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CAPA

Comunicaqui perfis

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Revista incompleta de perfis de personalidades curitibanas realizada pelos acadêmicos Amanda Toledo, Anne Araújo, Guilherme Pinheiro, Emily Kravetz, Bárbara Beltrame, Fernanda Brisky, Jaqueline Lopes, Noele Dornelles, Marcio Taniguti. Professor responsável: Rodolfo Stancki.

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CAPA

dezembro 2013Comuni !

ÍNDICE

EDITORIALA vida é feita de conexões .................................................................................................................. 3

COMIDA - Um sanduíche com sabor de nostalgia .................................................................................4

EDUCAÇÃO - Próxima parada: Angola...................................................................................................7

HISTÓRIA - As máquinas do tempo.....................................................................................................10

ESTRADA - Verdadeiros motociclistas..................................................................................................12

MUSEU - Ninguém percebe mas o mundo não funciona sem botões. Todo mundo se abotoa! ...........14

MÚSICA - O ser humano muito além da música..................................................................................18

PERSONALIDADE - Uma gaijin em terras paranaenses.........................................................................22

LIBERDADE - O índio aventureiro........................................................................................................25

TEATRO - Miguel Esposito, o vigia amante do Teatro Guaíra................................................................28

ESPORTE - De Belfor Duarte a Couto Pereira: o monumental Alto da Glória ........................................30

PERSONALIDADE - Barbosa, o tratador de animais..............................................................................33

EXPEDIENTE

Revista Comuni ! Revista dos alunos de Jornalismo das Faculdades Integradas do Brasil - UniBrasil.Rua Konrad Adenauer, 442 - Tarumã - 82821-020 - Curitiba/PR | Telefone 55 (41) 3361 4200UniBrasil - Faculdades Integradas do BrasilCoordenadora do Curso: Prof{. Maura MartinsOrientador: Prof. Rodolfo Stancki

REDAÇÃO

EDITOR CHEFEGuilherme Santos

EQUIPE DE REPORTAGEMAmanda Toledo, Anne Louyse Araújo, Bárbara Beltrame, Emily Kravetz, Fernanda Brisky, Guilherme Santos, Jaqueline Lopes, Liriane Kampf, Marcio Taniguti e Noele Dornelles

CAPAAmanda Toledo e Anne Louyse Araújo

DIAGRAMAÇÃO FINALLiriane Kampf

3dezembro 2013 Comuni !

Guilherme Santos

Não há, com certeza, tema mais exaustivamente abordado na atualidade do que a conectividade entre as pes-soas propiciada pelos recentes avanços tecnológicos. Através de nosos smarthphones, tablets e notebooks, permanecemos conectados ao mundo virtual por cada vez mais horas do dia. A edição especial da Revista Co-municaqui – Perfis, no entanto, visa mostrar que não é necessá-rio nenhum acessório para esta-belecer conexões.

Mais que um simples cur-rículo, os perfis aqui apresenta-dos tem o objetivo de demons-trar como pessoas, lugares e até mesmo simples objetos tem o poder de estabelecer uma rede invisível de ligações entre os in-divíduos. Mesmo sem perceber, são essas conexões que definem os rumos da nossa vida.

Nos acompanhe neste passeio e descubra como cada pessoa que cruzamos na nossa vida é dotada de uma infinida-de de histórias e curiosidades interessantes. Que cada local que visitamos guarda diferentes significados e preserva uma me-mória coletiva.

É o caso da reportagem “Próxima parada: Angola”, pela

qual percebemos como o idio-ma pode propiciar o intercâm-bio entre diferentes culturas. É pela fala, meio mais tradicional de comunicação, que precon-ceitos são superados, amizades são estabelecidas e mesmo um estrangeiro pode acabar viran-do brasileiro.

Descobrimos também a importância da conexão com o divino, que em “O Ser humano muito além da música” fica cla-ramente exposta. Nesta deta-lhada reportagem, conhecemos a história de uma cantora que, por meio de seu dom, conse-guiu realizar o sonho de ficar fa-mosa quando ainda era criança, mas acabou largando tudo em busca de um sentido maior para a vida.

Em “Um sanduíche com sabor de nostalgia”, visitamos uma antiga lanchonete que carrega a memória de diversas gerações de universitários curi-tibanos. O ambiente, que pare-ce ter parado no tempo, trans-formou-se no refúgio daqueles que buscam conectar-se com o próprio passado.

Conhecemos também um local de culto ao prazer de pilo-tar motocicletas. A reportagem “Verdadeiros Motociclistas”

apresenta um olhar de dentro de um grupo que, através desse hobby, estabeleceu laços entre os membros que os transforma-ram em uma verdadeira e gran-de família.

Que as novas tecnologias facilitaram a maneira como nos comunicamos, não há dúvida. Mas que nunca nos esqueçamos que elas não substituirão, nun-ca, aquilo que há de mais impor-tante: o contato humano.

Boa leitura!

A vida é feita de conexões

Em outras plataformas...

A Revista Comunicaqui ganhou uma versão online. Pelo endereço www.comunicaqui.blogspot.com.br é possível ler notícias sobre nossas produ-ções, além de ter acesso ao ar-quivo das revistas. A Comunica-qui foi criada em 2013 e é um produto laboratorial do curso de Jornalismo da UniBrasil.

Amanda Toledo

EDITORIAL

4 dezembro 2013Comuni !

Guilherme Santos

Um sanduíche com sabor de nostalgia

O lanche que conquistou diversas gerações de universitários curitibanos e se tornou a marca de uma instituição centenária.

Quem passa despreten-siosamente pelo cruzamento da Rua Desembargador Westpha-len com a Silva Jardim provavel-mente notará com facilidade a presença do campus da Univer-sidade Tecnológica Federal do Paraná. Os desavisados, porém, dificilmente fixarão o olhar na pequena lanchonete azul insta-lada na esquina oposta e que, há mais de três décadas, tem sua história intimamente ligada à instituição. O nome Montes-quieu não condiz com a impor-tância do local, que ganhou o gosto dos curitibanos pelo seu

Foto: Guilherme Santos

mais famoso lanche: o X-Mon-tanha.

Na inusitada receita, o tradicional hambúrguer é subs-tituído por um bolinho de car-ne. Além dos ingredientes bá-sicos: queijo, presunto, alface e tomate, o sanduíche ainda leva um pastel à milanesa na compo-sição. O recheio é fruto de uma feliz oportunidade surgida após um período de desabastecimen-to de carne na década de 1980, sendo possível escolher entre queijo, carne ou palmito. Depois de pronto, fica fácil entender o nome de batismo dado pelos

frequentadores.A evolução da antiga Es-

cola Técnica Federal do Paraná para Centro Federal de Educa-ção Tecnológica do Paraná – o famoso CEFET – e a mais recen-te transformação em Universi-dade promoveram significativas mudanças no perfil dos alunos, a idenficiação com o X-Monta-nha, no entanto, permaneceu inabalada.

Quem não conhece, pode pensar que o sucesso da lancho-nete esteja ligado ao respeito à cartilha de estabelecimen-tos fast-food de sucesso, como

COMIDA

5dezembro 2013 Comuni !

motivo.Para ser atendido, é pre-

ciso certa paciência, pois de fast o “X-Montanha” não tem nada. Os pedidos são anotados aten-ciosamente em guardanapos e levados pessoalmente a cozi-nha, que pode ser vista ao fun-do, separada apenas por uma divisória de vidro. É nela, ao lon-ge, que está a única televisão do local, daquelas pretas e peque-nas de tubo.

Depois de receber o tão aguardado pedido, é hora de escolher o acompanhamento. Apesar de estar presente entre as opções, a Coca Cola está lon-ge de ser a mais pedida. Aqui o sucesso é a clássica Cini Frambo-esa, que sobrevive forte em sua garrafa de cerveja de 600 ml. Ao beber, o líquido praticamente se dissolve devido à quantidade de gás.

Importante avisar: aqui a sua lista de cartões, vales, cheques e créditos virtuais não serão aceitos. O modo de pa-gamento resume-se ao velho e bom dinheiro em espécie. Mas não se preocupe, pois cada san

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osMcDonalds, Burguer King e ou-tros. Para a felicidade dos aman-tes da baixa gastronomia curiti-bana, isso é o oposto daquilo que a Montesquieu representa.

As diferenças começam a ser percebidas logo na entrada. A disposição do ambiente foge da tradicional divisão por me-sas e “obriga” todos os clientes a partilharem o mesmo espaço, num grande balcão em formato de “U”. A cada duas banque-tas, daquelas antigas fixadas ao chão, estão bisnagas de catchup e mostarda, estrategicamente posicionadas para que ninguém fique sem molho.

Apesar do capricho na limpeza, a gordura é perceptível no ar em cada uma das divisó-rias dos antigos azulejos de co-

zinha que dão o tom azul claro ao ambiente. Talvez as quatro caixas de óleo de garrafas de óleo de soja num dos cantos da lanchonete ajudem a explicar o

Fachada do Montesquieu - mais de três décadas de funcionamento não foram sufi-cientes para provocar grandes mudanças no loca.

Álvaro Oda, o herdeiro do império do X-Montanha - fornecimento de sanduíches para os universitários está garantida por mais alguns anos.

6 dezembro 2013Comuni !

duíche sairá apenas R$ 7,50, o que ainda lhe garante o posto de melhor custo-benefí-cio das redondezas.

Administrada desde a sua abertura pela família Ota, a lan-chonete perdeu este ano um de seus mais importantes símbo-los. Em março de 2013, Hiroyuki

Ota, ou apenas “Seu Zé”, morreu aos 85 anos, dos quais 35 dedi-cados à alimentação diária dos futuros engenheiros, técnicos e tecnólogos paranaenses. Além de criador da Montesquieu e idealizador dos sanduíches ex-clusivos do local, Seu Zé era a figura central do estabelecimen-

to, destacando-se apesar da se-renidade típica dos orientais en-quanto ficava sentado bem ao centro do grande balcão.

A responsabilidade é ago-ra dividida entre os três filhos da família Ota: Álvaro, responsável pelo atendimento, e as irmãs Geni e Emília, incansáveis na

produção de uma média diária de 80 X-Montanhas. Em horá-rios de pico, o atendimento é reforçado pelo filho de Álvaro. A presença da 3ª geração dos Ota é um indício de que muitas turmas de universitários ain-da poderão saborear o clássico sanduíche.

