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1 COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E RELAÇÕES PÚBLICAS Coordenação: Profa. Dra. Cleusa Scrofernecker ([email protected]) Mesa Temática 1: COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL Coordenação: Dr. Lidiane Ramirez Amorim (PUCRS/Rede Marista) As Múltiplas inteligências e a Comunicação nas Organizações 1 Boanerges B. LOPES FILHO 2 Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF Resumo: Estrutura-se a reflexão deste trabalho a partir da Teoria das Inteligências Múltiplas e de que maneiras elas podem impulsionar o cérebro - e a mente - e gerar produtos, ideias, comportamentos, relacionamentos e aspectos simbólicos na vida cotidiana de empresas e instituições. Questionamentos: O que a observação dos diferentes perfis de inteligências das pessoas pode resultar para os ambientes? De que maneira a compreensão simbólica pode estimular o agir das pessoas nas organizações? Como a teoria das IM pode impulsionar ações comunicativas nas empresas? Palavras-chave: Inteligências múltiplas; cérebro; organizações; comunicação Introdução No momento em que as organizações se fragmentam diante de um cenário onde se acentua a fusão de formas sociais, a separação entre poder e política, a interseção entre mídias, os relacionamentos fluidos e as incertezas endêmicas, o tema da inteligência parece aproximar as ideias de alguns pensadores influentes na contemporaneidade. Para Morin (), por toda parte ensinam-se os conhecimentos, em nenhum lugar se ensina o que é conhecimento, enquanto um número cada vez maior de investigações começa a penetrar nessa zona, a mais misteriosa entre todas, a do cérebro e da mente humanos. De acordo com Lipovetsky (), a sociedade hipermoderna baseia-se no cognitivo. É uma economia do conhecimento. O capital-inteligência é que agrega valor. O conhecimento é o patrimônio decisivo da nossa época. Investir no saber é a regra do presente e do futuro. Investir no saber não é despesa, mas uma exigência da 1 Texto completo da comunicação oral apresentada no GP Relações Públicas e Comunicação Organizacional, do XIII SEMINÁRIO INTERNACIONAL DA COMUNICAÇÃO PUCRS 2015 2 Jornalista e professor universitário. Pós-doutorado pelo Programa Capes/PNPD/PPG-UEPG, Mestre em Comunicação pela UMESP e Doutor em Comunicação pela UFRJ. Autor de livros, professor e coordenador do curso de Especialização em Comunicação Empresarial pela UFJF e professor do Programa de Mestrado em Comunicação da mesma instituição. [email protected]

COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E RELAÇÕES PÚBLICAS … · de que maneiras elas podem impulsionar o cérebro - e ... estimular o agir das pessoas nas organizações? Como a teoria

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COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E RELAÇÕES PÚBLICAS Coordenação: Profa. Dra. Cleusa Scrofernecker ([email protected])

Mesa Temática 1: COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

Coordenação: Dr. Lidiane Ramirez Amorim (PUCRS/Rede Marista)

As Múltiplas inteligências e a Comunicação nas Organizações 1

Boanerges B. LOPES FILHO2

Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF

Resumo: Estrutura-se a reflexão deste trabalho a partir da Teoria das Inteligências Múltiplas e

de que maneiras elas podem impulsionar o cérebro - e a mente - e gerar produtos, ideias,

comportamentos, relacionamentos e aspectos simbólicos na vida cotidiana de empresas e

instituições. Questionamentos: O que a observação dos diferentes perfis de inteligências das

pessoas pode resultar para os ambientes? De que maneira a compreensão simbólica pode

estimular o agir das pessoas nas organizações? Como a teoria das IM pode impulsionar ações

comunicativas nas empresas?

Palavras-chave: Inteligências múltiplas; cérebro; organizações; comunicação

Introdução

No momento em que as organizações se fragmentam diante de um cenário onde se acentua a

fusão de formas sociais, a separação entre poder e política, a interseção entre mídias, os

relacionamentos fluidos e as incertezas endêmicas, o tema da inteligência parece aproximar as

ideias de alguns pensadores influentes na contemporaneidade. Para Morin (), por toda parte

ensinam-se os conhecimentos, em nenhum lugar se ensina o que é conhecimento, enquanto um

número cada vez maior de investigações começa a penetrar nessa zona, a mais misteriosa entre

todas, a do cérebro e da mente humanos. De acordo com Lipovetsky (), a sociedade

hipermoderna baseia-se no cognitivo. É uma economia do conhecimento. O capital-inteligência

é que agrega valor. O conhecimento é o patrimônio decisivo da nossa época. Investir no saber é

a regra do presente e do futuro. Investir no saber não é despesa, mas uma exigência da

1 Texto completo da comunicação oral apresentada no GP Relações Públicas e Comunicação Organizacional, do XIII

SEMINÁRIO INTERNACIONAL DA COMUNICAÇÃO – PUCRS 2015 2 Jornalista e professor universitário. Pós-doutorado pelo Programa Capes/PNPD/PPG-UEPG, Mestre em Comunicação pela

UMESP e Doutor em Comunicação pela UFRJ. Autor de livros, professor e coordenador do curso de Especialização em

Comunicação Empresarial pela UFJF e professor do Programa de Mestrado em Comunicação da mesma instituição.

[email protected]

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inovação. Tudo passa pela inteligência dos homens. Segundo a professora na área de Educação

da USP, Isabel Petraglia (2013), enfrentamos uma policrise, no que há de mais inédito e

inusitado em seu conceito de transformação e em sua dimensão individual e coletiva. Ou seja:

ao mesmo tempo em que é traduzida nas identidades pessoais, que se constroem

gradativamente e, a cada dia, a crise também é social, cultural, econômica e política, e é

fortemente perceptível no cotidiano globalizado do mundo, que anseia por uma nova

perspectiva, ainda não detectada, mas, já desordenada e confusa. No atual contexto planetário –

enfatiza Petraglia – os valores estão pulverizados e o mundo das ideias requer uma reforma. O

físico e filósofo Marc Halévy (2010), define a história da humanidade marcada por ciclos e em

desenvolvimento através de uma espiral irregular que corta eixos ou fases (ruptura, ascensão,

auge e declínio), aponta para uma nova paisagem humana, fundada sobre novos valores,

marcos, modos de vida e prioridades e garante que é uma época de ruptura. O ritmo

desenfreado das inovações e as organizações em rede flexíveis e fluidas superam em todo o

mundo as pesadas e graves hierarquias piramidais e a rápida obsolescência dos saberes,

produtos e tecnologias caracterizam um panorama denso, complexo e qualificado, cheio de

significados e ressignificados em escala global. Para Halévy define-se uma revolução noética

(do grego noos: espírito, inteligência, conhecimento), onde além das coisas materiais é preciso

estar atento aos valores do espírito e cuidar dos aspectos cerebrais. Por exemplo, cada cérebro

ativo possui algo em torno de 86 bilhões de neurônios, sendo que um neurônio médio conecta-

se com mil outros espalhados pelo cérebro, levando um cérebro adulto a conter algo em torno

de 100 trilhões de conexões neuronais distintas. Se compararmos, há algo na ordem de 40

bilhões de páginas na web com uma média de dez links por página – o que significa que dentro

de nossos crânios existem redes de alta densidade e muitas ordens de magnitude maior que toda

a internet. Com isso, é importante gerar estímulos capazes de promover mais plasticidade no

intuito de adotar novas configurações, promover o que o Johnson (2003) define como “Borda

do caos” – zona fértil entre o excesso de ordem e o excesso de anarquia – e assim, estimular a

criação de novas possibilidades, imagens e mitos, estimular posturas preparadas para mudanças

e altamente resilientes. Ou, o que William James já prenunciava ao afirmar que em vez de

pensamentos de coisas concretas seguindo-se pacientemente uns aos outros, temos os mais

abruptos atalhos e transições de uma ideia para outra, as mais refinadas abstrações e distinções,

as mais inauditas combinações de elementos, um caldeirão fervilhante de ideias, em que tudo

está chiando e se agitando num estado de desnorteante atividade, em que parcerias podem ser

estabelecidas ou rompidas num instante, a rotina monótona é desconhecida e o inesperado

parece ser a única lei.

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As correntes teóricas sobre inteligência

O conceito de inteligência contém elementos relativos que acabam dificultando sua definição.

Se, por exemplo, para os habitantes da Nova Guiné, ser inteligente significa saber diferenciar os

nomes de mais de dez mil tribos, para os habitantes das Ilhas Carolinas a melhor indicação de

inteligência tem a ver com a possibilidade de ser capaz de navegar qualquer embarcação sob a

influência das estrelas. Independente do leque de definições que existem, alguns atributos

permeiam boa parte daquilo que se conhece a respeito do processo de inteligência e envolvem

aspectos como adaptação aos ambientes, aprendizado pelas experiências vividas, exploração de

novas situações com raciocínio e enfrentar situações novas e resolvê-las. Dentre as origens

temos do latim intellectus , de intelligere = inteligir, entender, compreender. Composto

de íntus = dentro e légere = recolher, escolher, ler (cfr. intendere). Ainda do latim intelligentia,

de inteligens = inteligente. E ainda intelecção: intus legere actionem = ler dentro da ação,

compreender dentro. Ou seja, basicamente podemos afirmar que a inteligência é a capacidade

mental de raciocinar, planejar, resolver problemas, abstrair ideias, compreender linguagens e

aprender. Praticamente, nos séculos XIX e XX, acreditou-se que a inteligência era algo que

podia ser facilmente medido, determinado e comparado através de testes, como o famoso teste

de QI. Com o tempo pesquisadores começaram a notar que havia alguns casos de pessoas que

obtinham resultados medíocres nos testes de QI, mas que se davam bem na vida pois eram

disciplinadas, persistentes e carismáticas. Sternberg, Spearman e Thurstone são responsáveis

pelos estudos contemporâneos de inteligência, mas coube a Gardner (2010) a partir de seu

projeto Zero, iniciado em 1979, na Holanda, a dar o salto qualitativo para que passássemos a

uma nova perspectiva onde as inteligências tornaram-se plurais.

As múltiplas inteligências de Gardner

As inteligências devem ser empregadas para gerar produtos ou ideias dentro de contextos

culturais e em organizações é o que afirma o psicólogo Howard Gardner, enfatizando também

que as inteligências dos indivíduos são recursos a ser desenvolvidos no intuito de proporcionar

contribuições que beneficiem não apenas pessoas, isoladamente, mas sim comunidades amplas.

Gardner (2007) é responsável pelo conceito de “Inteligências Múltiplas”, difundido a partir dos

anos 1980 e que hoje está presente em diversas escolas e empresas pelo mundo afora. Com a

Teoria das Inteligências Múltiplas (TIM), a inteligência deixa de ser vista como algo

unidimensional e restrito. Desponta como uma alternativa para o conceito de inteligência como

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capacidade inata, geral e única, que permite aos indivíduos uma performance, maior ou menor,

em qualquer área de atuação. Gardner ajuda a redefinir inteligência à luz das origens biológicas

da habilidade para resolver problemas. Da avaliação das atuações de diferentes profissionais em

diversas culturas, e do repertório de habilidades dos seres humanos na busca de soluções,

culturalmente apropriadas, para os seus problemas, Gardner trabalhou na “contramão”, em um

sentido inverso ao suposto desenvolvimento, retroagindo para eventualmente chegar às

inteligências que deram origem a tais realizações.

Em seus estudos, Gardner apresenta ideias em que os seres humanos são capazes de

desenvolver, pelo menos, nove diferentes modos de conhecer o mundo, ou seja, os humanos

normais possuem, pelo menos, nove inteligências. De acordo com sua concepção, podemos

conhecer o mundo através da linguagem, da análise lógico-matemática, da representação

espacial, do pensamento musical, do uso do corpo ou de partes dele para resolver problemas ou

para fazer coisas, de uma compreensão de outros indivíduos e de uma compreensão de nós

mesmos, bem como de uma compreensão da natureza ou da nossa existência como seres

conscientes. E ainda somos capazes de refletirmos sobre nossa existência. Gardner afirma ainda

que nas situações culturais são utilizadas mais do que uma inteligência e, em alguns casos ao

mesmo tempo. Nada pode ser feito através do exercício de uma única inteligência, garante.

Gardner diz também que todas as inteligências são parte da herança genética humana, e se

manifestam nas crianças em algum nível básico, independentemente da educação ou do apoio

cultural. Assim, para Gardner, os seres humanos possuem certas capacidades essenciais em

cada uma das inteligências. Utilizando uma analogia com um quebra-cabeça, onde diferentes

imagens e formas se ajustam para compor uma imagem geral - e não por que todas as peças

tenham uma imagem ou forma idênticas - podemos afirmar que no mundo do trabalho, a

maioria das pessoas trabalha em relação à atuação de outras e as equipes eficazes são

construídas com base na complementaridade de recursos e habilidades de diversos profissionais

e não em um grupo de indivíduos idênticos. Por conta disso, observar e reconhecer as

interações entre inteligências de indivíduos e grupos torna-se algo imprescindível para o

funcionamento de qualquer estrutura organizacional. De acordo com Gardner, o cultivo das

inteligências pode levar organizações à processos interessantes de criatividade e de

transformações. Interessante vislumbrar a partir do estudo das inteligências a possibilidade de

um olhar diferenciado e não convencional além de alternativo ao lógico-racional. Tentar

entender uma condição de conhecimento humano fornecido pelos órgãos dos sentidos, pelas

emoções, e pela capacidade que temos de produzir um juízo estético pode conduzir a novas

formas de investigação e proporcionar algumas indagações como: Por que algo nos envolve?

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Por que nos proporciona sentimento de prazer? Por que nos agrada ou nos causa repugnância?

Por que de nossas escolhas ou decisões? Essa compreensão estética impulsionada pelas

múltiplas inteligências pode nos levar a momentos intrigantes e desafiadores no que diz

respeito às interações e estabelecer novas fronteiras de ideias, de pontes diferenciadas de

raciocínio ou ousadamente proporcionar a descoberta de novos paradigmas para as

comunicações nas organizações.

Considerações finais

O que importa é como extrair o máximo da inteligência coletiva existente em cada grupamento

social, destaca Gardner. Existem em desenvolvimento alguns modelos circulares em ambientes

organizacionais que podem remeter metaforicamente aos modelos celulares. Uma organização

que assim funciona permite a formação de uma unidade estrutural básica relacionada com ou

semelhante a um ser vivo e de enorme complexidade. Cientistas dizem que instruções contidas

no DNA da célula ocupariam algo em torno de mil livros de 600 páginas cada um. Cada célula

é um mundo repleto de até 200 trilhões de diminutos grupos de átomos. O nozinho do DNA –

um quinto do mais ínfimo grão de poeira – tem informações em seus três bilhões de pares-bases

capazes de encher duzentas listas telefônicas de quinhentas páginas cada uma. Se todas as

cópias de DNA contidas nos cem trilhões de células do corpo humano fossem atadas umas às

outras, teriam comprimento equivalente a 1300 vezes a distância da Terra ao Sol. É um

processo altamente estimulante, já que bastante intuitivo e tácito. Foge do paradigma da

pirâmide hierárquica e avança para os fluxos de energia. Faz parte de um processo dinâmico.

Não é uma receita acabada. Trata-se de uma forma de pensar e agir que passa por

transformações de acordo com impulsos internos (cerebrais) e externos (ações e processos

comunicativos). Quando uma empresa é compreendida como um organismo vivo e consegue

ser eficaz na construção de pontes existenciais com os indivíduos e grupos que nela trabalham e

que com ela interagem, ela ganha características orgânicas, isto é, características de seres vivos.

Sócrates dizia que sem pensar na vida não valia a pena viver. As implicações para a prática

organizacional em um modelo assim constituído pode facilitar a implementação de mudanças

nas tarefas e nos contextos, a superação e administração dos limites críticos e áreas de

interdependência e o desenvolvimento de respostas operacionais e estratégias adequadas, além

de outras possibilidades.

Acredito que o caminho associativo entre as inteligências múltiplas pode ser interessante para

fomentar ambientes organizacionais a também proporcionarem a Identificação das percepções.

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Voltando-se cada vez mais para as possibilidades cognitivas. Precisamos ampliar os estudos

relacionados ao cérebro, a mente e o comportamento das pessoas, observar as contribuições

significativas que estão sendo oferecidas nos últimos anos pelas neurociências. Normalmente

estamos conscientes de uma quantidade bastante limitada de tudo que somos capazes de

experimentar e acabamos não aproveitando integralmente nossas habilidades. Precisamos

trabalhar melhor nossa atenção seletiva. Entender que as pessoas têm seus canais de

comunicação preferenciais com os quais se entendem melhor com o mundo. Envolvem sons,

falas, melodias, cores, formas, e principalmente aspectos cinestésicos como sensações e

sentimentos. As organizações contemporâneas devem estar atentas para transformar

informações sensoriais em percepções significativas. A diversidade de canais, quando bem

observada e utilizada, pode se transformar na prática, em cores mais harmoniosas nos

ambientes e em publicações empresariais atraentes; setores bem constituídos e distribuídos;

posicionamentos mais agradáveis e respeitosos; atendimento acolhedor; apelos emocionais bem

dosados; etc. Precisamos estabelecer novos olhares que avancem e se constituam para além do

simples comunicar. Ao estimularmos as inteligências levamos as pessoas a atos de

corresponsabilidade, reciprocidade, on-board, contexto, engajamento e reconhecimento. Talvez

a definição de Maturana (2010) para inteligência consiga sintetizar a importância de se atentar

para o assunto nas estruturas organizacionais. Segundo ele, a Inteligência é a capacidade

fundamental de plasticidade, de tal modo que podemos participar de vários domínios de

consensualidade e nos mover livremente de um domínio consensual ao outro com expansão do

próprio domínio consensual.

Referências

ANTUNES, Celso. As inteligências múltiplas e seus estímulos (16ªed.). SP: Papirus, 2010.

A.OLIVEIRA, Marco. A face oculta da empresa. RJ: Senac, 2009.

DAMÁSIO, António. O mistério da consciência. SP: Cia das Letras, 2015.

DORNELLES, Geni de Sales. Metagestão, a arte do diálogo nas organizações. SP: Editora

Saraiva, 2006.

GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas ao redor do mundo. Porto Alegre: Artmed,

2010.

__________________ Inteligências Múltiplas – A teoria na prática. Porto Alegre: Artmed,

1995.

__________________ Cinco mentes para o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.

GOLDBERG. Elkhonon. O Paradoxo da Sabedoria. SP: Melhoramentos, 2006.

HALÉVY, Marc (2010). A era do conhecimento - princípios e reflexões sobre a revolução

noética no século XXI. SP: Editora Unesp.

LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A estetização do mundo: Viver na era do capitalismo

artista. SP: Cia das Letras, 2015.

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MADSBJERG, Christian; RASMUSSEN, Mikkel B. A filosofia nos negócios. SP: Campus,

2014.

MALDONATO, Mauro. A subversão do ser. SP: Edições Sesc, 2014

MANES, Facundo; MATEO, Niro. Usar o cérebro. SP: Planeta, 2015.

MATURANA, Humberto R.;VARELA, Francisco J. (2010). A árvore do conhecimento. SP:

Palas Athena.

MORIN, Edgar. Ensinar a viver: Manifesto para mudar a Educação. RS: Editora Sulina,

2015.

OLIVARES, Inês Cozzo; SITA, Mauricio. Manual de Múltiplas Inteligências. SP: Editora

SerMais, 2013.

PETRAGLIA, Isabel.(2013). Pensamento complexo e educação. SP: LF Editorial.

RIPLEY, Amanda. As crianças mais inteligentes do mundo. SP: Três Estrelas, 2014.

SOLOMON, Robert C. Fiéis às nossas emoções. SP: Civilização Brasileira, 2015.

STEVEN, Johnson. Como chegamos aqui. SP: Zahar, 2015.

STRATI, Antonio. Organização e estética. SP: FGV, 2007.

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Mesa 2: COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL

Coordenação: Profª Dr. Cleusa Maria Andrade Scroferneker

Visibilidade e vigilância das organizações nas redes sociais digitais

Dra. Eugenia Mariano da Rocha Barichello

Universidade Federal de Santa Maria

E-mail: [email protected]

Ma. Daiane Scheid

Universidade Federal de Santa Maria

E-mail: [email protected]

Ma. Elizabeth Huber Moreira

Universidade de Santa Cruz do Sul

E-mail: [email protected]

RESUMO

Refletimos sobre as noções de visibilidade e vigilância aplicadas às redes sociais digitais no

ambiente organizacional. No contexto em que as tecnologias de comunicação afetam as práticas

sociais, discutimos os fenômenos de visibilidade e vigilância nas redes sociais digitais e seu

caráter estratégico para as organizações. Assim, apontamos questionamentos que norteiam

nossos estudos a respeito do tema.

Palavras-chave: visibilidade; vigilância; redes sociais digitais; comunicação organizacional.

PALAVRAS INICIAIS

Iniciamos nossa reflexão apresentando os conceitos de visibilidade e vigilância e

propostas para o seu entendimento no contexto das mídias digitais. Em seguida, refletimos

sobre esses fenômenos no âmbito da comunicação organizacional. O texto não pretende

apresentar respostas sobre o tema, busca trazê-lo à tona para o debate e expor algumas questões

que nos têm interessado.

CONCEITOS NORTEADORES

A noção de visibilidade que utilizamos está embasada nas proposições de Foucault

(1987). Para o filósofo o saber se constitui na relação entre o visível e o enunciável e ao visí\vel

entendemos que corresponde o modo como algo é iluminado ou como está disposto.

Interpretando os textos de Foucault, Deleuze (2005) destaca que as visibilidades não são

formas de objetos, mas formas de luminosidade. Segundo ele, as visibilidades não são

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imediatamente vistas, “elas são até mesmo invisíveis enquanto permanecemos nos objetos, nas

coisas ou nas qualidades sensíveis, sem nos alçarmos até a condição que as abre” (DELEUZE,

2005, p. 66). Assim, compreendemos que a visibilidade não está nos objetos, mas no processo

que torna os objetos visíveis (ou invisíveis). Nas palavras de Bruno (2013, p.15) “um regime de

visibilidade consiste, antes, não tanto no que é visto, mas no que torna possível o que se vê”.

A visibilidade, enquanto um regime de luz, como aponta Deleuze (2005), não possui

uma forma única, ganhando contornos particulares em determinados momentos da história.

Nesse sentido, enfatizamos a relação da visibilidade com as tecnologias disponíveis em cada

época, que ajudam a constituir a arquitetura desses espaços de visibilidade, visto que “as

visibilidades são inseparáveis das máquinas” (DELEUZE 2005, p. 67).

A partir desse entendimento, situamos a mídia como espaço de visibilidade. Nesse

contexto, destacamos a noção de visibilidade midiática constituída pelo conjunto de emissões

das mídias em suas diversas modalidades (MAIA, 2004). Essa visibilidade contempla

diferentes tipos de mídia, com formatos distintos de organização, funcionamento e

regulamentação.

Por conseguinte, as tecnologias da comunicação viabilizam também novos espaços de

visibilidade, com lógicas e arquiteturas próprias. Nossa compreensão é reforçada por

Thompson (2008, p. 20) quando afirma que “o desenvolvimento dos meios cria novos campos

de ação e interação que envolvem diferentes formas de visualidade e nos quais as relações de

poder podem alterar-se rapidamente, dramaticamente e tomando caminhos imprevisíveis”.

Thompson (2008) observa que o surgimento de uma nova visibilidade está relacionado a

novas maneiras de agir e interagir trazidas com a mídia. Segundo o autor: “O desenvolvimento

das mídias comunicacionais trouxe, desse modo, uma nova forma de visibilidade – ou, para ser

mais preciso - novas formas de visibilidade cujas características específicas variam de um meio

para outro” (THOMPSON, 2008, p. 21).

O pesquisador destaca:

O nascimento da internet e de outras tecnologias digitais amplificou a importância das

novas formas de visibilidade criadas pela mídia e, ao mesmo tempo, tornou-as mais

complexas. Elas aumentaram o fluxo de conteúdo audiovisual nas redes de

comunicação e permitiram que um número maior de indivíduos criasse e disseminasse

esse tipo de conteúdo. Além disso, dada a natureza da internet, é muito mais difícil

controlar o fluxo de conteúdo simbólico dentro dela e, dessa forma, muito mais difícil

para aqueles que estão no poder se assegurarem de que as imagens disponíveis aos

indivíduos são as que eles gostariam de ver circulando (THOMPSON, 2008, p. 23).

Mediante esta afirmação, atentamos para a especificidade das mídias sociais digitais -

enquanto espaços de interação dos indivíduos -, no que diz respeito tanto à sua atuação na

emissão, quanto na recepção de conteúdos numa situação de comunicação. Nesse sentido,

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Bruno (2013) afirma que as redes sociais digitais e plataformas de produção e

compartilhamento de conteúdo trazem novos vetores aos processos de visibilidade. Segundo a

autora, ao mesmo tempo em que, nesse cenário, as possibilidades de expressão são

potencializadas, a captura dos dados de usuários nessas plataformas se torna cada vez mais

frequente, configurando um tipo de vigilância.

Visibilidade e vigilância são termos que se encontram imbricados no pensamento do

filósofo Michel Foucault. Em sua análise sobre o exercício do poder durante a Modernidade, o

pensador diz que nesse período histórico houve uma mudança na estratégia da visibilidade. Até

então, era o brilho do poder que se mostrava em toda sua opulência e sua força. O poder do

soberano precisa se fazer visível para ratificar seu poderoso vigor. Durante o Absolutismo, era

a força do exercício do poder que deveria estar visível.

Na Modernidade (período que inicia no século XVIII e se estende até meados do século

XX), esta lógica se inverte e o poder deixa de ser visível. Toda a luz passa a ser colocada no

seu objeto, que são os indivíduos. O poder não quer mais ostentar a sua força e sim construir

saber sobre o outro e controlar o seu comportamento. E, para alcançar seus objetivos, o poder

municia-se de mecanismos e instrumentos de controle, conjunto denominado por Foucault

(1987) de vigilância hierárquica.

Segundo Foucault (1987), a vigilância hierárquica trata-se, portanto, de um aparato de

controle dos indivíduos, utilizado pelo poder disciplinar para adestrar comportamentos.

Pressupõe a observação, o registro (que gera saber) e o adestramento, a fim de alcançar um

modo de se comportar, individual e social, entendido como normal. A vigilância pressupõe

interferir nas possibilidades de ação do outro, para moldar o seu comportamento (FOUCAULT,

1987).

O poder disciplinar, segundo Foucault (1987), se vale do uso de três instrumentos: o

olhar hierárquico, a sanção normalizadora e o exame. O olhar hierárquico é uma forma de

exercício da vigilância que permite vigiar sem ser visto. A sanção normalizadora é o

julgamento e a punição daqueles que não se comportam de acordo com as regras. E o exame é

uma forma de controle normalizante – misto de vigilância e sanção. É ele que permite

classificar os indivíduos e puni-los.

