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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
DEPARTAMENTO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS
CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUÊS - INGLÊS
CAMILLE CHIQUETTI
COMPARAÇÃO ENTRE PROPAGANDAS DE PRODUTOS INFANTIS
DA DÉCADA DE 80 COM OS DIAS ATUAIS: UM ESTUDO À LUZ DA
ANÁLISE DO DISCURSO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
CURITIBA
2015
CAMILLE CHIQUETTI
COMPARAÇÃO ENTRE PROPAGANDAS DE PRODUTOS INFANTIS
DA DÉCADA DE 80 COM OS DIAS ATUAIS: UM ESTUDO À LUZ DA
ANÁLISE DO DISCURSO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à
obtenção do título de Licenciando em Letras Português-Inglês, do Departamento
de Linguagem e Comunicação e do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas, da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Paula Ávila Nunes
CURITIBA
2015
TERMO DE APROVAÇÃO
COMPARAÇÃO ENTRE PROPAGANDAS DE PRODUTOS INFANTIS DA DÉCADA
DE 80 COM OS DIAS ATUAIS: UM ESTUDO À LUZ DA ANÁLISE DO DISCURSO
por
CAMILLE CHIQUETTI
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi apresentado em vinte e quatro de
novembro de dois mil e quinze como requisito parcial para a obtenção do título de
Licenciado no curso de Letras Português/Inglês. A candidata foi arguida pela Banca
Examinadora composta pelos professores abaixo assinados. Após deliberação, a
Banca Examinadora considerou o trabalho aprovado.
____________________________________
Paula Ávila Nunes
Professora orientadora
____________________________________
Maria de Lourdes Rossi Remenche
Membro titular
____________________________________
Carolina Fernandes da Silva Mandaji
Membro titular
- O Termo de Aprovação assinado encontra-se na Coordenação do Curso -
Ministério da Educação
UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
Campus Curitiba Departamento Acadêmico de Comunicação e Expressão
Departamento Acadêmico de Letras Estrangeiras Modernas
Curso de Graduação em Letras Português/Inglês
Dedico este trabalho à minha avó
materna(in memorian), pelos momentos de apoio e por sempre ter acreditado em
mim.
AGRADECIMENTOS
À toda minha família pelo apoio nos momentos difíceis, pela compreensão
nos momentos de ausência, em especial aos meus pais Simone Chiquetti Godoy e
Maurício Godoy pelo exemplo de força e determinação, sempre me incentivando e
dando suporte em todos os momentos.
Aos meus amigos que me acompanharam em todo o processo acadêmico
sempre me incentivando, oferecendo apoio, carinho e compreensão.
Ao Guilherme, pelo companheirismo, compreensão e pelos momentos de
amparo nos momentos de insegurança durante este percurso.
À Prof.ª Dr.ª Paula Ávila Nunes pela orientação durante este processo, pela
paciência, pela ajuda nos momentos mais difíceis, esclarecendo todas as dúvidas e
principalmente por ajudar este trabalho a se concretizar e fazer parte desta
pesquisa.
À Prof.ª Dr.ª Maria de Lourdes Rossi Remenche e à Prof.ª Dr.ª Carolina
Fernandes da Silva Mandaji por comporem a banca e participarem da leitura crítica
desta pesquisa, pelas observações e sugestões.
“Estou convencido que se não se visse as pessoas mexerem os lábios, não se
saberia quem fala em uma sociedade, da mesma forma pouco se saberia qual é o
objeto real em um perfeito quarto de espelhos”.
Georg Christoph Lichtenberg
RESUMO
CHIQUETTI, Camille. Comparação entre propagandas de produtos infantis da década de 80 com os dias atuais: um estudo à luz da Análise do Discurso.2015.
Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Letras Português – Inglês) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, 2015.
Toda propaganda publicitária tem por objetivo reproduzir um discurso ideológico
para atingir seus expectadores. Em sua grande maioria, esses meios publicitários têm como suporte para tal fim texto e recursos imagéticos, que servem como agentes principais da propagação do discurso. Por ter uma veiculação abrangente, a
publicidade, por meio desses recursos, reproduz e constrói representações de uma sociedade no público-alvo para que consumam, e isso acontece, inclusive, com
crianças, que, cada vez mais, têm sido alvo de peças publicitárias. Ao levarmos em consideração o processo de construção de identidade e do pensamento crítico infantil por intermédio da interação sociedade-família, nota-se que as representações
do que é ser criança presentes nas peças publicitárias podem influenciar o processo de formação da criança por meio dos discursos que a elas chegam. Assim, será
realizada uma análise discursiva de peças publicitárias destinadas ao público infantil na década de 80, em comparação com outras, de produtos similares, veiculadas nos dias atuais, resultando em uma comparação entre as partes. Pretende-se observar
se houve mudanças na forma como tais peças veiculam seus discursos e, principalmente, como esses discursos se modificaram (ou não) ao longo das últimas
três décadas.
Palavras – Chaves: Publicidade. Público Infantil. Análise do Discurso.
ABSTRACT
CHIQUETTI, Camille. Comparison of children’s products advertisements from the 80s to current day: A glance at Discourse Analysis.Trabalho de Conclusão
de Curso (Licenciatura em Letras Português – Inglês) - Federal Technology University - Parana. Curitiba, 2015.
All publicity aims to produce an ideological discourse to reach the audience. For the
most part, publicity is supported by advertising for such purpose text and pictorial resources, which serve as major agents of the spread of speech. By having a
comprehensive broadcasting, advertising through these resources, reproduces and constructs representations of a society in the target audience to consume and this happens even with children who, increasingly, have been the target of advertising
campaigns. When we consider the process of identity construction and the children's critical thinking through interaction society-family, it is noted that the representations
of being a child presented in advertisements can influence the child's education process through speeches that they arrive. Thus, a discursive analysis of advertising campaigns aimed at children in the 80 will be held, as compared to other, similar
products, conveyed today, resulting in a comparison between the parties. The aim is to see if there were changes in the way such pieces convey his speeches, and
especially how these discourses have changed (or not) over the last three decades.
Keywords:Publicity. Publicity to children Discourse Analysis.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
IMAGEM 1 - PEÇA PUBLICITÁRIA JEANS STAROUP .............................................. 28
IMAGEM 2 - PEÇA PUBLICITÁRIA LILICA RIPILICA.................................................... 31
IMAGEM 3 - PEÇA PUBLICITÁRIA CHOCOLATE GALAK .......................................... 35
IMAGEM 4 - PEÇA PUBLICITÁRIA CHOCOLATE BATON .......................................... 37
IMAGEM 5 - PEÇA PUBLICITÁRIA SYLVAPEN............................................................. 41
IMAGEM 6 - PEÇA PUBLICITÁRIA MENININHOS ....................................................... 43
SUMÁRIO
1INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10
2ANÁLISE DO DISCURSO ................................................................................................ 13
2.1MICHEL PÊCHEUX ........................................................................................................ 13
2.2O DISCURSO MIDIÁTICO............................................................................................. 16
3MÍDIA .................................................................................................................................... 18
3.1A PUBLICIDADE E SUA INFLUÊNCIA ....................................................................... 18
3.2PROPAGANDA E TEXTO PUBLICITÁRIO ................................................................ 20
4A CRIANÇA......................................................................................................................... 22
4.1CRIANÇAS: DA IDADE MÉDIA À SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA .................. 22
5ANÁLISE.............................................................................................................................. 28
5.1PEÇA PUBLICITÁRIA Nº 1............................................................................................ 28
5.2PEÇA PUBLICITÁRIA Nº 2............................................................................................ 31
5.3PEÇA PUBLICITÁRIA Nº 3............................................................................................ 35
5.4PEÇA PUBLICITÁRIA Nº 4............................................................................................ 37
5.5PEÇA PUBLICITÁRIA Nº 5............................................................................................ 41
5.6PEÇA PUBLICITÁRIA Nº 6............................................................................................ 43
6CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 46
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 49
10
1 INTRODUÇÃO
Tendo em vista a comunicação como aliada da propagação de informações
para a sociedade, a indústria midiática traz como principal fator o acesso que ela tem
à insatisfação perante produtos já existentes e para sustentar a demanda
populacional, acaba por criar novas necessidades, como por exemplo, o desejo de
experimentar um chocolate novo ou da posse de um brinquedo ou acessório, que se
transformam em um interesse comum de se ter algo novo, mesmo que não seja
necessário.
A partir dessas novas necessidades, a publicidade, no início do século XX,
passou por uma grande mudança, foi se adaptando para cumpri-las e satisfazê-las.
Essas novas necessidades se advieram principalmente com surgimento de novas
tecnologias de propagação massiva de informações, por meio de rádio, televisão,
Internet etc., e ao longo dos tempos, foi surgindo o chamado ‘consumo de massa’.
Para tanto, vem sendo observado que este processo de adaptação necessitou de
novas formas para atrair o público-alvo, que no caso deste trabalho é o público
infantil. Sendo assim, essas novas formas se apoiaram na utilização de discursos
que na sua forma composicional visam atrair tanto as crianças para que atinja o
objetivo esperado, despertar o interesse para consequentemente vender.
Faz-se necessário, para melhor compreensão da presente pesquisa definir o
termo peça publicitária, que de acordo com o Dicionário Houaiss de Comunicação e
Multimídia é “qualquer elemento produzido para uma campanha publicitária ou de
promoção comercial (anúncio, encarte, filmete, cartaz etc.)”
Para fundamentar esta pesquisa, precisamos entender brevemente por que
as peças publicitárias infantis precisam atrair a atenção tanto das crianças quanto de
seus pais e qual o papel da criança perante a sociedade. Tracemos um pequeno e
breve panorama sobre a constituição do papel da criança que será discutido mais
aprofundadamente no Capítulo 4 da presente pesquisa.
De acordo com Ariès (1981), a instituição familiar que vemos hoje, surgiu a
partir do século XVII, juntamente com a expansão do Catolicismo e o controle da
população pelo Estado. Anteriormente a essa expansão e tomada de poder, a
imagem da criança era associada a uma extrema fragilidade logo em seus primeiros
11
meses/anos de vida. Entretanto, ao atingirem lá por seus 12 anos, na qual
pudessem ter o mínimo de controle sobre seu corpo, já eram automaticamente
inseridas no mundo adulto.
