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Lisboa, julho de 2015
RELATÓRIO
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM
IMPACTO NA SEGURANÇA DO
SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
GRUPO DE TRABALHO
ANA PAULA SOUSA, IPST IP
FERNANDO ARAÚJO, CHSJ/ EPE
RICARDO CAMACHO, IHMT (P), RIMR (B)
ANTÓNIO DINIZ, DGS
NUNO JANEIRO, CHLN EPE/HSM
LUCÍLIA NUNES, CNECV
CÍNTIA ÁGUAS, CNECV
ISABEL ELIAS, CIG
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
2
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 4
1.1. ÂMBITO E OBJETIVOS .............................................................................................................................. 4
1.2. ESTRUTURA DO RELATÓRIO ....................................................................................................................... 5
2. QUESTIONAMENTO ÉTICO ................................................................................................................. 6
DOS PRINCÍPIOS ............................................................................................................................................ 6
BREVE REVISÃO DE LITERATURA BIOÉTICA ......................................................................................................... 10
3. QUESTÕES DE GÉNERO ................................................................................................................... 14
4. CARATERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO EM PORTUGAL ............................................................................. 17
3.1. COMPORTAMENTOS DE RISCO ACRESCIDO, PARA CONTACTO COM AGENTES INFECIOSOS (TAMBÉM TRANSMISSÍVEIS
PELO SANGUE) ............................................................................................................................................ 20
3.2. COMPORTAMENTO HSH E IMPACTO EM SAÚDE PÚBLICA .............................................................................. 25
5. RASTREIO DE AGENTES INFECIOSOS NA DÁDIVA DE SANGUE ......................................................... 29
5.1. RISCO RESIDUAL INFECIOSO .............................................................................................................. 29
6. CONSIDERAÇÕES RELEVANTES PARA ALTERAÇÃO DO CRITÉRIO ..................................................... 32
6.1. EVIDÊNCIA DE OUTROS PAÍSES QUE ALTERARAM O CRITÉRIO .................................................................... 32
6.2. ANÁLISES DE RISCO (EVIDENCE-BASED) PARA CENÁRIOS COM ALTERAÇÃO DO CRITÉRIO................................. 35
6.3. RRI ASSOCIADO À TRANSFUSÃO DE SANGUE ........................................................................................ 39
7. RECOMENDAÇÕES .......................................................................................................................... 45
8. ACRÓNIMOS ................................................................................................................................... 49
9. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................. 50
10. ANEXOS .......................................................................................................................................... 56
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
3
INDICE TABELAS
Tabela 1 - Novos casos notificados por ano de diagnóstico. ...................................................... 25
Tabela 2 - Número de casos novos notificados pelas principais categorias de transmissão ..... 26
Tabela 3 - Prevalência da infeção por VIH em populações chave .............................................. 28
Tabela 4 - Dadores (primeira vez e habituais), incidência (/100 000), prevalência (/100 000)
para os 3 agentes patogénicos (VHB, VHC e VIH) em 2012, 2013 e 2014 .................................. 30
Tabela 5 - OR (dadores de primeira vez vs dadores habituais)................................................... 30
Tabela 6 - OR (dadores habituais vs dadores de primeira vez)................................................... 31
Tabela 7 - Risco Residual Infeccioso (RRI por /100 000 dádivas; por /1 000 000 dádivas e por
unidade) ao longo de 2012, 2013 e 2014 .................................................................................... 31
Tabela 8 - Períodos de suspensão atribuídos a dadores de sangue com comportamento HSH
em diferentes países ................................................................................................................... 32
Tabela 9 - RR (/100 000) em Portugal (2014) e no Reino Unido (2005/2007) ............................ 42
INDICE GRÁFICOS
Gráfico 1- Análise do Risco Residual (/100 000 dádivas) estimado para 3 cenários: alteração do
critério de suspensão de dadores com comportamento HSH para 5 anos, 12 meses e sem
aplicação de suspensão, em função da compliance ................................................................... 43
Gráfico 2- Análise do Risco Residual (/368 000 dádivas ano) estimado para 3 cenários:
alteração do critério de suspensão de dadores com comportamento HSH para 5 anos, 12
meses e sem aplicação de suspensão, em função da compliance .............................................. 43
INDICE FIGURAS
Figura 1 - Taxa de incidência da infeção por VIH em Portugal (ano 2013). ............................... 27
Figura 2 - Risco Relativo da não detecção de uma infecção positiva por grupo de risco
comparativamente aos heterossexuais que tiveram um novo parceiro sexual nos últimos 12
meses .......................................................................................................................................... 38
Figura 3 - Frequência estimada de dádivas infectadas pelo VIH considerando o critério actual e
cenários hipotéticos (2005-2007) ............................................................................................... 42
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
4
1. Introdução
1.1. Âmbito e Objetivos
1. Considerando que na avaliação dos potenciais candidatos a dadores de sangue
se avaliam as boas condições para a dádiva de modo a garantir a segurança do
próprio dador (doença que possa contraindicar a dádiva de sangue) bem como do
recetor (comportamento ou doença infeciosa que possa colocar em causa a
segurança do sangue e por conseguinte passível de desencadear um efeito
adverso no doente, recetor do sangue), através da aplicação de critérios de
elegibilidade constantes do Anexo VII do DL 267/2007, importa salientar que esta
avaliação, sobre o estado de saúde do dador, hábitos e comportamentos de vida é
fundamental à segurança do sangue e da transfusão;
2. Atendendo, também, à Resolução da Assembleia da República n.º 39/2010, de 7
de Maio, que recomenda ao Governo a adoção de medidas que visem combater a
discriminação dos homossexuais e bissexuais nos serviços de recolha de sangue
e considerando, ainda, as posições públicas de candidatos a dadores de sangue
que alegadamente se sentem alvo de discriminação pelo facto de não serem
aceites para a dádiva de sangue (face a resposta positiva quando inquiridos sobre
o comportamento contactos sexuais entre homens);
3. Sabendo que o IPST IP, de acordo com a sua Lei Orgânica e respetivos
Estatutos, tem por missão e atribuição, a nível nacional, garantir e regular a
atividade da medicina transfusional e que lhe foram conferidas competências
específicas no âmbito da promoção da dádiva de sangue, nomeadamente, a
realização de ações de sensibilização e formação, no seio da comunidade, para a
necessidade da dádiva regular de sangue e assegurar a comunicação regular de
dados relevantes com vista a decisões mais esclarecidas dos cidadãos e da
comunidade;
4. Considerando, por outro lado, as atribuições da DGS, em matéria de segurança e
qualidade do sangue e seus componentes, nomeadamente as respetivas
competências a nível da regulamentação e controlo do cumprimento de padrões
de qualidade e segurança das atividades relacionadas com a dádiva de sangue,
enquadramento legal este que determinou a necessária articulação do IPST,IP
com esta entidade;
5. Tendo em conta a adoção da Resolução CM / Res (2013) 3 “On sexual
behaviours of blood donors that have an impact on transfusion safety” pelo Comité
de Ministros do Conselho da Europa, que recomenda aos governos dos Estados
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
5
que aderiram à Convention on the Elaboration of a European Pharmacopoeia, a
tomada de um conjunto de medidas, nomeadamente a recolha, avaliação e
publicação de dados epidemiológicos que facilitem análises de risco, por forma a
diferenciar quantitativamente comportamentos de risco e de elevado risco para
uma interpretação harmoniosa internacional sobre a suspensão de dadores.
Sugere que os dados sobre a incidência e prevalência de infeções sexualmente
transmissíveis na população em geral, nos dadores de sangue e nos indivíduos
com comportamento sexual de risco sejam tidos em conta por forma a decidir a
elegibilidade destes dadores. Recomenda também a colheita de dados
normalizados nas entrevistas pós dádiva sobre comportamentos de risco em
dadores positivos para os agentes de doença HIV, HBV, HCV e sífilis;
6. O presente Grupo de Trabalho apresenta ao CD do IPST IP, uma proposta de
procedimento, na linha de atuação das recomendações supramencionadas.
1.2. Estrutura do relatório
O presente Relatório compreende os contributos dos elementos do Grupo de
Trabalho, contendo na sua parte final uma proposta de Recomendação.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
6
2. Questionamento Ético
1. Considerando a elegibilidade dos dadores de sangue, a partir do texto da legislação
nacional1, constatamos a definição de "critérios de aceitação " e de "critérios de
suspensão" para dadores de sangue total e de componentes sanguíneos. Os
critérios de suspensão classificam-se em "suspensão definitiva" e "suspensão
temporária".
2. Entre os critérios de suspensão definitiva, consta o critério "comportamento sexual”,
definido como "indivíduos cujo comportamento sexual os coloque em grande risco
de contrair doenças infeciosas graves suscetíveis de serem transmitidas pelo
sangue"2.
3. Considere-se que a latitude da definição apresentada pela Diretiva 33/CE de 2004
viria a requer outras explicitações Resolution, incluindo a definição de “permanent
deferral”3 e “temporary deferral” (CM/Res, 2013). O critério do comportamento sexual
tornou-se fonte de controvérsia pela exclusão definitiva dos homens que relatam ter
ou ter tido contacto sexual com um ou mais homens.
4. Para a abordagem das questões éticas, opta-se por explicitar os princípios e uma
(breve) revisão de literatura bioética relevante na matéria.
Dos princípios
5. Tratando-se de uma abordagem específica quanto à elegibilidade e seleção de
dadores, consideramos os princípios que se nos apresentam, desde logo, o
altruísmo, solidariedade e reciprocidade, pois que a doação de sangue é um ato
generoso e altruísta, voluntário e gratuito, um ato de "dádiva à comunidade". A
ausência de benefício financeiro na dádiva e na prescrição da transfusão assim
como a proibição da sua comercialização são aspetos concretos que reforçam o
entendimento da doação de sangue como meio para melhorar o estado de saúde
de alguém, que necessita de uma transfusão de sangue (pode ser o próprio ou um
terceiro).
1 Decreto-Lei n.º 267/2007 de 24 de Julho "Anexo II, 6.1 — Elegibilidade dos dadores: 6.1.1 — Devem ser aplicados
e mantidos procedimentos de identificação segura dos dadores, relativos à entrevista de elegibilidade e de avaliação da elegibilidade. Estes procedimentos devem efetuar-se antes de cada dádiva e observar os requisitos estabelecidos nos anexos VI e VII deste diploma. 6.1.2 A entrevista dos dadores deve ser efetuada de forma a assegurar a confidencialidade. 6.1.3 Os registos sobre a elegibilidade dos dadores e a avaliação final devem ser assinados por um profissional de saúde qualificado."
2 Refira-se igualmente Diretiva 2004/33/CE da comissão de 22 de Março de 2004 que dá execução à Diretiva 2002/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita a determinadas exigências técnicas relativas ao sangue e aos componentes sanguíneos. "Artigo 4.º, Elegibilidade dos dadores: Os serviços de sangue devem garantir que os dadores de sangue total e de componentes sanguíneos cumprem os critérios de elegibilidade estabelecidos no anexo III".
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
7
6. A estes princípios, associa-se o imperativo ético da Segurança e a proteção das
pessoas pois, como se compreende, as "transfusões de sangue e derivados não
são uma terapêutica inócua" 4 . A centralidade na segurança manifesta-se em
diferentes eixos de ação, tais como (1) a informação e consentimento livre e
esclarecido do dador e do recetor, (2) a atenção e cuidado na colheita de dados
pessoais, considerando o respeito devido a cada pessoa, (3) a proteção da
confidencialidade dos dados pessoais; (4) os mecanismos que se implementam em
todas as etapas do processo, incluindo a elegibilidade dos dadores, a notificação do
dador e do recetor de ocorrência adversa assim como a colheita e transfusão sob
supervisão de profissionais de saúde qualificados.
