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IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem
07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR
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CONCHAVOS E ALIANÇAS NA POLÍTICA DURANTE O GOVERNO
COLLOR: UMA ANÁLISE DAS CHARGES PUBLICADAS NA IMPRE NSA
SINDICAL
Fernanda Targa Messias 1 Karen Cristina Aparecida Bueno 2
Rozinaldo Antonio Miani 3 RESUMO A vitória de Fernando Collor de Mello nas eleições presidenciais de 1989 marcou a retomada do direito de votar, por parte do povo brasileiro, para presidente da República, depois de quase três décadas impedido de exercer esse direito em razão das restrições políticas impostas pela ditadura civil-militar (1964-1985). Ainda em sua campanha política, Collor já articulava apoios políticos com vistas a garantir a governabilidade em uma eventual vitória nas eleições. Após o sucesso nas urnas, e o anúncio de suas propostas de governo, Collor tratou de estabelecer as bases de sustentação política de seu governo promovendo alianças com diversos setores sociais, dentre eles os empresários, usineiros e empreiteiros, bem como estabelecendo relações estratégicas com diversas personalidades políticas. Os conchavos, as articulações e as negociações foram retratados com humor e crítica pela imprensa sindical da época por meio da charge. A partir de uma contextualização histórica e de uma breve análise da conjuntura do governo Collor (1990-1992), esse artigo tem como objetivo identificar algumas das alianças e relações estabelecidas pelo então presidente e analisar como as charges produzidas pela imprensa sindical revelaram as condições e as implicações políticas de tais relações e conluios. As análises seguirão as bases metodológicas da análise do discurso chárgico. Palavras-chave: Governo Collor. Charge. Aliança política. 1. Introdução
O início da década de 1990 foi marcado por intensas e profundas mudanças na
ordem social e política brasileira, principalmente em razão da euforia da reconquista do
1 Graduanda em Relações Públicas na Universidade Estadual de Londrina. Bolsista de iniciação científica pelo CNPq. E-mail: [email protected] 2 Graduanda em Jornalismo na Universidade Estadual de Londrina. Bolsista de iniciação científica pela Fundação Araucária/PR. E-mail: [email protected] 3 Bacharel em Comunicação Social - habilitação em Jornalismo. Bacharel em História. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (ECA/USP). Doutor em História pela Unesp/CampusAssis. Pós-doutor pela Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor do Departamento e do Programa de Mestrado em Comunicação Visual da Universidade Estadual de Londrina. Coordenador do Curso de Especialização em Comunicação Popular e Comunitária. Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Popular (CNPq). E-mail: [email protected]
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direito de votar para presidente da República, após quase três décadas impedidos de
exercer o direito político de eleger o representante máximo do Poder Executivo como
decorrência da implantação da ditadura civil-militar (1985-1985) no Brasil.
Para alguns setores da sociedade, a vitória de Fernando Collor de Mello nas
eleições de 1989 representava a consolidação da redemocratização no Brasil e, mesmo
diante da incógnita de como seria o seu governo, ainda assim se tratava de um “alívio”
para as classes dominantes por ter conseguido impedir a vitória do candidato Luiz
Inácio Lula da Silva. Por outro lado, aqueles setores sociais que tinham a esperança de
que o Brasil pudesse seguir um caminho democrático e popular, viram sua expectativa
frustrada e tiveram que se submeter aos desígnios de um governo que se mostrou, desde
o início, comprometido com as classes dominantes e, mais do que isso, com o projeto
neoliberal, que, gradativamente, conduziria o Brasil a uma lógica de submissão perversa
ao capitalismo internacional.
Para levar adiante o seu projeto de “modernização”, Collor teve que construir
bases de apoio político em vários setores da sociedade brasileira, desde os empresários
até os trabalhadores. Negociações, barganhas, alianças e conchavos marcaram de
maneira expressiva os bastidores da política nacional durante o período do governo
Collor (1990-1992), que foram retratadas com humor e crítica por meio da charge na
imprensa sindical.
