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CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS E ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS Possibilidade de revisão jurisdicional no Estado Democrático de Direito

ConCeitos JurídiCos indeterminados e atos administrativos ... · 3.1. Conceitos jurídicos determinados e indeterminados ... eleger, nos limites da competência discricionária,

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ConCeitos JurídiCos indeterminados e atos

administrativos disCriCionáriosPossibilidade de revisão jurisdicional no

Estado Democrático de Direito

ConCeitos JurídiCos indeterminados e atos

administrativos disCriCionáriosPossibilidade de revisão jurisdicional no

Estado Democrático de Direito

MEIRE A. FURBINO MARQUESMestre em Direito pela PUC Minas

Especialista em Direito Público e Direito TributárioBacharel em Direito e Administração de empresas

Assessora Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de Minas GeraisProfessora Universitária

Belo Horizonte2017

341.35 Marques, Meire A. FurbinoM357c Conceitos jurídicos indeterminados e atos administrativos discricionários:2017 possibilidade de revisão jurisdicional no estado democrático de direito / Meire A. Furbino Marques. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017. 257 p.

ISBN: 978-85-8238-312-4 E-book: 978-85-8238-313-1

1. Direito administrativo. 2. Ato administrativo. 3. Conceitos jurídicos. 4. Discricionariedade administrativa. 5. Atos administrativos discricionários. I. Título.

CDD (23.ed.) – 342.06 CDDir – 341.35

Belo Horizonte2017

CONSELHO EDITORIAL

Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-700

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora.

Impresso no Brasil | Printed in Brazil

Arraes Editores Ltda., 2017.

Coordenação Editorial: Produção Editorial e Capa:

Revisão:

Fabiana CarvalhoDanilo Jorge da SilvaResponsabilidade do Autor

matriz

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www.arraeseditores.com.br [email protected]

Álvaro Ricardo de Souza CruzAndré Cordeiro Leal

André Lipp Pinto Basto LupiAntônio Márcio da Cunha Guimarães

Bernardo G. B. NogueiraCarlos Augusto Canedo G. da Silva

Carlos Bruno Ferreira da SilvaCarlos Henrique SoaresClaudia Rosane Roesler

Clèmerson Merlin ClèveDavid França Ribeiro de Carvalho

Dhenis Cruz MadeiraDircêo Torrecillas Ramos

Emerson GarciaFelipe Chiarello de Souza Pinto

Florisbal de Souza Del’OlmoFrederico Barbosa Gomes

Gilberto BercoviciGregório Assagra de Almeida

Gustavo CorgosinhoGustavo Silveira Siqueira

Jamile Bergamaschine Mata DizJanaína Rigo Santin

Jean Carlos Fernandes

Jorge Bacelar Gouveia – PortugalJorge M. LasmarJose Antonio Moreno Molina – EspanhaJosé Luiz Quadros de MagalhãesKiwonghi BizawuLeandro Eustáquio de Matos MonteiroLuciano Stoller de FariaLuiz Henrique Sormani BarbugianiLuiz Manoel Gomes JúniorLuiz MoreiraMárcio Luís de OliveiraMaria de Fátima Freire SáMário Lúcio Quintão SoaresMartonio Mont’Alverne Barreto LimaNelson RosenvaldRenato CaramRoberto Correia da Silva Gomes CaldasRodolfo Viana PereiraRodrigo Almeida MagalhãesRogério Filippetto de OliveiraRubens BeçakVladmir Oliveira da SilveiraWagner MenezesWilliam Eduardo Freire

V

A Raquel e Ricardo:representam tudo para mim.

VI

agradeCimentos

Agradeço ao meu orientador Professor Edimur Ferreira de Faria, pessoa admirável que se dedicou a me incentivar na pesquisa do tema, indicando-me a trilha do necessário aprofundamento teórico para desenvolver a tese proposta.

