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Conceito material de crime Perspectiva positivista-legalista: é crime tudo aquilo que o legislador considerar como tal. Não pode ser definido o conceito material de crime a partir desta perspectiva porque não nos diz qual a fonte de onde promana a legitimidade para considerar certos actos como crime e aplicar as respectivas sanções penais – legitimação material. Ao identificar a legitimação material com a mera observância do princípio da legalidade em sentido amplo, mesmo que esteja preenchida a plena capacidade do legislador para definir o que é e o que não é crime não se fica a saber quais as qualidades que deve assumir determinado comportamento para que o legislador se encontre legitimado a submetê- lo a determinadas sanções criminais. Além da questão da legitimação penal, esta concepção não permite ligar o conceito material de crime à função e aos limites do direito penal. A definição de um conceito material de crime só tem sentido se esse conceito se situar fora do direito penal legislado, para que seja previamene dado ao leguslador e assim contituir-se um padrão que indica ao legislaor aquilo que ele pode criminalizar e aquilo que deve deixar fora do âmbito do direito penal.

Conceito Material de Crime

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Apontamentos de Direito Penal IFDL 2013/2014

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Conceito material de crime

Perspectiva positivista-legalista: é crime tudo aquilo que o legislador considerar como tal.

Não pode ser definido o conceito material de crime a partir desta perspectiva porque não nos diz qual a fonte de onde promana a legitimidade para considerar certos actos como crime e aplicar as respectivas sanções penais – legitimação material. Ao identificar a legitimação material com a mera observância do princípio da legalidade em sentido amplo, mesmo que esteja preenchida a plena capacidade do legislador para definir o que é e o que não é crime não se fica a saber quais as qualidades que deve assumir determinado comportamento para que o legislador se encontre legitimado a submetê-lo a determinadas sanções criminais.

Além da questão da legitimação penal, esta concepção não permite ligar o conceito material de crime à função e aos limites do direito penal. A definição de um conceito material de crime só tem sentido se esse conceito se situar fora do direito penal legislado, para que seja previamene dado ao leguslador e assim contituir-se um padrão que indica ao legislaor aquilo que ele pode criminalizar e aquilo que deve deixar fora do âmbito do direito penal.

É do conceito material de crime que deve partir o critério de mediação da correcção ou incorrecção político-criminal das incriminações constituídas e a constituir, a discussão entre a criminalização e descriminalização, etc.

Perspectiva positivista-sociológica: importava distinguir de entre uma multiplicidade de manifestações legais de crime, aquilo que objectiva e universalmente pudesse ser considerado como tal, à luz da realidade social.

A tentativa de definir materialmente crime como uma unidade de sentido sociológico, autónoma e anterior à concepção jurídico-penal legal, passou a constituir um dado adquirido na dogmática penal. Na doutrina italiana traduz essa unidade sociológica através do conceito de ofnsividade e o pensamento penal anglo-americano vê o crime em sentido material através do princípio do dano, considerado princípio fundamental da criminalização e limitação do poder estadual. É com esta perspectiva que se procura pela primeira vez estabelecer concretamente um conceito pré-legal de crime

Apesar dos progressos levados a cabo à luz desta teoria, se a compararmos com aquelas que traduzem o conceito material de crime na tutela subsidiária de bens jurídicos, vamos encontrar uma acentuada imprecisão por não ser capaz de indicar com um mínimo de seguança em que consiste a ofensividade social determinante da essência do crime e por não alcançar os limites da criminalização, umavez que, se por um lado é verdade que o o crime se traduz num comportamento determinante de uma ofensividade social, por outro nem toda a ofensividade consiste legitimamente um crime.

Perspectiva moral-social: a tarefa central do direito penal residiria em “assegurar a validade dos valores ético-sociais positivos de acção”/”a tarefa prima´ria do direito penal consiste na

protecção dos valores elementares de consciencia, caracter social e só por inclusão na protecção dos bens jurídicos particulares” – Welzel

Esta concepção não pode ter qualquer acolhimento na ordem jurídico-penal. Não é função do direito penal tutelar a virtude ou a moral nem para isso está legitimida, art41ºCP, nem os instrumentos de que serve a sua actuação se revelam adequados nem são os magistrados e os tribunais as entidades legitimadas para castigar o pecado e a imoralidade.

Perspectiva teleológico-funcional e racional: teleológico-formal, na medida em que se reconheceu que o conceito material de crime não podia ser deduzido pelas ideias vigentes num sistema extra-jurídico e extra-penal, mas sim dentro da função que o direito penal desempenha no sistema jurídico-social. Racional porque o conceito material de crime vem a resultar da função do direito penal de tutela subsidiária de bens jurídicos dotados de dignidade penal.

A noção de bem jurídico não pôde ainda ser determinada em absoluto, mas há um núcleo essencial que reúne largo consenso. Poderá definir-se bem jurídico como a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso.

FEUERBACH: definiu o objecto da infracção criminal como violação de certos direitos subjectivos, uma estrutura liberal-contratualista que somente justifica a intervenção penal onde os direitos básicos que o contrato social visa

assegurar, forem violados. Esta perspectiva dissolve a infracção criminal na protecção da liberdade individual;BIRNBAUM: definiu o ojecto da infracção criminal como violação da determinados bens jurídicos, a intervenção penal legitima-se na comunidade e nos seus valores. Esta perspectiva define a infracção pela lesão objectiva de valores da comunidade.

Subjectivação versus objectivação(do sistema social como instância legitimadora da intervenção penal)Segundo BIRNBAUM, o Direito vincula-se simultaneamente a elementos objectivos e a elementos de direito natural. Posteriormente, BINDING ven reduzir bem jurídico aos valores e condições de vida da comunidade jurídica tal como são definidos pelo legislador. VON LISZT desenvolveu a última postura perante o conceito de bem jurídico, definindo-o como um interesse humano vital, expressão das condições básicas da vida em comunidade; sendo o bem jurídico o conceito legitimador da intervenção penal. A concepção teleológico-funcional e racional que hoje se impõe exige que a noção de bem jurídico obedeça a uma série mínima de condições, o conceito de bem jurídico:

deve traduzir um conteúdo material , para que se possa ter um indicador útil do conceito material de crime;

deve servir como padrão crítico das normas constituídas ou a constituir, porque só assim se pode ter a pretensão de encontrar um critério legitimador do processo de criminalização ou descriminalização; surgindo como uma noção transcendente ao sistema normativo jurídico-penal;

deve ser politico-criminalmente orientado e nesta medida, intra-sistemático relativamente ao sistema social e ao sistema jurídico constitucional.

