Como Se Fosse Maquina

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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAO E CONTABILIDADE DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO

... COMO SE FOSSE MQUINA: CONTRIBUIES SOCIOLGICAS PARA UMA LEITURA CRTICA DO SENTIDO DA ADMINISTRAO DE PESSOAS.

Rodrigo Bombonati de Souza Moraes

Prof. Dr. Arnaldo Jos Frana Mazzei Nogueira

SO PAULO 2004

Prof. Dr. Adolpho Jos Melphi Reitor da Universidade de So Paulo Profa. Dra. Maria Tereza Leme Fleury Diretora da Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade Prof. Dr. Eduardo Pinheiro Gondim de Vasconcellos Chefe do Departamento de Administrao Prof. Dr. Isak Kruglianskas Coordenador do Programa de Ps-Graduao em Administrao

RODRIGO BOMBONATI DE SOUZA MORAES

... COMO SE FOSSE MQUINA: CONTRIBUIES SOCIOLGICAS PARA UMA LEITURA CRTICA DO SENTIDO DA ADMINISTRAO DE PESSOAS.

Dissertao de Mestrado apresentada ao Departamento de Administrao da Universidade de So Paulo como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Administrao Prof. Dr. Arnaldo Jos Frana Mazzei Nogueira

SO PAULO 2004

Dissertao defendida e aprovada no Departamento de Administrao da Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da Universidade de So Paulo Programa de Ps-Graduao em Administrao, pela seguinte banca examinadora:

FICHA CATALOGRFICAElaborada pela Seo de Publicaes e Divulgao do SBD/FEA/USP

Moraes, Rodrigo Bombonati de Souza ... como se fosse mquina : contribuies sociolgicas para uma leitura crtica do sentido da administrao de pessoas. / Rodrigo Bombonati de Souza Moraes. -- So Paulo, 2004. 237 f. Dissertao (Mestrado) Universidade de So Paulo, 2004 Bibliografia. 1. Administrao de recursos humanos 2. Administrao Aspectos sociais I. Universidade de So Paulo. Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade II. Ttulo. CDD 658.302

i

queles(as) que buscam despojar as relaes humanas das violncias simblica e material.

ii

AGRADECIMENTOSAgradecer no tarefa fcil. No por no haver a quem, mas deixar de considerar. Devido s diversas influncias que tenho recebido durante toda a minha vida e que, talvez, muitas dessas pessoas, seno a maioria, no saibam de suas contribuies para que este trabalho sasse da forma que saiu, ficasse da forma que ficou. Grandes responsveis! Inicio agradecendo minha famlia: minha me, quem admiro e amo profundamente, Ana Maria, meu irmo eterno companheiro de alegrias e tristezas, Luiz Carlos (I), meu pai ausente e presente, como todo heri, Antonio Carlos, minha dedicada e presente amiga, sua esposa, Maria Antonia, meu pequeno e doce irmozinho, Antonio Carlos (Tonico); Agradeo demais minha tia, Snia (S), que sempre me teve um olhar materno, at de admirao, ao primo de memorveis histrias de criana, Celso (Cu), prima neste momento distante porm sempre amada, Alessandra (Sassa), aos falecidos, tio, Celso (Ci), que me gritava, v, Carlos (o Bombonati), que me ensinava matemtica, me fazia rir, e v, Maria (a Pardo, que, infelizmente, no recebi), que me carregava, agentava; Agradeo ao amigo Caio, professor, que me apontou os caminhos das cincias e da verdadeira amizade, distante Las, que me ensinou a amar, a me olhar, a todos os verdadeiros amigos da FEA/USP e das escolas por onde passei, todos de copo e de cruz; Agradeo ao meu orientador Prof. Dr. Arnaldo Mazzei Nogueira que me auxiliou na estruturao deste trabalho e que aceitou, como mestre e como amigo, o desafio de me orientar, dados os riscos que sabamos correr; Agradeo equipe do PPG da FEA/USP pelo auxlio e indispensveis informaes, sempre prestadas com grande preciso e pacincia, nominalmente: Valria, Francisco, Cida, Luciene, Mrcia, Helosa, Daniela e Fabiana. Agradeo aos que, em mim, viram pouco, mas que, com isso, estimularam-me a seguir. Mais ainda, agradeo aos que realmente me viram, mas que agora esto ausentes.

iii

Mesmo quando repousa sobre a fora nua e crua, a das armas ou a do dinheiro, a dominao possui sempre uma dimenso simblica. Por sua vez, os atos de submisso, de obedincia, so atos de conhecimento e de reconhecimento os quais, nessa qualidade, mobilizam estruturas cognitivas suscetveis de serem aplicadas a todas as coisas do mundo e, em particular, s estruturas sociais. Pierre Bourdieu (2001: 209)

O espelho tem um lado transparente, que reflete a nossa imagem, mas tambm tem um lado opaco, o seu avesso. Nesse lado opaco existe uma resistncia imagem. A sociedade no se v porque o oposto da imagem dominante. Existe, ento, uma dialtica. Alfredo Bosi (2003)

iv

RESUMO

A administrao de pessoas pode ser compreendida como uma rea do saber, interna s cincias humanas, onde teorias e tcnicas so criadas, destrudas e recriadas tendo em vista a reproduo do capital. Com efeito, verifica-se nesta pesquisa que as prticas dos pesquisadores, dos profissionais de recursos humanos e dos agentes pertencentes s entidades e s diversas mdias representativas dessa rea sintetizam as produes simblicas estruturadas histrico-materialmente nesse campo. Nessa perspectiva, observam-se vicissitudes nas relaes de trabalho desde o surgimento da Grande Indstria at hoje, havendo a necessidade, inicialmente, da legitimao intelectual do novo sistema de produo pelos autores clssicos das cincias sociais, para, em seguida, a tcnica de administrao de pessoas assumir a mediao entre o trabalhador e o trabalho executado, garantindo a produo e o retorno financeiro. Para tanto, diversas teorias so constantemente lanadas, bem como diferentes escolas so criadas, a partir de experimentos, exames e estudos das prticas laborais, a fim de que os agentes dominantes nesse campo social possam entender o comportamento humano no trabalho e nele interferir para um incremento da produtividade. Entendemos que tais pesquisas, baseadas na psicologia, na sociologia, na antropologia, na politicologia, entre outras, possuem razes, no to distantes de sua origem, fincadas num certo tipo de pensamento: o conservador. Assim, o presente estudo investiga criticamente o sentido construdo no campo da administrao de pessoas, tendo como foco as produes simblicas e as aes dos administradores de pessoas, que, para ampliar o seu espao de atuao, portanto, o seu poder, aproximam-se da linguagem do mercado ao mesmo tempo em que se distanciam das pessoas. Portanto, administrar ou gerenciar pessoas significa, pelas diversas anlises ora realizadas, criar as condies simblicas e objetivas para que os objetivos organizacionais sejam alcanados. Sentido esse possvel pela autonomizao da rea em relao s teorias da administrao, pela adoo da linguagem dos negcios, e menos das pessoas, pelo auxlio das mdias e associaes e pelas constantes reestruturaes administrativas, especificamente, as terceirizaes.

v

ABSTRACTThe administration of people can be understood as an area of knowing, intern to sciences human beings, where theories and techniques are servants, destroyed and recreated in view of the reproduction of the capital. In fact, one can verify in this research that the practices of the researchers, professionals of human resources and pertaining agents to the entities and the diverse representative medias of this area synthesize the symbolic productions structuralized historic-materially in this field. In this perspective, vicissitudes in the work relations are observed since the sprouting of the Great Industry until today, having the necessity, initially, of the intellectual legitimating of the new system of production for the classic authors of social sciences, for, after that, the technique of administration of people to assume the mediation between the worker and the executed work, guaranteeing the production and the financial return. For in such a way, diverse theories constantly are launched, as well as different schools are servants, from experiments, examinations and practical studies of the labor ones, so that the dominant agents in this social field can understand the human behavior in the work and in it to interfere for an increment of the productivity. Thus, the present study critically investigates the meaning constructed in the field of the administration of people, having as focus the symbolic productions and the actions of the administrators of people, who, to extend its space of performance, therefore, its power, come close themselves to the language of the market at the same time they move way from people. Therefore, to manage or to manage people means, for the diverse carried through analyses however, to create the symbolic and objective conditions so that the organization objectives can be reached. This sense is possible due to the autonomization of the area in relation to the theories of the administration, for the adoption of the language of the businesses, and less of the people, for the aid of the medias and associations and for the constant administrative reorganizations, specifically, the outsourcing.

SUMRIO

AGRADECIMENTOS ................................................................................................... ii RESUMO........................................................................................................................ iv ABSTRACT .................................................................................................................... v SUMRIO ....................................................................................................................... 5 Lista de quadros e figuras .............................................................................................. 8

INTRODUO .............................................................................................................. 9 JUSTIFICATIVA DO ESTUDO................................................................................ 10 OBJETIVO E PLANO DO ESTUDO ........................................................................ 14 POSICIONAMENTO E ESCOLHAS TERICO-METODOLGICAS ................. 17 O problema da escolha ........................................................................................... 17 Escolha e delineamento do objeto .......................................................................... 22 Autores debatidos e escolha da metodologia .......................................................... 23 METODOLOGIA DA PESQUISA ............................................................................ 23 Pesquisa Exploratria ............................................................................................. 24 Relaes sociais em perspectiva ............................................................................. 26 Pesquisa emprica ................................................................................................... 27 PROBLEMA DA PESQUISA ................................................................................... 30

1. CONTRIBUIES DA SOCIOLOGIA PARA UMA ANLISE CRTICA DA ADMINISTRAO DE PESSOAS. ........................................................................... 32 1.1 CONDIES METODOLGICAS CONSTRUO DO CAMPO DA

ADMINISTRAO DE PESSOAS .......................................................................... 33 Construo terica e material de um campo social ................................................ 33 Habitus ................................................................................................................... 47 1.2 CONDIES HISTRICAS PARA UMA LEITURA CRTICA DO

CAMPO DE ADMINISTRAO DE PESSOAS..................................................... 49 O positivismo para anlise da incipiente sociedade moderna ................................ 50 Condies histricas e ideolgicas para o surgimento da sociologia ..................... 52 As estruturas simblicas (re)produzidas nas relaes sociais ................................ 57 A diviso do trabalho social como estrutura de legitimao do poder ................... 63 Os desdobramentos da teoria da ordem na administrao ...................................... 70

