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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016 COMPLEXO INDUSTRIAL DA COMPANHIA ANDERSON & CLAYTON EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP: um projeto de intervenção para conservação de sua paisagem patrimonial SEGATTO, CARLA (1); FERNANDES, FABRÍCIA (2) DE SOUZA, GRAZIELLA (3) 1. Universidade do Oeste Paulista. Graduanda da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Rua Itaguá, número 95, complemento 27. Vila Mathilde Vieira, CEP: 19.050.590. E-mail: [email protected]. 2. Universidade do Oeste Paulista. Mestre na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Rua Mario Angelo Sereghetti, número 519. Vila Jesus, CEP: 19.200.000. E-mail: [email protected]. 3. Universidade do Oeste Paulista. Graduada pela Faculdade de História. Rua Dr. José Foz, numero 2701. Vila Formosa, CEP: 19.050.000. E-mail: [email protected]. RESUMO Este trabalho explorou as potencialidades e fragilidades do complexo industrial da companhia inglesa Anderson & Clayton, datado de 1936 e localizado às margens da linha férrea do primeiro bairro da cidade de Presidente Prudente, interior do Estado de São Paulo, na direção de recuperar princípios de memória e identidade das pessoas, com fundamentos sobre a relação espaço-lugar, para vencer o já existente processo de ruína dos edifícios e sua desarticulação urbana. Desta forma, este artigo tem o objetivo de evidenciar projetualmente diretrizes de preservação às suas pré-existências, pensando em uma forma de reuso ao complexo por meio da instituição museológica, para que este lugar reivindique integração e conexão ao desenvolvimento da cidade contemporânea, não abrindo mão da observância de suas peculiaridades enquanto identidade patrimonial, principalmente em uma área com tanta simbologia à cidade. Palavras-chave: Complexo Industrial, Revitalização Patrimonial, Presidente Prudente/SP.

COMPLEXO INDUSTRIAL DA COMPANHIA ANDERSON & … · 26/03/2016 · Graduanda da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Rua Itaguá, ... cultura industrial que possuem valor histórico,

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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

COMPLEXO INDUSTRIAL DA COMPANHIA ANDERSON & CLAYTON EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP: um projeto de intervenção para

conservação de sua paisagem patrimonial

SEGATTO, CARLA (1); FERNANDES, FABRÍCIA (2) DE SOUZA, GRAZIELLA (3)

1. Universidade do Oeste Paulista. Graduanda da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Rua Itaguá, número 95, complemento 27. Vila Mathilde Vieira, CEP: 19.050.590. E-mail: [email protected].

2. Universidade do Oeste Paulista. Mestre na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Rua Mario Angelo Sereghetti, número 519. Vila Jesus, CEP: 19.200.000. E-mail: [email protected].

3. Universidade do Oeste Paulista. Graduada pela Faculdade de História.

Rua Dr. José Foz, numero 2701. Vila Formosa, CEP: 19.050.000. E-mail: [email protected].

RESUMO

Este trabalho explorou as potencialidades e fragilidades do complexo industrial da companhia inglesa Anderson & Clayton, datado de 1936 e localizado às margens da linha férrea do primeiro bairro da cidade de Presidente Prudente, interior do Estado de São Paulo, na direção de recuperar princípios de memória e identidade das pessoas, com fundamentos sobre a relação espaço-lugar, para vencer o já existente processo de ruína dos edifícios e sua desarticulação urbana. Desta forma, este artigo tem o objetivo de evidenciar projetualmente diretrizes de preservação às suas pré-existências, pensando em uma forma de reuso ao complexo por meio da instituição museológica, para que este lugar reivindique integração e conexão ao desenvolvimento da cidade contemporânea, não abrindo mão da observância de suas peculiaridades enquanto identidade patrimonial, principalmente em uma área com tanta simbologia à cidade.

Palavras-chave: Complexo Industrial, Revitalização Patrimonial, Presidente Prudente/SP.

4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

INTRODUÇÃO

A preservação de um espaço patrimonial arremete-se às qualidades cognitivas, históricas,

estéticas e memoriais da área existente. A discussão sobre o equilíbrio entre o antigo e o novo

é o desafio projetual da inserção de novas arquiteturas em tecidos urbanos consolidados.

