37
COMUNIDADE TEÚRGICA PORTUGUESA REVISTA DIGITAL N.º 71 Janeiro - Fevereiro - Março - 2014 P A X

COMUNIDADE TEÚRGICA PORTUGUESA - Site Oficial · termos “médium, sujet, paciente, passivo” (quer para a mediunidade provocada, quer para a hipnose), ... vulgar a Suprema Ciência

Embed Size (px)

Citation preview

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

1

COMUNIDADE TEÚRGICA PORTUGUESA

REVISTA DIGITAL

N.º 71

Janeiro - Fevereiro - Março - 2014

P

A X

x

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

2

REVISTA DIGITAL ÓRGÃO INFORMATIVO PROPRIEDADE DA

COMUNIDADE TEÚRGICA PORTUGUESA

ANO 19 – N.º 71 – JANEIRO / FEVEREIRO / MARÇO – 2014

ÍNDICE PÁG.

EDITORIAL

Por Directoria “PAX” ......................................................................................................................................... 3

ADVENIAT REGNUM TUUM (ADVENHA O TEU REINO)

Por Henrique José de Souza ........................................................................................................................... 6

PODER OCULTO DA PRECE E DOS SALMOS

Por Vitor Manuel Adrião .................................................................................................................................. 7

CONCEITO GERAL DE INICIAÇÃO

Por António Castaño Ferreira …...…………….…………………………….…...…….…………………… 15

AGNI, O FOGO SAGRADO

Por Henrique José de Souza ……………………………….………………....……………………………… 17

O ANJO CUSTÓDIO DE PORTUGAL (MEMÓRIA CULTUAL)

Por Vitor Manuel Adrião …………………...…………………………..……………………...…………….. 18

Contactos: Por correio: ao cuidado de Dr. Vitor Manuel Adrião. Rua Carvalho Araújo, n.º 36, 2.º esq. 2720 – Damaia – Amadora –

Portugal

Endereço electrónico: vitoradriã[email protected]

Sítios internet: Lusophia / Comunidade Teúrgica Portuguesa (site oficial)

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

3

E D I T O R I A L

Comunidade Teúrgica Portuguesa é Instituição Cultural-Espiritualista fundada espiritualmente

em 1978 e materialmente em 1980 em Portugal, iniciando actividade regular em 1982, e tem por fim a

difusão do seu vasto Programa em prol do engrandecimento físico, moral e intelectual da Humanidade,

promovendo o combate intensivo ao analfabetismo, aos vícios e maus costumes sociais, à superstição, ao

fanatismo, à mentira e ao erro, onde quer que se manifestem.

A C.T.P. possui os seus estatutos, lema e emblema completamente distintos de quaisquer outras

agremiações, inclusive “teosóficas”, e é uma Escola de Iniciação definida pelas suas próprias características

espirituais consubstanciadas no seu lema LAUDATE GLORIAM DEI, Louvai a Glória de Deus.

A C.T.P. não permite, no entanto, em seu seio manifestações de ordem político-partidárias, por sua

acção dissolvente, nem dogmatismos religiosos, por considerá-los “duplos véus lançados sobre a Sabedoria

Iniciática das Idades”, do mesmo modo que as “faculdades psíquicas” como atentatórias à evolução actual da

Humanidade, dado o facto de pertencerem ao estado de consciência da sua infância evolucional. Os próprios

termos “médium, sujet, paciente, passivo” (quer para a mediunidade provocada, quer para a hipnose), definem

a posição inferior em que se colocam todos aqueles que se fazem autómatos da vontade alheia, pouco importa

se de entes encarnados ou desencarnados.

Trata-se, pois, de Instituição completamente independente e autónoma, constituída de livres-

pensadores, na extensão da palavra, porque o termo Teúrgico, “Obreiro do Eterno”, implica o de Teósofo,

“Estudioso da Sabedoria Divina”, que inclui o de Eclético ou Sincretista, por seu espírito de análise e crítica,

de Harmonista, por buscar a suprema síntese filosófica, de Analogista, por aplicar a chave hermética de “o

que está em cima é como o que está em baixo”, e assim mesmo Teósofo, enfim, por buscar para o homem

vulgar a Suprema Ciência da Superação, que há-de fazer dele um Super-Homem, um Titã, um Prometeu, um

Herói do Espírito como Obreiro de Deus na Face da Terra.

A TEURGIA é a MAGIA DIVINA, a mesma em que eram iniciados ou formados os famosos Três

Reis Magos das escrituras bíblicas que foram prestar homenagens ao Menino Deus recém-nascido, Jesus

Cristo. Portanto, é a MAGIA REAL, CRÍSTICA como fórmula nouêtica do que os orientais chamam Raja-

Yoga ou a “Yoga Real” por ser a da “União efectiva da Alma com o Espírito”, o que entre os ocidentais é

definido como Via Cristocêntrica. O próprio significado etimológico de magia aponta o carácter sagrado e

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

4

divino do termo: do grego mageia ao latim magia, o sentido é clarificado pela sua origem hindu-europeia,

nomeadamente o sânscrito e o caldaico, pois que a alternância megh, mogh, magh, donde procede magia,

exprime a “excelência”, o “sacerdócio”, o “conhecimento supremo”, enquanto o termo maghdim, construído

sobre essa raiz, em caldaico significa “a mais elevada sabedoria”. Portanto, o sentido original de Magia é a

aplicação da Sabedoria Real, Divina.

A Magia Sacerdotal é a própria TEURGIA, étimo provindo do grego theourgia, “milagre,

miraculoso”, donde deriva theourgus, “o que realiza o miraculoso”, isto é, o “grande milagre” da

TRANFORMAÇÃO DA VIDA-ENERGIA EM VIDA-CONSCIÊNCIA tanto na Natureza como no Homem,

e isto é OBRA DIVINA. Nisto tem-se Theourgia decomposta em Theos, “Deus”, e Ergon, “Obra”, o “Feito

Divino” ou OBRA DE DEUS levada à prática e realização neste mundo comum a todos, donde se concluir

que TEURGIA é a OBRA DO ETERNO NA FACE DA TERRA.

A MAGIA DIVINA ou TEURGIA, aliás subjacente ao Espírito Tradicional da Igreja e da Maçonaria,

para o seu entendimento justo e execução perfeita não se deve descurar que assenta em três colunas

exclusivas:

1.º – Vontade fixa de fazer o Bem, a todos os níveis de consciência.

2.º – Trabalho de Salvação da Humanidade.

3.º – Acção da Grande Fraternidade Branca, nos planos social e espiritual.

A procura do domínio, antes, da harmonia com as forças universais pela TEURGIA, faz-se pela

CIÊNCIA, ARTE e TÉCNICA.

Ciência – Teorias constituintes do dogma da Alta Magia, constituindo a Escolástica Teúrgica. Age

sobre o mental e o cérebro.

Arte – Une a teoria à prática do Teúrgico, criando a ligação psicomental, e que constitui a vivência ou

Teatro da Iniciação Teúrgica.

Técnica – Produz a adequação do dogma ao ritual através de factores externos, físicos, tornando

objectivos os fins em vista, realização exclusiva à Ciência e Arte juntas exercidas no espaço consagrado do

Templo Teúrgico, com as suas medidas e objectos canónicos cujos símbolos têm a vida que o Ritual lhes dá

pela acção motora, sentimento de devoção e intelecto iluminado dos participantes ao mesmo.

Desde a primeira hora a COMUNIDADE TEÚRGICA PORTUGUESA assumiu quatro objectivos,

tarefas ou pilares fundamentais, os quais a particularizam – e até distinguem de quaisquer outros institutos – e

aos teúrgicos na sua Obra ou Missão de colaborar na transformação espiritual do mundo nos limites que lhe

estão consignados:

A) DESENVOLVER AS TENDÊNCIAS, ATRIBUTOS E VIRTUALIDADES SUPERIORES

latentes no Homem, de acordo com a tónica de Aquarius e a sua biorrítmica.

B) UM TRABALHO ESPECÍFICO SOBRE O PLANO DA ORGANIZAÇÃO, da Magia Cerimonial

ou Ritualística, de acordo, aliás, com a tónica base do Novo Pramantha ou Ciclo de Evolução Universal.

C) UMA VISUALIZAÇÃO PECULIAR DA SABEDORIA INICIÁTICA DAS IDADES à luz da

realidade dos MUNDOS SUBTERRÂNEOS, já que: o advento da Idade de Ouro (Satya-Yuga, marcada pelo

início astrológico de Aquarius em 2005), da vinda de Maitreya (o Buda Branco ou Ocidental a advier nesta

parte do Globo, e que é o mesmo Cristo de Aquarius como Avatara Síntese ou a derradeira décima

manifestação do Deus VISHNU), a exteriorização à Face da Terra da Hierarquia Branca de Mestres e

Iniciados, o estabelecimento de justas e fraternas relações humanas, a instauração da Sinarquia ou Concórdia

Universal e a de uma Religião-Sabedoria unificada (Teosofia), bem como a de um modelo educacional

completo e coerente, não poderão ser compreendidos integralmente se se não tiver em conta essa realidade.

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

5

D) PREPARAÇÃO DA VINDA DO SENHOR MAITREYA E DA EXTERIORIZAÇÃO DA

HIERARQUIA ESPIRITUAL DO PLANETA. Entenda-se aqui o fenómeno da “exteriorização” no seu duplo

sentido. Primeiro, o desenvolvimento das capacidades humanas as quais permitirão o reconhecimento directo

dos Mestres que trabalham no seio da Hierarquia Branca ou dos “Sete Raios de Luz” como autênticos

Encobertos. Segundo, o de criar as condições propícias à manifestação do Reino de AGHARTA à face da

Terra, através da exteriorização concreta, com MAITREYA à sua frente, dos que aí trabalham pelo Bem da

Humanidade.

A COMUNIDADE TEÚRGICA PORTUGUESA faculta aos seus membros uma série enorme de

ensinamentos e práticas (orais e escritos) que estão organizados em um Grau Vestibular ou Preparatório e

mais quatro Graus Iniciáticos que levam os nomes que o Professor HENRIQUE JOSÉ DE SOUZA lhes deu:

MANU – YAMA – KARUNA – ASTAROTH, expressando os 4 Senhores da Evolução Planetária

(LEGISLADOR – EXECUTIVO – JUDICIÁRIO – COORDENADOR), razão porque cada Grau ou Série

Iniciática demora um período de nove meses a realizar, acompanhando o ano astrológico (com início em

20/21 de Março).

Há um Grau Interno destinado exclusivamente aos Irmãos Maiores da C.T.P. que faculta o acesso às

Revelações reservadas do Professor HENRIQUE JOSÉ DE SOUZA. Adiantamos que tudo quanto pareça

«excesso de revelações esotéricas» por parte da C.T.P. acerca de várias correntes tradicionalistas, é sobretudo

rectificação de aspectos filosóficos e até práticos das mesmas que mercê das vicissitudes humanas chegaram

ao presente poluídos ou impuros, com imprecisões ou simplesmente não se percebendo o seu sentido último,

francamente espiritual. Nisto, para esclarecimento geral, entra a TEOSOFIA como Sabedoria Divina, e o que

ela revela como novidade para muitos não passa de elementar para os Irmãos Maiores desta OBRA DO

ETERNO NA FACE DA TERRA, pois o que é «mistério e transcendência» para muitos vem a ser coisa do

passado bem concreta e nada transcendente para outros. Por esta razão, o nosso Venerável Mestre JHS

afirmou que «se o Avatara se manifestasse sempre com as mesmas palavras, jamais haveria Evolução». E

adiantou: «A Realidade é o Mistério. Tal a maior altura a que pode chegar a nossa Filosofia. A mim pouco

importa o que sei; importa, sim, o que ainda não sei, porém, aquilo que ignorarei para sempre é o que mais me

entristece e subjuga».

Noutra parte, dando Voz ao ESPÍRITO DE VERDADE, afirma JHS como resposta a todos,

particularmente aos trânsfugas e outros desavisados do maior amplexo mental que traz consigo a Sabedoria

do Novo Ciclo:

«Meus humildes Discípulos: vim trazer-vos um novo estado de Consciência! Deveis ser o reflexo de

Mim mesmo, como único meio de Eu ser compreendido e sentido. Trago o Bastão de Mando! Sou o Amor

que transforma! Se Me ignorais e quem Sou, é porque não fostes tocados pela chama do Fogo Sagrado e,

assim, este Amor-Ciência fica enclausurado no orgulho que vos traz a angústia, a dúvida de tudo que vos

ofereci. Se assim vos falo é porque leio o vosso âmago, e Minha Essência de Amor vós a esqueceis, como

também do Amor e do Perdão entre Meus Discípulos, que se afastam da Minha Ciência. Cada um cria o seu

mundo para que o Meu permaneça ignorado.

«A Vida é o Mistério! O homem é julgado não por aquilo que é, mas sim pelo que deixa de fazer para

atingir a Perfeição.»

Vossa, a

COMUNIDADE TEÚRGICA PORTUGUESA

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

6

ADVENIAT REGNUM TUUM

(ADVENHA O TEU REINO)

HENRIQUE JOSÉ DE SOUZA

(JHS)

17.04.1938

Todos falam de Cristo Rei, do Cristo Redentor, do Deus encarnado e de quantas Divindades podem

tomar forma humana para puder VIR… vindo de facto com a Sua verdadeira Face! E foi por isso que a Bíblia

disse sem saber interpretar… e com ela Mário Roso de Luna e outros: Ele já veio e vós não O soubestes

reconhecer. Eu prefiro dizer: E não O pudestes reconhecer, por não ser possível em tal época da Vida

Humana.

Vós mesmos… ainda tendes dúvidas a respeito, sem o que não me quereríeis apenas para vos animar

a viver, a sentir, a trabalhar, quando isso é DEVER DE TODOS NO MUNDO, e muito mais a quem a MIM

UNIDO – pouco importa se pelos elos da mesma cadeia através das excelsitudes dos nossos Rituais

Eucarísticos –, pertencendo aos postados nas primeiras fileiras, tem o dever de Me sentir dentro de si

mesmo… e com isso TRABALHAR, a tudo renunciando pelo Bem de todos, inclusive à Minha própria

Presença.

Sede comigo, Irmãos amados, mas sede antes de tudo com todos, especialmente com os que sofrem,

os que necessitam do vosso auxílio, na razão daquela sublime sloka de A Voz do Silêncio, que diz:

Não permitas que o Sol ardente seque uma só lágrima de dor nos olhos do aflito, antes que tu

mesmo a tenhas enxugado.

E assim termina o meu espiritual testamento, que é bem um “canto de cisne”, para quem espera a vida

na morte, já que na morte viveu até agora…

Os Lipikas abrem-nos uma nova página no Livro da Obra: a da ACTIVIDADE. Não sou mais quem

vos concita a trabalhar, mas o próprio Ciclo que ora começa para o Mundo, especialmente para aqueles que

estando à sua frente têm o dever de o encaminhar para o Sol dos Sóis: o do Mágico Triângulo da Iniciação,

que se acha erguido no fim da Vereda.

Vitam Impendere Vero

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

7

Poder oculto da prece e dos salmos

VITOR MANUEL ADRIÃO Sintra, 13.5.2013

Dizer-se que a TEURGIA E A

TEOSOFIA abominam o pietismo confessional da

prece ou oração e se fixam em afirmações e

invocações de poder mágico não é de todo exacto,

como não é correcto proceder ao exclusivo

desenvolvimento intelectual ostracizando o

devocional ou coracional, posto que a cultura sem

a moral vale por arremessar a alma numa espécie

de campo árido descolorido marcado por

impenitentes carrancas talhadas no granito

cinzento do fanatismo que, assim mesmo,

amanceba com o beatismo, seja religioso ou não.

Motivo mais que suficiente para o Professor

Henrique José de Souza ter proferido: “Quando a

Mente e o Coração estiveram equilibrados na

Terra, o Homem alcançará as maiores venturas do

Céu”.

A mistagogia da oração introduz o crente

no plano da inter-relação sagrada do visível com o

invisível e é comum a todas as confissões religiões

do mundo. Com efeito, a oração como acto

religioso visa activar uma ligação, uma conversa,

um pedido (donde prece), um agradecimento, uma

manifestação de reconhecimento ou ainda um acto

de louvor (como sucede no psaltério) diante de um

Ser transcendente ou divino. Segundo os

diferentes credos religiosos, a oração pode ser

individual ou comunitária, ser feita em particular

ou em público, e podendo envolver o uso de

palavras ou música, ou a ambas. Quando a

linguagem é utilizada, a oração pode assumir a

forma de um hino, encantamento, declaração de

credo formal, ou uma expressão espontânea da

pessoa que ora. Existem, conforme as crenças,

diferentes formas de oração, como a de súplica ou

de agradecimento, de adoração/louvor, etc., e da

mesma forma, consoante a crença, a oração poderá

dirigir-se a um deus, a um santo, a uma alma ou

pessoa falecida ou a uma ideia, com propósitos

diferentes, havendo quem reze para benefício

próprio ou para o bem de outros, e ainda pela

consecução de determinado objectivo. Nisto entra

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

8

a petição, promessa e oferenda de um objecto

físico (círio, ex-voto, martírio corporal, etc.) a

algum ente sobrenatural para que em troca

satisfaça o pedido feito, estabelecendo-se assim

um comércio psíquico entre o crente e o acredita-

do, facto muitíssimo comum na religiosidade

popular inconscientemente retomando lugares e

objectos de cultos ancestrais adaptando-os à

crença simples por regra assente num florígero

milagreiro regado por boatos indefinidos que por

força do hábito oral onde “ao conto sempre se

acrescenta um ponto”, aceitam-se indiscrimina-

damente como factos verídicos.