Essa ruptura entre infância e mundo adulto foi se desenvolvendo por muito
tempo, até ocorrer à interferência do Catolicismo e do Estado, que impuseram um
novo olhar sob a criança. Esse novo olhar abarcava principalmente alguns direitos
das crianças em relação à infância e à educação, os quais toda criança deveria
cumprir todas as fases de sua infância e partir de certa idade deveriam ingressar na
escola, para que pudessem ter a devida formação social e crítica para participarem
efetivamente do mundo adulto.
A partir dessas novas instituições, a criança começou a ter um papel
fundamental perante a sociedade e como consequência disto, chamando atenção da
indústria midiática. Mesmo com sua formação ainda em andamento, ou seja, sem
uma capacidade de discernimento e criticidade devidamente formadas, as crianças
já estariam sendo expostas ao capitalismo social e ao consumo de massa.
Com as crianças expostas ao consumo, entramos na questão do porquê a
indústria midiática voltada para o público infantil necessita chamar atenção não só
das crianças, mas também de seus pais. Como já afirmado, essa inserção das
crianças no meio adulto trouxe algumas implicações. Essas implicações se dão
justamente pelo fato de a criança não ter capacidade de discernimento do que é
necessário e nem de poder ter liberdade socioeconômica, fazendo com que sejam
dependentes dos pais e necessitem dos mesmos para terem o que desejam.
Sendo assim, podemosem consideração para o presente trabalho o que já foi
citado no inicio. Com a mudança do papel da criança perante a sociedade, a
publicidade viu uma oportunidade de incutir no público infantil novas necessidades
que esse público não consegue avaliar com o mesmo discernimento que os adultos,
que ao se deparar com uma publicidade acerca de um produto específico consegue
avaliar a relevância do mesmo, ou seja, se o produto é ou não importante ou
necessário. Devemos levar em consideração que essas necessidades são criadas a
partir do meio em que vivemos, ou seja, será criada a partir do contexto em quea
criança está inserida.
12
Ao nos referirmos a crianças na presente pesquisa, é importante delimitarmos
o conceito, que de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é
considerada “a pessoa até doze anos de idade incompletos (...)” (ECA – art.2º).
A partir disto, abordaremos peças publicitárias direcionadas ao público infantil
de acordo com a faixa etária determinada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente. Com isso o corpus de análise da presente pesquisa é composto de
peças publicitárias selecionadas entre as que foram veiculadas nos últimos dez anos
em oposição àquelas que circularam na década de 80.
Tal análise se pautará em três principais objetivos: descrever os recursos
linguísticos presentes nas peças publicitárias, comparar os recursos mobilizados nas
mesmas peças e refletir acerca dos recursos discursivos utilizados nessas
publicidades da década de 80 com outras publicidades dos últimos dez anos
traçando diferenças nos usos de recursos nos textos e nas imagens e, por fim, uma
reflexão acerca dos recursos discursivos mobilizados nestes anúncios, bem como
seus efeitos de sentido. A hipótese que norteia este estudo é a de que com o passar
dos tempos e com o surgimento de novas tecnologias, as peças publicitárias
voltadas ao público infantil, necessitavam de novos meios para fazer com que sua
publicidade fosse realçada em meio à sociedade moderna. Esses novos meios se
pautam principalmente no uso de diferentes recursos linguísticos e discursivos.
Para concretizar esses objetivos, bem como nossa hipótese, nos apoiaremos
na teoria de Análise do Discurso que será de suma importância para o
desenvolvimento da pesquisa. A principal teoria utilizada será de Michel Pêcheux.
O objetivo desta pesquisa visa responder algumas questões que motivam
este trabalho. Como o discurso do meio publicitário se manifesta e se constrói novas
necessidades a partir de publicidades e do meio em que circulam? As peças
publicitárias atuais se distinguem das da década de 80 por meio da mobilização de
recursos e pela formação imaginária criada nas crianças?
13
2 ANÁLISE DO DISCURSO
Neste capítulo iremos apresentar os conceitos de Análise do Discurso que
irão direcionar os estudos e a análise do corpus selecionado. Primeiramente,
estabeleceremos e delimitaremos os principais conceitos de Pêcheux a serem
utilizados: a memória, o sujeito e o discurso.
2.1 MICHEL PÊCHEUX
Michel Pêcheux (1938 – 1983) foi um dos principais e mais importantes
fundadores da Escola Francesa de Análise do Discurso, contribuindo com diversas
pesquisas e trabalhos que abarcam as relações entre poder e discurso e assim
como tais relações, estão situados em um contexto social. Em grande parte de seus
estudos, Pêcheux incorpora o conceito da linguagem em conjunto, ou seja, os
aspectos históricos, sociais e culturais que abarcam e sustentam o discurso.
Partindo da ideia de linguagem em conjunto, Pêcheux (1997), afirma que a
linguagem em si, ou seja, em sua ampla forma, seria gerada a partir da
exterioridade. Baseado nisto, considera-se que, o discurso utilizado pelo sujeito se
apoia no contexto em que está inserido sendo ele social, histórico e cultural. Sendo
assim, podemos considerar que um conjunto de discursos conversa diretamente
com a história, com o contexto sócio-histórico, que é chamado por Pêcheux de
interdiscurso.
A partir deste conceito, é determinado que as palavras não possuem um só
sentido, um sentido único, pois elas são adaptadas de acordo com as posições
ideológicas que assumimos em um determinado processo sócio-histórico, e
consequentemente, essas posições ideológicas corroboram com o sujeito que está
em um momento de formação de ideias, fazendo com que ele assuma uma
formação discursiva a partir de outros dizeres. Esse conceito assumido por Pêcheux
dará fundamento para analisar em nosso corpus as relações das mudanças sócio-
históricas e como as posições ideológicas foram acompanhando esse processo
histórico. Sendo assim, tal análise resulta em observar a formação imaginária
presente nas peças publicitárias, em relação ao público-infantil, bem como os efeitos
de sentido produzidos pelas diferentes formas de discursivização empregadas em
14
tais peças, de acordo com a formação discursiva a que se filiam em determinado
tempo e espaço históricos.
Seguindo este contexto, Pêcheux (1999) define a “formação discursiva” como
parte da “formação ideológica”, pois ambas acabam por determinar o que pode ou
não ser dito pelo sujeito. Assim sendo, o sujeito é influenciado pelo interdiscurso,
deixando de ser fonte primária de seu dizer. De acordo com Orlandi (2005), “quando
nascemos os discursos já estão em processo e nós é que entramos nesse processo.
Eles não se originam em nós. Isso não significa que não haja singularidade na
maneira como a língua e a história nos afetam. Mas não somos o início delas.”
(ORLANDI, 2005, P.36)
Assim, tomamos o discurso como um objeto sócio-histórico que produz um
efeito de sentido entre os locutores, quem enuncia e quem interpreta, os quais são
indiretamente influenciados por diversos discursos que compõe o interdiscurso e são
pautados pelas formações discursivas. Esses indivíduos não podem ser
considerados fonte principal do que transmitem, pois o discurso presente no que
está sendo dito é apenas retomada de sentidos e/ou palavras. Entretanto, a
retomada de discurso cria uma ilusão de que o sujeito está criando a identificação do
seu próprio “eu”, de que estaria criando seu próprio discurso quando ele já é
existente.
Entramos em outro fator que Pêcheux e Orlandi tomam como parte
importante do discurso pelo individuo, a memória discursiva. Para Orlandi (2005),
esta memória é considerada tudo que já foi dito e tudo que pode ser dito, com o
objetivo de sustentar cada palavra presente no discurso.
Sendo assim, para Pêcheux, o interdiscurso, sinônimo de memória discursiva,
adentra na memória discursiva e faz com que os principais determinantes do
discurso sejam a própria interpretação do sujeito, a partir do que já foi dito. Como
resultado disto, é determinada a associação de um acontecimento ou discurso que
estão presentes na memória, possibilitando que o sujeito retome o que já foi dito.
Essa memória discursiva, segundo Pêcheux em articulação com as ideias de
Pierre Achard (1999, P.13) está relacionada diretamente à imagem. Achard toma
como conceito fundamental em relação à memória, uma definição mais individual e
15
psicológica, trazendo em pauta a memória mítica que é construída a partir do
historiador e de eventos como práticas sociais, fazendo referência ao contexto sócio-
histórico já mencionado.
Ainda assim, para Pêcheux (1999), a memória discursiva é constituída a partir
de uma repetição de uma imagem ou discurso específico. Seria tal repetição que
regulariza a memória discursiva, trazendo consigo a ideologia que influenciaria o
sujeito e seu discurso. Para tal fim, Pêcheux e Pierre Achard (1999), consideram que
o aparecimento de um novo discurso pode perturbar o que já estaria inscrito na
memória:
[...] o acontecimento discursivo, provocando interrupção, pode desmanchar
essa “regularização” e produzir retrospectivamente uma outra série sob a
primeira, desmascara o aparecimento de uma nova série que não estava
constituída enquanto tal e que é assim o produto do acontecimento; o
acontecimento, no caso, desloca e desregula os implícitos, associados ao
sistema de regularização anterior. (PÊCHEUX, 1999, p.52)
Sendo assim, quando o sujeito já possui uma interpretação em relação a algo
que já foi dito, sua memória discursiva está “regularizada” de acordo com a
informação – interpretação. Entretanto, ao receber uma nova série de informações o
sujeito automaticamente tentaria associar ao que já existe em sua memória
discursiva e, ao não encontrar essa informação o sujeito cria uma nova série de
interpretações relacionadas às novas informações recebidas. Como consequência
da criação de novas séries, tais informações discursivas entram em conflito com a
série já existente e desloca o discurso implícito, causando uma “desregularização”
quanto à série anterior.
A ideia de relacionar a imagem como parte da memória permite com que
compreendamos as relações, como uma diversidade de acontecimentos sendo eles,
históricos, discursivos tanto ideológicos quanto imagéticos. E de certa forma, nos
permitindo observar como o sujeito constrói seus conceitos ideológicos a partir de
um discurso já existente.