6 2. O LUGAR DA ADMINISTRAO DE PESSOAS NA TEORIA DA ADMINISTRAO E A INSTITUCIONALIZAO DO PENSAMENTO DA ADMINISTRAO DE PESSOAS ASSOCIAES E MDIAS. ...................... 76 2.1 FUNDAMENTOS TERICOS DAS ESCOLAS E TCNICAS DE RH. .... 78

Relaes humanas................................................................................................... 81 Behaviorismo .......................................................................................................... 84 Psicologia humanista .............................................................................................. 86 Estruturalismo......................................................................................................... 87 Teoria Sistmica ..................................................................................................... 94 Desenvolvimento organizacional ........................................................................... 97 Gesto estratgica de recursos humanos ................................................................ 98 Gesto de competncias ................................................................................... 101 2.2 AS INSTITUIES E ASSOCIAES RELACIONADAS AO RH NO

BRASIL: LEGITIMANDO A VISO DE MUNDO. ............................................. 104 O pensamento dos agentes e os objetivos das entidades ...................................... 104 ABRH - Associao Brasileira de Recursos Humanos .................................... 104 AAPSA - Associao dos Administradores de Pessoal .................................... 105 APARH - Associao Paulista de Administrao de Recursos Humanos........ 107 Revista T&D ..................................................................................................... 109 Revista Voc S.A. .............................................................................................. 111

3. A FALA DOS ADMINISTRADORES DE PESSOAS. ....................................... 116 3.1 PROCEDIMENTO PARA A ANLISE DAS ENTREVISTAS ................ 117

Questes e roteiro de entrevista ............................................................................ 117 Entrevistas: execuo e conseqncias................................................................. 118 Estrutura para anlise das respostas ..................................................................... 118 3.2 ANLISE DAS ENTREVISTAS ................................................................ 119

Perfil dos entrevistados ......................................................................................... 119 A fala dos entrevistados ........................................................................................ 120 Anlise por bloco de respostas ............................................................................. 167 Contexto, situaes e respostas das entrevistas .................................................... 168

CONCLUSO............................................................................................................. 174 Estratgias para a adaptao da administrao de pessoas ................................... 176

7 O sentido da administrao de pessoas................................................................. 180

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..................................................................... 183

APNDICE ................................................................................................................. 188 APNDICE A ............................................................................................................. 189 Quadro dos conceitos das cincias humanas apropriados pela administrao de pessoas. ................................................................................................................. 189 APNDICE B.............................................................................................................. 190 Questionrio estruturado das entrevistas .............................................................. 190 APNDICE C ............................................................................................................. 192 Transcries das entrevistas ................................................................................. 192 APNDICE D ............................................................................................................. 234 Convite para a entrevista ...................................................................................... 234 APNDICE E.............................................................................................................. 235 Sugestes para estudos futuros ............................................................................. 235 Olhar dos agentes ............................................................................................. 235 Produes simblicas ....................................................................................... 235 Mudanas nas organizaes............................................................................. 236 Construo do objeto ....................................................................................... 236 APNDICE F .............................................................................................................. 238 Texto produzido para defesa de dissertao de mestrado do dia 20/12/2004 intitulada: ... como se fosse mquina: contribuies sociolgicas para uma leitura crtica do sentido da administrao de pessoas. .................................. 238 ... como se fosse mquina: ................................................................................ 238 como se fosse ........................................................................................................ 238 mquina ................................................................................................................ 239 contribuies sociolgicas .................................................................................... 239 para uma leitura crtica do sentido........................................................................ 240 da administrao de pessoas. ................................................................................ 241

8

Lista de quadros e figuras

FIGURA 1: As dimenses das cincias humanas apropriadas pelo RH..................... 79 QUADRO 1: Aglutinao das questes por bloco de resposta................................. 118

INTRODUO

10

(...) saberamos muito mais das complexidades da vida se nos aplicssemos a estudar com afinco as suas contradies em vez de perdermos tempo com as identidades e as coerncias, que essas tm obrigao de explicar-se por si mesmas.Jos Saramago (1922) in A Caverna (2001: 26).

JUSTIFICATIVA DO ESTUDO H tempos, tornou-se lugar comum criticar a administrao quanto s suas tcnicas 1 de tornar o trabalho mais eficiente, portanto, adequado aos objetivos financeiros, primeiramente, e mercadolgicos, conseqentemente, das organizaes privadas e pblicas. Haja vista a primeira lio aprendida pelos estudantes de administrao de empresas, qual seja: as empresas existem para gerar lucros.

O objeto dos questionamentos que ora tratado no se reserva s mudanas de processos, ao uso de novos instrumentos produtivos ou s tticas para seleo de segmentos de mercados. Para alm disso, o que se verifica no apenas academicamente como tambm na prtica das organizaes a crescente preocupao em organizar o trabalho e o seu contexto, a fim de que tudo tenha sua medida e, nesse sentido, possa ser adequado s condies objetivas e simblicas internas e externas s organizaes que determinam o cotidiano das relaes sociais.

Pode-se encarar este fenmeno como uma derivao do processo de racionalizao do mundo, proposto pela Modernidade. Ou seja, tudo o que se apresenta ao homem, desde os fatores ligados natureza s manifestaes resultantes das aes humanas, seria passivo de mensurao, por um lado, e de controle e adequao aos seus interesses, sejam esses quais forem, por outro.

Partir deste pressuposto um caminho vivel e, para este estudo, necessrio. Isso se se levar em considerao dois aspectos que o tornaro frutfero. O primeiro refere-se ao que Max Weber chamou de conseqncias indesejveis do processo de racionalizao. Por isso, entendem-se os produtos da racionalizao aplicados s diversas dimenses da vida humana, que no estavam previstos nas formulaes iniciais dos idealizadores, e1

Teoria em ato (Bourdieu apud Thiollent, 1982).

11 so reproduzidos pelas suas aes em forma de habitus2. Seriam, grosso modo, os efeitos colaterais das aes racionais que a bula no previra.

O segundo no apreendido imediatamente refere-se ideologia da racionalizao. Ou seja, assume-se em princpio que a racionalidade, desde a sua conceituao moderna, servira como um instrumento de dominao, primeiramente, das condies da natureza pelas cincias naturais, passando, em seguida, ao controle mesmo do homem pelas cincias humanas e as suas derivaes, como a administrao e, mais especificamente, a administrao de pessoas. Nesse mesmo sentido, pode-se utilizar a teoria marxista quanto ao fetichismo da mercadoria, ou mesmo a posterior injuno lgica da reificao da vida social, e os sistemas simblicos, de Bourdieu, para investigar essa dominao.

Tal nsia de controle dos recursos e de suas aplicaes objetivas reflete-se imediatamente, positiva ou negativamente sem nenhuma considerao axiolgica, mas metodolgica , nos grupos sociais e, por conseguinte, nos agentes que deles fazem parte, de modo a torn-los suscetveis s resultantes das aes de outrem, de acordo com seus (re)velados interesses. Independentemente do nvel de conscincia dos agentes, torna-se relevante investigar os produtos gerados pelas racionalizaes humanas, especificamente, no mundo do trabalho.

Como mostra Simmel no debate do sculo XIX, a diviso do trabalho favorece enormemente o desenvolvimento da cultura objetivada, dos produtos materializados a partir da cultura subjetiva, da mente humana. Neste processo, no se questionam os avanos tecnolgicos alcanados para favorecer uma maior produo. Basta analisar a evoluo no sentido de seleo dos instrumentos de trabalho estudados por Marx (1968), que os descreve, em suas formas e aplicaes, desde o artesanato ou a manufatura indstria moderna ou ao surgimento das ferramentas complexas, que, alm de substituir a fora motriz humana, pela fora animal, natural (gua, vento etc.) e, finalmente, pelo vapor, amplia a capacidade produtiva numa dimenso jamais vista historicamente. Contemporaneamente, no que se refere tecnologia, tanto as fontes de energia quanto os instrumentos de produo sofisticaram-se em tal proporo que as

2

Conceito apropriado e desenvolvido por Pierre Bourdieu e que ser definido no transcorrer deste estudo.

12 pesquisas tecno-cientficas realizam-se em nanotecnologia3, para aperfeioamento de produtos e de processos produtivos.

Pari passu a essas mudanas, a organizao do trabalho alterou-se, transformando, conseqentemente, as relaes humanas envolvidas em seu interior. A razo, que cria as condies adaptao do homem natureza indo mesmo alm , engendra novas e contraditrias formas de reproduo social. Isso porque realizao da cultura objetivada, proposta por Simmel, pressupe-se a utilizao de agentes scioeconmicos pertencentes a diferentes posies nas diversas esferas sociais. E, da mesma maneira que aquelas tcnicas se desenvolveram para a produo das mercadorias4, outras construram-se e empregam-se nesses campos de ao para auxiliar na consecuo do mesmo fim. E estes avanos, diferentemente dos outros, so questionados nesta pesquisa.

A despeito das inmeras roupagens que possam usar, as tcnicas aplicadas no mbito do trabalho denominando-se genericamente administrao convergem de maneira radical, em termos de racionalidade, quelas conformadas ao domnio da natureza, tendo em vista a sua caracterstica nomeadora, classificatria e, finalmente, controladora dos objetos apreendidos. Assim, estudar os conceitos e as teorias que as engendram, por um lado, e a sua suposta operacionalizao pelos agentes em suas atividades profissionais, por outro, contribui para a compreenso das estruturas objetiva e simblica onde as relaes de trabalho se reproduzem..

Para tanto, h que se investigar as fontes tericas e ideolgicas de formulao da administrao nas cincias humanas, mais precisamente, sociais, posto que a tcnicaExperimentos tecno-cientficos que operam tomos e molculas na ordem de 10 9 m. A seguinte definio de mercadoria sustenta o tom que ser adotado no decorrer desta pesquisa. Para Marx (1988), ela pode ser definida como um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espcie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estmago ou da fantasia, no altera nada na coisa (p. 45). Entretanto, ressalta-se que, se apenas assim se entendesse a mercadoria, talvez esta pesquisa fosse dispensvel, dado que se suporia uma anlise eminentemente externa dos objetos estudados. Entretanto, como se busca o no-dito, o no-revelado, seno a partir de uma abstrao dos elementos visveis, prope-se um aprofundamento daquele primeiro conceito. Marx (Ibid.) noutro momento, ao superar as frgeis aparncias das coisas nesta sociedade, revela que o misterioso da forma mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos homens as caractersticas sociais do seu prprio trabalho como caractersticas objetivas dos prprios produtos de trabalho, como propriedades naturais sociais dessas coisas e, por isso, tambm reflete a relao social dos produtores com o trabalho total como uma relao social existente fora deles, entre objetos (p. 71).3 4

13 administrativa de adequao do trabalho produo forma-se a partir da apropriao e da utilizao de conceitos pertencentes a essas reas de conhecimento. E, uma vez que a rea de administrao de pessoas autonomiza-se, conforme ser visto neste trabalho, diante da administrao em si, integrando procedimentos e aes referentes s pessoas nas empresas e nas pesquisas acadmicas, o foco deste estudo est na compreenso dos mecanismos que a estruturam e so estruturados por essa rea em especfico.

