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7/24/2019 Concerto Para Gaita e Trfego
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CONCERTO PARA GAITA E TRFEGO: NAMORANDO
Antnio Carlos de Mello
ao amigoGustavo Bernardo
ALLEGRO
Uau! Por pouco! Quase que Lula, no lance, se no corre e no se esquiva,
flamengueia o asfalto! Cia, na calada, assustada, pergunta por ele: tudo em "le
are a mo e mostra a trou#in$a intacta, salva, salve!, sorri e araa Cia% &udo
em, responde% ' (ossa )en$ora de Copacaana est* um caos, c+us! (amos por
ali, pela galeria, di Lula% 'raados, logo que entram pela 'las-a pra alcanar apraia, Lula solta o rao de Cia e, sempre calmo, saca do olso a seda,
guardanapo que os caretas e eles tam+m, .s vees, usam pra tirar da oca o
a/car do suco e0ou a gordura do sandu1c$e, certo Cia pergunta se ainda tem
muito, os ol$in$os castan$os catando a resposta% Lula are a trou#in$a mostrando
que no, um finin$o talve, e assim, s/ito, e#clama morno, Cia assustada, aqui
t* a ma2or su2eira, e fec$a a mo e p3e no olso a trou#a, me#endo, ento,
somente com a seda, tirando aquelas duas partes que ficam viradas pra dentro,
dei#ando apenas o centro, afinal o que serve sempre% " ento, novamente s/ito,sem e#plicar4se, Lula apan$a, ainda na galeria, o fumo, espal$ando4o pela seda,
separando semente, contrariando o anteriormente dito% Cia, ento, guia,
oservando os outros passarem apressados, uns que ol$am, outros que no, o
medo maior de algu+m vir numa de descolar presena, esses que sempre pintam
quando 2* no d*, os duros0preguiosos0deitadores, como saer Certo, dessa ve
pintou a sorte, ningu+m, nem tira nem filo pra atrapal$ar% 5s dois, tendo
atravessado a galeria, ol$am a 'tl6ntica: o ar, os garons, os iriteiros, tudo em%
' praia parecia tranquila% 'lgumas pessoas insistiam, na tarde sem sol, em
aproveitar alguma coisa do nada que era servido% Lula apertava o aseado tomando
cuidado com o vento e com os carros que passavam em desesperada% Cia repetia,
passando a mo nos caelos, o gesto do vento% Quando os dois c$egaram ao
calado, Lula pediu que ela vigiasse a rua% )entaram4se num anco% 7 mar estava
calmo e a *gua aparentava fria% Um avio passava, l* em cima, tranq8ilamente, e
um lento navio ia sei l* pra onde, s9 sei que longe% Lula pediu a Cia um pilo que
ela no tin$a e foi procurar% o meio4fio entre os carros, a *gua marrom e nada de
f9sforos% Cia procurava no espao entre as pedras portuguesas pretas, rancas
alguma coisa al+m de uma ou outra formiga mi/da e guimas de cigarros,
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reveando o ol$ar com a quina da areia da praia e o meio4fio% Lula gritou cum+qui+,
e ele estava longe uns trinta metros% ;evirando copos de mate e limo, maos de
cigarro vel$os, emolados, Cia ac$ou no li#o mais improv*vel da assim seleta
cai#a coletora o palito marrom, encardido pela c$uva de dois, tronde?, @aquilo@ que @teve de ser feito@ porque eles, os
outros, no queriam que fosse vida uma coisa to lindin$a que seria, 2* que ela,
Cia, ainda era to mocin$a in$a, s9 deesseis anin$os in$os, pequena
pequeninin$a, Cia Cicin$a no podia, no podia, e a caea dela ficou assim c$eia
de no, e pa mesmo s9 tin$a com Lula, que entendia tudo porque estava na
mesma dela e tam+m porque estava na dela, sim, era isso% isso, Cia voltou a
caea pro mar e viu, l* na frente, o pessoal, os caretas sentados conversando
coisas que no passam pela garganta de ningu+m, arg$! )entou4se e comeou a
rincar com os dedos dos p+s% Como eram engraadin$os su2in$os de areia! Lula
gostava de rincar com eles tam+m, como ela, faia cosquin$a, faia carin$os
neles, nela% Quando Lula est* muito louco + sempre assim, os dois calados, ligados
em alguma coisa s9 deles dois como os p+s de Cia, anulando completamente o
