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Conceitos Políticos Básicos Nahuel Moreno e Mercedes Petit

Conceitos Politicos Basicos

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Por Nahuel Moreno e Mercedes Petit

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  • Conceitos Polticos Bsicos

    Nahuel Moreno e Mercedes Petit

  • Este texto foi preparado primeiramente para o estudo dos militantes do Movimento aos Socialismo (MAS) argentino.

    Seu contedo trata de temas polticos bsicos: estratgia e ttica, propa-ganda, agitao e ao, programa e palavras-de-ordem, e alguns elementos das tticas de acordos, pactos, unidades de ao e frentes. At aqui, todo ele j foi publicado anteriormente, em novembro de 1986 no Caderno de Forma-o n7 da Convergncia Socialista e tambm em outra edio de agosto de 1989, que contava com um captulo sobre anlise, caracterizao e poltica, feito pelos editores brasileiros com base em materiais anteriores dos mesmos autores.

    Agora este texto novamente reimpresso dada a importncia do texto, que continua hoje sendo bastante procurado por novos e tambm velhos mi-litantes revolucionrios que buscam bases para sua atuao cotidiana.

    So Paulo, abril de 2010

    Apresentao

  • Conceitos Polticos Bsicos

    Por Nahuel Moreno e Mercedes Petit

    ndice

    Estratgia e Ttica, 7

    Propaganda, agitao e ao, 9

    Programa e palavras-de-ordem, 12

    Anlise, caracterizao e poltica, 28

    Os acordos, pactos, unidades de ao e as frentes, 32

  • ESTRATGIA E TTICA

    O marxismo extraiu esses dois conceitos da cincia militar. Como expli-cvamos no texto Um documento escandaloso, de 1973 (1), a estratgia tem a ver com o objetivo final, de conjunto, a longo prazo, e as tticas so os diver-sos meios para chegar a esse objetivo. Ambos so termos relativos. Ou seja, sempre temos que definir em relao a qu uma questo estratgica e em relao a qu uma questo ttica.

    Esse carter relativo dos dois conceitos faz com que o que estratgico numa determinada etapa ou tarefa parcial, seja ao mesmo tempo ttico em relao a um objetivo superior ou mais geral.

    No mesmo texto que citamos acima, dvamos como exemplo desse carter relativo o fato de que, numa etapa de retrocesso das lutas operrias, podemos dizer que temos a estratgia de desenvolver lutas sindicais defensivas, e que em relao a essa estratgia, a ttica pode ser, por exemplo, uma greve longa e no outras tticas, como a ocupao de fbrica, por exemplo. Mas a greve longa uma estratgia em relao tticas, ao meio que usamos para garanti-la, como por exemplo, a organizao de piquetes. E os piquetes passam a ser uma estra-tgia em relao tticas que usamos para constru-lo (se so pblicos, eleitos em assemblia, ou clandestinos, eleitos secretamente pelo comit de greve). E a prpria estratgia pela qual comeamos, o desenvolvimento de lutas sindicais defensivas, torna-se uma ttica em relao a nosso objetivo estratgico, que obter vitrias importantes que ajudem a transformar a etapa de retrocesso em uma etapa de ascenso do movimento operrio.

    O trotskismo tem s duas estratgias a longo prazo: mobilizar as massas e construir o partido para tomar o poder

    Estando clara a definio precisa dos dois termos, passemos agora a um pro-blema poltico e programtico fundamental. Na atual poca histrica que vi-

    1 Um Documento Escandaloso o texto de Nahuel Moreno conhecido dentro do partido como morenao. Nele se expressou a resposta do PST (argentino) - o antecessor do MAS - s posies revisionistas do trotskismo que levantavam Ernest Mandel e a maioria do Se-cretariado Unificado nos seus documentos preparatrios do Dcimo Congresso Mundial, que se realizou em Fevereiro de 1974.

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    vemos da dominao imperialista decadente e da revoluo socialista ns, trotskistas, temos algum objetivo estratgico fundamental, decisivo, a longo prazo? A resposta que, a longo prazo e a escala nacional e mundial, ou seja, em cada um dos pases e em todo o mundo, temos duas estratgias, ou dois objetivos estratgicos permanentes: construir o partido, para que a classe operria e as massas tenham uma direo revolucionria, e a mobilizao da classe operria e das massas para tomar o poder e fazer a revoluo socialista vitoriosa.

    Para ns, esse o caminho para derrotar a burguesia, o imperialismo e seus agentes, as direes traidoras e burocrticas, ou seja, o stalinismo em todas as suas variantes, do maosmo ao castrismo, o sandinismo, a social-democracia e as burocracias sindicais do mundo todo, e instaurar o socialismo em nosso pas e no mundo Enquanto estivermos na atual poca histrica, de luta implacvel con-tra o imperialismo e seus agentes, em relao a esses dois objetivos estratgicos fundamentais, todo o resto ttico, mesmo que falemos uma infinidade de vezes em estratgias, em relao a todo tipo de tarefas e situaes ou etapas parciais.

    Para desenvolver essas duas estratgicas, podemos e devemos procurar e utilizar as tticas adequadas a cada momento: intervir nas eleies, formar chapas de oposio antiburocrticas, fazer reivindicaes econmicas mni-mas de aumento de salrios, etc, etc. Qualquer ttica pode ser vlida se que serve, na situao concreta da luta de classes, para melhor conquistar nossa estratgia. Por isso, as tticas so usadas e descartadas sempre que necess-rio, de acordo com as mudanas na luta de classes.

    Como explicvamos no texto citado, esta definio dos fins estratgicos a longo prazo e do carter varivel e amplo das tticas caracterstica dos bolcheviques, do leninismo e do trotskismo. Outras correntes do movimento operrio fazem o oposto. Confundem a estratgia com algumas tticas privi-legiadas e as transformam em estratgia permanente. Por exemplo, a social-democracia, desde o comeo do sculo, transformou as tticas corretas de interveno eleitoral e no Parlamento atravs de deputados operrios, em um fim em si mesmo, estratgico, ao qual subordinou todo o resto, inclusive a greve e a mobilizao independente das massas. Os partidos comunistas stalinistas transformam as tticas corretas de fazer acordos ou unidade de ao conjunturais com setores burgueses contra o imperialismo ou os fas-cistas (por exemplo, na Faculdade de Direito de Buenos Aires, formar um grupo armado junto com os militantes do Partido Radical para nos defender

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    dos fascistas), em uma estratgia frentista permanente com a burguesia no terreno das frentes populares, ou seja, da conciliao de classes. Os guerri-lheiristas transformam a luta armada em estratgia sagrada e permanente. Os anarquistas cometem o erro oposto. S aceitam os princpios e as estrat-gias, no as tticas. A nica resposta do anarquismo clssico s lutas dirias do movimento operrio desde o sculo passado, por salrios, polticas, de-mocrticas, ou o que fossem, era Abaixo o estado burgus!

    A histria do bolchevismo, pelo contrrio, uma luta constante para impor em todos os campos (tanto o da construo do partido, como o da mobilizao das massas), os meios e as tticas adequadas a cada momento da luta de classes, contra as diversas correntes que reivindicavam um s meio ou ttica, transfor-mado em estratgia. O bolchevismo lutou contra os terroristas, mas soube usar o terror; lutou contra os sindicalistas, mas foi o campeo na luta sindical; lutou contra os parlamentaristas, mas usou o parlamento de forma hbil e revolu-cionria; lutou contra a guerrilha, mas soube fazer guerrilhas; lutou contra os espontanestas, mas soube colocar-se frente das mobilizaes espontneas. E, diferentemente dos anarquistas, que passaram toda vida ameaando com Abai-xo o estado burgus, sem consegui-lo, o bolchevismo soube faz-lo quando foi necessrio e possvel. Isto porque todas as tticas, que utilizou com audcia e sem nenhum preconceito, sempre estiveram a servio de seu grande objetivo estrat-gico: seu desenvolvimento como partido dos trabalhadores, para que as massas russas tivessem uma direo revolucionria e, ao mesmo tempo, a mobilizao dessas mesmas massas, o que lhe permitiu tomar o poder e fazer a revoluo socialista em Outubro de 1917.

    Algumas caractersticas de nossos objetivos estratgicos

    Nossas duas grandes tarefas permanentes, a construo do partido e a mobilizao, tm, cada uma delas, sua prprias caractersticas, suas prprias leis de desenvolvimento, especficas, ainda que estejam indissoluvelmente unidas e ambas se dem no mesmo marco, que determina tudo, que a luta de classes e sua dinmica. Aqui, para os objetivos de nosso estudo, queremos nos deter somente em um aspecto, no qual ambas as tarefas so apostas. Esquec-lo muito perigoso, j que pode destruir o partido e no ajuda a mobilizao. A primeira, a construo do partido, depende muito de ns (

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    subjetiva), enquanto que a mobilizao, no. E independente dos desejos e da vontade (e at da existncia) dos revolucionrios. Por isso dizemos que objetiva. Quando ocorre, ocorre. H etapas de luta e de mobilizao, e etapas nas quais estas no ocorrem. Por isso to importante procurar sempre as tticas, a poltica, que responda situao objetiva.

    Se no h vontades revolucionrias unidas que se proponham, de ma-neira constante e conseqente, a construir um partido revolucionrio, este no existir. Nesse sentido depende de ns, enquanto que a mobilizao o oposto. No depende da vontade ou do que faam os revolucionrios. In-clusive a mobilizao revolucionria, que provoca a crise revolucionria e o vazio de poder. Esquecer este aspecto decisivo da mobilizao de massas no somente levaria os revolucionrios como ns a errar nas tticas (uma ttica prpria da etapa de mobilizao, colocada numa etapa de retrocesso, no somente no provoca a mobilizao, como destri o partido), como tambm est na base de todos os desvios voluntaristas das diferentes variantes do guerrilheirismo foquista e terrorista.

    Nossa insistncia no carter objetivo da mobilizao, independente de nos-sa vontade, mais importante pelo fato de que, hoje em dia, todos os grupos trotskistas, inclusive ns, no somos partidos com influncia de massas. Diante de um partido revolucionrio com influncia de massas, a questo mudaria bas-tante, mas no totalmente. Independentemente do tamanho do partido, a busca sistemtica de mobilizao em nossa ttica poltica somente poder se dar nas etapas nas quais essas condies de mobilizao existam. Quando for este o caso, se j somos um partido com certa influncia, ou pelo menos um partido slido, mesmo que seja de vanguarda, e no um pequeno grupo, ser tarefa fundamen-tal a busca sistemtica da ao, da mobilizao, aliada s tarefas especficas de construo do partido. A partir da podero se dar as tticas mais diversas.