Internamente a esse campo, ento, percebe-se que as empresas e os acadmicos apropriam-se dos conceitos de antropologia, quando se referem cultura organizacional, da cincia poltica, quando falam em maior participao dos trabalhadores nas decises das empresas ou das disputas de poder, e da sociologia, quando estudam as mudanas organizacionais, a adaptao do indivduo a um ambiente em constantes mudanas e quando se valem de estatsticas e metas de produo para o trabalhador, de modo a constiturem um campo de estudo e de prtica profissional.

Ainda neste contexto, os especialistas em formular essas tcnicas lanam mo de outros instrumentos pertencentes a outras cincias como a biologia, para explicar a evoluo das organizaes, sua superioridade ou inferioridade, da psicologia, na seleo, treinamento, adaptao ou excluso de funcionrios, e da lingstica, quando pensam o papel da linguagem e do simblico na comunicao interpessoal.

Externamente, no se pode prescindir da anlise da sociedade onde as organizaes esto inseridas, a fim de procurar, nas idas e vindas, do interior para o exterior das organizaes e, conseqentemente, das produes acadmicas feitas nessa rea, os determinantes scio-polticos de mediao do trabalho.

O estudo que se prope realizar, portanto, no poderia restringir-se a um simples levantamento histrico das mudanas de idias na administrao de pessoas. Muito provavelmente, agindo desta forma, recair-se-ia nos equvocos dos manuais de administrao que datam o princpio desta tcnica ao incio do sculo XX, com os engenheiros e homens de negcio Taylor, Fayol e, o mais conhecido pelo senso comum, Henry Ford. Conforme verificou-se anteriormente, assumem-se estes pensadores como tambm produtos e no apenas causa do surgimento da administrao, uma vez que o pensamento racional-formal j se encontrava consolidado, terica e objetivamente.

14

Por outro lado, no se pode prescindir da histria, por um lado, para entender as razes do pensamento administrativo, que, como apontou-se, apropriou-se, e o faz ainda hoje, de diversos conceitos das cincias humanas e naturais para a sua constituio tcnica. Por outro lado, para superar a naturalizao (reificao) dos conceitos, segundo Bourdieu, isso na tentativa de explicar como os mecanismos que conformam a administrao de pessoas estruturam e so estruturados no mundo do trabalho atual.

Parte-se do pressuposto de que esse, fundamentado na Revoluo Industrial, possui como caractersticas, para Mills (1981), a fragmentao, a padronizao e a rotinizao, levando, na anlise weberiana, perda de seu sentido. Hodiernamente, as rpidas reposies tecnolgicas e as insaciveis necessidades de lucratividade, levam ao aumento da competitividade das empresas e dos trabalhadores, reestruturao produtiva e administrativa, especializao da produo e, finalmente, exigncia de trabalhadores cada vez mais flexveis e dceis (Mills, 1981; Sennet, 2000).

Como mediao entre a necessidade produtiva e o trabalho em si, os agentes da administrao de pessoas ou de recursos humanos5 procuram teorizar e executar atividades que possam garantir a contnua reproduo do capital. Entretanto, essa relao no direta, pois existem determinantes materiais, entendidos como objetivos, e simblicos que limitam ou potencializam as suas aes neste campo de reproduo social e material. Portanto, necessrio entender como este campo se (con)forma historicamente e quais so as suas configuraes prprias e atuais, a fim de se compreender os sentidos nele construdos, tendo em vista as formas de legitimao de seus agentes, evitando apressadas concluses quanto sua posio neste campo social.

OBJETIVO E PLANO DO ESTUDO Este estudo procura mostrar como os diversos conceitos da antropologia, da cincia poltica, da sociologia, da psicologia etc. tm sido historicamente construdos e aplicados pela administrao de pessoas para facilitar a reproduo do capital pelo trabalho. Alm disso, uma anlise dos manuais de administrao mais utilizados e das5

Entendem-se essas denominaes como sinnimas ao longo deste estudo, mesmo sabendo que a mudana histrica do nome contempla a mudanas dos enfoques e tcnicas desta rea.

15 publicaes acadmicas e comerciais mais aceitas justifica-se para verificar como os conceitos das cincias humanas podem ser imediatamente desenvolvidos e aplicados no interior do campo de administrao de pessoas, devido ao ecletismo e ao reducionismo6 necessrios a essa apropriao.

Objetiva-se, com isso, entender quais mecanismos simblicos e materiais adquirem sentido no campo de administrao de pessoas pelo reconhecimento e legitimao de seus agentes em suas relaes sociais, procurando entender o modo como tais subjetividades e objetividades estruturam este campo e so por ele estruturadas. Para tanto, pretende-se construir uma anlise crtica do campo de administrao de pessoas, investigando como as suas tcnicas so reconhecidas e aceitas nas organizaes, a partir das prticas administrativas objetivadas nas aes dos agentes, das produes tericas realizadas academicamente e das intervenes das associaes com suas publicaes, em uma perspectiva histrica que resgate as peculiaridades intelectuais e materiais para a autonomizao deste campo.

Em paralelo, recorrer-se- a cientistas sociais legitimados em seus campos de atuao pelos seus conhecimentos e conceitos para colocar as apropriaes tcnicas da administrao em foco, de modo a procurar entender como a racionalizao no mundo do trabalho, por um lado, e as produes simblicas e ideolgicas, por outro, no limite, determinam as aes dos agentes no trabalho.

Para tanto, esta pesquisa divide-se da seguinte forma. Ainda nesta introduo, encaminhar-se- um esclarecimento quanto ao posicionamento deste pesquisador neste trabalho, que passa, momentaneamente, a falar em primeira pessoa observando o(s) porqu(s) de se arriscar em caminhos inspitos crtica7 , alm de apresentar e discutir a metodologia adotada e o problema de pesquisa balizador das reflexes que se seguiro.

6 7

Tais conceitos sero estudados no item Metodologia desta introduo. Em sua tese de livre-docncia, Martins (1994: i, 59), ao analisar as teses e dissertaes de trs faculdades referenciais de administrao brasileiras FEA/USP, EAESP/FGV e PUC/SP no perodo de 1980 a 1993, conclui que, epistemologicamente, de 126 trabalhos defendidos, 68,5% possuem abordagem emprico-analtica (1,6% empiristas, 37,1% positivistas, 22,6% funcionalistas e 7,2% sistmicas) e, apenas, 14,5% tm abordagem crtico-dialtica. A despeito de sua reduzida manifestao, esta abordagem mais freqente na rea de Recursos Humanos, sendo raras as suas publicaes na primeira instituio (2,4%) e mais presentes nas duas ltimas (12,1%) (Ibid.: 62-3).

16 No primeiro captulo, delinear-se- o objeto de estudo a partir das revises bibliogrficas que serviro de mtodo de anlise e de condies tericas para fundamentar a investigao das relaes sociais construdas no campo de administrao de pessoas. Neste momento, o objeto desta pesquisa ser analisado no plano polticoideolgico, procurando entender como as condies materiais e metodolgicas interferiram, historicamente, na conformao e serventia do pensamento administrativo atual.

No segundo captulo, analisam-se as teorias e tcnicas construdas e aplicadas pela administrao de pessoas. Nesse sentido, investigar-se-o as razes metodolgicas da administrao de pessoas e as suas diversas construes tericas, a partir do pensamento administrativo pretrito e de suas manifestaes atuais. Assim, apresentar-se-o excertos de estudos desenvolvidos na rea de administrao de empresas e de pessoas que sero analisados criticamente.

No terceiro captulo, sero analisadas algumas associaes e publicaes na rea de administrao de pessoas que servem de base institucionalizao do pensamento e da prtica administrativa no Brasil.

No quarto captulo, sero apresentados os resultados e as anlises crticas de uma pesquisa emprica qualitativa a partir de entrevistas estruturadas, questionando como os profissionais de empresas, de associao e do ambiente acadmico entendem e trabalham com as tcnicas da administrao de pessoas, ao se tratar das relaes no mbito do trabalho. Discutir-se-o, criticamente, alguns aspectos centrais das asseres dos entrevistados, baseando-se em teorias sociolgicas.

Finalmente, conclui-se este trabalho apontando as anlises dos mecanismos estruturantes das relaes sociais dentro do campo da administrao e da administrao de pessoas e que so por ele estruturados, procurando confrontar os aspectos tericos discutidos nos captulos precedentes com as descobertas feitas neste estudo. Encaminhar-se-o, ainda, apontamentos e sugestes para estudos futuros.

17 POSICIONAMENTO E ESCOLHAS TERICO-METODOLGICAS

Divide-se este item da seguinte maneira: primeiramente, realizar-se- uma espcie de meta-estudo, ou seja, uma anlise do posicionamento deste pesquisador quanto aos seus valores e perspectivas, a fim de se superar a falsa neutralidade cientfica, h muito desvendada por diversos autores das cincias sociais; no item seguinte, apresentar-se-o e discutir-se-o a metodologia e o problema de pesquisa.

Posto isso, afirmamos que negar a interferncia das vontades e valores do pesquisador na praxis cientfica assumir a existncia de um objeto exterior, ou objetivado, que, ao seu olhar, mantm todas as suas propriedades estveis, ou seja, assumir, epistemologicamente, o positivismo como mtodo.

A despeito do debate acerca da impossibilidade da neutralidade na investigao sugerida, que destacaremos em linhas gerais, temos que trazer discusso certos aspectos relativos s escolhas do objeto de investigao e da metodologia, incluindo-se os autores, para realizar este estudo inserido no campo das relaes sociais.

Para tanto, em primeiro lugar, faremos um breve debate da excluso do positivismo para as anlises e a opo pelo mtodo crtico de investigao; em seguida, descreveremos a opo pelo objeto de estudo, bem como o seu delineamento, que ser construdo no decorrer da pesquisa; finalmente, discutiremos a metodologia adotada, considerando o porqu das escolhas dos autores.

