Compreensão Leitora e Rendimento Escolar

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UNIVERSIDADE DO MINHO

Instituto de Educao e Psicologia

A COMPREENSO LEITORA E O RENDIMENTO ESCOLAR UM ESTUDO COM ALUNOS DO 4. ANO DE ESCOLARIDADE

A COMPREENSO LEITORA E O RENDIMENTO ESCOLAR UM ESTUDO COM ALUNOS DO 4. ANO DE ESCOLARIDADE

MARIA DE LURDES GOMES DA COSTA

Braga, Dezembro de 2004

UNIVERSIDADE DO MINHO

Instituto de Educao e Psicologia

A COMPREENSO LEITORA E O RENDIMENTO ESCOLAR UM ESTUDO COM ALUNOS DO 4. ANO DE ESCOLARIDADE

MARIA DE LURDES GOMES DA COSTA

Tese apresentada Universidade do Minho Braga como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Educao (Especialidade em Formao Psicolgica de Professores) sob a orientao Ribeiro. da Professora Doutora Iolanda

Braga, Dezembro de 2004

AGRADECIMENTOS

Agradeo, em primeiro lugar, Professora Doutora Iolanda Ribeiro, por todo o apoio, incentivo, disponibilidade constantes que foram fundamentais para terminar este trabalho. Sem o seu apoio nunca o teria conseguido. minha famlia, que me incentivou a terminar este projecto. Aos professores, alunos e rgo de gesto do Agrupamento de Escolas de Caldas das Taipas, que se mostraram disponveis desde o inicio. Helena Soeiro e Liliana que me ajudaram a ultrapassar muitas das angstias que me ocorreram no decorrer deste trabalho. Ao Padre Ablio e Isabel Varanda pela sua disponibilidade e incentivo nos momentos mais crticos.

I

RESUMOLer , uma actividade valiosa quer do ponto de vista social quer individual. As sociedades alfabetizadas tm sem dvida vantagens culturais, polticas e econmicas. A leitura inequivocamente uma causa do (in) sucesso escolar. Neste estudo pretendeu-se analisar o conceito de (in) sucesso escolar e sua explicao. Isolmos um factor que se perfilha como particularmente relevante nesta rea, referimo-nos concretamente compreenso leitora. Fizemos uma anlise, por um lado, do conceito e processos implicados na compreenso da leitura e, por outro, quais os factores intrnsecos e extrnsecos ao sujeito que contribuem para a compreenso leitora. Neste trabalho apresentamos os resultados de um estudo emprico sobre a compreenso leitora e o rendimento escolar. A amostra constituda por 191 sujeitos, com idades compreendidas entre os 9 e 12 anos de idade (4. ano de escolaridade) de escolas pblicas do concelho de Guimares. Na avaliao da compreenso leitora, recorreu-se prova aferida de lngua portuguesa para alunos do 4. ano de escolaridade realizada em 2001. A avaliao da velocidade da leitura foi efectuada a partir de uma tarefa de leitura silenciosa. O rendimento escolar foi avaliado com base nas classificaes obtidas pelos alunos em testes sumativos de lngua portuguesa, matemtica e estudo do meio. Os resultados obtidos confirmam a existncia de uma relao forte entre os processos de compreenso (verbatim, parfrase, inferncia e caractersticas e sentimentos) e velocidade de leitura com o rendimento escolar nas reas curriculares de lngua portuguesa, matemtica e estudo do meio. Contudo, apenas as competncias especficas relacionadas com a compreenso literal so preditoras do rendimento escolar. A competncia de inferncia, contrariamente ao observado noutro estudo (Campos, 2003) no aparece como preditora. Foi possvel tambm neste estudo concluir que as retenes no originam mudanas significativas nas aprendizagens dos alunos e que as habilitaes dos encarregados de educao tm influncia no rendimento escolar dos alunos. Tambm se verificou que as raparigas tm melhor rendimento escolar do que os rapazes.

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AbstractReading is a valuable activity, not only to individuals but also to the society, because it brings cultural, political and economic advantages. With no doubt, reading is also one of the reasons of academic (un)success. In this study, we have pretended to analyse the concept of academic (un) success and its explanation. We have selected one factor which is very important in this area, in what concerns to reading comprehension. We analysed both the concept and the processes necessary to reading comprehension and the intrinsic and extrinsic factors of that one. In this work, we have shown the results of an empirical study about reading comprehension and academic success. The sample has 191 subjects, with ages between 9 and 12 (4th form of the first cycle). In the assessment of reading comprehension, weve used the a comprehension test for the students of 4th form, done in 2001. The assessment of the academic success was based in the classifications of the students in the school records of the Portuguese Language, Mathematics and Study of the Environment. The results have confirmed the existence of a strong relationship between academic success in those curricular areas and the processes of reading comprehension. It was also possible to conclude that the retentions do not cause significant changes in learning process and the parents academic qualifications influence academic success of the students. We also verified that girls have a better academic success than boys.

III

NDICE

Introduo ...........1CAPTULO I (IN) SUCESSO ESCOLAR: DO CONCEITO EXPLICAO 6

Definio de conceito .......................7 Factores determinantes do (in) sucesso escolar ...................10 Dimenso do aluno/Causas individuais 11 Dimenso sociolgica/ Condies sociais 15 Dimenso do contexto/Condies de ensino ...20 Reflexo final ..........................25

CAPTULO II COMPREENSO LEITORA: CONCEITO E PROCESSOS

Conceito de compreenso leitora ..28 Processos da compreenso na leitura ..............................30 Macroprocessos 32 O reconhecimento de palavras 32 Leitura de grupos de palavras .....................................35 Microsseleco ...................................37 Processos de integrao ..............................39 O referente e os conectores.40 Inferncias...................................41 Macroprocessos.43 Ideia principal......44 Resumo...................45 Estrutura do texto....................................46 Processos de elaborao...................49 Previses...................49 Imagens mentais e as respostas afectivas.......................................51 Raciocnio51 IV

A integrao do texto nos conhecimentos 52 Processos metacognitivos53 Modelos explicativos da leitura ...........58 Classificao das componentes da compreenso ..................62 Reflexo final .................65

CAPTULO III FACTORES QUE INFLUENCIAM A COMPREENSO LEITORA 68

Factores relacionados com as caractersticas do sujeito......................................69 Descodificao.69 Velocidade da leitura...71 Vocabulrio...73 Conhecimentos prvios...............................74 Memria.76 Estratgias cognitivas e metacognitivas.............78 Objectivo da leitura.........78 Motivao, interesse e atitude face leitura...79 Factores associados s caractersticas do texto: contedo e estrutura 81 Reflexo final85

CAPITULO IV ESTUDO EMPRICO

RENDIMENTO ESCOLAR: DIFERENAS DE RESULTADOS EM FUNO DE VARIVEIS DEMOGRFICAS, DE VELOCIDADE E DE COMPREENSO LEITORA

Metodologia 91 Amostra ...94 Instrumentos .................96 Procedimentos .104 Resultados 105

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Rendimento acadmico dos alunos...105 Compreenso e velocidade leitora.107 Nvel de rendimento em funo da velocidade de leitura e desempenho na prova de compreenso leitora..112 A influencia dos processos de compreenso nos resultados escolares113

Discusso e concluso dos resultados ..........................118 Concluso ...........................123 Bibliografia .129

VI

INTRODUO

INTRODUO

A literacia refere-se : Capacidade de cada indivduo compreender, usar textos escritos e reflectir sobre eles, de modo a atingir os seus objectivos, a desenvolver os seus prprios conhecimentos e potencialidades e a participar activamente na sociedade (PISA, 2001, p.9).

A relevncia da leitura nas sociedades actuais tem estado associada a duas dimenses principais. A primeira relacionada com a aprendizagem, reconhece que ela indispensvel em todas as reas curriculares e nveis de escolaridade. A segunda relaciona-se com a participao efectiva do homem na vida em sociedade. Estas duas asseres esto presentes na definio de literacia acima citada. Martins (2004), procurando precisar as funes essenciais da leitura, selecciona trs verbos que, no seu entender, melhor definem tais funes. So estes: transformar, compreender e julgar. O primeiro acontece quando o leitor converte a linguagem escrita em linguagem oral; o segundo efectiva-se quando o leitor consegue captar ou dar sentido ao contedo da mensagem; e, finalmente, o terceiro est presente quando o leitor analisa o valor da mensagem no contexto social. 1

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Se ler uma competncia bsica na sociedade actual, a sua aquisio deficiente compromete o rendimento escolar e social do indivduo e da prpria sociedade (Sim-Sim, 1994). O reconhecimento da ligao entre as duas premissas explica a importncia que esta problemtica tem tido ao nvel da comunidade cientfica e poltica. A nvel cientfico, os estudos no domnio da leitura tm procurado descrever os processos e os factores associados s dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita e elaborar instrumentos de avaliao e construo de programas de interveno. A nvel poltico, registam-se a elaborao de directrizes e implementao de medidas visando remediar e prevenir as dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita. Neste mbito tambm so de referir vrios estudos internacionais orientados para uma caracterizao dos nveis de literacia alcanados. Portugal tem participado em vrios destes estudos. Os resultados obtidos indicam, como veremos de seguida, a existncia de problemas significativos nesta rea. Um dos primeiros estudos, Reading literacy (1989-1992), foi realizado com a orientao da International Association for the Evalution of Educacional Achievement (IEA) e envolveu os pases da OCDE. No que se refere a Portugal, os resultados obtidos mostraram que grande parte dos alunos do quarto ano de escolaridade apresentava dificuldades mais acentuadas na compreenso da leitura do que a maioria dos seus pares dos outros pases participantes. S 49% dos alunos portugueses atingiam valores iguais ou superiores mdia e destes apenas 5% resolveram itens de dificuldade superior. Neste estudo tambm se verificou que as raparigas obtinham resultados globais superiores em todos os pases. Em relao idade/desempenho de leitura, constatou-se uma relao negativa entre o nvel de compreenso de leitura e a idade dos alunos. Quanto mais velhos, piores os seus desempenhos. Concluiu-se, ento, que a repetncia no melhorava a percia de leitura. Os resultados nos processos de compreenso leitora mostraram que as questes de reconhecimento de palavras se apresentam como as mais fceis, as questes de compreenso inferencial como as mais difceis para os trs grupos1 de leitores ficando-se apenas por um tero (32%) de respostas correctas no grupo inferior. O grupo mdio de leitores obtm1

Com vista a uma maior preciso de comparao, h que referir que a mdia internacional, obtida atravs do mtodo RASCH, se situou nos 500, com um desvio padro de 100. Tal significa que alunos que pontuaram prximo da mdia internacional (500) so aqueles que tipicamente responderam aos itens de dificuldade intermdia. Pontuaes abaixo de 400 revelam uma capacidade de leitura reduzida e, prximo de 600, uma capacidade de resoluo de itens de grande dificuldade (Elley, 1992, cit. Sim-Sim, 1994, p. 133).