Devemos considerar que as construções de conceitos ideológicos presentes
na memória, se dão através das condições de produção em que existem. Essas
condições de produção, para Pêcheux (1997, P. 83-84), são criadas a partir de
16
determinadas representações do sujeito em uma estrutura de formação social. Ou
seja, essas representações são feitas a partir de formações imaginárias que têm
como função designar o lugar em que o destinador e destinatário atribuem a si a ao
outro. Isto é, o destinador e destinatário apontam para uma imagem, esta imagem
seria o que cada um (destinador e destinatário) fazem de seu destinador e
destinatário, o lugar de outro.
Sendo assim, podemos englobar o que Pêcheux (1999) diz sobre o contexto
histórico influenciar em nossa memória e discurso em relação às condições de
produção. Podemos concluir que o discurso inserido em nossa memória é formado
não só a partir de contextos históricos, mas também no meio em que as informações
e os informantes permeiam, criando assim sua própria interpretação em relação ao
discurso propagado. Ou seja, as condições de produção são determinantes à
compreensão do discurso presente nas peças publicitárias; alvo de nossa análise no
presente trabalho.
Dessa forma, utilizaremos essas condições de produção para analisar o
corpus e delimitar o meio em que foi produzido e como ele constrói o discurso e as
formações imaginárias nas crianças.
Sendo assim, parte de nossa análise se concretizará por meio do uso destes
conceitos discutidos por Pêcheux: o de memória discursiva, a relação sujeito e
memória, bem como a relação de condições de produção – compreensão e
formação do discurso por meio do sujeito em relação às peças publicitárias e o
público infantil.
2.2 O DISCURSO MIDIÁTICO
É relevante considerarmos no presente trabalho que todos os veículos de
comunicação que abarcam as peças publicitárias se utilizam de um discurso para
validar o que pretendem através de mensagens implícitas. Conforme Orlandi (2003,
p. 30), as informações, os dizeres veiculados e repassados pelas mídias não são
“apenas mensagens a serem decodificadas, mas são efeitos de sentidos que são
produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no
modo como são ditos, veiculados, repassados”. Ou seja, ao identificarmos os efeitos
de sentido em determinadas publicidades a partir da própria interpretação e
17
formação de ideias de quem interpreta, iniciará um processo de maior criticidade em
relação ao tema abordado e será desenvolvida também uma conscientização de que
existem diferentes efeitos de sentido a partir de diferentes sujeitos que as
interpretam.
Ainda levando em consideração a questão de diferentes interpretações no
âmbito midiático, devemos considerar que cada peça publicitária possui um objetivo
diferente a ser alcançado em relação a seu público alvo. No que tange a estas
fontes, Charaudeau afirma que “a instância de recepção constrói seus próprios
efeitos de sentido que dependem de suas condições de interpretação” (2013, P.28),
ou seja, determinada peça publicitária produz em efeito de sentido a ser alcançado
por alguém que deve interpretar o que está sendo dito, uma determinada
informação, porém tal efeito pode conter diferentes interpretações por quem está
recebendo a informação, o chamado “efeitos de sentidos possíveis”. Esses “efeitos
de sentidos possíveis” podem chegar ao sujeito que interpreta em sua forma integral
ou apenas atingir uma parte do que se deseja em decorrência das diferentes formas
de interpretação.
As discussões sobre essas possíveis formas de efeitos de sentido também
podem nos levar ao ponto de elucubrar que existe certa manipulação nas peças
publicitárias. Por meio delas, podem ser reforçadas, no que se diz respeito, aos
estudos de Charaudeau (2013) “As mídias estariam se violentando e, sem se darem
conta disso, tornando-se manipuladoras.” Assim sendo, como um efeito de retorno,
tornam-se automanipuladas, formando um círculo vicioso, “o da mídia pela mídia, tal
como outrora o foi o da arte pela arte”. (P. 19). Sendo assim, Charaudeau conclui
que em sua maioria, as mídias em suas diferentes formas acabam por transmitir um
discurso que faz com que o sujeito, ao interpretar essa informação, tome o discurso
midiático como se fosse o seu próprio. Ou seja, de acordo com o status da mídia na
sociedade, ela transforma a realidade por meio da linguagem tornando-a real para o
sujeito que está em contato com o meio publicitário.
18
3 MÍDIA
Neste capítulo iremos apresentar como a mídia se desenvolveu na indústria
de consumo, bem como sua influência perante a sociedade. Buscaremos definir os
conceitos dos textos publicitários verbais e não verbais que estabelecem relação
entre quem enuncia e quem interpreta. No presente trabalho, tomamos como
referência a publicidade infantil como transmissoras e crianças como sujeitos que
interpretam.
3.1 A PUBLICIDADE E SUA INFLUÊNCIA
Cremos ser necessário primeiramente, que definamos o conceito do termo sujeito,
que para fins deste estudo, encaixa-se no conceito de sujeito discursivo o qualé
constituído por diversos fatores, ressaltando fatores internos. De acordo com
Orlandi, em relação a sujeito discursivo:
Ele é sujeito à língua e à história, pois para se constituir, para (se) produzir
sentidos ele é afetado por elas. Ele é assim determinado, pois se não sofrer
aos efeitos do simbólico, ou seja, se ele não se submeter à língua e à
história, ele não se constitui, ele não fala, não produz sentidos (ORLANDI,
2005, p.50).
Desde os primórdios, temos os meios de comunicação como essenciais para
nossa sociedade. Entretanto, antigamente apenas as classes mais elevadas tinham
acesso a alguns meios de comunicação, como por exemplo, a televisão. Com o
início da Revolução Industrial, tais privilégios que atingiam apenas uma parte da
sociedade foram modificados e trouxe com ela mudanças de visões e necessidades
de consumo perante o mundo.
Como estopim da mudança dos meios de comunicação, temos o fim da
Primeira Guerra Mundial no começo do século XX, a qual trouxe consigo o
progresso tecnológico a transformar os meios de comunicação nas chamadas
comunicações de massa, consequentemente, junto a estas, o ‘consumo de massa’
Seguindo essa linha, incorporamos a questão de consumo de massa, o
barateamento de utensílios essenciais e não essenciais para a sociedade. Como
19
consequência desse barateamento, temos as influências consumistas que atingiriam
os receptores.
[...] A repercussão da comunicação e cultura midiatizadas pode ser
apontada, em um sentido largo, como incidindo sobre o novo modo
(capitalista) de vida ou ensejando os altíssimos processos de globalização
econômica, através de redes suportes dos fluxos das informações
financeiras e dos capitais, fiadoras da velocidade dos mercados
planetarizados [...]. (CASTELLS, 1992 apud RUBIM, 2000, pág.27).
Com esta repercussão, temos, além da comunicação, uma mudança nas
visões sobre como utilizar a mídia. Como cada sujeito possui um pensamento e é
influenciado de diferentes formas, ocorreu uma união entre os meios de
comunicação e o mercado consumidor. Dessa união, surge além das programações
de cultura de massa, os produtos culturais que são construídos e reproduzidos a
partir de um objeto, personagem ou figura pública que estão inseridos no contexto
social.
Apesar da divulgação de peças publicitárias ser uma prática utilizada por
esses meios há séculos, na medida em que os anos se passaram houve
significantes mudanças em relação a como e a partir do que as publicidades seriam
reconstituídas. Essas mudanças ocorreram devido ao novo modelo capitalista.
Temos para isto, o que Martín-Barbero (1997) afirma sobre esta mudança:
A melhor expressão do modo como o consumo se converteu em elemento
de cultura acha-se na mudança radical sofrida pela publicidade, por essa
época, quando passou a invadir tudo, transformando a comunicação inteira
em persuasão. Deixando de informar sobre o produto, a publicidade se
dedica a divulgar os objetos dando forma à demanda, cuja matéria-prima vai
deixando de ser formada pelas necessidades e passa a ser constituída por
desejos, ambições e frustrações do sujeito. (MARTÍN-BARBERO, 1997, p.
193)
Para tanto, Martin-Barbero (op. cit.) nos dá à ideia de que o objetivo da
publicidade, a partir do capitalismo, deixou de ser apenas informativa sobre
determinado objeto e começou a ser persuasiva, com o intuito de influenciar o
receptor, aquele que está exposto a esta publicidade, a consumir deixando de lado
suas necessidades e colocando a frente seu desejo de possuir. De acordo com
20
Bacellar1, o fato meramente informativo da publicidade não é suficiente para atrair a
atenção do consumidor, vindo daí a necessidade da utilização de uma linguagem
mais persuasiva.
A partir do que foi citado e referido, podemos concluir que a publicidade tem
um impacto muito grande quando inserida na sociedade e, uma responsabilidade
ainda maior quando está direcionada ao público infantil, pois estimula valores e
ideologias em um sujeito ainda em formação crítica.
Sendo assim, nos utilizaremos dessa ideia para abordar a questão da
influência das peças publicitárias e dos textos discursivos presentes nela sobre a
criança.
3.2 PROPAGANDA E TEXTO PUBLICITÁRIO
Quando falamos sobre propaganda e publicidade, precisamos lembrar que há
uma diferença entre estes dois conceitos. O termo publicidade é utilizado para definir
a ideia de venda e divulgação de algum produto, já o termo propaganda é
considerado a divulgação de algum assunto por meio de ideias, ideologias e
comportamentos.
Giacomini Filho (1991, p.15), em um de seus estudos afirma que “entende-se
por publicidade ou propaganda, a forma de comunicação identificada e persuasiva
empreendida, de forma paga, através dos meios de comunicação de massa”. Ou
seja, retomemos o que já foi dito no presente trabalho para confirmar a ideia de que
com a progressão dos meios de comunicação, as publicidades vêm se utilizando de
meios para vender seu produto de forma persuasiva, e para tanto, utilizam-se dos
textos publicitários.
Sendo assim, de acordo com o Dicionário de Política de 1986, a publicidade é
definida, “em sentido amplo, como atividade mediante a qual bens de consumo e
serviços que estão à venda se dão a conhecer, tentando convencer o público da
vantagem de adquiri-los.”. Podemos interpretar assim, que o texto publicitário tem a
1FONTE: http://www.coppead.ufrj.br/upload/publicacoes/Fatima_Bacellar.pdf
21
função de complementar os outros recursos presentes na publicidade, para obter
sucesso ao tentar convencer seu público.
