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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
COMPARAÇÃO DE RENDIMENTOS ENTRE MULHERES QUE TRABALHAM NO COMÉRCIO NA FRONTEIRA ENTRE AS CIDADES GÊMEAS DE CORUMBÁ (BRASIL) E PUERTO QUIJARRO E PUERTO
SUAREZ (BOLÍVIA)
Dirce Sizuko Soken1
Resumo: Este artigo tem o propósito de observar a dinâmica espacial das cidades-gêmeas de Corumbá (estado de Mato Grosso do Sul/Brasil) e Puerto Quijarro e Puerto Suarez (cidades da província de Gérman Bush/Bolívia) mediante as relações entre rendimento, idade, escolaridade e jornada de trabalho de mulheres que trabalham no comércio varejista. O referencial teórico-metodológico desta pesquisa pretende iluminar o debate sobre a geografia e o gênero e, mais precisamente à análise a qual nos propomos que se trata de entender como a região de fronteira impacta nas relações de trabalho. O levantamento de informações ocorreu mediante entrevistas e aplicação de questionário complementado pelas leituras bibliográficas. No intuito de analisar como a mão de obra feminina contribui para a organização e produção do espaço de fronteira internacional, buscamos a definição teórica e metodológica dos circuitos espaciais da economia urbana de Milton Santos (1979). Os resultados obtidos apontaram os seguintes fatores discriminatórios de renda, como: maior preferência por mulheres jovens; predomínio de mulheres com elevado nível de escolaridade e baixa remuneração da mão-de-obra. Esta pesquisa recebe apoio institucional de Universidade de São Paulo e Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Palavras-Chave: Gênero; Renda; Fronteira.
Introdução
O recorte geográfico deste estudo está delimitado pelas cidades-gêmeas localizadas na
fronteira internacional entre o Brasil e a Bolívia. Elegemos do lado brasileiro a cidade de Corumbá
no estado de Mato Grosso do Sul e do lado boliviano as cidades da província de German Bush,
Puerto Quijarro e Puerto Suarez.
A fim de caracterizar as cidades gêmeas e evidenciar a importância de estudos sobre a
fronteira, Machado (2005) esclarece que:
estes adensamentos populacionais, cortados pela linha de fronteira, seja esta seca ou fluvial, articulada ou não por obra de infraestrutura, apresentam grande potencial de integração econômica e cultural assim como manifestações localizadas dos problemas característicos da fronteira. (Machado, 2005, p.274)
A partir de referenciais teórico-metodológicos dos circuitos urbanos, pretendemos entender
o dinamismo desta localidade que chama nossa atenção para alguns aspectos relacionados à divisão
sexual do trabalho, tal como o uso da mão-de-obra feminina nas atividades do comércio de varejo e
de serviços pessoais e públicos.
1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de São Paulo e professora assistente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Brasil.
2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
Metodologia
O roteiro de entrevistas e aplicação do questionário de pesquisa seguiu a atual divisão
política das cidades gêmeas, Corumbá, Puerto Quijarro e Puerto Suarez, e foram aplicados em
locais de maior concentração de comércio de características “fronteiriças”, ou seja, foram abordadas
mulheres brasileiras e bolivianas que atuam em atividades comerciais na área de fronteira. Dessa
forma, delimitamos as seguintes áreas comerciais de acordo com as características dos dois circuitos
urbanos.
Na cidade de Puerto Quijarro realizamos levantamento de informações em três localidades
específicas, segue a descrição abaixo:
Circuito Superior (o consumo especializado no turismo de compras).
• O Shopping Comercial de Puerto Aguirre2 criado em 21 de fevereiro de 1991, situado na
área portuária de 206 hectares sobre o Canal do Tamengo, denominado de Puerto Aguirre, este é o
primeiro porto boliviano com saída para o mar através dos rios Paraguai e Paraná. Conforme
entrevista com a administradora do Shopping, salienta que dos 44 lojistas, cerca de 80% são
empresários brasileiros, os demais são paraguaios, indianos, bolivianos e outros;
• Comércio de importação de produtos direcionados para o turismo de compras localizado na
avenida Luis Salazar de La Vega.
I) Circuito Inferior (o consumo voltado para a revenda de produtos – agente principal a
“sacoleiras”)
• O Centro Comercial 12 de Octubre, localizado em Arroyo Concepción3 foi fundado em 12
de outubro de 19804 com aproximadamente 260 associados. Essa comunidade está a 4 km de
Corumbá e 645 km de Santa Cruz de La Sierra, capital do departamento boliviano.
