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Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Humanas,Letras e Artes Pós-Graduação em Lingüística CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DISCURSIVAS:UMA ANÁLISE DO JOGO DE IMAGENS NA PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO Artigo Científico apresentado ao Curso de Especialização em Ensino de Língua Portuguesa (Área de Concentração: Estudos em Lingüística do PROLING-UFPB) como requisito parcial para obtenção de título de Especialista em Lingüística. Orientadora: Profª. Drª.Maria das Graças C Ribeiro Aluna: Evânia Câmara Vilar Pereira

CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DISCURSIVAS:UMA ANÁLISE DO JOGO DE IMAGENS NA PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO

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Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Humanas,Letras e Artes Pós-Graduação em LingüísticaCONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DISCURSIVAS:UMA ANÁLISE DO JOGO DE IMAGENS NA PARÁBOLA DO BOM SAMARITANOArtigo Científico apresentado ao Curso de Especialização em Ensino de Língua Portuguesa (Área de Concentração: Estudos em Lingüística do PROLING-UFPB) como requisito parcial para obtenção de título de Especialista em Lingüística. Orientadora: Profª. Drª.Maria das Graças C Ribeiro Aluna: Evânia Câmar

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Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas,Letras e Artes

Pós-Graduação em Lingüística

CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DISCURSIVAS:UMA ANÁLISE DO JOGO DE IMAGENS NA PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO

Artigo Científico apresentado ao Curso de Especialização em Ensino de Língua Portuguesa (Área de Concentração: Estudos em Lingüística do PROLING-UFPB) como requisito parcial para obtenção de título de Especialista em Lingüística.

Orientadora: Profª. Drª.Maria das Graças C RibeiroAluna: Evânia Câmara Vilar Pereira

João Pessoa, 10 de julho de 2008

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CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DISCURSIVAS:UMA ANÁLISE DO JOGO DE IMAGENS NA PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar o jogo simbólico discursivo na parábola do

Bom Samaritano, um embate ideológico entre Jesus e um Doutor da Lei. Para tanto nos

fundamentaremos nas concepções de gêneros discursivos/textuais, propostas por

Bakhtin, Bronckart e Marcuschi e ainda na simbologia imagética das condições de

produção discursivas discutidas por Foucault e Pêcheux. O corpus para análise será

representado por textos do Antigo Testamento (AT) e do Novo Testamento (NT).

Palavras – chaves: parábola – AD3 – condições de produção – Jogo de imagem

RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo analizar el juego simbólico discursivo en la parábola

del Bom Samaritano, un conflicto ideológico entre Jesús y un Doctor de la ley. Para esto

nos fundamentamos en las concepciones de géneros discursivos/textuales, propuestas

por Bakhtin, Bronckart y Marcuschi e incluso en la simbología imagética de las

condiciones de producción discursivas discutidas por Foucault y Pêcheux. La recogida

de datos tuvo por base los textos del Antiguo y Nuevo Testamento, objeto de este

estudio.

Palabras claves: parábola – AD3 – condiciones de producción – juego de imágenes

LÍNGUA E LINGUAGEM

Os estudos da linguagem hoje são tributários de Saussure de sua

concepção dicotômica entre a língua e a fala, cujo limite advém da exclusão da fala do

campo dos estudos lingüísticos, colocando a língua como objeto de análise, tendo-a

como algo abstrato e ideal a constituir um sistema sincrônico e homogêneo.

Em 1929, Bakhtin seguindo a trilha aberta por Saussure, parte do

princípio de que a língua é um fato social cuja existência se funda em necessidades de

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comunicação, porém vê a língua como algo concreto, fruto da manifestação individual

de cada falante, valorizando dessa forma a fala. Para ele a matéria lingüística é apenas

uma parte do enunciado; existe também uma outra parte, não-verbal, que corresponde

ao contexto da enunciação, divergindo dos seus antecessores para quem a fala era um

ato individual, uma noção não-pertinente lingüisticamente.

Bakhtin coloca o enunciado como objeto dos estudos da linguagem e dá à

situação de enunciação o papel de componente necessário para a compreensão e

explicação da estrutura semântica de qualquer ato de comunicação verbal.

Cada ato de enunciação se realiza na intersubjetividade humana, por isso

o processo de interação verbal para se constituir no bojo de sua teoria uma realidade

fundamental da língua. O interlocutor não é um elemento passivo na constituição do

significado, daí a concepção de signo lingüístico como um sinal inerte fruto de uma

análise da língua como sistema sincrônico abstrato para a de signo dialético, vivo,

dinâmico.