7. Todas as medidas - incluindo as normas de qualidade e segurança do sangue -
visam garantir a integridade do material biológico e prevenir a transmissão de
doenças, reduzir ao mínimo os riscos associados à transfusão e,
concomitantemente, reforçar a confiança das pessoas num elevado nível de
proteção da saúde. Noutros termos, todo o processo deve ser orientado para o
melhor interesse do dador e do recetor. Um mecanismo inicial do processo é o da
elegibilidade e seleção dos dadores, como instrumento de garantia da saúde e
segurança, pela identificação de fatores de risco. É também na esfera da segurança
que se inserem outras questões, como a formação de profissionais qualificados,
que colham dados com respeito pela dignidade de cada pessoa, evitando
constrangimentos e equívocos, maximizando o acesso da população a
procedimentos seguros.
8. Neste campo, relevamos também a Responsabilidade, nos diversos planos e
relativa aos diferentes intervenientes. Pensando no cidadão que se dispõe, que se
voluntaria à dádiva, respeitada a sua generosidade e altruísmo, importa destacar
dois elementos essenciais, na persecução do (seu) exercício de cidadania e de
solidariedade humana: a informação necessária aos processos de doação e
colheita, assim como o juízo de cada um sobre a sua circunstância particular.
Todas as pessoas podem ser candidatos à dádiva, ou seja, são potenciais dadores
- donde não se deduz que todos, efetivamente, o venham a ser. Quando uma
pessoa lê a lista de critérios para ser dador (ou, em alguns países, pode preencher
um questionário online para verificar se pode ser dador), compara-se a si mesmo
4 Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Relatório sobre objeção ao uso de sangue e derivados para
fins terapêuticos por motivos religiosos (46/CNECV/2005), p. 5. "as transfusões de sangue e derivados não são uma terapêutica inócua, essencialmente por duas ordens de razões: 1) o sangue e derivados veiculam células e proteínas que exprimem características imunobiológicas do dador e, como tal, podem originar reações de incompatibilidade no recetor; 2) o sangue e derivados podem ser veículo de agentes potencialmente patogénicos responsáveis pela transmissão de infeções, manifestando-se eventualmente à distância de anos e que podem, inclusivamente, não ser ainda conhecidos”.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
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com o perfil definido - da elaboração deste juízo avaliativo pode, naturalmente,
decorrer a decisão de se abster de ser dador. Mais consideremos que cada pessoa,
no exercício da sua liberdade de decisão, pode guardar para si, na sua intimidade,
os comportamentos e as escolhas que realiza. Questionar as pessoas sobre
aspetos da sua vida íntima é sempre uma ingerência na sua esfera privada. Por
isso, tem de existir um fundamento que tal justifique. Ao dispor-se a dar o seu
sangue – o que afeta outra ou outras pessoas -, podemos considerar que existem
razões fundamentadas para questionar a vida íntima, nomeadamente os já
referidos imperativos de segurança e, ainda assim, de forma proporcionada, isto é,
ajustada, adequada e na medida indispensável ao fim a que se destina. Assim,
importa que o inquérito sobre os aspetos que podem afetar a segurança e a saúde
(sua e de terceiros) seja proporcionado. Importa por outro lado que o potencial
dador forneça informação verdadeira, e que lhe seja garantida 5 a proteção da
confidencialidade e da privacidade dos seus dados.
9. Identificamos uma correlação de responsabilidades - quem colhe os dados, é
responsável por manifestar respeito, ter cuidado com a maneira como aborda e se
relaciona com o potencial dador; quem presta informação, é responsável por
fornecer dados verdadeiros e ter cuidado em não omitir informação relevante.
Sendo que a uma revelação sobre si, a uma narrativa da sua vivência íntima, tem
de corresponder a proteção da confidencialidade dos seus dados pessoais.
Responsabilidade ética, portanto, no sentido de tomar decisões e de assumir atos e
consequências, com centralidade na proteção da dignidade, integridade, saúde e
bem-estar das pessoas. Esta responsabilidade assiste tanto aos dadores como aos
profissionais, prestadores do serviço público.
10. Tenha-se ainda em conta, no que diz respeito a responsabilidade projetiva, que
uma deliberação tem de ter em conta as suas consequências e estimar os
resultados a curto, médio e longo prazo. Também será evidente que existe
responsabilidade na assunção da missão das organizações e no desempenho dos
profissionais de saúde, na garantia da segurança e da qualidade dos processos.
11. Finalmente, considerando a questão dos custos associados aos diversos
procedimentos, poderá fazer sentido evocar a "responsabilidade para a
razoabilidade", ligado à ideia de prestação de contas, e como proposto por Norman
5 Assim se entende, por exemplo, a norma de uma "zona de dadores" ("deve existir uma zona destinada a
entrevistas pessoais confidenciais e à avaliação das pessoas a fim de determinar a sua elegibilidade para dadores. Esta zona deve estar separada de todas as zonas de processamento.") e que "A entrevista dos dadores deve ser efetuada de forma a assegurar a confidencialidade." (Diretiva 2005/62/CE, da Comissão, de 30 de Setembro de 2005).
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
9
Daniels 6 para legitimar a opção do financiamento em saúde num contexto de
escassez de recursos. As decisões em políticas de saúde, a par do recurso a
modelos de risco e dos fundamentos epidemiológicos, devem considerar a análise
do impacto nos direitos humanos7 assim como modelos de prestação de contas das
despesas em saúde, permitindo que todos conheçam os critérios utilizados.
Igualmente relevantes são os princípios relativos à equidade e não-descriminação,
proporcionalidade e precaução.
12. Para que se cumpra o desiderato ético de proteger a saúde e segurança das
pessoas que doam e que recebem sangue, importa assegurar a segurança da
transfusão de sangue. E se existe uma medida de risco, requerem-se decisões
proporcionadas - ou, dito de outra forma, "as decisões relativas à seleção dos
dadores devem ser proporcionadas ao risco e fundadas sobre os dados
epidemiológicos" (Resolution CM/Res,2013) 8 , respeitando a confidencialidade dos
dados pessoais e combatendo a discriminação, em concreto a relativa à orientação
sexual e identidade de género.
13. Notemos que exigências de saúde pública e o exercício da prudência, associada ao
princípio da precaução, estão na base da definição dos critérios de suspensão ou
exclusão da qualidade de dador - dito de outra forma, a seleção dos dadores deve
ser baseada em critérios científicos, epidemiologicamente sustentados, visando
acautelar e reduzir o risco. Por isso, podemos pensar que a medida ínsita numa
norma visa responder à estimativa de um risco - ou seja, se uma norma se torna
mais restritiva, o risco diminui e, inversamente, se se torna menos restritiva, o risco
residual aumenta. Se se pudesse considerar "prever medidas de colocação das
dádivas em quarentena"9, haveria que ajuizar dos constrangimentos, dificuldades e
custos associados - daí, a relevância da proporcionalidade associada à precaução.
6 Este modelo apresenta "quatro princípios (4R): "a publicidade" (ou seja, transparência do processo e das
decisões), "razões" (ou seja, a decisão lógica, que poderia ser chamada de validade do conteúdo "recurso" (ou seja, a oportunidade para as decisões estarem sempre em revisão), "imposição" (ou seja, um mecanismo todas as outras condições) (…) acrescentando-se a "consistência" (garantindo que em decisões tomadas em diferentes momentos são usados mecanismos de análise semelhantes), a "eficiência" (garantindo que as decisões são oportunas)". Cf. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, 64/CNECV/2012 parecer sobre um modelo de deliberação para financiamento do custo dos medicamentos, p. 10-12
7 Um método utilizado para a análise do impacto das políticas de saúde nos direitos humanos é conhecido como HRIA - Human Rights Impact Assessment e entendido como um preditor das consequências de uma política, programa ou projeto na área da saúde pública - Cf. Gostin, L; Mann, J, (1994).
8 Resolution CM/Res(2013)3 on sexual behaviours of blood donors that have an impact on transfusion safety. "Taking into account that according to Directive 2004/33/EC, Annex III, points 2.1 and 2.2.2, a decision on permanent or temporary donor deferral depends on the distinction between “high risk of acquiring severe infectious diseases that can be transmitted by blood” and “risk of acquiring infectious diseases that may be transmitted by blood”; Recalling Recommendation CM/Rec(2010)5 on measures to combat discrimination on grounds of sexual orientation or gender identity
9 Expressão utilizada no nº 62 da Opinion de Paolo Mengozi, Processo C-528/13 - Geoffrey Léger contra Ministre des affaires sociales et de la santé contra Établissement français du sang. "62. (…) que no estado atual dos
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
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14. Na verdade, qualquer mecanismo de seleção é, pela sua própria natureza,
discriminatório; importa assegurar que os critérios de seleção sejam
adequadamente justificados e proporcionados. Ademais, invocamos o princípio da
precaução na tomada de decisão, assim como a equidade, que supõe a disposição
para reconhecer as necessidades e diferenças de cada pessoa, procurando ajuizar
nas circunstâncias de cada um, atendendo ao seu contexto.
Breve revisão de literatura bioética
15. Existe alguma produção de pareceres no âmbito de Conselhos nacionais de
Bioética, especificamente sobre esta matéria, que podem suportar a nossa reflexão
e análise. Atentamos, com detalhe, ao Avis nº 123, do Comité Consultatif National
d’Ethique pour les Sciences de la Vie et de la Santé (CCNE), emitido em março de
2015, "Questionnement éthique et observations concernant la contre-indication
permanente du don de sang pour tout homme déclarant avoir eu une ou des
relation(s) sexuelle(s) avec un ou plusieurs homme(s)".
16. De entre os elementos do contexto, apontam-se as contraindicações
regulamentares que visam proteger os recetores de uma infeção por VIH
transmitida pelo dador e ainda não detetável pelos testes - estas contraindicações
podem ser temporárias ou permanentes e é entre as permanentes que se encontra
o critério de "homens que declaram que, ao longo da sua existência, tiveram
contacto sexual com um ou mais homens". O parecer apresenta os dados
epidemiológicos recentes, relativos à prevalência (número de pessoas infetadas) e
incidência (número de novos casos por ano) da infeção por VIH em França, bem
como os estudos de modelização que visam avaliar o risco residual de transmissão
da infeção através de uma transfusão de sangue (apresentam a estimativa do risco
residual atual e o risco residual estimado em caso de substituição da
contraindicação permanente por uma contraindicação temporária, no que diz
respeito a práticas sexuais de risco). Esta perspetiva - de manter uma
contraindicação permanente na doação de sangue ou de alterar para uma
contraindicação temporária no caso dos homens que declaram ter ou ter tido
relações sexuais com um ou mais homens - foi matéria de debate entre diferentes
conhecimentos científicos, não é possível, sem sujeitar a cadeia de transfusão a constrangimentos excessivos, prever medidas de colocação das dádivas em quarentena, a aguardar o decurso do período assintomático. Por
último, cabe‑lhe também procurar as eventuais razões pelas quais a avaliação da tomada de risco individual,
através de um questionário eventualmente reformulado e de uma entrevista individual conduzida por pessoal médico, destinada a identificar se o possível dador tem um comportamento sexual dito «de risco», quando essa avaliação possível para o resto da população, se revelar insuficiente para assegurar de maneira satisfatória a proteção dos recetores, no que respeita às dádivas provenientes de um homem que teve ou que tem relações sexuais com um homem." http://curia.europa.eu/juris/celex.jsf?celex=62013CC0528&lang1=en&type=TXT&ancre=
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
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associações, entre profissionais de saúde e na sociedade. E se é preciso ter em
conta uma leitura social de que a contr
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
12
19. Consideram três questionamentos: (1) a contraindicação permanente de doação de
sangue pelos homens que declaram ter tido relações sexuais com um ou mais
homens é uma medida de proteção da saúde pública indispensável e
proporcionada? (2) a confiança nas declarações dos homens que relatam ter tido
relações sexuais com um ou mais homens e (3) quanto ao problema particular de
risco de transmissão de um agente infecioso não identificado ou ainda não
identificado por testes biológicos correntes.