rasto de todo o resto, no ao no, alienad3es como se di no 2ornal% Lula gritou o
nome dela e, quando ela ol$ou, fe com as mos cum+qui+% Cia levantou4se% )im,
andar, os caretas, +! Bate com a mo na unda pra tirar a areia, fa um ) com o
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corpo pra tentar sacar, nas costas, o canto que ainda agarre areia, porco! Ain$a
unda t* /mida!, reclama e ri% (olta a andar% 'diante, um mao de ollDood ainda
inteiro, que ela, pela falta de cigarros, retira o laminado, seco, que sorte!, com
tanta c$uva c$ovido, serve, ainda em, e segue ol$ando o c$o, procurando nada,
ol$ando o p+ entrando4saindo da areia, arrumando os caelos que, com o vento,
porque longos, ca1am no rosto, .s vees em cima dos ol$os, funcionando que nem
c$icote, e ol$ando o pessoal que, visto mais de perto, + duas mul$eres, duas
esteiras e duas olsas de pal$a, pl*stico e couro, cada qual em seu lugar% Cia fila
um C$arm depois de pedir t1mida, acende num Cric-et lil*s, agradece e soe% 5
vento, na volta, atendo, ao contr*rio, na nuca, dividindo o caelo em duas partes
louras fofas, que se encontram deai#o do quei#o, na garganta, enquanto, em
cima, na oca, Cia traga fundo o fraco C$arm e rinca com a fumaa, que sai
r*pida conforme a fora que faa ao e#puls*4la% Lula ol$ava longe alguma coisa%&am+m estava, como ela, triste com tudo, fel na oca, mas com tudo, com f+ na
louca vontade de fumar o mundo% Cia ac$a engraado quando ele est* assim, fica
onito quando longe de tudo, parece um daqueles monges que ela curte nos filmes,
a fala mansa de quem est* assim, no fundo, to longe quanto eles esto monge de
tudo, fala de mudo%
CONFORME LHE TOQUE
ovamente 2unto a Lula, eles apenas esperam a a* passear o carrin$o aul pra
longe deles, no que Lula ri e com C$arm acende o c$arro, como se diia, ainda
sentado, enquanto Cia permanece na areia, de costas para o mar, ol$ando os
carros e a cara retesada de Lula, pra, logo ap9s, pegar o finin$o e, de leve, como
tranquila, danar a valsa um4pra4l*, um4pra4c* at+ que morra o c$arro e sore o
C$arm% Lula di que vai dispensar e Cia di tudo em, e l* se vai o C$arm voando
e, plaf, caindo na areia, e#atamente como Cia oservou com o ol$ar% Cia 2*
estava meio doidin$a, sim, e 2* estava meio doidin$a assim desde man$ quando
Lula voltou do (idigal traendo a trou#in$a que agora morria, como tudo morre, na
santa pa do )r%, am+m% "scarros r*pidos passavam uinando os ouvidos de todos%
&udo careta com pressa seguindo a 'tl6ntica em direo ao Leme% Cia sorri um
sorriso de Lula% "scarros, n+, ele di% Cia ri% isso, Lula comea a reme#er a olsa
de couro na cata da gaita que iria faer um som pra eles em seu improviso solo%
Cia vira4se% Gaivotas vagam rasantes sore o mar e, de repente, clun, uma delas
mergul$a, 9ia um pouquin$o muito pouco, e soe novamente as asas num
impulso lindo de ver, pintando o c+u com seu contorno negro m9vel que, depois,
novamente, desce e some num mergul$o, aparece e 9ia e soe num murm/rio 4 e
este + o lance que os ot*rios sempre pensam que + sacal, a$! Cia senta4se na
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quina do calado e fica ol$ando o pessoal l* emai#o, de onde tin$a traido o
C$arm, e a marola que suia at+ em perto, transparente, logo ap9s invis1vel
engolindo a outra, ostra traando p+rola dos res1duos, aandonos% Lula ac$a a gaita
e comea a tocar, no se incomodando com o arul$o rouco dos autom9veis muitos
passando na 'tl6ntica do 'tl6ntico, vindos da Copacaana de Copacaana 4 os no4
possu1dos pelo mar de um nem pelo ar da outra, apenas passantes ausentes,
transeuntes, como se di, arul$o que no incomoda a gaita, no muda nada,
sempre assim% " o som desafinado da gaita de Lula, emora ai#o, asta aos dois:
entre ouvir e no, o som + sempre leve% " deles%
'ntEnio Carlos de Aello%A metfora de Drcula.
;io de =aneiro: =os+ 5lmpio, FHI%