O conceito de vigilância digital é uma atualização do conceito de vigilância,

considerando a nova configuração social marcada pela inserção das tecnologias de

comunicação. Segundo Bruno (2008, p. 169), a vigilância digital é o “monitoramento

sistemático, automatizado e a distância de ações e informações de indivíduos no ciberespaço,

com o fim de conhecer e intervir nas suas condutas ou escolhas possíveis”. Ao utilizar os

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serviços da internet – blogs, sites de redes sociais – os usuários deixam rastros que podem ser

detectados e perseguidos, algo que interessa especialmente aos governos e empresas da

iniciativa privada. Os governos buscam garantir a segurança da população contra atos de

terrorismo; já as empresas visam descobrir as preferências dos usuários a fim de oferecer

produtos, serviços ou conteúdo que os interessem, assim como detectar a circulação de

mensagens que possam prejudicar a sua reputação.

Bruno (2008, p. 154) afirma que “o dispositivo de vigilância digital tem três elementos

centrais: a informação, os bancos de dados e os perfis computacionais (profiles)”. A informação

é a matéria-prima, é sobre ela que se dá a vigilância. Os bancos de dados permitem registar a

informação, que pode ser então acessada quando necessário. E os perfis computacionais tornam

possível gerar conhecimento a partir dos dados e atuam nos “procedimentos de

individualização e produção de identidades” (BRUNO, 2008, p. 170).

VISIBILIDADE E VIGILÂNCIA NO ÂMBITO DAS ORGANIZAÇÕES

A partir dos pressupostos apresentados, cabe, agora, refletir sobre o uso das tecnologias

de visibilidade e vigilância no âmbito das organizações e da comunicação organizacional. O

contexto comunicacional tem promovido novas práticas na comunicação organizacional

(BARICHELLO, 2009) e entendemos que as ações relacionadas à vigilância e à visibilidade

nas redes sociais digitais possuem caráter estratégico para as organizações. Diante disso,

apresentamos alguns questionamentos que norteiam nossas pesquisas.

As considerações feitas anteriormente apontam para o fato de que as mídias sociais

digitais constituem espaços de visibilidade com lógicas próprias. Observamos que,

especialmente, nas redes sociais digitais, há maior autonomia das organizações e indivíduos em

tornar visíveis questões de seu interesse. Com isso, entendemos que o processo de visibilidade

das organizações, nessa ambiência midiática, constitui uma lógica complexa, que pode

envolver, nesse processo, a organização, grupos, indivíduos, enfim, diferentes atores sociais

com interesses distintos.

Assim, acreditamos que a construção da visibilidade de uma organização nas redes

sociais digitais pode envolver diversos atores sociais (individuais e coletivos) em interação e

interessa-nos entender como atuam os agentes e as lógicas envolvidas nesse processo. Ao

investigarmos a visibilidade de uma organização nas redes sociais digitais entendemos ser

necessário observar não apenas o que está iluminado, mas os processos de visibilidade, ou seja,

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não basta investigar a presença da organização nessa rede, mas também as lógicas que a

constituem.

Por exemplo, para pesquisarmos a visibilidade de uma organização no Facebook

precisamos, primeiramente, entender a estrutura desse ambiente comunicacional (tipos de

participação que possibilita, existência de filtros ou controles, durabilidade das mensagens,

dentre outros). Em seguida, devemos verificar a atuação dos principais agentes envolvidos no

processo, como a organização (conteúdo que veicula na rede, relação desse conteúdo com

outras mídias da própria organização, como site, ou de mídias externas à organização, como os

jornais), os indivíduos que com ela interagem nesse espaço (que tipo de conteúdo curtem, se e

como compartilham os conteúdos veiculados pela organização, os comentários feitos e sua

repercussão) e também as mídias (jornais, rádios, agências de notícias) com as quais a

organização se relaciona (se utilizam a rede social mantida pela organização como fonte, se

veiculam notícias sobre a organização e qual a repercussão dessas notícias frente aos indivíduos

que interagem nesse espaço, até que ponto a organização tem influência sobre que foi

veiculado na rede social mantida pelo veículo).

Com relação à vigilância, o questionamento recai sobre as formas e possibilidades que

uma organização possui para vigiar o seu ambiente digital, de modo a controlar e intervir

naquilo que é dito sobre ela em sites de rede social. A vigilância do ambiente digital por parte

das organizações é uma questão que está cada vez mais presente na realidade empresarial. As

organizações contemporâneas também se valem dos novos dispositivos de vigilância para

monitorar o que é dito sobre elas na internet. Além disso, as organizações utilizam a rede

mundial de computadores para se relacionar com seus stakeholders e garantir a sua

legitimidade e a continuidade de suas operações. A presença das organizações no ambiente on-

line demonstra ser, atualmente, não somente imperioso como inevitável, pois muitas vezes elas

são mencionadas por internautas independentemente de sua vontade ou iniciativa.

Para exercer esta vigilância, existem programas que podem ser adquiridos pelas

empresas para monitorar o que é dito sobre elas na internet. Cada vez que um internauta

menciona a empresa, a mensagem chega também para a organização que pode interagir com o

produtor do conteúdo. As empresas, percebendo a importância deste monitoramento, estão

organizando suas assessorias de comunicação para incorporar esta nova tarefa, por meio da

aquisição dos equipamentos e programas necessários e da contratação de pessoal capacitado

para realizar este monitoramento e interagir com o internauta.

13

PALAVRAS FINAIS

Procuramos, a partir da reflexão sobre práticas de visibilidade e vigilância nas redes

sociais digitais, indicar caminhos que estamos percorrendo na investigação dessas temáticas no

contexto organizacional. Assim, as considerações aqui apresentadas, não constituem ainda

resultados finais; são observações feitas a partir de nossas pesquisas em andamento, que

compartilhamos nesta breve reflexão com a intenção de aprimorar nosso olhar sobre a pesquisa.

REFERÊNCIAS

BARICHELLO, Eugenia M. Mariano da Rocha. Apontamentos sobre as estratégias de

comunicação mediadas por computador nas organizações contemporâneas. In: KUNSCH,

Margarida M. Krohling (Org.). Comunicação organizacional: histórico, fundamentos e

processos. v 1. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 337-53.

BRUNO, Fernanda. Máquinas de ser, modos de ver: vigilância, tecnologia e subjetividade.

Porto Alegre: Sulina, 2013.

BRUNO, Fernanda. Monitoramento, classificação e controle nos dispositivos de vigilância

digital. In: ANTOUN, Henrique (Org.). Web 2.0: participação e vigilância na era da

comunicação distribuída. Rio de Janeiro: Mauad x, 2008. p. 167-82.

DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2005. 6ª reimp. da 1ª ed. de 1988.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987.

MAIA, Rousiley C. M. Dos dilemas da visibilidade midiática para deliberação política. In:

LEMOS, A. et al.(orgs.). Livro da XII Compós: Mídia.br. Porto Alegre: Sulina, 2004. p. 9-

38.

THOMPSON, John B. A nova visibilidade. Revista Matrizes, n.2, abril, 2008.

14

A movimentação da memória através da comunicação digital

Fabiane Sgorla - Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos e Professora na PUCRS -

[email protected]

Denise Avancini Alves - Doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS e Professora na

PUCRS - [email protected]

Apresentação

A intensificação da presença das mídias na sociedade e os novos comportamentos

comunicacionais surgidos nesse processo têm emergido uma série de afetações em diferentes

setores do tecido social. Surgem daí novas formas de interação midiática entre produtores e

receptores, entre instituições e seus públicos e entre indivíduos entre si. Nesse ambiente de

mudanças, observamos que as formas de narrar e construir as memórias da sociedade passam a

ser registradas também em ambientes digitais (tal como as redes sociais digitais) e isso acaba

por revelar novos sentidos e trazer para a discussão novas estratégias através da comunicação

digital.

Frente a esse fenômeno, o desafio deste artigo está em descobrir como, em um

contexto de aceleração da midiatização da sociedade, a comunicação digital, que permite a

interação entre produtores e receptores, instituições/organizações e públicos, passa a ser campo

para a elaboração da memória na sociedade. Como caso empírico, destacamos a elaboração

midiática da memória singular de um produto midiático televisivo, o Jornal Nacional (JN), de

propriedade da Rede Globo de Televisão, pertencente à Globo Comunicações e Participações

S.A. O Jornal Nacional inaugurou, em 2011, um perfil na rede social digital Facebook e lá

apresenta discursos que recapitulam a sua história, a qual é atualizada e movimentada através

dos depoimentos sequenciais deixados pelos comentaristas da rede3.

Com base em uma abordagem qualitativa, bem com alguns recursos quantitativos, o

exercício tentativo é o de inquirir, em um objeto midiático, como se dá a elaboração dos

discursos em produção (do JN) e em recepção (dos comentaristas) sobre a memória do Jornal

Nacional, no sentido de perceber e refletir sobre as estratégias comunicacionais utilizadas e os

sentidos que saltam da circulação midiática que é instalada nas postagens e comentários da fan

page do JN no Facebook. Assim sendo, as postagens do programa televisivo e os comentários

3 Dados que repecurtem a pesquisa de tese de Doutorado de uma das proponetes (Fabiane Sgorla) deste artigo que

teve como título Complexificação da zona de contato na ambiência midiatizada - Um estudo da interação do

Jornal Nacional com os receptores na fan page no Facebook defendida em 2015.

15

emitidos pelos usuários da rede social e/ou receptores do telejornal são os objetos empíricos

desta análise.

Para realizar esse percurso, dividimos este documento em duas partes principais. A

primeira faz referência aos aportes da midiatização, como contexto em que o fenômeno

estudado se desenvolve, o entendimento de memória a partir da discussão da memória

institucional, a compreensão de comunicação digital na ordem de entender o ambiente de

interações possíveis em que a memória se apresenta, bem como uma aproximação com o

método de análise dos dados empírico que se realiza através da circulação midiática. No

segundo momento apresentamos a descrição e a análise de parte da Linha do Tempo da fan

page JN, de modo cronológico, na intenção de problematizar como se dá a movimentação da

memória em um ambiente midiático digital.

A midiatização, comunicação digital e memória

Atualmente, com a intensificação da convergência tecnológica e midiática,

evidenciamos uma expansão da transformação de tecnologias em meios (FAUSTO NETO,

2010) devido aos novos usos comunicacionais realizados por diferentes atores sociais, não

necessariamente ligados às instituições midiáticas. Essa ampliação se revela como uma

complexificação da midiatização da sociedade e da cultura (HJARVARD, 2014), tendo em

vista que os contatos, as interações e as relações passam a acontecer vastamente no espaço de

dispositivos midiáticos (BRAGA, 2011). A acelerada presença da mídia acaba por influenciar

comportamentos sociais de modo a afetar e perpassar toda a sociedade em um viés intenso, mas

não homogêneo e através de várias maneiras, assim como considera Verón (2001, p. 42): “A

midiatização opera através de diferentes mecanismos segundo os atores das práticas sociais, o

que afeta e produz, em cada setor, efeitos diferentes4”.

Por sua vez, se o atravessamento da midiatização atinge todos os setores sociais, o

mesmo acontece no âmbito do campo dos meios/veículos de comunicação e suas relações com

a sociedade. Na dinâmica da midiatização social que se processa hoje há um novo palco de

trabalho para os produtores e receptores, que é perceptível, sobretudo, conforme Fausto Neto

(2007), pela incidência de novas lógicas operacionais e discursivas que se realizam com base na

circulação midiática. Na avaliação dessas mudanças, Hjarvard (2014) problematiza que a

apropriação tecnológica e discursiva, bem como a habilidade em trabalhar com os mecanismos

4 Tradução livre da autora. No original: “La mediatización opera a través de mecanismos diferentes según los

actores de la practica social que afecta y produce en cada sector efectos diferentes”.

16

de mídia, têm gerado mais autonomia, tanto por parte dos produtores quanto dos receptores,

mas, ao mesmo tempo, aflora novas relações entre eles.

Essas novas relações também se revelam no encontro entre instituições e/ou

organizações e seus públicos. Lima e Oliveira (2010) entendem que à medida que a sociedade

evoluiu, ela também aprimorou suas possibilidades de interação, de modo que, o impacto da

globalização e o incremento das tecnologias digitais - que caracterizam a cultura

contemporânea - conformam novos discursos, novos modos de relacionamento social e novas

formas de representação das empresas no espaço midiático dinamizadas pelo processo de

midiatização.

Entre as mídias em que as organizações se lançam para o contato e promoção de

relacionamentos no estágio atual da midiatização estão as redes sociais digitais. Nessas redes,

as instituições e/ou organizações elaboram diferentes estratégias de comunicação digital no

intuito de se aproximar de quem já está instalado nelas. Segundo Terra (2015), os

relacionamentos nas redes sociais on-line impactam especialmente a comunicação das

organizações frente ao conteúdo informativo disseminado na internet pelos usuários, o qual

nomina como usuário-mídia, considerado como público ativo e que levanta novas questões.

A comunicação digital, no âmbito das redes sociais que, potencialmente traz à tona a

interação entre produtores através da circulação discursiva. Para problematizar essa questão

comunicacional, Verón (2007) elabora um esquema da circulação discursiva (Figura 1), tal

como esboçou em 1978. O autor reúne atores em produção e atores em recepção e propõe

expressar o sistema de produção e reconhecimento que é constitutivo desde a comunicação

humana até a relação de meios e sociedade, no ambiente atual de midiatização.

Figura 1: A circulação discursiva

Fonte: Verón (2007, p. 3).

Na leitura do esquema, observamos a constituição de um discurso (D) cuja existência e

funcionamento se materializa no contato, como consequência das operações de um conjunto de

fatores. Temos, de um lado, as referências do discurso em produção (de nichos institucionais,

17

por exemplo) que envolvem Gramática de Produção (GP), bem como, as Condições de

Produção (CP), e, do outro lado, Gramáticas de Recepção (GR) e Condições de

Reconhecimento (CR) sobre os quais se assentam as práticas dos diferentes atores sociais (GR1,

GR2, GR3, GRN).

As GP, quando examinadas e identificadas suas invariantes operacionais, podem gerar

um ideal de efeitos, o que o pesquisador chama de contratos de leitura entre produtores e

receptores, firmado pelas idealidades das instâncias em produção. Assim, o esquema levanta

questões sobre a “pouca” previsibilidade dos efeitos que produtos midiáticos, elaborados em

determinadas condições, poderiam promover certo tipo de reconhecimento, no âmbito dos

receptores. As várias condições de recepção dariam margem a outras variadas formas de se

estabelecer reconhecimento.

Na esteira da ampliação da midiatização da sociedade, das novas estratégias de

comunicação digital e do potencial de interação das redes sociais, faz-se necessário

compreender um entendimento sobre a memória. Segundo Nassar (2007), as pesquisas

desenvolvidas a partir de memórias de um indivíduo, um grupo, uma organização são narrativas

que configuram a história construída. Os pilares da memória estão em elementos que envolvem

experiências com seus públicos e singularizam a história de suas relações públicas. De tal

modo, a abordagem da memória pode impulsionar relacionamentos com os públicos,

cooperando com o sentimento de pertencimento.

Após esta breve apresentação de alguns entendimentos de midiatização, comunicação

digital no âmbito das redes sociais digitais, da abordagem de análise através da circulação

discursiva de Verón (2007) e da memória, o desafio agora é realizar uma análise desse processo

em um ambiente midiático. A análise se prende ao discurso posto em circulação pelo telejornal

Jornal Nacional e os discursos do público na ordem de elaborar sentidos que remetem a

memória.

A análise da construção midiática da memória do Jornal Nacional

Discutimos nesse tópico o processo de construção da memória em ambiente midiático

partir de um caso que se insere na comunicação digital e está contextualizado na midiatização

da sociedade. O objeto escolhido é o telejornal de Jornal Nacional, de modo especial, a sua fan

page na rede social digital Facebook. O noticiário Jornal Nacional é mantido pela Rede Globo

de Televisão e é transmitido nas características da TV aberta, em território brasileiro, de

segunda a sexta-feira, às 20h30, tendo cerca de 40 minutos de duração. Entre os telejornais

18

veiculados em televisão aberta no Brasil, o Jornal Nacional é o que está a mais tempo no ar e,

em 2015, completa 46 anos.

A análise dá conta da parte cronologicamente inicial da Linha do Tempo da fan page

do Jornal Nacional no Facebook que antecede o movimento “quase diário” ensejado pelo

telejornal. Com base na análise dos discursos em produção e dos discursos em recepção

(VERÓN, 2007), a atividade analítica acontece inspirada por vestígios que mostram a intenção

do JN de apresentar sua história, como aspecto institucional da atividade do programa.

Levamos em conta os discursos do telejornal e os receptores ou usuários e/ou telespectadores

da fan page do JN. Topograficamente, essa análise se detém às postagens e comentários

inseridos na Linha do Tempo da página do JN no Facebook que são anteriores ao ano de sua

criação (2011).

Na Linha do Tempo da fan page, o programa televisivo oferta discursos que relatam

partes selecionadas da trajetória (1969-2015) do Jornal Nacional. Encontramos 16 postagens as

quais foram inseridas no ano de 2012, em meados de março até abril e que correspondem aos

seguintes anos: 1969, 1972, 1977, 1988, 1989, 1991, 1994, 1996, 1998, 2000, 2001, 2002,

2006, 2007, 2009 e 2010.

Na observância dos discursos do telejornal notamos a descrição de um cardápio de

fatos variados relacionados à caminhada do programa, bem como sua presença em eventos

marcantes no decorrer dos anos. Para comprovar sua legitimidade como instituição relevante na

sociedade brasileira, o Jornal Nacional expõe a grandiosidade de suas coberturas jornalísticas

em postagens como, por exemplo, a relativa ao ano de 2007, que apresentou o seguinte

enunciado: [...] Em julho, aconteceu a tragédia com o Airbus da TAM, em Congonhas. William

Bonner apresentou o jornal de São Paulo, com participação, ao vivo, dos repórteres no local

do acidente. O JN revelou também que o avião pousou com um dos reversos, que ajuda a frear

a aeronave, travado. [...]

Outra marca da relação do telejornal com os fatos relacionados à sociedade é visível na

postagem referente ao ano de 2010: Logo no primeiro mês de 2010, duas tragédias: o

deslizamento de terra em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro; e o terremoto no Haiti. Em abril,

o deslizamento no Morro do Bumba, também no Rio. Também em 2010, o telejornal mostra,

em forma de retrospectiva, um vídeo de cerca de 5 minutos que pode ser acessado através de

um link remetido ao site do JN e que retoma os principais fatos narrados naquele período.

Em outra ocasião, o telejornal parece reiterar o seu histórico de credibilidade quando,

por exemplo, enfatiza, por meio da estratégia da autorreferencialidade, a sua indicação para

prêmios internacionais, tal como é o caso da postagem referente ao ano de 2001: O Jornal

19

Nacional é indicado para o Prêmio Emmy com a cobertura dos atentados de 11 de setembro

nos EUA. Ou ainda quando revela estratégias estéticas de produção do programa televisiva, tal

como mostra a postagem do ano de 1989: O Jornal Nacional estreia nova abertura e novo

cenário. Os "selos" deixam de ter moldura e passam a tomar todo o fundo do cenário.

A ênfase ao jornalista “ator” e “personagem” também é utilizada pelo telejornal para

destacar a sua memória e comprovar seu caminho para chegar até aonde chegou. Tal lógica é

manifestada a postagem relativa ao ano de 1977: Glória Maria é a primeira repórter a entrar

no ar, ao vivo. Ou na ênfase à troca de apresentadores, quando, em postagem de 1996,

observamos o discurso: [...] Cid Moreira e Sérgio Chapelin passam a bancada para William

Bonner e Lillian Witte Fibe.

Entre as 16 postagens, foi escolhida para fins de análise a segunda apresentada na

Linha do Tempo da fan page do Jornal Nacional no Facebook, de 1972, que foi publicada no

dia 29 de março de 2012, às 17h22, tal como visualizamos a seguir.

Figura 2: Imagem do segundo post do JN que resgata a memória do telejornal

Fonte: Fan page do JN no Facebook, 2012. Disponível em:

<https://www.facebook.com/jornalnacional/timeline>. Acesso em: 10 fev. 2015.

A postagem do JN é referência ao modo de operação da apresentação do programa,

por meio do anúncio da primeira mudança ocorrida na bancada, situada no ano de 1972, tal

como se observa no enunciado a seguir: Sérgio Chapelin substitui Hilton Gomes na

20

apresentação, passando a dividir a bancada do JN com Cid Moreira. Há aqui uma espécie de

“pedido de reconhecimento” de um tempo passado e se articula a partir de um discurso que

carrega consigo a credibilidade conquistada pelos apresentadores, os quais, alguns deles, até

hoje atuam na Emissora. A explicitação do tempo em que os jornalistas permaneceram na

bancada do JN relata uma estratégia de mostrar a confiança que o telejornal deposita em seus

profissionais, tal como se constata nas frases a seguir: Cid5 e Sérgio formam a dupla que por

mais tempo apresentou o Jornal Nacional. Apenas nessa primeira fase, foram 11 anos

consecutivos no ar.

No sentido de analisar os comentários (310), observamos marcas de sintomas de

“nostalgia” em relação a parte da história do JN apresentada na postagem anteriormente

referida. Muitos comentaristas mostram reconhecer a origem do telejornal, bem como a sua

presença na rede social digital e produzem um trabalho enunciativo na ordem de relacionar o

período explicitado pelo Jornal Nacional com momentos de suas vidas. Tais impressões podem

ser vistas em discursos como: Lembro de quando eu era criança !!!!!; Ainda me lembro do

Sérgio Chapelin e Cid Moreira na bancada do JN quando eu era criança. Minha mãe e minha

avó falam que quando eu tinha uns 6 meses, na hora q o JN começava, e o Cid Moreira falava

o seu tradicional BOA NOITE e transmitia as notícias, eu ficava parada olhando para a TV e

sorrindo para eles; tinha 8ou 9 anos nesta epoca, apenas 40 aninhos. q saudade deste

tempo!!!(...). Outros usuários (que não viveram naquele período e presenciaram a atividade do

telejornal) associam a história contada pelo JN com a vida de seus familiares, tal como

mostram os exemplos que seguem: LEMBREI DA MINHA VÓ; lembro que meu pai.. sempre

respondia o boa noite do Cid. Nesse caso, os comentaristas lançam indícios de estarem

reconhecendo e compreendendo que o Jornal Nacional tem uma história que antecede a sua

atividade atual na fan page.

Também é possível de observar elogios ao trabalho realizado pelos jornalistas no

telejornal, assim como se observa a partir das seguintes marcas: Duas feras inesquecíveis; Na

minha modesta opiniao foi o melho jornal já apresentado ate hoge. no meu

conhecimento..obrigado. Notamos que, ademais de elogio, está presente também a lógica de

agradecimento ao trabalho realizado pelos apresentadores e um movimento comparativo com

outras fases do telejornal. Contudo, um viés de subversão surge dos que preferem um JN de

tempos mais atuais, como se verifica no discurso: O Jornal Nacional, na minha opinião,

sempre tiveram apresentadores sensacionais,mas o casal Willian e Fatima superaram!!

5 Cid Moreira realiza participações extraordinárias na programação da Rede Globo e Sérgio Chapelin é o atual

apresentador do programa Globo Repórter, veiculado sexta-feira, às 22h30 pela Rede Globo.

21

Outros comentaristas solicitam o retorno dos apresentadores à cena do telejornal, tal

como se vê a seguir: acho que deveria ter um ESPECIAL apresentado por eles mais uma vez;

Que saudades Cid ...bem que você poderia apresentar o JN só por um dia, para matar a

saudade das suas fãs. Além da solicitação de retorno, há comentaristas que operam com a

motivação de sugerir formas de se realizar o retorno “especial”: Eu acho que deveriam fazer

participações no jormal... por exemplo, 1 dia o bonner com o cid moreira seria muito

interessante, pela história e importância dos personagens; gostaria de rever a apresentaçao do

JN no ano de 1998 com o carlos nascimento apresentando o telejornal ao lado do william

bonner. No entanto, as interações de pedido de retorno não são respondidas pelo telejornal e

nem pelos jornalistas no espaço dos comentários na fan page do JN no Facebook.

Considerações finais

A análise empírica da página do Jornal Nacional na rede social digital Facebook levanta

indícios de que esse telejornal está preocupado em ativar uma conexão com o púbico (usuário

do Facebook e/ou telespectador) para além da exposição de um discurso informacional. Ao

recuar para o passado, de modo cronológico, para construir contatos que funcionam como

pedidos de reconhecimento, o JN imprime mensagens com elementos que reacendem a sua

memória e a sua história, bem como da organização a qual se insere, na lógica de lembrar que

não tem sua origem na rede social digital, mas sim em outro meio – o televisivo. Da mesma

forma, o telejornal parece buscar “explicar” a sua memória e história para aqueles que não

acompanham na edição televisiva, mas estão presentes na rede e estabelecem contatos com o

meio televisivo por essa outra dimensão espaço-temporal.

O público presente na fan page, por sua vez, produz discursos que, em grande parte,

sublinham lógicas de observância da origem do telejornal e relacionam a história levantada

pelo noticiário com a história de suas próprias vidas. Os comentários analisados trazem à

tona lógicas de elogiosa, comparações do telejornal de tempo remotos com o que se tem hoje

me dia, expressões de nostalgia de momentos que marcaram, sinais afetos.

A partir das análises do caso podemos discutir que as novas possibilidades de contato

emergentes nos processos de comunicação digital, situados em uma sociedade em vias de

midiatização, acabam por acionar outras formas de relatar a memória. Nesse ambiente, a

memória e a história contata pelo produto midiático é penetrada para ação discursiva do

público e, desse modo, atualiza-se, se movimenta e se reconstrói a cada processo interacional

e de circulação. Surge aqui novos desafios nos estudos sobre memória, em que a narração

22

midiática é elaborada pela interpenetração de discursos de produtores, no caso aqui o JN, e o

público, numa ordem que amplia o fluxo comunicacional e emana novos sentidos que se

processam na interface. As redes sociais digitais, por sua vez, tornam-se ambientes potenciais

em que a memória é movimentada.

Referências

BRAGA, José L.. Dispositivos Interacionais. In: ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS -

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

COMUNICAÇÃO, 20., 2011, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: UFRGS. 2011. p. 1-15.

FAUSTO NETO, Antonio. As bordas da circulação. Revista ALCEU, v. 10 - n.20 - p. 55 a 69

- jan./jun. 2010.

HJARVARD, Stig. A perspectiva escandinava dos estudos da midiatização. Fronteiras -

Estudos Midiáticos, (On-line), São Leopoldo, v.16, n.3, p. 261-262, set./dez. 2014. Entrevista

concedida a Fabiane Sgorla e Daniel Pedroso.

FACEBOOK. Jornal Nacional, 2015. Disponível em: <www.facebook.com/jornalnacional>

LIMA, Fábia. P. ; OLIVEIRA, Ivone L. O discurso e a construção de sentido no contexto

organizacional midiatizado. In: MARCHIORI, Marlene. (Org.). Faces da cultura e da

comunicação organizacional. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2010, v. 2, p. 79-95.