20. O Parecer expõe várias observações, focando a necessidade de: (1) mudar as
modalidades de informação e responsabilização dos dadores, o questionário e os
termos de diálogo com os profissionais de saúde sobre os comportamentos de risco
e a importância das contraindicações; daqui decorre a necessidade de campanhas
de informação, o imperativo de redigir os questionários de forma respeitosa, a
necessidade de formação dos profissionais de saúde e a consagração de tempo na
entrevista com o dador, para melhor compreender e esclarecer a situação de cada
um; (2) desenvolver uma reflexão aprofundada e investigações científicas para
reavaliar as contraindicações permanentes contra a doação por homens que
relatam ter relações sexuais com um ou mais homens, recomendando refinar a
modelagem do risco de transfusão, avaliar a fiabilidade das declarações e fazer
uma avaliação da situação em países que substituíram a contraindicação
permanente por temporária; (3) desenvolver a investigação científica e estratégias
de informação específicas, rastreio e prevenção, a fim de reduzir a incidência de
infeção por VIH nas pessoas que têm relações sexuais com alto risco de infeção.
21. O CCNE recorda que a questão das contraindicações para a doação de sangue
implica duas exigências éticas - por um lado, a proteção da vida e da saúde dos
recetores e, por outro lado, a proporcionalidade das contraindicações de doação de
sangue, com base em justificações científicas, para que o imperativo de segurança
legítima não seja transformado numa estigmatização ou medida discriminatória. No
estádio atual de conhecimento, os riscos associam-se a incerteza científica, baixa
literacia de saúde, escassez de informação e de capacitação das pessoas.
22. Um dos elementos comuns em alguns artigos da literatura científica que se
debruçam sobre a análise ética (Yamada Tanaka et al., 2010) é relativo à reação das
pessoas quando se concretiza a aplicação do critério de suspensão definitiva -
compreende-se que uma recusa seja seguida de sentimentos de rejeição (pela
impossibilidade de realizar boas intenções de ser dador, atendendo à probabilidade
de efeitos indesejados) ou por sentimentos de discriminação, como "os grupos em
contre-indications ne tiennent donc pas uniquement à des raisons de nature scientifiques et médicales, mais à la prise en compte et à la résultante complexes de dimensions sociétales et culturelles." Avis nº 123, p. 20.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
13
que a incidência de doença infeciosa transmitida pelo sangue é mais elevada do
que na população geral." (Van den Burg, P. J. M., Magnussen, K, 2012). 11
23. Todavia, da mesma forma que se distingue entre o nível de risco individual do
dador e a orientação sexual, também importa distinguir entre uma suspensão e uma
discriminação. Pessoas que se encontrem em determinadas circunstâncias não
podem doar sangue, em benefício da segurança dos envolvidos, seja o próprio ou
terceiros. Questão relevante pode ser a dos fundamentos da decisão para o
impedimento ter natureza temporária ou definitiva.
24. Tenha-se em conta que os direitos dos dadores que se pretendem respeitar não
estão necessariamente no mesmo plano dos deveres e responsabilidades em
relação àqueles que precisam da dádiva, que são os doentes recetores da
transfusão de sangue e componentes, e tudo o que se puder fazer para garantir a
segurança do sangue assume a primazia ética. Em qualquer dos casos, devem ser
claros os critérios, e divulgados na sociedade, com vista a uma política de
transparência nos processos e nas decisões atualizados conforme o estado dos
conhecimentos e os dados epidemiológicos, procurando sempre medidas de
proteção da saúde pública que sejam proporcionadas e aplicadas com cuidado e
bom senso.
11 "Feelings of Discrimination. Blood donors belonging to minority groups are prone to feel discriminated upon, when
deferred. All who come to donate wants to help, and, when deferred on top of the feeling of rejection, they may also feel discriminated upon. Groups where the incidence of blood-borne infectious disease is higher than that in the background population are deferred to reduce the number of infected blood components from donors who, at the time of donation, were in the window period. Examples of such groups are men who have sex with men (MSM) and couples where one of them come from countries that cause deferral due to risk of contagious and blood-borne infections. Especially the MSM discussion, already started in 1977, is still a matter of debate with many social and ethical aspects. Donors may feel that they, or their partner, are discriminated upon just because of sexual preference or race. In line with this discussion, donors appeal on a supposed right to donate blood that does not exist. It could also be that this reaction to the deferral is actually a result of becoming aware of risks that the donor perhaps repressed or did not realise before!"
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
14
3. Questões de Género
A Constituição Portuguesa refere no seu artigo 64º que todos/as têm direito à proteção
da saúde e o dever de a defender e fomentar.
Cabe ao Estado promover a igualdade entre mulheres e homens, sendo princípio
fundamental da Constituição da República Portuguesa e estruturante do Estado de
direito democrático, a não - discriminação em função do sexo ou da orientação sexual.
O V Plano Nacional para a Igualdade de Género, Cidadania e Não - discriminação
2014 - 2017 (V PNI) é o instrumento de execução das políticas públicas que visa a
promoção da igualdade de género e o combate às discriminações em função do sexo
e da orientação sexual.
As políticas públicas podem assumir um papel relevante, no sentido de uma maior
produção de conhecimentos e sensibilização, face a esta matéria, e na reconfiguração
de uma cidadania plena.
O presente Plano enquadra - se nos compromissos assumidos por Portugal nas várias
instâncias internacionais, entre os quais se destacam a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (ONU, 1948), a Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos
e das Liberdades Fundamentais (Conselho da Europa, 1953), a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (ONU, 1979), o
seu Protocolo Opcional (ONU, 1999) e a Carta Social Europeia Revista (Conselho da
Europa, 1999).
Tem também em linha de conta, a Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia, que reúne, num único texto, os direitos civis e políticos clássicos, bem como
os direitos económicos e sociais. Realça - se o artigo 21.º, que instaura a proibição de
toda e qualquer discriminação com base no sexo, raça, cor ou origem étnica ou social,
características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras,
pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação
sexual, e o artigo 23.º, que estabelece a regra segundo a qual a igualdade entre
homens e mulheres deve ser garantida em todas as esferas de ação.
Atende - se também à matéria da discriminação em razão da orientação sexual e da
identidade de género, com referência aos principais instrumentos internacionais nesta
sede, nomeadamente a Recomendação (2010) 5 do Comité de Ministros do Conselho
da Europa, de 31 de Março de 2010, sobre medidas para combater a discriminação
em razão da orientação sexual ou da identidade de género, e a Resolução n.º 17/19
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
15
sobre «Direitos Humanos, orientação sexual e identidade de género», aprovada pelo
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em 14 de Junho de 2011.
No âmbito do V PNI, o sector da Saúde encontra – se inscrito na Área Estratégica 2 –
“Promoção da Igualdade entre Mulheres e Homens nas Políticas Públicas”.
Neste campo afigura - se essencial o reforço da sensibilização e da formação de
profissionais.
A Orientação Sexual e Identidade de Género enquadram - se na Área Estratégica 4 do
V PNI.
A sociedade portuguesa tem revelado alguma permissividade face às discriminações,
no que diz respeito à orientação sexual e à identidade de género, que deve ser
erradicada.
Esta área estratégica considera os seguintes objetivos estratégicos:
• Prevenir e combater todas as formas de discriminação, em função da orientação
sexual e da identidade de género;
• Promover a sensibilização de toda a sociedade portuguesa para esta
problemática;
• Garantir a implementação e monitorização dos compromissos internacionais, aos
quais Portugal está vinculado, em matéria de não - discriminação em razão da
orientação sexual e da identidade de género.
Há claramente uma prioridade neste domínio que consiste em ultrapassar a
homofobia, que continua extremamente vincada na comunidade em geral.
A homossexualidade não é sinal de comportamentos de risco, da mesma forma, que a
heterossexualidade não dita o padrão, ou seja, que não comporta quaisquer
comportamentos de risco.
Em conformidade com o Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,
que declarou que a Diretiva 2004/33/CE da Comissão, de 22 de Março de 2004, que
dá execução à Diretiva 2002/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser
interpretada no sentido de que o critério de suspensão definitiva da dádiva de sangue
estabelece uma contra - indicação permanente à dádiva de sangue pelos homens que
tenham tido relações sexuais com homens, quando se demonstre que, com base nos
conhecimentos e em dados médicos, científicos e epidemiológicos atuais, tal
comportamento sexual expõe essas pessoas, a um risco elevado de contrair doenças
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
16
infeciosas graves que podem ser transmitidas pelo sangue (e coloca também em risco,
as pessoas que recebem as dádivas de sangue desse risco elevado).
Importando, contudo, acautelar a segurança para quem recebe a dádiva, a exclusão
de dadores deve alicerçar - se no rigor científico, salientando-se que a questão central
deste problema deve assentar nos comportamentos de risco e não a orientação
sexual.
Atento o exposto, parece – nos não haver razões objetivas que justifiquem a exclusão
de dadores homens, com base na sua orientação sexual, devendo colocar – se a
tónica nos comportamentos de risco.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
17
4. Caraterização da Situação em Portugal
Os Serviços de Sangue e de Medicina Transfusional adotam um conjunto de
estratégias minimizadoras do risco associado aos produtos de origem biológica. No
âmbito do risco infecioso, qualquer agente patogénico com uma fase sanguínea tem o
potencial de ser transmitido pela transfusão de sangue e componentes, sendo que a
probabilidade de infeção no recetor depende de um conjunto de fatores incluindo a
prevalência do agente no sangue da população dadora; tolerância ao processamento
e armazenamento; infecciosidade e patogenicidade do agente, estado de saúde e
imunitário do recetor e da efetividade dos testes de rastreio utilizados na sua deteção/
identificação. A elevada segurança transfusional observada em Portugal, demonstrada
pelo baixo risco residual infecioso, resulta da efetiva implementação e monitorização
de medidas sinérgicas e precaucionarias, algumas das quais desde a década de 80. O
risco de transmissão de doenças infeciosas pela transfusão, sejam infeções
emergentes ou não, é sistematicamente monitorizado através da articulação dos
sistemas de vigilância nacionais, com a participação ativa do Sistema Português de
Hemovigilância, e internacionais, tendo em linha de conta as potenciais repercussões
no âmbito da Saúde Pública e de alarme público. A avaliação do benefício do doente
ao lhe ser administrado um componente ou derivado do sangue (ou seja, se os
potenciais benefícios se sobrepõem aos riscos) versus as estratégias alternativas tem
sido fundamental na prossecução da segurança transfusional. No âmbito das
intervenções implementadas nos serviços de Sangue e de Medicina Transfusional
para reduzir o risco infecioso relevam-se as seguintes: a educação, informação e
seleção de potenciais dadores de sangue voluntários e não remunerados por forma a
identificar dadores com baixo risco de exposição a doenças infeciosas potencialmente
transmissíveis por transfusão; exclusão confidencial da unidade doada; realização de
testes serológicos e moleculares para rastreio de doenças infeciosas; desleucocitação/
redução leucocitária pré armazenamento; inativação viral dos derivados do sangue;
redução patogénica dos componentes sanguíneos; utilização de “substitutos do
sangue”; vacinação de dadores e as estratégias de conservação do sangue. A
contribuição relativa de cada uma delas para a segurança transfusional depende das
características do agente patogénico (conhecido, emergente ou desconhecido).
