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Compartilhamento em rede: práticas interacionais no ciberespaço

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Compartilhamento em rede: práticas interacionais no ciberespaço

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  • COMPARTILHAMENTO EM REDE:PRTICAS INTERACIONAIS NO CIBERESPAO

    Marcos Nicolau (orgaNizador)

    Joo Pessoa - 2014

  • Livro produzido pelo ProjetoPara Ler o Digital: reconfigurao do livro na Cibercultura PIBIC/UFPB

    Departamento de Mdias Digitais DEMID / Ncleo de Artes Miditicas NAMIDGrupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Miditicas Gmid/PPGC/UFPB

    Coordenador do ProjetoMarcos Nicolau

    CapaKeila Loureno

    Editorao Digital

    Bruno GomesSamara Cintra

    Alunos IntegrantesBruno Gomesrika AntunesEwerton HenriqueGabriel JardimJssica SantosLuana VianaSmara LgiaSamara Cintra

    FICHA TCNICA

  • EDITORA

    av. Nossa seNhora de FtiMa, 1357, Bairro torre ceP.58.040-380 - Joo Pessoa, PB

    www.ideiaeditora.coM.Br

    ateNo: as iMageNs usadas Neste traBalho o so Para eFeito de estudo,de acordo coM o artigo 46 da lei 9610, seNdo garaNtida a ProPriedade

    das MesMas aos seus criadores ou deteNtores de direitos autorais.

    N639c Nicolau, Marcos. Compartilhamento em rede: prticas interacionais no ciberespao

    [recurso eletrnico] / Marcos Nicolau.- Joo Pessoa: Idia, 2014. 1CD-ROM; 43/4pol. (2.356kb) ISBN: 978-85-7539-954-5 1. Internet. 2. Redes de interao. 3. Recursos digitais - produo edito-

    rial. 4. Redes sociais - interaes.

    CDU: 004.738.5

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    SUMRIO

    Apresentao........................................................................................06 Redes de Interao Subjetiva na InternetMarcos Nicolau......................................................................................08 Tapastic e o Compartilhamento de Histrias em Quadrinhos Alternativasem Comunidades VirtuaisAlberto Pessoa.......................................................................................34 Web 2.0 Numa Sociedade Vigiada: Google, Interao e os Riscos Privacidade na RedeEmanuella Santos.................................................................................58 A Televiso do Futuro e o Telejornalismo: Assistir, Curtir e CompartilharAna Sousa................................................................................................84 Agente Temtico: O F Interativo no Contexto da Web-CinefiliaJoo Batista Firmino Junior.............................................................112 WhatsApp: Discusses Sobre Interatividade e Acesso Online s FontesLigia Coeli Silva Rodrigues..............................................................132 Big Data e Autonomia do Usurio: os Rumos de um Futuro DataficadoGiovanna Abreu..................................................................................158 Da autonomia do Autor Escrita Colaborativa Na Cibercultura: As Implicaes Dos Novos Espaos e Recursos Digitais na Produo EditorialFilipe Almeida...........................................................................................183

    As Interaes das Redes Sociais nas Plataformas Digitais de CinefiliaMayara Silva..............................................................................................207 As Novas Formas do Discurso Publicitrio nasInteraes Entre Blogueiras de Moda e LeitorasLas Tolentino Muniz Campos.............................................................235 Netativismo e Processos Interacionais: Estudo de Caso de Ao Social Juvenil na Fanpage Dirio de ClasseKalyne de Souza Vieira, Claudio Cardoso de Paiva...........................268 Mobile Learning: Plataformas Colaborativas de AprendizagemLorena Simone Nascimento Barros..................................................300 O Vine Como Tendncia da Fragmentao das Redes SociaisLincoln Ferdinand....................................................................................317 As Eleies Da Zueira: Interao, Entretenimento e Memetizao do Discurso Poltico nas Eleies Presidenciais de 2014Luana Inocencio.......................................................................................344 F e fandom: Estudo de Caso Sobre as Estratgias Mercadolgicas da Srie Game Of ThronesNathalia Rezende....................................................................................377

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    APRESENTAO

    DAS PRTICAS INTERACIONAIS EM REDE

    Conexes em rede so caractersticas essenciais do universo, cuja estrutura formada por sistemas de redes dentro de redes. A complexidade desse sis-tema copiada pela cultura humana em pequena escala, mas que se mostra intrnseca estrutura das organizaes sociais. Nesse micro-universo surgem redes no ambiente do ciberespao, cuja principal base fsica a internet.

    Depois de estabelecer os padres dessa rede de compartilhamento que se presentificou na cibercultura, a cultura humana passou a organizar suas atividades em prticas interacionais distintas, criando modelos de participa-o que atendiam s necessidades sociais de relacionamento por aproxima-o de interesses.

    Sabemos que por trs dessas facilidades esto os empreendimentos mer-cadolgicos de grandes organizaes, mas tambm iniciativas diversas de usurios em uma organizao social que proporciona autonomia e liberdade de expresso e organizao social.

    disso que trata a presente obra: a busca pelo mapeamento e enten-

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    dimento das prticas interacionais em diferentes contextos e perspectivas, abrangendo as mais variadas reas das atividades scio-culturais no cibe-respao: redes de interao subjetiva, compartilhamento nas histrias em quadrinhos alternativas, interao e riscos privacidade na rede, televiso do futuro e telejornalismo, agente temtico e web-cinefilia, o Whatsapp e as fontes de jornalismo, Big Data e autonomia do usurio, escrita colaborativa e produo editorial, plataformas digitais de cinefilia, discurso publicitrio de blogueiras de moda, netativismo juvenil, plataformas colaborativas de aprendizagem, o Vine e a fragmentao das redes, entretenimento e meme-tizao do discurso poltico, estratgias mercadolgicas de Game of Thrones.

    Os artigos aqui produzidos, alguns em autoria prpria e outras em co--autoria com Marcos Nicolau e Cludio Paiva, fazem parte dos estudos de-senvolvidos no mbito do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Miditicas - Gmid/PPGC/UFPB, do Programa de Ps-Graduao em Comuni-cao da UFPB, durante este ano de 2014. Vrios deles foram apresentados em encontros e congressos da rea de Comunicao e agora compem a presente obra.

    O Organizador

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    REDES DE INTERAO SUBJETIVA NA INTERNET1

    Marcos NICOLAU2

    ResumoA sociedade da informao nos proporcionou a comunicao em rede, com uma promessa de emancipao comunicacional e liberdade de expresso. E muitos au-tores viram no potencial tecnolgico da internet a oportunidade da interconexo de uma inteligncia humana que poderia nos levar inteligncia coletiva. O que se evidencia, porm, um grande aparato mercadolgico que faz da internet um sistema automatizado e antidemocrtico de informao. Estaria a inteligncia co-letiva longe de se concretizar devido a supremacia das redes de interao objeti-va ou haveria formas de inteligncia coletiva no dissimulada manifestando-se na rede? Acreditamos ter encontrado indcios de redes de interao subjetiva atravs das quais as pessoas desenvolvem um modus faciendi que projeta suas experincias pessoais para o campo das experincias coletivas.

    Palavras-chave: Redes de interao. Inteligncia coletiva. Modus faciendi.1 Artigo apresentado no I Congresso Internacional de Net-Ativismo, realizado na ECA/USP em novembro de 2013.2 Ps-Doutor em Comunicao pela UFRJ. Professor do Programa de Ps-Graduao em Comunicao e do Curso de Comunicao em Mdias Digitais, da Universidade Federal da Paraba UFPB. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Miditicas Gmid. E-mail: [email protected].

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    Introduo

    A internet mostrou-se, desde a sua popularizao, bastante propcia para livre compartilhamento de ideias e opinies, cultura participativa irrestrita e consequente consolidao de uma democrtica comunicacional que viria libertar as sociedades contemporneas do imperativo dos meios de comu-nicao de massa.

    Mais do que um simples avano nas tecnologias da informao e da co-municao com todo o seu aparato miditico, havia a ideia promissora de que a inteligncia humana em rede contribuiria para uma ordem superior de pensamento, de conhecimento e de conscincia internetizada. Essa Era de promessas, segundo Cbrian (1999, p. 18), no apontava apenas para a interconexo de tecnologias, mas, para a interconexo de seres humanos pela tecnologia, a fim de combinar suas inteligncias, conhecimentos e cria-tividade em prol do desenvolvimento social.

    Alm de considerar que o ento curso dos acontecimentos, com a rede mundial de computadores, convergia para a constituio de um novo meio de comunicao, de pensamento e de trabalho para as sociedades huma-nas, Pierre Lvy (1998), j anunciara que a inveno de novos procedimentos de pensamento e negociao seria necessria para que pudssemos fazer emergir verdadeiras inteligncias coletivas, cuja proposta seria descobrir

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    ou inventar um alm da escrita, um alm da linguagem, de forma que o tra-tamento da informao fosse distribudo e coordenado por toda parte, no se tornando propriedade ou condio de rgos sociais separados, mas se integrando naturalmente a todas as atividades humanas e voltando s nos-sas mos.

    Estvamos diante de um aparato tecnolgico que, alm de possibilitar essa interconectividade do pensamento e da Inteligncia humana, influen-ciando sobremaneira as nossas prticas comunicacionais, poderia ser regida e direcionada por nossas aes cotidianas. Para Manuel Castells (2003, p. 10): Como nossa prtica baseada na comunicao, e a Internet transforma o modo como nos comunicamos, nossas vidas so profundamente afetadas por essa nova tecnologia da comunicao. Por outro lado, ao us-la de mui-tas maneiras, ns transformamos a prpria Internet.

    Passadas quase duas dcadas desses comentrios otimistas e depois de inmeras inovaes tecnolgicas voltadas para o relacionamento e para a usabilidade de aplicativos diversos, o que se evidencia hoje com a internet uma rede de interao objetiva muito bem articulada com sistemas mer-cadolgicos de comrcio eletrnico; mecanismos de busca de informao e conhecimento que selecionam e manipulam seus resultados; redes sociais que se integram aos servios de e-mail para direcionar relacionamentos e catalogar dados de milhes de usurios. Cenrio que j havia sido motivo de

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    alerta de Dominique Wolton (2008, p. 150), para quem a internet no passava de um sistema automatizado de informao, apesar do considervel trnsito de mensagens digitais existente no mundo inteiro: So os planos culturais e sociais de interpretao das informaes que contam, no o volume ou a diversidade dessas informaes.