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desempenhos acima dos 50% em qualquer das competncias analisadas e os alunos com menos percia de leitura nunca ultrapassaram a barreira dos 50% de respostas correctas, com excepo do reconhecimento de palavras onde tocam os 60% de correco (Sim-Sim & Ramalho, 1993, p.134). O segundo estudo Programme for International Student Assessment (PISA2000), envolveu 32 pases. No ranking dos 32 pases Portugal foi classificado em vigsimo quinto lugar. Os resultados deste estudo evidenciaram, mais uma vez, que os alunos portugueses apresentavam um desempenho mdio modesto. Neste estudo, semelhana do que aconteceu em todos os pases participantes, verificouse que as raparigas apresentavam, em mdia, melhores resultados do que os rapazes, sendo esta diferena estatisticamente significativa. Tambm neste estudo se verificou que os alunos com reteno (uma ou mais vezes) esto claramente afastados, pela negativa, dos seus colegas que seguem o percurso escolar sem repetio de ano. Uma constatao que os alunos portugueses obtm globalmente um maior sucesso relativo quando o texto proposto narrativo. Em contrapartida, quando se trata de um texto dramtico ou informativo relativamente extenso, os alunos afastam-se, pela negativa, dos valores mdios da OCDE. No que respeita a tarefas que mobilizam mecanismos cognitivos de interpretao, isto , a capacidade para obter significado e construir inferncias, o desempenho dos alunos relativamente positivo no que respeita aos textos narrativos, em oposio aos textos j mencionados, que so negativos. No entanto, quando os itens requerem reflexo avaliativa sobre o formato do texto, o que pressupe um distanciamento do seu contedo, o desempenho mais penalizado do que quando a reflexo recai sobre o contedo da informao que apela para conhecimentos prvios do sujeito. Este estudo identifica, ao mesmo tempo, os factores mais significativos subjacentes ao rendimento escolar, destacando-se o gosto pela leitura, as estratgias de controlo, o esforo e perseverana, a motivao instrumental, o interesse pela leitura, a velocidade da leitura, os interesses sociais dos pais, os recursos educacionais familiares e os bens culturais da famlia. O terceiro estudo da responsabilidade do DEB Ministrio da Educao (2000) foi efectuado, a nvel nacional, junto dos alunos do 4. ano de escolaridade. Os resultados no mostraram a existncia de diferenas significativas em relao ao 3

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sexo, ao contrrio do que sucede por idades. Os alunos mais novos tm resultados muito superiores aos alunos mais velhos. A anlise dos resultados nacionais mostra um excelente desempenho dos alunos no que respeita compreenso literal verbatim (97% dos alunos respondem correctamente a esta questo) e maiores dificuldades nas restantes competncias, sobretudo quando se trata de realizar inferncias. Nas situaes que implicam parafrasear s 34% dos alunos conseguem obter a pontuao mxima, 52% apenas parafraseiam parte da resposta enquanto 15% no respondem ou no transcrevem. No que diz respeito ao processo de inferncia, apenas 3% dos alunos respondem correctamente a argumentos de natureza objectiva e subjectiva, cerca de 45% explicam com dificuldades e constroem respostas incompletas e cerca de 52% ou no respondem ou erram. Os resultados destes estudos apontam todos no mesmo sentido, ou seja, os alunos portugueses apresentam nveis de desempenho muito baixos. Por outro lado, no podemos deixar de salientar a estabilidade deste baixo desempenho ao longo dos anos. Desde o primeiro estudo realizado no final dos anos oitenta e incio de noventa que o desempenho tem persistido como deficitrio. Estes estudos assumem um carcter essencialmente descritivo, constituindo os dados uma fonte importante quer para a discusso dos factores explicativos dos resultados quer para o sentido das mudanas que necessrio introduzir. O objectivo deste trabalho inscreve-se nesta problemtica. Pretende-se analisar a influncia que os processos de compreenso leitora tm no sucesso escolar dos alunos do 4 ano de escolaridade. Tendo como objectivo compreender melhor a relao existente entre compreenso leitora e o rendimento escolar, efectuamos uma reviso terica centrada na problemtica do (in) sucesso escolar e dos factores que lhe esto associados. No primeiro captulo vamos reflectir sobre o conceito de sucesso escolar, procurando diferenciar este do conceito mais especfico de dificuldades de aprendizagem e especificar os parmetros considerados na sua operacionalizao. Na anlise dos factores que contribuem para explicar o (in) sucesso escolar, optamos por os agrupar considerando trs dimenses principais: os factores associados s caractersticas intrnsecas dos alunos, os factores associados a variveis sociolgicas e, por ltimo, os factores relacionados com o contexto.

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No segundo e terceiro captulos procuramos analisar de forma aprofundada um dos factores que aparece associado explicao de (in) sucesso, isto , a leitura, e mais especificamente a compreenso leitora. No segundo captulo Compreenso leitora Conceito e processos procuramos definir o conceito de compreenso leitora e apontamos os aspectos que so contemplados por diferentes autores. De seguida apresenta-se uma sntese dos processos de leitura. Na sua descrio seguiu-se de perto a classificao proposta por Irwin (1986) e que inclui os microprocessos, os processos de integrao, os macroprocessos, os processos de elaborao e os processos metacognitivos. Finalmente apresentamos uma outra classificao de processos que toma como critrio o tipo de tarefa cognitiva que o sujeito deve executar. No terceiro captulo Factores que influenciam a compreenso leitora apresentamos uma sntese de factores que na literatura tm sido identificados como relevantes na compreenso leitora e nas dificuldades que lhe esto associadas. O nmero de factores isolados elevado e tem sido sistematicamente agrupado em duas categorias: os que se relacionam com as caractersticas do sujeito e os associados ao prprio texto. No primeiro incluem-se os aspectos relacionados com a descodificao, a velocidade de leitura, o vocabulrio, os conhecimentos prvios, a memria, as estratgias cognitivas e metacognitivas, o objectivo da leitura e finalmente a motivao e atitude face leitura. Nas caractersticas do texto apontaram-se os aspectos relacionados com o contedo e estrutura do mesmo. Ao longo desta sntese procurou-se descrever e explicar a sua influncia, fazendo uma referncia, breve, s sugestes que na literatura so efectuadas relativamente ao seu ensino. No captulo quatro A influncia dos processos de compreenso leitora no rendimento escolar so definidos os objectivos do estudo emprico e a respectiva operacionalizao num conjunto de hipteses que se procuram testar. Numa primeira parte so apresentados os aspectos relacionados com a metodologia, especificamente com a amostra, os instrumentos e os procedimentos de recolha de dados. Numa segunda parte, os resultados obtidos. Na concluso do trabalho reflectimos, de forma crtica, sobre o trabalho desenvolvido ao longo dos vrios captulos, apontando alguns dos seus limites e perspectivando outras questes de investigao.

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(IN) SUCESSO ESCOLAR: DO CONCEITO EXPLICAO

CAPTULO I(IN) SUCESSO ESCOLAR: DO CONCEITO EXPLICAO

O insucesso escolar um tema que, ao longo dos tempos, tem suscitado o interesse de investigadores de diferentes reas cientficas. Trata-se de um problema bem patente na nossa sociedade. Verifica-se que so, ainda, inmeros os alunos que ficam retidos ou abandonam a escola, tendo estes factos consequncias marcantes para a sua vida futura. Um aluno que sente dificuldades, ou se confronta com atrasos escolares, corre o risco de ser colocado em desvantagem quanto s suas potencialidades e ao sucesso social e econmico futuro (Pelsser, 1989, 1999). As implicaes do insucesso no so, no entanto, limitadas s crianas/jovens considerados isoladamente. Como refere Fonseca, (2004) afecta igualmente a famlia, a prpria escola e a sociedade em geral. Sem as aquisies escolares o indivduo fica impedido de participar eficientemente no progresso da sociedade. Em Portugal, os alunos em situao de insucesso escolar representam uma proporo importante da populao escolar. Sublinhe-se que, em 1990/91, no 1. ciclo do Ensino Bsico, a taxa de reprovao na 1. fase foi de 29,3% e no 2. de 19%. Para alm disto o abandono escolar no 3. ciclo tem sido um grave problema nos ltimos tempos. No ano 1991/92, a taxa de reteno atingia 23% a nvel do

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ensino primrio (1. ciclo do ensino bsico) e 14,9% no final do 3. ciclo (EURYDICE, 1995). Os dados mais recentes disponibilizados nas estatsticas do Ministrio da Educao no evidenciam mudanas positivas nestas tendncias. De acordo com Benavente e colaboradores (Benavente & Correia, 1980; Benavente, Formosinho & Fernandes, 1998) o insucesso escolar tem um carcter massivo, constante, precoce, selectivo e cumulativo. Atinge percentagens elevadas, estende-se a todos os graus de ensino, aparece intensamente nos primeiros anos de escolaridade, concentra-se nas classes mais desfavorecidas e qualquer repetio aumenta a probabilidade de voltar a ocorrer uma segunda reteno. O insucesso escolar apresenta ainda uma outra caracterstica, aparece precocemente no percurso escolar da criana. De acordo com Fonseca (2004), os dados dos estudos mostram que aproximadamente 15% das crianas precisam de apoio no incio da escolaridade. Se tal interveno demorar, a percentagem duplicar e o insucesso escolar ser a tendncia normal. No entanto a procura do sucesso escolar actualmente uma condio do sistema social que refora expectativas, esperanas e projectos familiares e sociais. O conhecimento dos factores que o determinam uma das condies necessrias na construo de medidas e estratgias, sejam estas remediativas ou preventivas. Ao longo deste captulo procuraremos apresentar os diferentes paradigmas que tm procurado explicar este fenmeno, consensualmente reconhecido como sendo de elevada complexidade.

Definio do conceitoEm primeiro lugar, importante definir o conceito de sucesso. Alaiz e Barbosa (1995) referem duas formas de sucesso. O sucesso na vida ou uma vida de sucesso que engloba o xito, o reconhecimento social, mas tambm felicidade e satisfao pessoal. A dimenso social e pessoal completam-se e interpenetram-se nestas vitrias pessoais. No final do sculo XX, o sucesso na vida pode, em parte ser construdo a partir da escola. O que vlido sobretudo para os jovens cujo meio desfavorecido. Este sucesso na escola tem duas vertentes. O sucesso escolar, que se traduz em classificaes elevadas nos exames e no final dos perodos lectivos, na obteno de diplomas. So os sinais exteriores de riqueza adquiridos na escola.