Destacam-se algumas das medidas face à sua importância na redução do risco
residual infecioso associado à transfusão.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
18
1. Informação (disponibilizada em associação com o Questionário de
avaliação de saúde e com o Consentimento Esclarecido);
Aos dadores é disponibilizada informação relativa a) a doenças potencialmente
transmissíveis pelo sangue, b) a comportamentos de risco acrescido para infeções
transmissíveis pelo sangue (consumo de drogas injetáveis e inaláveis; receção de
dinheiro ou droga em troca de sexo, contacto sexual com múltiplos parceiros (as),
contacto sexual com parceiro (a) de risco e novo (a) parceiro (a) sexual há menos de 6
meses), c) aos estudos laboratoriais associados à dádiva de sangue d) ao “perigo” do
período de janela das doenças infeciosas transmissíveis pela transfusão (período de
tempo que decorre desde a infeção até à possibilidade da deteção laboratorial do
agente infecioso, podendo o dador estar assintomático (IMP 74.52.4 IPST, 2014).
Face à informação disponibilizada, os dadores de sangue avaliam o seu risco
individual de exposição a agentes de infeção e procedem à sua suspensão voluntária
ou informam, respondendo ao questionário de avaliação de saúde, sobre os
comportamentos e hábitos de vida. A informação disponibilizada sobre
comportamentos associados a elevada exposição ao risco nem sempre é efectiva na
determinação da auto suspensão do dador (Schreiber GB, Sharma UK, Glynn SA, et
al, 2001). O questionário de avaliação de saúde do dador integra o ato de doar e tem
como objetivo ser um instrumento de avaliação em que as questões colocadas
permitem identificar os dadores que poderão não ser elegíveis para a dádiva,
contribuindo para a segurança do dador e do recetor (Am J Ther, 2002).
As questões são variadas e abrangentes relacionadas com a realização de viagens,
cirurgias, exames, tratamentos médicos e comportamentos de risco acrescido para
exposição a agentes infeciosos, sendo o dador questionado sobre a sua saúde,
hábitos e comportamentos, quer do presente quer do passado.
O processo cognitivo subjacente à leitura do questionário envolve 4 fases, desde a
compreensão (interpreta e identifica a informação que é procurada), recordação
(estratégia de recuperação de memórias especificas) julgamento (relevância para a
informação solicitada) e resposta (categorização em SIM ou NÃO) - (The Canadian
DHAQ,2007) A interpretação, o julgamento e a resposta são assim dependentes da
avaliação do dador (mais do que da informação previamente disponibilizada) e do
contexto sobre o qual a pergunta é efetuada (Tourangeau R. et al., 2000).
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
19
2. Consulta efetuada por um profissional de saúde qualificado;
A todos os dadores é realizada confidencialmente uma história clínica por um
profissional de saúde qualificado e analisado o questionário previamente respondido,
com esclarecimento e avaliação de fatores relevantes suscetíveis de contribuir para a
identificação e suspensão de indivíduos cujas dádivas possam constituir risco para a
saúde de terceiros, tais como a transmissão de doenças, ou um risco para a sua
própria saúde. A gestão da decisão, (aprovação ou suspensão - temporária e /ou
definitiva) é feita pelo profissional de saúde, que analisa e decide sobre a sua
elegibilidade tendo em conta as circunstâncias concretas que são apresentadas pelo
dador, os resultados previamente obtidos, e baseando-se na legislação em vigor e
evidência científica. Profissional de saúde qualificado e dador assinam termo de
consentimento esclarecido (DL 267/2007 e Circular Normativa 002/IPST/2014, Guia
CoE).
3. Realização de análises a amostra biológica do dador de sangue, quer por
testes serológicos, quer por testes de biologia molecular;
No âmbito do rastreio de agentes infeciosos e de acordo com o Anexo V do DL
267/2007, de 24 de Julho, os Serviços de Sangue são obrigados a testar as unidades
de sangue (dádivas de sangue total, de aférese e autólogas) para deteção das
seguintes infeções: hepatite B, hepatite C, VIH 1 e 2, sendo acrescentado que face
situações epidemiológicas especificas pode haver necessidade de análises adicionais.
A Circular Normativa nº 002/CN-IPST,IP/14 determina a realização dos seguintes
requisitos em matéria de análise das dádivas de sangue: pesquisa do antigénio de
superfície do vírus da hepatite B (AgHbs); as unidades com os testes AgHBs não
reativos e TAN para o VHB negativos e com o Ac anti HBc reativo apenas poderão ser
utilizadas se o título de Ac HBs for igual ou superior a 100 mUI/mL; pesquisa de
anticorpos para o vírus da hepatite C (Ac anti-HCV); pesquisa de anticorpos para o
VIH 1 (Ac anti VIH1) e VIH 2 (Ac anti VIH2); pesquisa de anticorpos IgG e IgM para o
Treponema Pallidum; pesquisa de anticorpos para o vírus linfotrópico das células T
humanas I e II (HTLVI e II) em todas as primeiras dádivas, em dadores que vivam ou
sejam provenientes de zonas de elevada prevalência; em dadores com parceiros
sexuais provenientes de zonas de elevada prevalência e em dadores cujos pais sejam
provenientes das referidas zonas; aplicação do ponto 2.2.1 do Anexo VII do DL
267/2007 relativamente ao paludismo.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
20
4. Período de janela
A falha na deteção de uma infeção coloca em risco a segurança transfusional, sendo
que o risco depende da duração da infeção. Para os indivíduos não conscientes do
seu estado infecioso a sua suspensão pode ser baseada no comportamento de risco
identificado na triagem clínica. No caso de um individuo com uma infeção
estabelecida, mas não reconhecida e que dê sangue, a positividade nos testes de
rastreio permite a sua identificação. Os dadores com uma infeção recente (incidência)
podem estar assintomáticos e, dependendo de há quanto tempo adquiriram a infeção,
podem não ter um nível de vírus ou de anticorpos suficientes para a sua deteção pelos
testes laboratoriais disponíveis. Assim sendo, a realização de um teste pode não ser
100% efetiva pela existência de um “período de janela” (o tempo que decorre entre
contacto com o agente, adquirir uma infeção e a capacidade da sua deteção pela
realização de testes laboratoriais) e durante o qual a dádiva de sangue é
potencialmente infeciosa mas não é detetável pelos testes efetuados. Este período
varia de acordo com a quantidade de inóculo, teste aplicado, tipo de vírus (variantes) e
estado imunitário do dador.
Este período tem diminuído em função do aumento da sensibilidade dos testes
nomeadamente pela aplicação de uma estratégia combinada de testes serológicos e
moleculares.
A falha na autossuspensão do dador ou a omissão de informação relevante após um
risco acrescido de exposição à infeção pode resultar numa infeção transmitida pela
transfusão, quando associada a um teste laboratorial falsamente negativo (período de
janela). O que releva a importância da informação ao dador e da adesão do dador aos
critérios de elegibilidade de elegibilidade para a dádiva.
3.1. Comportamentos de risco acrescido, para contacto com agentes
infeciosos (também transmissíveis pelo sangue)
A regulamentação europeia relativa ao sangue e aos componentes sanguíneos reporta
a quatro diretivas (2002/98/EC; 2004/33/EC; 2005/61/EC; 2005/62/EC) sobre as quais
assenta a qualidade e segurança do sangue na União Europeia, tendo estas sido
transpostas para a ordem jurídica interna de cada Estado-Membro. Encorajam a
dádiva de sangue voluntária, anónima e benévola e estabelecem os requisitos
mínimos de qualidade e segurança em relação ao uso de sangue e componentes,
abrangendo a elegibilidade do dador, a colheita, realização de testes de rastreio
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
21
analítico, processamento, armazenamento, transporte, distribuição e disponibilização
do sangue.
No âmbito dos critérios de elegibilidade, e no que refere ao comportamento sexual, a
Diretiva 2004/33/CE da Comissão Europeia, no Anexo III, ponto 2.1 estabelece a
suspensão definitiva de dadores cujo comportamento sexual os coloque em grande
risco de contrair doenças infeciosas graves suscetíveis de serem transmitidas pelo
sangue. O ponto 2.2.2 estabelece que os indivíduos cujo comportamento ou atividade
os coloque em risco de contrair doenças infeciosas graves, suscetíveis de serem
transmitidas pelo sangue são suspensos durante um período, após cessação do
comportamento de risco, determinado pela doença em questão e pela disponibilidade
de testes adequados.
Tendo em linha de conta este documento, nomeadamente os pontos 2.1 e 2.2.2 a
decisão da suspensão temporária ou definitiva depende da distinção entre “grande
risco de contrair doenças infeciosas graves suscetíveis de serem transmitidas pelo
sangue” e “risco de contrair doenças infeciosas graves, suscetíveis de serem
transmitidas pelo sangue”. Os critérios de elegibilidade do dador nomeadamente os
relativos ao comportamento sexual variam em função do entendimento que cada
Estado-membro faz sobre “grande risco” e “risco” de contrair doenças infeciosas.
Os critérios de elegibilidade são estabelecidos por forma a minimizar o risco infecioso
e proteger a saúde dos dadores e doentes. Os critérios de suspensão baseados em
comportamentos, nomeadamente os comportamentos sexuais estão indubitavelmente
associados a um aumento de prevalência de doenças infeciosas, algumas das quais
transmissíveis pela transfusão. (ECDC, 2014 e Pillonel, J. et al., 2012).
Em Portugal o questionário de avaliação de saúde e a entrevista clínica ao dador
avaliam e identificam comportamentos de elevada exposição ao risco (IPST, 2014).
A abordagem individual do risco associado a um comportamento (quando a atividade
teve lugar, número de parceiros num determinado período de tempo, tipo de contacto
sexual ou combinação de factos) teria de ter em linha de conta a sensibilidade e
especificidade do questionário bem como a consistência da sua aplicação (Flanagan,
P., 2012). Por outro lado, a realização de questionários intrusivos poderia não ser bem
aceite. (Go SL et al., 2011 e Resolution 5, Conselho da Europa).
Nos anos 80, no início da epidemia emergente da Síndroma de Imunodeficiência
Adquirida (SIDA) constatou-se que os HSH, os bissexuais com múltiplos parceiros, os
heterossexuais trabalhadores do sexo e os utilizadores de drogas injetáveis
constituíam um segmento da população com um elevado risco de infeção (Santos-
Ferreira, O., 2012, Philippe, V. , 1985 e Stramer, S. e Dodd, R. Y., 2013).
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
22
O reconhecimento de que a doença era transmitida pela transfusão de sangue, de
componentes sanguíneos e de concentrados de fatores de coagulação administrados
a doentes hemofílicos teve repercussões sobre os serviços de colheita e bancos de
sangue, nomeadamente no processo de seleção de dadores.