    PROPAGANDA, AGITAO E AO

    Queremos simplesmente recordar as definies clssicas.Propaganda a atividade de dar muitas idias a poucas pessoas. Agitao

    a atividade de dar poucas idias a muitas pessoas. No texto Partido mande-

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    lista ou partido leninista?2, dizamos:A propaganda abrange desde um curso de economia marxista ou de l-

    gica dialtica at a conversa individual com um ativista operrio ao qual ex-plicamos a situao nacional e internacional, nosso programa e as diferenas entre a nossa e as outras organizaes operrias. A agitao, pelo contrrio, consiste em colocar umas poucas palavras de ordem (s vezes somente uma), que dem soluo para a luta que esteja colocada em cada momento para o movimento operrio ou de massas (aumentos salariais, liberdades democr-ticas, assemblia constituinte, todo o poder aos soviets, etc.) (p. 40)

    O MAS, que no momento um partido pequeno em relao a toda a classe operria argentina, em relao populao explorada do pas, faz com seu jornal um trabalho sistemtico, semanalmente, de propaganda sobre os ativistas e trabalhadores dos sindicatos e bairros que no lem. Durante a campanha eleitoral tivemos a oportunidade de fazer agitao para uma au-dincia muito maior, em torno, por exemplo, da palavra de ordem de no pagamento da divida externa. Em geral, a propaganda se dirige vanguarda e a agitao a toda a populao trabalhadora, classe operria e s massas exploradas. Devido s nossas foras atuais, dificilmente o partido pode fa-zer agitao para toda a populao no sentido estrito do termo, salvo uma situao excepcional como a campanha eleitoral. Entretanto, ao falar de um sindicato ou uma fbrica, podemos sim fazer agitao quando, em funo de uma luta ou de uma campanha de eleio sindical, nos jogamos com tudo, imprimimos milhares e milhares de panfletos, fazemos piquetes nas portas de fbricas etc. Nos colocando na perspectiva de nos transformarmos em um partido com influncia de massas, podemos dizer que o que caracteriza a atividade de um partido revolucionrio a agitao sobre o conjunto da po-pulao explorada. Atualmente, salvo algumas excees, podemos intervir assim somente em sindicatos ou empresas.

    O companheiro James Cannon, antigo dirigente norte-americano da III Internacional, e um dos primeiros a acompanhar Trotsky em sua luta contra a burocratizao do PCUS (Partido Comunista da Unio Sovitica) e da III Internacional, nas dcadas 20 e 30, fez uma contribuio importan-

    2 Este texto o Captulo VI do trabalho anteriormente citado Um documento escandaloso

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    te para estas definies clssicas de agitao e propaganda. Cannon agre-gou um segundo tipo de agitao, para a ao: o lanamento de palavras de ordem para serem concretizadas. No somente para que sejam ouvidas por milhares de pessoas, mas tambm para que, ao ouvi-las, esses milhares passem ao, porque esto maduras as condies subjetivas. A palavra de ordem ser meramente agitativa, ou para a ao, segundo as possibilidades de que seja concretizada, segundo a conscincia da classe trabalhadora. As palavras de ordem que colocamos em nossa agitao refletem neces-sidades prementes, urgentes, e se combinam, ou melhor dizendo, quando se combinam com um amplo nvel de conscincia ou seja, com o fato de que os trabalhadores se do conta de que tm que faz-las, ou que tm que sair com deciso luta para conquist-las se transformam em pala-vras de ordem para a ao. Por exemplo, a palavra de ordem que Trotsky sempre sugeria aos companheiros do SWP dos EUA, de formar um par-tido trabalhista, era meramente agitativa. De repente, os companheiros a transformaram em outra palavra de ordem parecida, mas errada: faamos j um partido trabalhista. Dissemos errada porque ningum queria faz-lo naquele momento, nem os operrios, nem seus dirigentes sindicais. O que quer dizer a palavra de ordem que o MAS levanta sistematicamente, de que necessitamos de um partido dos trabalhadores? Significa que es-tamos chamando os dirigentes sindicais, os ativistas classistas e todos os trabalhadores a no se unirem politicamente com os patres, e sim ter um partido da classe, considerando-o uma tarefa urgente, muito necessria, e que deve ser feita o quanto antes. Mas sabemos que, infelizmente, no podemos faz-lo j, no podemos convocar uma reunio ou congresso de fundao desse partido operrio, porque no existem correntes operarias, dispostas a faz-lo. Desgraadamente no existe esse nvel de conscincia e, portanto, no uma palavra de ordem para a ao. Entretanto, no Brasil, em 1979, o chamado da Convergncia Socialista, nosso partido irmo bra-sileiro, teve um eco favorvel, e foi tomado para a ao por um importante setor de vanguarda operria, em particular pelos metalrgicos da Grande So Paulo, encabeados pelo dirigente Lula, e se formou o PT.

    Um exemplo positivo, que se concretizou de imediato, pode ser o chama-do Faamos uma marcha unitria contra a OTAN, na Espanha, neste ano, quando comearam a desenvolver as mobilizaes pacifistas anti-OTAN,

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    antes do plebiscito feito por Felipe Gonzles, sobre se se entrava ou no na OTAN (Organizao do Tratado do Atlntico Norte, a direo militar dos principais passes imperialistas europeus e Estados Unidos). Apesar de que nosso partido, o PST espanhol, muito pequeno, a marcha unitria se reali-zou, houve uma ao das massas, porque o chamado correspondia dinmi-ca da situao do pas naquele momento.

    Esta importante preciso de Cannon sobre a agitao para a ao nos permite fazer uma vinculao ao que dizamos anteriormente em relao s nossas tarefas estratgicas. Podemos dizer que h agitao para a ao para as massas, e agitao para a ao para o prprio partido, internas a nosso movimento. Por exemplo, em 1984/85, o MAS discutiu e resolveu co-locar uma palavra de ordem para a ao partidria: Faamos mil equipes de base. Mesmo que estejam indubitavelmente vinculadas, existe uma dife-rena evidente entre as aes e mobilizaes que fazem as massas e as que propomos a nossos partidos.

    PROGRAMA E PALAVRAS-DE-ORDEM

    Esquematicamente poderamos dizer que a palavra-de-ordem uma s idia ou tarefa, e o programa todo um sistema, um conjunto de palavras-de-ordem que respondem s tarefas para toda uma etapa, para um perodo.

    Para dar um exemplo de programa, podemos dizer que os documentos dos quatro primeiros Congressos da III Internacional (1919-1922), o Pro-grama de Transio (1938) e outros documentos trotskistas importantes, at chegar ao Manifesto da LIT (1985), so para ns a base programtica, o enunciado das tarefas histricas para a classe operria e a direo revolucio-nria na poca de dominao imperialista decadente que estamos vivendo.

    Em 1985 o MAS votou seu Programa, onde colocamos o que necessrio fazer na Argentina atual para sair da decadncia, para resolver o problema da explorao e da submisso ao imperialismo.

    Tanto nos programas que mencionamos anteriormente como no nosso, existem inmeras idias e tarefas, inmeras palavras-de-ordem, mas de im-portncia diferente. Podemos sintetizar a estrutura de um programa assina-

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    lado que ele deve responder em toda etapa a trs problemas fundamentais: o do governo, do regime e do sistema. E em tomo da resposta que damos a estes trs problemas ou eixos fundamentais, em cada etapa, que iro se combinando todos os demais problemas e tarefas. No folheto 1982: comea a revoluo, em relao s mudanas no programa em funo das mudan-as na etapa, dizemos: Esta mudana na situao objetiva (pela vitria da revoluo democrtica) impe uma mudana no programa e palavras-de-ordem partidrias. Na etapa contra-revolucionria, sob a ditadura militar, nossa palavra-de-ordem central era negativa: Abaixo a ditadura! Assim como foi na Rssia, Cuba ou Nicargua: Abaixo o Czar, Batista ou Somoza! Porque para abrir caminho para a revoluo socialista, devamos, antes de mais nada, destruir o obstculo do regime burgus contra-revolucionrio. Porm, a partir da vitria da revoluo democrtica, da queda desse regime, as palavras-de-ordem anticapitalistas passam a ser centrais. Se antes cha-mvamos os trabalhadores a concentrar suas mobilizaes para derrubar a ditadura, agora os chamamos para que concentrem foras para liquidar o sistema capitalista imperialista. Dizemos a eles que a grande tarefa derro-tar os partidos burgueses e pequeno-burgueses que esto no poder, para que a classe operria assuma o governo com seus partidos e organizaes. Os chamamos a fazer uma nova revoluo para mudar o carter do estado, no somente do regime poltico: uma revoluo social ou socialista. Poderamos dizer que os chamamos para que faam de forma consciente e centralizada o que esto fazendo de fato de forma inconsciente e dispersa: lutar contra o capitalismo e o estado burgus.

    Aparentemente, as palavras-de-ordem parciais nesta etapa so as mes-mas que na anterior: sempre chamamos luta por salrios, empregos, edu-cao, moradia, sade, liberdade e libertao nacional da opresso imperia-lista. Porm, antes da queda da ditadura, todas essas palavras-de-ordem se uniam em tomo de derrubar o regime poltico, a ditadura militar. Agora, nesta etapa revolucionria e sob o novo governo se unem em torno ao eixo de terminar com sistema capitalista semicolonial, ou seja, com o estado bur-gus, para impor o socialismo.

    Por isso, nesta etapa, nossas palavras-de-ordem centrais j no so ne-gativas como antes, mas sim positivas. Dizemos, evidentemente, Abaixo o regime capitalista semicolonial!, mas colocamos fundamentalmente Por

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    um governo de classe operria apoiado no povo trabalhador!. Esta palavra-de-ordem central assumir as formas mais concretas possveis, como foi na Rssia, Todo o poder aos Soviets, ou na Bolvia, Todo o poder COB!. Neste momento, como ainda no existem na Argentina organismos e poder das massas, como foram os Soviets ou os sindicatos revolucionrios, temos que colocar uma palavra-de-ordem mais abstrata em geral: Por um governo socialista ou operrio e socialista. Mas devemos nos preparar para detectar o surgimento desses organismos de poder das massas. E tambm, no caso de que no surjam, ou sejam fracos, ou se dem ao mesmo tempo que o apa-recimento de partidos burgueses ou pequeno-burgueses, que se enfrentem objetivamente com o imperialismo, devemos estar preparados para chamar esses partidos que hoje no existem a que tomem o poder e rompam com a burguesia, ou seja, o governo operrio e campons ou no nosso caso operrio e popular. (p. 27 e 28)

    No Programa do MAS, introduzimos uma palavra-de-ordem program-tica muito importante como expresso atual, como ponte ou transio para a palavra-de-ordem de poder do governo operrio e popular, que por um Plano econmico da CGT, que seja votado democraticamente e controlado pelos trabalhadores, e que foi adquirindo cada vez mais atualidade frente ao crescente deterioramento da situao econmico-social do pas e a entrega ao imperialismo.

    As palavras-de-ordem

    Enquanto que para cada etapa de classes h um programa, podemos dizer que as palavras-de-ordem so infinitas. No pagamento da divida externa! Moratria! Fora Rockfeller! Vote chapa 2! Abaixo o burocrata tal! Paremos todos no dia 25!, so todas palavras-de-ordem.