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Este sucesso sobretudo de natureza social. Vale o que numa sociedade valem as notas elevadas ou os diplomas acadmicos. Por outro lado temos o sucesso pessoal que consiste na aquisio efectiva dos conhecimentos bsicos indispensveis ao progresso na aprendizagem, pr-requisitos de outros conhecimentos, igualmente indispensveis, e do desempenho futuro de certas actividades (Alaiz & Barbosa, 1995, p. 9). Segundo Landsheere (1992) o insucesso escolar define-se como um conceito terico que integra uma situao em que no se atingiu um objectivo educativo. Em que cada criana considerada boa ou m aluna em funo dos resultados obtidos e dos progressos efectuados no cumprimento dos programas de ensino (Benavente, 1976, p. 9). Alguns dos indicadores visveis do fracasso escolar dos alunos so as reprovaes, o abandono, as dificuldades de aprendizagens, o insucesso nos exames (EURYDICE2, 1995; Fernandes, 1985; Benavente, 1976). Estes indicadores so tomados, com frequncia, como sinnimos de insucesso escolar. Contudo o termo insucesso escolar claramente mais abrangente e representativo de diferentes realidades e de diferentes percepes, conforme seja utilizado pelos alunos, pelos pais ou pelos professores. Assume configuraes diversas consoante o sistema educativo em anlise e as respectivas prticas de avaliao e de certificao dos alunos (Montagner, 1998). A inadaptao dos alunos s normas da instituio escolar e, portanto, o insucesso escolar, so conceitos relativos (Grcio, 1995; Isambert-Jamati, 1989). Adquiriu significado preciso no seio da escola e em relao aos seus objectivos e programas (Rangel, 1994). Em Portugal o insucesso escolar, a nvel poltico, foi definido como a incapacidade que o aluno revela de atingir os objectivos globais definidos para cada ciclo de estudos (EURYDICE, 1995, p. 47). O insucesso escolar surge quando os objectivos no so atingidos, criando-se, deste modo, uma relao implcita entre o aluno e a instituio escolar (Benavente, 1976). A noo de insucesso no independente do prprio conceito de aprendizagem e dos objectivos a ele vinculados. Nas concepes mais recentes, baseadas nos modelos cognitivo-construtivistas (Arca & Caravita, 1993), a aprendizagem entendida como construo pessoal resultante de um processo2

EURYDICE uma rede de intercmbio de informao em educao que foi concebida para apoiar a cooperao em educao na Unio Europeia.

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experiencial, interior pessoa, e que se traduz por uma modificao de comportamento relativamente estvel (Tavares & Alarco, 1989, p. 54). Esta definio adopta um conceito dinmico de aprendizagem, como uma vivncia pessoal conducente construo do conhecimento (Almeida, 1998). O aluno possui sempre uma base de conhecimentos prvios sobre os quais se constri a nova aprendizagem. Esta definio reporta-nos para a ideia de andaimes na aprendizagem. imprescindvel cuidar dos fundamentos bsicos para que se construa a aprendizagem. S assim, se consolida os conhecimentos (Almeida, 1998). Tambm a aprendizagem acima de tudo um processo pessoal, interno ao sujeito (Almeida, 1993), no qual o professor desempenha um papel de facilitador da aprendizagem (Almeida, 1998). Esta concepo de aprendizagem no tem, com frequncia, repercusses no processo ensino-aprendizagem. Muitos professores consagram-se quase exclusivamente a comunicar conhecimentos aos alunos, em vista a prepar-los para os estudos ulteriores e para a vida profissional; a inteligncia, sob forma verbal conceptual o valor dominante que regula o funcionamento da escola; outros valores afectivos, morais e sociais, so desprezados, seno totalmente esquecidos (Leroy, 1975, cit. Peixoto, 1999, p. 63). Tambm a definio de rendimento escolar pode ser abordada a dois nveis (Peixoto, 1999) reportando-se aos aspectos pessoal e social do rendimento escolar. O aspecto pessoal remete para as aptides e outras caractersticas pessoais de cada aluno. O aspecto social tem em conta os nveis mnimos de aprendizagem estabelecidos pela sociedade para cada nvel de ensino, avaliando o aluno de acordo com esses parmetros (Peixoto, 1999). Esta questo discutida por Hoz (1970) que relaciona o conceito de rendimento escolar com as noes de satisfatrio e suficiente. O rendimento satisfatrio ou insatisfatrio

determinado em funo das capacidades de cada aluno, enquanto que o suficiente e insuficiente determinado em funo de objectivos pr definidos. Com base nestes conceitos, Peixoto (1999) defende que o conceito de rendimento escolar um fenmeno muito complexo, que envolve vrios factores e que ultrapassa o plano das capacidades intelectuais. De acordo com este autor, o aspecto pessoal do rendimento classificado de satisfatrio ou insatisfatrio que determina as medidas de apoio. O conceito de insucesso escolar , nalguns casos, tomado como sinnimo de dificuldades de aprendizagem. Contudo, este conceito tem um mbito muito 9

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especfico e no de todo adequado tomar um pelo outro. A definio mais consensualmente aceite de dificuldades de aprendizagem foi proposta pela National Joint Committee on Learning Disabilities (NJCLD, 1994): Dificuldades de aprendizagem um termo geral que se refere a um conjunto heterogneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisio e uso da audio, fala, leitura, escrita, raciocnio, ou habilidades matemticas. Estas desordens so intrnsecas ao indivduo, presumivelmente devem-se a disfunes do sistema nervoso central e podem ocorrer ao longo da vida. Problemas na autoregulao comportamental, percepo social e interaco social podem existir com as dificuldades de aprendizagem mas no constituem por eles prprios uma dificuldade de aprendizagem. Embora as dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com outras condies desvantajosas (por exemplo, dificuldades sensoriais, deficincia mental, distrbios emocionais srios) ou com influncias extrnsecas (tais como diferenas culturais, instruo insuficiente ou inapropriada), elas no so o resultado dessas condies ou influncias. Nesta definio os factores exgenos so tomados como critrios de excluso e a sua presena exclui a classificao do aluno nesta categoria. Ora o conceito de insucesso escolar no exclui qualquer tipo de causa. Como refere Fonseca (2004), os factores podem ser, de facto, quer exgenos quer endgenos. Neste estudo toma-se o conceito de insucesso e no o de dificuldades de aprendizagem no sentido estrito do termo. Embora reconhecendo a relevncia do sucesso pessoal e da necessidade de manter um conceito abrangente de sucesso, a nossa opo recaiu sobre o critrio de rendimento escolar, considerando a sua avaliao em funo das classificaes atribudas pelos professores nos testes sumativos de final de perodo nas trs reas curriculares do ensino bsico (portugus, matemtica e estudo do meio).

Factores determinantes do (in) sucesso escolarOs problemas de insucesso sempre estiveram associados ao processo ensino-aprendizagem. O primeiro teste de inteligncia construdo no incio do sculo XX por Binet e Simon esteve associado necessidade de se dispor de instrumentos

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de avaliao que permitissem a identificao de crianas com problemas de aprendizagem tendo em vista o seu encaminhamento e apoio (Ribeiro, 1998). Porm o crescimento das taxas de insucesso agudizou-se com a massificao do ensino (Pires, 1988). A introduo da escola gratuita e obrigatria, com o consequente aumento da populao escolar, levou ao reconhecimento de que a escola ineficaz em relao ao sucesso escolar dos alunos. Neste contexto no s o conceito de insucesso escolar relativo e difcil de definir como tambm a sua explicao. A procura de explicaes tem constitudo uma preocupao constante ao longo das ltimas dcadas. Sabe-se hoje que as causas so mltiplas. O sucesso, ou insucesso, depende do funcionamento da escola, da sua interaco com o meio social e das caractersticas da prpria criana (Garca et al., 1998). Deste modo, quando estudamos o insucesso escolar, estamos perante um conjunto de trs realidades que devem ser analisadas: o aluno, o meio social e a instituio escolar (Fonseca, 2004; Almeida, 1998; Benavente, 1976). a partir destas trs realidades que se evidenciam os factores de insucesso e as suas causas explicativas. Benavente e Correia (1980) mencionam trs correntes onde cada uma das vrias explicaes sobre insucesso escolar se poder enquadrar. Uma corrente de carcter mais psicolgico, tambm designada por Teoria dos dotes individuais (Peixoto, 1999; Benavente, 1998; Tavares, 1998) ou teoria meritocrtica (Forquin, 1995; Martins & Cabrita, 1991). Uma perspectiva mais sociolgica designada por Teoria do handicap scio-cultural (Crahay, 1999; Peixoto, 1999; Tavares, 1998; Pinto, 1995; Husen & Van Haech, 1994). Mais recentemente emergiu uma terceira corrente designada de Teoria scio-institucional (Crahay, 1999; Peixoto, 1999).

Dimenso do aluno / Causas individuais

Durante a primeira metade do sculo XX procurou-se na inteligncia a causa do (in) sucesso escolar. A relao entre as duas variveis era clara: a aprendizagem depende da inteligncia. A existncia de correlaes elevadas entre os testes de inteligncia e os resultados escolares levou os autores a concluir que quanto mais elevado fosse o desempenho em testes de inteligncia maiores as probabilidades de alcanar o sucesso escolar. Embora o clculo de correlaes no permita estabelecer relaes de causalidade entre as variveis, os valores encontrados 11

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entre aquelas variveis foram interpretados numa perspectiva de causalidade (Ribeiro, 1998). Nos anos 50 e 60 o insucesso escolar abordado do ponto de vista das deficincias internas ao indivduo (Pinto, 1995). a falta de determinadas aptides inatas ao prprio indivduo que influencia de forma negativa o seu rendimento escolar (Fernandes, 1991). Embora se referencie esta perspectiva de investigao como dominante at dcada de sessenta, ela continua a constituir uma explicao plausvel, embora o nmero de variveis associadas ao aluno tenha sido alargado. Sem reduzir os problemas de aprendizagem a problemas apenas internos ao sujeito, Almeida (1998) sistematiza um conjunto de factores que a este nvel so relevantes e salienta: a) As bases do conhecimento, segundo este autor as aprendizagens novas do aluno dependem das suas aquisies anteriores, pelo que necessrio dispor de bases necessrias sobre as quais se construam novos conhecimentos. Estes conhecimentos podem distribuir-se por trs categorias. O conhecimento declarativo ou factual inclui a compreenso de factos, de dados, de conceitos ou de significados. O conhecimento procedimental remete para as estratgias ou procedimentos necessrios realizao das tarefas cognitivas. Tambm o conhecimento condicional necessrio uma vez que o aluno tem que saber lidar com informao e conhecimento de forma contextualizada. b) As capacidades cognitivas, que incluem os processos mentais bsicos, os processos mentais superiores e os estilos cognitivos. Embora reconhecendo a existncia de uma relao entre estas e o sucesso, Almeida (1998) chama a ateno para o facto de que o princpio genrico segundo o qual a determinadas capacidades cognitivas se associam determinados nveis de aprendizagens e de rendimento escolar no linear. Os resultados das investigaes mostram que rendimentos diferentes podem ocorrer em alunos com capacidades cognitivas bem prximas, assim como resultados escolares fracos se podem encontrar em alunos com capacidades cognitivas elevadas e vice-versa. Por outro lado, continua este autor, as prticas educativas, a linguagem utilizada, os tipos de jogos e espaos de lazer junto das famlias e a qualidade e durao da educao formal, currculos e mtodos implementados nas escolas, demonstram que as capacidades cognitivas decorrem das experincias educativas e das aprendizagens escolares feitas pelos alunos. Infelizmente a escola e os seus profissionais no tm em conta, a maior 12