A maioria das confissões religiosas do

Oriente e do Ocidente envolve momentos de

oração. Algumas criaram ritos especiais para cada

tipo de prece, exigindo o cumprimento de uma

sequência estrita de acções litúrgicas e colocando

restrições sobre o que é permitido rezar em

conformidade com a catequese da confissão

professada, dispondo ordem e regra ao intercâm-

bio entre o Divino e o Humano. Porém, há outras

confissões mais carismáticas, urbanas e modernas

que recusam alguma espécie de ordem e regra na

relação com o Divino e advogam que a oração

pode ser praticada por qualquer pessoa esponta-

neamente a qualquer momento e os milagres

acontecerem indiscriminadamente, dispensando a

mediação sacramental preestabelecida de qualquer

hierarquia eclesiástica.

Na crença cristã, a oração é a comunicação

e o fruto consciente do relacionamento com Deus

durante os quais a pessoa louva, agradece,

intercede pela vida de outro, pede bênçãos para si

e/ou para outrem, podendo assim desfrutar

corporalmente da Presença de Deus (que é a mais

citada no Pentecostalismo, focando-se mais no

Espírito Santo do que em outras denominações

evocatórias). As orações são dirigidas a Deus (às

vezes, sobretudo no caso dos católicos, em nome

de Nossa Senhora ou de santos como intercesso-

res, o que não é feito pelos protestantes evangé-

licos em geral) por mediação única de Jesus

Cristo, podendo ser feitas em voz alta, faladas,

cantadas ou em silêncio. Segundo o Evangelho de

S. Mateus, 6:5-13, o propósito da prece não é a de

alterar a Vontade de Deus, mas o de obter para si

mesmo e/ou para outros bênçãos e graças que o

mesmo Deus já estaria disposto a conceder, mas

devendo ser solicitadas para serem obtidas.

Para o Teúrgico e o Teósofo a prece não é

dirigida a almas nem a Egrégoras ou “construções

psicomentais colectivas” do Passado, espécies de

“almas artificiais grupais” que assistem aos grupos

religiosos e outros criadas pelos pensamentos e

emoções da colectividade afim à ideologia dos

mesmos, tampouco à invocação de formas

elementais e elementares acompanhando sempre

tais Egrégoras e que são, no final de contas, a

origem dos famosos «milagres» que saciam a

crença popular. Aliás, o verdadeiro Ocultista

desaprecia profundamente a fenomenologia psí-

quica considerando-a verdadeiro entrave à

evolução verdadeira da Humanidade, por se tra-

vestir das mais variadas e insidiosas modalidades

ilusórias, mayávicas, que arredam os simples da

essência agrilhoando-os às impuberdades da

aparência onde a fantasia inflamada destrona a

imaginação criadora, e a crença a fé verdadeira.

Quem hoje crê muito, acaso amanhã descrerá

ainda mais… falta a substância, e esta é o Espírito

de Verdade. Motivo pelo qual sempre que pediam

ao Professor Henrique José de Souza fenómenos

ou prodígios sobrenaturais, ele respondia

incomodado: “Não sou saltimbanco, não faço

mágicas”.

Para o Teúrgico e Teósofo o verdadeiro

sentido da prece é aquele descrito por S. Mateus,

portanto, dirigindo a sua oração “a seu Pai que

existe em segredo”, e não a algo extracósmico,

desde logo, finito. Esse Pai é o Deus Verdadeiro e

Único latente no Homem: é a Tríade Superior

(Atmã, Budhi, Manas, ou Espírito, Intuição e

Mental Superior ou Causal) a quem o Grande

Iluminado Paulo de Tarso chamava de Cristo

Interno, sendo a própria particularização das

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

9

Hipóstases da Divindade Suprema como Poder da

Vontade, Amor-Sabedoria e Actividade Inteligente

na razão de Omnipotência, Omnisciência e

Omnipresença. Ou com outras palavras:

Deus que Tudo Vê – Vontade permanente:

1.º Logos, Pai.

Deus que Tudo Sabe – Sabedoria

permanente: 2.º Logos, Filho.

Deus que É Tudo – Actividade

permanente: 3.º Logos, Espírito Santo.

Tais Atributos Divinos não podiam deixar

de estar inculcados na Alma Humana, posto que

“o Homem foi feito à imagem e semelhança do

Criador”. Tais Atributos Humanos são: Mente

(Inteligência), Emoção (Sentimento), Vontade

(Corpo). O aprimoramento da Vontade faz-se

através da Actividade Superior, Teúrgica; o da

Emotividade através da Educação Superior, da

Moral da Alma reflectindo o Amor Universal; e o

da Inteligência através da Cultura do Espírito

reflectindo a Lei de Deus como Vontade actuante

no Universo. Estas qualificações empregadas

definem, sine qua non, o critério teúrgico

individual e colectivo, que são: Perfeição e

Felicidade.

Esses derradeiros propósitos de Perfeição

e Felicidade levaram o Professor Henrique José de

Souza a proferir no seu estudo Realização (in

Dhâranâ, n.os

7 e 8, Fevereiro a Julho de 1959, ano

XXXIV):

“Não falta quem julgue que REALIZA-

ÇÃO não é mais do que empregar métodos (ou

Yogas) apropriados a alcançar poderes para ser

feliz, quando a verdadeira felicidade está em

encontrar a Deus em seu Homem Interno.

“Não fez Ele o homem à Sua semelhança?

Logo, o homem deve igualar-se a Deus em

Perfeição e Inteligência. Adepto ou Homem

Perfeito é o nome que se dá àquele que está em

condições de guiar os demais à Suprema Síntese

que é a SUPERAÇÃO da Alma, ou a que a liga ao

Espírito. Na mitologia grega, Psike anda em busca

de seu Bem-Amado Eros. Psike ou Alma, tanto

vale. E Bem-Amado o Espírito, a Consciência

Imortal, o Deus feito carne e transformado em

Espírito. Sim, “busca dentro de ti mesmo o que

procuras fora”.

“A Yoga é como uma prece; sem sentir

Deus em si mesmo, jamais o discípulo se tornará

um Adepto. Quereis uma prova mais definidora do

que acabamos de expor? Ela está na sentença

filosófica: “Aquele que ultrapassa o Akasha é

fonte de toda a Riqueza”. Mas que vem a ser

Akasha?

“Dá-se o nome de Akasha ao Segundo

Trono ou a parte que separa o Mundo Divino do

Terreno. Na Cabala, é o Quod superius sicut quod

Inferius. Nesse caso, atravessando o discípulo o

Mundo que medeia o Terreno do Divino, neste se

acha. O termo KAKIM, que se reparte em três e

não em dois como julgam certas escolas

decadentes, apresenta-nos: o KA para o Mundo

Terreno, o AK para o Akasha como a sua própria

radical, e o KIM para o Mundo Divino. Esse

exemplo também equivale às 3 Gunas ou

“qualidades de matéria”: TAMAS, RAJAS e

SATVA, cujas cores são vermelha, azul e amarela.

Com elas também se forma a Divina Tríade

obedecendo às mesmas cores: Atmã (amarelo),

Budhi (azul) e Manas (vermelho).”

Helena Petrovna Blavatsky, em sua obra A

Sabedoria Tradicional, confirma quase in littera o

que aqui se descreve sobre o sentido da oração

para os Teúrgicos e Teósofos. Sobre o assunto,

lêem-se nessa obra as respostas da insigne Teósofa

a um clérigo católico:

“P. – Vocês acreditam na oração e rezam?

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

10

“R. – Não. Nós agimos ao invés de falar.

“P. – Vocês não acreditam na eficácia da

oração?

“R. – Não nessa oração ensinada,

composta de tantas palavras e repetida

externamente como petição a um Deus

desconhecido.

“P. – Existe outra espécie de oração?

“R. – Certamente. Chamamo-la ORA-

ÇÃO-VONTADE, e é mais uma ordem interna

que uma petição.

“P. – Então, a quem vocês oram quando o

fazem?

“R. – Ao “nosso Pai do Céu”, em seu

sentido esotérico.

“P. – Esse sentido é diferente do dado a

ele em Teologia?

“R. – Muito. Um Ocultista ou um Teósofo

dirige a sua oração a seu Pai que está em segredo

(leia e tente entender Mateus VI, 6), e não a um

Deus extracósmico e portanto finito; e esse Pai

encontra-se no próprio homem.

“P. – Então, vocês acreditam que o homem

é um Deus?

“R. – Por favor, diga Deus e não um Deus.

A nosso ver, o homem é o único Deus que

podemos conhecer. E como poderia ser de outra

forma? O nosso postulado aceita como verdadeiro

que Deus é um Princípio universalmente difuso,

infinito, e sendo assim, como poderia o homem

sozinho escapar de ser embebido por e na

Divindade? Chamamos “nosso Pai do Céu” a essa

Essência Deífica que reconhecemos dentro de nós,

em nosso coração e em nossa consciência

espiritual, e que nenhuma relação tem com a

concepção antropomórfica que possamos fazer

dela em nosso cérebro físico ou nas suas fantasias:

“Não sabeis que sois o Templo de Deus, e que o

Espírito de Deus (Absoluto) habita em vós?” (I

Coríntios III, 16). Contudo, que nenhum homem

antropomorfize essa Essência em nós. Que

nenhum Teósofo, se ligado à verdade divina e não

à humana, afirme que esse Deus que está em

segredo como Essência Infinita seja distinto do

homem finito, pois ambos são um. Que também

não afirme, como também já foi observado, que a

oração é uma petição. É antes um mistério, um

processo oculto pelo qual pensamentos e desejos

finitos e limitados, incapazes de serem assimilados

pelo Espírito Absoluto que é ilimitado, são

transmutados em pensamentos e desejos espiri-

tuais. Este processo é chamado de transmutação

espiritual. A intensidade das nossas ardentes

aspirações transforma a oração em pedra filosofal,

ou naquilo que transmuta o chumbo em ouro puro.

A Essência Única homogénea, a nossa ORAÇÃO-

VONTADE, torna-se força activa ou criadora que

produz efeitos de acordo com os nossos ensejos.

“P. – Você quer dizer que a oração é um

processo oculto que acaba produzindo resultados

físicos?

“R. – Sim. A Força de Vontade

transforma-se em Poder Vivo. Mas pobres dos

Ocultistas e Teósofos se, invés de esmagarem os

desejos do ego pessoal inferior ou homem físico e

afirmarem, dirigindo-se ao seu EGO Espiritual

Superior imerso em Luz Átmica-Búdhica, “Seja

feita a Tua Vontade e não a minha”, etc.,

endereçarem ondas de força de vontade para fins

egoístas e impuros. Pois isto é magia negra,

abominação e feitiçaria psíquica.

“P. – Mas como pode explicar esses casos

de sucesso completo? Onde o Teósofo procura

poder para subjugar as suas paixões e egoísmo?

“R. – Em seu Eu Superior, o Espírito

Divino ou Deus existente dentro dele mesmo, e em

seu Karma. Quantas vezes teremos que repetir que

a árvore é conhecida pelos seus frutos, a natureza

da causa pelos seus efeitos?”

A ORAÇÃO-VONTADE dirigida ao

Espírito no Homem como Partícula individua-

lizada do Espírito Universal, a qual pode expres-

sar-se como Laude, Evocação, Saudação e Ordem

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

11

reconhecendo na Divindade Humana o Deus

Absoluto a quem todos os Deuses tributam a

vassalagem também como criações Dele, é

absolutamente diferente da PRECE-DESEJO, sob

a forma de invocação, encantamento e petição,

dirigida expressamente a desconhecida Potestade

exterior e a forças e entes igualmente exteriores e,

em última análise, também desconhecidas. Esta é a

fórmula do simples, e aquela a do sábio. Ambas

são eficazes, posto que “a energia segue o

pensamento”, na expressão magistral de Kut-

Humi, mas uma sendo de natureza mais psíquica e

outra sobretudo mental, logo, espiritual.

Adianta o Professor Henrique José de

Souza, em sua obra O Verdadeiro Caminho da

Iniciação:

“Não é outra a razão por que existem

Yogas ou exercícios apropriados ao desenvol-

vimento de todas essas funções, inclusive as que

despertam os “poderes psíquicos” latentes no

homem, que é um septenário no seu todo e em

cada uma das suas partes, como vimos.

“Tais Yogas ou exercícios devem, porém,

obedecer a regras e preceitos que só um Guru,

Mestre ou Instrutor pode dar, e só sob o seu

controle podem ser feitos, a não ser que o

discípulo esteja filiado a algum Colégio Iniciático,

como o mantido pela Sociedade Teosófica

Brasileira (e a Comunidade Teúrgica Portuguesa

– N. A.) dotado dos 4 Vestíbulos, Portais ou

Sessões onde tais exercícios, instruções e

conhecimentos teosóficos são dados gradativa-

mente e à medida que o discípulo sobe de

categoria. Fora disso, como já dissemos, não é

possível a aquisição dos conhecimentos superio-

res, nem de coisa alguma que se relacione com a

Verdadeira Iniciação.

“E tais conhecimentos – está entendido –

não são adquiridos para se desperdiçarem

inutilmente como fazem as crianças com aquelas

dádivas dos contos infantis, as quais, uma vez

recebidas, logo são gastas ou destruídas, voltando

as crianças ao anterior estado de pobreza e

sofrimento. Muito ao contrário: esses conhecimen-

tos, essas dádivas devem ser conservadas como

skandhas ou “tendências”, sidhis ou “poderes

psíquicos” que, “guardados para a vida futura”,

como aconselhava Gautama, irão aumentando

cada vez mais o poder de resistência e vitalidade

do “ovo áurico” do discípulo, a ponto de ser

possível, um dia, quando já Adepto ou Homem

Perfeito, projectar o seu pensamento nas “seis

direcções cósmicas”, já que a sétima é representa-

da por quem o emite. Será assim não mais um

simples ser humano ou mortal, mas um verdadeiro

Ser Cósmico.

“Na própria vida de Buda, existe uma

passagem relacionada com tudo isto: encontrando,

certa vez, um pobre homem que recitava

diariamente as suas orações, dirigindo-as a alguma

coisa que ele desconhecia, obedecendo à “lei do

menor esforço”, como todos fazem (o que torna

tais orações perfeitamente inúteis), Buda

aconselhou-o a adoptar o seguinte método em

substituição ao seu: virado para o Norte,

procurasse homenagear os antepassados, os

fundadores da Humanidade (os Pitris lunares),

tornando mesmo extensiva esta homenagem aos

seus próprios ascendentes; voltado para o Sul,

homenageasse os seus descendentes, prole,

família, etc.; para o Oriente, aos Grandes

Iluminados, àqueles que vieram ao mundo como a

missão de redimir a Humanidade; para o Ocidente,

àquilo que ele mesmo aspirava fazer um dia em

prol não só dos seus descendentes como do

próprio mundo (missão espiritual, realização de

um ideal, etc.); para o Zénite, a glorificação do seu

próprio Eu, o seu Raio, o seu Cristo ou o seu Deus,

existente em seu próprio seio; e, finalmente, para o

Nadir, calcando sob os seus pés o tenebroso

Passado que constituía o Karma de que se devia

livrar.

“Não há, de facto, ritual mais apropriado

aos que desejam viver dentro da Lei que a tudo e a

todos rege, independentemente de qualquer outro

exercício ou Yoga que lhe seja dada para ser feita

em seu próprio lar (em aposento reservado que

passará a constituir “o santuário de sua própria

vida”), do que o augusto Templo da Mãe-

Natureza, o melhor de todos para que a Voz da

Consciência se manifeste como se fora a da

mesma Divindade com aquela se confundindo.”