Linguagem é interação social: o Outro desempenha papel fundamental na

constituição do significado, integrando todo ato de enunciação individual num contexto

mais amplo, revelando as relações intrínsecas entre o lingüístico e o social, vinculando

linguagem à ideologia.

Linguagem é o sistema de significação da realidade, é um distanciamento

entre a coisa representada e o signo que a representa.

Para Bakhtin, a palavra é o signo ideológico por excelência por ser

produto da interação social, plurivalente. Por ser dialógica, transforma-se em “arena de

vozes que, situadas em diferentes posições, querem ser ouvidas por outras vozes”.

A linguagem é lugar de conflito, de confronto ideológico, não podendo

ser estudada fora da sociedade, uma vez que os processos que a constituem são

histórico-sociais.

Segundo FARIA,(2007) “...através da fala, estamos dando continuidade

ao plano da criação de Deus. Pela linguagem, recriamos o mundo e os seres que habitam

nele num ato incessante de criação e recriação do mundo”.

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ENTRE A LÍNGUA E A FALA : O DISCURSO

O discurso é o ponto de articulação dos processos ideológicos e dos

fenômenos lingüísticos.

Foucault (1969) concebe esses processos como uma dispersão, formados

por elementos que não estão ligados por um princípio de unidade, buscando o

estabelecimento de regras que regem a formação discursiva. Essas regras determinantes

de uma formação discursiva apresentam-se como um sistema de relações entre objetos,

tipos enunciativos, conceitos e estratégias. Portanto, o discurso é um conjunto de

enunciados que se remetem a uma mesma formação discursiva, conceito concebido por

ele ao questionar as condições históricas e discursivas nas quais se constituem os

sistemas do saber, elaborada por Pêcheux, posteriormente. A noção de FD representa na

AD um lugar central da articulação entre língua e discurso, envolvendo dois tipos de

funcionamento:

a) Paráfrase: espaço em que enunciados são retomados e reformulados

num esforço constante de fechamento de suas fronteiras.

b) Pré-construído: segundo Pêcheux (1975), constitui um dos pontos

fundamentais da articulação da teoria dos discursos com a lingüística.O termo designa

aquilo que remete a uma construção anterior e exterior, independente, por oposição ao

que é constituído pelo enunciado.

É a FD que permite dar conta do fato de que sujeitos falantes, situados

numa determinada conjuntura histórica, possam concordar ou não sobre o sentido a dar

às palavras.Uma FD é atravessada por várias FDs e, consequentemente, toda FD é

definida a partir de seu interdiscurso.

Segundo Maingueneau (1984), o interdiscurso passa a ser o espaço de

regularidade pertinente do qual os diversos discursos não seriam senão componentes.

Esses discursos teriam a sua identidade estruturada a partir da relação interdiscursiva e

não independentemente uns dos outros para depois serem colocados em relação.

Maingueneau (1984, p.27) para explicar o que vem a ser interdiscurso

distingue:

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Universo discursivo: conjunto de formações discursivas de todos os

tipos que interagem numa dada conjuntura.

Campo discursivo: conjunto de formações discursivas que se encontram

em concorrência, delimitam-se reciprocamente em uma região determinada do universo

discursivo.

Espaços discursivos: são recortes discursivos que o analista isola no

interior de um campo discursivo tendo em vista propósitos específicos da análise.

Como os discursos se fundam na relação interdiscursiva, o que se deve é

“construir um sistema no qual a definição da rede semântica que circunscreve a

especificidade de um discurso coincide com a definição das relações deste discurso com

seu Outro” (1984, p.30).

GÊNEROS

Segundo Bakhtin, os gêneros são tipos relativamente estáveis de

enunciados que cada esfera de troca social elabora.O conteúdo temático, estilo e a

construção composicional são elementos caracterizadores. “A escolha de um gênero se

determina pela esfera, as necessidades da temática, o conjunto de participantes e a

vontade enunciativa do locutor.”

A escolha de um gênero numa situação é definida por parâmetros como:

finalidade, destinatários, conteúdo, enfim, há a elaboração de uma base de orientação

para uma ação discursiva.

Os gêneros definem o que é dizível, ou seja, o que deve ser dito define a

sua escolha; eles têm uma composição: tipo de estruturação e acabamento e tipo de

relação com os outros participantes da troca verbal.

