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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CURSO DE DOUTORADO EM PSICOLOGIA Concepção de ser humano subjacente à discussão sobre saúde na psicologia: uma proposta de orientação heideggeriana Marcelo Vial Roehe NATAL 2015

Concepção de ser humano subjacente à discussão … · Não se trata de contrapor uma visão psicológica mentalista ao modelo biomédico: a saúde não é do corpo nem da mente,

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

CURSO DE DOUTORADO EM PSICOLOGIA

Concepção de ser humano subjacente à discussão

sobre saúde na psicologia: uma proposta de orientação

heideggeriana

Marcelo Vial Roehe

NATAL

2015

Marcelo Vial Roehe

Concepção de ser humano subjacente à discussão sobre

saúde na psicologia: uma proposta de orientação

heideggeriana

Tese elaborada sob a orientação da Profa. Dra. Elza Dutra e apresentada para a Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Psicologia

NATAL

2015

UFRN. Biblioteca Central Zilá Mamede.

Catalogação da Publicação na Fonte.

Roehe, Marcelo Vial. Concepção de ser humano subjacente à discussão sobre saúde na psicologia:

uma proposta de orientação heideggeriana/Marcelo Vial Roehe. – Natal, RN, 2015

140f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro

de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Psicologia.

Orientadora: Profa. Dra. Elza Dutra.

1. Concepção de homem. 2. Heidegger. 3. Modelo biomédico. 4. Psicologia da saúde. 5. Psicologia fenomenológico-existencial. I. Dutra, Elza. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/BCZM CDU 159.9

Agradecimentos

Meus pais, Rejane Vial Roehe e Nelson Roehe

Adriana de Oliveira

CAPES

Cristiano André da Costa

Elza Dutra

Jane Conterno Aquino (in memoriam)

João Carlos Alchieri

Sâmara Tessa G. de Lira Freire

Sumário

Resumo ..........................................................................................................................vi

Abstract ........................................................................................................................vii

Introdução .......................................................................................................................8

1. Uma visão histórica do pensamento sobre saúde .....................................................16

2. Aproximações da psicologia ao problema da saúde .................................................30

3. Sobre o emprego da Analítica de Heidegger como orientação teórica da tese .........44

4. A Analítica do Dasein .............................................................................................. 49

5. Método ......................................................................................................................59

6. Analítica do Dasein e concepção de homem subjacente à discussão sobre saúde em

publicações de psicologia..............................................................................................62

6.1 - Saúde e homem como ser-no-mundo ...............................................................62

6.2 - Saúde e homem como relação com o próprio ser .............................................90

7. Considerações Finais ..............................................................................................111

8. Referências .............................................................................................................120

vi

Resumo

A crítica ao modelo biomédico é um tema recorrente em publicações de psicologia sobre saúde. O modelo é rejeitado devido à sua ênfase (1) na doença (2) como disfunção corporal. A posição presente nos trabalhos de psicologia que tratam do assunto é de que o modelo é reducionista, limitando a saúde a ser ausência de doença. As implicações da abordagem biomédica para o pensamento em saúde são o materialismo (corpóreo) de viés biológico e o mecanicismo fisiológico. Como contraponto à biomedicina e com o objetivo de apresentar uma visão ampliada do fenômeno, os trabalhos de psicologia revisados, conforme o método de leitura de Cervo e Bervian (1983), destacam os aspectos contextuais e o papel do comportamento e do estilo de vida no processo saúde-doença. Nesta discussão, é possível vislumbrar a presença de uma concepção subjacente de homem, reforçada com a referência, em alguns trabalhos, ao pensamento de Descartes como sendo a origem das ideias inspiradoras do modelo biomédico. A argumentação das publicações de psicologia a respeito de saúde destaca características do fenômeno que implicam um modo de conceber o ser humano, a quem a saúde diz respeito. Esta tese desenvolve o entendimento de que a concepção de ser humano elaborada pelo filósofo alemão Martin Heidegger em sua Analítica do Dasein é compatível com as propostas dos trabalhos de psicologia acerca da saúde selecionados. Ou seja, o que as publicações de psicologia discutem a respeito da compreensão da saúde é relativo, de modo subjacente, a uma concepção de homem que possibilita o (novo) olhar sobre o fenômeno. O Dasein heideggeriano é uma visão de ser humano que se coaduna com a posição sobre saúde presente nos trabalhos de psicologia que estabelecem uma discussão a respeito do fenômeno, entendendo-se que a maneira como se concebe um fenômeno humano é coerente, ainda que de modo implícito, com um modo de compreender o homem. A consideração dos aspectos contextuais – como sociedade, ambiente e cultura – na abordagem da saúde remete à questão da relação entre homem e mundo, para a qual Heidegger desenvolveu a noção de ser-no-mundo. A atenção ao papel do comportamento na saúde aponta para a participação da própria pessoa em sua saúde, permitindo que se estabeleça um paralelo com o pensamento heideggeriano sobre a relação que o ser humano tem com seu próprio ser. Palavras-chave: concepção de homem, Heidegger, modelo biomédico, psicologia da saúde, psicologia fenomenológico-existencial.

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Abstract

A reading method (Cervo & Bervian, 1983) was applied to select psychology publications on health. The rejection of the biomedical model is a recurring theme in these publications. Its point of view is that the model is reductionistic because it emphasizes (1) the disease (2) as a body dysfunction and by consequence health is understood as the absence of disease. The implications of the biomedical model for health are biological materialism and physiological mechanicism. Psychology publications counterpoint to biomedicine is to include attention to life contexts and consider the role of individual behavior and lifestyle in the health-disease process. Those thoughts about the nature of health imply a conception of man, especially when some articles claim that Descartes’ ideas are the ground to biomedicine development. Psychology publications reviewed highlight health characteristics related to a different view of the human mode of being. The thesis presented develops an understanding that Martin Heidegger’s Dasein Analytic is a conception of human being consistent with the selected psychology works’ view of health. It means psychology’s discussion about what is health is based on an implicit approach to the human being, one that allows the rethinking of health. The heideggerian Dasein is a vision of man in tune with the comprehension of health presented in the selected publications. It is understood that the manner a human phenomenon is conceptualized is related even implicitly to a conception of man. To take into account health’s contextual aspects like society, environment, and culture call attention to the man-world relationship to which Heidegger calls being-in-the-world. To highlight the role of behavior on one’s own health makes a point of the relationship man has with her/his own being, which Heidegger calls mineness. Keywords: conception of man, Heidegger, biomedical model, health psychology, existential-phenomenological psychology.

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Introdução

Esta tese é um estudo a respeito da concepção de homem presente em trabalhos de

psicologia, selecionados conforme o método de leitura de Cervo e Bervian (1983), que

discutem o problema da saúde. A discussão relativa à saúde apresentada nas publicações

selecionadas é abordada como indicadora de uma concepção – subjacente – de ser humano.

Entende-se que o modo como a saúde é debatida em publicações de psicologia é derivado de

um questionamento que, no máximo, se insinua: como é o ser humano, a quem a saúde diz

respeito?

A concepção de ser humano que esta tese adota é a apresentada pelo filósofo alemão

Martin Heidegger em sua Analítica do Dasein ou Analítica Existencial, publicada na obra

Ser e Tempo (Heidegger, 1927/2006) e com desdobramentos em outros trabalhos, dentre os

quais são relevantes para esta tese Os problemas fundamentais da fenomenologia

(Heidegger, 2012) e Seminários de Zollikon (Heidegger, 1987/2001a; 1987/2001b). Dasein é

o termo (alemão) que Heidegger emprega para se referir ao modo de ser do homem. A

utilização de um termo estranho à tradição que entende o “ente que nós mesmos somos”

como homem, sujeito ou pessoa é devida ao projeto filosófico de revisão da metafísica

ocidental, no âmbito da qual esses termos foram gestados. A Analítica também é conhecida

como Existencial, porque Heidegger reserva o termo existência exclusivamente para o

Dasein, tendo em vista as peculiaridades ontológicas que o filósofo lhe atribui. Neste

sentido, todas as coisas são, mas apenas o Dasein existe. A revisão da metafísica que

Heidegger empreende abrange um novo olhar para o modo de ser humano (Dasein). É neste

novo olhar que esta tese se concentra, tomando-o como uma concepção de ser humano, cujo

caráter questionador da tradição se aproxima de uma outra revisão, de um outro

questionamento da tradição: a discussão sobre saúde presente em publicações de psicologia.

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Considera-se que a psicologia, que mantém um debate produtivo e crítico acerca de

suas relações teóricas e profissionais com a área da saúde, pode se beneficiar da leitura

analítico-existencial, com vistas a dar continuidade à sua compreensão da saúde como um

fenômeno não restrito ao campo biomédico. Isto porque a abordagem analítico-existencial se

situa no nível do ser humano, ou seja, descreve-o a partir de sua manifestação mediana, ao

passo que o modelo biomédico se mostra herdeiro de um entendimento do homem que

privilegia a presença material (corpórea) e a biologia.

A biomedicina tende a identificar saúde ou doença avaliando as condições de um

corpo-objeto que habita o mundo natural entre outros objetos naturais (Nogueira, 2006). Se o

corpo-objeto não apresenta alterações fisiológicas, disfunções ou sintomas, poderá ser

considerado saudável, do contrário poderá estar doente e, assim sendo, causas para a doença

serão procuradas. São as condições do corpo, como um objeto, que determinam saúde ou

doença.

Do ponto de vista das reflexões publicadas nos trabalhos de psicologia sobre saúde

selecionados para o estudo, o corpo não é uma unidade em si em meio a outros corpos-

objetos naturais. A discussão psicológica, que se opõe ao biologismo e chama a atenção para

o contexto social, o comportamento e o estilo de vida, oferece argumentos para que se pense

num modo de compreender o homem, o qual propicie que o fenômeno saúde se manifeste

nos termos propostos pelos autores psicólogos. Um modo de compreensão do ser humano

que não se esgota no corpo, não se define pela materialidade e não é passivo diante da

natureza.

Não se trata de contrapor uma visão psicológica mentalista ao modelo biomédico: a

saúde não é do corpo nem da mente, é um fenômeno do ser humano, a respeito do qual

pode-se pensar que é caracterizado por fenômenos corporais e mentais. Os trabalhos de

psicologia sugerem este olhar mais abrangente, ao qual a compreensão do modo de ser do

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homem, apresentada por Heidegger oferece a amplitude de visão que a psicologia procura,

quando critica o reducionismo biomédico.

Na Analítica do Dasein, o homem não se restringe a ser uma unidade orgânica

diferenciada (pelo pensamento ou inteligência) em meio à natureza. Além disso, no

momento em que Heidegger se propõe a mostrar como o ser humano “acontece”, quais as

características deste modo de ser, ele também apresenta uma base a partir da qual podem ser

pensados os fenômenos humanos. Em outras palavras: qualquer fenômeno humano é uma

possibilidade de manifestação do homem; as possibilidades de manifestação do homem estão

dadas em seu modo de ser. Sendo assim, o questionamento a respeito de como é ou como

ocorre um fenômeno qualquer, também é, indiretamente, um pensamento relativo a como é o

homem.

Quando publicações de psicologia refletem acerca da abordagem à saúde, estão,

ainda que implicitamente, pensando sobre um modo de compreender o homem. Pois é

preciso que haja algum entendimento – mesmo que não tematizado - quanto ao modo de ser

humano, para que se tenha alguma posição a respeito de um fenômeno humano. A própria

Política Nacional de Humanização, apresentada pelo Ministério da Saúde (2004), reforça a

ideia de que, não apenas uma maneira de realizar a atenção à saúde está em debate, mas

também uma visão de homem, uma vez que, a princípio, não é necessário humanizar o que já

é humano (Benevides & Passos, 2005; Garcia, Argenta, Sanchez & São Thiago, 2009).

Estudar a concepção de ser humano subjacente a publicações de psicologia na saúde

é uma contribuição ao contexto que defende a humanização na saúde, uma vez que recupera

para a reflexão em saúde (a partir da psicologia) a unidade ser humano-fenômeno humano.

Propostas de humanização da saúde, assim como as reflexões publicadas pelos psicólogos

citados na tese a respeito de saúde e doença, permitem pensar que o fenômeno humano, a

saúde, perdeu contato com sua origem, o modo de ser humano. Percebe-se isso quando

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Nogueira da Silva (2006) observa que o saber médico visa órgãos e tecidos em si, isolados

da história pessoal, da cultura e das relações político-sociais. Ou quando Witter (2008)

afirma que definir saúde como “ausência de doença” implica colocar o foco da atenção não

numa pessoa, mas num “paciente”, cuja “dimensão individual” não é valorizada; ao passo

que defini-la nos termos da Organização Mundial da Saúde implica colocar a “pessoa” no

centro da atenção. Ou ainda, nas palavras de Benevides e Passos (2005): “o humano não

pode ser buscado ali onde se define a maior incidência dos casos ou onde a curva normal

atinge a sua cúspide: o homem-normal ou o homem-figura-ideal, metro-padrão que não

coincide com nenhuma existência concreta” (p. 391). Tais observações, entre outras menos

explícitas, deixam que se acredite que uma visão diminuída de homem sustenta o olhar

preponderante para a saúde.

De acordo com Shooter (1975/2012), a relevância da imagem que temos de nossa

própria natureza é relativa à capacidade de planejar nosso futuro. A imagem que o homem

tem de si mesmo influencia o próprio modo de vida, na medida em que ela é fonte de

conhecimento a respeito de quem e o que somos e o que podemos vir a ser. O autor escreve

que é a partir de nossa imagem de nós mesmos que decidimos nossos próximos passos, que

enfrentamos nossas circunstâncias, ao invés de sermos subjugados por elas.

A importância da atenção às concepções de homem e suas consequências não passa

despercebida para Weikart (2008) que, discutindo o impacto desumanizante do pensamento

moderno, alerta que a visão de natureza humana subjacente em qualquer sociedade e as

instituições políticas e sociais, as leis e a cultura se influenciam mutuamente, de modo que

concepções de homem podem levar a políticas nocivas. Do ponto de vista dos autores

psicólogos revisados, ainda que não seja considerado nocivo, o modelo biomédico é

criticado por seu reducionismo, e a crítica é feita à luz de características do modelo que

implicam um modo de entender o homem. Gomes, Nations, Sampaio & Alves (2011), por

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exemplo, reprovam a visão fragmentada na saúde, que ignora a totalidade do homem,

reduzindo-o à sua patologia. Para os autores, o cuidado em saúde deve se dirigir ao “homem

total”. Ademais, a crítica (em geral) é desenvolvida não apenas no plano teórico: ela diz

respeito à prática da atenção à saúde, a qual envolve, retomando Weikart (2008), instituições

político-sociais, leis e cultura.

O principal estímulo para o desenvolvimento da discussão contemporânea sobre o

que é saúde foi a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1948. A OMS

definiu saúde como “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a

ausência de doença ou enfermidade” (World Health Organization, 1948, p.1). Um avanço

para a época, esta se tornou a mais conhecida e uma das mais criticadas definições de saúde.

A definição da OMS rompeu com a exclusividade biomédica na questão da saúde, uma vez

que apresentou as dimensões mental e social no mesmo plano da dimensão física vindo a ser,

portanto, a base para o posterior pensamento biopsicossocial na saúde. As críticas a esta

definição (que serão mais detalhadas na sequência deste texto) mostram o processo de

qualificação do pensamento sobre saúde e a emergência do espaço da psicologia no campo

da saúde.

A presença de psicólogos atuando no setor público de saúde no Brasil aumentou

consideravelmente a partir do final dos anos 70, em função de transformações sociais,

econômicas e profissionais (Carvalho & Yamamoto, 2002; Dimenstein, 1998, 2012; Kind,

2010), além da transformação na própria saúde, cuja compreensão passou a dedicar atenção

a determinantes sociais e experiências pessoais (Aragaki, Spink & Bernardes, 2012); o que,

por sua vez, estimulou o surgimento e o crescimento da discussão e das publicações relativas

à relação entre a Psicologia e a área da saúde.

Os trabalhos de psicologia apresentados nesta tese mostram que priorizar a

concepção biomédica da saúde é ignorar a amplitude do fenômeno: a orientação

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biopsicossocial, a atenção aos aspectos contextuais e ao papel do comportamento no

processo saúde-doença, assim como a ênfase na promoção de saúde são temas que se

sobressaem nas publicações de psicologia revisadas, em oposição à perspectiva biomédica.

O destaque que esses temas recebem, como contraponto ao modelo biomédico, revela um

entendimento de saúde como um fenômeno relativo a uma visão de homem diferente

daquela que sustenta a tradição biomédica.

Tendo em vista: 1- a posição de que a argumentação apresentada numa discussão

sobre um fenômeno humano remete a características do modo de ser do homem e 2- que o

questionamento a respeito da saúde, apresentado em trabalhos de psicologia, é um exemplo

de como concepções de homem, de maneira implícita, participam deste questionamento, o

objetivo desta tese é investigar a possibilidade de que o Dasein heideggeriano seja uma

concepção de ser humano compatível com a que permanece subjacente à discussão sobre

saúde desenvolvida em trabalhos de psicologia. Para isso, vai-se estabelecer um paralelo

entre afirmações presentes em publicações de psicologia que discutem o problema da saúde

e a concepção de ser humano como Dasein, elaborada por Heidegger. A tese,

consequentemente, visa o estudo da saúde - conforme debatida em trabalhos de psicologia –

a fim de abordar um entendimento sobre o homem.

Considerando que a saúde é um tema que recebe a atenção de diferentes áreas

profissionais, acrescentar à sua discussão a referência a um entendimento de como é o ser

humano, oferece uma base comum a partir da qual os diversos campos profissionais que

atuam na saúde podem estabelecer um pensamento integrado. Do ponto de vista psicológico,

a inclusão do estudo de concepções de homem no questionamento do modelo biomédico da

saúde oferece maior suporte aos argumentos críticos da psicologia, pois evita o nivelamento

do fenômeno aos planos biológico, natural ou material. Ou seja, se o modo de ser do homem

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não se reduz ao plano biológico, a saúde – no que tem de especificamente humana – também

não deverá ser reduzida ao nível dos “seres vivos” em geral.

A filosofia de Heidegger não é estranha para as áreas da saúde e da psicologia: sua

principal obra – Ser e Tempo – tem sido influente no conhecimento psicológico e

psiquiátrico desde os anos 40 do século passado, com o pioneiro trabalho do psiquiatra suíço

Ludwig Binswanger (Needleman, 1975), que adotou o termo Daseinsanalyse em seus

escritos. Outro psiquiatra suíço, Medard Boss, desenvolveu a Daseinsanalyse como

abordagem psicoterapêutica, contando com a colaboração do próprio Heidegger (Boss, 1979;

Roehe, 2012). Num domínio mais amplo, a Analítica do Dasein é uma das principais

referências da psicologia fenomenológico-existencial (Nill & Halling, 1995). Neste século, o

pensamento sobre saúde, influenciado por Heidegger, está presente nos trabalhos de autores

como Ayres (2004), Nogueira (2007) e Svenaeus (2011).

A sequência da tese está organizada da seguinte maneira:

Uma visão histórica do pensamento sobre saúde revisa publicações que situam no

tempo, desde a civilização grega antiga até a entrada da psicologia no campo, o modo como

a saúde tem sido considerada no mundo ocidental. Autores de diferentes áreas do

conhecimento são citados.

Aproximações da psicologia ao problema da saúde está centrado nas ideias sobre

saúde publicadas por psicólogos, de modo a propiciar uma introdução ao modo como a

psicologia discute o fenômeno, o qual encerra uma visão subliminar de homem.

Sobre o emprego da Analítica de Heidegger como orientação teórica da tese

justifica a leitura da Analítica como uma concepção de homem no nível científico.

A Analítica do Dasein apresenta uma síntese da Analítica Existencial.

Método apresenta as etapas do método de leitura empregado na realização da seleção

e da compreensão das publicações de psicologia utilizadas no desenvolvimento da tese.

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Analítica do Dasein e concepção de homem subjacente à discussão sobre saúde

em publicações de psicologia estabelece o paralelo entre os trabalhos de psicologia

revisados e a Analítica de Heidegger, a fim de sustentar que esta é compatível com a

concepção de homem – implícita – na reflexão crítica sobre saúde. Divide-se em:

Saúde e homem como ser-no-mundo relaciona a ênfase psicológica nos aspectos

contextuais da saúde com a noção de ser-no-mundo;

Saúde e homem como relação com o próprio ser associa a atenção ao papel do

comportamento pessoal na saúde com a relação que o Dasein tem com seu próprio ser.

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1. Uma visão histórica do pensamento sobre saúde

De um ponto de vista histórico, os entendimentos sobre saúde constituem uma

trajetória de construções de significações sobre a natureza, as funções e a estrutura do corpo

e a respeito dos intercâmbios corpo-espírito e pessoa-ambiente (Backes et al., 2009).

Dolfman (1973b) entende que, historicamente, a palavra “saúde” tem sido usada para

expressar a ideia de estado ou condição de bem-estar, entretanto os diversos propósitos,

circunstâncias e contextos nos quais ela vem sendo aplicada, lhe conferem ambiguidade. A

saúde pode ser um fim em si mesma ou um meio para atingir outros objetivos; pode ser algo

a ser recuperado ou uma condição que se deseja manter.

Para Scliar (2007), o conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica,

política e cultural. Ou seja: saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas.

Dependerá da época, do lugar, da classe social. Dependerá de valores individuais, dependerá

de concepções científicas, religiosas, filosóficas. O mesmo, aliás, pode ser dito das doenças.

Conforme Dolfman (1973b), a palavra saúde, em suas origens na língua inglesa

(health), ao redor do ano 1000, significava firmeza e totalidade relativas ao funcionamento

do corpo. Na língua portuguesa, saúde é derivado do latim salus, que diz respeito a inteiro,

intacto, íntegro; salus, por sua vez, se origina do termo grego holos, que significa totalidade

(Almeida Filho, 2000). Dolfman (1973b) observa que, a princípio, a palavra tinha um

significado positivo, porém, posteriormente, adjetivações como boa, má ou pobre foram

eventualmente acrescentadas, dando ao termo uma qualidade variável. Dolfman (1973b)

também salienta um significado religioso que a palavra saúde veio a receber, a partir de

traduções inglesas da Bíblia entre os séculos XII e XIV, na forma de “salvação”. Esta

significação foi bastante divulgada por organizações religiosas do período.

Como o próprio Dolfman (1973b) observa, no entanto, a noção da saúde é anterior às

significações que a aproximam dos entendimentos atuais. Mendes, Lewgoy e Silveira

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(2008), Oliveira e Egry (2000), Scliar (2007) e Sevalho (1993) apontam o caráter mágico das

primeiras representações de saúde (e doença). Entre os povos sem escrita, a doença era vista

como o resultado de influências de entidades sobrenaturais, externas como deuses, demônios

ou espíritos malignos mobilizados por um inimigo, contra as quais a vítima pouco ou nada

podia fazer. Ou os ataques à saúde eram castigo dos deuses: maldições e/ou punições em

forma de doenças. A cura era responsabilidade de indivíduos iniciados: os sacerdotes incas,

os xamãs e pajés entre os índios brasileiros; as benzedeiras e os curandeiros na África.

É com o desenvolvimento da civilização grega que se observa o início de

especulações racionais a respeito do processo saúde-doença (Mendes, Lewgoy & Silveira,

2008; Scliar, 2007; Sevalho, 1993). Primeiro, ainda no campo mitológico-religioso, os

gregos cultuavam Higieia, a saúde (origem do termo Higiene) e Panacea, a cura. O termo

pharmakon significava sacrifícios feitos aos deuses em busca de cura. Depois, com a procura

de explicações naturais para o adoecimento, surge o nome de Hipócrates (460-377 a.C.), o

futuro Pai da Medicina. Para Bergdolt (1999), Hipócrates foi influenciado por Alcmeão de

Crotona (c. 500 a.C.) para quem saúde era a cooperação harmônica entre todas as partes do

corpo ou o equilíbrio entre o úmido e o seco, o frio e o quente e o amargo e o doce

(Altamirano, 2007).

Scliar (2007) observa a importância de Hipócrates para a transição da concepção

mágico-religiosa da Medicina para a racional-naturalista. No texto “A doença sagrada”,

Hipócrates afirma: “A doença chamada sagrada não é, em minha opinião, mais divina ou

mais sagrada que qualquer outra doença; tem uma causa natural e sua origem supostamente

divina reflete a ignorância humana” (Hipócrates citado em Scliar, 2007, p. 32).

Hipócrates concebia a saúde como o equilíbrio harmônico dos quatro humores

(líquidos) que constituíam o organismo: sangue, linfa, bile amarela e bile negra. A doença

seria resultado do desequilíbrio entre os humores. O equilíbrio se atingiria em função de

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cuidados com o corpo, hábitos alimentares e exercícios físicos, além de uma sintonia com o

ambiente natural, do qual o homem era visto como integrante (Altamirano, 2007; Oliveira &

Egry, 2000; Sevalho, 1993).

Outro nome referencial é o de Galeno [129-199], médico grego que viveu na Roma

antiga (De Frutos & Guerrero, 2011). Com base nos escritos de Hipócrates, Galeno associou

temperamentos aos humores dominantes. Para ele, a origem das doenças estava na

constituição física do indivíduo ou em hábitos de vida que gerassem desequilíbrio (Scliar,

2007). Galeno propôs a teoria das latitudes da saúde, que se dividiria em: saúde, estado

neutro e má saúde. Conforme Galeno “saúde é um estado no qual nós nem sentimos dor,

nem temos nossas funções cotidianas prejudicadas” (citado em Nordenfelt, 2007, p.6). Sua

obra influenciou a cultura médica durante séculos (Backes et al., 2009; Barros, 2002). Os

escritos de Hipócrates e Galeno chegaram e foram seguidos no mundo árabe medieval

ficando, desse modo, protegidos da Inquisição Católica (Sevalho, 1993).

Na Europa da Idade Média, a influência do cristianismo determinou a retomada do

pensamento religioso como suporte para questões de saúde-doença. A Igreja afirmava uma

ligação entre doença e pecado e a cura dependia da fé (Scliar, 2007; Sevalho, 1993). Desse

modo, as especulações científico-racionais no campo da medicina foram desencorajadas,

como desafio ao poder religioso. Neste período, se destaca a observação e o controle das

“seis coisas não naturais”, fatores não garantidos pela natureza que regulariam a saúde:

ambiente, exercício, alimentação, sonhos, evacuações e emoções (De Frutos & Guerrero,

2011).

Com o Renascimento e a transição para o Período Moderno, no século XV, decai a

influência religiosa e iniciam as investigações que culminariam com o advento da Ciência. A

prática científica, fundamentada na “episteme moderna”, visa classificar os fenômenos da

vida cotidiana na forma de objetos mensuráveis, verificáveis e controláveis (Costa &

19

Bernardes, 2012). Nomes como Paracelso, Bacon, Descartes, Galileu e Newton

desenvolveram conhecimentos cuja consequência foi uma nova maneira de conceber e

estudar o homem e a natureza: o sujeito racional não era mais apenas um integrante

observador da natureza; podia, agora, munido de métodos e instrumentos, intervir, dissecar e

transformar a si e ao ambiente (Albuquerque & Oliveira, 2002; Barros, 2002; Mendes,

Lewgoy & Silveira, 2008; Scliar, 2007; Sevalho, 1993).

O pensamento físico-mecanicista é fundamental para que o homem passe a ser

comparado a uma máquina em bom funcionamento (saúde) ou estragada (doente), que pode

ser consertada com a devida intervenção na peça (órgão) adequada (Marcum, 2004).

