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Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao XXXIV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Recife, PE 2 a 6 de setembro de 2011
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Comunicao e culturas hbridas: as reconverses culturais na cermica figurativa popular1
Jos Carlos de Mlo e SILVA2 Maria Salett Tauk SANTOS3
Universidade Rural de Pernambuco, Recife, PE
RESUMO
O presente trabalho analisa o processo de hibridao cultural na cermica figurativa do Alto do Moura em Caruaru, Pernambuco. Buscou-se analisar as peas figurativas de cermica como sistema de comunicao plstica de uma cultura popular, observando as estratgias de reconverso cultural que os artistas promovem para sobreviver em seu relacionamento com a cultura massiva contempornea. Como procedimentos metodolgicos foram adotadas tcnicas etnogrficas, histria oral e anlise da imagem fotogrfica.
PALAVRAS-CHAVE: culturas populares, hibridizao, reconverso cultural, cermica figurativa. TEXTO DO TRABALHO
O objetivo deste estudo analisar o processo de hibridao cultural na cermica
figurativa do Alto do Moura em Caruaru, Pernambuco. Buscou-se analisar as peas
figurativas de cermica como sistema de comunicao plstica de uma cultura popular,
observando as estratgias de reconverso cultural que os artistas promovem para
sobreviver em seu relacionamento com a cultura massiva contempornea.
Para Canclini (1996), o termo hibridizao o que melhor abrange as diversas
mesclas interculturais que marcam a contemporaneidade. Ele toma emprestado o termo
das cincias biolgicas para dar conta dos entrelaamentos entre o tradicional e o
moderno, entre o culto, o popular e o massivo, haja vista que termos como mestiagem
e sincretismo j foram usados antes para designar processos de misturas de raas e
religies, respectivamente, porm sem dar conta de outros tipos de mesclas culturais
Para compreender as culturas populares como culturas hbridas necessrio
compreender a forma que agem essas culturas no estgio atual do capitalismo
1 Trabalho apresentado no GP Comunicao e Desenvolvimento Regional e Local do XI Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicao, evento componente do XXXIV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao. 2 Mestre em Extenso Rural e Desenvolvimento Local pela Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE, email: [email protected] 3 Doutora em Comunicao pela Universidade de So Paulo ECA/USP e professora do Programa Extenso Rural e Desenvolvimento Local pela Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE, email: [email protected]
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contemporneo. Nesse sentido, o popular caracteriza-se pela relao desigual de acessos
a bens de consumo culturais e econmicos. As culturas populares tm que ser
compreendidas nas relaes que mantm com a cultura hegemnica. Nesse sentido, o
popular tende a reconverter os cdigos de sua cultura nos cdigos da cultura
contempornea, para se fazer participar, ter acesso e ser considerado includo.
Assim Canclini (1981, p. 43) define como sendo as culturas populares o
resultado de uma apropriao desigual do capital cultural e de bens econmicos por
parte dos setores subalternos de uma nao ou etnia, as quais realizam uma elaborao
especfica das suas condies de vida atravs de uma interao conflitiva com os setores
hegemnicos.
Tauk-Santos (2001, p. 245) defende que, nas culturas populares o processo de
hibridizao no se trata de simples incorporao das propostas da cultura massiva, mas
sim de estratgias de reconverso econmica e simblica intencionais, para se inserir
nas condies do mercado massivo.
A hibridao segundo a teoria defendida por Canclini (2006, p. XXII) funde
estruturas ou prticas sociais discretas para gerar novas estruturas e novas prticas
atravs da reconverso. A reconverso uma forma de hibridao que envolve
processos que, segundo Tauk-Santos (2001, p. 253), se constroem na relao da cultura
massiva e das culturas populares atravs do consumo, e pode acontecer de forma
espontnea, quando ocorre de modo no planejado ou resultado imprevisto de
processos migratrios, tursticos e de intercmbio econmico ou comunicacional.
(CANCLINI, 2006, p. XXII). J a reconverso forada ou intencional, explica Cunha
(2003, p. 31) acontece quando o sujeito se v diante de uma circunstncia crucial, onde
tem de reconverter seus cdigos culturais em funo da sua prpria sobrevivncia.
Canclini (2006, p. XXII) postula que atravs desse processo busca-se reconverter um
patrimnio (uma fbrica, uma capacitao profissional, um conjunto de saberes e
tcnicas) para reinseri-lo em novas condies de produo e mercado.