O problema consiste em determinar de que forma pode o conceito obedecer a todas estas exigências e alcançar a materialidade e a concretização indispensáveis para que se torne passível de utilização na aplicação do direito penal. Segundo o prof. Figueiredo Dias, um bem jurídico politico-criminalmente tutelável existe onde se encontre reflectido um valor constitucionalmente reconhecido em nome do sistema social total. O que significa que entre a ordem axiológica contitucional e a ordem legal dos bens jurídicos, tem de se verificar uma relação de analogia material, fundada numa correspondência de sentido e de fins. Correspondência essa, que deriva do facto de a ordem jurídico constitucional definir o quadro obrigatório de referência e o critério regulativo da actividade punitiva do Estado, e é nesta perpsectiva que se deve considerar que os bens jurídicos protegidos pelo direito penal são concretizações dos valores constitucionais ligados aos direitos e deveres fundamentais e à ordem social, política e económica. É por esta via de concretização que os bens juridicos se tornam bens juridicos dignos de tutela penal.

Se na concepção teleológico-funcional e racional defendida pelo prof. Figueiredo Dias, não pode existir criminalização sem a individualização de um bem jurídico-penal a tutelar, a ideia inversa de que sempre que exista um bem jurídico-penal deve haver lugar à intervenção penal já não se configura verdadeira. O conceito material de crime é essencialmente constituído pela noção de bem

jurídco-penal, mas há ainda que acrescentar o critério da necessidade de tutela penal ou seja, para desencadear a intervenção penal não basta a violação de um bem jurídico, exigindo-se que essa intervenção seja absolutamente indispensável à livre realização da personalidade de cada um na comunidade.O princípio da necessidade da pena, fortemente orientado pelo principio constitucional da proporcionalidade em sentido amplo, consagrado no art.18º/2 CRP. Para que a intervenção penal não seja ferida de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, o art.18º/2 indica três requisitos a respeitar:

princípio da subsidariedade e da proibição de excesso: uma vez que o direito penal utiliza como sanções os meios mais onerosos para os direitos, liberdades e garantias, ele só pode intervir nos casos em que todos os outros meios não se revelem suficientes;

adequação: sempre que a criminalização de certos comportamentos seja factor da prática de muitas mais violações do que as que se revela susceptível de evitar, a intervenção penal está ferida de inconstitucionalidade

necessidade da pena : onde o legislador constitucional aponta expressamente a necessidade de intervenção penal para tutela de bens jurídicos determinados, o legislador ordinário tem que criinalizar os respectivos comportamentos sob pena de insconstitucionalidade por omissão. No entanto, quando tais injunções constitucionais sejam inexistentes ou quando não haja um valor jurídico-constitucionalmente reconhecido não é legítimo deduzir a exigência de

criminalização de comportamentos que o violam.

O princípio da necessidade da pena, traduzia a ideia de que a utilização pelo Estado de meios penais devia ser limitada, só se justificando pela protecção de direitos fundamentais. Esta ideia de limite ligava-se com a ideia de contrato social, segundo o qual só se justificava a restrição da liberdade quando os direitos, cuja protecção era fundamento da instituição da sociedade política, estivessem em causa.

No entanto, o conteúdo do contrato social tem vindo a ser alterado com a evolução da realidade, quer social, quer política e da ideia de contrato social só resta a aceitação de que o poder político se justifica pelo serviço aos membros da sociedade e à sua subordinação à realização do indivíduo em sociedade. Mas não é nesta linha que se apela a este princípio, os autores contemporâneos fazem-no com a pretensão de subordinar a intervenção penal do Estado à realização de fins necessários à subsistência e desenvolvimento da sociedade.

O alcance do princípio da necessidade da pena revela-se em dois planos:

1. Discussão da legitimidade da incriminação o apelo a este princípio surge na carência penal do bem jurídico (não há necessidade da pena quando se trate de um mero valor moral sem expressão num bem jurídico determinado); na falta de alternativas à penalização da conduta (não há necessidade da pena quando os meios penais não foram absolutamente indispensáveis, os únicos capazes de evitar certos comportamentos); e na eficácia da incriminação.

Crimes de dano versus Crimes de perigo

Relativamente ao bem jurídico importa ter presente que ele não se confunde com o objecto da acção, o bem jurídico é definido como a expressão de um interesse, pessoa ou comunidade, na manutenção ou integridade de um estado, objecto ou bem em si mesmo, socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso. Atendendo à forma como o bem jurídico é posto em causa pela actuação do agente distingue-se entre crimes de dano e crimes de perigo.

Nos crimes de dano a realização do tipo incriminador tem como consequência uma lesão efectiva do bem jurídico. Nos crimes de perigo a realização do tipo não pressupõe a lesão, apenas basta a mera colocação em perigo do bem jurídico, distingue-se ainda entre crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstracto. Nos crimes de perigo concreto, o tipo incriminador só é preenchido quando o bem jurídico tenha sido efectivamente posto em perigo, ex: condução perigosa, art.291ºCP, incêndios e explosões, art.272ºCP. Nos crimes de perigo abstracto, são tipificados certos comportamentos em nome da sua perigosidade tipica para um bem jurídico, mas sem que ela necessite de ser comprovada no caso concreto, há uma espécie de presunção inilidivel de perigo e, por isso a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não um perigo efectivo para o bem jurídico, ex: condução de veículo em estado de embriaguez, art.292º, posse de arma proibida, art.275ºCP.

Tem sido questionada a constitucionalidade dos crimes de perigo abstracto por estes constituirem

uma tutela demasiado avançada de um bem jurídico, pondo em risco o princípio da legalidade e o princípio da culpa. A doutrina maioritária e o TC pronunciam-se pela não inconstitucionalidade quando for possível identificar claramente o bem jurídico tutelado e a conduta típica for descrita o mais precisa e minunciosamente possível.

Fim das Penas

A razão da eterna discussão acerca da finalidade das penas está no facto de no fundo estar em causa toda a teoria penal e em particular a discussão dos pontos fulcrais, d legitimação, fundamentação e função da intervenção penal estatal.

