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GUSTAVO FERREIRA MARTINS GOMES Comunicação do espaço futuro: Brazil, o filme MARÍLIA 2005

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GUSTAVO FERREIRA MARTINS GOMES

Comunicação do espaço futuro: Brazil, o filme

MARÍLIA 2005

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GUSTAVO FERREIRA MARTINS GOMES

Comunicação do espaço futuro: Brazil, o filme

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UNIMAR – Universidade de Marília para obtenção do grau de mestre em Comunicação. Área de concentração: Mídia e Cultura. Linha de Pesquisa: Ficção na Mídia

Orientador: Prof. Dr. Romildo Sant’Anna

MARÍLIA 2005

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TURISMO

REITOR:

Márcio Mesquita Serva

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO:

COORDENADORA:

Professora Doutora Suely Fadul Villibor Flory

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO:

Mídia e Cultura

LINHA DE PESQUISA:

Ficção na Mídia

ORIENTADOR:

Professor Doutor Romildo Sant'Anna

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GOMES, Gustavo Ferreira Martins

G633c Comunicação do espaço futuro: Brazil, o filme / Gustavo Ferreira Martins Gomes. – Marília : Unimar, 2005.

116f.

Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Comunicação, Educação e Turismo da Universidade de Marília, 2005.

1. Mídia 2. Cinema 3. Futuro 4. Linguagem não-verbal

I. Gomes, Gustavo Ferreira Martins II. Comunicação do espaço futuro: Brazil, o filme

CDD – 302.23

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Comunicação do espaço futuro: Brazil, o filme

Autor: Gustavo Ferreira Martins Gomes

Orientador: Professor Doutor Romildo Sant'Anna

Aprovado pela Comissão Examinadora

__________________________________________________________

ORIENTADOR: Professor Doutor Romildo Sant'Anna

__________________________________________________________

Professor Doutor Álvaro Hattnher

__________________________________________________________

Professor Doutor Antônio Manoel dos Santos Silva

Data da Apresentação: 21 de novembro de 2005.

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Dedico este trabalho a Eli Maria de Freitas Ferreira, a

mulher que me ensinou a gostar de saber.

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Agradeço

Ao meu orientador, Prof. Dr. Romildo Sant’Anna, que me

desafiou, me iluminou caminhos e que, sobretudo, por ser

“brasileiro, neto de pataxó”, nunca desistiu de mim, mesmo nos

meus momentos menos criativos e produtivos;

A todos os meus professores e colegas no curso de

mestrado que, direta ou indiretamente, me ajudaram a cumprir

este caminho;

Às pessoas próximas que me incentivaram acreditando em

mim muitas vezes mais do que eu mesmo.

Ao meu irmão Ricardo quem me ensinou a importância dos

letreiros finais dos filmes e que, sendo sempre melhor que eu em

tudo, me desafiou a crescer.

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Levantou a vista para o rosto enorme. Levara quarenta anos para

aprender que espécie de sorriso se ocultava sob o bigode negro. Oh, mal-

entendido cruel e desnecessário! Oh, teimoso e voluntário exílio do peito

amantíssimo! Duas lágrimas cheirando a gim escorreram de cada lado do nariz.

Mas agora estava tudo em paz, tudo ótimo, acabada a luta. Finalmente lograra

a vitória sobre si mesmo. Amava o Grande Irmão.

George Orwell, 1984, [último parágrafo] p.277

“Nossa época é a primeira na História a prestar tanta atenção ao futuro

– o que é irônico, considerando que podemos não ter futuro nenhum.”

Arthur C. Clarke

No entiendo eso, replicó Sancho; sólo entiendo que, en tanto que

duermo, ni tengo temor, ni esperanza, ni trabajo, ni gloria; y bien haya el que

inventó el sueño, capa que cubre todos los humanos pensamientos, manjar que

quita la hambre, agua que ahuyenta la sed, fuego que calienta el frío, frío que

templa el ardor, y, finalmente, moneda general con que todas las cosas se

compran, balanza y peso que iguala al pastor con el rey y al simple con el

discreto. Sola una cosa tiene mala el sueño, según he oído decir, y es que se

parece a la muerte, pues de un dormido a un muerto hay muy poca diferencia.

Miguel de Cervantes. Don Quijote de la Mancha. Capítulo LXVIII.

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Tema: Comunicação não-verbal e imaginário no cinema sobre o futuro.

Resumo:

Este estudo analisa e investiga, baseado em teorias da Comunicação, como e quanto a

linguagem da cenografia – representação da arquitetura, do design e do urbanismo – auxilia

e/ou determina a construção da idéia de futuro apresentada em filmes de cinema ambientados

nesse tempo. Verificando se a linguagem não-verbal – cenografia – é coerente com a

linguagem verbal – script – podem ser analisadas as aplicações de diversas teorias da

Comunicação. A escolha da mídia "cinema" se deveu à sua universalidade, tanto de produção

quanto de recepção, e a definição pelo recorte da ficção científica ambientada no futuro partiu

do pressuposto de que essa idéia temporal está ligada à ancestralidade humana (onírico,

lúdico, mítico, místico). Além de lançar luz sobre as verificações do conceito de

verossimilhança nas linguagens cinematográficas e investigar a relação da mídia "cinema"

com as teorias mais atuais de mass media, o estudo permitiu, também, uma discussão sobre a

linguagem/comunicação arquitetônica a partir dos significados de seus elementos

apresentados na cenografia estudada. O filme escolhido como corpus da pesquisa foi Brazil, o

filme, de Terry Gilliam, de 1985.

Palavras-chave: mídias, cinema, futuro, linguagem não-verbal.

Abstract:

Based in communication theories, this study analyses and investigates how and how much the

scenographic language – architecture, design and town planning representation – helps and/or

determines the construction of the idea of future presented in films. If the non-verbal language

– the scenography – is coherent with the verbal one – the script -, the application of various

theories of communication can be analyzed. The study chose 'cinema' as the media to be

analyzed, due to its universality, which encompasses both production and reception. The focus

on science fiction set in the future is based on the assumption that this temporal idea is linked

to the human ancestrallity (oneiric, ludic, mythical, mystic). Besides throwing light on the

concept of verisimilitude in the cinematographic languages and investigating the relation of the

media 'cinema' with current mass media theories, this study will allow a discussion on the

architectural language/communication from the meaning of its elements presented in the

studied scenography. The film used as analytical object was Terry Gilliam's Brazil (1985).

Keywords: media, cinema, future, non-verbal language.

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Sumário

I. Introdução ________________________________________________ 09

II. Brazil, o Filme _____________________________________________ 18

II.1. O que é Brazil _________________________________________ 19

II.2. Terry Gilliam __________________________________________ 20

II.3. Rupturas em Brazil _____________________________________ 22

II.3.1. Final Infeliz _________________________________________ 23

II.3.2. Onde e Quando _____________________________________ 24

II.3.3. Aquarela do Brazil ___________________________________ 25

II.3.4. Bug no Sistema _____________________________________ 28

II.3.5. Arquitetura e Design _________________________________ 30

II.3.6. Sonhos e Pesadelos _________________________________ 32

II.3.7. Breves Leituras _____________________________________ 39

III. Propaganda Ideológica: a Construção da Idéia de Futuro_________ 48

III.1. Propaganda Ideológica no Futuro ________________________ 49

III.1.1 O que é Propaganda Ideológica________________________ 50

III.1.2. Propaganda Ideológica na Literatura de Ficção Científica__ 51

III.1.3. Propaganda Ideológica no Cinema de Ficção Científica ___ 53

III.2. Propaganda Ideológica em Brazil _________________________ 54

III.2.1. Cartazes em Brazil___________________________________ 55

III.2.2. O Prólogo: “Quero lhe falar sobre Tubos”_______________ 61

IV. Arquitetura: a Idéia de Futuro na Construção ___________________ 66

IV.1. Análise da arquitetura em Brazil __________________________ 70

IV.1.1. As residências ______________________________________ 71

IV.1.2. Os locais de Trabalho ________________________________ 77

IV.1.3. Os espaços públicos_________________________________ 83

IV.1.4. Os espaços externos ________________________________ 88

IV.1.5. A sala de “confissões” ______________________________ 93

IV.2. O futuro é Barroco? ____________________________________ 96

V. Considerações Finais_______________________________________ 101

Ficha Técnica (Brazil, o filme) ____________________________________ 109

Lista de Figuras________________________________________________ 111

Referências Bibliográficas_______________________________________ 113

Referências Filmográficas _______________________________________ 116

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I. Introdução

O cenário, mais que um pano de fundo de natureza plástica ou ornamental,

deve ser expressão do ser, interagir com os elementos significacionais que

corporificam o discurso cinematográfico. Estrutura-se basicamente de elementos

arquitetônicos, aí se incluindo não só as formas da engenharia (paredes, colunas,

vigas, telhados) como as texturas, elementos cromáticos realçados pela luz, a

disposição interna dos objetos no ambiente e elementos decorativos que, enfim,

constituem a arquitetura como linguagem. Ela "conta" quem o personagem é, o que ele

sente, em que tempo psicológico ou cronológico ele vive. Comunica como a criatura

projeta para si e para o outro o sonho de si, no passado, no presente e no futuro. O

cenário, ou arquitetura cinematográfica, é elemento discursivo no mundo da criação

coletiva que constitui o cinema. Simbolizador do ser e estar no mundo, constitui o

cerne o íntimo, o espaço como ninho, e configura a existência do indivíduo, da

sociedade e instituições políticas e seus desejos, realidades, sonhos e ideologias.

A proposta que motivou este trabalho surgiu de uma provocação, em 1984,

quando foi sugerida uma reflexão sobre mídias na disciplina “Teoria da Informação e

Percepção”, em meu primeiro ano do curso de Arquitetura, na Universidade

Mackenzie. À época, o filme Blade Runner (1982 – direção de Ridley Scott), havia

mostrado um futuro assustador e opressivo, inovando em linguagem, mas

apresentando uma leitura pessimista em relação ao futuro já presente em obras

cinematográficas do início daquele século, como Metrópolis. O impacto das imagens

do filme sugeriu a idéia de se analisar a evolução do conceito de futuro através do

tempo, retratado na arquitetura como cenário em obras cinematográficas.

Pretendeu-se analisar a arquitetura – e, conseqüentemente, os espaços

urbanos e objetos que ambientam os filmes de ficção científica e as mensagens

culturais, sociais e artísticas contidas nessa linguagem arquitetônica. Ela é parte

integrante e fundamental da comunicação não-verbal no cinema: a cenografia.

Considerando que toda materialização do conceito de futuro parte da

elaboração criativa, por parte do autor, de um processo de desenvolvimento a partir do

momento da criação, envolvendo toda a bagagem cultural, social, política e científica

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adquirida, percebe-se que tal “imagem” do futuro não é apenas fruto de processos

adivinhatórios ou fantasiosos, tendo vínculos com o presente e com o passado

recente, sendo uma reprodução ampliada e, às vezes, exagerada destes.

As afirmações anteriores embasam-se na observação de que, através do

século XX, o cinema teve inúmeras obras marcantes ambientadas no futuro e, de

maneira geral, mostram projeções diversas, abrangendo visões otimistas, pessimistas,

irônicas e céticas. Numa observação mais apurada, nota-se existir uma evolução

dessas visões e, de certa forma, as obras contemporâneas têm semelhanças

marcantes sob esse ponto de vista.

O estudo buscou verificar se existe uma coerência, dentro do conceito de

verossimilhança, entre a linguagem verbal e a não-verbal no cinema, quando da

construção da idéia de futuro e, então, quais reforços e destaques as imagens dão às

mensagens contidas no filme. Essa abordagem, se não é de todo inédita, busca

apresentar-se ao que já foi visto, sobre a elaboração do conceito de futuro a partir da

análise do processo evolutivo da arquitetura, design e urbanismo, tidos como

linguagem, considerando a comunicação do ambiente.

A importância desta pesquisa, a nosso ver, estaria em tentar clarear o

campo da comunicação do cinema, basicamente sobre aquilo que não é falado, mas

que, mais do que em qualquer outra mídia, é fundamental para a mensagem: o cenário

como linguagem. A afirmação “uma imagem vale por mil palavras” expressa, como a

maioria das sentenças do senso comum, uma realidade parcial: depende de qual

imagem e de quais palavras. Um breve aprofundamento na semiologia saussureana

ou na semiótica de Pierce é suficiente para referenciar a afirmação acima.

Note-se que, (...), o símbolo não é uma coisa singular, mas um geral.

Assim são as palavras. Isto é: signos de leis e gerais. A palavra mulher, por

exemplo, é um geral. O objeto que ele designa não é esta mulher, aquela mulher ou

a mulher do meu vizinho, mas toda e qualquer mulher. O objeto representado pelo

símbolo é tão genético quanto o próprio símbolo.1

1 O que é Semiótica, de Lúcia Santaella, p.67

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Entretanto é natural que sejam necessários alguns parágrafos de texto de Aluísio

Azevedo ou de Eça de Queiroz para a descrição minuciosa de um ambiente, o que

pode ser expresso em poucos fotogramas. Suely Flory, em Entre textos e códigos, um

estudo da abertura de Os Maias: do romance à minissérie, dispõe:

O espaço, que se constitui, juntamente com o tempo, como uma das

categorias da narrativa, é criado na narrativa verbal através das palavras, o que

propicia uma inevitável indeterminação e incerteza, levando o leitor a recriar, em

sua mente, as imagens espaciais descritas. A construção fílmica, por outro lado,

tem no espaço uma dimensão ampla e complexa. Estabelece-se uma relação

isomórfica com os objetos, as paisagens, os figurinos e as dimensões e relações

espaciais do mundo real. O espaço em movimento (...) oferece um suporte ao

desenvolvimento da sucessão temporal da narrativa, pois a cada espaço

corresponde um tempo específico, possibilitando leituras e interpretações pela

proximidade ou superposição de ambientes e cenas, pelos recursos de focalização

e abertura, pela demora em objetos e cenários que falam por si, como signos

ideológicos que sublinham as características das personagens.2

Mas por que o cinema? Por que, do cinema, a cenografia? E por que, no

cinema, a ficção ambientada no futuro? Dentre as mídias, o cinema é talvez a mais

global. O mesmo filme, com as mesmas imagens e sons – apenas legendado em

casos específicos – é apresentado em todo o mundo, diversas vezes e por longos

períodos. Jornais, revistas, rádio e tv têm sempre uma abrangência espacial limitada.

Mesmo que a mesma notícia atinja o mundo todo, sempre há interpretações e

influências culturais em cada uma das edições feitas localmente, e sempre existe o

rápido consumo e obsolescência da informação. Essa universalidade do cinema

provoca uma forte capacidade de homogeneização da informação, característica única

e diferencial.

O direcionamento do foco do trabalho para a cenografia se justifica na

medida em que a quantidade de informações visuais no filme gera intertextos múltiplos

que, talvez, por esta inerente complexidade, ainda merecem análises e interpretações.

2 Entre textos e códigos, um estudo da abertura de Os Maias: do romance à minissérie, de Suely Flory,

in Comunicação: Veredas, p.114

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A decisão pelo corte, no assunto, destacando filmes ambientados no futuro

se deve à compreensão de que as projeções e assunções que levam ao

estabelecimento do conceito de futuro nascem do onírico, do lúdico, dos temores e dos

mitos. Esta ligação do conceito de futuro com a ancestralidade humana foi verificada e

analisada quanto à possível geração de uma idéia universal de futuro. Dentre os

estudos realizados sobre os temas cinema, comunicação e futuro, existem várias

abordagens, inclusive complementares, que dão conta da prática cinematográfica, das

linguagens verbais e não-verbais na mídia, da comunicação do ambiente, das

referências visuais para construção do conceito de futuro. Falta, no conjunto desses

estudos, entretanto, uma definição da participação do cinema, enquanto mídia, na

construção ideológica do "poderia ser" e, conseqüentemente, sua influência direta na

sociedade atual (ou na época da execução do filme).

Pelo menos dois textos, de arquitetos, abordam o tema da Arquitetura como

cenário no cinema. Lineu Castello, na palestra Meu tio era um blade runner: ascensão

e queda da arquitetura moderna no cinema, discute a modernidade apresentada no

cinema, as influências deste moderno na sociedade e as extrapolações do presente

necessárias para se construir o futuro:

... a constante autocrítica que a Arquitetura se vê incitada a praticar ao

se deparar com as representações que dela faz o cinema, não pode parar e todos

os esforços de pesquisa devem se voltar a realimentá-la na direção de uma

constante evolução, mais do que para a revolução que quis ser o modernismo na

Arquitetura e Urbanismo. 3

Daniel Mangabeira da Vinha, no ensaio A participação da Arquitetura na

construção da idéia de futuro, transmitida pela sétima arte, verifica o quanto a

cenografia consegue influenciar na concepção do futuro apresentado no cinema e

sugere uma discussão sobre um possível feed-back:

Propondo o caos como forma inevitável de finalização de uma

sociedade, um cineasta pode propor à mesma que se reorganize para evitar o

inevitável. Foi assim com ‘Metrópolis’ e é assim com ‘Blade Runner’. Este tipo de 3 Meu tio era um blade runner: ascensão e queda da arquitetura moderna no cinema, de Lineu

Castello, http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq024/arq024_03.asp

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questionamento que pode ser até imperceptível ao olho leigo é, na verdade, uma

profusão de idéias loucas e desvairadas, mas desmontam e se fixam em um lugar

que podemos chamar de presente. O presente é o passado do futuro. 4

Ambos os estudos apontam caminhos para uma visão das linguagens não-

verbais no cinema, mas se concentram na Arquitetura moderna e suas teorias, talvez

incorrendo em um desvio em que não se percebe a Arquitetura como sendo a

expressão artística que menos se isola no tempo-espaço. Não é apropriada, apesar de

possível e usual, a análise de uma obra arquitetônica isolada, sem buscar

compreender os diálogos dessa obra com seu entorno, tanto físico quanto histórico.

Não se tem, como que numa parede de museu, uma igreja gótica isolada, distante de

seus diálogos com o supermercado em frente, com os veículos velozes na avenida

lateral ou com o semáforo piscando seu eterno verde-amarelo-vermelho na esquina.

Portanto, a visão que se pretende neste trabalho é a mais abrangente possível quanto

às riquezas de justaposições de espaços – cheios/vazios -, objetos, luzes/sombras e o

arremate geral deste quebra-cabeças visual, o Urbanismo. A riqueza que se quer

atingir é a da conversa das arquiteturas atuais e antigas – todas presentes uma vez

que utilizadas – e a percepção de que a criação de um ambiente pode ter seu recorte

cronológico/histórico, mas é o seu uso adaptado no presente que vai comunicar sobre

a sociedade inserida neste espaço.

Tambien el centro de nuestras ciudades es con frecuencia un lugar

popular de choques y negociaciones culturales entre el tiempo homogéneo y

monótono de la modernidad y el de otros calendarios, los estacionales, los de las

cosechas, los religiosos. 5

Tanto Jesús Martin Barbero quanto Manuel Castells tratam da comunicação

do ambiente sob o paradigma informacional discutindo os fluxos e a rede de

informações que (re)dimensionaram a relação espaço-tempo. Em A sociedade em

4 A participação da Arquitetura na construção da idéia de futuro, transmitida pela sétima arte, de Daniel Mangabeira da Vinha, http://www.unb.br/centros/cafau/art1/art1cinema.html 5. La ciudad virtual. Transformaciones de la sensibilidad y nuevos escenarios de comunicación, de Jesús Martin Barbero, p.29

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Rede, Castells aprofunda-se no desenvolvimento de uma sociedade baseada na

comunicação em rede e analisa as novas configurações das relações que influenciam

até o Urbanismo e o crescimento das megalópolis. Barbero, no texto já citado (La

ciudad virtual) e em Os exercícios do ver – em co-autoria com Germán Rey – enfoca

os novos cenários de comunicação e discute o ‘ver’ como parâmetro conceitual dos

vínculos da cidadania com a comunicação e as mídias.

