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Comunicação Social Os Brasileiros de Lado a Lado: estudo de caso da telenovela como construção de
memória no Rio da Belle Epóque tropical
Aluna: Caroline Bonfim da Fonseca Orientador: Tatiana Oliveira Siciliano
Introdução:
A pesquisa se propõe a refletir sobre a narrativa da telenovela de época Lado a
Lado e de como a trama constrói um imaginário coletivo sobre o passado, ressaltando
o papel pedagógico exercido pelo folhetim eletrônico. As novelas são uma
interpretação da nação e não só propagam os ideais estruturados na sociedade, como
também ajudam a consolidar outros. Por ser uma representação social, é criada a partir
de códigos compartilhados, bem como disseminar outros. É uma via de mão-dupla: A
TV constrói o povo e é construída por ele (IMMACOLATA, 2009). Por isso, também
acabam por reforçar certos estereótipos sobre o tipo nacional, como a trabalhadora
sofredora, o malandro, o desonesto, o honesto demais, etc (BACCEGA, 1998).
Nesse sentido, olharemos para os signos que são colocados na abertura da
novela e durante as cenas. A abertura é uma chave importante de estudo já que ela
conduz como o telespectador vai assistir a trama. Além disso, uma análise detalhada
das cenas mais importantes também é parte fundamental da pesquisa.
A novela exerce um papel fundamental na construção do ideário do público
sobre o momento histórico que se dispõe a tratar. Mesmo com uma licença poética e
sendo, antes de mais nada, uma narrativa ficcional, a teledramaturgia (principalmente
quando é de época) contém uma rica pesquisa de fatos históricos e faz seu enredo
contando com esses fatos. Logo, a maioria dos telespectadores, por mais que saibam
que a novela não é verídica, reconhecem na verossimilhança muito bem embasada a
ilustração desses momentos marcantes da história. Essa verossimilhança se dá não
somente pela narrativa, mas também por toda caracterização presente nas cenas:
figurino, cenário, músicas, coloração, forma de falar e agir dos personagens, etc.
Esse jogo entre TV e telespectadores se dá porque com as transformações
tecnológicas e a mudança dos padrões de consumo (principalmente consumo
audiovisual), a televisão aberta ainda é o veículo que recebe o maior aporte
publicitário1, a TV Globo continua liderando2 e a telenovela segue sendo o formato
ficcional mais assistido3. É uma questão cultural; não só porque uma boa parte da
sociedade não tem acesso a essas novas formas de TV, mas também por ser um
hábito muito forte na vida dos brasileiros. Ela continua sendo o mais poderoso veículo
de comunicação, influenciando comportamentos, pautando outros programas e fazendo
parte do dia a dia da comunidade. Essa relação estabelecida é muito perigosa já que
as novelas de hoje que retratam o passado, o retratam com o olhar contemporâneo e
as ressalvas para assisti-las nesse ângulo raramente são feitas.
O objetivo deste trabalho é compreender como o brasileiro é abordado na novela
e como isso é recebido pelo telespectador através do estudo da novela e de textos
específicos sobre o tema. Também fazem parte do estudo, a análise do contexto
histórico que é retratado na telenovela e os estereótipos atribuídos àquele momento.
Como metodologia foi realizada a coleta, o registro e a sistematização dos
capítulos da novela Lado a Lado filtrando pelo viés de análise da pesquisa:
personagens, caracterização e construção dos mesmos, a que núcleo pertencem e
qual brasileiro eles tentam retratar.
1 Cf. dados do Ibope Kantar, a televisão aberta recebeu 55.1% dos recursos publicitários em 2016,
seguida muito de longe pela televisão por assinatura (12.6%) e pelo jornal (11.7%). Disponível para download em http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/investimento-publicitario-cai-16-em-2016-e-soma-r-130-bilhoes.ghtml. Acesso em 15/07/2017. 2 A TV Globo possui 37,9% da liderança domiciliar, maior do que a soma de todos os canais veiculados
nas televisões por assinatura (21.9%) e da segunda e terceira colocadas na televisão aberta, a Record (15,3%) e a SBT (14,4%). Cf. Dados do relatório do OBITEL, Observatório Ibero Americano de Televisão. http://obitel.net/wp-content/uploads/2016/09/obitel-portugues-2016-1.pdf, Acesso em 20/07/2017. 3 Cf. Dados do relatório do OBITEL, Observatório Ibero Americano de Televisão. http://obitel.net/wp-content/uploads/2016/09/obitel-portugues-2016-1.pdf, Acesso em 20/07/2017.
Liberdade, Liberdade: a Abertura de Lado a Lado
Um dos elementos mais importantes em uma ficção seriada audiovisual é a sua
abertura. Em Lado a Lado a abertura é constituída de uma série de pequenas cenas
que eram comuns para a época (início do século XX). Os capoeiristas lutando;
populares tocando samba com as mãos suadas; a dama da alta sociedade que se
perfuma com um lança perfume; o futebol com uniformes bem antigos; essas são
cenas que, além de estarem presentes na abertura, aparecem durante toda a novela,
ambientando assim o telespectador ao contexto que está prestes a ser inserido.