Descartes colabora com esta visão quando escreve que o corpo humano “à semelhança de

relógios ou de uma fonte artificial ou de um moinho tem o poder de funcionar em plena

harmonia com seus próprios princípios internos, dependendo somente da disposição dos

órgãos relevantes” (Descartes citado em Cottingham, 1995, p. 25). Em termos de

funcionalidade, Bergdolt (1999) observa que entre os séculos XIX e XX, em alguns países

europeus, o critério para avaliar a saúde de uma pessoa era a sua capacidade para trabalhar.

Scliar (2007) cita o anatomista francês Bichat (1771-1802) para quem saúde seria “o silêncio

dos órgãos” (p.34).

Saforcada, De Lellis e Mozobancyk (2010) sustentam que, até o final do século XV,

as concepções e as práticas de saúde, originárias da Grécia e Roma antigas, foram orientadas

por um paradigma social-expansivo, que abordava a saúde de modo processual, protetivo,

comunitário, cultural e multidisciplinar. Depois, com o nascimento da clínica médica, esse

paradigma foi suplantado pelo individual-restritivo, centrado na enfermidade, na

reabilitação, no saber profissional (mono ou bidisciplinar) e no indivíduo

descontextualizado.

20

O tema da saúde passou a ser contemporaneamente questionado na Europa do século

XVIII, na assim chamada “primeira revolução da saúde” (Albuquerque & Oliveira, 2002;

Matos, 2004; Ribeiro, 1993). O quadro social da época apresentava crescente migração

populacional para as cidades, cuja estrutura insuficiente para esse aumento de habitantes

gerava insalubridade que, por sua vez, facilitava a proliferação de infecções como

tuberculose, sarampo, varíola e pneumonia. Matos (2004) observa que a “teoria do germe” é

típica da primeira revolução da saúde: para cada agente infeccioso há um “germe” que deve

ser controlado.

Nesse período se desenvolve a noção de higiene e a saúde passa a ser uma

preocupação do Estado (Giordano, 2008; Medeiros, Bernardes & Guareschi, 2005; Oliveira

& Egry, 2000). Iniciativas estatais relativas ao controle de agentes patogênicos foram: a

construção de sistemas de esgoto, a clorificação da água consumida, o início da produção de

vacinas e a gestão das migrações.

A partir do final do século XVIII, toma forma na Europa a visão biomédica da saúde,

que viria a consolidar a herança científico-instrumental na área da saúde. Matta e Camargo

(2007) definem a biomedicina como “Conjunto de saberes que tem como objeto a doença e

sua relação de causalidade com a objetividade material do corpo, com pretensões

universalistas fundado por um lado no discurso biológico e por outro no método científico”

(p. 130). Radley (1994) entende que a biomedicina se caracteriza pelo emprego de conceitos

da fisiologia, da anatomia e da bioquímica para questões sobre a origem e o tratamento de

doenças. Seus métodos são científico-naturais e suas hipóteses quanto ao desenvolvimento

das doenças estão fundadas em relações de causa e efeito. Todos os “problemas” são

reduzidos a patologias, consideradas como doenças no nível corporal. Westphal (2006)

segue essa linha de pensamento, afirmando que, no século XX, os avanços científicos no

campo biomédico priorizam a ideia da natureza exclusivamente biológica da doença,

21

prevalecendo, desse modo, a dimensão física e biológica sobre a dimensão social e política

na compreensão do processo saúde-doença e nas ações de saúde. Para a autora, esta

perspectiva restringiu o olhar da medicina para o controle de agentes patogênicos e, portanto,

para a doença. Consequentemente, a saúde se torna sinônimo de ausência de doença (ou de

agentes patológicos atuantes no corpo biológico).

Nogueira (2010) escreve que a influência do pensamento moderno-cartesiano sobre a

medicina estabeleceu a determinação objetal da saúde e da doença. A investigação das

patologias torna-se sinônimo de identificação de objetos anormais:

Como a doença e a saúde foram concebidas a partir desse caráter de objetividade?

Por meio de duas categorias puramente subjetivas do conhecimento médico, um par

de conceitos mutuamente pertinentes: objeto normal / objeto anormal. É esse par de

conceitos ontológicos que passará a determinar a experiência teórica e prática da

saúde a partir das origens da Medicina clínica no final do século 18 (p. 138).

Forjado à luz da cientificidade objeto-físico-mecanicista, o modelo biomédico

instaurou um modo de relação tecnológico-instrumental entre o profissional da saúde e os

pacientes, no qual doença e doente são dissociados, perdendo-se, assim, a qualidade

intersubjetiva na atenção à saúde (Anéas & Ayres, 2011; Nogueira da Silva, 2006). Como

consequência, a teoria das doenças e a intervenção no corpo – “domínio instrumental da

doença” (Ayres, 2007) - passaram a receber atenção prioritária e temas como sofrimento,

saúde, vida, cura e morte ficaram em segundo plano (Nogueira da Silva, 2006).

Sem deixar de lado as deficiências do modelo biomédico, Johnson (2013) lista

algumas de suas qualidades: o saneamento básico como consequência da teoria do germe, o

desenvolvimento dos antibióticos, a diminuição das doenças infecciosas e o aumento da

expectativa de vida. A autora informa que o modelo contribuiu para que, ao longo do século

XX, doenças como tuberculose, pneumonia e influenza tenham deixado de ser causa

22

primordial de morte no mundo desenvolvido e acrescenta que a busca por distúrbios

biológicos latentes levou a exitosas intervenções, como o uso de insulina para o diabetes.

“Ausência de doença” é a definição de saúde que tipifica a abordagem biomédica. É

defendida, por exemplo, por Boorse (1977; 1997) na teoria bioestatística da saúde. Para o

autor, saúde significa conformidade com o padrão (“design”) da espécie. O padrão da

espécie é a organização funcional interna típica dos membros da espécie, que abrange as

células, os tecidos, os órgãos e o comportamento e cuja finalidade é a sobrevivência e a

reprodução. Uma doença é um estado interno que reduz alguma habilidade funcional para

abaixo da eficiência típica (em termos estatísticos) ou uma limitação da habilidade funcional

causada por agentes ambientais. Mantida a eficiência típica, tem-se a saúde, portanto saúde é

a ausência de doença.

Svenaeus (2013) observa um renovado interesse pelos conceitos de saúde e doença

por parte de filósofos e acadêmicos do campo da bioética, a partir dos anos 1970. Para estes

profissionais, saúde não é questão de ter ou não ter uma determinada condição biológica

(doença), porém um estado que a pessoa pode usufruir, mesmo que um médico encontre

algum problema em seu corpo e, por outro lado, pode sentir-se privada dele, ainda que um

médico não identifique doença alguma.

Canguilhem (1966/1982) entende que saúde não é a ausência de doença, mas sim

“poder cair doente e se recuperar” (p. 160). Canguilhem reflete sobre a saúde, em face da

ideia de normalidade. Normalidade diz respeito a uma média ou a um ideal de saúde que se

procura identificar no nível individual. Canguilhem (1966/1982), entretanto, afirma que ser

saudável não é manter-se na norma, porém ser capaz de estabelecer novas normas – mesmo

patológicas – sem perder a capacidade de ação. Ademais, o autor reconhece a importância da

relação homem-ambiente no processo saúde-doença quando afirma que “a saúde é uma

margem de tolerância às infidelidades do meio” (p. 159)

23

Questões como o entendimento que as pessoas têm sobre sua própria saúde e crenças

e comportamentos relacionados ao processo saúde-doença somente se fariam presentes na

“segunda revolução da saúde”, na segunda metade do século XX (Albuquerque & Oliveira,

2002; Matos, 2004; Michael, 1982; Ribeiro, 1994).

Determinantes deste novo período são:

• Melhora das condições urbanas;

• Diminuição das doenças infecciosas;

• Desenvolvimento tecnológico;

• Aumento da expectativa de vida;

• Desenvolvimento da noção de cidadania, gerando pressão sobre os

governantes;

• Diversificação na organização familiar.

Note-se que, num trabalho publicado há mais de 30 anos no American Psychologist,

Michael (1982) observa que a segunda revolução se desenvolve com a constatação de que

padrões de comportamento, saúde ambiental e autocuidado são mais influentes na saúde da

população, do que os serviços médicos. É neste contexto que o entendimento do que seja a

saúde é ampliado, agregando-se aspectos psicológicos e sociais ao estudo do processo saúde-

doença e indicando-se a necessidade de rever o modelo (biomédico) tradicional da medicina

(Engel, 1977).

Em 1948 foi criada a Organização Mundial da Saúde (OMS), vinculada a ONU. A

OMS avança no sentido de valorizar a saúde como um fenômeno com características

próprias (independente da doença), entretanto sua definição de saúde - estado de completo

bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade - é

frequentemente criticada.

24

Balog (2005) discorda da visão multidimensional da saúde. Para ele, a saúde exige

um “hospedeiro”, ela reside no corpo humano e, sendo assim, é um estado de aptidão física.

Do contrário, afirma, saúde não seria mais do que um conceito subjetivo criado na relação

com valores culturais e normas sociais, de modo que o conceito de saúde poderia ser

igualado ao que as pessoas entendem (e desejam) ser uma boa vida. Balog (2005) define

estado de aptidão física como a qualidade do funcionamento do corpo de acordo com a sua

finalidade natural e o quão bem esta finalidade natural habilita os indivíduos a realizar

objetivos funcionais essenciais ao ser humano nos níveis biológico, como, por ex., a

preservação e o prolongamento da vida e pessoal, por ex., a manutenção da autoconsciência

e a avaliação das próprias habilidades e insuficiências.

Para Balog (2005), é necessário distinguir a saúde daquilo que afeta a saúde, ou seja,

diferenciar entre saúde e seus possíveis determinantes. Um agente ambiental, interações

sociais, crenças espirituais sobre o sentido da vida e sentimentos de amor e ódio podem

estimular reações fisiológicas, porém não fazem parte da saúde de alguém. Balog (2005)

reconhece que sua visão da saúde como aptidão física perde em aceitação para conceitos

como o da OMS que, segundo ele, definem saúde como sendo aquilo que é desejável para

uma boa vida, ou seja, erroneamente igualam saúde e virtude.

Dejours (1986) critica a ideia de completo bem-estar divulgada pela OMS, uma vez

que deixa entender que o bem-estar é uma condição que se atinge e se mantém desde então,

ao contrário, conforme o autor, do que indicam, por ex., a fisiologia e a psicossomática. Para

ele, o completo bem-estar não existe, podendo apenas ser um objetivo, um ideal. Dejours

arrisca uma definição, saúde é “ter meios de traçar um caminho pessoal e original, em

direção ao bem-estar físico, psíquico e social” (p.11).

Seguindo na mesma linha, Segre e Ferraz (1997) discordam do “irreal e utópico”

conceito da OMS. “Perfeito bem-estar” é algo que não existe por si mesmo, ou seja, depende

25

de quem o vivencia, portanto não há como atribuí-lo externamente a alguém. Os autores

afirmam que o mal-estar, o conflito e o sofrimento fazem parte das condições em que a vida

humana ocorre, de tal maneira que a saúde de uma pessoa “hiper-adaptada” ou em perfeito

bem-estar, seria questionável (Segre & Ferraz, 1997). Os autores sugerem que saúde poderia

ser “um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a sua própria realidade” (p. 542).

Seeman (1989) considera que a definição de saúde da OMS é útil e radical, pois

modifica o entendimento limitado de saúde associado à medicina ocidental, sugerindo um

plano de ação mais amplo. E também, a OMS respalda uma visão sistêmica da saúde, não

exclusivamente médica; abrangendo em sua conceituação as principais dimensões do que

Seeman (1989) chama de “organismo humano”.

Conforme Witter (2008), o entendimento de saúde da OMS valoriza a “dimensão

individual” da saúde, uma vez que seu foco de atenção é a pessoa, o que se mostra na

abrangência da definição, a qual valoriza diferentes aspectos da vida humana; ao contrário

da visão biomédica, cuja relevância dada à doença, visa, antes de pessoas, “pacientes”.

O conceito de saúde da OMS já era criticado 5 anos depois de sua divulgação. Lewis

(1953/1998) afirma que ele é “extremamente abrangente” e “sem sentido” e acrescenta que o

estado de perfeição ao qual a definição remete se equipara ao relato bíblico de “Adão antes

do Pecado Original”.

De acordo com Dolfman (1973a) é difícil elaborar uma única definição de saúde,

porque, na prática, o significado de saúde depende dos propósitos e das circunstâncias em

que o termo é usado. Estes, por sua vez, variam conforme a situação, de modo que qualquer

definição de saúde teria aplicabilidade limitada. Dolfman (1973a) entende que o termo saúde

se refere a uma “família de conceitos”, cada qual recebendo destaque de acordo com os

objetivos em questão. Os conceitos aos quais saúde diz respeito são:

26

Função – refere-se à qualidade das relações do indivíduo com o seu ambiente; à sua

capacidade de progredir atingindo metas e realizando objetivos;

Estresse – refere-se às “forças” que podem ser prejudiciais ao indivíduo e devem ser

eliminadas;

Adaptação - refere-se à habilidade da pessoa para interagir;

Normalidade – refere-se à definição de limites aceitáveis.

Chamando a atenção para a quantidade de discussões teóricas existentes a respeito do

que é saúde, Van Hooft (1997) questiona se a continuidade de tais discussões ainda é

necessária. Para o autor, distinções entre saúde como completo bem-estar e saúde como

ausência de doença, assim como saúde como habilidade para lidar com os desafios da vida e

saúde como aptidão física e vitalidade, têm sido amplamente discutidas e deverão continuar

sendo, sem que isso implique, necessariamente, em maior empatia dos profissionais de saúde

para com os pacientes.

Em virtude do aumento da expectativa de vida das pessoas, a incidência de doenças

do envelhecimento e crônicas aumentou significativamente, o que estimulou os estudos

sobre como se poderia viver bem lidando com a cronicidade. Abriu-se espaço para a atenção

à influência de crenças e comportamentos sobre a saúde. Recomendações que hoje são senso

comum, começaram a ser divulgadas, como, por ex., evitar as drogas, fazer exercícios

físicos, regular a alimentação e evitar comportamento promíscuo (Capitão, Scortegagna &

Baptista, 2005; Lyons & Chamberlain, 2005; Sebastiani, Pelicioni & Chiattoni, 2002).

Dela Coleta (2010) observa:

Desde que se reduziu a incidência de doenças infecciosas, a partir do maior

conhecimento sobre as enfermidades e da descoberta e desenvolvimento de

medicação eficaz, principalmente os antibióticos, houve um aumento proporcional do

número de doenças crônicas, cujas causas têm sido apontadas como diversos fatores

27

relacionados ao estilo de vida. Esta mudança no cenário das causas de doenças e

mortes da população trouxe grande importância à consideração dos aspectos

psicológico e social para a área da saúde (p. 70).

Em 1974, no Canadá, o Relatório Lalonde (Lalonde, 1974) destaca a proposta de

Promoção da Saúde, a fim de expandir, para o lado da saúde, a concepção tradicional do

processo saúde-doença. Lalonde apresenta a ideia de “campo da saúde”, constituído por:

biologia humana, estilo de vida, ambiente e os serviços de saúde.

É nesse contexto que a psicologia passa a dedicar atenção específica à saúde. Em

1978 a American Psychological Association cria a divisão de Psicologia da Saúde.

Matarazzo (1980) apresenta uma “definição inicial” para este novo campo: “o conjunto de

contribuições educacionais, científicas e profissionais específicas da Psicologia para a

promoção e a manutenção da saúde, a prevenção e o tratamento da doença, a identificação

dos correlatos etiológicos e diagnósticos da saúde, doença e disfunções relacionadas e para a

análise e qualificação do sistema de atenção à saúde e elaboração da política de saúde” (p.

815).

A Psicologia da Saúde adota um enfoque interdisciplinar de integração

biopsicossocial, cuja atenção se dirige para a conjuntura envolvida no trabalho em saúde

(Gioia-Martins & Rocha Jr., 2001; Santos & Westphal, 1999):

• Transformações políticas, econômicas e sociais – produzem padrões

saudáveis de vida, dificultando o aparecimento da doença;

• Vigilância à saúde – trabalho de promoção e prevenção (educação);

• Clínica e reabilitação – cuidados individuais;

• Urgência e emergência - intervenções imediatas.

A partir dos anos 90, surgem propostas de revisão teórica e metodológica na

psicologia da saúde, tendo em vista a pervasiva influência do modelo biomédico na

28

disciplina e a intenção, consequente, de priorizar estudos direcionados para os contextos

social (comunitário), econômico, político e cultural da saúde. Estas propostas ficaram

conhecidas como Psicologia da Saúde Crítica (Carvalho, 2013; Hepworth, 2006; Murray &

Polland, 2006; Stam, 2004; Teixeira, 2008).

Em 1986, realiza-se, no Brasil, a VIII Conferencia Nacional de Saúde que, ao

contrário das anteriores, rompeu com a visão de saúde vinculada à biologia, à ausência de

doença e à de normalidade. A Conferência associou a saúde a um conjunto de condições

sociais de vida e a um direito da cidadania (Dimenstein, 1998). Pontos fundamentais da

Conferência foram: ampliação da concepção de saúde, incluindo políticas sociais e

econômicas; participação popular e controle social nos serviços públicos de saúde e a

instituição de um Sistema Único de Saúde que tem como princípios fundamentais a

universalidade, a integralidade das ações, a descentralização e a hierarquização dos serviços

de saúde (Dimenstein, 1998).

A partir da vigência da Constituição de 1988, que estabelece a criação do Sistema

Único de Saúde (SUS), adota-se a noção de integralidade no serviço de atenção à saúde, com

o objetivo de oferecer um modo de atenção distanciado da visão fragmentária e reducionista

tradicional, que privilegia a dimensão biológica da saúde (Moraes, 2006). De acordo com

Giovanella, Lobato, Carvalho, Conill e Cunha (2002) a integralidade na atenção à saúde

envolve:

� Integração de ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde,

compondo níveis de prevenção primaria, secundaria e terciária;

� Atuação profissional abrangendo as dimensões biológica, psicológica e social;

� Garantia de continuidade da atenção nos distintos níveis de complexidade dos

sistemas de serviços de saúde;

� Articulação de políticas públicas vinculadas a projetos de mudança, como reformas

29

urbana e agrária, que incidissem sobre as condições de vida, determinantes da saúde

e dos riscos de adoecimento, mediante ação intersetorial.

Pode-se concluir que a atenção da psicologia à saúde faz parte de um movimento

multidisciplinar de revisão da concepção biomédica do fenômeno, movimento este que

permanece em curso agregando avanços tecnocientíficos, atenção ao papel da organização

social, transformações econômicas e políticas e maior respeito à dignidade humana. Como

área que se dedica à teoria e à prática em saúde, a psicologia vem ocupando um lugar

relevante, corroborando as palavras de Sousa e Cury (2009) para quem “a história da

profissão do psicólogo confunde-se com a própria inserção deste profissional no campo da

atenção à saúde pública e suas vicissitudes” (p. 1430). Sendo assim, uma posição psicológica

a respeito da saúde tem suficiente respaldo para questionar a afirmação de Hamilton (2010)

de que “quanto mais longe se está da medicina, mais longe se está do contexto que dá

sentido a conceitos como saúde e doença” (p. 3).

30

2. Aproximações da psicologia ao problema da saúde

A prioridade desta seção é apresentar reflexões de autores da psicologia a respeito da

saúde. Alguns posicionamentos, porém, são de domínio mais amplo, de modo que autores de

outras áreas, como medicina, educação e filosofia também são mencionados sem que haja,

portanto, ruptura na linha de pensamento.

Sarriera et al. (2003) entrevistaram 5 psicólogos de diferentes escolas de pensamento

a respeito de como compreendem a questão da saúde. Os autores informam que os

entrevistados foram escolhidos intencionalmente, devido à sua qualificada produção

científica e por atuarem na área da saúde. Um dos entrevistados define saúde assim: “um

estado geral de bem estar, e bem estar social, porque a definição de saúde depende da

concepção que se tem de ser humano e aí em tudo isso perpassa uma dimensão valorativa e

ética, que para muita gente então algo vai ser saúde e para outros não vai ser” (p. 93). São

mencionadas as seguintes conclusões: os entendimentos dos entrevistados sobre saúde estão

em sintonia com suas orientações teóricas, ainda que tenham encontrado “certa dificuldade”

para definir o que é saúde na relação com a teoria; o “paradigma” clínico, por exemplo,

compreende a saúde como um fenômeno individual, ao passo que o paradigma social-crítico

destaca o lado social da saúde. Os autores também referem a existência de posições

intermediárias entre as anteriores. Com base nas respostas dos entrevistados, Sarriera et al.

(2003) acreditam ser necessária maior discussão a respeito de conceitos básicos de

psicologia.

Em estudo que envolveu psicólogos, médicos e leigos, Jonas, Marques e Torrezan

(1993) perguntaram a 9 psicólogos “O que é saúde?”. As respostas foram agregadas por

conteúdo semântico equivalente, originando “dimensões” conceituais. A dimensão mais

destacada nas respostas dos psicólogos foi “Equilíbrio e Harmonia”, seguida por “Bem-

Estar”, “Bio-Psico-Social” (sic) e “Ausência de Ocorrência” (“ausência de doenças”, “falta

31

de tensões”, “ausência de traumas”). Jonas, Marques e Torrezan (1993) sugerem que a

tendência dos psicólogos é caracterizar a saúde como sendo produzida pela interrelação de

diversos fatores que, quando atuantes, propiciariam um “estado de equilíbrio integrativo”

entre o homem e o ambiente.

São 3 os argumentos fundamentais dos trabalhos revisados, no que diz respeito à

atuação de psicólogos no campo da saúde:

1) A formação acadêmica para o trabalho em saúde é inadequada e/ou insuficiente

(Amaral, Gonçalves & Serpa, 2012; Andrade & Simon, 2009; Archanjo & Schraiber, 2012;

Barros & Marsden, 2008; Brasil, 2004; Dimenstein, 1998, 2000; Dutra, 2004; Kubo &

Botomé, 2001; Moura, 1999; Muller & Dias, 2008; Pereira, Barros & Augusto, 2011; Piña,

2010; Saldanha, 2004; Sebastiani, Pelicioni & Chiattoni, 2002; Soares, 2005; Spink, 2003).

A formação tende a ser baseada em teorias essencialistas e universalistas que servem como

guia para um profissional com orientação liberal, voltado para a classe média no modelo

clínico-psicoterapêutico - de inspiração médica - do consultório particular. Spink (2003)

identifica a prevalência do modelo psicodinâmico na graduação, voltado para a saúde

mental, e a ausência de temas relativos à saúde pública. Conforme Dimenstein (1998),

aplicar esse modelo ao serviço público de saúde, desconsiderando as peculiaridades dos

espaços de trabalho e da população atendida, compromete a qualidade do serviço prestado. É

necessária uma formação profissional flexível que permita ir ao encontro de situações de

vida, valores e demandas outras que as visadas pelo modelo clínico tradicional (Barros &

Marsden, 2008; Dimenstein, 2000; Kubo & Botomé, 2001).

Andrade e Simon (2009) consideram que temas como saúde pública, políticas

públicas, reforma sanitária, modelos explicativos do processo saúde-doença, modelos

tecnoassistenciais em saúde e o funcionamento do Sistema Único de Saúde deveriam

compor o currículo da graduação em psicologia. No entendimento de Pereira, Barros e

32

Augusto (2011), é imprescindível que as instituições de formação vão além do saber técnico-

científico, acrescentando o desenvolvimento de habilidades para lidar com a “dimensão

subjetiva” do ser humano: a do paciente, das comunidades, dos colegas de trabalho e a sua

própria.

De acordo com Pires e Braga (2009), a formação do psicólogo deve ser repensada,

uma vez que seus objetivos já não estão adequados às novas possibilidades de inserção

profissional (ênfase, aqui, na área da saúde) cujo desenvolvimento do país e o consequente

anseio social requerem.

2) O modelo biomédico de compreensão do processo saúde-doença é reducionista

(Alonso, 2004; Carvalho, Bosi & Freire, 2009; Fernández, 1993; Johnson, 2013; Kubo &

Botomé, 2001; Mehta, 2011; Moreira, Romagnoli & Neves, 2007; Muller & Dias, 2008;

Silva, 2005; Thirlaway & Upton, 2009; Witter, 2008).

Herdeiro das primeiras concepções científicas (físico-atomistas-mecanicistas) sobre o

homem e o mundo e estimulado pelo capitalismo farmacêutico, o modelo biomédico é

orientado para a identificação, tratamento e cura de doenças organicamente identificáveis

(Ballester, Zuccolotto, Gannam & Escobar, 2010; Barros, 2002; Czeresnia, 1999; Engel,

1977; Hewa & Hetherington, 1995; Martins, 1999; Sebastiani & Maia, 2005). Para Aho e

Guignon (2011), a abordagem do modelo médico é mecanicista e desumanizante. Referindo-

se à ciência médica, Gadamer (2006) afirma que ela pode ser definida como a ciência da

doença, assim como Ballester et al. (2010), que são médicos:

O modelo biomédico ou mecanicista tem suas raízes históricas vinculadas ao

Renascimento, no início do século 16, e a toda a revolução artístico-cultural ocorrida

nessa época. Observa-se um deslocamento epistemológico da medicina, que, de arte

de curar indivíduos doentes, passa a ser disciplina das doenças (p. 599).

33

De tal maneira o modelo biomédico prioriza a doença, que Ballester et al. (2010)

observam que o estudo das doenças, no século XIX, era feito em corpos mortos, dissociado,

portanto, das características da vida e do vivente.

Ainda que reconheça qualidades no modelo biomédico, Johnson (2013) sustenta que

é típico do modelo o foco exclusivo na doença sendo, portanto, reducionista e excludente. A

autora observa que o aumento das doenças crônicas e a crescente influência do

comportamento na saúde explicitaram as limitações do modelo.

O trecho de Lewis (1953/1998), a seguir, exemplifica um enfoque biomédico da

saúde: “[...] na prática, aquilo que se reconhece é a presença da doença, não da saúde. Não

existem indicações positivas de saúde em que possamos nos basear; consideramos saudáveis

todas as pessoas que não tenham evidência de doença ou enfermidade” (p. 156).

Mehta (2011) escreve que definir saúde como sendo ausência de doença é

consequência da concepção biomédica de seres humanos como organismos biológicos

constituídos por partes que funcionam conforme normas biológicas. Para Costa e Bernardes

(2012), entender saúde como ausência de doença não diz respeito à saúde propriamente;

trata-se de uma abordagem biomédica orientada para a cura de doenças baseada nos

“resultados de uma série de estratégias, políticas e intervenções dirigidas à factualidade da

doença”(p. 833).

Segundo Menendez (2005), as características estruturais do modelo médico são:

biologismo, individualismo, a-historicidade, a-sociabilidade, mercantilismo e pragmatismo.

O autor destaca que o biologismo é o traço que articula o conjunto e permite a exclusão das

condições sociais e econômicas da história das enfermidades, apresentando-a como uma

história natural constituída por variáveis bioecológicas.

Ceccim (2008) entende que mais do que médico ou biomédico, o modelo é

biomedicalizante. Para o autor, a biomedicalização está relacionada a um imaginário social

34

de saúde como prestação de serviços altamente tecnificados, com usuários tomados por seus

padrões biológicos, com o processo saúde-doença tomado como história natural, com o

hospital tomado como o topo de uma hierarquia qualitativa de trabalho. Ceccim e

Feuerwerker (2004), entendem que o domínio do modelo médico expressa um grupo de

interesses sociais que indicam um certo modo tecnológico de operar a produção dos atos em

saúde, que prejudica a realização da atenção integral, subjugando a clínica à baixa interação

com os usuários e à padronização do processo saúde-doença.