“Há um sujeito, o locutor-enunciador, que age discursivamente

(falar/escrever), numa situação definida por uma série de parâmetros, com a ajuda de

um instrumento que aqui é um gênero, um instrumento semiótico complexo, isto é, uma

forma de linguagem prescritiva, que permite, a um só tempo, a produção e a

compreensão de textos.”

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Segundo Marcuschi, (2002, p.19) “...os gêneros textuais são fenômenos

históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto do trabalho coletivo,

os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-

dia. São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer

situação comunicativa...os gêneros textuais se constituem como ações sócio-discursivas

para agir sobre mundo e dizer mundo, constituindo-se de algum modo.”Os gêneros

textuais materializam e corporificam o texto, que produz um discurso ao se

manisfestar em alguma instância discursiva.,ou seja, os textos realizam discursos em

situações institucionais, históricas, sociais e ideológicas.

Segundo Bakhtin (1997, p.285), “Os enunciados e o tipo a que

pertencem, ou seja, os gêneros do discurso são as correias de transmissão que levam da

história sociedade à história da língua... o querer dizer do locutor se realiza acima de

tudo na escolha de um gênero do discurso. Essa escolha é determinada em função da

especificidade de uma dada esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma

temática (do objeto do sentido), do conjunto constituído dos parceiros, etc. Depois

disso, o intuito discursivo do locutor, sem que renuncie à sua individualidade e à sua

subjetividade, adapta-se e ajusta-se a gênero escolhido, compõe-se e desenvolve-se na

forma do gênero determinado.” (1997, p.301)”.

Para Bakhtin, a língua se materializa nas enunciações e a realidade

essencial da linguagem é seu caráter dialógico, por isso linguagem é interação, é um

diálogo. Numa situação discursiva encontramos interlocutores utilizando um referente,

encontrando uma forma de dizer dentro de um contexto aqui-agora, histórico, social,

ideológico, pertencente a uma instituição.

O GÊNERO PARÁBOLA

Segundo Larrouse (2001, p. 733), “do grego parabole é uma narrativa

curta, de estrutura dramática que encerra um conteúdo moral explícito ou implícito;

alegoria que encobre de véu uma verdade”.Silveira Bueno (1986, p. 825), define esse

gênero como “narração alegórica que encerra uma doutrina moral”.

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Herbert Lockyer em seu livro Todas as Parábolas da Bíblia afirma que

“No AT a palavra hebraica traduzida por parábola é m_sh_l, que significa provérbio,

analogia e parábola. Com ampla gama de empregos, essa palavra “cobre diversas

formas de comunicação feitas de modo pitoresco e sugestivo —todas aquelas em que as

idéias são apresentadas numa roupagem figurada. Em virtude de sua aplicação ser tão

variada, encontra-se na versão portuguesa diferentes traduções”. A idéia central de

m_sh_l é “ser como” e muitas vezes refere-se a “frases constituídas em forma de

parábola”, característica da poesia hebraica. O vocábulo nunca é usado no sentido

técnico e específico de seu correspondente neotestamentário.

Na época e na região em que Jesus apareceu, as parábolas eram, como as

fábulas, um método popular de instrução, e isso entre todos os povos orientais.O

Dr.Salmond, no manual The parables of our Lord declara que esse tipo de linguagem

exercia “...atração especial sobre os povos orientais, para quem a imaginação era mais

rápida e também mais ativa que a faculdade lógica. A grande família das nações

conhecidas como semitas, aos quais pertencem os hebreus, junto com os árabes, os

sírios, os babilônios e outras raças notáveis já demonstravam a especial tendência à

imaginação, como também um gosto particular por ela.”

Segundo judeus cabalistas, “a luz celestial nunca desce até nós sem um

véu [...]. É impossível que um raio divino brilhe sobre nós, a menos que velado por uma

diversidade de revestimentos sagrados”.Graças a sua infinidade, Deus tinha de utilizar

aquilo com que os seres humanos estivessem familiarizados, com o objetivo de

comunicar à finita mente humana a sublime revelação de sua vontade. A revelação de

preceitos fundamentais era revestida de parábolas e analogias. Hillel e Shammai foram

os mais ilustres professores a usar parábolas antes de Cristo.