O problema da escolha Em muitas pesquisas acadmicas de que tomamos conhecimento, ainda hoje, no conseguimos identificar de que lado o sujeito epistmico se coloca, a no ser aps nos debruarmos por alguns momentos sobre o estudo e, mesmo assim, por insipincia, corremos o risco de terminarmos a leitura com a mesma questo inicial.

A fim de poupar tal trabalho, desde j, anunciaremos de que lado estamos na pesquisa, bem como as razes que nos levam a assumi-lo. Alguns podem pensar que esta etapa do trabalho pode no passar de uma inutilidade, apenas para dar volume pesquisa. A ns

18 nos parece evidente que iniciamos os nossos estudos, pois a anlise ser feita em relao a um dos sujeitos da pesquisa, quem seja, o pesquisador. Para isso, escolhemos alguns autores para nos auxiliarem em nosso debate.

Inicialmente, destacamos que as pesquisas realizadas no campo social da administrao de pessoas possuem uma tendncia, material e simbolicamente construdas ao longo de sua constituio enquanto campo autnomo de teoria e prtica sociais, para reproduzir as relaes scio-econmicas estabelecidas. Convergente a essa afirmao, Thiollent (1982: 15) afirma que

o tipo de conhecimento social encomendado pelas burocracias condicionado pelas exigncias do mercado, por certas caractersticas culturais e pelos imperativos de carreira dos investigadores, tendo como efeito desestimular o esprito crtico, a problematizao e a teorizao sem compromisso. A aplicao dos instrumentos se torna um fim em si.

Essa afirmativa remete-nos diretamente ao nosso campo de estudo, ou seja, administrao de empresas. Talvez no se tenha uma rea do conhecimento humano mais suscetvel aos e mais demandado pelos anseios mercadolgicos. Talvez, afora a psicologia senso comum, aquela rea certamente apresenta o maior nmero de experts, gurus ou consultores na contemporaneidade. Muito provavelmente, devido a estes ltimos, as tcnicas de pesquisa mais utilizadas sejam o estudo de caso e o uso de questionrios, dada a proximidade destes profissionais com o mundo acadmico e empresarial. No que tais tcnicas no tenham a sua relevncia na investigao cientfica. Entretanto, da maneira indiscriminada como vm sendo utilizadas, corre-se o risco de tom-las como suficientes para a validao dos resultados obtidos. Deve-se fazer, portanto, um questionamento das tcnicas, prosseguindo um debate, j antigo na histria das cincias sociais, cujos elementos giram em torno do empiricismo, e eventualmente do positivismo da observao (Ibid.).

Para diversos autores das cincias socais, o empiricismo criticado, basicamente, por duas razes:

(a) criticado o carter anti-histrico e antidialtico dos procedimentos que pretendem captar a realidade social a partir de uma fotografia instantnea da

19opinio pblica sem problematizar o que a opinio pblica e sem levar em conta as estruturas e os movimentos sociais (...). (b) (...) pelo fato de desprezar a elaborao terica e de supervalorizar a observao concebida em moldes positivistas. Os socilogos empiricistas pretendem construir teorias no a partir de problemticas prvias, mas sim a partir do processamento de dados de onde deveriam surgir conceitos, as hipteses e as teorias entendidas como generalizaes de hipteses empiricamente comprovadas (Thiollent, 1982: 16-17).

A reflexo da pesquisa inicia-se, desse ponto de vista, do questionamento mesmo das tcnicas de pesquisa, que, conforme afirma esse autor, posicionam o pesquisador para exercer uma determinada investigao de um pr-determinado modo. Por outro lado, ao considerarmos o pesquisador como agente da pesquisa, e no um falso-observador, propiciamos um processo de anlise em que sujeito e objeto (ou sujeito epistmico e sujeito emprico) interagem e se transformam mutuamente no decorrer da produo cientfica, negando-se, com isso, o positivismo, nomeado empiricismo por Thiollent, e se assume a dialtica como mtodo de investigao.

Conseqentemente, levar em conta a historicidade do objeto de investigao em sua forma e contedo e a prvia problematizao da pesquisa tornam-se tarefas fundamentais para que o processo se desenvolva com um carter crtico, no apenas do mtodo como tambm do objeto. Tal procedimento possui implicaes tanto para os resultados das investigaes quanto para o pesquisador.

Nesse sentido, a tarefa proposta de crtica a toda uma tradio de pesquisa comprometida com a ordem por demais arriscada. Entretanto, devemos nos colocar a servio do que acreditamos ser mais coerente com o nosso prprio histrico de vida, com as nossas concepes e viso de mundo.

Nesse sentido, Becker (1970) argumenta que a idia de ter ou no valores e o que fazer com eles no ato da pesquisa falsa, a no ser que seja possvel, para algum, eximir-se de todas as suas preferncias polticas ou mesmo pessoais para no contaminar o processo e o resultado de suas anlises. Prossegue afirmando que argumentar que isso no possvel e, portanto, que a questo no se devemos ou no tomar partido, j que inevitavelmente o faremos, mas sim de que lado estamos ns (p. 122).

20 Este autor retoma as questes colocadas por Thiollent quanto neutralidade e objetividade da anlise pelo pesquisador. Assumir um lado , portanto, uma maneira de aprimorar o contexto social da pesquisa, pois se define o ponto de vista de quem observa. Ao se proceder desta maneira, procura-se ter certeza de que, segundo Becker (Ibid.), a pesquisa no ser invalidada pelas simpatias do pesquisador, posto que a investigao continuar seguindo os padres cientficos exigidos para ser considerada um bom trabalho.

Entretanto, Becker (Ibid.) adverte que existem diversas formas de distorcer a pesquisa, ainda que se defina o lado onde nos posicionamos, uma vez que a utilizao dos instrumentos e tcnicas de pesquisa ser feita por ns mesmos. Entretanto, h formas de objetivar os aspectos subjetivos inevitveis na pesquisa social, no caso. Didaticamente, esse autor prope as seguintes medidas para se fazer a pesquisa. Observa, inicialmente, que

Tomamos partido de acordo com o que ditam os nossos compromissos pessoais e polticos, usamos recursos tericos e tcnicos para evitar as distores que se poderiam introduzir em nosso trabalho, limitamos nossas concluses cuidadosamente, reconhecemos a existncia da hierarquia de credibilidade, e encaramos da melhor maneira que podemos as acusaes e dvidas que certamente nos esperaro (Becker, 1970: 136).

Com isso, conseguimos trazer pesquisa o sujeito epistmico (pesquisador) alm do sujeito emprico (observado), em uma relao que se d no mbito social e que, portanto, determina as decises e os resultados do trabalho cientfico. Com efeito, ficanos mais ntida a impossibilidade, em nosso contexto socioeconmico, de se fazer uma pesquisa pura, aos moldes positivistas, que prega a neutralidade e a objetividade. Essas etapas, que nos parecem triviais em um primeiro momento, ajudam-nos a refletir sobre o nosso prprio objeto de pesquisa que, ao nos propormos a estud-lo, no nos apresenta outra alternativa seno a de criticar os seus mecanismos de reproduo da viso de mundo dominante.

Assim, Mszros (1996) mostra-nos que a ascenso do positivismo nas cincias sociais trouxe a falsa correlao direta entre cincia e neutralidade e objetividade. Isso era usado para reforar, acima de tudo, o compromisso do pesquisador com a cincia e que tal pressuposto em si seria suficiente para livrar os seus resultados de contestaes

21 axiolgicas. Debate este que gerou a segunda polmica cientfica no final do sculo XIX, precisamente com a participao direta de Max Weber. Quanto a isso, Thiollent (1982) argumentao que a

neutralidade falsa ou inexiste na medida em que qualquer procedimento de investigao envolve pressupostos tericos e prticos variveis segundo os interesses scio-polticos que esto em jogo no ato de conhecer. A objetividade relativa, na medida que o conhecimento social sempre consiste em aproximaes sucessivas relacionadas com perspectivas de manuteno ou de transformao (p. 28).

Daqui podemos extrair duas conseqncias imediatas do processo de pesquisa: a primeira se refere ao seu carter poltico, seja este qual for. Ou seja, o investigador das relaes sociais permear explcita ou implicitamente a sua pesquisa com a sua viso de mundo, logo com seus valores. A segunda relaciona-se utilizao da objetividade pelo pesquisador, quanto ao seu objeto de estudo, para a manuteno das estruturas das relaes sociais nele existentes ou para sua transformao.

De qualquer maneira, o investigador nas cincias sociais ser continuamente estimulado a assumir determinados objetos de estudo, a lanar mo de certos instrumentos de anlise e a proceder de determinado modo em suas pesquisas, em suma, a tomar decises que denunciaro de que lado est.

Embora as escolhas feitas acima j denunciem de que lado nos posicionamos nesta pesquisa, consideramos, salvo excees, o campo de pesquisa em administrao de pessoas um ethos de interesses mercadolgicos, majoritariamente. Haja vista o nfimo nmero de publicaes crticas, agora com maior volume em pases europeus, que vemos no dia-a-dia. Se existem, restringem-se a criticar mtodos, preciso de amostras, eficincia da consultoria etc.

Portanto, acreditamos que uma inverso nos procedimentos de pesquisa no campo da administrao, rompendo com o empiricismo e valendo-nos da reflexo crtica, podernos-, por um lado, enriquecer o processo e os resultados da pesquisa, se conseguirmos garantir a preciso metodolgica e dos instrumentos de investigao, e, por outro, contribuir para a expanso de formas crticas da administrao de pessoas, mesmo sabendo dos riscos que corremos.

22

Entre outras implicaes da escolha do mtodo crtico, acreditamos que uma pesquisa que visa investigao de um campo social to complexo quanto o das relaes de trabalho no pode prescindir de uma anlise que observe o movimento das relaes, que marque as transformaes e as suas novas formas. Ou seja, que, alm de considerar o sujeito epistmico como agente da pesquisa, ainda investigue as vicissitudes do campo em suas constantes negaes. Para Marconi e Lakatos (2000: 85),

Uma dupla negao em dialtica no significa o restabelecimento da afirmao primitiva, que conduziria de volta ao ponto de partida, mas resulta numa nova coisa. O processo da dupla negao engendra novas coisas ou propriedades.

Cabe-nos, neste trabalho, entender o embate terico e prtico das formas materiais e simblicas no mbito do trabalho, compreendendo as transformaes deste campo no apenas no plano das idias, como tambm no material, objetivamente.