Ainda sobre a comunicação do ambiente, a simbologia e a informação do

espaço e dos objetos, Gaston Bachelard, em A poética do espaço, conceitua e reflete

sobre a poesia da imagem e imagem da poesia. Bachelard tem como contraponto e/ou

reafirmação Mircea Eliade que, em Imagens e símbolos, trata das ligações entre

imagens, mitos e símbolos e as modalidades do ser.

Na última década foram realizadas algumas pesquisas bastante

enriquecedoras e que devem ser refletidas no presente trabalho. João Oswaldo Leiva

Filho, em B-a-ba cinematográfico6 (Dissertação de Mestrado), discorre sobre a

importância do processo de elaboração de uma linguagem no cinema. Fernão V. P. de

Almeida Ramos aborda, em sua Tese de Doutorado Imagens em movimento: fruição

espectorial no horizonte da presença7, as condições que de fato envolvem a produção

de uma imagem em movimento, analisando sua forma e fruição correspondentes. A

Tese de Doutorado Sociedade reconciliada: a utopia do século XXI. A produção de

significação no imaginário do cinema contemporâneo8, de Nizia Maria Alvarenga

estuda as tendências que estão se desenhando a partir do processo de mudanças

sociais em curso no conjunto das sociedades capitalistas ocidentais, por meio do

cinema. Márcia Cristina Marques Martins Ramos, em sua Dissertação de Mestrado

Elementos cenográficos nos filmes de Hitchcock: Os pássaros e Um corpo que cai9,

investiga a participação dos elementos cenográficos na narrativa de um filme e na

construção da poética de um autor, pressupondo identificá-los, considerando suas

articulações com os demais componentes na estrutura fílmica. O duplo e o simulacro

em Blade Runner e Matrix10, Dissertação de Mestrado de Maurício Vedovato, busca os

6 Escola de Comunicações e Artes - USP. Defesa em 26/11/1991

7 Escola de Comunicações e Artes - USP. Defesa em 15/05/1992 8 Faculdade De Filosofia, Letras e Ciencias Humanas - USP. Defesa em 16/10/1995 9 Escola de Comunicações e Artes - USP. Defesa em 17/12/1999 10 Escola de Comunicações e Artes - USP. Defesa em 27/02/2003

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principais momentos em que o duplo e o simulacro vêm à tona nos dois filmes,

discutindo as estratégias utilizadas para que esses temas surjam.

Para se obter uma visão panorâmica – histórica e conceitual – do cinema

como arte e como indústria cultural, foram verificadas as visões de Noel Burch, em

Práxis do cinema, e de Antônio Costa, em Compreender o cinema.

O livro Teoria da comunicação de massa, de De Fleur e Ball-Rokeach,

apresenta, no capítulo “desenvolvimento do cinema”, um histórico desta mídia cuja

visão é complementada e ampliada com a análise do código cinematográfico feita por

Umberto Eco, em A estrutura ausente. Eco afirma:

A comunicação fílmica é a que melhor permite verificar certas hipóteses

e assunções do capítulo precedente. (articulação dos códigos visuais) 11

O ensaísta e escritor italiano desenvolve, então, um estudo da semiologia da

Arquitetura:

Se virmos na Semiologia não apenas a ciência dos sistemas de signos

reconhecidos como tais, mas a ciência que estuda todos os fenômenos da cultura

como se fossem sistemas de signos – baseando-nos na hipótese de que, na

realidade, todos os fenômenos de cultura sejam sistemas de signos, isto é, que a

cultura seja essencialmente comunicação - , verificaremos que um dos setores

onde ela tem sido mais desafiada pela realidade que procura dominar é o da

Arquitetura. 12

Sua contribuição ao estudo inclui uma relação espaço-tempo inovadora:

(...) a atividade lúdica de redescobrir significados para as coisas, ao

invés de exercitar-nos numa fácil filologia em relação ao passado, implica uma

invenção (não uma redescoberta) de códigos novos. O salto para trás transforma-

11 A estrutura ausente, de Umberto Eco. p.139

12 op.cit. , de Umberto Eco. p.187

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se em salto para frente. A história, de ilusão cíclica, passa a ser projetação do

futuro. 13

Essa abordagem da semiologia da Arquitetura é enriquecida pela visão da

tese de livre-docência de Décio Pignatari, Por um pensamento icônico: semiótica da

arte e do ambiente urbano. Ambas são questionadas, todavia, por Milton José Pinto

que afirma, em Comunicação e Discursos:

A análise de discursos defende a idéia de que qualquer imagem, mesmo

isolada de qualquer outro sistema semiótico, deve ser sempre considerada como

sendo um discurso, recusando a categoria de ‘signos icônicos’ ou ‘ícones’ em que

são em geral classificadas pelos semiólogos.14

Apesar de o presente estudo não privilegiar o enfoque da Arquitetura como

processo construtivo, evitando a característica gramatical desta linguagem, mas

investigando seu aspecto comunicacional, é necessário identificar diacronicamente a

Arquitetura. Dois autores clássicos italianos contribuem para este reconhecimento.

Bruno Zevi, em Saber ver a Arquitetura, e Manfredi Tafuri, em Teorias e Histórias da

Arquitetura alimentarão este relato.

Uma outra aproximação diferenciada do tema e, portanto, enriquecedora, é

apresentada pelo geógrafo Jorge Luiz Barbosa que, em sua tese de doutorado As

paisagens crepusculares da ficção-científica: a elegia das utopias urbanas do

modernismo, faz uma reflexão crítica do modo de estar e ser urbano, tendo na relação

paisagem-imagem seu fundamento principal de investigação.

Objetivo geral deste trabalho, portanto, será analisar e investigar como e

quanto a linguagem da cenografia auxilia e/ou determina a construção da idéia de

futuro nos filmes de cinema ambientados no futuro. Os objetivos específicos são:

• Investigar o conceito de futuro.

13 op.cit. , de Umberto Eco. p.214

14 Comunicação e Discursos, de Milton José Pinto. p.37

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• Estudar o conceito de verossimilhança na linguagem não-verbal da

cenografia no cinema.

• Analisar a comunicação do ambiente – Arquitetura e Urbanismo – e sua

relação com a mídia.

O Trabalho desenvolve-se, então, ao longo de três capítulos – além da

Introdução e das Considerações Finais. No primeiro, apresenta-se o motivo pelo qual o

recorte do corpus do trabalho foi tão específico, ao escolher-se apenas um filme –

Brazil, o filme (Estados Unidos, Brazil, direção de Terry Gilliam, 1985) – para se

aprofundar o estudo. Um pouco da história da criação do filme e a importância da vida

do diretor no resultado do filme também são apresentados. Ainda no primeiro, são

discutidos aspectos fundamentais da narrativa do filme que constroem a riqueza

poética da obra. No segundo já se começa a discutir a construção da idéia de futuro

dentro de Brazil partindo-se para a análise da propaganda ideológica presente na

narrativa. No terceiro, discute-se a importância da Arquitetura na construção da idéia

de futuro, com enfoque na cenografia do filme estudado para a verificação das teses

apresentadas.

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II. Brazil, o filme

No universo do cinema do século XX, existem, pelo menos, 20 ou 30

obras de grande impacto que tratam da vida humana em tempos vindouros e que

mereceriam um aprofundamento do estudo. Qual, então, o critério a se definir para

estabelecer o corte para estudo? O primeiro impulso foi estudar aquele filme que

despertou em mim o desejo de entender os realizadores de filmes, no estabelecimento

de uma “arte do futuro”, fruto de uma “sociedade do futuro”: Blade Runner, o Caçador

de Andróides (Estados Unidos, Blade Runner, direção de Ridley Scott, 1982). Aos

dezoito anos, preparando-me para o curso de Arquitetura, a Arquitetura e o Urbanismo

apresentados em Blade Runner me marcaram profundamente. Este impacto provocou

o interesse pelo gênero ficção científica, especialmente no cinema, e ambientados no

futuro.

Vinte e dois anos após este impacto, e mil filmes depois, estou

escrevendo, afinal, esta dissertação, com a consciência de que existem alguns

elementos que se encontram em quase todos e que interligam os filmes de ficção

ambientados em tempos que hão de vir. Apesar de correr um grande risco, atrevo-me

à generalização ao enumerar elementos encontráveis em quase todos esses filmes.

Em seus enredos existe sempre uma ordem social, aceita e imposta pela maioria, a

qual é desafiada ou subvertida por um elemento dissidente, consciente do perigo desta

“ordem” para a humanidade. Esta ordem a ser desafiada é de fato a representação

dos principais temores humanos à época da realização do filme. Assim, temos a

máquina1 (industrialização) como o vilão do começo do século XX. Ao longo do século,

vemos, então, desfilarem os 'novos’ vilões: guerra-guerra fria, autoritarismo2, controle

da liberdade individual3, pesquisas científicas4, computadores5, violência urbana6,

1 p.e. Metropolis(Alemanha, Metropolis, dir. Fritz Lang, 1926); Tempos Modernos (EUA, Modern Times, dir. Charles Chaplin, 1936). 2 p.e. Farenheit 451 (França, Farenheit 451, dir. François Truffaut, 1966). 3 p.e. Alphaville (França, Alphaville, dir. Jean-Luc Goddard, 1965). 4 p.e. Solaris (União Soviética, Solaris, Andrei Tarkovsky, 1972); A Máquina do Tempo (EUA, Time Machind, dir. George Pal, 1960). 5 p.e. Alphaville,; 2001, uma odisséia no espaço (EUA, 2001: A Space Odissey, dir. Stanley Kubrick, 1968). 6 p.e. Laranja Mecânica, (Inglaterra, A Clorkwork Orange, dir. Stanley Kubrick, 1971); Rollerball, Os Gladiadores do Futuro (EUA, Rollerball, dir. Norman Jewison, 1975).

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manipulação genética7, devastação ambiental8, clonagem9, inteligência artificial10,

mundos virtuais11. O desafio à “ordem” é um “aviso” do realizador do filme à

humanidade.

Quase todos os filmes são “iguais” em mensagem, mas como diz a

personagem Lisbela, em Lisbela e o Prisioneiro (Brasil, direção de Guel Arraes, 2004),

“o que importa não é o quê, é o como”. Portanto, o critério que adotei para estudo

detalhado da construção do futuro foi encontrar o filme cujo “como” se revestisse de

mais elementos poéticos e mais “contaminação” artística.

Quase que intuitivamente, a pesquisa foi gradativamente me levando

para o aprofundamento em Brazil, o Filme, de Terry Gilliam, de 1985. A princípio, este

era apenas um dos filmes a se analisar, mas a pesquisa acurada levou a descobertas

muito enriquecedoras e o foco do trabalho foi apontando para a obra de Terry Gilliam.

II.1. O que é Brazil

Afinal, o que é Brazil? As distribuidoras de cinema, vídeo e dvd, no

Brasil, classificaram Brazil, o Filme como aventura. No exterior, há críticos que

divergem e classificam o filme como comédia, aventura, ação ou ficção científica. O

motivo dessa divergência é compreendido logo nos primeiros momentos do filme. É

comédia, pois o humor negro está o tempo todo presente na tela. É ação ou aventura,

pois há perseguição, explosões, “mocinhos e bandidos” (apesar de não se ter certeza

de quem é o mocinho e quem é o bandido). Há romance, também. Há ficção científica

pois, aparentemente, a ação se passa no futuro. Mas este é apenas um dos grandes

jogos propostos: quando e onde se passa o filme? Não é no Brasil. Este é mais um

dos jogos.

Vamos à sinopse do Guia de Vídeo e DVD 2003: 7 p.e. THX 1138 (EUA, THX 1138, dir. George Lucas, 1971). 8 p.e. Mad Max (Austrália, Mad Max, dir. George Miller, 1981); Duna (EUA, Dune, dir. David Lynch, 1984). 9 p.e. Blade Runner, o Caçador de Andróides. 10 p.e. A.I. - Inteligência Artificial (EUA, A. I., dir. Steven Spielberg, 2001). 11 p.e. Matrix (EUA, Matrix, dir. Larry & Andy Wachowski, 1999)

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Brazil, o Filme (Brazil, 1985, EUA) Direção: Terry Gilliam. Com: Jonathan Pryce,

Kim Greist, Robert De Niro, Katherine Helmond, Ian Holm. Numa sociedade do

futuro, burocrata aceita promoção e desafia o rígido controle estatal para

proteger sua amada, perseguida injustamente pelo sistema. Gilliam (Os Doze

Macacos) realizou um instigante e perturbador cruzamento entre ficção

científica e comédia de humor negro com essa produção estilizada, cuja direção

de arte, fotografia e figurinos são impecáveis. O rigoroso acabamento formal

serve de moldura para uma também rigorosa crítica aos sistemas totalitaristas,

com evidente parentesco do clássico 1984, de George Orwell. O elenco, com

Jonathan Price e de Niro à frente, é outro dos muitos destaques do filme. 131

min. Flash Star. Aventura. 12

É importante situar e contextualizar o filme. Para isto, é fundamental

focalizar o diretor, que além de dirigir, propôs o argumento, interagiu com o roteirista,

definiu a trilha sonora, opinou no casting e participou ativamente em quase toda a

criação da parafernália visual desenvolvida para o cenário e figurino.

II.2. Terry Gilliam

Terry Vance Gilliam, americano, nascido em 1940, em Minneapolis,

formou, de 1969 a 1974, junto com cinco ingleses, o grupo Monty Python que

apresentava o programa Monty Python’s Flying Circus na BBC inglesa. No grupo,

todos se revezavam como roteiristas e atores e o programa por eles criado

revolucionou o humor britânico de forma indelével. Os sketches criados pelo grupo

utilizavam o humor negro, o non-sense, e muita provocação com o status quo, a

burocracia e a família real.

A partir de 1974, o grupo iniciou a realização de filmes de longa-

metragem para o cinema, produzindo Monty Python em Busca do Cálice Sagrado

(Inglaterra, Monty Python and the Holy Grail, 1974), parodiando as aventuras durante

as Cruzadas, A Vida de Brian (Inglaterra, Monty Python's Life of Brian, 1979), sobre

12 Guia de vídeo e DVD 2003, Editora Nova Cultural, p.94

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um homem que nasce na manjedoura ao lado da de Jesus e é confundido com o

messias, O Sentido da Vida (Inglaterra, Monty Python's The Meaning of Life, 1983), em

que várias maneiras possíveis de enxergar a vida são apresentadas em sketches,

além de outros filmes feitos a partir da gravação de shows do grupo.

Assim como os demais do grupo, Terry Gilliam lançou-se em carreira

solo e realizou os filmes Jabberwocky, um Herói por Acaso (Inglaterra,

Jabberwocky,1977), uma comédia situada na Idade Média; Os bandidos do tempo

(Inglaterra, Time Bandits, 1981), um exercício humorístico de viagens no tempo; Brazil,

o Filme; As Aventuras do Barão de Münchausen (Inglaterra, Alemanha, Itália, The

Adventures of Baron Münchausen, 1989), uma refilmagem da história de um barão

tentando salvar sua cidade sitiada pelos turcos; Os Doze Macacos (EUA, 12

Monkeys,1995), uma das melhores concepções para viagens no tempo; e Medo e

Delírio (EUA, Fear and Loathing in Las Vegas, 1998), um filme corajoso e irreverente

sobre a decadência da sociedade americana. Percebe-se em Terry Gilliam uma

tendência recorrente sobre viagens no tempo e caracterizações de época tanto para o

passado quanto para o futuro.

O ponto de partida para Brazil, o Filme foi a visão de Gilliam de uma

cena em Port Talbot, uma cidade em Gales produtora de minério de ferro. Toda a

cidade é coberta de um pó cinza do minério, inclusive a praia. Gilliam viu na praia um

homem sentado nesta areia cinza, ouvindo a canção Brazil13 em um rádio portátil. A

idéia de uma música conseguir deixar, para o ouvinte, o mundo menos cinza provocou

Gilliam a criar um filme sobre um personagem que através de seus sonhos escapa da

vida burocratizada e sistemática em que vive.

13 Brazil, versão (1943), em inglês, da canção “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso (1939).

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II.3. Rupturas em Brazil

A poética - que também pode ser chamada de função estética, ou

simplesmente Arte, conforme o autor, filósofo, teórico ou crítico14 - é, pois, a pedra de

toque que destaca Brazil, o Filme, das demais obras de cinema para esta análise. O

que distingue uma obra, fruto da engenhosidade humana, de uma outra qualquer,

fazendo com que seja considerada “arte” é um processo que me atrevo a chamar de

Traição & Recompensa. Todas as relações humanas são pautadas pela definição de

códigos, leis, tratos, contratos, os quais são estabelecidos para garantir padrões de

comportamento e permitir a convivência segura entre seres com desejos e

necessidades diferentes. Qualquer atentado ou ruptura de um código configura, então,

uma traição a um acordo prévio. A evolução cultural humana15 depende da expansão

das fronteiras do pensamento e esta só é atingida por meio da alteração na forma de

olhar o mundo. Evolução é mudança. Mas mudança é justamente o que é combatido

pelos códigos. Sendo assim, a traição ao código é essencial à evolução.

Entretanto, como afirmei, a poética é um processo, não um ato. A

traição é apenas parte desse processo. Se a ruptura do código se encerra em si

mesma é inócua, é frágil – mais frágil que o código – e resulta julgamento e punição. O

que completa o processo poético é a recompensa. Quando a ruptura do código

provoca um desvio, este “novo caminho”, paralelo ao código, produz a ambigüidade.

Este duplo sentido, que transforma o olhar sobre o código, amplia a possibilidade de

comportamento. Instaura-se uma dúvida sobre a validade única da verdade

estabelecida pelo código. Na resolução do enigma entre qual caminho é o correto é

que se expandem as fronteiras, pois, da aceitação de um “novo caminho” como

“também correto” e alternativo é que surge o sentimento de recompensa. Atrevo-me a

dizer que é esse processo, onde uma traição é “indenizada” por uma recompensa,

produzindo evolução cultural, o que se denomina Poética.

14 A distinção entre as acepções destes conceitos é tão tênue que, às vezes, o preciosismo necessário para diferenciá-las tende a desviar o foco da crítica para o fundamental a ser analisado: a expressão humana. 15 Poder-se-ia dizer que não apenas a evolução cultural humana, mas toda evolução da espécie humana ou de qualquer elemento do universo –e até mesmo do próprio – depende de rupturas de paradigmas e alterações de regras, mas este é um assunto que foge da abrangência deste estudo e da capacidade deste estudioso.

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II.3.1. Final Infeliz

A primeira e maior ruptura está na derrota do herói, ao final do filme.

Invertendo e subvertendo a maior característica da “narrativa clássica” do cinema

hollywoodiano, em Brazil, o herói (ou anti-herói) luta contra o opressor por motivos

pessoais (até banais, ao contrário da “grandeza de espírito” associada a um herói) e é

derrotado, sem sequer servir de mártir de um objetivo nobre. Esta ruptura, aliás,

provocou polêmica entre o diretor e Sidney Sheinberg, o presidente da Universal

Studios, a distribuidora do filme para os Estados Unidos. Uma batalha legal foi aberta

porque Sheinberg não acreditava no sucesso comercial de um filme sem um happy

ending. De posse da versão de Terry Gilliam, editores da Universal realizaram uma

nova edição onde o herói conseguiria conquistar sua garota-dos-sonhos e viverem

“felizes para sempre”. Gilliam não aceitou este "ultraje" e se utilizou da opinião da

crítica especializada para “espalhar” cópias de sua versão, desacreditando a versão

em que se passava a mensagem na qual, concordando-se com o sistema, o sonho se

torna realidade. A Universal teve que voltar atrás. Entretanto, não investiu em

publicidade e lançou o filme em poucos cinemas.