Aos grandes mestres, Prof. José Adércio Leite Sampaio, Prof. Fernando Horta Tavares e tantos outros que contribuíram para meu crescimento intelec-tual. Muitos ainda virão.

À PUC Minas. Não é um espaço físico. Vai além: é estado de espírito, estado de graça.

Ao meu marido, Sérgio, e aos meus filhos, Raquel e Ricardo, pelo amor, carinho e paciência; aos meus queridos pais, Abel e Ninice, pelo incentivo constante; Eneida, irmã querida e sempre presente; Gabriela, florzinha do meu jardim; minha amada tia Zá, pessoa incomum; Rosângela e Raio, sinônimos de confiança e carinho. Sinto-me muito grata. Amo vocês!

Agradeço a todas as pessoas que influenciaram, direta e indiretamente, na elaboração deste estudo, apoiando e colacionando elementos para desenvol-vimento da tese, em especial aos amigos e apoiadores: Sérgio Brasil, Gustavo Faria, Cristiano Erse, Pedro Jorge Fonseca.

Aos amigos que vieram pela Pontifícia: Thiago Báo Ribeiro, Elaine M. Parise, Patrícia Paoliello, Andreia Barroso, Bárbara Lobo, Fabiana Felício, Ana Luísa, Rafael Alves, Tarcísio Henriques, Pedro E. Maia, Larissa Trindade, Gui-lherme Lage, Eudes Teotônio, Kildare Carvalho, Ângela Rodrigues, Cândice Lisbôa, Fernanda Silveira, (...), impossível nomear a todos que, de alguma for-ma, fizeram parte deste processo.

Davi Lelis! A você meu agradecimento é especial. Obrigada pela paciência e por dedicar parte do seu tempo para me auxiliar. Com a sua ajuda foi mais fácil.

A liberdade do pensamento toma forma e concretude pela expressão de seus autores. Mais que a realização de um sonho, a pretensão é que os argu-mentos trazidos a lume contribuam para ampliar e modernizar os horizontes do direito administrativo, além dos lindes da liberdade restrita à análise da legalidade dos atos administrativos discricionários.

VII

Enfim, estou muito agradecida. Consegui trazer para o papel algumas con-siderações que poderão aguçar a curiosidade dos operadores e estudantes do Di-reito Administrativo. Ao leitor restam a interpretação e a investigação constantes.

E a conclusão? Ah!... não me venham com conclusões, não me peçam con-clusões. Elas não existem. O poeta já se deu conta disso: “A única conclusão é morrer.” (CAMPOS, 1923, p. 245). Então, estejamos cada vez mais vivos para prosseguir na obra sem fim e em constante evolução.

Belo Horizonte, Julho de 2017.

MEIRE [email protected]

VIII

A grande questão do Direito Administrativo contemporâneo é,justamente, a de jurisdicionalizar este último reduto da antiga

arbitrariedade, sem prejuízo, obviamente, do respeito àquilo que este significa em termos de legítima liberdade de decisão,

desejada pela Constituição e as leis.

(ENTERRÍA; FERNÁNDEZ, 2014, p. 465).

O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria,

aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.

(ROSA, 2001, p. 334).

IX

sumário

PREFÁCIO IEdimur Ferreira de Faria ......................................................................................... XI

PREFÁCIO IIJosé Adércio Leite Sampaio....................................................................................... XV

APRESENTAÇÃORaul Miguel Freitas de Oliveira .............................................................................. XIX

CAPíTulO 1INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1

CAPíTulO 2O DIREITO ADMINISTRATIVO NA PERSPECTIVA DE SUA EVOLUÇÃO 72.1. Evolução do Direito Administrativo ............................................................. 72.2. O Direito Administrativo sob outro prisma ................................................ 172.3. Paradigmas e possibilidades de mudança ...................................................... 202.4. Tendências do Direito Administrativo brasileiro ........................................ 28