Neste sentido pode dizer-se que a questão do fim das penas constitui a questão do destino do direito penal e do seu paradigma e, por isso, qualquer análise acerca dos fins do direito penal significa uma análise sobre as finalidades da pena criminal. As respostas dadas reconduzem-se a seguintes teorias: 1. Teorias absolutas

1.1. Doutrina da retribuição

2. Teorias relativas2.1. Doutrina da prevenção geral2.2. Doutrina da prevenção especial

3) Teorias mistas ou unificadoras

1) Teorias absolutas: a pena como instrumento de retribuição

Para estas teorias a essência da pena criminal reside na compensação do mal do crime e nela se esgota. Apesar de a pena assumir efeitos reflexos ou laterais socialmente relevantes (intimidação, neutralização de deliquentes...) nenhum deles corresponde com a sua essência ou natureza: a tal essência e natureza é função exclusiva do facto que se cometeu, é a justa paga do mal que com o crime se realizou; é o justo equivalente do dano do facto e da culpa do agente. Por isso, a medida concreta da pena com que deve ser punido um certo agente por um determinado facto não pode ser encontrada em função de outros pontos de vista que não sejam a correspondência entre a pena e o facto. Qualquer outra teoria dos fins das penas falha completamente a essência da aplicação da pena, pune-se porque pecou: “punitur quia peccatum est” – Prótagoras. Só assim se estaria em sintonia com o sentimento comunitário generalizado de que a pena é um castigo e uma expiação do mal do crime.As teorias absolutas da retribuição louvam a ideia de que a realização de Justiça no mundo, como mandamento de Deus, conduz à legitimação da aplicação da pena retributiva pelo juiz, o representante terreno da justiça divina.Kant: imperativo categóricoHegel: o crime como uma negação do direito e a pena como a anulação do crime, que de outro modo continuaria a valer e por isso teria que se verificar o restabelecimento do Direito.

A discussão acerca do fundamento das teorias absolutas de retribuição centrou-se, desde logo, sobre a forma como deveria ser feita a igualação entre o mal do crime e o mal da pena. Acabou por se reconhecer que a igualação não podia ser fáctica mas sim normativa; ainda assim discutia-se qual o

carácter da retribuição pretendida (reparação do dano real, do dano ideal, se ocorria em função do desvalor ou da culpa...), terminada a controvérsia, hoje pode dizer-se que a que a compensação e que se baseia a retribuição só pode ser concretizada em função da ilicitude do facto e da culpa do agente, por duas razões:

1. Esta doutrina baseia-se nas exigências de Justiça e elas implicam que cada pessoa seja tratada segundo a sua culpa e não deixada à sorte das suas circunstâncias;

2. Se o que está em causa é tratar o homem segundo a sua liberade e dignidade pessoais, então isso conduz ao princípio da culpa como máxima do direito penal humano, democrático e civilizado; o princípio segundo o qual não pode haver pena sem culpa e a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa.

Aqui reside o mérito das doutrinas absolutas: independentemente do seu valor ou desvalor enquanto teoria, a concepção retributiva teve o mérito de elevar o princípio da culpa a princípio absoluto de toda a aplicação da pena e assim ter levantado um veto incodicional à aplicação de uma pena criminal que viole a dignidade da pessoa humana.

A pena e a culpa não são um só conceito, se toda a pena supõe a culpa, nem toda a culpa supõe a pena, só aquela que simultaneamente acarrete a necessidade da pena.

Como teoria dos fins das penas a teoria da retribuição deve ser recusada, porque para além de considerar a pena como entidade independente dos fins, não se adequa à legitimação, à fundamentação e ao sentido da intervenção penal que apenas podem resultar da necessidade, que incumbe o Estado satisfazer, de proporcionar as condições de

existência comunitária, assegurando a cada pessoa o espaço possível de realização livre da sua personalidade; para o cumprimento desta função a retribuição, expiação ou compensação do mal do crime, constituem meios ilegítimos. O Estado democrático, pluralista e laico não pode atribuir a si mesmo a qualidade de entidade sancionadora da moral, limitando-se a proteger bens jurídicos e como tal servir-se de uma pena dissociada de fins poder. Só a protecção do espaço possível à livre realização da personalidade pode justificar que o Estado furte a cada pessoa o mínimo indispensável de direitos, liberdades e garantias. Também do ponto de vista social devem ser afastadas as teorias absolutas, visto que uma pena retributiva esgota o seu sentido na expiação do mal do crime, revelando-se inimiga de qualquer tentativa de socialização do delinquente e restauração da paz jurídica.

2) Teorias relativas: a pena como instrumento de prevenção

Reconhecem que segundo a sua essência, a pena traduz-se num mal para quem a sofre mas não pode a pena bastar-se a isso, não pode ser destituída de sentido social positivo. Para se justificar qnaunto instrumento politico-criminal tem de usar esse mal alcançar finalidades de prevenção criminal.

A crítica feita a estas teorias, é de que ao usar-se o ser humano em nome de fins utilitários que se pretendem alcançar no contexto social, elas transformariam a pessoa humana num objecto violando a sua dignidade. No entanto, esta crítica é vazia de fundamento. Ao dar razão a este argumento, seriam ilegítimos todos os intrumentos destinados a realizar finalidades sociais. A verdade

é que para o funcionamento da sociedade, cada pessoa, na medida do indispensável, tem de prescindir de direitos que lhe assistem; o problema consistem em saber se a aplicação da pena não deve fazer-se em termos que respeitem a intocável dignidade. A resposta é claramente que sim, mas é um problema respeitante não aos fins das penas mas sim aos limites que sejam impostos à forma como se resolve o problema dos fins das penas.

2.1) A pena como instrumento de prevenção geral

O denominador comum das doutrinas da prevenção geral, radica na concepção da pena como instrumento politico-criminal destinado a actuar sobre a generalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através da ameaça penal estatuída pela lei, da realidade da sua aplicação e da efectividade da sua execução.

A actuação estatal sobre a generalidade das pessoas, assume uma dupla perspectiva: a prevenção geral negativa cuja pena é concebida como forma de intimidação das pessoas, através do sofrimento que com ela se inflige ao deliquente e cujo receio o reconduzirá a não praticar actos-puníveis; ou a prevenção geral positiva, cuja a pena é concebida como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico penal como instrumento destinado a mostrar à comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica e, desta

forma, reforçar os padrões de comportamento adequado às normas.

A primeira formulação de uma doutrina da prevenção geral fica a dever-se a Feuerbach que aponta a doutrina da coacção psicológica, segundo a qual a finalidade da pena residiria em criar no espírito de potenciais criminosos um contra motivo, suficientemente forte para os afastar da prática do crime.

O ponto de partida destas teorias é de louvar, porque liga-se directamente à função do direito penal de tutela subsidiária dos bens jurídicos.