O trágico fim, inesperado para uma obra de cinema (pelo menos para

a clássica narrativa de Hollywood), não foge, porém, de sua principal influência. A obra

dialoga, sem tentar esconder suas raízes, com a obra 1984, de George Orwell (1948).

Aliás, não é por coincidência que o filme é rodado em 1984. Antes do título Brazil,

Gilliam considerou dar a seu filme o título 1984 e ½, uma alusão direta a sua maior

fonte e a uma de suas obras mais amadas, 8 e ½ (Itália, Otto Mezzo, direção de

Federico Felini, 1963). Apenas para olhos atentos de um pesquisador, Terry Gilliam

cravou, em uma rápida cena em que aparece um documento, a data em que se dá a

prisão de Buttle: 31 de junho de 1984 – apesar de ser uma data que não existe (o mês

de junho possui 30 dias) e o filme se passar na época do natal, esta data

aparentemente absurda foi escolhida por representar justamente o meio do ano 1984

(fig. 1). É apenas um detalhe, propositadamente quase imperceptível, para que se

sustente o enigma temporal do filme.

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FIGURA 1 - "31 de junho de 1984"

II.3.2. Onde e Quando

Um enigma que o filme constrói desde seu início é sobre quando e

onde se passa a narração. Um letreiro inicial – que, em filmes de ficção científica, de

acordo com o esquema tradicional narrativo, costuma definir claramente o ano e a

cidade (país ou planeta) em que se passa a história – diz apenas: “8:49 PM

SOMEWHERE IN THE 20th CENTURY” (em algum lugar do século XX)16. Pode ser

qualquer lugar, ou talvez nenhum. Mas o que se sente, à medida que se desenrola a

história, é que pode ser todo lugar. Isto é, todo lugar pode vir a se tornar aquele lugar.

E pode ser em qualquer ano do século 20. Alguns elementos cenográficos remetem às

primeiras décadas do século: os filmes de cinema, a arquitetura com referências à

arquitetura nazista (anos 30), os veículos (O Messerschimitt com o qual Sam Lowry se

locomove é um veículo alemão dos anos 40), as roupas (o chapéu-sapato que Ida

Lowry usa é uma criação dos anos 30 e as roupas de Sam são típicas dos film-noir

dos anos 40 e 50). Todavia, a tecnologia utilizada, apesar da aparência non-sense dos

16 Esta brecha, provavelmente, levou algumas distribuidoras a não classificarem o filme com o gênero “ficção científica”.

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objetos tecnológicos (que será comentada adiante), remete às últimas décadas do

século. Este jogo entre elementos antigos e novos provoca uma espécie de “silepse17-

temporal”, aumentando o mistério sobre a época em que se passa o filme, e levando o

espectador a concluir intuitivamente que, se não é tempo algum conhecido, é um

futuro. Mas, se faltavam apenas 15 anos para o fim do século e aquele “futuro” era “no

século XX”, uma mensagem terrível se apresenta: “este é um futuro próximo, portanto

o que acontece aqui é um processo em andamento!”.

O que torna o quebra-cabeças mais intrigante é que a atemporalidade,

à qual o enigma do letreiro inicial remete e a intrincada parafernália visual confirma, é

característica das fábulas míticas: histórias e mitos desenvolvem-se no campo

temporal do “era uma vez”. Assim como em relação ao espaço, podemos estar em

algum tempo, ou qualquer tempo, ou mesmo em tempo nenhum.

II.3.3. Aquarela do Brazil

O mistério sobre o lugar da ação da história inicia-se muito antes da

projeção do filme, no título da obra. O filme se chama Brazil e, em nenhum momento,

na tela, se vê ou se fala sobre o Brasil. Já se sabe que o título vem da inspiração da

música para o diretor. Mas, antes disto, o que é que a música Brazil diz sobre Brasil?

Vamos comparar as letras das duas versões, a original e a versão em inglês:

Aquarela do Brasil (Ary Barroso, 1939)

Brasil, meu Brasil Brasileiro

Meu mulato inzoneiro

Vou cantar-te nos meus versos

O Brasil samba que dá

Bamboleio que faz gingar

O Brasil do meu amor

Terra do Nosso Senhor

17 Figura pela qual a concordância das palavras se faz de acordo com o sentido e não segundo as regras da sintaxe.(Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa)

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Abre a cortina do passado

Tira a Mãe Preta do Cerrado

Bota o rei Congo no congado

Canta de novo o trovador

A merencória luz da lua

Toda canção do meu amor

Quero ver essa dona caminhando

Pelos salões arrastando

O seu vestido rendado

Esse coqueiro que dá coco

É onde amarro a minha rede

Nas noites claras de luar

E essas fontes murmurantes

Onde eu mato a minha sede

Onde a lua vem brincar

Ô esse Brasil lindo e trigueiro

Ê o meu Brasil Brasileiro

Terra de samba e pandeiro

Brasil

Terra boa e gostosa da morena sestrosa

E de olhar indiferente

O Brasil samba que dá

Para o mundo se admirar

O Brasil do meu amor

Terra do Nosso Senhor

Brazil (S.K. Russell & Ary Barroso, 1943)

Brazil,

Brasil

Where hearts were entertaining June,

onde os corações se divertem em junho

We stood beneath an amber moon

nós estamos sob esse luar âmbar

And softly murmured, "Someday soon"

e murmurando: “algum dia em breve”

We kissed and clung together,

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nos beijamos e abraçamos

Then, tomorrow was another day;

então, o amanhã era um outro dia

The morning found me miles away

a manhã me encontrou a milhas daqui

With still a million things to say.

com um milhão de coisas ainda por dizer

Now, when twilight dims the sky above,

e agora, quando o crepúsculo escurece o céu

Recalling thrills of our love,

relembrando a excitação de nosso amor

There's one thing I'm certain of

há uma coisa de que tenho certeza

Return I will to old Brazil.

retornarei ao velho Brasil.18

Se Barroso deseja uma declaração de amor ufanista e exagerada,

típica de quem “canta sua terra”, Russell aborda o tema com uma visão escapista,

citando “o velho” Brasil como local para amores tórridos, tropicais, longe de seu país

de origem. Estas duas abordagens apresentam um possível conceito sobre um “Brazil”

e um “Não-Brazil”. Apesar de que um artista culto e informado (caso do diretor Terry

Gilliam) saberia, em 1985, que o verdadeiro Brasil, país Sul-americano, não

representava paraíso algum e que estávamos apenas engatinhando para uma

democracia – mas com uma herança muito forte e recente de ditadura cruel e

torturadora –, no imaginário popular, leigo, do Hemisfério Norte, “Brasil” se refere ao

avesso da sociedade burocratizada e “regulamentada” do primeiro-mundo. Esta

discussão será retomada em III.2.

A trilha sonora é baseada quase que exclusivamente nessa música.

Três personagens, durante a trama, cantarolam partes da canção, geralmente em

momentos de descontração. Aqui, o diretor Terry Gilliam demonstra, mais uma vez,

muita habilidade no controle da comunicação. Gilliam estabelece um jogo muito

expressivo a partir de uma mesma linha melódica. Apoiando-se em diferentes arranjos

da canção, explora, por meio de nuanças, diversas possibilidades. Assim, quando

18 Tradução livre, de minha autoria.

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aparecem imagens oníricas em que Sam surge como que um Ícaro sobre planícies na

busca de sua amada, essa imagem de seu sonho é preenchida sonoramente por um

arranjo suave de cordas, em um compasso lento, estendendo-se cada nota ao limite –

instrumentos de corda tocados com arcos têm como característica a continuidade

entre os acordes, o que permite uma interpretação de movimentos harmônicos (o vôo,

a dança, a corte à amada), conotando fluência, fluidez.

Por outro lado, a mesma música aparece como trilha sonora da

imagem da ‘fábrica de burocracia’ do departamento de Cadastro de Informações, do

Ministério da Informação. Utilizando somente as notas da introdução de “Aquarela do

Brasil”, em compasso rápido e arranjo baseado em instrumentos de sopro (notas

curtas e fortes) e percussão (acrescentando o acompanhamento significativo de uma

máquina de escrever como instrumento), atinge-se um clima de ritmo cadenciado,

veloz, quase caótico.

II.3.4. Bug no Sistema

A trama do filme tem seu início em um engano de nomes que provoca

a prisão equivocada de um inocente que morre por não resistir aos excessos de uma

seção de tortura durante seu “depoimento”. Além de expor o lado negro de um

governo autoritário onde se julga e se executa a pena sem direito a defesa, o filme

mostra a arrogância com que uma ditadura se livra de seus próprios erros. Apesar do

aspecto sombrio do tema da “pena de morte” para um inocente, o diretor constrói uma

metáfora para apresentar o engano do governo. Talvez seja melhor dizer que o diretor

“desconstrói” a metáfora, trabalhando com um trocadilho semântico. Em uma cena

hilariante, um funcionário do Ministério da Informação se põe em uma patética caça a

uma mosca em seu escritório. Como conseqüência, esmaga a mosca no teto. A mosca

morta se desprende do teto e cai dentro da máquina impressora provocando o erro de

grafia – o sobrenome Tuttle vira Buttle (fig. 2). A expressão bug, utilizada como falha,

erro de informação, materializa-se e transforma-se no próprio inseto (bug, em inglês).

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FIGURA 2 - Bug no sistema

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II.3.5. Arquitetura e Design

Outro aspecto impressionante do filme é a cenografia. O poder

onipresente e opressor se apresenta, também, na arquitetura dos órgãos públicos,

com enormes pés direitos e amplos salões nos ambientes de acesso do público,

apesar das minúsculas salas dos funcionários burocráticos. Semelha-se ao que Décio

Pignatari chama de “Semiótica do Poder” (1979, p. 153), cujos traços fundamentais se

caracterizam pelas palavras alto e grande que são os modos pelos quais se

estabelecem hierarquias no universo icônico.

Mas não é na óbvia “arquitetura do poder” que se encontram os

grandes significados da cenografia19. Toda arquitetura e o design mostrados em Brazil

apresentam como característica a extrapolação de uma tendência do fim do século

XX: o higt-tech pós-moderno, pós-industrial. Em Londres, no ano de 1984, estava em

construção talvez o mais célebre ícone da arquitetura de alta tecnologia. O arquiteto

inglês Richard Rogers, que já havia construído, junto com o arquiteto italiano Renzo

Piano, o ultra-moderno centro de artes Georges Pompidou, em Paris, erguia em um

antigo bairro londrino um edifício caracterizado por ter suas “entranhas” expostas

(tubos e dutos de ar-condicionado, elétrica, hidráulica, circulações verticais, serviços,

máquinas, estrutura de sustentação) (fig. 3). O estilo e a localização provocaram

polêmica suficiente para jogar o edifício no centro das sátiras e paródias de Terry

Gilliam.

Toda arquitetura em Brazil é permeada de tubos – o prólogo do filme

apresenta uma propaganda de televisão em que um senhor oferece às donas-de-casa

uma nova “linha de tubos”, “em centenas de cores diferentes, de acordo com seu

gosto pessoal”20 – e todos os objetos tecnológicos (computadores, aparelhos

domésticos, veículos) são compostos de peças antigas. Os computadores, somente

como exemplo, são construídos a partir de equipamentos obsoletos justapostos:

19 Como diz Suely Flory, em Do Regional ao Existencial: o Espaço como Personagem, in Comunicação Veredas, nº 2 (2003, p. 400), “Os objetos, paisagens e animais são mensagens em sua materialidade, em sua exterioridade, com sua própria presença, cuja simbologia ultrapassa o simples papel de elementos decorativos. A simbolização sobrepuja a significação funcional imediata, (...) através do jogo de imagens e das aproximações metonímicas e analogias metafóricas.” Aqui, Flory concorda com Umberto Eco, em A Estrutura Ausente(1968). 20 “in hundreds of different colors, to suit your individual taste”.

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máquinas de escrever, lentes de aumento, válvulas, correias, tubos de televisão preto

& branco. (fig. 4) Esta construção do novo pelo velho – oxímoro21 –, é uma

simbolização desmistificadora das tecnologias, que não criam algo senão objetos

transformados/reutilizados. A exposição agressiva de todos os componentes de cada

máquina é uma metáfora do que existe, hoje, escondido sob invólucros de aparência

tecnológica, nos equipamentos atuais.

FIGURA 3 - Lloyd’s Building – Guia do visitante

21 Figura que consiste em reunir palavras contraditórias; paradoxismo.(Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa)

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FIGURA 4 - Computador "do futuro"

II.3.6. Sonhos e Pesadelos

Baseado na imagem inspiradora de um homem, na praia, fugindo de

seu mundo cinzento ouvindo a canção Brazil, Terry Gilliam construiu um jogo entre

realidade e sonho, onde Sam Lowry, seu anti-herói, “sobrevive” ao “pesadelo” que é

sua vida, escapando dela através de seus sonhos. Surge aí a sensação da “espiral do

abismo onírico”: o simulacro de um sonho, dentro de uma realidade-pesadelo, dentro

de um filme-sonho22.

Brazil, o Filme é basicamente formado por quinze seqüências

intercaladas de “realidade” e “sonhos” do protagonista. Contrariando o senso comum,

Gilliam constrói uma “realidade” rica em metáforas, metonímias, non-sense, ilógica e

atemporalidade e “sonhos” com seqüências lógicas, conotações óbvias, demonstrando

a imaginação embotada de um funcionário público sem perspectivas.

22 Com a expressão “filme-sonho” refiro-me à presença, em Brazil, dos processos primários do inconsciente descritos por Freud: condensação – imagens sobrepõem-se -, deslocamento – vários elementos encontram-se em local inesperado -, falta de lógica racional – a lógica é desafiada, ainda que ironicamente dentro do “possível” -, atemporalidade – já devidamente explicada anteriormente.

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Tais segmentos narrativos de Brazil se compõem de sete seqüências

de realidade, sete seqüências de sonhos e a seqüência final, que causou a polêmica

briga entre o diretor e a distribuidora americana. Para a Universal Studios, a seqüência

final seria parte da realidade (mesmo com uma série de fatores irracionais – oníricos)

para que o protagonista tivesse final feliz. Para o diretor, a seqüência toda é fruto de

um estado de “demência” provocada por uma lobotomia. As ferramentas que se

encontram na mesa de apoio na hora da seção do “interrogatório” de Sam são, em sua

maioria, as mesmas usadas para cirurgias de lobotomia (fig. 5).

A “ferramenta” que Jack23 Lint empunha na direção de Sam Lowry é

um picador de gelo, usado para desligar as fibras do lobo prefrontal24. Compreende-se,

então que toda a seqüência iniciada com a morte de seu torturador, na verdade,

aborda de devaneios de uma mente “desligada” para se tornar controlada pelo

sistema.

O diálogo final entre o torturador Jack Lint e o Vice-Ministro da

Informação Mr. Helpmann confirma:

Helpmann: - Ele está em outro lugar, Jack.

Jack: - Acho que tem razão, Mr. Helppmann. Ele se foi.25

23 O nome "Jack" lembraria a personagem "Jack, o estripador" 24 Método cirúrgico criado por Walter Freeman, em 1945. SABBATINI, R. M. E. A História da Lobotomia em http://www.epub.org.br/cm/n02/historia/lobotomy_p.htm (acesso em 13 de agosto de 2004) 25 “He’s got away from us, Jack.” “I’m afraid you’re rigth, Mr Helpmann. He’s gone.”

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FIGURA 5 - mesa de "confissões"

Mas se, por um lado, as seqüências de sonho são “burocráticas” em

seu desenvolvimento, mostrando a evolução da relação entre seu dia-a-dia e seus

desejos e frustrações, por outro, a seqüência final é rica em intertextualidade com

outros filmes que inspiraram o diretor.

FIGURA 6 - O Processo X Brazil

Apesar de ser na seqüência final onde se encontra a maioria das

referências, a intertextualidade está presente nos 142 minutos de projeção, dialogando

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com o cinema e as artes em geral. Uma das mais explícitas referências fílmicas do

ambiente burocratizado de Brazil é o filme O Processo, de Orson Welles (1963), no

qual o ‘escritório’ onde Joseph K. trabalha é uma ‘fábrica’ onde pessoas datilografam

mecanicamente (fig. 6).

Mesmo em pequenos detalhes, como o fato da triste figura da esposa

de Archibald Buttle (o inocente preso e torturado até a morte), que é “sapateiro” (shoe

repair operative), remeter ao quadro Shoe repairer’s wife – woman in red de Chaïm

Soutine (1927) (fig. 7). No personagem Harvey Lime, vizinho da "meia-sala" de Sam,

que demonstra inspiração no personagem Harry Lime (Orson Welles), do filme O

Terceiro Homem (The Third Man, 1949, de Carol Reed). Ou no nome do protagonista,

Sam, que é o mesmo de um importante personagem (O pianista imortalizado na frase

“Play it, Sam”) de Casablanca, de Michael Curtiz (1943), filme que parece inspirar o

figurino de Brasil.

FIGURA 7 - A mulheres dos sapateiros

O cinema clássico americano é citado diversas vezes em Brazil, seja

explicitamente, como nos posters no quarto de Sam, nos filmes que passam na tv

(cena do banho de Jill Layton e no apartamento de Mrs. Buttle) ou nos filmes que os

funcionários do Ministério assistem clandestinamente (Casablanca e um bang-bang),

seja implicitamente, em detalhes.

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Nas seqüências de sonho, temos referências do sonho do prólogo do

já citado 8 e ½ de Fellini, quando uma figura humana de pedra (alusão ao seu chefe,

Mr. Kurtzmann) puxa Sam que está preso a uma corda que o faz flutuar (fig. 8). Em

outro sonho de Sam, há uma luta contra um samurai26 e, após este estar vencido, sob

sua máscara surge o rosto do próprio Sam. Podemos perceber aí a semelhança deste

sonho com o sonho de prof. Borg em Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman (1957),

no qual o protagonista se vê deitado em um caixão.

FIGURA 8 - Oito e meio X Brazil

Na seqüência final é possível perceber, então, diversas influências às

quais Sam Lowry provavelmente esteve exposto em sua vida: as cenas de seu resgate

e sua fuga não fogem ao padrão das cenas de filmes de ação de Hollywood; a

presença de um Papai Noel no grupo de resgate se deve ao fato de a história se

passar na época das festas; enquanto o tiroteio ocorre, o porteiro do Ministério assiste

às cenas em seu monitor, de onde saem sons de vídeo-games típicos dos anos

oitenta; o sentimento revolucionário do protagonista é simbolizado por uma alusão à

famosa cena da escadaria de Odessa em Encouraçado Potenkim (União Soviética,

Bronenosets Potymkin, direção de Sergei Eisenstein, 1925). O carrinho de bebê é

ironicamente substituído por uma máquina de limpeza de piso (fig. 9);

26 Há um sutil trocadilho na personagem do samurai, cuja pronúncia pode ser assemelhada com “Sam or I” (Sam ou eu) ou “Sam, you are I” (Sam, você sou eu).

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FIGURA 9 - Brazil X Encourçado Potenkim

A explosão do Ministério provoca uma “queima de fogos”

comemorativa e uma chuva de documentos e formulários por toda a cidade,

transformando a burocracia em “confete”. Seu principal salvador, Tuttle, que odeia a

burocracia, é “engolido” pelos papéis do Ministério, significando que, dali em diante,

Sam estará sozinho para lutar; Sam foge para uma cerimônia de velório de Mrs.

Terrain, cujo corpo está decomposto por seus tratamentos para rejuvenescimento com

ácidos27. Sam é recebido por Spiro, o agressivo maitre do restaurante do início do

filme. Quando encontra sua mãe, ela está cercada de jovens homens que a cortejam

como na famosa cena de Os Homens Preferem as Loiras (EUA, Gentlemen Prefer

27 O pai de Terry Gilliam teve uma terrível experiência com tratamento com ácidos, quase perdendo uma orelha.

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Blondes, direção de Howard Hawks, 1953), em que Marilyn Monroe canta Diamonds

are a girl’s best friend.

