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COMPORTAMENTO DEFENSIVO: uma estratégia para suportar o sofrimento no trabalho Ana Magnólia Bezerra Mendes" RESUMO Este é um estudo exploratóno, que tem por objetivo ídentíficu as estrstégÍas defensiv.9SUtílízadaspelos tr~alha, acres para evitar ou minimizer o soirimento psiquico gerado nas imposições da organÍzaçá.o do trebelho. Para tel, reelizemos quatro entrevistes com engenheiros da área.técnica de uma empresa de telecomuniceções. Os dados Sram enelisedos queliuuivemente. com base na interpreteçêo da fa.!adesses trebelhedores. Identífica.mos como _ . cipsis estratégiase recionelaeçêo, o individuellsmo e a pessividede. A utífÍzaçá.odessas defesas permite ao trebe- •• edor manter seu equiltbrio psiquico, e, ao mesmo tempo, favorece a slleneçêo das causas do seu sotrimento. dificultando assim, o processo de mudança. das sltueções de tra.ba.!ho. - 'STRACT Thls exploretory study eims to ÍdentífY the detensive stretegies used by me worker; in order to evoid or to zzsuma e the psychíc su!ferÍng genereied by me impositions of works orgeniauion. For such, four group iaterviews , ere underteken wid: engineers trom me technicel eree of a tele communicetion s instituition. The besis for me is of the qua.!íty ofínformatÍon obteined was me iaterpretetion of the worker's speech. Rsuionslizedon. ::'ivídua.!Ísmeridpessivity were identitied as me mein stretegies. The use cftbese defenses a.!lows the worker to _ bis psychic belsnce and, sirnulteneously. colsboretes to me elienetion of me causes of bis sutiering, thus zreeting handca.ps to me worker's situstions process of change. ersidade de Brasília.. Revista de Psicologia, Fortaleza, y'13(1!2) Y.14(1!2) p. - p. jan/dez 1995/96 27

COMPORTAMENTO DEFENSIVO: uma estratégia para suportar o ... · ção e como conseqüência a instalação de neurose. Anna Freud (I983), nos seus estudos sobre a defi-nição das

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Page 1: COMPORTAMENTO DEFENSIVO: uma estratégia para suportar o ... · ção e como conseqüência a instalação de neurose. Anna Freud (I983), nos seus estudos sobre a defi-nição das

COMPORTAMENTO DEFENSIVO:uma estratégia para suportar o sofrimento no trabalho

Ana Magnólia Bezerra Mendes"

RESUMO

Este éum estudo exploratóno, que tem por objetivo ídentíficu as estrstégÍas defensiv.9SUtílízadaspelos tr~alha,acres para evitar ou minimizer o soirimento psiquico gerado nas imposições da organÍzaçá.o do trebelho. Para tel,

reelizemos quatro entrevistes com engenheiros da área.técnica de uma empresa de telecomuniceções. Os dadosSram enelisedos queliuuivemente. com base na interpreteçêo da fa.!adesses trebelhedores. Identífica.mos como_ . cipsis estratégiase recionelaeçêo, o individuellsmo e apessividede. A utífÍzaçá.odessas defesas permite ao trebe-•• edor manter seu equiltbrio psiquico, e, ao mesmo tempo, favorece a slleneçêo das causas do seu sotrimento.dificultando assim, oprocesso de mudança. das sltueções de tra.ba.!ho.

- 'STRACT

Thls exploretory study eims to ÍdentífY the detensive stretegies used by me worker; in order to evoid or tozzsuma e the psychíc su!ferÍng genereied by me impositions of works orgeniauion. For such, four group iaterviews, ere underteken wid: engineers trom me technicel eree of a tele communicetion sinstituition. The besis for me

is of the qua.!íty ofínformatÍon obteined was me iaterpretetion of the worker's speech. Rsuionslizedon.::'ivídua.!Ísmerid pessivity were identitied as me mein stretegies. The use cftbese defenses a.!lows the worker to_ bis psychic belsnce and, sirnulteneously. colsboretes to me elienetion of me causes of bis sutiering, thus

zreeting handca.ps to me worker's situstions process of change.

ersidade de Brasília..