Críticas: comandadas apenas por considerações programáticas, as doutrinas de prevenção geral apontam uma fragilidade teorética quando consideram as penas exclusivamente no seu cariz negativo. Quer porque não se torna possível determinar o quantum da pena necessário para alcançar o efeito de intimidação, quer porque fica próxima a tendência para se udarem penas cada vez mais sevreas e desumanas na tentativa de lograr a erradicação do crime.

No entanto, o argumento já não seria válido se a prevenção geral seguir numa perspectiva positiva, como prevenção de integração, de tutela da confiança geral na validade e vigência das normas do ordenamento jurídico, ligada à protecção dos bens jurídicos e visando a restauração da paz jurídica. Este critétio permite que à sua luz se encontre uma pena que se revelará justa e adequada à culpa do delinquente.

2.2) A pena como instrumento de prevenção especial

Têm por denominador comum a ideia de que a pena é instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do delinquente com o fim de evitar que ele cometa novos crimes – finalidade de prevenção de reincidência.Pode ser concretizada por duas perspectivas: a prevenção especial negativa, apologista da ideia de que a correcção do delinquante seria inalcançável e como tal a prevenção especial só poderia dirigir-se à intimidação individual; a pena visaria amedrontar o delinquente até ao ponto em que este não repetiria a prática dos crime ou então a defesa social através da separação do delinquente, procurando atingir-se a neutralização da sua perigosidade social; por outro lado a prevenção especial positiva que pretende alcançar a reforma moral do delinquente, para uns, ou o tratamento das tendências que conduzem ao crime, para outros. Efectivamente, do que se deve tratar no efeito de prevenção especial é de criar as condições necessárias para que o delinquente possa no futuro, continuar a viver a sua vida sem cometer crimes, podendo afirmar-se que a finalidade preventivo-especial da pena se traduz na prevenção da reincidência.

Críticas:Prof Fernanda Palma: crimes muito graves podem passar impunes se não houver hipótese de reincidência; conflito com o princípio da necessidade da pena, ao pressupor que se a recuperação do criminoso falhar justifica-se o uso de meios mais gravosos.

Prof Figueiredo Dias: o Estado não tem legitimidade para intervir no sentido de corrigir a

moral do delinquente nem para usar a prevenção especial no sentido clínico de tratamento coactivo das inclinações do delinquente para o crime – tarefa que se revelaria violadora da liberdade de autodeterminação da pessoa e consequentemente de princípios constitucionais imperativos como o da preservação da dignidade pessoal.

3) Teorias mistas ou unificadoras

A maioria das doutrinas tem vindo a desenvolver tenativas de combinar as teorias absolutas e relativas dos fins das penas. Destacam-se dois grupos de teorias mistas:

Teorias em que reentra ainda a ideia de retribuição

Prevalece a concepção da pena como retribuição da culpa e subsidiariamente como instrumento de intimidação da generalidade e, ma medida do possível, de ressocialização do agente. No entanto, este grupo de teorias é inaceitável, porque ao fazer entrar a ideia retributiva está a chamar-se à consideração sobre os fins da pena a retribuição ou compensação da culpa, que não pode constituir um fim das penas.

Teorias da prevenção integralO ponto de partida é a combinação das finalidades das penas só pode acontecer a nível da prevenção com exclusão de qualquer intenção expiatória, em si correcto. Mas também estas teorias devem ser recusadas ua vez que negam em completo o pensamento da culpa e do seu princípio enquanto limite da problematização sobre os fins das penas. O que faz com que a intervenção penal perca o seu limite irrenunciável.Esta crítica não é, no entanto, aplicável à concepção de Roxin, este autor defende que a pena

serve exclusivamente finalidades de prevenção especial ou geral, mas não é por isso que perde a noção de recusa total das teorias de retribuição ao ponto de renunciar o pensamento e o princípio da culpa na construção do facto punível e legitimação da intervenção penal. A culpa continua a ser, na concepção de Roxin, o pressuposto da pena e o limite da sua medida, mas a medida da pena pode ser fixada abaixo desse limite máximo, se tal se tornar necessário à luz das exigências de prevenção especial.

Concepções sobre os fins das penas:

Claus Roxin: o direito penal enfrenta o indivíduo de três maneiras: ameaçando, impondo e executando as penas. Cada uma das teorias do direito penal dirige a sua visão unilateralmente para determinados momentos: prevenção especial aplicada à execução das penas; prevenção geral aplicada às cominações penais e retribuição aplicável à sentença.

Na aplicação da pena vigoram as teorias da retribuição maos a prevenção geral e especial. O delinquente tem que suportar a pena, mas esta não pode exceder a medida da culpa. Na execução, no que toca à hierarqyuização das diferentes perspectivas: no momento da sua ameaça abstracta a pena seria instrumento de prevenção geral, no momento da sua aplicação ela surgiria na sua faceta retributiva e na sua execução visaria os fins da prevenção especial (teoria unificadora dialéctica)

Maria Fernanda Palma: as teorias pretendem resolver um problema mal colocado, o dos fins ideais das penas, não tendo em conta a amarga necessidade de punir. A discussão sobre os fins das penas deve centrar-se na realidade da pena e não que ela deveria ser. Discorda dos argumentos que defendem nao existir retribuição porque a pena substitui pricologicamente o impulso de vingança privada. A retribuição justifica-se racionalmente, ancorada na necessidade social, controlando emoções e protegendo a sociedade contra o delinquente. A pena retributiva é leitima se for necessária preventivamente, ou seja, prevenção e retribuição articulam-se com princípios constitucionais levando a soluções coincidentes.

Figueiredo Dias: toda a pena serve finalidades de prevenção geral ou especial e não de natureza retributiva. O direito penal e o seu exercício pelo Estado fundamentam-se na necessidade estatal para retirar às pessoas o seu mínimo de direitos, liberdades e garantias indispensável ao funcionamento da sociedade, à preservação dos bens jurídicos essenciais e, assim, permitir a realização mais livre possível da personalidade de cada um. Sendo assim, a pena criminal só pode perseguir a realização desta última finalidade do Estado, prevenindo a prática de futuras lesões de bens jurídicos.

Princípio da culpa como pressuposto e limite da pena

Apesar da teoria das penas retributivas, nada terem contribuido em matéria de finalidades de pena, a ela pertence o mérito de ter evidenciado a essencialidade do princípio da culpa. Segundo este princípio não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa. A verdadeira função da culpa reside numa proibição de excesso, a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu pressusposto necessário e o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável por quaisquer exigências preventivas. A função da culpa é estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros prórprios de um Estado de Direito Democrático.