A cidade de Puerto Suarez, capital da província de German Bush, está 15 km da fronteira
entre Brasil e Bolívia e tem duas localidades de distribuição de produtos, ambas estão situadas na
avenida Bolívar a principal via de circulação da cidade. Classificamos o comércio de ambulantes do
2 Puerto Aguirre situado na província de Gérman Bush possui aproximadamente uma população de 2000 habitantes. Acesso em 24/09/2008, www.puertoaguirre.com 3 Arroyo Concepción fundada em 1936 foi criada pelo Decreto Lei 2330 de 15 de fevereiro de 2002 e está localizada na Segunda Seção Municipal de Puerto Quijarro e tem aproximadamente 5000 habitantes. (POÑEZ, Maria Lourdes Viera. “Los cuentos, fábulas, historias, adivinanzas, chistes, trabalengas como estrategias pra el mejoramiento de la expresión oral y escrita, em la Unida Educativa “Resguardo” em la gestión 2007”. Monografia de conclusão de graduação. Universidad Adventista de Bolívia. Puerto Quijarro, 2007.) 4 Conforme entrevista realizada em 20/09/2008 com o Sr. Jaime Merúvia, presidente do Centro Comercial 12 de
octubre
3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
Mercado Municipal “Nuestra Señora El Carmen” como Circuito Inferior e o principal comércio
varejista e atacadista da cidade como Circuito Superior.
Em Corumbá elegemos duas áreas de comércio, são elas:
I) Circuito Superior (consumo de classe média e abastadas)
• O centro comercial da cidade de Corumbá se concentra no quadrilátero das ruas 13 de junho,
Frei Mariano, Delamare e 15 de novembro, que segundo registros da Associação Comercial de
Corumbá o total de comerciantes associados soma 140, sendo 23% constituídos por comerciantes
mulheres5.
II) Circuito Inferior (consumo de produtos necessários e/ou úteis para a população pobre)
• A feira Brasil e Bolívia -“Brasbol” situada na rua Edu Lobo6 é uma associação de
comerciantes criada na década de 1990 que totalizam 136 associados.
Para analisar o rendimento pessoal utilizamos as faixas de salários mínimos que variam
entre menos que 01 SM até acima de 10 SM. Os ramos do comércio varejista pesquisados foram:
alimentação, vestuário, calçados, fármaco e cosméticos, móveis e eletrodomésticos, concessionárias
de veículos e motos, relojoaria, material de construção e livraria, no período de 15 a 23 de março de
2013. Foram entrevistadas ao todo 102 mulheres entre 12 a 62 anos. As entrevistas foram
concedidas de forma voluntária e espontânea no próprio local de trabalho.
No que diz respeito ao nível de rendimento pessoal, verificamos diferenças entre o valor
nominal do salário mínimo nas localidades pesquisadas. Ao abordar as comerciantes sobre o valor
do salário mínimo, foram levantados os seguintes valores: no Centro Comercial 12 de octubre o
salário mínimo médio é de BO$ 400,00 (quatrocentos bolivianos), no Shopping Puerto Aguirre o
valor médio varia entre BO$ 900,00 (novecentos bolivianos) a BO$ 1.000,00 (mil bolivianos). Em
Corumbá o salário mínimo é de R$ 678,00.
Características dos dois circuitos da economia urbana das cidades-gêmeas da Fronteira entre
Brasil e Bolívia: Corumbá (MS) e Puerto Quijarro e Puerto Suarez (Província de German
Bush)
5 Coleta de dados do mês de novembro de 2009. 6 No momento da pesquisa a feira Brasbol estava localizada na rua Edu Lobo, ou como é conhecida pela população local atrás do cemitério da cidade. No entanto, uma nota da prefeitura divulgada pela imprensa local a feira foi interditada e pode ser transferida para o antigo prédio do mercado municipal.
4 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
Em termos gerais, podemos dizer que uma das características norteadora da dinâmica dos
circuitos econômicos das cidades de fronteira refere-se as atividades comerciais que são frutos de
investimentos duplicados, pois muitos empresários atuam nos dois lados da fronteira. Esta situação
é comum em regiões de fronteira uma vez que as pessoas atravessam diariamente as fronteiras
nacionais e criam arbitragens oportunistas, ou seja, possibilitam o uso dos diferenciais políticos e
econômicos existentes nas relações de fronteiras internacionais7.