A suspensão voluntária destes dadores pela divulgação de informação para educação
do dador, antes da existência de testes serológicos, quer pela Food and Drug
Administration (FDA) como pelo Conselho da Europa permitiu uma redução da
transmissão do VIH por transfusão mas não a eliminou (FDA Memorandum, 1983;
Recommendation nº R 83 (8),1983; Perkins HA e Busch MP., 2010)
Em 1985, após a implementação dos testes serológicos, a identificação de
comportamentos associados a uma maior prevalência de VIH levou a que várias
instituições internacionais recomendassem a suspensão definitiva dos HSH, dos
utilizadores de drogas injetáveis e de prostitutos(as)- Centers for Disease Control and
Prevention (1985).
Estes critérios inicialmente estabelecidos para selecionar dadores de baixo risco para
doenças infeciosas conhecidas (VHB e VIH) mantiveram a sua aplicação para
selecionar dadores de baixo risco para outras doenças infeciosas conhecidas e para
infeções causadas por novos agentes, pela partilha de categorias de transmissão
(sexual e parenterica).
Os trabalhadores do sexo e os utilizadores de drogas endovenosas estão expostos a
um elevado risco infecioso (Kucirka, L. M., 2011). Os períodos de suspensão definidos
são baseados no risco de transmissão de doenças infeciosas associados a estes
comportamentos (Soriano V. et al., 2010). Há poucos dados disponíveis sobre o risco
infecioso nos indivíduos que descontinuam os comportamentos acima mencionados,
pelo que a eliminação da suspensão não é suportada pela evidência científica e
poderia introduzir um risco inaceitável (SaBTO Advisory Committee on the Safety of
Blood, Tissues and Organs, 2011).
Modelos epidemiológicos mostram que indivíduos que têm um elevado número de
parceiros sexuais podem amplificar e aumentar a transmissão de novos agentes
infeciosos ou de agentes desconhecidos (Kamp, C., 2010).
Este corpo de evidência suporta que critérios de suspensão sejam aplicados a
indivíduos que tenham sexo com utilizadores de drogas ou com múltiplos parceiros
pelo risco acrescido de infeções pelo VIH, VHB, VHC e sífilis, no período de janela
(SaBTO Advisory Committee on the Safety of Blood, Tissues and Organs, 2011). A
utilização do preservativo pode minimizar mas não elimina o risco de transmissão de
doenças infeciosas. A sua eficácia varia entre 35-95% estando a variação do risco
dependente dos indivíduos e da população (Weller, S.C. 1993).
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
23
Em Portugal os indivíduos com comportamento HSH são suspensos definitivamente
da dádiva de sangue, tal como na maior parte dos países europeus.
Os indivíduos com comportamento HSH têm um elevado risco de adquirirem o VIH e
outras infeções também transmissíveis por transfusão tais como o VHB e a sífilis
(Pillonel, J. et al., 2012).
O diagnóstico de várias doenças sexualmente transmissíveis tem aumentado nos HSH
e comportamentos sexuais de elevado risco parecem aumentar em subgrupos HSH
(Dodds JP. et al., 2000; Klausner, J. et al., 2005 e ECDC (2014).
Em Portugal esta vulnerabilidade dos indivíduos com comportamento HSH à infeção
por VIH permanece elevada. De acordo com o estudo EMIS os indivíduos com
comportamento HSH representam uma percentagem da população portuguesa que
poderá variar entre 0.03% e 5.6%, dos 15 aos 64 anos (estimada em 3.05% da
população adulta masculina) (Marcus, U. et al., 2013).
Usando a estimativa acima mencionada e de acordo com os dados da população
(Dados INE, 2013, população com 20 ou mais anos) e epidemiológicos (casos
notificados por fator de risco (HSH - 411; heterossexual – 876; DGS, 2013) a taxa de
incidência estimada de VIH (IC95%) /1000 pessoas-ano terá variado entre 351.6 (318.4-
387.3) e 1.9 (1.7-2.1) em 2013. Se considerarmos que os indivíduos com
comportamento HSH representam 7% da população adulta masculina (prevalência
auto reportada, DGS) a taxa de incidência estimada do VIH (IC95%) terá sido de 1.5
(1.4-1.7)/1000 pessoas-ano, ou seja aproximadamente 20 x superior à taxa de
incidência (IC95%) VIH para os indivíduos heterossexuais (0.1/1000 pessoas-ano), para
o mesmo ano. Na análise do Risco Relativo (RR) para infeção VIH da população com
comportamento HSH em relação à população heterossexual esta estimativa variaria
entre 2 683 (2422-2972) e 14.4 (12.8-16.2). Para uma prevalência de 7% de indivíduos
com comportamento HSH, o RR estimado seria de 11.5 (10.2-12.3) - (Anexo 1).
Os fatores de risco preditivos para a seroconversão VIH em indivíduos com
comportamento HSH foram avaliados recentemente num estudo longitudinal
observacional em Portugal (Meireles, P.,2015). Apesar do estudo não ter uma validade
externa demonstrou que uma relação sexual desprotegida com parceiro estável
(aIRR=3.85, IC95% (1.26-11.78), um parceiro VIH positivo (aIRR=5.25; IC95% (1.60-
17.24) e a presença de doença sexualmente transmissível (aIRR=4.71, IC95% (1.07-
20.71) são fatores preditivos de risco.
Por conseguinte, os HSH com baixo risco de infeção VIH (monogâmicos) têm um
elevado risco de infeção não detetada durante o período de janela pelo facto de
poderem adquirir infeção pelo seu parceiro estável (Musto, J.A.,et. al 2008).
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
25
3.2. Comportamento HSH e impacto em saúde pública
Dados epidemiológicos
Em Portugal, o número de casos notificados tem vindo, progressivamente, a
decrescer. Em 2013 foram notificados 1416 novos casos notificados de infeção por
VIH. No período entre 2011-2013, o número de casos novos notificados decresceu
16%, acentuando a tendência de decréscimo já verificada no período 2007-2011
(19%).
Tabela 1- Novos casos notificados por ano de diagnóstico.
Fonte: PN VIH/SIDA: Portugal – infeção por VIH, SIDA e Tuberculose em números 2014.
Em 2013, confirmou-se a tendência dos anos anteriores: o principal modo de
transmissão da infeção por VIH foi por via sexual (91%), correspondendo a
transmissão por via heterossexual a 62% dos novos casos e 29% à transmissão
através de relações entre homens que têm sexo com outros homens (HSH). A
transmissão em utilizadores de drogas injetáveis (UDI) correspondeu, neste ano, a
cerca de 7% do total dos novos casos.
Ano Nº casos
2000 3097
2001 2593
2002 2452
2003 2281
2004 2247
2005 2073
2006 2097
2007 2003
2008 2090
2009 1901
2010 1931
2011 1688
2012 1640
2013 1416
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
26
A análise dos últimos 10 anos (2004-2013) indica que o número de novos casos de
infeção em HSH aumentou 53% ao longo deste período. Nos UDI o número de novos
casos decresceu 84% e a transmissão por via heterossexual decresceu 32% (Tabela
2).
Tabela 2 - Número de casos novos notificados pelas principais categorias de transmissão
Ano HSH UDI Hetero
2004 268 617 1296
2005 277 558 1166
2006 333 485 1227
2007 297 398 1251
2008 409 367 1249
2009 389 256 1184
2000 442 240 1185
2011 448 150 1047
2012 478 140 982
2013 411 97 876
Fonte: PN VIH/SIDA: Portugal – infeção por VIH, SIDA e Tuberculose em números 2014.
Em 2013, a taxa de incidência nacional da infeção por VIH foi de 13,6/100000
habitantes, mantendo-se uma distribuição geográfica desigual. A região da Grande
Lisboa e, muito especificamente, o concelho de Lisboa, foram as regiões que
apresentaram as mais elevadas taxas de incidência: na região da Grande Lisboa a
incidência ascendeu a 31,8/100.000 habitantes e a 52.6/100000 habitantes, quando
considerado apenas o concelho de Lisboa, o que correspondeu a 45% e a 19% do
total de novos casos em Portugal, respetivamente. Em relação à transmissão nos
HSH, 46% dos novos casos foram notificados na região da Grande Lisboa, sendo que
30% do total de novos casos notificados em 2013 neste grupo ocorreram em Lisboa.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
27
Figura 1- Taxa de incidência da infeção por VIH em Portugal (ano 2013).
A. NUTS II B. Concelhos com maior taxa de incidência (≥ 10 casos)
Infeção por VIH: taxa de incidência
Concelho Incidência
(/105)
Casos
(n)
Lisboa 52,6 269
Amadora 33,6 59
Loures 33,5 70
Porto 31,9
Sintra 29,5 112
Oeiras 27,8 48
Setúbal 26,1 31
Faro 26,1 16
Almada 25,2 43
Olhão 22,1 10
Fonte: Programa Nacional para a Infeção VIH/SIDA (dados apresentados na Comissão Parlamentar de Saúde. 25 março 2015)
<
15-2
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
28
Relativamente à prevalência da infeção por VIH em Portugal, a ONUSIDA tem
estimado um valor situado entre 0.6%-07% da população nacional.
Os estudos mais recentes realizados em Portugal nos últimos anos, abordando a
prevalência da infeção por VIH em populações chave estão apresentados na Tabela 3.
Tabela 3- Prevalência da infeção por VIH em populações chave
População Metodologia Ano Prevalência Fonte
Homens que têm sexo com homens
Prevalência autoreportada
2010 9,1%
Estudo com Homens que têm Sexo com Homens, Relatório Comunitário
HSH, PREVIH, 2011. In DGS. Portugal: Infeção VIH/SIDA e
Tuberculose em números – 2013.
Homens que têm sexo com homens
Realização de teste rápido
2010 9,2%
Estudo com Homens que têm Sexo com Homens. Relatório Comunitário
HSH, PREVIH, 2011. In DGS. Portugal: Infeção VIH/SIDA e
Tuberculose em números – 2013.
Homens que têm sexo com homens
Prevalência autoreportada
2010 7,8% Estudo EMIS – European MSM
Internet Survey, 2010.
Homens que têm sexo com homens
Prevalência autoreportada
2012-2013
7,2%
Projeto PREVIH – Estudo sobre a infeção VIH/SIDA nos HSH e
Trabalhadores do Sexo: prevalência, determinantes. Dados reportados a
ONUSIDA.
Trabalhadores de sexo
Prevalência autoreportada
2010 7.2%
Estudo com Trabalhadores do Sexo, Relatório Comunitário HSH, PREVIH,
2011. In DGS. Portugal: Infeção VIH/SIDA e Tuberculose em números
– 2013.
Trabalhadores de sexo
Realização de teste rápido
2010 8.9%
Estudo com Trabalhadores do Sexo, Relatório Comunitário HSH, PREVIH,
2011. In DGS. Portugal: Infeção VIH/SIDA e Tuberculose em números
– 2013.
Trabalhadores de sexo
Prevalência autoreportada
2011 8%
Risk-taking behaviours and HIV infection among sex workers in
Portugal: results from a cross-sectional survey. Dias S, et al. Sex Transm
Infect 2014;0: 1–7.
Trabalhadores de sexo
Prevalência autoreportada
2012-2013
5.7%
Projeto PREVIH – Estudo sobre a infeção VIH/SIDA nos HSH e
Trabalhadores do Sexo: prevalência, determinantes. Dados reportados à
ONUSIDA.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
29
5. Rastreio de agentes infeciosos na dádiva de sangue
Em Portugal são efetuados estudos para a deteção de anticorpos e de antigénios
utilizando, na maioria dos casos a técnica de quimioluminiscência. Os testes de
biologia molecular são testes multiplex que detetam simultaneamente (através de
sondas especificas) o ARN VIH1, ARN VIH2, ARN VHC e ADN VHB, em dádivas
individuais ou em minipools, com o máximo de 6 amostras biológicas.