    Poderamos continuar dando centenas e milhares de exemplos. Podemos agrupar ou classificar as palavras-de-ordem a partir de diferentes pontos de vista. Pelo tipo de tarefas que foram surgindo nas diversas pocas histricas, nosso programa abarca vrios tipos de palavras-de-ordem. As democrticas, desde o sculo XVIII, arrancadas pelo povo e para todo o povo na poca do ascenso do capitalismo (liberdade de trabalho, igualdade perante a lei, go-verno eleito pelo voto, reforma agrria, independncia ou unidade nacional,

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    etc.). A partir da segunda metade do sculo XIX, as mnimas, econmicas ou parciais, arrancadas por e para a classe operria, na poca das reformas do capitalismo e surgimento do imperialismo (jornada de oito horas e demais leis trabalhistas, como a proteo do trabalho das mulheres e das crianas, justia trabalhista, liberdade de organizao nos sindicatos, legalidade para os partidos operrios, etc.).

    Com a entrada na poca atual, de revoluo socialista internacional e decadncia e contra-revoluo do imperialismo e da burguesia, iniciada com a guerra imperialista de 1914 a 1918, com o triunfo da revoluo socialis-ta na Rssia em Outubro de 1917, e que logo se expressou nos fenmenos contra-revolucionrios do fascismo nos pases capitalistas e de stalinismo no primeiro estado operrio, surgem novas tarefas e palavras-de-ordem: as transitrias, as da revoluo poltica ou luta antiburocrtica na URSS e, fren-te ao fascismo e a contra-revoluo burguesa, as democrticas tradicionais readquirem uma importncia enorme.

    O Programa de Transio (Trotsky, 1938) define assim esta poca:... a poca do capitalismo em decomposio, quando j no lhe poss-

    vel tratar de reformas sociais sistemticas, nem da elevao do nvel de vida das massas; quando a burguesia retoma cada vez mais com a mo direita o dobro do que deu a esquerda (impostos, inflao, deflao, vida cara, desemprego, taxas alfandegrias, lei de greve, etc.); quando qualquer reivin-dicao sria do proletariado e at qualquer reivindicao progressiva da pequena-burguesia conduzem inevitavelmente alm dos limites da proprie-dade capitalista e do estado burgus.

    Poderamos definir as reivindicaes transitrias propriamente ditas como aquelas solues socialistas, aquelas tarefas do poder operrio que le-vantamos atualmente diante do agravamento das condies de vida das mas-sas sob a decadncia do sistema capitalista. Diz o Programa de Transio:

    preciso ajudar as massas no processo da luta cotidiana, a encontrar a ponte entre suas reivindicaes atuais e o programa da revoluo socialis-ta. Esta ponte deve consistir em um sistema de reivindicaes transitrias, partindo das condies atuais e da conscincia atual de amplas camadas da classe operria e conduzindo invariavelmente a uma s e mesma direo: a conquista do poder pelo proletariado.

  • 14 Conceitos Polticos Bsicos

    A revoluo poltica

    Alm disso, o Programa de Transio assinala outro aspecto caracters-tico desta poca: a burocratizao das organizaes operrias, em particular dos sindicatos e muito especialmente, a partir da dcada de vinte, a burocra-tizao do primeiro estado operrio - a Unio Sovitica -, o que tem como conseqncia trgica a crist histrica da direo do proletariado, e coloca como urgentes e decisivas as tarefas e reivindicaes da revoluo poltica, da luta antiburocrtica e a necessidade de construir uma nova direo revo-lucionria internacional.

    A expresso revoluo poltica, desenvolvida por Trotsky em seu livro A Revoluo Trada (1936), onde analisa detalhadamente o fenmeno social da burocratizao na Unio Sovitica, faz aluso ao fato de que ali no necessria uma revoluo no sentido de arrancar o poder econmico das mos de uma classe para que passe a outra, que denominamos classicamen-te de revoluo social. Toda a anlise da burocratizao da Unio Sovitica parte da demonstrao categrica de que se mantm a base social do estado operrio, a mxima conquista da Revoluo de Outubro: a expropriao eco-nmica da burguesia e do imperialismo, ou seja, que se mantm a conquista da revoluo social de 1917-1918. O triunfo da contra-revoluo burocrtica encabeada por Stlin significou a perda do controle democrtico dos tra-balhadores sobre suas instituies de poder, a perda de democracia operria que havia florescido nos primeiros anos da Revoluo. Para reconquist-la, necessrio uma revoluo, mas somente na superestrutura. Uma revoluo no sentido da mobilizao e do enfrentamento contra a casta burocrtica que no est disposta a renunciar a seus privilgios. O que preciso revolucionar so as instituies do novo regime contra-revolucionrio e, por isso, dizemos revoluo poltica. Porque a estrutura, a base econmica da sociedade, conti-nua nas mos da classe dominante no pas, os trabalhadores, apesar de terem sido expropriados em seus direitos democrticos pela casta burocrtica. Por tudo isso, a necessidade da revoluo poltica na URSS vem junto com outra reivindicao fundamental: a defesa da mesma diante dos ataques do Impe-rialismo, pois continua sendo um estado operrio, apesar de burocrtico, e essas bases econmicas operrias conquistadas na revoluo social de Outu-bro so patrimnio de todos os trabalhadores do mundo.

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    A partir do enorme ascenso revolucionrio iniciado em 1943, surgi-ram novos estados operrios, todos eles burocrticos desde o incio. Pol-nia, Tchecoslovquia e as demais democracias populares do leste europeu foram conquistadas diretamente pelo Exrcito Vermelho. China, Vietn, e Iugoslvia foram produto de grandes revolues de massa, encabeadas, controladas e dirigidas pelo stalinismo, ainda que com uma grande margem de independncia de Moscou. Tambm em Cuba, um grande movimento de massas derrotou Batista e obrigou a direo pequeno-burguesa de Castro a ir em frente, contra sua vontade, diante da agresso imperialista. E a primeira revoluo operria triunfante do ps-guerra no dirigida pelo stalinismo, ainda que depois tenha sido cooptada por ele.

    Enquanto o estado operrio revolucionrio de Lnin e Trotsky, devido a um complexo processo nacional e internacional, de profundamente demo-crtico passou ao oposto, transformando-se num estado operrio burocr-tico, os novos estados operrios do ps-guerra nasceram diretamente buro-crticos, tiveram desde o incio regimes totalitrios e nunca conheceram a democracia operria sovitica. No h dvida que a conquista destes novos estados operrios, apesar de seu carter burocrtico, ampliaram as tarefas de defesa, em particular de Cuba - que foi invadida, sem xito, em 1961, pe-los EUA- dos ataques do imperialismo. E ampliaram tambm as tarefas da revoluo poltica, j que em todos eles est colocada a luta por derrubar as direes burocrticas e instaurar a democracia operria. As lutas antiburo-crticas dos operrios de Berlim Oriental (1953), dos trabalhadores hngaros e poloneses (1955-56) e dos tchecoslovacos (1968), comearam a colocar em prtica este programa de revoluo poltica dos trotskistas. Ns conhecemos exemplos prximos. A luta antiburocrtica dos operrios poloneses que se reiniciou em 1970-71, organizados no sindicato independente Solidariedade, que agrupou milhes de trabalhadores, - que hoje luta na clandestinidade contra a represso de Jaruzelski.

    O desenvolvimento da revoluo poltica e o carter degenerativo cres-cente das burocracias contra-revolucionrias que parasitam os estados oper-rios, multiplicam os problemas e as tarefas. Em 1956, para reprimir e sufocar as mobilizaes antiburocrticas dos operrios hngaros, a URSS invadiu a Hungria com o Exrcito Vermelho. Pela primeira vez vimos a monstruosi-dade stalinista de um estado operrio invadir militarmente outro. Evidente-

  • 16 Conceitos Polticos Bsicos

    mente, nossa resposta imediata foi de solidariedade aos operrios hngaros e exigimos a imediata retirada do Exrcito Vermelho. Em 1968 repetiu-se uma situao semelhante diante do desenvolvimento da revoluo poltica na Tchecoslovquia.

    Nossa corrente trotskista ortodoxa no somente deu grande importncia a esses fatos como parte do desenvolvimento da revoluo poltica antibu-rocrtica, mas tambm fomos os nicos que, em 1978, antecipamos que a degenerao burocrtica levaria a guerras diretas entre estados operrios. Darioush Karim dizia em seu texto A ditadura revolucionria do proletaria-do: ... um dos fatos mais espetaculares das ultimas dcadas em relao s diferentes ditaduras proletrias existentes: a invaso de uma ditadura prole-tria por outra da Hungria e Tchecoslovquia pela URSS.

    ... Ns acreditamos que, desgraadamente, esta uma perspectiva certa e que entramos nas dcadas nas quais, muito possivelmente, voltem a se re-petir guerras entre ditaduras proletrias, entre estados operrios.

    Estas possveis guerras entre estados operrios ou ocupao de uns pelos outros, vo adquirir uma nova dimenso assim que surja a prxima ditadura revolucionria do proletariado. At agora vimos duas invases de estados operrios pela URSS, provocadas pelo temor da casta burocrtica so-vitica de que esses estados se transformem em revolucionrios, como con-seqncia do comeo da revoluo poltica e do surgimento de embries de soviets ou organismos parecidos. Para ns, muito procedente pensar que essas burocracias operrias entraro em estado de desespero crnico quando virem surgir ditaduras revolucionrias do proletariado, que signifiquem sua liquidao como casta privilegiada.

    Mas tambm no est descartado que, devido a interesses econmicos nacionalistas, estourem guerras parecidas a que se iniciou agora entre Cam-boja e Dieta. Sem entrar na discusso se so ou no ditaduras proletrias, est colocado o fato novo da possibilidade de guerras entre estados operrios sem que um dos adversrios seja uma ditadura revolucionria. Por outro lado, a campanha que a China faz h alguns anos contra o social-imperialis-mo russo a preparao ideolgica de uma possvel guerra entre estes dois superestados operrios burocratizados.

    Este grave problema terico, da possibilidade de guerras entre esta-dos operrios burocrticos, ou entre um estado operrio burocrtico e um

  • Conceitos Polticos Bsicos 17

    estado operrio revolucionrio, tem importncia capital, e nos obriga a comear a dar, a ns mesmos, um curso de ao marxistas diante destas possibilidades.

    ...Uma variante desta possibilidade o inevitvel levantamento arma-do das nacionalidades oprimidas por estas ditaduras burocrticas, que ns apoiaremos incondicionalmente.

    Se a guerra ocorre entre um dos dois maiores estados operrio (URSS e China) contra um pequeno, acreditamos em princpio, que se estabelece uma luta que se insere no do direito autodeterminao das pequenas na-es proletrias, e que essa guerra provocada pelo af hegemnico do tipo nacionalista da grande nao contra a pequena nao operria. Nesse caso, acreditamos que preciso lutar contra o grande chauvinismo russo e chins, pelo direito autodeterminao nacional do pequeno estado operrio.