Esse artigo tem como objetivo identificar algumas das alianças e relações
estabelecidas pelo então presidente durante o seu mandato e analisar como as charges
produzidas pela imprensa sindical revelaram as condições e as implicações políticas de
tais relações e conluios. Para tanto, faremos inicialmente um breve relato das condições
conjunturais que marcaram o cenário político nos primeiros anos da década de 1990,
para, em seguida, apresentar e analisar, seguindo as bases metodológicas da análise do
discurso chárgico, algumas charges que explicitaram as relações políticas constituídas
no contexto do governo Collor.
2. A conjuntura política e as bases programáticas do Governo Collor
Se pudéssemos resumir o que as eleições presidenciais de 1989 provaram a
respeito da conduta e encaminhamento político naquele contexto, diríamos que elas
manifestaram a imensa ausência de esclarecimento político por parte do eleitorado
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brasileiro, bem como a capacidade de articulação politiqueira a fim da conquista do
poder.
Troca de favores, massa de manobra, clientelismo, marketing político,
encenações, editoração de imagens, brechas legais, marcaram o processo eleitoral
brasileiro do primeiro pleito direto da história brasileira depois de mais de duas décadas
de ditadura civil-militar.
Quem diria, então, que Fernando Collor de Melo, na época governador de
Alagoas, venceria essa a disputa? Abrigado pelo Partido da Reconstrução Nacional
(PRN), a candidatura de Collor, segundo Rodrigues (2000) teve duas prioridades:
reparar o grande abismo deixado pelas lideranças direitistas e ao mesmo tempo assumir
um estilo populista a fim de voltar-se às massas, fazendo uso de um discurso falso, se
assim servisse para atender suas expectativas.
Como parte de sua campanha eleitoral, quando ainda estava em Alagoas, o
discurso denunciando funcionários públicos que recebiam salários exorbitantes sem ao
menos trabalharem, fez com que se tornasse conhecido como o “caçador de marajás”. O
episódio conquistou a confiança das elites, que esperavam do seu candidato uma pessoa
que acabasse com a corrupção e a impunidade no Brasil e, ao mesmo tempo, amparado
pela grande mídia, foi visto pelos “descamisados” como uma excelente opção.
Durante todo o período de sua campanha eleitoral, Collor teve o aparato da
maior emissora de TV do país, a Rede Globo; esse possivelmente foi o caminho certeiro
para conquistar uma opinião favorável ao ponto de vencer no segundo turno seu
concorrente, Lula. Além do forte apoio da emissora, Collor valera-se de uma legislação
eleitoral manipulada que o possibilitou sua participação em dois grandes programas em
rede nacional, além do seu próprio. Entretanto, mais do que isso, o “caçador de marajás”
foi um dos poucos que tinha consciência de quais as características que o eleitorado
buscava no candidato ideal e com uma articulação marqueteira se moldou a esse tipo
perfeito.
Collor construiu sua imagem pautada pela necessidade de agradar, ao mesmo
tempo, ricos e pobres. Para isso valera-se da imagem de um político jovem, moderno,
esportista, viril, capacitado a falar várias línguas e avesso à corrupção. Rodrigues (1992)
aponta que o principal fator que possibilitou Collor a conquistar o voto dos mais pobres
se deveu ao fato dele, na época, pertencer às margens da burguesia.
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De modo mais preciso: tanto o exibicionismo, a truculência, a corrupção como as medidas “modernizadoras” e inovadoras têm suas raízes no fato de se tratar de um político de uma facção oligárquica, mas periférica, no interior do sistema político nacional ou, de um ponto de vista mais sociológico, de um membro de um segmento secundário da burguesia brasileira. Por isso uma consistência de status caracteriza a figura de Collor. Os Collor são ricos, mas são alagoanos (RODRIGUES, 1992).
Junto à construção da imagem de um candidato capaz de conquistar 35 milhões
de votos, fez parte de suas estratégias as propostas modernistas, favoráveis aos
interesses das elites e dignas de mudanças. Segundo Vito Giannotti, as propostas do
oligarca iam desde o aumento em 200% do salário mínimo durante seu mandato, até a
proposição de amplo programa de modernização em que as vagas de emprego
dobrariam. Ao que parecia, com ele no governo as ameaças de bloqueio de capitais
investidos e de confisco da poupança estariam extintas; falava-se até mesmo em
repartição de propriedades.