    De outro modo e no menos incisivo, a constatao de Barabsi (2009), em seu projeto de mapeamento da Web, sobre a falta de democracia e de equidade nesse ambiente de rede, uma vez que pequena quantidade de ns altamente conectados, chamados de hubs e provenientes de sites como Amazon.com, Yahoo!, domina sua arquitetura. Acrescentamos a esses exem-plos o Google que responde hoje por 25% do trnsito na internet3.

    Estaria a conexo das inteligncias humanas mediada pela rede fadada a uma conformao algortmica e a inteligncia coletiva seria somente uma utopia? No haveria nenhuma possibilidade de se criar redes de interao mais significativas para as nossas inteligncias do que essa interao mani-pulada pelos sistemas de buscas e relacionamentos, direcionados por gran-des conglomerados que hoje loteiam a internet?

    Para responder a esses questionamentos, investigamos os indcios da existncia de redes de interao subjetiva na internet, que parecem funcio-3 Disponvel em: . Acessado em: 24/jul./2013.

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    nar por sobre as redes de interao objetiva, mas em outro nvel de comu-nicao. Os participantes dessas redes inconsistentes, ora prolongadas ora efmeras, percebem que podem transitar facilmente por diferentes aplica-tivos, criando interaes simultneas com muitos outros usurios. Atuam em mais de uma rede social e usam variados e-mails, s vezes em mltiplas conversaes; fazem remixagem4 de mensagens, ideias e produtos e criam suas formas significativas de comunicao.

    Ao estabelecerem essa personalizao na internet, tais participantes es-to por criar um modus faciendi, uma dimenso de compartilhamento que leva em conta a subjetividade, mas que usa elementos comuns e significados subjacentes para o relacionamento na rede. Essa premissa constitui o objeti-vo principal do presente artigo: investigar os indcios do funcionamento de redes de interao subjetiva na internet e as possibilidades comunicacionais de seu desenvolvimento espontneo atravs de um modo de fazer pesso-al que contribua para a interconectividade da inteligncia humana. Em que essas redes subjetivas so diferentes ou que nvel diferenciado de relaciona-mento elas usam o cerne da questo.

    4 O princpio que rege a cibercultura a re-mixagem que, segundo Lemos (2005, p. 1), o conjunto de prticas sociais e comunicacionais de combinaes, colagens, cut-up de informao a partir das tecnologias digitais.

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    1 Fundamentos da comunicao em rede na internet

    A sociedade da informao tem como principal substrato a comunicao em rede, um processo que serve de base para todos os fenmenos da ciber-cultura, entre eles, a internet. nesse ambiente formado pela rede mundial de computadores que vivenciamos a virtualizao das relaes humanas. Portanto, a formao de redes um conceito chave que requer a devida compreenso por constituir um novo paradigma comunicacional respons-vel pelas profundas mudanas de ordem social e econmica que vivencia-mos.

    Segundo Lemos e Lvy (2010), a sociedade da informao transformou a sociedade industrial em trs de seus pilares, assim compreendidos: 1) a estrutura em rede baseada na informao e na comunicao; 2) as redes so-ciais, que envolvem o outro, as relaes sociais e a comunicao; 3) a globa-lizao, em seu processo de desterritorializao e de mundializao.

    Nesse sentido, a comunicao em rede, que se estabeleceu sobre a co-municao de massa pertence a outro paradigma, que nos impe novas perspectivas, conforme Castells (2007, p. 113): ...o paradigma da tecnologia da informao no evolui para seu fechamento como um sistema, mas rumo a abertura como uma rede de acessos mltiplos. forte e impositivo em sua materialidade, mas adaptvel e aberto em seu desenvolvimento histrico.

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    1.1 A evoluo do conceito de redes e a formao antidemocrtica da Web

    Para Vaz (2001), o termo rede passou por uma transformao semntica entre os anos de 1960 e 1990, por causa do surgimento da internet. De fe-nmeno localizado torna-se a base de uma nova compreenso da sociedade contempornea. Por definio bsica, uma rede constituda por ns e co-nexes dois a dois entre estes ns, que podem ser diretas ou indiretas, inter-mediadas por outros ns. Da definio decorre uma singularidade maior na rede: o nmero de ns pode ser finito e, contudo, a rede ilimitada, consti-tuindo-se como uma infinita encruzilhada.

    A dimenso de estudos recentes chamados de teoria das redes foi pro-posta por Albert-Lszl Barabsi, com uma abordagem matemtica e fsica, a partir da concepo da teoria dos grafos, apresentada por Euler, em 1736. O grafo a representao de uma rede, constitudo de ns e arestas que co-nectam esses ns. Um aglomerado de ns formam os clusters. Temos, ento, a ideia de que a rede composta por pontos e por interaes entre esses pontos.

    Trazendo essa estrutura para a rede mundial de computadores, percebe--se que a arquitetura da Web resultado de dois substratos significativos: o cdigo e as aes humanas coletivas que se aproveitam do cdigo. Barabsi (2009, p. 154) diz que o cdigo pode ser regulado por tribunais, governos,

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    empresas, mas as aes humanas no podem ser enquadradas por nenhum usurio ou instituio, afinal a Web no tem um planejamento central por-que auto-organizada: Ela se desenvolve a partir das aes individuais de milhes de usurios. Como resultado, sua arquitetura muito mais rica do que o somatrio de suas partes. A maioria dos traos realmente importantes e das propriedades emergentes da Web deriva de sua topologia auto-orga-nizada em grande escala.

    Entretanto, o cenrio que se mostra at ento, deveria representar o modo como a sociedade passou, como havia demonstrado Castells (2003, p. 8), de um sistema de cadeias de comando e controle verticais racionalizados, para um sistema muito mais flexvel e adaptvel de tomada de deciso coordena-da e execuo descentralizada, de expresso individualizada e comunicao horizontal. E isso deveria permitir uma igualdade de interao e visibilidade para todos.

    Mas, na prtica no exatamente isso que ocorre devido ao fato de que, apesar de fazermos escolhas individuais bastante imprevisveis, costumamos, em grupo, seguir padres rigorosos, como constatou Barabsi (2009) em seu estudo sobre a internet. O dado elementar na sua pesquisa que, quando os usurios precisam decidir com quem se conectar na Web, quando se trata, por exemplo, de escolher entre mais de uma pgina, uma com mais links que as outras, cerca de o dobro dos usurios acessa a pgina mais conectada.

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    Tal estudo constata que as redes no so formadas de modo aleatrio, como, alis, j havia sido comprovado por Granovetter (1983) em seus estu-dos sobre a criao de laos fortes e laos fracos nas relaes humanas e le-vados em considerao agora. No caso da internet, segundo Barabsi (2009) existe uma ordem dinmica de estruturao e crescimento das redes que ele denominou de rich get rich, que se traduz como ricos ficam mais ricos, com intuito de mostrar que, quanto mais conexes um n possui, maiores as chances desse n ter novas e crescentes conexes.

    Essa perspectiva de como a Web desenvolve-se no mbito da rede mun-dial de computadores traz tona as questes cruciais que nortearam a aber-tura do presente artigo, quando foram expostos, de um lado, o novo para-digma comunicacional de compartilhamento e liberdade de expresso da sociedade em rede; e de outro, os aspectos de controle e manipulao que se registra por parte dos aglomerados empresariais do mundo virtual. A topologia da Web, segundo o autor do estudo, seria desfavorvel demo-cratizao da internet, apesar da liberdade de expresso que a coloca como frum mximo da democracia, como acreditam alguns:

    Se a Web fosse uma rede randmica, eles estariam certos. Mas no . O re-sultado mais curioso de nosso projeto de mapeamento da Web foi a com-pleta falta de democracia, de equidade e de valores igualitrios nela. Des-

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    cobrimos que a topologia da Web no nos permite perceber seno uma mera parcela dos bilhes de documentos nela existentes. (BARABSI, 2009, p. 51)

    A explicao para este fenmeno vem da prpria condio da sociedade, na qual, como se sabe, alguns poucos conectores conhecem ou se relacio-nam com um imenso nmero de pessoas. E na Web no parece ser diferente, uma vez que uma pequena quantidade de ns altamente conectados domi-na sua arquitetura. Esses tipos de ns, chamados de hubs, podem ser exem-plificadas pelas empresas j citadas: Yahoo!, Amazon.com, Google. Segundo Barabsi (2009, p. 52), para onde quer que nos direcionemos, sempre existe outro link apontando na direo desses hubs: Na rede que se encontra por trs da Web, muitos ns no populares ou pouco percebidos, que possuem apenas um pequeno nmero de links, so sustentados por esses poucos si-tes da Web altamente conectados.

    Significa dizer que, apesar de todos os usurios poderem criar sites, blo-gs e disponibiliz-los livremente na Web, fica a questo se essa pgina ser percebida facilmente pelos demais internautas. Isso seria mais fcil se a Web fosse randmica, como disse Barabsi; porm, pginas conectadas por uns poucos documentos so imperceptveis na vasta extenso das conexes, porque at mesmo os mecanismos de busca no conseguem rastre-las

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    quando esto procura de novos sites. Esses mecanismos so movidos por algoritmos que privilegiam os sites mais conectados por hubs.

    Percebemos, assim, que a estrutura da internet, com suas redes de inte-rao objetiva so extremamente favorveis ao sistema de algoritmos que estabelece o modus operandi das empresas de mecanismos de buscas, dos portais de informao, das redes sociais digitais enfim, de todo o mercado de comrcio eletrnico, contribuindo para um sistema de funcionamento antidemocrtico.