Hoje, a expressão arquitetônica contemporânea reivindica seu espaço ao lado da cidade

preexistente; e espera que a própria cidade, por sua vez, reclame a observância de suas

especificidades como afirmação de sua identidade patrimonial. Assim o reconhecimento

destes valores característicos do complexo industrial de 1936, selecionado como área de

intervenção deste trabalho, é feito através analiticamente. Para que este alcance a expansão

do conceito de patrimônial cultural das últimas décadas, conduzindo-o à reflexão sobre os

valores cognitivos deste espaço, abrindo caminho para novas perspectivas de integração com

a sociedade.

Desta forma, o desenvolvimento deste trabalho visa resgatar o patrimônio industrial da

companhia Anderson & Clayton da cidade de Presidente Prudente, através da promoção de

cultura, exposição e arte. Para isto o projeto consistirá no estudo para o restauro e a

readequação do espaço físico e cognitivo, trazendo novo uso para a área, proporcionando

assim a integração do espaço que hoje se encontra obsoleto, degradado e abandonado assim

como seu entorno. O objetivo respalda-se na ressignificância do espaço promovendo por

inclusão uso específico expositivo e uso noturno, para aumentar a segurança da área em

relação ao contato com seus usuários.

Tecnicamente este artigo dispõe de revisão bibliográfica das bases arquitetônicas

fundamentais da instituição museológica e temática patrimonial, incluindo questões de

memória e identidade, defendendo a relação espaço - lugar e sinalizando as diretrizes

necessárias de preservação à pré-existência. Tendo isto considerado, tem-se um

levantamento métrico fotográfico da área em estudo, onde sua relevância focal está em

levantar cada potencialidade e fraqueza que esta pré-existência possui, fazendo com que esta

seja a diretriz projetual e conceito norte a se resolver no trabalho.

Assim, este complexo industrial da companhia Anderson & Clayton da cidade de Presidente

Prudente/SP retomará diálogos entre a pré-existência e a cidade, a sociedade e a área

recuperada, promovendo conforto e tranquilidade, temática e conceito, uso e ocupação,

lançando luzes sobre o papel a ser desempenhado na relação com o espaço urbano que o

contêm, resgatando seu significado.

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METODOLOGIA

Realizou-se levantamento bibliográfico baseado em autores como Castriota (2009), Khül

(1998), Hirao (2002), Montaner (2003), Suano (1986) entre outros. A princípio, foi elaborado

um levantamento teórico a respeito da instituição museológica, seguido de constatações

sobre patrimônio histórico, cultural e principalmente industrial, salientando a relevância do

patrimônio na formação identitária da sociedade e na construção da memória social. Em

seguida, o trabalho seguiu com foco em diretrizes de preservação e intervenção, defendendo

a relação Espaço – Lugar, e também com apresentação de breve histórico de Presidente

Prudente e englobando um levantamento do patrimônio arquitetônico e urbanístico já

existente no município.

Este levantamento bibliográfico possibilitou a realização de análises e levantamentos

realizados a respeito da área de estudo e por intermédio de mapas, apontamentos e

fotografias, foi possível concretizar o projeto de intervenção que neste estudo se apresenta.

Conceitos referenciais da instituição museológica como proposta de uso do

patrimônio industrial

Os museus são instituições dinâmicas e abertas ao futuro que buscam se aproximar de toda a

trajetória da criação e acúmulo de conhecimentos. Esta instituição corresponde a “um

processo e uma prática social que deve estar colocada a serviço da sociedade, das

comunidades locais e de seu desenvolvimento” (IBRAM, 2009, p. 21). Cumprindo isto, através

de suas funções básicas de preservação, investigação e comunicação, o museu assume suas

finalidades gerais de educação, e lazer.

Para Suano (1986), esta organização é “como uma grande exposição de todos os elementos

representativos que a natureza e o homem criam de importante ou de exótico”. Acrescentando

um entender mais cotidiano, o termo “museu” se refere a uma “coleção de espécies de

qualquer tipo” e está ligado com a educação ou contemplação/lazer de qualquer pessoa que

queira visitá-la (SUANO, 1986, p. 30). O acervo museológico usado como catalizador de uma

intervenção para valorizar um patrimônio histórico, resgata o espaço antes em desuso e

acrescenta contato com exposições e integração com as peças utilizadas, reconhecendo a

máxima expressão cultural.