Giannotti elenca os fatores que, para ele, permitiram o fortalecimento do
programa proposto por Collor: “desilusão generalizada de política, o clima resultante do
desmonte das experiências do socialismo na URSS e Leste Europeu e, finalmente, a
invasão da onda neoliberal mundial” (1992, p.18).
No mesmo ano em que Fernando Collor se elegeria, ganhava força nos Estados
Unidos políticas de governo que se diziam capazes de contornar a crise econômica dos
países latino-americanos. Essas medidas compuseram o Consenso de Washington e
foram impostas às negociações das dívidas externas dos países da América Latina.
Posteriormente, se tornaram o modelo de ação do FMI e do Banco Mundial; era o
neoliberalismo. E foi nessa onda que, no Brasil, Collor se apoiou. Uma economia
entregue às leis de mercado, desenvolvimentista, aberta aos investimentos estrangeiros e
simpática às privatizações fazia parte das propostas daquele que seria o futuro chefe de
Estado desta nação.
Um dia após sua posse o então presidente apresentou o novo plano econômico
do governo, o Plano Collor, que determinava, entre outras coisas, o confisco da
caderneta de poupança ou conta corrente dos valores depositados que excedessem 50
mil cruzados novos, o qual seria devolvido após 18 meses, o congelamento salarial e a
substituição da moeda, o cruzado novo pelo cruzeiro. Essas medidas surpreenderam
tanto populares quanto políticos, já que Collor havia garantido que não haveria tais
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atitudes. Tanto o chefe de Estado quanto a ministra da Economia, Zélia Cardoso de
Mello, afirmaram que o novo plano, embora severo, daria conta de reduzir
drasticamente os índices de inflação que até então permaneciam altíssimos.
Após manifestações contrárias ao plano, foram propostas algumas alterações.
Porém, como aponta Rodrigues (2000), poucas delas foram realmente obtidas após o
pedido tramitar pelo Congresso. Vale frisar aqui que o instrumento essencial para a
adoção do plano foram as medidas provisórias, baseadas no artigo 62 da Constituição
Federal, que legitimava sua instituição pela figura do presidente em casos de relevância
e urgência.
Os primeiros sinais de fracasso do plano de contenção da inflação começaram a
surgir. As quedas na inflação e os rendimentos prometidos na adoção do plano já
estavam indo por água a baixo, sem contar as demissões em massa que foram
registradas na indústria, reflexo das consequências da implementação do plano.
Já em janeiro do ano seguinte, uma nova surpresa: a ministra da economia, Zélia
Cardoso de Mello anuncia o novo plano governamental, o Plano Collor II. Novamente
um pacote que propunha reduzir a inflação por meio do congelamento de preços e
salários e desindexação dos preços da economia. Como se esperava, a nova medida foi
recebida com contestações, pois mais uma vez se concebia um plano de maneira
improvisada e, sobretudo, autoritária. A nova tentativa fez com que aumentasse em
maior proporção a concentração de poder no Ministério da Economia.
Era evidente a insatisfação da sociedade brasileira, sobretudo dos 35 milhões de
eleitores que um dia depositaram seus votos naquele presidente. Segundo Rodrigues
(2000), o presidente Collor buscava reequilibrar-se de uma desagregação tão grande
que, em meados de 1991, setores do PSDB e do PMDB travavam conversas entorno de
um “movimento pela governabilidade”. Nas ideias gerais pensava-se, inclusive, em uma
solução parlamentarista - os principais mentores eram Ulysses Guimarães e Fernando
Henrique Cardoso, somando-se, posteriormente, Tasso Jereissati, Orestes Quércia,
Antônio Carlos Magalhães (ACM), Paulo Maluf e Leonel Brizola. Segundo Rodrigues,
“o ‘pacto’, como foi chamado na imprensa, desses líderes pela ‘governabilidade’ ou por
uma ‘solução parlamentarista’ duraria muito pouco, à medida que tratava-se, antes, de
uma disputa antecipada pelo espólio do rei, já seminu” (2000, p.160).