NASSAR, Paulo. Relações públicas na construção da responsabilidade histórica e no

resgate da memória institucional das organizações. São Caetano do Sul (S): Difusão Editora,

2007. 206 p.

TERRA, Carolina. F. ; Relacionamentos nas mídias sociais (ou relações públicas digitais):

estamos falando da midiatização das relações públicas?. Revista Organicom, v. 1, p. 104-117,

2015.

VERÓN, Eliseo. Del sujeto a los actores. La semiótica abierta a las interfaces. In: BOUTAUD,

J J., VERÓN, Eliseo. Sémiotique ouverte. Itinéraires sémiotiques en communication. Paris:

Lavoisier, Hermès Science. Cap. 8 (Du sujet aux acteurs. La sémiotique ouverte aux

interfaces), 2007a. (Traducción de Gastón Cingolani, Buenos Aires, 2007).

______. El cuerpo de las imagenes. Buenos Aires: Norma, 2001.

23

Mesa 3: TENDÊNCIAS DE ESTUDOS EM COMUNICAÇÃO

ORGANIZACIONAL

Coordenação: Prof. Me. Rosângela Florczak (Doutoranda/PUCRS)

A Utilização da História na Comunicação Empresarial no RS – Análise de

livros institucionais: Ipiranga, Gerdau e Marcopolo

Christian Astigarraga Ordoque6

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Resumo

A partir da década de 80, muitos grupos empresariais brasileiros começam a resgatar,

preservar e divulgar sua História. Neste artigo procuraremos narrar como este espaço de

trabalho transdisciplinar entre História e Comunicação se estabeleceu no Brasil e no mundo.

Este artigo é parte das considerações iniciais do estudo da utilização da História como

ferramenta de comunicação de 3 grupos empresariais de origem gaúcha (Ipiranga, Gerdau e

Marcopolo) que desenvolvo no Mestrado em Comunicação da PUCRS.

Palavras Chave: História. Memória. Empresas. Ipiranga. Comunicação.

1 Introdução

Neste artigo, procuraremos traçar uma breve trajetória do setor de Memória de

Empresas no Mundo, no Brasil e como estas iniciativas se consolidaram em empresas gaúchas

que refletem as etnias consideradas tradicionalmente como formadoras do Rio Grande do Sul,

os Gaúchos nativos, os imigrantes Alemães e Italianos. Ipiranga representando os gaúchos

típicos e tradicionais da fronteira oeste, Gerdau representando os imigrantes Alemães que se

localizaram nas várzeas do Rio dos Sinos e outros rios pelo interior do Estado e a Marcopolo

representando os imigrantes Italianos que se instalaram na região serrana do Rio Grande do Sul.

Os livros que utilizaremos para análise na dissertação de mestrado são: “Uma História

de Realizações. Empresas Petróleo Ipiranga 60 anos”7, elaborado em 1997, nos 60 anos da

6 Bacharel em História e Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, email: [email protected]

24

Ipiranga; “Chama Empreendedora A história e a cultura do Grupo Gerdau”8, elaborado em

2001, nos 100 anos da Gerdau e “Marcopolo, sua viagem começa aqui”9, elaborado em 2012,

nos 63 anos da Marcopolo.

2 Memória de Empresas no Mundo e no Brasil.

Com a Revolução Industrial começa o desenvolvimento de novas máquinas com

segredos industriais que devem ser preservados e guardados pelas empresas, pois significava o

conhecimento técnico aplicado em seu negócio. As empresas que iniciam esta prática de

maneira mais sistemática são a Thyssen e Krüpp.

Nos Estados Unidos mantém-se o perfil Europeu de preservação do conhecimento

técnico e agrega o perfil administrativo de manter o conhecimento dos empregados dentro da

empresa. Na dec. de 20 as escolas de administração de empresas dos Estados Unidos, as

Business School começam a estudar biografias de empresários para saber como obtiveram

sucesso ou fracasso em seus empreendimentos como no livro “Os Magnatas”10 de Charles

Morris. A partir daí as escolas Européias e Americanas de tratamento da Memória Empresarial

vão trocando experiências e práticas através da expansão mundial do capitalismo entre os anos

pós-guerra.

Nas décadas de 80 e 90, começaram a surgir na Europa, nos Estados Unidos e também

no Brasil, as primeiras agências de historiadores especializados em projetos de memória

empresarial. São historiadores-consultores e arquivistas que deixam de trabalhar

exclusivamente nas academias para prestar serviços diretos às organizações empresariais.

Acontece também neste período a implantação e utilização dos Centros de

Documentação e Memória para auxílio na gestão das empresas como maneira de consolidar a

Gestão do Conhecimento da trajetória da empresa em seu setor econômico de atuação, no

desenvolvimento de produtos, no marketing, enfim, na relação entre seus públicos de interesse.

Atualmente, na Europa, o país onde tem tido mais interesse no estudo da Memória de

Empresas é a Espanha onde tanto a teoria Européia caracterizada mais como guarda de

segredos e práticas industriais quanto a dos Estados Unidos que visa mais a administração e a

História dos grandes capitalistas são contempladas. Em um livro chamado “Historia

7 ASSIS, Célia de; VERÍSSIMO, Luis Fernando. Empresas Petróleo Ipiranga 60 Anos. São Paulo: Editora

Prêmio, 1997. 8 ASSIS, Célia de; TEIXEIRA, Francisco M.P. Chama Empreendedora – A História e a Cultura do Grupo

Gerdau. São Paulo: Editora Prêmio, 2001. 9 BELLINI, Paulo. Marcopolo. Sua viagem começa aqui. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 10 MORRIS, Charles R. Os Magnatas. Porto Alegre: Editora L&PM, 2009.

25

Empresarial”11, são compilados vários textos de estudiosos deste momento atual com as bases

teóricas da disciplina, como escrever e divulgar a História Empresarial e as diferenças entre o

tratamento da História Empresarial em diferentes países, como o Japão, Estados Unidos,

Alemanha, Grã-Bretanha, América Latina, Espanha e Itália.

Já no Brasil, a Memória de Empresas começa a ser organizada com mais ênfase nos

anos 60, quando o capitalismo internacional começa a ser implantado de maneira mais

definitiva, pois foi o momento empresarial e industrial brasileiro onde as empresas

internacionais que já faziam este trabalho no exterior (seja de controle do conhecimento de suas

patentes/segredos industriais ou como apoio para os setores administrativos) chegaram ao

Brasil em maior número.

A publicação que é considerada o marco nesse sentido é a biografia do Conde

Matarazzo escrita pelo Sociólogo José de Souza Martins em “Conde Matarazzo - O empresário

e a empresa”12 publicado em 1976.

Os primeiros projetos de resgate da Memória de Empresas iniciaram em 1971 com a

Varig. Depois, no começo do ano de 1983 com o Bradesco e na segunda metade de 1983 com a

Ipiranga. Dessas 3 primeiras empresas, duas possuem origem no Rio Grande do Sul. Este

cuidado e prática de guarda da História pelas empresas é reconhecido e estimulado tendo uma

maior divulgação e visibilidade quando a Aberje - Associação Brasileira de Comunicação

Empresarial institui, no ano 2000, a categoria Memória Empresarial no Prêmio Aberje. Em

2003 a denominação é alterada para Responsabilidade Histórica e Memória Empresarial e

permanecendo assim até hoje. No universo corporativo e da administração de empresas, a

preservação da História localiza-se juntamente com outras iniciativas de cuidado com o público

externo ou interno que foge do foco de seu negócio, relacionamento com a comunidade, apoio

para instituições que cuidam de menores, atitudes que valorizam a ecologia, práticas que

valorizam a qualidade (como nas certificações ISO), e patrocínio/apoios culturais na

Responsabilidade Social.

3 Aproximação teórica e metodológica

Na dissertação de mestrado, pretendemos utilizar alguns conceitos que auxiliarão na

pesquisa: Conceito de Lugares de Memória de Pierre Nora13, oriundo da História; conceito de

11 ERRO, Carmen (org). Historia Empresarial. Pasado, presente y retos de futuro. Madrid: Editorial Ariel,

2003. 12 MARTINS, José de Souza. Conde Matarazzo, o empresário e a empresa: Estudo de sociologia do

desenvolvimento. São Paulo: Editora Hucitec, 1976. 13 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC-SP.

N° 10, 1993.

26

Memória Individual / Coletiva de Maurice Halbwachs14, oriundo da Sociologia, conceito de

Identidade de Stuart Hall15, oriundo da Sociologia. Para a interpretação dos 3 livros

institucionais neste estudo de comunicação comparada, pretendemos utilizar o método da

Hermenêutica de Profundidade do sociólogo John B Thompson16.

Consideramos a Hermenêutica de Profundidade de Thompson uma metodologia que

fornece boa estruturação para a análise dos 3 livros. Suas 3 fases, a Análise sócio-histórica,

Análise formal ou discursiva e por fim, a Interpretação e re-interpretação serão efetuadas

individualmente para cada publicação estudada. A Hermenêutica de Profundidade será utilizada

como método em cada uma das publicações, para o livro “Uma História de Realizações.

Empresas Petróleo Ipiranga 60 anos”; “Chama Empreendedora A história e a cultura do Grupo

Gerdau”, e “Marcopolo, sua viagem começa aqui”. Cada uma dessas publicações foram

elaboradas com produtos de comunicação em contextos econômicos / capitalistas diferentes,

com características próprias que pretendemos analisar buscando semelhanças e diferenças entre

o conteúdo do produto e a proposta de comunicação que empresa tinha como horizonte o

desenvolvê-lo.

Para tanto, pretendemos utilizar na segunda fase da Hermenêutica de Profundidade de

Thompson que é a da Análise formal ou discursiva a técnica de Análise de Conteúdo de

Laurence Bardin17.

4 Resultados Preliminares - O caso Ipiranga

O marco inicial das Empresas Petróleo Ipiranga foi a fundação da primeira Refinaria de

Petróleo do Brasil, em 7 de Setembro de 1937 na Cidade do Rio Grande (RS). Em 1953 é

inaugurada a ampliação da Refinaria que nesta época, era responsável por 22 % da produção de

combustíveis do país.

No mesmo ano é criado o monopólio estatal na exploração, produção e atividades de

refino, a lei 2004 que criava também a Petrobrás. Impedida de crescer além de sua produção, a

Ipiranga cria em 1957 a Distribuidora de Produtos de Petróleo Ipiranga (DPPI), passando a

atender o estado de Rio Grande do Sul e oeste de Santa Catarina na distribuição de

combustíveis.

14 HALBWACHS, Maurice. Memória Coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 1990. 15 HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Editora Lamparina, 2014. 16 THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação

de massa. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. 17 BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

27

Em 1959 a Ipiranga compra sua primeira multinacional, a Gulf, que atuava nos

mercados que a Ipiranga ainda não estava presente, passando de 3 para 9% no mercado

nacional, esta aquisição origina o estabelecimento da Companhia Brasileira de Petróleo

Ipiranga (CBPI) atuando em mercados que a DPPI não atendia.

O registro da História da Ipiranga de forma sistemática inicia-se em 1961 com o

informativo interno chamado “O Petrolinho”, onde funcionários contam sua trajetória dentro da

empresa e são registrados os avanços mercadológicos e tecnológicos do grupo.

Em 1962, uma edição especial de 25 anos escrita pelo seu presidente, o Eng. Francisco

Martins Bastos conta a trajetória da Ipiranga até então, atendendo a uma demanda dos

funcionários para que ele registre o que aconteceu durante a construção da Refinaria (Bastos foi

o Engenheiro que liderou a construção da Refinaria no início da década de 30). Nas festas de

final de ano da Refinaria sempre era solicitado para Bastos que contasse a História de origem

da empresa, as dificuldades iniciais de acesso, de construção em terreno de Mangue e outras

dificuldades enfrentadas no início de suas atividades. Temos como resposta a essa demanda o

livro “História da Refinaria de Petróleo Ipiranga”18.

O informativo O Petrolinho de 7 de Setembro de 1962 marca o aniversário de 25 anos

da Refinaria Ipiranga e foi escrito pelo Engº Francisco Martins Bastos, consolidando através de

um pequeno livro, suas memórias dos primeiros anos da empresa. Foi a única publicação da

empresa feita por um executivo em posição de comando que deixou sua versão da História

utilizando para isso, suas memórias pessoais.

Em outros aniversários a Ipiranga registrou sua História em publicações. No aniversário

de 30 e de 40 anos o registro se deu na Revista Ipiranga, no de 50 anos, o aniversário foi

registrado na Revista Posto Ipiranga e na Revista Nossa Gente, nos 60 anos, foi registrado na

Revista Nossa Gente, Posto Ipiranga, Relatório Anual e em um Livro Institucional.

Observamos um cuidado, uma tradição que a Ipiranga teve desde a sua fundação com o

registro e guarda de sua Memória. No ano de 1983 foi lançado e divulgado através das suas

publicações institucionais o "Projeto Memória" que teve como resultado uma série de doações

de acervo e peças raras da História da Ipiranga e da própria Cidade de Rio Grande que resultou

na criação do Museu de Rio Grande para guarda e cuidado deste acervo doado oriundo do

"Projeto Memória".

Entre 1993 e 1997 o acervo serviu para fonte de pesquisa e redação para o livro “Uma

História de Realizações. Empresas Petróleo Ipiranga 60 anos”, que consolidou um novo

18 BASTOS, Francisco Martins. História da Refinaria de Petróleo Ipiranga S/A. Rio Grande: Revista Ipiranga,

1962.

28

momento da Ipiranga. Havia comprado em 1993 a Atlantic e alcançado 19,5 % do mercado de

distribuição de combustíveis. Para a divulgação desse momento para a sociedade, criou em seu

Edifício Sede em Porto Alegre no ano de 1999 o Espaço Memória Ipiranga que foi um

memorial interativo no térreo, com bastante visibilidade tanto para o público interno

(empregados ou terceirizados) quanto para o público externo (visitantes, clientes, fornecedores,

estudantes etc).

5 Considerações Finais

Em dois momentos diferentes de sua trajetória, a Ipiranga aciona sua História. Em um

primeiro momento no ano de 1962 a empresa sediada em cidade do interior do Rio Grande do

Sul (Cidade de Rio Grande) de âmbito regional consolida sua trajetória até então através um

pequeno livro baseado nas memórias de seu Presidente nos seus primeiros 25 anos. Em 1997,

35 anos depois, a Ipiranga havia alcançado outra projeção. Era uma empresa de abrangência

nacional com sedes nas capitais dos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.

Uma nova empresa em novo contexto econômico capitalista necessitava da reafirmação de sua

História e um novo livro retratando este novo momento é feito para a comunicação para seus

públicos de relacionamento.

No desenvolvimento do trabalho de mestrado pretendemos verificar se existiu

movimento semelhante nas empresas Gerdau e Marcopolo. Buscaremos semelhanças e

diferenças neste processo de utilização da História na Comunicação destas empresas gaúchas,

efetuando um estudo de comunicação comparada tendo como foco de análise seus livros

institucionais.

Referências Bibliográficas

ASSIS, Célia de; TEIXEIRA, Francisco M.P. Chama Empreendedora – A História e a

Cultura do Grupo Gerdau. São Paulo: Editora Prêmio, 2001.

ASSIS, Célia de; VERÍSSIMO, Luis Fernando. Empresas Petróleo Ipiranga 60 Anos. São

Paulo: Editora Prêmio, 1997

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BELLINI, Paulo. Marcopolo. Sua viagem começa aqui. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

ERRO, Carmen (org). Historia Empresarial. Pasado, presente y retos de futuro. Madrid:

Editorial Ariel, 2003.

29

HALBWACHS, Maurice. Memória Coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda,

1990.

HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Editora Lamparina,

2014.

MARTINS, José de Souza. Conde Matarazzo, o empresário e a empresa: Estudo de

sociologia do desenvolvimento. São Paulo: Editora Hucitec, 1976.

MORRIS, Charles R. Os Magnatas. Porto Alegre: Editora L&PM, 2009.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São

Paulo: PUC-SP. N° 10, 1993.

THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios

de comunicação de massa. Petrópolis: Editora Vozes, 2004.

30

Comunicação Organizacional e Memória Institucional – Santa Casa POA/RS

Margareth de Oliveira Michel19

Jerusa de Oliveira MICHEL20

Cristina Geraldes da Porciúncula21

Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, RS

Resumo: O trabalho analisa os enfoques sobre a memória organizacional e como esse trabalho

é articulado: questões estratégicas de resgate e construção de memória; a emergência do

“mercado de memórias”, a relação entre a cultura e a memória organizacional, os instrumentos

utilizados. São desenvolvidas reflexões teóricas nas áreas estudadas aliadas ao estudo de caso

da Santa Casa de Misericórdia de POA.

Palavras-chave: Comunicação Organizacional e Memória Institucional

Introdução

Vivemos um tempo complexo, pois na sociedade contemporânea, muitas utopias

chegaram ao fim: a crença no futuro, na evolução da sociedade. Na abordagem de Bauman

(2001), que chama de modernidade líquida22 a época atual, as relações que na era pré-moderna

eram consideradas ‘sólidas’, tornaram-se ‘líquidas’, fluídas, voláteis, incertas e inseguras,

efêmeras. O autor refere-se ao mundo do trabalho como ‘um campo fluído, desregulamentado’,

em que as relações de trabalho são cada vez mais desgastadas, com empregos temporários,

meia jornada, empregos em que as relações de empregado-empregador (trabalhadores que são

Pessoa Jurídica) são cada vez mais complexas.

Com o advento das tecnologias, e em função das muitas e rápidas mudanças, foram

desencadeados efeitos sociais que afetaram o mundo do trabalho, dos trabalhadores e das

organizações, causando mudanças nos processos organizacionais. Relacionando a todas estas

mudanças a adoção (especialmente pelas organizações brasileiras) de diferentes correntes

filosóficas de gestão em que as transformações sociais levaram à privatizações e fusões entre

organizações, constata-se o abandono de suas referências históricas ou a pouca importância

com que foram tratadas, face ao processo cada vez mais acentuado de produção e consumo.

Essas mudanças refletiram-se no relacionamento destas com os seus públicos, uma vez que as

19 Profª do curso de Comunicação Social da UCPEL, Pelotas/RS, Mestre em Desenvolvimento Econômico e Social e Mestre em Lingüística pela UCPEL, email: [email protected] 20 Doutoranda e Mestre em Memoria Social e Patrimônio Cultural pela UFPEL. Relações Públicas da Universidade Federal de Pelotas, email: [email protected] 21 Mestre em Comunicação Social pela PUC-RS. Profª do curso de Comunicação Social da UCPEL, Pelotas, Coordenadora da Habilitação em Publicidade e Propaganda e Mestre em Comunicação Social pela PUC-RS, email: [email protected] 22 É nesta época que toda a fixidez e todos os referenciais morais da época anterior, denominada por Bauman como

modernidade sólida, são retiradas de palco para dar espaço à lógica do agora, do consumo, do gozo e da

artificialidade.

31

transformações estruturais repercutiram na identidade e na imagem organizacional. (MICHEL,

MICHEL e PORCIÚNCULA, 2013).

Nesse cenário, na visão de muitos autores, ocorre no mundo contemporâneo, uma ‘falta

de memória’, fenômeno que aponta para várias perspectivas, em muitas das quais nossa

sociedade comumente é designada ‘sociedade sem memória’. Em decorrência das muitas

atividades que cada pessoa desenvolve, há pouco ou nenhum tempo para o registro das suas

experiências e histórias de vida, pessoal, social e no trabalho.

Pode-se apontar, de acordo com os autores mencionados que há quase um consenso de

que a sociedade contemporânea é ‘uma sociedade sem memória’ seja por conta dos aparatos

tecnológicos ou em função das muitas e rápidas mudanças que ocorrem, gerando um

movimento contínuo e fluído (BAUMAN, 2001) onde pelo excesso de informações há uma

necessidade cada vez maior de dispositivos de armazenamento de informações (NORA, 2000).

Nesse contexto, desponta o interesse pela questão da memória.

Com o fim das utopias, explicitado na queda do muro de Berlim, em 1989, também

ruíram alguns ícones da modernidade: a crença no futuro, a noção de progresso e de

evolução das sociedades. O futuro se torna uma incógnita e não uma meta a ser

alcançada, o que leva a um retorno ao passado como lugar de nutrição, capaz de jogar

luzes sobre o presente. Instalada a crise do futuro, vivida numa espécie de ressaca dos

sonhos, encontramos as ruínas do passado, mas não pela perspectiva da história, que

jaz em fragmentos. A memória desponta como instrumento fundamental para a

formação de identidades nacionais e individuais, ocupando um espaço antes destinado

a outras narrativas, como ressalta Joël Candau (1998). (SANTA CRUZ, 2014, p. 179)

A memória é então considerada um instrumento que, ao permitir o resgate de algo que

pertence ao passado proporciona a preservação de informações essenciais para a experiência

individual e social, coletiva. Nela, palavras e ideias podem ser reunidas, imprimindo direções

do tempo, permitindo continuidade social e a manutenção não só dos elos sociais, mas da

“própria noção de sociedade em que as identidades individuais e coletivas, a possibilidade da

construção do conhecimento [...] pode ser considerada uma ferramenta para a construção de uma

determinada sociedade, assim como de transmissão cultural.” (CRIPPA, 2010, p. 81)

Shikida e Moura (2007) afirmam que, a memória e suas várias formas de guardar o

passado, passa a ser um saber criado e socialmente construído e constituído de vários povos,

quando o papel dos sujeitos no processo cumulativo de transformação e a mensagem

transmitida são reconhecidos.

O interesse pela temática da memória cresce cada vez mais na sociedade

contemporânea, em muitas áreas do conhecimento. Nesse trabalho, direcionamos a pesquisa

32

para a área da memória das organizações contemporâneas23, que tem despertado um interesse

cada vez maior, buscando conhecer quais as reais condições em que o trabalho com memória é

articulado: se estas buscam ampliar vantagens entendidas como estratégicas resgatando e

construindo sua memória junto a seus públicos de interesse; se são influenciadas pela

emergência do “mercado de memórias”, se existe uma relação entre a cultura e a memória

organizacional, e se há uma visão mais crítica da comunicação.

A Comunicação Organizacional e a Memória Institucional

As organizações sociais de qualquer natureza estão inseridas em ambientes altamente

competitivos, sujeitos a mudanças constantes e grandes volumes de informações que acontecem

num fluxo cada vez mais rápido e intenso. Em decorrência disso, a eficiência nos processos

organizacionais é cada vez mais valorizada e terão assegurada sua sobrevivência no mercado

aquelas organizações com diferenciais e estratégias adequadas e inovadoras. Considerando este

quadro, a comunicação é fundamental para o desenvolvimento e sobrevivência das

organizações, especialmente ao que se refere ao relacionamento com seus diversos públicos.

No Brasil os estudos sobre a Comunicação Organizacional são relativamente recentes24

e embora muitos pesquisadores se ocupem de suas diversas áreas, há um longo caminho a

percorrer. Isso se dá porque as organizações são produzidas pelos indivíduos, que são ao

mesmo tempo palco de intenso processo de mudança e de produção de imaginário individual e

organizacional. Esse, na visão de Freitas (2000), no contexto pós-moderno está articulado a um

‘simbolismo nunca visto em nenhuma outra sociedade’, e é essa dimensão que permite, no

ambiente atual pautado pela complexidade, velocidade, fragmentação dos valores e condutas

pessoais, o desenvolvimento das organizações, que ‘se colocam como referência social para

uma parcela significativa da população’. Aponta também que por serem frutos de interação

23 É importante referir que existem discussões conceituais e terminológicas relativas aos termos: memória

organizacional, memória corporativa e memória institucional, porém, nesse trabalho os termos serão considerados

sinônimos. 24 Destacam-se entre seus precursores Gaudêncio Torquato (1986; 2002), Kunsch (1986; 2003), Cahen (1990), Nassar e Figueiredo (1995), e Bueno (1995), entre outros. Historicamente, Gaudêncio Torquato (2002, p. 3-7) foi um dos estudiosos que se preocupou com o processo evolutivo da comunicação praticada pelas empresas no Brasil que apresenta contendo quatro períodos distintos: o primeiro (em 1950), com o mundo em desenvolvimento e a preocupação das empresas no ambiente interno, a ênfase maior da atividade estava no produto; o segundo (em 1960), a atividade volta-se para os consumidores - mais exigentes, e para o ambiente externo constituindo-se em um sistema híbrido entre as imagens do produto e a da organização; o terceiro (1970 e 1980), mostra a evolução para uma postura estratégica, ultrapassando o patamar tático – focado principalmente na elaboração de instrumentos e nos contatos com o governo e a imprensa, e centrando-se no posicionamento (estabelecido por Al Ries) da empresa ou da marca na mente do consumidor e numa postura mais dinâmica frente ao mercado; e por fim, o quarto (a partir de 1990), que se caracteriza por expressivas mudanças tecnológicas e pela efervescência da globalização, e uma vez consolidada a Comunicação Organizacional no Brasil, é nesse período em que surgem também os estudos relacionados à memória e ocorre o boom da cultura memorialística (HUYSSEN, 2004).

33

entre o espaço social e o temporal (produzem uma forma de representação de mundo), que as

organizações são capazes de se adaptar às mudanças ocorridas no mundo contemporâneo.

As organizações afetam muitos aspectos da vida das pessoas e a sociedade a vida dos

que estão envolvidos com as organizações. A comunicação organizacional é mais que

a transferência de informação, pois abrange um processo complexo, multidimensional

por meio do qual a organização se posiciona (PAPA et al, 2008).

Esse pensamento aponta para a comunicação como um fator fundamental para que

essa adaptação e desenvolvimento ocorram, porque a comunicação é inerente ao ser humano, e

portanto, às organizações. Scroferneker (2006) após a realização de inúmeras pesquisas na área

esclarece que a comunicação organizacional abrange todas as formas e modalidades de

comunicação utilizadas pela organização para relacionar-se e interagir com seus públicos, e

destaca que as organizações – empresas, entidades, instituições – sempre se comunicaram. A

autora vai mais longe ao afirmar que, nesse século XXI, levando em conta seus diferentes

públicos ou stakeholders e a sociedade em geral e sua dinâmica, elas são desafiadas a

desenvolver uma comunicação ainda mais consistente, especializada e interativa.

