Conceito Da Violência - Uma Reflexão Nas Relações

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  • 8/12/2019 Conceito Da Violncia - Uma Reflexo Nas Relaes

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    VI CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTALRecife, de 05 a 08 de setembro de 2002

    CO/75 CONCEITO DA VIOLNCIA: UMA REFLEXO NAS RELAESFAMILIARESZlia Maria de Melo1

    RESUMO A autora sublinha o conceito de violncia como um sistema inter-

    relacional, ou seja, interliga-se vida do sujeito, prioriza tanto os aspectospsicolgicos, como tambm os aspectos sociais, e culturais que contribuempara o aumento da violncia diria. A ordem no lugar da desordem.

    PALAVRAS-CHAVE Famlia, violncia, vnculos familiares, ordem edesordem.

    INTRODUO

    Pensar o conceito de violncia como um sistema inter-relacional, que seinterliga e se mescla no cotidiano da vida privada e pblica dos sujeitos queconstituem o ncleo do sistema familiar, tanto os aspectos psicolgicos,sociais, culturais, contribuem para o aumento da violncia diria.

    neste contexto que o sujeito recebe e transmite a intolerncia de umsistema que processa postura transgressoras no imaginrio privado e social.Esse sistema transmite valores, que contribuem para as transformaes, noimaginrio psquico, social e cultural do sujeito. (ZALUAR, 2000)

    Partindo do princpio de que a famlia necessita de um lugar onde os

    vrios membros se organizem e se interliguem no contexto afetivo e scio-cultural, o grupo precisa demarcar o espao, a funo e os papis na vidaprivada e pblica do sujeito, respeitando a hierarquizao da autoridade parapoder solidificar o afeto. Assim sendo, os lugares e os papis na relaointerna da famlia sero bem definidos, pois, do contrrio, existe a perda dasreferncias, as vivncias se mesclam e as regras podem tornar-se confusase os papis hierrquicos podero assumir propostas invertidas; o papel dafigura geradora da autoridade perde autonomia, j que no consegueestabelecer limites entre os vrios elementos que compem o grupo familiar.

    Diante da impossibilidade de demarcar o espao interno e externo dosujeito dentre desse sistema, pode ocorrer tambm a ausncia da ordem,

    das normas e da autoridade. Consequentemente, os espaos so invadidose os limites se entrelaam e se confundem, e as barreiras se tornaminexistentes entre os membros da famlia. Dessa forma, possvel criar umclima de tamanha desordem que, possivelmente, tais fenmenos poderogerar uma espcie de anomia dentro do sistema familiar, instaurando aviolncia entre os vrios elementos inter e intra familiares.

    1 Profa. Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Catlica de Pernambuco.Mestre em Antropologia pela UFPE. Doutorado em Psicologia Deusto [email protected]

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    violncia em casa e na rua, e compreender a violncia familiar pontuando asestratgias de sobrevivncia tanto em casa quanto na rua.

    MATERIAL E MTODO

    Os dados provenientes para realizao desse estudo foram obtidosatravs das referidas fontes:

    1. Documentao Arquivo do DPCA (Diretoria da Delegacia da Criana e Adolescente);

    S.O.S. Criana. Entrevistas com as mes e com os adolescentes que deramentrada na DPCA e no S.O.S Criana no perodo de 1996 a Fevereiro de1997.

    Foram realizados dois tipos de procedimento tcnico-metodolgico paratratar a documentao de acordo com a sua especificidade.

    1. Dados quantitativos obtidos atravs dos dados scio-demogrficos dasmes e filhos de ambas as intituies.

    2. Qualitativos atravs dos dados coletados nas histrias de vida da mee dos filhos envolvidos na pesquisa.

    Sujeitos: 20 adolescentes infratores com registro de violncia na Diretoriada Delegacia da Criana e Adolescente (DPCA) e mes que participavam doprograma S.O.S. Criana, vitimizadas. Os sujeitos envolvidos nainvestigao tinham idade entre 11 e 17 anos de ambos os sexos; residentesna rea metropolitana do Recife; convivncia ou no com a me; teremregistro de flagrante de violncia na DPCA. Agresso e/ou danos fsicos aterceiros.

    As mes a maioria so domsticas ou exercem atividades informaiscomo vendas ambulantes (alimentos) com idades entre 38 e 58 anos,residentes nas periferias da rea metropolitana da cidade do Recife.

    Nas falas das mes dos adolescentes do setor S.O.S., as mesmas fazemreferncia que gritam, brigam, ameaam, no entanto, as mesmas estomais presentes nas relaes com os filhos dentro da casa. As mes dainstituio DPCA so mais passivas menos movimento para tirarem ofilho da rua. So mais permissivas e durante a entrevista afirmaram que:

    Nada posso fazer. J fiz de tudo para ele no ser marginal. Peo para no estar na rua e ele no obedece.