Ainda no âmbito dos textos publicitários, podemos referenciar o texto
publicitário de acordo com Otávio Schimieguel (2009):
Se no que diz respeito à materialidade do texto publicitário é necessário
considerar tanto aspectos verbais como não-verbais, no âmbito do discurso
é preciso levar em conta não só o que é expresso por meio da palavra e da
imagem como também o não-dito, aquilo que se encontra subentendido nos
interstícios da linguagem, de forma implícita. (SCHIMIEGUEL, 2009, p.5)
Notemos então, que o fato do texto publicitário optar por utilizar a linguagem
de uma forma implícita é, em sua maioria, para fazer com que o sujeito que
interpreta a peça publicitária relacione o texto com a marca, produto ou
objetivo/função do produto. Como por exemplo, os slogans que compõem a
publicidade. Os slogans podem ser considerados um tipo de texto publicitário que
implicitamente remetem sua informação ao produto ou à marca do que está sendo
ofertado. Ou seja, essa forma de referenciação entre texto e produto é de suma
importância para que o consumidor identifique o que está sendo ofertado.
Podemos acrescentar ainda, que é de suma importância observar que o texto
publicitário, delimita seu público-alvo, o que no caso da presente pesquisa devemos
levar em consideração o público infantil. Ao direcionar para um tipo de público,
observamos que é sempre utilizada uma linguagem verbal ou não verbal específica,
bem como características imagéticas. Entretanto, mesmo dirigindo especificamente
o texto publicitário para um tipo de consumidor, ele pode abranger outro público.
Desse modo, concluímos que os textos publicitários além de se utilizarem de
textos e/ou títulos provocativos, apresentam também em algumas vezes argumentos
lógicos e com apelos emocionais a partir dos padrões estéticos existentes, a fim de
convencer seu público.
22
4 A CRIANÇA
Neste capítulo, faremos um apanhado da história da criança de um modo
geral assim como explicitaremos qual o papel da criança no Brasil. Para esse fim,
nos utilizaremos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil, juntamente com os estudos de Philippe
Ariès que nos ajudará no embasamento da presente seção.
4.1 CRIANÇAS: DA IDADE MÉDIA À SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Em tempos mais antigos, tínhamos no Brasil, uma visão do que representaria
o papel da criança em nossa sociedade. Segundo Ariès (1981), esta visão abarcava
ideias de que a criança era inocente, um ser incapacitado quando comparado aos
mais adultos. Essa incapacidade se deve ao fato da noção capitalista moderna, visto
que a criança não dá lucro para a sociedade, não trabalha ou traz algum benefício
econômico. Sendo assim, tomemos por incapaz a fato de que a criança, em seus
primeiros anos era considerada como um ser ‘inútil’.
Toda essa ideia de uma criança incapaz pode ser comparada ao modo com a
criança era representada também na Europa, ou seja, à medida que a criança
desenvolve suas características físicas e, sendo esse desenvolvimento um fator que
demonstre uma boa formação da criança, ela já poderia ser incorporada ao mundo e
aos afazeres de jovens e adultos. Sendo assim, a criança acaba por pular as
principais etapas de sua infância, que são consideras de sua importância em seu
processo de formação.
Ao serem incorporadas ao mundo, como ainda não possuem seu
discernimento totalmente formado, começam a tomar forma de acordo com o que
presenciam enquanto acompanham esse ‘novo mundo’. Ou seja, à medida que a
criança passa a interagir ao mesmo tempo elas aprendiam a fazer coisas novas à
medida que ajudavam os adultos.
Na sociedade medieval, que tomamos como ponto de partida, o sentimento
da infância não existia – o que não quer dizer que as crianças fossem
negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância
não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à
23
consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue
essencialmente a criança do adulto. (ARIÈS, 1981, P. 17).
Além dessa considerável fragilidade da criança em seus primeiros anos,
temos também um importante aspecto a ser observado na maneira como as
crianças eram e ainda são tratadas pelas pessoas, de uma maneira geral. Esse
aspecto traz o tratamento por parte dos adultos, já na contemporaneidade, em
relação às crianças como se as mesmas fossem objetos a serem mimados, apenas
por serem delicadas e graciosas, mas ainda não recebiam a devida importância e
devido afeto que deveriam ter.
Ao traçar esse breve panorama, notamos que a criança perante a família e a
sociedade, na Época Medieval, não tinham muita relevância, ou seja, era como se
sua imagem fosse invisível.. Por muitos e muitos anos a aprendizagem da criança foi
sustentada e se pautava devido ao que elas aprendiam no convívio do mundo
adulto. Ou seja, em sua maioria a educação das crianças não era controlada por
seus pais, devido a esse afastamento precoce entre infância – adulto.
Com o passar dos tempos, essa maneira de como a sociedade se portava em
relação às crianças foi sendo modificada. Como consequência disso, a família teve
sua estrutura reorganizada e a criança saiu de seu anonimato. O estopim para que
essa mudança tivesse acontecido se deu devido à influência da igreja, a qual julgava
de extrema importância os valores morais e enfatizava veementemente a
ingenuidade presente na criança. Sendo assim, a família passou a entender que
deveria cuidar melhor de seus filhos, pois devido ao sentimento entre pais – filhos
seria difícil substituir seus filhos e sentimentos ali envolvidos..
Entre os séculos XV e XVI, a sociedade nota que existe uma necessidade
grande em relação ao processo de preparação da criança para entrar
adequadamente ao mundo adulto. Entretanto, havia uma grande falha quando se
trata dessa educação das crianças, pois esse ensino abarcou principalmente as
crianças mais favorecidas, ou seja, crianças brancas e da elite frequentavam a
escola na qual aprenderiam desde religião até boas maneiras. Essas lições se
pautavam na rigidez do castigo e tinham por principal objetivo direcionar as crianças
para que se encaixassem no sistema em que a sociedade vivia.
24
Sendo assim, a escolarização foi um modelo de ensino adotado na época e
foi sendo aperfeiçoado com o passar do tempo e se estendendo até os dias atuais.
Esse modelo tem um padrão a ser seguido, ou seja, a criança recebe educação
separadamente dos adultos. Para Ariès (1981), tal fato era considerado uma espécie
de “quarentena”. Ou seja, o preparo da criança para a vida adulta.
Como consequência dessas alterações sociais no perfil da família, começa a
existir uma maior aproximação entre os pais e seus filhos resultando em uma maior
relação de afetividade entre ambos, em contraste com a relação familiar da Idade
Média na qual a maternidade era considerada como uma “fatalidade”, uma
responsabilidade a mais. De acordo com Karsaklian (2008, p. 239), “A criança
passou a ser parte do núcleo do grupo familiar, atraindo a atenção dos adultos,
havendo assim um reconhecimento de que ela precisa brincar, o que substituiu o
rigor atribuído pela educação até então praticada”.
Em comparação com o perfil da criança de antigamente com a criança
contemporânea, observa-se que com o aumento desses laços afetivos e da
preocupação pais – filhos, a criança contemporânea teve seu perfil alterado em
relação ao que ela representa na sociedade. Com a maior proximidade existente
entre ambos no laço familiar, a criança tem chance de completar todas as fases de
sua infância adequadamente, sem a ruptura existente antes entre infância – vida
adulta.
Entretanto, toda esta ‘evolução’ aconteceu de uma forma rápida e através da
alfabetização as crianças contemporâneas tiveram a oportunidade de terem acesso
a diferentes tipos de informações em diferentes meios. Essa acessibilidade foi se
tornando cada vez mais precoce, possibilitando que ao ter conhecimentos sobre
esses tipos de informações, como o ensino, por exemplo, inconscientemente
estariam entrando no mundo adulto. Postman (1999), afirma que a única coisa que
realmente diferencia as crianças dos adultos é conhecimento adquiridos através dos
meios de informações e quando ambos conseguem esse acesso, a diferença deixa
de existir.
Essa ruptura entre infância – adultização apontada por Postman é
argumentada contrariamente por Sarmento (2004), dizendo em seus estudos que
quando as crianças têm a oportunidade de adentrar em um mundo de novas
25
informações é aberto novas maneiras de “ser criança”. Essas novas maneiras
incluem as crianças em novas ideias e novos papeis dentro da sociedade, isso se dá
pelo fato de as crianças serem cheias de ideias, que as transformariam em agentes
principais de novidades e novas informações. Sarmento (2004, p. 19) ainda diz que
“elas são construtoras ativas do seu próprio lugar na sociedade contemporânea”.
Ao construir seu próprio lugar na sociedade, as crianças também alteram seu
papel de importância perante a sociedade. Essa mudança no perfil e na
representação da criança levou a uma entrada no mundo econômico e, como
consequência disso, elas teriam uma participação ativa e desenvolveriam um
importante papel. Como exemplo disso, temos a aparição das crianças em diversas
atividades da sociedade consumista. Para esse fim, faz-se necessário
especificarmos o conceito de consumidor e sujeito para melhor compreensão no
desenvolvimento do presente trabalho. De acordo com a Lei de Proteção do
Consumidor, nº 8078, “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final. Equipara-se a consumidor a
coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo” (BRASIL, 1990b, art.2)
As crianças participam na economia pelo lado da produção, especialmente
com o incremento do trabalho infantil nos países periféricos e
semiperiféricos, por efeito da deslocalização da indústria manufatureira com
incorporação de reduzida componente tecnológica e em diversas áreas dos
países centrais, no que se convencionou designar por “piores formas de
trabalho infantil”, (cf. OIT, 2002). Mas também entram pelo lado do
marketing, com a utilização das crianças na promoção de produtos de moda
ou na publicidade e ainda pelo lado do consumo, como segmento
específico, extenso e incremencialmente importante de um mercado de
produtos para a criança. (SARMENTO, p.7, 2004)
Sarmento (2004) ainda afirma que é exatamente dessa forma que as crianças
se tornam agentes principais de novidades e novas informações. Sendo assim, a
criança ainda é considerada e apontada como um indivíduo social que não possui
autonomia econômica perante a sociedade e, muito menos, capacidade jurídica para
tomada de decisões.
26
Mesmo não tendo capacidade para tomada de decisões e muito menos
autonomia econômica não afetaria em nada no mundo infantil e muito menos no
mundo consumista. Elas ainda podem apreender valores a partir da interatividade
família – sociedade. Aspectos que para Sarmento (2004) afetaria indiretamente na
construção de identidade da criança.