    Suponhamos, pelo contrrio, o caso de uma guerra entre dois estados burocratizados de fora relativamente semelhantes. Digamos, por exem-plo, Camboja ou Dieta, supondo que sejam estados operrios. Nossa pol-tica mais geral ser de fraternidade entre todos os estados operrios e pela soluo pacfica e democrtica da disputa. Esta posio deve estar acom-panhada por urna campanha permanente pela federao democrtica das repblicas operrias existentes. Esta palavra-de-ordem decisiva, e deve ser a mais importante de nossa Internacional a partir do acontecimento (...) Tende a superar o atraso atual do desenvolvimento das foras produ-tivas dos estados operrios e dar um duro golpe no imperialismo. Serve tambm para impedir que este manobre com as diferenas entre os estados operrios, opondo-lhe uma frrea unidade. Evitar, ao mesmo tempo, a ex-plorao econmica dos estados operrios menos desenvolvidos pelos mais desenvolvidos, atravs do intercmbio comercial. Esta palavra-de-ordem de Federao dos estados operrios existentes tem uma importncia mui-to maior do que a que, em seu tempo, Trotsky lanou, de Federao das Repblicas Socialistas da Europa. Tambm propagandstica, mas fun-damental. Tem a ver, inclusive, com a revoluo poltica, porque os atuais governos burocrticos jamais aceitaro essa Federao, porque ela ataca a fonte de seus privilgios, os estados operrios atuais, com suas fronteiras.

    Porm, essa linha essencialmente propagandstica e no podemos nos restringir a ela no caso de estourar uma guerra ou choques milita-

  • 18 Conceitos Polticos Bsicos

    res. Em princpio, estudando cuidadosamente se alguns dos estados tm ambies hegemnicas sobre o outro, teremos uma poltica de defesa do estado operrio que foi agredido, e contra o responsvel por ter iniciado a agresso. Quando a guerra se d entre um estado operrio burocratizado e um revolucionrio, os trotskistas apoiaro incondicionalmente o revo-lucionrio, seja ou no o agressor.

    Infelizmente, pouco tempo depois de publicado este texto, sua preocupa-o foi tragicamente confirmada, ao ocorrer a guerra entre China e Vietn.

    O problema da invaso do Afeganisto (um pas capitalista pauprrimo, que faz fronteira com a Unio Sovitica pelo sul, e onde a maioria da popu-lao muulmana) pelo poderoso Exrcito Vermelho, est colocado desde 1980. A LIT (QI) denunciou o suposto defensismo stalinista burocrtico - militar, e chama a retirada do exrcito ocupante, para respeitar o direito de autodeterminao da nao afeg.

    Um resumo do Programa de Transio que Trotsky escreveu

    * A decadncia e a crise crescente e inexorvel da economia capitalista mundial coloca para os trabalhadores a necessidade de lutar permanente-mente contra dois flagelos crnicos: o desemprego e a inflao, que exigem palavras-de-ordem e mtodos generalizados de luta (PT): a escala mvel de salrios e a escala mvel de horas de trabalho.

    * O imperialismo decadente utiliza e incentiva a burocratizao e sta-linizao crescente dos sindicatos. preciso lutar pela independncia dos sindicatos em relao ao estado e pela democracia operria.

    * Dentro de cada fbrica, de cada empresa, nesta luta cada vez mais agu-da contra os patres, para estar atento s iniciativas das massas e para dar uma expresso organizada pergunta decisiva que a mobilizao e a greve colocam quem o dono da fbrica, o capitalista ou os operrios? ne-cessria a comisso de fabrica. Eleita por todos os operrios e funcionrios da empresa, a comisso de fbrica cria, de cara, um contrapeso vontade da administrao. O Programa de Transio diz:

    Os burocratas dos sindicatos se opem, regra geral, criao de co-misses, assim como se opem a todo passo mais audacioso no caminho

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    da mobilizao das massas. Entretanto, sua oposio ser tanto mais fcil de quebrar quanto maior for a extenso do movimento. Onde os operrios j es-tejam sob a coordenao dos sindicatos, nos perodos tranquilos, a comisso coincidir formalmente com o rgo do sindicato, mas renovar sua compo-sio e ampliar suas funes. Entretanto, o principal significado dos comits o de transformarem-se em estados maiores para as camadas operrias que, geralmente, o sindicato no capaz de abarcar. E justamente dessas camadas exploradas que surgiro os destacamentos mais dedicados da revoluo.

    Quando surge um comit de fbrica, se estabelece, de fato, uma dualidade de poder. Por sua essncia, ela tem algo de transitrio, porque encerra em si mes-ma dois regimes inconciliveis: o regime capitalista e o regime proletrio.

    * O controle operrio sobre a indstria, a expropriao, sem indenizao, dos grandes grupos capitalistas e dos bancos privados, a estatizao do comrcio exterior so as principais medidas para quebrar o controle do capital financeiro e dos monoplios da produo econmica e da distribuio da riqueza social. A partir da poder se reorganizar a economia do pas, baseada num plano econ-mico votado democraticamente, e controlado pelos trabalhadores.

    * Os operrios em luta buscaro e encontraro aliados importantes entre os trabalhadores do campo, o proletariado agrcola e as camadas mais baixas e exploradas do campesinato, assim como entre os pequenos comerciantes e artesos e as massas urbanas empobrecidas, todos eles cada vez mais arrui-nados pela voracidade capitalista. Por isso, incorporamos as exigncias des-ses setores como parte do programa de luta do proletariado revolucionrio. Para o campo, fundamental a expropriao dos latifundirios sem indeni-zao, a reforma agrria, os comits de controle de preos (em intercmbio com os trabalhadores urbanos), o crdito barato, etc.

    * Piquetes de greve, destacadamente de combate, milcia operria, arma-mento do proletariado. Diz o Programa de Transio:

    A radicalizao da luta do proletariado significa a radicalizao dos mtodos de resistncia por parte do capital. As novas ondas de greves com ocupao de fbricas podem provocar e provocaro inevitavelmente medi-das enrgicas de reao por parte da burguesia. O trabalho preparatrio j est sendo feito nos estados-maiores das grandes empresas. Desgraadas as organizaes revolucionrias, desgraado o proletariado que se deixa pegar novamente de surpresa!

  • 20 Conceitos Polticos Bsicos

    A burguesia no se limita, em nenhum lugar, a utilizar somente a polcia e as foras armadas. Nos Estados Unidos, inclusive nos perodos de calma, mantm destacamento militarizados de elementos pr-patronais e grupos armados de carter privado nas fbricas. Agora preciso acrescentar os gru-pos nazistas norte-americanos. A burguesia francesa, quando sentiu a proxi-midade do perigo, mobilizou os destacamentos fascistas semi-legais e ilegais, at dentro do Exrcito. A burguesia v claramente que, hoje em dia, a luta de classes tende, inevitavelmente, a se transformar em guerra civil.

    Depois desta descrio da violncia destrutiva da burguesia, acrescenta que as direes traidoras dos trabalhadores (...) tentam convencer sistema-ticamente os operrios de que a sagrada democracia est mais segura onde a burguesia est armada at os dentes e os operrios desarmados. Por isso nosso dever acabar com esta poltica servil:

    Os piquetes de greve so as clulas fundamentais do exrcito do proleta-riado. necessrio comear por eles. preciso incluir esta palavra-de-ordem no programa do setor revolucionrio dos sindicatos. Em todos os lugares onde for possvel, comeando pelas organizaes juvenis, preciso formar, na prtica, milcias de autodefesa, treinando-as no manejo das armas.

    * Frente agresso imperialista, nesta poca de guerras e agresses cres-centes, a defesa dos pases coloniais e semicoloniais, e da Unio Sovitica ou qualquer outro estado operrio, se transformam em palavras de ordem per-manentes. J dissemos antes que esta posio de defesa da Unio Sovitica caracterstica do trotskismo, desde seu rompimento com a III Internacio-nal burocratizada. O Programa de Transio coloca tambm as principais palavras-de-ordem da revoluo poltica: a burocracia e a nova aristocracia devem ser banidas dos soviets.

    o novo ascenso da revoluo na URSS comear, sem dvida nenhuma, sob a bandeira da luta contra a desigualdade social e a opresso poltica. Abaixo os privilgios da burocracia! Abaixo o stajanovismo! Abaixo a aris-tocracia sovitica com seus graus e condecoraes! Mais igualdade no sal-rio de todas as formas de trabalho!

    A luta pela liberdade dos sindicatos e dos comits de fbrica, pela liber-dade de reunio e de imprensa se desenvolver na luta pelo renascimento e regenerao da democracia sovitica.

    A burocracia tem substitudo os soviets, em suas funes de organismos

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    de classe, pela farsa do sufrgio universal ao estilo de Hitler-Goebbels. necessrio devolver aos soviets no somente sua liberdade de forma, demo-crtica, como tambm seu contedo de classe. Da mesma forma que antes a burguesia e os kulaks no eram admitidos nos soviets, agora, a burocracia e a nova aristocracia devem ser banidas dos soviets. Nos soviets s h lugar para os operrios, para os membros de base dos kolkoses, os camponeses e os soldados vermelhos.

    A democracia nos soviets inconcebvel sem a legalizao dos partidos soviticos. Os operrios e trabalhadores rurais, por si mesmos e pelo seu voto livre, decidiro que partidos sero considerados como partidos soviticos.

    Reviso completa da economia planificada, de acordo com os interesses dos produtores e consumidores! preciso devolver aos comits de fbrica o direito de controlar a produo. A cooperativa de consumo, democratica-mente organizada, deve controlar a qualidade dos produtos e seus preos.

    Reorganizao dos kolkozes de acordo com a vontade e interesse dos trabalhadores que os integram!

    A poltica internacional conservadora da burocracia deve ser substitu-da pela poltica do internacionalismo proletrio. Toda a correspondncia do Kremlin deve ser publicada. Abaixo a diplomacia secreta!

    Todos os processos polticos montados pela burocracia termidoriana devem ser revistos, com uma ampla publicidade e livre exame. Os organiza-dores de falsificaes devem receber o castigo merecido.

    impossvel realizar este programa sem derrubar a burocracia, que se mantm pela violncia e falsificao. Somente a insurreio revolucionria das massas oprimidas pode regenerar o regime sovitico e assegurar a conti-nuidade em direo ao socialismo. Somente o partido da IV Internacional capaz de dirigir as massas soviticas insurreio.

    * O carter cada vez mais totalitrio e explorador do capitalismo im-perialista, que se expressa no surgimento da barbrie fascista e a crescente explorao econmica dos povos coloniais, d fora s palavras-de-ordem democrticas e anti-imperialistas, como as de Assemblia Nacional Consti-tuinte, defesa dos direitos democrticos contra o fascismo e a luta pela liber-tao nacional da opresso imperialista.

    * Para derrotar a burguesia, o imperialismo e seus agentes, as direes traidoras (fundamentalmente a social-democracia e o stalinismo), o proleta-

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    riado, dirigido pelo partido revolucionrio, tem que tomar o poder encabean-do os organismos democrticos dos operrios e das massas mobilizadas, que na Rssia de 17 foram os soviets. Por isso, todas as palavras-de-ordem ante-riores convergem para a formao do organismos de poder operrio e popular como os soviets, por exemplo e para a imposio de um governo operrio e campons (ou operrio e popular), ou seja, um governo independente da bur-guesia que exclua a burguesia e seja encabeado pelos trabalhadores.

    * E, para concluir, coloca a necessidade de frente traio das direes tradicionais do movimento operrio construir esse partido revolucionrio, ou seja, construir uma nova direo: a IV Internacional.