O documento publicado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo – (CAU/SP)

salienta que: “Um povo que não preserva sua história dificilmente conseguirá planejar o seu

futuro” (CAU, 2015, p. 7). E agrega: “A valorização do patrimônio só pode ocorrer socialmente,

quando a comunidade onde o bem cultural está inserido entende que ele é relevante para

contar a sua história e construir sua identidade” (CAU, 2015, p. 43). De acordo com Souza

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(2015) “o patrimônio não se constitui em uma propriedade individual, mas sim um produto do

coletivo, o resultado de um processo de desenvolvimento” (SOUZA, 2015, p. 61). Para

Meneguello e Rufinioni et all (2007, p. 1):

A defesa do Patrimônio Histórico não é saudosismo ou nostalgia, antes implica um reconhecimento das origens da formação e ocupação de nossa cidade, possibilitando a manutenção de monumentos urbanos representativos para toda uma população e a atribuição de um novo significado a determinados espaços na atual trama urbana, num sentido de inserção e continuidade.

Por fim, o brasileiro precisa de museus que sejam verdadeiramente seus, capazes de

relacionar uma nação consigo própria, cada pessoa com ela mesma, nosso passado e nosso

futuro, assim o conceito de museu foi e ainda é objeto de ressignificação através dos tempos.

Desde as mais antigas sociedades organizadas, a humanidade em seu íntimo, sente-se a

necessidade de colecionar objetos significativos para sua identidade e pertencimento.

Patrimônio industrial, diretrizes de preservação, memória e identidade

O estudo localiza-se no complexo da companhia Anderson & Clayton de Presidente Prudente.

Considerado como patrimônio industrial vem ser orientado teoricamente segundo a carta

referencial de Nizhny Tagil (2003), menciona que tal patrimônio “compreende os vestígios da

cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico”

(CARTA DE NIZHNY TAGIL, 2003, p. 3).

O patrimônio industrial pode desempenhar um papel importante na regeneração econômica

de regiões declínio e este é um ponto muito relevante e correlativo à área em estudo deste

trabalho, pois, localiza-se na primeira vila da cidade de Presidente Prudente. A Vila Goulart,

recebe esta denominação por referência à seu fundador Coronel Francisco de Paula Goulart;

vila esta que se faz atualmente mais distante da área em ascensão. A memória para o

patrimônio histórico industrial inicia-se onde o edifício deixa de ser um aglomerado de

materiais e se torna sentimento e envolvimento. Singularidade defendida por Castells apud

(CAU, 2015) ao salientar que “a identidade esta se tornando a principal, e às vezes a única

fonte de significado às pessoas nas cidades” (CAU, 2015, p. 14). No Brasil, segundo Abreu

(2013), “poucas são as cidades, que ainda apresentam vestígios materiais consideráveis do

passado” (ABREU, 2013, p. 21). Neste caso a valorização do patrimônio e dos significados

nele incorporados, são sobretudo valores cognitivos, que passam a ter um papel ainda mais

relevante na busca da identidade comum.

Castriota (2009) complementa que, “na esteira da globalização avassaladora, parece

reaparecer com força a questão das identidades culturais locais, que são amplamente

lastreadas nesta dimensão ‘imaterial’ do patrimônio” (CASTRIOTA, 2009, p. 208).

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Com base nestas referências e direcionando o trabalho enquanto diretriz de preservação à

pré-existência, salienta Kuhl (2008) “que direito temos de apagar os traços de gerações

passadas e privar as gerações futuras da possibilidade de conhecimento de que esses bens

são portadores”. Desse modo, as questões da realidade deixam de ser as únicas e passam a

ser assessoras, mas não determinantes para as decisões (KUHL, 2008, p. 4). Se a riqueza do

patrimônio industrial está em sua diversidade formal, de uso e de escala, para Kuhl (2008)

“não se trata de conservar tudo, nem, tampouco, de demolir ou transformar radicalmente

tudo”, é inviável mesmo e indesejável conservar tudo inconscientemente, e é necessário fazer

escolhas para que os bens mais significativos possam ser preservados e valorizados (KUHL,

2008, p. 5). Já a Carta de Nizhny Tagil (2003) pondera que “a conservação dos sítios

industriais requer um conhecimento profundo do objetivo ou objetivos para os quais foram

construídos, assim como dos diferentes processos industriais que se puderam ali

desenvolver” (CARTA DE NIZHNY TAGIL, 2003, p. 10), para que seja alcançado ao máximo

sua conexão com sua historicidade.