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parte das vezes, a diversidade dos alunos que recebem. De facto, muitos alunos em funo de experincias educativas, socialmente contextualizadas, no tero desenvolvido os conhecimentos e as competncias cognitivas que a escola valoriza e exige (Cole & Scribner, 1977). At que ponto, questiona Reviere (1983), pode a escola estar a exigir competncias cognitivas como seleco da ateno, organizao e descontextualizao da informao, raciocnio lgico que vrios alunos no possuem em termos desenvolvimentais? c) Os mtodos de estudo, so segundo Almeida (1998, 1993) um dos problemas associados s dificuldades escolares dos alunos, sobretudo quando se consideram as diferenas no nvel de rendimento do aluno ao longo de vrios anos lectivos ou em termos das disciplinas, tem a ver com o seu mtodo de estudo (Almeida, 1998, 1993). Defende o autor que dificilmente um aluno que no sabe estudar pode render bastante na sua aprendizagem e apresentar bons rendimentos nos testes (Almeida, 1998, p. 64). Os mtodos de estudo devem contemplar os seguintes objectivos ou fases no processamento da informao. A componente comportamental, referindo-se organizao dos materiais, planificao do tempo, organizao do espao e s condies fsicas dos locais. A componente cognitiva que integra a elaborao e gesto dos apontamentos, a organizao de resumos e sublinhados, as estratgias de reteno e evocao da informao e estratgias de relacionamento e aplicao da informao (Almeida, 1998). d) As percepes pessoais, nas quais se incluem as atribuies causais, o desnimo aprendido, as expectativas de fracasso, o auto-conceito e a auto-estima, so outro factor de peso. Estas percepes pessoais so construdas a partir da interaco com os outros, com as tarefas e com o seu rendimento nas situaes de aprendizagem e de realizao escolar, o aluno vai formulando imagens a propsito das suas capacidades e do seu rendimento em situaes futuras. Assim, e nem sempre associado ao nvel de capacidades cognitivas possudas, um aluno pode considerar-se incapaz ou capaz de efectuar uma dada aprendizagem (Almeida, 1998, p.66). Nos alunos com problemas na aprendizagem as suas percepes pessoais so, habitualmente, de incapacidade. Contudo, pior do que no ter capacidade, acreditar que no capaz, desistindo de investir em si prprio. As baixas percepes pessoais interferem negativamente na aprendizagem escolar e no rendimento acadmico (Barros & Almeida, 1991). As trs variveis 13

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socioemocionais mais relacionadas com a aprendizagem e com o rendimento escolar so as atribuies causais, as expectativas de fracasso e o autoconceito (Almeida, 1998). As atribuies causais reportam-se s cognies que os alunos encontram para justificar o seu rendimento numa situao, seja esse rendimento caracterizado por sucesso ou por fracasso (Almeida, 1998, p. 67). Algumas so internas, dizem respeito a caractersticas do sujeito, como por exemplo a capacidade e o esforo. Outras so externas ao sujeito, como por exemplo, a dificuldade na tarefa, o professor, a sorte ou o azar (Barros, 1996). Por sua vez a expectativa de fracasso remete-nos para situaes perdurveis de feedback aluno-professor ou aluno-tarefa pautado por reduzido desempenho (insucesso) e alta percepo da sua no controlabilidade (Almeida, 1998, p. 67). A escola a que mais alimenta e proporciona estas expectativas porque onde se valoriza mais o desempenho do aluno. O aluno normalmente confrontado com situaes de insucesso e que ao mesmo tempo se v retratado com as atitudes e comportamento do professor tende a desenvolver expectativas de fracasso em relao ao futuro (Faria, 1995). O aluno vai desenvolvendo imagens de si em termos das suas capacidades e possibilidades de realizao escolar. Tais imagens vo dando origem quilo que os psiclogos designam por autoconceito, podendo nele incluir-se a auto-estima, a auto-imagem e outras concepes que o sujeito formule acerca de si prprio e das suas interaces com os outros (Veiga, 1996, p. 42). Alunos com um elevado autoconceito investem mais nos estudos, o sucesso motiva-os e reforam a sua aprendizagem. Pelo contrrio, alunos com um baixo autoconceito apresentam comportamentos menos adequados e no investem nas aprendizagens (Almeida, 1998). A persistncia das dificuldades para a escolares criana pode ter o consequncias adolescente,

vincadamente

negativas

quer

quer

para

nomeadamente ao nvel da diminuio da estima de si, no desenvolvimento de um conceito de si prprio negativo, na construo de sentimentos de inferioridade, a tendncia para o abandono escolar e, posteriormente problemas de insero scio profissional e problemas econmicos (Santiago et al., 1994). A vivncia do insucesso escolar frequentemente sentida pela criana como uma ameaa, como um perigo interior, como uma fonte de sofrimento de que

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necessita defender-se (Muniz, 1989). A inadaptao da personalidade da criana s exigncias escolares um factor importante no insucesso escolar (Gall, 1978). Quer se considere a varivel inteligncia, mtodos de estudo, conhecimentos prvios ou percepes pessoais, a relao destas com o sucesso escolar essencialmente correlacional. Ou seja, se cada uma influencia o (in) sucesso escolar, este por sua vez contribui para o seu desenvolvimento. As consequncias de uma reforam a outra. Nas situaes de (in) sucesso escolar afigura-se como fundamental quebrar este ciclo. Quanto teoria dos dotes, Plaisance (1978) afirma: em vez de considerar seriamente as condies reais em que se efectuam as aprendizagens escolares, muitos autores procuram descobrir nas crianas que chumbam, determinadas particularidades de funcionamento psicolgico, ou psico-fisiolgico. Procuram-se particularidades na organizao gestual, na lateralizao, na reproduo de figuras rtmicas, etc. Nesta profuso de factores possveis, nesta pulverizao de fenmenos, seria verdadeiramente de espantar, se no se encontrasse qualquer pequena perturbao, qualquer desregulao menor, que sero rapidamente inscritas como ponto de partida de uma engrenagem patolgica que se supe resultar na dificuldade escolar considerada (cit. Benavente & Correia, 1980, p. 11). A teoria dos dotes foi progressivamente relativizada. A partir da dcada de sessenta uma perspectiva alternativa ganha relevncia e a equao do (in) insucesso altera-se de forma significativa.

Dimenso sociolgica / Condies sociais

Na procura de uma explicao que no se centrasse apenas nas caractersticas individuais dos alunos e que ao mesmo tempo procurasse dar resposta ao insucesso escolar, surge uma explicao sociolgica, visando essencialmente as classes desfavorecidas. Assim, a partir dos anos 60 e 70 desenvolve-se a teoria do handicap sociocultural (Crahay, 1999; Garca et al., 1998; Martins & Cabrita, 1991; Cherkaoui, 1979). Todos os trabalhos empricos efectuados, em Portugal ou noutros pases, referem a existncia de uma correlao positiva entre a origem social dos alunos e o seu (in) sucesso escolar (Crahay, 1999;

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Garca et al., 1998; Martins & Cabrita, 1991; Benavente & Correia, 1980; Cherkaoui, 1979). Os aspectos culturais, o nvel socioeconmico e cultural e as atitudes dos pais tm-se revelado como muito importantes. No que diz respeito aos pais o interesse e o estmulo, assim como o grau de incentivo e de interaco lingustica, tm um papel fundamental na adaptao social da criana e nos seus resultados escolares (Fonseca, 2004; Jimnez, 1997). De um modo geral, os pais tm um conjunto de expectativas em relao ao futuro dos seus filhos. Estas expectativas no so as mesmas em todas as classes sociais. No que escola diz respeito, so mais elevadas nas famlias do nvel scio econmico mdio, mdio alto ou alto. Alm de diferirem nos projectos que imaginam para os filhos, so tambm encontradas diferenas na imagem que os pais tm acerca da escola. Esta vai ser de grande relevncia na forma como a prpria criana se situar face escola, aprendizagem e importncia da mesma para si e, por consequncia, sobre o seu futuro nesta instituio (Pierre et al., 1994). A famlia modela a criana segundo as suas prticas educativas e os seus esquemas culturais. Por outro lado, determina o desenvolvimento da criana e a boa qualidade deste desenvolvimento, comprovada pela escola, traduz-se em resultados escolares (Pierre et al., 1994; Martins & Cabrita, 1991). No geral, as famlias favorecidas tem maiores possibilidades em garantir criana um desenvolvimento harmonioso e uma insero fcil nos meios exteriores como a escola. A imagem que os pais tm de si prprios, e do filho, influencia fortemente o seu desenvolvimento. Certos comportamentos que a me tem com o filho, como a sensibilidade, a aceitao, a cooperao, a capacidade para exprimir as suas emoes, so favorveis ou desfavorveis. Quando esta interaco positiva a criana mais aberta socialmente, mais independente, capaz de uma ateno suportada, mais segura nas suas experincias. Pelo contrrio, quando negativa, a criana mais ansiosa, insegura e insatisfeita (Pierre et al., 1994). As caractersticas psicolgicas dos pais tambm assinalam significativamente a adaptao das crianas sociedade, nomeadamente no ambiente escolar. A qualidade das trocas afectivas depende do equilbrio emocional vivido na famlia atravs das experincias vividas pela criana (Pierre et al., 1994). Ao estudar-se o desenvolvimento de crianas adoptadas, verificou-se que o seu quociente intelectual se modificava em funo do meio socioeconmico e 16