    2 Laos pessoais, agenciamentos e subjetividade nas redes sociais da internet

    Os parmetros utilizados at ento para se compreender os aspectos in-trnsecos aos relacionamentos mediados por computador tm como base es-tudos anteriores, envolvendo relaes sociais e recorremos aqui a dois deles.

    Considerado por Barabsi (2009) como um dos trabalhos mais influen-tes de sociologia j escritos, o artigo The strength of weak ties, do socilogo Mark Granovetter, publicado em 1973 e revisto em 1983, sobre redes sociais trouxe a noo de laos fortes e laos fracos no mbito dos vnculos de re-lacionamentos.

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    Para Granovetter, as redes sociais constitudas por laos fracos mostra-ram-se fundamentais para a disseminao de novidades, uma vez que nelas esto indivduos com experincias e formaes diversas. Nas redes sociais de laos fortes h uma identidade comum entre seus integrantes. As intera-es geradas nesse contexto no se estendem muito alm do grupo.

    Trazendo as observaes desse primeiro estudo para o mbito das redes sociais na internet, Kaufman diz que as relaes baseadas em laos fortes definem a configurao dos ns da rede de conexes entre os indivduos no ciberespao, de modo que as relaes de laos fracos funcionam como pon-tes (bridges) desses grupos (clusters). Nesse caso, quanto menos relaes de laos fracos houver numa sociedade estruturada em grupos, menos pontes e menos inovao vir de fora: A nova arquitetura informativa digital propi-ciou um crescimento exponencial das redes de laos fracos, com a formao das chamadas Comunidades Virtuais, (...) e ex plodiram depois de 2004 com as redes sociais. (KAUFMAN, 2012, p. 208)

    O segundo estudo que consideramos de significativa importncia para compreenso da dinmica das redes sociais apresentado por Manuel De-Landa e devidamente explicitado por Santaella e Lemos (2010). DeLanda estuda a teoria das redes no contexto dos agenciamentos, cujas bases vm de Deleuze e Guattari. uma teoria que, mesmo sendo aplicada a uma va-riedade de conjuntos, pode ser aplicada a entidades sociais, tais como, redes

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    interpessoais e organizaes institucionais, governos, cidades e naes. No desenvolvimento de sua teoria das redes DeLanda recupera as meno-

    res unidades analticas que se pode estudar nas cincias sociais: as impres-ses, as ideias, os hbitos, as habilidades etc. Isso porque as pessoas emergem desses componentes subpessoais. Trata-se de um modelo ontolgico botton up (de baixo para cima), no qual o sujeito emerge na medida em que relaes de exterioridade so criadas entre os contedos das experincias atravs de sua subjetividade, conforme explicam Santaella e Lemos (2010, p. 15):

    A noo de subjetividade, que pode ser trabalhada dentro da teoria dos agenciamentos tomada como seu ponto de partida, ou seja, o sujeito ou pessoa que emerge do agenciamento de tais componentes subpessoais (impresses, ideias, atitudes proposicionais, hbitos, habilidades) apresenta as capacidades necessrias para agir tanto pragmaticamente, isto , para combinar meios e fins, quanto socialmente. capaz de selecionar fins para uma variedade de razes habituais ou costumeiras que no precisam en-volver qualquer deciso consciente. Por outro lado, uma vez que os proces-sos que produzem agenciamentos so sempre interativos, quer dizer, eles sempre cedem passagem s populaes, consequentemente os aspectos da subjetividade que emergem da interao entre as pessoas devem ser considerados.

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    a partir da subjetividade que o ser humano constri seu espao relacio-nal em interao com os demais membros da espcie. So relacionamentos que se inscrevem no contexto das esferas de representao social, permitin-do que cada indivduo desempenhe diversificados papis conforme os am-bientes e as situaes com as quais precisa lidar no mbito da sociedade. E os componentes subpessoais de que fala DeLanda esto impregnados dessa subjetividade, aparecendo em todos os tipos de relacionamentos, inclusive no mbito das redes sociais da internet.

    A ideia de subjetividade, embora guarde um sentido histrico demarca-do5, comumente usada para caracterizar o mundo interno do ser humano, composto por emoes, sentimentos e pensamentos em relao com a rea-lidade exterior. Nas redes sociais digitais ela encontrou um ambiente prop-cio s manifestaes pessoais peculiares.

    Sobre as redes sociais, Recuero (2012, p. 121) explica que, com o surgi-mento delas, as conversaes na internet passaram a gerar outros impactos, espalhando-se pelas conexes instauradas nessas ferramentas e, atravs de-las, sendo amplificadas para os demais grupos: So centenas, milhares de no-vas formas de trocas sociais que constroem conversaes pblicas, coletivas, 5 Historicamente, no mbito da Sociologia e da Filosofia, o conceito de subjetividade foi tratado por Descartes e prin-cipalmente por Hegel na sua Filosofia do direito. No sentido de pertencente ao eu ou ao sujeito do homem aparece inicialmente nas palavras dos escritores alemes do sculo XVIII; e no final do sculo XIX passa a ser explorado pela Psicologia, mais precisamente pela Psicanlise. Nas ltimas dcadas do sculo XX o conceito ganha aspectos histri-cos, sociais e polticos. (TOLEDO, 2003), (LIMA; FERREIRA NETO; ARAGON, 2010)

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    sncronas e assncronas, que permeiam grupos e sistemas diferentes, migram, espalham-se e semeiam novos comportamentos. So conversaes em rede.

    Interessa-nos perceber, ento, que a internet o ambiente propcio interao disseminada entre laos fracos, a partir dos agenciamentos sub-sidiados pela subjetividade que permeia a dinmica das relaes nas redes sociais virtualizadas.

    3 Redes de interao subjetiva na internet

    O discurso das mdias interativas, diante dos seus servios de relaciona-mentos, tem procurado anunciar um espao de ao cada vez mais aut-nomo para que os internautas possam criar seus perfis e compartilhar suas ideias, opinies e produes se no sem restries, dentro de uma liber-dade aceitvel. Embora as ofertas desses espaos e aes gratuitos tenham intuito reconhecidamente mercadolgico, por permitir o trnsito e coleta de dados e informaes valiosos de bilhes de provveis consumidores, aca-bam por se concretizar sobre a internet, como disse Castells (2003), como uma gora de grandes dimenses, que parece corresponder possibilidade de uma inteligncia coletiva, conforme anunciara Lvy (1998): uma inteli-gncia distribuda por toda parte, constantemente valorizada e coordenada

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    em tempo real, resultando em uma mobilizao de competncias.Em certa medida, a internet tem um papel fundamental na construo

    dessa inteligncia coletiva que, por sua vez fator essencial ideia de ciber-cultura. Nesse contexto, cabe-nos ressaltar que, aos trs princpios que regem a cibercultura, tais como descentralizao dos polos de emisso, conectivi-dade e reconfigurao de prticas miditicas (LEMOS, 2005), acrescentamos um aspecto importante para a viso das redes de interao subjetiva na in-ternet: o discernimento humano baseado na conscincia de pertencimento a uma cultura de efetiva participao por parte das pessoas.

    Antes de tudo, percebemos na internet a representao de uma imen-sa rede de interaes objetivas com sua imensurvel troca de informaes provenientes de todos os recantos do planeta. Mas, tambm conseguimos identificar a quantidade considervel de expressividades que so comparti-lhadas: conhecimentos, opinies, ideias; produes transitadas em constan-tes dilogos e que jamais seria possvel no fosse a internet. Estas trocas de efetiva representao do esprito humano fazem parte de redes de interao subjetiva, cujas existncias so volteis por serem espontneas, dado o grau de voluntariedade delas.

    Uma rede de interao subjetiva formada por um conjunto de mensa-gens que determinados usurios enviam e recebem, por diferentes canais di-gitais e cujo contedo tem um singular significado para o momento de suas

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    vidas, provocando-lhes repercusso emocional e afetiva. Ao participarem de vrios ambientes e situaes comunicacionais, como servio de e-mails, redes sociais, blogs, games e sites diversos, usando os recursos miditicos de computadores, notebooks, tablets e smartphones, os usurios criam e re-criam, produzem e reproduzem mensagens que so repassados a pessoas de seu interesse, a partir do discernimento que elas tm sobre a provvel importncia ou impacto de seus contedos.

    As mensagens que integram esses relacionamentos podem ser simples ou complexas e provocam diferentes efeitos junto s pessoas que as rece-bem; podem causar pequenas impresses ou podem sensibilizar e provocar impresses fortes as pessoas podem guardar para si e podem tambm repassar para outras pessoas escolhidas no mbito das suas interaes. Tor-na-se muito difcil saber a extenso do impacto e mesmo do alcance dessas mensagens depois de deflagradas. Tal qual uma pedra jogada na gua, pode provocar ondas de superfcie e de profundidade cujo alcance depende de vrios fatores situacionais.

    Em uma rede de interao objetiva, quando definimos os contedos das mensagens de carter funcional, delimitamos para quem enviar e com que propsito, podendo, as repercusses, ultrapassar o esperado ou no. Nas redes de interao subjetiva, suas caractersticas demonstram um grau de instabilidade permanente, porque envolvem fatores como: a inconstncia

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    dos fluxos de comunicao, uma vez que os usurios no mantm uma fre-quncia para enviar suas mensagens; a diversidade de tipos de contedos imagticos, verbais e sonoros; e a variedade de opes de canais proporcio-nada por muitos aplicativos de relacionamento.

    Ressalte-se, ento, o aspecto subjetivo dessas redes interativas, que pode ser percebido nas analogias e metforas que constituem as mensagens tro-cadas. Trata-se de uma dimenso da percepo humana que est alm dos interesses da comunicao informacional, pois representam, em sua essn-cia, sentimentos mais abstratos e mais sutis junto ao esprito humano de co-munho, congraamento, da vontade de rir ou perceber juntos, aquilo que no se diz racionalmente.