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

12

De todas as preces consignadas Voz de

Comando do Deus no Homem, certamente as mais

poderosas serão as inscritas no Psaltério

constando de 150 Psalmos ou Salmos ditados

pelos Deus ARABEL ao seu Tulku ou “projecção

humana”, o rei David. Portanto, sendo orações de

poder oferecidas pelo próprio Deus à Humanidade,

sobretudo à comunidade dos fiéis. Milénios

depois, já no século XX, o Deus AKBEL

acrescentaria mais 6 Salmos (de 151 a 156) através

do seu Tulku, Henrique José de Souza (posto que

um Luzeiro impossivelmente pode incarnar

integralmente num simples corpo humano,

admitindo que a dimensão e grandeza de um

Logos Planetário como AKBEL é igual à do

planeta Mercúrio, e a de ARABEL à de Vénus,

motivos exigindo coerência lógica na colocação e

exposição dos elementos mais simples até aos

mais intrincados do ensinamento iniciático, desta

maneira eliminando a priori quaisquer incoerên-

cias nascidas do exagero de algum zelo devocional

desapurado). A diferença entre o Tulku e quem

actua por ele, é igual à diferença entre

Individualidade espiritual e Personalidade materi-

al, entre Atmã e Jiva, entre Espírito e Corpo, entre

Mestre e Discípulo, entre Makara e Munindra,

entre El Rike e Henrique, entre Cristo e Jesus…

motivo por que certa ocasião, nos inícios dos anos

50 do século anterior, o Professor Henrique José

de Souza, no final de uma Cadeia Psicomental,

afirmou que “mesmo sendo a sua Coluna J

(António Castaño Ferreira) uma expressão do

Quinto Senhor (ARABEL), se Este se manifestas-

se integralmente nele a mesma expressão humana

de imediato explodiria”. A bom entendedor…

Os 150 Salmos ou Tehilim (do hebraico,

louvores) como cânticos e poemas de encómio e

sacrifício são o coração do Antigo Testamento,

utilizados pela antiga Israel como hinário no

Templo de Jerusalém e hoje aplicados como

orações ou louvores no Judaísmo, no Cristianismo

e também no Islamismo, onde o Alcorão refere os

Salmos como “um bálsamo”. Não se excluindo

para os Salmos a sua recitação em forma de

leitura, todavia o seu género literário é sobretudo

Tehilim, ou seja, “cânticos de louvores”, em grego

psalmói, “cânticos acompanhados ao som do

psaltério”, ou ainda, orações cantadas acompanha-

das de instrumentos musicais. De facto, todos os

Salmos possuem carácter musical que determina o

modo como devem ser executados. Por isto,

mesmo quando o Salmo é recitado sem canto, ou

até individualmente e em silêncio, a sua recitação

conserva esse carácter musical.

Na Igreja Católica, os 150 Salmos formam

o núcleo da oração quotidiana, a chamada Liturgia

das Horas, também conhecida por Ofício Divino

cuja organização remonta a S. Bento de Núrsia

(séculos V-VI). A oração conhecida por Rosário,

com as suas 150 Ave Marias (hoje 200), formou-se

por analogia com os 150 Salmos do Ofício. Outra

forma muito popularizada e penetrando já o

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

13

domínio da Teurgia e sobretudo da Taumaturgia,

foi o de organizarem-se listas de Salmos por

finalidade, isto é, Salmos para serem rezados em

determinadas ocasiões como festas, colheitas,

doenças ou funerais. Historicamente, a primeira

dessas listas foi organizada a partir da prática de

St.º Arsénio da Capadócia (século V), que rezava

os Salmos como orações com certas finalidades. A

última lista psaltérica formalizada num trabalho de

14 páginas com o título Chave Mágica e

Cabalística dos Salmos, é da autoria do Professor

Henrique José de Souza, tendo-a iniciado no dia

23.12.1951 e concluído às 10 horas do dia 25, um

domingo de Natal.

No dia 26 de Dezembro de 1951, no Rio

de Janeiro, Brasil, na Sede da Sociedade Teosófica

Brasileira o Professor Henrique José de Souza,

reconhecido por Teúrgicos e Teósofos como

Venerável Mestre JHS, anunciou aos discípulos

presentes que o dia anterior (25.12.1951) seria

consagrado Dia dos Gémeos Espirituais. Nessa

segunda-feira foi dado prosseguimento à série de

52 Rituais relacionados com os Salmos de David,

a qual iniciara no dia 19 do mesmo mês, aliás, dia

em que às 17 horas, na Secretaria da S.T.B. e na

presença de vários Makaras ou Irmãos Maiores da

Obra do Eterno, o Excelso Mestre materializou o

primeiro Ovo da Pomba do Espírito Santo, como o

Embrião ou motivo para a fundação da ORDEM

DO SANTO GRAAL.

Nesse dia 26, após o Ritual ser iniciado

com a música Hino de David, da autoria de JHS, e

a recitação do Psalmo 18 com todos a uma voz,

prática que se manteve durante os 52 Rituais, a

Coluna J (Eng.º António Castaño Ferreira)

explicou o valor mágico e o encantamento

produzido pelas vibrações dos Psalmos, quer

falados, quer cantados ou musicados. Disse: “Os

Psalmos têm por fim transmutar os Irmãos em

verdadeiros Taumaturgos. E essa Linha de Tauma-

turgos tem por objectivo guiar os homens, por isso

todos têm o direito de ser Makaras. As vibrações

destes Rituais dos Psalmos vão permitir a reunião,

aqui, das potências encerradas neles. É como se

cada Makara ressuscitasse o seu EU INTERIOR

com a pronúncia do Psalmo adequado, ou indicado

pelo nosso Mestre JHS”.

De facto, durante o ciclo psaltérico da

S.T.B. o Venerável Mestre JHS olhando para os

Munindras presentes, e fitando as fotos dos

propostos, no caso dos discípulos ausentes, viu em

Quarta Dimensão ou Mundo Astral sobre a cabeça

de cada um, de cor rubra, ígnea, o número do

Psalmo que lhe correspondia. Então, o Mestre

aconselhou aos discípulos a lerem em voz alta ou

recitarem o Psalmo que lhes indicava.

Esses Psalmos de David, praticados sob a

orientação de JHS, restituíam a cada Munindra o

Dom do Espírito Santo, que representa o Poder de

Agharta, de Kundalini assinalada na Sarça-

Ardente em que Deus se revelou a Moisés.

O Munindra, recitando o Psalmo indicado

pelo Mestre JHS, exaltava o seu Deus Interior,

exaltava nele o Dom do Espírito Santo,

consequentemente, operava-se uma completa

transformação em seu interior, no seu modo de

conceber, compreender, encarar e vivenciar a Obra

do Eterno, a Vida, a existência e toda a Criação,

dando-lhe uma ética moral, um comportamento

ajuizado relativo à Hierarquia a que pertencia e,

naturalmente, ao reconhecimento da manifestação

no Mundos dos Homens do Rei e Rainha do

Mundo, o geminal Melki-Tsedek como os mesmos

Gémeos Espirituais. Havia, por assim dizer, o

domínio do Dom do Espírito Santo com o

retraimento das nidanas ou tendências negativas,

das dúvidas, das suspeitas, dos maus

julgamentos…

Ficou doravante instituído no seio da Obra

do Eterno o Ritual Psaltérico levado a efeito todas

as quartas-feiras por ser um dia dos intercâmbios

entre o Divino e o Terreno como é afim à natureza

de Mercúrio, planeta do mesmíssimo AKBEL.

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

14

Há um precioso Salmo de Defesa no

acervo interno da Comunidade Teúrgica

Portuguesa cuja letra ofereço ao respeitável leitor

em guisa de tema de meditação e desfecho como

“chave d´ouro”:

Que TER-EB, o Tríplice Universal de

PRANA, FOHAT e KUNDALINI originado do

Seio do ETERNO Absoluto, vibrando pelo Tronco

da Árvore de KUMA-MARA e se manifestando

pelo Sagrado TETRAGRAMATON que vibra no

Excelso Peito do Cavaleiro das Idades,

AKDORGE, se projecte nas monádicas expressões

humanas da Augusta ORDEM DO SANTO

GRAAL, todas elas onde quer que estejam,

protegendo-as de todo o Mal visível e invisível do

Corpo, da Alma e da Mente, para que se defendam

e vençam todos os obstáculos, todas as forças

contrárias aos desígnios da LEI, para BEM

poderem realizar, vitoriosa e gloriosamente, um e

todos, a Missão Única favorável ao Advento do

CRISTO UNIVERSAL, inaugurando na Terra a

Idade da Perfeição, com o esplendoroso

florescimento das Raças Bimânica e Atabimânica,

sob o influxo dos Divinos ARABEL e AKBEL. Que

isto se cumpra em Nome do TETRAGRAMATON e

do EXAGONON Sagrados, como Perfeito

Equilíbrio entre o Mundo Divino e o Mundo

Terreno, na saúde, santidade e sabedoria da

humana expressão que é um e todo o

MUNINDRA!

TETRAGRAMATON – EXAGONON

EXAGONON – TETRAGRAMATON

TETRAGRAMATON – EXAGONON

AKALIM – ZITCAF – MORCAF

ASGARTOCK

MIREB – MAREB – TEREB

MAITREYA

SAT VIDAG KARUNA

BIJAM

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

15

CONCEITO GERAL DE INICIAÇÃO

ANTÓNIO CASTAÑO FERREIRA

(CAF)

A progressiva evolução da consciência

espiritual do Homem até abarcar a Mente Superior

ou o Conhecimento no Plano Universal, pode ser

compreendida como uma série de estados de ser,

cada um dando uma ideia de determinado Plano da

Natureza.

Para obter o fim visado pela própria Lei da

Evolução, o Homem passa, como qualquer outro

ser autoconsciente, por determinadas modificações

que são classificadas, pelos sábios de todas as

épocas, numa série septenária; daí falarem em 7

estados de consciência, cada um deles caracte-

rizando-se por uma percepção particular do

Mundo Físico ou do Mundo sensível que nos

cerca.

Até lograrem a realização final, de acordo

com a Lei Natural, os seres conscientes deverão

atravessar 7 grandes Sistemas, Estruturas ou

Etapas. Há, no entanto, um meio de, num período

curto de algumas vidas, atingir esse estado

supremo, o da Consciência Espiritual; a isso

chamamos de Caminho Directo ou Iniciação.

Assim, o candidato à Iluminação sujeita-se

a um regime que o aparta definitivamente do meio

e das necessidades dos seus irmãos do mesmo

Ciclo. Isto porque deverá passar por transformação

radical, não só no Mundo Psíquico senão também

no próprio Físico, que lhe permita despertar as

faculdades indispensáveis possibilitando a

compreensão da natureza essencial das verdades

de ordem universal, verdades estas que o colocam

num plano infinitamente superior ao dos demais

homens da sua época.

Da mesma forma, o homem para

desenvolver completamente a sua consciência

discriminativa e transformá-la em consciência

universal, a única que lhe dá a percepção da

realidade eterna, também necessita de uma

quantidade considerável de energia que,

normalmente, só poderá ser armazenada através de

Kalpas inumeráveis. Para abreviar a evolução

natural, os Iluminados pertencentes a Hierarquias

muito superiores à Humana codificaram as leis

naturais, facilitando assim a obtenção dessa

energia infinita que possibilita, num curto ciclo, a

realização de todas as transformações interiores

que levarão à Consciência Total.

Que energia é essa? Como alcançá-la? São

perguntas que naturalmente vêm à mente de todos.

A Índia, através dos seus Tantras, fala-nos

de uma força que está latente em todos os seres:

Kundalini-Shakti, a Força Serpentina. Kundalini,

palavra sânscrita que se originou de Kunda, ou

seja o 3.º Logos, o Espírito Santo, é a forma pela

qual a Energia Criadora do Universo se manifesta

no Mundo fenoménico. A terminação lini indica a

Energia Feminina de Kunda. Assim, toda a

Iniciação tem por fim imediato o desenvolvimento

e o domínio de Kundalini, que é a grande alavanca

capaz de mudar o centro de gravidade da

consciência humana comum até transcender os

limites do Manifestado, deslocando-a, portanto,

para o domínio do Eterno.

Todavia, é preciso notar que ninguém

poderá atingir a plenitude da Consciência sozinho,

sem guia, sem a experiência milenar de um Guru,

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

16

porque os perigos que rodeiam todo aquele que

levanta os seus olhos para o Ideal superior são

inumeráveis, e muitas vezes imperceptíveis ao

olhar dos menos previdentes.

Cada ser humano contém em si vastas

potencialidades, e é dever dos Adeptos rodear o

aspirante de circunstâncias que lhe permitam

tomar o Caminho da Mão Direita, se para isso

tiver capacidade. Não temos, contudo, o direito

nem de lhe tirar as possibilidades, nem de dirigi-lo

no bom Caminho.

Sabem todos os Iniciados que não é

possível alcançar a Suprema Aspiração, a

Realização Interior, se o discípulo não se apoiar

numa Tradição organizada que lhe sirva de base, a

fim de poder enfrentar as forças adversas do meio

em que vive. Essa Tradição não deve ser

exclusivamente de ordem social e moral, senão de

ordem Oculta.

Os Gurus, perfeitos conhecedores das Leis

da Evolução, dizem não ser possível ao homem

alcançar a Iluminação sem que esteja ligado a essa

Torrente ininterrupta, através da qual são

comunicados ao discípulo os Graus, que variam

segundo as Iniciações ascendentes.

Essas consagrações são definitivas,

porque ligam o discípulo a um Poder infinita-

mente Superior ao que nele possa existir de mais

elevado. Nessas Iniciações são-lhe dados

símbolos, palavras e determinados gestos, que são

a linguagem que expressa esse pacto tacitamente

assumido para com a Tradição Iniciática a que se

ligou. Assim, ninguém pode evoluir até à

Libertação num curto período de tempo sem esse

auxílio indispensável. Esse auxílio é uma

verdadeira transferência dessa Torrente Espiritual

que o Mestre faz ao discípulo, quando lhe confere

determinada Iniciação. Por isso mesmo, o

Mahatma Kut-Humi diz que os discípulos são

envolvidos pelo ambiente do Mestre, para que

todas as suas possibilidades, boas ou más, se

manifestem.

Quando, entretanto, se liga a tradições

reconstituídas ou corrompidas, a sua luta torna-se

mais árdua, não conseguindo, na maior parte dos

casos, chegar ao seu elevado objectivo.

Assim como os Iniciados criaram um

Poder Espiritual Activo, a Humanidade, na sua

inconsciência, também gera um Poder incomen-

surável formado pelas suas acções, os seus

pensamentos, palavras e paixões de ordem

inferior. Desse Poder servem-se algumas criaturas

para a realização dos seus desejos, ódios,

vinganças, etc., também através de certas

Iniciações tão conhecidas dos denominados Magos

Negros. Esse Poder, formado pela colectividade,

pelos seus impulsos contrários à Lei, considerado

mau pelos espiritualistas, também tem uma

consciência constituída pelos múltiplos agregados

das acções nocivas dos homens em todos os planos

da sua actividade. Esse Poder é o tão falado

Guardião do Umbral, a terrível Potestade que

deve ser vencida por todo o candidato à Magia

Branca.

Como o discípulo, durante milénios sem

conta, concorreu mais para esse Poder do que para

a Torrente Espiritual da Boa Lei, é claro que fica

muito mais ligado a ele pelos poderosos laços das

más acções que praticou do que pelas suas vagas

aspirações ao Bem Supremo, que caracteriza o

outro pólo. É este o motivo pelo qual torna-se

difícil ao homem libertar-se da soberania do

Guardião do Umbral.

É nesta Libertação preliminar que se

resumem as provas iniciáticas a que é submetido o

discípulo. Assim, o discípulo sozinho, tendo

apenas por apoio o Poder Espiritual da Tradição a

que se filiou, deve cortar, um por um, todos os

laços que o prendem à Egrégora Negra.

Podemos agora compreender porque os

Iniciados não podem, de modo algum, interferir

nesta luta de vida ou morte em que o discípulo se

empenha. Com o choque que ele estabelece com o

Guardião do Umbral, todas as más qualidades

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

17

afloram ao campo consciente do discípulo, do

mesmo modo que o contacto com a Torrente

Espiritual faz desabrochar as sementes do Bem

que por ventura nele existam, de forma a despertar

na sua alma as duas tendências que se defrontam e

se digladiam, até que uma delas sucumba para

sempre.

Por isso, disse Kut-Humi: “O discípulo

deverá, unicamente entregue aos seus próprios

esforços, escolher o Caminho da Direita ou da

Esquerda, fazendo-se por si só um Adepto da Boa

Lei ou um Mago Negro, dependendo

exclusivamente de si próprio a escolha do

Caminho”.

AGNI, O FOGO SAGRADO

HENRIQUE JOSÉ DE SOUZA

Amor é uma Chama do Fogo Divino, pelo qual

nascemos, crescemos e nos transformamos. – JHS

Porfírio, discípulo de Plotino, que

conhecia bastante o Oculto revelou aos homens:

“Existe na Divindade uma insondável profundeza

ardente. O coração humano jamais deverá temer o

contacto desse Fogo adorável, porquanto não será

por ele destruído. Ele é o doce Fogo, cujo feliz e

tranquilo calor determina o encadeamento das

Causas, a Harmonia e a Vital continuidade do

Mundo. Nada existe que não seja por Ele

alimentado, pois é Ele a própria Essência Divina.