CAPíTulO 3CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS ........................................... 363.1. Conceitos jurídicos determinados e indeterminados .................................. 383.2. Origem e evolução dos conceitos jurídicos indeterminados ..................... 43

3.2.1. Conceitos jurídicos indeterminados – Elementos de composição: zona de certeza positiva e negativa .................................................................. 53

3.3. Conceitos jurídicos indeterminados e discricionariedade.......................... 613.4. A sindicabilidade judicial dos conceitos jurídicos indeterminados ......... 80

CAPíTulO 4O ATO ADMINISTRATIVO .................................................................................. 834.1. Requisitos do ato administrativo .................................................................... 87

4.1.1. Competência ............................................................................................. 88

X

4.1.2. Conteúdo ................................................................................................... 894.1.3. Forma ......................................................................................................... 904.1.4. Finalidade .................................................................................................. 914.1.5. Motivo ....................................................................................................... 92

4.2. Motivo, motivação e teoria dos motivos determinantes ............................ 954.2.1. Teoria dos motivos determinantes ....................................................... 964.2.2. Motivo e motivação: distinção .............................................................. 99

CAPíTulO 5DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA ............................................... 1075.1. Discricionariedade e vinculação ...................................................................... 1195.2. Discricionariedade e arbitrariedade ................................................................ 1285.3. Técnicas de controle da discricionariedade ................................................... 137

5.3.1. Controle dos motivos determinantes ................................................... 1395.3.2. Controle dos elementos vinculados e desvio de poder .................... 1425.3.3. Controle de princípios e juridicidade .................................................. 1485.3.3.1. Princípio da razoabilidade .................................................................. 1595.3.3.2. Princípio da proporcionalidade ......................................................... 164

5.4. Discricionariedade técnica ............................................................................... 1685.5. Discricionariedade administrativa: redução a zero...................................... 173

CAPíTulO 6MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO ............................................................ 1796.1. Mérito processual e mérito administrativo: distinção ................................ 1856.2. Discricionariedade e mérito do ato administrativo: institutos distintos? 1866.3. Controle do mérito ato administrativo ......................................................... 1896.4. Princípio da separação (divisão de funções) dos Poderes e inafastabilidade da tutela jurisdicional.................................................................. 197

CAPíTulO 7POSSIBILIDADE DE REVISÃO JURISDICIONAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ...................................................... 206 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 227

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 231

XI

PreFáCio i

O Direito Administrativo, ramo do Direito Público, desde sua origem, na França, vem sofrendo constante mutação, acompanhando a constante evolução do Estado ou contribuindo para essa evolução. O seu objetivo é disciplinar os processos e procedimentos indispensáveis à efetivação das políticas públicas pelo Estado, por intermédio da Administração Pública, destinadas aos cidadãos.

As promessas do Estado em benefício da sociedade, constantes da Consti-tuição, são materializadas pela Administração Pública. Para isso, ela se vale de diversos ramos do Direito Público, dentre os quais o Direito Administrativo, e é gerida, sabidamente, por agentes públicos dotados de competências conferidas por lei. As competências variam de acordo com a posição deles na estrutura hierárquica da organização administrativa. Nos países que adotam o Civil Law, as condutas dos agentes públicos são regradas por leis emanadas do Legislativo.

O Legislativo, no exercício de suas atividades legiferantes, estabelece condu-tas que devem ser adotadas pelos agentes públicos administrativos no exercício de suas funções. Essa regulação divide-se em duas categorias em relação à liberdade dos agentes no exercício de suas competências. A doutrina e a jurisprudência atribuíram a essas categorias as expressões “competência vinculada” e “competên-cia discricionária”. A vinculada, como o próprio nome indica, é aquela em que o agente, diante da situação fática, deve adotar a única conduta predeterminada pelo ordenamento jurídico. Na discricionária, ao contrário, o legislador, na im-possibilidade de predeterminar a conduta do agente, deixa-lhe uma faixa para eleger, nos limites da competência discricionária, a opção adequada, no caso con-creto, justificando conveniência ou oportunidade, ou ambas ao mesmo tempo.