Nesta zona de fronteira8 as atividades ditas “impuras” do circuito superior, responsáveis pela
organização deste espaço fronteiriço são do ramo da indústria de exportação de produtos minerais,
como ferro, manganês e cimento, e outra do ramo do comércio de exportação e importação, com
destaque de dois produtos: a soja e o gás natural da Bolívia.
O transporte e o setor de atacado, enquanto atividades do circuito superior do tipo “mista”
desempenham um importante papel na economia urbana das cidades-gêmeas da fronteira, são
elementos que garantem a circulação de pessoas e mercadorias entre os dois circuitos econômicos, e
podem criar uma possibilidade de especialização produtiva nestas áreas fronteiriças. Conforme
explica Santos (2012, p.57), “quanto maior a inserção de ciência e tecnologia, mais um lugar se
especializa, mais aumenta o número, intensidade e qualidade dos fluxos que chegam e saem de uma
área.”
Observamos que nestas cidades de fronteira as atividades econômicas estão direcionadas
para um determinado fluxo de negócios de ordem internacional, vinculados aos circuitos comerciais
mais dinâmicos, como por exemplo, o comércio de produtos eletroeletrônicos e perfumarias
procedentes de mercados de importações como o Chile, Peru e Estados Unidos, além da produção
de vestuário cruzeña e de outras cidades do altiplano boliviano. E em contrapartida estabelece outro
fluxo de turistas e “sacoleiras” provenientes de várias localidades do Brasil e Bolívia que se
deslocam em massa até a fronteira.
As atividades do comércio varejista nestas cidades da fronteira são as mais praticadas
principalmente por mulheres bolivianas e, também com significativa relevância, pelas mulheres
descendentes de árabes. A explicação desta divisão do trabalho se deve a dois fatores: sexual e
tradição familiar. Os homens bolivianos rejeitam o trabalho no comércio varejista e se justificam
7 Segundo em Steiman & Machado (2002. p.13), “Mais difíceis de mensurar, devido à relativa imobilidade comparada à alta mobilidade dos trabalhadores, são os fluxos de capital. Sujeita a variações conjunturais constantes, induzidas pelas diferentes políticas econômicas e cambiais de cada país, a zona de fronteira” 8 Conforme o Ministério da Integração, “o conceito de zona de fronteira aponta para um espaço de interação, uma paisagem especifica, um espaço social transitivo, composto por diferenças oriundas da presença do limite internacional, e por fluxos e interações transfronteiriças, cuja territorialidade mais evoluída é a das cidades-gêmeas”. Acessado em 29/10/2006 www.igeo.ufrj.br/gruporetis/programafronteira/tiki-index.php?page=FAIXA+E+ZONA+DE+FRONTEIRA
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pela capacidade das mulheres de realizar boas vendas. E o motivo da tradição familiar se explica
pela formação do comércio na fronteira que esteve vinculado a história da migração de palestinos,
libaneses e jordanianos para este lado do Brasil.
Desta forma, com base na pesquisa de campo, podemos apontar que o comércio varejista
dos dois circuitos das cidades de fronteira é intensivo em uso de mão-de-obra de mulheres
migrantes e a característica elementar que o diferencia entre circuito superior e circuito inferior diz
respeito à relação de trabalho, no primeiro prevalece o regime de assalariamento, enquanto que no
segundo é mais comum o trabalho familiar. E até o momento, registramos a presença em massa de
mulheres no comércio de vestuário feminino e em particular no circuito inferior de ambas as
cidades.
Segundo Milton Santos (1979, p.168) a explicação sobre a pulverização da atividade do
comércio no circuito inferior têm conteúdos geográficos e socioeconômicos, por um lado, as
pessoas de baixo poder aquisitivo compram no próprio bairro, o custo do deslocamento as impedem
que compre no comércio moderno geralmente localizado no centro ou nos arredores da cidade; por
outro lado, a capacidade de compra destas pessoas as possibilita a adquirir pequenas quantidades de
produtos, mas as condições de crédito oferecidas pelo pequeno varejo é o que favorece a
manutenção dessa atividade.
Outro elemento fundamental para o funcionamento das atividades dos circuitos da economia
urbana da fronteira é o uso de várias moedas. Neste espaço fronteiriço a circulação de mais de uma
moeda torna-se uma necessidade vital para os negócios dos dois circuitos urbanos. Pois, as
variações cambiais do mercado de moeda local favorecem a manutenção dos preços dos produtos
em nível de concorrência frente aos mercados mais competitivos.
