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1 CONFERÊNCIAS DE SAÚDE E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS EM 16 MUNICÍPIOS DE MATO GROSSO, 2003-2005. HEALTH CONFERENCES AND POLITICS FORMULATION IN 16 MUNICIPALITIES OF MATO GROSSO STATE, 2003-2005.

CONFERÊNCIAS DE SAÚDE E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS EM 16 MUNICÍPIOS DE MATO GROSSO ... · 2011. 8. 18. · de Mato Grosso. Sua realização deu-se no contexto das práticas e experiências

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CONFERÊNCIAS DE SAÚDE E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS EM 16

MUNICÍPIOS DE MATO GROSSO, 2003-2005.

HEALTH CONFERENCES AND POLITICS FORMULATION IN 16

MUNICIPALITIES OF MATO GROSSO STATE, 2003-2005.

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AUTORES:

Júlio Strubing Müller Neto1

Núcleo de Desenvolvimento em Saúde, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso. Av. Fernando Corrêa da Costa, s/n, Campus Universitário, CCBS III, Bairro Coxipó. 78060-900. Cuiabá/MT.

[email protected]

Fátima Ticianel Schader2

Núcleo de Desenvolvimento em Saúde, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso. Av. Fernando Corrêa da Costa, s/n, Campus Universitário, CCBS III, Bairro Coxipó. 78060-900. Cuiabá/MT.

[email protected]

Maria José Vieira da Silva Pereira 3

Grupo de Saúde Popular. Rua das Mangueiras, 103, Bairro Bosque da Saúde. 78050-200. Cuiabá/MT.

[email protected]

Ilva Félix do Nascimento4

Grupo de Saúde Popular. Rua das Mangueiras, 103, Bairro Bosque da Saúde. 78050-200. Cuiabá/MT.

[email protected]

Lydia Bocaiúva Tavares5

Núcleo de Desenvolvimento em Saúde, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso. Av. Fernando Corrêa da Costa, s/n, Campus Universitário, CCBS III, Bairro Coxipó. 78060-900. Cuiabá/MT.

[email protected]

Aline Paula Motta6

Núcleo de Desenvolvimento em Saúde, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso. Av. Fernando Corrêa da Costa, s/n, Campus Universitário, CCBS III, Bairro Coxipó. 78060-900. Cuiabá/MT.

[email protected]

AGÊNCIA FINANCIADORA:

Secretaria de Gestão Participativa do Ministério da Saúde.

1 Médico sanitarista e psiquiatra, professor do ISC/UFMT2 Enfermeira, mestre em Saúde Pública, Assessora Técnica NDS/ISC/UFMT.3 Enfermeira, especialista em Saúde Pública, Assessora Técnica GSP.4 Assistente Social, especialista em Saúde Pública, Assessora Técnica GSP.5 Médica, mestre em Saúde Ambiental, Assessora Técnica NDS/ISC/UFMT.6 Apoio Técnico Administrativo NDS/ISC/UFMT.

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COLABORADORES DA PESQUISA:

Pesquisadores de Campo

Acir Truppel, Marlene Costa, Ely Nazário, Sandra Bonilha, Cecília Nogami, Líris Lemos, Dirce Guollo, Cristiane Duarte, Andréia Andrade, Magda Lisboa, Vânia Kawabata, Maria P. Fernandes, Rosani Silva, Terezinha Gimenes e Ângela Sander

Estagiárias

Caroline Vilela, Isa Félix, Larissa Vieira e Marília Garrote

Gerente Administrativo do GSP

Luiz Gonçalo Batista Neves

Secretária Executiva

Mônica Spinelli

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RESUMO

O artigo analisa as demandas aprovadas nas conferências municipais de saúde. Foram

realizados múltiplos estudos de casos em municípios selecionados, por região e porte

populacional. A pesquisa baseou-se na análise dos relatórios das conferências, dos planos

municipais de saúde e dos relatórios de gestão, como meio de verificação quanto à efetiva

execução das deliberações. A análise completou-se por meio das informações obtidas em

entrevistas com atores chaves locais. O resultado evidenciou um quadro heterogêneo: as

conferências mostraram ser espaços importantes para a participação social, favoreceram a

explicitação das demandas sociais locais, mas demonstraram pouca capacidade de influir na

definição de prioridades das políticas.

Descritores: Participação cidadã. Conferencias de saúde. Políticas de controle social.

Políticas, planejamento e administração em saúde.

ABSTRACT

The article analyzes the demands approved in the health municipal conferences. Multiple case

studies in selected cities had been carried through, for region population transport. The

research was based on the analysis of the conference reports, the municipal health plans and

the management reports, in a way of checking the effective performance of deliberations. The

analysis was completed by means of the informations acquired in interviews with local actors

key. The result demonstrated a heterogeneous picture: the conferences had shown to be

important spaces for demands, but they had demonstrated little capacity to influence in

definition of politics priorities.

Descriptors: Citizen participation. Health conferences. Politics of social control. Politics,

planning and health administration.

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INTRODUÇÃO

Este artigo faz parte de um estudo mais amplo que analisou a incorporação das

demandas populares às políticas municipais de saúde, e identificou elementos e estratégias

para a qualificação da gestão participativa no Sistema Único de Saúde (SUS) em municípios

de Mato Grosso. Sua realização deu-se no contexto das práticas e experiências dos gestores,

conselheiros, profissionais de saúde e vereadores e do compromisso das instituições

envolvidas na luta pelo direito à saúde no Brasil.

O campo de análise da pesquisa compreendeu as conferências municipais de saúde

(CMS) realizadas em 2003, etapa municipal da 12ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), o

contexto político-institucional das secretarias municipais de saúde e seus processos de gestão

e planejamento, o conselho municipal de saúde, o legislativo e as relações dessas instituições

entre si e com os atores sociais. Na medida em que os conselhos e as conferências são espaços

públicos com legitimidade para influenciar nas políticas de saúde, o principal objetivo foi

analisar se as demandas e as diretrizes aprovadas nas conferências municipais de saúde

estavam sendo priorizadas pelos próprios conselhos e pela equipe gestora, responsáveis pelo

processo de formulação e planejamento, implementação e avaliação da política de saúde.

Partiu-se do pressuposto que a CMS devia ser o espaço institucional para aprovação da

agenda de prioridades, os planos deviam incorporar as prioridades aprovadas nas conferências

e os relatórios de gestão deveriam referir-se às mesmas prioridades.

O estudo foi realizado em 16 municípios do Estado de Mato Grosso, das diferentes

regiões de saúde e porte populacional, incluindo a capital, Cuiabá, oito municípios pólos

regionais de saúde e sete municípios não pólos regionais. Foi desenvolvido pelo Grupo de

Saúde Popular7 (GSP), em parceria com o Núcleo de Desenvolvimento da Saúde (NDS) do

Instituto de Saúde Coletiva/UFMT e o Conselho de Secretários Municipais de Saúde de Mato

Grosso (COSEMS/MT), apoiado financeiramente pelo Ministério da Saúde, através da

Secretaria de Gestão Participativa. O artigo objetivou apresentar aspectos metodológicos e

alguns dos resultados do estudo, com foco nas conferências municipais de saúde: o processo

de organização, a representatividade e as características das deliberações aprovadas nas

mesmas; a análise comparativa dessas demandas com as ações incluídas no plano municipal

7 O GSP uma Organização Não Governamental fundada em 1986, que tem atuado historicamente em projetos de fortalecimento da participação popular para efetivação do SUS, principalmente na capacitação de conselheiros da saúde. A parceria do GSP com o MOPS e outros movimentos sociais, com a UFMT e o COSEMS é uma prática histórica e propiciou eventos significativos, como os dois cursos de capacitação de conselheiros, realizados com apoio da gestão estadual de saúde, no período de 1996 a 2002 (RADIS, 2001).

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de saúde e aquelas ações implementadas, conforme relatório de gestão do ano seguinte à

realização das mesmas.

As principais questões que nortearam o desenho da pesquisa foram: 1) os

atores/sujeitos sociais representados nas Conferências estão conseguindo ou não influenciar a

construção da agenda da política municipal de saúde?; 2) O processo de construção da agenda

é democrático e permite a participação social?; 3) A agenda de saúde é determinada pela

agenda nacional ou há um espaço para sua elaboração no interior do município, a partir das

demandas sociais locais?; 4) Os instrumentos de planejamento e gestão do SUS estão

contribuindo ou não para a incorporação das demandas sociais à política de saúde?