Na primeira fase, a da hermenêutica jurídica em relação a essa discricio-nariedade, a doutrina e a jurisprudência uniformizavam-se no entendimento de que os atos praticados pelo agente público no exercício da competência discricionária eram insusceptíveis ao controle judicial, sob o argumento de que o ordenamento jurídico deixou à autoridade administrativa a faculdade de operar a escolha que julgasse ser a melhor.

Mais tarde o entendimento evoluiu para permitir ao Judiciário controlar atos administrativos decorrentes do poder discricionário, nas hipóteses de o

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agente ter agido com abuso de poder ou desvio de finalidade, mas não podia, entretanto, perquirir o mérito do ato, conveniência e oportunidade. Esse en-tendimento ainda é defendido pela doutrina e pela jurisprudência majoritárias, mas em processo de decadência.

Na contemporaneidade, autores e juízes vêm defendendo a sindicabilidade do mérito do ato administrativo pelo Judiciário. O primeiro autor brasileiro, de que se tem notícia, a escrever sobre o tema foi Sérgio Ferraz. Hoje já existem dissertações e teses de doutoramento que defendem a possibilidade de o Judi-ciário adentrar o mérito do ato administrativo para verificar se a escolha feita pela autoridade administrativa foi a melhor, considerando, principalmente, a hermenêutica constitucional hodierna.

Nessa última fase de compreensão do tema em foco, até o momento, vem à tona este livro de autoria da mestra em Direito Público pela Pontifícia Univer-sidade Católica de Minas gerais, Meire Aparecida Furbino Marques, intitulado Conceitos Jurídicos Indeterminados e Atos Administrativos Discricionários: possibilidade de revisão jurisdicional no Estado Democrático de Direito, re-sultado de sua dissertação de mestrado, defendida em fevereiro de 2016.

A autora, já na introdução, alerta o leitor sobre a importância do tema “dis-cricionariedade” e informa que a matéria vem “sendo visitada e revisitada com a intenção de fornecer elementos que justifiquem o subjetivismo da decisão ad-ministrativa, no âmbito da liberdade de escolha prevista na lei”. Demonstra essa necessidade considerando que a sociedade tem se tornado mais politizada e mais consciente de seus direitos, principalmente no paradigma do Estado Democrá-tico de Direito, e também diante da globalização econômica e política aflorada na década de 1990. Alerta, entretanto, que a Administração Pública, no exercício da faculdade discricionária, atua com abuso de poder, desvio de finalidade e arbitrariedade. E, ainda, mesmo observando a lei no sentido estrito, nem sempre adota conduta compatível com os anseios sociais legítimos.

Com essas considerações, Meire mostra a necessidade de aprofundamento do estudo sobre o tema proposto: é necessário demonstrar a legitimidade do Ju-diciário para exercer controle irrestrito dos atos administrativos, incluindo os editados no exercício do poder discricionário. Essa posição da autora incorpora o entendimento dos autores que defendem em suas teses de doutoramento, pu-blicadas na atual década, a sindicabilidade do mérito dos atos administrativo pelo Judiciário.

A autora aprofundou a pesquisa no sentido de verificar se os poucos argu-mentos precedentes direcionados no sentido de que a autoridade administrati-va no exercício do poder discricionário, diante de várias hipóteses, deve adotar a que melhor atende ao disposto no ordenamento jurídico. Ao final do estudo, chega à conclusão de que dentre as opções possíveis na faixa compreendida na faculdade discricionária apenas uma é válida juridicamente, fato que, dentre

XIII

outros, legitima o Judiciário para verificar se o agente efetivamente elegeu a melhor escolha.