Retomemos a concepção social da criança, em que Ariès (1981) utiliza a
expressão ‘adultos em miniatura’ para descrever a representação da criança em
sociedades mais antigas e que, acaba por encontrar respaldos na sociedade
contemporânea. Esses respaldos se apoiam na ideia de que isto acontece devido
aos valores oferecidos pelo consumismo. Essa questão da sociedade consumista,
afeta diretamente a educação e o comportamento das crianças, enquanto indivíduos
ainda em formação, mas também na forma de como eles se relacionam e veem o
mundo em relação a influencia da publicidade.
Não há como negar que a mídia inseriu a criança em um novo ambiente
comunicacional e bombardeou-a com inúmeras e variadíssimas informações
sobre as quais ela, a escola e a família não têm quase nenhum controle.
Enquanto do lado de lá da telinha, as crianças disputam acirradamente o
lugar de celebridades instantâneas, do lado de cá, as demais são
interpeladas como consumidoras e bombardeadas com uma infinidade de
imagens e signos que confrontam claramente o modelo de infância traçado
na Modernidade. (ALCÂNTARA, CARVALHO, GUEDES, 2010, p. 3)
Com isso, Alcântara, Carvalho e Guedes (2010) destacam que a mídia
passou a ocupar um espaço cada vez maior e mais destacado perante a formação
de identidade das pessoas ao decorrer da vida. Para os autores, a mídia se utiliza
de conteúdos que contribuem para essa formação baseada no consumo e para esse
fim os objetos consumidos por elas se tornam mediadores de significados.
A criança é um fruto da geração que utiliza as ferramentas tecnológicas antes
mesmo de passarem por todas as etapas da infância e no período de aprendizagem.
Ao se utilizarem e, consequentemente dominarem essas tecnologias, “hoje
convivemos com uma criança mais independente, ativa e, definitivamente, detentora
da utilização de códigos específicos, no entanto, paradoxalmente, composta por
indivíduos ainda em formação”. (ALCÂNTARA, CARVALHO, GUEDES, 2010, p.4)
27
Devido a atitudes dos pais envolvidos na sociedade moderna, os
considerados pais modernos, acabam por inconscientemente potencializar os efeitos
produzidos pelas peças publicitárias. Ao terem uma concepção diferente e menos
crítica em relação ao consumismo, acabam por projetar em seus filhos seus próprios
desejos materialistas, o que por consequência influenciaria as crianças.
Outro aspecto importante e que influencia nessa questão de como a criança
se porta perante o consumismo, se dá ao fato de elas receberam uma mesada de
seus pais e terem liberdade para escolherem o que querem comprar – consumir a
partir de suas prioridades, como marcas favoritas, cores, modelos em um universo
repleto de variedades.
Sendo assim, podemos concluir que a participação da criança na sociedade
se torna muito mais importante e definida, o que por consequência justifica o fato de
o meio publicitário se utilizar de aspectos específicos para chamarem a atenção das
crianças e de seus pais.
28
5 ANÁLISE
Este capítulo tem por objetivo a análise e comparação entre seis peças
publicitárias, sendo três da década de 80 e três dos dias atuais. Esta análise
comparativa entre tais peças se dará por duplas, uma da década de 80 e outra dos
dias atuais de um mesmo tipo de produto. Esta análise se pautará nos aspectos de
Análise do Discurso, discutidos no capítulo 1 e nos demais aspectos discutidos nos
capítulos 2 e 3. Incialmente, as peças publicitárias serão analisadas individualmente,
seguindo a ordem de pares de um mesmo produto e, após, será realizada a análise
comparativa das mesmas.
5.1 PEÇA PUBLICITÁRIA Nº 1
Imagem nº 1 – Peça Publicitária Jeans Staroup (1980)2
A peça publicitária acima foi originalmente veiculada a um Gibi do Pato
Donald -1500 em Agosto de 19803. Sendo assim, temos como condição de produção
desta peça o próprio gibi, o que nos leva à conclusão de que o foco desta peça
publicitária é o público infantil. Ao observarmos esta peça, vemos que em destaque
estão duas crianças, uma menina loira e branca e um menino moreno, sentados em
uma moto, vestidos apenas com uma calça jeans, sem camiseta e sem sapatos.
2 FONTE: https://propagandasdegibi.wordpress.com/2012/05/17/jeans -staroup-1980/ 3 FONTE: https://propagandasdegibi.wordpress.com/2012/05/17/jeans -staroup-1980/
29
Notemos que ao colocarem estas crianças como protagonistas desta peça
publicitária, a menina loira e o menino moreno produzem um efeito de sentido que
promove apenas uma etnia, a ariana. Este efeito pode representar os resquícios da
representação da diferença entre negros e brancos na sociedade antigamente,
especialmente porque o acesso à cultura escrita, na qual se inclui o gibi que veicula
essa peça, era mais comum a classes mais altas e, historicamente, brancas4.
Analogamente, a marca Staroup, ainda que brasileira, acabou por ter filiais nos
Estados Unidos e União Soviética, onde também havia resquícios de uma cultura
separatista de raças5.
Ao produzir esta peça publicitária, devemos primeiramente levar em
consideração as condições de produção em que ela foi feita. Sendo assim, de
acordo com o efeito de sentido produzido pela peça, podemos confirmar a hipótese
de Ariès (1981) de que a criança ao longo dos tempos torna-se consumidora, porém
ainda dependente dos pais, resultando também na representação da criança atual.
Podemos comprovar isto baseado no texto publicitário presente, “Agora criança
também pode”, que, por sua organização textual, parece estar encaminhado tanto
para as crianças quanto para os pais. Entretanto, esta peça publicitária foi veiculada
a um gibi direcionado às crianças, no qual se acredita que o público que irá entrar
em contato com a peça seriam apenas crianças. Ou seja, a criança virou um alvo
consumista perante as peças publicitárias e compradores em potencial de seus
produtos.
O fato de as crianças que protagonizam esta peça publicitária aparentarem ter
entre 10 e 12 anos, ou seja, serem crianças reforça a ideia de que o foco é vender o
produto através da afirmação de que a criança também pode usar certo produto. Ou
seja, antes as crianças não poderiam usar calças jeans desta marca, pois no inicio
eram confeccionadas apenas calças para adultos e adolescentes, mas, com a
mudança no público-alvo, torna-se também necessária, a adaptação das peças
publicitárias para atingir esse novo público, que passa a serem tão consumidores
quanto os adultos.
4 FONTE: http://brasil.planetasaber.com/theworld/chronicles/seccions/cards/default.asp?art=94&pk=3062 5 FONTE: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64451985000200013&script=sci_arttext
30
Outro aspecto importante a ser observado é o fato de a peça publicitária
chamar atenção para o seu produto, deixando os protagonistas apenas de calças.
Ou seja, para colocar em evidência seu produto, a peça publicitária se utiliza de uma
posição análoga a de adultos. Esta analogia é confirmada através da posição em
que as crianças estão ocupando na moto, apenas vestidas com a calça, se
abraçando, o que nos produz um efeito de terem relação amorosa. Outro fator
presente na peça são os óculos escuros que a menina está utilizando, passando
uma imagem de maturidade, visto que adultos é quem geralmente usam óculos
escuros.
Podemos ainda fazer relação entre o texto publicitário “Agora criança também
pode” e o fato de elas estarem em uma moto, visto que a representação da moto
contribui para enfatizar a adultização da criança para produzir o efeito de sentido no
qual agora ela pode fazer parte do mundo adulto. Esta forma de representação da
adultização e inserção das crianças no mundo adulto são discutidas por Ariès
(1981), na qual ele afirma que logo após a Idade Média, ao atingir seus primeiros
anos, a criança já estava apta a participar de algumas coisas na vida adulta,
acompanhadas de seus pais.
Como exposto anteriormente, todos os aspectos presentes nesta peça
publicitária confirmam a ideia de que produzimos sentido a partir do que vimos ou
ouvimos, ou seja, a partir das representações presentes nesta propaganda e ao
entrar em contato com a criança, ela, a criança, cria uma memória discursiva a partir
do que viu. Sendo assim, cria a ideia de que ao usar o produto ofertado, as calças
jeans, ela poderia ser considerada mais que uma criança e passar a pertencer ao
mundo adulto.
31
5.2 PEÇA PUBLICITÁRIA Nº 2
Imagem nº 2 – Peça publicitária Lilica Ripilica (2008)6
A peça publicitária acima foi divulgada e veiculada em outdoors de todo o
Brasil no mês de Março de 2008. Esta peça publicitária tinha como intuito lançar a
campanha de Outono – Inverno da marca de roupas Lilica Ripilica. Primeiramente,
devemos levar em consideração o fato de a marca, Lilica Ripilica, ser destinada a
um público com poder aquisitivo mais alto, ou seja, de classe social média a alta,
provavelmente análogo àquele da peça publicitária das calças Staroup. Sendo
assim, consideremos que a partir do discurso construído acerca desta peça, o qual a
marca seria destinada ao público de maior poder aquisitivo, é gerado um efeito de
sentido que permite com que construamos em nosso imaginário que ela realmente
se dirige às classes média e alta. Ou seja, as formações imaginárias produzidas por
quem interpreta pautam a ideia de quem seria o público da marca.
Nesta peça publicitária, temos uma menina, com idade entre 6 e 8 anos,
sentada em um divã e usando roupas mais sofisticadas. O conjunto destas
representações produz um efeito de adultização da criança. Para confirmar isto,
temos o cenário em que a criança se encontra: existe na parte de trás um papel de
parede de uma tonalidade só e o divã que nos faz referência ao mundo adulto. A
representação do divã remete a um cômodo encontrado em consultórios
psicanalistas, aspecto presente na vida adulta. A criança está sentada neste divã,
segurando um doce e apenas com parte de sua boca lambuzada. Atentemos
também para o modo como a criança está sentada e segurando seu doce. Todas
estas condições em que a criança se encontra podem remeter a um contexto mais
6 FONTE: http://sindromedeestocolmo.com/2008/08/erotizacao_infantil_na_publicidade/
32
sensual, no qual uma mulher adulta se encontraria. Além disso, a representação do
doce lambuzado cria uma analogia ao contexto sensual, mas também ao mundo
infantil, já que temos a ideia de que normalmente as crianças de lambuzam
comendo doces, o que, ao mesmo tempo, contrasta e corrobora as representações
adultas presentes na peça, produzindo mais de um efeito de sentido relacionado a
este aspecto.