No caso do circuito inferior, o uso destas três moedas Real, Dólar e Peso Boliviano
necessário para as transações diárias nesta fronteira é um dos elementos utilizados pelas mulheres
comerciantes para suprir a carência de capital de giro. Uma das formas de financiamento mais
comum trata-se da conversão das moedas, pois as comerciantes bolivianas adotam como preços de
venda a moeda brasileira (Real) em contrapartida realizam pagamentos aos fornecedores em moeda
boliviana (Peso) que é três vezes menos valorizado9 que o Real. E pelo fato da moeda americana
(Dólar)10 circular mais intensivamente no circuito superior das cidades bolivianas, sua apreciação
resulta em maior fluidez de moedas correntes nestas localidades, tanto de Reais como de Pesos, e
que por sua vez, eleva o poder de barganha das comerciantes do circuito inferior. 9 A taxa de câmbio da moeda boliviana está em R$ 0,33 conforme consulta ao Banco Central do Brasil em 08/07/2013. 10 A moeda americana está cotada em R$ 2,26 (reais) e Bo$ 6,86 (pesos bolivianos), conforme BACEN em 08/07/2013.
6 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
Comparativo de rendimentos das mulheres que trabalham no comércio varejista nas cidades-
gêmeas de Corumbá, Puerto Quijarro e Puerto Suarez.
Realizamos a análise comparativa dos rendimentos através da caracterização dos circuitos
urbanos a partir de variáveis populacionais (faixa etária e nível de escolaridade) e de organização do
trabalho (hierarquia funcional, experiência profissional e jornada de trabalho).
A partir da relação entre a faixa etária feminina e as cidades dos circuitos urbanos
observamos a empregabilidade da mão-de-obra entre mulheres jovens e idosas. Com base na
pesquisa de campo, podemos dizer que tanto o circuito superior e quanto o inferior de Corumbá
encontra-se na faixa etária mínima de 20 a 24 anos. Mas, quando comparamos a idade máxima, a
força de trabalho feminina do circuito superior está na faixa de 35 a 39 anos e do circuito inferior é
de 40 a 49 anos.
Já nas cidades bolivianas a relação é inversa, pois a faixa etária mínima do circuito inferior
começa a partir de 15 a 19 anos e do circuito superior a mínima é a partir de 25 a 29 anos. Em
relação a idade máxima tanto do circuito superior quanto do inferior é de 40 a 49 anos.
Gráfico 01 – Circuitos urbanos e faixa etária. Elaboração: autora. Fonte: Pesquisa de campo no mês de março de 2013
Com relação a experiência profissional encontramos 66 mulheres com experiência anterior
de trabalho remunerado e 36 sem experiência. E entre aquelas que tiveram experiência na atividade
comerciária somam 32 e as demais com experiência em outras atividades totalizam 34.
Cerca de 60% das mulheres que trabalham no comércio varejista do circuito superior de
Corumbá tinham experiência na atividade, o que demonstra uma certa rigidez na contratação neste
circuito. (Ver gráfico 02)
Em contrapartida, mais de 50% que se encontram distribuídas nos demais circuitos de
Corumbá e nas cidades vizinhas da fronteira tiveram experiência profissional em outras áreas, o que
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implica em dizer que as atividades comerciais dos dois circuitos das cidades bolivianas, bem como
do circuito inferior de Corumbá, abriga uma dezena de profissionais sem experiência no comércio
varejista que encontra nas atividades de revenda de produtos sua nova fonte de renda, são elas:
empregadas domésticas, babás, diaristas, cozinheiras, camareiras, cabeleireiras, profissionais da
área de informática, telecomunicação, fotografia e dos serviços públicos.
Gráfico 02 – Experiência anterior remunerada e circuitos urbanos das cidades-gêmeas da fronteira entre Brasil e Bolívia. Elaboração: autora. Fonte: Pesquisa de campo no mês de março de 2013.
Considerando as características do circuito inferior, Santos (1979, p.164) esclarece que “o
comércio ocupa um número considerável de pessoas. Em parte pode-se explicar isso pelo fato de
que para entrar nessa atividade só se tem necessidade de pequena soma de dinheiro (...) não é
necessário ter experiência e é fácil escapar ao pagamento de impostos.”