Referindo-se especificamente à saúde mental, Deacon (2013) afirma que a posição

biomédica de que as doenças mentais são fruto de problemas no cérebro, causados por

desregulação de neurotransmissores, anomalias genéticas e defeitos na estrutura cerebral

ainda não passa de uma hipótese. Acrescenta que o tratamento via medicamentos

psicotrópicos atua sobre um problema para o qual não há evidência de que exista:

desequilíbrios químicos no cérebro. Além disso, Deacon (2013) questiona os avanços no

campo da psicofarmacologia, observando que os medicamentos psiquiátricos utilizados hoje

são tão efetivos quanto aqueles descobertos involuntariamente 50 anos atrás e apresenta

dados dos EUA indicando que a cronicidade e a severidade das doenças mentais está

aumentando.

De acordo com Engel (1977), o modelo biomédico se sustenta sobre o dualismo

mente/corpo e relações lineares de causa e efeito. O objetivo do médico é curar a doença

eliminando suas causas. Estas causas são, necessariamente, “naturais”, ou seja, disfunções

(desvios) da normalidade biológica (somática) mensurável. Conforme Engel (1977), este

modelo “não deixa espaço para as dimensões social, psicológica e comportamental da

doença” (p.130). Mesmo problemas comportamentais são abordados como causados por

alterações bioquímicas ou neurofisiológicas.

35

Engel (1977) afirma que a linha divisória entre saúde e doença não é clara, já que é

atravessada por aspectos culturais, sociais e psicológicos. Sendo assim, o autor defende que

a abordagem clínica deve ser biopsicossocial, levando em consideração: as características da

pessoa em tratamento, o contexto social no qual ela vive e o sistema de atenção à saúde.

Engel exemplifica a limitação do modelo biomédico da seguinte maneira: há pessoas cujos

exames laboratoriais indicam doença, porém sentem-se bem; enquanto outras se consideram

doentes, mas seus exames não indicam problemas.

Stam (2004) entende que a importância da proposta biopsicossocial de Engel é,

primeiramente, retórica, servindo como argumento para que os psicólogos estudem os níveis

psicológico e social da saúde, além do biomédico . Do ponto de vista teórico, Stam (2004)

considera que a teorização pobre do modelo mantém intocada a base biomédica do

pensamento sobre saúde, permitindo, apenas, que a psicologia se inclua de modo periférico

nas discussões a respeito da saúde e doença.

Reis (1999) pergunta se, de fato, a adesão ao enfoque biopsicossocial trouxe avanços

teóricos e metodológicos ao trabalho em saúde, pois mesmo este modelo pode se apresentar

privilegiando a autoridade epistemológica e corporativa da biomedicina. Para Reis (1999), o

modelo biopsicossocial interacionista entende que as dimensões têm existências

independentes, porém comunicantes e a interação é entendida de modo hierarquizado, com a

dimensão biológica sendo a principal. A alternativa apoiada pelo autor é a concepção

integradora, cuja proposta é a de que as dimensões existem apenas integradas umas nas

outras, gerando um todo superior à soma das partes e, portanto, sem hierarquização

dimensional.

Silva e Müller (2007) afirmam que a abordagem psicossomática é uma contribuição

para a concepção biopsicossocial da saúde e, portanto, para a ampliação do conceito de

saúde, retirando-o dos limites do “corpo físico”. A proposta psicossomática visa o homem

36

como totalidade mente-corpo em interação com um contexto social. O psicológico e o

biológico são considerados inseparáveis e interdependentes. A teoria psicossomática

moderna desenvolveu-se em três fases. A primeira foi orientada pela psicanálise com os

estudos sobre a gênese inconsciente das enfermidades, teorias da regressão e sobre os

benefícios secundários do adoecer. A segunda fase é de orientação comportamental.

Concentrou-se em pesquisas com humanos e com animais, recorrendo às ciências exatas

para suas interpretações. Destacam-se os estudos sobre estresse. A atual fase, terceira,

caracteriza-se pela interdisciplinaridade e ressalta a interrelação da dimensão com a visão

psicossomática (Silva & Müller, 2007).

A importância de se questionar o modelo biomédico da saúde não reside apenas na

observação da atenção à saúde. A relevância da saúde para contextos mais amplos é

observada por Michel Foucault. Seus conceitos de biopoder e biopolítica são influentes no

pensamento psicológico acerca da saúde e diretamente relacionados à revisão do enfoque

biomédico (Costa & Bernardes, 2012; Martins & Peixoto Jr., 2009; Neves & Massaro,

2009). Ambos se referem às relações entre as práticas de controle estatal e os interesses

capitalistas que operam no nível da saúde pública. Biopoder diz respeito às regulações do

corpo humano (“anatomopolítica”) visando maximização de forças e eficiência, levando em

consideração e intervindo sobre indicadores como nascimento, morbidade, mortalidade e

longevidade. A biopolítica é o conjunto de estratégias levadas a cabo no nível populacional,

a fim de realizar os objetivos do biopoder. Foucault (1995) afirma: “Foi no biológico, no

somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma

realidade biopolítica. A Medicina é uma estratégia biopolítica” (p. 80).

É necessário constatar que o modelo biomédico não é sinônimo de prática médica.

Radley (1994) observa que a biomedicina é a maneira ocidental de entender e tratar doenças,

assim como é o modo como saúde e doença “fazem sentido” na tradição cultural e na

37

compreensão da realidade de pessoas leigas. Trabalhos publicados por médicos combatem

este modelo (Ayres, 2007; Engel, 1977; Nogueira, 2007). Ao passo que autores da psicologia

reconhecem a presença do pensamento biomédico na formação dos psicólogos (Deacon,

2013; Moura, 1999; Spink, 2003; Zurba, 2011).

3) O entendimento psicológico de saúde deve se distanciar do modelo biomédico

(Gioia-Martins & Rocha, 2001; González, 1997; Fernández, 1993; Kubo & Botomé, 2001;

Menegon & Coêlho, 2006; Pereira, Barros & Augusto, 2011; Sebastiani et al., 2002; Silva,

2005, Spink, 2003). Giacomozzi (2012) considera que a presença do psicólogo na saúde

pública contribui para a superação da hegemonia biomédica por um modelo mais abrangente

de entendimento da saúde. Um modelo que adote uma visão multidimensional do fenômeno,

integrando fenômenos biológicos, psicológicos e sociais na compreensão do processo saúde-

doença.

Andrade e Simon (2009), Menegon e Coêlho (2006) e Sebastiani et al. (2002)

escrevem que a questão da saúde envolve a consideração de determinantes biológicos,

psicológicos, sociais e culturais num processo (saúde-doença) caracterizado pela

multicausalidade. Saldanha (2004) indica os seguintes aspectos que perpassam o problema

da saúde: políticos, sociais, culturais, comportamentais, ambientais e biológicos. E

acrescenta:

Considerando esses aspectos, as pessoas podem enquadrar-se em diferentes níveis de

saúde e de doença relacionados às suas condições de vida, e eles podem variar

dependendo da quantidade, da combinação, da importância e do significado dos

fatores que os determinam e, ainda, das condições que possuem para enfrentá-las

(Saldanha, 2004, p. 34).

Altamirano (2007), que é médica, reconhece que na conceituação de saúde há

predominância de explicações biomédicas que destacam o nível individual e subindividual,

38

descontextualizados do mundo sociocultural. A autora afirma que o conceito de saúde não

pode se limitar ao olhar biomédico; deve incluir disciplinas como etnografia, epidemiologia,

história, psicologia, política, economia entre outras.

Kubo e Botomé (2001) afirmam que saúde e doença não são estados mutuamente

excludentes. Para os autores, saúde e doença são variações de um continuum chamado

“sanidade”. As oscilações no continuum se devem aos diversos determinantes da sanidade.

Por ex.: alimentação, habitação, renda, trabalho, transporte, lazer, liberdade e acesso aos

serviços de saúde. Desse modo, a saúde é um fenômeno dinâmico.

A perspectiva daquele que sofre, o usuário dos serviços ou o paciente, está implicada

na questão da saúde. Silva (2005) entende que a psicologia tem algo a dizer sobre saúde e

doença, porque o “sujeito” não só é responsável por doenças que o acometem (abordagem

psicossomática), mas também comunica o seu próprio sofrimento. Fernández (1993) se

aproxima da perspectiva do paciente pela via comportamental. Comportamentos podem

causar ou evitar situações de saúde-doença e muitos deles dependem apenas da vontade das

pessoas para fazê-los. Por isso é necessário conhecer a pessoa e até sua família e observar a

relação deles com o profissional para, por ex., observar o cumprimento de prescrições

médicas. Barros e Marsden (2008) buscam a perspectiva do usuário do serviço de saúde,

uma vez que a origem do sofrimento diz respeito à sua identidade, aos seus ideais e à sua

representação de doença.

Araújo, Brito e Novaes (2008) entendem que a condição de vida com qualidade deve

ser considerada no conceito de saúde. Qualidade de vida, para os autores, é “a percepção do

indivíduo sobre sua posição na vida, no contexto da cultura, nos sistemas de valores que

adota e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (Kolotkin

citado em Araújo, Brito & Novaes, 2008, p. 119). Um ponto de vista, portanto, que abrange

a perspectiva da pessoa sobre sua própria condição de saúde. Os autores, também, afirmam

39

que o conceito de saúde deve expressar os princípios da autonomia, beneficência e justiça. A

autonomia é a capacidade do ser humano de tomar decisões que afetem sua vida, com vistas

ao seu bem-estar e esta autonomia deve ser respeitada na “relação médico-paciente”. A

beneficência é a ação visando o bem do paciente, sem causar-lhe dano; e a justiça é a busca

do bem-estar de todos na forma de uma ordem igualitária, sem privilégios ou discriminação

(Araújo, Brito & Novaes, 2008).

Para Souza e Carvalho (2003), qualidade vida é uma condição biopsicossocial de

bem-estar que deve ser observada respeitando-se particularidades individuais e sociais de

uma situação singular. Com essa orientação, um programa de assistência à saúde não deve

estar restrito a intervenções epidemiológicas e sanitárias. Os níveis pessoal, social e

econômico devem ser contemplados nas ações.

Lunardi (1999) alerta que concepções de saúde amplas e externas ao indivíduo

podem limitar a “governabilidade dos sujeitos”, ou seja, interferir na autonomia daquele que

deve ser assistido ou tratado, impondo-lhe um ideal de saúde que pode estar em conflito com

sua experiência pessoal. Reis (1999) denomina de autonomia conceitual-afetiva à

capacidade que as pessoas têm de desenvolverem significações próprias sobre si mesmas, os

outros, o mundo e a vida. E estas significações têm influência relevante no estado de saúde.

Num modelo de “autoridade epistemológica” biomédica, observa Reis (1999), a autonomia é

negligenciada, pois não faz parte do entendimento biomédico da saúde.

Questionando o sentido da palavra saúde, Birman (1999) reconhece a pluralidade de

leituras possíveis para o termo, visto que a palavra saúde está vinculada a diferentes

experiências. O autor entende que a entrada das ciências humanas e sociais no campo da

saúde, relativizou a hegemonia naturalista-biológica do fenômeno, permitindo que sua

multiplicidade emergisse.

40

Nordenfelt (1995) identifica 2 perspectivas no debate sobre saúde. Uma, que chama

de holística, visa o estado geral do ser humano e questiona se a pessoa está ou não saudável

perguntando “como esta pessoa se sente?”, “ o que ela tem condições de fazer?”, “como ela

se comporta no contexto social?”. Outra, chamada de analítica (originária da Medicina),

dirige sua atenção para partes do organismo humano e estuda sua estrutura e função

questionando “este órgão está normal?”, “como está a pulsação deste homem?”, “qual o

aspecto do tecido do fígado?”, “qual a capacidade pulmonar?”.

Boruchovitch e Mednick (2002) apresentam 3 enfoques conceituais relativos à saúde:

1- O conceito tradicional de saúde: Saúde como ausência de doença é o típico

entendimento médico da saúde. Foi prevalente, principalmente, na primeira metade do

século XX. A saúde não é identificada pela presença de certos atributos, mas pela ausência

de sinais, sintomas ou problemas que indiquem doença. O conceito é criticado, porque

coloca a saúde em segundo plano e porque uma pessoa saudável não está, necessariamente,

livre de alguma doença.

2- O conceito da Organização Mundial da Saúde: Elaborado em 1946, veio a

representar a posição da OMS a partir de sua efetiva criação em 1948. “Saúde é um estado

de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou

enfermidade”. É um conceito que amplia a ideia de saúde relacionando-a a constituintes até

então não considerados, entretanto se mostra muito amplo, vago e utópico, o que dificulta

sua aplicação.

3- O conceito ecológico de saúde: Desenvolvida a partir da segunda metade do séc.

XX, a abordagem ecológica entende a saúde de uma forma mais relativa, em comparação

com as anteriores, e enfatiza a interrelação entre o ambiente e a qualidade de vida da pessoa.

Funcionamento e adaptação são variáveis consideradas pelo enfoque ecológico. O

funcionamento está relacionado a capacidade individual de executar tarefas e assumir

41

responsabilidades; a adaptação diz respeito a como a pessoa lida com estresse e mudanças

ambientais. Ainda que a postura mais relativista permita maior aplicabilidade ao conceito

ecológico de saúde, os autores ressaltam que, mesmo doente, uma pessoa ainda pode

cumprir responsabilidades sociais. E acrescentam que funcionamento adequado e adaptação

são noções culturais que, por conseguinte, variam em diferentes contextos sociais, de modo

que o que é saudável num contexto poderá não ser em outro.

Em sua revisão bibliográfica, Boruchovitch e Mednick (2002) concluem que é difícil

encontrar alguma definição da saúde que não suscite questões contrárias. Os autores afirmam

que a maioria dos pesquisadores concordaria que “saúde” é um constructo multidimensional

e que um conceito universalmente válido não é viável. Segundo Juarez (2011), a inexistência

de um conceito ou modelo único de saúde não é um problema para o trabalho em saúde. O

autor defende que cabe ao profissional de saúde determinar qual o modelo mais adequado a

ser empregado, conforme o contexto, o individuo ou a comunidade. Para ele, a utilização

adequada de diferentes abordagens de saúde enriquece a atuação profissional e propicia um

uso mais eficiente dos recursos disponíveis.

As pesquisas com psicólogos, na área da saúde, costumam focalizar a atuação em

promoção da saúde. Estratégias de promoção da saúde visam reforçar a capacidade

individual e coletiva de lidar com os diversos fatores que atuam sobre a saúde (Czeresnia,

1999). As discussões sobre promoção de saúde se orientam para o quê fazer e como fazer em

prol da saúde.

Alguns exemplos de trabalhos acerca de promoção de saúde:

Barbosa e Mendes (2005) entrevistaram 11 psicólogos de rede municipal de saúde

para identificar suas concepções quanto à promoção de saúde. As conclusões apontam

trabalho direcionado para ampliar as “chances de vida” com mais qualidade e evitar a

42

doença, oferecer apoio durante período de convalescença, desenvolver potencialidades e

informar com vistas a estimular a autonomia

Rodrigues et al. (2008) entrevistaram 23 psicólogos escolares acerca de ideias e

práticas de prevenção e promoção de saúde. Os autores concluíram que os profissionais

atuam, principalmente, no sentido de evitar problemas (no contexto escolar). Acrescentam

que, ainda que os entrevistados procurem uma abordagem psicológica inovadora,

relacionando promoção de saúde com desenvolvimento e aprimoramento de capacidades, as

atividades desenvolvidas mostram-se pouco consistentes e superficiais, revelando um

planejamento assistemático quanto a uma atuação proativa no contexto educativo. Surgem

ainda como estratégias preventivas e promotoras de saúde, ações tradicionais dirigidas ao

atendimento individual, como testagem, diagnóstico e encaminhamentos.

Contini (2000), com base em pesquisa anterior, escreve que a proposta de promoção

da saúde requer que o psicólogo modifique suas práticas profissionais, a fim de superar o

entendimento de que saúde significa ausência de doença. Para isso, afirma a autora, é preciso

rever a hegemonia do modelo da atuação clínica tradicional, voltado para o mundo

intrapsíquico. O psicólogo deveria, conforme Contini (2000) dar ao termo saúde um

significado mais amplo, a partir de uma visão sistêmica da saúde. A visão sistêmica abrange

moradia, lazer, educação, trabalho, “etc.”, cujo equilíbrio constitui “o grande mosaico da

saúde humana”. Adiante a autora direciona o debate da saúde para a dimensão política e cita:

“A saúde envolve a eliminação da fome, da miséria, da ignorância e de qualquer forma de

opressão. O compromisso do psicólogo só poderá ser com a mudança social” (Branco citado

em Contini, 2000, p. 56).

Iglesias et al. (2009) entrevistaram oito psicólogos atuantes em Unidades Básicas de

Saúde (UBS) com o objetivo de identificar quais são as ações de promoção à saúde

realizadas por eles. As atividades são, majoritariamente, de grupos de discussão e oficinas

43

voltados para diferentes públicos. Os grupos de discussão permitem que os participantes

troquem experiências e discutam temas variados “mesmo que estes não estejam diretamente

ligados às doenças”. Nas oficinas ocorrem “aprendizados específicos” ou são produzidos

artigos artesanais e hortas. Segundo Iglesias et al. (2009), os psicólogos entrevistados

avaliaram as ações que realizam como positivas, uma vez que acreditam que a inserção em

atividades tidas como saudáveis provocam mudanças na vida dos participantes. Os

entrevistados entendem que estas são ações de promoção da saúde, uma vez que o foco das

atividades é a saúde e não a doença.

No que diz respeito à posição da psicologia no campo da saúde, pode-se concluir, de

forma geral, que: 1- saúde é mais do que apregoa o modelo biomédico e, sendo assim, 2-

pode ser produzida e promovida por meio de práticas não somente biomédicas. Contudo, em

se tratando de um fenômeno complexo, cuja atenção requer a participação de diferentes

setores profissionais, mas ainda concebido prioritariamente em termos biomédicos, a

psicologia oscila entre a adoção tácita da tradição médica (em seu próprio currículo

universitário) e a reflexão crítica que é explicitada nas publicações apresentadas acima.

O pensamento dos autores da psicologia a respeito de saúde não se encerra no

panorama apresentado até aqui. Com o desenvolvimento da tese outros autores serão

abordados e alguns supracitados serão retomados, com vistas a explicitar uma concepção de

homem.

44

3. Sobre o emprego da Analítica de Heidegger como orientação teórica da tese

Se a linguagem filosófica já é difícil para quem não é filósofo, mais ainda uma

linguagem filosófica que pretende rever a linguagem filosófica anterior. A impressão que

fica é de que quem recorre a Heidegger, do ponto de vista das ciências humanas, está sempre

prestes a se equivocar, vide o conhecido “produtivo mal-entendimento” de Binswanger (Frie,

1999). Para um psicólogo como Letteri (2009): “Os escritos de Heidegger frequentemente

geram desorientação que, por vezes, chega ao desespero. Não-filósofos comumente estão em

conflito com a densidade de sua linguagem” (p. xiii). Por isso, é preciso atenção ao emprego

adequado dos termos heideggerianos, sem, contudo, deixar de lado a necessidade de

considerá-los conforme a proposta não-filosófica desta tese.

Além do cuidado com os termos, é preciso atentar que, para a realização de seu

objetivo, a tese adota a Analítica do Dasein como um entendimento sobre como é o ser

humano ou como uma concepção de homem. Não era este, contudo, o objetivo de

Heidegger. A prioridade da Analítica é questionar o ser, ou seja, a abertura que torna

possível considerar algo como isto ou aquilo e, assim, dar sentido ao que se mostra

(Sheehan, 2014) ou, nas palavras de Dreyfus (1991): “dar sentido a nossa capacidade de dar

sentido às coisas” (p. 11) . O estudo de Heidegger sobre o ser é justificado à luz da leitura

que ele faz do percurso histórico da metafísica ocidental: o esquecimento do ser, em função

do privilegiamento do ente. Ente é tudo aquilo que se afirma que “é”, o ser está no “é”, logo

não deve ser confundido com o ente:

O questionado da questão a ser elaborada é o ser. O que determina o ente como ente,

o em vista de que o ente já está sempre sendo compreendido, em qualquer discussão.

O ser dos entes não “é” em si mesmo um outro ente (Heidegger, 1927/2006, p. 41).

Como ponto de partida para o questionamento do ser, Heidegger elege o ente que, em

seu ser, apresenta a possibilidade de questionar: o ente que nós mesmos somos. A própria

45

elaboração do questionamento do ser é manifestação do modo de ser de um ente específico

(nós mesmos) que, sendo, já tem uma compreensão do ser, ainda que vaga. Já tendo em vista

a investigação desse ente em seu ser, a fim de estabelecer uma discussão com a tradição

metafísica a respeito do ser em geral, Heidegger chama o ente que nós somos de Dasein.

Denominações como homem, pessoa, humano são produto do pensamento metafísico que

privilegia o ente. Com os próprios termos empregados, Heidegger pretende rever a tradição

metafísica, cuja linguagem carrega consigo as consolidações que o filósofo pretende evitar.

Na diferenciação entre ser e ente tem-se dois níveis: o ontológico (ser), no qual se dá

atenção às condições de possibilidade para que um ente se manifeste como tal e o ôntico

(ente), no qual a atenção se dirige para as características de um ente qualquer. No nível

ôntico, estuda-se o modo de ser dos entes; no ontológico, as condições para que os entes

possam ser. Heidegger desenvolve a Analítica do Dasein no nível ontológico, ou seja não

visa o “homem”, porém as condições ontológicas que possibilitam ao ente que nós mesmos

somos compreender-se como homem, pessoa, animal racional, sujeito, etc. A investigação

do ser e a descrição do modo de ser do ente que nós mesmos somos são, de início, uma

empreitada única: “Elaborar a questão do ser significa, portanto, tornar transparente um ente

– que questiona – em seu ser” (Heidegger, 1927/2006, p. 42).

No momento em que um estudo de psicologia se propõe a trabalhar com a Analítica

heideggeriana, na forma de uma concepção de ser humano, é necessário ter claro que os

objetivos filosófico-ontológicos de Heidegger não estão mais em questão. Esta tese se

apropria de uma etapa do trabalho do filósofo - a descrição do ser do Dasein - e nela visa o

nível ôntico. Tal procedimento não desvaloriza a obra de Heidegger: como será mostrado em

seguida, esta abordagem encontra justificativa no trabalho do filósofo. Além disso, as

ciências são fortemente influenciadas por entendimentos filosóficos a respeito do humano,

46

entendimentos estes com os quais Heidegger dialoga, de modo que discussões filosóficas se

reencontram no nível científico, abrindo caminho para novas perspectivas nas ciências.

A consideração da Analítica Existencial em seu nível ôntico está respaldada por

algumas observações do próprio Heidegger. Primeiramente, por este ser um trabalho de

psicologia, portanto um estudo já limitado a problemas específicos de uma ciência, não tem

a abrangência necessária para proposições ontológicas. Heidegger (1927/2006) afirma que

“O questionar ontológico é mais originário do que as pesquisas ônticas das ciências

positivas” (p. 46-7). O questionamento ontológico não se prende às especificidades de

nenhuma área científica. Ele transpassa todas as ciências, propondo-lhes um fundamento. É

inviável, por conseguinte, que um trabalho científico faça observações que dizem respeito à

fundamentação de todas as ciências. Trabalha-se, cientificamente, no nível da

autocompreensão de si, situada no tempo e no espaço: o Dasein pode compreender a si

mesmo como “homem”. É neste nível que esta tese atua, adotando a posição de que o

homem em questão é abordado como uma possibilidade de compreensão de si mesmo que

caracteriza o Dasein ou o ser do ente que nós mesmos somos.

Heidegger (1927/2006), por sua vez, observa que “A analítica existencial, por sua

vez, possui, em última instância, raízes [...] ônticas” (p. 50). Raízes ônticas se referem ao

nível das ocupações cotidianas, da vida rotineira na qual cada um de nós é mais um entre os

outros, exercendo alguma atividade, morando em algum lugar, fazendo planos. Neste modo

de ser cotidiano, ôntico, já há uma compreensão do próprio ser, como sendo “fulano”, que

exerce alguma atividade, que vive numa determinada cidade. Para que tal compreensão,

ainda que vaga, seja possível é preciso que haja uma relação com o ser. A partir dessa

relação pode-se desenvolver o conhecimento ontológico. A possibilidade da compreensão do

ser está na compreensão de si mesmo como sendo “alguém” (nível ôntico), e a compreensão

de si como “alguém” é possível, porque há compreensão do ser (nível ontológico). Posso

47

compreender um questionamento ontológico, porque já compreendo a mim mesmo como,

por exemplo, psicólogo e posso compreender-me como psicólogo, porque já tenho uma

compreensão – vaga – do ser. Logo, o ôntico e o ontológico ocorrem conjuntamente e um ou

outro pode ser priorizado numa investigação.

Embora a Analítica seja do Dasein, entendido como o “ente que cada um de nós

mesmos sempre somos” (Heidegger, 1927/2006, p. 42), Heidegger não evita completamente

o termo “homem”. Ele o emprega, por exemplo, deixando claro que ao “homem” atribui o

modo de ser do Dasein (em português, “presença”): “Como atitude do homem, as ciências

possuem o modo de ser desse ente (homem). Apreendemos terminologicamente esse ente

como presença”1 (Heidegger, 1927/2006, p. 47). Em outra passagem, o filósofo utiliza o

mesmo recurso, ao rever a tradição cartesiana: “a substância do homem é a existência”

(Heidegger, 1927/2006, p. 282).

Em vista disso, é aceitável que se adote a Analítica do Dasein como uma concepção

de homem ou de ser humano, desde que – e este é o caso – fique claro que ao modo de ser do

homem corresponde o Dasein. Heidegger (1927/2006), no entanto, nem sempre faz essa

ressalva, como na passagem que segue: “Com a obra, portanto, não se dá ao encontro apenas

o ente manual, mas também entes que possuem o modo de ser do homem” (p. 119). Quando

Heidegger escreve: “Dizendo-se a presença, deve-se também pronunciar sempre o pronome

pessoal, devido a seu caráter de ser sempre minha: ‘eu sou’, ‘tu és’” (Heidegger, 1927/2006,

p. 86), ele mesmo abre a possibilidade de que se trabalhe com a Analítica no nível ôntico, no

qual pronomes pessoais necessariamente dizem respeito a pessoas.

1 Na primeira versão brasileira de Ser e Tempo, Dasein é traduzido como “presença”. “Ser-aí” é a tradução literal do termo alemão; é utilizada em Os Problemas Fundamentais da Fenomenologia. A tendência internacional, entretanto, é manter a palavra original. Neste texto, Dasein, presença e ser-aí (nas citações), ser humano e ser do homem são utilizados como sinônimos.

48

O emprego da Analítica heideggeriana no nível de suas “raízes ônticas” e no campo

da psicologia se justifica na própria história do filósofo. Heidegger colaborou com o

psiquiatra suíço Medard Boss (1903-1990) no desenvolvimento da Daseinsanalyse, uma

abordagem psicoterapêutica (ôntica, portanto) baseada em sua filosofia. A participação de

Heidegger na Daseinsanalyse está registrada em Seminários de Zollikon (Heidegger,

1987/2001a), onde se lê, por exemplo: “[...] a relação de daseinsanalistas e analisando pode

ser vivida como uma relação de Dasein para Dasein” (p. 150), afirmação na qual Heidegger

situa o Dasein no nível ôntico. Assim também quando se refere a “um determinado Dasein

existente” (p. 151) e ao “Dasein social-histórico e individual” (p. 151).