Defende a Carta de Nizhny Tagil (2003, p. 10) que:

As novas utilizações devem respeitar o material específico e os esquemas originais de circulação e de produção, sendo tanto quanto possível compatíveis com a sua anterior utilização. É recomendável uma adaptação que evoque a sua antiga atividade.

Assim, as intervenções realizadas nestes sítios devem ser reversíveis e provocar mínimo de

impacto possível, além do que “todas as alterações inevitáveis devem ser registadas e os

elementos significativos que se eliminem devem ser inventariados e armazenados num local

seguro” (CARTA DE NIZHNY TAGIL, 2003, p. 10). Deste modo, os numerosos processos

industriais, antigos ou obsoletos, constituem fontes de importância quanto à transmissão de

história e materialidade às novas gerações.

Visto isto, conclui-se teoricamente que o patrimônio industrial pode desempenhar um papel

importante na regeneração econômica de regiões deprimidas ou em declínio, a continuidade

que esta reutilização implica pode proporcionar um equilíbrio psicológico às comunidades

confrontadas com a perda súbita de uma fonte de trabalho de muitos anos.

Presidente Prudente, patrimônio arquitetônico e urbanístico existente e

historicidade

O município de Presidente Prudente, localizado a oeste do Estado de São Paulo, apresenta

uma área de 562 km² de extensão e possui 207.411 habitantes (FUNDAÇÃO SEADE, 2009).

A Figura 1, a seguir representa a evolução desta cidade, por meio de fotos históricas e atuais.

Figura 1: Representação da Evolução da Malha Urbana Prudentina por meio de Fotos Históricas e

atuais.

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Fonte: Acervo Museu e Arquivo Histórico de Presidente Prudente. (1) Presidente Prudente na década de 1930, (2) Presidente Prudente na década de 1950, (3) Presidente Prudente na década de 1970, (1) Presidente Prudente nos dias atuais. Editado pela autora.

A história da cidade segundo dados da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente “tem

início bem antes de 1917, ainda no século XIX”, quando mineiros vieram para a região, depois

que as minas de ouro se esgotaram, em busca de terras boas para a lavoura (PRESIDENTE

PRUDENTE, [19--], p. 1). Conforme publicação “dois anos depois, quando o trem chegou até

aqui, veio outro fundador o Coronel José Soares Marcondes”, e com esta vinda da ferrovia da

região de Sorocaba até o Sudoeste Paulista ocorreu à chegada de mais colonos, e com isso

foram se formando ao longo da linha férrea diversas vilas e povoações, que hoje são as

cidades de Martinópolis, Indiana, Regente Feijó, Rancharia (PRESIDENTE PRUDENTE,

[19--], p. 1).

Em seguida em novembro de 1921, o governador Washington Luiz, que já tinha visitado a

cidade anteriormente, assinou o decreto criando o Município de Presidente Prudente. Neste

município, o primeiro cultivo em larga escala foi o café. No entanto, em 1929, com a crise

mundial, a cultura de café entrou em declínio no Estado e no país inteiro, fazendo com que

outra lavoura começasse. O algodão, que além de substituir o café proporcionou a instalação

de indústrias de beneficiamento nacionais como a Matarazzo, e várias estrangeiras como a

Anderson Clayton para exportação do produto (PRESIDENTE PRUDENTE, [19--], p. 4). Esta

ultima empresa instalada foi a responsável pela construção do barracão inglês, área de

intervenção deste trabalho.