    A IV Internacional goza, desde j, do justo dio dos stalinistas, dos so-cialdemocratas, dos burgueses liberais e dos fascistas. No tem e no pode ter lugar em nenhuma frente popular. Combate irredutivelmente todos os grupos polticos ligados burguesia. Sua misso consiste em aniquilar a do-minao do capital, seu objetivo o socialismo. Seu mtodo, a revoluo proletria. Sem democracia interna no h educao revolucionria. Sem disciplina no h ao revolucionria. O regime interno da IV Internacional se pauta pelos principio do centralismo democrtico: completa liberdade na discusso, absoluta unidade na ao.

    A crise atual da civilizao humana a crise da direo proletria. Os operrios revolucionrios, agrupados em torno da IV Internacional, mos-tram sua classe o caminho para sair da crise. Propem a ela um programa baseado na experincia internacional do proletariado e de todos os oprimi-dos em geral, propem a ela uma bandeira sem manchas.

    Nosso programa: num sistema de reivindicaes transitrias

    Voltando ao esquema classificatrio inicial das palavras de ordem (de-mocrticas, mnimas ou parciais, transitrias e da revoluo poltica), pode-mos dizer que:

    A IV Internacional no despreza as reivindicaes do velho programa mximo quando elas conservam alguma fora vital. Defende incansavelmen-te os direitos democrticos dos operrios e suas conquistas sociais, porm realiza este trabalho no quadro de uma perspectiva correta, real, ou seja, re-

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    volucionria. Na medida em que as reivindicaes parciais mnimas das massas entram em conflito com as tendncias destrutivas e degradantes do capitalismo decadente e isto ocorre frequentemente a IV Internacional prope um sistema de reivindicaes transitrias, cujo sentido o de atacar vez mais aberta e resolutamente as bases do regime burgus (PT).

    Agora podemos dizer que, segundo o mtodo, os ensinamentos e as pa-lavras-de-ordem expostos no Programa de Transio, que resumimos antes, o Programa do MAS, por exemplo, o sistema de reivindicaes transitrias que elaboramos para ajudar a classe operria argentina a atacar cada vez mais aberta e resolutamente as bases do regime burgus. Como se explica no documento 1982: Comea a revoluo.

    Dentro deste programa para fazer a revoluo, destacam-se nitidamente trs grupos de palavra-de-ordem de transio, de importncia fundamental. As que vo contra o imperialismo, as que vo contra o novo regime poltico da burguesia e as que respondem ao grande problema democrtico no re-solvido: o desaparecimento de milhares de pessoas, o genocdio.

    Dentro deste marco, no Programa do MAS desenvolvemos todos os pro-blemas centrais relacionados com explorao imperialista do nosso pas e do mundo, com o papel de explorador local e cmplice do imperialismo por parte da burguesia nacional e sua cpula, a nova oligarquia latifundiria, in-dustrial e financeira, que esto afundando os trabalhadores e todo o pas na misria e na runa. Propomos as possveis solues, que s sero possveis e duradouras com uma mudana total da estrutura do pas, imposta pela mo-bilizao revolucionria de todos os trabalhadores e todo o povo explorado, conduzido por uma nova direo.

    Periodicamente vamos formulando e hierarquizando de vrias maneiras todo tipo de palavra-de-ordem que nos permitam expressar estes objetivos nas lutas e tarefas de todos os dias. Por exemplo, impulsionando as novas chapas de oposio, a renovao das comisses de fbrica e delegados sindi-cais, arejando estes organismos com novas ativistas antiburocrticos e anti-patronais, ou colocando a importante palavra-de-ordem de voto direto das bases para eleger a direo da CGT (na Argentina a direo da CGT se elege por via indireta, no em Congressos, como na CUT brasileira). Vamos pro-curando tambm as palavras-de-ordem que permitam responder neces-sidade imperiosa de completa reestruturao e democratizao das Foras

  • 24 Conceitos Polticos Bsicos

    Armadas e policiais, a dissoluo dos rgos repressivos e demais palavras-de-ordem de defesa dos trabalhadores e do povo frente represso e o perigo de golpes militares.

    Assim, podemos dizer que vamos elaborando e desenvolvendo um pro-grama militar como parte do nosso sistema de reivindicaes transitrias, com o objetivo final de destruio do estado burgus, ou seja, de suas foras armadas reacionrias.

    O Programa do MAS prope, diante da decadncia e bancarrota total do pas, a necessidade de uma assemblia constituinte, democrtica e soberana, onde se discuta tudo, em particular nossa misria e a entrega do pas ao imperialismo, e onde, como socialistas, levantaremos nossas propostas por uma Argentina socialista. E assim por diante. O mesmo acontece no terreno econmico e das lutas. Por exemplo: aumento imediato de emergncia de 100 austrais! Vigncia imediata das converses coletivas! Imediato congresso de unidade de todos os que apiam os 26 pontos e a moratria! Solidariedade com a luta dos eletricitrios!

    Para terminar, podemos dizer que, nesta etapa onde, qualquer reivin-dicao sria conduz inevitavelmente alm dos limites da propriedade ca-pitalista e do estado burgus, apesar do esquema classificatrio, qualquer palavra-de-ordem pode adquirir um carter transitrio, no sentido de ser a ponte para a revoluo socialista que se transforma em bandeira da mobili-zao revolucionria. A classe operria tomou o poder na Rssia dirigindo as massas de milhes de camponeses, com trs reivindicaes supermnimas ou democrticas: po, paz e terra, porque a nica forma de consegui-las o que era imprescindvel para continuar vivendo era varrer a burguesia, para que os trabalhadores tomassem o poder, era varrer o estado burgus e os capitalistas.

    Voltando a nosso pas, e nos interrogando sobre os prximos passos e palavras-de-ordem que ir colocar o desenvolvimento da revoluo em cur-so, pensemos, por exemplo, que uma reivindicao democrtica bsica como justia e castigo para os culpados, muito possivelmente necessitar de uma mobilizao revolucionria para se impor, uma mobilizao revolucionria que varra tanto os cmplices atuais o governo radical de Alfonsin e as For-as Armadas como todo o regime e o capitalismo na Argentina

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    A arte de encontrar as palavras-de-ordem

    Para o partido revolucionrio, tanto a elaborao correta do programa, como a busca permanente de sua expresso nas palavras de ordem que, como dizia Trotsky, lei em as massas adiantei, so decisivas. Por isso, queremos nos deter no tema. No texto Partido mandelista ou partido leninista dizemos:

    Um partido bolchevique comea fazendo uma anlise da etapa da luta de classes. Dessa anlise surge um programa que coloca, entre outras se-cundrias, umas duas ou trs tarefas essenciais para o movimento de mas-sas, que concretizamos em palavras-de-ordem. Este o aspecto concreto da nossa poltica, por isso o fundamental. A teoria e propaganda servem para precisar este aspecto. Toda a nossa atividade (incluindo a teoria e a propa-ganda) est subordinada a este objetivo ltimo: definir quais so as tarefas gerais que as massas enfrentam numa determinada etapa (o programa), para concretiz-las em forma de palavra-de-ordem.

    Vejamos, por exemplo: sob um novo regime ou governo. O grosso do esforo terico do partido se concentrar em defini-lo com preciso, em analisar cuidadosamente a relao de foras entre as classes, os setores que integram o novo governo e os que esto em oposio, e as relaes de ambos com o imperialismo, o papel que cumprem as foras armadas, etc. Se da se deduz, por exemplo, que um regime bonapartista contra-revolucionrio, definiremos umas poucas palavras-de-ordem agitativas que respondero s necessidades que o movimento de massa coloca (defesa das conquistas econmicas; liberdades democrticas; defesa das organizaes operrias). Porm, nos encontraremos diante do fato de que esta caracterizao e estas tarefas so diferentes das que colocam as direes reformistas, burocrticas e ultra-esquerdistas, e que se chocam tambm com as tendncias espontneas da vanguarda. Isto nos obrigar a fazer com que tambm nossas propaganda gire em tomo da explicao constante das caractersticas desse regime, da polmica com os nossos inimigos dentro do movimento operria em torno de tal caracterizao e de porque as tarefas que propomos ao movimento de massas so as corretas. Em sntese, nossa teoria estar a servio da descober-ta das palavras-de-ordem que devemos agitar, nossa propaganda explicando para a vanguarda porque devemos agitar essas bandeiras e no outras. Isto no quer dizer que sejam essas as nossas nicas atividades tericas e propa-

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    gandsticas, mas sim que so as principais.Esquematizando, podemos dizer que toda a cincia e arte trotskista s

    sintetizam na capacidade para elaboraras palavras-de-ordem adequadas a cada momento da luta de classes. E o mesmo que dizia Lnin: Portanto, o contedo central das atividades da organizao de nosso partido, o centro de gravidade destas atividades, deve consistir em um trabalho que possvel e necessrio, tanto durante o perodo da exploso mais violenta, como durante o da mais completa calma, ou seja: um trabalho de agitao poltica unifica-da em toda a Rssia que ilumine todos os aspectos da vida e que se dirija s grandes massas. (Que fazer?)

    Lnin baseia esta linha de denncias polticas numa confiana cega na capacidade de organizao e de mobilizao de operrio atrasado ou do operrio mdio, e no na capacidade especial dos operrios de vanguarda ou avanados. (...) Para Lnin, se convencemos as massas com uma dessas campanhas, os operrios so capazes de tudo. O papel do partido iniciar essas campanhas, acompanhar e dirigir o movimento de massas. Por isso ele criticava os intelectuais que no sabem ou no tem a possibilidade de unir o trabalho revolucionrio com o movimento operrio para formar um todo. Devemos jogar a culpa em ns mesmos, no nosso atraso em relao ao movimento de massas, por no saber ainda organizar denncias suficien-temente amplas, ressonantes, rpidas contra todas essas ignomnias (...), o operrio mais atrasado compreender e sentir (...) e, ao senti-lo, ele mesmo vai querer reagir, vai querer com uma vontade incontvel, e ento saber organizar hoje uma batalha contra os censores, amanh desfilar em passeata em frente casa do governador que tenha sufocado uma revolta no campo, depois de amanh dar uma lio aos policiais com batina que desempenham a funo de santa inquisio, etc. (Que fazer?)

    ANLISE, CARACTERIZAO E POLTICA

    O partido revolucionrio parte da realidade para elaborar a sua poltica. como o mdico, que para poder receitar, precisa antes fazer um minucio-so exame (anlise), do qual chega a um diagnstico (caracterizao), que se

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    traduz num tratamento (poltica). Se o mdico faz o diagnstico errado, o tratamento pode matar o paciente.

    A anlise objetiva, parte dos fatos da realidade. Significa ver corno algo funciona, quais so as suas partes. Da mesma maneira que quando abri-mos um relgio vemos que peas tem e como elas se articulam para que ele funcione.

    A caracterizao toma o conjunto dos fatos objetivos detectados na an-lise e trata de precisar sua dinmica, partindo de como eles se combinam num determinado momento. Com a anlise vemos as partes da estrutura da realidade estudada; com a caracterizao vemos o todo e seu movimento, de onde vem e para onde vai, dando-nos assim uma viso de conjunto que nos permite estabelecer os prognsticos ou as tendncias do processo em questo.