Escolha e delineamento do objeto Conforme afirmamos anteriormente, o lado consciente da escolha de se fazer este estudo para colocar a crtica onde ela aparentemente inexiste. Investigar as formas de interveno da administrao de pessoas simblica e materialmente pareceu-nos um campo, por um lado, frtil para desenvolver uma pesquisa acadmica debatendo com inmeros autores das cincias humanas consagrados pela sua competncia intelectual. Por outro lado, por mostrar-se inspito a uma reflexo mais crtica, embora tantos(as) outros(as) pesquisadores(as) j o tornaram mais familiar.

Conforme dissemos anteriormente, esta pesquisa procurar, com base nos estudos feitos na rea de gesto ou administrao de pessoas, por um lado, e na prtica empresarial, por outro, entender, de maneira crtica, o sentido que se constri e construdo nessa rea de conhecimento humano, a partir da interao dos diversos agentes que dela fazem parte. Ou seja, alm de procurar realizar uma pesquisa terico-crtica da administrao de pessoas atual, analisaremos como essa teoria manifesta-se na prtica do mundo do trabalho enquanto tcnica, a partir de seus engendramentos e desdobramentos histricos, tericos e empricos.

23 Autores debatidos e escolha da metodologia A escolha de autores dentro da tradio marxista de anlise devido aos posicionamentos e teorias crticos no apenas sociedade moderna como tambm s suas conseqncias. No por menos que Marx criticou os seus adversrios economistas por ficarem apenas na anlise das aparncias dos fenmenos socioeconmicos ao invs de abstrarem o material emprico. METODOLOGIA DA PESQUISA A metodologia ou procedimento de pesquisa adotada ser apresentada da seguinte maneira. Aprofundar-se- a anlise da metodologia que se utilizar neste trabalho. Posteriormente, apresentam-se os mtodos das diversas etapas desta pesquisa, a fim de elucidar o que ser desenvolvido nos captulos subseqentes.

Assim, optou-se por realizar, genericamente, uma pesquisa exploratria, devido extenso da anlise do objeto recortado. Entrementes, utiliza-se a histria como instrumento para reconstituio objetiva e simblica produes materiais e tericas no mundo do trabalho produtos das relaes sociais, sendo instrumento de anlise dos captulos primeiro possuindo um carter metaterico, terico e metodolgico e segundo tendo uma abordagem crtica dos desdobramentos da teoria administrativa. Finalmente, como nos captulos terceiro e quarto recorre-se pesquisa emprica anlise das instituies e das entrevistas, respectivamente para entendimento das manifestaes atuais das produes tcnicas no campo da administrao de pessoas, devem-se apontar os procedimentos para analis-los. Ainda nesta introduo, ser apresentado de maneira explicativa o problema da pesquisa que se pretende fornecer se no respostas ao menos caminhos para elucidaes s anlises ulteriores. preciso dizer que este objeto de estudo, mesmo que delineado e com as perguntas que se querem esclarecer colocadas, ser construdo no decorrer da pesquisa. Nestas idas e vindas, da teoria ao estudo emprico e na volta teoria, certamente recorrer-se- a instrumentos tericos de anlise diversos, porm resultar em uma pesquisa, objetivamente, mais precisa e, subjetivamente, mais coerente.

24 Vale destacar que a discusso do mtodo dialtico de anlise histrica e das relaes simblicas do campo de estudo ocorrer ao se abordar os conceitos de ideologia, as construes tericas de Bourdieu e, finalmente, o desenvolvimento histrico da administrao (de pessoas) e do pensamento conservador das cincias sociais.

Neste caso, podem-nos acusar de incorrer em ecletismo metodolgico, ou seja, de alterarmos os significados dos conceitos de que nos valeremos devido sua utilizao fora dos seus respectivos esquemas conceituais sistemas tericos (OLIVEIRA FILHO, 1995: 263). Respondemos a isso afirmando que, diferentemente de recair nesta patologia metodolgica, optamos, pela prpria fragmentao de nosso objeto de estudo, expressa nas teorias e mtodos diversos utilizados objeto de anlise desta pesquisa , pelo pluralismo metodolgico, como analisa esse autor, no por adotarmos regras das cincias naturais nesta pesquisa, mas por caminharmos e dialogarmos com a antropologia, a sociologia e a lingstica, incurso esta necessria para entendermos criticamente o nosso campo de estudo.

Conforme se observa algures acima, para analis-lo em seus aspectos tericos e prticos, acredita-se na necessidade de se fazer uma pesquisa exploratria, com pesquisa emprica a partir de coleta de dados secundrios, por livros, artigos, associaes e entidades, conforme preciso, e primrios, com a utilizao de entrevista estruturada. A seguir, apresentam-se as definies de cada argumentao aqui colocada e a sua contribuio para este estudo.

Pesquisa Exploratria A opo por fazer uma pesquisa exploratria com uma pesquisa emprica de dados secundrios e primrios, estes a partir de entrevistas estruturadas, deve-se ao que Selltiz et al (1975: 60) afirmam quanto aos objetivos perseguidos. Para esses autores,

muitos estudos exploratrios tm como objetivo a formulao de um problema para a investigao mais exata ou para a criao de hipteses. No entanto, um estudo exploratrio pode ter outras funes: aumentar o conhecimento do pesquisador acerca do fenmeno que deseja investigar em estudo posterior, mais estruturado, ou

25da situao em que pretende realizar tal estudo; o esclarecimento de conceitos; o estabelecimento de prioridades para futuras pesquisas (...).

Devido a este estudo inserir-se em um espao com poucas pesquisas com as caractersticas que ora se assume, faz-se necessrio um estudo que amplie o conhecimento no da administrao de pessoas, apenas, como tambm da forma como se deve olhar para essa rea. Logo, necessita-se de uma anlise mais genrica, onde se possa abarcar diversos pontos de vista para, em pesquisas posteriores, poder aprofundar a investigao em um aspecto ou outro de certas descobertas.

Isso porque Selltiz et al (1975) apontam que a pesquisa exploratria serve para a formulao de hipteses ou para validao dos resultados dada a impreciso das pesquisas tericas na rea de estudo. No caso desta pesquisa, a teoria acerca do campo que investigamos farta o suficiente para embasar uma investigao emprica que traga maiores esclarecimentos sobre objeto de estudo. Por outro lado, ao buscar-se o sentido da administrao de pessoas atualmente, a partir de seus mecanismos materiais e simblicos, a investigao emprica que se realizar, mesmo que parcialmente, fornecer diversas elucidaes.

Para tanto, os autores sugerem trs mtodos teis na pesquisa de variveis,

importantes e hipteses significativas (...): (1) uma resenha da cincia social afim e de outras partes pertinentes de literatura; (2) um levantamento de pessoas que tiverem experincia prtica com o problema estudado; (3) uma anlise de exemplos que estimulem a compreenso. Quase todos os estudos exploratrios utilizam uma ou vrias dessas abordagens (Selltiz et al, 1975: 62).

Nesta pesquisa, o primeiro procedimento foi parcialmente realizado para um melhor embasamento terico, a partir de trabalhos tericos correlatos, no na forma de resenha, mas de fichamentos. Quanto ao segundo, procurou-se dialogar, informalmente, com professores de larga experincia terica nos assuntos que se trataro nos captulos subseqentes, a fim de diminuir as lacunas terico-metodolgicas deste estudo. Com relao ao terceiro, os autores afirmam ser o estudo de exemplos selecionados um mtodo muito produtivo para estimular a compreenso e sugerir hipteses para pesquisa futura (Ibid.: 70). A idia provocar a intuio.

26 Para este trabalho, todas estas fontes de experincia e de informao so vlidas e necessrias para uma compreenso mais abrangente e menos distorcida do estudo do objeto. Os aspectos subjetivos da pesquisa, como os apontados acima, corroboram a primeira anlise, quanto ao posicionamento do pesquisador, quando se refora a possibilidade ou mesmo a necessidade da assuno de seu papel emprico.

Relaes sociais em perspectiva Nos captulos primeiro e segundo, delineiam-se a formao do pensamento cientfico nas cincias sociais e os produtos tericos na rea de administrao de pessoas. Nesta pesquisa, um dos problemas especficos mostrar como esta apropria-se dos conceitos daquelas na construo de suas teorias e tcnicas. Recorrendo, de certo modo, a uma sociologia que Mannheim (1982) chamou do pensamento, procuram-se os determinantes histrico-sociais que permitiram o desenvolvimento dessa rea de conhecimento e que engendram a sua atual configurao. Para esse autor,

a sociologia do conhecimento procura compreender o pensamento dentro da moldura concreta de uma situao histrico-social, de que o pensamento individualmente diferenciado emerge mui gradualmente. Assim, no so os homens em geral que pensam, nem mesmo os indivduos isolados, mas os homens dentro de certos grupos que elaboram um estilo peculiar de pensamento graas a uma srie interminvel de reaes a certas situaes tpicas, caractersticas de sua posio comum (MANNHEIM, 1982: 98).

No prximo captulo, utilizam-se os conceitos de histria reificada, histria incorporada e habitus de Bourdieu (2003) para, por um lado, analisar como o contexto scio-material produz pensamentos e aes legtimos, tornando-se dominantes nas disputas com outras produes intelectuais. Por outro lado, deve-se entender como os agentes pertencentes a posies comuns na sociedade ou no espao social delimitado pelo pesquisador agem e pensam de maneira semelhante de acordo com seu habitus.

Ao posicionar este objeto de estudo no campo social das relaes de trabalho, no se pode prescindir de uma anlise das transformaes materiais da sociedade ocidental, tendo em vista no apenas as disputas entre as classes sociais como tambm as tcnicas objetivas e simblicas intervenientes na reproduo do capital. Para tanto, torna-se relevante dialogar com Fernandes, devido sua reflexo crtica das cincias sociais,

27 mais especificamente da sociologia, e aos seus desdobramentos conservadores e revolucionrios.

Tais construes metodolgicas fundamentam as anlises dos captulos subseqentes, momento em que se apresentam e discutem-se as escolas de administrao de pessoas, no segundo captulo, e as instituies e falas dos entrevistados, no terceiro e no quarto captulos, respectivamente, tendo como objetivo entender como se reproduzem os pensamentos e tcnicas nesta rea de conhecimento.

Pesquisa emprica Objetivou-se fazer uma anlise das tcnicas de administrao de pessoas, buscando entender como as estruturas materiais e simblicas, externas e internas s empresas, so apreendidas pelos agentes entrevistados e como estes reproduzem as relaes sociais nas organizaes. Para Mills (1972), o objetivo da pesquisa emprica solucionar desacordos e dvidas sobre fatos, e assim tornar mais frutferas as discusses, dando a todos os lados maior base substantiva (p. 221).

