CONDICIONANTES NATURAIS E ANTROPOGÊNICOS DAS INUNDAÇÕES EM SISTEMAS FLUVIAIS URBANIZADOS: BACIA DOS RIOS GUAXINDIBA/ALCÂNTARA (RJ)

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O presente trabalho objetivou investigar os principais condicionantes naturais eantropogênicos para a ocorrência de enchentes na bacia dos rios Guaxindiba/Alcântara(RJ). A bacia está localizada na borda leste da Baía de Guanabara, drena uma superfíciede 168,37 km² e contempla três municípios: São Gonçalo ¾ onde está a maior parte desua área, Itaboraí e Niterói. O uso da terra é predominantemente urbano, sendo aocupação completamente desordenada. Ao longo da bacia, os rios principais econtribuintes recebem uma elevada carga de esgotos domésticos e efluentes industriaissem tratamento, conformando um quadro de elevada degradação ambiental. Osfrequentes eventos de inundação geram consequências gravosas à população, em termosde danos e perdas materiais e imateriais. Inicialmente, a análise dos dadospluviométricos da região da bacia hidrográfica permitiu concluir que a bacia, por seinserir em região tropical de grande instabilidade climática, é naturalmente suscetível aepisódios de enxurradas. O estudo das características morfológicas da bacia indicou queo relevo condiciona diretamente a ocorrência de inundações, sobretudo pela grandeextensão das planícies fluvio-marinhas e do maciço de Itaúna, no baixo curso, quedesvia a drenagem e diminui a velocidade do fluxo. A morfometria da bacia,caracterizada pela baixa declividade dos canais, pela pequena amplitude altimétrica epela sua forma alongada, conforma um quadro natural de suscetibilidade às inundações.A análise dos documentos cartográficos históricos e dos dados de obras no ambiente dabacia permitiu delimitar quatro períodos principais de características distintas deintervenção (as primeiras canalizações, as obras do DNOS, as obras dos anos 1960-80 eas dinâmicas atuais). Essa periodização embasou o entendimento da lógica dos ajustesnos canais e suas influências na dinâmica das inundações. A realização do diagnósticode degradação hidromorfológica, a partir da avaliação do leito, das margens e daplanície fluvial, permitiu inferir que o alto grau de alteração geomorfológica da baciainterfere diretamente na dinâmica e intensidade das inundações, sugerindo a hipótese deque os trechos mais degradados são aqueles mais acometidos pelas inundações.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS INSTITUTO DE GEOCINCIAS

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA CURSO DE GRADUAO EM GEOGRAFIA

    FERNANDO SOUZA DAMASCO

    CONDICIONANTES NATURAIS E ANTROPOGNICOS DAS INUNDAES EM SISTEMAS FLUVIAIS URBANIZADOS:

    BACIA DOS RIOS GUAXINDIBA/ALCNTARA (RJ)

    NITERI 2014

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    FERNANDO SOUZA DAMASCO

    CONDICIONANTES NATURAIS E ANTROPOGNICOS DAS INUNDAES EM SISTEMAS FLUVIAIS URBANIZADOS:

    BACIA DOS RIOS GUAXINDIBA/ALCNTARA (RJ)

    Monografia apresentada Coordenao do Curso de Geografia do Instituto de Geocincias da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial obteno do grau de Bacharel em Geografia.

    Orientadora: Prof.a Dr.a Sandra Baptista da Cunha

    Niteri, RJ 2014

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    FERNANDO SOUZA DAMASCO

    CONDICIONANTES NATURAIS E ANTROPOGNICOS DAS INUNDAES EM SISTEMAS FLUVIAIS URBANIZADOS:

    BACIA DOS RIOS GUAXINDIBA/ALCNTARA (RJ)

    Monografia apresentada Coordenao do Curso de Geografia do Instituto de Geocincias da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial obteno do grau de Bacharel em Geografia.

    Aprovada em 27 de maio de 2014

    BANCA EXAMINADORA

    Prof.a Dr.a Sandra Baptista da Cunha UFF Orientadora

    Prof.a Dr.a Carla Maciel Salgado UFF

    Prof.a Dr.a Cristiane Nunes Francisco UFF

    Niteri, RJ 2014

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    Ao povo sofrido de So Gonalo, numa singela tentativa de que no molhem mais os seus ps em guas de valo, mas tornem a sentir e experimentar a ribeira desse rio.

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    AGRADECIMENTO

    O melhor agradecimento aquele que parte de uma sincera recordao. Recordar vem do latim re-CORDIS, isto , voltar a passar pelo corao.

    Recordo os mapas do DNOS, cedidos gentilmente pelo Arquivo Nacional e, por isso, agradeo.

    Recordo a presteza dos funcionrios das bibliotecas onde este trabalho foi tomando forma: Biblioteca do Instituto de Geocincias da UFF, Biblioteca do Arquivo Nacional, Biblioteca do PPGG/UFRJ, Biblioteca do Comando Militar do Leste, Biblioteca Pblica de Niteri, Biblioteca do INEA, Biblioteca do Instituto Baa de Guanabara; a todos eles, agradeo.

    Recordo a gentileza do Edson Falco do INEA em fornecer os dados meteorolgicos da Estao Coluband e, por isso, agradeo.

    Recordo a disponibilidade da Prof. Ana Valria da FFP/UERJ na cesso dos dados da estao climatolgica da FFP/UERJ e, por isso, agradeo.

    Recordo a gentileza da biloga Thais Gallo no fornecimento de vrios dados geogrficos do municpio de So Gonalo, fundamentais para a realizao deste trabalho; a ela tambm agradeo.

    Recordo-me do Luciano Lucas, debaixo de sol, ajudando-me a aferir as sees transversais, mesmo no sendo de sua obrigao; imensamente, agradeo.

    Recordo as orientaes, as crticas precisas e a inspirao cientfica da Prof. Sandra Cunha; pelo seu flego constante em transformar esta pesquisa em um trabalho de excelncia e por todo o seu contributo na minha formao, agradeo.

    Recordo-me dos professores que, ao longo da graduao, proporcionaram-me novas vises/experimentaes de mundo, dentre os quais posso destacar: Carlos Alberto Silva, Carla Salgado, Cristiane Francisco, Amlia Cristina, Jos Carlos Millo, Marli Cigagna e Rogrio Haesbaert. A todos eles, agradeo.

    Recordo os professores da Universidade do Minho, que me auxiliaram a construir o objeto de pesquisa: Antnio Bento, Maria Manuela Laranjeira, Maria Jos Caldeira e Miguel Sopas Bandeira; mesmo longe, agradeo.

    Recordo os amigos de boa prosa da UFF: Denise Caxias, Caio Varela, Liliane Ronquette, Leonardo Amora, Ana Cludia Bliggs, Luisa Scheider, Victor Maluf; pela ajuda cotidiana, agradeo.

    Recordo meus alunos do PVS/Fundao CECIERJ, que me fazem reconstruir minhas concepes geogrficas e alargar minhas concepes de mundo, de vida e de existncia; por cada aula, agradeo.

    Recordo do meu pai acreditando no meu potencial, h 11 anos, inscrevendo-me para o processo seletivo do Colgio Pedro II; recordo-me dele caminhando comigo em cada etapa, cada conquista, cada realizao; recordo-me ainda da sua ajuda na aplicao dos diagnsticos de anlise hidromorfolgica; por tudo isso, nunca ser bastante agradecer.

    Recordo minha me, contando-me de quando meu av ainda pescava nas guas do rio Alcntara; por todo o seu empenho em me dar sempre o melhor, agradeo.

    Recordo-me da tia Ktia, esforando-se para garantir meu bem-estar nas fases decisivas deste trabalho e, por isso, agradeo.

    Recordo minha av, Maria Helena, doce flor, cuidando de mim desde os 7 meses de vida at hoje; por seu exemplo de elegncia, cordialidade, simpatia e respeito ao prximo, agradeo.

    Recordo-me docemente da minha companheira de vida, Amanda, sempre muito compreensiva nos momentos de ausncia, paciente nas angstias e radiante nas conquistas; por toda a sua dedicao a mim e aos meus projetos, de corao, agradeo.

    Recordo, por fim, os moradores de So Gonalo, que so a alma deste trabalho; por cada histria de rio, cada entrevista, cada paisagem compartilhada, agradeo.

    Recordo-me que sou gegrafo e, por isso, no canso de agradecer.

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    Na ribeira desse rio ou na ribeira daquele,

    Passam meus dias a fio; nada me impede, me impele. (...)

    Vou vendo o que o rio faz: quando o rio no faz nada, vejo os rastros que ele traz numa sequncia arrastada do que ficou para trs. (...)

    Vou na ribeira do rio, que est aqui ou ali;

    e do seu curso me fio, porque se o vi ou no vi,

    ele passa e eu confio.

    Fernando Pessoa (letra) e Dorival Caymmi (msica), Na ribeira desse rio.

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    RESUMO

    O presente trabalho objetivou investigar os principais condicionantes naturais e antropognicos para a ocorrncia de enchentes na bacia dos rios Guaxindiba/Alcntara (RJ). A bacia est localizada na borda leste da Baa de Guanabara, drena uma superfcie de 168,37 km e contempla trs municpios: So Gonalo onde est a maior parte de

    sua rea, Itabora e Niteri. O uso da terra predominantemente urbano, sendo a ocupao completamente desordenada. Ao longo da bacia, os rios principais e contribuintes recebem uma elevada carga de esgotos domsticos e efluentes industriais sem tratamento, conformando um quadro de elevada degradao ambiental. Os frequentes eventos de inundao geram consequncias gravosas populao, em termos de danos e perdas materiais e imateriais. Inicialmente, a anlise dos dados pluviomtricos da regio da bacia hidrogrfica permitiu concluir que a bacia, por se inserir em regio tropical de grande instabilidade climtica, naturalmente suscetvel a episdios de enxurradas. O estudo das caractersticas morfolgicas da bacia indicou que o relevo condiciona diretamente a ocorrncia de inundaes, sobretudo pela grande extenso das plancies fluvio-marinhas e do macio de Itana, no baixo curso, que desvia a drenagem e diminui a velocidade do fluxo. A morfometria da bacia, caracterizada pela baixa declividade dos canais, pela pequena amplitude altimtrica e pela sua forma alongada, conforma um quadro natural de suscetibilidade s inundaes. A anlise dos documentos cartogrficos histricos e dos dados de obras no ambiente da bacia permitiu delimitar quatro perodos principais de caractersticas distintas de interveno (as primeiras canalizaes, as obras do DNOS, as obras dos anos 1960-80 e as dinmicas atuais). Essa periodizao embasou o entendimento da lgica dos ajustes nos canais e suas influncias na dinmica das inundaes. A realizao do diagnstico de degradao hidromorfolgica, a partir da avaliao do leito, das margens e da plancie fluvial, permitiu inferir que o alto grau de alterao geomorfolgica da bacia interfere diretamente na dinmica e intensidade das inundaes, sugerindo a hiptese de que os trechos mais degradados so aqueles mais acometidos pelas inundaes.

    Palavras-chave: Inundaes urbanas, degradao ambiental, ajustes nos canais, geomorfologia fluvial antrpica.