Numa perspectiva mais crítica da própria comunicação organizacional, pode-se

observar que na perspectiva funcionalista, ela é vista como um instrumento, uma ferramenta

das atividades organizacionais, constituindo o meio pelo qual os atores transmitem suas

intencionalidades discursivas (MARCHIORI, 2010), e em abordagens mais interpretativistas

(DANIELS, 1997) e mais interpretativas-simbólica (PUTNAM e CHAPMAN, 2005), a questão

de que os indivíduos tem capacidade de criar e formar sua própria realidade social por meio da

comunicação e interação. Nessa visão, é determinante que os fatores culturais impactam e

constituem a organização, e cujos significados são interpretados e divididos de forma

consensual, por meio de experiências compartilhadas, e em uma ordem negociada. Se as

organizações são instrumentos de repressão ou controle de seu ambiente e de seus públicos é

possível que existam distorções no discurso organizacional, cujas escolhas comunicativas terão

impactos sociais e políticos, repercutindo nos seus públicos de relacionamento e no seu

ambiente. (COSTA, BARROS e CELANO, 2012)

De acordo com essa visão mais crítica da comunicação organizacional, para que se

possa entender melhor o novo papel da comunicação organizacional, é importante chamar a

atenção para o fato de que existem duas perspectivas que, segundo Costa, Barros e Celano

(2012, p.9) “orientam as escolhas organizacionais no momento de decisão de como criar e

implementar as suas estratégias e ações de comunicação (DEETZ, 2005; GOSHAL e

TANURE, 2004)”. As autoras destacam que a primeira perspectiva a ser considerada refere-se

34

ao relacionamento da organização com seus públicos de interesse, baseado nas relações de

poder, no qual as organizações tem dificuldades pois:

[...] De acordo com Aktouf (1996), o próprio termo ‘comunicação’ contém,

etimologicamente, o sentido de ‘colocar em comum’, de compartilhar. No entanto, a

comunicação organizacional, tal como é conduzida, teorizada e tradicionalmente

ensinada, visa muito mais o controle e a dominação das situações e de seus públicos

do que o ‘colocar em comum’. Neste sentido, a comunicação ocorre mais em moldes

de fragmentação e anulação do que de construção de processos genuínos de

comunicação. (GOSHAL e TANURE, 2004 apud COSTA, BARROS e CELANO,

2012, p.9).

Outra perspectiva, diferente, e mais instrumentalizada, aponta para o fato de “que existe

espaço para a construção de relacionamentos mais simétricos e harmônicos entre os públicos de

interesses e o dia a dia das práticas organizacionais”. (COSTA, BARROS e CELANO, 2012,

p.9). Nessa, é possível que haja um futuro compartilhado em que públicos e organizações

possam construir discursos “promovendo uma base de confiança mútua e máximo

conhecimento recíproco”. A partir dessa segunda perspectiva, pode-se entender que a

comunicação organizacional expressa uma visão de mundo e valores que deve ser fiel à cultura

organizacional, mas que não se limita à divulgação dos produtos ou serviços da organização e

que deve acompanhar as tendências da opinião pública.

Assim, atualmente, a comunicação nas organizações cuja prática é mais aberta, por tratar

essencialmente de relações humanas, ocupa espaço de função estratégica, como também são

estratégicas outras áreas (recursos humanos, financeira, etc). No mundo contemporâneo, a

história organizacional conta os fatos e fala sobre os personagens que fazem parte da trajetória

de determinada organização, por meio do atributo seletivo da memória, trazendo os elementos

referentes à memória coletiva quanto às organizações:

a cultura, os comportamentos, os símbolos, a identidade e a comunicação, o conjunto

de elementos que formam a personalidade e a imagem de uma empresa ou instituição,

são os grandes pilares da memória. E a memória é seletiva: escolhem-se as

experiências (boas e negativas) que os inúmeros públicos têm com a organização, seus

gestores, empregados, produtos e serviços. (NASSAR, 2007, p. 111)

Segundo os estudiosos (NASSAR, 2007; FIGUEIREDO, 2009; COSTA e SARAIVA,

2011), há um interesse crescente pela temática da memória, e em particular pela memória

empresarial/organizacional, que permite identificar o crescimento de uma cultura

contemporânea da memória (HUYSSEN, 2004) como já mencionado antes.

A memória é vista a partir de diferentes olhares. É importante para a vida dos grupos

sociais porque é o armazenamento e lembrança daquilo que é adquirido por meio da

35

experiência, dessa forma a aquisição de memórias é aprendizado. “Sem memória não há vida.

É possível, inclusive, dizer que a vida é uma sequência de memórias”(IZQUIERDO, 2014). A

cultura da memória se consolida em “santuários da memória” ou “lugares de memória”

(NORA, 1993), criados especificamente para conservar uma memória, uma tradição, uma

experiência vivida coletivamente, que podem ser tanto espaços físicos quanto produções

abstratas e rituais. Costa e Celano (2012) argumentam que nas organizações, a memória pode

ser expressa de várias formas: nos sistemas de informações, na sua arquitetura, nas estratégias

adotadas e nos procedimentos operacionais, que estão relacionadas com redução de custos,

organização e legitimação das atividades organizacionais, emergência de uma mercado de

memória, entre outras. Ainda na perspectiva das autoras, uma vez que os relacionamentos das

organizações com seus públicos são gerenciados pela comunicação, a gestão da memória

organizacional é atribuída a comunicação organizacional, que se materializa de diversas

formas, da realização de eventos e comemorações organizacionais, livros e publicações

comemorativas, de programas e de centros de memória e documentação, até a criação de

museus, entre outras.(COSTA e CELANO, 2012)

Estudiosa da área, Santa Cruz (2014) pesquisou exaustivamente a produção acadêmica

de comunicação no Brasil, relacionando memória organizacional e comunicação

organizacional, encontrando segundo ela ‘chaves conceituais’ em que esta relação acontece.

Na análise do material, identificamos que existem cinco grandes chaves conceituais

presentes na produção acadêmica brasileira que relaciona memória e comunicação

organizacional: 1) memória como estratégia de comunicação (utilizada como

ferramenta de disseminação dos valores das organizações e como meio de ampliar o

seu reconhecimento perante a sociedade); 2) memória como cultura organizacional

(gestão de pessoas, desenvolvendo o senso de identificação e de pertencimento, por

meio da transmissão de valores institucionais); 3) Memória como gestão do

conhecimento (a função utilitária da memória no processo de preservação do

conhecimento construído na organização, sua recuperação e seu compartilhamento);

4) Memória como trajetória institucional (o resgate da história de uma organização);

5) Memória como saber coletivo (num sentido que quase se aproxima do de cultura,

como o conjunto de valores, crenças, símbolos e significados de uma coletividade).

(SANTA CRUZ, 2014, p. 181)

Costa e Celano (2012) argumentam que nas organizações, a memória pode ser expressa

de várias formas: nos sistemas de informações, na sua arquitetura, nas estratégias adotadas e

nos procedimentos operacionais, que estão relacionadas com redução de custos, organização e

legitimação das atividades organizacionais entre outras.

Porém, não obstante a aplicação de novos conceitos de memória face à necessidade

de uma comunicação mais aberta e transparente, ela tem sido vislumbrada ainda

como uma “ferramenta” (grifo nosso) de comunicação, perspectiva diferente da que

propomos aqui por acreditar que essa visão instrumental não dá conta da

complexidade das organizações atuais. (BARBOSA, 2010, p.10)

36

Entende-se, que ao tomar para si, a incumbência de gerenciar a memória nas

organizações, a comunicação organizacional toma-a como instrumento de comunicação, não só

formalizando seu papel estratégico com os públicos internos e externos, mas estabelece

relações entre valores, cultura, identidade, os símbolos e os ritos organizacionais (entre outros

elementos) e a imagem organizacional pretendida.

O objeto de estudo e os resultados encontrados

Nesse estudo o objeto de análise é a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre/RS e o

material de comunicação produzido impressa e digital na organização. Em 2000, houve toda

uma reformulação da organização em função das dificuldades econômicas pelas quais passava

e naquele período foi estruturada uma Assessoria de Marketing e Comunicação, que entre

várias outras atividades começou a estruturar um trabalho de Memória Institucional a partir de

documentos, depoimentos e eventos, entre outros. O trabalho foi desenvolvido sendo registrado

e disponibilizado no site da Santa Casa, em relatórios anuais, revistas semestrais impressas e

digitalizadas, clipagens de notícias e vários outros instrumentos. Com o decorrer do tempo e o

crescimento organizacional, esse trabalho foi mudando. Em 2014, foi inaugurado o Centro

Histórico-Cultural Santa Casa, com implantação iniciada em 2006 e teve um custo aproximado

de R$ 13 milhões (recursos foram captados por meio de leis de incentivo à cultura estadual e

federal), que é coordenado por uma historiadora, segundo a qual a demanda pelo espaço nasceu

do esforço do complexo hospitalar em conservar sua memória, e fazem parte do acervo

documental fotografias, jornais, utensílios médicos peças encontradas em escavações

arqueológicas na área do CHC e registros de óbitos, os quais estão disponíveis no local desde

2010.

No entanto este não é um trabalho integrado entre os setores de comunicação

organizacional e a equipe do Centro Histórico. Vários elementos mostram que no caso da

organização a memória está sendo utilizada atualmente, como estratégia de comunicação e

como trajetória institucional pois busca ampliar o reconhecimento perante a sociedade ao

mesmo tempo em que resgata a história da organização, constituindo-se pelo menos a primeira

vista numa memória instrumental do ponto de vista da comunicação organizacional. Se houver

uma maior aproximação entre as equipes de comunicação e de gestão do Centro Histórico, esse

trabalho poderá integrar a cultura da organização (como forma de identificação e

pertencimento), como gestão do conhecimento e também como saber coletivo.

Referências:

37

BARBOSA, Andréia Arruda. O Lugar da Memória Institucional nas Organizações Complexas.

Artigo - GT Processos, Políticas e Estratégias de Comunicação Organizacional do IV Congresso

Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas – ABRAPCORP,

2010.

COSTA, Alessandra de S. M.; BARROS, Denise F.; CELANO, Ana. A Construção da

Memória Empresarial como Estratégia de Comunicação Organizacional. XXXVI Encontro da

ANPAD. RJ – 22 a 26 de set. 2012.

COSTA, A.M.; SARAIVA, L. A. S. Memória e formalização social do passado nas

organizações. Revista Adm. Pública, RJ, v.45, n.6, p.1761-1780, 2011.

CRIPPA, G. Memória: geografias culturais entre história e ciência da informação. In:

MURGUIA MARANON, E. I. (Org.). Memória: um lugar de diálogo para arquivos, bibliotecas

e museus. S. Carlos: Compacta, 2010. p.79-110

FIGUEIREDO, Miriam. (2009) ‘Da Memória dos Trabalhadores à Memória Petrobras: história

de um projeto’. Dissertação de Mestrado. CPDOC – FGV, Rio de Janeiro.

https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2705

MARCHIORI, Marlene (Org). COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO: Reflexões, Processos

e Práticas. São Caetano do Sul: Difusão, 2010.

NORA, Pierre. Entre história e memória: a problemática dos lugares. Revista Projeto História.

S. Paulo, v. 10, p. 7-28. -PUC-SP.1993

SANTA CRUZ, Lucia. Memória e Comunicação Organizacional no Brasil: Interfaces.

ORGANICOM – ANO 11 – N. 20 – 1º. SEM. 2014 P. 178

SHIKIDA, A. M.; MOURA, M. A. Memória e redes sociais: informação e conhecimento em

relatos orais. In: ENC. NAC. PESQUISA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO. ANAIS. Salvador:

UFBA, 2007.

38

UMA VISÃO CRÍTICA SOBRE A PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS

NA COMUNICAÇÃO

Rudimar Baldissera25,

Cássia Aparecida Lopes da Silva26

Mônica Carvalho de Oliveira 27.

Resumo

Sob a perspectiva da sociedade pós-industrial (DE MASI, 1999), reflete-se sobre a

comunicação entre organização e empregados, no que tange aos processos referidos como

‘participativos’ e/ou ‘colaborativos’. A partir da análise crítica sobre iniciativas

organizacionais, identifica-se a participação dos trabalhadores em duas perspectivas: 1) como

estratégia organizacional para maquiar o controle e a vigilância (BALDISSERA, 2014a); e 2)

como potência para contribuir na efetivação de organizações mais humanizadas.

Palavras-chave: comunicação organizacional; participação; empregados; vigilância;

subjetividade

A participação do empregado no trabalho pós-industrial

As transformações nas relações de trabalho da sociedade pós-industrial28 parecem dar espaço a

um novo perfil de trabalhador, conformado, entre outros aspectos, pela: a) predominância dos

serviços sobre outros setores produtivos (De MASI, 1999); e b) pela implantação dos sistemas

toyotistas529 de produção, da qualidade total e das funções polivalentes nas indústrias (ANTUNES,

1999). Mesmo que isso não signifique afirmar que se trate do único perfil de trabalhador

demandado, importa ressaltar que, conforme os autores, essa configuração exige trabalhadores

capazes de solucionar problemas, isto é, mais do que apenas cumprir designações, as organizações

esperam que esses empregados expressem a seus colegas e a seus gestores suas contribuições e

críticas acerca do processo produtivo, visando aumentar a qualidade e/ou os resultados da

organização. Porém, isso significa que os trabalhadores (ou pelo menos boa parte deles) agora

podem participar efetivamente dos processos organizacionais? Que participação é possível?

25 Doutor em Comunicação. Professor da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação e do Programa de Pós-

Graduação em Comunicação e Informação da UFRGS. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Comunicação

Organizacional, Cultura e Relações de Poder - GCCOP. www.gccop.com.br - [email protected].

26 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação na UFRGS. Integrante do GCCOP.

Bolsista da CAPES. www.gccop.com.br - [email protected].

27 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da UFRGS. Integrante do GCCOP.

www.gccop.com.br – [email protected].

28 Segundo De Masi (1999, p. 65), a sociedade pós-industrial é caracterizada por transformações que conformam

“um modelo social totalmente novo em que a produção científica e cultural ocupou espaço e papel central, antes

desempenhado pela produção manufatureira; em que a própria produção manufatureira mudou seu modo; em que

as relações assumiram uma dimensão transnacional; em que existe uma defasagem do tempo e do lugar entre a

concepção, a produção e a fruição.”.

29 Modelo de produção implantando primeiramente em linhas de produção de automóveis da marca Toyota, baseado em organizações japonesas.

39

Antes de refletir sobre essas questões, vale destacar que, conforme De Masi (1999), os ajustes

organizacionais que flexibilizam fronteiras, cargos, remuneração e relações identitárias, e que

diluem a polaridade entre patrões e empregados tendem a caracterizar o mundo do trabalho

como cada vez mais multinacional e dinâmico e cada vez menos hierarquizado30. Isso tende a

sugerir que as organizações são espaços propícios à expressão dos trabalhadores. Na mesma

direção, McLagan e Nel (2000, p. 19) afirmam que a participação nos ambientes

organizacionais passa a ser inevitável, pois as atividades de trabalho são cada vez mais

complexas e as resoluções tendem a exigir a participação de diferentes trabalhadores, isto é, já

não podem se restringir às competências e ações dos que exercem poder formal.

Nesse contexto, o aumento da concorrência por mercados mundiais e a necessidade constante

de inovação – possibilitados pelas TDCIs (tecnologias digitais de comunicação e informação) –

multiplicam nos ambientes organizacionais as trocas e os fluxos de informação necessários para

a execução dos processos produtivos, demandando, conforme Curvello (2010), integração entre

as organizações e os empregados, a fim de que os objetivos organizacionais sejam alcançados.

Complementarmente, não se pode esquecer o fato de que as TDCIs não se restringem aos

ambientes organizacionais. Disseminadas31 e, de certo modo, acessíveis mesmo aos grupos com

menor poder aquisitivo, pela circulação de informações e possibilidade de expressão,

conformam potência para que os sujeitos desenvolvam senso crítico. Nesse sentido, em relação

às organizações, destacamos que seus empregados e a sociedade como um todo, não apenas

recebem as informações oficiais, portanto autorizadas pelas organizações, mas também outras

informações a partir de outras fontes e que podem, em diferentes níveis, corroborar a fala

organizacional, confrontá-la e/ou pô-la sob suspeita ou, ainda, negá-la classificando-a como

mentirosa. Observamos, também, que sobre essa potência de os sujeitos melhor

compreenderem suas realidades se exercem muitas formas de poder (por ex.: o simbólico –

Bourdieu, 2010 – e o econômico), materializadas em diferentes estratégias para as organizações

se oferecerem e conformarem suas verdades, suas construções de mundo.

A complexificação da sociedade contemporânea e, portanto, dos ambientes organizacionais

(dos quais ressaltamos algumas características) tendem a evidenciar a necessidade de esforços

para que os processos de comunicação das organizações com empregados se qualifiquem como

mais participativos e colaborativos, em detrimento das práticas meramente transmissivas. Nesse

sentido, destacamos o fato de que pesquisas, por um lado, como a divulgada pela ABERJE32,

indicam que as organizações reduziram o número de publicações impressas destinadas aos

empregados (de modo geral, publicações apenas transmissivas), e, por outro, como a realizada

por Martins (2012), evidenciam que os empregados valorizam mais a comunicação face a face

e afirmam a importância do diálogo e da participação do empregado na comunicação

organizacional.

Se, por um lado, conforme se disse, a participação tem sido exigida pelas organizações e, por

outro, parece ser fundamental para a qualificação dos processos e resultados, importa refletir

30De acordo com McLagan e Nel, atualmente, as “informações estão cada vez mais disponíveis em tempo real e

em formatos que as tornam utilizáveis. [...] Agora, elas [as pessoas] podem administrar sua própria atividade e

participar sem níveis de interferência ou direcionamento de autoridades” (2000, p. 28). Atenta-se, porém, que esse

fato não traz necessariamente simplificação dos fluxos informativos nas organizações 31 Conforme aponta pesquisa realizada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias de Informação e da

Comunicação (2012): Pesquisa Tic Empresas 2012. Disponível em http://www.cetic.br/empresas/2012/. Acesso

em 20/09/2015.

32 Pesquisa comunicação interna 2012. Associação Brasileira de Comunicação Empresarial.

40

sobre a qualidade dessa participação. Que qualidade tem essa participação ou de que

participação se fala? Ela gera ambientes mais humanizados? Ou, ainda, em que medida não se

tratam de estratégias organizacionais para a instituição de valores e normas, qualificar os

processos produtivos e reduzir as tensões nas relações de trabalho? Essa participação não pode

servir de subterfúgio que, por um lado, expõe o empregado e, por outro, encobre os processos

de vigilância realizados pelas organizações? Essas questões orientam as reflexões que

realizamos a seguir.

A dimensão da organização comunicante e o espaço para subjetividade

A comunicação é assumida como processo central para a existência das organizações –

sistemas vivos em permanente transformação. Assim, a comunicação organizacional,

compreendida por Baldissera (2008, p.169) como “[...] processo de construção e disputa de

sentido no âmbito das relações organizacionais”, contempla todas as relações comunicacionais

que os diferentes sujeitos atualizam em relação à organização, seja direta e/ou indiretamente.

Não se trata, portanto, de apenas atentar para os processos formais e/ou planejados.

Sob essa perspectiva, Baldissera (2009a) considera três dimensões da comunicação

organizacional: a “organização comunicada”, que consiste na fala formal, autorizada,

planejada, realizada pela organização; a “organização comunicante”, que, além de abarcar a

dimensão da organização comunicada (fala autorizada), compreende igualmente todos os

demais processos comunicacionais que se materializam, formal ou informalmente, sempre que

um sujeito/público estabelecer relação direta com a organização. Portanto, as organizações já

não têm controle sobre todos os processos expressivos; e a “organização falada”, materializada

em processos de comunicação indiretos, fora do âmbito organizacional, mas que dizem respeito

à organização (referem-se a ela). Esses processos são fundamentais para compreendermos a

comunicação organizacional, pois que, dentre outras coisas, têm potência para perturbarem fala

autorizada, “ainda que se reconheça a impotência da organização em estabelecer qualquer

controle direto sobre eles” (BALDISSERA, 2009a, p. 119).

Essa compreensão evidencia a complexidade da comunicação organizacional e, de particular

interesse para esta reflexão, atenta para a subjetividade que nela se atualiza, dentre outras

formas, pela interação cotidiana dos sujeitos (empregados) nas e com as organizações. Assim, a

participação do empregado na comunicação organizacional também compreende processos que

não podem ser geridos pela organização, estão além de sua capacidade de controle e têm

potencialidade para perturbar a ordem posta. A participação a que nos referimos, em especial,

não é aquela que se dá na dimensão da organização comunicada, mas a que se realiza nos

âmbitos da organização comunicante e da organização falada (ainda pouco reconhecidos e

compreendidos pelas organizações), que possibilita refletir sobre o lugar de protagonismo que

podem assumir os sujeitos por meio de suas manifestações. Essa compreensão exige admitir

que, apesar da força organizativa que a organização exerce, materializando diferentes

estratégias e formas de exercer poder, os empregados, em algum nível e de alguma forma,

podem, nos interstícios, experimentar níveis de realização como sujeitos pela materialização de processos criativos, tomada de consciência, uso da ordem posta em seu benefício, dentre outras

atitudes capazes de subverter os controles estabelecidos pela organização.

Se, por um lado, na dimensão da organização comunicada o lugar de fala é o da organização,

criado e administrado por ela, por outro lado, nas dimensões comunicante (o que está além do

comunicado) e falada, os lugares de fala – ainda que muitas vezes clandestinos – podem ser

configurados pelos sujeitos em interação, incluindo o próprio empregado, a partir da forma

como ele se apropria desses lugares e por meio de suas manifestações. Assim, conforme

41

Baldissera (2009b, p. 159), “assumir o sujeito como agente desorganizador/(re)organizador da

comunicação organizacional pressupõe respeitá-lo em sua complexidade, como indivíduo que,

ao mesmo tempo, é igual e diverso e, portanto, único”. Essa noção parece possibilitar que

compreendamos os sujeitos a partir de suas individualidades, sem perder de vista as diferentes

formas que encontram para construir novas histórias e dar significado às relações estabelecidas

na organização. As mensagens que circulam na organização, particularmente se tomada a

dimensão da organização comunicante, não simplesmente recaem sobre os sujeitos, pois que

esses interpretam-nas a partir de seu lugar de fala, portanto a partir das teias de significação das

quais são portadores (cultura – Geertz, 1989). Da mesma forma, essa interpretação pressupõe o

tensionamento daquilo que se apresenta àquilo que constitui o repertório de cada sujeito e ao

seu estado psíquico. Isso não apenas configura a interpretação, senão que também

interfere/influencia na forma de o sujeito relacionar-se e interagir com os demais e na/com a

organização.

Nessa direção, a participação, como forma de interação do trabalhador com os demais sujeitos

na organização, tem potencialidade para se configurar como processo de humanização dos

ambientes organizacionais, pois que, em tese, proporcionaria ao trabalhador a possibilidade de

extrapolar seu papel de receptor da informação e cumpridor daquilo que lhe é determinado;

poderia ressignificá-la e também expressar suas questões, compreensões de mundo, isto é,

realizar-se como sujeito. Essa participação, entretanto, pode assumir diferentes qualidades nos

processos de comunicação organizacional, como se analisa a seguir.

Comunicação organizacional e participação dos empregados: instrumentalização da

participação?

O termo ‘participação’ tende a ser bastante usado nos programas de comunicação das

organizações. Porém, de que participação se fala? Importa observarmos que, em sentido

complexo, a noção de participação por meio do diálogo, conforme Marques e Mafra (2015, p.

352), “projeta sentidos de uma organização que respeita as diferenças e que se mostra

democrática em seu modo de agir”. Porém, qual ou quais lugares de “participação” os

empregados podem assumir, de fato, nos processos comunicacionais das organizações?

Muitas vezes, a participação dos empregados consiste simplesmente em ser presença na fala

autorizada, a partir de um prévio roteiro/script: participar a) atuando em campanhas

institucionais e/ou publicitárias; b) como ‘fonte’ autorizada para materiais informativos – jornal

interno, site etc. –; c) produzindo e enviando materiais para concursos culturais, gincanas,

exposições; d) apresentando sugestões; e) respondendo a pesquisas; f) atuando voluntariamente

em projetos sociais; etc. Esses tipos de participação tendem a ser apresentados e justificados

como formas de valorizar os empregados. Porém, se é verdade que o empregado, nessas

situações, tende a sentir-se participante dos processos e, portanto, valorizado, também parece

elementar inferirmos que se tratam de modos simplificados de participação, no âmbito do

avaliado e autorizado pela organização, na dimensão da “organização comunicada”. Até que

ponto, nesses processos, o empregado pode expressar o que realmente pensa e/ou como

realmente se sente? Mais provável é que atue segundo o script e/ou aquilo que acredita que a

organização espera que represente e/ou, ainda, caso se expresse a partir de suas convicções e

sentimentos e isso não for o que a organização espera, sempre há o recurso da edição da fala

e/ou substituição da fonte. Portanto, ainda que o empregado figure como sendo ‘ele mesmo’,

nesses casos, sua representação tenderá a ser a de um personagem para materializar uma

organização idealizada.

Outro espaço institucionalizado para a participação dos empregados são os portais para gestão

de conhecimento, uma das formas pelas quais o conhecimento tácito é explicitado,

42

compartilhado, retido e gerenciado pelas organizações. Isso tende a gerar a sensação de o

trabalhador ser ativo na construção da organização prescrita a partir de sua experiência com o

trabalho real33. Porém, essa prática também torna o empregado descartável, pois que, de acordo

com Baldissera (2014a), a empresa tende a neutralizar o poder (pelo saber) do trabalhador,

deixando de depender dele para conhecer o trabalho real (não prescrito) fundamental para os

processos organizacionais.

Cabe atentar, ainda, para os blogs e as fanpages organizacionais discursivizados como meios

democráticos e de participação colaborativa. Porém, para além de seus potenciais, Baldissera

(2014a) refuta a ideia de serem espaços para livre expressão dos empregados, uma vez que a

visibilidade nesse tipo de meio, dentre outras coisas, acaba por facilitar a vigilância realizada

pelos gestores. Complementarmente, também podem configurar-se em espaços de

representações cínicas nos quais os empregados evitem conflitos capazes de colocar em risco

seu emprego, futuras promoções e/ou a possibilidade de aumento de salário.

Em direção semelhante, os empregados também podem ser convidados a se expressarem sobre

como se sentem, o que pensam sobre a organização e o que esperam para ela no futuro, como

costuma ocorrer em pesquisas de clima, nas conversações (incentivadas pelos gestores) sobre as

práticas cotidianas e no convite à participação em processos estratégicos e/ou de mudanças

organizacionais. Em uma leitura rápida, essas situações parecem configurar espaços de livre

expressão dos empregados e tendem a reforçar a ideia de que a organização não reduz o

trabalhador a um recurso, e, sim, permite que ele se realize como sujeito. Porém, importa

observar que essas situações podem ser meras representações, pois que as críticas, os

problemas, as sugestões, podem não ser – de fato – “escutados”, ou mascarar a vigilância

empreendida pela organização para tomar posse de informações periféricas (insatisfações,

boatos, relações informais de poder) (BALDISSERA, 2000).

É oportuno também lembrar que a valorização da subjetividade do trabalhador nas

organizações tem origem, segundo Dejours (2005), na escola de recursos humanos, responsável

por instituir, a partir dos anos 80, uma nova utopia social, atribuindo a felicidade das pessoas

não mais à cultura, ao ensino e à política, mas ao futuro das empresas – lógica que atende ao

fluxo produtivista do mercado.