Frequentemente, surgem conflitos entre a culpa e a prevenção especial bem como entre a culpa e a prevenção geral de intimidação. Segundo Roxin, as razões de diminuição da culpa são também comunitariamente compreensíveis e determinam que as exigências de tutela dos bens jurídicos e de estabilização das normas sejam menores. A prevenção geral e a culpa são realidades diferentes que possuem diferentes fundamentos e exercem funções distintas dentro do sistema e dentro do problema das finalidades das penas. Assim, desta perspectiva, a ideia de que a legitimação da ena repousa num duplo fundamento: o da prevenção e o da culpa parece dispensável. Toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa.

Actualmente, o princípio da culpa assume triplo significado:

a)Fundamento da pena: os comandos e proibições do Direito Penal e o processo que conduz à sua aplicação , realizam ideais culturais de justiça que moldam as expectativas dominantes na sociedade;

b)Factor de determinação da penac) Princípio de responsabilidade subjectiva.

Princípio da Legalidade

Princípio nullum crimen, nulla pena sine legeO princípio do Estado de Direito conduz a que a protecção dos direitos, liberdades e garantias seja levado a cabo não apenas através do direito penal, mas também perante o direito penal. Ate porque uma eficaz prevenção do crime só pode ter sucesso se forem levantados limites à intervenção estadual. Para evitar a possibilidade de uma intervenção estadual arbitrária, submete-se a intervenção penal a um rigoroso princípio da legalidade, cujo conteúdo essencial se traduz em não poder existir crime, nem pena que não resulte de uma lei prévia, escrita, estrita e certa.

Nullum crimen sin legeEste principio significa que por mais socialmente nocivo e reprovável se afigure um comportamento, só se o legislador o considerar crime é que ele pode ser punido. Esquecimentos, lacunas, defici~encias de regulamentação ou de redacção funcionam sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que possa ter sido a intenção daquele de abranger também outros comportamentos. Liszt: “a lei penal constitui a magna carta do criminoso”Tem-se afirmado que a ser assim, a lei penal seria uma carta de alforria para o agente mais dotado de competência de acção. No entanto, há que ter em conta duas coisas: esse tal agente, não é em definitivo, um criminoso enquanto não for julgado como tal; estas considerações são o preço a pagar para que se possa viver numa democracia em que se proteja minimamente o cidadão da inseguração e dos excessos por parte do Estado.

Nulla pena sine legeA fórmula “não há crime sem lei” é complementada pela fórmula “não há pena sem lei”. Neste sentido afirma o art. 29º/3 da CRP que “não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurançã que não estejam expressamente cominadas em lei anterior”: relativamente ás penas esta exigência correponde à doutrina internacional dominante. No entanto, naquilo que diz respeito às medidas de segurança, a ideia era a de que devia aplicar-se a medida de segurança vigente no tempo de aplicação, por se julgar ser a solução legislativa mais favorável ao agente. Esta concepção foi recusada no ordenamento jurídico-penal português, o art. 29º/3 da CRP, seguido pelo art. 2º/1 do CP, vÊm dar

prevalência a uma protecção dos direitos, liberdades e garantias também relativamente às medidas de segurança e assim assegurar a extensão do princípio da legalidade às medidas de segurança.

O princípio da legalidade assume efeitos em cinco planos:

1)plano do âmbito de aplicação : o princípio da legalidade não abrange toda a matéria penal, mas apenas a que se traduza em agravar a responsabilidade do agente. Por exemplo: o princípio cobre toda a matéria relativa ao tipo de ilícito ou ao tipo de culpa. Assim, o princípio da legalidade aplica-se às normas incriminadoras do agente e não às normas favoráveis.

2)Plano da fonte: o princípio conduz à exigÊncia de lei formal, ou seja, só uma lei da AR ou por ela autorizada pode definir o regime dos crimes, penas, medidas de segurança e seus pressupostos. O âmbito de aplicação do princípio da legalidade, aqui só devia abranger a actividade de criminalização e não a de descriminalização, levando a concluir que o Governo e a AR teriam uma competência concorrente no que respeita à descriminalização ou atenuação da responsabilidade criminal. O Tribunal Constitucional respondeu que não a esta questão, considerando a “definição de crimes, penas, medidas de segurança e seus pressupostos”, como englobadora da função de criminalização e descriminalização. Outra questão, é a de saber se a exigência de

legalidade no plano da fonte abrange só a lei penal estritamente considerada ou também a lei extra-penal, de forma a que esta venha a ser chamada pela lei penal à fundamentação ou agravação da responsabilidade criminal. Para esta fundaentação/agravação, a lei penal serve-se muitas vezes de reenvio para ordenamentos jurídicos não penais, ordenamentos cujo significado do princípio da legalidade não é o mesmo ou não tem o mesmo fundamento, do ordenamento jurídico penal. São as normas penais em branco, normas que cominam uma pena para comportamentos que não descrevem, mas remetem essa descrição para diplomas infra-legais. Suscita-se a obediência ao princípio da legalidade das normas penais em branco, o acordão do TC 427/95 vem-nos dizer que para uma norma penal em branco não ser nula por violação do princípio da legalidade, se previr: o desvalor da acção, o desvalor do resultado e identificar o bem jurídico tutelado; a norma complementar não pode ter carácter inovador.

3)Determinabilidade do tipo legal : na fixação do tipo legal importa, para uma correcta observância do princípio da legalidade, que a descrição da matéria proibida e de todos os requisitos de que depende em concreto a punição, de tal forma que se tornem objectivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados. A utilização de conceitos indeterminados é permitida desde que não obste à determinabilidade das condutas proibidas e dos elementos de punibilidade exigidos – princípio nulla pena, nullum crimen

4)Proibição de analogia : art. 29º/1 CRP e 1º/1 CP, no âmbito do direito penal, vigora a proibição da analogia legis, ou seja não pode ser aplicada uma regra jurídica a um caso concreto não regulado pela lei, através de um arguento de semelhança substancial com os casos regulados.