É interessante perceber que durante as cenas da abertura, os takes são em slow
motion e elas se dão a partir dos detalhes. As mãos suadas; as costas do negro visto
de cima que luta capoeira; as meias dos jogadores de futebol; a sutileza do fogo
acendendo o lampião na rua; as vestes da mulher de alta classe. Todos esses
pequenos detalhes que fazem as distinções de classes sociais e desigualdades
(presentes na novela e no momento histórico retratado), dos novos e velhos costumes
que a constituem e os símbolos culturais que ela quer reforçar em seus capítulos.
Outro aspecto importante da abertura que deve-se atentar é a música.
“Liberdade! Liberdade! Abra as Asas Sobre Nós” foi samba enredo da escola Imperatriz
Leopoldinense quando ela foi campeã do carnaval em 1989. A união da música com os
takes reforça que, mesmo após a abolição da escravidão, a busca pela liberdade ainda
persistia, juntamente com as diferenças evidentes de costumes e classes dentro de
uma mesma sociedade. Como podemos conferir em algumas de suas estrofes:
(...)Pra Isabel, a heroína
Que assinou a lei divina
Negro, dançou, comemorou o fim da sina
Na noite quinze reluzente
Com a bravura, finalmente
O marechal que proclamou
Foi presidente
Liberdade, liberdade!
Abra as asas sobre nós
E que a voz da igualdade
Seja sempre a nossa voz
Por que assistir o passado? Existem dois contextos que devem ser considerados na análise de Lado a Lado:
o contexto retratado na novela, do Brasil no início do século XX, e também o contexto
em que a novela foi exibida, que se passou entre os dias 10 de setembro de 2012 e 8
de março de 2013. O primeiro dos contextos é de um recém-nascido Brasil republicano.
Atualmente, fica claro para muitos historiadores que a Proclamação da República foi
uma estratégia política que não mudou efetivamente as estruturas sociais e
econômicas do país.
A onda republicana chega ao Brasil nos anos 1870, com os jovens idealistas
como Silva Jardim, jornalistas, intelectuais da época que se identificavam com as ideias
positivistas e até militares inspirados por Benjamin Constant. Sabe-se que o Império
estava perdendo força no Brasil e, com as mudanças drásticas na estrutura do país
(como a abolição da escravidão, em 1888), o Império ruiu de vez. No início, essa nova
República era desorganizada e até inconsistente com o Governo Provisório de Deodoro
da Fonseca, e uma série de conflitos entre o poder executivo e o legislativo. Somente
com as articulações para a candidatura de Campos Sales, em 1898, vê-se uma
estabilização maior na política brasileira. É o início da muito conhecida “política dos
governadores”. (BELLO, 1959)
Na “política dos governadores”, o processo eleitoral era caracterizado por
diversas esferas, baseado na troca de favores. Consideremos quatro esferas de poder:
primeiramente vinha o poder dos coronéis; em segundo, o poder municipal; em
terceiro, o poder estadual e, por fim, o poder do presidente da república. Após a
eleição, a instância municipal contava com a Comissão Verificadora de Poderes (CVP),
que escrevia uma ata com as informações dos eleitos. As atas de cada município eram
unidas pela Comissão Estadual, que por sua vez entregava a totalização dessas atas
para a Comissão Verificadora de Poderes do nível federativo. A princípio, o presidente
da CVP era escolhido pelo critério de idade; posteriormente o critério é modificado e o
presidente passa a ser o parlamentar que possuísse mais apoio político. Isso fez com
que houvesse um congelamento dos conflitos e a “eternização das situações de poder”.
As relações entre as esferas eram baseadas na troca de apoio das bancadas em troca
de dinheiro e influência social. É a estruturalização do personalismo (BUARQUE,1936),
no qual os interesses pessoais prevalecem perante os interesses públicos. É o
momento de concretização do ditado popular “Para os amigos, tudo. Para os inimigos,
a lei”. Essa política de favores, (que, diga-se de passagem, existe até hoje) também é
retratada na novela. Desde o princípio da trama, fica claro para o telespectador que
Constância e Assunção estão em decadência por causa dos dotes do casamento de
Laura com Edgar e pelo fim do Império eles perderam status social. Diante dessa
situação financeira diferente da que tinham na época do Império, eles cercam o
senador Bonifácio e sua esposa Margarida de todas as formas para conseguir o apoio
político de Bonifácio e colocar Assunção em uma boa posição dentro do governo
republicano. Constância chega a manter um caso amoroso com Bonifácio para
conseguir articular a ascensão política do marido. No sétimo capítulo de Lado a Lado,
Constância começa a articular seu poder de convencimento para conseguir essa tão
sonhada “retomada de poder”.
Constância: Temo que um escândalo manche a sua reputação, Senador.