“Ninguém o gerou. É sem Pai nem Mãe,

nem coisa alguma! Mas tudo sabe e nada lhe pode

ser ensinado. É imutável nos seus desígnios e seu

nome é inefável. Eis aqui o que é Deus. Nós,

míseros mensageiros seus, nada mais somos do

que uma partícula sua.”

A Antiguidade sábia, por sua vez, já nos

ensinava: “Do mesmo modo que um fogo violento

queima até as árvores ainda verdes, o homem que

estuda e compreende os livros santos, apaga em si

toda a mácula nascida do pecado. E aquele que

conhece perfeitamente o sentido da Vidya-Shastra,

os Ensinamentos da Lei, qualquer que seja a sua

condição, prepara-se durante o seu estudo neste

mundo para a identificação com Brahma

(Libertação).

“Os que muito estudaram valem mais que

os que pouco leram. Os que possuem tudo quanto

leram, são preferíveis aos que leram e logo

esqueceram. Os que compreenderam, possuem

mais mérito do que aqueles que sabem

simplesmente o que decoraram. Os que cumprem

com o dever, uma vez este conhecido, são

preferíveis aos que simplesmente o conhecem mas

não praticam. O conhecimento da Alma Suprema e

a devoção para com Ela, são os melhores métodos

para se chegar à Felicidade Suprema da

Libertação. Com a devoção resgata as suas faltas,

com o conhecimento de Brahma consegue a

imortalidade. Aquele que procura adquirir um

conhecimento efectivo dos seus deveres, possui

três categorias de provas: evidência intuitiva,

raciocínio discursivo e autoridade dos diferentes

livros deduzidos das Santas Escrituras.”

Já dizia o grande Zola: “É pelo livro e não

pela espada que a Humanidade vencerá a mentira e

a injustiça, e conquistará a Paz final da

Fraternidade entre os Povos.”

(Carta-Revelação sem data)

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

18

O ANJO CUSTÓDIO DE PORTUGAL

(Memória Cultual)

VITOR MANUEL ADRIÃO

Sintra, 13.11.2013

A tradição do culto ao Anjo Custódio, ou

no mínimo o costume de invocar o seu nome,

surge em Portugal ainda este não era nação

fundada, havendo ecos do mesmo mas sob a

expressão de Arcanjo São Miguel “protector dos

portucalenses” condava ainda o Conde D.

Henrique, pai do nosso primeiro rei, em Santa

Maria de Bouro, em Amares no distrito de Braga,

no cimo de cujo outeiro o cavaleiro Pelágio

Amares, das hostes do conde, fundaria a capela

consagrada a São Miguel nos fins do século XI,

culto angeológico prosseguido a partir de 1148 no

mosteiro próximo, primeiro beneditino e depois

cisterciense, de Santa Maria e São Miguel de

Bouro (1), ainda que a ocupação local por

anteriores eremitas cristãos faça recuar o culto do

Arcanjo ao ano 500 d. C., segundo a sua história

miraculada, nas pessoas dos ermitãos, mais

lendários e simbólicos que outra coisa, São

Maurício, falecido no ano 527, e São Deolo, morto

em 562.

Cerca de 1109 nasceu o infante Afonso

Henriques, futuro primeiro rei de Portugal, e os

seus pais, D. Henrique e Dona Teresa, sobretudo o

progenitor talvez adivinhando o futuro auspicioso

do filho, fizeram com que fosse consagrado ao

Arcanjo “protector dos portucalenses” na hora de

receber o sacramento do batismo pela mão do

arcebispo S. Geraldo, na igreja de São Miguel do

Castelo de Guimarães, que ainda lá está a pia

batismal como pretende a versão romântica do

século XIX. Possivelmente esse templo faria parte

do primitivo complexo palatino de Dona

Mumadona Dias, na viragem do século IX para o

X, e teria permanecido como principal templo da

Guimarães condal no tempo de D. Henrique de

Borgonha, mas muito provavelmente já não sendo

aquele que ainda hoje se vê datado do século XIII,

de traça românica tardia preanunciando em alguns

aspectos a ascensão do gótico (2). Com efeito, ele

foi mandado construir pela Colegiada de Nossa

Senhora da Oliveira, a mais antiga do país, sendo

em 1239 sagrado pelo primaz de Braga, Silvestre

Godinho (3), sempre com a preocupação sagrada

de que a Virgem Maria estivesse disposta em

igualdade como par angeológico do primeiro

Arcanjo dos Céus, aos quais Portugal seria

consagrado.

Portanto, D. Afonso Henriques foi

consagrado ao Arcanjo São Miguel parecendo até

que os lances principais da sua vida parecem

reproduzir na Terra o que aquele será e fará nos

Céus. O primeiro desses lances será o de ter

armado a si próprio cavaleiro em 1125, acabado de

fazer 17 anos de idade, na catedral de Zamora no

dia de Pentecostes, acto só praticado pelos reis

num gesto claramente político, ainda assim como

se não houvesse autoridade maior na Terra capaz

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

19

de o investir e nada existisse antes dele como

linhagem real reconhecida do país autónomo e

independente, nisto sendo verdade posto ser o

progenitor de pátria em formação da qual passou a

ser Rex a partir de 1139, ano da batalha de Ourique

(25 de Julho), mas só reconhecido como tal pela

Santa Sé em 1179, pela bula de 23 de Maio,

Manifestis probatum, emitida pelo Papa Alexandre

III.

Essas iniciativas de D. Afonso Henriques

mais que políticas parecem sobretudo ajustar-se a

um propósito transcendente conformado ao

simbolismo vivo de Melki-Tsedek, consignado

“Rei do Mundo” pela exegética do conhecimento

tradicional, em certa medida identificado ao

Arcanjo Miguel ou Mikael, patrono da Igreja e da

Sinagoga, por via dos seus atributos iconográficos

da espada da Lei e a balança da Justiça,

prerrogativas reais, sobre o que diz René Guénon

(4):

“Deve notar-se que a expressão ‘Rei do

Mundo’, bem como a de ‘Rei da Justiça’, referem-

se directamente ao Poder Real. Se agora tomarmos

o nome de Melki-Tsedek no seu sentido mais

rigoroso, os atributos próprios do ‘Rei da Justiça’

são a balança e a espada; e estes atributos são

também os de Mikael, considerado como ‘Anjo do

Julgamento’ (5). Esses dois emblemas representam

respectivamente, na ordem social, as duas funções,

administrativa e militar, que pertencem como

atributo particular aos Kshatriyas (6) e são os

elementos constitutivos do Poder Real. São

também, hieroglificamente, os dois caracteres

formando a raiz hebraica e árabe Haq, que

significa simultaneamente ‘Justiça’ e ‘Verdade’ e

que, entre vários povos antigos, tem servido

precisamente para designar a Realeza.”

Noutra parte da mesma obra, adianta o

autor:

“O vocábulo Metraton comporta todas as

acepções de Guarda, de Senhor, de Enviado, de

Mediador; é o autor da Teofonias no Mundo

sensível; é o ‘Anjo da Face’ e também o ‘Príncipe

do Mundo’ (Sâr Ha-Olâm), e por esta última

designação vê-se que não nos afastámos nada do

nosso tema. Para empregar o simbolismo

tradicional, diremos que tal como o Chefe da

Hierarquia Iniciática é o ‘Pólo Terrestre’ (7),

assim Metraton é o ‘Pólo Celeste’. E este reflecte-

se naquele, com o qual está em relação directa,

seguindo o ‘Eixo do Mundo’.

“O seu nome é Mikael, o Grande

Sacerdote, que é holocausto e oferta a Deus. O

Grande Pontífice neste Mundo simboliza Mikael,

Príncipe da Clemência. Em todas as passagens

onde a Escritura fala da aparição de Mikael, trata-

se da Glória da Shekinah (8). Por outro lado,

Metraton não tem apenas o aspecto da Clemência,

tem também o da Justiça. Não é somente o

‘Grande Sacerdote’ (Koen Ha-Gadol), mas

igualmente o ‘Grande Príncipe’ (Sâr Ha-Gadol) e

o ‘Chefe das Milícias Celestes’, quer dizer, está

nele o princípio do Poder Real, bem como o do

Poder Sacerdotal ou Pontifical a que corresponde,

propriamente, a função de ‘Mediador’.

“Além disso, é preciso notar que Melek,

‘Rei’, e Maleak, ‘Anjo’ ou ‘Enviado’, na realidade

não são senão duas formas de uma mesma palavra;

para mais, Malaki, ‘Meu enviado’ (isto é, o

enviado de Deus ou ‘o Anjo no qual é Deus’,

Maleak Ha-Elohim), é o anagrama de Mikael (9).”

Sendo o primeiro de todos os Arcanjos a

ponto de se confundir com a Divindade Absoluta,

a Mikael ou Mirrail os hebreus e os muçulmanos

apodam-no de “Anjo no qual é Deus” (Maleak Ha-

Elohim e Manka-Allah), motivo para os latinos

darem a Michaelis ou Miguel a exclamação de

espanto: Quis ut Deus, “Quem é Deus”. Nesta

linha de pensamento, o Professor Henrique José de

Souza (1883-1963), fundador da Sociedade

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

20

Teosófica Brasileira, recorrendo à filologia

hebraica e árabe para traduzir o sentido esotérico

do nome deste Arcanjo, escreveu (10):

“Mankaallah (Man-Ka-Allah) = Tu és

igual a Deus!

Mankaallan = Mi-Ka-El, Miguel.

Mahakala = Shiva, o Espírito Santo, o

Terceiro Logos, o Mundo Terrestre.

Al-Djabal = Todo-Poderoso, Veste Deífica

de Mikael, o Elohim (Espírito) de Eloha

(Mónada).

Mikael criador de Mahiman, o Gladiator

de Deus. Mistérios da Obra do Eterno.”

Mikael ou Miguel é o Príncipe dos

Arcanjos e o mais próximo de Deus – Quis ut

Deus. É invocado para a coragem, a defesa forte e

a protecção divina. Iconograficamente, é represen-

tado revestido de couraça e capacete apresentando-

se armado de espada flamejante e escudo. É o

destruidor da idolatria. Disputou com Satan o

corpo de Moisés no Monte Sinai. É o Arcanjo que

proclama a Unidade de Deus. A Ciência Teúrgica

dá-lhe por planeta de afinidade o Sol (na Terra),

correspondendo ao domingo (Dominicus, Soledie),

cuja cor natural é o laranja e as formas

geométricas de manifestação o quadrado e o

hexaedro. No Psaltério salvífico, a sua Força e

Guarda é invocada no Salmo 111 (“Bem-

aventurado o homem que teme o Senhor…”).

Bafejado pela Força do Capitão de Deus,

encomiando pela mediação dele a sua alma ao

Divino, invocando para si, os seus e a nação que

criava a protecção e fortaleza dos Céus, D. Afonso

Henriques desde a primeira hora aclamou a função

sagrada de São Miguel como Anjo da Guarda dos

portucalenses dando sortes às suas armas

arrancando vitórias nas horas críticas em que só se

adivinhavam derrotas. Assim foi aquando da

tomada de Santarém aos mouros, onde no mais

aceso da batalha o rei viu aparecer o braço de São

Miguel empunhando a espada por cima das forças

cristãs e dar a vitória impossível a estas, na hora

em que a derrota se avizinhava por desvantagem

numérica (11).

A milagrosa vitória escalabitana de D.

Afonso Henriques serviu de pretexto para fundar

nesta cidade de Santarém a Ordem de São Miguel

da Ala (da Asa ou Asinha), que é a Ordem de

Cavalaria mais antiga de Portugal e das mais

antigas do Mundo (12). Coadjuvaram o rei na

fundação da Ordem, dentre outros, D. Egas Moniz,

D. Pedro Afonso, D. Gonçalo Gonçalves, D. Pedro

Paes, D. Gonçalo de Sousa, D. Lourenço Viegas e

D. Fuas Roupinho. Instituída no dia 8 de Maio de

1171, os seus cavaleiros observavam a Regra de

São Bento por suas intimidades com a Ordem de

Cister (13), e em 14 de Janeiro de 1177 o Papa

Alexandre III reconheceu por breve ou bula a

Ordo Equitum S. Michaelis Sive de Ala (Ordem de

Cavalaria de S. Miguel da Ala), transcrita e

editada pelo abade Ascanio Tamburini (14).

O Arcanjo São Miguel ficou assim, desde

o conde D. Henrique mas pela mão do seu filho

Afonso Henriques, como padroeiro protector do

condado depois país, inclusive com Ordem militar

mas também religiosa consagrada ao seu culto

tutelar, em guisa de cópia terreal da Milícia

Celeste, acontecimento primaz no mundo da

época, muito mais sob patrocínio régio igualmente

mostrando preocupação em expressar ao Rei dos

Céus. Desde aí que a devoção e o culto a São

Miguel Arcanjo como Custódio de Portugal

propagou-se para e com a recuperação dos

territórios cristãos lusitanos, sobre o que diz Jorge

Cardoso (15):

“São Miguel Arcanjo. Foi sempre

conhecido dos Portugueses por Anjo Custódio

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

21

deste Reino, depois que o invicto Rei D. Afonso

Henriques venceu com o seu patrocínio a

Albaraque nos campos de Santarém; e por isso lhe

erigiu copiosas Capelas, assim na Igreja de

Alcáçova da dita Vila, como nos Mosteiros de

Santa Cruz de Coimbra e Santa Maria de

Alcobaça, onde as suas santas Imagens são

veneradas, e milagrosas.”

Tão grande devoção a São Miguel Arcanjo

Custódio de Portugal teve-a igualmente o rei D.

Manuel I, que inclusive encetou conversações

junto da Santa Sé para tratar da beatificação do seu

antecessor D. Afonso Henriques, as quais

resultaram infrutíferas arrastando-se esse processo

até hoje. Sobre isto, diz António de Vasconcelos

(16):

“E entre razões que me moveram a tomar

esta empresa tão dificultosa, que requeria engenho

e língua mais Angélica que humana, foi a

particular devoção que o Reino de Portugal

professou ao Anjo da sua Guarda, porque já o

felicíssimo Rei D. Manuel, em quem a grandeza

do ânimo competia com a piedade do culto divino,

movido com afecto de devoção e obrigado com

muitos benefícios, impetrou do Sumo Pontífice um

Breve, para que em todo o seu Reino se fizesse a

festa ao Anjo da Guarda de Portugal no terceiro

Domingo de Julho, com procissão solene, missa e

ofício particular, que no Arcebispado de Lisboa e

em outros se compuseram. E estando ainda o

Reino de Portugal no berço da sua criação, já el-

Rei D. Afonso Henriques experimentava os

particulares favores e ajudas do Anjo da sua

Guarda e do Arcanjo S. Miguel, dos quais foi em

grande maneira devoto. Porque no ano de 1181,

sendo já bom Rei de 86 anos muito gasto no

exercício das armas, e maltratado de uma perna

que quebrou em Badajoz, por cuja ocasião caíra do

cavalo, e também por certa obrigação em que

estava el-Rei D. Fernando de Castela, seu genro,

Alboiaque, Rei de Sevilha, veio sobre Santarém

com poderoso exército formado em toda a

Andaluzia, e para o receber ajuntou el-Rei D.

Afonso a sua gente, que para tão grande número,

como o bárbaro trazia, era bem desigual, o que foi

bem considerado por el-Rei, como homem prático

na guerra, porém muito pio e afectuoso para as

coisas do Céu: determinou pedir de lá o principal

socorro, e ajuda, em que mais se estribava que na

do exército de seus vassalos. Na noite antes do dia

em que determinava dar batalha, recolheu-se em

oração, gastando a maior parte dela com Deus,

como em semelhantes apertos costumava, e

particularmente se encomendou com grande afecto

e confiança ao Anjo da sua Guarda, e ao Arcanjo

S. Miguel, metendo-lhe nas mãos a empresa que

diante tinha, e pedindo-lhe para ela socorro e

ajuda, valendo-se para isso dos exemplos da

Escritura, em que os santos Anjos deram gloriosas

vitórias aos seus devotos; e animado com a

confiança e esperança que neles tinha, saiu aos

Mouros em seu carro, como costumava, depois

que lhe sucedeu o desastre da perna: posta a gente

em ordem de batalha campal, rompeu o

Alboiaque, ferindo e matando a muitos, e metendo

os mais em fuga, os quais deixaram no arraial um

grande e riquíssimo depósito. É certo que no

fervor da batalha foi visto junto del-Rei um braço

com uma asa, que o acompanhava por todas as

partes a quem ele acometia, e fazia tão grande

estrago nos inimigos que logo parecia força de

braço Angélico mais que humano. Em memória de

tão assinalada mercê, instituiu el-Rei D. Afonso

Henriques a Cavalaria da Ala, cuja insígnia era

uma Asa vermelha em campo branco cercada de

ouro, a qual com o tempo se foi extinguindo com

outras muitas coisas. Além destas razões, não é a

menor saber o grande afecto de devoção com que

o nosso muito santo Padre Paulo V mandou fazer,

não há muito tempo, ofício e missa particular para

celebrar a festa dos Anjos da Guarda na Igreja no

primeiro dia do mês de Outubro.”