Revista de Psicologia, Fortaleza, y'13(1!2) Y.14(1!2) p. - p. jan/dez 1995/96 27

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Introdução

A problemática das estratégias defensivas diantedo sofrimento vem sendo estudada desde 1980, com aspesquisas desenvolvidas por Dejours (1987), e tem comopropósito coompreender as relações de trabalho do pontode vista da intersubjetividade, uma mediação entre opsíquico e o social, um espaço de produção de significa-ções psíquicas e de construção de relações sociais.

Neste sentido, é a organização do trabalho a vari-ável fundamental para compreensão destas relações, ten-do em vista que as regras estabelecidas para a divisão dotrabalho e divisão dos homens exerce impacto no funci-onamento psíquico do trabalhador, gerando vivênciastanto de prazer quanto de sofrimento.

Mendes (I 994), estudando o prazer-sofrimento,identificou que caso a organização do trabalho contem-pie a fragmentação e especialização, tarefas repetitivase pouco significativas e relações com pares e hierarquiabaseadas no controle e na competitividade, predomina-rão vivências de sofrimento expressas em sintomas comofrustração, tédio e impotência.

Diante da emergência desse sofrimento, o traba-Ihador manifesta comportamentos defensivos, ora indivi-duais, ora coletivos, com objetivo de evitar emergênciade conflitos e/ou sentimentos dolorosos, bem como demanter o equilíbrio psíquico, combatendo ou ocultandointernamente o sofrimento.

Segundo Dejours (1990), o sofrimento é umavivência subjetiva, que não se origina necessariamentena realidade exterior, mas sim está associado às relaçõesque o sujeito estabelece com esta realidade, sendo asolicitação pulsional exigida pela organização do traba-lho que conduz a uma representação penosa. Geral-mente tem espressão através dos sentimentos de indig-nidade, desqualificação e inutilidade em relação àsinstituições atuais de trabalho.

Desta forma, a qualidade do sofrimento recebeinfluência da cadeia biográfica e história de vida do su-jeito, sendo construída nas relações parentais, a partirdo processo de identificação da criança com a mãe e domedo da perda deste objeto amado, Dejours (1992);Rodrigues (1992), sendo reproduzido nas situações detrabalho.

Desse modo, o trabalho pode, de um lado, favo-recer condições estabilizadoras que neutralizam este so-frimento, muitas vezes existencial, quando as exigênciaspulsionais correspondem aos desejos inconscientes dosujeito e tem lugar o processo de sublimação e/ou apossibilidade de o trabalhador utilizar seus recursos depersonalidade, inteligênciae discussão coletivapara trans-formar o sofrimento em prazer.

De outro, o sofrimento permanece ou é mascara-do pelos comportamentos defensivos. Estes comporta-mentos têm relação com o conceito defesa como umconjunto de operações do ego cuja finalidade é reduzire suprimir qualquer modificação que ponha em perigoo indivíduo, à medida em que desencadeia uma excita-ção interna desagradável para o ego e incompatível como equilíbrio psíquico. Laplanche &- Pontalis (I 982).

Para Wollheim (1971), as defesas assumen umafunção integrativa ou construtiva na vida psíquica. En~tretanto, caso estas defesas sejam excessivas, o ego podeser enfraquecido se tal se fizer num período do seu de-senvolvimento em que não esteja preparado para essedispêndio de energia, podendo ocorrer a sua cristaliza-ção e como conseqüência a instalação de neurose.

Anna Freud (I 983), nos seus estudos sobre a defi-nição das defesas na obra de Freud, afirma que ele, em1894, considerava os mecanismos de defesa como umprocesso empregado pelos sujeitos para descrever a lutado ego contra as idéias ou afetos dolorosos ou insupor-táveis. Em 1926, passou a definir defesa como designa-ção geral para todas as técnicas de que o ego se serveem conflito, que possasm transformar-se em neurose.

Segundo a autora, os mecanismos de defesa sepassam em mais de uma esfera psíquica. De um lado,são automáticos, inconscientes e encontram-se na de-pendência dos processos primários, com objetivo de re-duzir a tensão pulsional e angústia dele resultantes. Deoutro, são regidos pelos processos secundários, e visamarranjos das condições internas do indivíduo em funçãode uma flexível adaptação às condutas externas, bus-cando integração e controle.