49

4- A Analítica do Dasein

O que se apresenta aqui é uma síntese da Analítica de Heidegger, tendo como base

Ser e Tempo, sua obra principal, e obras de apoio como Seminários de Zollikon e Os

Problemas Fundamentais da Fenomenologia. Recorre-se, também, a intérpretes do

pensamento heideggeriano (como William Blattner, Hubert Dreyfus e Benedito Nunes entre

outros) , naquilo que eles contribuem para tornar mais claras as afirmações do filósofo.

Em sua obra fundamental, Ser e Tempo, publicada em 1927, Martin Heidegger se

propôs a elaborar uma ontologia fundamental. Num vocabulário simplificado, pode-se dizer

que o filósofo pretendia mostrar aonde e como tudo começa. Tudo o quê? Tudo o que é. O

que “é” aparece no modo de ser do homem, o qual se diferencia do modo de ser dos demais

entes por ter uma compreensão do ser. É a partir da compreensão do ser – vaga, mediana –

que distingue o ser humano - permitindo-lhe, portanto, dizer “é” - que Heidegger inicia o

questionamento do ser ou, nas palavras de Aho (2009): “como e por que os entes aparecem

do modo como aparecem” (p. 8).

Entendendo que a tradição metafísica grego-teológica define o homem como uma

coisa simplesmente dada (criatura animal racional), ignorando a questão de seu ser,

Heidegger denomina Dasein (Ser-aí) ao modo de ser do ente que “nós mesmos sempre

somos”. O Dasein é o ente que, sendo, des-cobre, revela o ser (Sein) em geral a partir de sua

condição existencial, a partir do exercício cotidiano de sua existência: “O Dasein [...]

Heidegger chama existência. É o ‘modo de ser’ específico do homem” (Werkmeister, 1941,

p. 86). Dreyfus (1991) faz uma afirmação mais detalhada:

A melhor maneira de entender o que Heidegger quer dizer com Dasein é pensar na

nossa expressão “ser humano”, que pode se referir a um modo de ser que é

característico de todas as pessoas ou a uma pessoa específica – um ser humano [...] O

que Heidegger chama de ser-aí ou Dasein é o modo humano de ser (p. 14).

50

Da-sein (Ser-aí) quer dizer ser aberto para o ser, de modo a encontrar a si mesmo e aos

demais entes:

o Da em Ser e Tempo não significa a definição de um lugar para um ente, mas deve

indicar a abertura onde os entes podem estar presentes para o ser humano e o próprio

ser humano presente para si mesmo (Heidegger, 1987/2001b, p. 120).

Em virtude de sua compreensão do ser, ainda que não elaborada, vaga, o ser humano é

ontológico. Essa compreensão ocorre em meio aos demais entes com os quais o ser humano

se relaciona, em meio aos quais ele sempre está e com os quais se identifica, na maioria das

vezes. Em função de estar (ser) em meio aos demais entes e identificar-se com eles numa

cotidianidade mediana, o ser humano é ôntico. O ser-ontológico do homem é ser a abertura

(Erschlossenheit) - o aí - onde os entes se mostram e ele próprio se mostra para si mesmo. O

ser-ôntico do homem é já estar sempre em meio a esses entes, identificado com eles, como

se fosse mais um entre outros, vivendo sua vida como “alguém” que tem um jeito de ser

particular. Portanto, o nível ontológico diz respeito ao Dasein, que é o modo de ser do

homem; o nível ôntico diz respeito ao desdobramento individual do Dasein.

A descrição do modo de ser humano que Heidegger realiza mostra que o homem está

em relação com seu próprio ser, ou seja, o ser do homem é uma questão para ele mesmo,

porém não – na maior parte do tempo – uma questão racional que gera uma resposta, uma

conclusão, trata-se de uma questão/relação com o próprio ser que se “conclui” apenas

provisoriamente no fazer cotidiano da existência: “Ser é o que neste ente está sempre em

jogo” (Heidegger, 1927/2006, p.85). Estando sempre em jogo, sempre em questão, na

própria existência, a essência do ser humano está em “ter de ser”. Ou seja, “a presença se

entrega à responsabilidade de assumir seu próprio ser” (Heidegger, 1927/2006, p.85). As

características constitutivas do ser do homem não são propriedades identificadas na matéria,

como no caso dos entes naturais (a rigidez de uma rocha, por ex.), mas sim “modos possíveis

51

de ser e somente isso” (Heidegger, 1927/2006, p.85). Blattner (2006) acrescenta: “ser uma

pessoa é projetar uma pessoa para ser e então nosso ser é uma questão para nós” (p. 37).

O Dasein apresenta uma constituição na qual Heidegger identifica diferentes

estruturas existenciais cuja manifestação é simultânea, “equiprimordial”. O primeiro

constituinte descrito por Heidegger é o ser-no-mundo (In-der-welt-sein):

A expressão composta “ser-no-mundo”, já na sua cunhagem, mostra que pretende

referir-se a um fenômeno de unidade. Deve-se considerar este primeiro achado em

seu todo. A impossibilidade de dissolvê-la em elementos, que podem ser

posteriormente compostos, não exclui a multiplicidade de momentos estruturais que

compõem esta constituição (Heidegger, 1927/2006, p. 98-99).

Conforme Heidegger, ser humano e mundo aparecem como unidade ontológica

originária: não há homem sem mundo, nem mundo sem homem. O ser humano não entra em

relação com o mundo a partir de sua racionalidade primária, pelo contrário, a racionalidade é

que se desenvolve desde o vínculo original do homem com os demais entes. Para Nunes

(2012), “[...] Dasein significa, preliminarmente, a existência como ser-no-mundo” (p. 69).

No cotidiano, os entes não se mostram, primeiramente, como objetos ou matéria extensa, os

entes têm significados relativos à relação que o ser humano estabelece com eles, ou seja, o

homem já está com os demais entes (humanos e não humanos) numa relação de ser. Por

exemplo: uma barra de giz não se mostra como matéria extensa; uma barra de giz recebe

sentido como um instrumento que permite ao ser humano que se comunique de uma certa

maneira, maneira esta adequada ao local em que se dá a comunicação e adequada ao

encontro típico com outros seres humanos que se dá nesse local. A barra de giz estará

sempre referida ao modo de ser humano: o homem produz barras de giz em virtude de

possibilidades do seu próprio modo de ser. Sheehan (2013) escreve que mundo é “A cadeia

52

de relações que conecta instrumentos com tarefas práticas e, em ultima análise, com o

próprio ser humano” (p. 386).

Vattimo (1971/1987) acrescenta:

O ser-no-mundo nunca é um sujeito puro, porque nunca é um expectador

desinteressado das coisas e dos significados; o projeto dentro do qual o mundo

aparece ao dasein não é uma abertura da razão como tal, mas sempre um projeto

qualificado, definido, poderíamos dizer, tendencioso (p.54).

O Dasein é envolvido no mundo, é interessado, em função de outra estrutura

existencial, a disposição afetiva (Befindlichkeit). Esta é a condição ontológica de

manifestações ônticas como o humor. Humor (Stimmung) diz respeito a como alguém está,

“como vai”. O ser humano não existe num estado neutro diante da realidade, pelo contrário,

o que se mostra na abertura do aí já aparece vinculado a uma tonalidade afetiva. As coisas

do mundo, os outros e o seu próprio ser fazem diferença para o Dasein, podem tocá-lo de

alguma maneira, ainda que na forma de desinteresse ou desimportância.

Como alguém está implica um contexto do qual necessariamente fazemos parte,

implica “estar”. O ser humano não conduz a si mesmo até o ser: ele é lançado

(Geworfenheit, ser-lançado) no mundo como herdeiro de condições históricas e ideológicas,

herdeiro de uma compreensão mediana da existência num determinado período (Sheehan,

1995). Ser-lançado e, com isso, não poder retroceder e se apropriar do próprio ser desde o

princípio, corresponde à facticidade do Dasein. “De modo algum o Dasein controla e se

apropria de sua razão de ser e de suas origens” (Raffoul & Nelson, 2008, p.8). Sendo-

lançado, o Dasein já se encontra situado, já se encontra envolvido em relações com outros

entes.

53

Já sempre situado, contextualizado, o Dasein sempre compreende o ser em geral e o

seu próprio ser de alguma maneira. Esta compreensão (Verstehen) não é um conhecimento

teórico, racional. Ela é prática, porque diz respeito ao modo de ser (verbo, ação).

Em todo comportamento em relação ao ente, quer se trate especificamente de

conhecimento, o que na maioria das vezes se designa como teórico, quer se trate de

um comportamento técnico-prático, já se encontra uma compreensão de ser. Pois só

sob à luz da compreensão de ser um ente pode vir ao nosso encontro como ente

(Heidegger, 2012, p. 400)

A compreensão se mostra naquilo que o ser humano faz, no lidar com a própria

existência, providenciar algo “em virtude de” possibilidades mundanas. Para Haugeland

(1982), compreender é saber como ser a pessoa que se é, sendo-a. Dreyfus (1991) escreve

que a compreensão é o saber como proceder em referência ao que se faz; é fazer o que é

apropriado, conforme a situação. Heidegger (1927/2006) observa: “O que se pode no

compreender, assumido como existencial, não é uma coisa, mas o ser como existir. Pois no

compreender subsiste, existencialmente, o modo de ser da presença como poder-ser” (p.203).

O Dasein existe sempre em função de um poder-ser (Seinkönnen) que, embora ainda

não realizado, já o caracteriza de fato. O futuro (porvir) está sempre implicado, constitui as

ações (presentes), uma vez que o ser humano antecede-a-si-mesmo (Heidegger, 1927/2006).

Em seu ser, a presença já sempre se conjugou com uma possibilidade de si mesma

(...) já sempre antecedeu a si mesma. A presença já está sempre ‘além de si mesma’,

não como atitude frente aos outros entes que ela mesma não é, mas como ser para o

poder-ser que ela mesma é (Heidegger, 1927/2006, p. 258-259).

A compreensão conduz o ser do homem para as suas possibilidades (Möglichkeit):

compreendo a barra de giz como um instrumento que permite a comunicação, então o giz

não se esgota como um objeto “aqui e agora”, ele permite – na relação com o ser do homem

54

– um momento seguinte, uma possibilidade de comunicação, desde que utilizado com este

fim. Ressalte-se: não se trata de um planejamento mental, trata-se de um “fazer assim”.

A compreensão “abre” o possível porque possui a estrutura existencial que Heidegger

chama de projeto (Entwurf). O Dasein compreende projetando. Uma comunicação deve ser

feita; o giz será utilizado na medida em que possibilita esta comunicação; a comunicação

deverá gerar determinada consequência. São possibilidades; como tais, são antevistas como

doadoras de sentido ao que se vai fazer.

O Dasein não se define pelo que é “aqui e agora”, como um objeto restrito à sua

manifestação material-presente, pois o poder-ser faz parte da sua facticidade. O que o ser

humano é abrange a dimensão do possível, do ainda não que poderá vir a ser. Aquilo que o

Dasein ainda não é como fato, como realidade, ele é como possibilidade, ele é

existencialmente, uma vez que o ser humano é suas possibilidades. “Enquanto projeto,

compreender é o modo de ser da presença em que a presença é as suas possibilidades

enquanto possibilidades” (Heidegger, 1927/2006, p.206). Conforme Nunes (2012)

[...] a palavra possibilidade está mais próxima da acepção de potência. Seria a

potência já determinada pela existência, antes de concretizar-se numa dada instância

empírica. Quer isso dizer que qualquer espécie de “comportamento” ou de

“atividade” do homem é um modo de sua existência, e como tal uma possibilidade do

Dasein (p.100).

Heidegger (1927/2006) rejeita o entendimento do ser humano como uma unidade

isolada que, por proximidade espacial, se agrupa com outros seres humanos. Para o filósofo,

o homem – existencialmente, ontologicamente – se distingue pela convivência, pelo ser-com

(Mitsein); o mundo do homem é mundo compartilhado. Ser-homem sempre envolve a

presença de outros homens. O ser humano sempre está referido a um contexto familiar, um

ambiente de trabalho, uma localização (rua, bairro, cidade, etc.), uma origem (povo, país), o

55

uso de objetos comuns produzidos por outras pessoas; todas são determinações coletivas que

contribuem para o desenvolvimento de nossa própria identidade (nosso nome, por ex., é

decidido por outros) . A convivência é uma característica do Dasein e sua realização poderá

ser plena ou deficiente, habilidosa ou difícil, quer dizer, a maneira ou a qualidade com que

exercitamos o ser-com são possibilidades de um modo de ser já constituído no mundo

compartilhado. Heidegger (1927/2006) usa o termo preocupação para designar, de forma

geral, os relacionamentos possíveis entre seres humanos.

O ser-com determina existencialmente a presença, mesmo quando um outro não é, de

fato, dado ou percebido. Mesmo o estar-só da presença é ser-com no mundo. Somente

num ser-com e para um ser-com é que o outro pode faltar (Heidegger, 1927/2006,

p.177).

Só pode ser solitário ou viver isolado quem, originalmente, é social. Quando se

percebe que alguém está “falando sozinho”, isso somente chama a atenção porque a fala é

sempre entendida como ato comunicativo exigindo, portanto, comunidade.

A fala (Rede) é outra estrutura do Dasein. Para Heidegger (1927/2006), a fala não é a

expressão verbal como costumeiramente se entende, esta é a linguagem. “A

compreensibilidade do ser-no-mundo, trabalhada por uma disposição, pronuncia-se como

fala (...) A linguagem é o pronunciamento da fala” (Heidegger, 1927/2006, p. 224). A fala é

relativa a uma “convivência ocupacional” e dela fazem parte a escuta e o silêncio. “Escutar

é o estar aberto da presença enquanto ser-com os outros” (Heidegger, 1927/2006, p.226).

O que é escutado já é compreendido de modo compartilhado. Heidegger exemplifica:

no cotidiano, não se escuta um ruído puro, porém o barulho da motocicleta ou do carro, o

fogo crepitando, a coluna marchando. O Dasein já está, humorada e compreensivamente,

junto aos entes intramundanos, de modo que o que é escutado não são, primeiramente,

sensações que, num segundo momento, levam aos significados do mundo (carros, pessoas

56

em marcha). A escuta é compreensiva, pois o ser humano está-no-mundo-com-outros.

Escuta o compreendido e, por isso, pode, também, “não compreender” o que escuta.

O silêncio é uma possibilidade da fala. Expressões como “silêncio que fala” e “silêncio

ensurdecedor” mostram o papel comunicativo do silêncio: “Quem silencia na fala da

convivência pode ‘dar a entender’ com maior propriedade” (Heidegger, 1927/2006, p.227).

O verdadeiro “poder escutar” vem do silêncio como um modo da fala de quem tem algo a

dizer em sua abertura própria.

O Dasein é antecedendo-a-si-mesmo na forma de compreensões já projetadas e neste

movimento existencial ele encontra sua possibilidade derradeira, a morte. Ser-para-a-morte

(Sein-zum-Tode) é como Heidegger chama este modo de ser do Dasein. A morte aqui não é

vista como um evento que está por vir ou como o final da vida instalado num ponto futuro ao

qual se deve chegar; o Dasein é ser-para-o-fim: sendo para sua morte, ele, de fato, morre

constantemente enquanto existe. O fim, como possibilidade, acompanha o Dasein desde o

início. A morte também não é um evento que completa a vida do ser humano: como poder-

ser, o Dasein sempre é possibilidade, ou seja, enquanto existe, ele ainda-não é o que pode

ser. O ser humano, “enquanto existir, deve, em podendo ser, ainda não ser alguma coisa”

(Heidegger, 1927/2006, p.305).

Em Ser e Tempo, a morte como ser-para-o-fim é vista como a possibilidade mais

própria do Dasein, pois é ele mesmo que “dá a si” essa possibilidade. A morte, como

possibilidade própria, não está nas relações do ser-com (“preocupação” com os outros), nem

no lidar com os entes não humanos (“ocupação” com as coisas). A morte é de si mesmo para

si mesmo. Ela é singular como possibilidade para o Dasein e singulariza o Dasein como

possibilidade irremissível de si mesmo. Sendo-para-a-morte, o ser humano somente pode

apreender a morte como um fenômeno antecipatório. Não se tem a experiência da morte

57

mesma, uma vez que, na morte, cessam as experiências. Enquanto se vive, antecipa-se a

morte como a possibilidade (certa) do fim.

À totalidade estrutural do ser do Dasein, Heidegger (1927/2006) chama de cura

(Sorge). Como estrutura existencial, a cura mostra a unidade do anteceder-a-si-mesmo, do

ser-em (facticidade) e do ser-junto aos demais entes: “O ser da presença diz anteceder-a-si-

mesma-no-já-ser-em-(no mundo)-como-ser-junto-a (os entes que vêm ao encontro dentro do

mundo). Esse ser preenche o significado do termo cura” (Heidegger, 1927/2006, p. 259-

260). Antecedendo-a-si-mesmo, o ser humano se projeta em possibilidades, a partir da

situação em que ele já está e vem sendo, enquanto se preocupa com outros seres humanos e

se ocupa com entes não humanos. Heidegger enfatiza que determinar o modo de ser do

Dasein como cura não implica priorizar a atitude prática ao invés da teórica, ambas são

possibilidades do Dasein como cura. O filósofo também afirma a indivisibilidade do

fenômeno, observando que a cura não se refere a ações ou impulsos específicos como

querer, desejar ou tender. Nos momentos constitutivos da cura, aparece a temporalidade do

modo de ser humano: antecede-se (futuro), desde onde já se está (passado), a fim de lidar

com o que vem ao encontro no mundo (presente).

Safranski (2005) ressalta a importância da temporalidade na cura. Para o autor, cura é

“temporalidade vivida”, ou seja, ter “diante de si um horizonte temporal aberto e

indisponível no qual tem de viver” (p. 198). Borges-Duarte (2010) entende a cura como

“inquieta atenção e tensão vital, que gere esforçada e, tantas vezes, molesta o viver, que o

tempo marca e determina” (p. 120). Conforme Polt (1999), ser como cura significa que seu

próprio ser e o ser dos demais entes fazem diferença para o homem; Polt entende que se trata

de uma reprovação implícita de Heidegger às filosofias que isolam o homem do tempo e do

espaço: “não há como evitar o enraizamento num passado e o enfrentamento de um futuro”

(Polt, 1999, p. 79).

58

Considerando os vários existenciais que constituem o Dasein e, a fim de evitar

entendimentos fragmentados, Heidegger observa que “A analítica como analítica ontológica

não é um decompor em elementos, mas a articulação da unidade de uma estrutura. Este é o

fator essencial no meu conceito de ‘analítica do Dasein’ ” (Heidegger, 1987/2001a, p.141).

Elaborar uma síntese da Analítica de Heidegger não é tarefa simples, pois qualquer

omissão pode gerar exclusão de informação sobre o modo de ser do Dasein e, assim, a

proposta de tê-lo como concepção de ser humano ficaria prejudicada. Por outro lado, em se

tratando de um estudo na área da psicologia, não filosófico, portanto, é preciso estabelecer

um ponto de corte, uma vez que as implicações filosóficas do trabalho de Heidegger são

mais amplas do que sua apropriação pela psicologia. Procura-se sintetizar a Analítica de

modo a preservar informação pertinente, para que ela possa dar respostas na forma de uma

compreensão do modo de ser do homem. Com o desenvolvimento do estudo, temas

mencionados acima serão retomados de forma mais detalhada, na medida em que se

mostrem apropriados como compreensão do ser humano subjacente à discussão sobre saúde

na psicologia.

59

5. Método

O foco de análise desta tese são trabalhos de psicologia que discutem o problema da

saúde. Entende-se que discussões ou posicionamentos, publicados por psicólogos, sobre

saúde podem trazer consigo uma concepção de homem que, na maioria das vezes,

permanece implícita. A fim de investigar a possibilidade de que a Analítica do Dasein de

Heidegger ofereça uma concepção de ser humano compatível com os trabalhos de psicologia

que discutem a saúde, seguir-se-á o método de leitura proposto por Cervo e Bervian (1983),

conforme apresentado abaixo:

1- Leitura de reconhecimento: deve certificar o pesquisador da presença ou não das

informações que procura, além de proporcionar-lhe uma visão ampla das mesmas. As

finalidades são: a) selecionar documentos bibliográficos que contêm informações suscetíveis

de serem aproveitados na solução dos problemas; b) dar ao pesquisador uma visão ampla,

porém, ainda, indeterminada, do assunto em questão, permitindo um direcionamento

preliminar. Esta etapa inclui a pesquisa nos bancos de dados BVS-PSI, Google Acadêmico,

LILACS, PePSIC, PsyINFO e SciELO, utilizando as palavras-chave “psicologia”, “saúde”,

“psicologia da saúde”, “processo saúde-doença” e “conceito de saúde” e seus equivalentes

em espanhol e inglês . Também foram consultados diretamente periódicos de psicologia

presentes na SciELO, visto que há artigos de interesse para a tese que não utilizam as

palavras-chave mencionadas.

2- Leitura seletiva: visa selecionar, dentre as informações reconhecidas, aquelas que

dizem respeito aos propósitos do trabalho. Os critérios de seleção são estabelecidos em

função do problema abordado. Somente os trabalhos que possibilitem respostas ou soluções

ao problema investigado serão selecionados.

3- Leitura crítica: tem por finalidade a compreensão do texto, na forma de: a)

identificação de ideias principais e secundárias, b) comparação das ideias entre si, a fim de

60

determinar a importância relativa de cada uma no contexto do trabalho estudado e c)

compreensão dos significados dos termos ou conceitos apresentados, de forma a encaminhar

uma interpretação do material, em face dos objetivos da pesquisa.

4- Leitura interpretativa: seu objetivo é relacionar as informações do texto com o

objetivo da pesquisa. O material já reconhecido, selecionado e criticado deve, nessa etapa,

ser abordado na perspectiva do tema de pesquisa; deve-se mostrar como as suas informações

contribuem para o problema investigado.

Relativamente à segunda etapa do método – leitura seletiva – cabem algumas

observações. Não são todos os trabalhos de psicologia no campo da saúde que proporcionam

informação suficiente para um estudo acerca de concepção de homem (por exemplo: Belar,

2000; Clemente et al., 2008; Gorayeb, 2010). Dentre os diversos objetivos temáticos das

publicações de psicologia na área da saúde, que o tempo disponível para a elaboração da tese

permitiu revisar, percebeu-se que é na reflexão face à tradição (biomédica) que surge o

contraditório, que são elaborados os argumentos que justificam o questionamento dessa

tradição. O que a seleção bibliográfica oportunizou observar é que é nas publicações que

apresentam ideias alternativas ao modelo biomédico que se encontram elementos

indicadores de um contraste entre concepções de ser humano. É este tipo de publicação, a

que em algum momento coloca a saúde em discussão, que propicia respostas ao problema da

concepção de homem proposta na tese. Como o foco desta tese não é a saúde, porém a

concepção de homem que subjaz na discussão sobre saúde, são essas publicações – as que

explicitam uma reflexão crítica a respeito do fenômeno – que formam a base para a

realização deste estudo.

O trabalho com o método de leitura, a partir da etapa de seleção, consistiu em

estabelecer uma relação entre o questionamento a respeito de saúde e a Analítica de

Heidegger. Justifica-se essa relação considerando que um fenômeno humano específico é um

61

desdobramento dos existenciais do Dasein. Lembre-se que Heidegger também elabora uma

reflexão a respeito de um fenômeno específico – a angústia – a partir de um existencial do

Dasein, a disposição afetiva. A discussão proposta nesta tese, respeitando as diferenças

apontadas no Capítulo 3, se dá cotejando as afirmações sobre saúde publicadas pelos autores

selecionados com a concepção de ser humano elaborada por Heidegger, de modo a explicitar

uma compreensão de homem que subjaz na reflexão acerca da saúde.

62

6. Analítica do Dasein e concepção de homem subjacente à discussão sobre saúde em

publicações de psicologia

A leitura de trabalhos de psicologia a respeito de saúde, selecionados e lidos

conforme Cervo e Bervian (1983), permitiu identificar duas grandes tendências temáticas,

assim consideradas desde a perspectiva heideggeriana adotada na pesquisa: 1- saúde e

homem como ser-no-mundo; 2- saúde e homem como relação com o próprio ser.

A denominação das temáticas visa explicitar o nexo que este estudo encontrou entre a

discussão sobre saúde na psicologia, como indicadora de uma concepção subjacente de

homem e a concepção de ser humano como Dasein, elaborada por Heidegger. Em outras

palavras: considera-se que a argumentação acerca da saúde presente nas publicações

revisadas vai ao encontro – implicitamente – de características do modo de ser humano

apresentadas por Heidegger, como a unidade ser humano-mundo, definida como ser-no-

mundo e a relação que o ser humano tem com o seu próprio ser.

6.1 - Saúde e homem como ser-no-mundo

Uma concepção de homem que permite pensar no Dasein heideggeriano como ser-

no-mundo se insinua em afirmações sucintas como “é necessário alcançar uma visão mais

ampla sobre o ser humano e seu processo de saúde-enfermidade, mais além do enfoque

médico que ignora a perspectiva sociocultural da saúde” (Contreras, Londoño, Vinaccia, &

Quiceno, 2006, p. 128). E em observações mais longas, como a seguinte, sobre as origens da

Psicologia da Saúde nos anos 70:

Naquela época, estava acontecendo uma mudança no pensamento sobre saúde e

enfermidade [...] perdendo força os enfoques que localizavam as causas nos agentes

biológicos, para passar […] para um olhar mais integrador e ecológico, que situa o

ser humano no centro do processo de saúde e enfermidade, não como um hospedeiro

passivo dos agentes patogênicos, mas como um sujeito ativo capaz de construir sua

63

própria saúde, cuidá-la, participar ativamente na sua recuperação e intervir na

sociedade para limitar os riscos e desenvolver ambientes saudáveis (Morales

Calatayud, 2012, p. 102).

Esta última poderia ser a ampliação da anterior: a ênfase médica no lado biológico da

saúde tende a desconsiderar os planos social e ambiental do fenômeno, assim como a

proatividade humana. O autor conclui:

Ficaram definidos dois paradigmas, um individual restritivo, representado pela

clínica, no qual o objeto de trabalho é o indivíduo descontextualizado e o que se

busca é eliminar a enfermidade, tendo por base as disciplinas biomédicas e outro

social-expansivo, multidisciplinar expansivo, no qual o objeto do saber é o processo

de saúde, em que se buscam mudanças no ecossistema […] (Morales Calatayud,

2012, p. 102).

Essas considerações sugerem que uma determinada concepção de homem está

implicada na discussão a respeito de saúde. Uma concepção que se propõe “mais ampla” e

que aponta para proatividade em contextos. Também se percebe que os autores procuram

despolarizar o fenômeno, quer dizer, retirá-lo do polo individual-corporal, entendendo-o

como vinculado ao que está “além”. A presença de uma concepção - velada - de homem, em

sintonia com as citações acima, aumenta à medida que diversos autores identificam no

pensamento do filósofo francês René Descartes (1596-1650) a origem remota da abordagem

biomédica para a saúde. O que estes autores, apresentados na sequência do texto, associam à

biomedicina de inspiração cartesiana é a priorização da individualidade corporal em

detrimento da atividade contextual, reduzindo o processo saúde-doença a uma dinâmica

biológica internalizada, na qual o funcionamento dos órgãos, tomados como objetos

mecanizados, determina saúde ou doença, como no texto de Pratta e Santos (2009): “a

divisão entre corpo e mente, proposta por Descartes, levou os médicos a direcionarem sua

64

atenção para a máquina corporal, para o biológico, deixando de lado aspectos psicológicos,

sociais e ambientais da doença” (p. 205).