Quando Ida Lowry, mãe de Sam, se volta para ele, o rosto é de Jill

Layton, em uma clara apresentação do complexo de Édipo de Sam. Logo em seguida

seu rosto é o de Ida, só que rejuvenescido por operações plásticas. Quando a polícia

entra no velório, Sam foge pulando dentro do caixão e cai vertiginosamente, como na

famosa cena de Um Corpo que Cai (EUA, Vertigo, direção de Alfred Hitchcock, 1958)

(fig. 10);

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FIGURA 10 - Um Corpo que Cai X Brazil

Em sua fuga, várias luzes de néon apontam o caminho e, além da

polícia, Sam passa a ser perseguido por figuras que já haviam aparecido em seus

sonhos e pela família Buttle, reclamando pelo corpo do pai torturado. Sam escapa

subindo uma montanha de dutos (onde desponta uma cruz “redentora” de néon) e

alcança um muro onde se encontra uma porta;

Atrás da porta está uma casa como as que Jill Layton transporta com

seu enorme caminhão e Sam percebe que está sendo transportado por Jill (a esta

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altura, de fato, já morta). Sam e Jill viajam para um cenário bucólico onde se instalam

e “vivem-felizes-para-sempre”, completando a visão paródica da narrativa clássica do

cinema de Hollywood.

II.3.7. Breves Leituras

Se estamos analisando a obra Brazil sob a ótica da Comunicação, é

necessário, para enriquecimento da discussão, olhar os conceitos da Semiótica para

ampliar a compreensão das diversas leituras possíveis do filme.

Lúcia Santaella, em O que é semiótica, afirma:

(...) todas as linguagens da imagem, produzidas através de máquinas

(fotografia, cinema e televisão...), são signos híbridos: trata-se de hipoícones

(imagens) e de índices. Não é necessário explicar porque são imagens, pois

isso é evidente. São contudo, também índices porque essas máquinas são

capazes de registrar o objeto do signo por conexão física. A respeito da

fotografia, Pierce esclarece: “O fato de sabermos que a fotografia é o efeito de

radiações partidas do objeto, torna-a um índice e altamente informativo”.

Embora o processo de captação da imagem televisiva seja diferente da

fotografia, o caráter inicial de conexão física, existencial e factual nele se

mantém.28

Em A Estrutura Ausente, Umberto Eco complementa:

O código fílmico não é o código cinematográfico; o segundo codifica a

reprodutibilidade da realidade por meio de aparelhos cinematográficos, ao

passo que o primeiro codifica uma comunicação ao nível de determinadas

regras narrativas. Não há dúvida que o primeiro se apóia no segundo, assim

como o código estilístico-retórico se apóia no código lingüístico, como léxico do

outro. É mister, porém, distinguirmos os dois momentos: a denotação

cinematográfica da conotação fílmica. A denotação cinematográfica é comum o

cinema e à televisão, o que levou Pasolini a aconselhar que essas formas

comunicacionais fossem designadas em bloco, não como cinematográficas, 28 op. cit. Lucia Santaella. pp.69-70

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mas como “audiovisuais”. A observação é aceitável, mas note-se que na análise

da comunicação audiovisual estamos diante de um fenômeno comunicacional

complexo que põe em jogo mensagens verbais, mensagens sonoras e

mensagens icônicas. Ora, as mensagens verbais e as sonoras, embora se

integrem profundamente para determinarem o valor denotativo e conotativo dos

fatos icônicos (e sejam por ele influenciadas), nem por isso deixam de apoiar-se

em códigos próprios e independentes, catalogáveis alhures (...). Já a

mensagem icônica, apresentando-se sob a forma característica do ícone

temporalizado (ou em movimento), assume características que devem ser

consideradas à parte.29

Se devemos considerar as imagens, em um todo, mas mais

especificamente na fotografia, no cinema e na televisão, como sendo naturalmente um

signo, independente do possível signo retratado nesta imagem, fica clara a

sobreposição de significantes, que resulta em um outro significante. Se um girassol é

um signo (sin-signo dicente) da posição do sol no momento presente, a imagem

reproduzida deste mesmo girassol, passa a ser até um Símbolo dicente, cuja premissa

ou proposição pode ser: se houve um girassol, houve, em certo tempo uma posição

relativa do sol àquele girassol, mas não a esta imagem presente. No cinema, na

televisão e em certas utilizações específicas da fotografia (publicidade, por exemplo)

este signo – imagem que resulta em uma proposição – pode vir a ser,

intencionalmente, um argumento: tanto um silogismo quanto um sofisma.

Umberto Eco volta a enriquecer esta discussão ao afirmar que o que

não pode ser usado para mentir não pode ser objeto de investigação semiótica:

A semiótica se refere a tudo que pode ser considerado como um signo.

Um signo é tudo que pode ser tomado como substituto significante de algo

mais. Este algo mais não tem que necessariamente existir ou verdadeiramente

estar em algum lugar no momento em que o signo o substitui. Assim, a

semiótica é em princípio a disciplina que estuda tudo que pode ser utilizado com

o objetivo de mentir. Se algo não pode ser usado para mentir, inversamente,

não pode ser utilizado para dizer a verdade: não pode ser utilizado, de fato,

29 op. cit. Umberto Eco. pp.139-40

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para dizer nada. Penso que a definição de uma teoria da mentira deva ser vista

como um atraente programa abrangente para a semiótica geral.30

Apesar de soar, a princípio, como uma falácia, por negar a existência

de qualquer verdade sem seu oposto – a mentira –, a afirmação de Eco joga luz sobre

a ficção fílmica, uma vez que tudo ou quase tudo retratado no cinema de ficção é um

como se. Em se tratando da chamada ficção científica, mormente aquelas

ambientadas no futuro, teremos uma impressionante cadeia de significantes: um dado

elemento do cenário é um objeto dinâmico que, em sua composição cenográfica,

passa a ser um signo, cujo interpretante é parte de um possível ambiente do futuro, o

qual, por sua vez, assume o papel de objeto dinâmico onde a imagem da tela de

projeção é um signo produzindo como interpretante a idéia de futuro.

Brazil tem em Terry Gilliam um diretor que declara, em citações

travestidas de comicidade metalingüística, o conhecimento do poder da semiótica da

imagem. Em uma cena de ação, já comentada em III.6., na qual o personagem-herói

entra junto a um grupo de prováveis terroristas em batalha contra a polícia oficial, uma

longa seqüência remete claramente – despudoradamente copiando – à mais famosa

seqüência de O encouraçado Potenkim, filme mais marcante do cineasta russo Sergei

Eisenstein. Neste conjunto de cenas, no filme soviético, durante o massacre de

populares em revolta pelas tropas do governo, na escadaria de Odessa, uma mãe

atingida e seu carrinho de bebê é mostrado descendo a longa escadaria. Já em Brazil,

em um tiroteio entre revolucionários e a polícia oficial, a pessoa atingida é uma

faxineira do Ministério de Informações, que deixa rolar escada a baixo uma grande

máquina de lavagem de piso. Essa intertextualidade, que remete a uma discussão

sobre o momento sóciopolítico da revolução russa com o momento sóciopolítico

"atual", explicita, de maneira divertida mas contundente, o apreço do diretor americano

pela obra do cineasta russo. Cabe rever a importância de Eisenstein na construção

das teorias semióticas:

Mencionar o cineasta Eisenstein, no entanto, significa termos de nos

deparar com a mais completa encarnação de um verdadeiro “artista inter-

semiótico” surgido na Rússia revolucionária e pós-revolucionária. Essa

30 Teoria da Semiótica, de Umberto Eco, in Imagem. Cognição, Semiótica, Mídia, de Santaella & Nöth. p.196

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intersemiose está expressa na sua preocupação com a origem dos sistemas de

signos, na presença da literatura em suas reflexões sobre o cinema, na sua

prática do teatro e nos estudos das diversas artes, notadamente a pintura em

sua relação com o cinema, assim como nos experimentos, ainda no cinema

mudo, com os efeitos de som-imagem e na influência de um instigante

conhecimento do ideograma japonês e chinês sobre sua técnica de montagem

cinematográfica, além do conhecimento do teatro Kabuki e estampa japonesa,

tudo isso culminando numa constante preocupação com a síntese entre cinema

e a arte.31

Apreende-se no filme, de certa forma reforçando algo já difundido

pelo senso comum, que a idéia de Brazil é justamente o contrário do excesso de

burocracia, de controle governamental totalitário, da falta de espaço, da poluição, da

vida mecanizada.

Percebe-se a intencionalidade do autor na escolha do título como

signo. Mas o que impressiona, neste caso, é uma semiótica do avesso. Esta

concepção vale como constatação da existência de um interpretante do signo palavra-

Brazil que se refere não ao país Brasil enquanto objeto dinâmico. O signo Brazil, neste

caso, é interpretante do objeto dinâmico “não-país-super-industrializado” (primeiro

mundo?). Trata-se de uma significância do avesso do conhecido.

Estar acordado já é uma consciência de reação, que não se confunde

com cognição, pois sua apreensão se dá através da percepção direta, anterior

ao pensamento. Mero estado de alerta, consciência do outro, daquilo que não é

eu. Consciência dupla, bipolar. Tornamo-nos cônscios de nós mesmos ao nos

tornarmos conscientes do não-eu. Binariedade pura. Oposição ou confronto que

aparece até mesmo no senso de externalidade, da presença de um não-ego, de

algo fora de nós que acompanha qualquer percepção que temos das coisas e

que nos ajuda a distingui-la de um sonho, devaneio ou de uma alucinação. 32

Apesar desta conotação da palavra Brazil, os sonhos ou devaneios

do personagem principal no decorrer do filme vão se tornando cada vez mais

31 op. cit. Lucia Santaella. p.74 32 op. cit. Lucia Santaella. p.48

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sombrios, mais pesadelos, conforme a trama vai se desenvolvendo e, neles, Sam vai

sendo engolido pela burocracia.

A leitura comparativa da letra original de Ari Barroso e da versão de

Russell (ver II.3.3) mostra a curiosa relação entre as intenções de cada compositor que

reforçam a noção de Brasil/não-Brasil apresentada anteriormente.

(…) toda a tradição pitagórica confiava a cada modo a conotação de um

ethos (no caso, tratava-se igualmente da estimulação de um comportamento),

como também observa La Barre. A conotação de um ethos encontra-se em

tradições musicais como a chinesa clássica e a indiana. Quanto à

conotatividade de grandes cadeias sintagmáticas musicais, pode aceitá-la

mesmo no que diz respeito à música moderna, embora vigore acertadamente a

advertência sobre a necessidade de as frases musicais não serem

consideradas como dotadas de valor semântico. Mas é difícil negar a certas

músicas estereotipadas conotações institucionalizadas: é o caso da música

thrilling (trilha musical), da música ‘pastoral’ ou ‘marcial’; assim como há, em

seguida, músicas tão ligadas a ideologias precisas que passam a assumir valor

conotativo indiscutível (a Marselhesa, a Internacional).33

Além da escolha do título-música Brazil, já carregado de significados

enquanto interpretante imediato, Terry Gilliam estabelece um jogo de códigos a partir

de uma mesma linha melódica. Os diversos arranjos de uma mesma música para

acompanhar diferentes imagens, sugerem uma leitura semiótica da música, conceito

discutido por Lúcia Santaella:

Ao ouvirmos uma peça de música, se não somos conhecedores dos

diferentes códigos de composição musical (o que nos levaria também a outros

tipos de interpretação), a audição dessa música não produzirá em nós senão

uma série de qualidades de impressão, isto é, sensações auditivas, viscerais e

possivelmente correspondências visuais. É claro que podemos traduzir essas

sensações numa pseudo-significação ou interpretante dinâmico de primeiro

nível, isto é, emocional.34

33 op. cit. Umberto Eco. p. 400 34 op. cit. Lucia Santaella. p. 60

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Terry Gilliam faz uma interessante crítica da sociedade de

informações em seu filme. A presença massacrante e totalitarista do poder público-

governo é inteiramente representada pela onipresença de um único órgão: o Ministério

de Informações. Subdivido em departamentos como Cadastramento de Informações,

Ajustamento de Informações e Recuperação de Informações, por exemplo, o Ministério

é representado publicamente por um Vice-Ministro (Deputy Minister) que se dirige ao

público com o poder de um mandante supremo do Governo. Esse poder onipresente e

opressor se apresenta, também, na arquitetura dos órgãos públicos, com enormes

pés-direitos e amplos salões nos ambientes de acesso do público – apesar das

minúsculas salas dos funcionários burocráticos. Décio Pignatari comenta a “Semiótica

do Poder” em um capítulo de sua tese de pós-Doutorado, Por um pensamento icônico:

semiótica da arte e do ambiente urbano:

Os traços fundamentais de uma semiótica do poder devem ser

buscados nos ícones enfeixados pelas palavras alto e grande: são os modos

pelos quais se estabelecem hierarquias no universo icônico e paratático.

Mesmo um close metamórfico (metonímico), numa foto, num filme ou num teipe,

implica o grande. Pode-se traçar uma linha de poder, num gráfico arquitetônico,

que, vindo da mítica torre de Babel, passa, sucessivamente, pelas pirâmides

egípcias, os zigurás caldeus, as pirâmides maias e incas, a acrópole grega, as

torres das igrejas cristãs, as chaminés da Primeira Revolução Industrial, os

arranha-céus e as torres de captação e emissão de sinais radiotelegráficos.35

A visão da importância dos termos alto e grande de Pignatari foi

reafirmada em 11 de setembro de 2001, no ataque às Torres Gêmeas, quando o ícone

do poder americano, destruído, levou a reflexões muito além das perdas materiais e

humanas.

O grande erro burocrático do Ministério de Informações, que provoca

o mal-entendido – tendo como conseqüência a morte de um inocente, nas ‘seções de

interrogação’ – parte de uma parábola construída pela decomposição de uma metáfora

corrente no universo da Comunicação: o bug como ‘defeito’, problema, erro de

informação. A expressão bug, que, quando utilizada como falha, erro de informação, é

um signo (um símbolo remático? Um sin-signo dicente?), materializa-se e transforma-

35 Por um pensamento icônico: semiótica da arte e do ambiente urbano, de Décio Pignatari p. 153

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se num signo do signo, numa espiral inspirada, onde o objeto dinâmico é um conceito

(o bug enquanto erro) e o objeto imediato é a própria mosca (o inseto enquanto ser).

Este paragrama Tuttle-Buttle36 nos remete à acepção do termo

paragrama utilizado por Julia Kristeva, em Introdução à Semanálise:

Sendo o duplo a seqüência mínima dos paragramas, a lógica dos

mesmos é diferente da ‘lógica científica’, da monológica, que evolui no espaço

0-1 e procede por identificação, descrição, narração, exclusão das contradições,

afirmação da verdade. Compreende-se, então, porque, no dialogismo dos

paragramas, as leis da gramática, da sintaxe e da semântica (que são leis da

lógica 0-1, portanto aristotélica, científica ou teológica), são transgredidas,

apesar de implícitas. Esta transgressão, ao absorver o 1 (o interdito), anuncia a

ambivalência do paragrama poético: ele é uma coexistência do discurso

monológico (científico, histórico, descritivo) e de um discurso destruidor deste

monologismo. Sem o interdito não existiria transgressão; sem o 1 não haveria

paragrama baseado no 2. O interdito (o 1) constitui o sentido, mas no momento

mesmo desta constituição, ele é transgredido numa díase oposicional, ou, de

maneira mais geral, na expansão da rede paragramática. Assim, no paragrama

poético, lê-se que a distinção censura-liberdade, consciente-inconsciente,

natureza-cultura, é histórica. Seria preciso falar de sua coabitação inseparável e

da lógica desta coabitação, da qual a linguagem poética é uma realização

evidente.37

Aqui, uma passagem do livro O que é Semiótica, de Lúcia Santaella,

citando Saussure, nos faz refletir sobre a rigidez da lei dos legi-signos, que inviabiliza o

como se das linguagens não escritas:

Para Saussure, portanto, a língua é um sistema de valores diferenciais,

isto é, a língua é uma forma na qual cada elemento, desde um simples som

elementar (f, por exemplo, na palavra fato, ou g, na palavra gato), só existe e

adquire seu valor e função por oposição a todos os outros. Cada elemento,

portanto, só é o que é por diferença em relação àquilo que todos não são. O

valor é, por isso, determinado por suas relações no interior de um sistema.38

36 conforme Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, paragrama: erro de grafia que consiste no

emprego de uma letra por outra. 37 Introdução à Semanálise, de Julia Kristeva pp. 99-100 38 op. cit. Lucia Santaella. p. 60

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Um dos aspectos que mais chamam atenção na cenografia de Brazil, o

filme é a construção dos objetos utilitários. Todas as máquinas têm como característica

uma extrapolação da tendência pós-moderna arquitetônica, pós-industrial: a exposição

acintosa da estrutura e dos componentes acessórios – tubulações, equipamentos. A

exposição do genotexto dos objetos, por meio da demonstração agressiva de todos os

componentes de cada máquina é uma metáfora do que existe, já hoje, escondido sob

invólucros de aparência tecnológica, nos equipamentos atuais.

Esta exposição das entranhas, tão cara à arquitetura e ao design pós-

modernos, é reflexo da - e reflete a - cultura da sociedade pós-moderna, expondo na

mídia suas entranhas em Reality Shows e programas televisivos sensacionalistas.

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III. Propaganda Ideológica: a Construção da Idéia de Futuro

Para se compreender a construção do espaço psicológico em uma

obra de ficção científica é necessário entender como se dá a relação do homem com

seu ambiente na época retratada na obra. Esse espaço psicológico é construído

basicamente pela forma de comunicação entre as pessoas e, principalmente, pela

forma como o poder constituído - líderes, governo - se comunica com os liderados: a

propaganda ideológica.

As dúvidas e incertezas quanto ao futuro sempre afligiram o ser

humano e, de certa forma, estiveram presentes, no decorrer da História, em muitas

manifestações artísticas. Mas apenas a partir do século XIX é que a ficção científica

tomou corpo, a partir das obras de Julio Verne. Cinco Semanas em Balão, de 1863 foi

o primeiro sucesso desse visionário que, apesar da ciência rudimentar à sua volta,

previu, dentre outros inúmeros inventos, a televisão ('foto-telefoto'), antes do rádio; o

helicóptero, antes do avião; o fax; o dirigível; o cinema falado; o gravador; a iluminação

a néon; as calçadas rolantes; os diamantes sintéticos; o ar-condicionado; os arranha-

céus; os mísseis teleguiados; os tanques de guerra; os submarinos (com propulsão

elétrica); os telescópios gigantescos; os veículos anfíbios; os grandes transatlânticos;

o avião; a caça submarina; o aproveitamento da luz e da água do mar para gerar

energia; o uso de gases como armas de guerra; o fuzil elétrico, o silencioso e o

explosivo definitivo.

Após as obras de Verne, as artes foram desafiadas a representar o

futuro. Muitos artistas investiram sua criatividade no intuito de prever os caminhos que

o homem viria a trilhar e alertar a humanidade para os perigos dessa trajetória. Quase

que em sua totalidade, as obras de arte que representam o futuro trazem em si os

medos do Homem. O perigo das guerras e suas armas cada vez mais destrutivas, o

risco da perda de liberdade pelo crescimento do poder de ditadores mais e mais

centralizadores e cruéis, o temor da automação do ser humano e o controle pelas

máquinas, a insegurança na superação e submissão às inteligências artificiais, a

desconfiança no desenvolvimento da engenharia genética e a clonagem, que geram

incertezas quanto à individualidade do ser, assim como a realidade virtual.