1. A CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA

Quanto ao desenho metodológico, optou-se pelo estudo de casos múltiplos, utilizando

material e método da pesquisa quantitativa e qualitativa, cujas estratégias desenvolvidas

contemplaram:

Constituição do grupo de pesquisa do nível central, seleção e treinamento dos

pesquisadores de campo, sendo alunos do I e II Cursos de Especialização em Gestão

de Sistemas e Serviços de Saúde realizados pelo ISC/UFMT e COSEMS, como

estratégia de formação da rede de cooperação e educação permanente do SUS no

estado;

Pesquisa exploratória no campo teórico metodológico para construção do desenho

do estudo, sua dimensões e variáveis;

Seleção da amostra de municípios, considerando a distribuição regional e o porte

populacional;

Seminário para discussão e nivelamento teórico conceitual e apresentação do projeto

com o envolvimento dos professores e alunos do Instituto de Saúde Coletiva da

UFMT, profissionais de saúde, conselheiros de saúde e gestores;

Caracterização dos 16 municípios da pesquisa através de análise documental em

fontes de dados primários e secundários;

Análise dos relatórios da etapa municipal da 12ª CNS, dos Planos Municipais de

Saúde ou Planos Operativos Anuais e dos Relatórios de Gestão do ano subseqüente

à realização das Conferências Municipais;

Entrevistas semi-estruturadas com os atores do período da realização da conferência

e atual, incluindo gestores, conselheiros municipais de saúde e vereadores;

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Sistematização dos dados, análise e produção dos relatórios de cada município;

Análise dos dados de acordo com os eixos: 1)Determinantes socioeconômicos e

políticos; 2) Caracterização Institucional; 3) Processo decisório; 4) Percepções e

valores dos atores institucionais; 5) Conteúdo das agendas. Cada eixo compreendeu

diversas variáveis e seus respectivos indicadores e a análise foi feita no âmbito das

três instituições objetos do estudo: a secretaria e o conselho de saúde e o legislativo

municipal.

As deliberações aprovadas constantes dos relatórios finais das Conferências Municipais

e as ações incluídas nos planos e nos relatórios de gestão foram classificadas de acordo com os

termos de referência dos 10 eixos temáticos da 12ª CNS (BRASIL, 2004), independente da

classificação dada no relatório da conferência municipal e do recorte do plano. Foram

elaborados protocolos de consenso para a classificação das deliberações e das ações, assim

como para a análise dos planos de saúde e relatórios de gestão.

O tema da 12ª CNS foi “Saúde: Um direito de todos e dever do Estado – A Saúde que

temos, o SUS que queremos”, subdivididos em dez eixos temáticos: I) Direito à Saúde; II) A

Seguridade Social e a Saúde; III) A intersetorialidade das Ações de Saúde; IV) AS três esferas

de Governo e a Construção do SUS; V) A Organização da Atenção à Saúde; VI) Controle

Social e Gestão Participativa; VII) O Trabalho na Saúde; Ciência e Tecnologia e a Saúde;

VIII) O financiamento da Saúde; IX) Comunicação e Informação em Saúde (BRASIL, 2004).

Como a metodologia previa, a devolução dos resultados aos municípios e a discussão

dos mesmos com os sujeitos locais ocorreram em dois momentos: primeiramente, no XIII

Encontro de Secretarias Municipais de Saúde de Mato Grosso, organizado pelo COSEMS/MT

e realizado em Cuiabá, em 30/06/2007, com a participação de secretários municipais de saúde,

membros da Comissão Intergestores Bipartite (CIB), estadual e regionais, do Conselho

Estadual de Saúde, do pólo de educação permanente e da Rede de Apoio SUS-COSEMS-MT,

ocasião onde também foi repassado um conjunto de subsídios e recomendações para

preparação da etapa municipal da 13ª CNS; posteriormente, em cada um dos 16 municípios

estudados, durante a realização das conferências municipais de saúde, etapa municipal da 13ª

CNS, no período de Junho a Agosto de 2007, com debate e apresentação de sugestões para o

fortalecimento da gestão do SUS e da participação social na formulação e implementação das

políticas municipais de saúde.

Algumas ressalvas devem ser feitas: a análise dos planos e relatórios refere-se apenas

ao primeiro ano após a realização das conferências; a análise dos planos considerou a

diversidade de modelos encontrados; não se pretendeu estabelecer a intencionalidade das

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ações, ou seja, afirmar que as ações idênticas ou equivalentes encontradas nos planos e

relatórios de gestão foram incluídas ou implementadas em função das deliberações ocorridas

nas conferências. Para o artigo ainda foram feitos alguns recortes de análise: os municípios

não foram comparados por porte e região, não foram incorporados todos os eixos de análise,

como também não foi analisado o papel dos conselhos e do legislativo referentes à CMS.

2. REFERENCIAL TEÓRICO E DEFINIÇÕES LEGAIS

2.1 A Descentralização e a democratização: princípios que materializam a participação

popular no SUS

A gestão democrática no âmbito do SUS é uma luta da sociedade brasileira, concebida

através do movimento da Reforma Sanitária, como processo social e político permanente.

Movimento que influenciou a organização da 8ª CNS, e a formulação do anteprojeto do setor

saúde, aprovado no texto da Constituição de 1988.

A formulação do SUS como política de Estado reafirmou a saúde como direito e a

necessidade de fortalecer o processo de descentralização, já iniciado anteriormente, para

garantir a equidade e a universalidade do acesso. A Constituição avança também na definição

das competências da gestão dos sistemas de saúde das três esferas de governo, ficando o

município como principal executor das ações e dos serviços (CÔRTES, 2006).

A municipalização da saúde foi a principal estratégia adotada para o desenvolvimento

da descentralização da saúde ao longo da década de 1990, propiciando maior

responsabilização dos prefeitos e secretários municipais de saúde, no gerenciamento do

sistema local (VIANA, 1998).

Em período mais recente, observou-se o esgotamento das normas operacionais como

instrumento de operacionalização do sistema de saúde. Os Pactos em Defesa da Vida, do SUS

e de Gestão, formalizados em 2006 pelos gestores do SUS, estabelecem diretrizes orientadas à

construção de modelos de gestão mais democráticos e flexíveis, sensíveis à diversidade e às

diferentes realidades do país (BRASIL, 2006).

No contexto geral da descentralização e da implementação do SUS, a participação

popular teve um espaço importante na agenda da política de saúde. O cadastro nacional de

Conselhos de Saúde, elaborado pela Secretaria de Gestão Participativa (MS), contabilizou a

existência de 5.559 Conselhos Municipais de Saúde no país no ano de 2005 (BRASIL, 2005;

LABRA, 2005). O número de delegados presentes nas conferências de saúde também cresceu:

dos 1000 delegados presentes na 8ª CNS para 4000 delegados na 12ª CNS (ESCOREL e

BLOCH, 2005).

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Estes dados revelam que a existência dos conselhos de saúde e a mobilização em torno

das conferências colocaram no cenário inúmeros atores sociais, que contribuíram para a

formação de um tecido social de reflexão, negociação e de formação de opinião. Espaços

políticos de democracia direta e de manifestação de interesses divergentes e conflitos

(CÔRTES, 2006).

2.2 Conferências e Conselhos de Saúde como espaços públicos de processamento das

demandas populares: limites e desafios

A relação entre a descentralização e a participação social no país tem sido abordada

por vários autores. Gohn (2003) define participação social como o processo de vivência que

imprime sentido e significado a um grupo ou movimento social, tornando-o protagonista de

sua história. A mesma autora (idem, 2005) assinala a mudança ocorrida nos processos de

participação social no Brasil: nos anos 1970-80, o movimento popular adotava posição

antagônica e externa ao Estado, enquanto na década de noventa prevalece a tendência à

inserção ativa dos movimentos sociais nos processos de formulação e implementação das

políticas públicas. Constitui-se um outro campo, no âmbito da esfera pública, em que se

articulam diferentes atores sociais, criando redes e um novo tipo de associativismo. São

diferentes tipos de conselhos; redes locais, nacionais ou internacionais; fóruns temáticos;

assembléias organizadas pela sociedade civil. O termo participação popular tem sido usado

em contraposição a outras expressões de participação social, como uma forma de participação

que enfatiza a expressão política de grupos representativos da sociedade civil junto a espaços

de definição de políticas públicas de cunho social (ACIOLI, 2005, p. 298). A autora enfatiza,

a partir deste conceito, a relação que se estabelece entre participação popular e disputa por

espaços de poder, incluindo a disputa por controle das verbas públicas e sua importância na

construção do processo democrático.