Bonifácio: Tenho a consciência tranquila.
Constância: Mas disso eu não tenho dúvidas. E por isso mesmo me envergonho de ser uma
ameaça a tamanha calmaria.
Bonifácio: A senhora ameaça a minha reputação? Mais que sugestivo.
Constância: Se a avó materna de seus futuros netos estiver vivendo na miséria, as pessoas vão
comentar. Eu achei melhor alertá-lo enquanto é tempo.
Bonifácio: A senhora não é mulher de contar trocados.
Constância: A nossa família não é a mesma há um bom tempo. Os escravos se foram, as terras
secaram.
Bonifácio: Mas não perderam a dignidade. E nem o charme secou. Há algum tempo eu comprei
alguns terrenos do seu marido. Achei que isso teria resolvido.
Constância: Mas eu não vim em busca de empréstimos e nem de ajudas temporárias. Eu gostaria
que meu marido servisse a república como serviu mim. Ele é um médico por formação. Um
entusiasta nos genes. E tem as ideias muito afinadas com as de seus amigos republicanos. Se
lembra que ele lhe sugeriu uma lei contra os homens que andam sem camisa nas ruas do Rio?
Bonifácio: Já encaminhei e vai ser aprovada, eu aposto.
Constância: Ah, mas então o prefeito ha de se lembrar do nome Alberto Assunção quando o
senhor pedir uma colocação para ele.
Bonifácio: Enfim, chegamos ao ponto!
Constância: Nós não temos grandes pretensões. Apenas um cargo público, que nos dê
estabilidade.
Além de toda essa questão política que pairava por esse novo Brasil, devemos
considerar a questão racial como crucial para o estudo da novela. Após a abolição da
escravidão (1888), o que fazer com a população negra? Embora a formação étnica dos
brasileiros já estivessem em pauta desde o início do Segundo Reinado, após 1870,
várias teorias racialistas propuseram uma argumentação cientificista sobre a
superioridade branca. O primeiro a trazer a composição étnica do Brasil, como um dos
elementos centrais à identidade nacional foi alemão Karl Von Martius, com a
monografia premiada pelo IHGB (Instituto Histórico Geográfico Brasileiro) Como se
deve escrever a história do Brasil (1845). Para ele, o Brasil, recém independente de
Portugal, era fruto da miscigenação entre negros, índios e europeus, mas só se tornou
uma nação, devido à superioridade europeia. Em sua tese, o elemento português seria
o condutor do país, lideraria os “ingênuos” autóctones e, os negros, que chegaram da
África. Estes últimos, quase não são descritos no texto, pelo Brasil ainda ser um país
escravocrata. Essa concepção de que um povo é inferior a outro permaneceu no
imaginário mesmo após a Abolição, forjando o pensamento e o discurso das elites. Não
é por acaso que leis repressivas, como a Lei da Vadiagem, sempre foram vistas como
naturais e civilizadoras, não como uma das formas de criminalizar expressões culturais
de origem africana como a capoeira, Umbanda e até mesmo as rodas de samba. A Lei
da Vadiagem é retratada na novela Lado a Lado no dia do casamento de Zé Maria e
Isabel, quando Zé Maria é preso por lutar capoeira contra a polícia que foi demolir o
cortiço em que ele e Isabel moravam, mesmo sendo um dos poucos a ter um emprego
fixo de barbeiro. No sexto capítulo da novela, já com Zé Maria preso, ele e o delegado
Praxedes (que valoriza o cumprimento das leis acima de tudo) conversam sobre a lei e
fica claro todo o preconceito intrínseco ao comprimento da mesma:
Delegado Praxedes: Da próxima vez que cantar de galo e ameaçar um policial...
Zé Maria: Eu não ameacei. Só que não é justo eu ficar preso aqui há dias sem saber o por quê.
Delegado Praxedes: Todo bandido sabe por que está preso. Só precisa ser lembrado. Vadiagem!
Artigo 399. Vocês estão enquadrados. 30 dias em cana. Satisfeito?
Zé Maria: Mas e o julgamento?
Delegado Praxedes: Já aconteceu.
Zé Maria: Sem nós? A gente nem viu o juíz.
Delegado Praxedes: Isso é um detalhe. O juiz leu os meus altos, não tem necessidade de olhar a
tua cara.
Zé Maria: Mas eu não posso ficar preso aqui por 30 dias. Tem gente me esperando lá fora.
Delegado Praxedes: Zé Navalha é um nome conhecido. E reincidência em vadiagem é prisão por
3 anos na colônia de Dois Rios, na Ilha Grande.
Zé Maria: 3 anos?
Delegado Praxedes: Quem manda se meter em capoeira. Aprende a trabalhar, vagabundo.
Zé Maria: Mas eu sou trabalhador. Eu sou barbeiro de profissão. O apelido vem daí!
Delegado Praxedes: Ah é? Prova.