Diretamente aos remanescentes industriais, Sousa (2008) defende que estes “constituem a

paisagem urbana do antigo núcleo da cidade, e nos ajudam a entender e ilustram o início da

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história da indústria prudentina” (SOUSA, 2008, p.16). O município têm como representantes

destes espaços os edifícios do antigo Expurgo, Estação Ferroviária, Industrias Matarazzo,

Anderson & Clayton e a SAMBRA, que são os testemunhos de patrimônio industrial de uma

época fundamental para o desenvolvimento de Presidente Prudente-SP, tão quanto para a

formação atual de sua malha urbana. Este patrimônio arquitetônico e urbanístico de

Presidente Prudente, segundo Hirao (2012) “é subsidiada na pouca documentação existente,

mas principalmente na memória oral e no relato de vivências de seus habitantes” (HIRAO,

2012, p. 53), denotando a importância da identidade e memória que as pessoas concebem em

relação aos lugares.

Para Hirao (2012) “a cidade apresenta um histórico de descaso em relação ao seu patrimônio

cultural, especialmente o seu patrimônio material edificado” (HIRAO, 2012, p. 53). A

desvalorização da história de obras adquiridas ao longo do tempo, denotam um

posicionamento político institucional imparcial. Salienta Hirao (2012), é visível ainda que: “a

história da cidade é esquecida numa atitude de negar o passado em nome de um falso

‘progresso’ ficando sujeita ao interesse do capital imobiliário” (HIRAO, 2012, p. 53).

Com uma população em 207 625 habitantes (IBGE, 2010), Presidente Prudente apresenta

“apenas três bens patrimoniais tombados, o Museu e Arquivo Histórico, o Centro Cultural

Matarazzo e o Bebedouro de Animais” (HIRAO, 2012, p. 53).

Considera-se que a retirada das prerrogativas legais de tombamento de determinados

edifícios é outra realidade, não só prudentina, mas considerável decorrente em outros

municípios. Exemplo deste fato é a Catedral de São Sebastião, principal patrimonial

referencial da cidade e que não constitui diretriz ou documentação de patrimônio legal

tombado.

Hirao (2012) confirma este fato ao afirmar que “o CONDEPHAAT local, quando ainda estava

em atividade em 1985, tombou esse conjunto arquitetônico e, por meio de lei municipal, o

Ministério Público ‘destombou’ no ano de 1993”, período que segundo “o CONDEPHAAT

encontrava-se desativado, portanto, o destombamento aconteceu sem o aval do órgão

regulamentador responsável pelo patrimônio municipal” (HIRAO, 2012, p. 55). Dessa forma, o

espaço da cidade vem sofrendo descaracterizações constantes não restando nenhum bem

cultural devidamente oficializado tombado em Presidente Prudente, delimitando o instrumento

jurídico de preservação dos bens históricos.

Estudo de Caso do Complexo da Companhia Anderson & Clayton

A área analisada como local de intervenção deste trabalho se encontra na cidade de

Presidente Prudente, interior do Estado de São Paulo. Ao que se refere à objetivada

localização do terreno, segundo planta geral da cidade elaborada pela da Secretaria de

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Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Habitação, intitulada “Zoneamento de Uso e

Ocupação do Solo”: ZR2, disponível no site da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente

(http://www.presidenteprudente.sp.gov.br), esta localidade se situa na Vila Goulart, primeira

vila desta cidade, tornando a localização deste patrimônio histórico industrial ainda mais

notável (Figura 2).

Figura 2: Representação da Localização do terreno em relação ao quadrilátero central da cidade de

Presidente Prudente-SP.

Fonte: Google Earth. Acesso em: 26 mar 2016. Editado pela autora. Sem Escala. Legenda indicada na imagem.

A abrangência possível da margem de alcance pretendida com o projeto releva a localização

da cidade sede escolhida em seus níveis de interesse, partindo da visão macro à micro,

considerando questões de evolução urbana da área e tendências de crescimento da cidade

para o local.

Apresenta-se a seguir uma avaliação mais detalhada do complexo industrial, com

especificamente características de sua situação atual indicadas na Figura 3 e descrição do

levantamento métrico na Figura 4.

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Figura 3: Detalhamento da situação atual do complexo industrial da companhia Anderson & Clayton

datado de 1936.