Outro fator que pesou negativamente para Collor foram as declarações de seu
vice, Itamar Franco. Ele entrou nas discussões alegando ter a impressão de que o
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governo distanciara-se da sociedade; segundo Itamar, Collor atuava autoritariamente e
poderia, a qualquer momento, buscar inclusive uma solução não constitucional. “Ele
pode entender de mandar uma mensagem dissolvendo o Congresso”, disse Itamar
(Folha de S. Paulo, 20/10/91).
Marcando o caráter neoliberal do governo, em 24 de setembro de 1991 foi
agendado o primeiro leilão de privatização do Programa Nacional de Desestatização
(PND), envolvendo a siderúrgica mineira Usiminas. O leilão acabou por ser adiado para
o mês seguinte, por conta de intensos conflitos entre policiais e manifestantes. “O dia
sete de outubro, 38º aniversário da Petrobras, tornou-se um ato público contra o
programa de privatizações” (RODRIGUES, 2000, p.163). Porém, por fim, em 24 de
outubro de 1991, o governo privatizou 75% do controle acionário da Usiminas.
Também em outubro do mesmo ano, a Brastemp demitiu mais de mil funcionários - os
demitidos invadiram a fábrica, tendo conflitos com a polícia.
Diante da situação enfrentada, da desarticulação social e do desgaste do governo,
Collor propôs reformas constitucionais que ganharam o nome de “Emendão”.
O aspecto soft do procedimento do governo limitava-se a rodadas de conversas com dirigentes partidários e à convocação do “Conselho da República”, instituição criada pela Constituição de 1988 a ser posta em uso em momentos de dificuldades extraordinárias para o país, ambas iniciativas sem qualquer desdobramento prático.” (RODRIGUES, 2000).
Vieram então à luz denúncias contra um dos membros do governo, o então
secretário de assuntos estratégicos Pedro Paulo Leoni Ramos, o PP. Segundo revelação
do Jornal do Brasil, o secretário movimentava uma conta secreta do governo, pela qual
circulavam cifras em torno de US$ 65 milhões, sem fundo orçamentário específico e
sem qualquer autorização do Congresso. Rodrigues (2000) afirma que escândalos
variados emergiam no noticiário do dia-a-dia.
Outro marcante problema de corrupção foi o chamado “escândalo das bicicletas”,
protagonizado pelo ministro da saúde Alceni Guerra. Ele teria adquirido no Paraná, seu
estado natal, um lote de milhares de bicicletas para serem usadas no combate à dengue,
tudo a preço superfaturado. Isso ocorreu já depois de o ministro ter sido acusado de
beneficiar uma construtora paranaense; seguiram-se também outras denúncias de
superfaturamento do mesmo.
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Porém, problemas maiores ainda estavam por desabar sobre o governo. Paulo
César Farias (PC) e Pedro Collor - o segundo era irmão do presidente - envolveram-se
num esquema que se revelaria bastante desastroso para o governo. Fernando Collor
havia incentivado PC a entrar no ramo de comunicações em Alagoas, que era dominado
pela família presidencial. Em resposta, o irmão de Collor, Pedro, administrador do
grupo de comunicações da família, entrou em conflito direto com PC e seus outros
irmãos. O investimento feito por PC Farias no ramo seria, segundo Pedro, incompatível
com o rendimento oficial dos proprietários, os irmãos Farias.
Para piorar a situação, em cinco de maio de 1992, Pedro Collor denunciou o esquema de PC Farias à revista Veja, afirmando que as ações de PC eram ordenadas por seu irmão, Fernando Collor. Nas acusações Pedro afirmava que Paulo César Farias roubava, extorquia e corrompia, sendo amparado pela amizade com o presidente. Foi um episódio marcado por intensas desavenças familiares, cujos contornos fizeram brotar fissuras nos círculos pessoais do presidente e terminar por extrapolar os domínios domésticos e expor à nação atarantada um espetáculo sórdido de corrupção e mandonismo (RODRIGUES, 2000, p.183).