Essas situações parecem configurar aquilo que Marques e Mafra (2015, p. 349) compreendem

como sendo a “instrumentalização” do diálogo pelas organizações que buscam tolher as

distintas subjetividades, pois que é provável que o espaço para a participação do empregado na

comunicação organizacional seja mais estimulado tanto mais o foco em sua subjetividade sirva

ao alívio do que o aflige (mas não necessariamente à resolução de seu problema), à vigilância

pela organização e ao reforço da cultura organizacional e do trabalho como caminho único

possível para a realização pessoal. Nesse sentido, a noção de participação é acionada de modo

simplista (ilusão?), como mera estratégia com força totalizante para, fundamentalmente,

reforçar os pressupostos básicos da organização e ampliar seus níveis de poder.

Por uma participação que promova a ampla disputa de sentidos

Face ao exposto, denuncia-se a noção de ‘participação do empregado’ que privilegia a visão e o

tratamento meramente economicista a respeito do trabalho, do trabalhador e da comunicação

organizacional. Essa compreensão conforma o que Uribe (2009, p. 76) considera um

33 Segundo Dejours (2005), a contraposição entre o trabalho prescrito e o trabalho real somente pode ser

racionalizada por meio de uma composição de diferentes pontos de vista dentro da organização.

43

“humanismo ingênuo”, em que o exercício do controle e o tratamento do homem como simples

meio para a obtenção dos fins organizacionais são, muitas vezes, maquiados para que as

organizações se ofereçam como democráticas. A perspectiva econômica não deve ser o único

norte para as organizações. Uribe (2009) ressalta que a busca por melhores resultados precisa

ser conjugada a uma perspectiva capaz de também promover a satisfação dos sujeitos que

atuam nas organizações.

Por fim, ressaltamos que, em sentido complexo, a participação do empregado na dimensão da

“organização comunicada” não pode ser reduzida àquilo que convém à organização. Importa,

sim, que o empregado possa se exercer como diversidade, como sujeito que se realiza, que tem

opiniões e deseja expressá-las de modo livre para que os sentidos de mundo (da organização,

do trabalhar) possam ser disputados e construídos (BASDISSERA, 2014b) em processos

dialógicos de interação. Processos esses inerentes aos espaços sociais. Isso se configura como

fundamental para conformar organizações mais humanizadas, com potencialidade para ampliar

a qualidade de vida no trabalho e a autorrealização dos trabalhadores.

REFERÊNCIAS

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passagem. São Leopoldo, Unisinos, 2000.

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KUNSCH, M. K. A comunicação com fator de humanização das organizações. São Caetano do Sul: Difusão

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MCLAGAN, P.; NEL, C. A nova era da participação: o desafio de emocionar e envolver pessoas. Rio de

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2009.

45

Mesa 4: RELAÇÕES PÚBLICAS E COMUNICAÇÃO

ORGANIZACIONAL

Coordenação: Profª Dr. Cláudia Peixoto de Moura

Relações Públicas e/ou Diplomacia Pública: FAP em missões de paz

Vanessa Moreira

Mestre em Gestão Estratégica das Relações Públicas

Escola Superior de Comunicação Social – Instituto Politécnico de Lisboa

[email protected]

Mafalda Eiró-Gomes

Doutora em Ciências da Comunicação

Prof.ª Coordenadora da Escola Superior de Comunicação Social – Inst. Politécnico de Lisboa

[email protected]

Resumo

A partir de uma revisão da literatura e de uma análise dos documentos produzidos tanto pelas

entidades titulares das Forças Armadas Portuguesas (FAP) como pela imprensa portuguesa no

último semestre de 2014, e tendo como método a Qualitative Content Analysis, percebeu-se que

as FAP em missões de paz são entendidas enquanto actores de Diplomacia Pública (DP), mas

que este aspecto não é comunicado estrategicamente. Defende-se que a DP beneficiaria em ser

tratada como uma área de desempenho do profissional de Relações Públicas (RP) /

Comunicação Estratégica.

Palavras-chave: Relações Públicas / Comunicação Estratégica; Diplomacia Pública; Smart

power; Forças Armadas Portuguesas.

Abstract

From a review of the literature and a Qualitative Content Analysis of documents from the

Portuguese Armed Forces (FAP) holder entities, as well as of Portuguese press in the last

semester of 2014, we realised that the FAP deployed in peacekeeping missions are understood

as actors of Public Diplomacy (DP) but this is not strategically communicated. We defend that

DP would benefit from being treated as a performance area of the Public Relations (RP) /

Strategic Communication professional.

Keywords: Public Relations / Strategic Communication; Public Diplomacy; Smart power;

Portuguese Armed Forces

Introdução

A noção de Relações Públicas Internacionais (RPI) é aqui entendida como “o esforço planeado

e organizado de uma organização, instituição ou governo para estabelecer relações mutuamente

benéficas com os públicos de outras nações” (WILCOX; CAMERON; XIFRA, 2012, p. 558),

considerando-se que, tal como afirmado por Szondi (2009), esta é muitas vezes considerada um

“alter-ego” da DP. A proposta aqui defendida parte do trabalho desenvolvido por Nye (2008)

para, sustentada no estudo do caso das FAP em missões de paz e ajuda humanitária, propor que

46

este é um caso original em que hard power e soft power se articulam, não em alternância, mas

em conciliação, configurando uma expressão de smart power.

A partir da análise do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), dos comunicados de

imprensa do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA) - telas digitais - e dos meios

de comunicação social impressos do último semestre de 2014, procurou perceber-se se as FAP

entendidas enquanto actores de DP. Se sim, é esta questão comunicada estrategicamente com o

objectivo de gerar conhecimento e reconhecimento de Portugal? É utilizada uma metodologia

de cariz qualitativo para análise do corpus apoiada pela utilização do software Nvivo.

1. Relações Públicas Internacionais

O contexto em que as Relações Públicas (RP) são exercidas é cada vez mais afectado pelo

fenómeno da globalização e pelos seus fluxos de informação que se tornaram, e continuam a

desenvolver-se, cada vez mais rápidos e menos constrangidos por fronteiras territoriais.

A globalização enquanto redes de interdependência mundiais apresenta dimensões ambientais,

militares, sociais e económicas (SZONDI, 2009) e, neste sentido, observa-se a emergência de

uma esfera pública global em que estes assuntos são discutidos, sobretudo através dos mass

media (SZONDI, 2009). Segundo L’Etang (2008), as RP não só beneficiaram com o fenómeno

da globalização mas, elas próprias estimularam o seu processo pela propagação de ideias e

valores.

Coombs e Holladay referem que “muito do que as nações fazem enquanto relações públicas

internacionais cai sob o título de diplomacia pública” (2010, p. 298) indo, desta forma, ao

encontro da ideia de que “a Diplomacia pública é um termo utilizado em vários contextos

diferentes e frequentemente como um ‘alter-ego’ positivo de Relações Públicas Internacionais”

(SZONDI, 2009, p. 138).

É a partir da identificação do cruzamento destas duas disciplinas, não só em termos de funções

mas também de objectos, que surge este trabalho em que se assumem as RPI enquanto

comunicação estratégica que pode ser definida pelo governo, por instituições para-

governamentais, por organizações não-governamentais e até pelas empresas, contribuindo para

a estratégia de política externa de um país através da DP.

2. Diplomacia Pública

O termo DP, cunhado por Edmund Gullion em 1965, pretendia descrever o processo pelo qual

os actores internacionais procuram atingir os objectivos da sua política externa através do

envolvimento com públicos estrangeiros, procurando assim afastar-se da ideia de propaganda e

de todo o contexto negativo que a envolve (COWAN; CULL, 2008; CULL, 2008).

Considerando a falta de uma análise rigorosa do conceito de DP, Cull (2008) sugere uma

taxonomia dos seus componentes e da sua inter-relação identificando cinco elementos distintos:

a escuta, a advocacia, a diplomacia cultural, a diplomacia de intercâmbio e a difusão

internacional de notícias.

Podendo a DP ser desempenhada em diferentes esferas: política/militar, económica e

societal/cultural, e considerando que estas esferas podem ganhar diferentes níveis de relevância

de acordo com os contextos, Leonard, Stead e Smewing (2002) identificam três dimensões da

47

DP operacionalizáveis de acordo com o enquadramento temporal e com as competências e

culturas organizacionais necessárias – são elas a gestão de notícias, a comunicação estratégica e

a construção de relações.

Partindo da tendência identificada que refere a necessidade de que os actores internacionais

participantes na DP passem de uma perspectiva de monólogo para uma de diálogo, Cowan e

Arsenault (2008) acrescentam a estes níveis essenciais de DP o da colaboração, que consideram

tradicionalmente negligenciada.

3. Smart Power

As relações estabelecidas no âmbito da DP não são indiferentes a questões de poder pelas quais

se regem e que, naturalmente, afectam os resultados obtidos por cada uma das partes nelas

envolvidas. As estratégias de hard power são tradicionalmente focadas na intervenção militar,

na diplomacia coerciva, e nas sanções económicas para reforçar os interesses nacionais (ART,

1996; CAMPBEL; O’HANLON, 2006; COOPER, 2004; WAGNER, 2005 citados por

WILSON, 2008). Importa aqui esclarecer que a intervenção militar enquanto estratégia de hard

power é entendida no seu sentido estrito, isto é, o uso da força em situações de conflito armado.

Este não é mais, na sua maioria, o cerne das intervenções das forças militares sobretudo quando

se considera a sua actuação sob a alçada de organizações como a UE, a ONU ou a NATO

(BRANCO, 2009). Em oposição a esta forma de poder coercivo stritu sensu surge a perspectiva

de soft power desenvolvida por Nye (2008) e que largamente influenciou a área da DP, baseada

na capacidade dos países em gerar atractividade para alcançar resultados, contra a ideia de

coerção ou pagamento do hard power. No entanto, para além do hard power e do soft power,

impõe-se agora uma reflexão sobre as questões de smart power definido enquanto combinação

de elementos de hard e soft power numa estratégia de reforço mútuo (WILSON, 2008).

4. Investigação empírica

A mais-valia da DP encerra-se na ligação entre a investigação realizada e a elaboração de

políticas, garantindo que o impacto de uma decisão na opinião estrangeira é considerado no

processo de política externa (CULL, 2008). Isto significa que a DP apenas expressa a

identidade de um país não devendo extrapolar essa identidade por correr o risco de se

aproximar à ideia de propaganda e às suas associações a comportamentos manipulativos. As

políticas constituem também a identidade do país cabendo à DP divulgá-las junto dos públicos

estrangeiros e, junto deles também, recolher e interpretar informação que esta possa ser

conduzida aos processos políticos de tomada de decisão, influenciando-o (GILBOA, 2000).

Esta identidade que constitui a base de atractividade dos países deve encontrar também

ressonância nos actores societais do país de origem.

Bátora (2005) defende, ainda, que a atractividade do Estado para os actores nacionais é uma

pré-condição para uma estratégia de DP bem-sucedida. Quando esta pré-condição é conseguida,

os actores societais associar-se-ão às acções de DP além-fronteiras por parte dos estados,

promovendo também o seu soft power. A perspectiva deve, por isso, ser holística contemplando

públicos externos e domésticos (HUIJGH, 2013).

Esta necessidade identificada de construção de uma base de apoio nacional à estratégia de DP

de um país justificou a realização de um estudo junto de públicos domésticos, e

especificamente o caso das FAP em missões de paz e ajuda humanitária por ser ainda pouco

explorado. Esta decisão traduziu-se na escolha dos materiais que constituem o corpus deste

48

trabalho – o CEDN, os comunicados de imprensa do EMGFA e a imprensa nacional (2º

semestre de 2014) – para dar resposta à questão de partida: São as Forças Armadas entendidas

enquanto actores de DP? Se sim, é esta questão comunicada estrategicamente com o objectivo

de gerar conhecimento e reconhecimento de Portugal?

Para dar resposta a esta questão procurou perceber-se se a comunicação feita tem por base uma

perspectiva estratégica; se a DP se encontra na agenda das Forças Armadas portuguesas; se as

Forças Armadas portuguesas expressam a sua identidade enquanto elemento de DP; se a

expressão da identidade das Forças Armadas é relevante para os media.

4.1. Delimitação do objecto em análise

O campo de análise deste trabalho insere-se na disciplina das RP enquanto comunicação

aplicada na área das Ciências da Comunicação. Considera-se o cruzamento das disciplinas de

RP e de DP assumindo-se que as duas contemplam uma dimensão estratégica da comunicação

para a construção de relações.

Considerando o contexto actual, a política externa dos estados, pela sua definição altamente

influenciada pelo estabelecimento de relações de parceria e aliança, assenta em grande parte no

empenhamento das Forças Armadas em missões no âmbito da ONU, da NATO ou da EU. Este

define-se assim como um mecanismo “[…] para servir de instrumento privilegiado de acção

estratégica e elemento de projecção da influência, do poder e dos interesses do Estado”

(BERNARDINO, 2010, p. 3).

4.2. Recolha de dados

De forma a responder às questões de partida e aos objectivos definidos neste estudo procedeu-

se a uma recolha de dados provenientes de diversas fontes: revisão de literatura, leitura

flutuante de documentação relativa às FAP, entrevistas exploratórias, comunicados do EMGFA

e os principais órgãos da imprensa nacional relativos ao último semestre de 2014.

4.3. Materiais em análise

Com base na revisão de literatura feita, na entrevista do General Valença Pinto ao Expresso

(EXPRESSO, 2014) e nas entrevistas exploratórias, assim como numa leitura flutuante do

CEDN por ser o documento do governo português que define a estratégia do Estado em

matérias de segurança e defesa nacional, definiu-se o quadro para análise e interpretação dos

dados.

Este mesmo último documento foi analisado, numa primeira fase, com o objectivo de dar

resposta ao primeiro nível da questão de partida desta investigação. Posteriormente analisaram-

se 13 comunicados emitidos pelo EMGFA durante o último semestre de 2014 e disponíveis no

site do EMGFA, e as peças jornalísticas referentes a participações das FAP em missões de paz

e ajuda humanitária em quatro jornais portugueses, sendo dois deles os diários considerados de

referência – Público (9 peças) e Diário de Notícias (12 peças) –, o jornal diário de maior

tiragem – o Correio da Manhã (13 peças) – e o semanário Expresso (3 peças).

O recorte de imprensa foi feito manualmente pela consulta de cada um dos jornais do período

entre 01/07/2014 e 31/12/2014. Para a selecção das peças jornalísticas utilizaram-se os

seguintes termos de pesquisa: “Forças Armadas”, “Forças Nacionais Destacadas”, “missão de

paz”, “ajuda/apoio humanitário”, “missão da ONU”, “missão da UE” e “missão da NATO”.

49

4.4. Análise qualitativa de conteúdo

A análise qualitativa de conteúdo constitui um método de investigação qualitativa em que se

procura, de forma sistemática, descrever o significado do material qualitativo, produto da

recolha de dados efectuada no projecto de investigação. (SCHREIER, 2012) Esta procura é

realizada através do enquadramento dos dados recolhidos em categorias de significado

definidas pelo investigador, isto é, o código.

4.4.1. O quadro de codificação

A construção do quadro de análise deve considerar várias características: a

unidimensionalidade, a exclusividade mútua, a exaustividade e a saturação. A

unidimensionalidade exige que cada dimensão/categoria definida contemple apenas um aspecto

dos dados de modo a que se obtenha uma mais concisa descrição do material e a facilitar a

aplicação da exclusividade mútua. A exclusividade mútua aplica-se às subcategorias e define

que uma unidade de código não pode ser atribuída a duas ou mais subcategorias numa

dimensão/categoria. A exaustividade impõe que cada unidade de código deve ser atribuída a

uma subcategoria. A saturação exige que a cada subcategoria seja atribuída pelo menos uma

unidade de código (SCHREIER, 2012).

Neste trabalho, o quadro de codificação foi definido considerando a revisão da literatura assim

como as entrevistas exploratórias realizadas e uma primeira leitura flutuante do Conceito

Estratégico de Defesa Nacional. Assim, optou-se por uma codificação combinada, ou seja, uma

definição de dimensões/categorias e subcategorias que derivam da revisão da literatura feita e,

por isso, mais conceptual, assim como uma definição orientada pelos dados recolhidos partindo

do Conceito Estratégico de Defesa Nacional.

4.4.2. Dimensões/categorias e subcategorias

Nesta investigação, com vista a procurar dar resposta à primeira das questões de pesquisa

definidas, definiram-se as seguintes dimensões e categorias a partir da revisão da literatura, das

entrevistas exploratórias e de uma leitura flutuante do CEDN: a) Comunicação

Identidade – todas as unidades de registo (UR) referentes à expressão da identidade de

Portugal constituída no seu estatuto, nos seus valores e recursos, e na sua relação com

outros actores.

Estratégia - todas as UR referentes a definição de estratégias de comunicação

(consideram-se aqui as referências a imagem e/ou reputação nacionais).

Política - todas as UR referentes a definição de políticas de comunicação (consideram-

se aqui as referências a imagem e/ou reputação nacionais).

b) Diplomacia Pública

Menção - todas as UR referentes à denotação de Diplomacia Pública.

Diplomacia - todas as UR referentes à denotação de Diplomacia (que não Diplomacia

Pública).

50

Elementos - todas as UR que se referem à escuta (recolha de informação), à advocacia

(promoção de política externa), à diplomacia cultural (promoção de recursos culturais),

à diplomacia de intercâmbio (experiência de permuta entre cidadãos) e à difusão

internacional de notícias (utilização de tecnologias de televisão, rádio e internet).

Dimensões - todas as UR referentes a gestão de notícias, a comunicação estratégica e a

construção de relações (consideram-se aqui referências a alianças e/ou parcerias).

Credibilidade - todas a UR referentes a factores de credibilidade, afirmação,

conhecimento, reconhecimento e prestígio de Portugal no âmbito internacional.

Interesses nacionais - todas as UR que se referem à identificação de objectivos e

interesses nacionais no âmbito internacional.

Público nacional - todas as UR referentes ao envolvimento do público nacional para a

estratégia nacional.

Actores nacionais - todas as UR referentes à ideia de actuação de diferentes actores em

representação de Portugal no âmbito internacional.

Tendo-se considerado que os resultados obtidos nesta primeira análise indicam que a resposta à

primeira questão desta investigação é positiva, procedeu-se a uma análise, a um segundo nível,

dos comunicados e das peças jornalísticas identificadas no último semestre de 2014. Por se

terem considerado apenas os comunicados e peças jornalísticas relativas à participação das FAP

em missões de paz e ajuda humanitária, procuraram-se nesses materiais indicadores dessa

participação, criando-se subcategorias orientadas pelos dados, a saber:

c) Forças Armadas

Destacamento de militares - todas as UR referentes à nomeação de empenhamento de

militares nas missões de paz e ajuda humanitária.

Destacamento logístico - todas as UR referentes à nomeação de empenhamento de

equipamentos nas missões de paz e ajuda humanitária.

Operações - todas as UR referentes às acções realizadas no âmbito das missões de paz e

ajuda humanitária.

Participação - todas as UR referentes ao significado ou importância da participação das

Forças Armadas em missões de paz e ajuda humanitária.

Envolvimento - todas as UR referentes a acções de envolvimento dos militares em

missões de paz e ajuda humanitária com as comunidades locais.

5. Apresentação e interpretação dos resultados

No primeiro nível de análise trabalhou-se o CEDN, assumido enquanto estratégia nacional

integrada com vista à unidade, soberania e independência do Estado e para o qual concorrem

todas as partes constitutivas da sociedade. Existem, no CEDN, referências claras a valores

constitutivos de uma identidade de Portugal e que esta se define também pelas relações que o

51

país estabelece e nas parcerias e alianças das quais faz parte. Das 24 referências identificadas

destacam-se as referências a valores de democracia com 13 referências; as relações, parcerias e

alianças recolhem no total 6 referências; e o “estatuto de Portugal como coprodutor de

segurança internacional” tem 4 referências. No que diz respeito à construção de relações

enquanto dimensão de DP, são 16 as referências a construção, desenvolvimento, intensificação

ou aprofundamento de relações na forma de parcerias e de alianças, sobretudo no âmbito da

ONU, NATO e UE, mas também da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Conclui-se assim que existe, por parte do Estado, a assunção da posição de representação que

as FAP assumem internacionalmente, nomeadamente no contexto das missões de paz e ajuda

humanitária em que participam. As FAP são entendidas enquanto fontes de credibilidade e

prestígio nacional no âmbito internacional pelo seu enquadramento, nas suas missões

internacionais, na rede de relações de parceria e aliança que Portugal estabelece com

organizações como a ONU, a NATO ou a UE. Verificou-se nesta categoria um total de 19

referências a fontes de credibilidade de Portugal, 13 delas no CEDN e das quais se destacam 4

referências aos meios militares, nomeadamente com a sua participação em missões de paz,

enquanto instrumento do Estado contribuindo para o seu reconhecimento internacional. Na

imprensa analisada foram identificadas, nesta categoria, 6 referências à assunção por parte de

Portugal de posições de liderança em missões ou eventos no âmbito destas relações, assim

como ao empenhamento de forças militares portuguesas no âmbito da política externa nacional

enquanto plataforma de visibilidade para Portugal.

Demonstra-se, desta forma, a intenção de que as FAP adoptem uma perspectiva estratégica da

comunicação (1 referência a “comunicação estratégica” enquanto dimensão de DP) com vista a

potenciar a sua contribuição para a afirmação, conhecimento e reconhecimento de Portugal

internacionalmente. Estando claramente definido o interesse de Portugal em se afirmar

enquanto referência na co-produção de segurança internacional (3 referências no CEDN), a

instituição militar é um instrumento incontornável nesta estratégia. A estratégia, além da de DP,

deverá passar por uma perspectiva estratégica da comunicação. Como visto na revisão da

literatura, a Diplomacia Pública pode beneficiar em ser abordada do ponto de vista das RP,

sendo muitas vezes até as duas utilizadas indiferenciadamente no contexto das RPI (COOMBS;

HOLLADAY, 2010; SZONDI, 2009) dado ambas as disciplinas se fundamentarem na

comunicação estratégica e na construção de relações. Parece possível afirmar-se que algumas

vezes a opção por uma designação em detrimento de outra se baseia mais no posicionamento

disciplinar do enunciador do que nos factos/estratégias em questão.

Tendo-se concluído então que a resposta ao primeiro nível da questão de partida era positiva, o

segundo nível de análise permitiu concluir que a comunicação analisada é ainda incipiente no

que diz respeito à informação da acção das FAP que vá para além do que é aquilo a que

podemos chamar tradicionalmente de herdeiros do hard power. De facto, a informação é

sobretudo referente ao destacamento de equipamentos e efectivos e às operações realizadas

numa perspectiva meramente descritiva. Apesar de a descrição não ser de conflitos armados

(hard power em sentido estrito) o enfoque está sobretudo nas questões do empenhamento das

forças (logísticas e humanas).

A comunicação feita não cumpre ainda a intenção clara de envolver o público nacional numa

estratégia de comunicação de identidade de Portugal que passe pela acção das FAP em missões

no exterior (7 referências no CEDN identificam a necessidade de envolvimento e mobilização

dos portugueses para a estratégia definida e das quais se destaca a referência aos meios

militares – “Promover junto dos cidadãos o conhecimento e a utilidade da organização militar e

dos restantes instrumentos ao dispor da estratégia de segurança e defesa nacional”).

52

Esta tendência é observada também na imprensa portuguesa alvo de análise nesta investigação.

De facto, conclui-se que a informação presente na imprensa também não vai muito além da

descrição das operação e da identificação, em números, dos vários destacamentos para as

missões de paz e ajuda humanitária.

Quanto à importância da participação das FAP em missões de paz e ajuda humanitária

verificaram-se 12 referências, 11 das quais provêm do CEDN. As referências identificadas nos

comunicados de imprensa e nas notícias nacionais são sobretudo no que diz respeito a

destacamento de militares (38 referências quer pela sua caracterização em termos de efectivos

envolvidos nas missões, quer pela caracterização desses efectivos em termos de competências e

patentes. 11 das referências são provenientes dos Comunicados do EMGFA e as restantes 27 da

imprensa analisada); ao destacamento logístico (61 referências ao empenhamento de

equipamentos militares em missões de paz a ajuda humanitária, quer pela identificação dos

equipamentos empenhados quer pela sua caracterização técnica. 18 das referências provêm dos

Comunicados do EMGFA e as restantes 43 são feitas na imprensa nacional analisada); às

operações (75 referências às operações realizadas em contexto de missões de paz e ajuda

humanitária quer no que diz respeito às actividades desenvolvidas quer no que se refere ao

tempo das missões e dos locais onde decorrem, sendo 29 referências identificadas nos

Comunicados do EMGFA e as restantes 46 identificadas na imprensa nacional analisada); e ao

envolvimento (1 referência na imprensa nacional analisada a actividades de aproximação e

envolvimento com as comunidades locais realizadas pelas FAP em missões de paz e ajuda

humanitária).

Notas conclusivas

Partindo da revisão da literatura que estabelece as características, elementos e dimensões da DP

e que foram identificados no primeiro nível de análise da investigação empírica, concluiu-se

que as FAP são entendidas como actores de DP, atribuindo-se-lhes um carácter

representacional de Portugal e de fonte de credibilidade prestígio internacionais. Depois, que

existem indicações para que se assuma uma perspectiva de comunicação estratégica

relativamente às FAP mas que a sua aplicação é ainda débil e embrionária, remontando ao

estritamente hard power, não tirando partido da sua dimensão de soft power (MOREIRA,

2015).

Se é verdade que a actuação das FAP se encontra ao nível da colaboração (de acordo com a

tipologia apresentada por Cowan e Arsenault) em que, sob alçada de instituições internacionais,

é necessária a interação e construção de relações com públicos estrangeiros (COWAN;

ARSENAULT, 2008; LEONARD; STEAD; SMEWING, 2002), não nos parece, contudo, que

a DP se encontre na agenda das FAP, constituída numa postura de comunicação estratégica.

Considera-se que a expressão da identidade das FAP em contexto das missões de paz e ajuda

humanitária é ainda insuficiente. Não encontrámos, no período em análise, qualquer esforço

concertado para promover, junto da opinião pública nacional, o conhecimento e

reconhecimento do trabalho das FAP em missões de paz e ajuda humanitária, o que, como

defendido Bátora (2005) e Huijgh (2013), permite também constituir uma base de apoio para a

política externa do país.

Se considerarmos que, neste contexto da política externa, a atracção exercida pelos países é

uma questão de soft power, a comunicação é primordial para que essa atracção seja produzida.

Considera-se que, sendo as FAP em missões de paz e ajuda humanitária um caso original em

que hard power e soft power se articulam, não em alternância, mas em conciliação, o contributo

53

das RP pode ser benéfico para aquela que se assume aqui ser a dimensão de smart power que as

FAP encerram neste contexto.