É possível ver o enraizamento do preconceito proporcionado por essas leis na
sociedade contemporânea. Um exemplo bem básico é a diferenciação do uso de
elevadores de serviço e elevadores sociais. Durante toda a novela, existem inúmeras
cenas em que Isabel é humilhada por Constância por ser negra. Há um exemplo no
capítulo 2, quanto Isabel espera por Zé Maria, acaba atrasando o casamento de Laura
e Constância vai tirar satisfação:
Constância: Ah, você que é a criadinha?
Isabel: No momento não. Eu não sei se a senhora reparou, mas eu não to de uniforme, eu não to de
serviço. Mas se eu puder ajudar em alguma coisa...
Constância fala para Laura: O padre cedeu a Igreja para uma criada. A pedido da patroa. Uma
estrangeira que aparentemente é muito considerada. Mas eu não podia imaginar que além de tudo é uma
escurinha!
Laura: Mãe, isso não é jeito de falar.
Isabel: Alguns dizem que eu sou até clarinha demais. Mas eu sou uma mulher negra. E eu continuo sem
entender o que a senhora deseja.
Constância: Existem Igrejas que atendem a pessoas como você. E eu até entendo que o padre Olegário,
por caridade, tenha aberto as portas da Igreja que eu frequento. Mas a gente dá amão e já querem logo o
braço, por que esse atraso, minha filha, é um abuso.
Isabel: Se a senhora conseguir dizer o que deseja, talvez eu possa lhe ajudar.
Constância: Eu quero que você retire essas pessoas daqui imediatamente! Por que daqui a pouco vão
chegar os meus convidados e os do senador. E o florista não pôde preparar o altar para o casamento da
minha filha.
Laura: Mãe, por favor! Eu posso esperar.
Isabel: Eu lamento se o atraso vai lhe trazer algum inconveniente. Mas eu não posso fazer nada além de
dizer que a senhora pode ir preparando o altar se quiser. A minha cerimônia não vai atrapalhar a sua
decoração.
Constância; Mas que petulância! Eu exijo que você...
Isabel: A senhora está perdendo o seu tempo. Nenhum convidado meu vai embora antes do fim do meu
casamento. E a cada grito que a senhora dá é menos uma rosa que já poderia estar no altar. Se o
casamento da sua filha atrasar será por sua culpa e não minha.
Constância: Eu vou apressar a decoração. Mas ai de você se uma pétala for ao chão antes da Laura entrar
na Igreja. E pro seu próprio bem, espero que seja a última vez que você atravessa o meu caminho.
Lura: Desculpa a minha mãe. Ela está nervosa por causa do casamento.
Justamente pela manutenção dos estratos sociais imperiais que não foram feitos
ações de integração social por parte do governo ou dos civis. Projetos de redistribuição
de renda, qualificação profissional, educação, saúde, lazer, moradia, não foram
implementados e deixou os escravos recém-libertos à margem da sociedade. Muitos
voltaram a trabalhar para seus antigos senhores, recebendo muito menos do que
deveriam e outros foram tentar a vida nas cidades, mas sem serem absorvidos de fato
pelo comércio e indústrias da época. No quinto capítulo da novela, uma cena reflete
sobre a falta de subsídios para a população majoritariamente negra da época e como a
simples existência dessas pessoas no mesmo meio social, como pessoas livres,
incomodava a elite branca:
Margarida (mãe de Edgar): Uma lei que proíba andar descalço e sem camisa? Mas que ideia brilhante!
Constância: O meu marido é um homem voltado para os novos tempos.
Bonifácio: Prefeito vai adorar essa sugestão!
Assunção: É, as pessoas deveriam usar as ruas apenas decentemente trajadas. E não essa bandalheira que
é hoje.
Laura: Desculpem, mas muita gente que anda descalça e sem camisa não está assim por que quer. Mas
por que não tem dinheiro pra comprar comida. Muito menos roupas.
Edgar: A Laura tem razão. Foram jogados das senzalas para as ruas. O governo não deixou outra
alternativa para essas pessoas que não a miséria.
Bonifácio: São analfabetos, Edgar. Não possuem qualificação pra nenhum emprego digno, compreende? O
que o governo poderia fazer?
Laura e Edgar: Qualificá-los!
Constância: Não basta a Igreja. Agora querem que o governo também dê esmolas? Mas esses jovens…
Um aspecto de contexto que não se pode deixar de abordar na análise é o modo
como o folhetim eletrônico constrói a memória sobre acontecimentos históricos do país.
O primeiro momento exibido é a reforma urbana de pereira passos, a demolição dos
cortiços e o desenvolvimento do Morro da Providência. No terceiro capítulo da trama,
tem uma cena que ilustra bem a opinião da elite branca da época sobre as
demolições: é uma conversa entre o senador Bonifácio e o jornalista Guerra:
Guerra: Senador! Parabéns pelo casamento! Bonifácio... eu já o vi cumprimentar inimigos maiores e mais
perigosos que um mero jornalista.