Fonte: Autora (2016). Sem escala. Legenda indicada na imagem.

Figura 4: Reprodução do Levantamento Métrico analítico da área adotada.

Fonte: Autora (2016). Sem escala.

O remanescente industrial se dispõe em uma área em formato próximo a um triângulo, a ser

valorizada, na qual se divide em dois perfis. Em um concentra-se a localidade dos edifícios

considerados como patrimônios industriais, datados de 1936, a serem preservados.

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À segunda observa-se um vazio a ser recuperado e utilizado. Neste analisou-se cada

potencialidade e fraqueza, tanto do complexo exposto, quanto de seu entorno, a iniciar com a

localização dos mobiliários urbanos levantados e sua análise resultante, como denota a

Figura 5.

Figura 5: Levantamentos de entorno, mobiliário urbano, insolação e ventilação, uso do solo, vegetação

e de barreiras físicas, analisados in loco no complexo industrial da companhia Anderson & Clayton.

Fonte: Autora (2016). Sem escala. Legenda indicada na imagem.

Na área não foram encontrados: pontos de ônibus e de táxis, bancos, apoios de bicicletas,

fontes, bancas de jornal ou relógios. Também não foram encontrados: armários da rede

telefônica e da rede elétrica, resultando como análise, a adição destes, para melhor

funcionamento do espaço. Em segunda instância, toma-se como fator fundamental para a

diminuição das diferenças climáticas, principalmente prudentina - reconhecida por ser

extremamente quente e seca -, a vegetação arbórea nas calçadas, bem como no interior do

terreno e até mesmo da vegetação da área e do bairro. Estas são essenciais considerações

ao microclima desejado na área de intervenção.

Torna-se de fundamental necessidade esta vegetação local e do entorno, para o controle

climático. Considera-se, ainda, que tais modificações promoverão o acréscimo de maior

diversidade de espécies, tanto no entorno quanto dentro do complexo. Apropriada análise se

pode reter do levantamento de acessos ao complexo, visto que, por se tratar de um espaço

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cultural, se torna importante salientar por onde a sociedade será direcionada a acessar,

norteando como este deverá se desenvolver projetualmente para não agredir, nem

suplementar as vias de acesso já existente. Outra questão em relevância é a necessidade de

solucionar as barreiras físicas construídas, considerando em levantamento: a linha férrea, por

estar desativada e atrair vulnerabilidade e marginalização, e as rotatórias do acesso principal

ao projeto que, conforme seu constante uso, não pode ter o trafego prejudicado.

Conclui-se com tais análises, estudos e levantamentos que, a área apresenta pontos de

vulnerabilidade, corrigíveis projetualmente, possuindo por inclusão valiosas potencialidades a

serem destacadas. E que a arquitetura para museus na contemporaneidade tem ultrapassado

os limites da concepção tradicional do edifício-museu, contribuindo também para a

revitalização do espaço antes obsoleto.

RESULTADOS

Levando-se em consideração as pré-existências do complexo industrial da companhia

Anderson & Clayton sendo estes de valor cultural, histórico e industrial inquestionável, estas

diretrizes resultantes estão de forma a potencializá-lo e adequá-lo às novas necessidades e

demandas programáticas, definindo-se como conceito evidenciar diálogos entre o passado e

o presente, desde a temática pensada ao acervo do museu até a aplicação das análises

urbanísticas. Caracterizando como partido na primeira área, uma intervenção arquitetônica no

complexo por meio da instalação de um museu industrial tecnológico, resgatando seu uso,

estando localizado na principal edificação do complexo, como indicam os estudos na Figura 5.

Figura 5: Estudo volumétrico e de indicação da primeira área a ser resgatada por este trabalho no

complexo patrimonial da companhia Anderson & Clayton.

Fonte: Autora (2016). Sem escala. Legenda indicada na imagem.

Na segunda área, este partido se fará respeitando a linearidade da disposição volumétrica do

complexo, para que o bloco anexo não seja sobressalente, ideia apoiada nas análises

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espaciais da área e entorno realizadas na metodologia deste trabalho. E que assim, este

também resolva a questão de acessos, visto que este terá uso noturno, a potencializar a

relação urbana de usos.