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    ABSTRACT

    This study aimed to investigate the main natural and anthropogenic conditions for the

    floods occurrence in the Guaxindiba / Alcantara (RJ) basin. The watershed is located on the eastern edge of the Guanabara Bay, draining an area of 168.37 km and comprises

    three cities: So Gonalo where most of its area, Itabora and Niteri. The land use is

    predominantly urban, and completely disorganized occupation. Throughout the basin, the main rivers and tributaries receive a high load of domestic sewage and industrial effluents without treatment, constituting a framework of high environmental

    degradation. Frequent flood events generate serious consequences for the population, in

    terms of material and immaterial damages and losses. Initially, the analysis of rainfall data of the watershed region showed that the basin, by inserting in the tropical region of

    great climatic instability, is naturally susceptible to episodes of flash floods. The study of the morphological characteristics of the basin indicated that relief directly influences the occurrence of floods, especially the large expanse of river-sea plains and the Itauna

    massive, on the lower course, diverting drainage and slows the flow. The morphometry

    of the basin, characterized by low slope channels, small amplitude altimetry and its

    elongated shape, forms a natural framework of susceptibility to flooding. Analysis of historical cartographic documents and data works in the basin environment allowed delineate four main periods of distinct characteristics of intervention (the first channelization, the DNOS works, the 1960-80-works and the current dynamics). This periodization guided the fellowship understanding the logic of adjustments in the channels and their influence on the dynamics of floods. Making the diagnosis of

    hydromorphological degradation, based on the evaluation of the riverbed, the banks and fluvial plain, allowed to infer that the high degree of geomorphological change in the basin directly affects the dynamics and intensity of floods, suggesting the hypothesis that stretches more degraded are those most affected by the floods.

    Keywords: urban floods, environmental degradation, channel adjustments, anthropogenic fluvial geomorphology.

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    LISTA DE FIGURAS

    Fig. 1 Localizao e detalhe da rea de estudo..............................................................18

    Fig. 2 Bairro do Alcntara atingido pelo transbordamento das guas do rio Alcntara, ocasionado pelas intensas precipitaes de abril de 2010. A linha azul indica o local do leito do rio em situao normal de vazo..........................................................................................19

    Fig. 3 Rua Navarro da Costa, nas proximidades imediatas da margem direita do Canal Isaura Santana, no bairro Jardim Catarina (baixo curso da bacia hidrogrfica) completamente alagada....................................................................................................19

    Fig. 4 Modelo conceitual adotado..................................................................................24

    Fig. 5 Esquema visual da diferenciao entre enchente e inundao............................26

    Fig. 6 Fluxograma representando a metodologia de investigao................................44

    Fig. 7 ZCAS atuando em 12/01/2011, episdio que causou inmeros danos Regio Serrana do Estado do Rio de Janeiro...............................................................................48

    Fig. 8 Sistemas de circulao perturbada na regio Sudeste.........................................48

    Fig. 9 Normais climatolgicas da estao principal do Rio de Janeiro em dois perodos: 1931-1960 e 1961-1990...................................................................................49

    Fig. 10 Evoluo da pluviosidade anual para a Estao Climatolgica Principal do Rio de Janeiro (1851 a 1990...................................................................................................49

    Fig. 11 Localizao dos postos pluviomtricos utilizados por Salgado et al. (2007).....51

    Fig. 12 Localizao da Estao Climatolgica da FFP/UERJ........................................51

    Fig. 13 Totais anuais de precipitao registrados na Estao Climatolgica da FFP/UERJ........................................................................................................................53

    Fig. 14 Totais pluviomtricos mensais registrados entre os anos de 2005 e 2012 na Estao Climatolgica da FFP/UERJ..............................................................................53

    Fig. 15 Desvio padro dos totais pluviomtricos mdios mensais da Estao Climatolgica da UERJ/FFP...........................................................................................54

    Fig. 16 Comparao entre os totais pluviomtricos mdios mensais da Estao Climatolgica da UERJ/FFP (2005-2012) e as Normais Climatolgicas 1961-1990 (INMET) para a Estao principal do Rio de Janeiro.....................................................54

    Fig. 17 Mapa do baixo curso do rio Alcntara. Observe-se a curva que faz o rio provavelmente por influncia da presena do macio de Itana.....................................56

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    Fig. 18 Geomorfologia da bacia dos rios Guaxindiba/Alcntara....................................58

    Fig. 19 Plancie flvio-marinha no baixo curso............................................................62

    Fig. 20 O macio de Itana visto da Baa de Guanabara...............................................62

    Fig, 21 Declividade da bacia dos rios Guaxindiba/Alcntara........................................73

    Fig. 22 Representao sombreada do relevo da bacia dos rios Guaxindiba/Alcntara.74

    Fig. 23 Canais projetados pela Comisso de Morais Rgo para a Baa de Guanabara, com destaque para o Rio Guaxindiba..............................................................................77

    Fig. 24 Canal extravasor de Cangurupi, que faz a ligao entre as bacias dos rios Guaxindiba e Macacu......................................................................................................78

    Fig. 25 Ponte sobre o Rio Alcntara. Fonte: Ges, 1934............................................78

    Fig. 26 Panfleto do loteamento Jardim Catarina (1953)..............................................81

    Fig. 27 Canal Isaura Santana completamente assoreado, com lixo nas margens, gigogas (Eichhornia crassipes) no leito e fluxo lento.....................................................81

    Fig. 28 Comparao entre a rede de drenagem na dcada de 1940 e em 1966...........82

    Fig. 29 Comparao da rede de drenagem em 1966 e 1975.........................................84

    Fig. 30 Morador aponta para canal de primeira ordem manilhado..............................85

    Fig. 31 Degradao hidromorfolgica dos canais e ocorrncia de enchentes.........................................................................................................................86

    Fig. 32 Perfil longitudinal do rio Alcntara....................................................................90

    Fig. 33 Canalizao parcial para a construo de um shopping Center no alto curso do rio Alcntara........................................................................................................91

    Fig. 34 Canal Isaura Santana, no baixo curso do rio Alcntara, completamente tomado por gigogas (Eichhornia crassipes) e tifas (typha domingensis), com velocidades de fluxo muito baixa...............................................................................................92

    Fig. 35 Sees transversais levantadas no rio Alcntara................................................95

    Fig. 36 Fixao de uma das margens do rio Guaxindiba..........................................................................................................96

    Fig. 37 Crianas observam o rio Camaro da janela de sua casa, cujos alicerces esto fincados no leito do rio..........................................................................................96

    Fig. 38 Rio Goian, no alto curso da sub-bacia do rio Guaxindiba, onde a mata ciliar foi completamente destruda e o rio retificado....................................................................100

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Parmetros indicadores de degradao hidromorfolgica....................................... 36

    Tabela 2: Informaes sobre as cartas topogrficas utilizadas....................................... 42

    Tabela 3: Informaes sobre os documentos histricos utilizados na avaliao da alterao dos canais ............................................................................................................................... 43

    Tabela 4: Valores referenciais para a anlise hidromorfolgica............................................. 44

    Tabela 5: Impermeabilizao das unidades geomorfolgicas da bacia hidrogrfica pelo processo de urbanizao .................................................................................................................. 66

    Tabela 6: Classificao dos parmetros morfomtricos ........................................................ 67

    Tabela 7: Ordem hierrquica e Relao de Bifurcao ......................................................... 68

    Tabela 8: Compilao dos parmetros morfomtricos .......................................................... 70

    Tabela 9: Resultados da anlise hidromorfolgica do leito dos canais fluviais ....................... 90

    Tabela 10: Resultados da anlise hidromorfolgica das margens dos canais fluviais .............. 94

    Tabela 11: Dados morfomtricos das sees transversais ..................................................... 96

    Tabela 12: Resultados da anlise hidromorfolgica das plancies fluviais.............................. 99

    Tabela 13: Resultados finais da anlise hidromorfolgica .................................................. 100

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    SUMRIO

    1 INTRODUO........................................................................................................... 17 1.1 rea de estudo ...................................................................................................... 18 1.2 Objetivos ............................................................................................................... 19 1.3 Estrutura do trabalho ........................................................................................... 22

    2 REFERENCIAL TERICO........................................................................................ 23 2.1 A ruptura homem/natureza nas cidades ............................................................... 23

    2.1.1 A teoria do risco: aproximaes..................................................................... 24 2.2 Inundaes e enchentes: alm da etimologia ....................................................... 27

    2.2.1 Tipologia das inundaes ............................................................................... 28 2.3 Condicionantes naturais ....................................................................................... 29

    2.3.1 Processos hidrolgicos e a ocorrncia de inundaes .................................... 29 2.3.2 Estudo das inundaes na interface com a geomorfologia ............................ 30 2.3.3 Caractersticas morfomtricas e comportamento hidrolgico da bacia hidrogrfica ............................................................................................................. 31

    2.4 Condicionantes antropognicos ........................................................................... 32 2.4.1 Conflito cidade/rio e a dinmica das obras de engenharia ............................. 33 2.4.2 Degradao hidromorfolgica dos canais e os eventos de inundao ........... 35

    3 OBTENO DOS DADOS........................................................................................ 40 4 CONDIES CLIMTICAS RELACIONADAS OCORRNCIA DE INUNDAES .............................................................................................................. 47

    4.1 Condies climticas regionais ............................................................................ 47 4.2 Caracterizao da precipitao na regio de So Gonalo ................................ 52

    5 CONDIES MORFOLGICAS DA BACIA HIDROGRFICA .......................... 57 5.1 EMBASAMENTO GEOLGICO.......................................................................... 57 5.2 Feies geomorfolgicas ...................................................................................... 59

    5.2.1 Relevos de agradao ..................................................................................... 61 5.2.2 Relevos de degradao ................................................................................... 62

    5.4 Urbanizao e impermeabilizao das unidades geomorfolgicas ..................... 63 6 CONDIES MORFOMTRICAS DA BACIA HIDROGRFICA ....................... 67

    6.1 Propriedades lineares........................................................................................... 68 6.1.1 Ordem hierrquica.......................................................................................... 68 6.1.2 Relao de bifurcao .................................................................................... 69 6.1.3 Nmero total de canais e frequncia de canais de primeira ordem................ 69

    6.2 Propriedades areolares ........................................................................................ 70 6.2.1 rea e permetro............................................................................................. 70 6.2.2 Comprimento e largura da bacia .................................................................... 71 6.2.3 ndices de forma ............................................................................................. 71

    6.3 Propriedades do relevo......................................................................................... 72 6.4 Relao dos elementos quantificados ................................................................... 73

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    7 ALTERAO DOS CANAIS POR OBRAS DE ENGENHARIA ........................... 77 7.1 Lgica da navegabilidade e as primeiras canalizaes ....................................... 78 7.2 Secar terras midas: as obras do DNOS no contexto do crescimento urbano dos anos 1940-60............................................................................................................... 81 7.3 As mudanas empreendidas nos anos 1960-80 .................................................... 85 7.4 Dinmicas atuais do territrio ............................................................................. 85

    8 DEGRADAO HIDROMORFOLGICA DOS CANAIS POR AO ANTRPICA ................................................................................................................. 88