Mais que uma receita di-ferente, o X-Montanha repre-senta, junto com a família Ota e todos os elementos que com-põem a Montesquieu, um cená-rio cada vez mais raro em Curiti-ba. O local é um dos poucos que ainda mantém vivos os mesmos aspectos desde sua criação.

Essa característica talvez expli-que a constante presença de ex-alunos de diferentes épo-cas, que insistem em ocupar as velhas banquetas. Para eles, o principal recheio é a nostalgia.

Paisagem de quem come no X-Montanha, reforçando a conexão da lanchonete com a Universidade Federal do Paraná.

7dezembro 2013 Comuni !

Anne Louyse Araújo

Uma passagem para a educação no Brasil e uma viagem pela vida de Zacarias Santos

Uma conversa com um sotaque estranho chamou a mi-nha atenção. Curiosa, segui para o último compartimento do ôni-bus tentando distinguir qual era aquele idioma. Chegando na “porta quatro”, enfim encontrei as vozes que tanto me instiga-ram. Dois homens jovens con-

versavam em um idioma dife-rente que em meio ao tumulto do biarticulado, ainda não tinha conseguido identificar. Após al-guns minutos da minha má edu-cação ouvindo conversa, conse-gui decifrar: era português de Portugal, lusitano, dos bigodu-dos e difamados por aqui.

As estações tubo iam pas-sando, e um impulso, que acre-dito que veio de Deus, surgiu. Foi com a coragem de um Caco Barcellos, que abordei o gringo e o convidei a uma entrevista.

Influenciado pelos irmãos mais velhos, que estudaram aqui, que convenceu o jovem a

EDUCAÇÃO

Próxima parada:

Angola

8 dezembro 2013Comuni !

morar em terras estran-geiras. Natural de Saurimo, ci-dade com pouco mais de 40 mil habitantes, Zacarias Sambados Santos veio morar com o irmão no Brasil para estudar. Bolsista, é beneficiado por um acordo entre os governos brasileiro e angolano, que custeia e incenti-va estudantes do país africano a realizarem formação acadêmica e superior no nosso país. Há três anos em Curitiba, já é especialis-ta em Metodologia da Educação no Ensino Superior, e completa neste ano a pós-graduação em Gestão e Planejamento para Segurança Pública e Privada, e o curso de Gestão de Recursos Humanos.

Evangélico e frequenta-dor da Assembleia de Deus Pen-tecostal, só escuta louvor e mú-sica gospel, prestando a atenção no conteúdo da mensagem. Guiado pelo irmão mais velho, adaptou-se tranquilamente em Curitiba, onde encontrou com-patriotas e também conheceu o “acolhedor jeitinho brasileiro de ser”. Como o arroz com fei-jão já era um velho conhecido, prato comum em países de lín-gua portuguesa, o africano não sofreu para se acostumar com a comida.

Apesar da assustadora imagem que tinha do Brasil - as-saltos, prostituição, mulher pe-lada, bagunça, favela corrupção, - conhecia as referências acadê-micas do país, um dos prós que pesaram na decisão de estar por aqui até hoje. Logo após ater-rissar em terras brasileiras, foi assaltado pela primeira e única vez em São Paulo. Os bandidos queriam levar a camisa Dolce e Gabanna e o relógio. Ele só con-

seguiu salvar a camisa. Conseguir o visto de es-

tudante foi uma das maiores dificuldades burocráticas que teve, apesar das fortes relações econômicas e politicas entre os dois países, e de ter um primo trabalhando no consulado pau-lista. A primeira vez que veio ao Brasil foi para prestar vestibular. Só após conseguir a declaração de aprovado, e de volta a An-gola, é que começa o processo para se inscrever em programas de intercâmbio. Com o deficien-te quadro de professores, o go-verno de lá incentiva os jovens a para quando voltarem, contri-buírem ativamente na educação do país.

“Jogar futebol, indiscuti-velmente, passou a ser o meu hobbie”.

Torcedor e fã da seleção canarinho, o futebol é uma das poucas coisas boas que sabia a respeito da nossa terra. Quan-do encontra tempo, passa horas chutando bola na grama sintéti-ca com os amigos e até montou um time com os angolanos que encontrou em Curitiba.

Entre outras habilidades

está o mandarim, que aperfei-çoou quando foi a China e au-mentou o número de relógios. Acredita fielmente que, em um futuro próximo, os cinco paí-ses de economia emergente que formam o BRICS (“Building Better Global Economic BRICs”) - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - dominarão a eco-nomia mundial. Também apos-ta em Dubai, paraíso fiscal que conheceu em uma viagem que fez com os irmãos para comprar os carros da família. Consumis-ta assumido, ele passa grande parte do tempo das viagens es-colhendo roupas, eletrônicos e acessórios. O passaporte já foi carimbado em outros países, como Namíbia, Paraguai, Argen-tina, Portugal, Itália e outros pa-íses da Europa.

Africano de sotaque português, diz ter sofrido pre-conceito na pele poucas vezes. Conformado, acredita que o preconceito sempre existirá, devido à variedade de línguas, cores e culturas. Com um estilo nada tradicional, usa roupas das marcas Zara, Lacoste, Levis en-tre outras grifes internacionais.

9dezembro 2013 Comuni !

As cores vibrantes fazem parte do vestuário, que mui-tas vezes é mal compreendido - reclamou ser satirizado pelos amigos por usar um cinto rosa. Nas fotos do smartphone que comprou nos Emirados Árabes, aparece com ternos vermelhos, amarelos e azuis. Os relógios são a grande fixação, e só de marcas nacionais já adquiriu mais de dez para a coleção.

“Economia, paixão maior”.

Formado em economia, contou que uma das coisas que mais o marcaram foi a primei-ra vez que entrou em uma sala de aula como professor, aos 20 anos. Começou a lecionar eco-nomia e direito, e é na área da educação que pretende seguir

carreira. Foi convidado como palestrante voluntário por vá-rios colégios estaduais, para fa-lar sobre temas ligados à África e gestão de conflitos. Junto com o amigo André da Silva, está ter-minando de escrever o primeiro livro, “Administração, Organiza-ção e Planejamento Estratégi-co”, que será publicado no pró-ximo ano pela editora Junqueira e Marin. Empenhado com o pro-jeto, o primeiro que reúne o conteúdo dos três temas em um só exemplar, ele confessou que perdeu uma namorada por pas-sar tempo demais escrevendo. O foco do mercado é a Angola, devido ao déficit de materiais, mas também será lançado em livrarias brasileiras.

Caçula e muito apegado

aos pais e aos oito irmãos, está sempre em contato com todos, seja por telefone, redes sociais ou viajando para a cidade natal. Apesar de bolsista, a maior par-te de todos os custos é mantida pela família, que costuma vir ao Brasil para visitar ele e o irmão.

Não sabe se a vocação para o estudo veio do incentivo do pai, que é Secretário Estadu-al do Comércio, ou dos irmãos, de quem fala com euforia que todos os irmãos já se formaram em cursos superiores.

Convidado por duas uni-versidades, Zacarias volta à África para dar aulas. Pretende avançar para o mestrado e um futuro doutorado, e ajudar a construir uma educação de qua-lidade em Angola.

10 dezembro 2013Comuni !

Liriane Kampf

Asmáquinas

dotempo

Quem acha que a história da Rede só pode ser contada com dados históricos está enganado. Há muito mais por trás

dos trens, trilhos e ferros.

A extinta Rede Ferroviá-ria Federal Sociedade Anônima (RFFSA) foi uma empresa estatal que administrou o transporte ferroviário desde 1957 a 2007, em todo o território nacional. Em meio século de existência, abrangeu as cinco regiões bra-sileiras e 19 unidades da fede-ração. Em 1996, teve início a implantação de um processo gradual de privatização, passan-do a assumir diversos nomes em cada cidade, de acordo com o grupo econômico que assumia o comando. No Paraná, em San-ta Catarina e no Rio Grande do Sul, em 1997, a Rede deu lugar à Ferrovia Sul Atlântico, que, mais tarde, viria a ser o que conhe-cemos hoje como ALL (América Latina Logística).

Mas a Rede não é só nú-meros. Aliás, ela é muito mais história do que números. Lauro que o diga. A família Silvério veio de União da Vitória para Curi-tiba em 1972. Agenor, pai de 8 filhos, era ferroviário. Fiscal de trem. “Ele trabalhava na Rede

desde que me lembro”, conta Lauro. Em Curiti-ba, Lauro, já com 14 anos, entrou para a Escolinha da Rede (Centro de Formação Profissional Coronel Durival de Brito – inicialmente destinado a filhos de ferroviários). “A gente fazia o primeiro ano do segun-do grau e, quem tirasse maior nota, podia escolher o curso profissionalizante. Escolhi Eletri-cidade. Tinha levado um choque em União da Vitória quando era criança. Eu tinha que perder o medo.”

Estudava de manhã e ia para as aulas práticas à tarde. Em 1974, Lauro terminou o cur-so e estava pronto para ingres-sar na Rede. Mas não tinha vaga. “Disseram que chamariam logo, mas não chamaram.” Foi traba-lhar em outras áreas. Em 1983 reencontra um antigo professor da Escolinha. “Ele disse que es-tavam me procurando e que ti-

nha vaga pra mim na Rede. Não pensei duas vezes.”

Na época, a Rede já era uma economia mista, uma par-ceria entre iniciativa privada e Governo. Então, Lauro assinou carteira e iniciou a jornada que seria a mais marcante de sua vida.

“Foram anos de trabalho intenso. Cruzar cobra direto. Atravessar a ponte São João a pé. Viaduto do Carvalho. Você está no túnel e, quando o trem vem vindo, você se encosta na parede e o trem passa a centí-metros do seu rosto.” A emoção é visível. A nostalgia está quase palpável.

O trabalho não era fácil. Plantões aos fins de semana. A esposa, que também trabalha-va fora, e os filhos tinham de se acostumar à ausência. O que

HISTÓRIA

11dezembro 2013 Comuni !