Nesse sentido, realizaram-se, por um lado, um levantamento de material das instituies de administrao de pessoas no Brasil e, por outro, algumas entrevistas estruturadas. No primeiro caso, analisam-se os objetivos e os discursos de associaes e de revistas comerciais para entender como servem de estruturao ao pensamento da administrao de pessoas. Para tanto, apresentam-se excertos de suas produes que so analisados tanto em sua forma como em seu contedo. No segundo caso, a partir de um questionrio padro8, realizam-se entrevistas com profissionais ligados rea de recursos humanos para questionar de que forma e com que intuito as tcnicas de administrao de pessoas so utilizadas contemporaneamente. Para tanto, entrevistou-se: 1) profissionais atuantes em empresas na rea de RH; 2) agente atuante em associao voltada Administrao de Pessoas; e 3) pesquisador acadmico da rea de RH. A partir do discurso dos sujeitos de pesquisa, aprofunda-se o entendimento acerca das teorias e tcnicas desta rea de conhecimento, alm de ter investigado os possveis determinantes para o trabalhador.8

Ver APNDICE B: Questionrio das entrevistas.

28

Levou-se em conta para a produo das diretrizes da entrevista tanto os aspectos internos da organizao quanto s determinaes estruturais externas a ela. Para realizar esta fase do trabalho, seguir-se-o as seguintes etapas: 1) apresentao e discusso do mtodo de pesquisa de campo utilizado da metodologia escolha dos entrevistados, alm de seus limites terico-metodolgicos na utilizao deste instrumento de coleta de dados; 2) apresentao das questes e do roteiro; e 3) anlise das entrevistas cotejandoas entre si e com as teorias relativas anlise do discurso dos sujeitos de pesquisa.

Escolheu-se fazer uma pesquisa qualitativa, ao invs de quantitativa, devido ao que se exps anteriormente. Por se tratar de uma pesquisa exploratria, necessrio, antes de se formular hipteses ou efetuar uma pesquisa que exija maior preciso e poder explicativo, investigar o campo social pesquisado de maneira reflexiva, procurando os sentidos construdos pelos agentes sociais. Tanto na entrevista quanto no questionrio:

(...) d-se um grande peso descrio verbal da pessoa para obteno de informao quanto aos estmulos ou experincias a que est exposta e para o conhecimento de seu comportamento; geralmente, o pesquisador no observou os acontecimentos discutidos. A descrio da pessoa pode ou no ser aceita por seu valor aparente (...) (SELLTIZ, C. et al, 1975: 266).

Com efeito, est-se em uma etapa desta pesquisa em que aprofundar o conhecimento no plano objetivo se faz necessrio, mesmo sabendo das imprecises existentes ao levantar opinies por descries verbais. Com relao s limitaes da entrevista, esses autores nos esclarecem ao propor:

(...) como o entrevistador e a pessoa entrevistada esto presentes no momento em que as perguntas so apresentadas e respondidas existe a oportunidade para maior flexibilidade para a obteno de informao; alm disso, o entrevistador tem oportunidade para observar a pessoa e a situao total a que responde (...). A flexibilidade da entrevista faz dela uma tcnica muito melhor para a explorao de reas nas quais existe pouca base para saber quais as perguntas que devem ser feitas ou qual a melhor maneira de faz-la (Ibid.: 271-2).

Inicialmente, fez-se um roteiro de entrevista a ser utilizado no ato de sua realizao, a fim de contemplar as exposies acima. Ou seja, procurou-se investigar empiricamente os pontos mais relevantes deste trabalho para se construrem as perguntas sobre a administrao de pessoas para, em seguida, analis-las comparando as respostas obtidas

29 com a teoria exposta nos captulos subseqentes, buscando fornecer maior objetividade a ela.

Ainda para SELLTIZ, C. et al (Ibid.), a tcnica de pesquisa qualitativa relevante:

(...) para a revelao de informao sobre assuntos complexos, emocionalmente carregados ou para verificar os sentimentos subjacentes a determinada opinio apresentada. Para que uma descrio verbal seja aceita por seu valor aparente, precisa ser provocada em circunstncias que estimulem a maior liberdade possvel e a honestidade da expresso (...) com relao a muitas questes, uma entrevista tende a obter mais xito na criao de uma atmosfera que permita pessoa exprimir sentimentos ou descrever comportamentos geralmente desaprovados (p.272).

Para este estudo, interessante essa abordagem, pois a crtica administrao de pessoas nas relaes humanas no ambiente de trabalho aparece velada ou mesmo no se apresenta dentro das prprias empresas. Portanto, uma coleta de dados em que se pudesse interagir com a pessoa entrevistada tanto na observao das respostas quanto nos questionamentos de pontos que no ficaram claros tornou-se fundamental para melhor compreenso do objeto de estudo.

Quanto ao tipo, optou-se pelas entrevistas padronizadas com perguntas abertas, objetivando, por um lado, obter maior preciso na anlise comparativa das respostas e, por outro, proporcionar flexibilidade aos entrevistados, quanto s suas asseres, e ao entrevistador, para reformular as questes que no foram devidamente esclarecidas. Embora se lance mo de um roteiro de perguntas a serem feitas, acredita-se que, conforme veremos nos limites das pesquisas de campo, o seu sentido ser dado na relao com o entrevistado, portanto, no ato de sua realizao.

O tipo de resposta determinou o nmero de entrevistados selecionados, ou seja, quando se entendeu que houve uma saturao de respostas com semelhante contedo, decidiu-se encerrar o processo de entrevista. Elegeram-se os sujeitos de pesquisa por convenincia, dada a proximidade deste pesquisador com alguns deles, que, por sua vez, indicaram outros sujeitos, ficando, a critrio deste pesquisador, a seleo final.

A despeito do nmero de sujeitos da pesquisa, as suas respostas permitiram um maior entendimento do tema, podendo, ento, prescindir de uma anlise quantitativa, que

30 poderia trazer maior preciso anlise, se assim se objetivasse. Colher as impresses dos profissionais ligados rea de RH foi, portanto, necessrio para perfazer as reflexes do objeto. Ou seja, as entrevistas, mais uma vez, entram nesta pesquisa para somar s tantas outras formas de investigao que se utilizaram9 neste estudo, possuindo, como valor adicional, fornecer o contato da prtica, da objetividade com que as tcnicas de RH so utilizadas.

PROBLEMA DA PESQUISA Como se procurou apontar anteriormente, a pesquisa deve concretizar-se a partir de uma problematizao previamente definida e apresentada para, posteriormente, encaminhar as investigaes necessrias se no soluo, pelo menos, ao esclarecimento do que o pesquisador pretende responder. Deste modo, para Selltiz et al (Ibid.: 37-8)

a escolha de um tpico para pesquisa no coloca o investigador imediatamente numa posio de comear a considerar os dados que coligir, quais os mtodos a empregar e como analisar os dados. Antes de iniciar tais etapas, precisa formular um problema especfico que possa ser pesquisado por processos cientficos (...). A pesquisa cientfica uma atividade voltada para a soluo de problemas. O primeiro passo na formulao da pesquisa tornar o problema concreto e explcito.

De maneira mais direta Rudio (apud Marconi e Lakatos, op. cit: 139) assume que formular o problema consiste em dizer, de maneira explcita, clara, compreensvel e operacional, qual a dificuldade com a qual nos defrontamos e que pretendemos resolver, limitando o seu campo e apresentando suas caractersticas. Desta forma, o objetivo da formulao do problema da pesquisa torn-lo individualizado, especfico, inconfundvel.

O que se apresenta , mais uma vez, a imprescindvel participao ativa do investigador em suas pesquisas. Tornar explcito e delinear o objeto de estudo pode ser entendido, nesta etapa do trabalho, como a construo de um novo plano de observao, previamente recortado de uma determinada maneira e com limites inicialmente definidos, que ser analisado e, portanto, transformado no processo de estudo. Com

9

Para alm das entrevistas, vale lembrar, realizamos uma boa reviso bibliogrfica da Administrao de RH e colhemos informaes em sites das associaes, mdia e entidades ligadas essa rea de conhecimento.

31 efeito, o problema de pesquisa, se construdo com os cuidados supracitados, precisar o objeto e colocar alternativas de procedimentos possveis sua realizao.

Logo, o problema desta pesquisa : por que o campo de administrao de pessoas possui legitimidade nas relaes de trabalho capitalistas atuais?

A fim de incorrermos nesta investigao, caminharemos na tentativa de elucidar os seguintes pontos: como as tcnicas de administrao de pessoas so formadas e utilizadas pela administrao? De que maneira as tcnicas se apresentam nos discursos dessa rea de conhecimento? So elas, de fato, instrumentos de controle do trabalho? Como os agentes pertencentes a esta rea as constituram historicamente? Qual a relao entre o pensamento conservador e a tcnica de administrao de pessoas? Quais seus determinantes externos e internos? Como elas se apresentam na prtica cotidiana administrativa? Como as instituies estruturam o campo de administrao de pessoas? Como os seus agentes se relacionam entre si e entre outros agentes das empresas? Quais as conseqncias tericas e empricas da utilizao dessas tcnicas no mbito do trabalho?

1. CONTRIBUIES DA SOCIOLOGIA PARA UMA ANLISE CRTICA DA ADMINISTRAO DE PESSOAS.

33

O que suaviza, pois, em ns a civilizao? A civilizao elabora no homem apenas a multiplicidade de sensaes e ... absolutamente nada mais. E, atravs do desenvolvimento dessa multiplicidade, o homem talvez chegue ao ponte de encontrar prazer em derramar sangue. Bem que isto j lhe aconteceu (...), embora o homem j tenha aprendido por vezes a ver tudo com mais clareza do que na poca brbara, ainda est longe de ter-se acostumado a agir de modo que lhe indicado pela razo e pelas cincias. Fidor Dostoievski (1821-1881) in Memrias do subsolo (2000:36-7).

1.1 CONDIES METODOLGICAS CONSTRUO DO CAMPO DA ADMINISTRAO DE PESSOAS

Para o entendimento dos sentidos gerados no campo de ao social que ora se prope estudar, deve-se partir da compreenso dos mecanismos materiais, objetivos, e simblicos que o estruturam e nele so estruturados nas relaes sociais de seus diversos agentes. Assim, faz-se necessrio um delineamento deste campo constitudo historicamente em diferentes disputas, interna e externamente referenciadas, para legitimao das vises de mundo de suas classes que tm como intuito ampliar os seus espaos de ao.