Na mesma linha, outros autores (SANTOS JÚNIOR, AZEVEDO e RIBEIRO, 2004)

denominam governança democrática os padrões de interação entre as instituições

governamentais, agentes do mercado e atores sociais que realizam a coordenação e,

simultaneamente, promovem ações de inclusão social e asseguram a participação social na

formulação de políticas e nos processos decisórios. Tal padrão entre governo e sociedade se

expressa em canais ou arenas, institucionalizadas ou não, de intermediação entre as

instituições governamentais e atores sociais. Os autores referidos apontam a riqueza da

experiência dos conselhos municipais nas regiões metropolitanas, com base em extensa

pesquisa empírica, e afirmam ser os conselhos municipais espaços institucionais com

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potencial de se transformarem em instrumentos da constituição da governança democrática

dos municípios. Enfatizam vários aspectos do funcionamento dos conselhos, em especial, a

evidência de que eles estão se constituindo em arenas de interação entre governo e sociedades,

nos quais os diferentes interesses são expressos. Há o reconhecimento e legitimação dos

atores sociais e a permissão para a criação de uma agenda legitimada de problemas, objetivos

e demandas, que passa a exercer uma “pressão moral”sobre os governantes. Mas para isso,

ressaltam, seria necessário, tanto o investimento nesse modelo participativo, como uma

política de incentivo à associação cívica, no sentido atribuído por Putnam (2000), para superar

os limites dos conselhos, assinalados por eles, enquanto canais de democratização da gestão

municipal: um conjunto significativo de segmentos sociais, sobretudo os mais vulneráveis,

não tendo sua agenda de demandas representadas nessa arena pública; a abertura dos canais

de participação seria mais fruto de políticas do governo federal, das políticas públicas

descentralizadoras, que do governo e sociedade local; capacidade decisória insuficiente e

dependente; desigualdade econômico-social entre os municípios, o que ocasionaria diferentes

respostas às demandas.

Também Fleury (2004) afirma que a atual complexidade da sociedade brasileira, com

a emergência de inúmeros movimentos de base popular, “permite a introdução de novos

temas na agenda pública, vocaliza as demandas sociais emergentes e constitui-se em recurso

organizacional que produz o adensamento da sociedade civil e o aumento do capital social”.

Côrtes (2006) analisa diferentes concepções na literatura em relação à questão do

impacto de fóruns participativos sobre gestão e implementação de políticas públicas,

principalmente no Brasil, relação entre participação e governança, na articulação entre

gestores e burocracia governamentais e os interesses dos usuários, trabalhadores. Alguns

autores são céticos em relação às possibilidades dos fóruns participativos contribuírem para

democratização da gestão pública e aprimoramento da implementação de políticas. Outros

respondem a esta questão de forma esperançosa.

No campo da saúde, Labra (2005) destaca que os Conselhos de saúde constituem uma

inovação política, institucional e cultural da maior relevância para o avanço da democracia e

uma singularidade no contexto latino-americano. Carvalho (1995), em trabalho pioneiro,

conclui que os conselhos emergentes assumiram, ao lado de atribuições de planejamento e

controle das políticas de saúde, um papel de proteção dos direitos e implementação de

políticas sociais universalistas, com forte indução legal e administrativa originada na esfera

federal.

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Entretanto, como assinala Viana (1998), os Conselhos têm seu funcionamento limitado

e condicionado pela realidade concreta das instituições e da cultura política dos municípios

brasileiros, de modo que a característica da gestão local pode interferir na dinâmica do

funcionamento do Conselho. A gestão centralizada não favorece a dinâmica autônoma dos

conselhos, que na maioria das vezes passa a existir como instância burocrática. O impacto do

poder de direcionamento do executivo municipal pode ser minorado pelas formas de

organização e grau de desenvolvimento das estruturas administrativas das Secretarias de

Saúde Municipais. Quanto mais autonomia administrativa e financeira, gestão e organização

descentralizada dos serviços as Secretarias Municipais tiverem, maior é a influência dos

conselhos existentes na política local de saúde e novas modalidades de participação de

usuários e profissionais de saúde podem surgir, afirma a autora, para quem o conselho é um

espelho da política local e da representação dos interesses políticos.

Apesar do reconhecimento dos aspectos positivos e inovadores da participação em

instâncias de decisão do sistema de saúde, é preciso ter claro as possibilidades concretas de

participação dos usuários no controle dos serviços de saúde. A participação dos usuários

constitui numa tarefa complexa (PINHEIRO e DAL POZ, 1998). Para eles, essa

complexidade é dada, primeiramente, pela responsabilidade do conselho na formulação de

estratégias e no controle da execução da política de saúde; segundo, pela diversidade de

temas, problemas e conflitos relacionados à organização do sistema e dos serviços; terceiro,

pela diversidade dos atores e interesses envolvidos na composição dos conselhos.

Outros mecanismos formais de controle social foram incorporados ao SUS na defesa

do direito à saúde, tais como, ouvidorias e disque denúncia, criando novas formas de

expressão e de defesa dos interesses dos indivíduos, grupos e comunidade. O voto sufragado

na escolha dos governantes (executivos e legislativos), plebiscito, projeto de lei de iniciativa

popular, Ministério Público, órgãos de defesa do consumidor, mobilização popular, e a mídia

em geral, são outras formas de controle social (MATTOS, 2005).

Decorridos 17 anos de implantação do SUS, os conselhos de saúde resistem,

acumulam cultura de gestão e democracia e são sujeitos políticos na política local. De acordo

com Costa e Barros (2000), a realização de seus fins pressupõe a existência de sujeitos

políticos e sociais dotados de representatividade e de legitimidade, pois a ação individual,

ainda não é suficiente para a ação política. Para Barros (1994), o reconhecimento da

representação confere legitimidade e poder. A representação só pode exercitar o poder que lhe

é facultado. Para Dallari (1994) a legitimidade se manifesta na permeabilidade que o

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Conselho adota às questões que são colocadas pelos diversos segmentos sociais

representados, em especial, os usuários dos serviços de saúde.

Apesar da íntima relação com o conceito de participação, as questões de legitimidade e

representatividade política dos conselhos e de seus membros, participantes do processo do

controle social, têm sido pouco aprofundadas nas análises teóricas e nos estudos empíricos. A

representação pressupõe um conjunto de direitos políticos (liberdade de expressão, de

associação etc.), que permite a formação e manifestação da vontade política dos

representados, e constitui um fenômeno complexo, cujo núcleo consiste num processo de

escolha de governantes (ou representantes de segmentos sociais) e de controle sobre sua ação

por meio de eleições competitivas. Para Urbinati (2006), a representação política é um

processo circular (suscetível ao atrito) entre instituições estatais e as práticas sociais. Para a

autora, a representação não pertence apenas aos agentes ou instituições governamentais, mas

designa uma forma de processo político que é estruturada nos termos da circularidade entre as

instituições e a sociedade, e não é confinada à deliberação e decisão na assembléia. Também,

de acordo com ela, a definição mais próxima dos princípios democráticos pertence à Hannah

Pitkin: “a representação aqui significa agir no interesse dos representados, de uma maneira

responsiva a eles” (URBINATI, 2006, p. 202). Sua natureza ambivalente – social e política,

particular e geral – determina a ligação inevitável com a participação. O funcionamento da

representação beneficia-se de uma cultura democrática de participação. Do mesmo modo, a

legitimidade desses novos espaços públicos de participação social está ancorada, de um lado,

no próprio processo participativo e sua representatividade política, e, de outro, na crença dos

sujeitos de que são legais as normas do Estado (ou do regime) e seus aparelhos, assim como o

direito de comando derivado delas.

A maioria dos trabalhos sobre os novos espaços de participação social na saúde tem

como objeto os conselhos de saúde. Entretanto, um trabalho recente de Escorel e Bloch

(2005) enfatiza a análise das conferências de saúde e sustenta que as conferências e os

conselhos de saúde materializam e qualificam o princípio e o valor da democracia no projeto

da Reforma Sanitária e, portanto, integram um mesmo componente de análise. São fóruns, nos

quais se identificam alterações no padrão de recepção e processamento de demandas na área

da saúde. As autoras ressaltam, porém, que os conselhos são fóruns permanentes e com

atribuições bem definidas e ampliadas, enquanto as conferências são fóruns pontuais, com

atribuições pouco claras e cujos resultados são sistematicamente desconsiderados. As

conferências de saúde vêm ocorrendo na maioria dos municípios, embora por indução

nacional. Cresce o número de delegados presentes na etapa nacional e é cada vez maior o

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número de etapas municipais, configurando espaços próprios de debate e formulação de

políticas, com direito à participação dos usuários.