No início de julho de1992 surgiram as primeiras manifestações de rua destacáveis
em favor do impeachment. Seguidas dessa, muitas outras foram organizadas. Entidades
como CUT, CGT, PT, PCdoB e PPS se organizaram para somar forças na luta contra o
governo Collor. No dia 20 de julho foram apresentadas provas que mostravam a relação
entre o presidente e PC Farias, cheques das empresas de Paulo César Farias a pessoas
ligadas a Collor, entre elas a primeira-dama, a mãe do presidente, o ex-secretário e o ex-
porta-voz. “No dia 26 de agosto, por dezesseis votos a cinco, a CPI aprovou o relatório
que incriminava o presidente Collor e abria a possibilidade de instauração de um
processo de impeachment” (RODRIGUES, 2000, p.226).
Pesquisas realizadas pelo Instituto Datafolha indicavam, de antemão, que era
grande a possibilidade do presidente ser afastado de suas funções. Assim, no dia 1º de
setembro começou a tramitar na Câmara o pedido de impeachment de Collor. 80% dos
brasileiros eram favoráveis ao impedimento do presidente, 12% pediam sua
permanência e 7% estavam indecisos. Em 29 de setembro uma multidão, em torno de
quinhentas mil pessoas, se reuniu em praças públicas em diversos lugares do país,
acompanhando a votação; Rodrigues (2000) conta que ao final o plenário e as praças
explodiram em comemoração.
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[...] o plenário da Câmara dos Deputados, no dia 29 de setembro, em decisão inédita na história brasileira, aprovou o afastamento do presidente Fernando Collor, por esmagadora maioria: 441 votos a favor, 38 contra, uma abstenção e 23 ausências. Era a primeira vez que um presidente eleito perdia o cargo mediante mecanismos constitucionais (RODRIGUES, 2000).
Em 2 de outubro, Collor e Rosane deixaram o Palácio do Planalto, sob vaias, e se
mudaram para a Casa da Dinda, isso sem que antes o presidente reafirmasse sua
inocência.
3. As representações dos conchavos políticos de Collor por meio da charge
Para a análise dessas relações e alianças, selecionamos seis charges produzidas
pela imprensa sindical que retrataram as condições e implicações políticas que tais
conluios produziram. A primeira charge representa a aliança firmada entre Fernando
Collor e a Rede Globo, sobretudo sob a figura de Roberto Marinho, pacto esse que foi
capaz de elegê-lo presidente da República. A charge foi veiculada no Jornal do Diap
(Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), em junho de 1990, primeiro
ano de governo de Fernando Collor. Nesse momento a Rede Globo buscava
incessantemente atacar a imagem do Congresso Nacional para desmoralizar a instalação
de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investigaria escândalos de
corrupção na Fundação Roberto Marinho.
FIGURA 1
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Fonte: Jornal do DIAP - Ano V - nº 43 – maio/junho de 1990, p.9
A relação entre Collor e a Rede Globo é explícita nessa charge. A faixa
presidencial sobre o peito mostra que o presidente havia sido eleito há pouco tempo e
que a sua candidatura havia sido apoiada pela referida rede de televisão. No aperto de
mão fica clara a cumplicidade entre ambos, principalmente quando se sabe que o
presidente da República era dono de uma retransmissora da Globo no estado de
Alagoas.
O DIAP é uma organização de apoio ao movimento sindical junto aos Poderes
da República, especialmente o Congresso Nacional. A charge que demarca o conluio
entre o “caçador de marajás” e a Globo foi veiculada na sessão “Congresso em Ação”
do Jornal do DIAP acompanhada de um texto que relatava a visão de alguns
parlamentares a respeito da campanha da emissora em desqualificar a imagem do
Legislativo em razão de uma proposta de investigação de alguns escândalos
denunciados pelo deputado Paulo Ramos (PDT-RJ).
FIGURA 2
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Fonte: Sindiquim - nº 534 - 1 de agosto de 1990, p.1
A segunda charge retrata uma recorrente situação do início do governo Collor,
que pretendia manter um bom relacionamento com o Fundo Monetário Internacional
(FMI), a fim de voltar a ter créditos no exterior. Para isso, as políticas econômicas
brasileiras deveriam se alinhar à fórmula do FMI adotada para os países
subdesenvolvidos. Isso incluía o cumprimento de metas de recessão, privatizações e
arrocho salarial.