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cultural, o que ilustra a importncia do meio ambiente. Estes dados levam Pierre e colaboradores (1994, p. 292) a concluir que possvel afirmar-se sem risco que o desenvolvimento nasce de uma interaco entre factores genticos e ambientais . A aprendizagem efectuada nos trs primeiros anos de vida crucial para o desenvolvimento cultural, influenciando fortemente as aprendizagens escolares. A linguagem uma das primeiras aprendizagens sociais imprescindvel para desenvolver instrumentos culturais. A existncia de um ambiente autorizado favorvel ao desenvolvimento intelectual da criana, isto , uma educao num ambiente que no seja nem demasiado restritivo nem demasiado protector. A criana que obtm melhores resultados a que orientada nas suas experincias e incentivada a avaliar os seus actos. Por isso felicitada pelos seus xitos, questionada, etc. Ao contrrio, a criana que obtm piores resultados aquela em que a relao mais directiva, fornecida a resoluo dos problemas em vez de pistas, as ordens so dadas de forma imperativa, os fracassos so reprovados, levando a criana a duvidar das suas capacidades e seus xitos. Os comportamentos que os pais tm com os filhos esto directamente ligados forma como a criana se comporta em sociedade, com os seus pares, ou em situaes extra-familiares (Pierre et al., 1994). Num meio favorecido, o ambiente cultural um factor de crescimento. As crianas que tm o privilgio de se desenvolverem nele possuem uma herana preciosa. Contrariamente, num meio pobre, o ambiente cultural um factor de inibio (Charlot, et al, 1992, p.14). A tese do handicap scio-cultural desloca para fora da escola a explicao do insucesso. As causas do insucesso escolar devem ser colocadas na estrutura social ou no indivduo, mas no na escola. Neste contexto, a prpria escola no passa de um instrumento que mantm a reproduo social (Pierre et al., 1994; Bourdieu & Passeron, 1975). Outro aspecto focalizado nesta perspectiva diz respeito relao da famlia com a escola. Reconhecendo a importncia do envolvimento dos pais no contexto escolar, verifica-se que muitos professores colocam forte resistncia aos intercmbios (Epstein et al., 1997). O envolvimento das famlias com a escola varia igualmente em funo dos nveis econmicos e culturais das famlias. Diferentes autores apontam para a existncia de uma distncia muito grande entre a cultura acadmica que a escola oferece e a cultura habitual familiar e social dos grupos sociais mais desfavorecidos 17

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(Garcia et al., 1998; Gmez, 1995). Este facto explica a tnica que tem vindo a ser dada formao de pais (Jimnez, 1997). A necessidade de investir na formao dos pais apareceu associada corrente das pedagogias de compensao, com o intuito de facilitar a insero escolar de crianas oriundas de classes sociais desfavorecidas. O programa Head Start, criado na dcada de sessenta nos Estados Unidos, um exemplo paradigmtico desta corrente em que se procura compensar os efeitos de deficits culturais. Outros programas foram tambm elaborados visando os pais adolescentes e as famlias monoparentais. Estes programas surgem de vrios sectores e tm como objectivo desenvolver capacidades paternas, diminuir o isolamento, favorecer a interaco pais-criana. Levando ao sucesso de cada criana (Pierre et al., 1994). Estes programas centram-se na criana e/ou no meio mais prximo representado pela famlia. Outros adoptam uma perspectiva diferente considerando que no possvel alterar os efeitos do meio sem alterar o prprio meio e, assim, defendem uma interveno no s ao nvel do microsistema familiar, mas em todos os nveis do ecossistema (Zabalza, 1998). Um programa desenvolvido em Mons (Universidade de Mons-Hainaut em 1993) procura abarcar em simultneo o mesossistema, o exossistema e o macrossistema. Encara a anlise das interaces me-criana no decorrer de uma actividade de aprendizagem no lar microssistema contempla uma formao de professores e interveno escola famlia mesossistema anima aces de formao para organismos com centros mdicos, sociais, centros de juventude, inspeco escolar exossistema procura sensibilizar os responsveis polticos pela sade, pelos assuntos sociais, pela educao, para a importncia do problema macrossocial (Pierre et al., 1994). Outra varivel contemplada nesta perspectiva sociolgica do insucesso escolar prende-se com um conjunto de variveis relacionadas com a distncia entre a escola e a casa e os locais de residncia. A distncia, bem como a qualidade do alojamento e a vizinhana so factores igualmente condicionantes do sucesso (Formosinho, 1987). Outro factor que concorre para a diferenciao escolar, na perspectiva cultural, o nvel de escolaridade dos pais dos alunos e em particular o das mes, considerado como um dos factores que mais fortemente afecta o currculo domstico (conjunto de factores familiares que podem afectar o desenvolvimento dos alunos: tempo gasto a conversar com os filhos, tempo de apoio aos estudos, hbitos de 18

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estmulo intelectual) pelo conjunto de estmulos intelectuais e culturais que pode constituir bem como pelos efeitos de arrastamento de outros factores de enriquecimento que pode ter (CLIMACO3, 1992, pp. 22 - 3). Benavente e Correia (1980) realizaram um estudo em que procuraram analisar a relao existente entre o grau de escolarizao (habilitaes da me) e o insucesso escolar. Na amostra considerada 45% das mes eram analfabetas; 38% no possuam o 1. ciclo; 19% tinham o 1. ciclo; 11% o 2. ciclo; 6% o 3. ciclo e 7% o secundrio e finalmente 3% uma licenciatura. As crianas cujas mes tm como habilitaes mximas o 1 ciclo so as que apresentam piores resultados nos desempenhos acadmicos. Num estudo posterior, realizado no ano lectivo de 199091 pelo gabinete de estudos e planificao (Ministrio da Educao) contemplando os alunos matriculados no 1. ciclo, verificou-se que 19.82% das mes no possuam qualquer diploma; 60.71% tinham apenas o 1. ciclo ou o 2. ciclo (primrio e preparatrio); 12.78% tinham o 3. ciclo (unificado); e apenas 6.68%, curso mdio/superior. Estes dados so convergentes com os observados por Benavente e Correia (1980). O conhecimento da realidade portuguesa a este nvel importante na medida em que escola que compete cuidar da sua funo supletiva ou compensadora das condies propcias ao sucesso acadmico, sob pena de perpetuar as situaes de desvantagem (CLIMACO, 1992, p. 23). O carcter compensatrio da escola, e a possibilidade da mesma constituir uma forma de instrumento ideal para assegurar a igualdade de oportunidades, marcou a dcada de sessenta. Todas as crianas deveriam iniciar a sua escolaridade em igualdade de circunstncias tendo um tratamento igual dentro da escola (Husn, 1995). O estudo realizado nos Estados Unidos por James S. Coleman, mundialmente conhecido por Relatrio Coleman (Coleman et al., 1966), foi o primeiro estudo emprico a verificar qual o impacto na escola na criao de igualdade de oportunidades. Importava saber at que ponto, no momento de sada da escola, o aluno, qualquer que fosse a sua origem social, se encontrava suficientemente preparado e em p de igualdade com os seus colegas para enfrentar a sociedade. Coleman (1966) referiu a impossibilidade de estabelecer uma relao directa entre o

CLIMACO Observatrio da qualidade da escola: guio organizativo 1992. Documento produzido no mbito do Programa Educao Para Todos; monitorizao e prticas de avaliao das escolas. Lisboa: Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministrio da Educao.

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investimento financeiro em educao e os resultados acadmicos. As taxas de alunos sados do sistema escolar sem diploma, variam em funo do sistema organizativo da educao, dos critrios de certificao e dos diferentes investimentos financeiros mobilizados para a educao. A investigao sociolgica dos anos 70 veio a confirmar de forma sistemtica a inexistncia de uma relao de linearidade entre igualdade de oportunidades educativas e igualdade de oportunidades sociais (Canrio, Alves & Rolo, 2001). A teoria da reproduo social (Duarte, 2000; Van Haecht, 1994; Bourdieu & Passeron, 1975) procura explicar esta relao. De acordo com esta, a escola no altera, antes amplia, as distncias entre classes sociais. A escola contribui para uma legitimao da hierarquia social na qual o estrato cultural transmite aos seus filhos um capital cultural (Bourdieu, 1999; Morrow & Torres, 1997; Van Haecht, 1994) que leva ao sucesso escolar. Os alunos provenientes de meios socioculturais desfavorecidos so os mais penalizados como refere Grcio: o sistema educativo privilegia os privilegiados e os desfavorecidos no conseguem ultrapassar o insucesso escolar em que se encontram (Grcio, 1995, p. 445).

Dimenso do contexto / Condies de ensino

No se pode remeter as dificuldades de aprendizagem apenas para os alunos e o contexto social. Uma das explicaes para a problemtica do insucesso escolar surgida a partir dos anos 70 tem a ver com a prpria escola, com os mecanismos que operam no seu interior e com o seu funcionamento e organizao (Benavente & Correia, 1980). Nesta perspectiva o insucesso escolar deve ser visto como um fenmeno relacional em que esto implicados o aluno, com a sua personalidade e histria individual, situado na sua famlia e meio social; e a escola, com o seu funcionamento e organizao, os seus instrumentos pedaggicos e contedos a que os professores do vida; escola tributria da poltica educativa que lhe atribui meios e objectivos (Benavente & Correia, 1980, p. 23). As condies de ensino constituem, nesta perspectiva explicativa, uma das variveis importante no desempenho (sucesso) escolar dos alunos. A este propsito refere Almeida (1998) ser necessrio questionar o sistema, a escola e os professores quanto s suas polticas e prticas. Por exemplo, em que medida o 20

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insucesso escolar se organiza como resposta ao pedido social de marcao dos alunos e onde rapidamente as diferenas individuais desembocam em desigualdade de oportunidades ou em alternativas de estatuto e prestgio socialmente diferenciado? (p. 69). Os aspectos da organizao e exigncia curricular, as medidas de apoio e as metodologias de ensino dos professores so alguns aspectos a considerar nas condies de ensino (Almeida, 1998). Segundo este autor, quando analisamos os problemas de aprendizagem, a questo do que se ensina e dos nveis de exigncia (critrios de sucesso) exigidos (p.69) surgem naturalmente. Quanto aos contedos, sempre podemos questionar porqu uns e no outros, quanto sua sequncia e horrios das vrias disciplinas. Muitas das dificuldades derivam da falta de dilogo entre professores, da falta de planificao em conjunto, da falta de interligao de conhecimentos das vrias reas curriculares, de programas longos e no actualizados com os avanos informticos que no chegam s escolas (Almeida, 1998). A escola permanece agarrada a centralismos e critrios nacionalistas fixados que no tomam em considerao variveis locais e as especificidades culturais (Roazzi & Almeida, 1988; Formosinho, 1987). O nvel scio-cultural associado forma como est organizada a escola, sobretudo os currculos acadmicos, parecem ser os maiores responsveis pelo insucesso escolar massivo dos alunos provenientes das classes mais

desfavorecidas. A escola democrtica, ao querer uniformizar, construiu currculos universais para alunos com perfil mdio, esquecendo-se que frequentam a escola alunos de grande heterogeneidade e com grandes desigualdades scioculturais (Formosinho, 1987). Centrando-nos na realidade portuguesa, alm das questes acima referidas, os sistemas de apoio disponibilizados so escassos. Como referem vrios autores (Peixoto, 1999; Almeida, 1998) existem poucos tcnicos na rea da psicologia, da terapia da fala e assistentes sociais. Em particular os servios de psicologia e orientao, previstos na Lei de Bases do Sistema Educativo (1986) e aprovados por Decreto-lei em Maio de 1991, quase no existem nas escolas. No 1. ciclo do ensino bsico os alunos recebem pouqussimo ou nenhum apoio especfico para as dificuldades que enfrentam na aprendizagem inicial da leitura e escrita. No existe qualquer esquema de apoio exterior sala de aula que, em conjugao com o trabalho desenvolvido pelo professor, obvie desde o incio os problemas de leitura 21

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(Lopes,

2001,

p.

