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UAIg UNIVERSIDADE DO ALGARVE PROVA PARA AVALIAÇÃO DE CAPACIDADE PARA FREQUÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR DOS MAIORES DE 23 ANOS 2015/2016 Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Licenciatura: Línguas e Comunicação Componente Específica de Português Leia atentamente o seguinte excerto de Os Maias, de Eça de Queiroz, e responda às questões: As férias, realmente, eram divertidas para Carlos quando trazia para a quinta o seu íntimo, o grande João da Ega, a quem Afonso da Maia se afeiçoara muito, por ele e pela sua originalidade, e por ser sobrinho de André da Ega, velho amigo da sua mocidade e, muitas vezes outrora, héspede também em Santa Olávia. Ega andava-se formando em Direito, mas devagar, muito pausadamente - ora reprovado, ora perdendo o ano. Sua mãe, rica, viúva e beata, retirada numa quinta ao pé de Celorico de Basto com uma filha, beata, viúva e rica também, tinha apenas uma noção vaga do que o Joãozinho fizera, todo esse tempo, em Coimbra. O capelão afirmava-lhe que t-udo havia de acabar a contento, e que o menino seria um dia doutor como o papá e como o titi: e esta promessa bastava à boa senhora, que se ocupava sobretudo da sua doença de entranhas e dos confortos desse padre Serafim. Estimava mesmo que o filho estivesse em Coimbra, ou algures, longe da quinta, que ele escandalizava com a sua irreligião (...). João da Ega, com efeito, era considerado não em Celorico, mas também na Academia que ele espantava pela audácia e pelos ditos, como o maior ateu, o maior demagogo, que jamais aparecera nas sociedades humanas. Isto lisonjeava-o: por sistema exagerou o seu ódio à Divindade, e a toda a Ordem social: queria o massacre das classes médias, o amor livre das ficções do matrimónio, a repartição das terras, o culto de Satanás. O esforço da inteligência neste sentido terminou por lhe influenciar as maneiras ea fisionomia; e, com a sua figura esgrouviada e seca, os pêlos do bigode arrebitados sob o nariz adunco, um quadrado de vidro entalado no olho direito - tinha realmente alguma coisa de rebelde e de satânico. Desde a sua entrada na Universidade renovara as tradições da antiga Boémia: trazia os rasgões da batina cozidos a linha branca; embebedava-se com carrascão; à noite, na Ponte, com o braço erguido, atirava injúrias a Deus. E no fundo muito sentimental, enleado sempre em amores por meninas de quinze anos, filhas de empregados, com quem às vezes ia passar a soirée, levando-lhes cartuchinhos de doce. A sua fama de fidalgote rico tornava-o apetecido nas familias. Carlos escarnecia estes idilios futricas; mas também ele terminou por se enredar num episódio romântico com a mulher dum empregado do governo civil, uma lisboetazinha, que o seduziu pela graça dum corpo de boneca e por uns lindos olhos verdes. (...) Mas a grande «topada sentimental de Carlos», como disse o Ega, foi quando ele, ao fim dumas férias, trouxe de Lisboa uma soberba rapariga espanhola, ea instalou numa casa ao pé de Celas. Chamava-se Encarnación. Carlos alugou-lhe ao mês uma vitória com um cavalo branco e Encarnación fanatizou Coimbra como a aparição duma Dama das Camélias, uma Página 1 de 3

Componente Específica de Português Os Maias, Licenciatura ... · o seduziu pela graça dum corpo de boneca e por uns lindos olhos verdes. (...) Mas a grande «topada sentimental

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UAIgUNIVERSIDADE DO ALGARVE

PROVA PARA AVALIAÇÃO DE CAPACIDADE PARA FREQUÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR DOS

MAIORES DE 23 ANOS

2015/2016

Faculdade de Ciências Humanas e Sociais

Licenciatura: Línguas e Comunicação

Componente Específica de Português

Leia atentamente o seguinte excerto de Os Maias, de Eça de Queiroz, e responda às questões:

As férias, realmente, só eram divertidas para Carlos quando trazia para a quinta o seuíntimo, o grande João da Ega, a quem Afonso da Maia se afeiçoara muito, por ele e pela suaoriginalidade, e por ser sobrinho de André da Ega, velho amigo da sua mocidade e, muitasvezes outrora, héspede também em Santa Olávia.

Ega andava-se formando em Direito, mas devagar, muito pausadamente - orareprovado, ora perdendo o ano. Sua mãe, rica, viúva e beata, retirada numa quinta ao pé deCelorico de Basto com uma filha, beata, viúva e rica também, tinha apenas uma noção vagado que o Joãozinho fizera, todo esse tempo, em Coimbra. O capelão afirmava-lhe que t-udohavia de acabar a contento, e que o menino seria um dia doutor como o papá e como o titi: eesta promessa bastava à boa senhora, que se ocupava sobretudo da sua doença de entranhase dos confortos desse padre Serafim. Estimava mesmo que o filho estivesse em Coimbra, oualgures, longe da quinta, que ele escandalizava com a sua irreligião (...).