Além disso, podemos perceber que o único texto presente na peça
publicitária, além do nome da marca, diz “Use e se lambuze”, no qual o termo use
pode estar se referindo ao ato de vestir a roupa e o lambuze como o ato de estar
despreocupado ao vestir esta roupa, podendo se sujar, se lambuzar à vontade, mas
também pode nos dar a ideia de usar a roupa sem preocupações, usar ela com
vontade e abusar do ato de usar e se deliciar com a roupa. Sendo assim, baseados
neste contexto podemos concluir que nesta peça publicitária a criança é considerada
como adulta e consumidora, pois a peça publicitária está direcionada totalmente a
ela, na qual ela tem autonomia para escolher e usar a roupa sem nenhuma
preocupação juntamente como o contexto adulto em que ela foi automaticamente
inserida dentro do cenário.
Ao contrário da primeira peça analisada, não há indícios de que essa peça se
direcione, igualmente, aos cuidadores dessa criança. Esta representatividade de
adulta e consumidora retoma o que Ariès (1981) afirma sobre como a criança foi se
tornando importante perante a indústria consumidora. Devemos considerar também
o que Alcântara, Carvalho e Guedes (2010) dizem em seus estudos em relação o
fato de
[...] as crianças disputam acirradamente o lugar de celebridades
instantâneas, do lado de cá, as demais são interpeladas como
consumidoras e bombardeadas com uma infinidade de imagens e signos
que confrontam claramente o modelo de infância traçado na Modernidade.
(ALCÂNTARA, CARVALHO, GUEDES, 2010, p. 3)
Vale ainda ressaltar que esta peça publicitária gerou polêmica, criando revolta
na população que, ao entrar em contato com esta peça publicitária a identificava
como de cunho erótico. Ao receber várias reclamações em seus meios eletrônicos e
através do Ministério Público do Estado do Paraná, o CONAR, órgão responsável
pela autorregulação do meio publicitário, exigiu que a empresa Lilica Ripilica tirasse
33
a peça publicitária de circulação. Esta leitura por parte da população se dá baseada
no cenário em que a criança está situada, de acordo com o que foi discutido
anteriormente. Assim, mesmo que o processo de adultização da criança, colocando-
a, inclusive, como consumidora, seja atestado pelas peças publicitárias, conforme já
apontava Ariès (1981) em outro contexto, parece que há certa resistência por parte
da sociedade de aceitar esse novo papel dos infantes na vida social. Isso contrasta,
inclusive, com práticas de cuidado que proporcionam às criança acesso a esse
mundo de consumo, mas que, paradoxalmente, incomoda quando exposto pela
mídia.
Sendo assim, podemos perceber uma diferença muito grande em relação a
como a criança era representada perante a peça publicitária da marca de calça jeans
veiculada no ano de 1980 e a peça publicitária da marca Lilica Ripilica no ano de
2008. Em ambas as peças publicitárias, as crianças são representadas de formas
diferentes. A peça publicitária da marca de calça jeans é destinada a uma criança
consumidora, porém ainda dependente dos pais para comprar aquele tipo de roupa,
mas com o direito de poder usá-la, o que é confirmado através do texto publicitário
presente, no qual indiretamente diz para os pais ou cuidadores que “agora criança
também pode”. Já na peça publicitária da marca Lilica Ripilica, a criança é colocada
na posição de adulta e consumidora pelas roupas e situação em que se encontra e
por ter autonomia para usar estas roupas despreocupadamente.
Com base nisto e nos capítulos anteriores podemos notar como a
representação da criança foi mudando perante a sociedade e como seu papel em
meio ao consumismo foi se tornando cada vez mais importante, ainda que tenha
havido um movimento, por parte dos órgãos governamentais, para impedir a
veiculação de crianças em peças publicitárias e até mesmo a inserção de
propagandas em gibis, como era permitido na década de 807. Assim, as peças
publicitárias foram se adaptando ao meio em que se inserem, utilizando recursos
imagéticos e textos publicitários que introduzam a criança no meio adulto com
direito, mesmo que intermediado pelos pais, ao consumo.
Outro aspecto importante a ser observado é que a visão em relação à criança,
nestas peças publicitárias, é resultado das formações imaginárias que o conjunto
7FONTE: http://judao.com.br/criancas-publicidade-hqs-projetodelei/
34
das presentes peças produzem. Ou seja, ao observamos qualquer aspecto que nos
remeta a algo já visto, como no caso da marca Lilica Ripilica ser direcionada às
classes média e alta, tomamos aquilo como verdade, como interpretação própria,
remetendo à memória discursiva de Pêcheux (1997) discutida no presente trabalho.
Estas formações imaginárias estão em articulação com o interdiscurso
presente nas peças publicitárias. O interdiscurso para Pêcheux (1997) é constituído
por ideologias presentes no decorrer da história, ou seja, podemos observar que nas
presentes peças temos uma mudança na produção discursiva, nas palavras
presentes nos textos publicitários, os quais automaticamente foram modificados para
sustentar os efeitos de sentido e as formações imaginárias formadas pelo sujeito no
momento de produção.
Sendo assim, retomemos o fato de que a visão sobre a criança é formada
através da interação entre o interdiscurso presente nas peças publicitárias, a
memória discursiva e as formações imaginárias resultantes da interpretação do
sujeito.
35
5.3 PEÇA PUBLICITÁRIA Nº 3
Imagem nº 3 – Propaganda alimentícia marca Nestlé8
Esta peça publicitária foi produzida pela marca alimentícia Nestlé, na qual
visava vender seu chocolate Galak e foi publicada no Gibi Homem Aranha no ano de
19829 e, por ter sido publicada em gibis, visa o público infantil. Sendo assim,
consideremos as condições de produção no próprio Gibi.
Toda a peça publicitária é constituída por recursos imagéticos e textos
publicitários. Em evidência temos a representação de um barco que nos da à ideia
de estar navegando pelo efeito de ondas abaixo. Dentro do barco estão duas
crianças, uma menina e um menino, com idade aparente entre 5 e 7 anos, juntos
com animais desenhados e uma barra gigante do chocolate Galak. Ao lado do barco
temos outro animal desenhado navegando em uma boia inflável. As duas crianças
estão sorrindo e segurando cada um uma barra do chocolate.
8FONTE: https://propagandasdegibi.wordpress.com/tag/galak/ 9FONTE: https://propagandasdegibi.wordpress.com/tag/galak/
36
Notemos que existem dois textos publicitários na peça, um que está
localizado logo acima da imagem e que lê “Você e a turminha Galak-Nestlé fazem a
festa”, e outro texto na parte inferior que seria o slogan do produto, “Galak O
branquinho gostoso”. Ao lado do texto na parte inferior está a logomarca “Qualidade
Nestlé”. O texto “Você e a turminha Galak-Nestlé fazem a festa” remete diretamente
à criança, como uma forma de sugerir que, para que ela faça a festa, ela deve
possuir o produto, visto que nesta frase temos um efeito de sentido produzido no
qual o termo ‘fazem a festa’ dá a ideia infantil de brincar, se divertir, atividades
típicas do mundo infantil.
Já o texto “Galak O branquinho gostoso” é o slogan do chocolate na época
que foi veiculado a outras peças publicitárias do Galak. Retomando o que foi
discutido no capítulo 3, sobre mídias, fazemos menção ao porquê de as peças
publicitárias se utilizarem de slogans. O uso deste tipo de texto publicitário é para
produzir o efeito no qual toda vez que o consumidor entre em contato com esta
frase, automaticamente associe ao produto e crie uma nova necessidade de
consumo. Esta associação acontece, pois ao receber esta informação o sujeito
guarda automaticamente em sua memória e cada vez que entrar em contato com o
mesmo contexto, irá relacionar com o chocolate. Este tipo de memorização é
chamada por Pêcheux (1997) de memória discursiva, a qual faz com que o sujeito
retome o que já existe por meio de repetições de determinado discurso ou imagem,
neste caso o slogan, que se liga automaticamente, pela memória, à sensação de
bem-estar e sabor.
É importante observarmos que nesta peça publicitária a representação da
criança é da própria criança, aquela que brinca, se diverte e faz a festa, mas a trata
como consumidora. Outro aspecto importante é a produção de sentido que a peça
publicitária transmite a partir das imagens que remete a uma formação imaginária a
qual dá a ideia de felicidade por possuir o produto e isso está representado nas
crianças sorridentes segurando o chocolate, e nos personagens se divertindo,
fazendo a festa.
A partir deste contexto de textos e imagens, podemos observar a forma como
o interdiscurso atua nesta peça publicitária. Ele dialoga com os recursos utilizados
na peça, determinando a constituição do discurso que relaciona o produto à
37
felicidade, fazendo com que a criança faça esse discurso parte de suas ideias, o que
se agrega à memória discursiva.
5.4 PEÇA PUBLICITÁRIA Nº 4
Imagem nº 4 – Peça Publicitária Chocolate Baton da empresa Garoto (2005)10
Esta peça publicitária da marca alimentícia Garoto foi veiculada no ano de
2005 em diversos meios de circulação, como revistas, gibis e televisão. O slogan
“Compre Baton” vem sendo utilizado desde o ano de 1992 para diferentes peças
publicitárias do mesmo chocolate e marca, no qual antigamente existia apenas no
sabor chocolate ao leite. Entretanto, no ano de 1992 a peça publicitária na qual
existia uma menina segurando um pêndulo e dizendo repetidamente o slogan
“Compre Baton” foi censuradapelo CONAR, em 1992 por ser considerada, por parte
da sociedade, como abusiva e manipuladora, deixando de circular no meio
publicitário. Assim, temos mais um caso de publicidade censurada pelo meio social,
talvez por colocar em evidência aquilo que pais e cuidadores receiam: que a criança,
tornada consumidora, deixe de ser criança e passe a se ver como adulto.