    Essas mes usam menos violncia fsica, mas a presena da omisso podeser considerada to intensa como o espancar, mais escondida, menos

    percebida, no entanto desorganizadora e com a mesma fora da agressosomada ao fenmeno da presena da violncia com a figura paternaacentua as dificuldfades do adolescente permanecer na casa e buscar alternativa do espao da rua. ( MELO, 1999: 270)

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    No discurso das mes dos diferentes setores envolvidos na pesquisapermeia a permissividade, a ausncia da postura da autoridade diante dosadolescentes. A nica forma encontrada pela referidas mes para impor aordem o uso da fora fsica, e esse movimento nico atravs da violnciafsica refora a sada do adolescente da casa.

    Nos depoimentos desses adolescentes eles afirmam que o ambiente de

    violncia contribui para a saida da casa, pois no suportam a convivnciadentro do espao familiar com tais posturas violentas (espancamento e/ounegligncia) devido a soma com outros elementos representativos de perdase ou frustraes constantes, movido pelos estigmas atribuido por viver nasmargens da sociedade, no sentido geogrfico e de poucas possibilidades deconvivncia com a coletividade. Ausncia de uma postura disciplinadoratambm contribui para a permanncia deles na rua. A me que no mantmpostura disciplinadora nas suas relaes com o filho, pede , aceita tudo queo adolescente faz, sem restries e aquela que mantm relaes de maustratos pode ser percebido pelo adolescente como desprezo e desafeto.

    Nos depoimentos selecionados, as mes do programa " S.OS Crianas"

    costumam espancar freqentemente os filhos, utilizando instrumentoscomo:"Borracha de pneumtico ,sola de sapato, cinto de couro. Corda e pau , galho de rvore etc.Em diversas vezes, nos depoimentos, falam que ameaam os filhos de

    morte e uma das mes relata que chegou oa extremo de colocar o filho preso na rvore de cabea para baixo. Sendo freqente nas falas das mesque no suportam mais e mandam os filhos para a rua ." (MELO 1999:3331)

    A agudizao do problema pode estar relacionada tambm com a falta doelemento, representativo da lei, representativa da simbologia do elemento

    organizador da ordem e do lmite estruturante, organizador do afeto e daautoridade.

    A repetio da violncia bastante perceptvel nos depoimentos dasmes, pois tambm viveram em ambientes violentos na famlia de origem.

    As histrias de vida se repetem e se mesclam com as histrias de violnciados filhos, uma gerao marcada por vivncias cruis que so passadaspara a organizao da nova famlia.

    Nos fragmentos das falas, as mes relatam que deixaram suas casas naadolescncia movidas pela violncia fsica e pelo abandono dos pais.

    Constituram suas famlias de maneira similar buscando na histria passadaa referencia do presente. A violncia fsica marca ciclos de violncia e demarcam as dificuldades de

    romper com o processo, pois a violncia passa a ser algo considerado comonatural na convivncia diria

    As mes do setor DPCA selecionando alguns depoimentos as mesmastambm usam de componentes de violncia fsica com seus filhos como :

    Bate com borracha de mangueira nos adolescentes , com ferro, pau, fiode eletricidade.

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    contribuem com a violncia da rua, causa a ameaa e desintregrao com oconvvio com a coletividade.

    , em nome da ordem e da segurana dos adolescentes, que a sociedadeos estigmatizam, e ajudam no reforo da marginalizao, contribuindo comos conceitos do nocivo e prejudicial ao convvio social. Como faz referenciaBALANDIER (1999:11) "A desordem no se isola, e a conscincia dodesordenado exaspera. As figuras de desordem so tratadas como figuras

    reveladores" .

    BIBLIOGRAFIA

    BALANDIER, Georges. A desordem. Elogio do movimento. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 1997.BOWLBY, John. Apego. A natureza dos vnculos. So Paulo: MartinsFontes, 1990.BRAZELTON, T. Berry. O desenvolvimento do apego. Uma famlia emformao. So Paulo: Artes mdicas, 1988.GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulao da identidadedeteriorada, Rio de Janeiro: Zahar, 1988.HIRIGOYEN, Marie-France. Assdio Moral. A violncia perversa nocotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.MELO, Zlia Maria. Bandidos e mocinhos. Dissertao de Mestrado em

    Antropologia, Universidade Federal de Pernambuco, 1991MELO, Zlia Maria. Violencia y Familia: Supervivencia en la casa y en lacalle, Tese de Doutorado em Psicologia na Universidad de Deusto, Bilbao,Espanha, 1999.MELO, Zlia Maria. Estigmas: espao para excluso social. RevistaSYMPOSIUM - Psicologia, Unicap. Vol n/ 4 pag , dezembro, 2000.

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    MORRISON, Andrew R & BIEHL Mara Loreto. A famlia ameaada.Violncia domstica nas Amricas. Rio de Janeiro: Fundao GetlioVargas, 2000.

    ZALLUAR, Alba ."Para no dizer que no falei de samba. Os enigmas daviolncia no Brasil", p245- 318. In NOVAES, Fernando, (org) Histria davida privada no Brasil. Contraste da intimidade contempornea. So Paulo:Companhia das letras, 2000.