Segue-se, ento, que a forma como se desenvolvem as relaes sociais e os sentidos presentes em um campo tm, em sua origem, os seus determinantes materiais e simblicos, sendo, portanto, imprescindvel uma investigao de seus fundamentos. Deve-se, para isso, refletir no modo como se formam os campos, terica e materialmente, para, em seguida, construir e analisar o campo da administrao de pessoas. A seguir, realizar-se- esta primeira etapa. Nos captulos subseqentes, a segunda.

Construo terica e material de um campo social Entender o campo social que se pretende estudar , portanto, entender as percepes e produes simblicas que dele fazem parte. buscar objetivamente as determinaes da viso dominante de mundo imposta ao campo estudado e nele reproduzida. Por outro lado, investigar as transformaes nas relaes de fora simblicas historicamente construdas.

34

Desse modo, ocorrem as indeterminaes e incertezas em relao significao, pois que, como produtos histricos e sujeitos s percepes dos agentes,

os objetos sociais podem ser percebidos e enunciados de diferentes maneiras. Esta parte do jogo, de incerteza, o que fundamenta a pluralidade das vises do mundo, ela prpria ligada pluralidade dos pontos de vista, como o d todas as lutas simblicas pela produo e imposio da viso do mundo e, mais precisamente, a todas as estratgias cognitivas de preenchimento que produzem o sentido dos objetos do mundo social ao irem para alm dos atributos diretamente visveis pela referncia ao futuro e ao passado (Bourdieu, 2003: 140).

Eis que o autor coloca duas dimenses das lutas simblicas de imposio da viso de mundo: a primeira se refere diferena de percepes e de enunciao da objetividade conforme assimilada e interpretada, fazendo-se necessria a sua noo de habitus, que ser desenvolvida adiante. A segunda dimenso se insere na produo de sentido dos agentes e em sua subseqente tentativa de se tornar hegemnica, logo, dominante, em um determinado campo social. Apenas a luta pela distino entre as posies no basta legitimao de uma viso de mundo. Deve-se ainda investir em seu reconhecimento social, buscando tornar os bens simblicos produzidos em capitais simblicos estruturantes do meio onde se do as relaes sociais.

Com efeito, pode-se ento trazer para o debate como se formam os sentidos nas relaes de trabalho construdas no campo pesquisado e como os agentes conseguem legitimar a sua viso de mundo, de modo a impor a classificao e as divises que devem ser feitas, de acordo com o seu reconhecimento no campo.

Conforme ser apontado em diversas etapas deste trabalho, tal construo ocorre em uma perspectiva histrica, uma vez que os desdobramentos e conseqncias das relaes sociais atuais foram engendrados nas diversas lutas pelas disputas de capital material e simblico pelos diversos agentes sociais. Entende-se, ainda, que, assim procedendo, pode-se extrair a ideologia e as reificaes do objeto de estudo bem como desta pesquisa, pois as concluses e crticas tero seus pressupostos objetivamente apresentados. Como a pesquisa histrica possui peculiaridades e mtodos especficos, no ser o caso, neste estudo, de se levantar documentos e dados que (re)construam aquilo que se apresenta nas literaturas disponveis e ora escolhidas. Por outro lado, no

35 se buscam as origens nas manifestaes longnquas das primeiras representaes e dos primeiros representantes da organizao do trabalho para, em seguida, acompanhar as suas vicissitudes. Mesmo porque, Bourdieu (Ibid.) mostra que pensar a histria processual, na busca das origens e das responsabilidades, alm de seus responsveis individuais ou coletivos, assumir que estes, teleolgica e premeditadamente, tiveram a inteno de configurar o campo social onde atuam da maneira que se apresenta.

Com isso, entende-se poder, novamente, questionar as perspectivas racionalistas e empiricistas da anlise histrica. No primeiro caso, ao no se assumir os desdobramentos sociais como conseqncias lgicas e previstas, de acordo com os encaixes de suas diversas variveis. Depois, porque as formas e formaes da retrospectiva so dadas pelos sujeitos de conhecimento, logo h uma necessria incluso do sujeito na pesquisa, incurso no admitida por aqueles. Nesse sentido, Bourdieu (Ibid.: 80) critica a trivialidade de certos pesquisadores, comumente presentes na administrao, afirmando que

fcil, de fato, quando se conhece a palavra final, transformar o fim da histria em fim da ao histrica, a inteno objetiva s revelada no seu termo, aps a batalha, em inteno subjetiva dos agentes, em estratgia consciente e calculada, deliberadamente orientada pela procura que acabar de advir, constituindo assim o juzo da histria, quer dizer, do historiador, em juzo final.

Ou seja, fcil dizer que ocorreram algumas transformaes causadas por determinados agentes aps o ocorrido ser analisado e construdo pelo pesquisador. O importante neste estudo , portanto, a construo de caminhos que apontem no apenas os desdobramentos histricos, mas as relaes entre as classes ou os agentes e as condies materiais e simblicas que se estabelecem neste momento de anlise. Entender a lgica das relaes em um determinado campo social construdo pelo pesquisador, nas diversas disputas ocorridas em seu interior, auxilia na superarao da teleologia das intenes lgicas encontradas a posteriori. mister compreender as medidas tomadas pelas classes identificadas em habitus e a lgica mesma do campo de ao que geram (Ibid.), a partir de seus interesses comuns ou conflitantes.

Pode-se entender, assim, como as heranas sociais expressas no habitus podem servir para interferir no campo de relaes materiais e simblicas, de modo a contribuir em sua ruptura, manuteno ou afirmao, referente aos outros agentes sociais envolvidos

36 na anlise. Se existem as relaes sociais no campo, devido sua constituio nas diferentes disputas de seus agentes, que pela aliana ou pela oposio, estruturaram o seu sentido. Assim, Bourdieu afirma que

a razo e a razo de ser de uma instituio (ou de uma medida administrativa) e dos seus efeitos sociais, no est na vontade de um indivduo ou de um grupo, mas no campo de foras antagnicas ou complementares no qual, em funo dos interesses associados s diferentes posies e dos habitus dos seus ocupantes, se geram as vontades e no qual se define e se redefine continuamente, na luta e atravs da luta a realidade das instituies e dos seus efeitos sociais, previstos e imprevistos (Ibid.: 81).

O olhar histrico neste contexto mostra a importncia da dinmica das relaes sociais que ocorrem nos campos construdos. As coisas objetivadas, como as instituies, e as coisas subjetivas, enquanto intenes e ideais, contribuem na formao dos aspectos existentes e intervenientes nas lutas sociais, estruturando espao analisado e sendo nele estruturados. Diferentemente, para Bourdieu (Ibid.), a iluso teleolgica pode levar o pesquisador a conceber os produtos das relaes socais histricas como estratgias conscientemente calculadas por seus agentes, aparecendo enquanto estratgias objetivas do habitus e que,muitas vezes, s tem sucesso devido sua inconscincia e ao seu desapego: assim que os que so bem sucedidos, em poltica ou mesmo nas artes ou na literatura, podem aparecer retrospectivamente como estrategistas inspirados, enquanto que o que era objetivamente um investimento racional pde ser vivido como uma aposta arriscada e at mesmo loucura (p. 81-2).

No campo de anlise proposto nesta pesquisa, conforme se verifica no prximo captulo, percebe-se que o mesmo ocorre. Ou seja, nas anlises histricas no campo da administrao e da administrao de pessoas, os precursores da assim chamada Escola da Administrao Cientfica so identificados como pessoas racionais e que conseguiram atingir os seus fins a partir dos meios de que dispunham, tornando a produo mais eficiente. Aqui se elucida a crtica de Bourdieu a este tipo de histria processual ou teleolgica e de busca dos responsveis ou estrategistas , esquecendo-se dos determinantes materiais e simblicos que possibilitaram tais configuraes. Romper com esta falsa lgica histrica auxilia na desmistificao dos primordiais pensadores da escola de administrao e, por conseguinte, dos tericos de recursos humanos.

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Entretanto, no se pode furtar da anlise dos interesses envolvidos nas teorizaes das tcnicas de organizao do trabalho, desenvolvidas e empreendidas pelos homens de negcio e acadmicos do incio do sculo XX. A despeito dos caminhos tomados pela histria do campo das relaes de trabalho e de recursos humanos, havia agentes produtores de tcnicas administrativas, alm daqueles que as aplicavam e dos que as operavam, fato que sustentava e reproduzia o sistema de trocas simblicas das teorias e mentalidades, por exemplo, e materiais os efeitos do capitalismo em si. Em termos conceituais, pode-se entender este sentido de pertencer a um determinado campo de relaes sociais com sendo a illusio10. Ou seja, aquilo que a pertena a um campo exige e produz, exclui o cinismo, e os agentes quase nunca dominam explicitamente aqueles mecanismos cujo domnio prtico a condio do seu xito (Bourdieu, ibid.: 82).

No h possibilidades, contudo, de analisar os interesses dos agentes pertencentes quele momento histrico, seno pelas suas produes tericas e as relaes de trabalho que pretendiam construir. Isso no quer dizer que resta entender as estratgias e as relaes entre os agentes em um determinado contexto scio-econmico para construo da objetividade e da verdade do campo. Bourdieu (Ibid.) sumariza as intenes polticas, aqui apropriadas, ao afirmar que recorrer noo de estratgia auxilia no rompimento com a iluso das prticas desinteressadas, muitas vezes utilizadas para justificar as estruturas sociais vigentes, e tambm com todas as formas de mecanicismo ainda que se tratasse do mecanicismo finalista do Deus in machina1110 1) Devemos elucidar a "illusio como essa maneira de estar no mundo" que emerge de ser de um certo Loq J. D. Wacquant; 2) Interesse; e 3) L'illusio comme adhsion immdiate la ncessit d'un champ a d'autant moins de chances d'apparatre la conscience qu'elle est mise en quelque sorte l'abri de la discussion : au titre de croyance fondamentale dans la valeur des enjeux de la discussion et dans les prsupposs inscrits dans le fait mme de discuter, elle est la condition indiscute de la discussion... L'illusio n'est pas de l'ordre des principes explicites, des thses que l'on pose et que l'on dfend, mais de l'action, de la routine, des choses que l'on fait, et que l'on fait parce qu'elles se font et que l'on a toujours fait ainsi. Tous ceux qui sont engags dans le champ, tenants de l'orthodoxie ou de l'htrodoxie, ont en commun l'adhsion tacite la mme doxa qui rend possible leur concurrence et lui assigne sa limite : elle interdit de fait la mise en question des principes de la croyance, qui menacerait l'existence mme du champ. Aux questions sur les raisons de l'appartenance, de l'engagement viscral dans le jeu, les participants n'ont rien rpondre en dfinitive, et les principes qui peuvent tre invoqus en pareil cas ne sont que des rationalisations post festum destines justifier, pour soi-mme autant que pour les autres, un investissement injustifiable (Mditations pascaliennes, Seuil, 1997:122-3). 11 Operador mecnico de finalidade causa final capaz de justificar tudo, e com menor custo, sem nada explicar: dentro desta lgica, que a da mitologia, s grandes figuras alegricas da dominao s se podem opor outras personificaes mticas, tais como a classe operria, o Proletariado, os Trabalhadores, at mesmo as Lutas, encarnao do Movimento social e das frias de vingana. O Aparelho pode

38 no implica o regresso a uma forma ingnua de finalismo (e de interacionismo) (p. 82).