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A literatura foi a mais pródiga das artes no campo da ficção científica,

mas sua maior popularidade veio, já no século XX, com o desenvolvimento das

histórias em quadrinhos, de onde surgiram inúmeros personagens de diversos

planetas e épocas alertando o Homem para os perigos dos descaminhos da ciência.

Mas a arte que mais se adaptou ao gênero da ficção científica foi o

cinema, com sua capacidade mágica de transportar os espectadores para qualquer

espaço e tempo. Desde A Viagem à Lua, de Georges Méliès, de 1902, considerado o

primeiro filme de ficção científica, até a trilogia Matrix, dos irmãos Wachowski, o século

XX apresentou grandes obras (e algumas bastante medíocres, também) tendo o futuro

da humanidade como cenário.

Dentre os principais temores do homem quanto ao futuro, talvez o mais

recorrente seja a perda da liberdade individual por conta de um governo ditatorial e

centralizador. Mas o temor mais impressionante em termos visuais e, portanto, o que

causou mais impactos nas obras visuais, é o da perda de individualidade pelo

descontrole no uso das tecnologias. Este aspecto fica bastante claro nas obras de

cinema, ao longo do século XX.

III.1. Propaganda Ideológica no Futuro

Em Brazil, a construção do espaço psicológico se dá de forma

progressiva, desde o prólogo, principalmente através da propaganda ideológica

maciça do governo sobre os cidadãos.

A crítica do diretor ao sistema de governo aparece na ironia como o

Ministério da Informação massacra sutilmente cada um dos "governados" com frases e

slogans em cada ambiente do filme.

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III.1.1 O que é Propaganda Ideológica

Antes de nos aprofundarmos neste assunto, é preciso diferenciar as

diversas propagandas. Grosso modo, toda propaganda tem por objetivo levar um

público espectador ou leitor ao consumo de algo. Seja pela divulgação de um produto

ou serviço ou pela criação de uma boa imagem do produtor deste produto ou serviço,

busca-se convencer o público de que isto, e não aquilo, deve ser consumido. Este

processo é conhecido como propaganda comercial, por envolver trocas comerciais e

dinheiro.

Outro processo de propaganda é aquele que trabalha com a imagem

dos políticos, visando à aceitação de uma pessoa ou grupo de pessoas (partidos

políticos) pelo público, resultando em votos. É conhecida como propaganda eleitoral e

se concentra basicamente nos períodos que antecedem os pleitos.

A terceira forma de propaganda, que é o interesse deste estudo, é a

propaganda ideológica, cujo aspecto é muito mais amplo e mais global, não se

empenhando apenas em estimular práticas e atos isolados de “consumo”.

De acordo com Nelson Jahr Garcia, a função da propaganda

ideológica “é a de formar a maior parte das idéias e convicções dos indivíduos e, com

isso, orientar todo o seu comportamento social. As mensagens apresentam uma

versão da realidade a partir da qual se propõe a necessidade de manter a sociedade

nas condições em que se encontra ou de transformá-la em sua estrutura econômica,

regime político ou sistema cultural.”1 Neste tipo de propaganda, já não são tão claros o

emissor ou os objetivos e o mecanismo para se obter eficiência é justamente estar

veiculado em locais de onde não se espera a propaganda.

1 O Que é Propaganda Ideológica, de Nelson Jahr Garcia. pp. 10-1

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III.1.2. Propaganda Ideológica na Literatura de Ficção Científica

O fim do século XIX e o início do século seguinte foram férteis nas

descobertas das ciências da Comunicação e da Psicologia (assim como em todas as

demais ciências). O conhecimento dos mecanismos de comunicação e a elaboração

das principais teorias da psicologia trouxeram ferramentas que permitiram o uso em

larga escala de seus benefícios assim como possibilitaram a manipulação negativa. Os

governos totalitários do começo do século XX, que levaram à eclosão das duas

grandes guerras mundiais, tinham vasto conhecimento das novas teorias de controle

ideológico e se valeram destas técnicas para amalgamar multidões sob seus domínios.

Neste clima de ditaduras controladoras, dois escritores ingleses

escreveram dois dos principais livros de ficção ambientada no futuro jamais escritos.

Nestes livros, entre suas ferozes críticas aos métodos de despersonalização do

indivíduo, tecem um painel de como a propaganda ideológica pode minar quaisquer

aspirações de liberdade dos cidadãos.

Em 1932, Aldous Huxley escreveu Admirável Mundo Novo, uma

antiutopia em que a sociedade adora Henry Ford por seus métodos de produção. É

uma das alegorias, pois a “produção” de seres humanos, no livro, é realizada em série,

com controle de qualidade e pré-programação de forma a garantir a felicidade e a

gratidão ao sistema. A todo tempo se encontra o lema do Estado científico-totalitário:

“Comunidade, Identidade, Estabilidade”. Alusão clara ao lema da Revolução Francesa

(Liberdade, Igualdade, Fraternidade), este slogan aparentemente menos explícito que

o de 1789 se baseia em uma das características da propaganda ideológica que é a de

agir “assim, resumindo idéias em expressões ambíguas dos tipos mencionados.

Consegue-se, com isso, que cada um dos que ouvem a mensagem concorde com ela,

por acreditar que diga respeito a si e a seus interesses e necessidades, e acabe

apoiando o sistema econômico e o regime político.”2

Dezessete anos depois, George Orwell escreveria 1984, em que

descreve um mundo dominado por apenas três governos totalitários nos quais a

individualidade foi totalmente devassada e ninguém consegue evitar o massacre 2 op. cit., de Nelson Jahr Garcia. p. 33

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diuturno de mensagens ideológicas por meio da “teletela”, ligada 24 horas por dia na

parede das casas, ao mesmo tempo que é constantemente vigiado pela Polícia do

Pensamento. Neste mundo absurdamente controlado, as crianças são incentivadas a

denunciarem os pequenos deslizes dos pais e todos reverenciam o Grande Irmão,

onipotente e onipresente. Controla-se a História, determinando-se, conforme o

interesse do Partido, o “passado” a ser divulgado. Neste ambiente terrível, a

propaganda ideológica é sufocante. Em todo lugar se lê “O Grande Irmão zela por ti”, o

tempo todo os cidadãos (se é que podem ser chamados assim) são incitados a ouvir e

cantar hinos, exige-se que sejam usadas as palavras certas sob pena de conspiração

caso sejam utilizadas palavras consideradas “antipáticas” pelo Partido. O lema do

Partido, que “encerra” a política do Socialismo Inglês (INGSOC) é: GUERRA É PAZ;

LIBERDADE É ESCRAVIDÃO; IGNORÂNCIA É FORÇA.

Estas antíteses expõem um método de propaganda ideológica

bastante eficiente por associar, até como justificativa, um conceito considerado ruim a

outro (geralmente o contrário). Assim, “faz-se a guerra para garantir a paz”; “ter

liberdade exagerada significa não ter a segurança do zelo do Grande Irmão” e “não

questionar é ter mais energia concentrada para a realização dos ideais da sociedade”.

George Orwell demonstra grande conhecimento das técnicas de

controle ideológico pela propaganda, sendo que criou, por meio da teletela e a Imagem

do grande Irmão, uma das mais formidáveis metáforas do poder do Estado sobre o

indivíduo. Três anos antes Orwell havia escrito uma dos maiores best-sellers ingleses,

A Revolução dos Bichos, uma alegoria inspirada na Revolução Russa. Neste livro,

com muita ironia, Orwell expõe o processo de tomada do poder e os desvios dos

objetivos iniciais de uma revolução operária, com a traição dos ideais de igualdade por

aqueles que mais lutaram por eles. Na obra, percebe-se a distorção gradual dos “Sete

Mandamentos” dos animais. De acordo com os interesses dos líderes da Revolução,

os mandamentos, que seriam inicialmente:

1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo;

2. Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas ou tenha asas é amigo;

3. Nenhum animal usará roupas;

4. Nenhum animal dormirá em camas;

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5. Nenhum animal beberá álcool;

6. Nenhum animal matará outro animal;

7. Todos os animais são iguais.

Transformou-se em:

1. Quatro pernas bom, duas pernas ruim (“Princípio essencial do Animalismo”, processo de redução para simplificação e facilidade de assimilação);

2. (reunido no anterior);

3. Nenhum animal usará roupas;

4. Nenhum animal dormirá em camas, com lençóis;

5. Nenhum animal beberá álcool, em excesso;

6. Nenhum animal matará outro animal, sem motivo;

7. Todos os animais são iguais, MAS UNS SÃO MAIS IGUAIS DO QUE OS OUTROS. (Ao final, transformado em Mandamento Único, em um processo de antítese no intuito de justificar as diferenças às quais os descaminhos da Revolução teriam levado.)

III.1.3. Propaganda Ideológica no Cinema de Ficção Científica

Além de Brazil, dois filmes franceses podem ser citados como

possíveis exemplos de filmes onde se percebe um governo totalitário se valendo de

instrumentos de dominação ideológica. Ambos sobressaem por seus aspectos de

ambigüidade poética e criatividade. São obras onde o humor aparece como crítica, a

partir de ironia e sarcasmo: Alphaville, de Jean-Luc Godard, de 1965, e Farenheit 451,

de François Truffaut, de 1966.

No primeiro filme, um detetive é contratado para resgatar um cientista

aprisionado em Alphaville, uma cidade fora da Terra, dominada por Von Braun, um

cientista que determina que o amor e a individualidade são proibidos. Farenheit 451 é

a temperatura em que o papel incendeia. Partindo deste detalhe, Truffaut cria uma

sociedade onde os livros são proibidos por serem considerados nocivos às pessoas.

Nestes dois filmes franceses, a sociedade é dominada por governos totalitários e

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ambos fazem críticas aos maiores ícones da segunda metade do século XX: as

tecnologias de informação e a televisão.

III.2. Propaganda Ideológica em Brazil

A grande charada do filme Brazil começa a se desfazer,

aparentemente, quando se atenta à trilha sonora. Aqueles acordes que acompanham

diversas cenas, em arranjos variados são da canção Aquarela do Brasil, conhecida no

hemisfério norte como Brazil. Algumas vezes, no decorrer da trama, versos da versão

americana da música são cantados. Algo do mistério sobre o título do filme é

desvendado. A letra em inglês da canção fala de um lugar chamado Brasil para onde

se retornará para lembrar de um grande romance vivido. Brazil, então, se refere a um

lugar hipotético que está no imaginário do europeu e do norte-americano. Seria um

lugar tropical, com sol, samba, mulheres bonitas, em uma idéia contrária ao rigor da

burocracia e da vida mecanizada. Mas, todavia, um espectador mais culto saberia

perceber que o Brasil real, da época, vivia ainda uma ditadura marcada por tortura,

censura e uma burocracia ineficiente. Vê-se mais uma faceta neste tabuleiro: a cada

passo para se situar, um novo obstáculo. Esta insegurança quanto às informações do

filme levam o espectador à mesma angústia do protagonista.

Os criadores da obra dão, aos poucos, informações sobre o mundo em

que está transcorrendo a trama. O espectador tem que ir puxando cuidadosamente o

fio da meada, para desenrolar esse “novelo”. Faz parte do quebra-cabeças as

informações percebidas pelas diversas propagandas em cartazes afixados nos

ambientes internos e externos de Brazil. Geralmente enquadrados em segundo plano,

os cartazes demonstram a ideologia do governo naquele futuro. Sem que haja um

lema definido, os diversos slogans vão acrescentando sentido na metonímia de

governo apresentada. Pode se dizer que o governo, no filme, é apresentado em uma

metonímia porque todo o poder é apresentado apenas por um Ministério, o Ministério

da Informação – e seus departamentos.

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Para compreender o ambiente político-social do enredo de Brazil, o

espectador precisa de um processo de desmontagem da retórica da propaganda

ideológica apresentada.

III.2.1. Cartazes em Brazil

A forma como o governo, em Brazil, divulga suas idéias e ideais para

que o cidadão aja e pense de acordo com o interesse do poder é através da fixação de

cartazes contendo slogans em todos os ambientes. O espaço cenográfico fica, assim,

extremamente carregado de propaganda ideológica. Apesar deste massacre de

ideologia, o diretor não coloca os cartazes em close. Desta forma, trabalha com a

construção do ambiente psicológico do futuro sob o mesmo mecanismo de persuasão

do governo em Brazil: a presença contínua e comum do ideário do Ministério da

Informação leva o cidadão a assumi-lo inconscientemente. As propagandas aparecem

distribuídas no cenário conforme a lista seguinte.

No Lobby do Ministério:

• "The Truth Shall Make You Free" (A verdade vos libertará) – na

estátua. (frase é bíblica: João, capítulo 8)

• "Information - The Key To Prosperity" (Informação: a chave da

prosperidade) – cartaz sobre os seguranças. (fig. 11)

• "Help The Ministry Of Information Help You" (Ajude o Ministério

da Informação a Ajudar você) - poster na parede. (fig. 12)

• "Be Safe: Be Suspicious" (Fique seguro, suspeite) - cartaz na

parede. (fig. 12)

• "Loose Talk Is Noose Talk" (Conversa à toa é uma armadilha) -

poster na sala dos computadores. (fig. 13)

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Na sala de Kurtzmann:

• "Suspicion Breeds Confidence" (Suspeita traz confiança) -

placa. (fig. 14)

Nas Shangri La Towers:

• "Happiness: We're all in it together" (Felicidade: estamos todos

juntos nisto) – Pôster, out-door (Foi copiado de uma propaganda

real, durante a depressão dos Estados Unidos). (fig. 15)

• "Mellowfields. Top Security Holiday Camps. Luxury without fear.

Fun without suspicion. Relax in a panic free atmosphere." (Campos

de férias com segurança total: Prazer sem medo, diversão sem

suspeitas. Relaxe numa atmosfera livre de pânico) – propaganda

no muro em frente ao qual as crianças brincavam de tortura. (fig.

16)

Escritório do Sr. Lime:

• "Trust in haste, Regret at leisure" (Confiança precipitada,

arrependimento adiado) - poster na parede. (fig. 17)

• "Don't suspect a friend, report him" (Não suspeite de um amigo,

denuncie-o) - poster na parede (também visto nos escritórios de

Lint e Kutzmann). (fig. 18)

No escritório de Jack:

• "Who can you trust?" (Em quem você pode confiar?) - poster na

parede. (fig. 19)

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No complexo industrial:

• "Power today. Pleasure tomorrow." (Poder hoje, prazer amanhã)

– out-door. (fig. 20)

• “(3) consecutive hours without a time-loss accident” (Três horas

consecutivas sem um acidente com perda de tempo) – painel. (fig.

21)

• "Mind that parcel. Eagle eyes can save a life." (Cuidado com

pacotes, olhos d águia podem salvar uma vida) - poster na parede.

(fig. 22)

FIGURA 11 - Informação: a Chave da Prosperidade

FIGURA 12 - Ajude o Ministério a Ajudar Você / Seja seguro, Suspeite

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FIGURA 13 - Conversa à toa é uma armadilha

FIGURA 14 - Suspeita Traz Confiança

FIGURA 15 - Felicidade: Estamos Todos Juntos Nisto

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FIGURA 16 - Campos de Férias com Segurança Total

FIGURA 17 - Confiança Precipitada, Arrependimento Adiado

FIGURA 18 - Não Suspeite de um Amigo, Denuncie-o

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FIGURA 19 - Em Quem Você Pode Confiar?

FIGURA 20 - Poder Hoje, Prazer Amanhã

FIGURA 21 - 3 Horas Consecutivas sem Acidente com Perda de Tempo

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FIGURA 22 - Cuidado com Pacotes

Percebe-se, nos exemplos mostrados, que a propaganda ideológica do

governo se utiliza de uma das formas de controle mais interessantes, conforme

sustenta Garcia: a pressão psicológica, que “atua diretamente sobre os receptores,

afetando sua capacidade de análise, para que recebam as mensagens de propaganda

dentro de uma postura passiva e submissa.”3

Outro mecanismo eficiente de propaganda ideológica é a convocação

dos cidadãos a participarem de campanhas de forma ativa. Várias mensagens

apresentadas buscam esse resultado.

III.2.2. O Prólogo: “Quero lhe falar sobre Tubos”

Eduardo Peñuela Cañizal defende que é no prólogo que os diretores

têm seus maiores arroubos de experimentação poética. De um modo irônico, mas

recheado de exemplos, Peñuela explica que, durante o prólogo, o espectador leigo,

pouco afeito a ambigüidades estéticas, ainda está se “ajeitando à poltrona”, com pouca

atenção à tela. O cinéfilo, por sua vez, já está sorvendo toda e qualquer mensagem

subliminar.

3 op. cit., de Nelson Jahr Garcia. p. 57

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Em 2002, Gilliam foi convidado pela empresa de artigos desportivos

Nike para dirigir dois filmes publicitários voltados para a Copa do Mundo de Futebol

que aconteceria na Ásia. O convite deveu-se à experiência do diretor em criar

ambientes inusitados, provocando uma impressão atemporal e, principalmente,

deixando uma ambigüidade quanto ao local do enredo. Na primeira das duas peças

publicitárias, os 24 melhores jogadores de futebol do mundo se encontram no porão de

um navio, um local secreto, para disputarem, dentro de uma grande jaula, o torneio

definitivo: equipes de três jogadores se enfrentam e quem leva um gol é eliminado.

Além do cenário opressivo que faz com que o jogo se compare a uma luta de feras, o

ritmo das imagens é hipnotizante, auxiliado pela trilha sonora – uma remixagem de um

sucesso de Elvis Presley (um jogo entre antigo e moderno, indefinindo a época do

acontecimento) – e o critério de agrupamento dos jogadores é mais racial do que por

nacionalidades (remetendo à idéia de um possível futuro onde já não haja nações ou

pátrias). A segunda peça retoma o tema, levando apenas 6 jogadores ao mesmo

porão, agora sem a jaula, para uma partida revanche em que o time que primeiro

atingir cem gols ganha. Ambos os filmes têm o ritmo alucinado de câmara, os cenários

ambíguos, enquadramentos excêntricos, o humor inteligente e um enredo elaborado,

característicos de Terry Gilliam e muito apropriados a uma publicidade mundial de uma

marca voltada aos jovens.

Terry Gilliam parece concordar com Eduardo Peñuela Cañizal e inicia

Brazil com uma propaganda na TV que, aparentemente, não tem conexão com o

enredo. Em uma TV, exposta em uma vitrina de loja, surge a marca e o slogan de uma

empresa: “Central Services, we do the work, you do the pleasure” (Central de Serviços,

nós trabalhamos, você se diverte). Em um cenário simples, despojado, um homem de

meia idade vestindo um terno se apresenta:

Hi there. I want to talk to you about ducts. Do your ducts seem old-

fashioned, out of date? Central Services' new duct designs are now available in

hundreds of different colours to suit your individual tastes. Hurry now while

stocks last to your nearest Central Services showroom. Designer colours to suit

your demanding tastes. / 4Olá. Quero lhe falar sobre tubos. Seus tubos estão

parecendo fora-de-moda, ultrapassados? O design dos novos tubos da Central

de Serviços está agora disponível em centenas de diferentes cores para atingir

seus gostos individuais. Corra agora até o showroom da Central de Serviços

4 Tradução livre, de minha autoria.

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mais próximo para aproveitar nossos estoques. Cores projetadas para atender

seu gosto exigente. (Fig. 23)

Logo em seguida, uma bomba explode na loja. Na TV danificada aparece a imagem do

Ministro da Informação em uma entrevista falando sobre terrorismo e as formas de

interrogatório utilizadas pelo Ministério.

Por que o filme começa com esta imagem? O que esta mensagem

publicitária acrescenta à formação da idéia de futuro ao espectador? Um pouco à

frente, o filme revela que Central Services é uma empresa estatal, centralizadora como

diz o nome, mas ineficiente e extremamente burocratizada, que cuida dos serviços

domésticos de instalação e manutenção de tubos e dutos. É uma alegoria do exagero

a que pode chegar uma ditadura, ao querer controlar até os serviços básicos de reparo

de um encanamento. Mas como já foi exposto, os tubos têm um papel importante nos

cenários e na crítica ao futuro da arquitetura e do design (ver II.3.5.).