As defesas relacionadas ao trabalho são processossecundários, que têm como objetivo a adaptação às con-dições dolorosas das situações adversas de trabalho, aosquais geram conflitos que interferem no equilíbrio psí-quico e ameaça a integridade do sujeito.

Dejours (I 990) define as estratégias defensivascomo um mecanismo pelo qual o trabalhador buscamodificar, transformar e minimizar sua percepção darealidade que o faz sofrer. Este processo é estritamentemental, já que ele não modifica a realidade de pressãopatogênica imposta pela organização do trabalho.

Para o autor, as estratégias defensivas coletivas (ter-mo usado especificamente pela psicodinâmica do traba-lho) se diferencia dos macanismos de defesa individuaisestudados pela psicanálise. A diferença entre eles resideno fato de que o primeiro depende da presença de con-dições externas e podem ser coletivos, sustentando-seno consenso de um grupo específico de trabalhadores.

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Assim, as estratégias defensivas coletivas caracte-rizam-se pela presença de condições externas reais quegeram sofrimento e são construídas no coletivo a partir

o estabalecimento de regras e consenso entre mern-os de uma determinada categoria profissional. Dejours

1985/1987).As estratégias defensivas podem permitir ao sujei-

:0 uma estabilidade na luta contra o sofrimento, que,em outras situações, seria incapaz de garanti-Ia apenascom suas defesas individuais.

Assim, as estratégias defensivas coletivas devemestar em harmonia com as defesas individuais para ga-rantir a economia psíquica do trabalhador (Dejours," 90). Entretanto, isto nem sempre ocorre, gerando con-.: tos e tensões internas que podem comprometer o fim-

onamento psíquico do sujeito.Segundo o autor, as defesas exercem um papel irn-

oortante na estruturação do coletivo, na sua coesão e suaestabilização, porque impedem a emergência do sofri--ento que causa conflito e desestabilização emocional.

O autor, então, atribui dois paéis contraditórios àsestratégias defensivas coletivas:

• De adaptação às pressões para evitar a loucura; e• de estabilização da relação subjetiva e da organi-

zação do trabalho, alimentando uma resistênciaà mudança.

Para o autor, a estratégia defensiva pode tornar-se- objetivo em si para enfrentar as pressões psicolôgi-

do trabalho, o que leva a um processo de alienação,eando qualquer tentativa de transformação da si-

::..:açãovigente.Quando essas estratégias se estabilizam, surge o

cesenccrajarnento, a resignação diante de uma situaçãoe não gera mais prazer, mas só sofrimento.

Betiol (1994), mencionando Dejours, afirma quee bteve como resultado de uma de suas pesquisas a

zzse do individualismo, que é um processo pelo qual oshadores interpretam os fatos atuais das situações

- trabalho de forma singular e sem considerar a histô-- que os produziu. Eles atribuem uma naturalização-~ causalidade, porque seria insuportável o desmente-

rnento do esquema defensivo e a confrontação com aszausas do seu sofrimento no trabalho.

A perspectiva teórica da psicodinâmica do traba-rescreve que não existem tipos de comportamen-e defesa padronizados para todos os trabalhadores.a categoria expressa comportamentos específicos,endo estes variar até dentro da mesma categoria

~ ional.Fundamentada nestes constructos teóricos, nossa

- isa teve como objetivo identificar a utilização de

estratégias defensivas pelos trabalhadores, como umaalternativa de comportamento, que visa seu equilíbriopsíquico e a evitação do sofrimento originado nas impo-sições e rigidez da organização do trabalho, consideran-do a hipótese de que a organização do trabalho à qualestes trabalhadores estavam submetidos é favorável àemergência do sofrimento e, como conseqüência, a uti-lização de estratégias defensivas coletivas, exercendo in-fluência nos processos de mudança das situaçõesinsatisfatórias de trabalho.

Metodologia

Os dados foram coletados em quatro entrevistascoletivas, com duração de, no máximo, duas horas. Par-ticiparam da pesquisa voluntariamente três engenheiroseletricistas, exercendo suas tarefas na área de planeja-mento, implantação, verificação e homologação de equi-pamentos técnicos especiais para telecomunicações.