Por essas questões, a identidade visual da marca foi sendo alterada ao longo
dos tempos para que pudesse se adaptar às exigências atuais, porém mantendo seu
slogan. Esta peça publicitária traz duas identidades visuais diferentes com o mesmo
propósito. Na primeira peça, temos o cenário de um menino de no máximo 12 anos
de idade com um controle de vídeo game na mão. Este menino estaria interagindo
10 FONTE: http://mundodasmarcas.blogspot.com.br/2006/06/garoto-o-puro-prazer-do-chocolate.html
38
com o personagem da marca Baton que também segura um controle de vídeo game
e usa boné. Como plano de fundo existe uma televisão que representa o que o
menino e o personagem estariam jogando. O jogo é representado por vários
personagens da marca Baton desenvolvendo diferentes atividades como, por
exemplo, jogar bola e correr. Notemos que apesar de estarem em plano de fundo,
ainda assim chamam atenção.
Além destes recursos imagéticos, temos também a representação do próprio
chocolate Baton em duas versões: chocolate ao leite e chocolate branco que estão
logo ao lado da logomarca Garoto. Além disto, temos o texto publicitário “Coooompre
Baton” que parece estar sendo dito pelo personagem do chocolate que está
interagindo com o menino, retomando o slogan censurado em peça publicitária
anterior.
Na segunda peça publicitária temos um cenário diferente no qual um menino
de aparentemente 12 anos está pulando de braços abertos, sorrindo e usando
patins. Como plano de fundo existe várias árvores que nos dão a ideia de ser um
parque ou uma área verde onde o menino está brincando. Um pouco mais à frente
temos a representação do chocolate Baton também em duas versões, chocolate ao
leite e chocolate branco, com a logomarca Garoto abaixo e ao lado o personagem
do chocolate Baton usando boné e andando de skate. Próximo ao menino pulando e
sorrindo temos o texto publicitário “Coooompre Baton” com a palavra Baton
sublinhada.
A partir dos recursos utilizados nesta peça publicitária, podemos observar que
o produto é destinado ao público infantil. Entretanto, nesta peça a criança é tratada
apenas como consumidora, mantendo seu status de criança. O fato de a peça
publicitária utilizar recursos imagéticos que remetem às brincadeiras das crianças na
sociedade atual nos mostra que em nenhum momento a criança está sendo tratada
como adulta ou sendo inserida em um contexto adulto. Entretanto, usa estes
recursos para chamar a atenção da criança e fazer com que elas imaginem que suas
brincadeiras serão tão divertidas quanto às da peça publicitária se comprarem o
chocolate Baton.
Outro recurso que reforça esta ideia é o texto publicitário. Ao utilizarem quatro
vezes seguidas a letra “o”, “Coooompre”, tem como intuito reforçar a ideia de que
39
alguém está dizendo a frase “Coooompre Baton” de uma forma impositiva, ou seja, o
texto publicitário não sugere que a criança compre o produto, mas aparece em forma
de condicionar a criança a comprar, como um transe, remetendo, novamente à ideia
de uma antiga peça publicitária da marca. Esta relação entre texto publicitário e
recursos imagéticos quando em contato com a criança produzem o efeito de sentido
de que a felicidade é atrelada ao consumo e à posse do produto, igual à
representação na peça publicitária, o que consequentemente cria novas
necessidade para este público. Sendo assim, esta peça publicitária estaria se
utilizando das condições de memória e interpretação para fazer com que a criança
crie uma ideia de aquele produto é necessário para deixar suas brincadeiras
melhores. Esta ideia de produto ideal e necessário surge a partir da criação de
novas necessidades por parte das peças publicitárias, as quais visam chamar a
atenção de seu público através dos conceitos de necessidade e idealização..
Para este fim, podemos perceber algumas diferenças presentes nas peças
publicitárias do chocolate Galak da marca Nestlé e do chocolate Baton da marca
Garoto. Na peça publicitária da marca Nestlé, temos o uso de recursos imagéticos e
textos publicitários que visam sugerir, criar a ideia de que para ser feliz e brincar com
a ‘turminha Galak’ é necessário ter o produto em posse. Já na peça publicitária da
marca Garoto o texto publicitário presente na propaganda da marca Garoto além de
não visar informar em momento algum sobre o produto, igual a primeira peça, se
utiliza de atividades que a própria criança realiza para chamar atenção.
Entretanto, as duas peças publicitárias inserem a criança em seu próprio
contexto, remetendo suas imagens ao que é ser criança, fazendo referência a suas
brincadeiras e formas de se divertir, mas ao mesmo tempo estão sendo colocadas
na posição de consumidoras. Esta representação da criança consumista é notada
através dos próprios textos presentes em ambas as peças, que sugerem que a
criança pode escolher e comprar aquele produto.
Ambas as peças publicitárias se utilizam das condições de produção e dos
meios em que circulam para se adaptarem e chamarem a atenção de seu
público.Conforme discutido no capítulo 3 os meios publicitários se adaptaram de
acordo com as restrições e novas necessidades presentes na sociedade, entretanto
ainda pode-se observar que o uso do slogan está presente desde as épocas mais
40
antigas, não sendo característica própria da atualidade. Sendo assim, podemos
levar em consideração que a peça publicitária da marca Garoto e da Nestlé criam
novas necessidades na criança, mesmo que inconscientemente, de que ela
precisaria do chocolate através do interdiscurso que automaticamente consti tui o
discurso que se pautaria na formação imaginária da criança, levando em conta, para
isso, o contexto em que as próprias crianças se inserem, já que a primeira peça
apela para a questão imaginativa, própria do mundo infantil da década de 80,
enquanto a propaganda mais atual se pauta nas atividades infantis contemporâneas,
sem tanto recurso à fantasia.
Apesar disto, a representação da criança ainda é da criança que brinca e se
diverte. Ainda assim, as crianças são convidadas a abandonar parte de seu mundo
infantil ao se tornarem possíveis consumidoras, o que, via de regra, pertence ao
mundo adulto.
41
5.5 PEÇA PUBLICITÁRIA Nº 5
Imagem nº 5 – Peça publicitária Canetinhas da marca Sylvapen. 11
Esta peça publicitária da marca Sylvapen tem como foco vender suas
“canetinhas 100 mm” para o público infantil. Esta peça circulou principalmente entre
os anos de 1970 e 1980 em revistas e Gibis, quando ainda não havia proibições a
respeito desse tipo de veiculação.
A peça é constituída por um menino de aproximadamente 10 anos que está
em destaque segurando com a mão direita uma caixa cheia de canetinhas, enquanto
com a mão esquerda segura uma canetinha de cor preta e faz um gesto de como se
estivesse fumando/tragando. Logo acima da figura do menino existe um texto
publicitário “Mude para os 100 mm” e abaixo do menino existe mais um texto
publicitário em evidência com a marca do produto seguida de uma frase
descrevendo o produto: “Sylvapen 100 mm. / A caneta de fibra mais mordida na
América Latina”. Logo ao lado destes recursos, existem oito frases que descrevem o
produto sendo elas: “Troque a sua caneta por uma Sylvapen 100 milímetros”, “E
11 FONTE: http://www.propagandashistoricas.com.br/2013_04_01_archive.html
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lindas formas coloridas vão aparecer diante de seus olhos”, “Sylvapen vem em um
estojinho com seis cores e noutro estojinho com doze”, “Qualquer um deles cabe no
bolso da sua camisa, porque é do tamanho de um maço de cigarros”, “E 100
milímetros de carga dão para você desenhar dois quilômetros”, “Avise o seu pai que
você também vai mudar para os 100 milímetros”, “Peça a êle para comprar um
estojo Sylvapen”, “É o tipo do vício que vai encher a família inteira de orgulho”.
Estas oito frases estão distribuídas uma abaixo da outra para darem o efeito
de se complementarem, como se fossem instruções sobre o produto. A partir disto
podemos notar que a criança nesta peça publicitária é tratada como consumidora,
mas não como adulta, pois em uma das frases ela é direcionada a pedir para o pai
comprar o produto. Entretanto, ela está inserida diretamente no contexto de
adultização, no qual as referências da imagem da criança tragando/fumando, as
frases que dizem que a caixa do produto é do tamanho de um maço de cigarros e a
sugestão de avisar o pai que também vai mudar para os 100 mm remetem ao
contexto adulto. Quando a frase sugere que a criança diga que também irá mudar
para os 100 mm faz referência ao filtro do cigarro.
Outra referência interessante está presente na frase “É o tipo do vício que vai
encher a família inteira de orgulho”. A palavra vício tem por si só um significado ruim,
de algo ruim. Entretanto, o uso desta frase pode provocar um efeito de sentido no
qual o menino deveria incentivar o pai a trocar o cigarro pela caneta com
características semelhantes a do cigarro, transformando o significado da palavra
vício em uma coisa boa, já que o vício por morder canetinhas não gera malefícios à
saúde.
Notemos que a criança representada na peça publicitária é um menino e o
texto presente sugere que ele avise ao pai sobre a mudança para a canetinha. Na
época em que a presente peça foi publicada, o ato de fumar era algo que abrangia
grande parte do universo masculino, no qual ver um homem fumando em público era
mais comum do ver mulheres fumando. Ou seja, para um homem o ato de fumar era
visto como um status perante a sociedade. O fato de fumar pertencer ao mundo
adulto pode despertar na criança a ideia de que se ela fumasse estaria inserida no
contexto adulto e para criar esta representação ela deveria fingir fumar algo que não
prejudicasse a saúde.
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Sendo assim, podemos retomar o que já foi dito de acordo com os estudos de
Ariès (1981) no qual afirma que a criança era inserida no mundo adulto mesmo sem
ter sua formação crítica completa. É o que acontece nesta peça publicitária: a
representação da criança é automaticamente inserida no contexto adulto, se
utilizando explicitamente de termos usados pelos adultos, bem como da referência
ao cigarro. Ao receber este tipo de informação, a criança forma sua própria ideia
sobre o produto e automaticamente o liga ao cigarro. Mesmo que ainda não tenha
seus conceitos totalmente formados ela interpreta a partir daquilo que vê.
5.6 PEÇA PUBLICITÁRIA Nº 6
Imagem nº 5 – Propaganda de material escolar “Menininhas” da Tilibra12. (2015)
Esta peça publicitária está veiculada no site da marca Tilibra, referente a
materiais escolares da marca “Menininhas” e circula no ano de 2015. A marca
Menininhas é composta pelo desenho de cinco garotas pré-adolescentes que estão
estampados em diversos tipos de material escolar como mochilas, estojos, lápis,
borrachas e cadernos (caligrafia, aritmética, cartografia e desenhos) para fins
pedagógicos.