    O relacionamento aqui se d no sentido comunicacional, conforme Sou-sa (2004), mesmo que no haja informao. Quando enviamos um poema ou uma foto esteticamente expressiva para algum, quando por sobre uma imagem escrevemos uma mensagem risvel, quando fotografamos um mo-mento efmero e compartilhamos com pessoas dos nossos contatos, no queremos transmitir especificamente nenhuma informao, mas participar da interconexo de inteligncias e sabedorias impregnadas pela nossa sub-jetividade. E com isso, acabamos por construir ou alcanar, at mesmo pela recorrncia dos compartilhamentos, um nvel de comunicao normativa pelo que est implcito nas relaes e nas mensagens.

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    A comunicao, no contexto das interaes humanas, tem uma natureza dual que se distingue entre informao e produo de significados, de modo que, na concepo de Sousa (2004), a informao funcional no processo de interao e de relao, mas a comunicao tem significado no contexto dos laos sociais. Nesse sentido, para termos informao preciso comuni-cao, mas a comunicao existe sem a informao.

    Compreendemos melhor essa relao processual com a perspectiva de Wolton, ao afirmar que h uma mistura inextricvel entre as duas dimenses na situao comunicacional, sendo uma normativa e outra funcional, que podem ser vistas como um modelo em dupla hlice: A dimenso normativa remete ao ideal da comunicao: informar, dialogar, compartilhar, compreen-der-se. A dimenso funcional, como seu nome indica, ilustra o fato de que, nas sociedades modernas, muitas informaes so simplesmente necessrias para o funcionamento das relaes humanas e sociais. (WOLTON, 2006, p. 150)

    Desse modo, por entre o trnsito dirio que os internautas fazem de men-sagens generalizadas para o exerccio da comunicao virtual, trafegam simul-taneamente os contedos, tanto das redes de interao objetiva, quanto das redes de interao subjetiva. Embora estejamos sujeitos a esse sistema de hubs que rege todo o processo de comunicao funcional das redes de interao ob-jetiva, pela segunda que conseguimos estabelecer um nvel de comunicao normativa, cuja dimenso metafrica prpria da percepo mental humana.

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    As variaes de particularidades entre as duas redes podem ser melhor visualidade no quadro abaixo:

    Quadro 1- Diferenas entre as duas redes de interao na internet

    REDES DE INTERAO OBJETIVA REDES DE INTERAO SUBJETIVA

    1 Seleo planejada e deliberada de contedos compartilhados. Mensagens funcionais e informacionais.

    1 Seleo intuitiva e oportuna de contedos aleatrios compartilhados sem nenhuma preocupao de informar.

    2 Carter referencial de mensagens em contextos j demarcados e delimitados.

    2 Carter metafrico das mensagens em contextos demarcados no momento.

    3 Participao de grupos previamente definidos diante de interesses conhecidos.

    3 Participao de grupos constitudos na ocasio, diante de contedos emergentes.

    4 Tratamento de contedos regido por critrios de entendimento coletivo convencional. A mensagem no deixa dvidas das intenes informacionais, mesmo quando esto nas entrelinhas.

    4 Tratamento de contedos a partir de percepes simblicas, pessoais e subjetivas. Composio livre com vistas a suscitar percepes e impresses diversas, sem intenes predeterminadas.

    5 Canais estabelecidos e aprovados para o trnsito padro de informaes. Exemplo: interao com pessoas por canais que todos convencionam como consolidados para tais conversas.

    5 Canais espontaneamente escolhidos para oportuno relacionamento pessoal. Exemplo: interao com pessoas por quaisquer canais, convencionais ou no, que se faam oportunos no momento.

    Fonte: o pesquisador

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    Na construo dessa maneira de estabelecer um relacionamento parti-cularizado pela subjetividade, as pessoas acabam por imprimir um modus faciendi s suas prticas interativas na internet. Ao escolherem, dentre tantos contedos disponveis diariamente, aqueles que se coadunam com suas for-mas de pensar ou comungam com seus princpios, ao darem o tratamento e fazerem as escolhas para quem e atravs de que canal enviar, as pesso-as exercitam o seu modo pessoal de dizer; personalizam ou impregnam as mensagens com uma maneira particular, ou seja, com o modo como querem lidar com os outros.

    Nesse modus faciendi entra o discernimento humano, a capacidade de ler nas entrelinhas, de construir mensagens de contedo metafrico, de iniciar conversaes da maneira certa e no momento certo, usando os elementos do contexto da vida do outro que somente esse discernimento pode perce-ber. At mesmo porque as relaes no so definidas claramente: os interes-ses pessoais, amorosos, afetivos so muito sutis e instveis, oscilam o tempo todo de acordo com o desenrolar dos relacionamentos.

    O que diferencia as redes de interao subjetiva das redes de interao objetiva o carter voltil, efmero, constitudo por um contedo subjetivo, que se rege pelo discernimento humano de congraamento momentneo. E aqui entram dois processos comunicacionais relevantes e prprios do con-

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    texto das mdias na cibercultura: a remixagem e a multiconversao6. Ambos representam muito bem a conquista do modus faciendi que se estabelece pela subjetividade de contedos com que se articula a operacionalidade das redes de interao subjetiva, frente ao modus operandi das redes de intera-o objetiva.

    Consideraes finais

    A radiografia que temos da internet aps esta explanao de um siste-ma comunicacional coletivo, realmente aberto e disponvel para a participa-o efetiva e autnoma de qualquer pessoa no mundo, que possua acesso rede. Mas, tambm de um sistema grandioso demais para que as empresas e os governos o deixem deliberadamente nas mos de comunidades intei-ras, sem vigilncia e controle, manipulao ou direcionamento.

    Sobre essa situao contraditria, Tim Wu (2012) alerta-nos para o fato de que no podemos ter a certeza da natureza aberta e acessvel da inter-net, uma vez que temos uma trajetria de monoplios histricos no decor-rer da civilizao, formados pelos poderosos conglomerados da telefonia, do cinema, do rdio e da televiso. Afinal, informao e conhecimento so

    6 A multiconversao, segundo Recuero (2012), ocorre quando um nico usurio, chamado por ela de ator, man-tm diversas conversaes, em diferentes contextos e com atores variados.

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    dois bens universais que sempre estiveram no centro dos grandes domnios humanos, com ciclos quase inevitveis de construo de imprios.

    As duas foras, portanto, que se digladiam para a construo da internet so: o movimento de auto-organizao emergente da participao delibera-da de cientistas da computao, hackers e usurios comuns que almejam o ideal de comunicao emancipada e livre versus a ao articulada de interes-ses econmicos e polticos que procuram direcionar as produes e os usos dos recursos da internet para fins mercadolgicos lucrativos e de controle ideolgico inerente aos regimes capitalistas contemporneos.

    O que podem as simples redes de interao subjetiva representar nesse contexto de batalha to desigual, seno uma prtica espontnea que almeja vida prpria? Uma rede dentro da rede que ganha conscincia de sua capa-cidade autnoma de existir e que se alastra para o vetor mximo da inteli-gncia humana: seu poder de criar e compartilhar ideias; de reconfigurar e difundir tudo o que pode ser benfico e libertrio para a espcie humana; de transcender as diferenas culturais e participar dos valores e princpios universais que nos fizeram caminhar at aqui, em busca de uma almejada ciberdemocracia.

    Trata-se, portanto, de uma negociao constante, mas que deve estar s claras, entre a capacidade que temos de gerir nossas vidas e nossas prticas sociais utilizando tambm todos os recursos de comunicao virtual e as

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    vias de progresso e desenvolvimento que as foras econmicas e polticas querem nos impor.

    Poder discutir isso e poder compartilhar todas as questes que afligem a nossa existncia individual e coletiva, atravs da prpria rede mundial de computadores j , por si s, um grande trunfo da internet. E as redes de in-terao subjetiva seriam um rasgo de demonstrao de que possvel uma comunicao para alm do padro objetivado pelos sistemas computacio-nais: uma representao de significados que somente os seres humanos dis-ponibilizaro atravs do universo subjetivo e intrnseco de suas mentes.

    Referncias

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    TAPASTIC E O COMPARTILHAMENTO DEHISTRIAS EM QUADRINHOS ALTERNATIVAS

    EM COMUNIDADES VIRTUAIS

    Alberto Ricardo PESSOA7

    ResumoEste artigo apresenta um estudo crtico acerca da ao de compartilhamento entre autores e leitores de histrias em quadrinhos dentro da comunidade virtual conheci-da como Tapastic. Se no sculo XX os autores independentes encontravam o espao para divulgar seu trabalho em fanzines, atualmente so as comunidades virtuais ge-renciadas por Startups que, em busca de novos modelos de negcio propem-se a oferecer espao para os independentes. Com escopo terico de Magalhes (2005), Primo (2007) e Recuero (2005), usamos a metodologia de estudo de caso como base de anlise contextual e dissertamos acerca dos efeitos comunicacionais de um modelo que, desde revoluo industrial no apresenta tantas possibilidades de interao, in-tegrao e compartilhamento de significados no cotidiano e imaginrio do indivduo.

    Palavras-chave: Comunicao. Compartilhamento. Histrias em Quadrinhos7 Professor Ps-Doutor do Programa de Ps Graduao em Comunicao e do Curso de Comunicao em Mdias Digitais, da Universidade Federal da Paraba UFPB. Coordenador do Grupo de Estudos em Desenvolvimento, Edu-cao e Mdia GEDEM. E-mail; [email protected]

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    Introduo

    A sociedade contempornea passa por um momento de acesso a dados e informao diferente do que havia experimentado at o final do sculo XX. Se at esse perodo o contedo era viabilizado pelos meios de comunicao tais como produtoras, gravadoras, editoras e estdios, com o desenvolvi-mento da internet um indivduo capaz de pesquisar de maneira direta e irrestrita a um determinado assunto sem intermedirios.

    O conceito de interatividade e compartilhamento de contedos tambm sofreu uma revoluo como destacam Nicolau e Cirne (2009), ao afirmarem que a interatividade presente na internet e nas novas mdias digitais no era possveis nas mdias tradicionais, quando espectadores e emissores intera-giam apenas atravs de cartas, telefonemas e pesquisas de opinio.