Bonifácio: Eu só costumo cumprimentar quem eu admiro. Ainda por cima tratando-se do senhor.
Guerra: Eu lamento que nossas diferenças cheguem a esse ponto. Não imaginava que as minhas matérias
sobre as obras da prefeitura pudessem incomodar homens que se dizem a favor do povo e da cidade.
Bonifácio: Ah, Guerra, você não sabe o que diz... e se mete a dar opiniões.
Guerra: Opiniões? Dia isso para as pessoas que moravam nos cortiços e perderam suas casas. Diga a eles
que a fome e o frio são apenas uma opinião.
Bonifácio: Você continua o mesmo né?! Não entende que o progresso tem seu preço.
Guerra: Bonifácio, isso eu entendo muito bem. O que eu não entendo é porque é sempre o povo que tem
que pagar esse preço. E nunca pessoas como você.
Bonifácio: Economize o discurso pro seu jornal, Guerra. Agora aproveite o vinho que é importado. E que
só pessoas como eu podem oferecer para pessoas como você. Agora aproveite porque essa é a última taça
que você toma nessa casa. Dois amigos vão te acompanhar até a saída.
Guerra: É muita gentileza da sua parte, senador. Eu agradeço, mas o vinho azedou. Pode deixar seus
amigos aproveitarem a festa. Eu conheço a saída.
A expulsão das camadas populares pelo Bota Abaixo e a proliferação das
favelas aparece no capítulo 4 de Lado a Lado, ilustrados por 2 cenas:
Cena 1:
Percival: O pessoal aqui do morro, seu Afonso, deu abrigo pra todo mundo que era do cortiço. Ninguém
vai ficar por ai sem eira nem beira não.
Seu Afonso: Quem veio em busca de ajuda encontrou uma porta aberta. Esse é um favor que a gente vai
ficar devendo o resto da vida.
Percival: Imagina... depois o senhor faz a minha barba que a Etelvina vive reclamando que espeta.
Seu Afonso: Barba, cabelo e bigode!
Percival: Olha, amanhã já vamos começar a levantar os barracos. Todo mundo aqui vai ajudar, o senhor
vai ver. Logo logo o senhor vai ter sua casa de novo.
Seu Afonso: Agradecido. Agradecido. Muito agradecido.
Percival: A gente quando chegou aqui também carecia de ajuda. Eu lutei na Guerra de Canudos. Dei até o
que não tinha pra lutar no sertão. Ganhei o que em troca? O governo prometeu dar casa pra gente aqui no
Rio. Tô pra mais de 7 anos aqui e nada das casas.
Seu Afonso: É o que dá a gente ficar esperando coisa de governo.
Cena 2:
Berenice: Aqui no Rio tão chamando o morro de Morro da Favela. Que é por conta do Morro que os
soldados ocuparam lá na Bahia. Você sabia, Isabel?
Um momento muito interessante que a novela não deixou de abordar foi a
chegada do futebol no Brasil. O esporte veio da Inglaterra e naquela época era um
privilégio somente da elite branca que tinha dinheiro suficiente para importar os
aparelhos necessários para jogar. A novela também retratou a fase “pó de arroz” do
futebol, quando os negros usavam pó de arroz no rosto para conseguir jogar o esporte.
O personagem Chico, interpretado pelo ator César Mello, utiliza o pó de arroz para se
camuflar. O curioso é que justamente esse esporte elitista mais tarde, na década de
1930 é consolidado como símbolo da identidade nacional, juntamente com o samba.
No capítulo 6 de Lado a Lado existem 4 cenas que retratam o assunto:
Cena 5:
Umberto: Chegou!! Chegou!! Fui lá na alfândega pegar.
Fernando: Nossa, só de saber a fortuna que foi trazer isso tudo da Inglaterra.
Teodoro: Nosso time! Nosso próprio time!
Albertinho: E o que mais importa! A nossa bola de futebol!!
Cena 6:
Neto: O Futebol vai estragar a juventude do Brasil!Se for para importar maneirices da Inglaterra,
aceitamos o críquete, que é um jogo civilizado. Mas o futebol é violento. Uma correria pra lá e pra cá. Faz
o sangue subir a cabeça. Isso impede o desenvolvimento da inteligência. Tá lá provado que esporte faz mal
a saúde.
Guerra: Eu acho um certo exagero, Neto.
Neto: Guerra, nós precisamos dizer não a esse esporte dos bárbaros bretões. Vou escrever um arquivo
definitivo sobre os males do futebol.
Edgar: Não diga isso, Neto. Eu mesmo se tivesse tempo gostaria muito de jogar. O meu irmão e uns
amigos vão começar um time no Copacabana Sport Club.
Neto: Meu deus. Um digníssimo clube de críquete vai se por a perder.
Jonas: O Edgar, tem vaga no time? Eu queria me candidatar.
Neto: São rapazes de outra classe social, Jonas. Vai cuidar do tifos (??).
