernais, a escravidão do humano pelo humano, a sentença de morte indiscriminada a quantos não pensassem de acordo com os mais poderosos, deram lugar à bondade salvadora, ao respeito pela dignidade humana e pela redenção da vida, pouco a pouco. Além dessas gigantescas obras, nos domínios da experiência material, Jesus, convertendo-se em Mestre Divino dos Espíritos, fez ainda muito mais. Provou ao humano a possibilidade de construir o Reino da Paz, dentro do próprio coração, abrin-do a estrada celeste à felicidade de cada um de nós. Entretanto, o maior embaixador do Céu para a Terra foi igualmente criança. Viveu num lar humilde e pobre, tanto quanto ocorre a milhões de meninos, mas não passou a in-fância despreocupadamente. Possuiu companheiros carinhosos e brincou junto deles. No entanto, era visto diariamente a trabalhar numa carpintaria modesta. Vivia com disciplina. Tinha deveres para com o serrote, o martelo e os livros. Por representar o Supremo Poder, na Terra, não se movia à vontade, sem ocupações definidas. Nunca se sentiu superior aos pequenos que o cercavam e jamais se dedicou à humilhação dos semelhantes. Eis porque o jovem mantido à solta, sem obrigações de servir, atender e respeitar, permanece em grande perigo. Filho de pais ricos ou pobres, o menino desocupado é invariavelmente um vagabundo. E o vaga-bundo aspira ao titulo de malfeitor, em todas as circunstâncias. Ainda que não possua orientado-res esclarecidos no ambiente em que respira, o jovem deve procurar o trabalho edificante, em que possa ser útil ao bem geral, pois se o próprio Jesus, que não precisava de qualquer amparo humano, exemplificou o serviço ao próximo, desde os anos mais tenros, que não devemos fazer a fim de aproveitar o tempo que nos é concedido na Terra? (Apontamentos: Em primeiro lugar, os pais devem se trabalhar para poderem exigir dos filhos a assiduidade, o respeito e a-proveitamento escolar! Não adianta fazer a criança trabalhar – modelo anos 30 -, num período proibido por lei – modelo anos noventa -. Já para os estudos é possível que os pais, com um pouquinho de dedicação, consi-gam melhorar seus filhos na escola e estes, futuramente, colherão frutos desse aprendizado escolar.)

67 50 ORAÇÃO DOS JOVENS

Mestre Amado! Aceita-nos o coração em teu serviço, e, Senhor, não nos deixes sem a tua lição. Ensina-nos a obedecer na extensão do bem, para que saibamos administrar para a glória da vida. Corrige-nos o entusiasmo, a fim de que a paixão inferior não nos destrua. Modera-nos a alegria, afastando-nos do prazer vicioso. Retifica-nos o descanso, para que a ociosidade não nos domine. Auxilia-nos a gastar o Tesouro das Horas, distanciando-nos das trevas do Dia Perdido. Inspira-nos a coragem, sustando-nos a queda nos perigos da precipitação. Orienta-nos a defesa do Bem, do Direito e da Justiça, a fim de que não nos convertamos em sim-ples joguetes da maldade e da indisciplina. Dirige-nos os impulsos, para que a nossa força não seja mobilizada pelo mal. Ilumina-nos o entendimento, de modo a nos curvarmos, felizes, ante as sugestões da Experiência e da Sabedoria, a fim de que a humildade nos preserve contra as sombras do orgulho. Senhor Jesus, nosso Valoroso Mestre, ajuda-nos a estar contigo, tanto quanto estás conosco! Assim seja. (Apontamentos: O clamor dos nossos petitórios chega até os confins do infinito! Mas será que estamos percebendo que, antes de pedirmos, já estamos atendidos em tudo! O Pai Eterno nos criou imortais, nunca iremos morrer! O Pai E-terno nos concedeu inteligência, nunca seremos burros! O Pai Eterno nos concede conhecer, nunca ficamos sem saber! O Pai Eterno nos dá inúmeros exemplos, nunca ficamos sem moral! Será que não estamos pedindo por mania de pedir? Vamos pensar bem e ver tudo que o Pai Eterno já nos deu e nos dá!)

FIM