    O criador de contedo inserido nesse novo contexto observa, como Lvy (1999) afirma, que a incluso de novas tecnologias nas mdias digitais pro-movem novos processos entre aqueles que se comunicam. Assim, diversos autores de linguagens originadas na mdia impressa procuraram migrar para essa nova maneira de se comunicar, seja pelo seu carter global e reduo significativa de custos.

    O impacto dessa nova maneira de se comunicar foi especialmente senti-

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    do entre os autores de histrias em quadrinhos independentes, que encon-traram no universo virtual um campo ideal para a publicao de contedo, uma vez que a linguagem audiovisual da internet se assemelha com a forma da qual a linguagem dos quadrinhos converge seu discurso verbal e no verbal, tendo como ponto peculiar o uso do cone balo como meio de in-terseco de discursos.

    As chamadas Webcomics8 se transformaram num grande celeiro de pro-duo, reflexo e publicao de quadrinistas fora do eixo comercial de pu-blicao, a ponto de ser uma nova referncia de manifestao criativa, como foram os fanzines na dcada de 80.

    (...) Com a Internet, tornou-se possvel uma comunicao imediata entre editores e leitores por intermdio das salas de discusses e grupos de es-tudos. O correio eletrnico praticamente substituiu a troca de correspon-dncia via postal acelerando a troa de informaes. Os stios ou fanzines eletrnicos abriram novas possibilidades de editorao e criaes estticas, com a insero de cores, som e animao. (MAGALHES, p.44, 2005)

    Com o advento de sites de busca o internauta conseguiu refinar e dina-mizar sua pesquisa atravs de palavras-chaves, mas, mesmo com mecanis-mos inteligentes que tem como objetivo estreitar o recorte acerca do tema, 8 Vtor Nicolau (2013, p. 69) define webcomics como histrias em quadrinhos que incorporaram completamente em sua essncia, as inovaes propostas pelas mdias digitais, tais como animao, sons, hiperlinks etc..

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    essas buscas no significaram o acesso aos autores e contedos. A internet conhecida como 1.0 tinha como premissa a publicao de sites de maneira isolada e no como um ambiente de informao coletiva. Nesse momento da histria a Internet era um meio de emisso e pouca participao.

    As redes sociais como define Recuero (2005, p.03) compreendida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituies ou grupos) e suas conexes (WASSERMAN e FAUST, 1994, DEGENNE e FORS, 1999). Es-sas conexes so entendidas como os laos e relaes sociais que ligam as pessoas atravs da interao social.

    Com a Internet 2.0 essa ao ganha velocidade a ponto de ser considera-da em tempo real e com troca constante de contedos, como salienta Primo (2007, p.01) ao destacar a potencializao das formas de publicao, com-partilhamento e organizao de informaes alm de ampliar os espaos para a interao entre os participantes do processo.

    Podemos entender a internet 2.0 como um meio de participao coletiva atravs de um sistema de assinaturas de comunidades virtuais ao invs da busca por sites como era feita at ento.

    A partir de um perfil com foto e dados pessoais (reais ou criados), essas plataformas sociais oferecem ao usurio um espao de publicao de texto, fotos, ilustrao, vdeo, documentos, salas virtuais de bate papo, e promoo

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    de contedo com opes de comentrios, aprovao ou reprovao acerca do teor do assunto e retransmisso do link para outras pessoas que fazem parte de sua rede de contatos.

    importante frisar que essa rede no se constitui somente amigos, mas h a incluso das redes formadas por cada usurio, o que acaba gerando uma arquitetura de conexo infinita. Algumas redes sociais ainda apresentam possibilidades profissionais como criao de pginas da qual h aes de promoo de vendas com base em visitao e interao entre leitores e autor.

    A repercusso dessas plataformas, somados ao desenvolvimento de dis-positivos mveis acarretou em uma nova forma de acessar a internet, com pessoas que transformaram as redes sociais em uma vida virtual comple-mentar ao dia a dia fsico.

    O mesmo aconteceu com os autores de Webcomics. Contedos pouco visitados em sites isolados passaram a fazer parte da comunidade virtual. Perfis de protagonistas de histrias em quadrinhos foram criados, dando a sensao que o leitor interagia com os personagens sem a interferncia do autor. Tramas interativas comearam a ser realizadas com finais e alteraes sugeridas em fruns e debates nas comunidades em rede. A publicao de histrias em quadrinhos no universo virtual atingia o tempo real.

    Assim, o volume de informao e dados migrou para um projeto que,

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    num primeiro momento possibilitava escolher relaes, contedos e pesso-as para compartilhar interesses em comum.

    Se por um lado as redes sociais de massa apresentaram um modelo de interao e compartilhamento de usabilidade e navegabilidade acessvel a todos, ao mesmo tempo gerou um grande problema que foi a visualizao de informao involuntria, semelhante a propagandas disponibilizadas em mdias que no promovem interao como televiso ou cinema.

    Com a competio acirrada de diversas linguagens e assuntos diversos postados por qualquer usurio, as histrias em quadrinhos passaram a ter sua audincia minimizada e com a necessidade de buscar novos espaos de publicao e divulgao.

    As webcomics passaram a disputar audincia at mesmo com histrias em quadrinhos montadas pelo pblico comum, a partir de memes e fotos obtidas na prpria internet e que se transforma em um assunto viral, geral-mente dotado de ironia e humor.

    Assim, o autor de histria em quadrinhos tinha a possibilidade, a partir de um post, de falar com o mundo inteiro, mas ao mesmo tempo no nin-gum prestava ateno devido ao volume de postagens de assuntos diver-sos que desviava a ateno do leitor. Para piorar um essas obras competem o mesmo espao de postagens que no so medidas pela qualidade, mas

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    pela repercusso ou pela polmica. O resultado disso um nmero de usurios decepcionados com a im-

    possibilidade de minerao de contedo e com o refinamento de postagens, debates e conversas entre os participantes da rede social.

    As comunidades virtuais e as histrias em quadrinhos: um modelo de negcio

    As Startups9 criaram comunidades virtuais com o que Rheingold (1996) define como agregados sociais surgidos na rede, ou seja, pblicos segmen-tados no intuito de formarem teias de relaes pessoais no ciberespao e consequentemente novos modelos de negcio.

    As caractersticas em comum dessa nova opo so os cadastros e sin-cronizao de dados do perfil pessoal com comunidades consideradas de massa, a navegabilidade comum s plataformas sociais que o indivduo j est acostumado, o que faz com que a curva de aprendizagem seja muito pequena em relao s funcionalidades tcnicas e interativas, a estratgia de ser uma rede complementar e no substitutiva, fazendo com que ao invs

    9 Segundo Gitahy (2014), Startup um grupo de pessoas procura de um modelo de negcios repetvel e escalvel, trabalhando em condies de extrema incerteza.

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    de competir com as grandes plataformas, essas comunidades se integram, disponibilizando o acesso s grandes redes para compartilhamento de in-formaes e espao publicitrio.

    O acesso a essas comunidades tambm so muito simples e no depen-dem de aprovao do webmaster da rede social ou por algum processo se-letivo que se num primeiro momento qualifica o usurio inserido numa pla-taforma de contedo especfico, por outro no populariza o site. Basta um preenchimento de formulrio simples, seja atravs de e-mail ou por alguma rede social de massa da qual o internauta j est cadastrado.

    As comunidades segmentadas surgem da urgncia do ser humano em obter conhecimentos especficos e da prpria incapacidade do mesmo em absorver o volume multidisciplinar de informao que a internet oferece enquanto meio macro de comunicao. Quando o recorte para uma rede social profissional busca-se tambm a exclusividade, a seleo de novos consumidores e um pblico com repertrio capaz de respeitar e absorver a histria em quadrinhos de um determinado autor.

    Com esse cenrio exposto, iremos dissertar acerca da comunidade Ta-pastic10, criada em Santa Mnica pelo CEO da Tapasmedia, Kim Chang-won.

    10 Para saber mais, acesse www.tapastic.com

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    Figura 01. CEO Chang Kim.

    Fonte: The Korea Times

    A Startup de nome homnimo tem como objetivo reunir autores e leito-res de histrias em quadrinhos em torno de um veculo comum de comuni-cao e como um modelo de negcio movimentado por uma arquitetura de conexes entre autores, leitores e administradores da rede.

    A Tapastic no a plataforma pioneira em oferecer um espao para cria-dores de histrias em quadrinhos. Ao longo do desenvolvimento da internet 2.0, as histrias em quadrinhos encontraram um cenrio frtil para sua mi-grao em comunidades especializadas, como o Modern Tales, que pode ser considerada a pioneira nesse segmento e durou entre 2002 e 2012. Outras comunidades que podem ser citadas comunidades que renem somente autores e leitores de histrias em quadrinhos so o Comicspace, Webcomics

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    Nation, Keenspot, We Make Zines e as brasileiras Quadrinhopole e Petisco, que buscaram realizar um espao de fomento de troca de informao entre autores e leitores, mesmo que de forma limitada, atravs de fruns e e-mails.

    A concepo de criao da Tapastic inovador, uma vez que uma em-presa com integrantes de saberes multidisciplinar e que tem como objetivo criar um modelo de negcio de sucesso com um tipo de produto considera-do de alto risco comercial.

    Apesar das histrias em quadrinhos serem consideradas um meio de co-municao de massa com alto consumo, sua venda monopolizada por personagens que possuem uma forte gesto de marca e que so associadas a grandes conglomerados de mdia e entretenimento. Qualquer histria em quadrinho publicada fora desse eixo praticamente desconhecida do gran-de pblico o que a torna difcil de ser pensada como um produto comercial-mente vivel.

    A comunidade possui uma comunicao social focada na linguagem das histrias em quadrinhos, tanto que seu manual de usurio em formato de arte sequencial, o que cria uma relao intrnseca com o indivduo que tra-balha com a linguagem e que deseja publicar suas obras em um espao com profissionais sintonizados com o discurso do autor.

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    Figura 02. Interface da Tapastic para leitura do Guia do usurio.

    Fonte: Tapastic.com

    O pblico formado na sua maioria por autores nativos digitais, por zi-neiros que consideram a plataforma digital complementar as suas publica-es impressas, por leitores entusiastas por temas diferentes do mercado mainstream e editores interessados em novos talentos.