Edgar: Não se preocupe, Jonas. Vou falar com o Fernando.
Neto: Cuidado, Edgar. O futebol vai embotar o raciocínio so seu irmão. Essa mania inglesa vai destruir a
elite carioca.
Guerra: O Neto, eu vou pensar no seu artigo. Enquanto isso se atenha às críticas de teatro.
Cena 7:
Fernando: ‘The futebol match- a partida- é jogada por duas equipes.’ Pô, isso até eu sei. ‘Lasen é o juíz’.
Albertinho: O Fernando, futebol não é pra estudar. É pra sair no campo, pra aprender. O time inglês está
vindo pra cá jogar contra o Fluminense. Ai sim, isso que é escola.
Fernando: E como a gente vai entrar em campo sem saber todas as regras? Aqui: ‘oponer é o desvio da
bola pela linha de fundo.’ O que é driblen?
Albertinho: Não sei...
Fernando: É quando você engana o oponente. Você finge que vai pro lado e vai pro outro.
Cena 8:
Albertinho: Os uniformes vestiram muito bem. Também, alfaiateria britânica.
Assunção: Era só o que me faltava. Albertinho, futebol?! Você só pensa em diversão, rapaz. Você não se
interessa pelos negócios da família. Se você tivesse me ajudado....
Constância: Querido, ele está na idade. O interesse por esportes é natural para um jovem barão. O
próprio Bragança de Queirós, que você tanto adimira, criticava os seus patrícios por não se exercitarem.
Ele adimirava o penhor dos ingleses por exercícios ao ar livre. Por minha parte eu só não estou segura de
que o futebol é de bom tom por que eu acho muito agitado. Eu me sentia mais segura no críquete.
Albertinho: Mas mãe, no futebol eu vou conhecer boas companhias, como a senhora tanto diz. Sim, os
jogadores são todos da elite carioca. São engenheiros, industriais, advogados...
Constância: Está vendo, Alberto. Já já ele conhece uma boa moça, se casa e volta pro trabalho. Tudo a seu
tempo.
Outro fato crucial na história do Brasil e que serviu de pano de fundo para a
trama foi a Revolta da Vacina. A revolta aconteceu em 1904 por causa da vacinação
obrigatória contra varíola sem informação para a população. Não houve campanha de
conscientização por parte do governo. Alguns capítulos da novela são destinados a
esse momento, mostrando as manifestações nas ruas, a luta capoeira contra a
repressão pesada da polícia.
Edição do Centenário da República Jornal do Brasil. 1989.
Lado a Lado retrata, de fato, muitos acontecimentos do país, como a Revolta da
Chibata, por exemplo. Para citar cada um deles seria necessário mais elaborações e
páginas. Por conta disso, preferimos abordar somente esses exemplos que
caracterizam por si só as “brasilidades” presentes na construção dos personagens
baseada em estereótipos da cultura brasileira. Vale ressaltar que o preconceito
camuflado em leis no início do século XX continuam refletidos na sociedade brasileira
contemporânea e faz parte do olhar que embasou a elaboração da novela.
Somos levados então a abordar o segundo contexto que a trama se insere: o
contexto dos anos de 2012 e 2013. Em 2012, as mortes de Hebe Camargo e Oscar
Niemeyer impactaram o país. Mas para a pesquisa, nos vale que neste mesmo ano
foram julgados os acusados de participar do Mensalão, o maior escândalo de
corrupção do governo de Luíz Inácio Lula da Silva. O ex-Ministro José Dirceu, ex-
presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do PT Danúbio Soares e o empresário
Marcos Valério foram presos em decorrência dos julgamentos. Além disso, era o ano
das eleições municipais para prefeito, vice-prefeitos e vereadores, o que nos trás à
memória tudo que foi feito e o que não foi feito pelos políticos nos últimos anos (ou,
pelo menos, deveria).
Em 2013, o Papa considerado um dos “mais carismáticos da história” veio ao
Brasil para a Jornada Mundial da Juventude no que foi, provavelmente, o momento
mais tranquilo do ano no Brasil. A situação do país estava tensa. Foi o ano do famoso
slogan “o gigante acordou” e das manifestações em quase todo o país contra o
aumento da passagem de ônibus, sucateamento dos transportes públicos, aparatos de
saúde e de educação. Foi o ano que se registrou a mais baixa popularidade de Dilma
Rousseff, então presidente. Não podemos deixar de mencionar que a Comissão
Nacional da Verdade, criada em novembro de 2011, estava em pleno vapor. Naquele
ano, tinham investigado as mortes de Juscelino Kubitschek e João Goulart. Pode-se
considerar que existia no país uma onda de reivindicações por direitos básicos dos
cidadãos, incluindo o direito à memória, à liberdade e à justiça. O que nos permite
fazer analogias com os ideais retratados na novela e o momento em que o país estava
vivendo nos últimos anos anterior ao lançamento da obra. Um sentimento de explosão
democrática, que se expressava no roteiro, nos enquadramentos de câmera, na
construção da cena, na forma de representar a mulher, o negro, as minorias, as lutas,
contestar a desigualdade, etc.