A implementação de testes sensíveis e específicos tem contribuído para a redução do
período de janela de cada um dos agentes patogénicos testados. Apesar do aumento
da sensibilidade das provas serológicas o grande impacto foi conseguido com a
introdução dos testes de amplificação de ácidos nucleicos, em 2002/2003 em
simultâneo para o ARN VIH e ARN VHC, e em 2006 /2007 para o ADN VHB, também
por técnicas de amplificação de ácidos nucleicos.
Neste contexto, e dando cumprimento ao DL 267/2007 e à CN IPST,IP - 2014 os
serviços de sangue utilizam a dupla estratégia, combinando testes serológicos (para
anticorpos e/ou antigénios) e testes de amplificação de ácidos nucleicos (TAN). Esta
abordagem consiste na capacidade de se detetarem indivíduos recente e
cronicamente infetados.
5.1. Risco residual infecioso
Na maior parte dos países desenvolvidos a taxa de transmissão de doenças infeciosas
por transfusão é tão baixa que se torna impossível a sua determinação por estudos
diretos (follow-up prospetivo e lookback retrospetivo). Regan, F. (2000).
Por conseguinte foram desenvolvidos modelos matemáticos para estimar o RRI
associado à transfusão, que têm em linha de conta a incidência da infecção e o
período de janela dos testes de rastreio realizados (Busch MP et al., 2000).
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
30
Tabela 4 - Dadores (primeira vez e habituais), incidência (/100 000), prevalência (/100 000) para os 3 agentes patogénicos (VHB, VHC e VIH) em 2012, 2013 e 2014
Os dadores de primeira vez contribuem para 11% da totalidade das dádivas e
apresentam 42% da infeção HIV. 58% das infeções VIH surgem em dadores habituais
sugerindo que o dador se infetou recentemente, por um comportamento de risco não
identificado ou omitido (contrariamente ao que se verifica para o VHB e VHC).
Analisando a probabilidade de se detetar positividade para o HIV, nos dadores de
primeira vez, comparando com os dadores habituais, esta variou ao longo dos últimos
3 anos. Assim, em 2012 a probabilidade foi cerca de 5.5 vezes superior (OR=5.46,
IC95%: 2.75-10.84), em 2013 de 3.6 vezes (OR=3.6, IC95%: 1.9-6.81), sendo que em
2014 não existiram diferenças estatisticamente significativas nas probabilidades
(OR=1.94, IC95%: 0.82-4.62). (tabela 5 e 6)
0
5
10
15
2012 2013 2014
Odds Ratio, dadores HIV+, dadores 1ª vez vs dadores habituais
IC95%-Maximo IC95%-Minimo OR
Tabela 5 - OR (dadores de primeira vez vs dadores habituais)
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
31
Tabela 6- OR (dadores habituais vs dadores de primeira vez)
Em Portugal o modelo incidência-período de janela tem sido utilizado para estimar o
RRI nas dádivas de sangue (Schreiber, G.B. et al., 1996). Com base nas taxas de
incidência para o VIH (/100 000) e o período de janela para cada uma das infeções (21
dias para o VHB, 15 dias para o VHC e de 6 dias para o VIH) foi calculado o RRI. De
acordo com o RRI calculado em 2014 estimou-se uma probabilidade de 1.8 dádivas
infetadas para o VHB por milhão de dádivas, de 0.2 dádivas infetadas para o VHC por
milhão de dádivas e de 1,6 dádivas infetadas para o VIH por milhão de dádivas.
Tabela 7- Risco Residual Infeccioso (RRI por /100 000 dádivas; por /1 000 000 dádivas e por unidade) ao longo de 2012, 2013 e 2014
Um facto relevante é que a infeção VIH é a única das 3 infeções que não está tão
associada aos dadores de primeira vez, mas a dadores habituais. O RRI está
diretamente relacionado com dois fatores: o período de janela dos testes laboratoriais
utilizados no rastreio analítico (antes da seroconversão) e a incidência da infeção na
população de dadores de sangue.
Há algumas causas potenciais para a persistência do RRI, tais como a falta de
sensibilidade dos testes, mutações do agente patogénico, falha laboratorial,
distribuição de uma unidade positiva para algum dos agentes patogénicos e as
dádivas durante o período de janela (indivíduos infetados apesar de testes de rastreio
negativos). Busch MP et al. (2000).
0
0,5
1
1,5
2012 2013 2014
Odds Ratio, dadores HIV+, dadores habituais vs dadores 1ª vez
IC95%-Maximo IC95%-Minimo OR
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
32
6. Considerações relevantes para alteração do critério
O Grupo de Trabalho concordou na necessidade da revisão do critério de suspensão
de dadores HSH atualmente em vigor (definitiva). Apesar de existir evidência científica
de que o risco de transmissão de doenças infeciosas é maior nos indivíduos com
comportamento HSH a mesma evidencia cientifica não suporta a manutenção da
diferenciação do período de suspensão tendo em linha de conta a atividade sexual.
No âmbito da discussão as seguintes opções foram analisadas relativamente ao
comportamento HSH: alteração do critério para 12 meses de suspensão (após o
ultimo contacto sexual); alteração do critério para 6 meses após o último
contacto sexual) associado a um projeto epidemiológico prospetivo a potenciais
dadores; e aplicação do critério de suspensão de 6 meses (após a mudança de
parceiro) com avaliação individual do risco.
6.1. Evidência de outros países que alteraram o critério
O critério de elegibilidade aplicado a dadores com comportamento HSH varia de país
para país refletindo as diferenças de prevalência e de incidência de doenças
infeciosas transmissíveis por transfusão bem como a metodologia de rastreio
laboratorial.
Os serviços de sangue, a nível internacional, têm procedido a avaliações de risco e
consequentemente à alteração (ou não) de políticas de acordo com a evidência
encontrada.
Tabela 8- Períodos de suspensão atribuídos a dadores de sangue com comportamento HSH em diferentes países
País
Critério de elegiblidade
de dador de sangue
com comportamento
HSH
Comentário
Austrália
Suspensão de 12 meses
(sexo oral ou anal com ou
sem preservativo)
Revisão independente realizada durante o ano de 2012
recomenda a redução da suspensão para 6 meses,
embora sujeita a avaliação de estudo de compliance de
dadores. Esta recomendação não foi implementada
pela Australian Therapeutic Goods Administration
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
33
Nova
Zelândia Suspensão de 12 meses Dezembro de 2014
Estados
Unidos da
América
HSH desde 1977 suspensos
definitivamente.
Em Maio de 2015 a FDA disponibilizou
para discussão pública o documento “
Revised Recommendations for
Reducing of Human Immunodeficiency
Virus Transmission by Blood and Blood
Products”
Canadá Suspensão por 5 anos
(critério em revisão)
Alteração introduzida em 2013 em
resposta a recomendação contida em
documento de avaliação de risco-
2007
Brasil Suspensão 12 meses
Hong Kong Suspensão definitiva
Japão Suspensão 6 meses Alteração do critério de 12 meses
para 6 meses em Abril de 2011
Singapura Suspensão definitiva
África do
Sul
Suspensão 6 meses (sexo oral ou anal
com ou sem preservativo)
Itália Suspensão com base em
comportamentos de risco
Todos os dadores são avaliados por
médico. Interpretação de
comportamento de risco pouco clara e
aplicada de forma inconsistente.
Alguns centros de colheita continuam
a suspender definitivamente os HSH
Espanha Suspensão com base em
comportamentos de risco
Preocupação face ao número de
dadores VIH positivos
Reino
Unido
Inglaterra, Escócia e Norte de Gales
introduziram HSH suspensão de 12
meses desde 2011
Suspensão recomendada pela
SaBTO “Advisory Committee for the
Safety of Blood Tissues and Organs”
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
34
Suécia
A Agência do medicamento
(controla o plasma para
fracionamento) aplica uma
suspensão definitiva enquanto a
Autoridade de Saúde sustenta uma
suspensão de 6 meses (dádiva de
sangue).
Alguns centros permitem a
colheita a HSH (6 meses
depois) mas o plasma não é
enviado para fracionamento
Finlândia
Suspensão 12 meses. A indústria
de fracionamento plasmático
mantem a suspensão definitiva de
dadores HSH
O plasma de dadores que
tenham alguma vez tido
contactos HSH é inutilizado
(indústria de fracionamento
plasmático mantem a
suspensão definitiva)
Restantes países
europeus (Áustria,
Bélgica, Dinamarca,
França, Alemanha,
Irlanda, Holanda,
Noruega, Suíça)
HSH suspensão definitiva
Até 2010 um grande número de países excluía de forma permanente os HSH. A
suspensão definitiva desde 1983 estava diretamente relacionada com a evidência
emergente do aumento da prevalência de infeções nesta população, e por
conseguinte, no maior risco de transmissão por transfusão.
Múltiplos parceiros ou troca de parceiro são considerados comportamentos de risco,
qualquer que seja a orientação e prática sexual. Em Itália o período de suspensão
aplicado é de 4 meses após terminar o comportamento (embora inconsistente pois
alguns centros não o aplicam) e de 6 meses em Espanha. Estes dois países tinham
em 2006 uma prevalência reportada de VIH nas dádivas de sangue, das mais
elevadas na Europa: 3.8 /100000 em Itália (17.2/100 000 em dadores de primeira vez
e de 2.4/100 000 em dadores regulares) e 6/100000 Espanha (Suligoi, B. et al., 2010).
Em Espanha, os dados epidemiológicos têm mostrado o aumento significativo da
prevalência VIH nas dádivas de sangue (8.5/100 000 dádivas em 2009; 9/100 000
dádivas em 2010) comparativamente com outros países europeus, sendo que a maior
parte dos casos (74%) reportaram ao comportamento HSH, 22% promiscuidade
heterossexual e em 27% dos casos o fator de risco não foi evidenciado (Secretaria
General de Sanidad, 2009, 2010 e 2011).
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
35
Face à evidência acumulada foi proposto que o Ministério de Saúde Espanhol passaria
a aplicar suspensão de 12 meses aos candidatos HSH à dádiva de sangue (Benjamin,
RJ, 2011).
Recentemente alguns países alteraram a suspensão definitiva dos HSH para uma
suspensão temporária: Nova Zelândia, Brasil, República Checa e Austrália aprovam
tendo decorridos 12 meses após o último contacto HSH enquanto a África do Sul e o
Japão aplicam 6 meses de suspensão após o comportamento. Na Austrália a
alteração do critério para 6 meses após o último contacto sexual não foi aceite pela
entidade reguladora Therapeutic Goods Administration (TGA) - Australian Red Cross
Blood Service (2012) após análise da relação custo – beneficio.
No Brasil perante a elevada prevalência de VIH nas dádivas de sangue (92.2/100 000)
ponderam-se diferentes abordagens, entre as quais a diminuição de dádivas por
indivíduos de risco (Sabino, EC, 2012).
Na Inglaterra, Escócia e no Norte de Gales os HSH passaram a ser suspensos por 12
meses, a partir de Novembro de 2011. A prevalência nas dádivas de sangue antes da
alteração do critério (1,1/100 000, nos dadores de primeira vez 5.4/100 000 e nos
dadores regulares de 0.6/100 000) - SaBTO Advisory Committee on the Safety of
Blood, Tissues and organs (2011).