João da Ega, com efeito, era considerado não só em Celorico, mas também na Academiaque ele espantava pela audácia e pelos ditos, como o maior ateu, o maior demagogo, quejamais aparecera nas sociedades humanas. Isto lisonjeava-o: por sistema exagerou o seu ódioà Divindade, e a toda a Ordem social: queria o massacre das classes médias, o amor livre dasficções do matrimónio, a repartição das terras, o culto de Satanás. O esforço da inteligêncianeste sentido terminou por lhe influenciar as maneiras e a fisionomia; e, com a sua figuraesgrouviada e seca, os pêlos do bigode arrebitados sob o nariz adunco, um quadrado devidro entalado no olho direito - tinha realmente alguma coisa de rebelde e de satânico. Desdea sua entrada na Universidade renovara as tradições da antiga Boémia: trazia os rasgões dabatina cozidos a linha branca; embebedava-se com carrascão; à noite, na Ponte, com o braçoerguido, atirava injúrias a Deus. E no fundo muito sentimental, enleado sempre em amorespor meninas de quinze anos, filhas de empregados, com quem às vezes ia passar a soirée,levando-lhes cartuchinhos de doce. A sua fama de fidalgote rico tornava-o apetecido nasfamilias.

Carlos escarnecia estes idilios futricas; mas também ele terminou por se enredar numepisódio romântico com a mulher dum empregado do governo civil, uma lisboetazinha, queo seduziu pela graça dum corpo de boneca e por uns lindos olhos verdes. (...)

Mas a grande «topada sentimental de Carlos», como disse o Ega, foi quando ele, ao fimdumas férias, trouxe de Lisboa uma soberba rapariga espanhola, e a instalou numa casa aopé de Celas. Chamava-se Encarnación. Carlos alugou-lhe ao mês uma vitória com um cavalobranco e Encarnación fanatizou Coimbra como a aparição duma Dama das Camélias, uma

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flor de luxo das civilizações superiores. Pela Calçada, pela estrada da Beira, os rapazesparavam, pálidos de emoção, quando ela passava, reclinada na vitória, mostrando o sapatode cetim, um pouco da meia de seda, lânguida e desdenhosa, com um cãozinho branco noregaço.

Os poetas da Academia fizeram-lhe versos em que Encarnación foi chamada Lírio deIsrael, Pomba da Arca, e Nuvem da Manhã. Um estudante de teologia, rude e sebentotransmontano, quis casar com ela. Apesar das instâncias de Carlos, Encarnación recusou; e oteólogo começou a rondar Celas, com um navalhão, para «beber o sangue» ao Maia. Carlosteve de lhe dar bengaladas.

Mas a criatura, desvanecida, tornou-se intolerável, falando sem cessar doutras paixõesque inspirara em Madrid e em Lisboa, do muito que lhe dera o conde de tal, o marquêssicrano, da grande posição da sua família ainda aparentada com os Medina-Coeli: os seussapatos de cetim verde eram tão antipáticos como a sua voz estrídula: e quando tentavaelevar-se às conversações que ouvia, rompia a chamar ladrões aos republicanos, a celebrar ostempos de D. Isabel, a sua grada, o seu sak’ro - sendo muito conservadora como todas asprostitutas. João da Ega odiava-a. E Craveiro declarou que não voltava aos Paços de Celasenquanto por lá aparecesse aquele montão de carne, pago ao arrátel, como a de vaca.

Enfim, uma tarde Baptista, o famoso criado de quarto de Carlos, surpreendeu-a com umJuca que fazia de dama no Teatro Académico. Aí estava, enfim, um pretexto! E,convenientemente paga, a parenta dos Medina-Coeli, o Lírio de Israel, a admiradora dosBourbons, foi recambiada a Lisboa e à rua de S. Roque, seu elemento natural.

Eça de Queiroz, Os Maias, cap. IV

1. Encontre três adjetivos não pre5ente5 no texto através dos quais se possa descrever a

personagem João da Ega. Justifique.

(1,5 valor)

2. Por que razões se tornou Encarnación intolerável? Use na resposta, tanto quanto possível,

formulações suas e não as do texto.

(1,5 valor)

3. Identifique a partir deste excerto, sucintamente, aspetos comuns às vivências de Carlos da

Maia e João da Ega enquanto estudantes de Coimbra.

(2 valores)

4. Reformule a seguinte frase, mantendo o significado, e iniciando com “por muito que”:

O Rui detesta-a profundamente, mas vaifazer-lhe a vontade.

(1 valor)

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5. Identifique o tempo verbal correspondente a cada uma das seguintes formas:

vimos tê-lo-íamos interveio opta despisse

(1,5 valor)

6. Indique a que categorias sintática5 (nome ou substantivo, verbo, adjetivo, etc.) pertencem as

seguintes palavras:

por estas depressa olhares

(1 valor)

7. Assinale e corrija os erros ocorrentes nas frases seguintes:

7.1 Foi difícil encontrar alguém que habita-se em Seja e pode-se ira Aljustrel regularmente.

7.2 A ideia dela ser a nossa representante não foi aceite porque haviam muitas pessoas

preconceituosos na reunião.

(1,5 valor)

II

Em cerca de 250 (duzentas e cinquenta) palavras, elabore um texto em que exprima, de forma

clara e fundamentada, o seu ponto de vista sobre um dos seguintes temas:

(10 valores)

a) Como lida a sociedade portuguesa com o fenómeno da imigração? E, na sua opinião,

como deveria lidar?

b) Na sua opinião, que papel desempenha hoje o livro em sociedades em que, como a

nossa, a produção e divulgação da informação e do conhecimento se faz cada vez mais

por meio das novas tecnologias?

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