Sobre tudo o dito, já tive oportunidade de

escrever numa outra obra (17) que aqui transcrevo

em guisa de resumo:

“Dentre os 4 Arcanjos principais –

Miguel, Gabriel, Rafael, Anjo Custódio –

dispostos nos 4 Mundos da Kaballah – Atziluth,

Briah, Yetzirah, Assiah – o “mais elevado”, ou

seja, Miguel como arquétipo, manifesta-se pelo

“menos elevado”, o Anjo Custódio seu protótipo,

por sua vez arquétipo de toda a Terra como primaz

desta em lugar cimeiro, fonte terreal de toda a Luz,

que é dizer, a Lusitânia.

“Foi por inspiração Bernardina que D.

Afonso Henriques fundou em Santarém a Ordem

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

22

de São Miguel da Ala (ou da Asa, igualmente de

Asinha no diminutivo), após a tomada da cidade

aos mouros em 1171. Diz a lenda de fundação que

como reconhecimento do Céu, durante o ardor da

luta em volta do estandarte real e a pelejar pelo rei,

brandindo a sua espada apareceu o braço alado de

São Miguel Arcanjo, de quem D. Afonso

Henriques era muito devoto cujo auxílio invocara

antes da batalha, e por isso após a vitória cristã ele

instituiu a Ordem de São Miguel da Ala pelo

documento Constituitiones Militiuns S. Michaekis

Sive de Ala. Após, o Papa Alexandre III, por bula

de 14/1/1177, reconheceu a Ordem Equitum S.

Michaelis Sive de Ala, que se manteve por largos

séculos e enquanto durou a Ordem do Templo

serviu de medianeira entre ela e a Coroa de

Portugal.

“Os atributos de São Miguel ou Mikael

(“O Primeiro no qual é Deus”, e também “Quem é

Deus”) são os mesmos de Melki-Tsedek, a balança

e a espada, como distintivos do Rei de Justiça

(Lex) e Senhor de Salém (Pax), aquele modelo de

Deus, este émulo de Deus (Quis ut Deus).

“A manifestação de Mikael assinala

sempre a glória da Shekinah, a Grande Paz e Luz

do Messias, o que se representa na Árvore

Sephirótica da Kaballah pela décima sephiroth

(esfera): Malkuth, com o significado de o “Reino”

(Melki) e o “Justo” (Tsedek).

“A Shekinah, “Presença Real de Deus”,

representa-se sephiroticamente por Sandalphon,

raiz da Árvore da Vida e do Saber (Otz Chaim)

cuja copa é Metraton, ambos o mesmíssimo

Mikael como Guardião dos homens e das almas,

dos vivos e dos mortos, o mesmo que aparece no

início e no final da Manifestação Divina e Humana

a qual é representada por Malkuth, cujo Nome

Divino é Adonai-Ha-Aretz, “Rei e Senhor da

Terra”.

“O primeiro tratado cabalístico aparecido

na Península Ibérica referente a este assunto,

Kether-Malkuth, consagrado ao Altíssimo Adonai

e sendo parte integrante do Fons Vitae pertencente

ao espólio literário do Mosteiro de Alcobaça, logo,

certamente do conhecimento dos templários mais

ilustrados, foi escrito pelo primeiro judeu filósofo

da Hispânia no século XI, Salomão Ibn Gabirol.

Este Avicebrão dos latinos, natural de Málaga,

veio a radicar-se em Portugal onde faleceu em

1070.

“O culto ao Anjo Custódio de Portugal foi

celebrado com toda a pompa e devoção desde

muito cedo em todo o país, mormente na região

saloia do Termo. Segundo António de

Vasconcelos e como já disse, D. Afonso

Henriques, na conquista de Santarém, invocou São

Miguel Arcanjo, tendo aí instituído a Ordem de

São Miguel da Ala, cuja insígnia é uma asa

vermelha em campo branco, cercado a ouro. A

devoção ao Arcanjo cresceu de tal modo que D.

Manuel I o invocava como “nosso anjo

guardador”, tendo-se antecipado ao movimento do

culto em Espanha. Com efeito, D. Manuel

solicitou (6/6/1504) do Papa Leão X a instituição

do Anjo Custódio de Portugal, a celebrar no 3.º

domingo de Julho, dando aso a uma tradição que

ainda se mantém. Anteriormente (1480), ao fundir

num só vários ofícios litúrgicos, o prior de

Odivelas, Fr. António Castanheira, já encontrara o

ofício do Anjo Custódio, pelo que o gesto de D.

Manuel corresponde a um sancionamento de uma

tendência cultual anterior, de raiz judaica (pois que

Mikael é o Orago da Sinagoga), depois

incorporada nas Ordenações Manuelinas (Liv. I,

tit. 78), onde se determinam os actos da festa:

procissão solene, missa e ofício particular em

Lisboa e noutras terras (18).

“De maneira que o culto a Mikael ou

Metraton está profundamente enraizado tanto no

catecismo popular da Torah como no esoterismo

judaico da Kaballah, esta que significa tanto

Tradição como Conhecimento. Na Sinagoga Ele

ocupa o “Lugar do Altíssimo”, enquanto na Igreja

Bizantina situa-se no “Trono de Salomão”,

correspondendo na Igreja Romana à ‘Cadeira do

Sumo Pontífice’.”

Sendo São Miguel consignado Anjo

Custódio, este último termo, Custódio, com o

sentido de “Guarda, Guardião, Tutelar, Protector,

Paraninfo”, etc., (19) vai bem com a finalidade

litúrgica da Custódia ou Ostensório, utilizada para

expor o Santíssimo ou levá-lo em procissão, por

conter a presença Divina tal qual São Miguel

escuda a Deus como seu prolongamento – Quis ut

Deus.

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

23

Celebrado pela Igreja Ocidental em 29 de

Setembro e pela Igreja Oriental em 8 de

Novembro (21 de Novembro na maioria das

confissões ortodoxas, que ainda utilizam o

calendário juliano), reconhece-se na Igreja

Universal o Arcanjo Mikael como “Capitão de

Deus” dos “Poderes não encarnados do Céu” (as

restantes Cortes Angélicas) na chamada Festa de

São Miguel e todos os Anjos. Por outra parte, a

Igreja Católica também celebra a Festa do Santo

Anjo da Guarda em 2 de Outubro, enquanto a

Festa do Anjo Custódio de Portugal é realizada

em 10 de Junho, coincidindo com o Dia de

Portugal, depois de ter sido restaurada e aprovada

pelo Papa Pio XII que fez fé no testemunho dos

três pastorinhos de Fátima a quem o Anjo

Custódio de Portugal aparecera diversas vezes em

1915 e 1916 anunciando as posteriores aparições

de Nossa Senhora nesta sua Terra de Santa Maria,

tendo dado às três crianças a comunhão com o

“preciosíssimo, corpo, sangue, alma e divindade

de Jesus Cristo”. Pio XII não fez mais que

restabelecer o que o seu antecessor Leão X

instituíra em 1504 a pedido do rei D. Manuel e dos

bispos portugueses, a Festa do Anjo Custódio do

Reino, cujo culto já então era muito antigo em

Portugal.

A data da festividade do Anjo Custódio

não foi sempre a mesma. Antes de determinação

de Pio XII, ela festejava-se ou no terceiro domingo

de Junho ou de Julho, ficando aquele mês para a

celebração que quase desapareceu no século XIX,

com as derrotas napoleónicas e os triunfos liberais

e depois republicanos fazendo cair a devota e

esplendorosa festa que equiparou com a

importantíssima do Corpus Christi desde o reinado

de D. João I, até que finalmente o supradito Papa

restaurou a celebração do Anjo Custódio de

Portugal já no século XX, ainda que não tenha a

pompa e grandeza de outrora.

O facto da população portuguesa desde

muito cedo ter-se posto sob a guarda do Arcanjo

São Miguel, deve-se ao facto dele ser o vencedor

da morte, como é crença geral, pois que na sua

função psicopompa ou de condutor de almas

conduz estas do mundo dos vivos pelo oceano dos

mortos ao Paraíso celeste. O simples facto de

evocar São Miguel era já meia garantia que ele

atenderia o rogo do crente na hora final e o

conduziria com segurança, evitando o mundo

tenebroso das almas danadas, ao Reino dos Céus

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

24

onde soberanamente o Trono de Deus resplandece,

facto reproduzido ao nível imediato, simbolica-

mente, pelo trono dos reis de Portugal.

Como Anjo da Guarda, São Miguel assiste

protector a um e todos os portugueses e a todo

Portugal, tal a devoção geral que lhe é consagrada.

O culto do Anjo da Guarda radica na crença

primeva e universal de que todos os seres humanos

são assistidos pessoal e colectivamente, a título

vitalício, por daimones ou génios protectores,

equivalentes aos djins citados no Alcorão. A Igreja

Católica do Oriente e do Ocidente perfilhou a

crença e celebração dos Anjos da Guarda quase

desde o seu início, fundada em duas passagens

bíblicas, uma do Antigo Testamento e outro do

Novo Testamento, ou sejam, em Salmos, XCI, 10-

12, “Deus mandou aos Seus Anjos que te guardem

em todos os caminhos”, e em Mateus, XVIII, 10,

“Tende cuidado em não escandalizar a um destes

meninos, porque os seus Anjos vêem sempre a

Face de Meu Pai, que está nos Céus”. Já Orígenes,

nos séculos II-III d. C., advogava que “junto de

cada homem há sempre um Anjo que o ilumina,

protege e guarda de todo o mal”. Acrescentando

Manuel J. Gandra (20): “O Anjo da Guarda, como

conselheiro e hierofante do ser humano e o guia

mais seguro para aceder ao mundus imaginalis,

‘orientado pelo mistério do pressentimento’ (como

sublinha Câmara Cascudo), era devoção já

implantada em Portugal na centúria de

Quinhentos. A evocação de uma tal intimidade

teofânica com o ‘divino e invisível companheiro’,

de resto consentânea com as exigências

ontológicas e hermenêuticas da filosofia profética

portuguesa, supõe, contudo, a obediência a regras

protocolares bem definidas, a que não é indiferente

o teor vertigínico de considerável número de

preces destinadas ao seu obséquio”. Ora este Anjo

Custódio da crença individual e colectiva portu-

guesa é exactamente São Miguel, reconhecido

Guerreiro Celeste cujas armas sagradas sempre

prontas para a peleja contra o mal, são a garantia

da perpétua Assistência Divina na Terra e no Céu

às armas e almas de Portugal, de cujas ermidas,

capelas, igrejas e catedrais sobem nuvens de

incenso e orações perfumadas das bocas fiéis

osculando o santo nome do divino Custódio, num

preito sentido de profunda gratidão e saudade do

Céu donde um dia todos desceram para a Terra, a

ponto de Bernardim Ribeiro no seu Livro das

Saudades ou Menina e Moça (1554), apodá-lo

graciosamente de Anjo da Saudade.

Apesar de tudo e mercê de duas esculturas

de São Miguel e do Santo Anjo Tutelar do Reino

patentes na capela de São Pedro de Alcântara na

Basília Real de Mafra, anacronicamente há quem

consigne ambos como entidades distintas em guisa

de despromoção do Capitão dos Céus, acto

literício talvez inconsciente provocado por

bibliografia excessiva nem toda conformada ao

tema previsto que leva a perder o rumo e ao

cometimento de imprecisões elementares, segundo

me parece, atendendo a que os predicados

canónicas e litúrgicos de São Miguel dispõem-no,

como resultante dos mesmos, na função de Anjo

Tutelar, pelo que um e outro são a mesma

entidade, um como princípio e outro como função.

Nem os testemunhos documentais históricos, nem

a própria tradição angeológica, nem coisa

nenhuma afirmam o contrário, pelo que manifesto

a minha absoluta estranheza sobre essa

prerrogativa de origem avulsa singular sem

aceitação colectiva.

A escultura de mármore de corpo inteiro,

em tamanho natural (2,450 m de altura), do Santo

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

25

Anjo Tutelar do Reino retrata um mancebo de

olhar resoluto e gestos firmes. Possuído da

dignidade dos Arcanjos, segura na mão direita as

Armas Portuguesas pelas quais deve zelar. Como

os restantes Arcanjos (S. Miguel, S. Gabriel e S.

Rafael) seus companheiros de capela, o Anjo

Tutelar apresenta uma superior expressão corpórea

em comparação com as restantes peças da galilé e

do interior da igreja. Trata-se de uma aparente

contradição pois é sabido que estes Seres apenas

assumem uma forma, um corpo, para que os

humanos possam vê-los. Por isso o seu corpo não

corresponde a nenhum modelo real, não sendo

pecaminoso em si nem para o olhar que o

apreende. Por extensão, o Santo Anjo Tutelar do

Reino tem as mesmas prerrogativas que os seus

congéneres: louva constantemente a Deus e, como

guerreiro, protege o Reino de ataques externos,

físicos e psíquicos, ao mesmo tempo que contribui

para a sua expansão territorial (21).

Apesar de vários autores, sobretudo

Joaquim da Conceição Gomes (22) e Ayres de

Carvalho (23), atribuírem a escultura do Anjo

Tutelar do Reino a Filippo della Valle cerca de

1733, contudo, na década de 90 do último século

Alain Jacobs pretendeu invalidá-la dando-a como

obra do artista belga Laurent Delvaux (1696-1778)

(24), informação reiterada por Teresa Leonor M.

Vale (25). Talvez o belga Laurent Delvaux possa

ser o autor da peça em questão, talvez até tenha

frequentado a Escola de Arquitectura e Belas-

Artes de Mafra e talvez mesmo colaborado com

algum dos mestres da mesma, mas há um “senão”:

a obra escultórica do Convento de Mafra é

exclusiva de artistas portugueses/italianos,

também nisto conformados à ideia subjacente da

translatio imperii que assiste de raiz ao imóvel, ou

seja, a trasladação da Arte do 4.º Império (Roma,

Itália) para o Saber do 5.º Império (Lisboa,

Portugal) retratada neste monumento régio-

religioso da Utopia por ser todo ele consagrado ao

tema quinto-imperial. Alemães, belgas, franceses,

ingleses, espanhóis, etc., frequentaram a Escola de

Mafra, sim, mas as suas pressupostas obras não

têm aqui a fama da exposição pública. Com isso,

permito-me duvidar da veracidade desse

desmentido que parece-me ser mais uma tendência

nacionalista francófona que propriamente uma

conclusão científica isenta de tendenciosismo.

Se o Anjo Custódio de Portugal aparece ao

lado de São Miguel, falta a expressão terreal deste

em Mafra, ou seja, São Jorge, que mesmo assim

foi projecto monumental destinado a figurar

possivelmente no largo defronte à basílica mas que

não passou de esquisso ou molde o qual ainda

existe nas arrecadações deste convento. Tudo

tresandando a simbolismos e significados

transcendentes…

De tudo o dito, concluiu-se a presença de

uma só Entidade em três funções distintas em

guisa de “Senhor dos Três Mundos”:

São Miguel (In Divinus) – Supramundo

(Spiritus).

Anjo Custódio (In Patris) – Mundo

(Anima).

São Jorge (In Regnum) – Inframundo

(Corpus).

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

26

Como Alma (Anima) o Anjo Custódio está

relacionado à tradição romana do Genius Loci, isto

é, o Génio, Jina ou divindade tutelar local, espécie

de Egrégora ou “Alma Psicomental” criada pela

colectividade servindo de veículo a acção do

respectivo deus protector da cidade, do país e até

do continente, conforme a sua grandeza

hierárquica da categoria de Arcanjo ou Agnisvatta,

em sânscrito, isto é, “Senhor do Fogo”, a quem os

Rosacruzes chamavam “Espírito de Raça” (26) e

os romanos de “Génio do Lugar” (27).

Vultuoso número de autores conceituados

na historiografia religiosa nacional partilham a

unanimidade identitária de São Miguel e o Anjo

Custódio serem um só, distintos nas funções mas

de essência única, ou seja, o mesmo Ser. Diz

António Carvalho da Costa (28):

“No ano de 1329, em que reinava D.