O lado a lado dos personagens Cada personagem da trama possui uma função específica em passar as
emoções, o enredo e cravar a empatia para com o público. Eles representam as
personalidades idealizadas que tem-se do povo brasileiro como “a lutadora que sofre
até o último capítulo”; o cafajeste; a mulher que dá os conselhos certos na hora certa
para a mocinha; a vilã; o herói e por aí vai. Em Lado a Lado, por ser novela, a
responsabilidade maior desses personagens é fazer com que o público torça (seja
contra ou a favor) diariamente para eles; que o telespectador crie o hábito de saber da
vida daquelas “pessoas” e se identifique mesmo com realidades e personalidades
totalmente diferentes das retratadas, como pode-se verificar no quadro abaixo os tipos
de brasilidade destacados na telenovela:
IMAGEM/NOME
ELEMENTO DA
BRASILIDADE
DESCRIÇÃO DO
PERSONAGEM
Isabel
Camila Pitanga
Representa a
imagem da mulher
brasileira guerreira,
bondosa e
injustiçada.
Menina pobre, negra,
com cabelos crespos. É
uma mulher forte e com
ideais e consolidados.
Ela é a mocinha que
sofre preconceito, sofre
a destruição de seu
casamento, sofre por
ser expulsa de seu
cortiço, por ser
enganada pelo
almofadinha do
Albertinho (menino
branco e rico), por
todas demais
intempéries que
conduzem a história.
Zé Maria
Lázaro Ramos
O ideal de herói. O
homem que sofre
por não saber;
bondoso, honesto e
inteligente, mas que
é facilmente
enganado. O
trabalhador forte
que não fraqueja,
mas que tem
coração mole.
Homem negro, forte e
sobrevivente acima de
tudo. Zé sofre por lutar
capoeira para se
defender, sofre
preconceito poder ser
negro e pobre, sofre
por perder sua casa e a
mulher que ama; sofre
por não saber.
Laura
Marjorie Estiano
A mocinha. Linda, branca,
bondosa, que sofre por
ser obrigada a se casar
e tem que lutar para
conseguir sua
independência. Mesmo
sendo criada em uma
família preconceituosa,
Laura consegue se
desvincular de toda
falta de caráter e do
pensamento retrógrado
de sua família.
Edgar
Thiago Fragoso
O mocinho. Branco, lindo, bondoso,
honesto e justo. Edgar,
assim como Laura,
consegue se
desvincular de todas as
amarras familiares e
pensar sem
preconceito e lutar pela
igualdade. Mas como
um típico homem da
época, ainda sofre para
conseguir deixar o
machismo de lado.
Constância
Patrícia Pillar
O conservadorismo.
A vilã. Faz tudo que
pode para conseguir
o que quer.
Manipula, joga,
pregadora dos bons
costumes, mas
totalmente corrupta.
É a personificação
do mal, mas que
tem uma garra
inegável. Como seu
nome diz, ela não é
fã de mudanças
drásticas.
Mulher branca, loira, de
olhos claros; elegante e
bem vestida; ex-
baronesa. Ela
representa o antigo, a
época do Império
escravocrata
latifundiário e
conservador que agora
está tentando se
adaptar ao jovem
regime republicano. Ela
faz questão que os
negros a chamem de
baronesa e não
esconde o desprezo
que sente por eles. Sua
família está tentando
manter o status que
tinham durante o
Império mesmo que
falidos. Ela é o produto
de seu tempo:
extremamente
machista.
Senador Bonifácio
Cassio Gabus Mendes
Simboliza o
brasileiro corrupto,
que tenta ter
vantagem a
qualquer custo,
colocando até
família no meio dos
esquemas.
Bonifácio é homem
branco, elitista, rico,
corrupto, machista,
ambicioso e sem
escrúpulos. Representa
o novo regime, mas
com resquícios do
Império. É justamente a
República dos
Governadores, que
buscava fazer reformas
na capital (Rio de
Janeiro), vacinar os
pobres e que não
moveu uma palha
sequer para oferecer
um auxílio aos recém-
libertos escravos.
Tia Jurema
Zezeh Barbosa
A conselheira
bondosa de Isabel.
Trabalhadora.
Representa
claramente as “tias
do morro”, que na
época eram
personagens
comuns do dia a dia
da população mais
pobre. Eu diria que
até hoje elas guiam
a vida nas
comunidades
brasileiras.
Negra, moradora do
morro após ser
despejada do cortiço,
ela cozinha e lava
roupas para se
sustentar, e também
abre sua casa para
rodas de samba e
realizações de práticas
de religiões africanas.
É através de suas falas
que o são abordados
os nomes de grandes
compositores da época,
a luta por direitos dos
negros e os desafios da
vida de quem vivia à
margem da sociedade.