Depois de percorrer, com riqueza de detalhes, o caminho da evolução do Direito Administrativo, conclui afirmando que é “possível e necessária a revisão jurisdicional do mérito dos atos administrativos discricionários perpetrados no seio do Estado Democrático de Direito. Essa atuação do Poder Judiciário não configura riscos à democracia. Demonstra, outrossim, o desempenho da função jurisdicional nos moldes que lhe foram conferidos pela Constituição Federal”.

Nesse percurso, ela revisita os renomados autores pátrios do Direito Ad-ministrativo e com eles estabelece profundo diálogo, ressaltando sempre seu posicionamento sobre os temas discutidos, principalmente no que tange às tendências do Direito Administrativo brasileiro.

Ainda no percurso da evolução do Direito Administrativo, a autora traz profunda discussão sobre a discricionariedade e os conceitos jurídicos indeter-minados invocando autores nacionais e estrangeiros.

O estudo do tema teve por finalidade demonstrar que o campo da discri-cionariedade administrativa não era tão amplo como se entendia. Isso porque, nos casos de conceitos jurídicos indeterminados, ao agente público não era conferida a faculdade de eleger, discricionariamente, a conduta a ser adota quando estivesse diante da situação fática, mas fazer a intelecção da norma e adotar conduta vinculada, nos termos previstos na regra de direito.

O estudo do tema teve início na Áustria, no século XIX, por Edmund Bernatzik e Friedrich Tezner. O primeiro sustentou, em livro publicado em 1886, que os conceitos legais indeterminados conferiam à Administração Públi-ca competência para atuar discricionariamente. O segundo, Tezner, dois anos depois, publicou também um livro sobre o assunto, mas em oposição a Ber-natzik. Ele defendeu a tese segundo a qual, a ideia de que a discricionariedade compreende os conceitos jurídicos legais é incompatível com o Estado de Di-reito. As duas teorias foram desenvolvidas na Alemanha, com predominância da defendida por Tezner.

Na Espanha, prevaleceu o entendimento defendido por Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández de que nos conceitos jurídicos indeter-minados não há espaço para atuação discricionária.

No Brasil, a matéria não é pacífica. Há autores, como Celso Antônio Ban-deira de Mello, que admitem a possibilidade de discricionariedade nos casos de conceitos jurídicos indeterminados quando duas ou mais opções forem igual-mente válidas. Outros, entretanto, como Regina Helena Costa, entendem que nos conceitos jurídicos indeterminados apenas uma decisão é juridicamente válida.

Depois de exaustiva pesquisa e discussão sobre o tema, trazendo ao debate autores estrangeiros e nacionais que se dedicaram ao estudo desse tema polêmi-co, Meire chega à conclusão de que quando se está diante de conceitos jurídicos

XIV

indeterminados, fluidos ou imprecisos, não se cogita de discricionariedade: “E, chegando-se a esse ponto, é de se entender que não há discricionariedade nos conceitos jurídicos indeterminados, e tão somente interpretação, para se concluir qual o exato sentido aplicável ao caso em análise, cujo resultado é plenamente sindicável jurisdicionalmente”.

Essa síntese, expressa em breve texto, é suficiente para ressaltar a atualida-de do tema pesquisado pela autora e sua importância, considerando, principal-mente, os abusos e arbitrariedades praticados por agentes públicos no exercício do poder discricionário. O reconhecimento da possibilidade de o Judiciário adentrar o mérito do ato administrativo é contribuição fundamental para corri-gir atos administrativos lesivos a direitos ou interesses particulares e até mesmo lesivos à Administração Pública.

Por isso, esta obra chega em boa hora, engrossando e reforçando a corren-te, ainda minoritária, mas crescente, que, sustentada no ordenamento jurídico pátrio e, principalmente, na hermenêutica constitucional, vem construindo só-lida tese na defesa da conduta ética, moral, jurídica e justa da Administração Pública compatível com o Estado Democrático de Direito.

EDIMUR FERREIRA DE FARIAMestre e doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Professor da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Direito. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Ex-Diretor da Faculdade de Direito da PUC Minas. Ex-Diretor da Escola de Contas e Capacitação do TCE/MG.