Não foi estabelecido um roteiro de entrevista; asperguntas foram elaboradas no momento da pesquisa enorteados por temas gerais relacionados aos seguintesaspectos: divisão do trabalho, descrição da jornada detrabalho, tarefas executadas, ritmos de produção, resul-tados e reconhecimento no trabalho, participação nosprocessos decisórios, margens de liberdade, relação comos pares e hierarquia e os sentimentos gerados quandosubmetidos a estas condições.

A abordagem desses temas permitiu identificar oselementos da organização do trabalho determinantes dosofrimento e consequentemente da utilização de estra-tégias defensivas. Não é possível investigar defesas deforma direta, é a interpretação da fala que permite re-velar o sentido do discurso latente.

As entrevistas foram conduzidas considerando osprimeiros comentários dos participantes sobre os temas.A partir deles foram elaboradas questões mais específi-cas relativas aos objetivos da pesquisa, bem como reali-zadas intervenções nos comentários, por meio do le-vantamento de hipóteses explicativas do discursomanifesto.

A apreensão das estratégias defensivas foi possívela partir das verbalizações diretas e das carregadas, aomesmo tempo, de expressões negativas ou positivas, equando ocorreram falhas de linguagem, silêncio,distorçóes, dificuldades de expressão, bloqueios na fala.Todas as verbalizações foram a unidade de análise, nãosendo considerados importantes a identificação indivi-dual de falas e/ou sentimentos nem de determinadosaspectos pessoais sobre o âmbito do trabalho.

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Resultados

Os comportamentos defensivos foram identifica,dos a partir da análise das verbalizações dos partici-pantes. Categorizamos os comportamentos defensivosde acordo com o contexto no qual emergiam senti,mentos de tédio, frustração e impotência, imediata,mente minimizados ou evitados através das contra,dições da própria verbalização. Denominamos asestratégias de racionalização, individualismo, e passivi-dade, por representarem os comportamentos que afas-tavam as situações de sofrimento. Estes resultados se,rão explicitados por meio da demonstração dasverbalizações que indicam a presença de estratégias.

Racionalização

Entendemos por racionalização, o mecanismo deatribuir explicações coerentes do ponto de vista lógico,ou aceitável do ponto de vista moral, para uma atitude,ação, idéia ou sentimento, de cujosmotivosverdadeirosnão se apercebe, Laplanche &- Pontalis(1982).

Esta estratégia foi utilizada diante das situaçõesnas quais os sujeitos consideravam o trabalho extrema,mente dividido, mas não atribuíram à organização dotrabalho a causa do sentimento subliminar de frustra,çâo, conforme podemos identificar nesta verbalização.Verificamosa preservação da imagem da empresa e anegação da sua responsabilidade na divisãodo trabalho.

A gente aquí dentro ... a gente não consegueenxergar o todo, uma empresa muíto grande, agente não sabe muíto bem as díficuldades... euacho até que a empresa faz um bocado de coísa...bem ágíf...

Na verbalização a seguir identificamosa distorçãodos movimentos causadores da frustração, ocorrendouma minimização da realidade de trabalho que faz so-frer, não considerando o poder hierárquico e limita'ções na realização profissional. em termos da aplica,bilidade das competências técnicas com causas diretasda frustração.

...no meu casodáraíva... uma grande ÍlTÍtação,mas depoís a gente pensa: deíxa para lá, não vale apena ficargastando adrenalína com ísso aquí, o im-portante é que no final do mês eu tenha o meudínheíro no banco parapoder fazer oplanejamentoda mínha vide, me realizar aí fora, já que não temrealizaçãoprofissíona!, tenh orealizaçãopessoa!.

A estratégiade racionalização utilizada pelos parti,cipantes permite a realização profissionalfora do espaçoda empresa, demonstrando assim, uma necessidade denão permitir o domínio do adonnecimento intelectual, econsequentemente manter o equilíbriopsíquico.

...fazemos nossas coísasíndependente do queestá acontecendo por lá... a realização nossa é íssoai .. é suportével, não dou ímportân cíapara certascoísas. Se for parar e pensar a gente entra em con-flíto interno, porque chega um ponto em que vocênão agüenta meis, ou eceite ou saí...