A dimensão de hard power “perde terreno” nas operações no âmbito das missões de paz e ajuda

humanitária. Torna-se portanto essencial articular a dimensão de soft power das FAP

explorando, por exemplo, as acções de aproximação e envolvimento com as comunidades

locais, como indicado pela análise empírica. Crendo que este tipo de acção poderá acontecer

com alguma frequência, eles são um exemplo claro de DP de grassroots (PAYNE, 2009) que

deve ser explorado no exercício do soft power.

Importa aqui referir que os comunicados objecto de análise são os que se encontram

disponíveis no site do Estado-Maior General das Forças Armadas não tendo sido considerados

possíveis comunicados por parte de cada um dos ramos (Exército, Força Aérea e Marinha) por

não ser a sua política de disponibilização nos sites institucionais consistente transversalmente.

A grande limitação ao trabalho aqui apresentando deveu-se ao facto de este se basear na análise

de materiais de acesso público pelo que se considera que, em investigações futuras, seria

interessante aprofundar como a dimensão comunicacional é entendida, numa perspectiva

interna, por parte das instituições identificadas neste estudo e de outras relevantes na área da

Defesa Nacional e, por ventura, na esfera nos Negócios Estrangeiros.

Referências bibliográficas

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55

Mesa 5: TENDÊNCIAS DE ESTUDOS EM COMUNICAÇÃO

ORGANIZACIONAL

Coordenação: Profª Dr. Cleusa Maria Andrade Scroferneker

A formação acadêmica no projeto Nosso Jeito de Comunicar em Rede da

Rede Maristas

Luciano Nunes Suminski

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Resumo

A criação e desenvolvimento de projetos de Comunicação, que alcancem resultados

legítimos, é cada vez mais complexa quanto à variedade multidisciplinar dos recursos e

possibilidades disponíveis atualmente. Sobretudo quando se leva em consideração a formação

acadêmica considerada ideal para a elaboração desses projetos.

Este ensaio estuda um projeto de Comunicação aplicado, mensurado e reconhecido na

área de educação, como forma de explicar a relação entre o êxito do projeto premiado e a

formação dos profissionais envolvidos.

Palavras-chave: Comunicação; Mensuração de Resultados; Transdisciplinariedade.

Projetos de Comunicação, quando desenvolvidos de forma estratégica e eficaz, acabam

por gerar resultados positivos para toda a organização. O foco na área de educação se justifica

na relevância mercadológica dos investimentos em Comunicação do setor e, principalmente,

na relevância social da educação para o desenvolvimento social.

Sendo um fenômeno social, a Comunicação e toda a complexidade de tradução de seus

reflexos, torna a pesquisa o eixo principal no debate de qualquer objetivo ou resultado

proposto, sobretudo quando levada em conta todas as demandas políticas e sociais intrínsecas

em sua epistemologia (HOHLFELDT; et Al, 2001).

Este artigo procura compreender e explicar se a formação acadêmica dos profissionais

envolvidos na elaboração do projeto Nosso Jeito de Comunicar em Rede, da Rede Marista,

premiado com Prata na categoria Comunicação Institucional no 12° Prêmio Destaque em

Comunicação de 2014, realizado pelo Sinepe/RS- Sindicato do Ensino Privado do RS, é restrita

à Comunicação Social: Relações Públicas, Jornalismo e Publicidade e Propaganda; ou é

56

extensiva à formação acadêmica em áreas afins como Marketing, Design Gráfico, Tecnologia

da Informação e/ou outras.

Além disso, a pesquisa busca estudar também quais são os atributos relativos à

formação acadêmica que podem ter influenciado no desenvolvimento do projeto premiado.

Ambiente de Análise

O 12° Prêmio Destaque em Comunicação de 2014 se divide em três categorias,

destacando: Gestão de Comunicação e Relacionamento, Comunicação Institucional, e Retenção

e Captação de Alunos, mas o objeto deste estudo é delimitado exclusivamente ao projeto Nosso

Jeito de Comunicar em Rede, da Rede Marista, premiado com Prata em 2014, na categoria

Comunicação Institucional.

Para a realização da análise, como amostragem, foram entrevistados cinco profissionais

do setor de Comunicação da Rede Marista, envolvidos diretamente na criação, coordenação,

gestão e desenvolvimento do projeto premiado pelo Sinepe/RS.

É importante, antes de uma análise efetiva da pesquisa realizada, explicar brevemente o

projeto Nosso Jeito de Comunicar em Rede.

Até 2002, os colégios da Rede Marista atuavam de forma autônoma, tanto na gestão

escolar, quanto nas iniciativas de Comunicação. As unidades eram reconhecidas isoladamente e

possuíam pouca, ou nenhuma, relação entre si. A desordem visual, a baixa qualidade de peças

gráficas, a ausência de profissionalismo e eficiência nas ações de Comunicação, além do

discurso enfraquecido e fragmentado, comprometiam a atuação Marista no mercado

educacional.

O público-alvo do projeto, ao todo, foram 18 colégios, 3.000 educadores, 16.453

estudantes e 29 profissionais voltados para a Comunicação.

O principal objetivo do projeto foi o de fortalecer a proposta de valor dos 18 colégios

Maristas no Rio Grande do Sul e em Brasília, a partir da unificação da marca e implementação

de práticas de Comunicação em rede. Para dar conta disso, o projeto promoveu a unificação

visual e discursiva dos colégios Maristas e o alinhamento dos sistemas de Comunicação, para

reforçar a atuação em rede; estabeleceu espaços de sinergia, para gestão compartilhada da

marca e formação de multiplicadores do projeto; priorizou o estímulo ao sentimento de

pertença dos colaboradores e educadores; e potencializou iniciativas de Comunicação

institucional e mercadológica.

A utilização de uma marca única nos colégios foi o primeiro passo para fortalecer a

formação de uma identidade de rede. Foi criado também, em conjunto com unidades Maristas

57

do Brasil, um manual de uniformes. Além do alinhamento visual, para a padronização dos

canais virtuais foram disponibilizados: manual de estilo, dicionário de tags e dicas para

postagens no Facebook. Os colégios passaram a compartilhar uma única ferramenta de

atualização dos sites, o CMS, e possuem mesma linguagem nas redes sociais.

O trabalho conjunto entre a assessoria de Comunicação, facilitadores e gestores também

resultou em publicações, que orientam e subsidiam o cotidiano dos colégios, como por

exemplo: Diretrizes Operacionais de Comunicação e Marketing; Padrão Marista de

Atendimento ao Público; Manual de atendimento a imprensa e Manual de evento.

Fundamentação Teórica

Como forma de compreender os pressupostos de análise do projeto Nosso Jeito de

Comunicar em Rede, da Rede Marista, a fundamentação teórica utilizada neste estudo é

baseada essencialmente nas categorias de Comunicação, segundo Edgar Morin e Margarida

Kunsch, e Mensuração de Resultados, segundo Mitsuru Yanaze.

Segundo Morin (2001), a complexidade, como princípio regulador, consiste no tecido

fundamental que constitui o mundo. E quando ele trata sobre a complexidade e a ação, é

possível extrair uma noção fundamental relacionada à construção planejada de projetos de

Comunicação:

A estratégia permite, a partir de uma decisão inicial, prever certo número de

cenários para a ação, cenários que poderão ser modificados segundo as

informações que vão chegar no curso da ação e segundo os casos que vão se

suceder e perturbar a ação. A estratégia luta contra o acaso e busca a

informação (MORIN, 2001, p.79).

A fim de se estudar a relação entre a formação acadêmica dos profissionais inseridos na

construção de um projeto específico de Comunicação, premiado e reconhecido em seu meio,

cabe destacar também a relevância do conceito de Comunicação Integrada.

Segundo Kunsch (2003), a Comunicação Integrada deve constituir uma unidade

harmoniosa, apesar das diferenças e das peculiaridades de cada área e das respectivas subáreas.

Entendemos por Comunicação Integrada uma filosofia que direciona a

convergência das diversas áreas, permitindo uma atuação sinérgica.

(KUNSCH, 2003, p.150).

Considerando as questões a serem apresentadas aos profissionais envolvidos no projeto,

quanto à formação acadêmica, antes mesmo de analisar os resultados, é conveniente considerar

a amplitude complexa, que envolve as opções de formações transdisciplinares passíveis de

escolha.

58

O conceito de Transdisciplinariedade, intrínseco às ideias do Paradigma da

Complexidade, é abordado por Ubiratan D’Ambrosio (1997). Ele destaca que, para que se dê a

complementaridade entre as disciplinas, respeitando as características, técnicas e habilidades

individuais, os campos do conhecimento não podem ser hierarquizados.

Quanto à Mensuração de Resultados na Comunicação, segundo Yanaze (2010), todo o

processo parte de um pressuposto comum: definição precisa e entendimento claro dos

objetivos de Comunicação, que deverão ser quantificados sempre que possível. Se o

profissional de uma organização tem dificuldade em estabelecer e diferenciar os objetivos de

Comunicação, ele compromete todo o processo, pois metas e indicadores estarão,

necessariamente, equivocados.

A Mensuração de Resultados torna-se importante, para análise do objeto de estudo

proposto, porque os profissionais, envolvidos no projeto Nosso Jeito de Comunicar em Rede,

tiveram que se preocupar com esse quesito em vários momentos desde a idealização até a

premiação final pelo Sinepe/RS. Primeiro tiveram que procurar mensurar quantitativamente os

resultados como forma de formatar e inscrever o projeto no prêmio, garantindo que seria um

projeto de sucesso em seus propósitos, e depois recebendo por parte dos avaliadores do prêmio

Sinepe/RS o reconhecimento pelos resultados perceptíveis do projeto.

Na Comunicação, cada parte da organização carrega em si um pouco da imagem e do

todo desta organização, fazendo com que a formação acadêmica dos profissionais envolvidos

na elaboração de projetos de Comunicação, neste caso na área da educação, seja apenas mais

um objeto influenciador dos resultados finais.

Considerando também a visão única e subjetiva de cada um dos profissionais,

principalmente na escolha de diferentes ações e ferramentas disponíveis, este estudo nos leva à

busca pelo entendimento de incertezas, variáveis, paradigmas e visão complexa, fundamento

base do método Paradigma da Complexidade, proposto por Morin.

Análise

Com base na técnica de Análise de Conteúdo, buscando uma relação com o objeto de

estudo, são realizas dois tipos distintos de pesquisa: quantitativa e qualitativa, representadas

por duas questões pontuais e representativas.

Uma primeira questão, quantitativa, tem como objetivo identificar a formação

acadêmica dos profissionais envolvidos na elaboração do projeto Nosso Jeito de Comunicar em

Rede.

59

Questão N° 1: Qual a sua formação acadêmica (concluída ou em andamento): a)

Relações Públicas; b) Jornalismo; c) Publicidade e Propaganda; d) Marketing; e) Tecnologia da

Informação; f) Design; e) Outras (opção descritiva).

Na análise quantitativa, o que serve de informação é a frequência com que surgem

certas características do conteúdo. Na análise qualitativa, é a presença ou a ausência de uma

dada característica de conteúdo ou de um conjunto de características num determinado

fragmento de mensagem que é tomado em consideração (BARDIN, 1977).

A segunda questão da pesquisa, do tipo qualitativa, procura entender se na opinião do

profissional há ou não influência decisiva de sua formação acadêmica no desenvolvimento do

projeto de Comunicação premiado, e o porquê dessa influência existir ou não.

Questão N° 2: Você acredita que a sua formação acadêmica foi essencial para o

desenvolvimento das atividades no projeto premiado em 2014 (sim ou não)? Por quê?

As questões de pesquisa que norteiam a compreensão proposta nesta análise estão

diretamente relacionadas às categorias definidas anteriormente. Quanto à Comunicação, o

estudo procura compreender de que maneira a formação acadêmica pode ou não influenciar na

criação de um projeto de Comunicação na área da educação.

Quanto à Mensuração de Resultados, procura explicar como se dá a relação entre a

Mensuração de Resultados de um projeto de Comunicação e a posterior premiação de

reconhecimento.

Com base na amostragem, dos cinco profissionais da Comunicação da Rede Marista

entrevistados, envolvidos diretamente na execução do projeto, quanto à formação acadêmica,

três são jornalistas, um é formado em Publicidade e Propaganda, e outro é formado em Design.

Apenas para ilustrar, destes, três possuem formação complementar de pós-graduação: Pós-

graduação em Gestão Estratégica de Negócios / Pós-graduação em Comunicação Empresarial,

Especialização em Marketing Estratégico e Doutorado em Comunicação.

Analisando a formação acadêmica e complementar dos profissionais entrevistados, é

possível compreender a formação transdisciplinar da equipe idealizadora do projeto premiado.

Porém, considerando que 60% dos profissionais possuem formação acadêmica em Jornalismo,

20% em Publicidade e Propaganda e 20% em Design, é sentida a ausência de profissionais

com formação em Relações Públicas, única atividade da Comunicação Social não representada

por profissionais no desenvolvimento do projeto premiado.

A ausência da atividade de Relações Públicas, entre as formações acadêmicas estudadas

na amostragem, é significativa, sobretudo quando se pensa que um dos atributos citados na

questão qualitativa, relativo ao entendimento e identificação dos públicos do projeto, é também

60

atribuição de profissionais de Relações Públicas. Conforme antecipação de uma das respostas

qualitativas: “Sim, pois no curso de Jornalismo temos uma preocupação em passar as

informações para o leitor de forma clara e objetiva, pensando sempre em quem fará a leitura.

Também aprendemos que diferentes gêneros exigem linguagens específicas. Porém, o

principal fator que viabiliza a produção e a revisão de cases é a experiência acumulada nesse

segmento”. Nesse sentido, indiferente à formação acadêmica dos profissionais envolvidos no

projeto, pode-se explicar o sucesso e a efetividade na percepção e conhecimento dos públicos

como fator influenciador nos resultados finais.

Voltando para a questão objetiva da pesquisa, fica facilitada a compreensão de que o

Design é uma formação acadêmica fundamental no reconhecimento do projeto, sobretudo por

tratar da padronização de identidade visual e marca.

O profissional formado em Publicidade e Propaganda demonstra o importante papel

desta atividade na construção do projeto de Comunicação, destacando a relevância no que diz

respeito aos conhecimentos relativos aos aspectos emocionais, percepção dos públicos e

utilização de ferramentas de propaganda.

Segundo Weber (2002), além da diversidade, gerada pelo sentido interdisciplinar da

Comunicação, deve-se levar em conta o dinamismo que afeta tanto a ciência quanto seus

conteúdos, sejam eles genuínos, híbridos ou assimilados. O sentido de dinâmica do

conhecimento instala-se pela aceleração das mensagens, em todos os meios, sejam gráficos,

visuais, factuais ou simbólicos que a mídia, em particular, programa, elege e descarta.

Quando analisada a primeira questão quantitativa deste estudo, de forma global, o

jornalismo é a formação acadêmica que possui papel influenciador principal na criação e

posterior premiação do projeto Nosso Jeito de Comunicar em Rede, da Rede Marista.

Na questão aberta e qualitativa do estudo, quando perguntados se acreditavam que a

formação acadêmica foi ou não essencial para o desenvolvimento do projeto premiado, os

cinco entrevistados, 100% do universo pesquisado, disseram que sim. Os profissionais, quando

indagados sobre o porquê dessa influência existir ou não, deram seus relatos explicativos

considerados a seguir.

É recorrente a observação nas respostas de que os conhecimentos adquiridos dentro da

academia foram fundamentais na atuação mercadológica em suas atividades profissionais,

como ilustra uma das respostas: “Sim, meu aprendizado em sala de aula contribuiu bastante

para minha formação profissional, além da experiência adquirida no mercado”. E esta relação

complexa, entre teoria e prática, é aderente ao princípio dialógico do Paradigma da

Complexidade, quando ambos assumem papel de complementaridade no desenvolvimento das

61

atividades profissionais: “O princípio dialógico nos permite manter a dualidade no seio da

unidade.” (MORIN, 2001, p.74).

Uma das respostas observa, também, a importância dos conhecimentos técnicos

relativos à identidade visual, criação e produção de materiais, inclusive quanto à apresentação

do projeto no Prêmio Destaque em Comunicação do Sinepe/RS: “Sim, pois grande parte dos

projetos envolvem criação de identidade visual, além da produção de materiais gráficos e da

própria apresentação para a premiação”.

O somatório de conhecimentos em diferentes áreas, portanto transdisciplinares, também

é abordado pelos entrevistados na explicação para o êxito e premiação do projeto, como ilustra

uma das respostas: “Sim. A graduação em jornalismo deu a base que foi consolidada com a

especialização. A soma de conhecimentos permitiu uma visão ampla da Comunicação e

marketing, contribuindo para o desenvolvimento de projetos que vão além dos meios

tradicionais, garantindo visibilidade e resultados efetivos”.

E, quando este entrevistado relaciona sua formação acadêmica em Jornalismo como

fator contributivo para sua visão holística da Comunicação, recorre a outro princípio do

Paradigma da Complexidade, o hologramático: “Então podemos enriquecer o conhecimento

das partes pelo todo e do todo pelas partes, num mesmo movimento produtor de

conhecimentos.” (MORIN, 2001, p.75)

A citação mais relevante, ocorrida em três das cinco respostas abertas, trata da

experiência profissional adquirida através da vivência no mercado, observada como fator

essencial no êxito do desenvolvimento, resultados e premiação do projeto. Como bem ilustra

outra resposta: “Sem dúvida. A formação acadêmica, desde a graduação e, especialmente, na

pós-graduação, somada à vivência ao longo desses oito anos de experiência em Comunicação

Organizacional foram/são fundamentais para o desenvolvimento dos projetos premiados”.

Essa ideia de recursividade do profissional formado na academia, que influencia e é

influenciado em suas experiências no mercado de trabalho de Comunicação Organizacional,

traduz outro dos três princípios do Paradigma da Complexidade, o princípio recursivo: “Um

processo recursivo é um processo em que os produtos e os efeitos são ao mesmo tempo causas

e produtores do que os produziu” (MORIN, 2001, p.74).

Considerações Provisórias

De forma não conclusiva, mas provisoriamente satisfatória, o estudo aborda a relação

entre a formação acadêmica, a experiência profissional adquirida com a vivência no mercado, e

os resultados efetivos quanto à execução de um projeto específico de comunicação.

62

O conhecimento transdisciplinar é compreendido como uma forma complementar a

formação acadêmica e, mais do que isso, servindo como uma espécie de “ponte” entre

diferentes fontes de conhecimento. Não só a experiência adquirida dentro da academia é

importante, mas também a experiência profissional, advinda do tempo de atuação no mercado

de trabalho.

Segundo Ubiratan D’Ambrosio (1997), o essencial na Transdisciplinariedade reside na

postura de reconhecimento de que não há espaço nem tempo culturais privilegiados que

permitam julgar e hierarquizar como mais corretos, ou mais certos, ou mais verdadeiros, os

diversos complexos de explicações e de convivência com a realidade.

Além de diferentes formações acadêmicas e conhecimentos de áreas e disciplinas afins,

é essencial a vivência profissional, fazendo com que os resultados advenham de um equilíbrio

entre ambas. Um equilíbrio entre a teoria e a prática.

A abordagem complexa e transdisciplinar do presente estudo, principalmente na

tentativa de perceber o ativo oculto nas respostas obtidas, embora não possa ser considerada

um reflexo amostral do mercado, ilustra que a apropriação de campos disciplinares no mercado

de Comunicação Organizacional se dá por ocupação de espaços estratégicos.

E estes espaços estratégicos são ocupados não só em função da formação acadêmica,

mas, também, através da experiência vivencial e transdisciplinar desses profissionais

dinâmicos e atentos aos novos rumos da Comunicação, sobretudo quanto à busca efetiva de

resultados mensuráveis e de fácil percepção mercadológica.

Referências bibliográficas

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, Lda, 2009.

D’AMBROSIO, Ubiratan. Transdisciplinariedade. São Paulo: Palas Athena, 1997.

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comunicação: conceitos, escolas e tendências. RJ: Vozes, 2001.

KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Planejamento de relações públicas na comunicação

integrada. São Paulo: Summus, 2003.

63

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2001a.

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Sulina, 2012.

SINEPE/RS – Sindicato do Ensino Privado (2015). Prêmio Destaque em Comunicação -

Projetos vencedores em 2014. Acedido em maio de 2015, em: http://www.sinepe-

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YANAZE, Mitsuru Higuchi. Retorno de investimentos em comunicação: avaliação e

mensuração / Mitsuru Higuchi Yanaze, Otávio Freire, Diego Senise – São Caetano do Sul,

SP: Difusão Editora, 2010.

64

Assessor de Imprensa: Como as universidades gaúchas são consideradas

fontes pela mídia a partir do trabalho deste profissional34

Bianca GARRIDO35

Ana BASEGGIO36

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

Resumo:

Este artigo busca compreender como o trabalho das assessorias de imprensa das universidades

públicas e privadas gaúchas contribui para a formação da imagem e da reputação das

instituições na percepção de um público específico: os jornalistas. Para isso, entrevistamos 19

profissionais da mídia para entender de que forma as instituições subsidiam fontes para as

matérias nesses veículos. A fundamentação teórica se baseia em ideias defendidas por autores

como Rosa (2006) e Bueno (2003, 2006, 2009), que mostram que a imagem e a reputação não

são o que as instituições projetam, mas o que os outros enxergam delas. Também conversamos

com os assessores de imprensa das universidades gaúchas, para conhecer as suas estruturas e a

demanda que recebem dos profissionais de mídia.

Palavras-chave: Comunicação Social; Reputação; Universidades;

1 Introdução

A comunicação empresarial, na definição de Argenti (2006), é hoje peça fundamental em

grande parte das organizações. Em razão disso, os profissionais dessa área têm conquistado

respeito e contribuído para o sucesso e o crescimento das instituições, já que atuam em diversas

frentes – desde o planejamento de ações de divulgação até o relacionamento com os variados

públicos, internos ou externos.

Neste artigo, vamos mostrar a importância do trabalho do assessor de imprensa, aquele

profissional que está na linha de frente das organizações, responsável, segundo Mafei (2005),

por formar uma rede de relacionamentos entre jornalistas, formadores de opinião, públicos

internos e demais interlocutores que contribuem para consolidar uma boa imagem da

organização. Torquato (2002) amplia o pensamento:

A Assessoria de Imprensa é a área nobre do sistema de comunicação externa das organizações.

Está consolidada como conceito, como atividade e como suporte estratégico. Nos últimos anos,

as assessorias de imprensa – chamadas, ainda, de assessorias de comunicação, designação mais

ampla – tiveram um crescimento extraordinário em todo o País. Esse crescimento deriva de

alguns fatores. Em primeiro lugar, a expansão dos negócios, principalmente no âmbito das

34 Artigo para conclusão do curso de Especialização em Planejamento em Comunicação e Gestão de Crises de Imagem da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). 35 Mestranda em Comunicação Social na Faculdade de Comunicação Social da PUCRS, email: [email protected] 36 Orientadora do trabalho. Professora do curso de Especialização em Planejamento em Comunicação e Gestão de Crises de Imagem da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), email:[email protected]

65

grandes companhias. Passamos a ver, nos últimos tempos, incorporações, fusões, enfim, um

adensamento de organizações. E quanto mais crescem os negócios, maiores são as organizações

e maior é a necessidade de comunicação (TORQUATO, 2002, p. 81).

Este trabalho versa sobre o desafio dos assessores de imprensa nas universidades37 gaúchas de

divulgar as pesquisas e ações e o resultado disso para a imagem e a reputação das universidades

a partir da percepção dos jornalistas. Do ponto de vista metodológico, a investigação

fundamentou-se no levantamento e na análise de informações obtidas através de pesquisa

quantitativa (questionário direcionado) com 19 jornalistas das empresas de comunicação RBS,

Record e Jornal do Comércio, que utilizam os serviços das Assessorias de Imprensa (AIs) das

instituições em sua rotina de trabalho, e com os assessores de imprensa das 19 universidades

gaúchas, além da pesquisa bibliográfica.

Defendemos a ideia de que as assessorias de imprensa colaboram na construção da reputação

das organizações, e que, ao traçarmos o perfil dos jornalistas que constituem o público-alvo de

uma entidade, consegue-se, por exemplo, avaliar até que ponto a imagem que eles fazem da

instituição afeta a cobertura jornalística da mesma.

Segundo Bueno (2009), a imagem de uma organização na imprensa está fragmentada, pois fica

distribuída em várias mídias – jornais e revistas, rádios, TV, Internet – e por segmentos

específicos em cada uma delas. Pode ser a grande imprensa, a regional, os jornais de bairro e

alguns veículos de negócios ou especializados – ciência e tecnologia, agronegócios,

propaganda, informática, TV aberta ou por assinatura, veículos on-line etc. Mas o bom trabalho

de assessoria de imprensa, no entendimento do autor, “culminará com um contato diversificado

mesmo para um único veículo, contemplando editores e colunistas com informações e focos

distintos” (BUENO, 2009, p. 193).

2 Comunicação, imagem e reputação

A comunicação organizacional ou empresarial decorre do desenvolvimento econômico, social e

político do país. Essa área teve um crescimento grande a partir de 1964, quando se generalizou,

na iniciativa privada e no serviço público, a prática da assessoria de imprensa (Chaparro, 2008).

No Brasil, se refinou a partir de 1990 (Bueno, 2003), quando passou a ser vista como estratégia

pelas organizações, “vinculando-se ao negócio, e sendo comandada por profissionais com uma

visão abrangente, seja da comunicação, seja do mercado em que a empresa ou entidade se

insere” (BUENO, 2003, p. 7).

Diante desse cenário, entendemos que a comunicação corporativa se torna necessária para

ajustar o discurso em uma organização, criando uma linguagem solidária, sistêmica, harmônica

e integrada (Torquato, 2002). Os profissionais dessa área podem definir as formas de

37 Optamos por trabalhar com as universidades e não com todas as Instituições de Ensino Superior. Segundo o

Ministério da Educação, as Universidades são instituições que se caracterizam pela indissociabilidade das

atividades de ensino, pesquisa e de extensão; pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível

superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano; produção intelectual institucionalizada

mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista cientifico e cultural

quanto regional e nacional; um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou

doutorado, um terço do corpo docente em regime de tempo integral. São 19 no Rio Grande do Sul, entre públicas e

privadas – identificadas no Capítulo 2.

66

relacionamento com os diversos públicos, o que acaba refletindo tanto na imagem que os outros

terão como a que a imprensa terá.

2.1 Imagem e reputação nas universidades

Para Rosa (2006), a reputação está ligada à confiança que despertamos nas pessoas, já a fé é

despertada a partir da confiança depositada. As instituições de ensino, por todo seu caráter de

formação de cidadãos e profissionais, precisam despertar confiança. “Sem reputação, não há

confiança. E sem confiança, não há escolha. Essa é a importância da reputação: ela é a ponte

entre nós e a escolha dos outros” (ROSA, 2006, p. 125).