As conferências nacionais de saúde fazem parte da história oficial da política de saúde

brasileira desde 1937, com a Lei 378, de 13/01/1937, que instituiu a Conferência Nacional de

Saúde e Educação. No Brasil foram realizadas 12 conferências até 2003, sendo a 8ª CNS

considerada como marco de transformação que estabeleceu a nova dinâmica e alterou a

composição dos delegados, incorporando a participação da sociedade civil organizada e uma

nova institucionalidade e vida própria às conferências (ESCOREL e BLOCH 2005). Para

estas autoras, as conferências são fóruns que conformam espaços de formação de opinião e

vontade política e atuam na tematização da agenda pública. Uma forma de organização

inovadora que trabalha com conflitos e interesses. Fórum de negociação política e de

democracia direta, de manifestação de interesses divergentes e conflitos, que possibilitam a

ampla divulgação de temários para discussão na sociedade em geral e interferem no rumo da

política. Para Luz (2005) a Conferência é um espaço de trocas de informação, experiência,

cooperação e apoio mútuo, um tecido social comunicativo.

Para além dos conselhos e conferências, muitos espaços são criados e reformulados no

cotidiano da vida das comunidades, seja de reflexão, auto-ajuda, resistência, solidariedade,

reivindicação e mobilização em torno de necessidades concretas da população. Essas

iniciativas formam uma expressão viva da sociedade civil em torno das relações sociais, do

cotidiano e da cultura e atuam para além dos espaços institucionais de participação popular,

no micro espaço de poder local, inclusive nos serviços de saúde (LACERDA et al., 2006).

2.3 Planejamento e Gestão do SUS: O que os Conselhos e as Conferências têm a ver com

isto?

A construção da gestão democrática dá-se no cotidiano da gestão, na relação Estado e

sociedade. É resultante de troca de saberes e pressupõe a existência de conflitos de interesses,

um campo de diversidade de opinião e percepção quanto ao modelo de sociedade e do sistema

de saúde. Este caminho cria possibilidades para se construir novas metodologias de

planejamento e avaliação, diálogos, pactos e articulações entre os diferentes atores e redes

sociais de relacionamento que poderão influenciar na implementação do SUS e incorporar as

demandas da população e suas necessidades biológicas, sociais e culturais (PINHEIRO e

MATTOS, 2006).

Para os autores citados, no processo de gestão democrática valorizam-se também os

espaços já estabelecidos de controle social no SUS, principalmente os conselhos e

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conferências, incorporando linhas de prioridade para seu fortalecimento, enquanto espaços

públicos de formulação da política, avaliação e acompanhamento. Isso requer o uso de

tecnologias de comunicação, informação para a formação da consciência crítica da população,

enquanto sujeitos desta construção, e metodologias de educação permanente, para promover o

relacionamento entre os indivíduos e os grupos de diferentes ideologias e interesses, capaz de

diminuir as desigualdades existentes entre eles, referentes ao domínio do conhecimento e das

tecnologias de saúde.

Bordin (2002) enfatiza a complexidade do processo de planejamento e gestão em

saúde e sua relação com a participação dos conselhos municipais, que favorece a identificação

de múltiplas necessidades e problemas no interior do sistema, como recursos escassos, mal

utilizados e mal distribuídos. Reafirma a necessidade de processos decisórios, baseados na

informação, na epidemiologia e na avaliação.

Para Merhy, Cecílio e Nogueira Filho (1991), o modelo de gestão democrática deve se

basear em metodologia do planejamento e de administração que alie agilidade gerencial com a

participação dos interessados. Isto só pode acontecer se houver capacitação dos dirigentes,

organização de um processo democrático e informação ampla e disponível.

O planejamento constitui campo de investigação da saúde coletiva e uma função da

gestão, que inclui a formulação, execução e avaliação da política de saúde (TEIXEIRA e

MOLESINI, 2002; LEVCOVITZ et al., 2003; SCHRAIBER et al., 1999). O plano de saúde é

o principal instrumento de gestão e expressa a responsabilidade municipal com a saúde da

população, a síntese de um processo de decisão sobre o que fazer diante de problemas e

disponibilidade de recursos (TEIXEIRA, 2001). A coordenação do planejamento e avaliação

do sistema de saúde é uma atribuição do gestor público, do dirigente municipal (TEIXEIRA e

MOLESINI, 2002), cabendo à conferência, analisar a situação de saúde e propor as diretrizes

para a formulação da política e, ao conselho, atuar na formulação de estratégias e no controle

da execução da política (BRASIL, 2001a). Independente da obrigatoriedade definida na

legislação, o planejamento, a avaliação e a prestação de contas são necessidades de qualquer

instituição pública, como as Secretarias de Saúde.

A Constituição Federal de 1988 definiu que “as ações e serviços públicos de saúde

integram uma rede de serviços e constituem um sistema único com participação da

comunidade”. A Lei 8080/90, no artigo 15º, definiu como competência de cada nível de

direção do SUS a elaboração e atualização periódica do plano de saúde e a articulação política

para sua viabilização. Assim, os planos de saúde se tornaram os instrumentos de programação

e orçamento de cada nível de direção do SUS (BRASIL, 2001a). O artigo 36 da Lei 8080/90

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regulamentou o processo de planejamento e orçamento do SUS como ascendente, do nível

local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos, compatibilizando-se as necessidades da

política com a disponibilidade de recursos em planos de saúde (BRASIL, 2001a).

A Lei 8142/90 regulamentou a participação da comunidade na gestão do SUS, através

da realização da Conferência Nacional de Saúde, a cada quatro anos, para avaliar a situação

de saúde e propor diretrizes para a formulação da política e instituiu o Conselho de Saúde

como órgão colegiado, em caráter permanente e deliberativo, com composição paritária entre

representantes dos usuários e dos demais segmentos, para atuar na formulação de estratégias e

no controle da execução da política de saúde na instância correspondente (BRASIL, 2001a).

A referida lei condicionou a transferência de recursos da União aos municípios ao

cumprimento de requisitos como a criação do Fundo de Saúde e do Conselho de Saúde, a

existência de plano de saúde e relatório de gestão, e a comissão de elaboração do Plano de

Carreira, Cargos e Salários (PCCS).

A Norma Operacional NOB 01/ 96, instrumento de regulação do SUS, acelerou a

municipalização da saúde e reforçou a importância do planejamento e da programação

pactuada integrada (PPI) nos três níveis de gestão, sobretudo a integração das programações

dos sistemas municipais e estaduais, como responsabilidades e requisitos para a habilitação

dos municípios em Gestão Plena do Sistema Municipal (BRASIL, 2001a; VIANA, 2000).

Posteriormente, a Norma Operacional da Assistência (NOAS 01/02) atualizou os requisitos

para a habilitação dos municípios e estabeleceu o processo de regionalização da saúde no

âmbito do SUS. Introduziu a agenda municipal e o quadro de metas, como parte do plano

municipal de saúde, em consonância com as agendas nacional e estadual, e o

acompanhamento dos relatórios de gestão, a ser efetuado com base no quadro de metas

(BRASIL, 2001a). O sistema de planejamento do SUS deve compor o sistema nacional de

planejamento, federativo, que responde às exigências constitucionais e legais, entre as quais a

elaboração dos planos plurianuais (PPA), das leis de diretrizes orçamentárias (LDO) e do

orçamento (LO), além de outras ações.

A Portaria 548/GM de 12/04/01 veio orientar o processo de elaboração e a aplicação

da agenda e do plano de saúde, dos quadros de metas, e do relatório de gestão (BRASIL,

2001b). De acordo com a referida portaria, o plano municipal de saúde ou plano plurianual da

saúde resulta do processo de planejamento no âmbito do sistema municipal de saúde,

realizado de quatro em quatro anos, contendo a análise da situação de saúde da população, as

políticas e as diretrizes do sistema, as ações prioritárias e as estratégias de implantação, bem

como o orçamento previsto para a execução das ações propostas no âmbito do SUS municipal.

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Deve estar em consonância com o plano plurianual do governo. O quadro de metas ou plano

de trabalho anual é parte integrante dos planos de saúde, base para a elaboração dos relatórios

de gestão. O relatório de gestão deve avaliar o cumprimento dos objetivos e das metas

explicitadas no quadro de metas, bem como da aplicação dos recursos, e ser disponível aos

órgãos de controle social como legislativo, ministério público e a sociedade como um todo

(BRASIL, 2001b).

Em 2006 foram firmados os Pactos pela Saúde, pela Vida e de Gestão, que incluiram o

processo de planejamento como atividade relevante na implementação do SUS. A Portaria

699/2006, que regulamentou os pactos, estabeleceu o sistema de planejamento do SUS –

PlanejaSUS – e definiu inúmeros instrumentos para operá-lo, nas três esferas de governo.