O cinismo a que o autor se refere essa pseudoforma encontrada pelo agente para poder agir e conduzir a vida sem que lhe impinjam crticas quanto aos resultados de sua dominao ou submisso. como se as suas aes fossem despretensiosas, desinteressadas e tudo ocorresse como que naturalmente a mando de alguma instituio, Aparelho ou outro elemento reificado que conduz a sua ao. Novamente, Bourdieu coloca os agentes sociais em seus lugares e supera as suas iluses assumidas ou no, conscientes ou no, de modo a romper com a ideologia tanto do pesquisador quanto dos pesquisados, no caso da cincia, e dos agentes no mundo do trabalho, no caso das relaes sociais ora estudadas.

Para Bourdieu (Ibid.), a pesquisa histrica assim repensada traz para o debate tanto as estruturas objetivadas quanto o agente, conquanto de maneira distinta da teleologia. Esquecem-se os grandes homens vontades particulares ou as foras coletivas determinismos estruturais rompendo-se com o pessimismo histrico, por um lado, e com o evolucionismo histrico, por outro. Convergente a isso, Lvi-Strauss (1970) prope a noo de diacronia ou como veio a ser, para analisar os desdobramentos materiais e simblicos nas relaes sociais especficas ao objeto de estudo, de modo a se estabelecerem as relaes sintagmticas relaes internas que o engendraram.

Corroborando essa afirmao, Bourdieu (Ibid.: 82) assume que

basta observar que toda a ao histrica pe em presena dois estados da histria (ou do social): a histria no seu estado objetivado, quer dizer, a histria que se acumulou ao longo do tempo nas coisas, mquinas, edifcios, monumentos, livros teorias, costumes, direito, etc., e a histria no seu estado incorporado, que se tornou habitus. Aquele que tira o chapu para cumprimentar reativa, sem saber, um sinal convencional herdado da Idade Mdia (...).

Assim, a histria objetivada no surge das pretenses e intenes unitrias ou coletivas, mas de uma construo que cria, destri e recria material e simbolicamente as suas estruturas. A histria incorporada no se traduz na aquisio consciente de idias e

funcionar como um Deus ex machine, consoante o humor ideolgico, bom ou mau funcionalismo (Bourdieu, 2003:75).

39 valores pelos agentes, mas em habitus que nasce de uma relao dialtica com a histria objetivada. Se os agentes conhecem ou no, reconhecem ou no, a origem de suas diversas aes e intenes, no os impedem de agir e pensar de determinada maneira uma vez que o faro em uma lgica coletivamente construda, ou seja, de acordo com seu habitus. Pensar nos agentes sociais , neste sentido, portanto, levantar questes acerca das incorporaes realizadas no campo social analisado e que estrutura a sua dinmica, indo para alm deste, conforme sublinhou o autor.

Para ilustrar a construo do estudo da administrao enquanto campo de conhecimento, pode-se remeter, conforme apontamos anteriormente, ao comeo do sculo XX quando se passa a sistematizar e estipular procedimentos tcnicos ao trabalho. Surgem, assim, os pioneiros da racionalizao do trabalho e, como em muitos aspectos suas idias eram semelhantes, ficaram conhecidos como fundadores da Escola de Administrao Cientfica ou Escola Clssica (MOTTA, 1977: 3).

O que os seus representantes, tais como Henry Ford, Friedrich Taylor, Henri Fayol, Lilian Gilbreth, Henry Gantt, entre outros, pretendiam era, a partir do raciocnio teleolgico, atingir a maior eficincia de acordo com os recursos disponveis, de modo a produzir em massa e vender a baixo custo. Nesse sentido, o pensamento central dessa escola pode ser resumido na afirmao de que algum ser um bom administrador medida que planejar cuidadosamente seus passos, que organizar e coordenar racionalmente as atividades de seus subordinados e que souber comandar e controlar tais atividades (Ibid.: 4).

No campo ideolgico, os autores acima relacionados eram influenciados pela concepo do homem comoum ser eminentemente racional e que ao tomar uma deciso conhece todos os cursos de ao disponveis, bem como as conseqncias da opo por qualquer um deles. Pode, assim, escolher sempre a melhor alternativa e maximizar os resultados de sua deciso. Segundo essa escola, f-lo em termos de lucros, sendo, portanto, os valores do homem tidos, previamente, como econmicos (Ibid.: 6).

Motta descreve, de maneira apropriada, o local apreendido ou habitus de onde aqueles homens de negcio falavam e agiam, a fim de, estrategicamente, divulgar e implantar a

40 sua viso de mundo. Entretanto, no nos apresenta as determinaes materiais de tal pensamento, mas as simblicas ou ideolgicas.

Fica, com isso, a impresso de que a histria se forma pela relao que Durkheim descreve, funcionalmente, quando traz o conceito de coero social sobre os indivduos. Ou seja, cada indivduo possui uma determinao cultural que lhe dir o que fazer e o que ser em sua vida. Entretanto, tal argumentao, no limite, justificaria a posio social de cada um e a sua funo na diviso do trabalho social, conforme ver-se- a seguir. Talvez, retornar-se-ia ao cinismo de que se tenta escapar na anlise desta pesquisa. Assim, Bourdieu (Op. cit.: 82-3) analisa que a

exata atualizao da histria conseqncia do habitus, produto de uma aquisio histrica que permite a apropriao do adquirido histrico. A histria no sentido de res gestae constitui a histria feita coisa a qual levada, atuada, reativada pela histria feita corpo e que no s atualiza como traz de volta aquilo que a leva (segundo a dialtica do levar e do ser-levado (...)). Do mesmo modo que o escrito s escapa ao estado de letra morta pelo ato da leitura o qual supe uma atitude e uma aptido para ler e para decifrar o sentido nele inscrito, tambm a histria objetivada, instituda, s se transforma em ao histrica, isto , histria atuada e atuante, se for assumida por agentes cuja histria a isso predispe e que, pelos seus investimentos anteriores, so dados a interessar-se pelo seu funcionamento e dotados das aptides necessrias para a por a funcionar.

Analisando este longo excerto, percebe-se que o autor coloca trs questes fundamentais para a incurso histrica nesta pesquisa. Primeiramente, ele suprime a reificao constantemente utilizada para justificar os acontecimentos, como a histria fez, a histria mostra etc., ao afirmar que os acontecimentos so produto da reativao da histria pelos agentes, de acordo com seu habitus. Em seguida, assume a necessidade de um motor que transforme as relaes sociais e que seja transformado por ele. Assim, ressalta que no qualquer conjunto de agentes que travar uma relao dialtica com a histria objetivada para funcion-la, mas aqueles que estiverem em condies para tal. Aqueles que possurem, portanto, capitais simblico ou econmico reconhecidos no campo de ao como legtimos para a imposio da viso de mundo, tornando-se, conseqentemente, a classe dominante. Isso implica, finalmente, no reduzir as relaes histricas ao funcionalismo anteriormente apontado em Durkheim e algures. Contrariamente, a histria incorporada conter a histria objetivada quando houver o reconhecimento entre elas e uma for, sem mediaes, a estrutura estruturante da outra.

41 Na passagem ilustrativa acima de referncia aos agentes da Escola Cientfica, pode-se entender esta colocao ao consider-los representantes de uma classe possuidora dos capitais, portanto, dos instrumentos de produo material e simblica, e herdeiros de um habitus que lhes forneceram as condies de, em seus meios ou habitat, impor a sua viso de mundo ao conjunto das sociedades que aderiram, por exemplo, ao tipo de produo em srie e s relaes de trabalho com base na Administrao Cientfica.

Quanto herana e possesso dos capitais necessrios manuteno dos agentes no jogo ou mesmo para a sua dominao, cabe-se fazer maiores mediaes. Bourdieu (Ibid.: 83-84), para tanto, afirma que

a relao originria com o mundo social a que estamos acostumados, quer dizer, para o qual e pelo qual somos feitos, uma relao de posse, que implica a posse do possuidor por aquilo que ele possui. Quando a herana se apropriou do herdeiro, como diz Marx, o herdeiro pode apropriar-se da herana. E esta apropriao do herdeiro pela herana, esta apropriao* do herdeiro herana, que a condio da apropriao da herana pelo herdeiro (e que nada tem de mecnico nem de fatal), realiza-se pelo efeito conjugado dos condicionamentos inscritos na condio do herdeiro e da ao pedaggica dos predecessores, proprietrios apropriados.

Mais uma vez, o conceito de habitus elucida essa passagem. Posto que havendo um sentimento de adequao, e no de estranhamento, a um lugar ou a uma condio, material ou simblica, os diversos sujeitos agem em conformidade sua posio no campo social analisado. As histrias incorporadas e objetivadas refletem uma a outra, pois as relaes sociais, embora dinmicas, engendram as condies para a continuidade do sentido de pertena, dado que, pedagogicamente, outros herdeiros da histria transmitem a herana incorporada.

Tal herana, carregada de histria reificada, atua no herdeiro da mesma maneira que se transforma por ele. A sua continuidade condicionada no pela sua imutabilidade, posto que talvez isso a levasse perda de seu sentido. Mas, do contrrio, de sua adequao aos futuros herdeiros, que a redimensionaro e re-signific-la-o dadas as novas estruturas de relaes sociais. Assim como o mito constantemente atualizado nas diferentes relaes sociais dos seus agentes com outros estrangeiros12, sendo transmitido*

Acomodao a ou adequao a. Se no fosse desta maneira, a ca