Asverbalizações apresentadas parecem dernons-trar que a racionalização está relacionada às situaçõesde divisão do trabalho e conteúdo da tarefa, à proble-mática da realização profissional, implicando uma erga-nização do trabalho onde predomina o parcelamentodo trabalho e a desqualificação técnica.

Individualismo

O individualismoenquanto estratégia defensiva éatribuição de naturalização para comportamentos e fa-tos atuais das situações de trabalho que levam ao isola,mento dos trabalhadores, sem considerar a causalidadeque os produziu. Identificamosque o individualismopodeser considerado uma estratégia para fazer face aos con-flitos internos resultantes do sentimento de impotênciadiante da percepção dos princípios tayloristaspresentesna situação de trabalho, e dos mecanismos de deses-truturação das realizações com os pares, a competição eo isolamento,ou seja, quando não ocorre a cooperação,confiança e estabelecimento de regras comuns.

Aqui não tem um trabalho em equipe, nãotem uníão... quando alguma coísa dá errado... todomundo quer se salvar;colocar culpa para alguém.

A existência deste fenômeno demonstra, por umlado, a naturalização do isolamento, e de outro, umaqueixa pela falta de cooperação, o que permite umacerta isenção de culpa do trabalhador, por não estabele-cer tais relações, bem como evita o contato com umadivisãode trabalho e rigidezhierárquica que desfavorecea fonnação do coletivo.

O in idualisrnopode ser identificado através dasbrincadeiras os colegas, constituindo uma situaçãoonde sen en o de desagrado pela falta de confiançaentre res é minimizadopor uma pseudo integração

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através do humor. Assim, de um lado, a brincadeira éuma forma de manter o equilíbrio do grupo, e de outro,é mordaz no sentido de encobrir a agressividade origi-nada nas relações competitivas entre os pares.

...acho que uma coisa boa éo fáto de a gen-te conseguir superar um monte de coisas desegre-dáveis que acontecem, com o bom humor. .. a gentebrinca mesmo ... ri da própria desgraça ... brincarcom a gente mesmo ... quando a coisa tá séria,cada um quer selver a sua pele ... se der selv« a simesmo e ao outro, se não der...

As verbalizações nas quais identificamos o com'portamento do individualismo demonstra a separaçãodo planejarnento-execuçâo, refletindo um trabalho iso-lado, no qual os sujeitos, enquanto grupo de trabalhonão tem espaço para discussões coletivas na forma degestão da organização do trabalho, instalando-se, umciclo de acusações mútuas entre os pares e uma natura-lização do isolamento, quase um culto ao individualis-mo, não permitindo a clarificação dos mecanismos utili-zados pela empresa para afastar as posibilidades dediscussões coletivas sobre a organização do trabalho.

Passividade

A passividade reflete muito mais um estado em o'cional do que uma estratégia, apesar de que quandoneste estado, o trabalhador nega a percepção da real i,dade. Enquanto estratégia, é um comportamento de aco-modação para justificar a não transformação das situa'ções de trabalho, atribuindo o poder de mudar a forçasexternas a ele, para não se confrontar com o tédio, odesinvestimento e desmotivação pelo seu trabalho gera,do na divisão e conteúdo das tarefas, e nas relaçõescom os pares e hierarquia.

As verbalizações demonstram a atribuição à erga-nização do trabalho características de imutabilidade eimobilidade, o que resulta num papel passivo diante dasimposições e das possibilidades de transformação.

Cumpre o que o chefe ordena emeis nada. Cum-priu está satisfeito.

A passividade pode levar ao corporativismo e àsupervalorização da empresa, que mascara os elernen-tos determinantes do sofrimento e justifica a rnanuten-ção da situação vigente, não exigindo um confronto coma responsabilidade de cada um e da própria empresa

para provocar mudanças, já que para isto o trabalhadorteria que aceitar as incompatibilidades entre suas aspira,ções e a sua realidade de trabalho.

Querendo ou não você sempre quer vestir a ca-misa da empresa ... aqui dentro a gente pode fa.!armel.é como um pai, que fa.!amel dos filhos, mas não querque ninguém fa.!e... âs vezes não é culpa da empresa ...émá informação daspessoas.