Desta forma, constatamos na pesquisa de campo que o comércio varejista do circuito
inferior das cidades-gêmeas da fronteira é de fácil entrada, pois o crescimento deste tipo de
comércio está sustentado por produtos de significativo valor de uso e, principalmente, são
revendidos abaixo do preço de mercado.
E quanto ao nível de organização do mercado de trabalho das cidades-gêmeas da fronteira,
observamos que no circuito superior o regime de trabalho assalariado é a relação de trabalho
predominante e devido à complexidade e ao volume comercializado deste comércio, que é
especializado e direcionado a uma determinada demanda, sua organização é burocratizada, portanto
há maior hierarquia funcional, o que implica em maior especialização da mão-de-obra.
Embora a função de vendedora/atendente é mais significativa entre as mulheres totalizando
47% em relação ao circuito superior das cidades-gêmeas, outras funções como de gerente geral e
caixa representam 8% e 14% respectivamente.
Entre as outras funções realizadas, é interessante observarmos que o circuito superior de
Corumbá têm 26% das mulheres com funções que vão do geral ao específico, como: gestão de
8 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
recursos humanos, auxiliar administrativo, auxiliar de serviços gerais, recepcionista, supervisora,
setor de compras, setor de crediário, consultora de moda e consultora dermatológica.
No que se refere a relação de trabalho no comércio do circuito inferior podemos dizer que a
base é familiar e, portanto, desburocratizada. Constatamos que a organização do mercado de
trabalho é primitiva, que implica em dizer que a remuneração da mão-de-obra é descontínua e com
valores monetários indeterminados. Para tanto, Santos (1979, p.172) explica que a relação de
trabalho familiar no circuito inferior é comum, pois possibilita aumentar a produção sem aumentar
os encargos sociais e impostos, ou seja, sem aumentar a rigidez, uma vez que a demanda neste
circuito é flutuante.
Além disso, podemos observar que o mercado de trabalho do circuito inferior das cidades-
gêmeas é precário, pois com base no levantamento de dados a campo verificamos que 35 mulheres
cerca de 73% realizam jornada de trabalho de 9 a 12 horas, enquanto que no circuito superior
encontramos o total de 11 mulheres que representam 27%. E aquelas que cumprem a jornada de 13
a 18 horas diariamente totalizam 12 trabalhadoras, se concentram no circuito inferior. Em
contrapartida, as que trabalham abaixo de 8 horas totalizam 45 mulheres (80%) do circuito superior,
enquanto que apenas 11 mulheres, ou seja, 20% se encontram no circuito inferior. (Ver gráfico 03)
Gráfico 03 – Jornada de trabalho e a hierarquia funcional do comércio das cidades-gêmeas da fronteira entre Brasil e Bolívia. Elaboração: autora. Fonte: Pesquisa de campo no mês de março de 2013.
9 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
A partir da relação entre nível de escolaridade das mulheres e os circuitos urbanos das
cidades-gêmeas podemos perceber a dinâmica do mercado de trabalho. Parafraseando Santos (1979,
p.162), há atividades que vão exigir mais qualificação e capital, outras nem qualificação e nem
capital.
Conforme as observações anteriores, assim como a hierarquia funcional é importante para a
estruturação do mercado de trabalho, podemos ressaltar também que o nível de escolaridade das
mulheres pode aumentar a dinâmica das atividades dos circuitos urbanos.
No entanto, o nível de escolaridade da mão-de-obra do circuito inferior segundo Santos
(1979, p.161) tem pouca importância, pois “o ingresso nas atividades do circuito inferior geralmente
é fácil, na medida em que, para isso, é mais necessário o trabalho que o capital. (...) Por outro lado,
nem sempre é necessário ter frequentado uma escola (...)”.
Mas, se considerarmos que o circuito superior pode absorver parte da mão-de-obra do
circuito inferior, desta forma podemos dizer que o nível de escolaridade atual implica num potencial
aumento da mão-de-obra qualificada para todos os circuitos.
Gráfico 04 – Circuitos urbanos e nível de escolaridade. Elaboração: autora. Fonte: Pesquisa de campo no mês de março de 2013.