Sabedor de que os mestres judeus ilustravam suas doutrinas com o

auxílio de parábolas e comparações, Cristo adotou essas antigas formas de ensino e deu-

lhes renovação de espírito, com a qual proclamou a transcendente glória e excelência de

seu ensino.

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AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO

Ao elaborar em 1969 a primeira definição empírica da noção de

condições de produção, Michel Pêcheux coloca em cena os protagonistas do discurso e

seu referente, funcionando no processo discursivo uma série de formações imaginárias

que designam os lugares que os interlocutores atribuem a si mesmos e ao outro, a

imagem que fazem do seu próprio lugar e do outro e a imagem que os interlocutores

fazem do referente.Sendo assim, as condições de produção do discurso não podem ser

entendidas apenas como uma situação empírica do discurso em jogo, mas sua

representação no imaginário histórico- social, seus protagonistas não são apenas seres

empíricos, mas também como representação de lugares determinados na estrutura

social. Portanto, as escolhas de quem diz não são aleatórias, o emissor pode antecipar as

representações do receptor e com essa antevisão do imaginário do outro, fundar as

estratégias do discurso.

Kerbrat-Orecchioni (apud Amossy , 2008, p.11) vê nesse processo

apenas as marcas das competências não-lingüísticas(ditas culturais)dos interlocutores,

compreendidas nos dados situacionais que compõem o universo do discurso.

Quadro proposto por Pêcheux (1969, p.83) a respeito do jogo de imagens

que se estabelece entre os protagonistas do discurso, considerando-se A e B como

interlocutores do discurso:

IA(A): a imagem que A tem de si mesmo.

1. Quem sou eu para que eu lhe fale assim?

IA(B): a imagem que o locutor A tem do seu interlocutor B.

2.Quem é ele para que eu lhe fale assim?

IB(B): a imagem que B tem de si mesmo.

3.Quem sou eu para que ele me fale assim?

IB(A): a imagem que B tem de A.

4.Quem é ele para que ele me fale assim?

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IA(R): a imagem que A tem do referente, ou daquilo de que se fala.

5.De que eu lhe falo?

IB(R): a imagem que B tem do referente.

6. De que ele me fala?

A(B(A)): a imagem que A tem da imagem que B tem de A.

7.Quem ele acha que eu sou para que eu lhe fale assim?

B(A(B)): a imagem que B tem da imagem que A tem de B.

8. Quem ele acha que eu sou para que ele me fale assim?

A(B(B)): a imagem que A tem da imagem que B tem de B.

9.Quem ele acha que ele é para que eu lhe fale assim?

B(A(A): a imagem que B tem da imagem que A tem de A.

10.Quem ele acha que é para que ele me fale assim?

A(B(R): a imagem que A tem da imagem que B tem do referente.

11.O que ele acha disso para que eu lhe fale assim?

B(A(R)): a imagem que B tem da imagem que A tem do referente.

12.O que ele acha disso para que ele me fale assim?

A(B(A(R))): a imagem que A tem da imagem que B tem da imagem que

A tem do referente.

13.O que ele pensa que eu acho sobre isso para que eu lhe fale assim?

B(A(B(R))): a imagem que B tem da imagem que A tem da imagem que

B tem do referente.

14.O que ele pensa que eu acho sobre isso para que ele me fale assim?

Segundo Cardoso (1999), cientes de que o jogo de imagens entre

protagonistas do discurso é um dos elementos das condições de produção do discurso,

fazendo parte de todo um sistema de restrições que determina os objetos, ao temas, as

modalidades enunciativas, assim como as relações entre os discursos, as possibilidades

de citar do interior de um discurso, pois aquele que fala o faz de um lugar determinado,

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que regula o seu dizer.Todo discurso remete à formação discursiva a que pertence,

sendo regido por essa prática.

A PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO

(LUCAS 10: 25-37)

25 E eis que certo homem, intérprete da Lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus à prova e disse-lhe: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” 26Então, Jesus lhe perguntou: “Que está escrito na Lei? Como interpretas?” 27ª isto ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: amarás o teu próximo como a ti mesmo.”28Então, Jesus lhe disse: “Respondeste corretamente; faze isto e viverás.” 29Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: “Quem é o meu próximo?”30Jesus prosseguiu, dizendo: “Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto. 31Casualmente, descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de largo. 32Semelhantemente, um levita descia por aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo. 33Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. 34E, chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. 35No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: ‘Cuida deste homem, e, se alguma coisa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar.’ “36Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?” 37Respondeu-lhe o intérprete da Lei: “O que usou de misericórdia para com ele.” Então, lhe disse: “Vai e procede tu de igual modo.”