Os processos de hibridizao freqentemente surgem da criatividade individual
e coletiva, e no s se restringe s artes, mas tambm s prticas do cotidiano e quelas
voltadas ao desenvolvimento tecnolgico. Essas reconverses so encontradas tambm
nos setores populares:
os migrantes camponeses que adaptam seus saberes para trabalhar e consumir na cidade ou que vinculam seu artesanato a usos modernos para interessar compradores urbanos; os operrios que reformulam sua cultura de trabalho ante as novas tecnologias produtivas; os movimentos indgenas que reinserem suas
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demandas na poltica transnacional ou em um discurso ecolgico e aprendem a comunic-las por rdio, televiso e internet. (CANCLINI, 2006, p. XXII).
PROCESSO METODOLGICO
Esta pesquisa constituiu-se num estudo de caso e utilizou-se, como tcnicas de
coletas de dados a observao direta, a histria oral com entrevista gravada, anlise da
imagem atravs da fotografia e tcnicas etnogrficas. Fez-se uso de tcnicas
etnogrficas para buscar conhecer o cotidiano e as relaes sociais e familiares entre o
grupo estudado, que revelaram as prticas culturais e at mesmo a relao dos artistas-
artesos com a cultura massiva. Gonzlez (1995, p. 12) ressalta a importncia da
etnografia no trabalho de campo:
o trabalho de etnogrfico de campo fundamentalmente consiste em realizar uma descrio detalhada da cotidianidade das relaes do grupo de pretendemos analisar. Na realidade, essa descrio um acmulo de pequenas observaes que ao serem integradas constroem uma representao das relaes entre as prticas, espaos, tempos, objetos e atores envolvidos nas rotinas da vida familiar. (GONZALEZ, 1995, p. 12).
A observao direta foi realizada no momento que ocorreram as visitas ao local
escolhido para o estudo de caso. Como afirma Yin (2005, p. 119 120), partindo-se do
princpio de que os fenmenos de interesse no so puramente de carter histrico,
encontrar-se-o disponveis para observao alguns comportamentos ou condies
ambientais relevantes. Essas observaes servem como outra fonte de evidncias em um
estudo de caso. Nesse sentido, fez-se pertinente observao in loco, nos atelis onde
os artistas-atesos produzem suas peas e na suas residncias para conhecer seu
cotidiano e suas condies de produo, visto que as reconverses culturais no
acontecem dissociadas da realidade e do cotidiano dos artistas populares.
Nas visitas in loco foram fotografadas as ruas e residncias, as peas, os artitas-
atesos, gravaram-se as entrevistas, conversou-se informalmente, buscou-se conhecer
mais intimamente o local. Para esse estudo formam escolhidos trs artistas-artesos
pelas suas relevncias como pertencentes constituintes da famlia de Z Caboclo.
Buscou-se fazer uma amostra que envolveu comparativo atravs das geraes, pai, filho
e neto, a fim de se averiguar as reconverses entre o popular e o massivo. Entrevistou-se
como representante da primeira gerao Manoel Eudcio Rodrigues, nascido em 1931,
cunhado, amigo e companheiro de mtier de Jos Antnio da Silva (Z Caboclo), da
segunda representante foi Marliete Rodrigues da Silva, de 1957, filha de Z Caboclo,
que se destaca pela produo de peas em miniatura e por ser conhecida mundialmente,
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e para a terceira gerao Evandro Paes Rodrigues, de 1980, filho de Horcio Rodrigues
filho mais novo de Z Caboclo.
Outra tcnica utilizada no estudo de caso foi a histria oral que, segundo
Haguete (1987, p. 83), uma tcnica de coleta de dados baseada no depoimento oral,
gravado, obtido atravs da interao entre o especialista e o entrevistado, ator social ou
testemunha de acontecimentos relevantes para a compreenso da sociedade. Ela se
apresenta como uma ferramenta adequada para coleta de dados desta pesquisa a fim de
preencher a lacuna existente a respeito do tema. Utilizou-se tambm fotografia como
registro etnogrfico.
O ALTO DO MOURA: O RURAL MESCLADO COM O URBANO
O Alto do Moura um bairro rural da cidade de Caruaru, distante sete
quilmetros da sede municipal, que surgiu de um povoado que habitava as margens do
Rio Ipojuca por volta de 1850. Devido a li