De acordo com a pesquisa de campo, é possível afirmar que a mão-de-obra dos circuitos
inferiores tanto do lado brasileiro quanto boliviano está em processo de qualificação, pois mais de
10% ainda não ingressaram no ensino médio; outras 20% ainda faltam concluir o ensino
fundamental; cerca de 8% estão concluindo o ensino médio e por fim, mais de 10% estão cursando
o ensino superior. (Ver gráfico 04)
Já as mulheres com melhor nível de escolaridade estão nas atividades dos circuitos
superiores de ambas as cidades. No entanto, a maioria que tem ensino médio está inserida no
circuito superior das cidades bolivianas, enquanto que em Corumbá predomina aquelas com nível
de escolaridade média e superior.
10 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
A fim de ampliar o universo pesquisado para obter mais informações sobre a expansão das
atividades dos circuitos urbanos, para além do comércio varejista, incluímos na pesquisa de campo
algumas atividades do setor de serviços.
Com base na abordagem teórica de Milton Santos sobre a dinâmica de consumo dos
circuitos urbanos, podemos perceber que os serviços pessoais e públicos são atividades tão
demandadas quanto as do comércio varejista e, principalmente, possibilitam romper as barreiras
estruturais da distribuição de renda. E segundo Santos a prestação de serviços pessoais respondem
por grande parte da ocupação da população que está no circuito inferior, que:
Devido à má distribuição das rendas, é essencialmente por intermédio dos serviços que a massa da população participa da acumulação que se realiza na cidade. (...) E é disso que vive toda uma massa de pessoas, sobretudo os recém-chegados à cidade, porque é mais fácil encontrar uma ocupação nesse setor, quando se chega sem preparo cultural ou profissional e sem recursos financeiros. (SANTOS, 1979, p.162)
Desta forma, segundo a pesquisa de campo a população feminina que está empregada no
comércio varejista e no setor de serviços no geral compreende a faixa de renda pessoal de 1 a 2
salários mínimos que representa cerca de 60% de cada setor, enquanto que a faixa de renda pessoal
de 2 a 5 salários mínimos é de 28%. (Ver gráfico 05)
Gráfico 05 – Faixa de salário mínimo e alguns setores da atividade econômica selecionados das cidades-gêmeas da fronteira entre Brasil e Bolívia. Elaboração: autora. Fonte: Pesquisa de campo no mês de março de 2013.
Conforme podemos observar, as atividades de serviços específicos e públicos possibilitam
às mulheres atingir faixas de renda superiores, pois no total de 46 mulheres do setor de serviços, 5
delas, ou seja, 10% recebem entre 5 a 10 salários mínimos e apenas 01 mulher recebe a maior faixa
salarial acima de 10 salários mínimos, em contrapartida encontramos 01 que recebe o menor
rendimento.
Considerações
11 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
No geral podemos realizar as seguintes considerações. A empregabilidade da mão-de-obra
feminina dos dois circuitos das cidades bolivianas e do circuito inferior de Corumbá é mais ampla,
ou seja, a entrada de mulheres no mercado de trabalho com a faixa etária menor é significativa, por
outro lado, esses circuitos também absorvem força de trabalho feminina com faixa etária mais
elevada. Entretanto o circuito superior de Corumbá absorve mão-de-obra mais especializada, o que
implica em maior restrição nas contratações.
A precariedade em termos de jornada de trabalho se concentra nos circuitos inferiores, pois
as mulheres precisam de mais horas de trabalho para obter rendimentos de no máximo dois salários
mínimos.
Já o fracionamento ou a especialização da mão-de-obra feminina em funções comerciais é
uma característica estrutural do mercado de trabalho do circuito superior.
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Comparison of income between women working in trade at the border between the twin cities
of Corumbá (Brazil) and Puerto Quijarro and Puerto Suarez (Bolivia)
Abstract: This article aims to observe the spatial dynamics of the twin cities of Corumbá (state of Mato Grosso do Sul / Brazil) and Puerto Quijarro and Puerto Suarez (cities of the province of Gérman Bush / Bolivia) by the relationship between income, age, education and working hours of women who work in retail. The theoretical and methodological framework of this research aims to illuminate the discussion on geography and gender, and more specifically the analysis which we propose that it is to understand how the border region impacts on labor relations. The survey information was through interviews and questionnaires supplemented by reading literature. In order to analyze how the female labor contributes to the organization and production of space international border, we seek theoretical and methodological definition of spatial circuits of the urban economy of Milton Santos (1979). The results showed the following income discriminatory factors such as: stronger preference for young women; predominance of women with high education level and low pay that hand labor. Keywords: Gender, Income, Frontier.