Foto: Liriane Kampf

era difícil. A do meio dor-mia cheirando a camiseta do pai. Mas não era qualquer ca-miseta. Era a camiseta da Rede. Uma azul celeste com aquele símbolo dos trilhos. O cheiro era um misto de perfume com ferro. E ela amava.

Quando estava de sobre-aviso e o bip apitava, Lauro ia pra Rede, se encontrava com seus colegas e iam para o meio do mato. “Tinhamos que aten-der os defeitos. Às vezes chovia muito. Andávamos no meio do mato, sem iluminação alguma, debaixo de chuva e rezando para Deus proteger, porque po-díamos pisar em fios de alta ten-são em qualquer lugar. Quando visualizávamos uma luz piscan-do lá longe, sabíamos o que tínhamos que fazer: resolver o defeito.” Depois, Lauro só avisa-va a Usina para que religassem a energia. Pronto! Luz em todo lugar.

“Até hoje minha comi-da preferida é pão caseiro com margarina e café preto!” Quan-do voltavam para o vagão, e chegavam à Estação de Banha-dos, perto da região do Véu da Noiva, ganhavam uma refeição tamanho família dos ferroviá-rios da região. “Era um pão ca-seiro enorme. Sem brincadeira. Era desse tamanho assim, ó!” Ele desenha na mesa o tamanho da fatia de pão. Mas, de repen-te, tudo apagava de novo. E lá iam os ferroviários resolver mais um defeito. “Geralmente, está-vamos em três. Quando o traba-lho era longo, a gente revezava. Enquanto dois trabalhavam, um dormia.”

Com a privatização da Rede em 1997, ela se tornou

Ferrovia Sul Atlântico. A econo-mia passa a ter prioridade. “Os estrangeiros só querem saber de cuidar da linha do trem. An-tes, os filhos daqueles ferroviá-rios de Banhados, por exemplo, eram transportados pelos trens para suas escolas, nas cidades vizinhas. Depois da privatização, isso acabou.”

Lauro, visivelmente triste, diz que o governo fez mal em abandonar as casas da região da linha férrea. Todo o patrimônio que tinha pelo caminho foi des-truído. “Isso é o que mais ma-chuca. Trabalhei tanto tempo, quando ia atender algum defei-to, via as crianças no caminho, acenando para nós. Os funcio-nários que moravam nesta re-gião faziam o trabalho pesado na via permanente e nem eram valorizados.”

Lauro ficou na Rede de 20 de dezembro de 1983 até 3 de fevereiro de 1999, quando foi mandado embora por buscar seus direitos trabalhistas. “Um engenheiro novo lá queria mu-dar tudo: acabar com a ‘pericu-losidade’, mudar nosso esque-ma de plantão e de folgas. Não aceitamos.”

Sobre a Rede, Lauro não se contém e demonstra a satis-

fação em ter feito parte desta história. “Conheci só gente boa lá. Conheci lugares maravilho-sos. Vi a natureza. Sustentei mi-nha família. Era um lugar ótimo para trabalhar.” Pausa. Pensa. “Acho que o Governo brasileiro perdeu de manter muitas famí-lias que dependiam do serviço. Passaram pros americanos, que simplesmente queriam os tri-lhos funcionando, sinalização e tudo mais. Mas o Governo es-queceu-se de todos os trajetos, do que tinha ao redor.”

Cabisbaixo e imerso em seus pensamentos, Laura conti-nua refletindo. “Em minha opi-nião, não sei se a privatização ajudou. Costumo escutar na Globo os jornais e programas fa-lando sobre o patrimônio e tal... Essas casas foram abandonadas, o Ipiranga, a Casa dos Engenhei-ros, perto do Véu da Noiva... Tudo destruído... Só mato. E as empresas fazem propaganda para conhecer a Serra do Mar. Vai conhecer o que agora?”

Lauro já saiu da Rede há 14 anos. Mas a Rede nunca vai sair do Lauro. Nem de seus ami-gos ou familiares. Esta repórter que vos fala é prova disso. Nun-ca vou esquecer o cheiro daque-la camiseta.

12 dezembro 2013Comuni !

VERDADEIROS MOTOCICLISTAS

Motoclube Andarilhos da Noite realiza viagens por estradas do Brasil

Jaqueline Lopes

O dia está amanhecendo, o som dos motores das motos e triciclos nas ruas próximas a Avenida Presidente Kennedy em Curitiba começa a aparecer. Motociclistas chegam com suas mulheres na garupa. Todos de preto com colete. No peito, o brasão, a bandeira do Brasil e a bandeira do Paraná. Nas cos-tas, o mesmo brasão, mas com maior destaque. Assim começa a viagem dos Andarilhos da Noi-te.

Quem se atrasa, precisa correr contra o tempo e encon-trar os outros no caminho. Nun-ca ninguém ficou pra trás. Todos

Jaqu

elin

e Lo

pes

ESTRADA

andam em fileira na estrada. Na hora de pagar o pedágio, o di-nheiro de todos os integrantes é dado ao líder, responsável pelo pagamento. Enquanto isso, os outros passam e aguardam ele sair. O último dá um sinal e to-dos seguem viagem.

Para onde? Isso é deci-dido em uma reunião entre os membros do motoclube, rea-lizada mensalmente na última quinta-feira do mês, em que é obrigatório o comparecimen-to de todos. Se há convite para uma comemoração de outros motoclubes, lá vão eles. Todos são bem recebidos.

No mundo dos motoci-clistas, não existe rixa. Quando são convidados para um lança-mento, eles recebem comida de graça. A preocupação fica por conta das acomodações para dormir, que cada um precisa ar-rumar. A maioria leva barracas e colchonetes em suas motos.

Nos fins de semana é di-fícil ver um motociclista para-do. Quando não há festas, eles inventam alguma coisa. Em um domingo em outubro, sem via-gens agendadas, os membros do Andarilhos da Noite decidi-ram ir para Morretes, no litoral do Paraná, para um almoço.

O dia a dia é normal para os andarilhos. Todos trabalham e têm suas famílias. O moto-clube é um hobby, mas levado a sério. Isso vem do espírito aven-tureiro, que faz parte das vidas dos integrantes do grupo. Isso vem de anos, não só de quando se entra no clube.

Cada integrante tem sua função no motoclube. Lenira Rocha é a caixa, além de ser a única mulher integrante com a própria moto. Ela controla o se-tor financeiro do grupo. Fica no caixa sempre que há festa e reu-niões dos motociclistas. No cai-xa, vemos as fichas de cerveja, água, refrigerantes e dose.

A amizade é grande entre eles. Todos são companheiros de viagem e se cumprimentam como irmãos. Na estrada, não é diferente. “Se você é andari-lho e não ajuda um motociclista na estrada, não está seguindo a norma.” Isso é o que o presi-dente Nilton Betulino, conhe-cido entre eles pelo apelido de Manda Chuva, conta. Ele relata que, por diversas vezes, ajudou

13dezembro 2013 Comuni !

Foto: Andarilhos da Noite

motociclistas na estrada, mui-tas vezes sem saber quem era a pessoa. Com isso em mente, chegou a abrigar um rapaz na própria casa.

Às terças-feiras ocorre uma confraternização na sede do motoclube, que fica nas pro-ximidades da Avenida Presiden-te Kennedy. A presença dos in-tegrantes é quase integral, isso sem contar os visitantes de ou-tros motoclubes.

Nos motoclubes é comum o colete das mulheres ser dife-rente dos usados pelos homens. Isso não ocorre nos Andarilhos, pois os dois sexos usam o mes-mo colete, no mesmo estilo. A diferença está na customização que cada um faz com o seu. É o caso dos brasões de outros grupos, chamados de petis, dos broches de motos, estrelas, gui-tarra e de frases como “Moto-queira é a puta que pariu”. Esses elementos dão um diferencial ao colete de cada integrante dos Andarilhos.

A comida, que eles cha-mam de 0800, é de graça nos encontros. As mulheres prepa-

ram na cozinha, enquanto os homens cuidam de outras áre-as. O que não pode faltar em um jantar de motociclistas é a carne, preparada em uma tenda montada na parte externa. Há espetinhos à vontade para as pessoas que estão participando. Na cozinha, o arroz e a salada complementam a janta.

“Quando não dá tempo de comprar os alimentos para a comida, o jeito é um pão com linguiça”, conta Francis Bertu-lino, mulher do presidente do grupo. Ela e a japa Emi-a Sugi-sawa são as responsáveis pela compra dos alimentos e pela escolha do cardápio. As mulhe-res começam cedo. Às 20h são abertos os portões e começam os preparativos para janta. En-quanto esperam, comem espe-tinho e bebem o que mais agra-da.

O amarelo e preto predo-minam nas cores da sede. Frases nas paredes como “Andarilhos eternamente” e “Eternamente andarilhos” demostram a pai-xão pelo clube e pela estrada.

Nas paredes, além das

frases, vemos quadros com vá-rios adesivos dos motoclubes vi-sitantes, que deixam o registro que passaram por ali, na forma de adesivos. No terreno lá fora, as motos são estacionadas em fileira. Isso mostra a organiza-ção dos membros.

Em uma noite de confra-ternização não pode faltar o fa-moso rock and roll. Ao som dos ídolos do rock, a noite passa. De vez em quando, uma banda ou cantor aparece para dar mais variedade aos estilos musicais. O rock, porém, é o favorito.

Do lado direito do bar é possível ver uma estante com vários troféus e lembranças dos lugares visitados. Todos são guardados e deixados à mostra para apreciação. Uma miniatura de uma moto laranja, que veio de Ponta Porã, chama a atenção pela beleza, e por parecer dife-rente das lembranças ganhas em visitas a outros motoclubes.

São quase oito anos de história e de estrada. Em 2005, Elias da Silveira Neto e Tenente Assad resolveram montar um grupo de motociclistas. Após

pesquisarem nomes, de-cidiram por Andarilhos da Noite. Em uma tarde de domingo, Neto foi para casa com suas netas, uma de dez anos e a outra de seis, desenhou o brasão, com uma caveira amarela à frente de um fundo pre-to. Todos gostaram, regis-traram o nome, e assim surgiu os Andarilhos da Noite.

14 dezembro 2013Comuni !