Crossley (2001) se refere à objetificação a qual o paciente é submetido, na medida

em que a abordagem médica, cujo modo de proceder remete à ciência natural e ao

cartesianismo, visa detectar doenças na forma de distúrbios no corpo. Conforme Almeida e

Leão (2013), a identificação de saúde e doença como entidades (naturais) essencializa

ambas, tornando-as estáticas e instituindo um modo único de atenção. Doença, assim

pensada, é algo que se “pega”, ou seja, é uma entidade objetiva já constituída. Pratta e

Santos (2009) entendem que o biologismo e o mecanicismo típicos da biomedicina,

implicam na redução do paciente à doença “desconectada do ser que a abriga” (p. 206).

Desse modo, o processo saúde-doença se torna independente dos entes aos quais diz

respeito: aplica-se o modelo a qualquer ente (humano, animal, vegetal), tendo em vista que

ele está universalizado desde uma perspectiva objetificadora. Não são os entes que

desenvolvem saúde e doença, conforme suas características, seu modo de ser, pois estas

especificidades desaparecem na uniformização como objeto. Straub (2014) atesta o

consequente reducionismo dessa orientação:

[...] pressupõe que a doença seja o resultado de um patógeno – um vírus, uma

bactéria ou outro microrganismo que invade o corpo. O modelo não faz menção às

variáveis psicológicas, sociais ou comportamentais na doença. Nesse sentido, o

modelo biomédico é reducionista, considerando que fenômenos complexos (como a

saúde e a doença) são derivados de um único fator primário (p. 11).

O que é chamado de patógeno desempenha o papel universal de objeto que, por sua

vez, atinge um outro objeto, o corpo. O plano biológico do fenômeno se sobrepõe a qualquer

outro, visto que se ajusta à identificação de objetos. Quando o autor afirma que o

reducionismo se apresenta na exclusão de variáveis psicológicas, sociais e comportamentais

65

e que o modelo biomédico “tem como base a doutrina cartesiana” (Straub, 2014, p. 11),

permite que se pense que, implicitamente, uma concepção de homem está em questão.

Desde Descartes, em verdade, a diferença entre res cogitans e res extensa foi

particularmente acentuada [...]. Não se consegue, porém, expor os modos de ser

diversos dos entes assim designados de maneira expressa e em sua diversidade [...]

(Heidegger, 2012, p. 226).

Não sendo possível “expor os modos de ser diversos dos entes”, o ente humano fica

subsumido a uma concepção substancialista-dualista, da qual deriva o entendimento de suas

manifestações típicas, ou seja, os fenômenos humanos. Muito do que é específico do

humano fica encoberto pela substancialização, assim como, por consequência, a

compreensão da saúde como fenômeno humano. A questão dos modos diversos de ser e sua

implicação na saúde está sugerida nas palavras de Pratta e Santos (2009):

[...] falar sobre saúde não é apenas contrapô-la à questão da doença, uma vez que

saúde é algo mais amplo e complexo, que não depende única e exclusivamente de

uma questão biológica. Quando se discute o binômio saúde/doença, é importante que

esses fenômenos sejam encarados como processos, como algo dinâmico que se

manifesta em qualquer ambiente sob a presença de diversos fatores inerentes à

própria condição humana (p. 207).

Os autores explicitam a vinculação da saúde à condição humana – a qual abrange

“diversos fatores”; tais fatores e suas relações com o ambiente não entram em consideração

na abordagem biológica (substancialista, materialista) da saúde. Conclui-se que a saúde “é

algo mais amplo e complexo”, porque a “condição humana” é mais ampla e complexa.

Adiante, em seu artigo, os autores relacionam a saúde a fatores psicológicos, sociais,

econômicos e políticos e “à própria complexidade e singularidade do viver do ser humano”

(Pratta & Santos, 2009, p. 208).

66

Retomando a afirmação de Heidegger, acima, o que se compreende por modo de ser

dos entes está vinculado a uma concepção do modo de ser do homem. Aquilo que o homem

percebe ou com o qual se relaciona é entendido a partir de uma posição a respeito de como

ocorre a percepção ou a relação. Objeto, por exemplo, é tudo aquilo que se mostra para o

homem, quando concebido como “sujeito pensante”:

Objetidade é uma certa modificação da presença das coisas. A presença a partir de si

mesma de uma coisa é entendida aí pela sua possibilidade de representação através

de um sujeito. A presença é compreendida como representação. A presença não é

mais tomada como o que é dado a partir de si mesma, mas como aquilo que se

contrapõe a mim como sujeito pensante, como é ob-jetizado para dentro de mim. Esta

forma de experiência do ente só existe a partir de Descartes, isto é, desde que o

homem alçou à condição de sujeito (Heidegger, 1987/2001a, p. 126).

De acordo com Haar (1993), “primeiramente, o que está implicado na representação

é a ilimitada objetificação dos entes, que ocasiona a auto-objetificação do sujeito” (p. 87).

As ideias de Descartes são apontadas como referência fundamental para a origem da

concepção biomédica da saúde, de acordo com alguns dos textos revisados (por ex., Gomes e

cols., 2011). Seu nome ou o adjetivo “cartesiano” é mencionado nesses textos; suas palavras,

em geral, não. A seguir, são citados alguns escritos do filósofo, a fim de deixar clara a

relação que estes autores estabelecem entre o pensamento de Descartes e o modelo

biomédico da saúde2.

Para Descartes, “a extensão constitui a natureza do corpo” (Descartes, 1997, p. 35) e

“aquilo que é extenso pode ser dividido em várias partes” (Descartes, 1997, p. 35). O

filósofo escreve, por analogia à mecânica hidráulica: “Eu presumo que o corpo é nada mais

2 Em psicologia, frequentemente, Descartes é citado como se fosse um “vilão” epistemológico. A tese não discute o mérito desta posição. Leituras diferentes sobre sua obra existem, como, por exemplo, Ramozzi-Chiarottino & Freire (2013).

67

do que uma estátua ou máquina... de fato, os nervos da máquina que estou descrevendo para

vocês podem muito bem ser comparados aos tubos do maquinário das fontes, seus músculos

e seus tendões a vários outros motores e instrumentos que sevem para movê-las” (Descartes,

citado em Hewa & Hetherington, 1995, p. 133). Descartes considera que o corpo humano “é

simplesmente constituído por uma configuração de membros e de outras propriedades

acidentais do gênero... [de tal modo] que perde sua identidade com uma simples alteração na

forma de algumas de suas partes” (Descartes, citado em Cottingham, 1995, p. 45). O filósofo

afirma que

O corpo de um homem vivo difere daquele de um homem morto como um relógio ou

qualquer outra coisa automática (isto é, outra máquina que se move por si mesma),

quando estiver montada e quando tiver em si o princípio corporal dos movimentos

para os quais foi instituída, com tudo o que é requerido para sua ação, e o mesmo

relógio ou qualquer outra máquina quando estiver quebrada e quando o princípio de

seu movimento cessar de funcionar (Descartes, n.d., p. 33).

Alonso (2004) entende que o mecanicismo e o causalismo do modelo biomédico

remontam à concepção maquínica do corpo humano, apresentada por Descartes. Gioia-

Martins e Rocha Jr. (2001), Paulin e Luzio (2009) e Saforcada, DeLellis e Mozobancyk

(2010) identificam na formação profissional dos psicólogos a presença de uma visão médica

de saúde, vinculada ao pensamento cartesiano. Para Radley (1994), a biomedicina “se apoia

num dualismo mente e corpo, privilegiando o último [...]” (p. 9); Crossley (2001),

Giacomozzi (2012) e Oliveira (2011) endossam esta afirmação. Kerbauy (2002), assim como

Sebastiani e Maia (2006), Straub (2014) e Traverso-Yepez (2001), ressalta a herança dos

postulados cartesianos nas cisões estabelecidas no estudo do homem na área da saúde, como

mente-corpo, órgão-corpo e cérebro-mente, bem como a valorização do olhar

atomista/reducionista. Jesus e Rezende (2006) afirmam que a Psicologia da Saúde pretende

68

ultrapassar dicotomias como indivíduo e sociedade e natureza e sociedade. Mehta (2011)

entende que o dualismo cartesiano foi determinante para o surgimento do modelo biomédico.

Como consequência

seres humanos foram vistos como organismos biológicos (materialismo),

compreendidos através do exame de suas partes constituintes (reducionismo),

empregando-se os princípios da anatomia, fisiologia, bioquímica e física. Doença era

encarada como um desvio de normas biológicas causada por algum evento físico ou

químico identificável [...] saúde veio a ser definida como ausência de doença” (p.

204).

Quando se concebe que tudo com o qual o homem se relaciona é objeto, haverá,

então, um nivelamento ontológico dos entes: os entes são objetos. O próprio corpo humano é

um objeto, cujos movimentos são vistos como análogos aos das máquinas, assim como seus

“componentes” podem ser equivalentes a peças. E embora pareça uma abordagem datada,

segue presente e discutida:

O modelo do corpo predominante na moderna medicina ocidental é a máquina. [...]

De acordo com o modelo biomecânico, o corpo humano é visto como um objeto

material, mecanizado que é redutível a uma coleção de partes físicas. Partindo desta

perspectiva, o corpo do paciente é uma máquina composta por partes corpóreas

individuais, que podem ser consertadas ou mesmo substituídas por novas, quando

quebradas ou inutilizadas (Marcum, 2004, p. 311).

Conforme Crossley (2001), na perspectiva biomédica “o corpo humano é uma

máquina e o médico ou cirurgião é o mecânico que ‘a’ conserta quando há problema” (p.

245). Para Johnson (2013), no modelo biomédico “doença é definida como um defeito

biológico, e tudo que não possa ser explicado por um defeito biológico básico é

desconsiderado” (p. 311).

69

Carvalho e Dimenstein (2004) expandem a afirmação anterior:

O modelo biomédico hegemônico [...] é basicamente condicionado pelo paradigma

cartesiano, que criou uma imagem inflexível dos organismos vivos como sistemas. É

baseado numa estrutura conceitual que considera o corpo como uma máquina, a qual

pode ser completamente entendida em termos da organização e do funcionamento de

suas peças. Como consequência, temos uma abordagem técnica de saúde, na qual a

doença é reduzida a uma avaria mecânica, e a terapia médica, à manipulação técnica,

negligenciando os aspectos psicológicos, sociais e ambientais do processo

saúde/doença (p.123).

Em um jornal de grande circulação, médica afirma que “nosso corpo é como uma

máquina, que precisa de revisões periódicas” (Polanczyk, 2014, p. 16). Em outra edição do

mesmo jornal, um cirurgião comenta sobre seu trabalho: “A diferença entre nós e o

mecânico é que mexemos nas peças com o motor ligado” (Trezzi, 2014, p. 15).

Menendez (2005) observa que, além de uma visão mecanicista do corpo como

somatório de partes e de metáforas que associam o corpo humano a uma máquina

O desenvolvimento de especialidades conduzirá a divisão do corpo a extremos

inimagináveis para a própria biomedicina no início do século XX. Na medicina

especializada, o corpo passará, de ser considerado uma soma de partes, a ser reduzido

a uma parte isolada [...] (p. 24-25).

Como o corpo tem vida, equivale a um objeto que se move ou funciona, daí a

relação com as máquinas. Se os entes são objetos, a conduta investigativa, os procedimentos

para conhecimento serão desenvolvidos para identificar traços de objetos, como, por

exemplo, localização, aparência e extensão. Num modelo de saúde, cuja concepção

subjacente de ser humano seja o sujeito cartesiano, os objetos são de natureza biológica, uma

vez que, primeiramente, estes respondem adequadamente ao tipo de relação que caracteriza

70

o sujeito e, em consequência, são acessíveis à conduta investigativa que visa o corpo (em sua

“extensão”) como a sede da saúde. A igualdade ontológica dos entes, a objetificação, quando

aplicada ao problema da saúde, encontra na biologia os objetos que lhe dão suporte.

Barletta (2010) propõe que o modelo biomédico da saúde, influenciado pelo

pensamento cartesiano, atribui uma identidade biológica ao homem. Menendez (2005)

escreve que o biologismo do modelo biomédico, respaldado pelo conhecimento científico,

permite que a saúde seja dissociada dos processos históricos, socioeconômicos, culturais e

ideológicos. Johnson (2013) considera que a natureza biológica e dualista (mente-corpo) do

modelo biomédico é responsável pela “transformação” dos fenômenos psicológicos em

neurociência, a fim de que possam ser estudados sem que entrem em conflito com a sua

abordagem. Guarido (2008) chama a atenção para o crescimento da fundamentação

biológica acerca do que é próprio do humano. De acordo com a autora, o conhecimento da

manutenção e da reprodução da vida nos níveis químico e molecular impulsionou a pesquisa

do cérebro (“neurônios, sinapses, neurotransmissores”, objetos biológicos, portanto) como

base para a compreensão das manifestações humanas, patológicas ou não. Para Guarido

(2008), o determinismo biológico é hegemônico nos dias atuais, “sustentando cada vez mais

uma racionalidade médica que tende à pesquisa das evidências, à objetivação dos sinais

sintomáticos e ao uso de medicamentos psicotrópicos como eixo fundamental de tratamento

dos sofrimentos humanos” (p. 51).

A reflexão que tais posições permitem levar adiante é que determinar saúde e doença

na forma de um objeto, equaliza bio-objetalmente os fenômenos, situando-os no plano da

natureza, da matéria biológica. Os autores citados deixam claro que pensar a saúde nesses

termos, limita o alcance do fenômeno. Se esta limitação vem associada a uma concepção de

homem, no caso a de Descartes, pode-se concluir que uma outra ideia de ser humano está

sendo visada, mesmo que não explicitamente. Vinculada à rejeição do modelo cartesiano, a

71

crítica à biomedicina apresentada acima não admite que o corpo humano seja concebido

como um objeto biológico composto por objetos menores (órgãos) cuja interrelação se dá de

forma mecânica. Isso posto, a saúde não se resume ao plano biológico, pois os fenômenos

humanos não se resumem a ser objetos. Tendo em vista uma compreensão do ser humano, a

posição de Heidegger é oportuna:

O corpo humano é algo essencialmente diferente de um organismo animal [...] O fato

da fisiologia e da química fisiológica poderem investigar cientificamente o homem

como um organismo não é prova de que nessa coisa ‘orgânica’, ou seja, no corpo

cientificamente explicado, está a essência do homem (Heidegger, 1993, p.228).

A concepção de ser humano apresentada por Heidegger (1927/2006) em sua

Analítica Existencial, ampara a contestação à abordagem cartesiano-biomédica dos autores

acima. O pensamento de Descartes, por sua vez, integra a tradição metafísica que é revista

por Heidegger (1927/2006): o homem entendido como criatura animal racional, o encontro

das concepções grega e teológica. Da perspectiva heideggeriana, o homem é visado a partir

do seu modo de ser; este modo de ser se manifesta temporalmente nos empenhos da vida

cotidiana, nos quais o ser humano não se mostra nivelado aos demais entes biológicos, ao

contrário da proposta rejeitada nos trabalhos citados, para a qual o homem seria uma

presença material no espaço natural em meio a outras presenças materiais.

Se o homem é visado em seu ser, a saúde é um fenômeno que diz respeito a este

modo de ser, do qual o corpo faz parte. O corpo é um constituinte do ser humano, não é a

totalidade deste ser, já que o ser humano não se restringe à materialidade. Assim sendo, a

concepção heideggeriana de homem como Dasein oferece um fundamento adequado às

posições antibiologistas expressadas acima. Em síntese, observar o modo de ser de um ente é

explorar a possível diversidade de suas características, sem impor um denominador comum

constitutivo a todos os entes como, por exemplo, “substância”. A argumentação presente nos

72

trabalhos de psicologia faz esse movimento, em relação à saúde do homem: objetificar,

biologizar e mecanicizar são modos de visar o fenômeno que não dão conta do que ele tem

de especificamente humano.

Além de padronizar como objetos tudo que é diferente do homem, a proposta

cartesiana atribui ao sujeito um modo de ser autossuficiente, independente do mundo e de

seu próprio corpo. Em seu “Discurso do Método”, Descartes afirma que

reconheci que eu era uma substância, cuja única essência ou natureza é pensar, e que,

para existir, não necessita de nenhum lugar, nem depende de coisa alguma material.

De sorte que este eu, isto é, a alma pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do

corpo (Descartes, 2001, p. 38-39).

Esta afirmação traz consigo implicações importantes para o pensamento sobre

concepções de homem e sua repercussão na discussão sobre saúde: o homem reconhece sua

própria existência a partir de si mesmo, por intermédio de seus pensamentos. Aquilo que

transcende o homem tem a forma de objetos que, quando pensados, atestam a existência de

quem os pensa. Esse pensar, conforme Heidegger acima, é interiorizar os objetos, localizá-

los na “substância pensante”. O ser humano é um ente que se distingue, então, por conteúdos

racionais (cogitationes), pelos quais reconhece que tem um corpo-objeto que vive num

ambiente material (extenso). O sujeito é internalizado, uma vez que sua essência é ser uma

substância que pensa; o mundo (o corpo humano incluído), por consequência, é externo, é

matéria que não diz respeito à constituição do sujeito.

Ratificando o autorreconhecimento de Descartes (acima), Heidegger (1927/2006)

afirma que “por substância só podemos entender um ente que é de tal modo que para ser

não necessite de nenhum outro ente” (p.143). Primeiro, o sujeito se descobre como tal por

ser habitado pela razão; depois, a razão lhe possibilita verificar a verdade do mundo externo,

dos objetos. Assim, o ser humano como sujeito é independente do mundo como objeto.

73

Logo, os processos do mundo não são processos humanos, pois o homem (sujeito) é

independente dos objetos. Os processos do mundo são, pode-se pensar, deslocamentos de

objetos à mercê do crivo racional. Laços geográficos, culturais e sociais somente serão

reconhecidos, à medida que repercutam na interioridade racional do sujeito.

Numa realidade dicotomizada em sujeito e objeto, os fenômenos humanos são

fenômenos individuais. Individuais não porque sejam relativos a apenas uma pessoa, mas

porque o ser humano como sujeito é individual, uno, autossuficiente. O sujeito é sua própria

totalidade, ou seja, já traz em si mesmo e por si mesmo as características que o definem.

Desse modo, dá-se margem para a compreensão internalizada dos fenômenos humanos. E no

que diz respeito à saúde, não é diferente. A saúde (e a doença) é um processo interno do

indivíduo. Vejam-se as seguintes afirmações de Balog (2005): “saúde está dentro de um

organismo, no hospedeiro” (p. 268) e “saúde está dentro (contained) do corpo” (p. 268).

Considerando alguma imprecisão na tradução, pode-se pensar na saúde como “restrita” ou

“limitada” ao corpo.

Para Dimenstein (2000), uma consequência da concepção de sujeito individualizado e

autônomo é a independência humana do tempo e do lugar, de modo que as pessoas seriam

iguais em qualquer período histórico e em qualquer contexto social; intocadas, portanto,

pelos vínculos e pelas determinações do mundo. Marques (1993), em estudo sobre a

concepção de homem no pensamento de Descartes, ratifica a constância desvinculada do

mundo que tipifica o sujeito (dual) cartesiano: “só a alma garante a permanência do mesmo,

porque ela é de outra natureza. O corpo, enquanto tal, está sujeito às leis do universo e,

portanto, ele é movimento contínuo” (p. 53). Dimenstein (2000) afirma que a saúde, relativa

a essa concepção de ser humano, é reduzida a uma evidência orgânica objetiva num corpo

interiorizado. A autora defende uma posição contrária: escreve que saúde e doença são

questões humanas, cuja compreensão abrange os aspectos históricos e culturais de cada

74

contexto social em foco. Em outras palavras e de maneira ainda mais ampla é o que

Saforcada, De Lellis e Mozobancyk (2010) propõem quando distinguem 2 paradigmas

relativamente à atenção à saúde: individual-restritivo (tradição médica) e social-expansivo

(proposta psicológica visando multidisciplinaridade).

Além disso, em outro trabalho, Dimenstein (2004) relaciona o olhar não

individualista, não autossuficiente com a humanização na saúde: “uma prática de saúde

humanizada deve tomar em consideração o contexto em que vive o usuário assim como as

situações de onde surgem os diversos problemas de saúde de uma comunidade” (p. 115).

Pode-se concluir que o ser humano, a quem a saúde diz respeito, deve ser considerado como

tal (humano) à luz de um enfoque não atomista, não individualista-interiorizado, pois, do

contrário, a saúde, como fenômeno humano, estará restrita à interioridade orgânica.

Spink (2003) segue a mesma linha de argumentação, afirmando que enfoques nos

quais o homem é tratado como organismo individual interiorizado, ser abstrato e a-histórico,

separado do contexto social impedem um olhar mais amplo – multideterminado – para o

processo saúde/doença. Bastos e Achcar (1994) defendem a transição da atenção voltada ao

indivíduo “intra-psi” para o foco em contextos e grupos. Morales Calatayud (2012) entende

que o modelo de saúde que ainda prevalece mantém a ênfase mais nos indivíduos do que na

comunidade e mais no biológico do que no social. Para Spicer e Chamberlain (1996), a

biomedicina “localiza” a doença “dentro dos limites físicos do indivíduo” (p. 166); e mais: o

próprio indivíduo é visto como limitado ao corpo, totalmente separado do ambiente social.

Paulin e Luzio (2009) exemplificam uma consequência da cultura individualista na prática

profissional do psicólogo e sua relação – difícil – com a atuação em saúde, quando discutem

o problema da inserção em equipes de saúde, uma vez que “a atuação reduz-se à clínica

tradicional, centrada no indivíduo, com tratamentos demorados, que não consideram o

contexto sociocultural em que o paciente vive” (p. 99).

75

Percebe-se que a argumentação apresentada pelos autores citados acima tem a ver

com o entendimento de que, nos termos tradicionais, há uma visão diminuída da saúde. O

que os autores deixam claro é que pensar a saúde a partir dessa concepção biocartesiana de

homem é descontextualizar o fenômeno, pois, nela, o sujeito é autossuficiente, independente

de quaisquer contextos. A saúde humana, na abordagem apontada pelos autores, é um

fenômeno independente do tempo e do espaço, porque o homem, concebido como sujeito,

existe por si mesmo. Consequentemente, fenômenos humanos são fenômenos internos e,

sendo assim, o processo saúde-doença será identificado na constituição material do homem.

O ponto de vista de que a saúde é um fenômeno que alcança mais do que a

individualidade humana autossuficiente, isto é, não se restringe à constituição biomaterial do

homem, é compartilhado por outros autores.

Mori e Gonzalez Rey (2012) consideram que a saúde é um processo permanente que

integra o social, o cultural e a história diferenciada das pessoas e das sociedades, ao contrário

de concepções naturalizadas e a-históricas. Ronzani e Rodrigues (2006) afirmam que o

conhecimento de determinantes socioculturais e psicossociais é importante para evitar a

compreensão reducionista do processo saúde-doença. Conforme Paulin e Luzio (2009), as

dimensões do processo saúde-doença estão “inscritas nas condições de vida, de trabalho e

culturais” (p. 104). Acrescentam que a presença da psicologia na saúde pública potencializa

o reconhecimento dos fatores “[...] históricos e das condições de vida dos usuários como

determinantes dos quadros de saúde ou de doença da população” (p. 105). Straub (2014)

sustenta que “forças biológicas, psicológicas e sociais agem em conjunto para determinar a

saúde e a vulnerabilidade do indivíduo à doença, ou seja, a saúde e a doença devem ser

explicadas em relação a contextos múltiplos” (p.13). Almeida e Leão (2013) escrevem:

pensamos ser a saúde muito mais do que algo proveniente da capacidade do homem de

sobreviver a si mesmo e ao mundo a partir da força adaptativa proveniente de seus

76

componentes biológicos e genéticos. Assim, a ideia de produção social da doença

acentua o aspecto histórico, cultural e contextual do desencadeamento de processos de

adoecimento. A produção aponta que a saúde e a doença são frutos de relação (p. 280).

O que se observa nesses trabalhos é a necessidade de incluir na discussão sobre saúde

elementos que transcendem a presença material do homem. Visto que se trata do

entendimento de um fenômeno humano, elaborado em discordância com a abordagem

biomédica que, por sua vez, é associada a características explícita ou implicitamente

remetidas ao cartesianismo - como individualismo, autossuficiência e materialismo

(objetificação) – entende-se que, subjacentemente, uma outra concepção de homem embasa

o pensamento dos autores. Uma concepção que permita compreender fenômenos humanos

sem recair num individualismo internalizado autossuficiente.

Os autores comentados concordam, implicitamente, com a afirmação anterior de que

a saúde é um fenômeno que diz respeito ao modo de ser do homem, do qual o corpo faz

parte. Ao contrário de um objeto material, cujo modo de ser se esgota nos limites de sua

própria materialidade, o homem está vinculado de tal maneira àquilo que lhe é

transcendente, que apenas a consideração do corpo não é suficiente para dar conta de um

entendimento da saúde humana. É o que aparece, tacitamente, nas considerações dos autores

mencionados. Spicer e Chamberlain (1996) afirmam que a influência do pensamento

biomédico dificulta o desenvolvimento de teorizações psicológicas sobre saúde que

transcendam a individualidade corporal, a fim de integrar homem e ambiente social. Para os

autores, quando o que está além do corpo individual é considerado, sob a influência da

abordagem biomédica, “faz-se referência ao contexto ambiental deste corpo, mas este é um

espaço separado que contém entes que somente são alvo de interesse quando cruzam os

limites do corpo” (Spicer & Chamberlain, 1996, p. 166). Spink (2010) mostra que a visão –

exclusivamente - corporal da saúde pode se chocar com a diversidade cultural: a autora

77

refere estudos antropológicos sobre populações para as quais a pessoa não acaba nos limites

do corpo e se questiona sobre a relação dessas populações com um serviço de atenção à

saúde.

A concepção de ser humano como Dasein oferece à discussão psicológica sobre

saúde o suporte apropriado para que o fenômeno seja abordado de modo mais amplo, ou

seja, levando em consideração o alcance existencial do ser humano. À luz do Dasein

heideggeriano, o pensamento a respeito da saúde pode superar a dificuldade de integrar o

que está além do corpo ao fenômeno, uma vez que o ser humano é mais amplo do que o

corpo humano. Percebendo que o ser do homem abrange mais do que o corpo, Heidegger

(1987/2001a) diferencia o corpo material do corpo. O corpo material é o que tem na pele o

seu limite. Já o corpo é “meu corpo”:

O corpo está envolvido no ouvir e no ver. Mas o corpo vê? Não. Eu vejo. Mas para

este ver são necessários meus olhos e, pois, o meu corpo. Entretanto não é o olho que

vê, mas sim meu olho – eu vejo através de meus olhos (Heidegger, 1987/2001a, p.

115).