Há pouca informação disponível sobre o impacto da modificação do critério nos países
que implementaram períodos de suspensão temporária para os indivíduos com
comportamento HSH. Seed et al comparou os dados colhidos nos últimos 5 anos com
os dados dos 5 anos depois (de ser alterado o critério) e verificou que não ocorria
alteração no numero de casos HIV detetados nas dádivas, validando a segurança na
aplicação dos 12 meses (Seed CR et al. 2010).
6.2. Análises de risco (evidence-based) para cenários com alteração do
critério
Têm sido utilizados modelos matemáticos para estimar o impacto no risco VIH por
alteração do critério de elegibilidade por comportamento HSH. A quantificação do risco
estimado varia em função das variáveis incluídas em cada modelo e reflete a
prevalência, incidência, os testes de rastreio laboratorial e os erros de processo
registados em cada serviço.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
36
Soldan et al, em 2003, estimou um aumento do risco em 60% se a suspensão
definitiva de HSH no Reino Unido fosse alterada para 12 meses. Mais recentemente,
com a introdução dos TAN o risco foi reavaliado por K. Davison, em que para cenário
de aplicação de um período de suspensão de 5 anos após comportamento HSH o
risco variaria entre 0.4% a 7 %, dependendo do nível de compliance do dador e para
cenário de eliminação da suspensão o risco estimado seria de 26.5%. Em 94.8% o
risco estimado seria causado pelas dádivas durante o período de janela, 2.7%
atribuído à sensibilidade dos testes e 2.5% a erros de “quarentena”. Os autores
concluem que se a compliance fosse a mesma relativamente ao critério de suspensão
o único aumento no risco seria pelo aumento da prevalência da infeção VIH, e que
seria esperado um efeito negligenciável (0.4%). Davison KL, et al. (2011).
Num estudo sequencial, Davison et al estimou o risco para cenário com suspensão de
12 meses para indivíduos com comportamento HSH e concluiu, caso não houvesse
efeito na compliance do dador, que o aumento do risco seria negligenciável (0.5%
comparativamente a 0.4%). Davison KL, et al. (2013).
No Canadá Germain et al. (2003), estimaram um risco acrescido de 8% se o período
de suspensão dos indivíduos com comportamento HSH fosse alterado para 12 meses.
Os EUA desenvolveram um modelo (apenas para avaliação do risco focado na falha
dos testes e do processo) que indicava um aumento do risco de 3% se o critério fosse
alterado para 12 meses e de 0.5% se fosse alterado para 5 anos (Anderson, SA,
2009).
Em França, J. Pillonel e al. (2011) avaliaram o impacto da alteração do critério de
suspensão HSH baseado na exclusão de HSH que tivessem mais de um parceiro nos
últimos 12 meses. Concluíram que ocorreria um aumento do risco de transmissão VIH
associado à transfusão sendo que os resultados estariam dependentes da adesão ao
critério (donor compliance). Acautelam que uma alteração da suspensão poderia levar
a uma maior adesão ao critério pelos HSH embora pudesse ocorrer simultaneamente
um maior “test seeking” nos serviços de sangue por parte dos HSH.
Musto et al (2008) desenvolveram um modelo matemático focado no risco VIH para
determinados comportamentos individuais (e não para a definição de períodos
temporais de suspensão). Este modelo foi usado para estimar a probabilidade de um
dador, com um comportamento de elevado risco, adquirir infeção VIH (não detetável
nos testes de rastreio). Este cálculo baseou-se na prevalência de VIH na população
dos contactos (parceiros), frequência do contacto e risco de transmissão por contacto.
Este estudo identifica que os indivíduos com comportamento HSH têm um risco
elevado de infeção e de darem sangue no período de janela comparativamente a
outros grupos.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
37
Um outro modelo matemático foi desenvolvido baseado na prevalência de VIH nos
parceiros, frequência do contacto sexual, risco de transmissão por contacto, uso e
eficácia do preservativo, períodos de janela dos testes de rastreio. (Australian Red
Cross Blood Service, 2012).
Baseado na evidência epidemiológica, este estudo avaliou o risco de falha de deteção
de infeção incidente VIH para diferentes cenários envolvendo relações entre HSH,
trabalhadores de sexo e heterossexuais.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
38
O Histograma abaixo reporta ao risco relativo (RR) de falha na deteção de infeção, por
cenário. O risco estimado, por cenário, foi comparado com o risco de falha de deteção
de infeção incidente em “caso referencia “ (heterossexual com novo parceiro sexual
nos últimos 12 meses e não proveniente de país de elevada prevalência VIH).
Figura 2- Risco Relativo da não deteção de uma infeção positiva por grupo de risco comparativamente aos heterossexuais que tiveram um novo parceiro sexual nos últimos 12 meses
Fonte: review of Australian blood donor deferrals relating to sexual activity, march 2012, An independent review commissioned by the Australian Red Cross Blood Service
O risco de falha na deteção de uma infeção VIH entre HSH é substancialmente maior
do que o risco associado a heterossexuais que recentemente tiveram novo parceiro
sexual.
Apesar de nas relações monogâmicas o risco ser menor, a maior limitação encontra-
se na dificuldade de avaliar o comportamento sexual do parceiro (pelo que é
importante considerar o impacto de parceiros com relações ocasionais fora da relação
monogâmica e associadas ao risco VIH). O risco de falha de deteção de infeção
incidente VIH nas trabalhadoras do sexo existe mas não é significativamente diferente
do risco associado a heterossexual com um novo parceiro sexual, na Austrália.
Situação diferente será se o parceiro for proveniente de país de elevada prevalência
de VIH, sendo neste caso o aumento de risco significativo (Australian Red Cross Blood
Service, 2012).
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
39
Num cohort (Sydney) desenvolvido para acompanhar indivíduos com comportamento
HSH ao longo do tempo, o risco de incidência anual foi de 1%, que variou com o
comportamento reportado e a duração do follow-up. Neste cohort, 35.6% dos homens
que referiam comportamento monogâmico tinham parceiros ocasionais (Prestage, G.
et al., 2006) e em 70.1% relações sexuais protegidas com parceiros ocasionais (Mao,
L., 2006).
Tal como referido previamente as estimativas de risco têm limitações pela aplicação
de modelos matemáticos para estimar a possibilidade de risco de infeção no período
de janela (a incidência da infeção não é conhecida em alguns grupos, baixo número
de eventos e inclusão de várias varáveis). As estimativas de risco calculadas, com
base em modelos acima expostos, revelam que o risco associado a alteração de
critério é muito baixo, e que advém das infeções incidentes, durante o período de
janela. O risco de infeção prevalente é negligenciável atendendo às estratégias
minimizadoras de risco implementadas pelos serviços de sangue.
6.3. RRI associado à transfusão de sangue
O RRI tem diminuído em função do aumento da sensibilidade dos testes e pela
aplicação de uma estratégia combinada de testes serológicos e moleculares, que
permite a deteção de indivíduos infetados recente e cronicamente. A falha na
autossuspensão do dador ou a omissão de informação relevante após um risco
acrescido à infeção pode resultar numa infeção transmitida pela transfusão, quando
associada a um teste laboratorial negativo (período de janela). O que releva a
importância da informação ao dador e da adesão ao dador aos critérios de
elegibilidade para a dádiva de sangue.
Na redução da incidência, sublinha-se o papel permanentemente ativo dos
profissionais dos Serviços de Sangue na promoção da dádiva segura, juntamente com
o acesso fácil à informação e com um maior nível de escolaridade da população em
geral, contribuindo de forma importante para a redução dos riscos.
Por outro lado, a implementação de testes mais sensíveis e específicos, teve impacto
na redução do respetivo período de janela. Este período tem diminuído em função do
aumento da sensibilidade das provas serológicas, mas especialmente devido a
introdução de provas moleculares (em 2001 em simultâneo para o VIH e VHC e em
2007 para o VHB).
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
40
Em termos de risco residual infecioso (RRI) das dádivas de sangue em período de
janela, alguns países europeus (França, Alemanha, Itália, Suíça e Reino Unido)
publicaram os resultados da avaliação do RRI algum tempo após terem introduzido o
TAN nos seus bancos de sangue. Nestes países europeus, a probabilidade estimada
de uma unidade infeciosa, para VIH variou entre 1/1,9 milhões (risco de transfusão de
uma unidade potencialmente infeciosa em milhões de unidades transfundidas) na
Suíça e 1/5,5 milhões na Alemanha e para VHC variou entre 1/ 2,2 milhões na Suíça e
1/10 milhões em França.
A Alemanha apresentou o RRI para VHB pós TAN-MP, estimando o valor de
1/620.000. Este risco representou 79,8% do risco global para VIH, VHB e VHC.
No caso dos EUA, o RRI reportado foi de 0,68 para o VIH, 0,87 para o VHC e 2,8-3,6
para o VHB, por milhão de unidades transfundidas.
O risco é maior para o VHB. Este facto é concordante com estudos internacionais que
referem um RRI maior para VHB do que para os outros vírus, o que está relacionado
nomeadamente com o maior período de janela. Infelizmente o teste VHB NAT-MP não
conseguiu diminuir significativamente o período de janela, tal como o valor alcançado
para os outros vírus, porque na fase inicial o VHB é caracterizado por um tempo de
duplicação da virémia mais longo (2,6 dias) do que o VIH (20,5 horas) ou o VHC (14,9
horas).
A dificuldade na diminuição do risco também reside do facto de nenhum fator de risco
poder ser identificado em 30-40% dos casos, impossibilitando o desenvolvimento de
um critério de seleção que seja suficientemente sensível para identificar dadores
infetados e suficientemente específico para evitar suspensões desnecessárias.
No entanto a vacina para o VHB passou a integrar o Programa Nacional de Vacinação,
pelo que este facto tem sido preponderante na redução do risco de transmissão deste
agente infecioso e será um fator crítico na futura diminuição para valores marginais
desta doença.
A diminuição acentuada do risco transfusional que se verificou para o VIH e VHC
(cerca de 20 a 50 vezes) nos últimos 20 anos, relativamente ao estimado nos anos 90,
pode ser consequência de políticas de prevenção de transmissão de doenças
infeciosas e da maior educação dos dadores, mas o principal fator foi, sem dúvida, a
grande melhoria dos testes de rastreio com diminuições drásticas nos períodos de
janela.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
41
Alteração do critério para 12 meses de suspensão (após o ultimo contacto
sexual)
A aplicação de um período de suspensão de 12 meses tem sido reportada estar
alinhada com os critérios de suspensão para comportamentos sexuais heterossexuais,
excede o período de janela dos testes de rastreio para as doenças infeciosas
conhecidas transmitidas pela transfusão e inclui um período de tempo para infeções
incidentes desconhecidas adquiridas pelo contacto sexual. Predizer o período de
janela para potenciais infeções emergentes será difícil considerando o
desconhecimento da sua natureza e das variáveis associadas (taxa de transmissão
pela transfusão, período de infeção assintomático, persistência relativamente ao
processamento do sangue, podendo também o contacto sexual não ser a via de
transmissão da próxima infeção emergente.