Outro ponto importante é a questão dos ativos intangíveis, que são, para Bueno (2009), a força

da marca, a inovação, o capital humano ou intelectual, a cultura organizacional, o

relacionamento com os diversos públicos, a responsabilidade social, entre outros.

O somatório de todos esses atributos ou virtudes é que confere a uma

organização sua singularidade, diferenciando-a de qualquer outra.

Evidentemente, como reflexo dessa “personalidade” emergem sua imagem (ou

imagens) e sua reputação. De maneira equivocada, muitos profissionais e

agências de comunicação costumam reduzir a identidade corporativa à

identidade visual, constituída pelos elementos gráficos, estéticos ou visuais

que a caracterizam (logotipo, cores, arquitetura dos prédios, embalagens e

afins). Na prática, a identidade corporativa é muito mais do que isso: ela

compreende o que a empresa é, o que faz, o que diz, e como diz ou faz

(BUENO, 2009, p. 188).

Para Sousa (2004), a imagem de uma entidade corresponde àquilo que os públicos pensam que

a organização é, e como uma organização se vê. A comunicação é responsável nesse processo.

“Aquilo que a organização mostra publicamente que é, independentemente de o ser ou não,

resulta da comunicação” (p. 47).

A reputação, finalmente, é uma representação mais consolidada de uma organização, apesar de

também partir de percepções (Bueno, 2009). É resultado de interações repetidas e de

experiências (Thomaz; Brito, 2010). Pode ser resultado de uma leitura mais aprofundada, nítida

e intensa, de uma interação maior, ou como “a síntese de vários contatos e leituras efetuadas ao

longo de um tempo” (BUENO, 2009, p. 190). O autor clarifica essa ideia: “Quando tenho uma

imagem de uma organização, eu acho, eu sinto que ela é ou representa alguma coisa; quando

compartilho a reputação de uma empresa eu sei, eu tenho certeza sobre o que ela é ou

representa” (BUENO, 2009, p. 191).

Argenti (2006) amplia dizendo que a reputação se baseia na percepção do público-alvo, mas

não na realidade da organização em si. Apropriando esse entendimento ao objeto de estudo,

cita-se o exemplo de uma universidade que busca gerar mídia espontânea e aparecer na

imprensa nacional:

Se a universidade não for bem conhecida fora de sua região, essa poderá ser

uma tarefa muito difícil. Sua reputação nessa situação seria inexpressiva,

porque os representantes da imprensa nacional teriam experiência limitada

com a instituição, se comparada com outra que já tenha um nome reconhecido

nacionalmente. Assim, independentemente do recurso utilizado pela

universidade, seria uma batalha difícil (ARGENTI, 2006, p. 32-3).

67

2.2 A atuação das assessorias de imprensa nas organizações

Os profissionais de comunicação corporativa (e os empresários), “sabem a importância dos

meios de comunicação de massa na construção de imagem corporativa e, diuturnamente,

empenham-se, investem e se capacitam para estar neles insertos de maneira positiva” (BUENO,

2006, p.192). A complexidade do trabalho desenvolvido pelos assessores de imprensa nas

organizações na atualidade será o tema deste capítulo. Lorenzon (2006) explica que a assessoria

de imprensa tornou-se imprescindível nas sociedades modernas, não bastando para as empresas

investirem em publicidade para elevar as vendas, nem em marketing ou relações públicas para

consolidar uma imagem positiva na opinião pública.

Divulgação de notícias e relacionamento com o público mídia – será somente esse o trabalho do

assessor? Para Bueno (2003), o trabalho de relacionamento com a mídia é um instrumento

importante da inteligência empresarial. “Exige conhecimento aprofundado dos veículos e até

dos jornalistas que nele atuam, tendo em vista que os espaços autônomos de influência nos

jornais e revistas, comandados por colunistas, por exemplo, cresceram a olhos vistos” (2009, p.

246). Mafei (2005) completa: “As empresas estão despertando para o fato de que falar e se

fazer ouvir, se noticiar, são maneiras de marcar presença, de atrair para si a atenção da opinião

pública” (2005, p. 37).

Acreditamos ainda que o assessor participa da formação da imagem do cliente (Lorenzon,

2006), quando pensa em estratégias de divulgação de notícias, prepara as fontes para entrevistas

e acompanha a cobertura da imprensa sobre os fatos de seu interesse. Ele deve estar atento à

segmentação dos veículos de comunicação, identificando oportunidades distintas em um

mesmo veículo. Assessores de universidades podem explorar espaços de mídia espontânea em

diversas editorias, desde as áreas de educação, ciência, tecnologia, saúde, meio ambiente e

responsabilidade social.

Outro aspecto de extrema importância diz respeito ao fato como os gestores enxergam o

trabalho da comunicação no ponto que nos interessa: assessoria de imprensa. Para Duarte

(2008), eles veem as assessorias de imprensa como “a ponta de um iceberg da comunicação nas

organizações brasileiras” (2009, p. 24). Isso porque, na visão do autor, ao identificar um

problema, os administradores tendem a pensar que a única solução é a divulgação de uma

resposta. No entanto, as complexas questões de comunicação que existem nas organizações não

podem ser resolvidas somente com a divulgação de notícias pelo assessor de imprensa, pois seu

trabalho envolve outros processos e outras atividades que se cruzam, se sobrepõem e se

integram com o trabalho das demais áreas de comunicação de uma empresa, como as áreas de

relações públicas, comunicação interna, relação com consumidores, marketing, conteúdo

editorial, fotografia, entre outras.

3 Universidade

Optamos por trabalhar neste artigo com as universidades, que são, segundo o Ministério da

Educação, instituições que apresentam as seguintes características: produção intelectual

institucionalizada, que busca estudar problemas relevantes da sociedade; um terço do corpo

docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; e um terço do corpo

docente em regime de tempo integral. O Rio Grande do Sul hoje possui 19 universidades, entre

públicas e privadas. São elas, por ordem alfabética: Fundação Universidade Federal de Ciências

da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA); Universidade Federal do Pampa (Unipampa); Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); Universidade Católica de Pelotas

68

(UCPEL); Universidade da Região da Campanha (Urcamp); Universidade de Caxias do Sul

(UCS); Universidade de Cruz Alta (Unicruz); Universidade de Passo Fundo (UPF);

Universidade de Santa Cruz (Unisc); Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos);

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs); Universidade Federal de Pelotas

(UFPEL); Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Universidade Federal do Rio Grande

(FURG); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Universidade Feevale

(Feevale); Universidade Luterana do Brasil (Ulbra); Universidade Regional do Noroeste do Rio

Grande do Sul (Unijui) e Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões

(URI).

A universidade tem um papel permanente: gerar saber de nível superior para viabilizar o

funcionamento da sociedade. Esse papel se manifesta de forma diferente, conforme o tipo de

sociedade que se deseja. Nos Estados Unidos, a universidade desempenhou uma função-chave

na construção da sociedade de consumo, na defesa da potência econômica e militar norte-

americana. Na África do Sul, a universidade branca serviu competentemente para viabilizar a

elevação do nível de vida dos brancos e manter o sistema do apartheid funcionando. Em países

da Europa, as universidades são instrumentos de dinâmica da economia. Através do mercado,

elas conseguem oferecer mão de obra e pesquisas para consumidores e empresas. Em Cuba,

com prioridades definidas pelo Estado, a universidade tem por dever solucionar os problemas

de educação e saúde das massas e produzir conhecimento para uma nação acuada (Buarque,

1994, p. 217).

O profissional de comunicação irá divulgar esse conhecimento por meio das ferramentas de

comunicação disponíveis – releases, revistas, site institucional, makemail, boletins informativos

etc. Após consulta nos sites das universidades citadas, constatamos, por exemplo, que

praticamente todas possuem estrutura de comunicação, espaços para notícias e formas de

contato com o setor de comunicação, assim como toda e qualquer outra empresa ou

organização que tenha interesse em se comunicar com os seus públicos.

4 A comunicação nas universidades

A educação de nível superior tem registrado crescente expansão nos últimos anos. Barreyro

(2008) utiliza dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

(INEP) para mostrar que o número de Instituições de Ensino Superior (IES) passou de 882, em

1980, para 2.013, em 2004. As instituições privadas destacam-se nesse processo de expansão,

com uma participação de quase 90% entre as IES brasileiras no ano de 2004 (BARREYRO,

2008, p. 29). Os fatores determinantes para essa ampliação da educação superior são as

políticas governamentais para a democratização desse nível de ensino, uma mudança de valores

da população em relação ao investimento em educação e um maior acesso ao mercado de

crédito.

Todas essas transformações – principalmente o aumento da concorrência e a ampliação do

número de vagas, sem que a demanda de alunos tenha aumentado na mesma proporção nesse

segmento – fizeram com que a maneira de gerir essas instituições mudasse.

Especialmente diante dos desafios contemporâneos que recaem sobre as

escolas e instituições de ensino superior, a abordagem de escolas e

universidades como organizações abre espaço para definição de sistemas de

gestão que incluam, junto do saber pedagógico, outros saberes essenciais para

o desempenho eficaz da organização educacional. O conhecimento das

Ciências da Comunicação e, mais especificamente, da subárea, comunicação

69

organizacional, é um destes novos saberes que podem contribuir na gestão

educacional (FLORCZAK, 2011, p. 81).

Dentro desse contexto, o profissional de comunicação ingressa como alguém que colabora para

a definição de estratégias que podem fazer a diferença, como na produção de um planejamento

de comunicação que permeará as ações de comunicação. Segundo Argenti (2006), as pesquisas

mostram que mais da metade dos chefes dos departamentos de comunicação atuam ou

supervisionam funções que incluem relações com a mídia; comunicação on-line, marketing,

eventos especiais, comunicação de produtos/marcas; gerenciamento de crise; comunicação com

os funcionários/internas; relações com a comunidade e propaganda de produtos e marcas.

Ainda conforme o autor, 47% dos profissionais trabalham com a função de gerenciar a

reputação. Assim, compreende-se que o papel do assessor de imprensa é mostrar para a

sociedade o que a instituição tem de melhor.

Sousa (2004, p. 59) entende que a comunicação com os meios jornalísticos é uma área vital das

relações públicas. Por essa razão, pontos importantes devem ser levados em consideração

quando se pretende saber como está esse relacionamento:

utilidade que revelam (press-releases, dossiês de imprensa, conferências de imprensa, visitas de

imprensa, viagens, reuniões com os jornalistas, entrevistas, participação em programas

jornalísticos etc.);

fornecimento de informação é regular ou pontual);

autorizada, credível, pertinente, segmentada e se vai ao encontro dos critérios de noticiabilidade

dos diferentes órgãos de comunicação social);

esforços e o dinheiro gastos na comunicação com os jornalistas não seriam melhor

usados em comunicação publicitária e de marketing etc.

5 Pesquisa

Como o trabalho dos assessores das universidades gaúchas contribui na imagem e reputação

das universidades a partir da percepção dos jornalistas? Partindo dessa pergunta e do ponto de

vista metodológico, a investigação fundamentou-se no levantamento e na análise de

informações obtidas por meio de pesquisa qualitativa de opinião, na forma de questionário

autoaplicável, distribuída por e-mail a 25 jornalistas de jornais impressos e de televisão das

empresas de comunicação RBS, Record e Jornal do Comércio. Optamos por entrevistar nos

veículos impressos repórteres das áreas de educação e geral, que abordam em suas matérias

temas ligados às pesquisas e aos serviços oferecidos pelas universidades. Na televisão, foram

entrevistados os produtores de jornais diários, de programas de debates, que necessitam de

fontes especializadas, e produtores de programas voltados ao público jovem.

O formulário foi elaborado utilizando plataforma oferecida pelo Google Docs

(docs.google.com), contendo oito questões de múltipla escolha e duas dissertativas, opcionais.

As respostas foram recepcionadas entre 22 de outubro e 4 de novembro de 2013. Foram

consideradas questões como: “se as universidades são ou não fontes para matérias

jornalísticas”; “se as sugestões de pautas enviadas pelas assessorias de comunicação das

instituições são utilizadas e com que frequência”; “o motivo pelo qual as assessorias de

imprensa são procuradas” (aqui considerando quesitos como a agilidade e qualidade dos

70

materiais enviados); e “o retorno em tempo sobre as solicitações de fontes ou conteúdos para a

realização das matérias”.

Além disso, enviamos três perguntas por e-mail aos assessores de imprensa das 19

universidades gaúchas com o objetivo de conhecer a estrutura dos setores e a demanda

solicitada pela mídia. Essa etapa foi realizada no período entre 30 de setembro e 30 de outubro

de 2013. Verificamos os seguintes aspectos: Como ocorre a divulgação das atividades da

instituição? Releases, contatos diretos com as redações, revistas, newsletter; A Instituição é

bastante procurada pela mídia? Cerca de quantas entrevistas são marcadas por mês e quantos

profissionais integram a equipe de assessoria de imprensa.

Consideramos na elaboração das perguntas fatores como: a proatividade das universidades em

relação à imprensa; o tipo de informação difundida pela organização e em que ocasiões ela

acontece – se o fornecimento de informação é regular ou pontual, por exemplo; e como os

veículos de comunicação aproveitam esse material. O embasamento se deu em Sousa (2004),

que acredita que a opinião dos públicos de uma instituição configuram a imagem da entidade e

são resultado da comunicação que ela estabelece com esses públicos.

O trabalho também contou com pesquisa bibliográfica, pautada em teóricos da comunicação

organizacional como Argenti (2006), Bueno (2003, 2006, 2009), Duarte (2008), Rosa (2001,

2006), Mafei (2005), entre outros.

6 Considerações finais

A partir dos resultados obtidos na pesquisa com as assessorias de imprensa, onde, das 19

universidades gaúchas tivemos o retorno de 11 instituições, entendemos que em todas há uma

grande preocupação com o envio de materiais de divulgação para a imprensa. Isso acontece por

meio de releases, sugestões de pautas, publicação de notícias nos sites institucionais e produção

de revistas ou boletins informativos. Quarenta e cinco por cento das instituições também

promovem encontros (cafés ou almoços) com os jornalistas da mídia regional ou do Estado

para um relacionamento mais direto. Os assessores de 81% das universidades telefonam para as

redações quando a pauta é considerada relevante. Segundo Mafei (2005), esse contato direto

possibilita uma relação de confiança entre jornalista e fonte e contribui para uma boa imagem.

“A transparência entre as duas partes permitirá melhor fluxo de informações no futuro” (2005,

p. 92).

Todas as ações nos mostram a preocupação dos órgãos de comunicação das universidades com

a imagem e reputação das mesmas. Duarte (2008) lembra que a comunicação empresarial é

uma atividade sistêmica, de caráter estratégico, que deve criar, manter ou mudar para favorável

a imagem de uma empresa com seus públicos. Outro fator relevante é que as instituições de

ensino são bastante procuradas pela mídia gaúcha quando esta necessita de fontes

especializadas para as suas matérias. As assessorias, em sua grande maioria, registram as

demandas vindas da mídia. Duas delas se destacam pela quantidade de entrevistas marcadas,

cerca de 80 por mês, e outras configuram uma média de cinco a dez entrevistas/mês, com

fontes variadas.

Na avaliação com a mídia, verificamos uma imagem extremamente positiva das universidades

gaúchas. Dos 19 profissionais entrevistados, 95% responderam de forma afirmativa quando

perguntados se consideram as universidades como fontes. Destes, 47% utilizam com muita

frequência as pautas enviadas pelas assessorias de imprensa e 26% as utilizaram no último mês

71

em suas matérias para televisão, jornal ou rádio. Notou-se também em nossas avaliações que os

jornalistas da mídia dão preferência para as universidades privadas quando precisam de fontes

ou informações para as suas matérias. Essa observação foi feita por 68%; 50% consideraram a

agilidade no retorno como o principal motivo da preferência, seguido de outros motivos com

39% e da qualidade dos materiais enviados com 11%. Somente três aparecem como mais

procuradas, duas privadas e uma pública, e duas delas, uma pública e outra privada, são citadas

de forma positiva ainda quando a questão versa sobre percepções em relação ao atendimento

das assessorias. Mesmo assim, e talvez um motivo para reflexão por parte das assessorias de

imprensa, 74% dos entrevistados veem a relação como uma necessidade, isto é, em grande

parte eles procuram as instituições porque precisam, e não somente por lhes interessar,

diferente talvez da relação que exista com órgãos de governo.

Concluímos que o trabalho desenvolvido pelas assessorias de imprensa das universidades

gaúchas contribui para que elas se tornem fontes de matérias jornalísticas na mídia local,

nacional e até internacional, e lhes dá credibilidade. Rosa (2006) lembra que a credibilidade ou

reputação é um ativo, como uma poupança. O autor sugere ainda um importante ponto que vai

ao encontro do que mostramos neste trabalho: “Para acumular e tornar essa reputação cada vez

mais valiosa é preciso administrar esse ativo em todos os detalhes e a chave disso é entender da

melhor forma possível o lugar onde esta credibilidade está depositada: no olhar e na percepção

do público” (2006, p. 142). Finalizamos reafirmando o importante trabalho de uma assessoria

de imprensa com o público mídia.

A responsável pela construção de uma boa imagem/identidade é a

comunicação, seja com as ações dirigidas ao público interno, seja com a

divulgação para a opinião pública, seja com a construção de relações frutíferas

com os públicos estratégicos de uma empresa. Do que não se duvida é que a

comunicação é quem manda. Por conseguinte, cresce também a literatura e a

crença de que são os profissionais da comunicação os responsáveis pela vida

da empresa no novo mundo comandado pela imagem (DUARTE, 2008, p.

193-4).

Um bom trabalho interfere nos resultados, aliado também com uma história de formação de

cidadãos, um corpo docente qualificado, entre outros fatores.

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74

Informação e comunicação na relação universidade-comunidade

Ana Karin Nunes

Doutora em Educação pela UFRGS, Mestre em Comunicação pela PUCRS

Professora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS

[email protected]

Resumo

Para cumprir sua missão, as universidades devem administrar uma complexa rede de interesses,

de relações de poder mediadas pela comunicação, efetivadas por agentes com influência, entre

os quais a comunidade. Nesse contexto, o estudo, realizado no âmbito do Projeto de Pesquisa

Gestão e avaliação da comunicação universidade-sociedade, da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFRGS), aborda a relação universidade-comunidade, na perspectiva da função

organizacional política de relações públicas.

Palavras-chave: informação; comunicação; universidade-comunidade.

1. Introdução

O estudo foi realizado no âmbito do Projeto de Pesquisa gestão e avaliação da

comunicação universidade-sociedade, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs),

cujo propósito é de avaliar o processo de gestão da dimensão da comunicação com a sociedade

em um grupo de universidades, de modo a identificar se o(s) modelo(s) adotado(s) propiciam a

legitimidade de sua reputação na relação com seus agentes com influência.

Este artigo, em particular, apresenta os resultados de uma pesquisa realizada com duas

universidades do Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2015, cujo objetivo foi analisar o

relacionamento que as universidades estão construindo na comunicação que estabelecem via

rede social digital, com a comunidade. A relação universidade-sociedade, nesse contexto, é

vista na perspectiva da função organizacional política (SIMÕES, 1995), a qual compreende a

informação como a base ativadora das relações de poder e a comunicação como o meio

necessário para a ação. A universidade é compreendida, como uma instituição social, “significa

que ela realiza e exprime de modo determinado a sociedade de que é e faz parte. Não é uma

realidade separada e sim uma expressão historicamente determinada de uma sociedade

75

determinada” (CHAUÍ, 2001, p.35). A relação universidade-comunidade é política, em um

espaço que agentes com influência (MINTZBERG, 1992) praticam o poder com o propósito de

influenciar outros no alcance de seus objetivos. Essa relação universidade-comunidade pode ser

de troca ou de compartilhamento, tal qual a perspectiva de Grunig (2009).

Poder, informação (essência), comunicação (aparência) e conhecimento integram a

relação política, na teoria da função organizacional política de relações públicas. A informação

evita a entropia e organiza a relação universidade-comunidade. As técnicas midiáticas, canais

do processo de comunicação, transportam a mensagem, com ou sem informação. Essas

informações podem gerar relacionamentos baseados na troca, no ganha-ganha; ou no

compartilhamento, no compromisso de ambas as partes com o bem-estar do outro.

Para o estudo, foram eleitas duas universidades do Estado do Rio Grande do Sul com o

status de universidade, segundo o Ministério da Educação, uma pública e uma privada. Elas

tiveram o conteúdo de suas postagens nas fanpagens oficiais da rede social Facebook

monitoradas em 2015/1. As mensagens foram categorizadas segundo o público de interesse

comunidade e analisadas através dos critérios de informação (SIMÕES, 2009) e do tipo de

relacionamento (GRUNIG, 2009).

2. Informação e comunicação na função política da universidade

As organizações, como objeto de estudo, especialmente na área das Ciências Sociais

Aplicadas, são tratadas como grupos de pessoas que visa um objetivo comum. Essa

denominação cabe a toda organização, seja ela de primeiro, segundo ou terceiro setor. Porém,

não é incomum ver o termo associado quase que exclusivamente às empresas, aquelas cuja

finalidade recai sobre os ganhos financeiros. No caso específico da universidade, que objetiva a

formação de cidadãos livres e conscientes de seu papel em sociedade, pouco se vê a referência

a ela como organização. Em geral, associa-se a universidade muito mais ao termo instituição, já

que ela trata de uma necessidade básica, a educação. A esse respeito, cabe esclarecer que uma

universidade é uma organização a qual a sociedade instituiu a responsabilidade pela construção

de um mundo melhor, mais consciente e ético na relação entre os seus sujeitos.

Dito isso, a organização universidade efetiva suas ações a partir de um conjunto de

funções administrativas, as quais envolvem processos, pessoas, recursos. Entre essas funções a

serem gerenciadas está a política, aquela que trata da relação entre a universidade e os seus

diversos grupos de interesse. A função política se efetiva por meio da filosofia, das políticas e

normas, das relações estabelecidas pela universidade em benefício de interesses comuns. Em

concordância com Simões (1995), a gestão da função política de uma organização se dá pela

76

atividade de relações públicas, a qual visa relações legítimas, evitando conflitos e fazendo valer

a missão organizacional com ética e transparência.

A essência de sua contribuição [relações públicas] está em produzir resultados que

possibilitem às organizações cumprirem suas missões e assim potencializando o

desenvolvimento político-econômico de uma comunidade. Onde existir uma

organização, legalmente aceita pela sociedade, grande ou micro, lucrativa ou não

lucrativa, pública ou privada, religiosa ou laica, familiar ou não familiar, do primeiro,

do segundo ou do terceiro setor, do ocidente ou do oriente, do primeiro ou do terceiro

mundo, lá haverá espaço para o exercício profissional desta atividade, contribuindo

para torná-la legítima, Esses espaços não são alternativos. Eles são posições no

organograma das organizações, gerenciando sua função político-comunicacional.

(SIMÕES, 2001, p.14)

O arcabouço da rede teórica de relações públicas diz ainda que a atividade é exercida

por meio das funções de diagnóstico, prognóstico, assessoria e implementação de programas de

comunicação. O objeto material, nesse caso, é o sistema organização-públicos; enquanto que o

objeto formal é o conflito no sistema, ou, em relação dialética, a compreensão mútua. Isso

significa que o sistema no qual se desenvolvem as relações de poder entre a organização e os

seus públicos está em permanente situação de conflito iminente. Por isso, a atividade de

relações públicas deve intervir no processo, por meio de bases de poder, sejam elas de ação ou

de comunicação.

Diante disso, deve-se considerar que a rede teórica proposta por Simões (1995) trouxe,

pelo menos, duas perspectivas até então pouco discutidas pela área de relações públicas. A

primeira delas trata de abordar o fenômeno a partir da Ciência Política, contrapondo a

justificativa de que relações públicas está exclusivamente no domínio das Ciências Sociais. Já a

segunda delas, em perspectiva complementar à primeira, diz respeito à compreensão da

comunicação como a aparência de relações públicas e à relação de poder como a essência da

atividade. Essência esta que se dá por meio da informação como a matéria-prima, ativadora das

relações de poder.

A informação é compreendida, na ótica da função organizacional política de relações

públicas, sob três critérios (SIMÕES, 2006): 1) como matéria-prima da atividade, concebendo a

informação ao público como a essência de relações públicas; 2) como meio para atingir os

objetivos de relações públicas, visto que a informação está atrelada aos aspectos do exercício

do poder, tais quais a persuasão e o ajustamento; e 3) localizada nos canais do processo de

comunicação, tanto em única via como em via de mão dupla, assumindo a perspectiva daquilo

que Grunig (2009) trata como modelos de relações públicas, que na teoria da função

organizacional política de relações públicas, seriam modelos de fluxos de informação.

77

Para Simões (2009, p.18), “informação é a redução da incerteza, ou, de outro modo, a

informação é a resposta a uma pergunta, ou seja, uma questão”. A informação somente

acontece após aquele que recebe a mensagem, composta de dados, tê-los analisado,

organizando-os e interpretando-os. A informação evita a entropia e organiza a relação. As

técnicas midiáticas, vistas como os canais do processo de comunicação, transportam a

mensagem, com ou sem a informação. Poder, comunicação, informação e conhecimento

integram, portanto, a relação política na teoria da função organizacional política de relações

públicas.

Ainda sobre as características ou natureza da informação, Simões (2009) esclarece que

só há informação quando os dados transmitidos tiverem as seguintes características: a)

novidade: os dados da mensagem devem conter novidades para aqueles que a recebem; b)

verdade: os dados da mensagem devem expressar a realidade, evitando que aqueles que a

recebem tomem decisões equivocadas; c) oportunidade para uma decisão: os dados da

mensagem devem ser recebidos em tempo hábil para interpretação e tomada de decisão, o que

significa que dados desatualizados em relação ao tempo e ao contexto não se constituem em

informação; d) linguagem comum: os dados devem estar em linguagem verbal e

comportamental que seja de compreensão para todos os públicos envolvidos no processo de

comunicação; e) processo mental inteligente: se a informação é resultante da atenção, coleta,

análise, organização e interpretação dos dados, pode-se concluir que trata-se de um processo

inteligente, o qual exige habilidade intelectual; e f) provocação de energia: os dados chegarão à

informação, nesse contexto de um processo mental inteligente, quando impulsionarem aquele

que recebe a mensagem a fazer algo.

Voltando à organização universidade, tem-se a necessidade de que a missão de

formação a ela instituída pela sociedade passe, obrigatoriamente, pela gestão da relação que

estabelece com seus alunos, professores, técnicos administrativos, comunidade, entre vários

outros agentes com influência. Os agentes com influência, tal qual defendido por Mintzberg

(1992), são grupos de pessoas que negociam entre elas para determinar a distribuição do poder

dentro da organização. Esses agentes, os quais podem ser categorizados como de coalizão

interna e de coalizão externa, assumem uma conotação de alianças e acordos. Os agentes

internos são aqueles que expressam os objetivos e que determinam os resultados da

organização. Nessa categoria, encontram-se os professores e técnicos administrativos, por

exemplo. Por sua vez, os agentes externos são aqueles que não pertencem à organização, mas

que influenciam o comportamento dos agentes internos, tal qual os alunos de uma universidade.