    A poltica do partido serve para intervir na realidade a favor da revolu-o, ajudando no avano das lutas, da organizao e da conscincia da classe trabalhadora. Para isso, a poltica pressupe o conhecimento a fundo da rea-lidade, ter uma anlise e uma caracterizao, as mais corretas possveis. Se os falos centrais da realidade se modificam, o partido deve alterar sua poltica, no deve ficar preso a uma poltica se ela no corresponde mais realidade. Esta poltica, por sua vez, se concretiza num programa e em palavras-de-or-dem, que se aplicam utilizando o que j estudamos anteriormente: estratgia e ttica; propaganda, agitao e ao.

    Vejamos o que dizia Moreno sobre esses trs conceitos - anlises carac-terizao e poltica no texto Partido mandelista ou partido leninista?:

    Lnin dizia que o marxismo busca alcanar uma anlise estritamente exata e objetivamente verificvel das relaes de classe e das caractersticas concretas prprias de cada momento histrico.

    Ou seja, estudar cuidadosamente a realidade para descobrir as tendn-cias que apontam para a revoluo proletria e as que se ope a ela, bem como as relaes entre ambas. Isto nada menos que a caracterizao do momento histrico dado. E a base cientfica do que fala Lnin; necess-ria... para construir a ferramenta com a qual mudaremos a realidade. Essa ferramenta a poltica dizia Lnin. Em particular nos referimos poltica do partido para as massas, para impor uma mudana revolucionria.

    O objetivo da anlise aprofundar uma e outra vez o estudo de uma

  • 28 Conceitos Polticos Bsicos

    determinada situao, para elaborar as palavras-de-ordem corretas que pos-sam fortalecer as tendncias revolucionrias e as que trataro de destruir as contra-revolucionarias.

    Mas a anlise no cumpre nunca o objetivo de mudar as condies existentes a favor da revoluo proletria. Esse objetivo cumprido pela po-ltica. Anlise e poltica esto, pois, intimamente unidos, embora no sejam iguais. No podemos ter uma poltica revolucionria se no partimos de uma anlise e uma caracterizao cientficas da realidade. Ao mesmo tempo, nos-sa anlise e caracterizao no servem para nada se no se traduzem numa poltica para mudar essa realidade.

    Vejamos um exemplo esquemtico. Anlise: o movimento operrio est em ascenso; tem na sua direo os social-democratas e os stalinistas; a burguesia est em crise; existe um governo dbil, que se v obrigado a dar liberdades democrticas e a fazer concesses ao movimento operrio; um setor da burguesia prepara um golpe de estado fascista; a classe mdia est dividida: um setor tende a deixar-se arrastar pelo fascismo e outro pelo mo-vimento operrio; nosso partido no tem influncia de massas mas reco-nhecido por setores da vanguarda. Caracterizao: estamos numa situao pr-revolucionria que desembocar na revoluo operria ou na contra-revoluo fascista: para a revoluo operria empurram a favor o ascenso da classe, a radicalizao de um setor da pequena -burguesia e a existncia do nosso partido; a burguesia e o imperialismo, a classe mdia de direita e pol-tica traidora das direes oportunistas do movimento de massas empurram a situao para a contra revoluo, s se afastarmos estas direes e ganhar-mos a direo do movimento de massas, a situao desembocar na revolu-o operria. Poltica: h que unificar o movimento operrio numa frente contra o fascismo e comear a propor a auto-defesa armada dos organismos das massas, denunciando as vacilaes e as traies das direes reformistas: nesta tarefa devemos ganhar movimento de massas; h que realizar um tra-balho sobre a base do exrcito, h que propor um programa que contemple tambm as necessidades da pequena-burguesia para arrast-la para a revolu-o operria; devemos trabalhar nas organizaes do movimento operrio e de massas levando as palavras-de-ordem que surgem dos pontos anteriores: Unidade de todas as organizaes e partidos operrios e populares contra o fascismo; auto-defesa andada dos sindicatos e demais organismos; direi-

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    tos democrticos para os soldados e sub-oficiais; etc. (op. cit. pg. 19/20)Na vida de um partido revolucionrio, sempre estamos fazendo anlises

    e caracterizaes da situao objetiva, e elaborando e adequando nossa po-ltica s mudanas que ocorrem na realidade. Desde a direo at os compa-nheiros de equipes ncleos ou clulas de base, todos devemos acompanhar a realidade cotidiana da luta de classes, seja do mundo, do pas em seu conjun-to, de um setor ou categoria, da nossa fbrica, banco ou escola, fazendo ou refazendo nossas anlises para melhor definir a poltica e as tticas.

    Este exerccio constante de anlise da realidade tal como ela , d defini-o das suas tendncias mais e menos provveis, e de adequao de nossas t-ticas e propostas polticas esta realidade, a chave essencial de realizao da poltica marxista e da politizao dos militantes e ativistas revolucionrios.

    Muitas vezes o fazemos sem saber, inconscientemente, quando, por exemplo, na eminncia de uma greve de fbrica, nos perguntamos: Como est a patronal, muita dura? Como esto os estoques, muito grandes? E a dis-posio e o nimo do pessoal? E os empregados administrativos, vo aderir? E a diretoria do sindicato, est a favor? E os ativistas, esto todos firmes? E os companheiros de outras correntes da esquerda da fbrica, que posio tm para a greve? E o panfleto que ns soltamos, pegou bem? etc, etc. Todas estas perguntas constituem, em seu conjunto, questionamentos relativos anlise e caracterizao da situao da fbrica, desde a situao econmica at o resultado que teve o nosso panfleto no nimo do pessoal. Este ltimo, inclu-sive, um exemplo de como podemos medir e, muitas vezes corrigir nossa poltica, atravs da nossa agitao (um panfleto), de acordo com a repercus-so que ela tem entre os trabalhadores. que a agitao cumpre um papel duplo na atividade do partido; ela tambm uma via para, como dizia Lnin, escutar as massas, isto para saber melhor como caem nossas propostas e at que ponto os trabalhadores esto dispostos a coloc-lo em prtica.

    Mas voltando ao nosso tema, preciso e imprescindvel fazer e desen-volver este exerccio constante de anlise e caracterizao da realidade so-bre a qual atuamos, pois ele , como dissemos, a nica garantia de termos uma poltica revolucionria e, ao mesmo tempo, o segredo da nossa prpria politizao. Quem define posies polticas baseado apenas na intuio ou em experincias passadas, sem uma anlise cientfica da realidade presente, um emprico, no um revolucionrio marxista. Ainda que possa acertar

  • 30 Conceitos Polticos Bsicos

    casualmente hoje, vai inevitavelmente errar amanh e depois. Quem res-tringe sua anlise a apenas um aspecto da realidade, ainda que seja o mais importante, tampouco atua como marxista. Tal anlise unilateral tende ine-xoravelmente, a uma poltica equivocada, seja sectria e ultra-usquerdista ou oportunista e reformista.

    A anlise marxista , em primeiro lugar, estrutural: arranca da situao econmica e da relao entre as classes e seus interesses e necessidades mate-riais. Parte da para a superestrutura, investigando a situao da vanguarda, dos organismos da classe e da patronal, bem como de suas diferentes corren-tes. uma anlise conjunto e histrica, que aborda todos os elementos da re-alidade que estamos estudando em sua devida proporo e desenvolvimento. Esta anlise objetiva, isto , toma a realidade tal como ela , no como ns gostaramos que fosse; e dinmica, ou seja, termina por fixar as tendncias a favor e contra os trabalhadores e, dentre elas, as mais e menos provveis, permitindo-nos definir uma caracterizao o mais precisa possvel da reali-dade que objeto do nosso estudo.

    Como somos uma organizao pequena em relao realidade, cuja di-reo e quadros so inexperientes perante a dimenso das tarefas colocadas pelo processo revolucionrio, sabemos que vamos cometer erros. Mas in-clusive para que possamos aprender o mximo de nossos erros e acertos, o importante atuar sempre como um mdico ou cientista no terreno das anlises e caracterizaes, nica garantia de que nossa poltica seja, verda-deiramente, marxista-revolucionria.

    OS ACORDOS, PACTOS, UNIDADES DE AO E AS FRENTES

    As infinidades de tticas para fazer acordos, unitrios e frentistas so muito importantes, tanto para as tarefas de construo do partido, como para a mobilizao das massas. O terreno especfico da primeira tarefa dar lugar, em todas as situaes da luta de classes, a vrios acordos e, tal como voltaremos a insistir mais tarde, consideramos que a ttica da frente nica

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    revolucionria com as correntes e organizaes operrias, polticas ou sin-dicais, centristas de esquerdas ou progressivas, que se enfrentam ou vo se colocando no caminho do enfrentamento com as direes traidoras, refor-mistas ou burocrticas, de vida ou morte para o desenvolvimento da dire-o revolucionria, ou seja, para a construo do partido.

    Na etapa do ascenso nas lutas, e muito mais certamente em sua mxima expresso a situao e a crise revolucionria , coloca-se, com toda sua importncia, a questo da unidade para a luta, a unidade para a mobiliza-o. Nesses momentos, as tticas unitrias so mesmo decisivas para fazer avanar e aprofundar a mobilizao, e fazer que no apenas sejam contra a burguesia como tambm contra seus dirigentes dentro do movimento de massas, as direes traidoras, e tambm para desenvolver o rumo esquerda das correntes centristas espontneas ou organizadas de esquerda.

    Poderamos fazer o seguinte resumo super esquemtico:Primeiro: a ao operria e de massas, a mobilizao, um processo

    objetivo para um partido como o nosso, e nossa obrigao intervir nela.Segundo: isso se concretiza ou significa dar-lhe bandeiras para a ao.Terceiro: que nessas aes e mobilizaes ns priorizamos o fortaleci-

    mento das aes e mobilizaes operrias, ou dos setores operrios nas mo-bilizaes populares.

    Quarto: que nessas aes e mobilizaes e de massas objetivas podem intervir, obrigados pela presso do movimento ou por necessidade prpria, direes traidoras, reformistas ou burguesas, e ns no renunciamos a inter-vir nesses processos da luta e mobilizao porque intervm ou porque, como ocorre hoje em dia na maioria dos casos, so essas direes traidoras e no operrias quem dirijam.

    Quinto: que podemos fazer qualquer tipo de acordo, pacto ou unidade de ao com essas direes traidoras ou burocrticas (ou at frentes, se so operrias), se servem para a mobilizao e se no significam nenhum cerce-amento de nossa tola independncia, se no nos implica nenhum tipo de di-plomacia nas crticas ou inclusive, fre-las, j que o momento de mobilizao justamente quando mais crticas temos que fazer a essas direes.

    Sexto: toda ao e mobilizao profunda de massas origina, inexoravel-mente um deslocamento esquerda dentro das correntes traidoras e buro-crticas, de lutadores ou correntes operarias centristas progressivas, que vo

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    para posies de independncia de classe, de democracia operria e mobi-lizao conseqente, que tm que ser o objetivo privilegiado de nossas t-ticas unitrias e frentistas seja no terreno sindical ou no poltico, j que seu fortalecimento a melhor ajuda para enfraquecer a direo traidora, para a vitria da mobilizao e para a construo do partido.