Afonso IV, era Abade deste Mosteiro Paio da

Vaia, e confessava dever cento e dois jantares a

cada ano a D. Rodrigo, Bispo de Tuy. Haverá

cento e tantos anos que daqui foi Abade Diogo

Anes Aranha, instituidor da Capela do Outeiro, de

que falámos na Freguesia de Pacó. Deviam já ser

anexas desta Freguesia as de S. João da Parada e

S. Lourenço do Cabrão, em que o Reitor apresenta

Vigário, dois dízimos e outros foros que fez a

Comenda de Cristo, que tem trezentos mil reis.

Tem esta Freguesia 120 vizinhos com um Reitor,

que apresenta o Ordinário, e há nela uma Capela

de S. Miguel o Anjo, Ermida antiga, que no tempo

da Rainha D. Teresa se chamava S. Miguel de

Veiga, e nela eram obrigados os Bispos de Tuy a

cantar cada ano uma Missa por sua Alma, e pelos

Reis seus sucessores. A esta Ermida vai a Câmara

dos Arcos no terceiro Domingo de Julho, em que

se festeja o Anjo Custódio, acompanhando o seu

Mordomo, que sempre é mancebo nobre, e

solteiro; dizem Missa; voltam a ensaiar os cavalos

a Requeijó, onde lhes dão um refresco de doces.

Chegam ao terreiro da Vila, ali correm suas

parelhas, lançam canas, e fazem uma escaramuça

dobrada, com perfeição grande. A Rainha D.

Teresa, quando deu à Sé de Tuy este Mosteiro,

deu-lhe mais a Igreja de S. Miguel de Aurega na

ribeira do Lima, que devia então ser Paróquia.”

O mesmo autor, na página 7 da sua obra

citada, descreveria sobre a presença cultual

histórica do Anjo Custódio em Guimarães:

“Com a muita concorrência de Romeiros,

e devotos que vinham visitar a sagrada Imagem da

Virgem Santa Maria, edificaram-se junto do seu

Mosteiro algumas casas, que assim como podiam

ser para acolhimento e agasalho dos que vinham

visitar esta Senhora, também podiam ser para

morada de alguns seus devotos; e como elas foram

fundadas contíguas umas com as outras, lhe

puseram o nome de Burgo, e aos seus moradores o

de Burgueses. Este foi o primeiro fundamento da

nova Vila de Guimarães, e este o seu princípio que

foi muitos anos depois da Vila Velha, como tenho

mostrado pelos Autores citados, e o reforça e

verifica esta verdade que antes da Vila Velha

experimentar as suas últimas ruínas, tinha

jurisdição dividida da nossa e ambas eram

governadas por diferentes Ministros; tanto assim

que ainda hoje numa Procissão, que costuma fazer

todos os anos a Câmara ao Anjo Custódio na

terceira Dominga de Julho, que sai da igreja

Colegiada com o seu Cabido e mais Clérigos da

serventia dela, vão os Vereadores com suas varas

em corpo de Câmara acompanhados do seu

Procurador, Misteres e Escrivão, e os Ministros da

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

27

Justiça, Corregedor, Provedor e Juiz de Fora, e

entram na Vila Velha, e na sua igreja de São

Miguel reza o Cabido certas orações; e quando

esta Procissão sai da Colegiada, leva o Juiz de

Fora um pendão de cor vermelha, e nele um painel

do Santo Anjo, e chegando ao distrito da Vila

Velha, o entrega ao Vereador mais velho, em

razão deste não poder entrar com vara alçada onde

não tem jurisdição; e no presente se está

observando este estilo.”

Por sua vez, Nicolau de Oliveira enfatiza o

culto particular de D. Manuel I a S. Miguel

Arcanjo Custódio de Portugal na sua capela do

Hospital de Todos os Santos, em Lisboa (29):

“O Mestre de Capela serve a Capela do

Anjo Custódio [no Hospital de Todos os Santos,

em Lisboa], tem de obrigação Missa quotidiana

por El-Rei D. Manuel, tem de ordenado sessenta e

dois mil réis, a saber de Capelão quarenta, e dois

para sobrepeliz, dezasseis de mestre, quatro mil

réis e um moio de trigo para um tiple, e não o

tendo não o haverá, tem mais um alqueire de grãos

para a Quaresma, um quarto de carneiro por dia de

todos os Santos, outro pela Páscoa, e pelo Natal

entra com os outros Capelões na repartição de um

porco, tem mais cada sábado noventa réis para a

barba.”

Assinalando a festa do Anjo Custódio em

todo o País no mês de Julho, fazendo um apanhado

geral dos eventos relacionados à mesma, D.

António Caetano de Souza registou (30):

“O Anjo Custódio do Reino de Portugal se

festeja em todo ele na terceira Dominga do mês de

Julho, com solene Procissão, em todas as Cidades

e Vilas que são cabeças de Comarcas, a que o

Senado das suas Câmaras com o Cabido, são

obrigados a assistir. Foi estabelecida esta Festa

pela devota piedade do invicto Rei D. Manuel,

para a qual alcançou Breve da Sé Apostólica, e se

celebra com Ofício de Rito Duplex Maius em todo

o Reino, e nas Ordens do seu governo incorporou

a obrigação desta solenidade por Lei a seus

vassalos” (p. 213). “D. Manuel, em quem a

piedade da Religião Católica tinha tanto lugar, que

não sei, quando leio a sua vida, se foi a maior de

todas as suas virtudes. Para fazer perpétua esta

Festa, alcançou da Sé Apostólica um Breve, para a

celebrar na terceira Dominga do mês de Julho ao

Anjo Custódio do Reino, que com ofício particular

se reza no Arcebispado de Lisboa. Ordenou

também, que com Procissão solene seja esta Festa

celebrada, o que mandou incorporar por Lei na

Ordenação do Reino, liv. I tit. 66§ 48. O Senado

da Cidade de Lisboa, em obséquio desta Lei, faz

Procissão, acompanhada do Cabido e de todas as

Comunidades, Clero e das Bandeiras dos Ofícios,

que se juntam como no dia de Corpo de Deus, e

correm as ruas naquele dia; porque assim o

determinou El-Rei D. Manuel, querendo que fosse

este dia tão solene como o do Corpo de Deus.

Desta piedosa acção se lembra Damião de Góis na

Chronica do dito Rey, part. 4 cap. 86; e Mariz Dial

4, cap. 19; Faria na Europa Port. tomo 2, part. 4,

cap. I, num. 104; o Padre António Vasconcelos no

Tratado do Anjo da Guarda, liv. I cap. I, part I,

pág. 2; e Pegas no Tit. 5 ad Ord, lib. I, tit. 66, n.

48. Na Vila de Guimarães, se leva em Procissão

um Anjo grande de prata dourada, que foi tomado

na célebre batalha de Aljubarrota, que o invicto

Rei D. João I deu à Igreja Colegiada de Nossa

Senhora da Oliveira, a quem deveu esta insigne

vitória” (p. 217).”

Acerca das ofertas do rei D. João I à

Colegiada vimaranense da Senhora da Oliveira, há

o seguinte registo histórico da autoria de Vilhena

Barbosa (31):

“Entre os mais objectos preciosos tomados

na batalha de Aljubarrota, e oferecidos a Nossa

Senhora da Oliveira, figuravam doze anjos de

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

28

prata doirada. Os cónegos desfizeram onze destes

anjos para ornar o seu templo com mais alguns

castiçais, turíbulos, navetas e outras peças.

Deixaram todavia um para memória, que existe no

tesouro da Colegiada e tem de peso 24 marcos.

Antigamente costumavam conduzir este anjo na

procissão do Corpo de Deus, pondo-lhe nas mãos

o Santíssimo Sacramento. Depois, pelos anos de

1540, e de então até à actualidade, deixou de tomar

lugar naquela festividade, para sair tão-somente na

procissão do Anjo Custódio. E para que

representasse bem o do Anjo Custódio de

Portugal, puseram-lhe na mão esquerda o escudo

das armas portuguesas, e na mão direita uma

espada! Por felicidade tem este anjo uma

inscrição, que diz: Esta obra mando fazer em

noble sñor rey Don Juan, hijo del noble sñor rey

Don Enrique. Refere-se a D. João I de Castela,

filho de D. Henrique II. Alguns dos outros anjos

que se desfizeram, tinham sido feitos por ordem

deste último monarca, conforme se lia nas

respectivas inscrições.”

O ciclo dos Descobrimentos Marítimos em

Quatrocentos e Quinhentos foi posto sob o

padroado do Divino Espírito Santo intercedendo

através do Anjo da Guarda S. Miguel, e foi assim

que o nome da Ilha de S. Miguel, arquipélago dos

Açores, e a sua descoberta atribuem-se à aparição

desse Arcanjo aos navegadores portugueses. É

curiosa a relação entre Santa Maria (primitivo

nome religioso de Portugal, Terra de Santa Maria)

e S. Miguel, que da primeira ilha açoriana

descoberta passou depois à segunda onde é

padroeira, como se pretendesse o Arcanjo na

primazia celeste sobre o oceano dos mortos, e a

Mãe na primazia terrestre sobre o oceano dos

vivos. Diz António Cordeiro (Angra, 1641 –

Lisboa, 2.2.1722) (32):

“Mas deixando estas fábulas, a verdade é

que vindo desta segunda vez o ditoso Frei Gonçalo

Velho Cabral, e pondo a popa no Norte da Ilha de

Santa Maria, foi dar directamente na ilha que

buscava a 8 de Maio de 1444, dia da Aparição de

S. Miguel o Anjo: e assim o descobridor lhe

chamou logo Ilha de S. Miguel, governando já

então em Portugal o Infante D. Pedro, filho de el-

Rei D. João I, e irmão de el-Rei D. Duarte, que

também já era falecido, e tinha deixado de só seis

anos a D. Afonso V, a quem o dito D. Pedro seu

tio entregou o governo do Reino em 1448, e aqui

chegaram então a estas duas ilhas, de Santa Maria,

e S. Miguel, ilhas dos açores, ou por se verem

alguns nelas que de fora vinham, ou por nelas

haverem muitos milhafres, que no pilhar se

parecem com os açores, e ultimamente Ilhas

Terceiras, como em seu lugar veremos” (p. 172).

“Foi esta segunda vinda dos descobridores, e

povoadores portugueses da Ilha de S. Miguel, no

ano de 1445 do nascimento de Cristo, a 29 de

Setembro, dia da dedicação de S. Miguel o Anjo,

tendo já sido na primeira vinda a aparição do

mesmo S. Miguel a 8 de Maio do ano antecedente

de 1444, que parece que quis Deus denotar que até

então andavam diabos naquela ilha, veio o Anjo S.

Miguel lançá-los dela, como no princípio do

mundo lançou do Céu aos diabos; e que se de todo

o Género Humano um divino Guarda-Mor, um S.

Miguel o Anjo, quis ser desta ilha o seu especial

Anjo da Guarda; vejam lá agora lá os moradores

dela quanto devem como Anjos proceder, ou

seguir a S. Miguel, lançando fora de si o pior do

pecado, e quanto devem celebrar um seu tão

grande Anjo” (p. 175).”

Com a inclusão da missa do Anjo

Custódio de Portugal no Missal de Braga (33), as

evocações, prédicas e sermões sobre o mesmo

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

29

encheram de graça e fervor as assembleias

seculares na unidade da aclamação do “Anjo nosso

protector”. Pelo valor que possui e a raridade

literária que hoje é, acho por bem encerrar este

estudo com a transcrição integral do Sermão do

Anjo Custódio de Portugal do Padre Manuel da

Silva, proferido no terceiro domingo de Junho de

1677 na Sé Patriarcal de Lisboa (34):

1. Tendo em nós as memórias dos

benefícios recebidos uma devida correspondência,

ou significação do nosso agradecimento: Qui

meminit sine impendio gratus: assaz devidas são

as memórias que hoje consagramos ao Anjo

Custódio deste Reino de Portugal; pois são tão

singulares os benefícios, que sua protecção e

assistência temos recebido, e recebemos. Para que

em nós fosse perpétuo o agradecimento do

benefício que recebemos no Sacramento do Altar,

ordenou Cristo Senhor nosso que houvesse em nós

uma perpétua memória de tão singular benefício:

Hac quotiesumque feceritis, in mei memoriam

facietis. E porque mais deste que de outros muitos

benefícios, que de sua liberal mão recebemos, há-

de haver tão contínua e agraciada memória? A

razão, acho eu, que é porque no Sacramento do

Altar assiste-nos Cristo, e nos há-de assistir até ao

fim do mundo em tantas custódias, quantas são

aquelas em que se acha pelos Sacrários dos

Templos, fazendo-nos perpetuamente corpo de

guarda com a presença de seu Corpo

sacramentado: Ecce ego vobiscum sum usque ad

consumationem saeculi. E uma custódia, e

assistência tão contínua a de Cristo no

Sacramento, bem mereceu uma perpétua memória

em sinal do nosso agradecimento: In mei

memoriam facietis. A assistência, que o Anjo da

Guarda deste Reino faz a Portugal, não é um de

ano; é e há-de ser perpétua até ao fim do mundo:

Usque ad consummationem saeculi. E ao benefício

de uma assistência tão contínua, de uma custódia

tão prolongada, justo agradecimento corresponda à

perpetuidade da memória, que neste dia lhe

consagramos, instituído já desde o tempo de El-

Rey D. Manuel, e confirmada por especial Breve

da Sé Apostólica.

2. Mas que tem de combinação a memória,

que hoje consagramos ao Anjo Custódio deste

Reino, com matéria do Evangelho, que a Igreja

nos oferece nesta solenidade? Eu o direi, depois de

fazer uma pergunta sobre o mesmo Evangelho.

Escreve S. Mateus que na ocasião em que Herodes

tratava de opor-se ao Reino de Cristo aparecido de

poucos dias no mundo, aparecera em sonhos a S.

José o Anjo do Senhor: Angelus Domini apparuit

in somnis Joseph. Pergunto agora: Este Anjo do

Senhor era porventura Anjo da Guarda do Menino

Deus? Claro está que não, pois é certo que Cristo

não tinha, nem necessitava de ter Anjo Custódio,

por quanto além da Divindade ter à sua conta

resguardar a Humanidade unida em um suposto;

Cristo ainda em quanto homem não era puramente

vidente, como nós somos; era singularmente

compreensor, como o são os bem-aventurados.

Logo de quem era guarda esse Anjo? Sem dúvida

que era Guarda-Mor do Reino de Cristo. Ao Reino

de Cristo se opunha Herodes, pois ao Reino de

Cristo vem resguardar este Anjo; se todos os

Reinos têm Anjo Custódio, não lhe havia de faltar

o seu Anjo Custódio. O Reino de Cristo na Terra

somos nós os fiéis, e isso fez dizer S. João no seu

Apocalipse: Fecisti nos Deus nostro regnum. E

como nesta ocasião as principais pessoas deste

Reino Espiritual eram os que se contêm no nosso

Evangelho, trata o Anjo de as resguardar da tirania

de Herodes na forma que encomenda a S. José:

Surge, et accipe puerum, et matrem ejus, et fuge in

Aegyptum. E bem sabem, os que me ouvem, que o

Reino de Portugal se chama com especialidade

Reino de Cristo: não só por que nele tem os mais

fidelíssimos vassalos, que militam debaixo da

bandeira e estandarte da sua Fé, se não também

porque o mesmo Senhor o escolheu já desde os

seus princípios para Reino e Império seu,

conforme a palavra que deu ao seu primeiro Rei

[D. Afonso Henriques]: Volo inte, et in semine tuo

imperium mihi stabilire. Pois para que se entenda

o desvelo com que o Anjo Custódio deste Reino

de Portugal se empenha em o resguardar; saiba-se

o desvelo com que o Anjo do Senhor, de quem

fala o Evangelho, se empenha em defender ao

Reino Espiritual de Cristo. Pelo desvelo de um

Anjo quer a Igreja que se conheça hoje o desvelo

de outro, quando assim um como outro ambos são

Custódios do mesmo Reino de Cristo, um do seu

Reino Espiritual, outro do seu Reino de Portugal.

E suposta esta consideração, segue-se que

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

30

saibamos de que meio se vale hoje o Anjo do

Evangelho para resguardar de todo o perigo ao

Reino Espiritual de Cristo; que deste mesmo eu

quero mostrar do que se vale o Anjo de Portugal

para seu resguardo, e conservação. O meio

consiste numa palavra, e é a última do nosso tema:

Surge, de que eu faço escolha para matéria do

Sermão; e não poderá haver queixa de ser

comprido, não passando o discurso de mais que a

ponderação de uma só palavra.