“Tudo tem botão, tudo pode ser um botão, todo mundo se abotoa. Agora, com as novas tecnologias, tudo liga e desliga em botões. A Terra é um grande botão. O umbigo, para os orientais, é um botão de conexão com o mundo externo. O botão surgiu no

Egito antigo e ainda hoje está no peito das pessoas, perto delas, em todo lugar. E ninguém vê. E ainda

dizem que os botões vão acabar, imagine. Nem que todo mundo usasse velcro”, trecho do livro Pequenas

Grandezas - Miniaturas de Hélio Leites.

Ninguém percebe, mas o mundo não funciona sem

botões.Todo mundo se abotoa!

Descrito e escrito por Leminski como um “signifi-cador de insignificâncias”, nosso personagem e al-

guém que funciona como um exercício de liberdade,

humor e crítica

Já experimentou desligar o botão? Segundo Hélio Leites, o mundo não funciona sem eles. Formado em Economia, Hélio foi bancário por 25 anos. A necessidade de se expressar o levou a criar, em 1984, o Museu Casa do Botão, em Curitiba. En-quanto bancário, sua expressão se restringia a pintar quadros em acrílico. Com os botões, pôde levar não só os quadros, mas também o museu, os livros e a alegria para qualquer lugar.

Comparado ao profeta Gentileza, personagem da vida carioca nas últimas décadas do século passado, nosso persona-gem trabalha com materiais re-ciclados, pois sempre se interes-sou por esse tipo de lixo, como ele mesmo diz. Quando tinha uns sete anos, olhava para um cabo de vassoura e pensava em uma sereia. Essa ideia foi o seu

Fernanda Brisky

primeiro trabalho para o museu. Hoje, seu foco são obje-

tos como caixinhas de fósforo, botões, rolhas, latas, madeira e restos de material entalhado que, por suas mãos, transfor-

mam-se em personagens que contam histórias e chamam atenção de crianças e adultos.

Determinado, perseve-rante e lutador. Essas palavras ajudam a descrever a intrigante

MINIATURAS

15dezembro 2013 Comuni !

Museu e vida, vida e museu

Sabine Righetti é cientis-ta, repórter e fã de Hélio Leites. Para ela, o museu está vivo por-que ele e seu criador se mistu-ram. “O museu é portátil, cabe em uma mala, vai aonde o artis-ta for e entra em qualquer casa, ou qualquer outro museu. Com

a obra, e suas cores e criações, é possível visitar sentimentos, conhecer literatura, discutir va-lores, educar e emocionar. Tudo por meio de objetos feitos a partir de lixo”, relatou em en-trevista com o artista curitibano para a Revista Online Panorama. Certa vez, o cantor, compositor e ex-ministro da Cultura, Gilber-to Gil escreveu que os museus – sejam grandes, pequenos e portáteis – precisam de perso-nalidade. “O importante é que estejam vivos, que pulsem, con-sagrando o jogo de tradição”. Exatamente como o museu de Leites.

personalidade de Leites. É di-nâmico e versátil. Suas palavras transmitem paz e fazem refletir sobre tudo o que a vida oferece de bom e nem sempre percebe-mos.

Para falarmos dele, não temos como separá-lo do mu-seu. Lá, o artista expõe seus di-versos trabalhos todo domingo na Feira do Largo da Ordem, na capital paranaense.

Uma história para recordar

A amizade de Renata Pallotini com Hélio é para vida

toda. Foi ela quem deu o nome ao museu. A teatróloga curitiba-na menciona que, como o mu-seu não tem uma casa, ele leva a casa no nome. Qualidades fo-ram definitivas e o poeta, segun-do ela ,tem muitas qualidades. “O museu não tem sede, não tem goteira, não tem dinheiro. Ele viaja, ele se mistura, são dois em um, um em dois, não tem como falar de Hélio sem falar do museu e vice-versa”, recorda também em entrevista para Sa-bine Righetti na Revista Online Panorama.

A função real do artista, que exerce múltiplas funções, é mostrar por meio de suas cria-ções, que o mundo é pequeno, e que cada item do seu trabalho é simples, porém digno como qualquer outro considerado grande. “O artesanato é um treino para o meu diálogo com a humanidade. A banca da feira é meu palco, passa gente tris-te, feliz alegre. Gente de todo o jeito. E vejam bem a tristeza em certo ponto até que é boa, ela nos permite ver coisas que a alegria não deixa ver”, disse o artesão.

Memória histórica

O sonho da casa própria, o discurso de Santo Antônio aos peixes. Uma história puxa a ou-tra e a cada caixinha ele acres-centa um verso, uma obser-vação inteligente, um jogo de palavras, uma piada. Tudo arti-culado, tudo caprichado. Usa o cabelo curto e mantém uma enorme franja grisalha, que

16 dezembro 2013Comuni !

também serve como elemento cênico. É elétrico, quer falar de tudo e sobre todos, quando en-contra um amigo então, sente realizado.

O escritor e jornalista Ernani Buchmann contou en-tusiasmado do ultimo dia em que encontrou Leites. “O cara é torcedor fanático do Paraná Clube e toda vez em que me en-contra, chega elétrico e fala do projeto para exposição de suas ‘relíquias’ na sede do Paraná Clube. Ele tem várias miniaturas que fez do time e cada uma tem uma história diferente, um per-sonagem diferente. Tem até a história da criação do time, ver-são Hélio Leites, que é demais”. Ernani compara Hélio a Lilliput, uma ilha onde o personagem principal se deparou com a po-pulação de pessoas minúsculas, com menos de seis polegadas

Um belo dia, Lete, como Hélio era conhecido na época, visita Paulo Lemiski na sua casa e diz que foi visita-lo por dois motivos, ambos importantes: convencê-lo a conhecer a causa botânica e pedir algum botão que o poeta pop não usasse mais. Chegou perguntando quantos botões o escritor tinha na roupa. De im-ediato, Paulo achou que Hélio era um mestre zen e escreveu o seguinte texto, publicado em 1986 para o Correio de Noticias. “Os desavisados e preconceituo-sos podem pensar que o inventor da Botânica não passa de um louco. Mas passa sim. Dos loucos, Lete, pessoa gentilíssima, só tem a doce obsessão de quem persegue uma idéia. Mas é a obsessão dos artistas ou dos cientistas, uma ob-sessão construtiva. Moderníssimo, fundindo gesto e performance com o empre-go de material reles (perdão, meus botões!) e “mail-art”, Lete (e a Assintão) vai conduzindo uma das experiências criativas mais interessantes que tenho visto por aí, bem mais instigante e original que muitas vernissages de artes plásticas que não vão além do simples artesanato ou industrianato, em muitos casos. Para tanto, Lete e a Assintão estão recolhendo por toda a cidade, com um pequeno gravador, amostragens de assobios de todas as pessoas no sentido de construir a primeira Assobioteca da História. Ontem o botão. Hoje o assobio. Amanhã, o mundo. “mind Games”, diria John Lennon”.

A nota de Lemisnki, o poeta pop

de altura, os chamadas lillipu-teanos, que o tomaram por gi-gante. “O gigante Hélio e suas pequenas invenções, digam-se, gigantescas. Com miniaturas ele nos surpreende e conta histo-rias geniais”, se diverte o escri-tor ao relembrar do amigo.

Agatha Cristina Rocha, admiradora do artista-plástico, se emociona ao relembrar do escritor. Não esquece quando Hélio abriu a bolsa cheia de mi-niaturas e começou a contar a história de cada uma delas. “O intelectual para alguns e louco para a maioria, oferece seu tra-balho e suas histórias a quem estiver interessado. Pouco im-porta quem ouve e como ouve. Você pode admirá-lo ou con-siderar diferente dos demais”, lembra.

A proposta do artista e do Museu Casa do Botão é mos-

trar às pessoas o real sentido da vida, deixado de lado pela cor-reria do dia a dia. Todo mundo se abotoa igual, mas não pen-sa da mesma forma, por isso é que cada um tem o seu próprio botão, no caso seus próprios pensamentos. Sem perceber que o mundo não funciona sem botões, todo mundo se abotoa querendo ou não. Uma coisa leva a outra. Nem sempre vi-vemos o presente com toda in-tensidade que ele merece. Nem sempre estamos atentos às nos-sas emoções e conexões diárias. Vivemos esperando a tal felici-dade, sendo que muitas vezes ela já entrou em nossas casas e na nossa vida.

18 dezembro 2013Comuni !

Emily Kravetz

O ser humano muito além da música

“Se alguém me vê cantando e começa a se aproximar por causa disso, ele não vai se aproximar por quem eu sou. Por que a VOZ não sou eu. Eu (pausa) sou a Thais”

Quando tinha apenas quatro anos, Thais lembra que o som da música a causava ir-ritação. Principalmente quando tentava cantar junto, pois ela não conseguia produzir aquilo que escutava. “Até hoje eu não entendo muito bem o porquê

Aos oito anos de idade, a pequena garota saiu de Curiti-ba, onde vivia com a mãe, e foi morar com o pai em Balneário

Camboriú, Santa Catarina. Em setembro de 1998 ocorria o 1º Festival da Canção Estudantil do Estado, onde foram feitas sele-ções municipais e classificató-rias. A garota de apenas nove anos, que estava no meio dessa competição, aguardava para sa-ber quem seriam os finalistas.

Foto: Emily Kravetz

Onde tudo começou

MÚSICA

isso acontecia”, recorda aos 25 anos.

19dezembro 2013 Comuni !

Enquanto observava as apresentações das outras con-correntes, começou a estipular em sua mente quais eram as melhores performances. Nessa seleção, ela não se enquadrava.

“Então, a participante que eu achava que iria pegar o terceiro lugar não pegou! A que eu achava que ia ficar em segun-do ficou em terceiro. Uma das competidoras que pensei: ‘Nos-sa essa é a top. Essa é a que ven-ceu e pegou o segundo lugar’. Pensei que nem o terceiro lugar eu ganharia, não é?”, conta aos risos ao lembrar que estava cho-rando naquele momento.