    A ttica unidade-enfrentamento

    Ns conhecemos, dentro do movimento trotskista, grupos que podera-mos chamar a vertente sectria, que repudiam sistematicamente a interven-o em comum com outras organizaes ou com as direes traidoras, que esto obcecados em manter seu mais absoluto isolamento e pureza. Ns sa-bemos tambm que existe outra vertente, tambm equivocada e muito mais grave, que o oposto, o acordismo, ou diretamente o apoio a correntes stanilistas, pequeno-burguesas burocrticas ou diretamente burguesas na-cionalistas. o caso do mandelismo, corrente internacional do trotskismo agrupada em torno de Ernest Mandel e que se autodenomina Secretariado Unificado. Eles insistem na tendncia unidade e ao apoio durante anos s direes de correntes pequeno-burguesas, burocrticas, stalinistas ou nacio-nalistas burguesas, como fizeram com o apoio a Tito na Ioguslvia entre 1948 e 1951, com o apoio ao maosmo, com entrismo sui generis na Europa, que significou viver vegetativamente dentro dos partidos comunistas duran-te 18 anos, o apoio direo da FLNA na Arglia, ao castrismo e agora ao sandinismo.

    A nvel mundial, os mestres da unidade, no como ttica ou necessida-de revolucionria, mas como armadilha mortal para levar a luta operria conciliao de classe, capitulao burguesia, coexistncia pacfica com o imperialismo, sem dvida o Partido Comunista da URSS e seus agentes em cada pas, os partidos comunistas nacionais, ou seja,o stalinismo. Seu poderio e periculosidade provm do fato de que so organizaes polticas dominadas pela burocracia contra-revolucionria de um estado operrio, o que lhes d uma identidade social com os trabalhadores de todo o mundo, um carter operrio a seus agentes nacionais, alm da particular composio social de cada um deles (como, por exemplo, o PC argentino, que apenas muito minoritariamente tem base operria. E em sua maioria pequeno-bur-

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    gus, inclusive burgus). Por definio, tanto o Partido Comunista da URSS como os partidos comunistas nacionais correspondentes, que determinam sua poltica nacional segundo a orientao da poltica exterior da URSS, so organizaes que entram na classificao de operrias, porque seu apoio social essencial o estado operrio. No entanto, essa definio insuficiente: so organizaes operrias burocrticas, dominadas pela camarilha buro-crtica sovitica, que domina o estado operrio e o PCUS, e pelas diferentes camarilhas nacionais agentes de Moscou. Todos esses burocratas tm como objetivo no a defesa dos interesses dos trabalhadores da URSS, dos estados operrios de todo o mundo, no a derrota do imperialismo e o triunfo do socialismo no mundo, mas sim a defesa de seus privilgios burocrticos. Por isso, sua afinidade no com os explorados do mundo os trabalhadores mas com os outros privilegiados, os exploradores dos pulsos capitalistas e imperialistas. Por isso, se unem diretamente ou capitulam ao imperialismo na poltica contra-revolucionria de derrotar ou desmobilizar as lutas revo-lucionrias das massas em todo o mundo. Sua poltica, sintetizada no lema de Moscou da coexistncia pacifica, busca a manuteno de um equilbrio com o imperialismo e impedir que surjam e se desenvolvam direes ope-rrias independentes e revolucionrias, j que o triunfo das massas enca-beadas por uma nova direo revolucionria significaria o fim do sistema capitalista, do imperialismo, e o fim de todos os privilgios, sejam burgueses ou burocratas.

    Nesse sentido, o mandelismo um aspecto do que criticamos acima. a ala do movimento trotskista que ref lete o impacto produzido na clas-se mdia, estudantil e universitria, especialmente na Europa, pelos pro-cessos revolucionrios onde direes pequeno-burguesas, burocrticas ou stalinistas tomaram o poder. O mandelismo, ao invs de implementar uma poltica trotskista correta e conseqente, capitula a essas direes, adaptando-se a elas.

    Voltando ao stalinismo, sem fazer uma histria detalhada, recordemos o nascimento formal na dcada de trinta, da unidade policlassista das Frentes Populares: a unidade poltica, unidade para governar, com a burguesia (e, certamente, com a pequena-burguesia) segundo eles, democrtica, parti-cularmente nos pases imperialistas, com a qual empurraram as lutas ope-rrias conciliao de classes e capitulao ao governo burgus. Na lista

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    das traies stalinistas, as derrotas das revolues operrias na Espanha e na Frana, nesta dcada, correspondem clssica poltica da Frente Popular.

    Esse impulso inerente poltica stalinista, de se unir burguesia, man-teve-se no ps-guerra e at os dias de hoje. Onde podem, se incorporaram a governos burgueses imperialistas ou no como na Itlia e Frana no ps-guerra e depois no Chile, Panam, outra vez na Frana e na Bolvia, mas tambm existem pases onde passaram anos e anos sem conseguirem algum burgus disposto a unir-se a eles, ou ao qual apoiar (por exemplo, no Mxico e nos ltimos anos na Argentina). De qualquer forma, desde a dcada de cinqenta, a partir de qual se iniciou a crise do stalinismo mundial, e muito particularmente a partir do triunfo da Revoluo Cubana, foram se esboan-do polticas diferentes da ortodoxia Frente-Populista dos anos trinta.

    Na Amrica Latina, a vitria do Movimento 26 de Julho, em janeiro de 1959, que, como j dissemos, era uma direo pequeno-burguesa nacionalis-ta oposta a Moscou, deu origem ao primeiro estado operrio do continente, e ocorreu sem nenhuma participao dos comunistas, pois o raqutico PC cubano esteve na trincheira oposta, ao lado do ditador Batista e contra o castristas. Apesar de que, com os anos, Moscou e os stalinistas se apossaram do processo revolucionrio cubano, o triunfo de Cuba socialista sem eles foi um duro golpe para o stalinismo mundial.

    Em julho de 1979, os sandinistas tomaram o poder na Nicargua, num governo de coalizo com a burguesia anti-somozista. A FSLN, na qual co-existiam trs correntes, era independente de Moscou, e o PS nicaraguense, que era o partido local fiel a Moscou, apoiava majoritariamente a Somoza, contra os sandinistas. Aparentemente, este segundo erro grosso da poltica stalinista para a Amrica Latina vem gerando uma discusso desde as altas esferas de Moscou at os distintos PCs da Amrica Latina. Dizemos aparen-temente, porque, no momento, temos pouca documentao, estamos apenas comeando a investigar. Por exemplo, um tal Kiva Maydanik, membro da Academia de Cincias da URSS, publica, imediatamente depois da queda de Somoza, em 1979, um artigo na revista Amrica Latina, onde diz que necessrio estender o conceito de revolucionrio a outras foras radicais alm dos comunistas (ainda que em seu artigo ele exclua os trotskistas e os maostas) , que o processo nicaragense mostrou que possvel a correta unidade orgnica entre diferentes correntes (referindo-se s trs correntes da

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    FSLN) e que o grande ensinamento da vitria nicaragense a necessidade da unidade dos partidos comunistas com aquelas foras insurrecionais que durante decnios tm sido chamadas, por inrcia, ultra-esquerdistas (grifo nosso).

    Acrescenta que imprescindvel hierarquizar a importncia dos dois tipos de unidade que esto colocados, a das foras de esquerda e a ampla unidade democrtica e que a unidade da esquerda constitui o elo prin-cipal, decisivo, para impulsionar o processo revolucionrio (grifado no original). E, para que no fiquem dvidas, continua: E quanto mais ampla no plano nacional e internacional a frente potencial das foras antidita-toriais e antifascistas, tanto maior ser o imperativo da unidade da esquerda. Sem nenhuma dvida, a discusso importante, porque segundo a poltica que prope esse artigo, Moscou teria dado uma ordem oposta a seu parti-do cubano vinte anos atrs, em 1958-59 (unir-se aos castristas, em vez de enfrent-los, e apoiar o ditador Batista), ou ao PS nicaragense em julho de 1979, que atacou os sandinistas. O autor prope adotar a orientao dos cubanos, dos salvadorenhos e do PC uruguaio, que j vinham dizendo que, ao tratar-se de uma poltica para o poder, o primeiro passo para a unidade mais ampla a unidade das foras de esquerda.

    Qual a poltica que os salvadorenhos propem, com a qual coincidiria o estrategismo sovitico? Segundo seu secretrio geral desde 1973, o coman-dante Schafik Handal, desde 1976, corresponde ao Partido do Comunista salvadorenho o mrito de ter agitado primeiro e defendido mais sistemati-camente a bandeira da unidade de esquerda3. Vejamos como explica essa poltica to peculiar do PCs em relao s polticas mais tradicionais dos diversos partidos comunistas do continente:

    curioso e sintomtico que os partidos comunistas tenham nos de-monstrado nos ltimos decnios uma grande capacidade para nos entender-mos com o vizinho do lado direito, enquanto em troca, no conseguimos, na maioria dos casos, estabelecer relaes, alianas estveis e progressivas com nossos vizinhos da esquerda. Entendemos perfeitamente todos os matizes que vo desde ns mesmos at a direita, suas origens, seu significado, etc.,

    3 Tanto esta como as demais citaes de Handal correspondem ao artigo O poder, o ca-rter e a via da revoluo e a unidade da esquerda, de dezembro de 1981, publicado como suplemento especial de El Combatiente n 318

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    mas com relao a quem est nossa esquerda, no somos capazes de com-preender a essncia em si do fenmeno de sua existncia e caractersticas, nem seu significado histrico objetivo, nem nossas tarefas para eles. Ns, os comunistas latino-americanos, no tivemos, durante muito tempo, uma li-nha consistente e sistemtica para unir todas as forcas de esquerda, inclusive a esquerda armada.

    No h nada de depreciativo nem menosprezvel na denominao vi-zinhos de direita. apenas um recurso para enfatizar a exposio destas idias. Dos comunistas salvadorenhos nos orgulhamos e nos sentimos honra-dos pela amizade de uma grande parte destes aliados, firmes e conseqentes lutadores pelos ideais democrticos, de independncia e progresso social.

    Em sntese, a poltica unitria, cujo modelo o PC salvadorenho e que o estrategista de Moscou considera acertada, pode ser sintetizada em que, como existem organizaes revolucionrias nascidas fora das estruturas dos partidos comunistas e Handal diz que isto se deve no somente aos erros reformistas de alguns PCs, mas tambm s razes objetivas no correto fazer unidade somente com a direita, mas tambm com a esquer-da. Mais ainda, esta unidade da esquerda o primeiro passo, decisivo, para conseguir tambm a unidade mais ampla de todas as foras antiditatoriais e antifascistas. a poltica pela qual se desenvolveu a FDR/FMLN em El Sal-vador, onde conseguiram a unidade poltico-militar dos lutadores operrios e pequeno-burgueses de quatro organizaes guerrilheiras e o PC salvadore-nho com um importante setor burgus, encabeado pelo sinistro agente do imperialismo, o burgus Guilhermo Ungo, e com o qual conseguiu no so-mente tirar o PC salvadorenho da crise e da marginalidade, como tambm, e muito importante, impedir, por enquanto, a queda do regime de Duarte, a derrota de seu exrcito genocida e a tomada do poder em El Salvador pelas hericas massas em luta que seguem a FMLN.