Ex-Presidente do Instituto Mineiro de Direito Administrativo.

XV

PreFáCio ii

O direito moderno orbita entre palavras e sentidos. Na construção de um glossário próprio, atua, como processo e nem sempre como intenção, na elaboração de limbos semânticos de palavras sem sentido e sentidos sem palavras, palavras com múltiplos sentidos e sentidos com múltiplas palavras. Esses jogos de linguagem possibilitam que o poder atravesse as fórmulas le-xicais ou manifestações extralinguísticas com maior desenvoltura. Claro está que o direito não é um cérebro programado para servir ao poder. Tampouco se destina a ser um contra-poder. É um espaço de encontro das duas coisas, que só se torna possível com a ambivalência e as aporias de seu léxico e de seu receituário de conceitos.

Pode-se simplesmente dizer que o mundo das normas é infinitamente me-nos complexo do que a dinâmica realidade. Toda discussão de poder poderia, portanto, ser superada pela diferença de tamanho entre o “ser” e o “dever ser”. São formas diferentes de um mesmo fenômeno. O poder e o direito possuem a dupla dimensão. Só os excessos do realismo e do normativismo jurídicos poderiam separar os dois mundos.

É desse encontro e dessas dificuldades que trata a presente obra, embora, em grande síntese, pudesse ser apresentada em sua tese central: a discricionarie-dade administrativa pode e deve ser analisada pelo judiciário, como exigência do estado democrático de direito. O esforço de dialogar com muitas fontes e de superar indeterminações linguísticas, manifestado no fôlego de páginas e verticalidade, é revelador da teia que envolve – e inebria – o assunto.

O manejo de expressões como “discricionariedade”, “mérito”, “conveniên-cia e oportunidade”, “razoabilidade”, “proporcionalidade” é tão problemático quanto o sentido que se possa precisar, nesse contexto de argumentação, de “legalidade”, “desvio de poder”, “separação de poderes” e mesmo – ou princi-palmente – “estado democrático de direito”. Não que escape à autora a com-plexidade da polissemia desses termos. A prova é encontrada em linha por linha de procura de precisão. Ela opera com desenvoltura no emaranhado de sentidos para tentar uma equação que permita, com um mínimo de segurança, expor seus argumentos. Invejável coragem e trabalho!

XVI

O estado de direito, como se sabe, foi um artefato, desenvolvido no caldo de cultura do liberalismo, para domesticar o poder pelo direito. A separação dos poderes foi uma de suas pilastras. Muitos têm-na como mera técnica de eficiência e de garantia da esfera privada. Não se dão conta que havia uma liga-ção umbilical com o sistema de legitimação, imprescindível para sustentar um edifício social em que Deus não mais cimentava as ordens de comando.

A tripartição, esquema reducionista, mas retoricamente exitoso, estabele-cia uma igualdade de forma e uma diferença de matéria: era o legislativo, por conter o espaço de representação popular, a fonte primária do direito. Ao exe-cutivo, cabia dar concretude às decisões parlamentares para o universo de des-tinatários. O judiciário, um braço meio dormente do próprio executivo, ficava com a missão que aplicar aquelas mesmas decisões à miudeza das relações con-flituosas que lhe batiam à porta. Havia um pequeno descompasso entre filho, o judiciário, e pai, o executivo, imposto pelo novo organograma do poder: o judiciário haveria de funcionar como guardião da supremacia parlamentar, por meio do controle de legalidade dos atos do executivo, especialmente naqueles que se exteriorizavam como atos de administração.

O paradoxo estava posto na própria assimilação ao executivo do poder--dever de administrar. A gestão pública não parecia bastar-se em aplicar a lei de ofício. O recorte normativo da realidade era insuficiente para abranger toda a diversidade de situações existenciais. “Gestão” já é uma inovação ao mecanicis-mo imaginado pelos Iluministas, um elemento privatista que se intrometia na dimensão pública. Mas a realidade se tornava irreversível a intromissão.