    So autores que reconhecem que a sua srie no ser reconhecida co-mercialmente em publicao independente, em baixa tiragem de impressos ou em site ou blog individual. Em uma teia de usurios em busca de um ob-jetivo comum a probabilidade de novos leitores e descobridores da sua obra um caminho vivel e aceitvel, tanto do ponto de vista esttico, artstico e comercial.

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    Por ser uma comunidade criada por uma Startup a questo da remunera-o de autores abordada como diferencial do site. Esse tema uma lacuna que os outros sites citados como comunidades especializadas em histrias em quadrinhos no conseguiam solucionar de maneira profissional e aca-baram falindo.

    A internet era um paradoxo para os autores de histrias em quadrinhos, uma vez que oferecia possibilidades de criao e publicao de baixo custo ao compararmos com o impresso, mas ao mesmo tempo no oferecia possi-bilidades de pagamento das obras, o que fazia com que os autores utilizas-sem a internet como um meio de divulgao, mas no como possibilidade real de plataforma de ganhos e manuteno financeira com as histrias em quadrinhos.

    A Startup criou dois programas de financiamento para os autores, o Su-pport Program que consiste na possibilidade do leitor financiar a obra dos autores e ao Ad Revenue que prope ganhos a partir do nmero de visitas diretamente no site e utiliza como meio de pagamento um site de pagamen-to online chamado Paypal.

    No cabe aqui mensurar se a estratgia da Tapastic funciona, uma vez que a Startup nova e no h meios de chegar a uma concluso no presente artigo, mas, vale frisar a iniciativa da plataforma como uma possibilidade de criao e manuteno de um negcio que s poderia ser desenvolvido em

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    uma comunidade com tamanha configurao de compartilhamento e asso-ciao de membros reunidos em uma situao em comum.

    A Tapastic possui atualmente 3.123 autores cadastrados no site, com 4.281 histrias em quadrinhos nos gneros ao, comdia, romance, cotidia-no, fico, fantasia, horror, jogos e drama. No h o gnero ertico explcito no site, mas os autores ao colocarem a opo na faixa etria de 18 anos o leitor possui um aviso do qual pode ter acesso a contedo imprprio para menores.

    Figura 03. Detalhe da pgina tutorial de como contribuir com os autores publicados no site.

    Fonte: Tapastic.com

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    A relao de criao, interao e compartilhamento de histrias em quadrinhos na comunidade virtual Tapastic

    As obras que so publicadas no site ainda no possuem um formato pensado para a plataforma. Nota-se que os autores ainda consideram uma estrutura de narrativa possvel de ser lido tanto em ambiente web quanto impresso, o que demonstra que os autores no consideram o Tapastic como um lugar definitivo para a publicao de seus contedos, mas como uma vitrine ou portflio virtual para possveis investidores.

    Figura 04. Detalhe da pgina do Webcomic About Karma, de Viki Serrano.

    Fonte: Tapastic.com

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    Nenhum autor apresenta inovao de linguagem, abordando especifica-mente os elementos de interatividade que as linguagens de programao propiciam para uma webcomic. A novidade das histrias em quadrinhos se d por conta dos temas e estilos de artes, contedos incomuns que no se encontram nos quadrinhos comerciais.

    As histrias em quadrinhos postadas na Tapastic possuem um formato de leitura semelhante aos webtoons, uma derivao dos webcomics que so muito famosos na Koria do Sul. Trata-se de uma publicao de pgina con-tnua com deslocamento de visualizao atravs de uma barra de rolagem vertical, de cima para baixo.

    Como um modo de leitura comum desde poca da internet 1.0 no consideramos nesse artigo como um modo de leitura inovador e que utiliza todas as possibilidades criativas que temos disposio nos dias de hoje. A prpria plataforma busca estipular algumas regras para padronizar as hist-rias em quadrinhos, o que empobrece a mdia como um todo no permite novas experimentaes, algo comum entre os autores independentes.

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    Figura 05. Detalhe das regras de postagem de histrias em quadrinhos.

    Fonte: Tapastic.com

    Em uma traduo nossa, o site alerta o autor a postar imagens com lar-gura de 940 pixels e com 2MB de tamanho, a histria deve ser quebrada em episdios em caso de longa durao para melhor leitura da histria, so permitidos linguagem para adultos, mas com censura acerca de temticas violentas, sexuais ou de contedo racista.

    O nmero de autores e contedos s tende a aumentar, uma vez que a Tapastic realiza parceria com outras comunidades, produtoras e estdios voltados para histrias em quadrinhos, anime e outras mdias audiovisuais voltadas para o ato de contar histrias como a Sul Coreana Daum Commu-nications.

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    O sistema de busca das histrias pode ser por autor ou por quadrinho, mas h outras possibilidades de procura refinada, que inova e estimula o lei-tor a descobrir novos autores e temas.

    O usurio pode realizar a pesquisa por coleo, e com isso o site dispo-nibiliza diversos quadrinhos que possuem elementos em comum, como por exemplo, a coleo Animals are our friends, do qual so histrias de fico, drama, amor e outros gneros que tem em comum o fato de ter animais de-senhados ou representados nas histrias.

    O site ainda disponibiliza a procura de histrias por relevncia de aces-sos, arquivos e troca de contedos pelos internautas. Nesse aspecto a Ta-pastic estimula a relao audincia e rede e define como estratgia principal crescimento a arquitetura de conexo.

    Ao nos determos na questo de compartilhamento e interao, o site oferece um sistema de busca baseado pelo nmero de comentrios que uma determinada histria recebeu em suas pginas, por autores assinantes de servios, por likes e finalmente por visualizao. Essa atividade acaba por estimular toda uma rede trocas de promoo entre autores.

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    Figura 06. Detalhe das principais formas de compartilhamento e divulgao dos autores na plataforma.

    Fonte: Tapastic.com

    As principais formas de compartilhamento de informao e contedo esto centradas no mecanismo de postagem, onde h espao para comen-trios e troca de contedos, em fruns com categorias e tpicos para deba-tes. O usurio tambm possui uma conta com notificaes e possibilidades tecnolgicas semelhantes ao sistema de e-mail e como o site conta com pginas em grandes redes sociais ele se apropria dos sistemas de comparti-lhamento presentes em prol dos interesses do prprio Tapastic.

    A Startup oferece uma plataforma de publicao para autores alterna-tivos com alcance global equivalente a uma grande editora como a Marvel Comics ou DC Comics.

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    A comunidade Tapastic oferece todos os requisitos tcnicos para os usu-rios compartilharem contedos e interagirem em tempo real, mas o efeito no se mostra equiparvel a uma rede social de massa, uma vez que ao res-tringir a temtica e oferecer uma plataforma profissional o usurio perde o elemento principal das redes que e a espontaneidade.

    A comunidade tem em comum com todos os usurios o interesse nas historias em quadrinhos, seja no que se refere a consumo, criao e compar-tilhamento, mas a pluralidade de contedos e temas das quais a sociedade j esta acostumada no so abordadas entre os usurios do site.

    Comunidades como a Tapastic se tornam plataformas complementares de comunicao e utiliza a metodologia de expanso oposto as redes mas-sivas, que se concentram no centro. Assim, Tapastic cria um novo formato de circulao de informaes atravs de interconexes realizadas pelos autores assinantes da comunidade, donos de seus prprios modelos de negcios, tais como microblogs, blogs e pginas pessoais.

    Essas pequenas conexes com outros pblicos o que far com que a comunidade alcance uma dimenso de pblico e negcios maior que a mesma poderia alcanar enquanto rede social autnoma.

    importante frisar que o prprio usurio no encara a Tapastic como uma rede social comum. Apesar de ser uma comunidade de interesses em

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    comum, no h o objetivo de se adicionar amigos, mas pessoas ou grupos dispostos a promover o trabalho um do outro ou ainda a desenvolver proje-tos em conjunto.

    Com isso, elementos comuns s redes sociais de massa como debates tri-viais, comentrios polmicos e brigas virtuais ficam reduzidos a um segundo plano. A relao mais superficial e profissional que passional e pessoal.

    Consideraes finais

    A preocupao constante na escritura deste artigo foi a apresentar a re-lao de compartilhamento de contedo de autores e leitores de histrias em quadrinhos inseridos na comunidade virtual Tapastic.

    Se considerarmos as histrias em quadrinhos independentes e sua rela-o com o incio da internet, a sua evoluo para 2.0 e a derivao de produ-tos tais como sites, blogs, fotologs, vlogs, comunidades sociais de massa e segmentadas, estamos presenciando uma revoluo na maneira de publicar de maneira autossustentvel contedo em quadrinhos comparvel somente ao incio das revistas de comics de super heris, que logo foram absorvidos pelos veculos de massa.

    Por se tratar de um caminho vlido para manuteno de novos leitores

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    e autores de histrias em quadrinhos dentro do contexto da cibercultura, o presente estudo acadmico indica um novo modo de relacionamento co-mercial e pessoal dos quais autores veteranos no esto acostumados e que os nativos digitais ainda no se dedicam completamente, demonstrando um claro olhar na construo de suas narrativas nos modos convencionais de publicar quadrinhos impressos.

    A grande inovao demonstrada nesse texto no a criao da plata-forma, mas a relao de compartilhamento, audincia e lucro que os admi-nistradores da comunidade apresentam aos criativos. Essa autonomia que os autores possuem e a possibilidade de se mostrar numa rede global pode gerar o mesmo fenmeno que plataformas como Napster ou Youtube pro-vocaram com a relao artista, msica e gravadoras.

    Ao considerarmos o monoplio de grandes grupos miditicos, seus per-sonagens marcas e o impacto miditico no pblico, a considerao acima parece irrelevante, mas importante frisar que se trata de personagens iden-tificados com geraes que ainda possuem como forma de informao o recebimento de dados por veculos poucos interativos como o cinema e a televiso.

    As novas geraes e as prximas iro buscar suas prprias referncias e sero os autores que produzem para plataformas como a Tapastic e outras que surgiro que sero os novos produtores de contedo para essas comu-

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    nidades que iro se fragmentar cada vez mais em micro comunidades, aces-sar informaes e repassar dentro de uma grande rede de conexes.

