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12 médico médico médico médico médico repórter | junho 2 0 0 9 Confidencialidade no atendimento ao adolescente O atendimento ao adolescente é um desafio na prática médica contempo- rânea, tanto pelos problemas de saúde comuns a esta faixa etária, como pelas controvérsias éticas, legais e sociais referentes aos direitos à privacidade e à confidencialidade da relação médi- co-adolescente. Os transtornos ligados à saúde in- cluem doenças sexualmente transmis- síveis, gravidez não planejada, uso de drogas, depressão, suicídio, abuso se- xual, violências e acidentes, e estão, em grande parte, condicionados ao pro- cesso natural de desenvolvimento. Nas últimas décadas, no entanto, esses pro- blemas têm aumentado em frequência e intensidade. No que se refere ao aten- dimento médico, a preocupação é, como várias pesquisas revelam, com ofato de que os adolescentes retardam a busca de auxílio especializado pela insegurança em relação à com a confi- dencialidade, isto é, e o receio de que o médico revele à família as informa- ções compartilhadas na consulta. “Nor- malmente, o adolescente já tem difi- culdades em procurar o médico para uma consulta de rotina. Tal comporta- mento aumenta no caso de situações mais complexas”, explica o Dr. Paulo César Pinho Ribeiro, presidente do Departamento de Adolescência da So- ciedade Brasileira de Pediatria (SBP), membro da Society for Adolescent por Nina Rahe COMPLIANCE - CONFIDENCIALIDADE 2.pmd 3/7/2009, 14:40 12

Confidencialidade no atendimento ao adolescente · casos de diabetes juvenil, febre reumática e outras patologias também pode signifi-car riscos à saúde. Uma pesquisa realizada

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Confidencialidadeno atendimentoao adolescente

O atendimento ao adolescente é umdesafio na prática médica contempo-rânea, tanto pelos problemas de saúdecomuns a esta faixa etária, como pelascontrovérsias éticas, legais e sociaisreferentes aos direitos à privacidade eà confidencialidade da relação médi-co-adolescente.

Os transtornos ligados à saúde in-cluem doenças sexualmente transmis-síveis, gravidez não planejada, uso dedrogas, depressão, suicídio, abuso se-xual, violências e acidentes, e estão, emgrande parte, condicionados ao pro-cesso natural de desenvolvimento. Nasúltimas décadas, no entanto, esses pro-blemas têm aumentado em frequênciae intensidade. No que se refere ao aten-dimento médico, a preocupação é,como várias pesquisas revelam, comofato de que os adolescentes retardama busca de auxílio especializado pelainsegurança em relação à com a confi-dencialidade, isto é, e o receio de queo médico revele à família as informa-ções compartilhadas na consulta. “Nor-malmente, o adolescente já tem difi-culdades em procurar o médico parauma consulta de rotina. Tal comporta-mento aumenta no caso de situaçõesmais complexas”, explica o Dr. PauloCésar Pinho Ribeiro, presidente doDepartamento de Adolescência da So-ciedade Brasileira de Pediatria (SBP),membro da Society for Adolescent

por Nina Rahe

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Medicine e da International Association forAdolescent Health. Segundo o médico, amelhor maneira de evitar tal comportamen-to é orientar o adolescente sobre a existên-cia do profissional, como se desenrola umaconsulta, explicar sobre os seus direitos e aprivacidade ao ser atendido. Também é im-prescindível saber ouvi-lo e não colocá-lo naposição de réu ou de vítima no processo, as-sim como orientar as famílias. “São estraté-gias de vínculo para se conseguir uma con-sulta produtiva com os adolescentes, princi-palmente, os adolescentes masculinos quetêm mais dificuldade em procurar os profis-sionais da saúde”, explica.

O adolescente, desde que identificadocomo capaz de avaliar seu problema e de con-duzir-se por seus próprios meios parasolucioná-lo, tem o direito de ser atendidosem a presença dos pais ou responsáveis noambiente de consulta, garantindo-se a con-fidencialidade. A demora na busca de aten-dimento médico, no entanto, pode trazeruma série de prejuízos à saúde, que vão des-de riscos de dependência química crônica(no caso de uso e abuso de substâncias líci-tas e ilícitas), até complicações na gravi-dez e no parto por demora em buscar opré-natal. A não adesão ao tratamento emcasos de diabetes juvenil, febre reumáticae outras patologias também pode signifi-car riscos à saúde.