    Ao contrrio dos partidos comunistas, que utilizam as necessidades e os desejos de unidade para diluir as fronteiras de classe, para fortalecer as direes no operarias ou burocrticas e para salvar os regimes burocrti-cos e o prprio capitalismo, ou, ao contrrio de Mandel e seus seguidores, que capitulam constantemente a essas direes, para ns, a unidade exige sempre a delimitao de classe e a definio crtica do tipo de direo a qual estamos nos unindo circunstancialmente. Por isso, as tticas de unidade de

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    ao ou frentista com direes stalinistas ou pequeno-burguesas ou opera-rias burocrticas (muito mais se so burguesas!) uma combinao, desde o incio e a todo momento, de unidade e de enfrentamento, de ruptura. Porque ns intervimos na ao, na mobilizao, obviamente, para enfrentar e derrotar o imperialismo, o capitalismo e os exploradores, mas tambm, ao mesmo tempo, para enfrentar, enfraquecer e, se podemos, derrotar essas direes inimigas irreconciliveis de organizao independente e democr-tica dos trabalhadores e da vitria revolucionria. Isto decisivo, porque justamente a mobilizao o melhor momento para enfrentar essa sfilis que corri por dentro o movimento operrio, o momento onde se do as condi-es para varr-la.

    Por isso dizemos que uma ttica muito complexa, muito contraditria, que temos que adotar com muito equilbrio. Por um lado, para ajudar a ao e a mobilizao, fazemos todo tipo de acordos e nos parece extraordinrio que intervenham todas as foras operrias, mesmo que sejam organizaes stalinistas ou burocrticas. E de acordo com o tipo de luta, inclusive as no operrias, como as pequeno-burguesas ou burguesas, que circunstancial-mente estejam enfrentando o governo burgus ou o imperialismo. Porm, esses acordos tm que estar sempre combinados, tm que ser parte de uma estratgia de delimitao de classe e de enfrentamento com essas direes. Ou seja, entre o acordo e o enfrentamento, se chega o momento em que se coloca abertamente essa contradio, ns continuamos denunciando essas direes, mesmo que o acordo rompa. imprescindvel que isto seja discu-tido muito bem, porque, ao contrrio, corremos o risco de cair em um erro muito comum, de tipo mandelista: silenciar nossas crticas a esses burocratas traidores ou pequeno-burgueses, ou diretamente apoi-los em sua poltica antioperria, pelo fato circunstancial de ter pontos em comum de luta. Ao faz-lo, somente conseguiramos enfraquecer essa luta, confundir as bases e a vanguarda e livrar a cara da direo traidora. Recordemos, por exemplo, a atuao da Brigada Simon Bolvar na revoluo nicaraguense. Os combaten-tes da BSB lutaram e trs deram sua vida junto FSLN para derrotar So-moza. Tiveram o mrito e o herosmo de libertar a primeira cidade da costa atlntica, o porto de Bluefields. Quando Somoza foi derrotado, os dirigentes sandinistas impuseram um governo formado pelos comandantes e a bur-guesia antisomozista (Violeta Chamorro e Robelo). A Brigada, por sua vez,

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    se lanou organizao sindical independente dos trabalhadores. Em menos de um ms, o acordo que existia e que havia permitido Brigada ter um amplo local em Managu, foi pelos ares, j que os brigadistas no renuncia-ram, como exigia a direo sandinistas, a impulsionar a organizao sindical independente. Os brigadistas, apesar de terem sido apoiados por uma mani-festao de 5.000 trabalhadores, foram expulsos da Nicargua pela polcia sandinista e espancados pela polcia panamenha, qual foram entregues na fronteira. Os mandelistas, por seu lado, apoiaram a represso do governo e da polcia burguesa contra os brigadistas muitos deles troskistas para manter seu apoio FSLN.

    Nosso ponto de partida para definir qualquer ttica unitria o in-teresse da luta, da mobilizao pelas necessidades mais prementes dos trabalhadores. Somente a partir da comeamos a colocar as diferentes pos-sibilidades de aliana ou unidade. Esquecer isto pode nos levar ao ponto de vista mandelista ou do partido comunista: andar buscando algum burgus progressivo, algum pequeno-burgus revolucionrio ou algum burocrata centrista incurvel ou diretamente traidor, com o qual nos unir para, a par-tir da, chamar a unidade ou, pior ainda, apoi-lo diretamente. A realidade e a poltica revolucionria so o oposto. As aes de luta das massas so, como dizem os, um processo, e nossa grande tarefa procurar as melhores palavras-de-ordem para desenvolv-las. Entre elas, veremos qual a melhor tticas de unidade para fortalecer essa luta e derrotar, ou pelo menos enfra-quecer, o burocrata traidor com o qual podemos estar taticamente unidos num momento da mobilizao.

    No mesmo sentido, bom esclarecer que ns nunca apoiamos uma di-reo burguesa, pequeno-burguesa ou operria traidora, reformista ou bu-rocrtica, mesmo quando estivermos taticamente unidos numa luta. Ns somente apoiamos as lutas, as mobilizaes, sejam dirigidas por quem quer que seja. A essas direes alm da questo de forma, do meio e do momento em que expressamos essa denncia as denunciamos sempre e, dialtica e contraditoriamente, o momento que mais a denunciamos quan-do estamos unidos taticamente a elas, porque o momento da mobilizao. Isso assim porque a mobilizao a nica forma de derrotar essas direes burocrticas e abrir caminho para uma nova direo. Somente quando h mobilizao pode-se deixar evidente, aos olhos das massas, as vacilaes e as

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    traies dos maus dirigentes e, s vezes ter a fora necessria para varr-los e forjar os novos dirigentes que podero substitu-los. Por isso, insistimos sempre que o fundamental a luta, a mobilizao. Se essa mobilizao exige tticas unitrias as levantamos, e seguramente o prprio desenvolvimento da mobilizao desmascarar a traio burocrtica e nos permitir avanar na construo da nova direo. Conforme definimos, no comeo, os termos de estratgia e tticas, poderamos dizer que dentro de nossa estratgia deci-siva e fundamental de construir o partido revolucionrio com influncia de massas, combatendo diariamente as direes traidoras, ajudando as massas operrias e populares a romper com elas, a destru-las, a fazer a revoluo contra elas e encabeadas por esse partido revolucionrio, um acordo, uni-dade de ao ou frente nica, sempre ser ttico, mesmo que esta ttica, num momento fundamental, possa ser decisiva para conseguir essa mobilizao operria e popular.

    Por ltimo, queremos assinalar que tampouco uma lei absoluta que, diante desses processos de luta e mobilizao, estamos obrigados a levantar a ttica de acordo ou unidade de ao com as direes traidoras. Muito pelo contrrio. ttico. Faremos se for o melhor para desenvolver nossa estra-tgia de mobilizar e construir o partido. Por isso, muitas vezes levantamos o chamado ao e mobilizao contra a vontade expressa da direo. A forma como o fazemos que pode incluir tambm algum tipo de proposta unitria depender de cada situao. Podemos chamar a direo traidora a se colocar na cabea, ou a que reflita e mude, mil variantes. O importante que ns no nos atrelamos a uma ttica unitria, por mais importante que ela seja, j que, em ltima instncia, o que mais queremos o enfrentamento e a derrota dessas direes. Mais concretamente, como a burocracia sindical incrustada da direo da CGT e da ampla maioria dos sindicatos nos mos-tra dia-a-dia, vivemos constantemente mobilizaes, greves e conflitos que, para triunfar, tm que ir contra essas direes, combat-las e derrot-las, ao mesmo tempo que combatem e derrotam a patronal. Em muitas situaes assim, a proposta de unidade no se justifica ou somente se justifica de forma muito secundria ou pedaggica. Todos conhecem o caso da luta da Ford de Pacheco, em 1985, onde o centro de nossa poltica muito correta para a direo do SMATA (Sindicato dos Trabalhadores nas Montadoras de Auto-movis), Jos Rodriguez, foi denunci-lo como traidor por no apoiar a luta.

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    E, mais em geral, diante da tremenda crise da burocracia sindical, que passa a ser um problema de vida ou morte para a ao, a questo da democracia operria, de que sejam as bases quem discutam e votem o que fazer contra a fome e o entreguismo ao imperialismo, e por isso vamos nos encontrar mil vezes com que as propostas tticas de unidade so secundrios ou somente educativas diante da colocao frontal de que a direo burocrtica cana-lha, com a qual no se pode sair luta para ganhar, e que seja a base quem decida como e quando sair. Recordemos a experincia nefasta e negativa da ltima luta do sindicato da alimentao na Capital onde, por inexperincia, colocamos em primeiro lugar a unidade em torno do plano de luta do si-nistro burocrata Daher (formalmente votado num plenrio de delegados), contra o que queriam os melhores ativistas e grande parte da base em Bagley (fbrica alimentcia).

    A ttica unitria distinta frente s correntes independentes progressivas

    Como dissemos antes, e esquematizando, onde h ao e mobilizao comea a haver rompimento no aparato burocrtico e traidor, surgimento de correntes operrias, sejam organizadas ou no, que vo se tornando in-dependentes, que vo se descolando para a esquerda e no enfrentamento a essas direes burocrticas, no terreno sindical ou poltico. Ns temos que atuar com tudo nesses fenmenos buscando todos os acordos e unidades possveis com eles, para que se intensifique o rompimento com o aparato. Es-ses acordos, mesmo que inicialmente se dem sobre o terreno sindical e no poltico, so decisivos, e temos que privilegi-los, porque aceleram a crise das direes traidoras e burocrticas.

    Nesse caso, tampouco existir, pelo menos no comeo, uma unidade to-tal, um acordo completo em torno de tudo. Existiro seguramente diferenas de mtodo, de princpios, de programa. Mas se estamos diante de uma cor-rente operria progressiva, a ttica ser de unidade-diferenciao, enfatizan-do o que nos une, o positivo, e polemizando fraternalmente sobre os pontos ou temas em desacordo, tratando de avanar juntos at o programa acabado da revoluo socialista, ou seja, ser a ttica de frente nica revolucionria. Esta relao se manter assim at que consigamos o salto de que surja uma

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    organizao comum, com centralismo democrtico e em torno do programa revolucionrio, ou at que a realidade mostre que o caminho dessa corrente outro, que j no mais uma corrente progressiva, mesmo que seja centrista, e que se cristalize como centrista, ou seja, reabsorvida pelo aparato. Diante desse caso, romperemos a frente nica revolucionria.

    Ento, no seio da mobilizao, privilegiamos sistematicamente a apro-ximao e a unidade com este tipo de corrente ou lutadores operrios de es-querda, e com os quais nossa perspectiva mais ambiciosa, mais positiva ser no somente o acordo conjuntural, mas algo mais profundo e fundamental: a frente nica revolucionria, na perspectiva de avanar j no apenas na ttica - importante, mas no final das contas ttica - de uma unidade de ao sindical ou poltica, mas no terreno estratgico fundamental e permanente da construo do partido revolucionrio.

    No nvel de nossa organizao mundial a LIT (QI) temos colocado j h m