5)Proibição de retroactividade

Proibição de analogia cont.A proibição de analogia impõe a resolução da questão dos limites da interpretação admissível em direito penal. Ou seja, determinar à luz do princípio da legalidade, o que pertence à interpretação permitida e o que já pertence à analogia proibida em direito penal.Prof. Figueiredo Dias: o critério de distinção será o sentido possível das palavras. O legislador é obrigado a exprimir-se através das palavras, as quais grande parte das vezes têm mais que um sentido e por isso o texto legal carece de interpretação, oferecendo uma pluralidade de significados dentro da qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação. Fora deste quadro de pluralidade de sentidos, o aplicador encontra-se inserido no domínio da analogia proibida. A interpretação proposta, não é um reflexo de uma teoria puramente positivista, pelo contrário, é teleologica e funcionalmente imposta pelo princípio da legalidade. Fundamentar a responsabilidade do agente numa qualquer base que nãpo seja o sentido possível das palavras não limita o poder do Estado nem defende os direitos, liberdades e garantias das pessoas. Assim, se o caso couber num dos sentidos possíveis das palavras nada há a acrescentar ou retirar dos critérios gerais da interpretação

jurídica, no entanto, tem que existir um momento inicial de mera subsunção formal imposta pelo tipo de garantia do princípio da legalidade - operação lógica de incriminação. Passado o momento da operação lógica de incriminação toda a construção e aplicação posteriores está limitada pelo sentido possível das palavras.

Interpretação subjectivista: acolhida à pretensa vontade do legislador histórico

Interpretação objectivista: fundada nos sentido que a regulamentação assume no momento em que o processo de interpretação é levado a cabo.

Parece assim, entender-se que a objecção segundo a qual é não legítimo distinguir interpretação de analogia, é falsa. O processo lógico é o mesmo, mas nada afasta a circunstância de existirem processos de interpretação cuja conclusão se mantém no sentido possível das palavras e outros cuja conclusão os ultrapassa. Tudo isto não significa que esteja afastada a função limitadora da ratio legis, o que se propõe é que antes do sentido e finalidade da lei, a interpretação tenha que passar pela admissibilidade do texto da norma ao teor literal da lei e aos significados comuns.

o Âmbito da proibição de analogiaA proibição de analogia vale relativamente a todos os elementos que sirvam para fundamentar a responsabilidade ou para a agravar. Nomeadamente:

i. Abrange os elementos constitutivos dos tipos legais de crime descritos na Parte Especial do CP; como vale relativamente

às leis penais em branco não só na parte sancionatória como na parte que remete para regulamentação externa;

ii. Abrange matéria relativa às consequÊncias jurídicas do crime, em tudo quanto possa revelar-se desfavorável ao agente;

iii. Abrange certas normas da Parte Geral do CP, aquelas que constituem alargamentos da punibilidade de comportamentos previstos como crimes na Parte Geral, nomeadamente em matéria de tentativa. Nas causas de justificação e causas de exclusão da culpa e da punibilidade, o recurso a analogia é legítimo sempre que o resultado seja o alargamento do campo de incidência; por outro lado, a analogia é ilegítima se tiver como consequência a diminuição do campo de incidência.

Proibição de retroactividade, cont.a)A aplicação da lei penal no tempo e o

princípio da irretroactividadeO plano em que se manifesta o princípio da legalidade, que se constata mais complexo é a proibição de retroactividade contra o agente.pode acontecer que para a prática de um determinado facto, que não constituía crime no momento, a lei nova venha a criminalizá-lo ou então a agravar uma pena que se previa menos pesada para determinado facto. Este problema de aplicação é resolvido através das normas de direito inter-temporal; que se reduzem ao princípio da não retroactividade em tudo o que funcione contra o réu – exigência constitucional de que só seja punido o crime por lei anterior à prática do facto.O pressuposto da actuação deste princípio é o tempus delicti, ou seja a determinação daquele que

de ser considerado como o momento da prática do acto. Dispõe o art. 3º do CP“o facto considera-se praticado no momento em que o agente actou ou, no casode omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.” – decisivo é a conduta e não o resultadoÉ no momento em que o agente actua, ou deveria ter actuado, que releva a função tutelar dos direitos, liberdades e garantias da pessoa que constitui a razão de ser do princípio da irretroactividade. A regulamentação vale para todos os participantes no facto criminoso (autores e cúmplices).Para os crimes duradouros, ou seja, aqueles em que uma parte ocorre no domínio da lei antiga e outra no da lei nova, a doutrina estabelece que qualquer agravação da lei ocorrida antes do fim da consumação só pode valer para aqueles elementos típicos do comportamento verificados após o momento de modificação legislativa.

b)Âmbito de aplicaçãoTal como na proibição de analogia, também a irretroactividade funciona apenas a favor do agente e não contra ele.Em muitas ordens jurídicas vigora a ideia de que a proibição não vale para as medidas de segurança. No sistema jurídico-penal, e após a reforma do CP em 1982, foram afastadas tais considerações. Levanta-se a questão de saber se só a lei está submetida à irretroactividade ou se também a jurisprudência se limita a esta proibição?O prof.FD, diz-nos que apesar de a aplicação de uma nova corrente jurisprudencial não constituir uma violação do princípio da legalidade, põe em causa valores que lhe estão associados, pela

frustração das expectativas quanto à irrelevância penal da conduta. Devem os tribunais ser extreamente cuidadosos na modificação de uma corrente jurisprudencial contra o agente, mostrando-se nessas circunstâncias ainda mais exigentes no respeito máximo pelo sentido possível das palavras. O cidadão que actuou com base numa expectativa fundada numa jurisprudência inicial poderá amparar-se numa falta de consciência de um ilícito não censurável que determinará a exclusão da culpa e, consequentemente, da punição, art. 17º/1 CP.

Crimes de omissão

O tipo incriminador tanto pode ser realizado através de uma acção proibida, como através da omissão de um comportamento juridicamente exigido. Nos crimes de omissão o agente não levou a cabo a acção esperada ou imposta, como tal não pode falar-se em causalidade, dolo, decisão de praticar o ilícito ou de outros conceitos que constituem a base da doutrina do facto doloso.

Kaufmann pretendeu construir toda a dogmática em torno da omissão com base no princípio da inversão: comportando-se a acção e a omissão como A e não-A, a construção dogmática da omissão tem de partir da ausência de acção, causalidade, dolo, decisão de cometer o ilícito... Figueiredo Dias: a distinção entre acção e oissão tem de ser comandada por valorações político-criminais. Neste plano é possivel encontrar um denominador comum entre o relevo jurídico-penal da acção e da omissão. Se a mãe decide matar o filho bebé deixando de o alimentar pode falar-se da vontade de realização de um homícidio, da decisão de violar o bem jurídico, no entanto a construção da omissão não se reporta à inactividade da mãe (por não dar de comer ao filho agiu contra o bem jurídico) mas sim à função da acção juridicamente esperada (que no caso, a mãe não praticou a função juridicamente esperada – omissão), à qual se refere a omissão enquanto entidade juridico-penalmente relevante.