    8.1 Situao do leito fluvial ........................................................................................ 90 8.1.1 Desenvolvimento do canal fluvial.................................................................. 91 8.1.2 Curso longitudinal .......................................................................................... 91 8.1.3 Estruturas do leito fluvial ............................................................................... 94

    8.2 Situao das margens fluviais .............................................................................. 94 8.2.1 Sees transversais......................................................................................... 95 8.2.2 Estruturas das margens................................................................................... 96

    8.4 Situao da plancie fluvial .................................................................................. 99 8.4.1 Caractersticas do uso da terra...................................................................... 100

    8.5 O quadro de degradao dos canais e a ocorrncia de enchentes na bacia hidrogrfica .............................................................................................................. 100

    9 CONCLUSES E RECOMENDAES................................................................. 103 10 REFERNCIAS ...................................................................................................... 106

    10.1 Referncias bibliogrficas ................................................................................ 106 10.2 Referncias cartogrficas ................................................................................. 113

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    1 INTRODUO

    O risco inerente vida. Ao longo da histria, o ser humano moldou a sua vida e os seus hbitos pela ocorrncia de fenmenos naturais desastrosos. A partir da Revoluo Industrial e com o apogeu da cidade como se concebe hoje, os fenmenos naturais tiveram suas consequncias gravosas intensificadas, uma vez que os grandes aglomerados urbanos cresceram acompanhados pelo crescimento das vulnerabilidades. A falta de planejamento urbano e de conscientizao sobre o risco levou a ocupao de grandes reas de plancies de inundao. A ocupao do leito maior dos rios tornou-se uma constante na geografia urbana brasileira. A partir da Teoria do Risco (FAUGRES, 1989), caberia aos cientistas pensarem o risco em uma relao sequencial de conceitos: o risco, o perigo e a crise. O risco e o perigo esto mais ligados preveno, enquanto a crise est mais ligada a gesto e a mitigao das consequncias de desastres. Rebelo (2001) representa a anlise do risco sobre trs pilares: a observao das condies de ocorrncia dos fenmenos, a cartografia do risco e a modelagem e simulao de cenrios, atravs dos Sistemas de Informao Geogrfica (SIGs). A anlise do risco perpassa a complexidade dos fenmenos, sua potencialidade, a probabilidade de ocorrncia, as presses e os custos envolvidos na preveno e o limiar (o risco mximo limiar entre o risco e o perigo).

    As inundaes constituem um dos grandes problemas dos espaos urbanos no Brasil, evidenciando uma clara desarmonia na relao sociedade/natureza. Gegrafos, urbanistas, planejadores, engenheiros e outros profissionais tm se dedicado em buscar solues (estruturais ou no) para o problema, muito embora exista o hbito de apontar as causas, no sendo fcil encontrar trabalhos que abordem propostas ou diretrizes para amenizar essa questo.

    No quadro dos corredores fluviais urbanos, os eventos naturais so intensificados pela interveno antrpica, seja pelo local de construo das moradias, seja pelas alteraes na morfologia dos canais ou pelo despejo de seus efluentes domsticos. No estado do Rio de Janeiro, especificamente, a ocorrncia de inundaes repentinas (flashfloods) tem ceifado vidas e gerado uma srie de problemas sanitrios, sociais e econmicos.

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    1.1 rea de estudo

    Localizada na borda leste da Baa de Guanabara e drenando uma superfcie de 168,37 km, a bacia em estudo formada pela sub-bacia do rio Alcntara e pela sub-bacia do rio Guaxindiba e engloba grande parte do municpio de So Gonalo e pequenos trechos dos municpios de Niteri e Itabora (figura 1). A sub-bacia do rio Alcntara conforma uma rea de 103 km. O rio principal, rio Alcntara, possui 25 km de extenso e margeia a RJ-104 at cruzar o bairro de Alcntara, importante centro econmico da cidade de So Gonalo. J a sub-bacia do rio Guaxindiba apresenta uma rea de 65,37 km, correndo o rio principal por uma extenso de 29 km, cortando cerca de 5 bairros. As nascentes, por parte do Rio Alcntara, localizam-se na Serra Grande, em Niteri, a cerca de 200 metros de altitude. As nascentes do Rio Guaxindiba, por sua vez, localizam-se no bairro do Anaia a aproximadamente 120 metros de altitude. A bacia dos rios Guaxindiba/Alcntara est sob atuao do Comit de Bacia da Baa de Guanabara e, mais especificamente, gerida pelo Subcomit Leste.

    Os dois rios encontram-se aps o bairro de Jardim Catarina e seguem para a rea de Proteo Ambiental de Guapimirim (APA-Guapi), onde desgua como Rio Guaxindiba na Baa de Guanabara. Ao longo de seu curso, apresentam diversas canalizaes, a destacar o Canal de Guaxindiba, localizado no baixo curso, pouco antes do rio adentrar no ecossistema manguezal. O uso da terra predominantemente urbano, sendo a ocupao completamente desordenada. A populao do municpio de So Gonalo, de acordo com dados do Censo Demogrfico de 2010 do IBGE, de 999.728 habitantes. Ainda de acordo com o Censo 2010, de um total de 258.290 domiclios, 15,47% (39.981) no possuam rede de esgoto. Ao longo de seu curso, os rios principais e os contribuintes recebem uma elevada carga de esgotos domsticos e efluentes industriais sem tratamento, fazendo com que as guas cheguem muito poludas ao baixo curso e Baa de Guanabara.

    Os rios, ao longo de seus cursos, encontram-se em avanado estgio de degradao. Muitos canais foram retificados no decorrer do processo de urbanizao. Acrescente-se o fato do processo de ocupao da bacia ter sido marcado pela autogesto habitacional, quando, sem superviso das autoridades competentes, os prprios moradores executam obras de carter pblico (pontes de madeira improvisadas, conteno e concretagem de margens, pinguelas etc.), alm de casas construdas em reas inadequadas. Atualmente, as aes de manejo dos rios baseiam-se apenas na

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    dragagem espordica dos canais, no havendo nenhum tipo de poltica orgnica que pense a bacia hidrogrfica numa perspectiva integrada. Alm disso, importante destacar que grande parte do municpio de So Gonalo no dispe de sistemas eficientes de coleta de lixo, o que faz com que as margens dos rios tornem-se reas de depsito de dejetos e entulho.

    No Plano Municipal de Reduo de Risco PMRR do Municpio de So Gonalo (SO GONALO, 2008), foram identificados 32 trechos de recorrncia de inundaes na bacia, 8 deles considerados de risco altssimo. De acordo com Salgado et al. (2007a, 2007b), todo o municpio de So Gonalo rotineiramente afetado por grandes eventos de inundao.

    Nas diversas ocasies de inundao, o nvel das guas chega a alcanar um metro acima do nvel das ruas, invadindo residncias e estabelecimentos comerciais, causando diversos danos, materiais e imateriais, populao. No evento de abril de 2010, foram registradas 9 mortes somente em So Gonalo, em decorrncia das chuvas que assolaram especialmente os municpios da borda leste da Baa de Guanabara. Nessa ocasio, vrios trechos do municpio foram tomados pelas guas do rio Alcntara (figuras 2 e 3).

    1.2 Objetivos

    A investigao tem como objetivo geral identificar os condicionantes climticos e antropogeomorfolgicos para a ocorrncia de inundaes na bacia dos rios Guaxindiba/Alcntara. Especificamente, com a pesquisa objetiva-se ainda:

    1 Relacionar as caractersticas pluviomtricas do municpio de So Gonalo com a ocorrncia de inundaes na bacia;

    2 Identificar as principais influncias das condies morfolgicas e morfomtricas dos canais no desenvolvimento de inundaes;

    3 Avaliar o grau de alterao nos canais por obras de engenharia; 4 Mensurar o grau de degradao dos canais pela ao antrpica; 5 Relacionar a alterao dos canais e a degradao ocorrncia e intensidade das

    inundaes.

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    FFigura 1: Localizao e detalhe da rea de estudo.

    Elaborao: Fernando Damasco, 2013.

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    Figura 2: Bairro do Alcntara atingido pelo transbordamento das guas do rio Alcntara, ocasionado pelas intensas precipitaes de abril de 2010. A linha azul indica o local do leito do

    rio em situao normal de vazo. Fotografia: Jornal O So Gonalo, 08/04/2010.

    Figura 3: Rua Navarro da Costa, nas proximidades imediatas da margem direita do Canal Isaura Santana, no bairro Jardim Catarina (baixo curso da bacia hidrogrfica) completamente alagada.

    Fotografia: Sidney M. Mafort, 06/04/2010.

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    1.3 Estrutura do trabalho

    De modo a contemplar os objetivos propostos, o trabalho foi organizado de modo a combinar a anlise das caractersticas naturais da bacia com o impacto da ocupao humana. O intuito no foi estabelecer uma escala de valorao entre tais fatores, mas estabelecer uma investigao complexa sobre a problemtica das inundaes, abarcando, por um lado, a dinmica e a suscetibilidade do meio natural e, por outro, a efetividade da ao humana e as vulnerabilidades desencadeadas. O trabalho est organizado em 10 captulos: os trs primeiros englobando a introduo, o referencial terico e a metodologia; os cinco seguintes (cap. 4, 5, 6, 7 e 8) contemplam o desenvolvimento da pesquisa e os resultados obtidos; os dois captulos finais referem-se s consideraes finais e s referncias bibliogrficas. Especificamente em relao ao desenvolvimento, no captulo 4 foram analisadas as condies climticas da bacia hidrogrfica, sobretudo, naqueles aspectos que podem ser relevantes ao desenvolvimento de inundaes, sobretudo, a precipitao. No captulo 5, atravs do estudo das caractersticas do embasamento geolgico e das principais feies geomorfolgicas, realizou-se a anlise morfolgica da bacia. O captulo complementado pelo captulo 6, que aborda a anlise morfomtrica da bacia. Os dois captulos oferecem uma viso global do relevo da bacia hidrogrfica. Os captulos seguintes, por sua vez, dedicam-se avaliao do fator antrpico. No captulo 7, foram analisadas as principais alteraes na rede hidrogrfica ao longo do sculo XX.

    A degradao resultante dessas alteraes o tema do captulo 8. A partir da observao das feies do leito, das margens e da plancie fluvial, construiu-se um arcabouo emprico capaz de fornecer um quadro completo da situao hidromorfolgica da bacia.

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    2 REFERENCIAL TERICO

    2.1 A ruptura homem/natureza nas cidades

    Ao longo da histria da humanidade, diversas concepes de natureza foram gestadas, desde os tratados da Antiguidade Clssica at as mais recentes discusses sobre sustentabilidade. Nessas reflexes, o papel do homem esteve vinculado aos diferentes paradigmas de entendimento de mundo vigentes.

    A partir do apogeu do paradigma renascentista do antropocentrismo, o homem colocado no centro da existncia e em torno dele gira todo o mundo concebido. Surge, ento, a noo de que a natureza deveria ser dominada pelo homem e de que tudo que se relaciona com ela se ope ao humano: o cultural surge como oposio ao selvagem.