A cantora ficou em baixo do palco, envergonhada e triste, porque já se considerava derro-tada. Mas, quando menos es-perava chamaram seu nome e, de tão distraída, mal percebeu o anúncio “Thais Pina em primei-ro lugar”. Por ser pequena, foi levantada e colocada no palco. Este foi um dos momentos mais emocionantes da carreira musi-cal, ao contrário do que muitos acreditam quando imaginam

ser a televisão.A música que rendeu o

prêmio de primeiro lugar para artista foi “New York, New York”, de Frank Sinatra. Com uma voz marcante, madura e potente, quem escolheu o primeiro re-pertório foi o pai, que esteve à frente de seu trabalho até os 14 anos. Thais nunca viu a carreira musical como algo pessoal, mas sempre como profissional. Pela interpretação e voz, sua inspira-ção era Whitney Houston. Bus-cava praticar as mesmas coisas que admirava na cantora. Mari-sa Monte e Elis Regina eram as referências de música popular brasileira que a impulsionavam, dando ritmo e inspiração ao tra-balho. No fim dos anos 90, ela era alvo de disputa entre emis-soras de televisão.

Mudou-se para São Paulo em março de 1999, onde passou a estudar e participar de progra-mas de televisão a nível nacio-nal. Nessa ocasião, ter uma casa e amigos era algo que estava fora de cogitação. Pelo menos uma vez por ano ela mudava

de casa com o pai. A medida em que a carreira era fortaleci-da, os relacionamentos ficavam cada vez mais superficiais. Vol-ta e meia, a relação com outras crianças era interrompido.

O novo, o ibope e o dinheiro

Depois de Sandy e Junior, não haviam crianças cantando com uma voz diferenciada na te-levisão. A busca pelo novo lan-çou uma disputa entre a Rede de Globo e Rede Record para contratar os trabalhos da jo-vem. Durante seis meses, Thais Pina comandou o programa de televisão “Da Hora”, transmi-tido pela Rede Record. No ano seguinte, foi convidada pela Rede Globo de Televisão para fazer abertura e o fechamento do “Criança Esperança 2000”. O convite se repetiu nos anos de 2001 e 2006.

A musicista gravou o pri-meiro CD pelo selo BMG Ariola e participou de uma homenagem a Roberto Carlos no domingão do Faustão. Foi foi apontada pela crítica como a maior re-velação artística dos últimos tempos. Recebeu indicação ao Prêmio Multishow de Música Popular Brasileira como 3ª co-locada na categoria Revelação, em 2000.

“Thaís tem uma interpretação única e gosta de músicas de notas difíceis,

com uma extensão vocal incrível”

Foto: Emily Kravetz

20 dezembro 2013Comuni !

Depois de seis meses de trabalho, o contrato foi inter-rompido com a Rede Record. O produtor executivo Elvis Patez, que acompanhava o trabalho de da cantora por meio de um ami-go em comum, o empresário do cantor Fábio Junior na época, Aldo Ghetto, fechou um contra-to com o pai da garota. Foram três anos de uma parceria que buscava aprimorar e explorar mais a imagem da artista. Pa-tez era responsável por arrumar uma gravadora e colocá-la em parceria com diversos artistas. “Thais tinha uma interpretação única e gostava de músicas de notas difíceis, com uma exten-são vocal incrível. Sua interpre-tação de Elis Regina e Whitney Houston eram o ponto auge das apresentações dela”, disse ele à reportagem.

Por trás da fama

Neste universo era nor-mal que as pessoas se aproxi-massem da adolescente, por sua voz e reconhecimento. Mas não era aquilo que ela busca-va. Ao estar do outro lado das câmeras, foi descobrindo uma realidade que a levou a amadu-

recer precocemente. Construir uma imagem que não a repre-sentava, atender as expectativas dos outros, por meio de roupas e frases, transformou tudo aqui-lo que, para muitos, era glamo-roso, em uma escravidão. “Não existe esse negócio de produto quando você lida com o ser hu-mano. E é isso que a televisão tem colocado e as pessoas têm perdido: os seus valores. Elas têm se vendido para ser algo que não existe”.

Contemplada com uma bolsa de estudos em um colé-gio particular, passou por algu-mas situações difíceis. Algumas crianças que acompanhavam o trabalho dela na televisão, a

perseguia com fre-q u ê n c i a dentro do colégio de famílias ri-cas. Seja por inve-ja ou por q u a l q u e r outro moti-vo que ela não con-

A decisão

Com um repertório va-riado com canções em portu-guês, inglês, espanhol e italiano, a agenda se mantinha cheia. Apesar e brincar de Barbie e boneca, as músicas que canta-va eram sobre relacionamentos amorosos, não representavam os pensamentos e sentimen-tos da cantora. O poder, status, imagem e o dinheiro eram as recompensas que o mundo da fama oferecia. Apesar de cantar muito bem, aquilo não era um sonho de Thais, pois era apenas uma criança. “Então, o que me afastou foi perceber que aquilo não condizia com o que eu era e o que eu gostaria de ser.

segue explicar. Certa vez, uma criança a derrubou de propósito da escada. “Eu não me impor-tava com nada, mas os outros se importavam com a imagem. Eu não estava lá porque eu queria, mas eles queriam e não esta-vam. Eu sofria com isso, mas ao mesmo tempo eu aprendi o que o ser humano é capaz de fazer com outro”.

Thais e a cantora Gil, na época em que apresentava programa na Record

Foto: Reprodução

Thais homenageia Roberto Carlos no Domingão do Faustão

Foto: Reprodução

21dezembro 2013 Comuni !

Eu sempre quis me sentir bem, sem precisar da aprova-ção das pessoas. Viver dentro das mentiras e das disputas, nunca me fez bem. E a primeira oportunidade que eu tive eu me agarrei e sai fora.”

Novos significados

Depois da decisão de se afastar da mídia e do mundo musical, Thais conta que ficou muitos anos sem cantar. Há cin-co anos, repleta de questiona-mentos sobre a sua existência, sobre o propósito de tudo que viveu, ela encontrou um novo significado para vida. Buscando compor suas próprias músicas, começava a questionar a Deus o porquê não tinha ideias para preencher as melodias. Quan-do começou a ouvir a voz Dele, as palavras, as frases e as letras musicais foram surgindo com uma fonte de vida. Aos poucos,

Novos relacionamentos

Enfermeira por formação e cantora por vocação, Mare-lisia Dias de Souza conheceu a história da jovem Thais por te-rem amigos em comum. As duas começaram a se aproximar devi-do aos encontros no estúdio de música que tinha como objetivo estudar a bíblia. Uma amizade um tanto quanto fraternal, se cultivava todas as sextas-feiras. Aproximadamente 12 pessoas se encontravam e, antes de co-

meçar a gravação, todos se reu-niam para estudar a bíblia e divi-dir experiências. ‘’Eu me lembro das perguntas que ela fazia. Ela tinha muita curiosidade de se aprofundar na palavra’’.

Ambas não carregam pla-ca de igreja nem um método pronto e fechado para adorar a Deus, mas entendem que uma vida espiritual é um processo de ressignificação. Mari expli-ca que percebeu algo em Thaís que nem todos possuem, a un-ção para cantar. Para Mari, Thaís é uma menina alegre. Tem uma risada que todos reconhecem. Tem uma sensibilidade gran-de. “E hoje, eu a olho não como aquela que foi uma cantora mi-rim, mas como uma mulher de Deus, com um coração segundo a vontade Dele”. Quando olha seu passado, Thais consegue en-tender um propósito em tudo.

o relacionamento com as outras pessoas foi melhorado. “Então, hoje, olhando pra trás, eu en-tendi que pulei etapas. Aprendi porque Deus me ensinou um relacionamento. Ele me amou, por isso eu posso amar. Ele me perdoou, por isso posso per-doar. Ele me curou, por isso eu posso mostrar a fonte da cura’’.

Em companhia dos amigos, Thais [centro] esteve em uma Conferência Nacional Cristã, em MG, em 2011.

Foto: Arquivo pessoal

22 dezembro 2013Comuni !

Uma gaijin em terras paranaenses

Marcio Taniguti

A centenária japonesa que já trouxe mais de 60 crianças ao mundo, acredita que o contato com a vida prolongou seus anos na Terra

PERSONALIDADE

Comecei a entender a personalidade de Haguie quan-do já constava com seus mais de 85. A princípio, duas coisas já me espantaram: primeiro sua lucidez, haja vista a avançada idade, e sua energia.

“Batchan” (avó em ja-ponês) como a chamam minha família e os mais conhecidos, nasceu em 15/03/1911, em Ku-mamoto, na época, uma pro-

víncia muito pobre no Japão. Lá viveu e estudou até os dezesseis anos.

Filha de pequenos agricultores, o casal Zentaro Nakashima e Rissa Nakashima, ela sempre viu a beleza nas coi-sas simplórias da vida. Seu lazer favorito era o jogo de palitinho, o qual sempre instigou os convi-dados de sua casa a lhe acom-panharem. Exímia jogadora,

quase imbatível, fraquejava por vezes devido sua avançada ida-de, porém – sem o perdão pelos seus cabelos embranquecidos – fingia a surdez na hora de cantar o número se o seu adversário estivesse vencendo.

1: Canta!! – Dizia Batchan;2: Dois!! – Falava o convi-

dado:1: Ahhh...falou um....não

escutei... – Levando a mão direi-

23dezembro 2013 Comuni !

ta ao ouvido e colhendo os pali-tos por debaixo da mês:

2: Dois!! Repetia o em-pertigado:

1 Ahhh Ummmm.... – Fa-lava Batchan com voz arrastada.

Com esse ar já tão bra-sileiro foi que Haguie, no inicio do século, com seus pais e três irmãos mais novos, fez do Brasil seu lar.

Partiram do Porto Marí-timo de Kobe, no navio a vapor Wakasa Maru, que era de onde partiam a gran-de maioria dos navios trans-portando os imigrantes ja-poneses, para uma viajem que durariam sofridos 63 dias.

Foi nes-sa mesma em-barcação que Batchan com-pletou seus 17 anos, no dia 15/03/1928 , portanto. Di-zem que foi na quarentena do alojamento que aprendeu o palitinho e desde então se tor-nou praticamente invicta.