93).

Os

problemas

vo-se

acumulando

e

interferem

significativamente com as aprendizagens escolares em geral. As retenes so uma consequncia natural deste sistema. Ainda segundo este autor, a reprovao no resolve os problemas de aprendizagem. Quando nos anos seguintes se compara o desempenho dos alunos retidos com o dos seus pares, verifica-se que aqueles continuam a saber menos. Continua ainda este autor, referindo-se atitude de esperar para ver que enquanto se espera para ver o que acontece, perde-se a oportunidade ideal para intervir. Quanto mais cedo se intervir nos processos bsicos da aquisio da leitura e escrita, mais rapidamente se pode generalizar o conhecimento a outros processos da aprendizagem. Outro dos problemas apontados por esta corrente prende-se com as metodologias de ensino. Estas continuam a enfatizar um ensino expositivo com uma valorizao excessiva do manual escolar. Os conhecimentos da psicologia social, como sejam a aprendizagem cooperativa, o ensino de pares, a aprendizagem pela organizao de conflitos sociocognitivos, no integram a dinmica de sala de aula ou a sua organizao pedaggica (Almeida, 1998). O professor o profissional que mais oportunidade tem de observar o comportamento do aluno, no s na situao de aprendizagem, mas tambm na sua evoluo objectiva. Assim, importante que estes dominem modelos de observao sistemtica, dinmica, individualizada e colectiva. O professor tem que ter o controlo da realidade da sala de aula (Fonseca, 2004). A aprendizagem enquanto processo de construo do conhecimento apela a um papel activo do aluno. Este papel largamente determinado pelas prticas educativas de professores e de pais (Almeida, 1998). No quadro de uma definio prxima da teoria do processamento da informao, ou seja, construo do conhecimento e destrezas necessrias resoluo de problemas, a aprendizagem est mais do lado do aluno do que do professor. Neste sentido, importante que o professor assuma o papel de mediador, orientando as suas prticas de ensino como facilitador das aprendizagens. Por conseguinte, o ensino ter que ser mais planificado e mais activo por parte do professor. Na aula ter que haver mais motivao para inventariar e analisar problemas, recolher informao, levantar hipteses, procurar nova informao, verificar hipteses, estruturar a nova informao no conhecimento j adquirido aplicando a novas situaes e generalizando (Almeida, 1998). 22

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Um ensino com estas caractersticas mais exigente quer para o professor quer para o aluno. As competncias gerais e especficas tm que ser devidamente planificadas, definidas, calendarizadas e operacionalizadas (Almeida, 1998). Este ensino respeitar melhor os ritmos individuais dos alunos, aperceber-se- mais facilmente das especificidades cognitivas dos alunos, dos seus hbitos de trabalho e das motivaes em relao ao trabalho escolar (p.71). A aco do professor no pode ser, no entanto, isolada, sendo urgente a participao da escola como um todo. Deve, no entanto, pertencer ao professor a responsabilidade no planeamento curricular, aceitando-se uma maior flexibilidade nos currculos de forma a ir ao encontro das caractersticas dos alunos. Muito do insucesso escolar, refere Fonseca (2004), o espelho do insucesso social e pedaggico que no permite responder s necessidades das crianas. Vrios autores (Harris, 1968; Tanneubaum & Cohen, 1967; Austin 1963) chegaram concluso de que a varivel professor mais determinante dos resultados escolares. De um modo geral, os resultados indicam que os professores que tm melhores resultados so os que: 1) proporcionam um ensino individualizado atendendo s caractersticas e necessidades de cada criana; O ensinoaprendizagem no expositivo mas interactivo entre criana-criana, crianaprofessor, professor grande grupo, professor pequeno grupo; 2) recorrem a processos sequenciais, sistemticos e intensivos de aprendizagem. No se limitam apenas palavra mas recorrem a outros meios de comunicao (Fonseca, 2004). de salientar tambm as expectativas do professor em relao ao aluno. Rosenthal e Jacobson em 1968 introduziram o conceito de efeito Pigmalio. Segundo este, o professor constri um conjunto de expectativas em relao ao aluno funcionando de acordo com essas expectativas (Garcia et al, 1998; Lurcat, 1976). Estas expectativas so influenciadas por factores como a classe social, o aspecto fsico, os resultados de exames, o sexo, a raa, os padres de linguagem e informaes escolares (Garcia et al., 1998). A problemtica da avaliao outro aspecto central na anlise do insucesso escolar. A escola continua a focalizar a avaliao numa lgica de certificao de aquisio e de avaliao de competncias enfatizando os produtos em detrimento dos processos (Crahay, 1999). A mudana de perspectiva tem sido defendida de forma sistemtica na literatura, sendo apontada a necessidade de dar avaliao do rendimento uma perspectiva de continuidade e no apenas de avaliao final de 23

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cada perodo. Esta avaliao de continuidade engloba quer a avaliao diagnstico quer a avaliao formativa. Esta avaliao deve ser efectuada antes, durante e aps a instruo, com o objectivo de fornecer elementos sobre a eficcia do processo ensino aprendizagem (Peixoto, 1999). Tambm Grisay (1992) realizou um estudo envolvendo 275 turmas do ensino bsico (1. e 2. ciclo) e procurou caracterizar os contedos avaliados nas provas realizadas pelos alunos. Dos 5130 exerccios avaliados no primeiro ano de escolaridade, 26,7% das questes versam a leitura (descodificao e compreenso). A partir do segundo ano, ela corresponde a menos de 6%. A expresso escrita caracteriza-se por uma evoluo similar. No primeiro ano, 12,4% das questes so-lhe dedicadas. A partir do 2. ano descem para menos de 8%. De maneira clara, so as competncias formais que vo privilegiar nas provas de exames. A partir do 2. ano so as questes da gramtica, as conjugaes e o uso da ortografia que ocupam mais de 70% das provas. Sacre (1992), atravs de um estudo sobre o tempo gasto em diferentes actividades na sala de aula, concluiu que, dos 150 professores observados, o tempo gasto em leitura muito reduzido a partir do 2. ano. Aqui mais uma vez se verifica que a nfase dada s actividades formais. como se a partir do 1. ano de escolaridade a leitura fosse dada como adquirida. Germain (1882) refere que um dos problemas do ensino est na nfase excessiva dos exerccios de gramtica. A anlise gramatical muito trabalhada em detrimento da leitura e da escrita. A questo das retenes outro aspecto sobre o qual importa reflectir. Os pais, professores e os prprios alunos tomam a reteno como um sinal claro de insucesso (Hutmacher, 1993). No contexto escolar quem decide se o aluno ou no retido so os professores. Algumas investigaes tm procurado analisar a fidelidade e validade dos critrios de reteno (Crahay, 1999). Num estudo realizado em 72 classes do 4. ano de escolaridade, atravs de um teste de competncia de Francs, a anlise dos resultados mostrou, de maneira clara, a relatividade das decises de retenes. Os alunos de uma classe escolar indicados para reteno poderiam, noutra classe, fazer a transio de ano (Crahay, 1999). Num estudo realizado em 1991 pela UNESCO em 15 pases europeus as taxas de reteno mais elevadas ocorriam em Portugal. Na maior parte dos pases a reteno ocorre nos primeiros anos de escolaridade, muito embora haja recomendaes que indicam que a reteno nos primeiros anos deve ser evitada (Crahay, 1999).

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Smith (1990) numa investigao que envolveu quarenta educadores de infncia verificou que dezasseis defendiam as retenes dos alunos com base em pressupostos de ndole maturacionista. A reteno era frequentemente justificada atravs da imaturidade do aluno. Esta imaturidade tomada como um estado do sujeito. Em alternativa construo de actividades de treino sistemtico que possibilitem a sua superao, a opo recai sobre a reteno, acreditando-se que dar tempo ao tempo a alternativa mais adequada. Num estudo sobre as causas das dificuldades dos alunos, Benavente e Correia (1980) verificaram que os professores atribuam as dificuldades escolares em primeiro lugar s deficincias e caractersticas individuais, de seguida s carncias e faltas da famlia e meio social e, por ltimo, so referidos alguns factores de disfuncionamento da instituio escolar. Apenas dois professores das 127 respostas citam ligaes natureza da instituio ou factores ligados ao professor. Conclui-se de forma inequvoca que os professores no se sentem directamente implicados nas dificuldades escolares dos seus alunos (p.73). Esta perspectiva pode ser um dos factores que dificulta a introduo de mudanas consideradas vitais no sistema educativo.