O Conselho Nacional de Saúde, através da Resolução n. 333/03 definiu que os

conselhos de Saúde e o poder executivo deveriam acolher as demandas da população,

consubstanciadas nas conferências de saúde, e aprovar proposta de operacionalização das

diretrizes definidas nas conferências e as diretrizes para elaboração dos planos de saúde

(BRASIL, 2003).

Como observado, o arcabouço jurídico institucional do SUS estabeleceu um modelo

de gestão democrático e colocou as representações da sociedade no campo das instituições

com poder e responsabilidade na formulação e o acompanhamento da política de saúde. Os

conselhos e as conferências passaram a constituir espaços de recepção e processamento das

demandas populares e, portanto, potencialmente capazes de influenciar a definição de

prioridades na construção da agenda da política da saúde.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Mato Grosso é um estado com grande dimensão territorial, baixa densidade

demográfica, com economia baseada na agropecuária, sobretudo na produção de soja, algodão,

arroz, carne, madeira, sendo exportador desses produtos. A atividade econômica concentradora

de renda, as grandes distâncias e a precariedade da infra-estrutura de comunicação e

transporte, somados à insuficiente estrutura urbana das suas cidades, assim como a

insuficiência de serviços essenciais na área da educação, saúde e segurança pública, sérios

problemas ambientais e de violência, configuram um quadro de extrema desigualdade social e

regional. Esse quadro é conseqüência de um modelo de crescimento econômico implantado a

partir da década de 1970, durante o regime militar, que estimulou a migração, sobretudo dos

estados do sul do país, com a política de ocupação de fronteiras, por meio da colonização.

Atualmente, mais da metade da população do estado é constituída de migrantes. Possui 141

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municípios (IBGE), dos quais apenas três possuem mais de 100 mil habitantes. O estado tem

17 regiões de saúde.

Os 16 municípios da pesquisa estão localizados em 16 diferentes regiões de saúde do

estado, oito são sedes de pólo regional. A maioria dos municípios pesquisados são de pequeno

ou médio porte (Quadro 1). A atividade econômica primária com base na agropecuária é

predominante nestes municípios. Em apenas dois, predominam os serviços e o comércio.

A taxa de urbanização está abaixo de 60% em quatro municípios, entre 60 e 80% em

sete e acima de 80% em cinco, evidenciando um equilíbrio entre municípios mais e menos

urbanizados. A emancipação de 11 municípios é recente, entre 20 e 30 anos: um na década de

noventa, sete na década de oitenta e três na década de setenta. Dos outros quatro, dois têm

mais de 200 anos, um entre 100-200 anos e outro entre 50 e 100 anos.

Quadro 1: Municípios pesquisados segundo porte populacional. Mato Grosso, 2006.PORTE POPULACIONAL NÚMERO DE MUNICÍPIOS

Acima de 100 mil habitantes 3De 50 a 100 mil habitantes 2De 20 a 50 mil habitantes 5De 10 a 20 mil habitantes 1De 5 a 10 mil habitantes 3Até 5 mil habitantes 2Fonte: IBGE, estimativa 2006.

3.1 Capacidade institucional de planejamento e gestão das Secretarias Municipais de

Saúde

As Secretarias Municipais de Saúde (SMS) também são relativamente recentes, metade

é da década de noventa, período pós-SUS, sete da década de oitenta e uma da década de

setenta.

Para análise da autonomia do órgão gestor da saúde foi considerada a condição de

habilitação do município às normas operacionais do SUS, a gestão do fundo municipal de

saúde e de pessoas (Tabela 1). A maioria dos municípios (68,7%) está habilitado na condição

de Gestão Plena da Atenção Básica e (31,3%) na Gestão Plena do Sistema, conforme

requisitos da NOB/SUS 01/96. A gestão integral do fundo de saúde ocorre em 40% dos

municípios e de pessoas em 33,3%, caracterizando um quadro de autonomia limitado do órgão

da saúde.

Em relação à capacidade institucional de planejamento, todas as Secretarias de Saúde

elaboraram os principais instrumentos de planejamento do SUS, plano municipal e relatório de

gestão, referentes ao período analisado, sendo que metade delas apresentou o plano plurianual

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de saúde que, em todos os casos, guarda relação com o plano plurianual do governo (PPA). O

plano operativo ou plano de trabalho anual foi elaborado por 75% delas. O plano de saúde dos

16 municípios foi aprovado em seu respectivo conselho de saúde, cumprindo os requisitos

legais do SUS. Observou-se que apenas sete conselhos de saúde definem as diretrizes para a

elaboração do plano e apenas seis realizam seu monitoramento, conforme determina a lei n.

8142/90.

Quando analisada a estrutura dos planos de saúde, apenas dois estavam adequados à

portaria do Ministério da Saúde GM n. 548/01, incluindo introdução, diagnóstico situacional,

prioridade, estratégias, análise estratégica, programação, quadro de metas e conclusão. Os

planos de saúde analisados, de maneira geral, descrevem superficialmente a situação de saúde

do município, por meio de alguns indicadores epidemiológicos e de produção de serviços, a

capacidade instalada dos serviços e a previsão orçamentária. A diversidade de modelos é a

regra encontrada.

Em relação à definição de metas, ações e programação de atividades, verificou-se em

todos os planos analisados ausência de análise situacional, que orienta a definição das

prioridades, assim como dos responsáveis pela execução dos objetivos e das ações

programadas. Por serem escritos em linguagem excessivamente técnica, apresentaram relativa

dificuldade para a identificação das deliberações das conferências que estariam contempladas

entre as ações priorizadas. Nenhum plano fez referência ao relatório final da conferência.

Também não se encontrou em nenhum dos planos, referências a estratégias ou medidas com

vistas a integrá-lo ao processo de planejamento municipal e ao processo de participação social

das conferências e conselhos de saúde.

Sete Secretarias de Saúde apresentaram estrutura administrativa de planejamento em

seus organogramas. Os técnicos do nível central participaram na elaboração do planejamento

em 68,75% dos municípios, os profissionais das unidades de saúde em 81,2% e uma comissão

ou membros do conselho municipal de saúde em 75%, evidenciando, em alguma medida,

processos e metodologias participativas. Quanto à existência no órgão gestor da saúde de

estruturas e mecanismos de fortalecimento do controle social e da gestão participativa,

unicamente uma secretaria contava com ouvidoria e conselhos gestores funcionando. Já a

participação do secretário de saúde na Comissão Intergestores Bipartite regional (CIB) é

prática corrente em todos eles.

Os relatórios de gestão referentes ao período do estudo apresentaram um modelo

padrão que foi orientado pela Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES), ainda em

2001, com um diagnóstico da situação geral e de saúde, como no plano municipal de saúde, as

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metas alcançadas do pacto de atenção básica e das vigilâncias em saúde (exigências da

habilitação), a produção de serviços e, sobretudo, o demonstrativo contábil da execução

financeira e algumas atividades administrativas. Relacionavam as atividades realizadas durante

o ano, mas, no entanto, não apresentavam uma análise que permitiria a comparação direta

entre o previsto no plano e o realizado efetivamente, a correlação entre as metas, os resultados

e a aplicação de recursos. Tampouco assinalam os problemas e dificuldades da gestão. As

exceções foram os relatórios de dois municípios, que apesar de utilizar o modelo proposto,

acrescentaram informações que permitiram a comparação entre o programado e as ações,

executadas.

De acordo com a portaria 548/01 (BRASIL, 2001), o relatório de gestão deveria ser o

instrumento do processo de planejamento destinado a avaliar o cumprimento dos objetivos,

das metas e das ações bem como da aplicação dos recursos. Nesse sentido, mesmo que todos

os municípios tenham elaborado seus relatórios de gestão, observou-se que 14 desses

relatórios apenas cumpriam o aspecto formal e as exigências das outras esferas de gestão,

deixando em segundo plano a avaliação do cumprimento das prioridades da gestão municipal.

Nenhum dos relatórios analisados fez referência direta às deliberações das conferências ou

resoluções dos conselhos de saúde. Em síntese, pode-se afirmar que os relatórios de gestão

foram de pouca utilidade para avaliar a implementação das ações prioritárias e das

deliberações aprovadas nas conferências de saúde.

Tabela 1: Capacidade institucional de planejamento e autonomia de gestão nas 16 Secretarias Municipais de Saúde. Mato Grosso, 2005.