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POSSÍVEIS FORMAÇÕES IMAGINÁRIAS PRESENTES NO JOGO DISCURSIVO DA PARÁBOLA

1.Quem Jesus acha que é quando fala com o intérprete da lei

(também conhecidos como escribas ou doutores da lei)? Qual é a imagem que Jesus

tem de Si mesmo?

Jesus tinha plena consciência de Sua divindade e de Seu caráter

messiânico quando interagia com os representantes do Sinédrio, o mais alto tribunal

religioso dos judeus, do qual faziam parte os sumos sacerdotes (o atual e os anteriores),

chefes religiosos (anciãos) e professores da Lei. Tinha 71 membros, incluindo o

presidente: “Então, os principais sacerdotes e os fariseus convocaram o Sinédrio; e

disseram: Que estamos fazendo, uma vez que este homem opera muitos sinais?” (Jo

11:47). Ele sabia de onde veio e para onde ia : “Então, lhe objetaram os fariseus: Tu

dás testemunho de ti mesmo; logo, o teu testemunho não é verdadeiro. 14Respondeu

Jesus e disse-lhes: Posto que eu testifico de mim mesmo, o meu testemunho é

verdadeiro, porque sei donde vim e para onde vou; mas vós não sabeis donde venho,

nem para onde vou. Jo.8:13-14). Em conversa com os judeus ele afirma : “56Abraão,

vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia, viu-o e regozijou-se. 57Perguntaram-lhe,

pois, os judeus: Ainda não tens cinqüenta anos e viste Abraão? 58Respondeu-lhes

Jesus: Em verdade, em verdade eu vos digo: antes que Abraão existisse, Eu Sou.

59Então, pegaram em pedras para atirarem nele; mas Jesus se ocultou e saiu do

templo.”(Jo.8:56-59). Essa expressão “Eu Sou” era a revelação máxima de Deus para

um judeu, revelação dada a Moisés quando foi chamado para libertar o povo hebreu do

Egito: “13Porém Moisés disse: “Quando eu for falar com os israelitas e lhes disser:

‘O Deus dos seus antepassados me enviou a vocês’, eles vão me perguntar: ‘Qual é o

nome dele?’ Aí o que é que eu digo?”14Deus disse: “Eu Sou Quem Sou.”E disse

ainda: “Você dirá o seguinte: ‘Eu Sou me enviou a vocês. 15º Senhor, o Deus dos

seus antepassados, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me enviou

a vocês. Este é o seu nome para sempre, e assim ele será lembrado por vocês em todos

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os tempos.’”(Êxodo 3:13-15).Portanto, Jesus os confrontava com a própria revelação da

Lei que eles conheciam tão bem e ao se declarar “Eu Sou” provoca um verdadeiro caos

no sistema religioso vigente.

O apóstolo Paulo em suas cartas à Igreja Primitiva O revela como Filho

de Deus: “ 29Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para

serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre

muitos irmãos.”(Romanos 8:29);” “15Este é a imagem do Deus invisível, o

primogênito de toda a criação”(Colossenses 1:15), que o cristão traz a imagem de

Jesus: “49E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer

também a imagem do celestial.”(1 Coríntios 15:49); “18E todos nós, com o rosto

desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos

transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o

Espírito.”(2 Coríntios 3:18); “10e vos revestistes do novo homem que se refaz para o

pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou;”(Colossenses 3:10).

2.Qual é a imagem que Jesus tem do Doutor da Lei?

Jesus os acusava de hipócritas, corruptos, vaidosos . O capítulo 23 de

Mateus é constituído de severas advertências sobre isso: “1Então, falou Jesus às

multidões e aos seus discípulos: 2Na cadeira de Moisés, se assentaram os escribas e

os fariseus. 3Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os

imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem. 4Atam fardos pesados [e difíceis de

carregar] e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o

dedo querem movê-los. 5Praticam, porém, todas as suas obras com o fim de serem

vistos dos homens; pois alargam os seus filactérios e alongam as suas franjas.