Entretanto, além da aparente crítica à estética do exagero high-tech,

podemos compreender que existe uma metáfora dos tubos ligando tudo e funcionando

de forma orgânica. São grandes “intestinos” de um sistema beirando o colapso.

Como é defendido por Umberto Eco, a retórica oscila entre a

redundância e a informação.5 A propaganda, seguindo pela relação entre retórica e

ideologia, será eficiente se conseguir balancear dois elementos antagônicos: se, por

um lado, mais atenção chama quanto mais subverte as normas comunicacionais, por

outro, mais atinge os públicos-alvo quanto mais previsíveis as proposições de

arquétipos6. Sob este enfoque, analisando-se a propaganda da Central Services,

vemos que a peça produzida para vender tubos é redundante. Para o espectador do

filme Brazil, instaura-se uma indubitável estranheza pelo produto exposto, o que viola

nossas normas atuais de interesse de compra. Mas passado esse “incômodo”, após

entendermos o contexto no qual está inserida a propaganda, vemos que se trata de

um produto corriqueiro, e a mensagem está toda envolta em clichês da propaganda.

5 op. cit. Umberto Eco, p. 76 6 op. cit. Umberto Eco, p. 157

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FIGURA 23 - Central Services - Propaganda

Um homem de meia idade sobriamente vestido, dirigindo-se à dona-

de-casa, discorre sobre ornamentos “fora-de-moda” sendo substituídos por novos

elementos em “centenas de cores para se adequar ao seu gosto exigente”. Todos os

clássicos mecanismos de persuasão na linguagem da propaganda televisiva estão

nestes 20 segundos de publicidade, segundo Sérgio Raimundo Elias da Silva7:

PALAVRAS repetidas, verbos no presente do indicativo (simples), verbos no

7 Mechanisms of Persuation in the language of Television Ads, de Sérgio Raimundo Elias da Silva

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imperativo para incentivar o consumo, adjetivos vagos, vocabulário coloquial. Esta

pequena peça publicitária assume o papel de apresentar, no prólogo de Brazil, toda a

sisudez e a previsibilidade de um sistema de governo ditatorial, rígido, tenso e

burocrático mesmo nas pequenas coisas do dia-a-dia. Tanto o cenário e o figurino,

quanto a postura e o tom de voz do apresentador são óbvios e conservadores,

evitando revolucionar idéias e costumes.

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IV. Arquitetura: a Idéia de Futuro na Construção

A verdade. Devem os edifícios ser verdadeiros ou falsos? Devem ser

sinceros?1

Considerando o prévio conhecimento do espaço psicológico

apresentado em Brazil, o filme, resta analisar se o cenário, o ambiente, a Arquitetura

apresentados comunicam aquela mesma mensagem. Verifiquemos se há coerência

entre os discursos verbal e não-verbal no filme.

Discutir-se-ão, neste capítulo, alguns aspectos da comunicação da

Arquitetura, uma vez que, como toda manifestação artística, a compreensão de todos

os possíveis significados de uma obra Arquitetônica é inatingível. Por se tratar de um

ofício cujo resultado é perene, a Arquitetura é utilizada por gerações e sociedades

distintas, cujas ideologias distinguem-se. Assim, os significados podem se alterar e a

mensagem percebida pode também mudar de acordo com os usos dos objetos

arquitetônicos. Umberto Eco corrobora:

Erraríamos em pensar que o significante arquitetônico, pela sua própria

natureza, seja levado a denotar uma função primeira estável enquanto que as

funções segundas variam ao longo do curso da história. Já o exemplo do

cruzamento ogival nos mostrou que até mesmo a função primeira pode sofrer

curiosos desencontros entre função denotada e função efetiva, e faz-nos pensar

que, com o passar do tempo, certas funções primeiras, perdendo toda eficácia,

já nem mesmo sejam denotadas aos olhos de destinatários desprovidos dos

códigos adequados.2

Mas, antes de tudo, é preciso responder (ou ao menos tentar responder)

duas questões cruciais: “Arquitetura é arte?” e “Objetos arquitetônicos comunicam ou

funcionam?”

1 Saber ver a arquitetura, de Bruno Zevi, p.124 2 op. cit. de Umberto Eco, p.207

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Quanto à primeira questão, parece, à priori, que a resposta é simples: sim, é

arte. Todos os textos que discutem a história da arte ou história da estética, ou ainda a

crítica da arte, incluem Arquitetura no rol das artes. Há sempre exemplos de obras

arquitetônicas para caracterizar os diversos períodos da história. Falar de Grécia

Antiga e não citar Partenon, falar de Idade Média sem comentar uma catedral gótica,

aludir o Renascimento sem lembrar Brunelleschi, apresentar o Barroco e não introduzir

Piazza São Pedro são falhas impensadas a qualquer crítico de artes. Mas há vozes

dissonantes, sendo talvez a mais estridente a de Umberto Eco:

Se os códigos arquitetônicos não podem permitir que eu ultrapasse tal

limite, neste caso a Arquitetura não é um modo de mudar a história e a

sociedade, mas um sistema de regras para dar à sociedade aquilo que ela

prescreve à Arquitetura.

Então a Arquitetura é um serviço, mas não no sentido em que é serviço

a missão do homem de cultura, que trabalha para propor continuamente novas

instâncias ao corpo social, e sim em que é serviço a limpeza pública, o

abastecimento de água, o transporte ferroviário; isto é, serviços que provêem

com elaborações técnicas sempre mais refinadas a satisfação de uma demanda

pré-constítuída.

Nesse caso a Arquitetura nem mesmo seria uma arte, se é próprio da

arte (...) propor à comunidade dos fruidores algo que ainda os surpreenda.3

É, possivelmente, mais um momento de aporia de Eco, fazendo as vezes de

Sócrates, negando para poder reafirmar mais à frente. Contra esta categórica

afirmação – “Arquitetura nem mesmo seria uma arte” – encontram-se diversos autores

que, todavia, não negam peculiaridades específicas desta arte, como Zevi: “(...) o

caráter essencial da arquitetura - o que faz distingui-la das outras atividades artísticas -

está no fato de agir como um vocabulário tridimensional que inclui o homem”4.

Strickland acrescenta: “A arquitetura é uma forma de expressão única que combina

arte e ciência, beleza e praticidade”5. Janson (2001. p.830), quando comenta o

neoclassicismo e o romantismo diferencia: “Dado o caráter individualista do

romantismo, seria de esperar que a variedade de estilos reviventes (revival styles) 3 op. cit. de Umberto Eco, p.222 4 op. cit. de Bruno Zevi, p.17 5 Arquitetura Comentada, de Carol Strickland, p.IX

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fosse maior na pintura, a mais pessoal e íntima das artes plásticas, que na arquitetura,

a mais comunitária e pública”6.

Jorge Coli, quando cita arquitetura em seu O que é arte, já responde – ao

incluí-la em livro com este título - sim à pergunta primeira, mas também a diferencia

das demais artes, talvez por um aspecto pouco comentado:

No caso da arquitetura, a vitalidade parece intervir sobretudo no fazer.

Precisa-se de um arquiteto para a concepção de tal ou qual projeto, público ou

privado, mais complexo ou mais ambicioso. Seu prestígio, o prestígio de seu

escritório garantir-lhe-á as encomendas, e evidentemente interferirá nos preços.

No entanto, diferente do quadro, a arquitetura não produz objetos culturais que

servem de refúgio monetário: o renome do arquiteto prestigia a encomenda,

mas não garante a permanência do valor comercial da obra. Um quadro,

assinado por Cézanne ou Picasso, é investimento seguro; um prédio, assinado

por Le Corbusier, Mies van der Rohe, Warchavchik, não garante coisa alguma,

não significa nenhuma valorização. Se há degradação social do contexto

urbano onde o edifício foi construído, não é a celebridade do arquiteto que o

salvará(...)7

Zevi acrescenta, ainda, que o maior obstáculo à compreensão do diferencial

maior da arquitetura em relação à demais artes seja o vocabulário:

Falta um vocábulo que exprima um conceito fundamental, uma

qualidade notável da arquitetura, a livability, isto é, a habitabilidade num sentido

compreensivo, material, psicológico, e espiritual, da palavra. (...) Outros

"princípios" da arquitetura, a euritmia, a harmonia, a consonância, o ritmo, ou

estão implícitos nas qualidades acima enumeradas, ou são comuns a todas as

artes.8

Sim, é arte. Sim, também, é uma arte diferente das demais artes. É arte

porque é uma expressão da natureza humana9. É diferente porque, mais do que

qualquer arte, depende da participação do Homem, não da mera contemplação. Isto é,

6 História Geral da Arte, de H. W. Janson, p. 830 7 O que é arte, de Jorge Coli. P.101 8 op. cit., de Bruno Zevi, p.124 9 Citado por Romildo Sant’Anna no curso Discurso Ideológico da Arte, Marília, 2003.

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o que faz da Arquitetura – incluindo aí o design, e o urbanismo – uma arte única, de

utilidade intrínseca.

Começa-se, aí, a responder à segunda questão proposta. Em geral,

compreende-se que Arquitetura, antes de qualquer coisa, funciona. Mas este conceito

– ou preconceito – é rebatido por vários estudos. Roland Barthes diz que “a partir do

momento em que existe sociedade, todo uso se converte em signo daquele uso”.10

Umberto Eco emenda, a seguir, no mesmo texto:

Usar uma colher para levar o alimento à boca ainda é a execução de

uma função através do emprego de um artefato que a permite e promove: mas

dizer que o artefato "promove" a função indica que também ele assume uma

função comunicacional, comunica a função a executar; ao mesmo tempo o fato

de alguém usar a colher, aos olhos da sociedade que o observa, já se torna a

comunicação de uma adequação sua a certos usos (e não a outros, como o de

levar o alimento à boca com as mãos, ou sorvendo-o diretamente do recipiente).

A colher promove certo modo de comer e significa aquele modo de

comer, enquanto que a caverna promove o ato de buscar abrigo e comunica a

existência de uma função possível; ambos os objetos comunicam até mesmo

quando não são usados.11

Mais à frente, arremata:

Neste sentido, o que permite o uso da Arquitetura (passar, entrar, parar,

subir, estender-se, debruçar-se, apoiar-se, segurar, etc.) não são apenas as

funções possíveis, mas antes de mais nada, os significados coligados que me

dispõem para o uso funcional.12

Conclui-se, pois, que o uso é o que justifica o objeto arquitetônico, mas fica

claro que o que diferencia e o credencia como arte é o poder de comunicação de suas

possibilidades de uso e das posturas dos possíveis usuários frente ao objeto. O objeto

arquitetônico é arte, ainda que utilitário, porque comunica: comunica a expressão

humana, extrapolando as individualidades do criador e do usuário, sendo uma 10 Elementos de semiologia, Roland Barthes, apud op. cit. Umberto Eco. p.190 11 op. cit. Umberto Eco. p.190 12 op. cit. Umberto Eco. p.191-2

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“radiografia” das instituições sociais, políticas, econômicas, culturais, religiosas,

científicas, filosóficas. Veja a opinião de Zevi:

A interpretação utilitária é conhecida: todos os edifícios devem

corresponder ao seu objetivo. Mas a discussão surge quando se quer precisar a

natureza do objetivo. Deixemos o Monumento de Lisícrates, ou a Coluna de

Trajano, ou todos os exemplos de arquitetura escultórica, (...) isto é, os edifícios

sem espaço interior. Mas qual é o intento de Taj Mahal senão o de um puro e

eterno tributo de amor de um homem à esposa? A interpretação utilitária possui

um sentido apenas se alargar os seus horizontes sobre o campo psicológico e

espiritual.13

IV.1. Análise da arquitetura em Brazil

A análise a seguir buscará encontrar quais os traços que podem dar

um sentido de unidade para todos os ambientes apresentados no filme Brazil, com o

objetivo de entender quais são as características de sua arquitetura. Considerando

que se utilizam ambientes construídos ou adaptados especialmente para o filme (em

alguns casos, com usos diversos dos originais, como veremos a seguir), tentaremos

determinar quais as mensagens que se quiseram transmitir através destes espaços.

No filme, os ambientes foram divididos em cinco categorias, agrupados

pelas características de uso: as residências; os locais de trabalho; os espaços

públicos; os espaços externos e, por fim, a “sala de confissões” do Departamento de

Recuperação de Informações do Ministério de Informações, pelo aspecto trágico e

pela relevância do local na história do protagonista do filme.

13 op. cit. Bruno Zevi. p.108

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IV.1.1. As residências

Como foi anunciado no início do filme, na propaganda discutida

anteriormente (sub-capítulo IV.2.2.), uma das características dos ambientes internos

em Brazil é a presença marcante dos dutos, tanto de ar-condicionado, quanto de

elétrica e hidráulica. Além do fator de exposição das instalações, como uma crítica ao

estilo hi-tech muito utilizado à época da produção do filme, os dutos conferem aos

cenários elementos de decoração causando efeito ornamental exagerado. Aliás, nos

ambientes apresentados em Brazil, há sempre uma grande quantidade de elementos

ornamentais, mesmo nos ambientes mais amplos, com grande carga de informações

visuais.

As residências que aparecem no filme são as dos principais

personagens: Sam Lowry, Ida Lowry, Jill Layton e Archibald Buttle. Os dois últimos,

vizinhos em um condomínio popular chamado Shangri la Towers, são proletários que

moram de forma simples, em pequenos apartamentos, mas com decoração

abundante, carregada de objetos decorativos (figuras 24 e 25). O apartamento de Sam

Lowry (figuras 26 e 27) é, entre as residências apresentadas, a mais despida de

decoração, e a mais carregada de paródias sobre as tecnologias “modernas”.

Entretanto, desde o começo do filme percebe-se que estas tecnologias falham o tempo

todo, transformando a vida do pequeno burocrata, organizado e metódico, em

sofrimento. É marcante a característica do apartamento do funcionário burocrata do

governo, onde sob a superfície exata das paredes esconde-se uma barafunda de

instalações caóticas, uma alegoria da vida do protagonista e, conseqüentemente, do

próprio governo, responsável pelo serviço público de “dutos”. Esses dutos também

podem ser compreendidos como uma metáfora de cordões umbilicais que ligam todos

os cidadãos, todos os ambientes, à mãe-governo.

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FIGURA 24 - Residência Buttle

FIGURA 25 - Residência Jill Layton

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FIGURA 26 - Residência Sam Lowry

FIGURA 27 - Residência Sam Lowry

Caracterizando o outro extremo da sociedade, aparece o apartamento

de Ida Lowry, uma residência ampla e luxuosíssima, carregada de elementos

decorativos de valor artístico (figuras 28 a 32). Com muitos espelhos, pequenos

móveis, muitos tecidos e tapetes, plantas e flores, é uma casa produzida para receber

convidados e comunicar a proximidade com o poder.

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FIGURA 28 - Residência Ida Lowry

FIGURA 29 - Residência Ida Lowry

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FIGURA 30 - Residência Ida Lowry

FIGURA 31 - Residência Ida Lowry

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FIGURA 32 - Residência Ida Lowry

A importância de se analisar as residências de Brazil está em tentar

entender o íntimo de cada personagem, representado em seu próprio ambiente – sua

casa – que, apesar de ser mais pessoal, reflete a posição exata do indivíduo na

sociedade. A casa é sua “assinatura” espacial, comunica quem e o que é seu morador.

Conforme defende Gaston Bachelard, “Toda grande imagem simples revela um estado

de alma. A casa, mais ainda que a paisagem, é um ‘estado de alma’. Mesmo

reproduzida em seu aspecto exterior, ela fala de uma intimidade.”14 Antes, no mesmo

A Poética do Espaço, Bachelard afirma mais contundentemente a característica da

casa como um elo primitivo do morador com o universo: “Porque a casa é o nosso

canto do mundo. Ela é (...) o nosso primeiro universo.”15 Conforme a sabedoria

popular, "a casa é a cara do dono", acolhe-o e o revela.

Mas a casa, em Brazil, não é a casa que se deseja. Este “nosso

primeiro universo”, seguro, onde nos refugiamos das intempéries, é violado em Brazil.

Bachelard responde assim à questão sobre o mais precioso benefício da casa: “a casa

abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa permite sonhar em paz”.16

Todas as residências no filme, entretanto, são invadidas por pessoas do governo. Não

há segurança na casa. O sonho não é seguro, não é tranqüilo. A residência, se por um

lado, retrata o universo íntimo, a personalização de cada indivíduo neste universo, por 14 A Poética do Espaço, de Gaston Bachelard. p.84 15 op. cit. de Gaston Bachelard. p.24

16 op. cit. de Gaston Bachelard. p.26

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outro lado, em Brazil, demonstra a insegurança e a vulnerabilidade do indivíduo no

mundo, resultado de um sistema de governo “impessoalizante”. Um sistema

aniquilador da identidade e dos sonhos.

IV.1.2. Os Locais de Trabalho

A impressionante presença do Ministério da Informação em Brazil faz

com que quase todos os locais de trabalho apresentados no filme sejam integrantes do

Governo. Os locais onde Sam trabalha são completamente diferentes em suas

características físicas, mas perfeitamente complementares para descrever a “alma” do

Ministério da Informação. O departamento Cadastramento de Informações é

apresentado como uma enorme “fábrica de burocracia”, com uma circulação frenética

de pessoas e papéis, caótica e visivelmente ineficiente (figura 33). Considerado pelos

demais órgãos do governo como um setor menor, destinado aos funcionários sem

ambição, caracteriza-se pelo enorme número de arquivos, com paredes funcionando

como gavetas. Os funcionários, cientes do trabalho inútil, deliciam-se a ludibriar a

chefia assistindo a velhos filmes em seus computadores. O escritório do chefe,

localizado em posição mais alta, como as antigas salas dos feitores de fábrica,

personifica e comunica a figura medíocre de seu ocupante. Dentre a mobília, destaca-

se um velho gaveteiro de madeira escura, com gavetas de tamanhos vários,

destinadas a documentos de tamanhos e importâncias distintos (figura 34).

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FIGURA 33 - Departamento de Cadastramento

FIGURA 34 - Departamento de Cadastramento

Aqui cabe a citação de uma passagem de Bachelard, quando comenta

um romance de Henri Bosco:

Ali, pelo menos, tudo permanecia sólido e fiel. (...) Nada

que não fosse previsto, calculado para o uso, por um espírito meticuloso. E

que instrumento maravilhoso! Fazia as vezes de tudo: era uma memória e

uma inteligência. Nada impreciso ou fugidio nesse cubo tão bem trabalhado.

O que ali se colocava uma vez, cem vezes, dez mil vezes, podia ser

encontrado num piscar de olhos. Quarenta e oito gavetas! O bastante para

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conter um mundo bem classificado de conhecimentos positivos. O Sr. Carre-

Benoît atribuía às gavetas uma espécie de poder mágico. “A gaveta”,

costumava dizer, “é o fundamento do espírito humano”.17

Bachelard avisa que o personagem de Henri Bosco é um homem

medíocre, no intuito de mostrar que a positividade da gaveta - tão importante no caso

departamento de Cadastramento de Informações – é uma necessidade do homem

inferior. O burocrata precisa de gavetas para organizar. Um documento sem uma

gaveta-destino não existe.