Haguie nunca cansou de dizer o quanto se encantou com o Brasil, por suas terras sem fronteiras, cobertas por densas matas, habitat de variadas es-pécies de vida animal, fauna e flora sem igual. A ”terra em que se plantando tudo dá” recebeu, acolheu e se tornou para os imi-grantes a segunda Pátria Mãe, mas nunca deixou de sentir sau-

dades da sua terra Natal.Sempre nos meses de

outubro, comentava com seus amigos que no Japão caía neve, imitando com suas mãos trêmu-las o caminho que os flocos fa-ziam até o chão.

Tudo branco no Japa, né?! – Dizia Haguie saudosista.

Era possível entender seu encanto pela neve, já que sua família se instalou, inicialmen-te, no município de Avanhanda-va, e posteriormente migraram

por outros municípios, todos no interior do estado de São Pau-lo, que tem temperaturas bem mais elevadas que o Japão.

Dá pra se entender como Haguie se manteve sempre tão firme e altiva, seus pais logo que chegaram ao Brasil, juntaram suas economias e adquiriram terras para cultivar pequenas quantidades de café, algodão, amendoim, tomate, cebola, en-tre outras.

Foi uma época difícil que os imigrantes passaram por vá-rias dificuldades, devido a adap-tação com o povo brasileiro, em especial pela falta de conheci-mento da língua portuguesa.

Nesses tempos, Haguie se divertia quando os colonos se reuniam para festejos e co-memorações de datas especiais que faziam parte da cultura ja-ponesa, e que foram sendo trazi-das aos poucos, por vários anos desde o início da imigração, por

vários grupos de imigrantes, que assim for-mavam e fun-davam associa-ções e clubes exclusivamen-te frequenta-dos pelos japo-neses que, até então, eram muito fecha-dos à socieda-de brasileira.

H a g u i e não estudou aqui no Brasil sendo, por-tando, não a l fa b et i za d a em língua por-tuguesa, mas

aprendeu a falar, mesmo que com forte sotaque, muito bem o nosso idioma. Ainda aos dezes-sete anos, casou-se com Gunta Taniguti, que também era filho de agricultores imigrantes, e ti-veram nove filhos, todos criados com o duro trabalho na lavra da terra, pois, além de seus afaze-res de doméstica, auxiliava seu marido na “roça”.

Tempos difíceis foram também os anos entre 1939 a

24 dezembro 2013Comuni !

1945, período em que ocorreu a Segunda Guerra Mundial. Por serem imigrantes de origem japonesa, e mesmo com toda a documentação legalizando a presença e a permanência no Brasil, Haguie Taniguti e sua fa-mília, assim como outras tantas, foram tiranizadas, humilhadas e até aprisionadas pelo exercito e pela policia brasileira, quando encontradas reunidas em pe-quenos grupos e conversando no idioma japonês.

Trabalhou como comer-ciante por um curto período no final dos anos 1950 e na agri-cultura até meados dos anos 1980. Durante sua permanência na zona rural, desempenhou, também com muita dedicação, o papel de parteira, que foi um aprendizado que obteve ain-da em sua terra natal, quando acompanhava e auxiliava sua mãe.

Haguie realizou dezenas

de partos atendendo principal-mente mulheres de agriculto-res muito carentes de recur-sos financeiros, sem jamais ter cobrado qualquer quantia por esses trabalhos, os quais eram realizados na própria residência da paciente.

Inclusive, foi nessa época que Batchan aprendeu a mon-tar, pois o deslocamento até esses domicílios tiveram que ser realizado em lombo de cavalos, burros ou, quando com mais sorte, em carroças, charretes e raramente em precários carros.

Mulher de fibra, muitas vezes de madrugada, enfrentan-do fortes chuvas, se deslocou para tais residências a fim de fiel servir seu papel de ajudar ao próximo, sem pesar o pró-prio esforço e cansaço. Como reconhecimento e gratidão suas pacientes sempre lhe prendava com galinhas, ovos e, às vezes, com filhotes suínos, bovinos,

caprinos e outros pequenos ani-mais.

Haguie tinha forte paixão por pescarias, assim como seu marido e todos os seus filhos. Batchan também tinha uma adoração e um profundo conhe-cimento em matemática, o que mantém até hoje, mesmo tento completado seus cento e dois anos de idade.

Tem que se destacar, ainda, o que há de mais valio-so na vida de Haguie, que é sua perfeita saúde, onde não se nota nem mesmo um pequeno sintoma de gripe, não faz uso de nenhum medicamento, não tem dores físicas e não necessita de dieta alimentar.

Viúva desde 1979 vive hoje com seus filhos, ficando por um tempo sob cuidados de cada filho, e pelo que se vê é que ainda teremos a quem ad-mirar por muito tempo nesta vida.

25dezembro 2013 Comuni !

LIBERDADE

O ÍNDIO AVENTUREIRO

Já pensou em viajar 100 quilômetros de bike? O paranaense Índio garante que 400 quilômetros são “fichinha”. Com a fiel e magrela escudeira ao lado, nosso

personagem compartilha experiências hilárias com a Comunicaqui

Anali Modesto

Movimentos ágeis e mais de cinco décadas de experiên-cia. Com o cigarro entre os de-dos, as pernas cruzadas e ca-belos raspados com apenas um rabo de cavalo chinês e fortes traços indígenas.

O Índio, como gosta de ser chamado, prende a atenção de quem escuta suas histórias inusitadas. Fascinado por artes marciais, se tornou um mestre em Kung Ful apenas assistindo aos filmes de seu ídolo, Bruce Lee.

Não veio de berço lustra-

do, mas de uma família de clas-se média e bem estruturada. Mesmo assim, o espírito aven-tureiro prevaleceu. Sua primeira viagem foi aos 14 anos para o Rio de Janeiro.

Na cidade maravilho-sa, Índio conheceu pessoas e aprendeu a amar o samba. Para quem gosta de ouvir, o parana-ense força o sotaque carioca, e começa a cantar Mulheres do Martinho da Vila que, segundo ele, é uma identificação da sua vida amorosa:

Já tive mulheres de todas as coresDe várias idades de muitos amoresCom umas até certo tempo fiqueiPra outras apenas um poucome deiJá tive mulheres do tipo atre-vidaDo tipo acanhada do tipo vividaCasada carente, solteira felizJá tive donzela e até meretrizMulheres cabeça e desequili-bradasMulheres confusas de guerra e de pazMas nenhuma delas me fez tão felizComo você me faz...

26 dezembro 2013Comuni !

No Rio foi onde ele perce-beu que não tinha nada melhor que “ser livre”. O próximo desti-no foi para a terra da garoa, São Paulo.

Na época, as peripécias do rapaz nem sempre eram mar de rosas. Chegou um momento em que ele se viu sem dinheiro, sem moradia, com uma suspeita de úlcera e sozinho na gigante metrópole. Foi aí que ele resol-veu tomar uma atitude.

- Meu irmão é bem dife-rente de mim. Foi para os Esta-dos Unidos e se tornou piloto de avião. Então, resolvi pedir dinheiro para ele. Comprei uma bicicleta.

As economias enviadas pelo irmão Rui virou vendaval na mão do Índio. No entanto, ele precisava voltar para a cida-de natal, Curitiba.

- Olhei para minha bici-cleta e pensei: vou virar atleta!

Um bom atleta se alimen-ta bem. Então, com o restante do dinheiro, ele comprou um jabá traseiro, uma espiriteira e um pacote de polenta.

Mais tarde, Índio desco-briria que estes itens não seriam suficientes para suportar 400 quilômetros de chão pedalan-do. Como tudo, há necessidade de adquirir experiência. Pensan-do assim, o frio e o desconforto não foram obstáculos para que, no período de sete dias, chegas-se ao seu destino.

Com um movimento brusco, ao relatar essa etapa, Índio se levanta do sofá em que estava sentado e disse: e aí, eu gostei da ideia!

Alguns meses depois, fez outra viagem. Em seguida, ou-tra e sempre com a companhei-

ra fiel, a bicicleta, todos esses anos. As cobertas no bagageiro da magrela, um colchonete, o jabá e a polenta na medida cer-ta para não sentir fome em ne-nhum momento e muita água. Ah, um litro de vinho também o acompanhava, para beberi-car no momento de preparar o almoço ou janta, na beira da estrada, cuja única luz que ilu-minava o mato em sua volta era a do lampião. Para dormir, os postos de gasolina e o encontro com pessoas solidárias eram os principais alvos. Apesar das di-ficuldades, ele nunca precisou dormir ao relento, pois conse-guia um local com cobertura. E assim seguia viagem.

A cada 10 quilômetros, uma parada para se alimentar ou descansar. Por dia, a meta era pedalar 80 quilômetros e che-gar a São Paulo em cinco dias. Sem pressa, essas pausas eram divertidas para Índio. Enquan-to mexia consecutivamente a polenta, ao lado, uma caixa de papelão 40 por 40 dentro da es-piriteira, com uma panela que, ao fogo improvisado, cozinhava lentamente os pedaços de carne seca. Sem regras, a alimentação podia ser às 2h ou às 14h. As panelas e roupas eram lavadas em postos de gasolina. Algumas vezes, o vento provocado pela velocidade das pedaladas, era o que secava as roupas de Índio, que as vestia molhadas para se manter limpo.

- Era uma delícia! Na busca incessante em

explorar novidades, decidiu ex-perimentar novas sensações. A droga foi uma delas. Experimen-tou alguns tipos até chegar ao crack. Com o vício, as viagens

já não eram um hobby, mas sim uma fuga. Quando Índio estava na estrada, não usava drogas. E por isso, passou a aumentar a frequência de idas e voltas de Curitiba a São Paulo.

Nunca vendeu coisas pes-soais para saciar o vício. O di-nheiro usado era fruto de suas revendas de produtos que ele adquiria na famosa Rua 25 de Março em São Paulo. Quando conseguia parar, a recaída dava “gargalhada”. E começava a agir como mentecapto, segundo ele. Permanecia sem drogas no pe-ríodo de viagem, mas qualquer fúria era suficiente para voltar a usar. “Eu pensava: Meus Deus, vou virar mendigo. O que vou fazer da minha vida?” E então, o colchonete, espiriteira, polenta, jabá e o vinho entrava em ação novamente. Uma nova viagem era planejada. Quando essas re-caídas ocorriam, o aventureiro rezava um terço para confortar a ansiedade e o fato de não po-der estar, por causa do vício, no conforto de sua casa.