3. Surge, diz o Anjo do Evangelho a S.

José; e considero eu que diz também o Anjo

Custódio deste Reino a Portugal: Despertai,

acordai do sono em que vos achais. Vigilância

encomenda o Anjo, e com razão; pois não há

melhor meio para o resguardo e conservação dos

Reinos e estados do Mundo que o desvelo. Se há

sono, se há descuido, por mais florescentes que se

achem as Monarquias correm grande perigo de se

perder. O primeiro, e mais florescente estado que

no Mundo houve, foi o estado da inocência no

Paraíso Terrenal. E quanto durou esse estado? Não

chegou a sua duração a número de anos, nem

sequer de dias na melhor opinião, que não são de

muita dura na Terra as felicidades do Céu, de que

participava aquele estado; em breves horas acabou

e se perdeu para sempre, vindo Deus em pessoa a

lançar fora do Paraíso aos que o dominavam:

Emisit eos Dominus de Paradiso (Gen. 3.13). E

não saberemos a origem de tal desgraça? Já se

sabe, que contra o estado da inocência só podia

prevalecer a culpa. Mas esta culpa donde teve a

sua origem? De uma Eva. E esta Eva donde teve o

seu princípio? De um sono, de um descuido. Pôs-

se a dormir Adão no mesmo ponto em que tomou

posse daquele estado; o sono, não há dúvida, que

foi misterioso, pois foi infundido por Deus: Immist

Dominus soporem in Adam (Gen. 2.21); com tudo,

é certo que naquele sono se tirou a Adão do lado

uma costela; daquela costa se formou uma Eva; e

daquela Eva se originou a perdição de tão solene

estado. E eis aí o estado da inocência perdido. Por

quem? Por uma Eva originada de um sono.

4. Passemos do estado da inocência aos

estados e Impérios do Mundo representados em

sonho a Nabuco naquela sua grande e portentosa

estátua; e acharemos que quando mais se

prometiam na dureza dos metais de que se

compunham, eterna duração contra a violência dos

tempos e contínuos assaltos dos anos, ao golpe de

uma pequena pedra que descida do monte e lhe fez

tiro aos pés, se arruinaram, e converteram em

cinzas todas essas Monarquias desde os pés até à

cabeça; sem lhe valer nem a cabeça ser de ouro,

nem aos braços e peito o serem de prata, nem ao

bojo o ser de bronze, nem às mais partes o serem

de ferro: Lapis abscissus de monte percussit

statum in pedibus: tunc contrita sunt pariter

ferrum, testa, es, argentum, et aurum (Dan. 2.

34.35). Agora, noto eu, que esta fatal ruína e

assolação de tão florescentes estados e Monarquias

não a representou Deus a Nabuco estando

acordado, senão estando dormindo, e sonhando:

Vidi sonium (Dan. 5.1). E porque lha não

representou estando acordado? Estando acordado

tinha os olhos abertos, estando dormindo tinha os

olhos fechados. Logo, quando tinha os olhos

abertos na vigia e não quando tinha os olhos

fechados no sono, parece que dizia melhor o

representar-lhe Deus a ruína destes Impérios. Não,

a ruína dos Impérios não o diz com os olhos

abertos, não o diz com o acordo da vigilância,

porque se há vigilância, se há acordado, não pode

haver ruína: diz com os olhos fechados, diz com o

desacordo do sono; se há sono, se há descuido,

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

31

num abrir e fechar de olhos se arruínam os mais

florescentes Impérios e estados, as mais dilatadas

Monarquias, por mais rios de prata e ouro em que

nadem, por mais peitos de aço, ou de bronze, com

que se armem, por mais armas de ferro com que se

fortifiquem: Vidi somnium: Contrita sunt pariter

terrum, tosta sed argentum et aurum. Daqui tiro eu

que para que o Reino de Deus floresça e

permaneça, para que o Reino de Portugal se

conserve e perpetue na duração sem perigo de

ruína, quer o Anjo do Evangelho falando com

José, quer o Anjo Custódio deste Reino falando

com cada um de nós, que não haja sono, que não

haja descuido algum, mas vigilância, e desvelo:

Surge.

5. Dir-me-ão que sendo Reino de Deus o

que o Anjo do Evangelho vem a defender, sendo

Reino especialmente de Cristo o Reino de

Portugal, parece que seguramente pode o Anjo

Custódio o deixar dormir e descansar; pois está

sabido que um tal Reino como o de Cristo não há-

de perigar, não há jamais de arruinar-se ou acabar,

quando o mesmo Anjo nos está dizendo que não

há-de ter fim: Regni ejus non erit finis (Luc. 1.33).

Contudo, nem por isso se há-de dar à confiança,

nem por isso se há-de deitar a dormir, porque

acode o Anjo; antes por isso mesmo, porque é

Reino seu que há-de vigiar, e estar de acordo com

mil olhos sobre si: Surge. Haverá alguém,

pergunta Job, que possa fazer com que o Céu

durma e descanse, sequer por um pouco, dando um

breve parêntesis de sono ao suave descante de

harmonia com que regularmente se governa?

Concentrum caeli queis dormire faciet? (Job

38.37). Isso não se fará possível, diz o

Eclesiástico, porque as Estrelas, que são os seus

olhos, jamais cessam de estar de vigia em perpétua

sentinela: Stella in vigiliis Suis non descient

(Ecles. 43.11). Se o Céu é Reino, que chamamos

especificamente de Deus, Adveniat Regnum Tuum,

se é centro de todo o alívio, lugar de todo o

descanso, e remanço de todas as fadigas, porque o

Céu não há-de estar com tantos olhos abertos

sobre si, quantas são as suas Estrelas? Ainda

quando a noite convida a todos a fechar os olhos,

não há-de pregar olhos o Céu? Não: Stella in

vigiliis suis non descient, isso mesmo porque é

Reino de Deus, que há-de durar para sempre:

Caeli regnum in aeternum non dissipabitur (Dan.

1.44). E Reino que há-de durar para sempre nunca

há-de pôr os olhos, mas sempre a vigiar sem haver

quem o possa fazer dormir, ou descuidar de si:

Concentum caeli quis dormire faciet? Sim, mas o

Céu não necessita destas vigias para se segurar;

que pela segurança que tem, costumamos nós

dizer, seguro está o Céu de ladrões; Seguro está, é

verdade, mas por isso mesmo está seguro porque

não dorme, porque não cessam seus olhos de

vigiar: Stellae in vigiliis suis non deficient. E como

se poderá dar por seguro o Reino de Portugal,

ainda que seja Reino especialmente de Cristo, se

nele faltar aquele desvelo que o Anjo Custódio

quer que haja: Surge? Sem dúvida que por falta

desta vigilância temos visto nestes nossos tempos

tão repetidas ousadias de ladrões por mar, com

descrédito do nome Português, e dizem que

também por terra. Mas já agora pela mercê de

Deus a poder dos brados do seu Anjo Custódio,

parece que vai Portugal despertando da modorra

do seu descuido; pois o vemos tão desvelado por

sair da terra ao mar. Ora desperta Reino de Deus,

abre os olhos, que ele é o meio da tua conservação,

que hoje se recomenda a brados o teu Anjo

Custódio: Surge.

6. O que eu acho ser muito digno de

advertência, é que julgando o Anjo do Senhor no

Evangelho ser necessária para a conservação do

Reino de Cristo a vigilância, o Anjo não desperta

ao Menino Deus, que é o Príncipe deste Reino,

senão a José, que é o vassalo: Apparuit in somnis

Joseph, dicens: Surge. Ao Príncipe, cuidava eu,

que havia de despertar, que do sono e descuido dos

Príncipes, das modorras e letargo dos Monarcas é

que se originam as maiores inquietações e

predições das Repúblicas [entenda-se “República”

como a ordem do que é público e comum]. No

meio daquela tormenta, em que dormindo Cristo,

se davam seus Discípulos por perdidos na sua

Naveta, foi advertir o Evangelista S. Mateus que

todos acudiam a despertar ao Senhor:

Suscitaverunt eum, dicentes: Domine, salva nos,

perimus (Mat. 8.25). Senhor, se vós não acordais e

não nos acudis, a braveza da tormenta é tal, a fúria

das ondas tanta, o impacto dos ventos tão

contrário, que não podemos deixar de nos afundar:

Perimus. Eu cuidava, que como os Discípulos

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

32

eram tão peritos e exercitados naquela navegação

por razão das suas pescas, que fizessem o que

costumam fazer os navegantes em ocasião de

tempestades: que acudissem uns a tomar as velas,

outros a pegar os remos, outros a governar o leme,

outros finalmente a alijar ao mar e aliviar a

embarcação, que isso pedia o aperto em que se

achavam. Mas acudiam todos a despertar o

Senhor: Suscitaverunt eum, e pedir-lhe que os

salvasse: Salva nos; sem porém haver da sua parte

algum culto de trabalho para se salvar? Assim é

que todos queremos a salvação e a pedimos a

Deus: Domine, salva nos, mas sem culto nosso,

esperando que Deus ponha todo o culto para nos

salvar. Bem é o valer de Deus nos apertos, mas

também é necessário que nos valhamos das nossas

mãos; que a mão de Deus e a do Homem é que

fazem boa liga para conseguirem a salvação, que

isso dizia Deus a Moisés: Extende manum tuam,

extendam manum meam (Exod. 34.20). Estendei a

vossa mão, que eu também estenderei a minha:

mas sabei que a minha sem a vossa não vos há-de

valer para vos salvar. Contudo, os Apóstolos nessa

ocasião da tormenta de que falamos, persuadiram-

se, e com razão, que assim como a braveza do mar

tomou confiança para os inquietar, por ver ao seu

Príncipe adormecido, Motus magnusfactus est in

mari, ipse vero dormiebat, assim despertando o

Príncipe num abrir de olhos, se veria logo evitado

o perigo e serenada a tempestade, como na

verdade aconteceu: Surgens imperavit mari, et

facta est tranquillitas magna. Notem o Surgens.

Despertando o Príncipe, todos ficaram salvos; em

quanto dormia, todos se davam por perdidos:

Perimus.

7. Sendo pois isto assim: porque não

desperta hoje o Anjo Custódio a Cristo, que é

Príncipe, senão ainda a José que era vassalo, era

muito do lado deste Divino Príncipe; e os

Príncipes pelos lados é que se costumam despertar.

Temos exemplo muito semelhante com o

documento de outro Anjo. Preso, e carregado de

algumas cadeias se achava S. Pedro no cárcere de

Herodes, sem que a moléstia dos grilhões lhe

tirasse o repouso, em que pastava dormindo

descansadamente entre dois soldados que o tinham

de guarda: Erat Petrus dormiens inter duos milites

(Act. 11.6). Que aos servos de Deus os trabalhos e

perseguições não lhes tiram o sono. E diz o Texto

Sagrado que vindo um Anjo do Céu a despertá-lo,

o despertara pelo lado: Percusso latere Petri,

exeitavit illum: dando-lhe um golpe no lado o fez

acordar. E porque mais pelo lado que por outra

qualquer parte do seu corpo, o desperta o Anjo?

Tudo na Escritura Sagrada tem o seu mistério, e o

deste lugar está claro: era Pedro Príncipe da Igreja,

Princeps Apostolorum; e os Príncipes pelos lados

é que se devem despertar, como despertou Pedro

dando-lhe um golpe no seu lado: Percusso latere

Petri, excitavit illam. Se os golpes que se dão nos

lados são meio que os Anjos Custódios tomam

para despertar os Príncipes, e por meio dos

Príncipes os Reinos, muito desvelado mostra-se o

Anjo Custódio a Portugal, pois temos visto nestes

nossos tempos tantos golpes mortaças pelos lados

do maior valimento. Sendo logo José tanto do lado

do Divino Príncipe, parece pudermos dizer que por

este seu lado o quis hoje o Anjo despertar: nem foi

necessário dar golpe no lado, bastou o brado de

uma vez: Surge; que não devia o sono de José ser

tão profundo como o de Pedro, que necessitasse de

golpes para despertar. Eu porém direi que a José,

que era o vassalo, e não ao Menino Deus, que era

o Príncipe, desperta hoje o Anjo do nosso

Evangelho, porque de tão Divino Príncipe não se

pode supor que dorme, ou se descuida no tocante

ao nosso bem; pois sabemos que David o descreve

tão desvelado por nossa Custódia, que não só mais

o viu nem verá dormindo em forma que se

descuide de nos falar, e resguardar: Non

dormitabit, neque dormiet, qui custodit Israel

(Psal. 120.4). O que importa é que não durmamos

nós, os vassalos, que nos não descuidemos no

serviço de tão Divino Príncipe, e no resguardo de

nossas almas, que são Reino de Deus que temos

dentro de nós mesmos: Regnum Dei intra vos est

(Luc. 17.21); por cujo respeito nos está o Anjo

despertando a brados: Surge. Praza a Deus, que ao

som destes brados acabamos nós todos de

despertar da modorra de nossas culpas, do

descuido de nossa salvação; que isso é o que o

Anjo Custódio pretende com as vozes tão

repetidas, que a cada um de nós está dando ao

coração: Surge.

8. Tenho porém contra o Anjo Custódio

deste Reino um grande queixume, e não o posso

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

33

dissimular. Se o Anjo Custódio deste Reino tem à

sua conta o desvelar-se por nos defender, e

resguardar, para que é despertar-nos com os seus

brados: Surge? Não basta que o Anjo vigie, não

basta que o Anjo se desvele? Vele o Anjo, que esta

é a sua obrigação; e deixemo-nos a nós dormir,

deixe-nos descansar. Não sabemos o que dizemos,

porque a vigilância do Anjo sem a nossa não basta

para nos salvar: é necessário que velemos nós

também por nossa salvação. Eu tenho feito um

notável reparo, e é que nas mais das ocasiões em

que na Escritura Sagrada se faz menção dos Anjos

se desvelarem pela Salvação e resguardo dos

homens, se faz justamente menção do muito que

se empenharam em fazer que os homens se

desvelassem, e despertassem do sono e modorra

do seu descuido. Ide comigo, e deixai-me fazer

esta breve indução. Desvela-se o Anjo, de que há

pouco falámos, por libertar a Pedro do cárcere e

prisões de Herodes; mas quer que Pedro também

se desvele por sua liberdade, despertando do sono

em que se achava: Surge velociter, et sequere me

(Act. 12.7-8). Desvelam-se os Anjos que foram

castigar a Sodoma, por salvar de seus incêndios a

Lot para que também desperte e se desvele por sua

salvação: Surge: in monte salvum te fac (Gen.

19.15-18). Desvela-se o Anjo do Senhor por

remediar e socorrer a Agar no desamparo do

deserto, em que se achava com o seu filho a perigo

de morte; mas quer que Agar também desperte e

se desvele por seu remédio: Surge: tolle puerum

(Gen. 21.18). Desvela-se o Anjo Custódio de

Jacob pelo resguardar de todos os encontros, e

perigos que se lhe oferecerão na Mesopotâmia;

mas quer que Jacob também desperte, e se desvele

por seu resguardo saindo-se da terra em que se

acha: Surge, et agredere de terra hac (Gen.

31.13). Desvela-se o Anjo Custódio de Israel por

defender e libertar a Gedeão, e aos do seu povo da

operação de um poderoso exército dos Madianitas;

mas quer que Gedeão também desperte, e se

desvele por sua liberdade e defesa saindo a campo:

Surge, et descende in costra (Jud. 79). Desvela-se

o Anjo de Elias pelo salvar e livrar com vida das

mãos e tirania de Jezabel, que lhe ameaçava a

morte; mas quer que Elias também desperte, e se

desvele por se pôr a salvo: Surge: grandis enim

tibi restat via (III Re. 19). Desvela-se hoje

finalmente o Anjo do Evangelho por salvar a José

e a sua família da crueldade de Herodes, que se

opunha ao Reino e ao Reinado de Cristo: Aparuit

in somnis Josphe; mas quer José também desperte,

e se desvele em pôr a salvo na fuga para o Egipto:

Surge, et fugem Aegiptum. É certo que todos e

cada um destes Anjos podem realizar o que

pretendem sem necessitarem do desvelo dos

homens; contudo, não quer Deus que, fiados nós

os homens no desvelo e custódia dos Anjos, nos

deitemos a dormir, e dormindo esperamos de nos

salvar. Quer, sim, que ao desvelo dos Anjos se

ajunte o nosso, que isto está hoje dizendo o Anjo

do Senhor a S. José, e isto está também dizendo a

cada um de nós o Anjo Custódio deste Reino:

Surge.

9. Donde venho eu pôr como remate deste

Sermão a tirar a consequência de um documento,

ou moralidade, a que se foi dirigindo aqui este

todo o meu discurso. Se para o resguardo e

salvação de um Reino Temporal não basta o

desvelo e custódia do seu Anjo da Guarda, é

necessário que o Reino também se desvele com o

seu Anjo: Surge. Como poderemos nós esperar

que baste para o resguardo e salvação de nossas

almas, que é o Reino Espiritual do Senhor, como

ao princípio dizia, Fesisti nos Deo nostro regnum,

a custódia dos Anjos, se não acabamos de

despertar do sono e letargo de nossas culpas aos

brados dos mesmos Anjos, que tão continuamente

nos estão dando vozes internas ao coração para

que despertemos, e tratemos de nossa salvação:

Surge, surge, qui dormis? Que durma um José

Varão Santo, e Justo, Cum esset justus, fiando em

que tem à sua cabeceira ao Menino Deus, passe;

que seguro está quem por si tem e consigo a Deus.