    A natureza se define, em nossa sociedade, por aquilo que se ope cultura. A cultura tomada como algo superior e que conseguiu controlar e dominar a natureza. (...) A natureza , em nossa sociedade, um objeto a ser dominado por um sujeito, o homem, muito embora saibamos que nem todos os homens so proprietrios da natureza (PORTO-GONALVES, 2002).

    Essa noo foi basilar no desenvolvimento das cidades tal como conhecemos hoje. A partir da Revoluo Industrial, quando o operariado passa a se localizar em torno das fbricas, surge a concepo moderna de cidade, nascida na precariedade e sob o jugo de esconder, camuflar ou mudar tudo aquilo que fosse natural.

    Marx, em suas anlises sobre o sistema capitalista e a organizao do operariado no sculo XIX, faz referncia ao metabolismo na relao do homem com a natureza, implicando uma noo de troca material entre eles. O humano se diferencia do animal por conseguir mentalizar e planejar sua ao transformadora (trabalho) na natureza, de forma a ser ele o nico capaz de instrumentalizar a natureza de uma forma to elaborada. Historicamente, o ser humano se organizou sob diversas organizaes sociais e modos de produo, pois seu trabalho e sua relao com a natureza s ocorre de forma social, conjunta e mediada. Aps tanto tempo de existncia no planeta, este ser social j deveria ter desenvolvido profundas formas de se planejar para se inserir dentro do ritmo metablico da natureza. Contudo, este planejar s se d socialmente e depende igualmente de um tipo de organizao social ou modo de produo que seja favorvel a isso.

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    O trabalho , antes de qualquer outra coisa, um processo entre o homem e a natureza, um processo pelo qual o homem atravs das suas prprias aes, medeia, regula e controla o metabolismo entre ele e a natureza. Ele encara os materiais da natureza como uma fora da natureza. Ele pe em movimento as foras naturais que pertencem ao seu prprio corpo, aos braos, pernas, cabea e mos, a fim de apropriar os materiais da natureza de uma forma adaptada s suas prprias necessidades. Atravs deste movimento, ele atua sobre a natureza externa e a modifica, e assim simultaneamente altera sua prpria natureza... Ele [o processo do trabalho] a condio universal da interao metablica entre o homem e a natureza, a perptua condio da existncia humana imposta pela natureza. (MARX1 apud FOSTER, 2005).

    Como o sistema capitalista marcado pela propriedade privada, a natureza no pertence a todos, mas apenas a quem possui recursos para domin-la, seja a classe dominante, seja o Estado. Nesse contexto, os trabalhadores estariam submetidos a uma constante alienao, que se projeta sob a forma de uma falta de conscincia do trabalhador sobre os impactos que ele causa sobre a natureza, pois a mesma j no o pertence mais, ela passa a ser apenas a matria-prima do proprietrio. Este o incio da ruptura metablica, quando o poder de deciso sobre os rumos do trabalho social (do coletivo) passado apenas para as mos de quem proprietrio e, portanto, controla as foras produtivas.

    Todo este processo se intensifica na sociedade moderna, principalmente com o fenmeno da urbanizao. A cidade se constri enquanto lcus do consumo social e, consequentemente, tambm o lcus da ruptura metablica, onde diariamente os seres humanos gerem sem ter absoluto controle dos impactos na natureza (na produo e no consumo). A cidade funciona, ento, como uma grande consumidora de materiais orgnicos e inorgnicos e tambm como uma grande produtora de resduos, os quais a natureza no d conta de sintetizar por conta do volume e da concentrao.

    2.1.1 A teoria do risco: aproximaes

    Os riscos sempre acompanharam a histria humana e, tambm por isso, seu estudo envolve vrias reas do conhecimento que, interdisciplinarmente, constroem a teoria do risco. Discutida por muitos autores, a teoria vm sendo formulada ao longo dos anos e aplicada s mais diversas cincias e aos mais variados estudos de caso.

    1 MARX, K. Capital. So Paulo: Difel, 1985.

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    Na Geografia, no entanto, parece haver certa resistncia a utilizar uma teoria do risco, de modo que os gegrafos, ao estudar os riscos, sobretudo, naturais, vm formulando seus prprios conceitos e noes. Esses conceitos e noes por vezes no esto articulados em uma teoria sobre os riscos e, portanto, no tm sustentao. Ademais, esta gama de conceitos iguais com diversas definies confunde a comunidade cientfica, no contribuindo para a coeso dos estudos sobre os riscos naturais, fundamentais ao ordenamento do territrio e prpria vida humana.

    De acordo com Cutter (1993), a falta de estudos tericos sobre os riscos naturais faz com que haja uma dificuldade incrvel de se conceituar adequadamente as noes e os conceitos inerentes esta temtica. Some-se a este fato a dificuldade em se traduzir alguns termos que s tm verdadeiro sentido nas lnguas inglesa e francesa. Quando traduzidas para a lngua portuguesa, estas palavras tendem a perder o seu sentido ou terem uma considervel reduo do seu significado (TELES, 2010; VARNES, 1984). Para alguns autores, o risco seria equivalente ao produto de um perigo e da vulnerabilidade, isto , o risco como uma relao ou produto (UNISDR, 1990; WESTEN et al., 2006):

    R = H . V ou

    Outros encaram o risco de uma forma mais genrica, de modo a no esgotar as possibilidades conceituais. De acordo com a sua concepo, o risco pode ser entendido em funo do hazard e da vulnerabilidade. Deste modo, aproximam-se da teoria de Faugres (1990, 1991), um dos nicos cientistas e se debruarem na construo de uma teoria do risco (DAUPHIN, 2001; REBELO, 2003; TELES, 2010):

    Risco = f (hazard, vulnerabilidade) Veyret (2007), insere a noo de percepo no conceito de risco, definindo-o

    como a percepo de um perigo possvel, mais ou menos previsvel por um grupo social ou por um indivduo que tenha sido exposto a ele.

    A partir das contribuies da UNDRO/ONU (1979), IPT (2007), de Veyret (2007), partindo-se do pressuposto do risco como um conceito amplo e dependente de um perigo e de uma vulnerabilidade, pode-se chegar s seguintes conceituaes:

    Risco a possibilidade de ocorrncia de consequncias gravosas, econmicas ou mesmo para a segurana das pessoas, em resultado do desencadeamento de um fenmeno caracterizado como hazard.

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    Perigo Desregulao de um estado de normalidade, causado pela ocorrncia de um fenmeno com uma determinada magnitude (a que est associado um potencial destrutivo), num determinado perodo de tempo e numa dada rea.

    Vulnerabilidade Grau de exposio, sensibilidade e fragilidade de uma populao ocorrncia de um fenmeno (natural ou induzido pelo Homem) com determinada magnitude ou intensidade. Pode ser humana, socioeconmica ou ambiental.

    Suscetibilidade Indica a potencialidade de ocorrncia de processos naturais e induzidos em uma dada rea, expressando-se segundo classes de probabilidade de ocorrncia.

    Os riscos naturais so comumente referidos como aqueles no qual o fenmeno que gera os danos tem sua origem na natureza. Esse tipo de risco foi o primeiro a assolar a vida humana, sobretudo, a ocorrncia de tempestades, incndios e outros que assustavam e mudavam a rotina das comunidades primitivas.

    Figura 4: Modelo conceitual adotado. Fonte: Fernando Damasco, 2013.

    Na atualidade, a ocorrncia de riscos naturais motivo de estudo e investigao pela comunidade cientfica. Embora a humanidade no possua a veleidade de elimin-los, os riscos podem ser previstos, geridos e analisados nos seus pormenores, de forma que o planejamento e o ordenamento do territrio, a partir de uma anlise ex-ante dos cenrios, possam criar estratgias de preveno e controle de consequncias danosas.

    Diversos autores tm abordado os riscos inerentes aos corredores fluviais, bem como queles relacionados aos processos hidrolgicos especificamente, no havendo um consenso sobre a nomenclatura a ser utilizada.

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    Alguns autores utilizam a terminologia risco hidrolgico, referindo-se aos riscos que derivam de possveis perturbaes no ciclo hidrolgico, em variadas escalas de anlise e envolvendo os mais variados processos hidrolgicos (precipitao, infiltrao, percolao, escoamento superficial, evaporao etc.).

    Arnaud-Fassetta et al. (2009) destacam-se por referir-se ao risco fluvial, definindo-o como a integrao de riscos direta ou indiretamente relacionados com a ao de fluxos de gua superficiais: inundao, eroso vertical ou lateral e assoreamento do canal, avulso do canal sobre a plancie fluvial, poluio e grandes enxurradas.

    2.2 Inundaes e enchentes: alm da etimologia

    Na literatura cientfica, muito comum encontrar-se os termos enchente e inundao como sinnimos. No entanto, essa generalizao pode causar equvocos nas aes arquitetadas durante o planejamento, comprometendo uma eficiente gesto ambiental.

    A necessidade de um esclarecimento parte da prpria etimologia das palavras. O termo enchente deriva do verbo encher, que por sua vez vem do latim implere, pleno, completo, repleto, formada por in em, e plenus cheio, do grego plos cheio. J o termo inundao deriva do verbo inundar, que provem do latim inundare, cobrir de gua em movimento, alagar, submergir, formada por in em, e por unda onda, em onda (NASCENTES, 1955; CUNHA, 1982).

    Pela prpria etimologia da palavra, pode-se concluir que o termo enchente refere-se ao ato de completar um vo, tornar repleto, o que, aplicado geomorfologia fluvial pode ser interpretado como movimento natural do rio entre cheia e vazante, durante o qual ocorrem picos, quando o nvel das guas pode alcanar o leito maior. No que se refere s inundaes, a definio etimolgica traz a noo de alagamento, submerso, sob a forma de onda, o que se aplica aos eventos urbanos nos quais as guas dos rios avanam pela plancie fluvial, alagando ruas, casas e prdios, tendo a gua que ser escoada pelos sistemas de drenagem urbana (figura 5). s inundaes est intimamente ligada a noo de superao da capacidade de descarga da calha do rio e o extravasamento das guas para os terrenos marginais (CNDIDO, 2007; IPT, 2007).

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    Figura 5: Esquema visual da diferenciao entre enchente e inundao. No primeiro esquema, o canal fluvial em comportamento normal, na mdia histrica; depois, logo abaixo, o canal em situao de enchente, isto , com nvel da gua acima da mdia histrica, mas sem transbordamento para a plancie fluvial; por ltimo, o canal fluvial em situao de inundao.

    Fonte: Goerl & Kobiyama (2005).

    2.2.1 Tipologia das inundaes

    As inundaes podem ser classificadas a partir de diferentes aspectos da sua ocorrncia. A Defesa Civil brasileira classifica os eventos em funo da sua magnitude, isto , entre inundaes excepcionais, grande magnitude, normais ou pequena magnitude (IPT, 2007; GOERL & KOBIYAMA, 2005).

    No entanto, pode-se estabelecer um sistema de classificao a partir do padro evolutivo dos eventos de inundao. Nessa abordagem, os eventos so classificados como inundaes graduais e inundaes bruscas.

    As inundaes graduais, tambm chamadas de lentas ou de plancie, decorrem de uma situao anterior de cheia e possuem baixo potencial destrutivo. Por muitas vezes, no geram muitas perdas em vidas porque, devido lentido da subida do nvel das guas, permitem a evacuao das reas atingidas.