Esta peça é constituída por uma das personagens da marca Menininhas à
esquerda. Ao seu lado, existe um texto publicitário em forma de aviso como se
estivesse colado: “A nova coleção Menininhas está um arraso!”. Logo abaixo a este
texto está a logomarca Menininhas e em seguida ao texto, um pouco mais
centralizado estão três tipos diferentes de mochilas e um estojo da marca. O cenário
de fundo é todo rosa com detalhes de flores pequenas e borboletas.
12 FONTE: http://www.tilibra.com.br/
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Para tanto, o público-alvo desta peça publicitária são crianças meninas de no
máximo 12 anos que estão colocadas em uma posição de crianças adultas e
consumidoras. O texto publicitário presente visa informar sobre a nova coleção da
marca, despertando o interesse das crianças e ao se utilizar da gíria “está um
arraso” entra no contexto atual da criança, dialogando com o consumidor, pois é
uma gíria de meninas e pré-adolescentes para dizer que algo está legal,
maravilhoso, lindo.
Podemos considerar também que esta gíria produz um efeito de sentido no
que diz respeito ao modo de se vestir, dizendo que a aparência de uma mulher é de
extrema importância perante a sociedade, mesmo que ela seja apenas uma criança.
A personagem representada na propaganda é uma pré-adolescente com
características adultas, na qual está usando uma blusa com barriga de fora,
adereços como bolsa e colares e em sua mão direita estaria segurando um telefone
celular. Ou seja, a representação deste tipo de roupa nos dá uma visão atual do que
é ser mulher, enfatizando que cada vez mais cedo as meninas começam a ser
mulher.
Ao se utilizar destes recursos imagéticos, a peça publicitária desperta uma
nova necessidade na criança em relação ao produto ofertado. Ou seja, ao se referir
ao produto como “um arraso” ele chama a atenção da criança para algo bom e ao
receber esta informação ela criaria em sua memória uma nova necessidade, vontade
de adquirir o produto. Sendo assim, todo o contexto presente nesta peça publicitária,
as cores rosa e o texto publicitário ajudam a despertar a curiosidade e o imaginário
do consumidor fazendo com que ele receba a informação e interprete como
necessidade.
Sendo assim, podemos notar algumas diferenças entra a peça publicitária da
marca Sylvapen e da marca Menininhas. Na peça da marca Sylvapen existem
muitos textos publicitários dentro da mesma peça, um total de nove, que tem como
função informar sobre o produto e induzir a criança a pedir aos pais para que o
comprem, o que não é muito comum em peças atuais, que tendem a ser mais
imagéticas e menos textuais. Já na peça publicitária da marca Menininhas existe
apenas um texto publicitário que visa informar sobre a nova coleção e entra em
contato diretamente com o consumidor através do uso de gírias. O fato de a peça
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Menininhas não possuir muitos textos deixa o contexto mais atraente para o público
infantil ao utilizar mais recursos imagéticos e cores. Ou seja, se além das imagens
houvesse a mesma quantidade de textos presentes na peça publicitária da Sylvapen
a criança não atentaria para os textos, visto que o que chama a atenção das
crianças nos dias de hoje são cores e imagens que são facilmente inseridas na
memória. Entretanto, ambas as peças publicitárias introduzem a criança no mundo
adulto seja por parte das referências ao cigarro ou das representações imagéticas
por parte do vestuário.
Neste sentido, as peças publicitárias inserem as crianças em um mesmo
contexto com o intuito de chamar a atenção para o produto oferecido e criar
interpretações a partir do que está sendo transmitido. Seja através do texto
publicitário ou apenas de recursos imagéticos, visando não só informar sobre o
produto, mas também criar uma nova necessidade de consumo. Outro aspecto
importante é a forma como ambas as peças publicitárias reforçam estereótipos
diferentes. Na peça Sylvapen existe um estereótipo masculino que se pauta na
imagem do menino, nos textos que fazem menção ao pai como responsável pelas
aquisições financeiras e na representação do cigarro, que como dito anteriormente
era maior no contexto masculino. Já na peça publicitária Menininhas, como a própria
marca sugere, o estereótipo reforçado é o feminino, no qual é representado pelas
cores em tons de rosa, a imagem da personagem, as roupas usadas e no uso da
gíria “um arraso” que é típica da fala feminina, que no caso da peça publicitária é
para se referir ao modo de se vestir.
46
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve por objetivo discutir a diferença presente entre as peças
publicitárias veiculadas na década de 80 e as peças publicitárias dos últimos 10
anos com orientação da Análise do Discurso, baseada principalmente nos estudos
de Pêcheux.
Como dito anteriormente, toda esta concepção de criança foi construída
historicamente e sendo representada de formas diferentes à medida que os anos
avançam. A partir dos séculos XIX e XX a participação das crianças perante a
sociedade se tornou cada vez mais presente e importante, na qual cria uma maior
interação entre o espaço em que vivem e o consumo.
Esta maior participação da criança na sociedade se deve ao desenvolvimento
tecnológico que ocorreu por volta do século XX e consequentemente aumentando o
consumo, criando novas necessidades e novos desejos, fruto do início das
comunicações de massa. A partir disto as peças publicitárias passaram a ter que se
adaptar a estas novas necessidades e como consequência disto surgiram os textos
publicitários mais apelativos, os quais despertam o interesse e chamam a atenção
do público-alvo por meio de textos longos, slogans e até mesmo recursos não-
verbais, como imagens e desenhos.
Com isso, a criança passa a ser alvo maior destas peças publicitárias, pois
como consumidoras em potencial, mesmo que consumindo com o intermédio de
seus pais, já poderiam escolher seu produto preferido através de cores, modelos e
sabores. Com base na análise comparativa destas seis peças publicitárias, pode ser
observado como o meio publicitário em suas diferentes peças enxerga a criança
como consumidora em sua maioria, fazendo com que as próprias crianças passem a
se ver dessa forma. Alguns contextos, tanto de propagandas da década de 80
quanto as atuais se referem à criança como consumidora inserida no contexto adulto
ou como criança consumidora. Em todas estas peças nota-se que é dada à criança
um poder de escolha a partir do uso de infinitos tipos de imagens, textos e slogans.
A partir do viés da Análise do Discurso, nota-se como a linguagem em meio a
estas peças publicitárias é construída através de um contexto histórico, social e
cultural pautados por diversas ideologias. Esta linguagem acarreta na formação de
47
discursos que se dão principalmente pela interação entre sujeitos e as peças
publicitárias, os quais são resultado das formações imaginárias criadas por quem
produz e por quem interpreta a informação recebida, seja em forma de imagens ou
textos. Outro aspecto importante é a presença de como a memória discursiva está
em articulação com as peças publicitárias, a qual utiliza textos, slogans e imagens
para que a criança ao receber a informação, interprete e guarde em sua memória
para que possa retomar a qualquer momento e reproduzir o discurso que construiu a
partir do que interpretou.
Estes aspectos estão automaticamente em articulação com o interdiscurso, o
qual é o suporte para as formações imaginárias e discursos, pois para Pêcheux
(1997) o interdiscurso é constituído através das articulações no contexto sócio-
histórico, o que acarreta diretamente na construção dos conjuntos de efeitos de
sentido e determinando a constituição do discurso. Ou seja, o sujeito não cria seu
próprio discurso ele apenas reproduz sentidos e sentidos já existentes de acordo
com sua própria interpretação.
Sendo assim, o sujeito é influenciado por determinadas ideologias e outros
discursos, o que ocorre no caso das peças publicitárias, que, ao se utilizarem de
recursos específicos para chamar a atenção das crianças, acabam por influenciar as
crianças com ideologias e discursos, consequentemente fazendo com que a criança
torne isto como discurso dela. Um exemplo disto está nas peças publicitárias da
marca Sylvapen e na da marca Menininhas, da Tilibra. Estas peças publicitárias,
respectivamente, reforçam ideologias e estereótipos de ser homem e ser mulher,
nos quais impõe de forma explícita a importância do papel de homem e mulher na
sociedade, o que resulta numa aceleração do processo de tornar-se mulher ou
tornar-se homem.
É importante refletirmos acerca das diferenças encontradas entre as peças
publicitárias da década de 80 e as peças atuais. De acordo com a análise, podemos
notar que não há uma diferença em relação a criança no mundo consumista, em
ambas peças a criança é vista como uma possível consumidora. Um aspecto que
contrasta estas peças publicitárias é a forma de composição, este contraste é
notado, poisà medida que as novas tecnologias surgem é necessária a adaptação
48
por parte do meio publicitário, que necessita suprir as expectativas contemporâneas
do que propriamente à visão que propagam sobre as crianças e o consumo.
Mesmo com o surgimento de soluções protetivas às crianças, como as do
CONANDA que proibiram peças publicitárias em Gibis13, por exemplo, a colocação
da criança em uma posição consumista ainda existe. De acordo com o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e o Referencial utilizado nesta pesquisa, que visam
a importância do desenvolvimento de todas as fases da criança, podemos notar que
as peças publicitárias, mesmo com estas leis, acabam inserindo a criança em um
contexto adulto para poder transformá-la em possível consumidora e chamar
atenção para o produto oferecido.
As reflexões acerca da Análise do Discurso foram de suma importância para
compreender as representações presentes nas peças publicitárias, a visão de ser
criança, para estas mesmas peças e como o uso de diferentes recursos podem
influenciar o público-alvo em questão. No decorrer da presente análise, buscamos
observar os principais aspectos que resultam na influência e na reprodução dos
discursos já existentes através dos conceitos de interdiscurso, memória discursiva,
discurso e ideologia, de acordo com a fundamentação teórica proposta.
É importante ressaltar que estes resultados relacionados às representações e
visões de criança não se limitam à presente análise, os quais são apenas recortes
de peças publicitárias selecionadas para demonstrar o contraste nas produções
discursivas presentes nas peças da década de 80 e nas peças atuais. Embora o
foco da presente análise fosse mostrar o contraste entre estas peças publicitárias, os
discursos diversos presentes na sociedade e suas ideologias dão espaço a novas
leituras e possibilidades acerca das peças publicitárias.
13FONTE: http://judao.com.br/criancas-publicidade-hqs-projetodelei/
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