VARIÁVEISNÚMERO DEMUNICÍPIOS

% DE MUNICÍPIOS

1. Capacidade de planejamento1.1 Gerência de planejamento 7 43,751.2 Instrumento de planejamentoPlano Plurianual de Saúde 8 50Plano guarda relação com o PPA do município 8 50Plano operativo anual ou Plano de Trabalho anual 12 75Relatório de gestão 16 100Modelo de plano em consonância com a Portaria MS548 1 6,251.3 Participação no processo de planejamentoTécnicos do nível central 11 68,75Profissionais das unidades de saúde 13 81,25Comissão ou membros do conselho 12 75Sem participação 1 6,252. Autonomia da gestão2.1 Tipo de GestãoGestão da Atenção Básica 11 68,75Gestão Plena de Sistema 5 31,25

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2.2 Gestão do Fundo*Integral 6 40Restrita 9 602.3 Gestão de pessoas*Integral 5 33,33Restrita 10 66,67

3. Estrutura e mecanismos de gestãoConselho Gestor 1 6,25Ouvidoria do SUS funcionando 1 6,25Fonte: Relatório da Pesquisa “Incorporação das Demandas Populares às Políticas de Saúde em Municípios de Mato Grosso”. Mato Grosso, 2007.* Apenas 15 Municípios informaram.

3.2 O processo decisório das Conferências Municipais de Saúde

As conferências de saúde, etapa municipal da 12ª CNS, foram realizadas em 2003 em

15 municípios analisados, à exceção de um município, que realizou a sua em 2004, seguindo

calendário próprio, bianual. Nos demais, as conferências vinham ocorrendo, via de regra, a

cada quatro anos, conforme calendário da nacional, mas 12 deles organizaram três ou menos

CMS (Gráfico 1). Nota-se que apesar da lei orgânica municipal normalizar o prazo da

realização das conferências a cada dois anos, em alguns municípios este prazo não foi

cumprido. Assim, a influência da conferência nacional tem sido determinante para

desencadear as conferências municipais.

A maioria dos municípios organizou a conferência em dois dias, totalizando 2486

participantes e 807 deliberações aprovadas. O processo de organização da conferência pela

gestão, com apoio dos conselhos de saúde envolveu recursos de logística, pessoal, articulação

e divulgação, conforme o gráfico 1.

Gráfico 1: Conferências de saúde realizadas em 16 municípios de Mato Grosso, 1990-2004.

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Fonte: Relatório da Pesquisa “Incorporação das Demandas Populares às Políticas de Saúde em Municípios de Mato Grosso”. Mato Grosso, 2007.

Na Tabela 2, destacam-se algumas características da organização e do processo

decisório que ocorreram antes, durante e após a realização das conferências. A formalização

da conferência por meio de ato legal de convocação e de instituição da comissão organizadora

ocorreu em todos os municípios e a aprovação do regimento da conferência no conselho de

saúde em apenas 10. A divulgação foi prática em todos os municípios, de forma mais ampla,

por meio de rádio e carro de som em 14, e mais restrita, por meio de cartaz e folders em dois.

Tabela 2: Caracterização do Processo Decisório em 16 Conferências Municipais de Saúde. Mato Grosso, 2003-2004.

VARIÁVEISNÚMERO DE MUNICÍPIOS

% DE MUNICÍPIOS

1. Etapa Preparatória1.1 Adequação às Normas LegaisAto legal de convocação 16 100Ato legal de instituição de Comissão Organizadora 16 100Aprovação do regimento interno 10 62,5Presença de conselheiros na comissão organizadora 15 93,75Divulgação ampla da CMS 14 87,51.2 Escolha prévia de delegadosRealizações de Pré-Conferência ou Fóruns por segmentos para escolha de delegados 2 12,52. Representatividade*Proporção de representação por segmento, de acordo com a Resolução 333 do CNS nas CMS 5 33,333. Agenda prévia Utilização do tema da 12ª CNS 15 93,75

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Deliberação, de acordo com os eixos temáticos da 12ª CNS 2 12,54. Formalização dos resultadosPublicado em Diário Oficial 0 0Ato legal de aprovação 6 37,5Relatório impresso para divulgação 6 37,5Fonte: Relatório da Pesquisa “Incorporação das Demandas Populares às Políticas de Saúde em Municípios de Mato Grosso”. Mato Grosso, 2007.* Apenas 15 Municípios informaram.

No entanto, a realização de pré-conferência ou fóruns de segmentos dos usuários e

trabalhadores para preparação dos temas e eleição prévia de delegados às conferências só

ocorreu em dois municípios, e é fato preocupante. As regras e os processos de preparação da

conferência, o critério de escolha, indicação ou eleição de delegados não foram registrados

nos relatórios das conferências municipais em nenhum dos municípios analisados.

A representatividade dos delegados às conferências, baseado no critério de paridade

entre o segmento de usuários (50%) e os demais segmentos, trabalhadores (25%) e governo e

prestadores (25%), (conforme resolução nº 333 do CNS, que determina a organização dos

Conselhos de Saúde), ocorreu em apenas cinco conferências e como apresenta o Gráfico 2, a

proporção de delegados eleitos representou apenas 16,56%, predominando a forma de

representação de delegados por indicação (47,69%) seguido de delegados natos (29,50%).

Gráfico 2: Modalidade de escolha dos delegados às 16 Conferências Municipais de Saúde. Mato Grosso, 2003-2004.

Fonte: Relatório da Pesquisa “Incorporação das Demandas Populares às Políticas de Saúde em Municípios de Mato Grosso”. Mato Grosso, 2007.

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A gestão municipal e os conselhos empenharam-se em cumprir as obrigações legais e

normativas, como evidencia a tabela 2. Por outro lado, o processo de escolha de delegados e a

representatividade aparecem como o maior problema das conferências analisadas, tanto pelo

descumprimento da norma da paridade, como pela predominância de formas de representação

de delegados por indicação, comprometendo o processo democrático defendido no modelo

institucional de gestão do SUS, e a legitimidade do processo decisório das conferências.

Finalmente, outro dado que merece ser destacado é a quase inexistência de registro do

processo de organização prévia e do próprio transcurso das CMS.

3.3 Influência da agenda nacional nas conferências locais

A agenda local das conferências foi fortemente influenciada pela agenda nacional,

sendo que 15 municípios utilizaram o tema central da 12ª CNS: “O SUS que temos e o SUS

que queremos”. No entanto, na composição dos relatórios finais, as disposições das

deliberações das conferências não seguiram obrigatoriamente os dez eixos temáticos da

nacional. Em apenas dois municípios (Tabela 2) houve deliberação com base nos eixos, e

ainda assim, parcialmente.

A cooperação técnica para a realização das conferências ocorreu em todos os

municípios, sendo a mais freqüente proveniente da SES/MT e do Conselho Estadual de Saúde

(46,1 %), seguida do Conselho Nacional de Saúde e dos órgãos de representação de secretários

municipais estadual (COSEMS) e nacional (CONASEMS) (15,3%).

Outro aspecto que demonstrou a influência do processo de organização da Conferência

Nacional de Saúde foi o destino dado aos relatórios das conferências municipais, todos eles

enviados como subsídios à etapa estadual. Em contrapartida, quando foram analisados os

processos de decisão do órgão gestor da saúde em relação à formalização dos resultados das

conferências (Tabela 2), observou-se que o ato legal de aprovação do relatório ocorreu em

apenas seis municípios, sendo cinco de responsabilidade dos conselhos e um da secretaria. A

divulgação local dos relatórios por meio impresso também foi incipiente e ocorreu em seis

municípios (37,6 %), indicando circulação e divulgação limitadas das deliberações das

conferências, para dentro e para fora da gestão municipal, e, conseqüentemente, baixo grau de

institucionalização dos resultados no processo de gestão e formulação da política de saúde,

acesso restrito da população em geral às informações, além de dificultar o monitoramento de

seus encaminhamentos por parte dos órgãos de controle social, incluindo o próprio conselho,

o legislativo e o ministério público.

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Reafirma-se a importância da agenda nacional na tematização das conferências

municipais e da cooperação das instâncias estaduais e nacionais de gestão e do controle social

na indução das mesmas, na orientação dos conteúdos e dos processos de organização, modelos

de regimento, atos legais, entre outros. Entretanto percebe-se um desequilíbrio na relação,

como se as CMS fossem apenas mais uma etapa da nacional, valorizando-se pouco a agenda

política e os interesses dos atores locais. Essa falta de sintonia fica patente também na

definição do calendário: as conferências municipais ocorreram em 2003, enquanto os planos

plurianuais municipais (PPA) foram elaborados em 2002.