Berenice
Sheron Menezzes
A vilã pobre. Aquela
que teoricamente
tem justificativa para
fazer maldades
porque sofre
injustiças, mas que,
ao mesmo tempo, é
considerada traidora
por não lutar pelo
seu povo.
Negra, pobre,
trabalhadora.
Características boas
que se somam às
maldades desmedidas
cometidas por ela.
Ambiciosa, ladra,
corrupta.
Caniço
Marcello Melo Jr.
O malandro. Negro, pobre,
enganado por
Berenice, lutador, sem
referência de família ou
Estado, Caniço ganha
a vida como pode. Por
vezes honesto, por
vezes malandro.
Delegado Praxedes
Guilherme Piva
A lei. Branco, mas de classe
média. Sem muitas
riquezas, mas que
desposa de poder
minúsculo de executor
da lei. Preza o
cumprimento das
regras a qualquer custo
e não se importa com
as camadas mais
pobres. Apenas cumpre
ordens.
Dona Eulália
Débora Duarte
A hipocrisia. Mãe de Praxedes.
Eulália vai à missa
sempre, faz crochê
para o futuro
casamento de sua neta
(que não tem
namorado), uma
senhora pacata. No
entanto, sabe dos
segredos de Bonifácio
e não titubeia em
chantageá-lo para
conseguir o que quer.
Carlos Guerra
Emílio de Mello
O revolucionário
construído com a
visão
contemporânea da
história.
Também o porta-voz
da opinião pública, a
partir do canal da
imprensa.
Homem branco,
letrado, dono de um
jornal de oposição ao
governo. É o
conselheiro de Edgar,
possui uma mente mais
aberta, progressista e
abre diversos debates
com Bonifácio sobre as
questões sociais na
novela.
Considerações finais:
Pode-se notar que mesmo diante todas as mudanças e adaptações da
sociedade perante as novas tecnologias, a televisão ainda possui um papel muito forte
de mediação com o público. Cada atividade necessária à realização de uma novela
(figurino, cenário, enquadramentos, maquiagem, cenas, etc) ajuda na concretização do
efeito de verossimilhança, fundamental na imersão do telespectador, principalmente em
ficções que trabalham com temáticas históricas, que abordam épocas passadas.
Para ilustrar esse argumento, selecionamos uma cena do capítulo 8 na qual o
personagem Guerra conversa com o personagem Neto (interpretado por Romis
Ferreira) sobre as condições de vida no Morro da Providência. Fica bem claro que toda
a argumentação está embasada no olhar contemporâneo; principalmente no momento
em que ele fala sobre os “dois Rios de Janeiro”, com uma divisão muito clara entre o
morro e as ruas. Isto é, uma cidade estruturalmente desigual.
Guerra: Eu atravessei a madrugada escrevendo, Neto. Eu fiquei muito impressionado com o que
nós vimos lá no morro. Uma gente boa. Sabe? Muito boa mesmo. Alegre. Otimista, até! Apesar
das condições em que vivem. Completamente abandonados ao deus-dará.
Neto: Quer dizer que filhos de escravos, ex-escravos, ex-soldados, todos foram por
mesmo canto?
Guerra: Pois é! Aquele homem que eu entrevistei, Percival, ele lutou em Canudos. O
governo prometeu pra ele uma casa no Rio de Janeiro.
Neto: E?
Guerra: O coitado tá esperando até hoje.
Neto: E o que vai acontecer com esse pessoal todo que morava no cortiço? Se amontoar
nos morros?
Guerra: Essa é a questão! Estão surgindo duas cidades: uma européia e outra que
parece uma aldeia de índios. Isolados, distante de tudo, vivendo em péssimas condições.
As crianças vão crescer longe das escolas, sem médico. A polícia não sobe nunca lá.
Então fica fácil dos bandidos se instalarem ali, no meio daquela gente boa, que nós
conhecemos.
Neto: Pelo menos você vai fazer tudo isso no jornal pra todo mundo escutar, né?!
Guerra: Mas será que eles querem escutar? A cidade européia está mais preocupada em
limpar a cidade, sem pensar nas pessoas envolvidas nisso. O pessoal dos cortiços, por
exemplo. Ficam sonhando em abrir avenidas, chamam de elesê dos trópicos enquanto a
outra parte da cidade.... Eu só espero que quando eles decidirem escutar não seja tarde
demais.
Neto: Por que você diz isso, Guerra?
Guerra: Eu não quero ser pessimista não, Neto. Mas essas duas cidades, a do morro e a
das ruas, nunca vão viver no mesmo Rio de Janeiro. Nunca. Aí eu me pergunto: será que
o Rio vai ser sempre essa cidade dividida?
Se as transformações tecnológicas alteraram, inclusive, o modo como
consumimos narrativas, algumas questões permanecem: o interesse por histórias que
falem de gente e a percepção de que a desigualdade social continua , tem cor e
espaço geográfico definido.
Referências:
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