    A construo do ambiente da comunicao ser de inteira responsabili-dade dos agentes que compartilham contedos por essas redes de autores e leitores de histrias em quadrinhos. A concepo do leitor inserido em um ambiente de personagens e estilos de arte e histrias, como ocorre com a produo de grandes editoras no encontra espao nessas novas culturas de relacionamento.

    Como foi citada neste artigo, a maior parte dos autores inseridos nas co-munidades virtuais como a Tapastic realizam uma estrutura narrativa flexvel para os ambientes web e impresso, sendo o formato fsico com mais dificul-dade de ser realizado por se tratar de um projeto dependente de custeio.

    O compartilhamento de contedo fundamental para a divulgao e o fomento destes projetos, seja pelo prprio autor ou em parceria com outras comunidades de financiamento coletivo. Para este assunto propomos a rea-lizao de um artigo complementar, no intuito de observar como os autores de histrias em quadrinhos esto conseguindo imprimir lbuns e graphics novels a partir dessas estratgias.

    Cabe aos criadores de comunidades construrem plataformas organiza-cionais capazes de oferecer aos seus assinantes amplas possibilidades de

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    interaes sociais e compartilhamentos de significados, sejam por autores, leitores, pesquisadores e entusiastas da arte sequencial. A interpretao, modificao e interao desses significados o que ir gerar a manuteno de uma cultura autossustentvel de autores centrados na criao de hist-rias em quadrinhos, uma linguagem que apesar de ter mais de um sculo de existncia contempornea e em franco processo de desenvolvimento e evoluo.

    Referncias

    GITAHY, Yuri. O que uma startup? Artigo publicado em SEBRAE. Disponvel em: . Acesso em 20/11/2014LVY, Pierre. Cibercultura. So Paulo: Ed. 34, 1999.MAGALHES, Henrique. A mutao radical dos fanzines. Paraba (Joo Pessoa): Marca de Fan-tasia, 2005.NICOLAU, Marcos. DE BARROS, Ana Cirne Paes. Mdias interativas e relacionamento mercado-lgico: o caso do site Nike Plus. In: Revista do Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Linguagens v.09 n.01. Universidade Tuiuti do Paran, 2010.NICOLAU, Vtor. Tirinhas e mdias digitais: a transformao deste gnero pelos blogs. Joo Pes-soa: Marca de Fantasia, 2013. Disponvel em: http://www.insite.pro.br/elivre%20vitor.html. Acesso em: 21/11/2014.

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    PRIMO, Alex. O aspecto relacional das interaes na WEB 2.0. E-Comps v.9, p. 1-21, 2007. Dis-ponvel em : . Acesso em 24/11/2014.RECUERO, Raquel. Comunidades virtuais em redes sociais na internet: uma proposta de estu-do. Artigo publicado www.raquelrecuero.com. Disponvel em: . Acesso em 20/11/2014RHEINGOLD, H. A comunidade virtual. Lisboa: Editora Gradiva. 1996.ZANFEI, Anna. Defining webcomics and graphic novels. Artigo publicado em BIFF! BAM!! CRIKEY!!! Comics as design and Entertainment - A comics Conference in Scotland, 2007. IJO-CA, 2008. Disponvel em: . Acesso em 24/11/2014

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    WEB 2.0 NUMA SOCIEDADE VIGIADA: GOOGLE, INTERAO E OS RISCOS PRIVACIDADE NA REDE11

    Emanuella SANTOS12

    ResumoA divulgao recente dos processos de vigilncia na Internet, fez emergir uma ne-cessidade de maior reflexo sobre o estado atual de monitoramento na rede. A Web 2.0 deu aos usurios maior autonomia e poder para criar, compartilhar, participar e interagir, diferente do que ocorria com as outras mdias. Entretanto, com o tempo se descobriu que tal caracterstica tinha um alto preo. A perda da privacidade e do direito de decidir o que fazer com seus prprios dados, tornou o usurio o grande aliado para a fixao das tcnicas de vigilncia atual, as quais esto cada vez mais invasivas. O Google uma das empresas que desenvolve servios e tecnologias de interao que colaboram para tal fim, sendo o registro e o rastreamento de dados sua principal fonte de lucro. Neste cenrio, dentre as demais empresas que tem

    11 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Vigilncia, Criptografia, Ativismo e Redes Sociais Federadas, do VIII Simpsio Nacional da ABCiber, realizado pelo ESPM Media Lab, nos dias 03, 04 e 05 de dezembro de 2014, na ESPM, SP. Elaborado em co-autoria com Marcos Nicolau.12 Mestre pelo Programa de Ps-Graduao em Culturas Miditicas Audiovisuais da Universidade Federal da Paraba e integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Miditicas - GMID /PPGC/UFPB. Email: [email protected].

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    esse formato de negcio, o Google tem um importante papel, e nos faz questionar as implicaes de suas aes numa sociedade vigiada.

    Palavras-chave: Vigilncia. Google. Privacidade. Interao. Participao.

    Introduo

    A atuao direta de tecnologias em nossas experincias dirias cada vez mais comum. O uso de sistemas de vigilncia nos espaos fsicos, nas arquiteturas urbanas, que vo de localidades pblicas a privadas e, principal-mente nos meios de comunicao e informao, passam quase despercebi-dos pela maioria dos indivduos.

    Pelo menos, dois argumentos tentam justificar a instalao de cmeras de vigilncia por todos os lados. Um diz respeito necessidade da socieda-de moderna em buscar maior segurana, visto o aumento dos ndices de cri-minalidade e o outro, no menos importante, est relacionado ao controle e a superviso dos indivduos, visando a manuteno do poder. (BOTELLO, 2010).

    Fernanda Bruno (2010) traz para discusso uma trplice de legitimao de uma vigilncia moderna nomeada por ela como vigilncia distribuda.

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    Nessa vigilncia esto contidas a segurana, dialogando neste aspecto com Botello (2010) e tambm com grande parte dos estudiosos do tema; a visibi-lidade miditica (com a presena de dispositivos de vigilncia no entreteni-mento, sociabilidade e espetculo); e por fim, a eficincia, quando presente nas redes e nas tecnologias de comunicao.

    Esse contexto nos remete a aspectos de uma sociedade metafrica, tra-zida por George Orwell (2009) no clssico romance 1984. O futuro que o autor criou em seu livro retrata um mundo sem liberdade, em que a privaci-dade no existe, sendo considerado crime at o livre pensamento. As tele-telas - espcies de televiso - transmitem e tambm captam tudo que est a sua frente. Desse modo, tudo visto e percebido pelo Grande Irmo.

    Escrito em 1949, a obra retrata a vigilncia sobre uma sociedade fictcia, mas que altamente semelhante a nossa sociedade do presente. Seja pela quantidade de cmeras espalhadas ou, principalmente, pela Internet e as tecnologias digitais se caracterizarem cada vez mais como invasivas, fazendo com que os conceitos de privacidade e anonimato no sejam mais levados em considerao como direito humano. Na Internet, todos os nossos rastros e interaes so vistos e captados de alguma forma. E, assim como o volu-me da teletela, estamos limitados a regul-lo, mas no temos como desli-ga-lo completamente (ORWELL, 2009, p. 12).

    Aceitamos cada vez mais os termos de uso dos servios oferecidos na

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    Internet, e nem ao menos nos damos conta do quanto estamos expostos a todo tipo de organizao e governo. A visibilidade uma armadilha (FOU-CAULT, 2013, p. 190), igualmente como o panptico13, nossas vidas se cer-cam de vigilncia, especificamente, a vigilncia eletrnica. Aps as revelaes de Edward Snowden em 2013 - mundialmente conhecido pela liberao de arquivos da Agncia Nacional de Espionagem (NSA) dos Estados Unidos - ganhamos cincia do grau de vigilncia na Internet. Sabemos que algum do outro lado nos olha, acompanha nossa navegao, nossas preferncias e opinies, nossas interaes com o outro e ainda assim no nos importar-mos, tornamo-nos colaboradores de tal vigilncia.

    As pessoas passam a concordar com a invaso da sua privacidade, pois acreditam que esta necessria para a sua segurana, embora no saibam ao certo o que feito com seus dados. A Internet um portal rico em di-versidade de informao e medida que mais utilizada nesse sentido, mais empresas que disponibilizam informaes tambm aderem ao rastrea-mento, anlise de dados e categorizao dos usurios (LYON, 2010, p. 126). Nenhuma empresa deixa claro o direcionamento real dos dados colhidos, e

    13 O princpio do panptico explicado por Foulcault se baseia em: uma construo em anel; no centro, uma torre: esta vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construo perifrica dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construo; elas tm duas janelas, uma para o interior, correspondendo s janelas da torre; outra, que d para o exterior, permitindo que a luz atravesse a cela de lado a lado (FOULCAULT, 2013, p. 190). Neste sistema, toda ao seria percebida, o que nos remete a realidade que se vive hoje com a presena constante da Internet, e o monitoramento de nossa navegao pelas empresas.

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    mesmo aquelas que tentam esclarecer, no disponibilizam nenhuma garan-tia de agir de acordo com o que dito.

    As tecnologias colaboram cada dia mais para o projeto panptico refe-renciado por Foucault (2013), entretanto seu papel de vigilncia no exer-cido mais sozinho. Por um lado, as pessoas no s corroboram com essa vigilncia, mas tambm realizam sobre si mesma publicidade total (SIBILIA, 2008). Por outro, os servios oferecidos por diferentes empresas da Internet, tem o interesse que depositemos nelas nossa confiana, e aceitemos seus termos sem nos preocuparmos com suas consequncias.

    Pensando na fora do mercado e no desenvolvimento cada vez maior de tecnologias de vigilncia por parte de algumas empresas, encontramos no Google um objeto de anlise, que tem suas aes contrrias ao seu discurso e que exerce fortemente um monitoramento e registro de dados de usurios de toda parte do mundo. Ainda que o Google responda por uma pequena parcela das empresas que exercem tal vigilncia na Internet, encontramos nela um poder de influenciar e criar padres de usos, confundida muitas vezes com decises individuais, mas quando na verdade so desenvolvidas para direcionar escolhas e formas de uso.