- Não tenho medo da escuridão da estrada. Nem da velocidade dos carros e cami-nhões, ‘tirando fininha’. Piloto minha bicicleta com o queixo encostado no ombro direito. Assim eu vejo na frente e atrás. Faça um teste!

Muitas vezes, na estrada ele ouvia: “Quer morrer, véio.” Mas isso não o incomodava nem um pouco. Com confiança em Deus, nada o amedrontava. Ele afirma que é um homem lite-ralmente amparado pelo divino Espírito Santo de Deus. “Nunca sofri acidentes na estrada. Caso isso viesse a acontecer, seria IML (Instituo Médico Legal) di-

27dezembro 2013 Comuni !

reto”, diz ele.Nessas idas e vindas, Ín-

dio presenciou histórias. Um dia, estava em um bairro deno-minado Cracolandia, devido à quantidade de usuários de cra-ck, na região central de São Pau-lo, e avistou um homem com um binóculo, aparentemente caro e um carro de alto padrão. Nesse momento Índio se perguntou: “que esse cidadão de bem faz por aqui?”. Em poucos instan-tes, o homem trocou o binóculo por uma pedra de crack. Depois o relógio, em seguida o par de sapatos de marca, e em algu-mas horas ele estava em uma situação pior que a de Índio que jamais vendera algo pessoal para se drogar. Então percebeu que todos ali, estavam no mes-mo barco. Branco, negro, po-bre, rico, com mansão ou com um barraco de madeira caindo aos pedaços, todos eram iguais quando estavam na cracolândia. Até uma criança de oito anos, que começou a inalar a fumaça do crack ainda na barriga de sua genitora, era igual ao Índio na-quele lugar.

No fim do túnel, o viciado em crack, achou uma solução. Resolveu se internar. Com o apoio da mãe, ele ficou duran-te três meses em uma casa de recuperação em Curitiba. Ele afirma ter sido o local que mais se sentiu bem em quase seis dé-cadas de vida.

- Toda manhã, os ho-mens se reuniam em volta de uma mesa, para orar a Deus e agradecer por tudo que tinham conquistado até ali. A oração precisava ser criativa e em voz alta. Mas a única coisa que sa-bia rezar, era o terço, mais nada.

Tinha vergonha por não saber agradecer. Foi aí que lembrei de uma canção que dizia assim:

“Um novo dia nasceráO sol irá brilharE a esperança de viver volta-rá...”

E a cada frase eu fala-va em bom tom, em forma de oração: “Obrigado meu senhor, pelo novo dia que nascerá... (pausa para recapitular a próxi-ma frase da música) O sol que o senhor fará brilhar, vai fazer as esperanças de viver, voltar...”

Quando terminava, ele era aplaudido pelos demais, e estufava o peito de orgulho por isso. E assim conquistou o espa-ço na comunidade. Quando ele resolveu por conta própria, sair de lá, achando que estava recu-perado, sua aparência era outra. As bochechas já não estavam sugadas, os ossos não estavam aparecendo e a auto-estima es-tava em alta. E com a consciên-cia de que qualquer deslize seria fatal.

Certo dia, ele estava em casa, ansioso, inquieto, andan-do de um lado para o outro em resistência às drogas, e momen-taneamente, ficou sem energia elétrica. E isso fez com que o desespero aumentasse. Repen-tinamente, mesmo sem luz, o pequeno rádio começou funcio-nar. A transmissão era de mui-tas pessoas orando. Olhou para a TV desligada e viu a imagem de Maria, mãe de Deus. Assus-tado, foi até a janela tomar um ar. Foi aí que índio viu Jesus pas-sar, acompanhado de anjos. Se-ria alucinação? Ele garante que não.

- Jesus parou e sorriu

para mim.Um belo sorriso de paz.

Pensei que estava ficando lou-co, mas não, não era loucura. Eu estava realmente presenciando tudo aquilo.

E depois disso, Índio viu Jesus, que vestia roupas claras, seguir em frente. Naquele mo-mento, ele tinha mais certeza de que o filho de Deus o acom-panhava sempre. Para ele, aqui-lo foi um conforto, um aviso. Ele contou essa história, apenas para uma pessoa, e diz ter sido a maior burrada. Virou motivo de piada. Sem credibilidade, foi zombado e humilhado por ter relatado o que tinha visto. Com água nos olhos, ele diz ter se libertado por contar mais uma vez a experiência que viveu.

- Eu me emociono e sem-pre vou me emocionar. Porque eu vi Jesus, sim! Não me impor-to se vocês vão acreditar, rir ou chorar. O que importa é que eu vi Jesus e ele sorriu para mim.

Hoje, Índio, que não quis nos revelar o nome completo, se chama Rubens, está com 58 anos de muitas histórias e com uma disposição para viver cen-tenas, ainda. Autor de frases in-comparáveis e de movimentos invejáveis. Ele conta com ento-nação na voz aguda que, além de ser amparado por Deus tem sangue de Crocodilo. Pois assim como ele, nunca viu um croco-dilo ficar doente. Com exceção da úlcera, que nunca se curou e a experiência do uso de drogas.

28 dezembro 2013Comuni !

TEATRO

Miguel Esposito, o vigia amante do Teatro Guaíra“Recebi uma praga da Virgínea Lane, que dizia: ‘Esposito, você vai morrer nesse teatro’.

Tô aqui até hoje”

Bárbara Beltrame

Em 1964, Miguel Espo-sito, que estudava no Colégio República do Uruguai, foi con-vidado pela diretora para fazer uma apresentação de dança no recém-inaugurado Teatro Guaí-ra, que tinha apenas o auditório Salvador de Ferrante, o Guai-rinha, funcionando. Segundo a diretora, o jovem tinha jeito para a coisa. Apesar de os pais não aceitarem muito, Esposito se encantara pelo local.

Aos 16 anos, entrou para o corpo técnico do Guaíra como aprendiz. Em 1963, foi criado o projeto Teatro de Comédia do Paraná, que tinha o objetivo de orientar e coordenar as ativi-dades teatrais do Guaíra. Com isso, Esposito começou a viajar com a equipe da instituição. Na-quela época, ele era um jovem que ainda precisava estudar. Por isso, eles tinham a “lei do circo”, que funcionava da seguinte for-ma: toda vez que eles paravam em uma cidade, uma equipe do governo estadual entrava em contato com a prefeitura local, que fornecia todo o material de ensino para eles.

Foi assim que o funcioná-rio mais antigo do Guaíra termi-nou seu Ensino Fundamental. A faculdade que Espósito se formou foi o Teatro Guaíra. Fun-cionário há mais de 40 anos, co-

29dezembro 2013 Comuni !

nhece cada pessoa e cada parte do teatro.

Mesmo quando traba-lhava como técnico de produ-ção, ele engrenou nos cursos teatrais, iniciando sua carreira como ator. Apesar de ter inter-pretado alguns papéis, decidiu se dedicar ao teatro atrás dos palcos. Aproveitava o tempo livre para estudar a arte. Para isso, teve bons professores e colegas, que descreve como “as coqueluches da época”, como Nicette Bruno, Paulo Goulart, Cláudio Corrêa e Castro e Lala Schneider, entre outros.

Os primeiros anos de Es-posito no Guaíra foram duros. A ditadura militar tomava conta do país e o governo tinha con-trole de tudo. Eles interferiam nos cenários, figurinos e textos - dizendo o que poderia ou não ser dito no meio da peça. O vigia lembra, com detalhes, de vários momentos de tensões do perío-do.

Ele conta de Murilo Quin-

tana, ator que trabalhava no elenco de Teatro de Comédia do Paraná, se apaixonou por uma atriz. Ela descobriu que ele era espião do governo e o colocou contra a parede, fazendo-o es-colher entre a farda e o amor.

Outro momento marcan-te foi o incêndio que aconteceu no Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto – o Guairão – quan-do estava prestes a ser inaugu-rado. Nunca se soube ao certo qual o foi motivo do incidente, mas, para Esposito, foi vandalis-mo da ditadura.

Além das várias histórias que guarda com muito carinho na memória, ele tem relíquias do teatro, como fotos, docu-mentos e objetos. Grande parte dessas coisas foi doada ao Mu-seu do Guaíra, no qual hoje ele trabalha como guia.

Todo dia, Esposito chega às 9 horas e distribui os jornais em todos os departamentos. Cumprimenta todos pelo nome, e, às vezes, faz uma parada para

Família

“Da soleira da porta para dentro ele é meu marido, da soleira para fora ele é de todo mundo”, diz a mulher de Espo-sito, Virgínia, ao descreve-lo. Ela também é apaixonada pela arte e, por isso, não se incomoda com a dedicação dele pelo tea-tro.

Esse é o segundo casa-mento de Esposito, no qual teve uma filha, Marina, que traba-lha com artes plásticas. No seu primeiro casamento foi pai de Ricardo, que depois de alguns anos conseguiu integrar tam-bém a família Guaíra.

Certo dia, Esposito era entrevistado por um telejornal e Ricardo o observava da porta. “Sabe quem é ele?”, perguntou o filho a uma mulher. Ela fez que não e, cheio de orgulho, o jovem respondeu: “Ele é meu pai”. Sempre que Esposito fala da família uma alegria surge no rosto. Facilmente, ele se emo-ciona contando as conquistas de seus filhos. Mesmo assim, é fácil perceber que o teatro é seu primeiro amor.

conversar e contar algumas his-tórias. Depois, pega sua plani-lha para ver quais visitas estão agendadas.

LOGOCUR-SO

30 dezembro 2013Comuni !

ESPORTE

De Belfort Duarte a Couto Pereira: o monumental Alto da GlóriaDas conquistas aos mistérios, um passeio pelo primeiro grande estádio da capital paranaense o Major Antônio Couto Pereira

Noele Dornelles

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Estádio Major Antônio Couto Pereira lá no Alto da Glória

Em 1928, o então presi-dente Antônio Couto Pereira foi atrás de um terreno com acesso fácil a torcida para a construção de um estádio para o Coritiba, o Coxa. O time comprou um ter-reno de 35 mil metros quadra-dos que hoje é sua sede, na Rua Ubaldino do Amaral, no bairro Alto da Glória. Em 1932 surgiu o então Estádio Belfort Duarte, cujo nome foi dado como ho-menagem ao zagueiro do Amé-rica do Rio, jogador mais leal

de toda a história do futebol brasileiro. O jogo de estreia do estádio foi contra o América por 4 a 2, vencido pela equipe para-naense.