Uma pesquisa realizada no Programa dePós-Graduação em Ciências Médicas: Pedi-atria, da Faculdade de Medicina da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS), intitulada “A privacidade e confi-dencialidade na assistência à saúde do ado-lescente: percepções e comportamentos deum grupo de 711 universitários” contribuicom diversos dados a respeito dessa parcelada população. O estudo buscou identificaras opiniões e comportamentos de um grupode universitários sobre o grau de privacida-de que considera adequado em várias situa-ções clínicas e em quais delas admite a que-bra de confidencialidade. Setecentos e onzeuniversitários responderam a um questioná-rio sobre a confidencialidade na assistência Dr. Paulo César Pinho Ribeiro

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à saúde. Como resultado, 82% dos adoles-centes identificam a situação ideal de revela-ção como aquela mediante autorização dopaciente, diferenciando-a das demais formasde quebra de confidencialidade. Em relaçãoa revelações não autorizadas, a maioria ad-mite a quebra do sigilo nas situações de idéi-as suicidas (85%), violência (84,2%), abusosexual (81,7%), anorexia nervosa (81,3%) e ris-co à vida de terceiros (72,3%); cerca da meta-de em casos de HIV/aids (57,9%), drogadição(51,7%) e DST (44,7%); e menos de um terçoaceita quando se trata de casos de gravidez(33,6%), homossexualidade (20,7%) e ativi-dade sexual (15,6%).

Assim, os participantes estabelecem valo-res diferentes para a confidencialidade nocontexto assistencial. Aceitam que as infor-mações sejam comunicadas a terceiros quan-do houver autorização do paciente. Quantomaiores os riscos à integridade física, maisfacilmente admitem a quebra não autoriza-da do sigilo, porém dificilmente a considerennos aspectos referentes à sua sexualidade.

“É indispensável estabelecer um senso deconfidencialidade com o adolescente, dei-xando bem claro para ele o aspecto do sigilono atendimento. O limite desse sigilo dependeda prática médica. Em determinadas situa-ções, consideradas como exceção, como dedéficit intelectual importante, distúrbios psi-quiátricos, desejo do adolescente de não seratendido sozinho, entre outras, a confiden-cialidade e a privacidade deverão ser rompi-das”, salienta o Dr. Paulo. Ele ainda acres-centa que em situações graves, como a pre-sença de idéias suicidas, violência corporalcontra os outros e risco de abuso sexual, oprofissional deve mostrar ao adolescente queo sigilo deverá ser rompido, em função dorisco de vida que o mesmo pode estar cor-rendo.

“Embora a confidencialidade deva ser res-peitada, isso não impede o médico de enco-rajar o adolescente a discutir seus problemascom seus familiares ou responsáveis. Muitasvezes, em situações mais difíceis, podemosser facilitadores do processo de interlocuçãoentre pais e filhos”, argumenta.

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A Sociedade Brasileira de Pediatria e a Federação Brasileira das Sociedades deGinecologia e Obstetrícia propõem que o pediatra e o ginecologista aproveitem asoportunidades de contato com adolescentes e/ou suas famílias para promover areflexão e a divulgação de informações sobre temas relacionados à sexualidade e àsaúde reprodutiva, tais como: namoro, relação de gênero, atividade sexual,contracepção (incluindo contracepção de emergência), uso de condom, prevençãode DST/aids, entre outros. Essas orientações devem ser adequadas às necessidades edemandas de cada adolescente e às características de cada comunidade.

A confidencialidade apoia-se no artigo 103 do Código de Ética Médica, que vedaao médico “revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclu-sive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade deavaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo,salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente”. A confidenciali-dade aplica-se a todas as faixas etárias, como consequência de direitos éticos e legaisà privacidade, os quais limitam o acesso de terceiros a um âmbito privado e íntimoda pessoa. Em várias situações da assistência aos jovens, no entanto, os profissio-nais de saúde questionam o grau de sigilo que devem manter.

Os limites desse envolvimento devem ficar claros para a família e para o jovem. Oadolescente deve ser estimulado e incentivado a envolver a família no acompanha-mento dos seus problemas. E, em situações em que houver a necessidade da quebrado sigilo médico, o adolescente deve ser informado, justificando-se os motivos paraessa atitude. “Acreditamos que os pediatras, incluindo aqui aqueles que atendemadolescentes, têm por obrigação zelar pela saúde dos pacientes, tanto na partepreventiva quanto curativa. Mas também temos a função de proteger nossas cri-anças e adolescentes dos erros da sociedade, dos pais, das famílias e dos gestores,propiciando a eles o direito de serem bem atendidos, por profissionais compe-tentes, dentro de política de saúde pública bem estruturada, sem serem bodesexpiatórios de famílias desestruturadas e como sujeitos de direitos que são”, fina-liza Dr. Paulo. r

“A confidencialidadeaplica-se a todas asfaixas etárias, comoconsequência de di-reitos éticos e legais

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devem manter.

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