O temor da autoprogramação do executivo, justificadamente mantido em face dos excessos absolutistas, houve de ceder algum espaço que estivesse fora da plena determinação legal. Não que fosse “contra lege”, mas que atuasse em conformidade com ela na intimidade de administrar. Certos atos não admi-tiam pré-ordenações absolutas, deixando-se alguma margem de apreciação pelo administrador. A “discricionariedade” administrativa tornou-se um elemento excepcional ao esquematismo de ligação entre poderes legítimos e separados.

Certo, ainda hoje se diz, trata-se de uma margem de liberdade conferida pela lei e com a finalidade de realizar os objetivos legais à peculiaridade do caso concreto e no caso concreto. A lei autorizava juízos de preferências, segundo a conveniência e oportunidade. Sempre, porém, dentro da previsão legal e em virtude dela. O legislador renunciou à plenipotência pelo império dos fatos. A separação dos poderes admitiu rearranjos que, atentos à realidade, mantinham, ao menos, formalmente a primazia da lei. Nesse caso, o judiciário haveria de se afastar. A discricionariedade era um resíduo de política no âmbito da adminis-tração. E política não poderia ser o domínio do judiciário.

A sociedade de massa e o estado social agravaram as necessidades de deci-sões cada vez menos programadas pelo legislador. As delegações expressas ou

XVII

tácitas se tornaram maiores e mais frequentes. Voltaram-se as preocupações com um estado administrativo inimigo das liberdades. A discricionariedade haveria de ter controle. Não caberia ao legislador fazê-lo, pois sua especialidade conti-nuava a ser a da generalidade e da abstração, em que pese a co-originalidade de sua função de controle do executivo. Restava o judiciário.

Mas se a legalidade não era suficiente como parâmetro de controle, como fazer? Redefinir a legalidade, talvez, fosse o caminho. Ou expandi-la à globa-lidade do sistema jurídico. Em certos casos, talvez nem precisasse de tanto: sempre que o administrador, no uso da competência discricionária, deixasse de observar o fim previsto na lei, estaria a cometer um desvio de poder ou fina-lidade. Estava a meio dedo do nariz dos que relutavam em admitir o controle jurisdicional da discricionariedade. Já era indício do fetiche da separação dos poderes e das fórmulas jurídicas oitocentistas.

Um segundo passo seria dado: todo ato discricionário há de ter um supor-te fático. Diz a autora: “os motivos que impulsionam a atuação administrativa não significam escolha discricionária da Administração, porque ou eles existem ou não existem, ou são reais ou não são, ou aconteceram ou não aconteceram”. Mas já não era dado ao juiz perscrutar a realidade, o suporte material do ato? Não, pois a fórmula valia mais que o conteúdo.

A expansão da legalidade se deu mais adiante, talvez, a única inovação, embora, por amor à tradição, houvesse de mudar de nome para “juridicidade”. É verdade que o positivismo dominante sempre fora avesso a elementos im-precisos como os princípios gerais do direito, um elemento que bem poderia contrastar o arbítrio travestido de discricionariedade. A constitucionalização do direito administrativo acabou minorando essa resistência.

O “bloco de legalidade”, a juridicidade, haveria de contemplar os princí-pios constitucionais expressos e implícitos que norteiam o agir administrativo, sem olvidar o sistema de direitos fundamentais e as pautas funcionais (“princí-pios operativos”) que se passou a desenvolver como a “razoabilidade” e a “pro-porcionalidade”. O parâmetro em verdade foi ampliado à globalidade sistêmica do direito e não à lei em sua solidão normativa.

Virtualmente, a discricionariedade foi a zero, pois se “houver a compara-ção entre duas alternativas e uma delas se mostra mais justa que a outra”, “mais razoável”, “mais proporcional”, será ela a “melhor e única solução”, que obriga o administrador a adotá-la. Quem afere essa correção? O judiciário, o poder que mais espaço ganhou desde as origens do constitucionalismo aos dias atuais.