Em seu novo trabalho, fruto de sua promoção, Sam é destinado a uma

meia-sala, dividida com um ridículo personagem, no Departamento de Recuperação

de Informações. Setor responsável pela cobrança de dívidas relativas aos trâmites

burocráticos, a principal função dos funcionários é encontrar os “culpados” pelos

descaminhos dos documentos e, por meio de tortura, fazê-los confessar e assumir

suas dívidas. Neste setor, os funcionários demonstram seu medo frente ao poder do

chefe. Escondem-se em minúsculos cubículos dos quais saem para adular e seguir

ordens do chefe arrogante e impessoal. A Sam é destinada uma sala numerada, que o

identificará como funcionário – “seu próprio número, em sua própria porta e, atrás

desta porta, sua própria sala” (figura 35). A porta, entra aqui como um desafio. Pode

ser a solução de problemas ou o início de outros. Ser “dono” de uma porta, atrás da

qual há uma sala, é uma nova decisão, um recomeço. Bachelard anuncia “Como tudo

se torna concreto no mundo de uma alma quando uma simples porta vem proporcionar

as imagens de hesitação, da tentação, do desejo, da segurança, da livre acolhida, do

respeito! Narraríamos toda nossa vida se fizéssemos a narrativa de todas as portas

que já fechamos, que abrimos, de todas as portas que gostaríamos de reabrir.”18 A

sala “atrás da porta” é derivada da divisão de uma sala maior, onde uma divisória

metálica divide até os pôsteres e a mesa (figuras 36 e 37). Na outra metade (figura

38), Harvey Lime incorpora o funcionário público deste departamento: inseguro, falso,

pouco eficiente, impermeável a mudanças e tecnologias, apegado às pequenas

posses de seus poucos objetos. A metáfora (ou seria metonímia?) da meia-sala,

17 op. cit. de Gaston Bachelard. p.90

18 op. cit. de Gaston Bachelard. p.226

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constrói perfeitamente a função a ser exercida por Sam: meio-funcionário, executando

meias-tarefas, de meias-verdades. A meia-sala comunica a imagem do "meio-ser".

FIGURA 35 - Departamento de recuperação de Informações

FIGURA 36 - Departamento de recuperação de Informações

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FIGURA 37 - Departamento de recuperação de Informações

FIGURA 38 - Departamento de recuperação de Informações

Os demais escritórios apresentados são de funcionários de alto

escalão. A sala de Jack Lint, antigo colega de Sam, que subiu de cargo graças a sua

“ambição”, é, de fato, uma ante-sala da sala de “confissões”, onde ocorrem as sessões

de torturas. Sua decoração não lembra em nada esta sua função. Com uma

iluminação bastante contrastante, o ambiente é sóbrio e até aconchegante, onde uma

criança espera o pai terminar seu trabalho (figura 39). Na sala do Sr. Helpmann, o

Vice-Ministro da Informação, uma decoração simples, com objetos clássicos, é

iluminada com contrastes. Ligada a esta, a sala dos computadores com as fichas de

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todos os “devedores” do governo (figura 40). As dimensões amplas e a sobriedade

comunicam a importância do cargo.

FIGURA 39 - Sala de Jack

FIGURA 40 - Sala de Mr. Helpmann

Um dos ambientes de trabalho significativos no filme é a sala do

cirurgião plástico Dr. Jaffe (figura 41). Ornamentada excessivamente, com elementos

tão supérfluos quanto sua ocupação, o ambiente é banhado por uma luz lateral que

destaca uns pontos e esconde outros. O excesso de cores e materiais predomina e

contamina os olhos.

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FIGURA 41 - Consultório Médico

IV.1.3. Os espaços públicos

Aqui, analisaremos os espaços onde as pessoas “compram” os

serviços públicos – os lobbies do Ministério da Informação, o Restaurante e o Velório.

Os lobbies do Departamento de Cadastramento e do Departamento de

Recuperação de Informações comunicam, imediatamente, as características de seu

Ministério. Ambos têm proporções sobrehumanas, com enormes portas, enormes

escadarias, iluminação dramática vertical. A já citada teoria da “semiótica do poder”, de

Décio Pignatari, se faz presente. Mas, assim como as salas dos funcionários se

diferem nos dois departamentos, fruto da diferença de mensagem que cada

departamento pretende comunicar, os lobbies também se apresentam diferentes em

suas mensagens. O Departamento de Cadastramento, na sua insegurança e

desconfiança, exibe muita informação, muitos símbolos do poder e da dominação das

pessoas. Todos são filmados, revistados, verificados e "cheirados" por equipamentos

eletrônicos de segurança. (figuras 42 e 43)

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FIGURA 42 - Lobby, Departamento de Cadastramento

FIGURA 43 - Lobby, Departamento de Cadastramento

No Departamento de Recuperação, um homem apenas, preso ao

centro do saguão, dialoga, de forma arrogante:

-“Quer ver minha identidade?”, diz Sam.

-“Não é necessário, senhor.”

-“Mas eu poderia ser qualquer um.”

-“Não, o senhor não poderia. Aqui é Recuperação de Informações...”

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Mas o elevador não funciona bem, e a segurança, apesar da demonstração, é falha (figuras 44 e 45).

FIGURA 44 - Lobby, Depto. de Recuperação de Informações

FIGURA 45 - Lobby, Depto. de Recuperação de Informações

O restaurante onde Sam encontra sua mãe para discutirem sobre sua

promoção também é marcado por um ambiente de pés direitos altíssimos e uma

decoração ornamental exagerada. Grandes dutos saem do chafariz central do salão.

Escadarias, iluminação pontual, paredes com janelas falsas provocam sensação de

movimento e velocidade. Os olhos não param frente ao ambiente. O exagero da

preocupação exclusiva com as aparências culmina quando, após uma explosão

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terrorista na cozinha do restaurante, o maître se apressa em disfarçar o terror,

colocando um ridículo biombo separando a mesa de Sam de pessoas mutiladas, se

arrastando (figuras 46 e 47).

FIGURA 46 - Restaurante

FIGURA 47 - Restaurante

Apesar de ser uma imagem de sonho, já provocado pela lobotomia em

Sam, o ambiente do Velório da Senhora Terrain é também marcante por seus

excessos. As dimensões grandiosas, as elipses concêntricas no teto, embutindo

iluminação difusa, porém ofuscante, a grande quantidade de tecido negro, esvoaçando

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artificialmente, as velas, as luzes de piso, o caixão rosa-pink, todos os elementos

apresentam uma decoração exageradamente carregada de informações. No caso,

informações redundantes (figuras 48 e 49). Assim como nos demais ambientes

públicos mencionados, o devaneio contempla a grandeza, e essa contemplação coloca

o sonhador para fora do mundo próximo, colocando-o em um mundo marcado pelo

infinito.

FIGURA 48 - Velório

FIGURA 49 - Velório

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IV.1.4. Os espaços externos

Brazil, o filme não apresenta grandes planos dos ambientes urbanos. A

câmara sempre fechada, recorta as paisagens, obrigando o espectador a “montar” o

cenário fora da tela. Este recurso reforça a sensação geral de falta de controle, de

impossibilidade de participação nos processos decisórios. Trata-se de um jogo, em

que a cada movimento de câmera, a audiência testa sua capacidade de “criar o

cenário” para além da tela. Cada cena permite uma sensação de confirmação ou

violação do que teria sido criado na mente. A câmara só se afasta nos poucos

momentos em que aparecem cenas fora da cidade, na rodovia e na cena final, quando

Sam e Jill estão no campo, morando numa casa pré-fabricada.

Apesar de não ser possível ter-se uma visão abrangente da “cidade”

em que se passa o filme, pode-se intuir que existe um Centro Cívico, tomado por

edifícios do onipresente Ministério da Informação, próximo a um centro comercial. A

classe média e os funcionários públicos vivem em um bairro verticalizado, com ruas

como um condomínio, cobertas por andares superiores de apartamentos. As fábricas

ficam em um distrito separado, cuja estrada de acesso é vigiada e controlada por

barreiras policiais. Nas antigas e abandonadas estruturas de usinas nucleares foram

construídas as Shangri La Towers, conjunto de moradias populares, onde residem os

assalariados mal remunerados e a grande massa de desempregados.

Nesta “cidade” moderna, utópica e futurista, setorizada e perigosa,

destacam-se alguns cenários que merecem nota. As esplanadas em frente aos

grandes prédios públicos são estreitas em relação às dimensões do edifícios,

obrigando a visualização em perspectiva, o que aumenta a sensação de profundidade

e altura que, somada à decoração rebuscada e carregada das fachadas, apesar da

ornamentação aparentemente clássica, demonstra uma preocupação exagerada com

a imponência – remetendo à arquitetura das décadas iniciais do século XX: fascista e

nazista (figuras 50 e 51). A fachada do ambiente onde está ocorrendo o velório de Mrs.

Terrain também demonstra estas características (figura 52).

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FIGURA 50 - Ministério da Informação

FIGURA 51 - Ministério da Informação

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FIGURA 52 - Velório

O bairro verticalizado e adensado em que Sam mora e onde acontece

a cena de perseguição ao caminhão de Jill constitui-se de um cenário real, um enorme

condomínio de apartamentos, construído na França, em Marne la Valle (figuras 53 e

54). Hoje, a cidade abriga a EuroDisney. As ruas estreitas e sem céu, tomadas de

apartamentos por todos os lados, em que pessoas e veículos disputam o mesmo

espaço, aumentam ainda mais a imagem de insegurança e impessoalidade.

FIGURA 53 - Bairro de Classe Média

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FIGURA 54 - Bairro de Classe Média

As Shangri La Towers, de fato, só aparecem no conjunto em uma

maquete. Representam uma brincadeira, uma espécie de humor negro, dos autores do

filme com a reutilização de estruturas de usinas nucleares para fins residenciais. A

forma circular com paredes parabólicas cria um choque visual com as bases de

apartamentos uniformes e padronizados. Este desequilíbrio entre as formas, a leveza

da forma superior – apesar do “peso” da função primitiva das torres – contrastando

com a “dureza” das caixas de apartamentos, provoca uma grande tensão no espaço.

Comunica o estilo de vida, contrastado entre o possível e o desejado (figura 55).

FIGURA 55 - Shangri La Towers

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Entre os espaços externos, uma das mensagens mais contundentes

encontra-se na rodovia que leva ao complexo industrial onde Jill carrega seu

caminhão. A imagem da rodovia ladeada em toda sua extensão por out-doors que

impedem qualquer visualização da natureza totalmente destruída e tomada por

infinitas linhas de dutos assusta e faz refletir sobre como a propaganda pode mascarar

o mundo real. O que se vê não é o que se tem (figura 56). E, como quase tudo em

Brazil é filmado em plano médio (apesar de as figuras escolhidas para ilustrar o

presente trabalho serem, em sua maioria, em plano aberto), as poucas panorâmicas

fazem justamente o papel invertido da sensação de liberdade do espaço aberto,

externo. Em um ambiente em que tudo é exageradamente controlado (ou

aparentemente sob controle), a imensidão dos espaços externos provoca a

insegurança da agorafobia. O poeta francês Jules Supervielle, citado por Bachelard,

escreve: “O excesso de espaço sufoca-nos muito mais que a sua falta.”19 Frase

excelente para resumir estas sensações.

FIGURA 56 - Rodovia

19 op. cit. de Gaston Bachelard. p.223

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IV.1.5. A sala de “confissões”

A cena final, em que Sam Lowry é submetido ao “tratamento”

definitivo, após o qual não será mais um elemento subversivo, é filmada em um

ambiente muito apropriado para a sensação de isolamento e desproteção. As

proporções enormes do ambiente e a forma das paredes com suas curvas estreitando-

se para o alto provocam vertigem e ampliam a sensação de altura (figuras 57 a 59).

Esta impressão de “aproximação do infinito” do teto remete ao impacto das abóbadas

ogivais góticas sobre os fiéis medievais: significa o poder de Deus sobre o Homem. O

posicionamento do poder instituído é o mesmo: se o gótico queria mostrar a força da

Igreja através do reforço da imagem de pequenez do homem dentro da “casa de

Deus”, na “sala de confissões”, a pequenez de Sam diante do Estado é reforçada pela

dimensão esmagadora do ambiente. J. Teixeira Coelho Netto expõe este conceito de

verticalidade do Gótico:

Há outros modos de encarar a verticalidade, e esta mesma

verticalidade do Gótico? Sim, e parecem bem mais adequados: um deles

baseia-se numa concepção (defendida por Hauser) segundo a qual o

verticalismo Gótico é, pelo contrário, manifestação do misticismo humano.

Numa catedral gótica se teria de tudo, menos racionalismo: nessa ‘nave

iluminada a caminho do paraíso’ se misturam a pretensão irracional de

elevar-se aos céus, de reverenciar irracionais e de afirmar-se um poder

irracional (poder que transparece no exterior da construção). Internamente,

prevalece uma atmosfera também igualmente mística, onde além dos

cantos, da música, do incenso, proliferam (e no exterior também) as figuras

mais irracionais (monstros, deformações) que a humanidade da época

conhecia. Tudo isto formando um conjunto que, como já se disse, visava

antes convencer pelos sentidos do que através de uma verdadeira

argumentação lógica e racional. Arquitetura mística, portanto, e não

racionalista; antes, talvez a mais irracionalista de todas...” 20

20 A Construção do Sentido na Arquitetura, de J. Teixeira Coelho Netto. pp. 75-6

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FIGURA 57 - A sala de “confissões”

FIGURA 58 - A sala de “confissões”

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FIGURA 59 - A sala de “confissões”

E o ambiente de insegurança ainda apresenta “reforços espaciais”. O piso no qual se

locomovem as pessoas é uma estreita passarela sobre uma estrutura metálica situada

a uma altura suficiente para provocar medo. As paredes, apesar de serem despojadas

de ornamentos, por serem de concreto aparente, demonstram as marcas das formas

de construção, o que produz uma textura geométrica mas que, ao acompanhar as

curvas das paredes, provocam um desenho em movimento, uma trama veloz sobre a

qual o olhar não consegue descansar.

Mas a maior sensação de desproteção figura justamente na forma

circular. Muitas teorias da arquitetura apontam a curva como sendo mais “quente”,

mais humana que a reta. “O ângulo é masculino e a curva é feminina”.21 O próprio

Bachelard explica como esse ambiente, formado por círculos e curvas pode ser tão

frio, tão inseguro: a total ausência de “cantos” leva ao desespero. Sem um canto-

refúgio em que o ser possa se sentir respaldado, o ambiente torna-se inseguro. “Mas

em primeiro lugar o canto é um refúgio que nos assegura um primeiro valor do ser: a

imobilidade. Ele é o local seguro, o local próximo de minha imobilidade. O canto é uma

espécie de meia-caixa, metade paredes metade porta.”22 Para Sam, o círculo da sala

de "confissões" comunica o isolamento total, a ausência de refúgios. No centro do

grande círculo não há respostas, não há novos caminhos.

21 op. cit. de Gaston Bachelard. p. 154

22 op. cit. de Gaston Bachelard. p. 146

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IV.2. O futuro é Barroco?

Os críticos e os historiadores da arte iniciaram a procura, em meados

do século XIX, de uma forma científica de análise artística, na busca de uma

abordagem rigorosa, a fim de se evitar o julgamento e procurar uma compreensão

objetiva da arte. O primeiro passo se dá com o suíço Heinrich Wölfflin, que publica, em

1888, Renascença e Barroco. Seu estudo inova, a priori, por elevar o período

conhecido como Barroco – de barrueco (pérola imperfeita), uma clara definição

pejorativa – ao status de produção artística autônoma, com seus próprios critérios,

formas e intenções – contrariando o que se havia estabelecido, até então: o Barroco

seria um derivado aberrante e decadente do período renascentista. Mas seu estudo

acrescenta um inventário estilístico, no qual, pela primeira vez, distinguem-se os dois

períodos da história da arte.

Em 1915, outro estudo de Wölfflin, Princípios Fundamentais da História

da Arte, amadurece as reflexões iniciadas em Renascença e Barroco e classifica os

dois períodos em cinco categorias, conforme apresentado no seguinte quadro:

Categorias

CLASSICISMO BARROCO

Linear Pictórico

Plano Profundidade

Forma fechada Forma aberta

Pluralidade Unidade

Clareza Obscuridade

QUADRO 1: Categorias segundo Heinrich Wölfflin

Em 1928, o pensador catalão Eugenio d’Ors escreve O Barroco e, com

inteligência e erudição, conclui que o barroco é um estilo que agrupa fenômenos

culturais cronologicamente distantes, mas que contém aspectos determinantes

comuns. Em sua colocação, d’Ors apresenta períodos barrocos ao longo da história da

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arte, desde a pré-história até o tempo da publicação de seu estudo. Assim, a história

da arte seria uma sucessão de eras barrocas e não-barrocas.

Tanto Wölfflin quanto d’Ors são universalizantes, isto é, buscam

definições gerais para determinar estilos polarizados. Os conceitos são estáticos, se

agrupam, sem uma idéia de conseqüência e causalidade entre os períodos. Em 1934,

Henri Focillon publica A Vida das Formas. Afirma que existe um processo evolutivo em

todas as eras: a todo período artístico corresponde um momento de “estado primitivo”

no qual as formas se descobrem pouco a pouco; um momento de apogeu e

maturidade, o “classicismo”; e um momento de declínio onde o artista já não busca

mais e, não tendo mais o que acrescentar, complica, reelabora, excede, o “barroco”.

Em Focillon as formas possuem leis próprias, há uma história da arte independente da

História.

Tomando emprestadas de Wölfflin as características do Barroco em

Princípios Fundamentais da História da Arte, podemos verificar, analisando os

ambientes apresentados em Brazil, que toda a inspiração da criação dos cenários do

filme, consciente ou inconscientemente, remetem a uma arquitetura Barroca. Apesar

de todo reducionismo radical ter a tendência de ser pragmático, arriscando-se ao

leviano, o que se quer aqui não é simplesmente rotular-se com um estilo o trabalho de

cenografia do filme. Ao contrário, a idéia é associar as características da época do

estilo Barroco – e, conforme Wölfflin, os demais “períodos Barrocos da História”, como

o Gótico – com as características do “momento histórico” do futuro apresentado no

filme.

O interesse maior da arquitetura pictórica está em fazer

com que a forma básica se apresente em imagens as mais numerosas e

variadas possíveis. (p.86)

O Barroco desvaloriza a linha enquanto contorno,

multiplica as bordas, e enquanto a forma em si se complica e a ordenação

se torna mais confusa, mais difícil para as partes isoladas imporem seu

valor plástico: por sobre a soma das partes desencadeia-se um movimento.