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    Web 2.0: muito alm da participao

    Desde o surgimento da Internet, muitos estudos vm sendo realizados sobre as transformaes pelas quais passaram esse meio. Tais mudanas so evidentes ao nos depararmos com a velocidade transformadora das tecno-logias, influenciadas, tanto pelo aparecimento de novos instrumentos tec-nolgicos, como tambm por novas maneiras de utiliza-las para diferentes fins e com diversas funcionalidades. Quando se trata dos usos que se faz da Internet percebemos o seu carter voltil, logo, o que encaramos como til e positivo em um pequeno espao de tempo, em outro, j pode ser uma ameaa irreparvel.

    Um olhar particular foi difundido por grande parte dos estudiosos da ci-bercultura sobre a revoluo tecnolgica. Este olhar que podemos chamar de ingnuo, evidenciou os grandes ganhos individuais e sociais trazidos pela criao da Internet e das possibilidades tecnolgicas, e pouca ateno foi dada as implicaes destas. Sem se darem conta do perigo dos seus dis-cursos, atualmente sabemos que todo esse avano tecnolgico tambm nos colocou de frente com grandes paradoxos individuais e coletivos.

    No h dvidas de que, parte destas implicaes s se tornaram notrias no desenrolar dos acontecimentos. Assim, s foi possvel repensar processos e prticas depois de um olhar crtico mais minucioso sobre os fatos. Infern-

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    cia sobre a propriedade intelectual, a privacidade, a vigilncia em massa, o anonimato, o exibicionismo, entre diversos outros aspectos que abrangem a vida humana vm sendo constantemente discutidos.

    Um desses aspectos sobre o qual nos propomos a discutir aqui o que nos foi apresentado como Web 2.0 e suas caractersticas de uma Internet participativa. Em outro momento levantamos esse carter participativo da Web 2.0 e enxergamos nela seu potencial14, mas agora, observando implica-es reais dessa Internet, em que o usurio livre para produzir, compar-tilhar e trocar contedo, passamos a questionar esse discurso.

    Atualmente, grande parte das plataformas de criao de contedo dis-ponveis para usurios comuns, so tambm plataformas que se apossam dos dados, dos contedos e dos rastros deixados pelos prprios usurios (BRUNO, 2013). Neste sentido, fomos convencidos de que, ser ativo neste novo ambiente , na verdade, uma grande armadilha.

    A maior parte de nossas aes e interaes cotidianas no ciberespao so facilmente rastreveis, e nossas informaes passam a constar em di-ferentes bancos de dados que grande parte desconhece (ou desconhecia, devido grande quantidade de indcios e revelaes sobre tal). O irnico que, quase todas as tecnologias que nos prometem maior autonomia e possibilidade de participao ativa, so potencialmente instrumentos de 14 Artigo publicado nos Anais do Intercom 2012: http://www.intercom.org.br/sis/2012/resumos/R7-1985-1.pdf.

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    controle e vigilncia (BRUNO, 2013). Ter uma conta no Google, e realizar alguma pesquisa em seu buscador,

    assim como ter um perfil no Facebook e no Twitter, navegar em determina-dos sites, baixar aplicativos no celular e clicar em certas publicidades, so formas comuns do uso cotidiano quando acessamos a Internet, seja de casa ou do trabalho, do celular, do computador ou do tablet. Podemos afirmar que estamos o tempo todo conectados.

    Com o surgimento de novas formas de nos mantermos constantemente on-line, as nossas aes so gravadas e utilizadas com a inteno, a priori, de nos proporcionar uma Web personalizada, adequando os contedos aces-sados a viso de mundo de cada um. Pariser (2012) reconhece que apesar do Google e do Facebook serem ferramentas teis e oferecidas gratuitamente, elas tambm so mecanismos extremamente eficazes e vorazes de extrao de dados, nos quais despejamos os detalhes mais ntimos de nossas vidas (PARISER, 2012, p. 12). Mercadologicamente, essa a forma que estas e ou-tras empresas utilizam para lucrar com seus servios e ferramentas, mesmo gerando grandes implicaes.

    Outro exemplo o que acontece com o Gmail do Google, quando tro-camos e-mails, e optamos por interagir com determinadas pessoas por esse canal. O contedo do e-mail analisado e passa a direcionar propaganda e publicidade sobre palavras-chave que estavam contidas no corpo do texto,

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    tornando aquele espao, um ambiente de vigilncia e monitoramento. A Web 2.0 chegou com a promessa revolucionria de tirar dos meios de

    comunicao de massa e colocar nas mos dos usurios o poder de criar, de produzir e de distribuir opinies e informaes de todos os tipos, contri-buindo para que o mercado estrategicamente se aproveitasse desse formato e disponibilizasse as ferramentas para que tal autonomia fosse possvel.

    A cooperao, a colaborao e a livre expresso seriam os instrumentos dessa nova web, que uniria empresrios e usurios atravs da livre comuni-cao em um poderoso ambiente de negcios cooperativos e integrados. (AUTOUN, 2008, p. 20)

    Atravs dessas formas de colaborao, fomos levados a nos expor e a re-alizar um verdadeiro show do eu (SIBILIA, 2008), das nossas vidas, de nos-sas interaes, de nossas informaes pessoais e de nossas opinies, seja atravs de uma rede social, de um blog, de fruns ou mesmo em um vdeo no Youtube.

    O que o marketing nos apresentou como ferramentas e servios, com potenciais interativos e participativos, atualmente enxergarmos como me-canismos de controle, monitoramento e vigilncia, capazes de gerar uma ficha completa sobre cada um de ns, contendo todas as nossas aes e

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    movimentos na Internet, bem como, fora dela (haja visto os servios de ge-olocalizao que habitualmente utilizamos em nossos celulares).

    Este impulso participativo repercute diversamente sobre os processos de vigilncia, uma vez que praticamente toda plataforma de produo de con-tedo por usurios hoje na Internet tambm uma plataforma de captu-ra tanto dos dados dos prprios usurios quanto dos contedos e rastros produzidos por eles. Cabe assim afirmar que as dinmicas da vigilncia na Internet esto hoje intimamente atreladas s formas de participao dos usurios e aos embates que lhes correspondem (BRUNO, 2013, p. 125).

    Porm, ainda que seja evidente o interesse do marketing em utilizar es-ses mecanismos para gerar lucro, deve-se levar em considerao tambm o interesse de outros domnios, como a segurana, a gesto do trabalho e contratao de pessoas, a inspeo policial e estatal, a vigilncia e o contro-le, dentre outros (BRUNO, 2013). So nessas diferentes formas de utilizao dos dados recolhidos, a partir da participao dos usurios, que se encontra o perigo.

    Dentro deste contexto, direcionamos o nosso olhar empresa Google, que se mostrou referncia, se tratando de seu poder e domnio espalhados por grande parte do mundo. Sabemos que para utilizar seus servios temos que estar dispostos a revelar nossos dados, nossas interaes, nossos cli-

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    ques na Web e de aceitar que a empresa saber mais das nossas escolhas e preferncias do que nossos familiares, amigos e em muitos casos, mais do que ns mesmo.

    Como o Google nos tornou vigias de ns mesmo

    O estado de vigilncia atual nos remete a uma questo elementar, mas que no devemos ignorar: a de como chegamos at aqui. Se olharmos para alguns anos atrs, nos depararemos com narraes no gnero da fico cientfica em que foram levantadas questes voltadas ao avano tecnolgi-co, com resultados que facilitariam nossas vidas e beneficiariam nossas ati-vidades cotidianas. Mas, ainda hoje, muitas pessoas encaram tais narraes como meras histrias de fico, apesar de muitas delas terem se desdobra-do em fatos.

    Ronaldo Lemos (2013) nos adverte que devemos prestar mais ateno nessas narraes15. Pensar os benefcios do avano tecnolgico um pro-cesso natural em todas as sociedades, porm, levar ao mesmo grau de im-portncia as perigosas implicaes que elas trazem um discurso de poucas vozes e logo taxadas de pessimista. 15 Ronaldo Lemos na divulgao da obra A vida em rede no Caf filosfico. Disponvel em: . Acessado em: 20 Set. 2014.

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    No decorrer dos anos, a Internet passou por um processo complexo de transformao, com diferentes fatores que impulsionaram o desenvolvimen-to de suas caractersticas atuais, estas quase impossveis de enumerar (CAS-TELLS, 2003). Ainda assim, voltados aos estudos da midiatizao16, encontra-mos indcios que norteiam estes impulsionadores.

    Nicolau (2012), influenciado pelos estudos de Sodr (2009)17 e Fausto Neto (2006)18 identificou trs fatores estruturantes que conseguem deter-minar alguns acontecimentos inerentes a esfera social quando pensados na influncia dos processos tecno-mediados, so eles: o fator tecnolgico, o fator humanolgico e por ltimo, e mais importante para nossa pesquisa, o fator mercadolgico19.

    Para Nicolau (2012, p. 5) o fator mercadolgico determinante para que sejam desenvolvidas as bases inovadoras das tecnologias da informao e 16 A virtualizao das relaes humanas presente em determina- das pautas individuais de conduta baseadas nas tecnologias da comunicao, segundo Muniz Sodr, um dos aspectos que confirma a hiptese de que a sociedade contempornea rege-se pela midiatizao. Para este autor, a midiatizao deve ser pensada como um novo bios, no sentido aristotlico, uma espcie de quarta esfera existencial, com uma qualificao cultural prpria ou uma tecno-cultura (NICOLAU, 2012, p. 8). 17 A obra referenciada de Sodr Antropolgica do espelho: uma teoria da comunicao linear em rede de 2009.18 A obra referenciada de Fausto Neto Midiatizao, prtica social: prtica de sentido. 2006.19 Ainda para o autor, o fator tecnolgico composto por aparatos tecnolgicos produzidos pela indstria, disponi-bilizados aos milhes e