Em 1977, o Coritiba, de-pois de fazer uma reforma no estádio para que pudesse re-ceber mais de 55 mil pessoas, resolveu homenagear um gran-de presidente do clube. Com isso, o Belfort Duarte se passa a chamar Major Antônio Couto Pereira – local que eu e outros

torcedores chamamos de Alto da Glória.

No dia 5 de Agosto de 1980, o estádio recebeu a pre-sença do Papa João Paulo II, que o abençoou. Na ocasião, o espaço impressionou o pontífi-ce, que pediu ao motorista para dar a volta completa no estádio, o que não estava previsto no protocolo. Mas quem é que iria desobedece-lo?

O torcedor aposentado Pedro Vasconcellos, 70 anos,

31dezembro 2013 Comuni !

lembra que ouviu falar que ti-nha mais de 70 mil pessoas no Couto para ver o Papa. “Um recorde e tanto. Não acha me-nina? E nem era um jogo de fu-tebol”, diz ele à jovem jornalista que escreve esta matéria (eu!).

Grandes feitos

O maior recorde de públi-co no Couto Pereira em partida de futebol aconteceu em um jogo do rival Atlético Paranaen-se contra o Flamengo em 1983. O público total foi de mais de 65 mil pessoas.

Um dos momentos mais importantes vividos pela torcida alviverde dentro do Couto Pe-reira foi a comemoração do títu-lo de 1985 conquistado dentro do Maracanã no Rio de Janeiro, quando o Coxa ganhou pela pri-meira vez o Campeonato Brasi-leiro. Pedro, assim como meu pai, estava lá e me conta que foi incrível pela primeira vez pular o fosso e invadir o gramado. “Na época, pense menina, a cidade parou para ver o time desem-barcar no aeroporto. No Couto, tinha milhões de pessoas. Vi meu ídolo, Rafael Cammarota, de perto.”

Vemos que tivemos gran-des alegrias, mas como o tor-cedor João Lima, 63 anos, me disse ao ser entrevistado na arquibancada do estádio: “Me-nina, não ganhamos nenhum título aqui dentro. Sempre le-vamos os maiores títulos longe do nosso estádio. Sabe por quê? Simples, os maiores títulos têm que ser conquistados longe da nossa casa para comemorarmos aqui”.

Segredos

Mais do que 100 anos de Glória são 81 anos de Belfort Duarte

Os mistérios do Couto são guardados a sete chaves como diz o guia que faz o tour pelo estádio Rafael Augusto. Esses segredos podem ser de jogadores da base, que tem um alojamento em baixo do gramado em que permanecem em dias de jogos da categoria. Segundo eles, as cabines tele-visões serem mal assombradas. Essas histórias são usadas para assustar os jogadores mais no-vos.

Shows

Você acha que só a bola rolou no gramado do Couto? Que nada. Em 1984 teve show

do Menudo, que levou uma multidão no estádio. Em 1996, tivemos a presença do festival “Monsters of Rock”, que contou com a participação do Iron Mai-den, Motorhead e Raimundos, entre outros.

História

Mas não foi só de emoção que o Alto da Glória viveu. No fim de 2009, o Coritiba estava a ponto de cair mais uma vez para a segunda divisão do campeo-nato. Com isso, após um empa-te em 1 a 1 com o Fluminense, a torcida se revoltou e invadiu o campo.

“Aquilo não era mais o

32 dezembro 2013Comuni !

estádio de futebol, era um cam-po de guerra, menina. Ninguém sabia o que fazer. Se corria, a polícia vinha com tudo. Parecia a época de ditadura”, conta o aposentado João Lima.

A pior consequência des-se ato foi a suspensão dos jogos do Coritiba no estádio. A puni-ção de 32 jogos acabou para o campeonato brasileiro do ano. Assim, ainda tivemos a oportu-nidade de jogar o paranaense daquele ano no Couto. “Passar em frente ao estádio num sába-do e ver que não havia ninguém era o suficiente como punição”, comenta Pedro Vasconcellos.

Grandes ídolos subiram esse túnel para entrar em cam-po.Hoje, o caminho conta a his-

tória de levantamentos de tro-féus por meio de fotos, que os jogadores podem ver para hon-rar a camisa que vestem.

Eu não poderia fazer es-sas conversas com os meus entrevistados sem perguntar a eles se lembram do que tinha no Couto antigamente. As res-postas foram bem diferentes do que o esperado.

João lembra-se dos chur-rascos que aconteciam no es-tacionamento do estádio. Para Pedro, o que ficou marcado foi a panificadora que servia pão com bife. No lugar dela, hoje há a Coritiba Store, loja oficial do Coritiba dentro do Couto Perei-ra.

Foto

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Ao fim do meu papo com os meus entrevistados, fiquei com uma dúvida. Será que um dia terei a oportunidade de co-nhecer o alojamento que fica em baixo do gramado para ver os fantasmas? Ou isso é apenas uma lenda?

33dezembro 2013 Comuni !

Barbosa, o tratador de animais

Com um sorriso no rosto e alegria que contagia, Barbosa enfrenta os mais temíveis animais selvagens todos os dias, mas tem medo mesmo é do gavião.

Amanda Toledo

Que existem nesse mun-do funções diferentes e traba-lhosas, todo mundo sabe. Po-rém, o que ninguém sabe é que existem pessoas que tornam esses desafios uma maneira de lidar com as dificuldades da vida e ainda contribuir para um mundo melhor. Mas do que e de quem estamos falando? João Barbosa de Souza, FILHO, como faz questão de ressaltar. Ou ape-

nas, Barbosa, como é conhecido o tratador de animais do famo-so Passeio Público de Curitiba.

Com um jeito simples e único de ser, Barbosa, sorri-dente enquanto limpava o ser-pentário, me recebeu em uma segunda-feira [dia em que o parque não abre] tipicamente curitibana, com direito a calor, garoa, tempestade e todas as estações possíveis.

Nascido em Lucélia, São Paulo, terminou apenas o pri-mário, hoje ensino fundamen-tal, enquanto conciliava, desde os sete anos, os estudos com o trabalho na lavoura. Quando ti-nha 35, o cunhado de Barbosa, que trabalhava na Prefeitura, disse que havia uma vaga em Curitiba. Era a chance de ele lar-gar a agricultura.

Então, foi convidado a

PERSONALIDADE

34 dezembro 2013Comuni !

trabalhar na área de limpeza dos parques. Arrumou as malas e veio com esposa e os filhos para a capital paranaense. O agora tratador afirma que só sairá do cargo aposentado, exceto se, em suas próprias palavras, “o pai lá de cima não resolver me levar antes”.

Hoje, com 47 anos de ca-sado e prestes a completar bo-das de ouro, gosta de aproveitar seus momentos livres fora de casa. Quando sobra um dinhei-ro, prefere ir à praia, apesar da esposa não aprovar muito a ideia. Apreciador do bom e ve-

lho sertanejo, afirma que não gosta das músicas “de jovem” e que não tem frescura, come de tudo mesmo, só não, couve-flor e veneno.

Barbosa ama o que faz. Seu amor pelos animais vem da inocência que percebe ne-les, qualidade que para ele o ser humano não tem. Mesmo assim não odeia ninguém, tem coração bom. Segundo os seus amigos, até os animais o olham com ternura. Os mais engraçadi-nhos chegam até a chamá-lo de patrimônio de Curitiba.

A rotina de trabalho can-

sativa e a função árdua não são problemas para o servidor. Ami-go de todos os funcionários, que abrem sorrisos ao vê-lo passar, a única coisa que o incomoda são as fofocas, que acaba escutando por ser um bom ouvinte. Não consegue citar apenas um fato marcante em sua vida, pois fica entre dois. O primeiro foi o aci-dente de caminhão que sofreu. Estava na carroceria e um vento forte o levou junto com a lona para o chão. Mesmo assim nem uma “ponta de dedo” ficou feri-da. Soube então que Deus exis-te. O outro acontecimento foi quando entrou na jaula de um leão. Nela aprendeu o respeito que devia ter com os animais, pois quando ultrapassou o limi-te seguro, o felino o viu como presa.

Preocupado com a segu-rança dos animais, gostaria que as visitas fossem guiadas ou que houvessem instruções para que os animais não fossem agredi-dos. Porém, para ele, os eventos de divulgação e incentivo des-ses passeios devem ser priori-dade para a capital. Seu olhar mostra saudade ao lembrar da comemoração dos 300 anos do Passeio Público em 1993, onde ele, ainda “da limpeza”, conhe-ceu o prefeito Requião e ajudou a plantar o carvalho que está até hoje lá.

35dezembro 2013 Comuni !

Pai, avô e bisavô zeloso, possui três filhos, seis netos e três bisnetos. “É mais fácil acos-tumar com menos dinheiro, do que com mais. Com menos, quando vem mais a gente sabe que subiu o salário”, diz o trata-dor dando risadas. Da vida não pede mais nada, a sorte grande já foi lhe dada quando conse-guiu o emprego atual.

Com simpatia e alegria contagiante, o protetor, que en-frenta os mais temíveis animais, tem medo mesmo somente de um: o gavião. Uma vez, conta ele, ao entrar no viveiro, der-rubou o rato que seria o almo-ço do pássaro, se abaixou para pegar e no mesmo instante o gavião tentou lhe furar o olho direito. Jorrou sangue, mas não foi nada grave. Mesmo assim, hoje não entra mais sozinho e sua companhia fica envolta do bicho para que ele não escape.

Grisalho aos 67 anos, Bar-bosa mostra a maturidade de quem já viveu uma vida inteira sem deixar de lado as brincadei-ras e palhaçadas de um jovem garoto. Quem o conhece sabe que com ele não tem tempo ruim, já foi chefe um dia, mas não gostou de ficar de braços cruzados. Barbosa é do tipo que ama o que faz e a recompensa é o respeito dos animais e amigos.