(p.87)

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Não é do interesse da arquitetura pictórica situar o edifício

de sorte a possibilitar sua observação por todos os lados, ou seja, como um

objeto tangível, como era o ideal da arquitetura clássica. (p.95)

(os interiores) Aqui é o campo ideal para os cenários e as

perspectivas, para os raios de luz e a escuridão da profundidade. Quanto

mais a luz for introduzida na composição como um fator independente, tanto

mais a arquitetura será do tipo pictórico visual. (p.95)

Com efeitos especiais de iluminação, (...), a realidade

espacial é acentuada artificialmente, para que disto resulte um efeito de

profundidade mais intenso. (p. 159)

... a construção barroca sempre se baseia em um impulso

de natureza dinâmica (...) os motivos de profundidade só se revelam na

alternância dos pontos de observação. (p.161)

O Barroco não pretende que o corpo do edifício se

imobilize num ponto de observação determinado. Truncando os ângulos, ele

consegue obter planos oblíquos, que orientam o olhar. (p.162)

O Barroco evita essa proporcionalidade exata, procurando

superar o efeito do acabamento completo com uma harmonia mais

dissimulada das partes. Quanto às proporções propriamente ditas, a tensão

e a insatisfação sobrepõem-se ao equilíbrio e à serenidade. (pp. 206-7)

O que o Barroco apresenta de novo não é, portanto, a

unificação de um modo geral, e sim aquele conceito de unidade absoluta, no

qual a parte, enquanto valor independente, é absorvida em grau maior ou

menor pelo todo. (p.253)

Para toda e qualquer sucessão de formas horizontais, o

barroco busca os agrupamentos unificantes. (p.263)

Não é verdade que o ser humano se compraz apenas com

o que é absolutamente claro; ele não tarda a exigir que se passe do claro ao

que nunca se revela inteiramente ao olhar. Por mais variadas que sejam as

transformações estilísticas do período pós-clássico, a todas é comum uma

particularidade curiosa: a imagem escapa, de algum modo, à compreensão

total. (p.304)

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O Barroco tem grande predileção pelas intersecções. Ele

não se limita a ver a forma diante da forma, a interceptante e a interceptada,

mas saboreia a nova configuração que resulta dessas intersecções. (p.305)

O que o Barroco almeja é precisamente uma tensão que

nunca poderá ser desfeita. (p.308)23

Os trechos do livro de Wöllflin descrevem, como vemos, as principais

características dos ambientes, tanto internos como externos, tanto públicos quanto

privados, que nos apresentam os produtores de Brazil. Wölfflin termina seu livro com

um exemplo de comparação entre dois vasos, um renascentista e um barroco. O autor

conclui sobre a forma barroca: “qualquer que seja a nossa localização diante da obra,

jamais a forma se deixará apreender ou fixar por completo; a imagem “pictórica”

encerra algo de inesgotável para os olhos.”24

Mas, afinal, por que a arquitetura de um filme como Brazil se reveste

das características barrocas? Em quê o momento de Brazil - “em algum lugar do

século XX” – se assemelha ao Barroco propriamente dito ou aos períodos da História

em que o emocional predomina como expressão humana? Estas questões podem ser

respondidas por J. Teixeira Coelho Netto, em A Construção do Sentido na Arquitetura:

Que se pense na arquitetura barroca, especialmente na

arquitetura religiosa barroca. Produto da Contra-Reforma na luta contra o

protestantismo, surge quando a Igreja Católica encomenda especificamente

uma arquitetura com uma forma determinada para uma função específica

ambas destinadas a ela mesma, Igreja: tratava-se de dar formas de

encantamento, de sufocação sinestésica calculadas para fazer retornar à

sede católica os antigos adeptos desviados pela nova adversária e ao

mesmo tempo conquistar novos simpatizantes. E sob o ponto de vista da

Igreja, do produtor, a combinação existiu, pois deu resultados.25

23 Princípios Fundamentais da História da Arte, de Heinrich Wölfflin 24 op. cit. de Heinrich Wölfflin. p. 311 25 op. cit., de J. Teixeira Coelho Netto. p. 110

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Em Brazil, esta idéia de Igreja apresentada por Coelho Netto é

substituída pelo Ministério da Informação, utilizando a arquitetura oficial, que inclusive

penetra nos espaços privados por meio dos tubos onipresentes, como parte da grande

propaganda ideológica maciça para manter próximos e conquistados, todos os

cidadãos.

Maria Aparecida Santilli, em trabalho que discute a poesia barroca

portuguesa, comenta sobre o temário barroco:

O temário da literatura seiscentista é um atestado dessa

influência contra-reformista: o medo da morte, a consciência do pecado, a

contrição, o desengano, a oscilação de sentimentos distintos, o claro-

escuro, o sentimento estóico de que os esforços humanos são inúteis, a

sensação do tempo e o conseqüente desejo de aproveitar a vida presente

(carpe diem)26.

Nada mais apropriado para representar um período de insegurança, de

medo, de sentimento de opressão, de dependência ao poder estabelecido – como o

que se apresenta em Brazil – do que a expressão artística de um período histórico

marcado pelos mesmos sentimentos. O futuro, pelo o menos o futuro de Brazil, é

Barroco.

26 Apresentação Poesia Barroca Portuguesa, de Maria Aparecida Santilli. p.16

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V. Considerações Finais

O que se pretendia com este trabalho era analisar a comunicação

arquitetônica apresentada em obras de cinema ambientadas no futuro e verificar a

existência de coerência entre a linguagem verbal e a não-verbal, na construção da idéia de

futuro. A escolha do filme Brazil como corpus da pesquisa auxiliou o caminho por ser um

filme muito rico em mensagens implícitas, conteúdo e muito elaborado em imagem,

permitindo a análise e a comparação desejadas. As escolhas dos autores em que foi

baseada a pesquisa também auxiliou em muito o trabalho, pois a elucidação dos

"mistérios" do percurso só foi possível graças à riqueza dos textos encontrados.

Mas, entretanto, uma questão provavelmente continua restando, após este

mergulho nas entranhas do futuro construído na obra cinematográfica: seria este estudo,

incluindo suas conclusões, válido para aplicação em qualquer outra obra de cinema

ambientado no futuro? Será que existe um paralelo entre o filme analisado e seus pares,

ao longo da história do cinema? Será, afinal, que todos os "futuros", conforme se concluiu

neste trabalho, são Barrocos? Logicamente, não desejaremos determinar uma resposta

irrefutável a estas questões, assim como, humildemente, não pensamos jamais esgotar o

assunto, principalmente pelo fato de que ainda haveria inúmeros futuros a se analisar e

outros mais a serem criados. A pesquisa mostrou, ao longo de seu percurso, que a crítica

da arquitetura e da comunicação arquitetônica ainda têm muito a amadurecer e muitas

discussões hão de se acalorar em torno da matéria antes de se poder ter certezas

consolidadas de sua eficácia. Arquitetos, semiólogos, filósofos, críticos de arte, literatos,

antropólogos, psicólogos, engenheiros, artistas, geógrafos, historiadores, poetas e

curiosos hão de continuar se debruçando sobre as obras arquitetônicas e opinarão muito,

muitas vezes em opiniões diametralmente opostas, antes de haver consenso sobre o

processo de criação do espaço e o processo de leituras deste espaço. Mas também se

concluiu que há muito que se aprender e apreender desta arte relativamente nova -

apenas um século!: o cinema. Novas teorias surgem a cada instante, lendo e relendo as

obras criadas neste curto, mas profícuo espaço de tempo.

Apesar das aparentes incertezas, porém confiando na qualidade do

material existente à disposição desta pesquisa, voltamos ao ponto de partida do trabalho,

quando ainda se devorava informação avidamente, ainda sem noção dos percalços do

caminho, para assistirmos às mais consagradas obras de cinema ambientadas no futuro

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com o intuito de verificar a validade das conclusões chegadas ao longo dos capítulos

deste estudo. As imagens que serão apresentadas, nas figuras seguintes, extraídas de

algumas destas obras, comparadas com as mensagens verbais expostas em cada uma

das obras nos permitem afirmar que, com maior ou menor consciência por parte dos

realizadores, os ambientes psicológicos criados nestes diversos futuros podem ser

caracterizados visualmente como "barrocos". Note-se que as aspas são fundamentais e se

justificam apenas com a leitura dos capítulos anteriores, nos quais o conceito de Barroco é

exposto como algo que, concordando com Eugenio D'ors, ultrapassa as datas

determinadas pelos historiadores da comunicação artística. Ainda deixamos como

proposta de novos estudos, para se analisar se todo e qualquer futuro para o homem

sempre foi e sempre será cercado de incertezas, inseguranças, sentimento de pequenez,

de finitude, levando a esta "irracionalidade-sentimental" do Barroco ou se, como foi

afirmado na introdução deste trabalho, o homem representa seu futuro como uma

extrapolação, uma reprodução exagerada do presente e, sendo assim, as obras de cinema

ambientadas no futuro se revestem deste "barroquismo" porque o século XX, com suas

tecnologias galopantes e dúvidas em torno da validade das mesmas é, também, um

período "barroco". A questão é: será que o Homem naturalmente enxerga um mundo

barroco ou o Homem está em um presente barroco, vendo, por isso, futuros barrocos?

FIGURA 60 - Metrópolis (Metropolis, ALE, 1926) de Fritz Lang

FIGURA 61 - Blade Runner, o Caçador de Andróides (Blade Runner, EUA, 1982) de Ridley Scott

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FIGURA 62 - 2001, uma odisséia no espaço (2001: A Space Odissey, ING, 1968) de Stanley Kubrick

FIGURA 63 - Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, ING, 1971) de Stanley Kubrick

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FIGURA 64 - Duna (Dune, EUA, 1984) de David Lynch

FIGURA 65 - Barbarella (Barbarella, FRA/ITA, 1968) de Roger Vadim

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FIGURA 66 - Solaris (Solaris, URS, 1972) de Andrei Tarkovsky

FIGURA 67 - THX 1138 ( THX 1138, EUA, 1971) de George Lucas

FIGURA 68 - Quinto Elemento, O (Fifth Element, The, FRA/EUA/ING, 1997) de Luc Besson

FIGURA 69 - Doze Macacos, Os (12 Monkeys, EUA, 1995) de Terry Gilliam

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FIGURA 70 - Batman (Batman, EUA, 1989) de Tim Burton

FIGURA 71 - Matrix (Matrix, EUA, 1999) de Larry & Andy Wachowski

As figuras 60 a 71 apresentam imagens de diversos filmes

ambientados no futuro e cujos cenários podem ser caracterizados como "barrocos".

Como contraponto a estas idéias e, principalmente, à conclusão deste

trabalho, apresento como imagens finais algumas cenas de Guerra nas Estrelas (Star

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Wars, EUA, 1977, de George Lucas), no qual, também em um letreiro inicial

"provocativo", se apresenta um tempo e um local indefinido: "Há muito tempo, em uma

galáxia muito, muito distante..." O filme, então, estaria ambientado no passado e em

outros planetas. Mesmo assim, a imaginação humana, ao criar este ambiente tão

paralelo ao nosso Mundo, ainda utiliza inspiração barroca.

FIGURA 72 - Guerra nas Estrelas (Star Wars, EUA, 1977) de George Lucas

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Uma parte de mim é todo mundo

Outra parte é ninguém, fundo sem fundo

Uma parte de mim é multidão

Outra parte estranheza e solidão

Uma parte de mim pesa, pondera

Outra parte delira

Uma parte de mim almoça e janta

Outra parte se espanta

Uma parte de mim é permanente

Outra parte se sabe de repente

Uma parte de mim é só vertigem

Outra parte linguagem

Traduzir uma parte na outra parte

Que é uma questão de vida e morte

Será arte?

Traduzir-se, de Ferreira Gullar

FIM

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Ficha Técnica (Brazil, o Filme)

Título Original ____________________________________________Brazil

Ano de Produção _________________________________________1985

Filmado nos LEE INTERNATIONAL FILM STUDIOS _____________Wembey, Inglaterra

Terry Gilliam _____________________________________________Diretor

Arnon Milchan____________________________________________Produtor

Patrick Cassavetti_________________________________________Co-Produtor

Terry Gilliam/Tom Stoppard/Charles McKeown ________________Roteiro

Roger Pratt ______________________________________________Diretor de Fotografia

Julian Doyle______________________________________________Edição

Michael Kamen ___________________________________________Música Original

Norman Garwood _________________________________________Projetista de Produção

George Gibbs ____________________________________________Superv. de Efeitos Especiais

Richard Conway __________________________________________Supervisor de Maquetes

Maggie Weston ___________________________________________Cabelos e Maquiagem

James Acheson __________________________________________Figurino

Jonh Beard/Keith Pain _____________________________________Diretor de Arte

Graham Ford _____________________________________________Gerente de Produção

Irene Lamb_______________________________________________Direção de Casting

Margery Simkin ___________________________________________Direção de Casting - EUA

Bill Weston ______________________________________________Arranjo de Extras

Bill Hobbs _______________________________________________Arranjo "Guerreiro Samurai"

Guy Traver_______________________________________________Assistente do Diretor

Chris Thompson __________________________________________2º Assistente do Diretor

Richard Coleman _________________________________________3º Assistente do Diretor

David Garfath ____________________________________________Operador de Câmera

Bob Doyle _______________________________________________Gravação de Som

Paul Carr ________________________________________________Mixagem de Regravação

Linda Bruce ______________________________________________Gerente de Unidade

Peter Verard______________________________________________Gerente de Construção

Ray Cooper ______________________________________________Coordenador Musical

Rodney Glenn ____________________________________________Editor de Som

Terry Connors ____________________________________________Contador

Penny Eyles______________________________________________Supervisor de Script

Margaret Adams __________________________________________Coordenador de Produção

David Appleby____________________________________________Fotografia Still

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Ficha Técnica (Brazil, o Filme)

Elenco

Jonathan Price ___________________________________________Sam Lowry

Robert de Niro____________________________________________Harry Tuttle

Katherine Helmond________________________________________Mrs. Ida Lowry

Ian Holm_________________________________________________Mr. Kurtzmann

Bob Hoskins _____________________________________________Spoor

Michael Palin _____________________________________________ Jack Lint

Ian Richardson ___________________________________________Mr. Warrenn

Peter Vaughan____________________________________________Mr. Helpmann

Kim Greist _______________________________________________ Jill Layton

Jim Broadment ___________________________________________Dr Jaffe

Barbara Hicks ____________________________________________Mrs. Terrain

Charles Mackeon _________________________________________Harvey Lime

Derrick O'Connor _________________________________________Dowser

Katherine Pogson _________________________________________Shirley

Bryan Pringh _____________________________________________Spiro

Sheila Reid_______________________________________________Mrs. Buttle

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Lista de Figuras

Figura 1 - "31 de junho de 1984" ________________________________________24

Figura 2 - Bug no sistema______________________________________________29

Figura 3 - Lloyd's Building - Guia do visitante _____________________________31

Figura 4 - Computador "do futuro" ______________________________________32

Figura 5 - Mesa de "Confissões" ________________________________________33

Figura 6 - O processo X Brazil __________________________________________34

Figura 7 - As mulheres dos sapateiros ___________________________________35

Figura 8 - Oito e meio X Brazil __________________________________________36

Figura 9 - Encouraçado Potenkim X Brazil ________________________________37

Figura 10 - Um corpo que cai X Brazil____________________________________39

Figura 11 - Informação: a chave da prosperidade __________________________57

Figura 12 - Ajude o Ministério a ajudar você / Seja seguro, suspeite __________57

Figura 13 - Conversa à toa é uma armadilha ______________________________58

Figura 14 - Suspeita traz Confiança______________________________________58

Figura 15 - Felicidade: estamos todos juntos nisso ________________________58

Figura 16 - Campos de férias com segurança total _________________________59

Figura 17 - Confiança precipitada, arrependimento adiado __________________59

Figura 18 - Não suspeite de um amigo, denuncie-o ________________________59

Figura 19 - Em quem você pode confiar? _________________________________60

Figura 20 - Poder hoje, prazer amanhã ___________________________________60

Figura 21 - 3 horas consecutivas sem acidente com perda de tempo _________60

Figura 22 - Cuidado com pacotes _______________________________________61

Figura 23 - Central Services - Propaganda ________________________________64

Figura 24 - Residência Buttle ___________________________________________72

Figura 25 - Residência Gil Layton _______________________________________72

Figura 26 - Residência Sam Lowry ______________________________________73

Figura 27 - Residência Sam Lowry ______________________________________73

Figura 28 - Residência Ida Lowry________________________________________74

Figura 29 - Residência Ida Lowry________________________________________74

Figura 30 - Residência Ida Lowry________________________________________75

Figura 31 - Residência Ida Lowry________________________________________75

Figura 32 - Residência Ida Lowry________________________________________76

Figura 33 - Departamento de Cadastramento______________________________78

Figura 34 - Departamento de Cadastramento______________________________78

Figura 35 - Departamento de Recuperação de Informações__________________80

Figura 36 - Departamento de Recuperação de Informações__________________80

Figura 37 - Departamento de Recuperação de Informações__________________81

Figura 38 - Departamento de Recuperação de Informações__________________81

Figura 39 - Sala de Jack _______________________________________________82

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112

Figura 40 - Sala de Mr. Helpmann _______________________________________82

Figura 41 - Consultório médico _________________________________________83

Figura 42 - Lobby, Departamento de Cadastramento _______________________84

Figura 43 - Lobby, Departamento de Cadastramento _______________________84

Figura 44 - Lobby, Departamento de Recuperação de Informações ___________85

Figura 45 - Lobby, Departamento de Recuperação de Informações ___________85

Figura 46 - Restaurante________________________________________________86

Figura 47 - Restaurante________________________________________________86

Figura 48 - Velório ____________________________________________________87

Figura 49 - Velório ____________________________________________________87

Figura 50 - Ministério da Informação_____________________________________89

Figura 51 - Ministério da Informação_____________________________________89

Figura 52 - Velório ____________________________________________________90

Figura 53 - Bairro de classe média ______________________________________90

Figura 54 - Bairro de classe média ______________________________________91

Figura 55 - Shangri La Towers __________________________________________91

Figura 56 - Rodovia ___________________________________________________92

Figura 57 - A sala de "confissões" ______________________________________94

Figura 58 - A sala de "confissões" ______________________________________94

Figura 59 - A sala de "confissões" ______________________________________95

Figura 60 - Metropolis _________________________________________________102

Figura 61 - Blade Runner ______________________________________________102

Figura 62 - 2001, uma odisséia no espaço ________________________________103

Figura 63 - Laranja mecânica ___________________________________________103

Figura 64 - Duna______________________________________________________104

Figura 65 - Barbarella _________________________________________________104

Figura 66 - Solaris ____________________________________________________105

Figura 67 - THX 1138 __________________________________________________105

Figura 68 - O quinto elemento __________________________________________105

Figura 69 - Os doze macacos___________________________________________105

Figura 70 - Batman ___________________________________________________106

Figura 71 - Matrix (trilogia) _____________________________________________106

Figura 72 - Guerra nas Estrelas _________________________________________107

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Alphaville (Alphaville, FRA, 1965, Mundial) de Jean-Luc Goddard.

Barbarella (Barbarella, FRA/ITA, 1968, Paramount) de Roger Vadim.

Batman (Batman, EUA, 1989, Warner) de Tim Burton.

Blade Runner, o Caçador de Andróides (Blade Runner, EUA, 1982 Warner) de Ridley Scott.

Brazil, o Filme (Brazil, EUA, 1985, FlashStar) de Terry Gilliam.

De Volta para o Futuro 2 (Back to the Future 2, EUA, 1989, CIC e Universal) de Robert Zemeckis.

Doze Macacos, Os (12 Monkeys, EUA, 1995, Columbia TriStar) de Terry Gilliam.

Duna (Dune, EUA, 1984, FlashStar) de David Lynch.

Encouraçado Potemkim (Bronenosets Potymkin, URS, 1925, Continental) de Sergei M. Eisenstein.

Guerra nas Estrelas (Star Wars, EUA, 1977, Fox) de George Lucas.

Farenheit 451 (Farenheit 451, França) de François Truffaut.

Fellini Oito e Meio (Otto Mezzo, ITA, 1963, Continental) de Federico Fellini.

Homens Preferem as Loiras, Os (Gentlemen Prefer Blondes, EUA, 1953, Fox) de Howard Hawks.

Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, ING, 1971, Warner) de Stanley Kubrick.

Mad Max (Mad Max, AUS, 1979, Warner) de George Miller.

Máquina do Tempo, A (Time Machine, EUA, 1960,Vídeo Arte) de George Pal.

Matrix (Matrix, EUA, 1999, Cinema) de Larry & Andy Wachowski.

Metrópolis (Metropolis, ALE, 1926, Continental) de Fritz Lang.

Processo, O (Trial, The, FRA/ITA/ALE, 1963, Top Tape e Continental) de Orson Welles.

Quinto Elemento, O (Fifth Element, The, FRA/EUA/ING, 1997, Columbia TriStar) de Luc Besson.

Rollerball, os Gladiadores do Futuro (Rollerball, EUA, 1975, Warner e Fox) de Norman Jewison.

Solaris (Solaris, URS, 1972, Taipan) de Andrei Tarkovsky.

Tempos Modernos (Modern Times, EUA, 1936, Continental) de Charles Chaplin.

Terceiro Homem, O (Third Man, The, Ing, 1949, Continental) de Carol Reed.

THX 1138 ( THX 1138, EUA, 1971, Warner) de George Lucas.

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