As verbalizacões demonstram que a passividade éuma estratégia que justifica a permanência no emprego,até porque o mercado está difícil. facilitando a aceita'ção de uma situação que só pode ser mudada por forçasexternas e independentes do contexto organizacional.Isso favorece uma tranqüilidade no sentido de que aempresa e o próprio trabalhador não é responsável pe-Ias adversidades das situações de trabalho, tomando estaestratégia como uma alternativa para manter o equilí-brio psíquico.

...muitos colegas estão desempregados ... aqui pelomenos sou engenheiro ...

Consideramos a passividade como uma estratégiaque pode ser prejudicial aos processos de mudança àmedida em que o trabalhador não identifica as causasdo seu sofrimento na organização do trabalho, logo nãoo compartilha coletivamente, e sente-se isento de res-ponsabilidade pelo fato de justificar a passividade paratoda a categoria profissional.

Estes resultados parecem apontar que a utiliza,ção de defesas pode ser um fenômeno adaptativo oupatológico, possibilitando o equilíbrio psíquico ou le-vando à paralisação do pensamento e a percepçõesdistorcidas da realidade, prejudicando os processos demudança, muitas vezes necessários para a sobrevivên-cia e o crescimento da empresa.

Apesar de as defesas favorecerem o equilíbrio psí-quico evitando o confronto permanente com os conflitos,é perigosa a sua cristalização em comportamentos dedesencorajamento e desengajamento, conforme pesqui-sas realizadas por Dejours (I 994), que atrapalham o pro-cesso produtivo e cronificam as patologias individuais.

O caráter exploratório deste estudo não permitegeneralizações, entretanto, o grupo pesquisado cornpar-tilhou coletivamente destas defesas e atribuiu a sua ca-tegoria profissional tais comportamentos como uma for'ma "natural" de funcionamento dentro da empresa,demonstrando assim, a sua cristalização.

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Conclusões

As funções desempenhadas pelas defesas são contra-ditórias, tendo em vista os elementos restritivos da organi-zação do trabalho que geram conflitos e sofrimento aostrabalhadores que necessitam manter sua saúde mental.

Neste sentido, o comportamento defensivo estáenvolvido num processo cíclico, dinâmico e rnultide-terminado, variando de acordo com a percepção do tra-balhador, sua história de vida e personalidade, e tarn-bém em função da flexibilidade ou não da organizaçãodo trabalho para a negociação das regras estabelecidas(Linhares 1994).

No caso dos nossos sujeitos, identificamos umarigidez nas relações com pares e hierarquia, divisão dotrabalho e a falta do uso das competências técnicas, oque leva à busca de realização profissional fora do tra-balho, respaldada na racionalização.

A relação com os pares não é baseada na confian-ça e na cooperação, enquanto a chefia é baseada nasubmissão e controle. Esta, provavelmente, é uma dascausas dos conflitos que geram sofrimento e a necessi-dade de utilizar defesas.

As defesas, por um lado, permitem a convivênciacom o sofrimento, por outro, podem levar à alienaçãodas suas verdadeiras causas, o que evita, no caso desteestudo, contato com o tédio, com a frustração e com osentimento de impotência.

Esta alienação serve à ideologia dominante, quenão tem interesse nas mudanças das relações de traba-lho, e assim, explora e faz uso da contradição inerenteà função das defesas para evitar discussões sobre a or-ganização do trabalho e manter a mão-de-obra produ-tiva ao desconhecer as causas do seu sofrimento e semanter no emprego.

Os resultados encontrados nesta pesquisa são muitoparticulares ao grupo estudado, sendo necessário o de-senvolvimento de outras pesquisas com esta categoriaem outras realidades organizacionais a fim de que oscomportamentos defensivos possam ser ampliados e/ouconfirmados.

Fica, então, o alerta para a necessidade de outraspesquisas que possam demonstrar a influência da erga-

nização do trabalho nos processos de sofrimento notrabalho e na utilização de estratégias defensivas, o de-senvolvimento de novos métodos de investigação e arn-pliação das variáveis antecedentes, com o objetivo depromover uma discussão teórica a partir do empíricodos princípios norteadores prejudiciais ao estado de saú-

de mental no trabalho.

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