3.4 Mapa das Demandas

Dentre as demandas deliberadas nas CMS dos 16 municípios, 809 foram

transformadas em deliberações. Nas Conferências as demandas apareceram, majoritariamente,

como reivindicações não estruturadas e pontuais, e os relatórios finais das CMS refletiram

esse quadro: as deliberações aprovadas são em sua maioria expressão de necessidades,

refletindo problemas percebidos pelos sujeitos e respondendo aos interesses de inúmeros

atores. Mais que diretrizes, a maior parte das deliberações das CMS foram reivindicações.

3.4.1 Demandas deliberadas nas conferências municipais de saúde

A classificação das deliberações das conferências municipais foi realizada com base

nos 10 eixos temáticos da 12ª CNS e por sub-eixo para o eixo V, demandas relativas à atenção

básica e às de média e alta complexidade, e para o eixo VII, demandas relativas às

reivindicações trabalhistas e às da educação na saúde.

Em relação às 807 deliberações das conferências analisadas, os resultados indicam,

conforme Tabela 3, maior concentração das demandas do eixo V, relativas à organização da

atenção à saúde (40%), seguida das demandas do eixo VII (17%) referentes à gestão do

trabalho na saúde, do eixo III (13%), intersetorialidade das ações de saúde, e do eixo IV

(11%), as três esferas de poder e a construção do SUS.

As demandas relacionadas ao eixo (VI), controle social e gestão participativa e ao eixo

(X), comunicação e informação em saúde somaram 14% do total das deliberações. Os eixos

temáticos que apresentaram menor número de demandas foram aqueles relativos ao direito à

saúde, à ciência e tecnologia e a seguridade social, caracterizando um perfil de reivindicações

muito mais próximo do cotidiano das pessoas e pouco orientado à formulação de princípios e

diretrizes.

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Tabela 3: Classificação por eixo temático das deliberações das 16 CMS. Mato Grosso, 2003-2004.

EIXOS A B C D E F G H I J L M N O P Q TOTAL %

I – Direito à Saúde 0 0 2 0 0 0 3 0 0 0 0 0 1 0 0 1 7 1%II – A Seguridade Social 5 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 5 1%III – A Intersetoriedade das Ações de Saúde 6 3 1 4 2 29 12 4 1 3 13 5 8 5 0 5 101 13%IV – As Três Esferas de Governo e a Construção do SUS 9 14 1 0 1 12 10 6 4 2 8 1 8 1 9 1 87 11%V – A Organização da Atenção à Saúde 19 23 11 19 6 92 13 35 2 19 4 3 27 12 3 34 322 40%VI – Controle Social e Gestão Participativa 1 5 7 3 1 19 10 0 0 0 2 1 3 0 0 2 54 7%VII – O Trabalho na Saúde 7 18 6 5 2 24 8 15 3 4 5 5 13 3 3 17 138 17%VIII – Ciência e Tecnologia e a Saúde 0 0 0 0 0 4 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4 0%IX – O Financiamento da Saúde 6 0 0 0 0 5 0 4 5 1 0 7 1 0 3 0 32 4%X – Comunicação e Informação em Saúde 2 3 1 4 0 16 16 2 1 4 0 1 5 0 1 1 57 7%

TOTAL 55 66 29 35 12 201 72 66 16 33 32 23 66 21 19 61 807 100%Fonte: Relatório da Pesquisa “Incorporação das Demandas Populares às Políticas de Saúde em Municípios de Mato Grosso”. Mato Grosso, 2007.

Quando analisado os sub-eixos da organização da atenção à saúde (Tabela 4) as

deliberações de média e alta complexidade representaram 36% do total e a atenção básica

29%. As outras deliberações deste eixo (34%) incluem ações de assistência farmacêutica,

vigilâncias, saúde do trabalhador, relação público privado, entre outras.

Nos sub–eixos do trabalho na saúde (Tabela 4) as deliberações relativas às

reivindicações trabalhistas representaram 50% do total deste eixo e as relativas à educação na

saúde 50%. Esta contempla deliberações de capacitação e qualificação do profissional da

saúde, entre outras. As reivindicações trabalhistas incluem PCCS, condições de trabalho,

estabilidade, previdência social, entre outras.

Estes resultados sinalizam a importância dada pelos representantes dos usuários e

trabalhadores da saúde na organização da atenção à saúde no SUS, incluindo atenção básica e

média e alta complexidade, confirmando a insuficiência destes recursos tecnológicos no SUS,

principalmente de média complexidade, e a importância da estratégia da regionalização da

saúde para superação das deficiências nas diversas regiões. A política de qualificação e

valorização dos profissionais e trabalhadores de saúde também é incentivada nas conferências

municipais.

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Destaca-se ainda a existência de algum tipo de deliberação, focada na intersetorialidade

na maioria dos municípios, com destaque para os municípios F e G e N, destacando a

importância destas políticas na garantia do direito à saúde. Observa-se também a significação

do eixo relacionado às três esferas de governo e à construção do SUS (IV), que também teve

deliberações na maioria dos municípios, principalmente B, F, G, A, P e N, ambos municípios

sede de pólos regionais, indicando a necessidade de maior presença das esferas estadual e

federal na gestão destes municípios e regiões de saúde.

Tabela 4: Classificação por sub-eixo temático das ações do Plano de Saúde e do Relatório de Gestão relacionadas às deliberações das 16 CMS. Mato Grosso, 2003-2005.

DeliberaçõesAções do Plano

de SaúdeEIXOS SUB-EIXOSN % N %

Atenção Básica 94 29 44 47

Média e Alta Complexidade 117 36 27 29

Outras 111 34 22 24V - A Organização da Atenção à Saúde

Total Eixo V 322 100 93 100

Reivindicações Trabalhistas 69 50 4 11

Educação na Saúde 69 50 32 89VII – O Trabalho na Saúde

Total Eixo VII 138 100 36 100Fonte: Relatório da Pesquisa “Incorporação das Demandas Populares às Políticas de Saúde em Municípios de Mato Grosso”. Mato Grosso, 2007.

3.4.2 Comparação das ações constantes nos planos municipais de saúde com as

deliberações das conferências

A classificação das ações constantes dos planos de saúde em relação às deliberações

aprovadas nas conferências (Tabela 5) foi realizada através de análise comparativa entre elas,

o que revelou a existência de 197 ações idênticas ou equivalentes às aprovadas nas

conferências. O eixo da atenção à saúde apresentou o maior número de ações, enfatizando sua

predominância na agenda de prioridades da gestão municipal (47%). Em segundo lugar

destacam-se as ações do eixo do trabalho na saúde (18%), na terceira posição o eixo da

comunicação em saúde (13%) e na quarta, o eixo referente à intersetorialidade das ações de

saúde, com 11% do total de ações constantes nos planos.

Quando analisado os sub-eixos da organização da atenção à saúde (Tabela 4), as ações

de atenção básica representaram 44% e as de média e alta complexidade 27% do total das

ações. Este resultado aponta uma inversão em relação ao resultado das conferências que

apresentaram maior número de deliberações de média e alta complexidade, referidas à media

complexidade.

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Nos sub-eixos do trabalho na saúde (Tabela 4) as ações relativas à educação na saúde

representaram 32% e as reivindicações trabalhistas apenas 4% do total do eixo, resultados que

assinalam a importância dada pela gestão municipal às ações de capacitação dos trabalhadores

e profissionais de saúde. A pouca inclusão de ações referentes às reivindicações trabalhistas

nos planos de saúde pode estar relacionada à autonomia restrita das secretarias municipais de

saúde neste setor da gestão.

Tabela 5: Classificação das ações dos planos de saúde, presentes nas deliberações das 16 CMS. Mato Grosso, 2004-2005.

EIXOS A B C D E F G H I J L M N O P Q TOTAL %

I – Direito à Saúde 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1%II – A Seguridade Social 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0%III – A Intersetoriedade das Ações de Saúde 0 1 0 0 1 2 3 0 0 3 5 3 3 0 0 0 21 11%IV – As Três Esferas de Governo e a Construção do SUS 0 2 0 0 0 0 1 0 0 2 1 0 1 0 0 0 7 4%V – A Organização da Atenção à Saúde 8 7 3 7 2 21 6 6 2 9 3 1 9 4 1 4 93 47%VI – Controle Social e Gestão Participativa 0 0 0 1 0 6 1 0 0 0 0 1 1 0 0 0 10 5%VII – O Trabalho na Saúde 1 2 1 1 1 9 4 2 1 3 1 3 1 2 2 2 36 18%VIII – Ciência e Tecnologia e a Saúde 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1%IX – O Financiamento da Saúde 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 2 1%X – Comunicação e Informação em Saúde 0 0 0 3 0 5 10 0 1 4 0 0 2 0 1 0 26 13%

TOTAL 9 12 4 12 4 44 26 8 5 21 10 9 17 6 4 6 197 100%Fonte: Relatório da Pesquisa “Incorporação das Demandas Populares às Políticas de Saúde em Municípios de Mato Grosso”. Mato Grosso, 2007.