Discute-se os casos de crimes que a doutrina designa de dupla relevância em que é relevante tanto a acção como a omissão. Ex: se o automobilista ultrapassa um ciclista sem guardar a devida distância e o atropela, produz o acidente por acção (por ter atropelado o ciclista) ou por omissão (por não ter guardado a distância devida)?JakobsRoxin: Jurisprudência alemã: assume uma postura valorativa do sentido social do comportamento, pretendendo fazer a distinção consoante o ponto de conexão da censurabilidade jurídico-penal se encontre no comportamento activo ou omissivo. Segundo o prof. Figueiredo Dias, esta teoria tem preferência sobre a perspectiva da introdução positiva de energia por parte do agente que

determina uma acção (se foi introduzida essa energia) ou uma omissão (se essa energia não foi introduzida), defendida por Engisch, Roxin e outros. No entanto, salienta a dificuldade de perceber e/ou concretiar a censurabilidade defendida nesta teoria, sem recurso à demonstração ou ao apelo do sentimento jurídico. Além de que, a distinção entre acção e omissão fica submetida a um princípio de subsidariedade que nos dita que será omissão quando não for acção, solução que apesar de ser passível de aplicação numa parte dos casos, não pode ser a linha de distinção geral entre acção e omissão. Prof. Figueiredo Dias: uma vez que se trata de imputação objectiva, o prof. Defende que o critério decisivo de delimitação deve ser ser um critério de ilicitide e de imputação objectiva. Ao agente deve ser imputada uma acção sempre que ele aumentou o perigo para o bem-jurídico; uma omissão sempre que ele não diminua esse perigo.

Ficam assim resolvidos os casos mais dificeis. Os casos apelidados por Roxin como casos de omissão através da acção, em por razões como o princípio de subsidariedade na delimitação entre acção e omissão, defende Roxin que é perfeitamente possível submeter uma acção a um tipo omissivo quando tal é imposto por razões normativas. A acção permanece acção mas é punida como omissão. Não são uma categoria de actos entre a acção e a omissão mas sim um conjunto de casos rigorosamente identificados em que por determinadas razões devem ser tratados à luz das regras da omissão: comparticipação activa em delito omissivo, omissio libera in causa, tentativa interropida de cumprimento de uma imposição legal e interrupção técnica de um tratamento.

Os dois primeiros grupos de casos: comparticipação activa em delito omissivo, omissio libera in causa são de facto casos de omissão, em qualquer um deles o agente não diminuiu o perigo que afectava o bem jurídico, apesar de no plano do comportamento terem se verificados actos de introdução positiva de energia. No entanto, já não é tão linear nos casos de interrupção de um processo de salvamento em curso de um bem jurídico ameaçado. Aqui Roxin defende que se o processo salvador ainda não atingiu a esfera da vítima o caso deve ser tratado nos quadros da omissão por não existirem razões político-criminais que determinem que a situação jurídico-penal daquele que interrompe um processo de salvação (acção) seja pior que aquele que decide não intervir (omissão). Na hipótese dos actos que configuram ua interrupção técnica de um tratamento o coportamento médico é omissivo porque a continuação do processo de “salvamento”/continuação dos cuidados médicos não diminuiria o perigo que atingia a vida daquele que estava a morrer, mas se for por parte de alguém que não é médico (familiares e amigos do doente por exemplo) já estamos perante um comportamento activo porque aí já não há um dever de tratamento que pessoalmente obrigasse o agente e tenha sido violado por este.

Crimes puros de omissão versus Crimes impuros de omissão

O crime de omissão reside na violação de um imposição legal de actuar, pelo que só pode ser cometido pela pessoa sobre a qual recais o dever jurídico de levar a cabo a acção imposta. Por isso tão importante determinar o circulo dos autores

possíveis de um crime de omissão, visto que na lei só uma minoria dos casos tem consagrados os pressupostos fácticos donde resulta o dever de actuar enquanto que a generalidade é regulada por uma clausula geral, expressa no art.10º/2 CP. É precisamente na diferença de regulação penal que reside o fundamento para a distinção entre crimes de omissão puros ( aqueles em que a parte especial do CP referencia a omissão como forma de integração típica, descrevendo os pressupostos fácticos donde deriva o dever jurídico de actuar, art. 200º CP) e crimes de omissão impuros (não estão especificamente descritos na lei como tal, mas a sua tipicidade resulta de uma clausula de equiparação da omissão à acção, previsto na Parte Geral do CP, art.10º/2). Roxin: esta distinção encobre a verdadeira distinção entre omissões puras e impuras. Omissões puras são aquelas omissões típicas relativamente às quais o delito correspondente à acção não existe, impuras aquelas para as quais se torna necessária uma clausula de equiparação à acção correspondente; levando ao perigo da indistinção entre delitos de estrutura diversa.Prof. Figueiredo Dias: para a doutrina tradicional são delitos puros de omissão aqueles cujo tipo objectivo de ilícito se esgota na não realização da acção imposta pela lei e impuros aqueles em que o agente assume a posição de garante da não produção de um resultado típico. O que conduz a uma equiparação entre crimes de resultado e crimes de mera actividade: a letra do art. 10º do CP parece impor a um tipo legal de crime que compreende um certo resultado. A decisão entre crime puro de omissão ou crime impuro de omissão prende-se com a determinação dos termos em que se constitui o dever de garantia

e o as posições de garante. Apenas questionáveis nos casos em que não é a tipicidade a defini-los com exactidão e que por isso se encontram remetidos para o art. 10º/2. No entanto Roxin, estende a determinação dos termos do dever de garantia e das posições de garante, também também aos crimes de omissão que constam da Parte Especial onde o recurso à clausula geral de equiparação pode revelar-se util por faltar a descrição típica do delito de acção correspondente, ao passo que nos verdadeiros crimes de omissão puros não deve uma posição de garante ser deduzida de um simples dever de acção.O prof. Figueiredo Dias rejeita esta consideração de Roxin, e conclui que o critério fundamental de distinção deve basear-se na premissa de que os crimes impuros de omissão, ao contrário dos puros, não se encontram descritos num tipo legal de crime e como torna-se indispensável o recurso à clausula de equiparação contida no art. 10º do CP. Assim, um crime de omissão puro seria a omissão de auxílio, em que o agente nada fez para afastar o perigo para o bem jurídico, não é relevante saber se alguém acabou por sofrer danos (houve um resultado), mas sim que o agente não fez alguma coisa idónea para proteger o bem jurídico. Não existe aqui nenhuma correspondência entre a omissão e a acção. Um crime impuro de omissão

Posição de GaranteNos crime impuros de omissão, a imputação objectiva do resultado só pode ser feita aquele sobre o qual recaia o dever jurídico de evitar o resultado e se encontre por força do tal dever, constituído na posição de garante da não verificação do resultado típico. A questão básica é determinar de que modo podem delimitar-se os

deveres juridico-penalmente relevantes com clareza e determinabilidade suficientes para responder às exigências jurídico-constitucionais do nullum crimen sine lege.