6Amam o primeiro lugar nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas, 7as

saudações nas praças e o serem chamados mestres pelos homens.”(Mateus 23:1-

7).Apesar de parecerem corretos e santos externamente, eram corruptos internamente :

“27Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros

caiados, que, por fora, se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de

mortos e de toda imundícia! 28Assim também vós exteriormente pareceis justos aos

homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade.”(Mateus 23:27-

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28) .Jesus também atacou o princípio da lei oral ensinada pelos escribas, que exigiam

que as pessoas seguissem , pois enquanto enfatizavam os menores pontos da lei,

também eram culpados de ignorar os pontos mais importantes da justiça, da

misericórdia e da fé..Os escribas se diziam descendentes dos profetas, mas Jesus os

refutou : “29Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque edificais os sepulcros

dos profetas, adornais os túmulos dos justos 30e dizeis: Se tivéssemos vivido nos dias

de nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas! 31Assim,

contra vós mesmos, testificais que sois filhos dos que mataram os profetas.”

3.Que imagem o Doutor da Lei tem de si mesmo?

Os escribas no começo do AT eram contratados como escritores para

escrever ou traduzir informações : “6 Ele era escriba versado na Lei de Moisés, dada

pelo Senhor, Deus de Israel; e, segundo a boa mão do Senhor, seu Deus, que estava

sobre ele, o rei lhe concedeu tudo quanto lhe pedira” (Esdras 7:6). Depois do exílio,

os escribas eram uma classe de estudiosos que ensinavam, copiavam e interpretavam a

lei judaica para o povo criando um complicado sistema de ensinamentos conhecidos

como “a tradição dos Anciões” : “1 Então, vieram de Jerusalém a Jesus alguns

fariseus e escribas e perguntaram: 2 Por que transgridem os teus discípulos a

tradição dos anciãos.”(Mt. 15:1-2), sendo censurados por Jesus.Eles aparecem nos

evangelhos como opositores de Jesus.Eram advogados profissionais, treinados em

teologia, direito e filosofia. Eram muitíssimo respeitados dentro da comunidade judaica,

eram instrutores da lei tanto dentro do templo quanto nas sinagogas da Judéia e da

Galiléia.Membros proeminentes do Sinédrio, usavam uma toga especial tornando sua

presença óbvia : “38E, ao ensinar, dizia ele: Guardai-vos dos escribas, que gostam de

andar com vestes talares e das saudações nas praças; 39e das primeiras cadeiras nas

sinagogas e dos primeiros lugares nos banquetes; 40os quais devoram as casas das

viúvas e, para o justificar, fazem longas orações; estes sofrerão juízo muito mais

severo.”(Marcos 12:38-40).As pessoas se dirigiam a eles respeitosamente como “rabi”

ou “mestre” e eles tinham um lugar de honra na adoração assim como nos eventos

sociais.Certamente os judeus consideravam os escribas muito importantes, isso é

testificado pelo fato de eles serem enterrados ao lado dos patriarcas e profetas, por isso

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sua posição enunciativa estruturava-se nessa formação discursiva, o conceito que tinha

sobre si era de poder, que Jesus contestava com severidade.

4.Que imagem o Doutor da Lei tem de Jesus?

Os escribas consideravam-no um transgressor da lei : “33 Disseram-lhe

eles: Os discípulos de João e bem assim os dos fariseus freqüentemente jejuam e

fazem orações; os teus, entretanto, comem e bebem”(Lucas 5:33); um impostor :

“53Saindo Jesus dali, passaram os escribas e fariseus a argüi-lo com veemência,

procurando confundi-lo a respeito de muitos assuntos, 54com o intuito de tirar das

suas próprias palavras motivos para o acusar.”(Lc.11:53).Queriam descobrir sua

identidade e autoridade na realização de milagres : “1Aconteceu que, num daqueles

dias, estando Jesus a ensinar o povo no templo e a evangelizar, sobrevieram os

principais sacerdotes e os escribas, juntamente com os anciãos, 2e o argüiram nestes

termos: Dize-nos: com que autoridade fazes estas coisas? Ou quem te deu esta

autoridade?”(Lc 20:1-2).Alguns creram n’Ele : “1Havia, entre os fariseus, um homem

chamado Nicodemos, um dos principais dos judeus. 2Este, de noite, foi ter com Jesus

e lhe disse: Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém

pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele.”(João 3:1-2). Eles

queriam se ver livres de Jesus, pois sua interpretação mais flexível da lei se tornou uma

ameaça clara à posição e a autoridade dos escribas dentro da comunidade.Uniram-se aos

sumo sacerdotes para prender Jesus : “43E logo, falava ele ainda, quando chegou

Judas, um dos doze, e com ele, vinda da parte dos principais sacerdotes, escribas e

anciãos, uma turba com espadas e porretes.”Mc 14:43; articularam-se para

incriminá-lo : “10Os principais sacerdotes e os escribas ali presentes o acusavam com

grande veemência. (Lc 23:10) e no final ridicularizaram d’Ele na cruz : “41De igual

modo, os principais sacerdotes, com os escribas e anciãos, escarnecendo, diziam:

42Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se. É rei de Israel! Desça da cruz, e

creremos nele. 43 Confiou em Deus; pois venha livrá-lo agora, se, de fato, lhe quer

bem; porque disse: Sou Filho de Deus.”(Mt.27:41-43). Antes da destruição de

Jerusalém em 70 D.C., os escribas continuaram com os outros elementos do Sinédrio

para se opor à igreja cristã primitiva quando julgavam Pedro e João : “5No dia

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seguinte, reuniram-se em Jerusalém as autoridades, os anciãos e os escribas 6com o

sumo sacerdote Anás, Caifás, João, Alexandre e todos os que eram da linhagem do

sumo sacerdote; 7e, pondo-os perante eles, os argüiram: Com que poder ou em nome

de quem fizestes isto?”At.4:5

Certamente a relação interdiscursiva entre ambos era de confronto, uma

dialogia entre religião e revelação, entre o humano e o divino, entre a letra e o espírito,

porém o véu da morte espiritual impedia o escriba de ver Deus Filho encarnado, como

também a vaidade do conhecimento embotava sua lucidez para uma escolha acertada.

5.Que imagem Jesus tem do referente, da sua mensagem de boas

novas?

A parábola exposta visa ensinar que o cumprimento da Lei é o Amor a

Deus e ao próximo, fato negado pelo ensino legalista dos escribas.Sua mensagem

objetivava destruir as imagens que o Doutor tinha internalizadas sobre os lugares sociais

ocupados pelas figuras do sacerdote, do levita e do samaritano, tal intenção se

concretiza no final da narrativa na resposta dada à compreensão do próximo feita pelo

Doutor da Lei.Vejamos os lugares sociais representados pelos tipos presentes na

parábola:

A figura do sacerdote: atualmente a palavra sacerdote é usada para uma

pessoa que lidera uma igreja.Também é usada para falar do papel de todo cristão : “9

Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade

exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das

trevas para a sua maravilhosa luz.”(1Pedro 2:9). No AT havia três classes de obreiros

religiosos: os profetas, os mestres e os sacerdotes e levitas.Os profetas eram servos da

relação de Deus com Israel e seu trabalho(que não era pago) normalmente envolvia

chamar pessoas desobedientes de volta para Deus durante períodos difíceis.Os mestres

eram líderes do governo e professores, a maioria das classes que eles ensinavam eram

sobre moral e comportamento divino.Os sacerdotes e os levitas preenchiam várias

tarefas religiosas e tinham muito em comum com os sacerdotes de hoje.Eles eram

profissionais pagos pelo seu trabalho religioso em tempo integral, lideravam serviços

religiosos e ajudavam os israelitas a tentarem ter um bom relacionamento com Deus.Era

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um trabalho muito digno e poucas pessoas eram qualificadas para fazê-lo, pois eles não

decidiam se tornar sacerdotes, isso acontecia pela virtude da descendência sacerdotal

dos filhos de Arão, irmão de Moisés. As tarefas sacerdotais abrangiam três áreas :

declarar a vontade de Deus ao povo, ensinar as ordenanças e as leis de Deus ao povo de

Israel , ser servo do tabernáculo e participar nos sacrifícios e adorações de Israel.

Juntamente com os outros levitas, não possuíam terra como as outras tribos tinham, o

seu trabalho era ser completamente dedicado a servir a Deus, por causa disso, a lei de

Deus decretava que todos os israelitas tinham que sustentar os levitas pelos seus

serviços.

Os levitas são os descendentes de Levi, serviam no tabernáculo e eram

subordinados aos sacerdotes.Eram profissionais pagos pelos seus serviços no templo,

exercendo esse cargo entre seus 25 a 50 anos.Seu papel na religião era de serem aceitos

por Deus como substitutos pelos primogênitos de Israel. Seus deveres incluíam a

participação na atividade dos tribunais como juízes, tomar conta do Livro da Lei,

controlar as vidas e saúde de leprosos e participar diretamente em cerimônias para a

renovação da aliança de Israel com Deus.