Nesta secundária área, se tem como diretriz conectar-se ao museu através de uma exposição

arquitetônica permanente da própria conservação dos edifícios industriais remanescentes

(ruínas), utilizando-se principalmente do antigo escritório da companhia, sendo este um local

estratégico considerado de grande simbolismo arquitetônico e para o próprio complexo,

trazendo como proposta a este a história desta exposição permanente externa, de modo

sensorial, vivenciada no próprio “casarão” do escritório da companhia.

Outra conexão à proposta deste trabalho será a inter-relação de temas, pois como visto

anteriormente, pretende-se a implantação de um museu industrial tecnológico e o bloco anexo

tem como proposta a instalação de um Hard Rock Café. Sendo uma franquia inglesa, e este

complexo pertence à uma companhia de origem inglesa, este servirá como uma praça de

alimentação no período de funcionamento do museu, trazendo uso no período noturno e

fazendo com que a insegurança do lugar se desfaça ao ter movimento em todos os períodos.

A Figura 5 indica estudos de sua organização espacial:

Figura 5: Estudo volumétrico e de indicação da segunda área a ser resgatada por este trabalho no

complexo patrimonial da companhia Anderson & Clayton.

Fonte: Autora (2016). Sem escala. Legenda indicada na imagem.

Por fim, como solução às barreiras físico-construídas analisadas urbanamente, teve-se como

indicativa desmembrar o estacionamento da área patrimonial, fazendo com que a área

destinada fique fora da obstrução do fluxo das rotatórias, permitindo, portando, mais fluidez ao

translado dentro do espaço patrimonial/museal, como indicam os estudos na Figura 6.

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Figura 6: Estudo volumétrico de disposição dos volumes na área total e de indicação da área a ser

solucionada por este trabalho como estacionamento anexo ao complexo patrimonial da companhia

Anderson & Clayton.

Fonte: Autora (2016). Sem escala.

Toda metodologia de levantamento e a busca de solucionar projetualmente o problema da

obsolência deste complexo industrial, retomando sua vitalidade, reivindicou seu espaço ao

lado da cidade contemporânea, tendo a maquete eletrônica, como indica a Figura 7 seguinte,

a pré-existência permaneceu com a observância de suas especificidades como afirmação de

sua identidade patrimonial e a possibilidade de reuso de uma área com tanta simbologia à

cidade de Presidente Prudente-SP.

Figura 7: Estudo resultante da intervenção na área patrimonial da companhia Anderson & Clayton.

Fonte: Autora (2016). Sem escala.

Assim, os valores cognitivos das pessoas, tais como: memória, identidade e sentimento com

relação ao espaço - lugar em que vivem, receberam merecida estima, relevando que

territórios e patrimônios urbanos como este se encontram muitas vezes obsoletos,

degradados e abandonados em seu espaço e com o seu entorno não recebem contemplação,

podendo ser revitalizados e devidamente valorizados culturalmente.

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CONCLUSÃO

Toda área patrimonial detém encantos. Saber enaltece-los frente à contemporaneidade das

cidades, solucionando projetualmente ainda cada vulnerabilidade levantada é comprovar que

a sociedade pode ainda ter espaços públicos de exposição e integração de qualidade, beleza

e diversidade. Para que isso ocorra, não necessariamente tem-se que congestionar vias,

encher de estacionamentos, por tudo a baixo e construir algo novo; basta valorizar o que

importa: o sensorial, o diferente, o contato.

A recuperação de patrimônios históricos é valiosa e atual e pode ser realizada respeitando a

linearidade da disposição volumétrica. Suporta coexistir dialogando com o presente de forma

pacífica e acolhedora, enfim (e principalmente) pode até ser capaz de rearticular um lugar em

desuso como a situação deste complexo com a paisagem urbana.

Por tanto, sob o aporte destas considerações, esta pesquisa conclui ser viável a revitalização

do complexo industrial da companhia Anderson & Clayton, instalado no município de

Presidente Prudente/SP, por meio da constituição de um museu dinâmico com espaço de

cultura e lazer à população, valorizando a qualidade de vida da sociedade e dos patrimônios

desvalorizados.

REFERÊNCIAS

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