    As guas elevam-se de forma paulatina e previsvel, mantm em situao de cheia durante algum tempo e, a seguir, escoam gradualmente. Normalmente, as inundaes graduais so cclicas e nitidamente sazonais (CASTRO, 2003).

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    De acordo com Mediondo (2005), as inundaes bruscas so caracterizadas pela curta durao e pela rpida elevao da onda de inundao e, consequentemente, do nvel das guas e tm como principal causa uma chuva torrencial. As inundaes bruscas so muito frequentes em bacias hidrogrficas com grande desnivelamento altimtrico e vales profundos. Nestes cenrios, os fluxos superficiais arrastam uma grande carga sedimentar proveniente de margens e terrenos afetados pela eroso lateral. Por isso, possuem grande capacidade de destruio (PLATE, 2002).

    2.3 Condicionantes naturais

    Os fatores que influenciam na ocorrncia de inundaes podem ser classificados em transitrios (chuvas, saturao do solo e evaporao), fatores permanentes (morfometria da bacia e geologia) e os fatores permanentes e transitrios, caracterizado pelo uso da terra (RODDA2 apud FRANCISCO, 1991). Neste trabalho, optou-se pela classificao entre condicionantes naturais e condicionantes antropognicos, sobretudo, porque objetiva destacar o papel da ao humana no desencadeamento de eventos desastrosos de inundao.

    Apesar da maior parte das inundaes de que se tm notcia ocorrerem no meio urbano, a urbanizao no pode ser colocada como o nico fator desencadeador de tal processo. Na verdade, as caractersticas naturais da bacia podem ter influncia fundamental no desenvolvimento dos canais. Por isso, a investigao das caractersticas dos processos hidrolgicos, da morfologia e da morfometria do relevo tornam-se fundamentais.

    2.3.1 Processos hidrolgicos e a ocorrncia de inundaes

    O desenvolvimento de inundaes est diretamente relacionado com a dinmica do funcionamento dos processos hidrolgicos, sobretudo, precipitao, infiltrao e escoamento superficial.

    De acordo com Francisco (1991), a condio bsica para ocorrncia de inundaes a entrada de gua na bacia hidrogrfica. Dessa afirmao, deriva a ideia de que o volume de precipitao um importante desencadeador de eventos de inundao, muito embora Cooker (1974) defenda que a ocorrncia de fortes chuvas no 2 RODDA, J. C. The Flood Hydrograph. In: CHORLEY, R. J. (coord.). Introduction to

    Physical Hidrology. London: Metheun, 1969.

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    significa que acontecer uma inundao, uma vez que partes da precipitao vo sendo perdidas pelos outros processos hidrolgicos que no o escoamento superficial (evaporao, interceptao, infiltrao).

    Dentre esses outros processos, a infiltrao ganha especial destaque. De acordo com Coelho-Netto (1994), o termo infiltrao foi proposto inicialmente por Horton (1945) para expressar a gua que molha ou que absorvida pelo solo. As caractersticas dos materiais que compem o solo e da cobertura podem diminuir ou intensificar a quantidade de gua infiltrada, condicionando o volume e intensidade do escoamento superficial. De acordo com Bigarella & Suguio (1990), quando cessa a infiltrao devido saturao dos espaos vazios do solo, inicia-se o escoamento superficial.

    O escoamento superficial definido por Suguio (1998) como fenmeno pelo qual as guas metericas correm pela superfcie do terreno. O escoamento caracteriza-se, portanto, como um processo natural que, com as caractersticas naturais dos rios mantidas, no apresentaria maiores problemas. No entanto, com a urbanizao e o avano das reas impermeveis, os volumes escoados se tornam exponencialmente maiores que os infiltrados o que desencadeia tantos eventos desastrosos.

    2.3.2 Estudo das inundaes na interface com a geomorfologia

    Os fatores que controlam a dinmica hidrolgica de uma bacia esto diretamente relacionados com as suas caractersticas geomorfolgicas e geolgicas (LIMA, 1986). Os processos hidrolgicos so diretamente afetados pelas variaes na morfologia, podendo ser intensificados ou mitigados de acordo com os diferentes estgios de evoluo da paisagem.

    Na verdade, a bacia hidrogrfica deve ser analisada como um sistema aberto, em constante equilbrio dinmico (LIMA, 1986). Nela, atuam em diferentes propores e escalas, a eroso, o transporte e a deposio, como tambm processos de natureza endgena. Assim, a bacia constitui uma rea limitada por formaes geomorfolgicas de altitude, tendo a confluncia de uma rede de drenagem como referncia. , portanto, um sistema geomorfolgico, hidrogrfico, pedolgico, biogeogrfico e socioambiental.

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    Na anlise da bacia hidrogrfica, vrias metodologias de estudo so empregadas, por profissionais das diversas reas de estudo. No mbito da Geografia, ganham destaque aquelas que debruam-se sobre o entendimento da evoluo do modelado e dos padres de drenagem, das caractersticas fsicas da bacia e aqueles que priorizam o estabelecimento de relaes intrnsecas entre a morfologia e a morfometria (CHRISTOFOLETTI, 1969).

    A investigao da evoluo do relevo tem grande importncia no entendimento doas atuais processos que moldam a paisagem, podendo ser de grande interesse para o ordenamento do territrio e para a preveno de riscos naturais. A Geomorfologia, enquanto cincia prpria de estudo do modelado, possui diversas metodologias de anlise do relevo, desde os pressupostos fundamentais, expostos nas teorias clssicas de Davis, Penck, King e Hack, como tambm dos geomorflogos contemporneos. Para Casseti (2005), a importncia do relevo para o entendimento da dinmica da paisagem explica-se a partir de trs pressupostos: a relao de foras contrrias (processos endgenos e exgenos); as relaes morfopedolgicas; e as relaes antropomorfolgicas.

    A investigao geomorfolgica abre-se, portanto, a novos horizontes, contemplando tambm a apropriao de relevo pelas mais diversas sociedades ao longo da histria. As inundaes poderiam ser mais bem estudadas pelos geomorflogos fluviais, uma vez que tais eventos tm influncia direta na alterao das formas principais do leito, das margens e da plancie (BAKER et al., 1989). Em eventos extremos, o prprio curso do rio pode ser alterado.

    2.3.3 Caractersticas morfomtricas e comportamento hidrolgico da bacia hidrogrfica

    Horton (1945) foi o primeiro a fazer estudos relacionados a aspectos fsicos e quantitativos das bacias hidrogrficas. Souza (2005) aponta que, aps os contributos hortonianos, muitos autores dedicaram-se temtica, destacando-se Strahler (1952, 1964), Chorley (1957), Morisawa (1962) e Zvoianu (1985).

    De acordo com Horton (1945), a anlise morfomtrica de bacias hidrogrficas pode ser entendida em Geomorfologia como processos sistemticos e racionais, cuja preocupao a de medir as formas do relevo, ou seja, a morfometria das bacias de drenagem.

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    A partir da dcada de 1950, novos parmetros foram definidos, conforme apresentado nos estudos de Strahler (1952, 1964), Tolentino et al. (1968) e Christofoletti (1969, 1970, 1977, 1978, 1980), dentre outros. Preocupado com o entendimento da importncia e descrio dos variados aspectos da anlise morfomtrica das bacias de drenagem, Christofoletti (1969) desenvolveu um trabalho bastante completo, integrando os ndices e parmetros desenvolvidos.

    Loureno (1988) dividiu os fatores morfomtricos em cinco classes distintas: propriedades lineares (que relacionam-se mais diretamente aos canais de drenagem); propriedades areolares (relacionados forma e extenso das bacias de drenagem); as propriedades de relevo; o estudo dos declives; relaes entre os elementos quantificados.

    Horton (1945), pioneiro dos estudos de morfometria, deduziu que a rea e a densidade da drenagem so altamente correlacionados com a descarga mxima da inundao. Morisawa (1962) sugeriu que o volume do escoamento superficial funo da rea, do comprimento total dos canais, da circularidade e da taxa de relevo da bacia.

    Zvoianu (1985) prope que o tempo total de durao das inundaes e o tempo de elevao das guas so diretamente proporcionais rea da bacia e ao comprimento do canal principal e inversamente proporcional declividade mdia da bacia ou do canal principal.

    De acordo com Souza (2005), a morfometria da bacia hidrogrfica responsvel pela suscetibilidade morfomtrica ao desenvolvimento de inundaes. A autora elencou 15 parmetros morfomtricos e os relacionou diretamente com a ocorrncia e intensidade das inundaes.

    2.4 Condicionantes antropognicos

    Os estudos acerca dos efeitos da atividade humana sobre o meio ambiente tiveram como primeiro marco, de acordo com Gregory (1992), a obra Man and Nature or physical geography as modified by human action, publicada em 1864 por George Marsh.

    Rodrigues & Gouveia (2013) e Vieira & Cunha (2003) destacam a obra de Goudie (1992; 1993; 1994) como um enorme contributo no sentido de sistematizar o conhecimento geomorfolgico que deveria ser acessado para avaliar os efeitos das aes

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    antrpicas na superfcie terrestre, relacionando, inclusive com a ocorrncia de riscos naturais (GOUDIE & ALCNTARA-AYALA, 2010).

    Rodrigues & Gouveia (2013) ressaltam, ainda, que a interveno antrpica no ambiente biofsico interfere diretamente nos padres dos materiais e processos da superfcie:

    a geomorfologia assume importncia fundamental nos estudos urbanos, pois grande parte dos problemas ambientais nesse meio resultante de mudanas produzidas pela ao antrpica, nas formas, na localizao e constituio dos materiais superficiais e nos balanos dos processos geomorfolgicos (RODRIGUES & GOUVEIA, 2013).

    2.4.1 Conflito cidade/rio e a dinmica das obras de engenharia

    O processo de urbanizao que se desenvolveu no Brasil, sobretudo a partir da segunda metade do sculo XX, no veio acompanhado de polticas efetivas de planejamento e gesto territoriais, de modo que as populaes foram ocupando reas imprprias sem a superviso das autoridades, constituindo ambincias insalubres e complexos espaos de risco nas cidades.

    Os rios, devido sua praticidade para a funo excretora, constituem-se como elementos muito sensveis e mais impactados pela ao humana. Associado ao alto grau de impermeabilizao do solo trazido pelo padro asfalto/concreto, este quadro de degradao gera eventos extremos de inundao que causam consequncias gravosas populao.

    Para tanto, as populaes desenvolveram medidas no intuito de mitigar esses eventos calamitosos. Tucci (2006) classifica essas medidas entre as medidas no estruturais, caracterizadas por se referirem a uma noo ex-ante de planejamento do territrio, e as estruturais, mais ligadas ao planejamento ex-post.

    Em outras palavras, o autor define as medidas no estruturais como aquelas que se preocupam com a preveno, como os mapeamentos e zoneamentos de reas de inundao. Por sua vez, as medidas estruturais buscam a interveno e a modificao do ambiente fluvial, sobretudo, a partir das obras de engenharia.