Os samaritanos eram a classe mais odiada pelos judeus, não tinham

sangue puro de hebreus e nem religião judaica. Sargão, rei da Assíria, levou cativo os

judeus do norte e, para Samaria, levou povo estrangeiro, idólatra, desnacionalizando os

judeus residentes lá. Nos tempos de Jesus aumentou o conflito, tendo- se em vista a

construção de um templo rival no Monte Gerezim : “19 Senhor, disse-lhe a mulher,

vejo que tu és profeta. 20 Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis

que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar. 21Disse-lhe Jesus: Mulher, podes

crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o

Pai.”(João 4:19-21).De tal maneira se acentuaram as rivalidades entre eles que os

judeus consideravam os samaritanos como cães : “9Então, lhe disse a mulher

samaritana: Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher

samaritana (porque os judeus não se dão com os samaritanos)?”(Jo.4:9).Eles

partilhavam da crença na vinda do Messias, mas somente aceitavam os cinco livros de

Moisés.Suas conversões ao Cristianismo foram motivadas pelos milagres presenciados e

pela igualdade proposta pelo Evangelho conforme a parábola em questão.

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6.Que imagem o Doutor da Lei tem da mensagem de Jesus?

Antes de ser conduzido pela narrativa de Jesus, ele o considerava um

impostor e um inimigo a ser destruído.O final do diálogo deixa a possibilidade de uma

epifania, pois o Doutor da Lei concorda que o samaritano foi o próximo do homem

ferido.Fazendo tal afirmação ele desconstrói o lugar sócio-histórico que este ocupava

em seu imaginário e se volta sobre sua enunciação, reconsiderando valores e ideologias.

7.O que Jesus acha do conceito que o Doutor da Lei tem a seu

respeito?

As dimensões ideológicas entre ambos são antitéticas por excelência,

pois Jesus visava à glória divina e ele, à glória dos homens, por isso a imagem que havia

no imaginário do escriba não abalava as convicções do Mestre, estavam apoiadas no

Alto.O grau de severidade de Jesus nos discursos entre eles, conforme Mateus 23, deve-

se à responsabilidade que fora delegada aos escribas como condutores do povo a Deus

que não estava sendo exercida.

8.O que o Doutor da Lei acha do conceito que Jesus tem a seu

respeito?

Seus egos foram dizimados no discurso proferido por Jesus em Mateus

23, suscitando um ódio tão intenso que os levou a compactuar com a crucificação de

Jesus: “41De igual modo, os principais sacerdotes, com os escribas e anciãos,

escarnecendo, diziam: 42Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se. É rei de

Israel! Desça da cruz, e creremos nele. 43Confiou em Deus; pois venha livrá-lo

agora, se, de fato, lhe quer bem; porque disse: Sou Filho de Deus.”( Mateus 27:41-

43). Eles sabiam que Deus vê o interior do homem e Jesus revelou-lhes os seus, porém

muitos não se permitiram ser salvos de si mesmos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ruth Amossy (2008, p.9), afirma que “todo ato de tomar a palavra

implica a construção de uma imagem para si. Para tanto não é necessário que o locutor

faça seu auto-retrato, detalhe suas qualidades nem mesmo que fale explicitamente de si.

Seu estilo, suas competências lingüísticas e enciclopédicas, suas crenças implícitas são

suficientes para construir uma representação de sua pessoa. Assim, deliberadamente ou

não, o locutor efetua em seu discurso uma apresentação de si. Que a maneira de dizer

induz a uma imagem que facilita, ou mesmo condiciona a boa realização do projeto, é

algo que ninguém pode ignorar sem arcar com as conseqüências”.

Os lugares enunciativos ocupados por Jesus e o doutor da lei são

extremamente antagônicos em função das formações discursivas presentes em cada

universo discursivo. A vida de Jesus, seus ensinos e milagres fizeram estremecer os

alicerces da religião (não só judaica), seus dogmas humanos, afinal sua proposta de vida

e amor requeriam (querem) um novo olhar para a imagem de si mesmo e do mundo

Segundo Quintiliano (apud Amossy,2008, p.18), “o argumento exposto

pela vida de um homem tem mais peso que suas palavras.”. Jesus é Vida e Palavra. em

Sua revelação.

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