Reflexo Final

O insucesso na escola , de certa forma, o prognstico da desorganizao social. O insucesso em qualquer etapa da escolaridade amplia a probabilidade de insucesso na prpria vida. O insucesso em larga medida um factor condicionador da excluso social. Uma sociedade livre e justa tem a responsabilidade de proporcionar aos seus cidados um sistema escolar no qual o sucesso escolar possvel. O insucesso escolar no um problema meramente educacional. um problema social, cultural e at econmico (Crahay, 1999). Mais do que nunca, o insucesso escolar gera o insucesso social, o mesmo dizer, uma vida de insegurana, de marginalizao e de dependncia dos mecanismos da assistncia social. (). Este traduz por sua vez a incapacidade do sistema educativo em assegurar uma verdadeira igualdade de oportunidades. A dificuldade em compatibilizar uma educao de qualidade com uma educao para todos, capaz de assegurar a cada um uma parte activa na sociedade (EURYDICE, 1995, p. 49). 25

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A mundializao e a competitividade da economia assenta cada vez mais numa mo-de-obra especializada, qualificada, capaz de se adaptar rpida evoluo das tecnologias e de constantemente se actualizar quer ao nvel dos conhecimentos quer de competncias (EURYDICE, 1995), o que exige da escola uma mudana nas suas prticas educativas. Os contributos das diferentes teorias tm sido de grande importncia ao longo dos tempos (EURYDICE, 1995), levando progressivamente a mudanas, no sentido quer de compreender quer de intervir no insucesso escolar. A escola actualmente perspectivada como o principal agente de transformao do aluno. Esta viso pressiona aquela no sentido de se tornar mais eficaz. Entendendo-se que uma escola eficaz na medida em que concretiza o que, partida, se props realizar (Madaus et al., 1980, p. 66). Nesta perspectiva a escola deve contribuir para o sucesso a todos os alunos sem excepo. Alguns factores aparecem como determinantes para uma escola de sucesso. Um primeiro grupo integra as chamadas variveis de estrutura. Nestas incluem-se a gesto centrada na escola, a direco da escola, a estabilidade do pessoal, a gesto dos programas curriculares, a imagem de escola de sucesso e a optimizao do tempo dedicado s actividades de apoio. Um segundo grupo contempla as variveis de processo relacionadas com aspectos, tais como auscultao e relao com o pessoal, sentido comunitrio, clareza de objectivos (EURYDICE, 1995). A escola no pode continuar a segregar uma percentagem elevada da sua populao. necessrio que se criem centros de recursos pedaggicos para estas crianas, com professores especializados, a fim de diagnosticar e superar os problemas de aprendizagem. igualmente importante que a escola estabelea objectivos curriculares, mtodos educacionais alternativos e introduza mudanas na organizao pedaggica atravs de horrios que facilitem aces e recursos e intervenes pedaggicas a tempo parcial (Fonseca, 2004). Paralelamente s mudanas que so requeridas escola igualmente importante atender formao dos pais. Os programas de interveno com os pais geram efeitos positivos directos, como a melhoria do processo da educao, e indirectos em variveis como a autoestima ou ainda um desenvolvimento acrescido (Pierre et al., 1994). No mbito das polticas estruturais, quanto s estratgias de interveno para combater o insucesso escolar/abandono escolar ao nvel da comunidade europeia (relatrio da comunidade europeia, 1992) preconiza-se: a) generalizar o ensino pr26

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escolar considerado como fundamental para o sucesso educativo; b) tornar o horrio flexvel, tendo em ateno a comunidade onde est inserida a escola; c) adequar o ritmo escolar, sendo fundamental atender s necessidades de cada criana; d) reduzir as rupturas entre os vrios ciclos, obrigando-se a diminuir os momentos de seleco; e) facilitar as aprendizagens bsicas, investir nas competncias bsicas de leitura, escrita e clculo; f) utilizar novos equipamentos e mtodos pedaggicos, no sentido de atender individualidade de cada aluno; g) recorrer a novos sistemas de avaliao, que atendam aquisio de competncias, implicando o aluno na sua avaliao e respeitando o seu ritmo e estilo de aprendizagem; h) disponibilizar apoio na orientao vocacional; Este mesmo relatrio aponta para estratgias de interveno no mbito da escola, docente, famlia e aluno, de que se destacam: uma melhor articulao com o ambiente envolvente; a responsabilizao de todos os intervenientes no processo educativo; o aumento da autonomia da escola no que concerne a planificao dos programas e mtodos de estudo; a implementao do projecto de escola; o incremento da cooperao com a famlia; o recurso mais alargado pedagogia de projecto. Embora a escola no possa superar todas as limitaes, nomeadamente as que decorrem de limites individuais ou de handicaps scioculturais, ela deve ser capaz de construir respostas que permitam lidar eficazmente com essas situaes (Peixoto, 1999). No estudo que nos propomos relacionar procuramos aprofundar o efeito que a varivel leitura tem no sucesso escolar. Embora reconhecendo que o sucesso escolar um fenmeno complexo e multideterminado, a seleco desta varivel justifica-se pela relevncia que a leitura assume no processo de aprendizagem. Existe um reconhecimento alargado da importncia da leitura na aprendizagem escolar.

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CAPTULO IICOMPREENSO LEITORA: CONCEITO E PROCESSOS

Conceito de compreenso leitoraA compreenso leitora um factor muito valorizado no contexto educativo, uma vez que as aprendizagens escolares dependem em larga medida da capacidade em interpretar material impresso. Diferentes propostas tm sido efectuadas com o fim de definir o conceito. Da reviso efectuada constatamos que na definio do conceito os autores se centram quer na finalidade O que ?, quer na especificao dos processos que so requeridos Em que consiste?. No primeiro lado encontramos um conjunto de autores (Santos, 2000; Citoler, 1996) que sugerem no s o que a compreenso mas tambm o que no . Como exemplo refira-se a definio proposta por Citoler (1996). Para a autora Ler no se reduz a decodificar palavras, mas sobretudo significa compreender a mensagem escrita de um texto (p. 107). Nesta definio a autora separa dois conceitos associados na leitura: a descodificao e a compreenso. Nesta mesma linha, situase Santos (2000) para quem ler consiste em descodificar a linguagem, expressa em sinais grficos convencionais, extraindo deles um significado. Ler compreender (p. 28

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22). Entender a compreenso como a finalidade principal de leitura traduz uma perspectiva que tem um consenso alargado entre os autores (Lopes, 2001, Citoler, 1996, Cooper, 1990). Assim, a descodificao vista como uma condio necessria mas no suficiente compreenso sendo que a finalidade da leitura (e da sua aprendizagem) compreender e no descodificar. A ltima entendida como um meio de alcanar a primeira. Esta relao explica o facto de algumas crianas serem capazes de ler adequadamente, ou seja descodificarem, mas no serem capazes de extrair os significados do texto. Diferentes autores (Lencastre, 2003; Sol, 2001, 1992; Sanchez, 1993; Cooper, 1990; Smith, 1988; Perfetti, 1985; Anderson & Pearson, 1984) acrescentam um outro elemento importante definio e compreenso do conceito e que remete para o papel do leitor. A compreenso entendida como um processo de construo activa, pelo que o leitor no se limita a desempenhar um papel de simples receptor de informao. Outro aspecto a reter na definio do conceito prende-se com o reconhecimento de que associados compreenso esto diferentes processos. Nesta linha encontram-se as definies de Barlett (1932) para quem a compreenso leitora requer um esforo da procura do significado que supe uma construo activa e o recurso a diferentes estratgias. Estes processos incluem: a) a identificao de palavras e o recurso aos conhecimentos prvios (Sanchez, 1993; Cooper, 1990, 1986) b) a recuperao da informao da memria a longo prazo (Citoler, 1996; Snchez, 1993, 1990, 1988; Carr & Levy, 1990; Oakhill & Garnham, 1978). Nesta linha, Citoler (1996) define compreenso como o produto de um processo regulado pelo leitor em que se produz uma interaco entre a informao armazenada em sua memria e a que o texto lhe proporciona (p.108). Este conceito tambm partilhado por Lencaster (1994) para quem a compreenso encarada como um processo cognitivo complexo que requer a interveno do sistema de memria, de processos de codificao e de operaes inferenciais baseadas no conhecimento prvio e em factores situacionais (p.149). Por sua vez Catal (2001) sugere igualmente que compreender um texto significa construir o seu significado, elaborando um modelo mental que se enriquece a partir das novas informaes contrastadas com os conhecimentos activados na memria a longo prazo (p. 28). Johnson (1982) refere que a compreenso a

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construo de ligaes entre o novo e o j conhecido, o estabelecimento de uma relao entre o que se espera do mundo e o que se encontra na mente do leitor. Outra dimenso presente nas definies prende-se com a interaco textoleitor. Autores como Cooper (1986) referem que a base da compreenso a interaco entre o leitor e o texto. No processo de compreenso o leitor relaciona a informao apresentada pelo autor com a informao armazenada na sua memria (p. 18). Em sntese, e sem procurar um redicionismo excessivo, a anlise das definies revistas sugere algum consenso (o papel activo, a finalidade) mas tambm alguma especificidade na definio do conceito. Assim, os autores podem ou no incorporar na definio os factores associados compreenso e/ou os processos inseridos na mesma. Estes ltimos pontos tm suscitado o desenvolvimento de inmeras investigaes que procuram por um lado clarificar os processos presentes durante a compreenso de um texto e por outro identificar e descrever os factores que influenciam a compreenso leitora. As duas linhas convergem nalguns pontos, apresentando-se algumas variveis exactas quer enquanto processos quer enquanto factores. Considerando estas duas linhas, apresentamos, de seguida, uma reviso dos processos fundamentais, presentes na compreenso leitora e como se articulam eles num todo permitindo a extraco do significado.

Processos da compreenso na leituraOs processos de leitura referem-se aos recursos e s habilidades essenciais para abordar o texto, ou seja desenvolver as actividades cognitivas durante a leitura. importante referir que estes processos, que se realizam a diferentes nveis, no so sequenciais mas simultneos. H processos que se dirigem para a compreenso dos elementos da frase, outros para a busca de coerncia entre as frases, outros ainda tm como funo construir um modelo mental do texto ou uma viso de conjunto que permitir ao leitor captar os elementos essenciais e levantar hipteses em seguida, integrar o texto nos seus conhecimentos anteriores. Por

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ltimo outros processos servem para gerir a compreenso (Giasson 1993; Irwin 1986). A relevncia dos processos cognitivos na compreenso dos textos , igualmente, acentuada por Catal (2001). Segundo este, para compreender o significado de um texto necessrio conhecer os processos cognitivos que entram em jogo. Estes processos so as operaes que intervm sobre as estruturas cognitivas, trocando-as e modificando-as para construir uma representao mental coerente do texto. Entre os diversos investigadores tem sido admitida uma srie de processos subjacentes compreenso leitora. Dessa investigao so referidos a microestrutura, a macroestrutura, a superestructura, a construo de um modelo mental e a autorregulao (Adrin, 2002; Catal, 2001; Citoler, 1996). Na mesma linha encontramos Irwin (1986) que prope uma classificao que distingue cinco grandes categorias de processos, que por sua vez se dividem em componentes. Os microprocessos servem para compreender uma informao contida numa frase. Nestes incluem-se as componentes de reconhecimento de palavras, leitura de grupos de palavras e microsseleco. Os processos de integrao, que permitem a elaborao de ligaes entre as proposies ou as frases. Incluem as componentes como a utilizao de referentes, a utilizao de conectores e as inferncias baseadas em esquemas. Os macroprocessos orientamse para a compreenso global do texto, para as conexes que permitem fazer do texto um todo coerente. As componentes incluem: a identificao das ideias principais, o resumo e a utilizao de estrutura do texto. Os processos de elaborao permitem aos leitores ir para alm do texto, efectuar inferncias no efectuadas pelo autor incluindo as previses, imagens mentais, resposta efectiva, ligao com os conhecimentos e raciocnio. Finalmente, os processos

metacognitivos gerem a compreenso e permitem ao leitor adaptarem-se ao texto e situao. Incluem as componentes de identificao da perda de compreenso e reparao da perda de compreenso. De seguida, apresentamos uma descrio detalhada dos diferentes processos bem como das diferentes componentes a eles associados.