    De um modo geral, essas intervenes tm como objetivo principal minimizar os impactos das inundaes causadas pelo alto grau de impermeabilizao do solo. No entanto, em muitos casos, essas obras redirecionam os fluxos superficiais, criando novos padres de drenagem. Ao mesmo tempo que o volume do escoamento difuso, do

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    escoamento em subsuperfcie e da infiltrao so diminudos, h uma intensificao do escoamento superficial porque as intervenes no permitem a infiltrao da gua no solo e criam leitos pluviais nas ruas nos grandes eventos de precipitao (FUJIMOTO, 2008).

    Desde os anos 1960, muitos investigadores tm estudado as alteraes nos rios por aes antrpicas, sobretudo na tentativa de elucidar as causas, caractersticas, localizao e temporalidade dos efeitos ambientais concernentes s mudanas nos canais (CHIN & GREGORY, 2005; GREGORY, 2006; RODRIGUES, 2010; CUNHA, 2012, entre outros). Essas mudanas denunciam diferentes graus de degradao que, por sua vez, refletem o uso da terra de toda a bacia hidrogrfica.

    No mbito dos canais fluviais, a canalizao a interveno mais flagrante sobre o meio fsico. Cunha (1995a; 2012), citando Keller (1976) e Brookes (1985), define canalizao como todas as obras de engenharia praticadas no canal fluvial com a finalidade de controle das cheias, melhoria na drenagem e manuteno da navegao, reduo da eroso nas margens ou desvio para a construo de estradas. A autora ainda apresenta a sumarizao proposta por Brookes (1988), que divide a canalizao nos seguintes processos: alargamento e aprofundamento da calha, retificao do canal e construo de canais artificiais, construo de diques e a remoo de obstculos no canal.

    A canalizao modifica o canal, ocasionando muitas vezes o estrangulamento da seo do rio, devido aos vrios tipos de obras realizadas. A eficincia do fluxo prejudicada, uma vez que as obras tendem a ignorar as variveis morfomtricas e morfolgicas dos canais fluviais. Cunha (2012) ressalta ainda que os efeitos sobre os ambientes fluviais englobam mudanas no ambiente do prprio trecho canalizado, a jusante da canalizao e na plancie de inundao. necessrio, portanto, que sejam avaliadas as mudanas, no intuito de verificar a espacialidade das alteraes e sua correlao com a ocorrncia de riscos naturais, subsidiando projetos de planejamento e recuperao dos canais.

    As alteraes nos canais ocorrem de forma diferenciada no espao, apresentando caractersticas distintas de acordo com a sua localizao, de modo que as respostas do sistema so complexas (SCHUMM, 1973). Conforme apresentado por Chin & Gregory (2001), as alteraes variam tambm em caracterstica e grau de interveno, de modo que cada bacia, de acordo com as condies histricas de ocupao apresenta um padro espacial prprio.

  • 35

    2.4.2 Degradao hidromorfolgica dos canais e os eventos de inundao

    A degradao do ambiente tem sido o foco de muitas pesquisas na Geografia a partir da dcada de 1990. De acordo com Guerra & Guerra (1997) a degradao ambiental :

    (...) causada pelo homem, que, na maioria das vezes, no respeita os limites impostos pela natureza. A degradao ambiental mais ampla que a degradao dos solos, pois envolve no s a eroso dos solos, mas tambm a extino de espcies vegetais e animais, a poluio de nascentes, rios, lagos e baas, o assoreamento e outros impactos prejudiciais ao meio ambiente e ao prprio homem.

    Cunha & Guerra (1997) propuseram que a degradao ambiental no pode ser analisada apenas sob o ponto de vista fsico, uma vez que deve ser entendida de forma global, integrada, holstica, levando-se em conta as relaes existentes entre a degradao natural e a sociedade, que pode ser a causadora dessa degradao ambiental.

    Muito embora os autores tenham defendido uma abordagem holstica, trabalhos especficos sobre os aspectos fsicos da degradao ambiental so relevantes e podem, inclusive, subsidiar e referenciar futuros estudos holsticos sobre a temtica.

    Nesse sentido, o estudo da degradao hidromorfolgica ganha relevncia. O termo degradao hidromorfolgica foi utilizado no Plano Hidrolgico da parte espanhola da demarcao hidrogrfica do Douro (BUNED, 2009) e foi definido como a degradao da morfologia fluvial causada pelos reiterados procedimentos de limpeza e correo dos rios, aliados regulao artificial dos regimes hidrolgicos e reduo do transporte de sedimentos, de modo a limitar a capacidade de regenerao natural do sistema fluvial.

    De um modo geral, a degradao hidromorfolgica causada pelas medidas estruturais empreitadas pelo Estado ou pelos moradores no sistema autogestionrio, desconsiderando, em ambos os casos, a dinmica natural do rio e as suas variaes espaciais e temporais. A partir da anlise dos sistemas fluviais, pode-se levantar alguns parmetros que servem como indicadores de degradao hidromorfolgica.

    Para efeito de correlao, esses parmetros, a sua definio e a sua influncia na degradao dos canais, encontram-se sintetizados na tabela 1.

  • 36

    Tabela 1: Parmetros indicadores de degradao hidromorfolgica

    PARMETRO DE DEGRADAO DEFINIO

    INFLUNCIAS NO QUADRO DE DEGRADAO HIDROMORFOLGICA DOS CANAIS DE DRENAGEM

    Sinuosidade

    uma propriedade inerente ao rio meandrante, que reflete a intensidade do meandramento do canal. A sinuosidade aumenta com a distncia a partir da fonte, acompanhando a diminuio da declividade e o aumento da participao dos sedimentos pelticos no correspondente registro sedimentar (SUGUIO, 1998).

    A literatura indica que a presena de canais retos na natureza so raros, existindo apenas aqueles controlados por linhas tectnicas ou por cordes arenosos. De acordo com Cunha (1995b), as formas meandrantes representam um estgio de estabilidade do canal, denunciando um certo ajustamento entre todas as variveis hidrolgicas; no entanto, esse estado de equilbrio, representado pela formao dos meandros, poder ser alterado pela ocorrncia de um distrbio na regio, como, por exemplo, a atuao do homem. Portanto, quanto mais reto estiver o rio, com exceo daqueles situados nas reas acima, mais degradado tende a ser o ambiente onde se localiza.

    Barras Barra arenosa ou cascalhosa, total ou parcialmente submersa pelas guas, acumuladas pelas correntes fluviais em diferentes partes do canal. (SUGUIO, 1998).

    As barras fluviais so feies presentes em todos os tipos de canais, desde os retilneos at os meandrantes. Portanto, a sua ausncia no perfil dos canais indica a degradao hidromorfolgica, tendo como principal rebatimento o aumento da velocidade do fluxo.

    Troncos e ilhas Ilha fluvial aquela que circundada apenas por gua doce, aparecendo no leito de um rio. Sua origem pode estar ligada prpria sedimentao fluvial (GUERRA & GUERRA, 1997).

    A presena de troncos e ilhas deve ser analisada quanto sua origem. Os troncos e ilhas que se fazem presentes no leito do canal pela dinmica natural, isto , por rvores que tombaram no leito em ocasies de tempestade e, no caso das ilhas, por sedimentao natural, indicam a presena de dinmica natural do rio. No entanto, de acordo com Cunha (2008), se as ilhas foram formadas por contribuio do lixo, acabam por reduzir a capacidade do canal, favorecendo as inundaes e piorando a qualidade da gua.

  • 37

    Barragens As barragens so barreiras artificiais construdas em um curso de gua para reteno/represamento de gua.

    A construo de barragens limita a continuidade do fluxo, o transporte de sedimentos e migrao da biota (MORISAWA, 1985). Esse tipo de obra rompe a sequncia natural dos rios em trs reas distintas: na montante (nvel de base levantado altera a forma do canal e a capacidade de transporte slido, quando ocorre assoreamento na desembocadura e no fundo do vale principal e afluentes); no reservatrio (mudana da situao ltica para lntica, margens de abraso, aumento da carga de fundo e de suspenso, provocando assoreamento do reservatrio); a jusante (entalhe do leito, eroso nas margens e deposio a jusante) (CUNHA, 1995a).

    Canalizao

    Cunha (1995a; 2012), citando Keller (1976) e Brookes (1985), define canalizao como todas as obras de engenharia praticadas no canal fluvial com a finalidade de controle das cheias, melhoria na drenagem e manuteno da navegao, reduo da eroso nas margens ou desvio para a construo de estradas.

    A canalizao modifica o canal, ocasionando muitas vezes o estrangulamento da seo do rio, devido aos vrios tipos de obras realizadas. A eficincia do fluxo prejudicada, uma vez que as obras tendem a ignorar as variveis morfomtricas e morfolgicas dos canais fluviais. Cunha (2012) ressalta ainda que os efeitos sobre os ambientes fluviais englobam mudanas no ambiente do prprio trecho canalizado, a jusante da canalizao e na plancie de inundao.

    Pontes Construes erigidas sobre um curso dgua a fim de permitir a passagem de pedestres e viaturas.

    As pontes muitas vezes funcionam como srias barreiras ao fluxo, tornando-se causas potenciais para elevao dos nveis das guas e consequentes inundaes, principalmente quando houver obstruo por lixo ou sedimentos (ARAJO, 2006).

  • 38

    Soleiras (riffles) e depresses (pools)

    So feies que ocorrem ao longo do leito fluvial e definem margens de eroso e deposio. Nos canais retilneos, so formados pela homogeneidade no volume do material do leito. Nos meandrantes, devido dinmica de eroso e deposio das margens.

    De acordo com Cunha (2008), canais artificiais apresentam formato bastante regular (morfologia simtrica), com alterao nas taxas de eroso e na relao largura/profundidade. Nos rios naturais, essas sees transversais so irregulares, apresentando soleiras (riffles) e depresses (pools).

    Diversidade do fluxo

    O fluxo laminar ocorre quando a gua escoa ao longo de um canal reto, suave, a baixas velocidades, fluindo em camadas paralelas acomodadas umas sobre as outras. (...) O fluxo turbulento caracterizado por uma variedade de movimentos caticos, heterogneos (CHRISTOFOLETTI, 1981).

    Pela definio, a diversidade do fluxo uma caracterstica de rios e canais meandrantes. O fluxo homogneo e laminar tende a ocorrer em canais retos, rarssimos na natureza, mas recorrentes em ambientes artificializados. Portanto, este um bom indicador de degradao hidromorfolgica, uma vez que em um rio sem condicionamento geolgico para ser reto, onde ocorra o fluxo laminar, presumvel que houve interveno por obras, no caracterizando um ambiente com a mesma diversidade hidromorfolgica presente nos ambientes naturais.

    Tubulaes Conjunto de tubos ou canos instalados no leito ou nas margens de um canal fluvial.

    A presena de tubos e canos nas margens causam a sua desestabilizao, desencadeando, muitas vezes, processos erosivos que causam o alargamento da calha. Quando instalados no leito fluvial, remobilizam o material de fundo, alterando a dinmica da carga de fundo, o que pode gerar novos pontos de acumulao, diminuindo a velocidade do fluxo, contribuindo com a degradao hidromorfolgica. Ademais, frequentemente, a presena desses canos um indicador de despejo de efluentes domsticos e industriais no rio.