Teoria Formal: Feurbach: um crime de omissão pressupões sempre um especial fundamento jurídico (lei ou contrato) que sirva de base à obrigatoriedade de agir, sem ele ninguém poderá ser punido. Stubel acrescenta acrescenta a situação de perigo anterior criada pelo comitente ou ingerência. Actualmente esta teoria está doutrinal e jurisprudencialmente afastada.Teoria material: permite ligar a infracção do dever jurídico de garantia a um sentido de ilicitude material. Kaufmann deu aqui a palavra decisiva ao avançar com a teoria das funções, segundo a qual os deveres de garantia se fundam ou numa função de gurda de um bem jurídico concreto (deveres de protecção) ou numa vigilância de uma fonte de perigo (deveres de seguramnça ou controlo). No primeiro grupo o bem jurídico carente de guarda deve ser protegido contra uma pluralidade de risco; no segundo grupo deve-se vigiar a fonte de perigo em relação a uma pluralidade determinada de risco.

O Prof. Figueiredo Dias vem propor uma terceira posição: teoria material-formal. Defende que uma correcta concretização dos deveres de garantia deve alcançar-se pela conjugação das duas teorias supra mencionadas. Não se pode considerar correcto a dissolução dos deveres de actuação dos agentes da comissão por omissão nem da posição de garante da não produçao do resultado que deles deriva numa espécie de fontes de deveres jurídicos positivos que funcionam como um quadro vinculante para além do qual não se pode

ultrapassar. A fonte dos deveres e das posições de garantia reside na valoração autónoma da ilicitude material através da qual a comissão por omissão vem equiparar-se à acção na situação concreta, por força de exigências de solidariedade.

Deveres de protecção: necessário para a existência de um dever de garante é a existência de relações fácticas entre aquele sobre quem a lei faz recair um certo dever e o bem jurídico lesado pelo resultado. O omitente deve ser responsável pelo bem jurídico carente de protecção, resultando que é a relação fáctica que fundamenta o dever de garantia e não qualquer prescrição legal, podendo o dever de garantia, por isso, ir mais longe que aquilo que está estatuído pelas prescrições legais:

Relações de protecção familiar e análogas: o âmbito mais claro é o das relações entre pais e filhos. Não é indispensável invocar as consagrações legais deste dever, simplesmente a unívoca relação de solidariedade natural entre o omitente e o titular do bem. Esta relação atenua-se juridicamente quando o filho sai do âmbito de protecção dos pais ou quando os pais se separam e fica apenas um encarregue da protecção e assistência do filho. No plano jurídico-penal a posição de garante do omitente releva quando a relação seja particularmente próxima e quando se possa afirmar-se a relação de dependência.

Assunção voluntária e efectiva da custódia do bem jurídico: o que oferece fundamento ao dever e à posição de garante não é a existÊncia de uma relação contratual, mas sim a assunção fáctica de uma função de protecção

materialmente baseada numa relação de confiança, relava aqui a circunstância de o carente de protecção cofiar na disponibilidade interventora do garante, sujeitando-se, assim, a riscos acrescidos ou dispensando outra protecção.

Comunidade de risco: por força das relações de confiança e de dependência mútuas que se estabelecem no grupo, correm-se riscos acrescidos ou são dispensados outros meios de protecção. A autonomização deste terceiro fundamento de dever de garante reside no empreendimento, conjuntamente reconhecido e acreite, que cria em cada um dos participantes um dever de garantia face a todos os restantes. Acresce ser necessário que as relações intercedentes sejam estreitas e efectivas e não meramente dedutíveis, que a comunidade de riscos realmente exista e não seja meramente dedutível e que não se estenda até ao limite de prevenção geral de perigos mas apenas quando o perigo já pesa sobre a vítima.

Deveres de vigilância: o garante está vinculado ao controlo e vigilância da fonte de perigos

Dever de obstar à verificação do resultado por força de uma acção anterior perigosa (dever de ingerência): quem cria o perigo que pode afectar terceiros (ingerência) deve evitar que ele não venha a concretizar-se num resultado típico. Para desencadear a responsabilidade do agente por omissão devem verificar-se os seguintes requisitos:

i. Objectivamente imputável ao incumprimento do dever de garante:

ii. A criação do perigo tem de ter sido objectivamente ilícita, embora não culposa, pelo que não haverá fundamento à posição de garante sempre que o comportamento prévio esteja justificado. Não vale no entanto, para comportamentos justificados por estado de necessidade.

Dever de fiscalização de fontes de perigo: a comunidade tem o poder de confiar em quem exerce um poder de disposição sobre um âmbito de domínio ou um lugar determinado, que se encontra acessíveis a outras pessoas, deve também dominar riscos que para estas podem resultar de estados ou situações perigosas.

Dever de garante face à actuação de terceiros: acontece nos casos em que o terceiro ou não é responsável ou tem a sua responsabilidade diminuída. Por exemplo: os pais assumirão perante os seus filhos, dependentes, não só uma posição de garante de protecção, mas também um dever de vigilância e segirança a perigos que dele partam.

O Prof. Figueiredo Dias, introduz mais um fundamento às posições de garante, são as posições monopólio. As posições de domínio de uma fonte de perigo verificam-se num sem número de situações, além das previstas, sem que daí deva derivar dúvidas sobre a responsabilidade de quem, mesmo que acidentalmente, se encontre numa posição de domínio fáctico absoluta da fonte de perigo e como tal tenha um dever de garante. Nestes casos, para determinar um dever de garante deve exigir-se:

Que o agente esteja efectivamente investido, mesmo que só por força das circunstâncias, numa posição de domínio absoluto e próximo da situação;

Que o perigo em que incorre o bem jurídico seja relevante;

Que a acção de protecção do bem jurídico não seja particularmente onerosa para o agente.