Avaliação do RRI tendo em linha de conta a modulação matemática
proposta por K. Davison
O modelo desenvolvido por K Davison para estimar o risco de alteração do critério
considerou vários cenários: a suspensão definitiva de indivíduos com comportamento
HSH e um período de suspensão de 12 meses para indivíduos com comportamento
HSH. Relativamente à compliance do dador foram considerados 3 cenários
(compliance idêntica à aplicação do critério de suspensão definitiva; compliance a
variar em função da prevalência e compliance muito próxima de atingir os 100%)
Este mesmo modelo tinha sido utilizado previamente no Reino Unido para estimar o
RR associado a uma alteração de critério para 5 anos para os indivíduos como
comportamento HSH, aumentando o RR entre 0.4% e 7.4% e dependendo da
compliance (prevalência e incidência VIH) dos indivíduos HSH (Davison KL et al.,
2011).
O RR estimado para o cenário de suspensão temporal de 12 meses (tendo em linha
de conta a compliance), e aplicando o mesmo modelo, aumentaria entre 0.5% e 9.9%,
podendo diminuir se a compliance fosse próxima aos 100% (-29.1%).
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
42
Figura 3 - Frequência estimada de dádivas infetadas pelo VIH considerando o critério atual e cenários hipotéticos (2005-2007)
Fonte: SaBTO2011
Em Portugal o RR é aproximadamente 10 vezes maior que o avaliado para o Reino
Unido.
Tabela 9 - RR (/100 000) em Portugal (2014) e no Reino Unido (2005/2007)
Número
Dádivas VIH +
Nº
seroconversões
Prevalência
(/100 000)
Incidência
(/100 000)
Risco VIH
(/1 000
000)
1 unidade
infectada
por
dádivas
Portugal
(2014)
368 000
(média dos
últimos 3
anos)
26 19 11.4 9.96 1.6 1/625 000
Reino
Unido
(2005-
2007)
6 471 237 83 32 1.28 0.92 0.227 1/4 x (10)6
Para uma suposta aplicação do modelo matemático de K. Davison et al em Portugal,
tendo em linha de conta o RR dos últimos 3 anos (2012/100 000 – 0.12; 2013/100 000
– 0.19; 2014/100 000 – 0.16) e considerando 3 cenários de alteração de critério (5
anos, 12 meses e sem suspensão) o RR variaria da forma abaixo representada.
Table 7: Estimated frequency of HIV infectious donations being released into the blood supply under current and alternative scenarios
England and Wales 2005-2007
X per million
donations 1 per X million
donations % change baseline
incidence
Lifetime exclusion MSM (current) 0.227
(0.157 – 0.318)
4.41 -
Accept MSM >5 y
No change in incidence/non-compliance
0.228
(0.168 – 0.306)
4.39 0.4
Accept MSM >5 y
incidence/non-compliance increase in line with prevalence
0.244
(0.180 – 0.321)
4.10
7.4
Accept MSM >5 y
incidence/non-compliance decreased to zero
0.161
(0.111 – 0.228)
6.23 - 29.3
Accept MSM >12 months
No change in incidence/non-compliance
0.228
(0.168 – 0.306)
4.38 0.5
Accept MSM >12 months
incidence/non-compliance increase in line with prevalence
0.249
(0.181 – 0.322)
4.01
9.9
Accept MSM >12 months
incidence/non-compliance decreased to zero
0.161
(0.111 – 0.228)
6.22 - 29.1
Accept all MSM 0.287 3.48 26.5
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
44
A percentagem de não compliance varia entre 1.2% nos EUA, 0-7% a 2.2% na
Europa e é de 4% no Reino Unido (Sanchez, A.M., et al.,2005, Davison KL et al.,2011
e European Committee, 2011).
Qualquer modelo matemático utilizado para estimativa de risco tem sido feito com
utilização dos dados atuais (e utilização do critério atual) para determinar o impacto da
alteração do critério.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
45
7. Recomendações
Tendo em linha de conta o imperativo ético da segurança com proteção da saúde do
dador e do doente, e que o instrumento inicial para a garantia da segurança
transfusional é o processo de elegibilidade do dador;
Considerando que todo o individuo que se voluntaria para a dádiva de sangue,
impelido por elevada generosidade, altruísmo e responsabilidade, deve possuir toda a
informação necessária subjacente ao processo de dádiva de sangue;
Considerando também a importância da formação e responsabilidade dos profissionais
de saúde qualificados que realizam a avaliação clinica dos dadores de sangue, por
forma a colherem os dados relativos à história clinica do dador, no respeito pela sua
dignidade, de forma proporcionada e confidencial;
Considerando a análise e a avaliação dos resultados disponibilizados por modelos de
avaliação de risco (evidence-based risk), os dados epidemiológicos nacionais relativos
à população em geral e aos dadores de sangue em particular (avaliação da
prevalência, da incidência e do risco residual infecioso) que requerem uma decisão
proporcionada ao risco respeitando a pessoa e impedindo a discriminação no
respeitante à orientação sexual e identidade de género;
Considerando a necessária proteção de saúde pública e exercício da prudência
associado ao princípio da precaução que determinam que os critérios de elegibilidade
de dadores se fundamentem em dados científicos e epidemiologicamente sustentados
visando acautelar o risco,
O Grupo de Trabalho (GT) assumiu:
1. Que deve ser garantida a segurança da transfusão;
2. Que deve ser garantida a não discriminação dos dadores, assegurando que
iguais circunstâncias tenham abordagens iguais, salvaguardando o respeito por
diferenças que se possam vir a encontrar face a aspetos epidemiológicos
relacionados com comportamentos;
3. Que a evidência científica publicada a nível nacional é inexistente
relativamente à avaliação do risco infecioso VIH, face à alteração do critério de
elegibilidade para HSH do candidato a dador de sangue;
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
46
4. Que apesar de ser escassa a evidência científica publicada a nível
internacional relativamente à avaliação do risco infecioso VIH face à alteração
do critério de elegibilidade para HSH, foi sobre essa análise de avaliação de
risco que se elaborou o pressuposto metodológico utilizado;
5. Dever considerar os seguintes fatores subjacentes às suas decisões:
• No âmbito das doenças infeciosas conhecidas e para as quais se realiza o
rastreio sistemático, os períodos de suspensão propostos ultrapassam os
períodos de janela referentes à deteção laboratorial dos respetivos agentes
infeciosos.
• O Risco Residual Infecioso calculado para cada um dos agentes de doença
é muito baixo, sendo este cálculo efetuado pelo método que utiliza a
incidência e o período de janela de cada infeção (por milhão de dádivas):
VHB: 1,2/106; VHC: 1,9/106; VIH: 1,6/106; (Sistema Português
Hemovigilância, 2014).
• O conjunto de estratégias de prevenção de doenças infeciosas transmitidas
por transfusão, implementado pelos Serviços de Sangue, garante o baixo
risco residual infecioso. No âmbito das doenças infeciosas transmissíveis
por transfusão são conhecidos os fatores de risco (geográficos,
comportamentais entre outros), estando implementado um conjunto de
medidas de suporte à triagem clinica (Sistema Português de
Hemovigilância, aplicação informática do Risco Geográfico, Manual de
triagem de dadores).
• Alguns comportamentos estão associados a uma elevada prevalência e
incidência de doenças infeciosas transmissíveis por transfusão. A
epidemiologia da infeção por VIH na população portuguesa e nos dadores
de sangue sugere uma leitura prudente face às categorias de transmissão
de VIH.
• Os modelos matemáticos desenvolvidos para análise da variação do risco
face a alteração de critério de elegibilidade para HSH incluem um conjunto
de variáveis dependentes das características epidemiológicas da infeção no
respetivo país. Para qualquer um dos modelos de análise de risco
desenvolvidos, a adesão do dador ao critério de elegibilidade foi o fator
mais relevante em termos da variação do risco.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
47
Pontos de decisão
1. Cessação da suspensão definitiva dos candidatos a dadores homens que têm
sexo com homens (HSH) (unanimidade entre todos os elementos do GT).
2. Aplicação de período de suspensão temporária a HSH, numa das seguintes
condições (cuja decisão não foi consensual entre os membros do GT):
a) De doze meses após o último contacto sexual (HSH);
ou
b) De seis meses após o último contacto sexual (HSH);
ou
c) De seis meses após um novo parceiro sexual/ mudança de parceiro
sexual com a avaliação individual do risco.
3. Revisão e adequação do Questionário de saúde pré dádiva ao dador de
sangue de acordo com a opção que vier a ser tomada em relação ao ponto 2.
4. Elaboração de história clínica que investigue, entre outros parâmetros,
comportamentos de risco associados, em qualquer das possibilidades de
suspensão temporária a aplicar, para qualquer dador com testes de rastreio de
agentes infeciosos reativos por transfusão.
5. Avaliação da adesão do dador ao critério de elegibilidade para HSH e do
impacto no risco residual, um ano após o início da implementação de qualquer
das hipóteses contidas nas alíneas do ponto 2.
6. Desenvolvimento de um modelo nacional de avaliação do risco infecioso VIH
transfusional, face ao período de suspensão adotado, em articulação com a
Direção Geral de Saúde.
7. Aplicação de estudo epidemiológico prospetivo aos candidatos a dadores que
queiram aderir, adequadamente desenhado para responder a algumas
questões nomeadamente a adesão ao período de suspensão adotado e
impacto em termos epidemiológicos (incidência) nos dadores de sangue bem
como da respetiva eficácia em relação à avaliação das condições de saúde do
dador.
8. Desenvolvimento de um plano comunicacional por forma a garantir a melhor
estratégia na transmissão da mensagem aos dadores, doentes e à população
em geral.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
48
9. Formação dos profissionais de saúde qualificados para a avaliação clínica de
dadores, com enfoque tanto na capacitação técnica como na conduta ética, na
condução da entrevista e aplicação do questionário.
10. Desenvolvimento de estratégia educacional, por forma a promover a melhor
consciencialização do dador face a comportamentos de risco acrescido para
contacto com agentes de doença transmissíveis pelo sangue, numa perspetiva
de reforço da literacia da população em geral e dos dadores em particular,
nomeadamente quanto à dádiva de sangue, suas indicações e limitações.
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
49
8. Acrónimos
CHLN EPE / HSM – Centro Hospitalar Lisboa Norte/ Hospital de Santa Maria
CHSJ / EPE – Centro Hospitalar de S. João
CIG – Comissão para Igualdade de Género
CNECV – Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida
DGS – Direção Geral de Saúde
EMIS – European MSM Internet Survey
HEM – Hospital Egas Moniz
HSH – Homens que realizam sexo com homens
IHMT – Instituto de Higiene e Medicina Tropical
IPST , IP – Instituto Português do Sangue e da Transplantação
RIMR - Rega Institute for Medical Research (Bélgica)
TAN – Teste Ácidos Nucleicos
VHB – Vírus da hepatite B
VHB – Vírus da Imunodeficiência Humana
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
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COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
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10. Anexos
Análise Incidência
COMPORTAMENTOS DE RISCO COM IMPACTO NA SEGURANÇA DO SANGUE E NA GESTÃO DE DADORES
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ANÁLISE DA INCIDÊNCIA do VIH na população heterossexual e HSH
POPULAÇÃO, IDADE > 19 ANOS, POR SEXO
Masculino 3 898 902
Feminino 4 459 075
Total 8 357 977
CASOS NOTIFICADOS POR FATOR DE RISCO
HSM 411
Heterossexual 876
Total 1 287
FATORES E ESTIMAÇÃO DA SUA
PREVALÊNCIA Incidência (IC95%)/1000
Risco Relativo HSH vs Heterossexual (IC95%)
HSH / população total masculina
0.03% 351.6 (318.4-387.3) 2 683 (2422-2972)
5.6% 1.9 (1.7-2.1) 14.4 (12.8-