78

O comportamento da universidade, portanto, é determinado por um jogo de poder estabelecido

entre agentes com influência, que buscam o controle das decisões e ações no sistema.

Do conjunto de agentes com influência que interferem na relação da universidade com o

seu meio, destaca-se um: a comunidade. Essa comunidade tem uma relação singular com a

universidade. A comunidade é quem atribui à universidade o papel da educação, quem outorga

a ela o direito e o dever na formação ética para uma sociedade mais justa e humana. Tratar a

universidade como uma instituição social, “significa que ela realiza e exprime de modo

determinado a sociedade de que é e faz parte. Não é uma realidade separada e sim uma

expressão historicamente determinada de uma sociedade determinada” (CHAUÍ, 2001, p.35). A

relação universidade-comunidade é política, em um espaço que agentes com influência

praticam o poder com o propósito de influenciar outros no alcance de seus objetivos.

Essa relação universidade-sociedade pode ser tratada, apropriando-se da ideia dos

indicadores de qualidade de relacionamentos defendidos por Grunig (2009), como de troca ou

compartilhamento. Um relacionamento baseado na troca é aquele onde um lado está disposto a

oferecer benefícios ao outro porque espera que essa relação lhe gere benefícios de igual valor.

Já o relacionamento baseado no compartilhamento se dá a partir do momento em que ambos os

lados da relação trazem benefícios um ao outro porque cada um está preocupado com o bem

estar do outro. Significa, portanto, dizer que o relacionamento baseado no compartilhamento é

o ideal a ser alcançado entre universidade-sociedade, já que uma é a expressão da outra.

Portanto, a análise da relação universidade-sociedade pode trazer bons indícios para que

se pense a respeito do tipo de sociedade que está se construindo dia-a-dia na relação entre os

múltiplos sujeitos. Uma sociedade de princípios fortes, por certo, se retroalimenta em uma

universidade igualmente forte. Por outro lado, uma sociedade que se revela falha em condutas

de ordem moral e ética, também reproduz essa mesma conduta no âmbito da educação de seus

cidadãos. Avaliar o relacionamento que as universidades constroem, especialmente por meio da

comunicação que estabelecem, pode auxiliar no entendimento sobre a reputação da qual gozam

frente aos sujeitos. Ou ainda, auxiliar no entendimento da reputação que a própria sociedade na

qual atuam está construindo.

3. Relação universidade-sociedade: metodologia e resultados

O Projeto de Pesquisa gestão e avaliação da comunicação universidade-sociedade,

desenvolvido na Ufrgs, tem por objetivo avaliar o processo de gestão da dimensão da

comunicação com a sociedade em um grupo de universidades, de modo a identificar se o(s)

modelo(s) adotado(s) propiciam a legitimidade de sua reputação na relação com seus agentes

79

com influência. Nessa perspectiva, alguns levantamentos vêm sendo realizados desde o ano de

2014, entre os quais este que apresentado, que buscou analisar o relacionamento que as

universidades estão construindo na comunicação que estabelecem via rede social digital, com a

comunidade.

Para este estudo, em particular, inicialmente, foram selecionadas duas universidades

como objetos de pesquisa. A escolha das instituições, cujos nomes são aqui omitidos, se deu

com base nos seguintes critérios: status de universidade segundo classificação do Ministério da

Educação, categoria administrativa (uma pública e uma privada), número de seguidores em

uma rede social digital, número de alunos. Sendo assim, foram analisadas postagens de uma

universidade pública e de uma universidade privada, ambas localizadas no Estado do Rio

Grande do Sul, no primeiro semestre do ano de 2015. O ambiente virtual de análise foram as

fanpages oficiais das instituições na rede social digital Facebook.

Outra definição tomada pelo estudo foi o entendimento de comunidade. Nesse tocante,

compreende-se por comunidade o grupo de pessoas que reside na região de abrangência

geográfica da universidade e que não mantém com ela a relação de aluno, professor, técnico

administrativo, ou de qualquer outro agente determinado na coalizão interna ou externa. A

relação universidade-comunidade foi ainda analisada como de troca ou de compartilhamento.

Do total de postagens analisadas no referido período, 48% tinham conteúdo de interesse

da comunidade. Ou seja, conteúdos que poderiam se configurar como informação, segundo as

características propostas por Simões (2009), para o agente com influência comunidade. Desse

total de postagens, 66% tratavam da divulgação de eventos das universidades. Os outros 34%

distribuíram-se quase que igualmente entre as categorias de divulgação de serviços

institucionais, divulgação de cursos de extensão e geração e/ou compartilhamento de

informações de interesse público.

As postagens que abordaram a divulgação de eventos enfatizavam, em ambas as

universidades, uma relação de troca. Ou seja, uma relação na qual a universidade estava

oferecendo uma oportunidade de a comunidade participar de alguma ação e, em contrapartida,

garantir público em seus eventos. No caso das postagens relacionadas a divulgação de eventos e

cursos da universidade privada, essa relação ficou ainda mais evidente, tendo em vista que

também trata de aspectos de sustentabilidade financeira.

As mensagens que tratavam da geração e/ou compartilhamento de informações de

interesse público, veiculadas pela universidade privada, enfocavam resultados de projetos de

pesquisa e de extensão, ligados a temas diversos, entre os quais saúde, educação, inclusão

digital. A universidade pública, por sua vez, gerou conteúdos que, predominantemente, fazia

80

chamamento para a participação em ações que iam desde voluntariado até levantamento de

dados para projetos de pesquisa e de extensão. Notou-se que a relação universidade-sociedade,

estabelecida via comunicação por uma rede social digital, está condicionada à categoria

administrativa que ocupa: pública ou privada. Enquanto a universidade privada enfatiza um

conjunto de informações voltadas à prestação de contas e à divulgação de suas ações, a

universidade pública, para além disso, convoca pessoas a participarem de suas ações. No

entanto, cabe destacar que essa participação não, necessariamente, pode representar um espaço

de discussão ou mesmo de escuta. Sobre isso, cabem estudos mais aprofundados, os quais

avaliem até que ponto o chamamento da comunidade se dá em uma relação de troca ou de

compartilhamento. Todavia, num primeiro momento, a relação, pela análise das informações

veiculadas, tinha mais características de troca.

Diante desse cenário, a pesquisa realizada com duas universidades, uma privada e uma

pública, ambas do Rio Grande do Sul, permitiu caracterizar como de troca o relacionamento

que as universidades estão construindo na comunicação que estabelecem via rede social digital,

com a comunidade. Em outras palavras, a informação, responsável por ativar as bases de poder

da relação universidade-sociedade, enfatiza aspectos de ganha-ganha. Uma das partes da

relação coopera com a outra na expectativa de receber algo em troca.

4. Considerações Finais

Os estudos realizados no Projeto de Pesquisa gestão e avaliação da comunicação

universidade-sociedade têm revelado que essas organizações ainda precisam evoluir muito em

relação aos objetivos que pretendem da comunicação que estabelecem com os seus agentes com

influência. O encastelamento da universidade e o seu afastamento social, amplamente debatido

por pesquisadores das áreas da Educação e da Sociologia, em particular, também refletem um

processo de comunicação com muitas lacunas.

A universidade como organização tem a árdua tarefa de ressignificar sua função

política. Isso passa pelo entendimento de uma universidade “com” a comunidade e não “da”

comunidade. Afinal, uma não está a serviço da outra. Ambas têm o mesmo peso e relevância na

construção do bem-estar comum. Nesse contexto, a informação precisa ser gerida como a

essência que ativa as bases de poder, por meio de uma comunicação efetiva com os diversos

públicos, privilegiando relacionamentos baseados no compartilhamento ao invés da troca.

A constatação de que a relação que a universidade estabelece com a comunidade é de

troca, de ganha-ganha, apesar de não causar surpresas, já que a sociedade atual opera em um

81

nível onde boa parte dos cidadãos só estão dispostos a fazer a sua parte se, por outro lado,

forem beneficiados por isso, carece de um olhar analítico e de ações imediatas. Nesse tocante, a

responsabilidade é de todos aqueles que dedicam o seu fazer a este espaço. Cabe aos múltiplos

públicos que compõem a universidade provocar essa discussão e, para além disso, construir

políticas institucionais efetivas, as quais objetivem uma nova universidade, uma nova

sociedade.

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82

Empresas cidadãs e Comunicação: uma nova era no âmbito da

Responsabilidade Social Corporativa

Marisa Torres dos Santos

Mestre em Gestão Estratégica das Relações Públicas

Escola Superior de Comunicação Social – Inst. Politécnico de Lisboa

([email protected]) Mafalda Eiró­Gomes

Doutora em Ciências da Comunicação

Prof.ª Coordenadora da Escola Superior de Comunicação Social – Inst. Politécnico de Lisboa

([email protected])

Resumo Procurar­se­à, no presente artigo, defender uma visão da Responsabilidade Social

Corporativa que esteja muito para além de uma qualquer ideia de “caridade” ou “dever”. As

empresas hoje devem reencontrar valores há algumas décadas perdidos e que as levem a

assumir o seu papel de cidadãs nas suas comunidades, com os seus direitos e deveres, como

todos e cada um de nós. À comunicação pede­se­lhe que seja constitutiva desses mesmos

processos e não meramente relatora de algumas dessas politicas ou acções.

Palavras­chave: Comunicação Organizacional, Sustentabilidade, Responsabilidade Social

Corporativa, Cidadania, Credibilidade

Introdução

Dum inter Homines sumus, colamus Humanitatem

Séneca De acordo com Bartlett, Ihlen e May (2014), é impensável que, nos dias de hoje, uma

organização assuma publicamente que o seu único objectivo é gerar lucro. Urge repensar o

83

papel das empresas na sociedade e acreditamos que "(...) se a empresa quer reencontrar a sua

dimensão cidadã, ela deve desenvolver nela própria uma cultura política no sentido pleno do

termo. Deve inserir a sua acção na vida da cidade e participar nos debates sobre o Bem

comum e sobre as orientações para o futuro" (WOOT, 2013, p. 111).

A questão que colocamos neste artigo prende­se não só com a forma como as empresas vêem

hoje as suas politicas de Responsabilidade Social Corporativa, como com qual o papel que é

atribuído aos profissionais de Relações Públicas no que concerne a estas mesmas questões.

Se o que esperamos hoje deste conceito e das empresas que o praticam difere em muito do

que era entendido no final do século passado, também o entendimento que temos hoje do

papel dos profissionais de Relações Públicas/Comunicação Organizacional está muito para

além da sua função meramente discursiva, de relatores ou interlocutores das acções das

empresas.

Na realidade a comunicação, tantas e tantas vezes considerada como um mero instrumento,

ou mesmo um simples adereço, é, na sua essência, o meio que torna possível a própria

existência das empresas. A comunicação é um elemento constitutivo das próprias

oraganizações.

1. Responsabilidade Social Corporativa: um conceito à procura de definição A partir de uma revisão de literatura e tendo como base a experiência profissional das autoras

apresenta­se uma reflexão sobre o estatuto da noção de Responsabilidade Social Corporativa

(RSC), bem como sobre o papel das Relações Públicas entendidas enquanto uma função de

gestão na prossecução de objectivos empresariais que visem eles também e antes de tudo o

Bem comum. A discussão do tema inicia­se, desde logo, com a procura de uma definição

consensual para o conceito e com a sua necessária alteração à medida que os mercados se

alteram.

Existem vários termos que retratam a relação entre as empresas e o meio em que estão

inseridas, sendo que algumas das noções foram surgindo à medida que a área encontrou o seu

espaço no meio social e empresarial. A primeira literatura referia com mais frequência o

termo “Responsabilidade Social”, talvez porque a predominância da ideia de “empresa” ainda

não estava bem consolidada no sector dos negócios (CARROLL, 1999, p. 269). Mais à

frente, um dos constructos que começou também por definir a área ao longo da sua história

84

foi o de “Responsabilidade Corporativa” (e.g., CHEN; BOUVAIN, 2009; HEATH,

PALENCHAR, 2008; HILLENBRAND, MONEY, 2007), que representa, no seu sentido

mais lato, que as organizações são responsáveis pelas suas acções. Mas a noção de corporate

permite­nos também pensar em todas as organizações e não só apenas as que fazem parte, por

definição, do sector dito privado ou lucrativo. que não passam apenas pelo objectivo de gerar

lucro.

O lançamento da obra Responsabilidade Social do Empresário, de Howard R. Bowen, em

1953, marcou uma nova forma de encarar o tópico, que passa a ser reconhecido como

determinante das bases para o pensamento de RSC. Esta publicação é tida como o início do

período moderno da literatura sobre o assunto (CARROLL, 1999, p. 269). Hoje, o conceito

de RSC consiste num termo dominante e transversal à literatura académica e aos negócios na

sua vertente prática (CARROLL, SHABANA, 2010, p. 86; em BARTLETT, IHLEN, MAY,

2014, p. 6). Trata­se de uma definição que "tem uma tradição enraizada em noções de

filantropia, mas é também uma reacção contra as transgressões em termos sociais e

ambientais nos negócios.

Neste trabalho, a perspectiva que pretendemos conferir à RSC prende­se com uma nova

forma de compreender a área, através de um conceito que tem ascendido nesta nova era e que

acreditamos ser o mais “contemporâneo”, que melhor se adequa à presente realidade e

também aquele que maior capacidade apresenta para dar resposta aos problemas de hoje ­ o

conceito de Cidadania Corporativa. A ideia de “Corporate Citizenship”, ou Cidadania

Corporativa, é hoje utilizada por grandes organizações, existindo mesmo uma publicação

dedicada exclusivamente ao tema, The Journal of Corporate Citizenship (revista cientifica

com peridiocidade trimestral editada no Reino Unido). Na perspectiva da primeira editora

desta publicação, "a verdadeira cidadania corporativa envolve bem mais do que aquilo que

tem sido tradicionalmente chamado de Responsabilidade Social Corporativa" (WADDOCK,

2003, p. 3). Esta definição inclui, antes de mais, a relação estabelecida com todos os

stakeholders da organização que são influenciados pelas suas políticas socialmente

responsáveis, na sua acepção mais lata, englobando questões que vão desde a ética nos

negócios às politicas para com os empregados ou a todas as questões de cariz social,

ambiental e de sustentabilidade. Neste contexto, a utilização do termo cidadania prevê que os

públicos e a própria organização estejam ao mesmo nível, e o constructo cidadania

85

corporativa sugere que a organização tem o seu lugar na sociedade, com os direitos e deveres

que isso implica.

A revista norte­americana Forbes descreve o conceito defendendo que "um bom cidadão

corporativo não trata as pessoas e o ambiente como um meio para atingir um fim"

(HATTON, 2014).

Retornando a uma perspectiva histórica, e também de confronto, desta vez reflectindo sobre o

presente conceito, na década de 1970 o economista e Prémio Nobel Milton Friedman foi

um dos grandes opositores à crença de que as empresas podem ter responsabilidades

além do seu principal objectivo de gerar lucro. Através do artigo "The Social

Responsability of Business is to Increase its Profits", difundido na revista New York

Times (Setembro de 1970), Friedman (1970) compara uma organização a uma

“pessoa artificial” e reitera que apenas as pessoas podem ter responsabilidades de âmbito

social. No entanto, mesmo estando em negação, Friedman foi um dos primeiros a

estabelecer uma comparação, uma relação directa entre a dimensão de cidadania e a

dimensão organizacional.

O carácter evolutivo que se pode aplicar à definição de RSC mostra que a área tem alargado

as suas fronteiras ao longo da história. Apesar de os vários autores se mostrarem mais a favor

de um ou de outro, a tendência tem­se pautado pela busca de conceitos cada vez mais

completos e que traduzam a evolução dos problemas sociais, que estão em constante

alteração e precisam de ser respondidos.

Apesar de todas as definições implicarem que, no mínimo, as responsabilidades dos negócios

vão além da procura a qualquer preço pelo lucro, não existe um paradigma dominante ou uma

definição que reúna consenso geral (CRANE, MATTEN, McWILLIAMS et al., 2008, p. 3),

até mesmo porque a forma como as organizações executam as suas políticas implica, por

vezes, o procurar de um conceito mais adequado.

Uma série de outras denominações vai também emergindo, em maior ou menor número,

reflectindo a identidade das empresas e das suas políticas de RSC, dependendo da forma

como estas são por si interpretadas. Termos como “voluntário”, “legal”, “ambiente”, “ética”,

“reputação” ou “confiança”, frequentemente presentes nas definições de RSC evidenciadas

por diversas organizações, permitem reflectir sobre a forma como as mesmas consideram, ou

não, como “seu” o seu papel extra­negócios.

86

Tal como se pode constatar através dos conceitos descritos, esta área está hoje fortemente

presente no meio empresarial. Ainda que diferentes organizações utilizem diferentes noções

para explicar as suas actividades neste âmbito, verifica­se que todos os conceitos vão sendo

directamente colocados no campo das suas políticas de responsabilidade social. A evolução

desta área nas últimas décadas permitiu que tenha já assumido um papel estratégico dentro

das organizações. No início tratava­se apenas de fazer donativos e conferir apoios isolados a

causas culturais, sociais e/ou ambientais, mas hoje pretende­se encontrar soluções duradouras

para problemas específicos do meio envolvente, através de um mecanismo estruturado e

compatível com a estratégia central da organização.

A RSC tem percorrido um caminho de certa forma atribulado, quer na sociedade quer junto

das empresas. Não obstante a resistência que a área foi encontrando desde o seu

aparecimento, no final dos anos 1990, com a evolução da globalização, o debate sobre a

relação empresa­sociedade começou a ficar mais dinamizado ao nível internacional. Surgiu a

dúvida se deveriam ser as organizações que se estabeleceram em determinados locais mais

afectados por flagelos económicos e humanitários a resolver as questões do bem­estar social,

ou se isso caberia apenas à sociedade civil e aos Governos locais (BARTLETT, IHLEN,

MAY, 2014, p. 7). O político francês Jacques Delors protagonizou um momento decisivo

enquanto Presidente da Comissão Europeia, entre 1985 e 1995. Em 1993 lançou um apelo às

empresas "no sentido de estas participarem na luta contra a exclusão social, o que resultou

numa forte mobilização e na constituição de redes europeias de empresas" (LIVRO VERDE,

2001, p. 3). No contexto europeu, o Reino Unido é um exemplo da importância que desde o

virar do século tem vindo a ser dada a esta área no sentido de a desenvolver e consolidar. Em

Março de 2000 foi nomeado um Secretário de Estado para a Responsabilidade Social das

Empresas e fundado um Grupo Interministerial para melhorar a coordenação entre as acções

governamentais neste domínio (LIVRO VERDE, 2001, p. 6).

2. Comunicação e Responsabilidade Social Corporativa O que hoje se entende por práticas socialmente responsáveis já não se confina ao que é

exigido por lei ou a iniciativas dispersas sem um fio condutor. Existem vários níveis de

envolvimento que podem ser praticados pelas organizações nas comunidades em que se

inserem. Hoje em dia, " [...] para as principais empresas, a filantropia corporativa vai muito

além de meras doações" (BRUCH, WALTER, 2005). Como refere Rob van Tulder (VAN

87

TUDDLER, 2013, p.158) há uma ideia mais ou menos difusa, mais ou menos concreta, que

faz cair sob a alçada da designação de filantropia corporativa ou RSC todo um conjunto de

programas e acções que excedem as práticas do estrito senso business das organizações sem

que tenhamos bem a certeza sobre o que entendemos por estratégias de RSC. Sem dúvida que

os diferentes momentos históricos e os diferentes contextos permitiram que esta seja

entendida de formas diversas, mantendo contudo o que consideramos fundamental, o seu

princípio base de trabalhar em prol do Bem comum.

"Para a maioria dos membros da sociedade civil, o termo 'filantropia' visa

associações altruístas, humanitárias e a favor da pobreza. Contrariamente, a

'filantropia corporativa estratégica' e o 'investimento social estratégico' tendem a

derivar do objectivo primário de beneficiar a linha de base da organização,

através do desenvolvimento de futuros mercados ou de tornar mais eficiente a

rede de fornecedores" (LEISINGER, SCHMITT, 2010, p. 4).

Para Bruch e Walter (2005) existem sobretudo dois grandes domínios de filantropia

corporativa: a orientação para o mercado e a orientação para as competências. Algumas

empresas dão uma maior relevância a determinados stakeholders, tais como os clientes, os

colaboradores, as agências de regulação ou as comunidades locais, e a projecção da sua

estratégia de filantropia é normalmente focada em expectativas do meio externo. Trata­se de

uma orientação para o mercado, em que os gestores tendem a direccionar as acções para as

expectativas dos stakeholders (BRUCH, WALTER, 2005). A orientação para as

competências prevê, por outro lado, que a estratégia de filantropia corporativa seja virada

para os seus beneficiários e esteja alinhada com as competências da organização, ou seja,

mais orientada para questões internas (BRUCH, WALTER, 2005). À medida que as

estratégias de RSC se aproximam ou afastam de cada um destes domínios, ficam mais ou

menos enquadradas num dos quatro tipos de filantropia corporativa:

88

Ilustração 1 ­ Os Quatro tipos de filantropia corporativa (Adaptado de BRUCH, WALTER,

2005)

Os domínios expressos na figura incluem a filantropia periférica, a estratégica, a dispersa e a

conscrita. Olhando para a ilustração é possível compreender que o nível de filantropia

estratégica é o mais completo e aquele que pode conferir resultados mais favoráveis a

longo­prazo. Mas nem sempre as organizações detêm uma estrutura que permita adoptar este

nível de envolvimento, na medida em que é necessário um compromisso soberbo com as

práticas socialmente responsáveis. Não obstante, as empresas podem sempre optar por

responder a determinadas questões­chave, que permitam chegar a uma forma de planear a

estratégia de RSC em paralelo com as suas competências e, principalmente, com os seus

objectivos: "De que forma as nossas actividades atingem as nossas metas de filantropia

corporativa? Até que ponto atendemos às expectativas dos stakeholders centrais? Até que

ponto esta iniciativa filantrópica faz evoluir os objectivos de negócio da empresa?" (BRUCH,

WALTER, 2005). Existem inúmeros caminhos para responder às necessidades do meio

envolvente sem que a organização tenha que sair da sua estrutura interna ou do seu ramo de

negócio. Éverdade que as iniciativas mais visíveis são aquelas que têm mais impactos e um

maior investimento estratégico, mas é importante assumir que a importância do

desenvolvimento reside também em pequenos passos, como iniciativas de apoio aos

89

colaboradores internos ou, a título de exemplo, o favorecimento de públicos externos que

sejam formados por pequenas minorias.

Na mesma linha, a seguinte figura traduz a convergência de resultados que pode surgir da

proporção entre os domínios social e de negócios. A zona em que se encontra a combinação

entre benefícios sociais e económicos é considerada a ideal.

Ilustração 2 ­ Uma convergência de interesse (Adaptado de PORTER, KRAMER, 2002). Numa visão que nos parece algo redutora da “comunicação” ­ em geral entendida numa

perspectiva meramente discursiva ­ os profissionais de comunicação tendem a expressar de

uma forma muito mais evidente o que é em geral designado como a responsabilidade social

da empresa face ao seu ambiente externo. É bem mais frequente termos conhecimento do que

é feito em termos de apoio a ONGs, entidades culturais ou no dominio do ambiente, do que

qual o tipo de politicas salariais ou de apoio à familia que as empresas possuem. Nos tempos

conturbados actuais onde tantas e tantas empresas têm sido responsabilizadas por más

práticas face a trabalhadores ou perante fornecedores pouco éticos, urge salientar que “(...) ao

nível da empresa, as práticas socialmente responsáveis implicam fundamentalmente os

trabalhadores e prendem­se com questões como o investimento no capital humano, na saúde,

na segurança e na gestão da mudança [...] " (LIVRO VERDE, 2001, p. 8).

90

Talvez a nossa visão continue excessivamente paroquial. As grandes empresas hoje são

globais e como tão bem o faz notar Woot (2014) a mundialização económica avança bem

mais depressa que a governação e a regulamentação que seriam necessárias. De algum modo

parece que ao nível global operamos nesta segunda década do século XXI num vazio ético.

Este aspecto é precisamente a tese central de Florence Palpacuer (2013) quando refere que

nos últimos anos do século passado e na primeira década deste século as grandes companhias

multinacionais e a concorrência cega entre elas levam a uma redução da qualidade dos

padrões de trabalho a uma escala global.

“Em Maio de 2005, tendo em evidência uma extensa avaliação, o governo

canadiano lançou uma queixa contra o México sobre a liberdade de organização

e de criação de sindicatos independentes. A campanha Puma­Matamoros, assim,

serviu para levar a uma maior prestação de contas por parte das organizações,

para chamar a atenção do público no norte para as condições de trabalho nas

fábricas de vestuário em todo o mundo, e para criar um quadro institucional

regional para os direitos dos trabalhadores no norte da América”

(PALPACUER,2013, p. 279). Notas conclusivas

Urge mudar de uma perspectiva passiva para uma perspectiva activa onde, tal como defende

Van Tulder (2013), a RSC seja pensada como um trabalho conjunto com outros stakeholders,

de forma estruturada mas também estrutural, de dar resposta às questões fracturantes do

mundo contemporâneo.

91

Se entendermos as Relações Públicas como a função de gestão que estabelece e

mantém relações mutuamente benéficas com todos os públicos da organização, quem

melhor do que este profissional para analisar a envolvente e perceber quais as reais

necessidades e interesses dos públicos e da sociedade? A credibilidade e a confiança

só se estabelecem baseadas na expressão da identidade das organizações e não em

fogos fátuos de “construção de imagens” mais ou menos mediáticas.

Cada vez mais é urgente que as organizações consigam o goodwill dos seus

públicos, a sua confiança e compromisso. Cada vez mais é necessário que, acima do

próprio interesse da organização, haja um interesse comum que beneficie a sociedade

como um todo. Estaremos, aqui, perante um novo paradigma das Relações

Públicas, uma nova definição desta actividade, adaptada às exigências das

sociedades modernas e futuras.

O futuro das Relações Públicas, numa perspectiva da comunicação como ação,

poderá passar por:

“(…) um modelo mais próximo de uma ideia já esboçada por

Grunig, que é a de que a mais valia das Relações Públicas se prende

com a sua capacidade de criar relações comunitárias, isto é,

quando para além de relações de troca, cria relações que podem

beneficiar os públicos sem necessariamente beneficiarem a

organização (modelo mais centrado no compromisso).”

(EIRÓ­GOMES, 2006, p. 13).

Como Hulme (2013) tão bem o expressa, neste novo século onde todos os processos

são complexos e as relações se encontram em constante mutação, dependerá da

capacidade de interacção entre o sector privado, o sector público e a sociedade civil

o suportar tanto o crescimento económico como o reforço das capacidades, para dar

resposta às necessidades sociais/ambientais. Às empresas pede­se­lhes tão

simplesmente que se assumam como cidadãs deste mundo global, com os seus

direitos mas também com os seus deveres.

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