Nessa charge o FMI é representado por um homem vestido de “Tio Sam”,
representação tradicional dos Estados Unidos. Collor mostra grande satisfação com a
visita, a reparar em seu sorriso, que é compartilhado pelo visitante que também se
mostra contente com o encontro. A frase de boas-vindas em inglês mostra a recepção
calorosa aos estrangeiros, em contraste com o tratamento dado ao povo brasileiro. Os
operários carregam nas costas o conchavo, pois é deles que irá sair ainda mais dinheiro
para devolver o empréstimo realizado junto ao banco internacional. Esses brasileiros
não têm características próprias, não têm um rosto, os três são iguais, sendo todos os
brasileiros nada mais que uma massa homogênea, que sustenta um governo corrupto.
A imagem circulou entre os trabalhadores por meio do jornal Sindiquim
justamente no momento em que o Brasil recebia a missão do FMI para uma auditoria
nas contas do governo e, assim sendo, aprovar as medidas do Plano Collor. Enquanto a
grande mídia divulgava a visita do FMI com orgulho e admiração, a classe operária,
indignada, sabia que seriam eles que arcariam com os prejuízos das negociações.
As próximas duas charges foram veiculadas no Jornal da CUT/SP e fazem
referência aos interesses que estavam por traz das alianças firmadas entre Collor e
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representantes de diversos setores da sociedade, entre eles empresários, políticos e
investidores. A primeira delas (figura 3) ilustra a qualidade do relacionamente
estabelecido entre o ex-presidente e o governador da Bahia à época, Antônio Carlos
Magalhães (ACM). Magalhães esteve junto de Collor desde sua campanha e se manteve
seu aliado até o final do governo.
FIGURA 3
Fonte: Jornal da CUT/SP - Ano I - nº 41 - fevereiro/1992, p.4
Na imagem, os níveis de relacionamento e cumplicidade entre Collor e ACM
ficam muito explícitos. Numa alusão a um romance, revelado pela presença de um
coração flutuando entre os dois, ambos se olham mutuamente, “enamorando-se” e
bebendo juntos. Antônio Carlos Magalhães era um dos apoiadores do governo,
inclusive, ordenando à bancada do PFL, por ocasião da votação para abertura do
processo de impeachment, que votasse contra a cassação de Collor; essa “amizade”
resultou em benefícios mútuos.
A charge seguinte (figura 4) representa a onda de privatizações para
favorecimentos pessoais, concretizados por meio da relação de Collor com investidores.
Na charge, a fábrica de armamentos Engesa serve de exemplo (dentre tantas outras), da
operação arquitetada pelo então presidente e seus aliados para injetar dinheiro público
em uma empresa falida, tornando-a estatal para, posteriormente, privatizá-la novamente.
FIGURA 4
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Fonte: Jornal da CUT/SP - Ano I - nº 51 - abril/1992, p.4
Nessa quarta figura a relação de amizade e cumplicidade se dá entre o presidente
Collor e um membro da burguesia, que representa o setor dos empresários e industriais
em geral. Na frase “a gente engorda, depois, eu te entrego!” fica clara a postura do
governo de beneficiar o setor, injetando dinheiro público numa empresa privada, a
Engesa (representada por um porco magro), que estava falida, declarando-a de
“interesse nacional” para, posteriormente, devolvê-la ao seu antigo dono por um preço
abaixo do real, como foi feito em muitos outros processos que resultaram em
privatização.
Esta charge foi publicada na sessão “Enquanto isso na Casa da Dinda” do Jornal
da CUT/SP e foi apresentada como a parte II de um problema recorrente. A indignação
estava no fato de o governo “salvar” a empresa de uma situação de falência, estratégia
que ia contra a política de privatizações; o governo teria que estatizar a empresa para
quitar suas dívidas e só depois, num segundo momento, poderia entregá-la novamente
ao mercado, por meio da privatização.
A quinta charge selecionada satiriza a explícita relação do presidente Fernando
Collor com duas figuras públicas, supostamente envolvidas em práticas de corrupção.
Mário Amato, na época presidente da Fiesp, e o senador e empresário Ney Maranhão
confessaram publicamente que consideravam a sonegação fiscal uma alternativa, o que
levava a acreditar que ambos estavam envolvidos em processos de corrupção. Nesse
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mesmo contexto, os dois declararam apoio a Collor como resposta ao pedido do então
presidente para que não o deixassem só.