O juiz tornou-se guardião da razoabilidade, da proporcionalidade, da cor-reção e da discricionariedade do ato administrativo. O estado legislativo que deu lugar ao estado administrativo, agora, convola-se em estado judiciário. Sem embargo, é do estado democrático de direito de que se fala. O controle do ato discricionário se dá em nome e pela exigência dele, como bem acentua a autora.

XVIII

Qual será o sentido, então, de “democrático”? Talvez a mera contrafac-tualidade de um poder do povo que se expressa na teia de controles recíprocos entre os três poderes e não apenas na vontade de seus representantes. Talvez ainda gravite entre a falta e a pluralidade de sentido num jogo de linguagem que possibilita o poder atravessar as fórmulas lexicais à procura de novos sen-tidos. Nem o tempo para nem o direito nem o poder. É o preço da engenhoca moderna. O texto caminha nesse encontro entre direito e poder no tempo em que um dos principais institutos (categorias?) do direito administrativo se re-mói para ajustar-se às novas demandas.

JOSÉ ADÉRCIO LEITE SAMPAIO Mestre e doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Professor da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

e da Escola Superior Dom Helder Câmara/BH.Procurador do Ministério Público Federal.

XIX

aPresentação

Honra-me apresentar o livro “CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMI-NADOS E ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS: possibilidade de revisão jurisdicional no Estado Democrático de Direito”, obra decorrente da dissertação de mestrado defendida em 2016 na Pontifícia Universidade Ca-tólica de Minas Gerais, por Meire Aparecida Furbino Marques, sob orientação primorosa do Professor Doutor Edimur Ferreira de Faria.

Na oportunidade, tive o privilégio de participar do momento de júbilo e consagração da então examinanda, que tão bem respondeu aos questionamen-tos da banca examinadora, demonstrando maturidade e consistente formação.

Outro não seria o resultado, senão a aprovação, uma vez que a ora au-tora, como discípula de meu amigo, o Professor Edimur Ferreira de Faria, e formada pela histórica Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, dará continuidade à gloriosa tradição de excelência da Escola Mineira de Direito Administrativo.

Uma das dádivas da carreira docente é a de poder estabelecer vínculos de amizade que ultrapassam limites temporais e espaciais, sendo que a participa-ção na citada banca de mestrado foi, sem dúvida, um momento em que mais um desses vínculos foi construído, tanto com a então examinanda, quanto com seu orientador, por quem nutro profunda admiração e respeito.

A obra que agora vem a público trata de tema essencial àqueles que estu-dam o Direito Administrativo, a revisão de atos administrativos discricionários pelo poder judiciário.

A autora, nos capítulos iniciais, se preocupou em apresentar um pano-rama da evolução do Direito Administrativo, abordou os conceitos jurídicos indeterminados e a teoria do ato administrativo. Preocupou-se também com a análise acurada da discricionariedade e mérito dos atos administrativos, con-vergindo seu caminho investigativo na conclusão pela possibilidade de revisão jurisdicional dos atos administrativos discricionários, principalmente para a proteção de interesses legítimos e da vontade da lei sem, no entanto, em regra, substituir o administrador no seu mister de bem cumprir a lei, muito na linha do escólio de seu orientador.

XX

Concordando plenamente com tal posicionamento doutrinário, cumpre--me apenas, nesse momento, realçar que a leitura do trabalho contribuirá so-bejamente a todo estudioso do tema, tão complexo e atual e que, em relação à autora, estarei acompanhando sua evolução na carreira docente, lhe desejando sempre auspicioso sucesso que virá naturalmente como fruto de sua laboriosa vontade e dedicação.

RAUL MIGUEL FREITAS DE OLIVEIRAProfessor Doutor de Direito Administrativo.

Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FDRP-USP.