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MicroprocessosOs microprocessos permitem compreender a informao contida numa frase. Para que a informao seja compreendida indispensvel que o sujeito reconhea as palavras escritas, saiba agrup-las em unidades significativas e seleccionar os elementos da frase que so importantes reter (microsseleco). Neste sentido, o leitor tem de, em primeiro lugar, ser capaz de efectuar o reconhecimento de palavras (Adrin, 2002; Catal, 2001; Giasson, 1993; Irwin, 1986).

O reconhecimento de palavras

Nesta componente, os bons leitores reconhecem rapidamente as palavras atravs da automatizao do processo de reconhecimento. Esta automatizao importante pois liberta energia para processos a nveis superiores que necessitam de mais ateno consciente (Morais, 1997; Citoler, 1996; Orasanu & Penney, 1986). Da, a importncia do reconhecimento automtico das palavras. No confronto com o texto impresso, o leitor descobre: a) palavras conhecidas quer a nvel oral quer de escrita, encontra-as o leitor na maior parte dos textos, b) palavras conhecidas a nvel oral mas cuja escrita desconhecida e, c) palavras no conhecidas quer a nvel oral quer escrito, as palavras desconhecidas da oralidade e da escrita (Catal, 2001; Smith, 1999; Giasson, 1993; Irwin, 1986). Esta diversidade obriga a que o leitor disponha de diferentes estratgias de leitura de palavras. Na literatura, estas tm sido referidas como leitura via fonolgica e via ortogrfica (Citoler, 1996). Na via sublxica, indirecta ou fonolgica, a descodificao das palavras feita com base na aplicao da converso das palavras em sons mediante a aplicao das regras de correspondncia fonema grafema. Na via lxica, directa, visual, a descodificao implica um reconhecimento global e imediato das palavras que j foram processadas anteriormente e que esto armazenadas no lxico do leitor. O leitor competente reconhece a maior parte das palavras que encontra. Recorre sobretudo via lxica durante a leitura. O recurso via fonolgica ocorre quando se confronta com palavras no conhecidas ou com pseudopalavras. Por sua vez, os leitores principiantes, ou com dificuldades na aprendizagem da leitura e 32

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escrita, recorrem de forma sistemtica via fonolgica. A evoluo do processo de aprendizagem da leitura deve ocorrer no sentido do recurso sistemtico via lxica (Giasson, 1993). Alguns investigadores (Catal, 2001; Lopes, 2001) distinguem na leitura processos automticos e processos controlados. As crianas inicialmente tm de aprender a descodificar de forma controlada, mais tarde fazem-no de forma inconsciente e automtica. Esta mudana permite-lhes canalizar o tempo e energia gastos inicialmente na descodificao para a compreenso. H que dominar a descodificao para iniciar-se na aprendizagem da compreenso. Nesta etapa necessrio, segundo Catal e Sol (2001) dotar a criana com um conjunto de meios que lhe permitam utilizar de forma controlada e consciente as estratgias de compreenso. A relao entre a capacidade de ler palavras isoladas e a compreenso leitora discutida por Alliende e Condemarn (1987). De acordo com estes autores, a descodificao uma das operaes parciais da leitura e no deve ser confundida com a totalidade do processo. Numa anlise do conceito de descodificao apontam duas asseres para o conceito. Uma primeira relaciona a descodificao com a capacidade para identificar um signo grfico por um nome ou por um som dentro dos processos da leitura. Contudo a aquisio desta competncia no assegura que o sujeito seja capaz de ler as palavras. Para ilustrar esta relao, estes autores apontam para o conhecimento do alfabeto grego. Embora muitos sujeitos sejam capazes de reconhecer e nomear as letras no significa que sejam capazes de ler as palavras escritas em grego. Vega e colaboradores (1990) defendem uma posio semelhante, salientando que este processamento no suficiente, pois ler no s decifrar sons a partir de pautas visuais. Numa segunda assero, Alliende e Condemarn (1987) relacionam a descodificao como a capacidade de transformar os signos escritos em linguagem oral. Aqueles autores reflectem igualmente sobre o impacto da leitura de palavras na compreenso. O facto de os sujeitos serem capazes de ler palavras isoladas no suficiente para assegurar que sejam capazes de compreender um texto. Na tentativa de chegar leitura da palavra, o leitor principiante, para alm da descodificao, pode utilizar indcios fornecidos pela sintaxe, pelo sentido (Hall, 1991) e pelas ilustraes, para identificar uma palavra. Estes diferentes indcios no devem ser considerados rivais ou incompatveis. necessrio ensinar a utilizar o 33

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contexto e a descodificao. O leitor eficaz serve-se da combinao destes indcios. Um outro modo de possibilitar que as crianas reconheam automaticamente palavras o ensino global do vocabulrio (Giasson, 1993). Spear-Swerling e Sternberg (1996) desenvolveram um modelo no qual a leitura conceptualizada como um processo desenvolvimental que requer determinados processos cognitivos que mudam ao longo do tempo. Os leitores comeam por fazer o reconhecimento de palavras por pistas visuais. Estes leitores so designados por leitores no-alfabticos. Caracteriza-se por possuir um nvel muito baixo de compreenso da leitura e de reconhecimento de palavras. No reconhecimento de palavras por via fontica a criana utiliza parcialmente a via fonolgica para reconhecer palavras. Designam-se neste caso, leitores

compensatrios. De uma forma genrica caracterizam-se por possurem um baixo nvel de compreenso da leitura e de reconhecimento de palavras. Os leitores automatizados fazem um reconhecimento controlado de palavras, recorrem a pistas fonticas e ortogrficas no reconhecimento de palavras mas sem automatizao, possuindo um reconhecimento preciso mas no-automtico de palavras. Estas crianas continuam a ter problemas de compreenso. Os leitores atrasados so capazes de efectuar um reconhecimento de palavras comuns de forma exacta e automtica, mas continuam a demonstrar problemas de compreenso. Na leitura estratgica a criana utiliza rotineiramente estratgias que a auxiliam na compreenso. Estes leitores so denominados leitores sub-ptimos, demonstrando ainda poucos progressos nos nveis superiores de compreenso. Por ltimo, na leitura adulta proficiente o indivduo possui competncias de compreenso de nvel superior. medida que os nveis de leitura aumentam regista-se um incremento na capacidade de compreenso. O reconhecimento de palavras sustenta o processo central do acto complexo que a leitura. Se os processos de reconhecimento de palavras no activarem depressa a entrada lexical adequada e criarem uma representao fonolgica de qualidade suficiente para manter a palavra identificada na memria de trabalho, os processos de compreenso no tero os materiais em bruto para trabalhar eficazmente e a compreenso do texto ficar comprometida (Spear-Swerling & Sternberg, 1996). A questo de saber se existe ou no extraco de significado simultnea descodificao ou se primeiro h uma descodificao sendo posteriormente extrado 34

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o significado uma questo que actualmente se encontra em aberto e parece gerar controvrsia entre os autores (Brito, 2002). Sendo a identificao das palavras um processo especfico da leitura e uma condio necessria para que se realize a leitura, no condio suficiente para a realizao de uma leitura competente. Se o leitor se deixar ficar apenas pela identificao das palavras sem levar a cabo a integrao semntica do conjunto das palavras e das frases, a leitura de pouco lhe servir. No entanto bvio que se no efectuar a descodificao das palavras, dificilmente poder levar a cabo os processos de compreenso (Citoler, 1996; Ferreira & Palcio, 1990). Uma vez que a identificao das palavras no assegura de per si a compreenso do texto, o treino na identificao das palavras deve ser sempre considerado uma etapa transitria do reconhecimento imediato, que constituir uma habilidade importante dos microprocessos (Santos, 2002; Giasson, 1993; Irwin, 1986).

Leitura de grupos de palavras

A leitura de grupos de palavras uma segunda habilidade dos microprocessos, que consiste em utilizar os indcios sintcticos para identificar na frase os elementos ligados entre si pelo sentido e que formam uma subunidade. O agrupamento dos elementos de significao permite uma leitura fluida, sem esforo. A leitura de grupos de palavras um processo bsico utilizado pelos bons leitores (Allington, 1983; OShea & Sindelar, 1983; Screiber, 1980). Apesar do leitor compreender todas as palavras individualmente, necessita de organizar a informao para que o sentido global seja captado. A leitura de grupos de palavras importante para uma leitura eficaz exigindo a participao activa do leitor (Giasson, 1996; Irwin, 1986). No sentido de compreender o papel da leitura de grupos de palavras necessrio explicar a importncia das noes de memria a curto e a longo prazo (Smith, 1999 e 1975). Durante uma actividade de leitura as informaes so em primeiro lugar retidas na memria a curto prazo enquanto so tratadas. Como a memria a curto prazo tem uma capacidade limitada, a informao apenas pode ser retida momentaneamente. S h duas sadas para a informao que entra na memria a curto prazo: ou tratada em unidades de sentido e transferida para a 35

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memria a longo prazo ou esquecida. Se entra uma nova informao, enquanto a que l est ainda est a ser tratada, o contedo da ltima perde-se (Giasson, 1993). A memria a curto prazo pode reter entre cinco a sete unidades de informao em cada instante. Os agrupamentos de palavras so tratados como uma unidade de informao. Assim, um leitor que soletra com dificuldade apenas reter quatro ou cinco palavras de cada vez na memria, o que torna mais difcil a procura de significao. Por outro lado, um leitor que leia grupos de palavras reter na memria mais elementos (5 grupos de 4 palavras = 20 palavras) para encontrar uma significao que ser transferida para a memria a longo prazo (Giasson, 1993). O reconhecimento das palavras ou grupo de palavras, o passar do significante ao significado que assegura a recuperao na memria a longo prazo dos conhecimentos associados s palavras ou grupos das palavras identificadas, a compreenso morfo-sintctica reconhecimento dos tempos verbais, da pontuao, do lugar que ocupam as palavras, etc. que assegura um primeiro tratamento do texto, a relao dos significados entre si, inferida a partir dos conectores, so factores importantes no processo de compreenso leitora (Catal, 2001). Garcia (1995) aponta para o papel do conhecimento gramatical do leitor na compreenso. A leitura um conjunto muito complexo e elaborado, de carcter criativo, em que o sujeito pe em marcha todos os conhecimentos prvios incluindo o gramatical. A importncia deste conhecimento gramatical relativamente consensual na literatura (Adrin, 2002; Morais, 1997; Citoler, 1996). A explicao da relevncia deste conhecimento apresentada por Vega e colab