FIGURA 5
Fonte: Jornal Metalúrgicos do ABC - nº 2 - junho/1992, p.2
Na imagem, vemos os dois personagens telefonando para Collor e oferecendo
seu apoio, reconhecendo que os três viviam a mesma situação. “Estamos na mesma
lama!” é a expressão que classifica o presidente também como corrupto, igualando-o
aos dois. “Nosso apoio final” mostra que eles estavam juntos desde o começo, então, de
certa forma, o “caçador de marajás” possivelmente sabia de todos os esquemas de
sonegação. O paletó e a calça listrados podem sugerir uma relação com o uniforme dos
presidiários, indicando o lugar onde eles deveriam estar.
No texto que acompanha a referida charge consta a expressão de indignação dos
metalúrgicos do ABC com tamanha declaração de apoio a Collor, chegando até mesmo
a confessar posturas desmerecedoras de qualquer respeito. Por outro lado, a matéria
revelou que os patrões e a Fiesp não aceitaram negociar as reivindicações de reposição
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de perdas salariais dos trabalhadores, o que explicitava ainda mais o descompromisso de
Collor com os direitos e os interesses da classe trabalhadora.
Por fim, a última charge selecionada foi publicada no jornal Sindiquim em
novembro de 1992, momento que as investigações sobre a conduta do presidente da
República e de seus comparsas estavam a todo vapor. Na charge são retratadas algumas
personalidades que se mantiveram em apoio ao presidente e que estiveram envolvidas
em conluios ou em esquemas de corrupção.
FIGURA 6
Fonte: Sindiquim - nº 814 - novembro/1992, p.2
Os “jogadores” Paulo Maluf, Luiz Antônio de Medeiros e Antônio Rogério
Magri estão reunidos com o presidente num jogo de cartas, explicitando a relação de
amizade que estreitaram desde o início do mandato. Nenhum deles sorri, ao contrário,
todos têm uma aparência apreensiva, concentrada, como se estivessem preocupados
com o “jogo”. Quem parece ser o jogador da vez é Collor, que segura as cartas numa
posição diferenciada, deixando todos preocupados, já que as cartas de um tendem a
influenciar no jogo do outro, como na vida política.
5. Considerações Finais
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As charges produzidas pelos jornais sindicais durante os quase três anos do
governo Collor compuseram uma imprensa popular e alternativa capaz de representar a
classe trabalhadora num momento em que disputas de interesses perpassavam quaisquer
condutas éticas. Ressalta-se também a importância das charges como estratégia
comunicativa capaz de, por meio do lúdico e do humor, discutir temas complexos e
mascarados.
Os conchavos e alianças políticas do governo Collor foram temas corriqueiros
presentes nas charges dos diversos boletins sindicais, representando, por meio do
humor, a situação vergonhosa pela qual o país passava naquele momento. Numa análise
mais aprofundada de cada charge é possível encontrar evidências implícitas de um país
revoltado, que clamava por justiça. As alianças feitas pelo governo só pioraram a
situação de um Brasil afundado nos problemas herdados do período ditatorial, que se
agravaram ainda mais na era Collor. O “caçador de marajás”, que foi a esperança de
muitos brasileiros na luta contra a corrupção, acabou por marcar a história do país como
primeiro, e único até agora, presidente a sofrer um impeachment. Muitas amizades de
interesse de Collor o acompanharam até o fim, caindo junto com ele, mostrando a rede
que agia paralelamente, incluindo família, empresários e, claro, outros políticos.
Referências
GIANNOTTI, Vito. Collor, a CUT e a pizza. São Paulo: Página Aberta, 1992. RODRIGUES, Alberto Tosi. O Brasil de Fernando a Fernando: neoliberalismo, corrupção e protesto na política brasileira de 1989 a 1994. Ijuí, RS: UNIJUÍ, 2000. RODRIGUES, Leôncio Martins. Fernando Collor: o fim de uma aventura. In: PRIORE, Marly Del; NEVES, Maria de Fátima das; ALAMBERT, Francisco (org.). Documentos de História do Brasil: de Cabral aos anos 90. São Paulo: Scipione, 1997, p. 126-128.