O corpo material é o corpo como objeto biológico, desprovido da relação que o

homem tem com seu próprio ser. É o corpo como objeto disponível para o exame de suas

partes. É o “hospedeiro” da saúde e, como tal, é o limite do fenômeno: a saúde está no corpo,

não vai além. Já o que Heidegger chama somente de corpo, é relativo a relação que o ser

humano tem com seu ser, por isso o filósofo observa que não é o olho que vê, porém “meu”

olho. O corpo é “meu”, pois o ser humano, como Dasein, aparece para si mesmo na abertura

que constitui seu próprio ser; assim como aparecem os demais entes com os quais se

relaciona, aqueles que “meu” olho vê, por exemplo. O corpo, assim entendido, não é o limite

do fenômeno: “meu” corpo está junto aos demais entes, visto que eu-sou-no-mundo. O ser

humano somente pode reconhecer o corpo como seu, porque ele (corpo) se mostra na

78

abertura do Dasein, no aí do Ser-aí. Logo, já se está no domínio do ser-no-mundo. O corpo

que se comporta, que se dirige para os instrumentos com vistas a uma finalidade do modo de

ser humano, é “meu” corpo que já está junto aos entes que vem ao encontro. O ouvir e o ver,

nos quais o corpo está envolvido, incluem os entes que aparecem em relação através da

audição e da visão; então, é já estando em situação no mundo que o corpo “corpora”, na

expressão de Heidegger (1987/2001a).

Note-se que, a partir da reflexão precedente, observar o fenômeno da saúde além do

corpo, não é situá-lo além do ser humano. O modo de ser humano, abordado como Dasein, é

ser-transcendente, é ser para além de si mesmo, uma vez que o ente humano é-aí (Da-sein).

O aí é o “lugar” onde os entes se mostram e vêm ao encontro. Este lugar, que faz parte do

modo de ser humano, é a abertura para o mundo, para o que é diferente do próprio homem:

“O ente, que denominamos ser-aí, é enquanto tal aberto para... A abertura pertence ao seu

ser” (Heidegger, 2012, p. 436). As supracitadas ideias a respeito da saúde estão em sintonia

com o entendimento heideggeriano de ser humano: a saúde não se limita ao corpo (material),

porque o ser humano é abertura; sendo aberto, já está sempre em relação com os entes que

vêm ao encontro; estes são: os outros, os instrumentos, os seres simplesmente dados e o si

mesmo, já que há uma relação com o próprio ser.

Veja-se o artigo de Almeida e Leão (2013): para eles “compreender saúde/doença

como questão biológica é incorrer em um simplismo mutilador” (p. 285). Por que mutilador?

No mesmo texto encontra-se uma resposta:

[...] as formas de adoecer e morrer não decorrem de uma dada natureza ou de

entidades que impactam negativamente com o corpo humano, mas de realidades

forjadas socialmente, numa inter-relação complexa e dinâmica nos territórios onde a

vida comunitária se dá (p. 281).

79

Mutila-se o processo saúde-doença, visto que os autores consideram que o fenômeno

não está restrito à biologia humana. Deixar de fora as relações sociais significa descartar

uma parte do fenômeno. Em termos de concepção de homem, o que se perde, “mutilada”, é a

abertura do ser humano para os demais entes. A realidade social ou a vida comunitária

somente podem ser alvo de mutilação, se já forem constituintes do fenômeno, o que os

autores afirmam ser. Fenômenos humanos, entendidos como não encerrados na

individualidade corporal, permitem que se pense que o modo de ser do homem abrange as

relações com aquilo que aparece na abertura. Ideia esta também apresentada pelos autores,

quando escrevem que levam em conta “a complexidade relacional do nosso objeto”

(Almeida e Leão, 2013, p. 279)3. Logo, mutilar o processo saúde-doença, reduzindo-o a uma

questão biológica, é, numa reflexão mais ampla, mutilar o modo de ser a quem o processo se

refere.

Retomando a crítica que Spicer e Chamberlain (1996) fazem à priorização do corpo na

saúde, encontra-se um exemplo de reflexão que remete a saúde para o ser humano: os

autores referem a dificuldade de considerar a importância do apoio social na saúde, uma vez

que a tendência é visar o indivíduo separado de seu contexto social. O apoio social é tomado

como algo “lá fora”, no ambiente; por outro lado, trabalha-se com a ideia de apoio social

percebido que, para os autores, trata-se do caminho inverso: algo que está “na cabeça de

quem percebe”, desconectado da “realidade ‘externa’”. O que se tem aqui é um debate

interno vs. externo que se manifesta na discussão a respeito de saúde e ao qual subjaz uma

concepção de ser humano. O homem concebido como corpo internalizado enseja a visão

biomédica da saúde, a qual não permite integrar aquilo que os próprios autores chamam de

aspectos transcendentes, ou seja, relações e contextos. Considerado à luz da Analítica

3 É verdade que a afirmação soa contraditória, pois objetos não estabelecem relações. Por outro lado, não se espera dos autores revisados que se sobreponham à tradição objetificante.

80

heideggeriana, o modo de ser do homem transcende o corpo: é-no-mundo-junto-aos-outros,

ser-no-mundo é compartilhar o mundo (Heidegger, 1927/2006). De modo que, assumindo-se

o Dasein como concepção de homem, a integração do apoio social ao pensamento sobre

saúde deixa de ser uma dificuldade: o apoio social é uma possibilidade do ser-com que é

específico do ser do homem. Sendo assim, poderia contribuir-se com a crítica dos autores

afirmando que o apoio social diz respeito à saúde, porque os outros dizem respeito a cada um

de nós. E somente já-sendo-com se pode falar em “cada um de nós”. Empregando-se o

vocabulário da tradição, a fim de explicitar a distinção entre corpo humano e ser humano, o

apoio social está “fora” do corpo, todavia “dentro” do ser humano - que é-com - e esta visão

de homem oportuniza que se questione a saúde sem tomá-la como um fenômeno

biocorporal.

Os traço limitantes identificados na abordagem biomédica da saúde e, comumente,

associadas à herança cartesiana da concepção de homem como sujeito oposto a objetos, são

as mesmas que Heidegger reconhece em sua descrição do modo de ser humano, contraposta

ao sujeito cartesiano: “Ser transcendente, isto é, ser aquele que atravessa e ultrapassa, é algo

que só os ‘sujeitos’ podem ser, os ‘sujeitos’ no sentido ontologicamente bem compreendido

do ser-aí” (Heidegger, 2012, p. 433). Os trabalhos de psicologia revisados, que requerem

aquilo que transcende o corpo como integrante da saúde, dão azo para que se pense numa

concepção de ser humano que, mais do que facilitar o intercâmbio com o mundo, entenda

que homem e mundo formam uma unidade, de cujos tensionamentos advém o processo

saúde-doença. Do ponto de vista da Analítica Existencial, o vínculo com aquilo que está

além do corpo, o mundo, não é eventual, é constitutivo do ser do homem:

Si mesmo e mundo copertencem-se em um ente, no ser-aí. Si mesmo e mundo não

são dois entes, tal como sujeito e objeto, nem tampouco como eu e tu. Ao contrário,

81

si mesmo e mundo são na unidade da estrutura do ser-no-mundo a determinação

fundamental do próprio ser-aí (Heidegger, 2012, p. 432).

A saúde, quando pensada em oposição à biomedicina, como um fenômeno cuja

origem é a rede de relações que o homem estabelece ou o “ecossistema” do qual faz parte,

encontra na Analítica de Heidegger uma concepção de homem que supera a polarização na

individualidade corporal e que faz desnecessário estabelecer algo como uma ponte com o

que está além desta individualidade.

o Dasein não é um ente fechado ou encerrado em si mesmo (um ente cuja esfera de

contacto ou de acesso se deixe reduzir ao âmbito de si mesmo). Sucede, pelo

contrário, que o Dasein [...] se caracteriza originalmente por qualquer coisa como um

“saimento” [...]. Ou seja, o Dasein é, de raiz, um ente “extático”. Está desde sempre

já “fora de si”, “saído” de si mesmo e em contacto com o que se lhe apresenta como

outro (como o domínio da alteridade sensu lato). Dito de outro modo, em momento

algum o Dasein se vê reduzido à esfera de si mesmo (Lima, 2012, p. 157).

Autores como Ribeiro e Luzio (2008), que concebem saúde como “um processo

histórico e social, decorrente da relação do homem consigo mesmo, com outros homens na

sociedade e com o meio ambiente” (p. 206), vão, tacitamente, ao encontro da concepção

heideggeriana de ser humano que propõe: “A transcendência, o ‘para além de’ do ser-aí,

permite que ele se comporte em relação ao ente enquanto ente, seja esse o ente presente à

vista, os outros ou si mesmo” (Heidegger, 2012, p. 436). Ou seja, ainda nas palavras do

filósofo, “nos momentos estruturais do em-relação-a-si, do com-os-outros e do junto-ao-

presente-à-vista reside inteiramente o caráter da ultrapassagem, da transcendência”

(Heidegger, 2012, p. 437).

82

Ser para além de si mesmo não significa deixar de ser si mesmo, tornando-se algo

diferente: o modo de ser do Dasein é ser si mesmo já em relação com os entes que aparecem

no seu próprio aí. Aí é a abertura para o ser que diferencia o Dasein dos demais entes.

Ao dirigir-se para... e apreender, a presença não sai de uma esfera interna em que

antes estava encapsulada. Em seu modo de ser originário, a presença já está sempre

‘fora’, junto a um ente que lhe vem ao encontro no mundo já descoberto (Heidegger,

1927/2006, p. 109).

Se o homem é tomado como uma individualidade corporal diferenciada em função de

sua vida mental, tem-se a base para a concepção do humano como um Eu autossuficiente.

Por outro lado, a ênfase heideggeriana no ser enseja mostrar que aquilo que está “além” não

se opõe, porém faz parte do modo de ser humano. O ser humano, como modo mediano

cotidiano de se mostrar do homem, sempre encontra o que está além de si mesmo no

exercício de seu próprio ser. O modo de ser humano (Dasein) está nesse encontro. Como

observa Arenhart (2004): “Pela abertura essencial que ele mesmo é, num único ato, o Dasein

está com o estar-aí do mundo e está ‘aí’ para si mesmo” (p. 214).

Ambiente, contexto social, cultura, trabalho, condições de vida – empregados a fim

de expandir a visão biomédica da saúde – são possibilidades científicas ou empíricas de

compreensão do encontro com os demais entes, daquilo que Heidegger chama de mundo.

Mundo é o que se mostra nas relações que o Dasein estabelece com os entes que vêm

ao encontro. Não se trata, portanto, de um espaço no qual o ser humano se localiza: “[...] não

se pode pensar no ser simplesmente dado de uma coisa corpórea (o corpo vivo do humano)

‘dentro’ de um ente simplesmente dado” (Heidegger, 1927/2006, p. 100). O encontro com os

entes pressupõe um modo de ser que possibilite “encontrar”; sendo abertura para o ser em

geral, o Dasein habita o mundo como algo que lhe é familiar: “Essa familiaridade é enquanto

tal familiaridade em um mundo” (Heidegger, 2012, p. 437, itálicos no original). As relações,

83

por sua vez, não ocorrem a partir da racionalidade interiorizada, mas na preocupação com

outros seres humanos e na ocupação com entes não humanos, ambas em virtude de

possibilidades do próprio modo de ser humano (Dasein).

Por exemplo: no cotidiano, um microfone não se mostra como matéria extensa; um

microfone é um instrumento que permite ao homem que se comunique de uma certa

maneira. Sendo um instrumento, foi produzido pelo homem em virtude de seu modo de ser.

Como um instrumento de comunicação, o microfone pressupõe a relação entre diferentes

pessoas e uma linguagem em comum. Ademais, um microfone está relacionado a outros

objetos, como um amplificador, um interruptor de energia ou um fio, na relação com os

quais realiza sua finalidade para o homem. O conjunto é necessário para que cada

instrumento revele seu ser para, a referência de algo para algo: o microfone é para captar a

voz, o amplificador é para que mais pessoas a escutem, o interruptor é para liberar energia, a

energia é para que o equipamento possa operar. É um propósito típico do modo de ser

humano, a comunicação, que revela o mundo circundante na sua relação com o ser humano.

A lida cotidiana não se detém diretamente nos utensílios em si mesmos. Aquilo com

que primeiro se ocupa [...] é a obra a ser produzida. É a obra que sustenta a totalidade

das referências na qual o instrumento vem ao encontro. [...] Com a obra, portanto,

não se dá ao encontro apenas um ente manual, mas também entes que possuem o

modo de ser do homem, para os quais o produto se acha à mão na ocupação

(Heidegger, 1927/2006, p. 118-119).

Consequentemente, não há objetos isolados adicionados uns aos outros num espaço

geométrico independente do homem; é o conjunto que, na relação com o modo de ser do

homem, constitui o mundo. A relação ocorre nas ocupações que visam realizar finalidades

humanas, de tal modo que Dreyfus (1991) afirma que “Heidegger chama de ser-no-mundo a

atividade de existir” (p. 41).

84

O exemplo acima menciona artefatos produzidos pelo homem, em virtude de seu

próprio modo de ser. Heidegger, contudo, não deixa de fora do mundo os entes que, embora

não sejam produzidos, estão referidos às ocupações como matérias-primas naturais: “A mata

é reserva florestal, a montanha é pedreira, o rio é represa, o vento é vento ‘nas velas’ ”

(Heidegger, 1927/2006, p. 119).

O mundo, portanto, é um espaço existencial aberto pela transcendência do Dasein. É

existencial, porque é relativo à existência, o modo de ser do Dasein; não é, então, um espaço

material, geométrico. Como existência, o Dasein está colocado fora (ek-sistência) de si

mesmo, junto aos demais entes que encontra, já que transcende, ultrapassa a si mesmo.

Transcendendo a si mesmo, abre o espaço existencial que é o mundo, na forma das

ocupações cotidianas. As ocupações e as preocupações são relações que o Dasein estabelece

com outros entes, pois seu próprio modo de ser é estar-junto e estar-com em virtude de seu

próprio ser. O Dasein, assim, é-no-mundo, visto que não há um Eu autossuficiente, cujo

modo de ser prescinda dos demais entes ou cuja autocompreensão se desenvolva sem a

identificação com as ocupações e as preocupações relativas a estes entes.

É já-sendo-no-mundo, ocupando-se com os entes intramundanos e preocupando-se

com os outros, que o ser humano estabelece um ambiente: “[...] Dasein é um ser-no-mundo,

em outras palavras um ente cuja essência é relacionamento e interdependência com seu

ambiente” (Ruin, 2005, p. 367). Não se deve, contudo, entender “ambiente” de forma

naturalizada: “O ambiente não é um fenômeno ecológico [...] mas sim nosso ‘mundo mais

próximo’, o mundo imediato que nos circunda. Por ‘circundar’ não queremos dizer circundar

espacialmente, porém circundar existencialmente: o mundo imediato no qual estamos

imersos [...]” (Blattner, 2006, p. 49). O ser humano está imerso no que Heidegger chama de

modo de lidar com os entes intramundanos; esta lida é, primeiramente, ocupacional. As

ocupações não surgem aleatoriamente: já fazem parte de uma tradição que, embora remeta

85

ao passado, orienta o futuro, mostrando possibilidades de ser. A tradição implica as gerações

do homem, modos de lidar aprendidos e compartilhados. Sendo assim, estão dadas as

condições de possibilidade para que se identifique, a partir do modo de ser humano, contexto

social, história, trabalho e condições de vida.

Por conseguinte, as reflexões de psicólogos sobre saúde, que se caracterizam por

retirar o fenômeno do plano individual/corporal e entendê-lo como vinculado a contextos,

práticas e relações, vão ao encontro da concepção heideggeriana de ser humano como ser-

no-mundo ou, por outro lado, o Dasein de Heidegger é um modo de conceber o ser humano

que se coaduna à discussão psicológica a respeito de saúde, na medida em que esta objetiva

expandir a compreensão do fenômeno, retirando-o da individualidade biológica e

entendendo-o como decorrente da situação humana.

Nas palavras de outros autores, que refletem sobre saúde, aparece a referência ao

mundo como rede de relações situadas de ocupação instrumental e preocupação social: “a

experiência cotidiana de saúde necessita considerar diferentes aspectos das relações

humanas: a história, a política, a economia, o preço do arroz, do feijão, da carne, ou mesmo

como cozinhamos tudo isso” (Zurba, 2011, p. 7). A autora acrescenta que

o paciente é um ser que vive em rede social. É a partir do “território” de moradia do

sujeito que os profissionais das equipes de saúde devem iniciar seu olhar sobre o

sintoma ou queixa. Ou seja, é no bairro, na família, nas relações imediatas do campo

da particularidade na vida cotidiana que os sintomas surgem e/ou se consolidam

(Zurba, 2011, p. 8).

Böing, Crepaldi e More (2009) consideram que

se começa a perceber que os grandes fatores de morbimortalidade na sociedade atual

estão ligados ao modo de vida das pessoas, há um enorme campo para o psicólogo

que trabalha com essa dimensão. Cada vez mais, a violência, o consumo de drogas e

86

de álcool são problemas comportamentais ligados a questões sociais que não podem

ser tratados exclusivamente do ponto de vista médico (p. 833).

Ser-no-mundo é estar situado. De início, o mundo se mostra como um contexto

estabelecido de práticas sociais e instrumentais no qual o ser humano é lançado: sempre há

um modo de vida, um cotidiano no qual o ser humano já se encontra e a partir do qual se

projeta em possibilidades. De acordo com Stokols (1992), “considera-se que a salubridade

de uma situação e o bem-estar de seus participantes são influenciados por múltiplos aspectos

tanto do ambiente físico (por ex., geografia, arquitetura, tecnologia) como do ambiente

social (por ex., cultura, economia, política)” (p. 7).

A concepção de homem como Dasein afirma que o modo de ser humano é estar

sempre em relações proativas com os entes que aparecem na abertura. Sendo assim, esta

concepção oportuniza que se pense a saúde como um fenômeno que é fruto de interações

com o “ambiente”, as quais determinam situações. Não somente a constatação de que há um

ambiente, porém a compreensão de que o ambiente se mostra na atividade humana. O

ambiente, a situação, o contexto não são entes que surgem por contemplação, eles ganham

forma na ação.

O Da-sein é sempre já relacionado com algo que se lhe revela. Mas em seu essencial

ser-relacionado perceptivo com o que se lhe fala a partir de sua abertura-no-mundo o

homem é também sempre já solicitado a corresponder-lhe com sua relação com o

mesmo [...] (Heidegger, 1987/2001, p. 244).

Esta reciprocidade (incessante) para com os demais entes, que o modo de ser do

Dasein possibilita, aparece na reflexão de Stokols (1992) acerca do papel que o ambiente

desempenha na saúde:

Transações pessoas-ambiente se caracterizam por ciclos de influência mútua, nos

quais os aspectos físicos e sociais da situação influenciam diretamente a saúde de

87

seus participantes e, simultaneamente, os participantes da situação modificam a

salubridade do ambiente por meio de suas ações individuais e coletivas (p. 8).

É certo que “transações pessoas-ambiente” não é sinônimo de ser-no-mundo. Mas

indica uma maneira de entender a saúde em consonância com uma visão de homem que o

conceba não como interioridade corporal. Saúde, assim compreendida, procura expressar a

necessidade de colocar o fenômeno além do corpo, nas relações (“transações”) com o que

transcende a individualidade corporal. Ser-no-mundo, como visão de ser humano, já parte da

ideia de que o homem, como tal, lida com os entes aos quais está sempre vinculado. E a

saúde pode, então, ser pensada como relativa à atividade contextual.

O ambiente ou o contexto humano, entendido desde o ponto de vista da atividade,

aparece nas palavras de Contini (2000): “as condições sociais estão intimamente ligadas ao

desenvolvimento da saúde, na medida em que toda sociedade é composta por organizações

socioeconômicas e estas acabam determinando o modo de vida dos homens presentes em

cada grupo social” (p.47). É somente através da atividade humana que organizações

socioeconômicas podem se desenvolver. “Economia” é um modo de entender uma série de

atividades relativas ao encontro com entes humanos e não humanos, tendo em vista o próprio

modo de ser do homem. É sendo-no-mundo que o homem desenvolve uma economia.

Cornish (2004) destaca a importância de se conhecer o papel do contexto na

constituição da saúde e reconhece o pouco desenvolvimento teórico do tema. Em seu estudo,

apresenta um exemplo relativo ao uso de preservativo por homens que se relacionam com

prostitutas na Índia. A aceitação por parte das prostitutas de sexo com ou sem preservativo é

“mediada” por circunstâncias como tempo disponível para o sexo, pobreza/medo de perder

“clientes”, uniformidade de conduta por grupos organizados de prostitutas e exigência dos

homens. É o desenrolar deste “sistema de atividades” que tem como, possível, consequência

casos de AIDS. Cornish (2004) observa que essas atividades envolvem relações econômicas

88

e de gênero, as quais escapam da tradição biomédica. O alargamento da concepção de saúde

que a autora propõe é realizado recorrendo-se a traços humanos que correspondem ao ser-

no-mundo-com-os-outros (economia e gênero).

O fenômeno da saúde, conforme as afirmações citadas acima, é relativo a relações

homem-mundo compatíveis com o entendimento do ser humano como ser-no-mundo. Em

termos heideggerianos, a saúde seria relativa aos encontros mundanos sempre situados que

caracterizam o Dasein. Involuntariamente, os autores vão ao encontro da concepção de

homem como ser-lançado no mundo, projetando-se em possibilidades a partir de relações já

consolidadas.

De acordo com os autores revisados, a saúde não é um fenômeno exclusivamente

corporal, biológico, conforme a tradição biomédica; saúde vai além da individualidade

corporal, abrange o contexto da vida humana, a situação. O contexto está implicado, porque

o homem implica a si mesmo no contexto, enquanto é-no-mundo. É-no-mundo lançado em

contextos estabelecidos: no estar-lançado “desvela-se que a presença já é sempre minha e

isso num mundo determinado e junto a um âmbito determinado de entes intramundanos

determinados” (Heidegger, 1927/2006, p. 292).

Descobrindo-se já em relações determinadas, o ser humano se encontra diante de

modos específicos de morar, trabalhar, alimentar, socializar, divertir, descansar em face dos

quais se projeta em possibilidades de ser. A concepção de homem como ser-no-mundo-já-

em-relação com o que está dado em função de vir a ser, fundamenta uma proposta de saúde

que abarca condições e relações contextuais. É o que sugere Passos (2009) quando escreve a

respeito da necessidade de “produção de outros modos de vida, de novas práticas de saúde”

(p. 102). Ou seja, uma vez lançado, já se encontra em determinadas relações que tipificam

um modo de vida (o que inclui práticas de saúde: a biomedicina, por exemplo); as

89

determinações herdadas, contudo, não impedem a projeção em possibilidades como “outros

modos de vida” e “novas práticas de saúde”.

O fenômeno é humano, entretanto não está limitado ao indivíduo corporal, a saúde

extrapola o corpo, vai além, diz respeito a estar situado e em relação, logo estar-no-mundo.

O fenômeno é humano, porque o “além” do corpo é parte do ser do homem. De modo que o

vínculo contextual, ambiental ou social que os autores acima consideram ausente no modelo

biomédico da saúde, já está dado no próprio modo de ser do homem, do ponto de vista da

Analítica Existencial de Heidegger.

A reivindicação de um olhar ambiental para a saúde feita por Stokols (1992), abaixo:

Saúde é frequentemente definida em termos individualísticos ou físicos [...]. Análises

que definem saúde simplesmente como ausência de enfermidade ou ferimento dão

pouca ou nenhuma atenção para questões de bem-estar coletivo (por ex., coesão

social e sentimento de comunidade) e estados ideais de bem-estar (por ex., forte

sentimento de vinculação pessoal aos ambientes social e físico) (p. 6).

É amparada pela concepção heideggeriana de ser humano como Dasein.

Assim como o homem é, historicamente, definido em referência à individualidade,

racionalidade, inteligência ou vida anímica interiorizada, a saúde é, por conseguinte, definida

como um atributo desta concepção de homem, como um fenômeno cuja compreensão é

derivada da visão que se tem sobre o ente ao qual está referido. Do mesmo modo que

Heidegger apresentou uma concepção de ser humano que despolariza o binômio homem-

mundo (sujeito-objeto), revendo-o como ser-no-mundo, os trabalhos de psicologia citados

reveem a saúde como um fenômeno que abrange o ambiente e a sociedade. A relação que se

pode estabelecer é: se o modo de ser humano abrange o mundo, a saúde deve se manifestar

nesta abrangência. Ou, colocando em outras palavras: para que a saúde seja concebida como

um fenômeno que não se restringe ao corpo, para que seja entendida como um fenômeno

90

contextual, também uma concepção de homem não-individualista, não-autossuficiente deve

estar em questão, mesmo que de modo subliminar. O Dasein heideggeriano como ser-no-

mundo, elaborado em contraste com o pensamento cartesiano – matriz do modelo

biomédico, conforme vários autores mencionados anteriormente – é uma visão de ser

humano que corresponde à (re)visão do entendimento de saúde nos trabalhos de psicologia

comentados.

6.2 - Saúde e homem como relação com o próprio ser

Para iniciar sua ontologia fundamental, Heidegger (1927/2006) elegeu o homem,

entendido a partir de seu modo de ser como Dasein, como o ente a ser analisado, uma vez

que este ente (“nós mesmos”) tem uma compreensão do ser: “A compreensão do ser

pertence ao modo de ser deste ente que denominamos presença. Quanto mais originária e

adequadamente se conseguir explicar esse ente, maior a segurança do alcance na caminhada

rumo à elaboração do problema ontológico fundamental” (Heidegger, 1927/2006, p. 268).

Entretanto, não se trata apenas de ter uma compreensão, como se esta fosse uma

característica agregada à sua racionalidade, o homem é compreendendo o ser: “Seres

humanos (...) são um tipo especial de ser, cujo modo de ser inclui uma compreensão do que é

ser” (Dreyfus, 1991, p. 14-15). Em virtude de sua compreensão do ser, o Dasein é abertura

(o aí do ser-aí) para o aparecimento do ser dos demais entes, assim como para o

aparecimento de seu próprio ser para si mesmo. O aparecimento do ser dos demais entes e de

seu próprio ser, todavia, não é um episódio racional ou cognitivo, não é uma representação

mental na tradição intrapsíquica; o ser humano possibilita que o ser dos demais entes se

mostre, à medida que se relaciona com eles, ou seja, o ser humano é aberto para o encontro

com os demais entes na forma de relações que se estabelecem nas práticas cotidianas.

Se o ser dos entes aparece na relação que o Dasein estabelece com eles e se o Dasein

compreende seu próprio ser, então “este ente se relaciona com o seu ser” (Heidegger,

91

1927/2006, p.85). Lima (2012) enfatiza que a autorrelação, o encontro consigo mesmo

ocorre em função da abertura que o Dasein é:

o Dasein é o acontecimento que torna possível a própria relação com isso que se

contrapõe a si. Além disso, é também o ente cuja relação consigo mesmo só se

constitui no meio da relação que estabelece com o demais (p. 196).

Heidegger observa que a relação do homem com seu ser tem cunho de posse: “o ser

deste ente é sempre e cada vez meu” (Jemeinigkeit) (Heidegger, 1927/2006, p.85).

“Dizendo-se a presença, deve-se também pronunciar sempre o pronome pessoal, devido a

seu caráter de ser sempre minha: “eu sou”, “tu és” (Heidegger, 1927/2006, p.86). Para

Marion (1988), este caráter de ser sempre meu do ser do Dasein, não deve ser interpretado

como uma sujeição do ser ao ego: “se o ser é em cada caso meu, é porque Dasein somente

pode chegar ao ser apresentando-se em primeira pessoa, expondo-se à possibilidade da

morte” (p. 176). Heidegger avança na descrição da relação do homem com seu ser e afirma:

“Ser é o que neste ente está sempre em jogo” (p.85). Ou, conforme Blattner (2006): “nosso

ser está em questão para nós” (p.37).