3.4.3 Comparação das ações constantes nos relatórios de gestão com as deliberações das

conferências municipais de saúde

A classificação das ações constantes nos relatórios de gestão relativas às deliberações

das conferências (Tabela 6) foi realizada através da análise comparativa entre elas e revelou a

existência de 52 ações idênticas ou equivalentes às deliberações das conferências. A

disposição das ações implementadas constantes nos relatórios de gestão indica a tendência

apresentada em relação às deliberações e as ações dos planos, ou seja, predominância das

ações de organização da atenção à saúde (63%), e do trabalho na saúde (13%).

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Tabela 6: Classificação das ações realizadas, constantes nos relatórios de gestão e relacionadas às deliberações das 16 CMS. Mato Grosso, 2004-2005.

EIXOS TOTAL %

I – Direito à Saúde 0 0II – A Seguridade Social 0 0III – A Intersetoriedade das Ações de Saúde 2 4IV – As Três Esferas de Governo e a Construção do SUS 2 4V – A Organização da Atenção à Saúde 33 63VI – Controle Social e Gestão Participativa 3 6VII – O Trabalho na Saúde 7 13VIII – Ciência e Tecnologia e a Saúde 0 0IX – O Financiamento da Saúde 0 0X – Comunicação e Informação em Saúde 5 10

TOTAL 52 100Fonte: Relatório da Pesquisa “Incorporação das Demandas Populares às Políticas de Saúde em Municípios de Mato Grosso”. Mato Grosso, 2007.

Finalmente, na tabela 7, verifica-se a comparação do percentual das ações contidas nos

planos com equivalência às deliberações das conferências (24,4%) e ao relatório de gestão

(6,45%).

A opção metodológica de utilizar o relatório de gestão como referencial para esta

análise deparou-se com os limites e insuficiências dos mesmos, já referidos, de modo que os

resultados encontrados devem ser tomados com o devido cuidado e considerados como

indicações ou tendências.

Tabela 7: Percentual das ações do Plano de Saúde e do Relatório de Gestão, relacionados às deliberações das 16 CMS. Mato Grosso, 2003-2005.

DELIBERAÇÕES E AÇÕES TOTAL %Deliberações 807 100Ações do Plano de Saúde 197 24,4Ações do Relatório de Gestão 52 6,45Fonte: Relatório da Pesquisa “Incorporação das Demandas Populares às Políticas de Saúde em Municípios de Mato Grosso”. Mato Grosso, 2007.

CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÃO

Os resultados confirmaram a importância das conferências na luta pela democratização

do SUS, como espaço de participação social e representação política dos diversos segmentos

nelas representados, mobilizando centenas de pessoas, mesmo em pequenos municípios do

interior, como se observou nos municípios estudados. Apesar disso, há pouca literatura e raros

trabalhos empíricos sobre o tema, constituindo um campo a ser investigado que envolve

diferentes conhecimentos e saberes, práticas sociais de participação e de gestão, a relação

governo e sociedade e as possibilidades da governança democrática.

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Nas conferências municipais de saúde as demandas apareceram, majoritariamente,

como reivindicações não estruturadas, não sistematizadas, muitas vezes pontuais e localizadas,

reflexos dos problemas percebidos pelos sujeitos e respostas aos interesses dos inúmeros

atores. A análise dos relatórios finais das 16 CMS demonstrou que a maior parte das

deliberações das conferências foram reivindicações e não diretrizes. Os relatórios finais são

pré-agendas, que incorporaram um temário composto de reivindicações muito mais próximas

do cotidiano das pessoas e pouco orientado à formulação de princípios e diretrizes da política

de saúde municipal, entretanto, sem desconsiderá-los. A análise de conteúdo das deliberações

mostrou uma freqüência muito maior daquelas que tratam da atenção à saúde e, em menor

proporção, daquelas referentes à gestão do trabalho e às políticas intersetoriais, temas

relevantes de interesse local.

O processo decisório nas conferências estudadas mostrou-se adequado às normas

legais, mas também evidenciou limitações em relação aos aspectos da representatividade e da

escolha democrática dos delegados enquanto representantes de segmentos e grupos sociais.

Observou-se um baixo grau de institucionalização dos resultados das conferências: a

formalização, a publicidade e a divulgação dos relatórios não são práticas rotineiras nos

municípios estudados o que contribui para as dificuldades de recepção das deliberações por

parte da gestão municipal, fragiliza o controle social e impede o acesso da população à

informações de seu interesse. Por outro lado, os relatórios das conferencias de todos os

municípios foram encaminhados ao conselho estadual de saúde como subsídio à etapa

estadual.

Os municípios, em sua maioria, seguiram o calendário da conferência nacional e foram

fortemente influenciados pelas instâncias estadual e nacional do controle social quanto ao

tema, às normas, aos processos de organização e modelos de regimento, e relegaram a agenda

política e os interesses dos atores locais, como, por exemplo, na definição do calendário: as

conferências municipais ocorreram em 2003 enquanto os planos plurianuais municipais (PPA)

entraram em vigência em 2002. Apenas um, entre os municípios pesquisados, tinha calendário

próprio e realizava suas conferências com autonomia.

A totalidade dos municípios analisados possuía planos de saúde e relatórios de gestão.

Os planos de saúde eram utilizados como instrumentos de análise da situação da saúde e de

definição de prioridades de governo, portanto, uma agenda governamental. Dos relatórios de

gestão analisados, em apenas dois municípios observou-se uma relação do seu conteúdo com

as prioridades elencadas nos respectivos planos de saúde. Os relatórios de gestão foram de

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pouca utilidade para determinar o cumprimento das prioridades da gestão municipal da saúde

e, por extensão, para o objeto da pesquisa.

Nas secretarias municipais de saúde existe capacidade institucional de gestão e

planejamento, mas ainda muito limitada ao cumprimento das exigências formais do SUS. A

autonomia de gestão na maioria das secretarias de saúde é restrita enquanto à gestão financeira

e de pessoas, o que, seguramente, afeta seu desempenho. No planejamento das secretarias não

há compatibilização entre o processamento das deliberações das conferências e os momentos

de elaboração dos planos de saúde, tempos e linguagens diferentes, o que pode contribuir

também para a pequena proporção em que as deliberações são incorporadas ou incluídas como

prioridades de governo.

A baixa freqüência de incorporação das deliberações das conferências municipais de

saúde às agendas de prioridades dos governos municipais estudados está relacionada a um

conjunto complexo de determinações, como a ação dos conselhos e do legislativo, que

precisam ser desvendadas para que, com base nesse conhecimento, as práticas sociais de

participação possam ser melhores articuladas às práticas da gestão.

Os resultados do estudo de caso de cada município foram apresentados durante a

realização das respectivas Conferências Municipais de saúde, no período julho-agosto de

2007, com sugestões e recomendações, entre as quais:

1. Realizar pré-conferência ou fóruns por segmentos, para escolha dos seus

representantes (delegados);

2. Estimular o conselho de saúde a deliberar sobre as políticas de saúde com base no

relatório da conferência para elaboração dos planos municipais, em cumprimento

do art. 37 da lei 8.080/90;

3. Sugerir ao gestor municipal da saúde a apresentação, no início da conferência de

saúde, a análise da situação de saúde do município e o relatório contendo o grau de

cumprimento das deliberações da conferência anterior;

4. Integrar mecanismos de gestão participativa ao processo de planejamento,

fortalecendo a participação dos técnicos, trabalhadores de saúde e usuários,

propondo a criação de comissão municipal, eleita na conferência, com as

atribuições: levar o debate com os resultados da conferência ao conselho, ao

legislativo e ao executivo; fazer o monitoramento dos seus encaminhamentos;

participar com outros órgãos de governo no debate das ações intersetoriais;

5. Sugerir ao prefeito municipal encaminhar ao legislativo o relatório final da

conferência para ser apresentado à sociedade e debatido em audiência pública;

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6. Dar publicidade ao relatório da conferência, publicando em órgãos de

comunicação oficial e outros meios de divulgação local;

7. Fazer a conferência coincidir com os momentos de elaboração do Plano de Saúde e

o Plurianual (PPA), garantindo a incorporação das deliberações às políticas de

Saúde. Exemplo 2009 quando vai ser elaborado o PPA – 1º ano da nova gestão;

8. Sugerir a criação de calendário bianual para as conferências municipais de saúde

para que, a cada quatro anos, os temários priorizados sejam, de modo alternativo,

nacional e local.

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