  • 39

    Vegetao e eroso das margens

    Eroso das margens e do leito de um rio por atividade do rio. (SUGUIO, 1998). Trabalho contnuo das guas correntes na superfcie terrestre. A dissecao feita pela eroso fluvial est em funo do nvel de base, do comprimento do perfil longitudinal, da natureza das rochas, do clima etc. (GUERRA & GUERRA, 1997).

    A rea marginal de proteo dos rios e canais importante elemento de preservao e para a estabilidade do regime hidrolgico. Dessa forma, margens vegetadas so indcios de reduo da largura do canal e menor atuao da eroso marginal.

    Faixa ciliar

    As matas ciliares tm importante papel na ecologia e na hidrologia de uma bacia hidrogrfica, pois auxiliam na manuteno da qualidade da gua, na estabilidade dos solos das margens, evitando a eroso e o assoreamento, no desenvolvimento e sustento da fauna silvestre aqutica e terrestre ribeirinha e na regularizao dos regimes dos rios atravs dos lenis freticos. Elas absorvem ainda quantidades de adubos e defensivos agrcolas excedentes das lavouras, que de outra forma iriam poluir os rios, pois estas matas funcionam como um filtro do escoamento superficial das chuvas (SELLES, 2001).

    A ausncia das matas ciliares leva desestabilizao das margens e ao aumento da eroso lateral, contribuindo com o alargamento da calha e com o assoreamento do leito, o que intensifica as consequncias dos eventos de inundao. De igual modo, o rio fica mais vulnervel a contaminaes por efluentes domsticos e industriais. A populao tem mais acesso ao rio, aumentando a possibilidade de despejo de lixo e outros materiais no leito do rio. A funo ecolgica de barreira , por fim, prejudicada.

    Elaborao: Fernando Damasco, 2014.

  • 40

    3 OBTENO DOS DADOS

    A caracterizao do regime pluviomtrico na bacia privilegiou o estudo das condies climticas regionais, associada anlise dos dados de postos meteorolgicos. Os estudos de Brando (1992) e Amador (1997) foram considerados devido abundncia de dados climatolgicos apresentados para a cidade do Rio de Janeiro, no caso da primeira autora, e para a regio da Baa de Guanabara, no caso do segundo. Foram, em seguida, analisados os dados de precipitao da estao climatolgica da FFP/UERJ, localizada no bairro do Patronato, entre as coordenadas 224955,97S e 430425,52W, que est em funcionamento desde o ano de 2004. Os dados da estao Coluband, pertencente ao Sistema de Alerta de Cheias do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) comearam a ser coletados em meados de 2012, no apresentando, portanto, uma srie de dados consistente e, por esse motivo, foi descartada. Neste item, tambm foram utilizadas as anlises da precipitao feitas por Salgado et al. (2007a, 2007b) utilizando dados de estaes localizadas no entorno do municpio. Por fim, para efeito de comparao, foram utilizadas as Normais Climatolgicas (1961-1992) do INMET (BRASIL, 1992).

    Para identificar as principais influncias da morfologia dos canais no desenvolvimento de inundaes, foi realizada a caracterizao do ambiente biofsico. A geologia e a geomorfologia foram caracterizadas com base nos produtos cartogrficos do Projeto Rio de Janeiro (CPRM, 2001) e dO Estado do Ambiente (INEA, 2011), alm dos trabalhos de campo, nos quais se pde observar e confirmar muitas das feies do relevo.

    A anlise da morfometria, de acordo com a metodologia de Christofoletti (1969, 1980), reorganizada por Loureno (1988), foi subdividida em trs categorias: propriedades lineares, propriedades areolares e as propriedades do relevo. As propriedades lineares e areolares (reduo do nmero e do comprimento de canais, ndice de circularidade da bacia, fator de forma, compacidade, entre outros) foram determinados pela anlise de cartas topogrficas relativas rea da bacia na escala 1:50000 (tabela 2) e pela manipulao dos dados no sistema de informao geogrfica ESRI ArcMap 10.0. A anlise da morfometria do relevo contou com a elaborao do mapa de declividade, gerado atravs de interpolao com o ArcGIS, a partir dos dados de hidrografia (gerada a partir de imagem de satlite Quickbird do ano de 2006 cedida

  • 41

    pela Prefeitura Municipal de So Gonalo), das curvas de nvel com espaamento de 20 metros e de pontos cotados, estes ltimos com base nas cartas topogrficas 1:50000 do IBGE folhas Itabora e Petrpolis e do DSG folhas Maric e Baa de Guanabara.

    Para verificar o grau de alterao nos canais por obras de engenharia, foi priorizada a identificao de quatro formas principais de interveno nos canais: retificaes, alargamentos, aprofundamentos e desvios. A avaliao contou com a anlise documental de mapas do acervo do extinto Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) disponveis para consulta no Arquivo Nacional, com as aerofotogrametrias da FUNDREM (1975), as cartas topogrficas da Baa de Guanabara (DSG, 1969, 1987) e da imagem de satlite Quickbird de 2006 (tabela 3). O relatrio deixado por Ges (1934) foi fundamental para o levantamento histrico das obras, sobretudo no que diz respeito quelas levadas a cabo pelo engenheiro Morais Rgo.

    A avaliao das alteraes foi realizada pela sobreposio das drenagens, de modo a verificar quais foram os setores do rio mais impactados e qual a possvel relao das intervenes com a ocorrncia de inundaes.

    A mensurao da degradao do hidromorfolgica dos canais pela ao antrpica abranger as trs principais feies fluviais: 1) leito fluvial (desenvolvimento do canal fluvial, curso longitudinal, estruturas do leito fluvial); 2) margem fluvial (perfil transversal e estrutura das margens); 3) plancie aluvial (uso da terra e faixa ciliar).

    A avaliao foi realizada atravs de trabalhos de campo, durante os quais fez-se a anlise da degradao dos canais, com base em metodologias desenvolvidas por agncias ambientais de pases referenciais em gesto de cursos dgua (MEIER, G. et al., 2012, 2013; ENVIRONMENT AGENCY, 2003; BARBOUR et al., 1999; PARSONS, M. et al., 2001) com as adaptaes necessrias ao ambiente tropical. A avaliao foi visual e consistiu na anlise, a partir de pontes, de 7 trechos de 250 metros do rio a jusante e a montante. Os trechos escolhidos esto representados na figura 31. O formulrio de anlise composto por 21 parmetros que so quantificveis de 0 a 4, sendo que quanto mais prximo de 4, mais o canal se aproxima de suas condies naturais, quanto mais prximo de zero, mais degradado ele se encontra (tabela 4). Esses valores de referncia foram definidos a partir da anlise da bibliografia nacional e internacional sobre degradao de canais, conforme est sintetizado na tabela 1. A partir da mdia entre os parmetros, chega-se a uma nota para o trecho, estabelecendo-se cinco classes de degradao hidromorfolgica, conforme prope Meier (2012):

  • 42

    crtico (0,0-0,4), avanado (0,5-1,4), intermedirio (1,5-2,4), inicial (2,5-3,4) e natural (3,5-4,0).

    Para a avaliao do grau de degradao das margens, foram aferidas as sees transversais do rio principal em trs pontos nas proximidades de pontos recorrentes de alagamento e nas proximidades dos trechos canalizados. As sees foram aferidas atravs de pontes com auxlio de uma trena para medio da largura e diviso da distncia em partes iguais. Em seguida, utiliza-se uma corda mtrica com um peso para aferio das profundidades. Em gabinete, os dados so processados atravs do software Microsoft Excel para a elaborao dos perfis. A partir dos contributos da literatura cientfica levantada, por fim, os fatores regime, alterao dos canais e degradao ambiental foram relacionados ocorrncia de inundaes. Os procedimentos metodolgicos descritos foram sumarizados em um fluxograma, que pode ser conferido na figura 6.

    Tabela 2: Informaes sobre as cartas topogrficas utilizadas

    Elaborao: Fernando Damasco, 2013.

    NOME ESCALA ANO AUTORIA AEROFOTOS Baa de

    Guanabara 1 : 50000 1987 DSG Aerofotos Cruzeiro S. A. , 1982

    Petrpolis 1 : 50000 1979 IBGE Superintendncia de Geodsia, 1966

    Itabora 1 : 50000 1974 IBGE IBGE/FURNAS, 1969

    Maric 1: 50000 1966 DSG DSG, 1962

  • 43

    Tabela 3: Informaes sobre os documentos histricos utilizados na avaliao da alterao dos canais

    Elaborao: Fernando Damasco, 2013.

    TIPO NOME ESCALA ANO AUTORIA

    ANO DAS

    AERO-FOTOS

    FONTE

    Mapa Grfico da distribuio dos servios

    na baixada do Macacu

    1 : 50000 1900 (atribuda) Desconhecida ---

    Arquivos do DNOS guardados

    no Arquivo Nacional

    Mapa

    Municpio de So Gonalo 1 : 50000 1932

    Departamento de

    Engenharia do Distrito

    Federal

    ---

    Arquivos do DNOS guardados

    no Arquivo Nacional

    Mapa

    Municpio de So Gonalo 1 : 50000 1938 Desconhecida ---

    Arquivos do DNOS guardados

    no Arquivo Nacional

    Planta aerofoto-grfica

    Planta aerofotogrfica

    de Niteri, Maric e

    Saquarema

    1 : 50000 Dc. de

    1940 (atribuda)

    Desconhecida ---

    Arquivos do DNOS guardados

    no Arquivo Nacional

    Planta aerofoto-grfica

    Planta aerofotogrfica

    da Regio Metropolitana

    do Rio de Janeiro

    1 : 50000 1976 FUNDREM 1975

    Arquivos do DNOS guardados

    no Arquivo Nacional

    Carta topogr-

    fica

    Baa de Guanabara 1 : 50000 1969 DSG 1966

    DSG

    Carta topogr-

    fica

    Baa de Guanabara 1 : 50000 1987 DSG 1982

    DSG

    Imagem de

    satlite Imagem

    de satlite Quickbird

    2,4 m (resoluo espacial)

    2006 --- --- Prefeitura Municipal

    de So Gonalo

  • 44

    Tabela 4: Valores referenciais para a anlise hidromorfolgica

    Feio Parmetro Observao Nota Reto 0 Curvo 1 Sinuoso 2 Sinuosidade

    meandrante 4 Nenhuma 0 poucas 2 Barras Muitas 4 Nenhuma 0 Poucas (1-3) 2 Estruturas especiais (troncos, ilhas

    etc.) Muitas (>3) 4 muitas (>3) 0 Poucas (1-3) 2

    Barreiras artificiais (limitando a continuidade do fluxo, sedimentos e

    migrao de biota, ex. barragens, vertedouros etc.) nenhuma 4

    Total 0 Parcial 2 Canalizao No h 4 Muitas (>3) 0 Poucas (1-2) 2 Passagens Nenhuma 4 No 0 Corredeiras e piscinas Sim 4 Homogneo 0 Diversidade do fluxo Heterogneo 4 Artificial 0 Fixao do leito Natural 4 Homogneo 0 Diversidade dos substratos Heterogneo 4 Nenhum 0 Poucos (1-3) 2

    Leito

    Estruturas do leito (poos, troncos, cascatas) Muitos (>3) 4

    Simtrico 0 Forma do perfil transversal assimtrico 4 Encaixado 0 Moderado 2

    Profundidade do perfil transversal

    Plano 4

    No 0 Variabilidade da largura Sim 4 Sim 0 Tubulaes No 4 Intensa 0 Fraca 2 Eroso das margens Nenhuma 4 Sim 0

    Pontes

    No 4

    Sem veg./com fix. 0

    Margens

    Sem veg. /sem fix. 1

  • 45

    Herbceas 3 Vegetao/fixao das margens Arbreo-arbustiva 4

    Urbano 0 Agrcola 1 Pastagem/ terreno baldio 2

    Uso da terra predominante

    Mata/floresta 4 Nenhuma 0 Aberta 2 Faixa ciliar Densa 4 Sim 0

    Plancie

    Estruturas com influncia negativa No 4 Fontes: MEIER, G. et al., 2012, 2013; ENVIRONMENT AGENCY, 2003; BARBOUR et al.,

    1999; PARSONS, M. et al., 2001. Organizao: Fernando Damasco, 2014.