O homem compreende seu ser como sendo seu, entretanto este ser está em jogo, está

em questão; ou seja, é um ser que está sempre por ser feito, por ser realizado, por ser

continuado até que isso não seja mais possível. O fazer, o continuar decorrem numa

temporalidade limitada pela possibilidade certa da morte. Assim, mesmo numa relação de

posse sobre o próprio ser, o Dasein não controla completamente seu ser. Não o controla,

porque é abertura para o ser em geral, quer dizer, revela-se para si mesmo, contudo revela

também aquilo que está além de si mesmo. Safranski (2005) escreve sobre esse modo de ser

humano: “no meio das coisas ele tem ‘jogo’, como a roda tem de ter ‘jogo’ no eixo para

poder mover-se” (p. 359). O estar em jogo do ser humano diz respeito ao que está em aberto,

às possibilidades nas quais o Dasein sempre se projeta: “designamos a estrutura ontológica

92

essencial do “estar em jogo” como o anteceder-a-si-mesmo da presença” (Heidegger,

1927/2006, p. 259). Antecede a si mesmo, porque existe projetado, ou seja, em função de

possibilidades que, como tais, poderão ou não vir a ser concretizadas. É nesta

indeterminação, neste estar em aberto do modo de ser humano que Heidegger situa o “estar

em jogo”. Conforme Safranski (2005), “o pensar do ser é para Heidegger esse movimento

‘de jogo’ de estar aberto para o imensurável horizonte das relações possíveis de ser” (p.

359).

Saúde e doença são modulações da relação do homem com o ser que reconhece

como seu. O ser humano antecede-se “tendo que ser”, já limitado pela finitude que o

constitui. O jogo saúde-doença está em continuar sendo, projetado como possível, porém

sempre “ameaçado” pelo im-possível. Saúde e doença se mostram como fenômenos

possíveis da relação com um ser que se vai perder em algum momento. Lima (2012)

considera que “tudo aquilo que aparece (todo o Da que o ser-o-aí é) constitui como que o

ponto de aplicação da tensão existencial, o ‘tabuleiro’ e as ‘peças’ com que o Dasein [...]

joga a ‘partida’ de si mesmo” (p. 200).

Numa relação de posse para com o próprio ser, posse esta que é o próprio modo de

ser humano, saúde é continuidade ou, parafraseando a máxima biomédica, ausência de fim.

Em outras palavras: o ser é meu, porém não como um objeto qualquer é meu; posso perder o

objeto, constatar a perda e sigo sendo; já o ser que é meu, se o perco, deixo de ser, não posso

constatar que perdi meu ser.

A condição de abertura (aí) para a manifestação do ser dos entes, mostra o ser

humano como responsável por seu próprio ser e, simultaneamente, mostra tudo aquilo que

modaliza a relação do Dasein com seu próprio ser. No ser-aberto que caracteriza o Dasein,

aparecem seu próprio ser e o ser do mundo. Sendo-no-mundo, o ser humano se relaciona

com o seu ser em face de injunções sobre as quais não tem controle. Como observa Nogueira

93

(2007), “o Dasein é livre na plenitude de sua potencialidade de ser e em sua

imprevisibilidade, já que nunca se sabe de antemão todas as atuações (“realizações”) de que

é capaz” (p. 442). O ser humano não escolhe o mundo, ao contrário, é lançado no mundo.

Lançado em relações que, se por um lado, abrem possibilidades, por outro mostram que as

decisões, as escolhas são obrigatórias e que o poder-ser implica poder-não-ser: uma escolha

é o abandono de outra. Assim sendo, o homem terá que dar conta ou ser responsável por ser,

“jogando” conforme as possibilidades nas quais se projete. Blattner (2006) entende que ser

em relação com o próprio ser quer dizer “Eu sou uma vida a ser vivida” (p.36), o que, para o

autor, está vinculado ao conceito heideggeriano de existência: “A presença é um sendo que

em seu ser relaciona-se com esse ser numa compreensão. Com isso indica-se o conceito

formal de existência” (Heidegger, 1927/2006, p.98).

O termo compreensão, para Heidegger, não se restringe à acepção cognitiva

tradicional: “ [...] o conceito de compreender não pode ser manifestamente determinado de

maneira suficiente se eu me orientar aí unicamente por determinados tipos de

comportamento cognoscente [...]” (Heidegger, 2012, p.400). Diz respeito a uma

habilidade/capacidade para ser/fazer isso ou aquilo (Blattner, 2002) ou a um “know-how”

(Dreyfus, 1991). Para Heidegger, (1927/2006) “o que se pode no compreender [...] não é

uma coisa, mas o ser como existir” (p.203). De acordo com Dreyfus (1991), compreender

um martelo não é saber quais são suas propriedades ou para que se usa um martelo:

“compreender um martelo, antes de tudo, significa saber (“knowing how”) martelar” (p.184).

Assim, também o existir é um “know-how” (compreender): “nós somos hábeis em

existir [...]. Além disso, nós somos esta habilidade” (Dreyfus, 1991, p.185). Heidegger,

entretanto, não exclui o aspecto cognitivo da compreensão quando afirma que ela “é a

condição de possibilidade não apenas do comportamento prático, mas também do

conhecimento” (Heidegger, 2012, p.402). Ambos os sentidos parecem estar presentes

94

quando o filósofo apresenta o compreender como “o ser existencial do próprio poder-ser da

presença de tal maneira que, em si mesma, esse ser abre e mostra a quantas anda seu próprio

ser” (Heidegger, 1927/2006, p. 204-5).

Rodríguez (2013) afirma que “é a imediatidade e a regularidade do habitual, o terreno

no qual normalmente aparecem as coisas e nós mesmos com elas” (p. 151). Assim também,

saúde e doença se manifestam nas práticas habituais que revelam “como vai a vida” que se

deve viver de modo livre e imprevisível. Haugeland (2013) observa que “para o dasein, a

cada vez, a situação atual é, inevitavelmente, a primeira situação do resto da sua vida” (p.

35). É nesse contexto de compreensão prática (“know-how”) imediata do próprio ser, cujo

“resto” é antecipado como possibilidade imprevisível, que os fenômenos saúde e doença

adquirem relevância, como condição de continuidade e descontinuidade da autocompreensão

de um ente constituído pela finitude.

Em relação com o próprio ser, o homem sabe a quantas anda seu ser, ou seja,

compreende as modulações pelas quais passa. “Este estar-desvelado-a-si-mesmo pode ter

vários graus, desde a plena transparência até ao atordoamento e à tontura” (Heidegger, citado

em Arenhart, 2004, p. 205). Saúde e doença são formas de compreensão do próprio ser. São

condições que mostram “a quantas anda” seu ser. O homem pode compreender a quantas

anda seu ser em função de diferentes referenciais: saúde, bem-estar, trabalho, família,

felicidade enfim, qualquer possibilidade na qual se projete. O fenômeno da relação com o

próprio ser e, nesta relação, uma atitude para com a própria saúde aparece no pensamento de

Silva (2005), amparado em Foucault:

o lugar da psicologia na saúde situa-se entre dois polos: o de resgatar para o sujeito o

lugar na clínica que este perdeu – o de dizer do que sofre – de onde sai a vertente da

humanização, ou o de coadjuvante nas práticas disciplinares da sociedade de

controle, que faz com que os indivíduos passem a se sentir cada vez mais

95

responsáveis por seu adoecimento e, consequentemente, pela manutenção de sua

saúde (Silva, 2005, p.91).

Silva emprega o termo “sujeito” para se referir ao ser humano, assim como muitos

autores o fazem, dada a prevalência do entendimento do homem como ser-subjetivo na

tradição filosófico-científica e, ainda mais, na psicologia, área historicamente constituída à

luz da concepção de homem como subjetividade interiorizada4. Por outro lado, o que Silva

propõe para o “sujeito” da psicologia da saúde é possível devido à relação que o homem tem

com seu ser: primeiro, “dizer do que sofre”, entendendo a autora que as explicações

fisiológicas do processo saúde-doença privilegiam uma objetividade (corporal) anônima

destituída, portanto, de experiência pessoal, ou seja, daquilo que alguém pode dizer de si

mesmo, na medida em que está em relação consigo mesmo; reiterando que esse “mesmo”

não é uma entidade internalizada, porém o próprio ser-aberto que possibilita a relação

consigo próprio; segundo, sentir-se responsável por sua saúde, o que implica assumir a saúde

como minha saúde que está em jogo no cotidiano.

Entendendo que a dimensão pessoal é prejudicada na abordagem biomédica à saúde,

cuja hierarquia situa o profissional numa posição de “autoridade epistemológica” que

subjuga o ponto de vista leigo, Reis (1999) apresenta o conceito de autonomia funcional-

afetiva, que diz respeito à “capacidade para refletir sobre os seus desejos, sobre as suas

intenções, sobre o que pensa estar a ocorrer consigo própria e, também, em mudar estas

significações ou interpretações e tentar concretizar certas ações” (p. 420). No processo

saúde-doença, a autonomia funcional-afetiva se manifesta, conforme Reis (1999), em

avaliações sobre os próprios sintomas, em interpretações acerca das causas e da evolução de

uma doença ou na decisão de aderir às orientações médicas. Trata-se de um conceito voltado

4 O próprio Heidegger (2012), eventualmente, utiliza “sujeito”: “Quando temos em vista o ter sido apreendido de um ente, compreendemos esse ente necessariamente em uma relação com o sujeito que apreende, com o ser-aí (...)” (p. 167).

96

tanto para cognições, quanto para ações. Neste sentido, a estrutura, proposta por Heidegger

(1927/2006), de compreensão/relação com o seu próprio ser vai ao encontro da ideia de Reis

(1999), para a saúde: relacionando-se com seu próprio ser, o homem pode refletir e agir em

face de questões que lhe afetam. O que Reis quer ressaltar, para a saúde, encontra suporte na

concepção de homem de Heidegger: ser autônomo, nos termos apresentados por Reis, é uma

possibilidade do modo de ser que se relaciona com o seu próprio ser.

A atenção a própria saúde como reveladora de um modo de ser que se relaciona com

seu próprio ser aparece, também, nas palavras de Morales Calatayud (2012), quando observa

que o desenvolvimento do pensamento psicológico na saúde está relacionado a uma visão do

ser humano “não como um hospedeiro passivo dos agentes patogênicos, mas como um

sujeito ativo capaz de construir sua própria saúde, cuidá-la, participar ativamente na sua

recuperação e intervir na sociedade para limitar os riscos e desenvolver ambientes

saudáveis” (p. 102).

Conforme Heidegger (2012, p.401), o Dasein “tem em certa medida seu próprio ser

na mão, à proporção em que se comporta de um modo ou de outro em relação ao seu poder-

ser [...]”. Assumir a responsabilidade pela própria saúde, então, é: partindo da relação com o

próprio ser, comportar-se em função de uma compreensão de saúde e doença, tendo em vista

que a abertura do Dasein revela tudo aquilo que está além do controle próprio. “Em certa

medida”, o homem tem “seu próprio ser na mão” para se conduzir de acordo com

possibilidades de saúde ou doença. Alguém se projeta em possibilidades de doença? Sim,

como observa Fernández (1993) ao abordar comportamentos de risco para a saúde:

São coisas que as pessoas fazem, não são coisas sem relação com a sua vontade.

Normalmente, escolhemos nossa dieta, decidimos se subimos de elevador ou

caminhando, se tomamos sol ou não, se colocamos o cinto de segurança e muitas

outras coisas. As enfermidades são fatos orgânicos, porém dependem da nossa

97

conduta. Definitivamente, não se pode manter e melhorar a saúde sem contar com a

participação ativa das pessoas na tarefa de manter a própria saúde evitando condutas

de risco e realizando condutas saudáveis ou preventivas (p. 124).

O comportamento, então, pode ser de saúde, quando visa proteger, promover ou

manter a saúde ou de risco, que é aquele que, conforme sua frequência e intensidade, conduz

a um aumento do risco de doença ou acidente (Santos, 2008).

Piña (2003) ressalta a ação humana, a fim de estabelecer um contraste entre a saúde

pensada pela medicina e o que entende ser o papel da psicologia: do ponto de vista médico

(clínico-patológico), a saúde é questão de identificar uma sintomatologia – algo

problemático, anormal ou desadaptado – que deve ser “eliminada”; já a psicologia não

deveria atuar para eliminar sintomas, seu objetivo seria dar atenção àquilo que o indivíduo

pode fazer em prol de sua saúde, a partir de sua própria “história interativa” e das opções

ambientais das quais dispõe.

Esse “fazer” proposto pelo autor é associado à situação e às relações de quem faz,

subentendendo que o homem age de acordo com possibilidades que encontra no mundo e

com as quais se identifica. Somente há possibilidades para o ente que se relaciona com seu

ser, para o ente cujo modo de ser é poder-ser. Do contrário, as ações ou o comportamento

não seriam em função de possibilidades, seriam automatizados, predeterminados,

naturalizados. Saúde-doença como algo que deve ser eliminado, é como algo pontual, que

aparece ou não, no indivíduo corpóreo. A referência ao fazer situa o fenômeno no encontro

com os demais entes e nas possibilidades que daí advêm.

Outros autores da psicologia discutem as implicações do comportamento pessoal para

a saúde e dão azo à explicitação de uma concepção de homem compatível com esse debate:

Johnson (2013) argumenta que o crescente reconhecimento do papel do

comportamento na saúde explicitou as limitações do modelo biomédico. A autora observa

98

que um único comportamento, como fumar, está ligado a diferentes doenças (câncer,

cardiopatia, doenças pulmonares), concluindo que um determinado comportamento pode ser

responsável por mais mortes do que uma única doença. Johnson (2013) apresenta dados dos

Estados Unidos informando que os comportamentos são responsáveis por 50 % da condição

de saúde, contra 20% da genética, 20% do ambiente e 10% dos serviços de saúde.

De acordo com Matos (2004), a psicologia pode contribuir para o campo da saúde a

partir do conhecimento a respeito do comportamento como determinante de escolhas

relativas à saúde. O vínculo entre comportamento e escolha é importante, segundo Matos

(2004), uma vez que é quase impossível evitar o confronto com os riscos à saúde. Quer

dizer, o comportamento pessoal, naquilo que ele tem de proativo, permite evitar ou diminuir

o risco à saúde.

Conforme Barletta (2010), incluir o comportamento no estudo da saúde acarreta

retirar o indivíduo de uma posição passiva diante do adoecimento, típica da compreensão

biomédica:

as causas das doenças eram entendidas a partir de mudanças biológicas, advindas de

fatores externos como desequilíbrios químicos ou bactérias ou por fatores internos

involuntários, como predisposição genética. Isto implica em dizer que o homem não

era responsável pelo próprio adoecimento, já que não tinha controle dos fatores que

modificam seu organismo (p. 308).

A autora afirma que o olhar para o “comportamento de saúde” coloca o indivíduo em

situação ativa, não apenas porque se está observando o que ele faz, ou seja, suas iniciativas,

mas também porque o comportamento não é simples movimento mecânico: o

comportamento é constituído por motricidade, cognição, emoção e fisiologia; uma visão

mais ampla do homem, a qual dá respaldo às suas iniciativas.

99

Conforme Volpi (1992), é nesta atividade, que diz respeito aos caminhos do próprio

ser, a este modo de ser no qual “ser” é verbo, que Heidegger localiza a relação do Dasein

com seu próprio ser:

Heidegger quer destacar que essa relação do Dasein com seu próprio ser não é levada

adiante numa [...] introspecção reflexiva e teórica, mas, pelo contrário, numa típica

atitude prático-moral na qual o que está em jogo é o ser mesmo do Dasein e na qual

se deve chegar a uma decisão a respeito desse ser e suportar, queira-se ou não, o peso

dessa decisão (p. 107).

Comportamento, quando mencionado como uma contribuição da psicologia para a

questão da saúde, não está sendo considerado, neste tese, associadamente à perspectiva

comportamental na psicologia. Como concepção de homem, “posturas comportamentais [...]

são próprias [...] do ente que nós mesmos somos, do ser-aí humano” (Heidegger, 2012,

p.29). Barletta (2010) observa que considerar o comportamento na saúde é, também, chamar

a atenção para a relação do homem com o ambiente.

Vincular o ambiente ao entendimento da saúde, remete a uma concepção de homem

que leve em consideração o tipo de relação que o ser humano tem com aquilo que está além

do seu próprio corpo, embora a simples indicação de relações com o ambiente não dê conta

do que Heidegger descreve como ser-no-mundo. Entretanto, como concepção de homem

subjacente à discussão sobre saúde, mostra que, em oposição a ideia de saúde como um

processo biológico interno, é necessário ampliar o alcance do fenômeno, porque o modo de

ser do homem também vai além da individualidade corporal internalizada. Em outras

palavras: a saúde precisa abranger o ambiente, porque o ser humano é-no-mundo. O

comportamento humano é mundano, ou seja, o sentido do comportamento são as relações

contextuais que cada um estabelece, sob a condição de ser-no-mundo. Comportamento é

uma maneira, ainda que restrita a uma perspectiva psicológica, de entender “o empenho

100

ocupacional no mundo imediato das obras” que Heidegger (1927/2006, p.120) refere, a fim

de “tornar visível” o mundo. Quando Heidegger (1927/2006) escreve que “O instrumento

sempre corresponde a seu caráter instrumental a partir da pertinência a outros instrumentos:

instrumento para escrever, pena, tinta, papel, suporte, mesa, lâmpada, móvel, janela, portas,

quarto” (p. 116-117), deixa claro que é o comportamento humano, orientado para

possibilidades de ser, que fundamenta a instrumentalidade mundana, visto que “As posturas

comportamentais possuem a estrutura do dirigir-se-para, do ser-dirigido-para” (Heidegger,

2012, p. 89). Isto é, comportando-se, o ser humano visa uma possibilidade do seu próprio

ser, para cuja realização os entes que vêm ao encontro se mostram como instrumentos.

No exemplo do martelo, cujo martelar (comportamento) visa uma obra “em virtude

de” uma possibilidade do ser do Dasein, Heidegger (1927/2006) mostra que a relação do ser

humano com o próprio ser não é interiorizada, ao contrário, ocorre no mundo: “ ‘Em virtude

de’, porém, sempre diz respeito ao ser da presença, uma vez que, sendo, está essencialmente

em jogo seu próprio ser” (p. 134-135). Em outras palavras, conforme Richardson (2003):

a destinação imediata do martelo é o martelar, a do martelar é o prego, a do prego é

construir uma casa. Mas o processo não continua indefinidamente. A casa é destinada

ao ser-aí. [...] o ser dos instrumentos é ser-destinado a um outro [instrumento], porém

o ser do ser-aí é estar preocupado com seu próprio ser e não pode, portanto, ser

destinado para além de si mesmo (p. 55).

Considerar, então, o comportamento em questões de saúde é dar margem a uma

concepção de homem cujo modo de ser é relação com seu próprio ser, já projetado em

possibilidades mundanas. A relação do homem com seu próprio ser não é do tipo

autorrelação ou egocentricidade, ela ocorre no aí (abertura para os entes que ele mesmo não

é) do ser-aí.

101

Dando sequência aos posicionamentos a respeito do papel do comportamento pessoal

na saúde, lê-se em Ribeiro (1989):

é cada vez mais notória a preocupação do cidadão com a saúde e com a qualidade de

vida associada a ela, levando-o a implementar inúmeros comportamentos que,

segundo crê, melhoram a saúde. A corrida e o exercício físico, a diminuição do

consumo de açúcar e sal, a diminuição do consumo de alimentos com altos teores de

gordura, etc. são parte dessa preocupação (p. 20).

Paulino e Lopes (2010) deixam clara uma posição de que o estudo do comportamento

de risco visa uma ampliação da concepção de saúde, quando afirmam que os critérios

biomédicos não devem ter exclusividade na compreensão do comportamento de risco;

variáveis sociais e psicológicas também estão envolvidas no fenômeno. Santos (2008) segue

pelo mesmo caminho, quando observa que estudos em morbilidade e mortalidade em

adolescentes indicam o deslocamento das causas biológicas para as sociais, de modo que o

comportamento, como possibilitador de risco para a saúde, adquire relevância como

fenômeno para estudo.

Portanto, os trabalhos citados acima apontam para traços do fenômeno saúde que, do

ponto de vista psicológico, extrapolam a biomedicina tradicional. Quando mencionam a

manifestação do próprio sofrimento, a assunção de responsabilidade pela própria saúde e a

presença de riscos relativos ao próprio comportamento voluntário, estão ampliando o

entendimento de saúde com base em características do modo de ser humano que, embora não

sejam explicitados como tais, são necessários para a discussão que estabelecem. Nesse

momento, está-se visando a relação com o próprio ser que é típica do modo de ser humano,

conforme Heidegger (1927/2006). Em relação compreensiva com seu ser, o Dasein se

projeta em possibilidades que lhe dizem respeito e descarta outras, ou seja, decide em função

do seu poder-ser.

102

Crowell (2001) escreve que o fenômeno da consciência, em Heidegger, permite ao

Dasein ser “soberano” (sovereign) sobre si mesmo e agir em função do que é melhor (ainda

que o julgamento do que é melhor possa estar equivocado). Esta soberania sobre si, para

Crowell (2001), instaura uma prática crítica na existência de um ente (Dasein) para quem “o

que deveria ser” faz sentido. Em termos de saúde, esta soberania sobre si mesmo aparece nos

dizeres de Sade (1995):

Como os valores pessoais, expressos em comportamentos e escolhas no estilo de

vida, são realmente determinantes, em grande medida, de condições saudáveis e não

saudáveis, as pessoas são, pelo menos parcialmente, responsáveis pela produção da

sua própria saúde (p. 523).

Entende-se que esta concepção de ser humano embasa as posições psicológicas

quanto a saúde, naquilo que elas se diferenciam do pensamento biomédico. O homem é em

relação com seu ser, compreendendo o ser como “meu”. Tem uma vida para viver ou uma

existência para ser, em função de seu próprio ser, que já está–no-mundo projetado no

possível, colocado “em jogo”. As possibilidades que elege e as que descarta constituem seu

ser, assim como as consequências que advêm. Somente em relação compreensiva consigo

próprio, um ente pode escolher, decidir suas ações e posicionar-se no jogo do ser-no-mundo.

Relacionar-se com seu ser é possível para o ente cujo modo de ser é abertura para o ser, logo

encontra a si mesmo.

Comportamentos de saúde ou de risco são possíveis, pois o mundo, como rede de

possibilidades que se mostra na abertura, está além do controle do Dasein. Pensando acerca

da própria teorização proposta, compreender uma possibilidade como sendo de risco,

significa perceber o próprio ser ameaçado; há uma relação com o próprio ser, portanto.

Quando se toma o processo saúde–doença como um fenômeno biológico, a relação com o

próprio ser é perdida. Comportamentos de risco não são possíveis para entes puramente

103

biológicos. No plano biológico, a dimensão do poder-ser, como escolha possível que é feita

na relação com o próprio ser, não aparece. Binswanger (1975) sustenta que a ênfase do olhar

no aspecto orgânico do homem é derivada da visão científico-natural, a qual reduz o homem

à sua “existência corpórea”, visando-o, desse modo, como um objeto, destituído da relação

com seu próprio ser. Para o autor, esta abordagem ignora “o Dasein que é organismo apenas

como meu, teu ou dele e que, em nenhuma circunstância, é, pura e simplesmente, organismo

e corpo como tais” (Binswanger, 1975, p. 215).

É interessante observar que Almeida e Malagris (2011) são explícitos quanto a

relação consigo mesmo, quando descrevem a atuação em psicologia da saúde. As autoras

afirmam: “seu interesse está na forma como o sujeito vive e experimenta o seu estado de

saúde ou de doença, na sua relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo”

(Almeida & Malagris, 2011, p. 184). E seguem acrescentando que um objetivo da psicologia

da saúde é que as pessoas incluam no seu projeto de vida atitudes e comportamentos

direcionados a promover saúde e a prevenir doença. Uma formulação muito próxima da

concepção existencial do homem, proposta por Heidegger (1927/2006): o ser humano se

relaciona com seu ser sendo-no-mundo-com-os-outros. Atitudes e comportamentos somente

são possíveis, porque o mundo é um contexto de possibilidades nas quais o homem se

projeta.

A partir da consideração dos efeitos do comportamento na saúde, foi apresentado o

conceito de estilo de vida. Lalonde (1974), em seu clássico relatório elaborado enquanto era

Ministro da Saúde do Canadá, define estilo de vida como: “conjunto de decisões dos

indivíduos que afetam sua saúde e sobre as quais eles têm um certo controle” (p. 32).

Segundo Lalonde (1974), decisões pessoais e hábitos podem ser prejudiciais à saúde, criando

riscos para a própria pessoa. Se esses riscos acarretam doença ou morte, o estilo de vida está

implicado nestas consequências. O Relatório Lalonde foi elaborado com base em estudos

104

que sustentam que a melhora na condição de saúde é, antes de avanços da ciência médica,

consequência de mudanças no estilo de vida e no ambiente e que a cura de doenças, por

meio dos serviços de assistência à saúde, atingiu um limite acima do qual o modelo

tradicional de assistência não oferece melhora de saúde (McKay, 2000).

São vários os trabalhos de psicologia que destacam o conceito de estilo de vida para a

discussão do problema da saúde, e Lalonde (1974) é uma referência das mais citadas nesses

trabalhos; por exemplo: Barbosa e Mendes (2005); Morales Calatayud (1997); Capitão,

Scortegagna e Batista (2005); Costa e Bernardes (2012); Ferreira Neto, Kind, Barros,

Azevedo e Abrantes (2009); Matos (2004); Medeiros, Bernardes e Guareschi (2005); Ribeiro

(1994, 2004); Sebastiani e Maia (2005, 2006) e Weiss (1982). A observação do estilo de

vida também está presente nos trabalhos de Alves et al. (2011), Barletta (2010); Calvetti,

Fighera, Muller e Poli (2006); Dela Coleta (2010); Dias, Duque, Silva e Durá (2004), Lyons

e Chamberlain (2005); Matos e Albuquerque (2006); Mejias (1984); Soares, Pereira e

Canavarro (2014), Thirlaway e Upton (2009) e Traverso-Yepez (2001).

Lyons e Chamberlain (2005) entendem que doenças crônicas, típicas dos tempos

atuais, como cardiopatia e diabetes são multideterminadas, podendo ser consideradas

“doenças do estilo de vida”, uma vez que comportamentos cotidianos relativos a dieta,

exercício e fumo geram risco de desenvolvimento dessas doenças. As autoras definem estilo

de vida como “as maneiras como um indivíduo vive sua vida, incluindo comportamentos

específicos que pratica” (Lyons & Chamberlain, 2005, p. 71). Para as autoras, o modelo

biomédico não é suficiente para o tratamento desse tipo de doença. De acordo com Weiss

(1982), a pluridimensionalidade relativa às doenças crônicas não pode ser entendida a partir

da unidimensionalidade que permitiu entender as doenças infecciosas. Weiss (1982) escreve

que os padrões da vida diária – o estilo de vida urbano-ocidental - podem contribuir para a

definição de probabilidades de saúde ou doença.