Mas que durma um pecador estando em ódio, e

inimizado com Deus, tão carregado de culpas e

encargos da consciência? Isto é para fazer pasmar

até aos bárbaros gentios, que não têm

conhecimento de Deus, nem da vida ou da morte

eternas que os espera: Quid tu soport deprimeris?

Fuge (Jon. 1.6): diziam a Jonas os seus

companheiros; quando naquela brava tormenta se

estava deitado a dormir lá pelo baixo dos convezes

da embarcação, que fazes homem? É possível que

durmas? Que repouses? Agora sono? Agora

descuido? Agora que os ventos se cruzam e

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

34

conjuram para a nossa perdição? Agora que o mar

se embravece, as velas se rompem, os mastros se

estalam, o leme se quebra, a Nau se está indo a

pique, e nós com a Nau, agora colocas-te tu a

dormir? Quid tu sopore deprimeris? Desperta

homem: Surge. De que se admiram ou

escandalizam estes bárbaros? De quê? E pois não

lhes sobeja razão para se admirar, e assombrar?

Jonas não é um homem, como ele mesmo

confessou aos companheiros, que vai fugindo de

Deus, A facie Domini ego fugio, desobediente aos

seus mandados? Não está actualmente fora da

graça de Deus, e em ofensa sua? A tempestade que

se levanta, não é por desrespeito seu? Ele mesmo o

confessa: Propter me tempestas haec. E que com

tal perigo de perdição a olhos vistos, não acabe

Jonas por os abrir? Que não desperte? Ou que isto

é matéria para fazer pasmar até aos bárbaros

gentios: Quid tu sopore deprimeris? Surge. Notem

a força e ênfase daquele pronome, “Tuo, quid

tuo?”. Tu, que estás em desgraça de Deus, digo eu

agora, tu, que te vês ameaçado dos castigos de sua

Divina Justiça, estás a dormir? Quid tu sopore de

primeris? Que durmam os Santos, que durmam os

Justos, como José que tem a consciência pura e

sossegada, passe; mas tu, que tens a consciência

tão carregada e embaraçada, tu a dormir? Tuo

sopore deprimeris? Que durma um Elias à sombra

de uma árvore fugindo de Jezabel: Obdormivit in

umbra juniperi (III Re. 19); que enfim é um Elias

zeloso da observância da Lei e honra de Deus, que

tem a seu cuidado defendê-lo e resguardá-lo de

todo o perigo; mas que durma um pecador, que

durma um Jonas e com tão pesado sono,

Dormiebat sopore gravi, um rebelde e

desobediente aos preceitos Divinos, sem temor da

vinda sobre ele da Ira de Deus, como veio, com a

sua negação perca o rumo da sua salvação e vá a

dar no ventre de uma baleia, ou no bojo e

profundeza do Inferno, como ele lhe chama: De

ventre inferi clamavi? Essa é a admiração, esse é o

assombro: quid tuo sopore deprimeris? Surge.

10. Que durma um Pedro (deixai-me ir

declarando mais as razões do meu assombro), que

durma um Pedro aprisionado da injustiça de

Herodes, lançado em um cárcere carregado de

grilhões, Erat Petrus dormiens, passe; que enfim

está em graça com Deus, por cujo respeito padece

estes grilhões; mas que durma um Sansão no

regaço de Dalila, aprisionado e algemado dos

grilhões de seus depravados afectos, Dormire eum

facit super genua sua (Jud. 19.19), sem temor de

que venha a perder, como perdeu, na grenha de seu

cabelo a valentia do espírito com que Deus o

dotou? Sem receio de perder, como perdeu, a

liberdade que lhe tiraram os seus inimigos, e os

olhos que lhe arrancaram os Filisteus, sem já mais

os abrir para despertar e ver os perigos da sua

salvação? Isso é o que me assombra: Quid tu

sopore deprimeris? Surge. Que durma uma Alma

Santa lá nos Cantares, fiada em que cerrando os

olhos do corpo velam os olhos e cuidados do seu

coração, Ego dormito, et cor meum vigilat (Cant.

5.2), passe; mas que durma um Sifara, inimigo de

Deus e do seu povo, fiando no amparo de Jael, e

adormecido na postagem do leite que lhe deu a

beber para lhe tirar a vida, como tirou, fazendo

com que fosse acordar entre os desacordos da sua

eterna condenação? Isso é o que me pasma: Quid

tu sopore deprimeris? Surge. Que durma um

Samuel no Templo de Deus, tendo à sua guarda a

Arca do Senhor a cujo lado dormia, Samuel

dormiebat in templo, ubi erat Arca Dei (I Re. 3.3),

passe; mas que durma um Saúl com todos os

soldados da sua guarda adormentados, Dormiebat

omnes (I Re. 16), estando em campanha, e tendo

bem perto de si a David a quem tinha por inimigo,

sem se lembrar que quem tem inimigos não

dorme, sem recear de perder, como perdeu, as

armas em que tinha a sua defesa, e a taça em que

tinha as delícias do seu refresco? Isso é o que me

assombra: Quid tu sopore deprimeris? Surge.

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

35

11. E quantos (voltemos agora sobre nós)

e quantos dormem, como Saúl na tenda, e

campanha deste mundo com as guardas dos seus

sentidos todos adormecidos, descuidando-se da

guerra oculta que continuamente lhes estão

fazendo os seus inimigos invisíveis, com que vêm

a perder as armas da vigilância, que são as mais

provadas para a nossa defesa no sentir de S. Pedro,

Vigilate, quia adversarius vester diabolus sicut

quaeres, quaem devoret, e se põem em perigo de

perder as delícias da Bem-Aventurança que

haviam de lograr para sempre? Quantos dormem,

como Sifara, deitando-se à noite muito confiados

do prazo da sua vida, e muito carregados, quando

dá sobre eles aquela crudelíssima Jael da morte

que não dorme, e dando-lhes um golpe, ou

acidente mortal, vão acordar ao outro dia entre os

desacordos da sua condenação? Quantos dormem,

como Sansão, entre os afagos da sensualidade e

carícias de Dalilas infiéis, com que vêm a perder

as forças da alma e a valentia do espírito, com que

haviam de rebater os assaltos das tentações, e as

investidas dos Filisteus infernais, que privando-os

da liberdade da graça em que algum tempo

viveram, a vista dos olhos, com que se deviam

resguardar dos perigos ou laços de suas danadas

afeições, os privam finalmente da vista e glória de

Deus? Quantos dormem, como Jonas, nesta brava

costa do mundo entre as alteradas ondas que se

levantam do mar empelado dos seus pecados, com

que vem a perder a viagem que deviam fazer para

o porto da salvação pelo rumo de Ninive, ou da

penitência das suas culpas, com que vêm a fazer

um triste e lamentável naufrágio nessa fatal

tormenta, ou tormentos do Inferno em cujo bojo,

ou ventre, se acham sepultados, dando brados mais

funestos que os que dava Jonas lá no ventre da

baleia: De ventre inferi clamavi? E não quereis

que me admire? Não quereis que me assombre de

ver tanto sono, de ver tanto descuido, de ver tanta

negligência nas matérias da salvação, sem que

bastem para nos despertar os brados que nos estão

dando os Anjos Custódios deste Reino de Deus,

que são nossas almas? Oh, que este sono, este

descuido, esta negligência nos desvelos do que

mais nos importa que é a salvação, não pode de

deixar de fazer pasmar e assombrar até aos que

forem tão bárbaros como eram os companheiros

de Jonas, na sua navegação para Tarsis: Quid tu

sopore deprimeris? Surge.

12. Anjo Santo, Espírito Soberano, Guarda

Mor de Portugal, que por comissão de Deus e

disposição de sua Divina Providência, tendes à

vossa conta resguardar a este Reino não só no

tocante ao Temporal defendendo-o de todas as

hostilidades dos seus contrários, promovendo-o no

aumento das suas felicidades, e adiantando-o nas

empresas de suas conquistas, senão também

tocante ao Espiritual, que é o mais relevante: peço-

vos, encarecidamente, que levanteis a voz animada

com os alentos do vosso espírito, e reforçada com

os penetrantes golpes de vossas santas inspirações,

e deis a cada uma das nossas almas adormecidas

em suas culpas aquele saudável brado, que deu

hoje o Anjo do Evangelho a S. José, e que a mim

me deu matéria para este Sermão: Surge, para que

despertemos todos de tão prolongado sono e tão

pernicioso descuido nas matérias da nossa

salvação, e abrindo os olhos da nossa vigilância

possamos, mediante a protecção da vossa custódia,

evitar os perigos, que se nos oferecem assim na

carreira da vida temporal, como no caminho da

vida eterna: Ad quam nos, etc.

NOTAS

[1] José João Rigaud de Sousa, Mosteiros do Concelho de Amares – Mosteiro de Santa Maria de

Bouro. Minia, 2.ª Série, 2-3, pp. 44-56, Braga, 1979.

[2] José Luís de Pina, Castelo de São Mamede e igreja de São Miguel do Castelo. In “Ilustração

Portuguesa”, n.os

25-26, Julho-Agosto, Porto, 1928.

[3] Jorge Rodrigues, O mundo românico (séculos XI-XIII). In História da Arte Portuguesa, vol. 1,

pp.180-331, edição Círculo de Leitores, Lisboa, 1995.

[4] René Guénon, O Rei do Mundo. Editorial Minerva, Lisboa, 1978.

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

36

[5] Na iconografia cristã, o Anjo Mikael aparece com esses dois atributos nas representações do

“Juízo Final”.

[6] Kshatriya, em sânscrito, equivale ao cavaleiro ou guerreiro, isto é, a casta militar de quem o rei

era chefe supremo.

[7] Função de Melki-Tsedek ou “Rei do Mundo” desempenhada por São Jorge ou Akdorge, em

tibetano, que é uma espécie de “miniatura” terreal do São Miguel ou Mikael celestial por seus atributos e

funções idênticas às deste, um como Guardião do Paraíso Terrestre e outro na função psicopompa de conduzir

as almas eleitas dos puros aos Paraíso Celeste de que também é Guardião. Ambas as divindades tendo o Fogo

como o seu elemento natural, tanto o do Céu como o da Terra.

[8] Shekinah é a Manifestação de Deus sob forma feminina, o que a dispõe na Revelação da Luz do

Divino Espírito Santo. Donde, na primazia do padroado de Portugal, a Virgem Maria aparecer junta com o

Arcanjo Mikael.

[9] Essa última observação recorda naturalmente as seguintes palavras: Benedictus qui venit in

nomine Domini (“Bendito Aquele que vem em nome do Senhor”). São aplicadas ao Cristo que o Pasteur

d´Hermas assemelha precisamente a Mikael de uma maneira que pode parecer bastante estranha, mas que não

deve espantar aqueles que compreendem a relação entre o Messias e a Shekinah. O Cristo é também

designado por “Príncipe da Pax” e é, ao mesmo tempo, o “Juiz dos vivos e dos mortos”.

[10] Henrique José de Souza, O Despertar de Mahimã, 1948-1950. Obra não editada.

[11] Segundo a lenda de fundação, D. Afonso Henriques vira aparecer ao lado do seu braço direito

um outro braço armado de espada em riste que terminava junto ao ombro com uma asa de cor púrpura. O rei

concluiu que esse braço pertencia ao seu Anjo da Guarda São Miguel, tendo muitos dos mouros cativos na

batalha jurado também tê-lo visto.

[12] Crónica Geral de Espanha de 1344, compilada por Pedro Afonso, conde de Barcelos e filho

natural do rei D. Dinis. Edição crítica por Luís Filipe Lindley Cintra, Academia Portuguesa da História,

Lisboa, 1951-1961.

[13] Frei Bernardo de Brito, Crónica de Cister, primeira parte. Lisboa, 1602.

[14] D. Ascanio Tamburini de Marradio, De Jure Abbatum, et Alliorum Praelatorum, tàm

Regularium, quàm Secularum, III Tomo. Colónia Agripina, 1691.

[15] Jorge Cardoso, Agiológio Lusitano dos Santos e Varões ilustres em virtude do Reino de

Portugal, e suas conquistas, Tomo III, p. 126. Lisboa, 1666.

[16] Padre António de Vasconcelos, Tratado do Anjo da Guarda, parte I, p. 2. Évora, 1621.

[17] Vitor Manuel Adrião, Portugal Templário – Vida e Obra da Ordem do Templo, pp. 354-356.

Madras Editora Ltda., São Paulo, 2011.

[18] Pinharanda Gomes, Povo e Religião no Termo de Loures. Paróquia de Santo António dos

Cavaleiros, Loures, 1982.

[19] Na época quinhentista aparece um nome marrano para o Arcanjo: Bérrio. A aravela Bérrio que

fez parte da frota de Vasco da Gama que descobriu o caminho marítimo para Índia, capitaneada por Nicolau

Coelho e pilotada por Pêro Escobar, não deve o seu nome a tão-somente ter sido cedida por Manuel de Bérrio,

armador natural de Lagos, porque se assim fosse escusava-se o indistinto de apodá-la Bérrio e baptizá-la São

Miguel, dispondo os nomes como sinónimos um do outro. Cf. Fernão Lopez de Castanheda, História do

Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, Livro I. Lisboa, 1883.

[20] Manuel J. Gandra, O Anjo Custódio de Portugal. Edição do autor, Mafra, 2007.

[21] José Fernandes Pereira, A Escultura de Mafra. Lisboa, 2003.

[22] Joaquim da Conceição Gomes, O Monumento de Mafra. Lisboa, 1866.

[23] Ayres de Carvalho, A escultura em Mafra. Mafra, 1950.

PAX - N.º 71 – Propriedade da Comunidade Teúrgica Portuguesa

37

[24] Alain Jacobs, L´Archange Raphael et l´Ange Tutélaire du Royaume du Portugal Sculptés à

Rome vers 1730 – 1732 par Laurent Delvaux. Contribution à l´Étude des Sculpteurs de la Basilique de

Mafra. In “Gazette des Beaux-Arts”, Tomo CXXVIII, Ano 138, pp. 71-90, Setembro 1996.

[25] Teresa Leonor M. Vale, Obras do escultor Filippo della Valle (Florença, 1698 – Roma, 1768)

realizadas para Portugal ou para portugueses. Revista da Faculdade de Letras, “Ciências e Técnicas do

Património”, I Série, Vol. V-VI, pp. 601-614, Porto, 2006-2007.

[26] Max Heindel, Conceito Rosacruz do Cosmos. Editora Alfaômega Portugal, Lisboa, 1981.

[27] Segundo Sérvio, em Virgilii Aeneidos Commentarius (“Comentário à Eneida de Virgílio”), 5,

95, “nenhum lugar é sem um Génio” (nullus locus sine Genius). Macróbio afirmava que cada cidade possuía

o seu deus protector ou tutelar, reproduzindo uma fórmula para conjurar os deuses a abandoná-la, em

Saturnalia, III, no que era corroborado por Plínio, em Historia Natural, XXVIII.

[28] Padre António Carvalho da Costa, Corografia Portugueza e Descripçam Topográfica do

famoso Reyno de Portugal, p. 228. Lisboa, 1706.

[29] Frei Nicolau de Oliveira, Livro das Grandezas de Lisboa, pp. 139-240. Lisboa, 1620.

[30] D. António Caetano de Souza, Agiológio Lusitano dos Santos e Varões ilustres em virtude do

Reino de Portugal, e suas conquistas. Consagrado à Imaculada Conceição da Virgem Maria Senhora

Nossa, Padroeira do Reino, Tomo IV. Lisboa, 1744.

[31] Archivo Pittoresco – Semanário Illustrado, volume IV, p. 167. Lisboa, 1861.

[32] Padre António Cordeiro, História Insulana das Ilhas a Portugal Sugeitas no Oceano

Occidental, volume I. Lisboa, 1866.

[33] Segundo Manuel J. Gandra, o primeiro Missal a incluir a missa do Anjo Custódio do Reino é o

de Braga, impresso em Leon de França, em 1558, por ordem de D. Frei Baltasar Limpo. A Epístola foi

extraída de IV Reis, XIX, 20; Êxodo, XXIII, 20 e Mateus, II, 19. O Breviarium Romanum (Lisboa, 1791) é um

dos derradeiros a conter referência à festa do Santo Anjo da Guarda do Reino.

[34] Padre Manuel da Silva, Sylvia Condionatoria – Primeira Parte Panegyrica – Sermoens em

Várias Celebridades, Tomo II. Lisboa, 1699.