  • 46

    Figura 6: Fluxograma representando a metodologia de investigao. Elaborao: Fernando Damasco, 2014.

  • 47

    4 CONDIES CLIMTICAS RELACIONADAS OCORRNCIA DE INUNDAES

    A ocorrncia e a intensidade das precipitaes condicionam diretamente os picos de vazo. Desse modo, o entendimento do regime pluviomtrico fundamental, sobretudo, em reas de grande irregularidade pluviomtrica.

    De acordo com Monteiro (1976), os desvios de precipitao, como as estiagens, so eventos que desestabilizam o balano hdrico e interferem diretamente no abastecimento dos grandes centros urbanos. O autor, no entanto, salienta que o estudo da dinmica dos aguaceiros tm grande relevncia no sudeste brasileiro, j que algumas cidades mais vulnerveis vm acumulando os mais diversos tipos de perdas e danos.

    Neste captulo, ser caracterizado o quadro climtico regional da rea da bacia dos rios Guaxindiba/Alcntara para, em seguida, atravs da anlise da bibliografia especfica e da coleta e anlise de dados provenientes da estao climatolgica mais prxima, definir os principais elementos que caracterizam a pluviosidade da bacia.

    4.1 Condies climticas regionais

    As condies climticas regionais condicionam o regime pluviomtrico. Essas condies dependem de fatores estticos (posio geogrfica, topografia) e dinmicos (sistema de circulao, aspectos trmicos e pluviomtricos).

    A regio da bacia dos rios Guaxindiba/Alcntara encontra-se situada em zona tropical, caracterizada pela intensa radiao solar a incidncia, de acordo com Amador (1997), varia de 0,39 a 0,37 cal/cm3/m (ondas curtas) e 0,3 cal/cm/m (ondas longas). A grande disponibilidade de superfcies lquidas devido ao Oceano Atlntico e Baa de Guanabara se traduz em altos ndices de evaporao. A bacia encontra-se ainda a barlavento da Serra do Mar, o que contribui para os ndices mais elevados de precipitao, devido ao aumento da turbulncia do ar pela ascendncia orogrfica.

    O clima da regio da Baa de Guanabara foi definido inicialmente por Nimer (1977) como tropical quente supermido com subseca. Amador (1997) classificou como quente e mido, caracterizado pela ocorrncia de fortes aguaceiros em curtos perodos de tempo (at 200 mm em 24 horas). Oliveira (2012) classificou como subtropical

  • 48

    mido, relacionando-o a dois fenmenos atmosfricos da escala global: a passagem das frentes frias e a Zona de Convergncia do Atlntico Sul (ZCAS).

    A presena da ZCAS (figura 7) pode ser identificada por uma banda de nebulosidade que se estende desde o sul da regio Amaznica at a regio central do Atlntico Sul.

    A ZCAS pode ser considerada como o principal sistema de grande escala responsvel pelo regime de chuvas sobre o Brasil durante o vero austral, que vai de outubro a maro. As observaes indicam que ela tende a se posicionar mais ao norte no incio do vero, deslocando-se posteriormente para o sul, podendo variar de 10 a 15 graus de latitude. Isto resulta em situaes distintas para determinados locais, conforme a regio onde ela estaciona. (MACEDO JUNIOR et al., 2013).

    A dinmica climtica caracterizada ainda pela presena de ventos de E-NE do anticiclone semifixo do Atlntico Sul. Nimer (1972, 1977) identifica trs tipos de correntes de circulao perturbada que instabilizam o tempo do sudeste brasileiro: o sistema de correntes perturbadas do sul (formado pela influncia do anticiclone polar), o sistema de correntes perturbadas de oeste (trazidos por linhas de instabilidades tropicais) e o sistema de correntes perturbadas de leste (figura 8). O choque entre o sistema de circulao do anticiclone mvel polar e o sistema de circulao do anticiclone tropical semifixo do Atlntico Sul se d sobre o sudeste brasileiro. Alm disso, trata-se de uma rea de transio entre os climas quentes das baixas latitudes e os climas temperados das mdias latitudes.

    Nimer (1972) aponta ainda que o ritmo do clima marcado por duas estaes principais: a chuvosa e a seca, ou aquela que as precipitaes so frequentes e aquela

    em que so esparsas. No entanto, o autor entende que o fato climtico mais importante reside na forte oscilao entre as temperaturas do inverno e do vero.

    A anlise das Normais Climatolgicas (1961-1990) do INMET aferidas na Estao Climatolgica principal do Rio de Janeiro (figura 9) permite aferir que o regime de chuvas na regio da Baa de Guanabara nitidamente marcado pela existncia de um perodo chuvoso no vero; no inverno, os totais mensais decaem para cerca de 50 mm, havendo tambm a diminuio dos dias de chuva (PDRH-BG, 2005). Percebe-se tambm que a normal de 1961-1990 mostrou-se mais chuvosa que a de 1931-1960.

    Brando (1992) analisou a evoluo secular da precipitao na estao climatolgica principal do Rio de Janeiro, em um espao de tempo de 140 anos (figura

  • 49

    10). A autora verificou que os desvios pluviomtricos anuais negativos so muito expressivos at 1940. A partir de 1940 e at 1990 predominam desvios positivos. A pesquisa tambm apontou para uma tendncia, a partir de 1940, de ocorrncia de chuvas mais concentradas, em uma possvel relao com o avano da urbanizao.

    Cerca de 60% dessas chuvas dirias (40 mm) ocorreram no perodo de 1940 a 1990. Este dado muito significativo, e pode indicar uma tendncia a chuvas mais concentradas a partir dos anos 1940. (...) H uma acentuada tendncia de reduo de dias de chuva desde o incio do sculo atual, sendo que a dcada de 1980 apresenta a mdia decenal mais baixa deste sculo. Isto pode ser um indcio de que as chuvas tendem a estar mais concentradas, pois a ocorrncia de dias com chuva tende reduo (BRANDO, 1992).

    Amador (1997) utilizou mdias mensais relativas altura total das chuvas no perodo de 1931 a 1975, de 59 estaes distribudas no territrio fluminense, 15 das quais no entorno da Baa de Guanabara. O autor, juntamente com a anlise dos dados apresentados por Brando (1992) pde concluir que as maiores frequncias absolutas de chuva mxima em 24 horas concentram-se nos intervalos entre 40-60 mm e 60-80 mm e que embora possam ocorrer em qualquer ms, so mais comuns entre outubro e abril. As chuvas com maior concentrao, ou seja, at 80 mm/24 horas ocorrem com mais frequncia de janeiro a abril.

  • 50

    Figura 7: ZCAS atuando em 12/01/2011, episdio que causou inmeros danos Regio Serrana do Estado do Rio de Janeiro.

    Fonte: CPTEC/INPE.

    Figura 8: Sistemas de circulao perturbada na regio Sudeste. Fonte: Nimer, 1972.

  • 51

    Figura 9: Normais climatolgicas da estao principal do Rio de Janeiro em dois perodos: 1931-1960 e 1961-1990.

    Fonte: INMET, 1992.

    Figura 10: Evoluo da pluviosidade anual para a Estao Climatolgica Principal do Rio de Janeiro (1851 a 1990). Fonte: Brando, 1992.

  • 52

    4.2 Caracterizao da precipitao na regio de So Gonalo

    H uma grande dificuldade na caracterizao do regime de chuvas porque o municpio de So Gonalo no dispe de nenhuma estao meteorolgica com uma srie histrica considervel de dados pluviomtricos. As nicas estaes comearam a operar muito recentemente: a primeira, em maio de 2004, no campus da Faculdade de Formao de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP); e a segunda, em maio de 2012, no bairro do Coluband, s margens do rio Alcntara.

    Nesse sentido, a anlise do regime partiu inicialmente das contribuies de trabalhos referentes a reas prximas (SALGADO et al., 2007b; PDRH-BG, 2005) e em trabalhos pioneiros sobre o prprio municpio de So Gonalo, sobretudo, sobre o regime anual (ARMOND et al., 2010; BERTOLINO et al., 2007; SALGADO et al., 2007a). Salgado et al. (2007b) caracterizaram a precipitao numa perspectiva espao-temporal com base em sries histricas (1968-2002) de estaes pluviomtricas localizadas no entorno do municpio de So Gonalo (figura 11). Os autores selecionaram postos pluviomtricos prximos s reas de nascentes dos principais rios que convergem para o municpio.

    Em relao aos totais pluviomtricos, os autores identificaram trs perodos distintos, 1968-1980, 1981-1996 e 1997-2002, sendo o ltimo o mais chuvoso em todas as estaes. Os autores concluram que houve predomnio de anos com desvio negativo no primeiro perodo, desvio positivo no segundo e uma sequncia de desvios negativos no ltimo perodo. Percebeu-se tambm, a partir da seleo de anos-padro para cada posto pluviomtrico, uma considervel variao da pluviosidade (SALGADO et al., 2007b). O regime anual de chuvas tambm foi caracterizado. A primavera como a estao com maior nmero de dias com chuva (acima de 55 dias). No vero, as chuvas tambm so frequentes. O outono possui poucos dias com chuvas e o inverno a estao menos chuvosa.

    Para uma anlise mais acurada do regime pluviomtrico, foi utilizada a srie histrica disponvel da Estao Climatolgica da UERJ/FFP, localizada entre as coordenadas geogrficas 224956S e 43425N (figura 12), que abrange os anos entre 2005 e 2012. Embora a estao no esteja localizada na rea da bacia, est inserida no municpio de So Gonalo e a mais prxima com uma srie histrica considervel.

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    Figura 11: Localizao dos postos pluviomtricos utilizados por Salgado et al. (2007). Fonte: Salgado et al., 2007.

    Figura 12: Localizao da Estao Climatolgica da FFP/UERJ em relao bacia dos rios Guaxindiba/Alcntara.

    Elaborao: Fernando Damasco, 2013.

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    A estao Coluband, operada pelo INEA, apesar de estar localizada na rea da bacia, s possui uma srie de seis meses de dados, o que insignificante para retratar a dinmica das precipitaes na bacia. Esses dados tambm no so coincidentes no tempo com o