105

Vasconcelos e Coêlho (2014) consideram que o modelo biomédico ignora a

influência do estilo de vida no processo saúde-doença. Carroll (1992) entende que diante de

doenças vinculadas ao modo de vida contemporâneo “isolar doença e tratamento como

temas exclusivos da atenção médica e biológica é equivocar-se quanto à natureza de muitas

enfermidades contemporâneas” (p. 2). Thirlaway e Upton (2009) também observam que o

processo saúde-doença não se reduz a processos biológicos: escolhas individuais e

responsabilidade pessoal estão implicadas na saúde e constituem o estilo de vida. Os autores

afirmam que a atenção ao estilo de vida visa o futuro: manter a saúde e prevenir a doença.

Morales Calatayud (1997) alerta para a “interpretação biomedicalizada” do estilo de vida, na

qual os comportamentos são tomados como independentes de seu contexto, isolados “do

sistema macro-sócio-cultural que sustenta e dá sentido a esses padrões de conduta” (p. 105).

Segundo o autor, essa interpretação superdimensiona o poder e a responsabilidade do

indivíduo na modificação voluntária de seus hábitos e ignora o papel da sociedade no

comportamento humano.

Quando se afirma que o estilo de vida faz parte do fenômeno saúde, está-se dando

atenção a uma faceta do modo de ser humano que permanece encoberta numa abordagem

prioritariamente biológica da saúde. Para que haja um estilo de vida é necessário que o

próprio modo de ser possibilite ser de um jeito ou de outro. Se é possível ser de um jeito ou

de outro, o mundo já deve estar presente nesse modo de ser, como um horizonte de

possibilidades que se mostram nos modos em que o homem se relaciona com as coisas

(DeLancey, 2006). Estilo de vida é um conceito que necessita, ainda que de modo não

temático, de uma compreensão do ser humano como sendo-possível-num-mundo:

Dasein é confrontado com possibilidades e é da sua própria natureza estar consciente

dessas possibilidades em algum sentido, realizar algumas delas e rejeitar outras.

106

Entretanto, isto não é, apenas, um modo de escolher entre opções, mas sim a

constituição mesma do Dasein (DeLancey, 2006, p. 362).

Projetar-se em possibilidades e, nessa projeção ou antecipação de si mesmo, fazer

escolhas que venham a se tornar típicas, é possível porque o ser humano já está no mundo,

tendo que ser o seu próprio ser num contexto de possibilidades. Portanto, desenvolver um

estilo de vida envolve uma relação com o próprio ser na forma de escolhas em face de um

contexto, até certo ponto já consolidado, de possibilidades. Ter um estilo de vida, ser de uma

maneira típica, é encontrar um modo meu de relação com meu próprio ser, é compreender o

próprio ser de uma determinada maneira. Maneira esta que se viabiliza sendo-no-mundo, nas

relações com os demais entes que se mostram na abertura do Dasein.

Considerando a articulação da Analítica Existencial, é oportuno observar que

identificar um estilo é observar diferenças. Um estilo de vida somente se torna patente numa

sociedade, num ambiente plural no qual diversas pessoas exercem diferentes possibilidades

de ser. Isto quer dizer que o ser-com heideggeriano é uma condição para que se observe

estilos de vida. Vattimo (1971/1987) sintetiza o pensamento elaborado até aqui: “o ser do

homem consiste em estar referido a possibilidades; mas concretamente este referir-se efetua-

se não num colóquio abstrato consigo mesmo, mas como existir concretamente num mundo

de coisas e de outras pessoas” (p. 26). Guimarães e Silva (2015) fazem uma observação que

mostra como o afastamento da visão biomédica favorece a revisão do que seja a sociedade:

os autores aventam que a abordagem histórica e social para ao processo saúde-doença dá

relevância ao grupo em sua dimensão social e não por seu número de “entes biológicos

justapostos” (p. 918). Isto é, o social não se dá por adição: o modo de ser do homem é social,

como o próprio Heidegger ressaltou ao situar o “Dasein social-histórico e individual” no

contexto da psicoterapia (Heidegger, 1987/2001, p. 151). Entenda-se: ainda que

individualizado, o ser humano é social.

107

Por contraditório que pareça, discutir a saúde apontando a relevância do estilo de

vida é retirar o debate da esfera material(biológica)-individual e colocá-lo no plano social-

contextual. Apesar de poder sugerir um olhar individualizante, o conceito de estilo de vida,

tomado desde a analítica de Heidegger, requer atenção ao mundo e aos outros. Traverso-

Yepez (2001) se aproxima dessa ideia quando escreve que

Sofrimento e doença não se reduzem a uma evidência orgânica, natural, objetiva, mas

estão intimamente relacionados com as características de cada contexto sociocultural.

Existe toda uma ordem de significações culturais socialmente construídas, que

influenciam o uso que cada indivíduo faz do seu corpo, bem como as formas pelas

quais cada pessoa experimenta os seus estados de saúde e doença, a expressão dos

sintomas, assim como os hábitos e estilos de vida (p.52).

A autora afirma a insuficiência da abordagem tradicional (“orgânica...”) à saúde e à

doença, observando, na forma de acréscimo, o papel da sociedade e da cultura na experiência

pessoal de saúde e doença e no estilo de vida. Por conseguinte, aquilo que diz respeito à

relação do “indivíduo” consigo mesmo (“uso do seu corpo”, “experimenta estados de saúde

e doença” e estilo de vida) está vinculado ao mundo e ao ser-com; de modo que esta relação,

aqui entendida como relação com o próprio ser, ocorre como ser-no-mundo. É já-no-mundo-

com-os-outros-e-junto-às-coisas que o “indivíduo” está aberto às possibilidades que lhe

ensejam desenvolver sua experiência de saúde e doença, seu uso do corpo, seu estilo de vida.

Sem a presença do mundo como contexto de possibilidades, não haveria os encontros com os

demais entes, que permitem apropriações “individuais”.

Um estilo de vida, portanto, não se desenvolve por si mesmo, “do nada”; é uma

apropriação individual ou grupal de práticas socialmente compartilhadas que são anteriores a

apropriação. Já há um mundo de práticas instrumentais e sociais no qual o ser humano

108

encontra a si mesmo pela primeira vez. Ou seja, quando o homem age de uma determinada

maneira, o faz já em relação a modos de ação que lhe são anteriores.

Do ponto de vista da Analítica Existencial, o Dasein é lançado no mundo, ou seja,

não foi levado por si mesmo ao ser. Sendo-lançado, já encontra tradições socializadas ou

contextos consolidados aos quais remete o que Heidegger chama de facticidade: já sempre

encontrar-se vinculado a outros entes.

O conceito de facticidade abriga em si o ser-no-mundo de um ente ‘intramundano’,

de maneira que este ente possa ser compreendido como algo que, em seu ‘destino’,

está ligado ao dos entes que lhe vêm ao encontro dentro de seu próprio mundo

(Heidegger, 1927/2006, p. 102).

Quer dizer, o Dasein está destinado à relação com os demais entes, uma vez que é

abertura para o ser. O Da (aí) de seu próprio modo de ser já o situa em relações às quais não

pode se sobrepor e a partir das quais se projeta em possibilidades.

Contini (2000), por exemplo, afirma que

fatores relacionados ao modo de vida dos homens estarão atuando de forma direta

nas reais possibilidades de vida saudáveis ou não. Com isso, a concepção de saúde é

ampliada para além dos limites da ausência de doença e está ligada aos vários

aspectos que estão presentes na vida do homem como moradia, educação, lazer,

trabalho, etc. Será o equilíbrio desses componentes da vida diária que irá formar o

grande mosaico da saúde humana (p.47).

O ser humano existe lançado num determinado modo de vida; ocupa-se com um

determinado cotidiano já consolidado, no qual é lançado. Um cotidiano de “moradia,

educação, lazer, trabalho”. Não se trata, contudo, de um modo de vida único e universal:

sempre há um modo de vida, sempre há entes que vêm ao encontro, todavia o ser-possível do

homem deixa aberto o como de sua realização. Pode-se pensar que a facticidade é um ponto

109

de partida ao qual o caminho subsequente sempre se refere. O homem nunca compreende a

si mesmo fora de uma situação história e cultural, pois a compreensão já é obra de um

posicionamento fáctico no qual o ser humano já sempre se encontra, sem que possa dele se

apropriar desde a origem, visto que nele foi lançado. Desse modo, já se encontra sendo de

uma determinada maneira: “Com a facticidade, o ser-no-mundo da presença já se dispersou

ou até mesmo se fragmentou em determinados modos de ser-em” (Heidegger, 1927/2006, p.

102).

Outro ponto que permite aproximar as reflexões sobre estilo de vida na saúde e a

concepção heideggeriana de ser humano, é que para que alguém se identifique com algumas

possibilidades e rejeite outras é preciso “encontrar-se numa situação na qual coisas e opções

já fazem diferença” (Dreyfus, 1991, p. 168). Esta descrição se refere ao que Heidegger

(1927/2006) chama de disposição afetiva. O ser humano não existe numa postura neutra

diante do mundo. O homem está envolvido no mundo, interessado (ou desinteressado) pelos

demais entes que encontra, ou seja, o ser humano é “determinado previamente em sua

existência, de modo a poder ser tocado [...] pelo que vem ao encontro dentro do mundo. Esse

ser tocado funda-se na disposição [...]” (Heidegger, 1927/2006, p. 196). Desinteresse e

indiferença são modos possíveis de ser tocado pelos demais entes.

Se o ser humano não se vinculasse afetivamente ao mundo, quer dizer, se não fosse

disposto-no-mundo, “tocável”, não poderia, por exemplo, eleger prioridades para sua vida,

pois tudo que há no mundo se mostraria como sendo igual, não importando nem mais nem

menos. A diferenciação entre o que interessa, atrai, importa ou não é possível em função da

disposição afetiva. Comportamentos de saúde ou de risco, que venham a configurar um

estilo de vida, são realizados na medida em que as pessoas são afetadas por uma ou outra

alternativa, um ou outro projeto. Não se trata de uma afetividade interiorizada, intrapsíquica:

“Na disposição subsiste existencialmente um liame de abertura com o mundo, a partir do

110

qual algo que toca pode vir ao encontro” (Heidegger, 1927/2006, p. 197, itálicos no

original). O que vem ao encontro, então, já se mostra numa tonalidade afetiva e, assim,

“torna possível um direcionar-se para...” (Heidegger, 1927/2006, p. 196, itálicos no

original).

111

7. Considerações Finais

O objetivo desta tese foi investigar a possibilidade de que o Dasein heideggeriano

seja uma concepção de ser humano compatível com a que permanece subjacente à discussão

sobre saúde desenvolvida em trabalhos de psicologia. Para isso, partiu-se da premissa de que

as características de um fenômeno humano necessariamente subentendem características do

ser humano. Tendo em vista a orientação heideggeriana do estudo, entende-se que um

fenômeno humano é uma possibilidade de manifestação do modo de ser do homem, logo a

descrição do fenômeno levará em conta, ainda que implicitamente, uma visão de homem.

Foram consultadas publicações de psicologia na área da saúde e selecionadas aquelas

que oferecem subsídios para que se pense numa visão de homem. Esses subsídios foram

encontrados, principalmente, em trabalhos nos quais consta oposição ao modelo biomédico.

Em algumas dessas publicações, a referência ao pensamento de Descartes como sendo a

fonte intelectual da biomedicina reforçou a aproximação com a Analítica do Dasein, tendo

em vista o contraste que Heidegger (1927/2006) estabelece entre sua visão de homem-

mundo e a de Descartes.

Duas grandes reivindicações estão presentes nos trabalhos de psicologia que

apresentam reflexões críticas sobre saúde: deve-se considerar o papel do comportamento

individual na própria saúde e deve-se dar atenção aos aspectos contextuais da vida humana.

Em geral, ambas observações se colocam como contraponto ao modelo biomédico da saúde,

entendido como sendo reducionista, porque restringe o fenômeno ao funcionamento

corporal.

Se a saúde humana é concebida como bom funcionamento do corpo, ela está limitada

ao nível biológico do homem, o qual é compartilhado com todos os entes biológicos, de

modo que a saúde humana pode ser concebida do mesmo modo que a saúde de um vegetal,

quer dizer, no plano biológico trata-se, em ambos os casos, do bom funcionamento do corpo.

112

E mais: se a saúde humana é situada no corpo, o contexto não faz parte do fenômeno, a

saúde não seria um fenômeno contextual.

O que as publicações de psicologia citadas requerem para a saúde está além da

concepção individualizada/interiorizada/materialista de homem. A inclusão do

comportamento pessoal, vinculado ao conceito de estilo de vida, e dos aspectos contextuais

no entendimento da saúde demanda uma visão de homem que explicite autonomia no agir

em função de objetivos pessoais e unidade homem-mundo. Há aqui um paralelo entre a

reflexão que os trabalhos revisados fazem a respeito de saúde e a que Heidegger propõe em

sua Analítica Existencial: a crítica psicológica que é feita à tradição biomédica na saúde é de

que o fenômeno é reduzido ao nível da individualidade biológica autossuficiente, ou seja, se

manifesta no corpo de um indivíduo que é independente de quaisquer contextos. Já

Heidegger, que revê a metafísica ocidental, chega ao ponto de renomear o ser humano como

Dasein, tendo em vista a necessidade de mostrar a unidade homem-mundo como ser-no-

mundo, unidade esta possível devido à abertura que caracteriza o Dasein. Abertura que o

vincula irrevogavelmente, impossibilitando a autossuficiência do Eu, estendendo, assim, o

alcance do ser humano para aquilo ao qual se vincula e permitindo que se conceba

fenômenos humanos também vinculados ao que está no mundo, ou seja, o que se mostra na

abertura. Nesse sentido, enquanto a reflexão crítica da psicologia requisita o contexto para a

saúde, Heidegger requisita o mundo para o ser humano.

No que concerne ao papel do comportamento na saúde, uma ideia leva a outra: por

que o contexto é importante? Porque o contexto é dinâmico, variável, incontrolável exigindo

diferentes comportamentos e oferecendo diferentes possibilidades ao homem. Só há sentido

na consideração de contextos, se se entende que o comportamento é relativo à diversidade

contextual, se se entende que o direcionamento da vida humana e suas consequências (saúde

e doença, inclusive) não podem ser desvinculados do que está além do corpo. Se o

113

comportamento – e o estilo de vida – fosse sempre igual em qualquer contexto, não haveria

porque incluí-lo no pensamento sobre saúde. A variabilidade contextual, entendida como

manifestação do que Heidegger chama de mundo, implica em possibilidades para ser de um

jeito ou de outro, incluindo possibilidades de saúde ou doença oriundas, direta ou

indiretamente, de ações ou reações humanas que, por sua vez, somente podem acontecer no

mundo.

A influência do comportamento na saúde é relativa à possibilidade de escolhas,

relativa a um âmbito de liberdade que se mostra no mundo, tais características estão

presentes no Dasein heideggeriano. Por outro lado, entes puramente biológicos não as

apresentam. Os comportamentos face a contextos e sua elaboração num estilo de vida

passam pela relação que o ser humano tem com seu próprio ser: decisões, escolhas,

iniciativas ou reações são relativas a possibilidades que se apresentam contextualmente, quer

dizer, no mundo. Uma compreensão de si mesmo, um nível de relação consigo próprio é

necessário para que se aja de uma maneira e não de outra. Essa relação, por sua vez, não é

interiorizada, é mundana, diz respeito àquilo que se faz em virtude do seu próprio ser.

Conforme a visão dos autores da psicologia referidos, a qualidade desta ação se reflete na

saúde, ou seja, a saúde também é decorrente dos direcionamentos da vida humana. Do ponto

de vista de uma concepção de homem, trata-se de um ente que se projeta em possibilidades

de ser, as quais encontra sendo-no-mundo em relação com os entes que vêm ao encontro

(Heidegger, 1927/2006).

Em relação à seleção bibliográfica realizada, observou-se que a tendência é a não

adoção do viés mentalista/cognitivo associado à história da psicologia. É verdade que o

comportamento é bastante valorizado, o que poderia indicar uma orientação

comportamentalista, entretanto o jargão comportamental não é predominante. Não foi

objetivo desta tese identificar a filiação teórica dos autores considerados, tratou-se apenas de

114

perceber “aonde” os autores situam os constituintes da saúde ou aqueles que entendem

negligenciados. Desse modo, a ênfase é em aspectos que envolvem ação e interação.

Considera-se que ação envolve o homem e um instrumento qualquer, na saúde, por exemplo,

uma pessoa que fuma um cigarro. Interação implica reciprocidade, abrange a sociedade, por

exemplo, contexto social ou cultura.

Talvez, pensando de um ponto de vista heideggeriano, não se possa separar

totalmente ação de interação, contudo essa observação visa destacar a prevalência de um

ponto de vista prático na concepção dos trabalhos acerca de saúde selecionados, em oposição

ao que seria uma abordagem passiva, a biomedicina. Esse ponto de vista vai ao encontro da

proposta existencial de Heidegger que visa o ser do homem em sua autocompreensão como

ocupação com instrumentos e preocupação com os outros. A adoção de um enfoque mais

prático na concepção de saúde, sugere uma visão de homem que se aproxima do Dasein

heideggeriano. Um modo de ser que se distingue não pela capacidade cognitiva ou pela

racionalidade, não por ser substância diferenciada de outras, mas sim pela maneira como se

relaciona com os demais entes. Segundo Guignon (2012), o Dasein implica que quem e o

quê nós somos está nas ações contextualizadas que realizamos no cotidiano. O autor afirma

que Heidegger suspende a suposição usual de que o homem seria uma espécie de organismo

e propõe o movimento em virtude de seu próprio ser como o traço fundamental.

Sendo assim, o Dasein, como concepção de ser humano, abriga características

adequadas para a revisão a respeito da saúde proposta nas publicações de psicologia. Para

que a saúde, como fenômeno humano, possa abranger contexto, comportamento e estilo de

vida, uma visão de homem análoga deve estar presente. O Dasein, como ser-no-mundo-em-

relação-com-seu-próprio-ser, sustenta “antropologicamente” uma discussão não-biomédica

de saúde.

115

Borges-Duarte (2010) salienta a distinção que Heidegger faz entre o ser do homem –

as estruturas existenciais do Dasein – e a sua “entidade”, que é um “composto psicofísico”.

Então, tendo por base os trabalhos de psicologia revisados, a biomedicina visa a saúde do

homem como um ente (físico, saúde no plano biológico), ao passo que as publicações de

psicologia dão atenção a traços do ser, ou seja, manifestações que não estão localizadas no

corpo, quer dizer, transcendem a entidade psicofísica. O que os autores postulam para a

saúde são peculiaridades que diferenciam a entidade humana de outras que também

apresentam um corpo. Conforme afirmado anteriormente, entende-se que o corpo faz parte

do modo de ser humano. No entanto, não se trata de um corpo genérico, físico-natural (res

extensa): é corpo com o qual se está em relação (“meu”) e com o qual se expressam

diferentes relações com outros entes, relações estas que constituem o mundo.

O olhar das publicações de psicologia sobre saúde selecionadas está de acordo com

uma concepção de ser humano, naquilo que ela se diferencia de uma concepção materialista

de ente humano. Ao discutir uma abordagem ampliada à saúde, os autores psicólogos

colocam em questão constituintes do fenômeno (comportamento, estilo de vida, contexto)

que correspondem a manifestações do modo de ser humano descritas por Heidegger (relação

com seu próprio ser, ser-no-mundo), em oposição ao entendimento do homem como um ente

material; note-se que o ente material, quando é pensado em termos de saúde, é concebido

como um objeto biológico.

O alcance que os psicólogos citados pretendem para a saúde requer uma visão de

homem que acompanhe a amplitude do fenômeno; ou uma concepção de ser humano que

possibilite incluir no fenômeno, aquilo que a tradição (biomédica) exclui. O que é proposto

para ampliar a compreensão da saúde vai ao encontro de aspectos da proposta de Heidegger

para o modo de ser humano. As publicações selecionadas rejeitam a saúde como um

fenômeno corporal-biológico, argumentando tratar-se de reducionismo, e Heidegger

116

desenvolve um trabalho voltado para o ser do homem, a fim de distinguí-lo da

uniformização dos entes em objetos, rejeitando, por sua vez, a concepção de homem como

ente constituído por diferentes substâncias:

Quando, porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo

como soma dos momentos de ser, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda

devem ser determinados em seu ser. [...] dever-se-ia pressupor uma ideia do ser da

totalidade (Heidegger, 1927/2006, p. 92-93).

A totalidade a qual Heidegger se refere extrapola o corpo, assim como o

entendimento de saúde reclamado pelos trabalhos de psicologia revisados. Para Heidegger, a

concepção de homem como sendo objetividade (corpo) e subjetividade (alma, espírito) em

forma de substâncias não dá conta do que ele entende por totalidade, ou seja, algo fica de

fora do ser humano. De modo semelhante, no que diz respeito à saúde, do ponto de vista das

publicações de psicologia, o foco biomédico no corpo deixa incompleta a compreensão do

fenômeno. O entendimento de saúde proposto nos trabalhos de psicologia sugere a totalidade

do ser humano, conforme Heidegger, e não a parcialidade da localização corporal.

A fim de elaborar a compreensão (ampliada) desejada é preciso integrar à saúde

especificidades que correspondem a estruturas do modo de ser do homem, no sentido do

Dasein. É como se os autores psicólogos levassem a cabo a recomendação de Heidegger para

redirecionar o olhar: visar o ser, não o ente (Heidegger, 2012). Isto é, problematizar o

fenômeno saúde tomando como referência manifestações que não se confundem com a

simples presença corpórea. Se é a presença corpórea (capacitada pela racionalidade) que

define o homem (“animal racional”), a saúde é relativa ao funcionamento do corpo; se é o

modo de acontecer que o define, as características da vida humana cotidiana, então a saúde

acompanha as expressões humanas e não se limita à entidade material. Essa última é a

posição que se coaduna com as reflexões dos autores citados, de maneira que subentende-se

117

uma visão de homem que permite ao fenômeno saúde mostrar-se como preconizam as

publicações mencionadas.

Concebendo-se o homem como Dasein, logo ser-no-mundo e relação com seu

próprio ser, estão dadas as condições para que a saúde seja compreendida como um

fenômeno relativo a contextos, comportamento e estilo de vida. O Dasein está vinculado aos

demais entes na forma de relações ativas. Somente pode encontrá-los e agir porque está-no-

mundo, o mundo é a rede de relações que faz parte do modo de ser humano. O modo como o

homem se relaciona com os demais entes, o que faz ou deixa de fazer, é possibilitado por sua

relação com seu próprio ser. É em virtude de seu próprio ser que o homem se direciona nessa

rede de relações. O direcionamento é possível, porquanto o ser humano se dispõe

afetivamente sendo “tocado” por determinados modos de ser, além disso o direcionamento é

obrigatório, pois é impossível realizar todas as possibilidades de ser que o mundo enseja (a

im-possibilidade – morte – constitui o ser humano). Conclui-se que o Dasein heideggeriano

é uma concepção de homem compatível com a discussão a respeito de saúde desenvolvida

nas publicações revisadas nesta tese.

Com esta conclusão não se pretende afirmar ou impor qualquer vínculo teórico entre

os autores revisados e a Analítica do Dasein. Os autores refletem acerca da saúde e a tese

estabelece a aproximação entre suas reflexões e a concepção de ser humano como Dasein. A

discussão acerca de um fenômeno humano qualquer deverá tocar em pontos relacionados a

modos de compreender o homem. A posição de um autor a respeito de um fenômeno

humano pode estar próxima de diferentes visões de ser humano, sem que isso implique, por

parte do autor, um comprometimento intelectual generalizado com qualquer dessas

concepções.

É provável que o estudo de ideias acerca de um único fenômeno não seja suficiente

para explicitar uma concepção abrangente de homem. “Provável”, porque não há como

118

precisar a abrangência de uma visão de ser humano. Qual é a totalidade do homem? O que

significa pensar em totalidade relativamente ao ser humano? Heidegger (1927/2006) propôs

a totalidade do Dasein tendo em vista o tempo: do ser-lançado à im-possibilidade. A questão,

contudo, tem sido visada desde muitos pontos de vista, tipicamente polarizados como:

natural-social, biologismo-historicismo, individualidade-sociedade, racionalidade-

emocionalidade, corpo-mente, natureza humana-nenhuma natureza humana, visão laica-

visão teológica (Bock, 1997; Morin, 1975; Ruiz, 2012; Vilaça, 2013). Scheler (1976/2008)

sintetiza as visões de ser humano em três “antropologias”: teológica, filosófica e científico-

natural.

A posição de Shooter (1975/2012) parece adequada diante de um quadro teórico tão

variado: o homem é o animal que define a si mesmo. Mas, ao deixar de lado as definições e

optar pelo ato de definir, o autor escreve que este ato é praticado por um “animal” e assim,

supostamente de modo involuntário, o define. Ou seja, ao explicitar uma concepção de

homem que objetiva valorizar o que é tipicamente humano, Shooter, simultaneamente,

desfaz essa valorização “animalizando” o ser humano. Este é um exemplo que justifica a

atenção e a criatividade de Heidegger no vocabulário, a fim de apresentar um novo

pensamento sem empregar termos já consagrados pela tradição. Os próprios termos já devem

expressar a mudança de pensamento, quer dizer, não é repensar o “animal”, é abolí-lo: “Na

ek-sistência a região do homo animalis, da metafisica, é abandonada. O predomínio dessa

região é a [...] base para a cegueira e a arbitrariedade do que se chama de ‘biologismo’”

(Heidegger, 1993, p. 254).

Nessas palavras de Heidegger encontra-se uma (re)visão de ser humano compatível

com a revisão da tradição biomédica na saúde, proposta pelos autores psicólogos citados. O

animal racional está no plano da natureza, diferenciado dos demais animais pela

racionalidade, que lhe confere uma individualidade internalizada autossuficiente. A saúde de

119

um homem assim concebido está na biologia corporal.

Do conjunto de publicações estudadas pode-se afirmar que procuram retirar a saúde

da alçada naturalista-materialista, representada pela ênfase no corpo e nos processos

biofisiológicos. À medida que sociedade, cultura, história, economia e outros contextos

citados vão sendo acrescentados ao entendimento do fenômeno, infere-se uma concepção de

homem que dá suporte ao entendimento de que não é no corpo ou na constituição biológica

que está o típico da saúde humana. O que é preconizado como distintivo da saúde humana,

além do nível biocorporal, são a contextualização e o modo de agir. Agregar ao fenômeno

tais aspectos, propicia que se os compreenda como integrantes do modo de ser do homem.

Sendo assim, a saúde deixa de ser um fenômeno relativo ao homem como indivíduo

corpóreo e torna-se uma manifestação do ser humano, do próprio movimento da existência.

É existindo que o homem desenvolve sociedade, cultura, história e economia. Não é sendo

uma entidade corpórea constituída por processos fisiológicos automáticos. Existência é

relação com seu próprio ser, tendo que sê-lo, já situado e vinculado a entes humanos e não

humanos; situação e vinculação a partir das quais o homem age em função de possibilidades

que implicam escolhas e decisões que repercutem, também, no processo saúde-doença.

Respeitadas as características do conteúdo publicado por psicólogos na área da saúde

(que foi possível revisar), as quais não permitem que se tome toda a produção revisada como

indicadora de uma concepção de homem em sintonia com o Dasein de Heidegger, pode-se

afirmar que quando a publicação apresenta alguma discussão a respeito do que é saúde,

estão presentes afirmações que requerem, para o homem a quem o fenômeno diz respeito,

qualidades apresentadas por Heidegger em sua Analítica Existencial.

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