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Ações do Departamento Perfil Opinião Núcleo de clínicas realiza primeira reunião de 2013 Pág. 3 Conheça a história da Clínica Lacaniana de Investigação da Ansiedade Pág. 6 Lucinda Trigo fala sobre internação de dependente químico Pág. 8 IMPRESSO E ON-LINE - BOLETIM Nº 21 JAN/FEV/MAR - 2013 ANO 06 CONFIRA TAMBÉM

CONFIRA TAMBéM Ações do Departamento Opinião · O problema foi constatado pelo Ministério Público, que recentemente entrou com ... “Naquela época, na região da Rua Helvétia,

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Ações do Departamento Perfil OpiniãoNúcleo de clínicas realiza primeira

reunião de 2013 Pág. 3Conheça a história da Clínica Lacaniana de

Investigação da Ansiedade Pág. 6Lucinda Trigo fala sobre internação de

dependente químico Pág. 8

IMPRESSO E ON-LINE - BOLETIM Nº 21JAN/FEV/MAR - 2013

ANO 06

CONFIRA TAMBéM

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As reuniões do Núcleo de Clínicas de Saúde Mental do SINDHOSP têm se intensi-ficado quantitativa e qualitativamente. Os representantes de tais organizações têm percebido o quanto podemos desenvolver cada qual, a partir de uma estratégia coleti-va. As dúvidas, o cotidiano, as experiências compartilhadas acabam por unir o grupo que se antes se via como concorrente, agora não tem mais dúvidas de que se tornou um corpo absolutamente aliado. A representatividade do grupo está cada vez mais presente e, ao estabelecer gradualmente uma relação de confiança, possibilita galgar saltos maiores e mais seguros. Sempre discutimos como podemos nos organizar para manter um relacionamento mais profissional com as operadoras de planos e seguros privados e, a partir dos encontros mensais, parece que isso fica mais palpável. Está na pauta uma reunião com a presidente da UNIDAS, Denise Eloi.

No âmbito da saúde pública não temos muito o que comemorar, já que não se con-segue financiamento para a melhoria das condições impostas aos pacientes. Pelo contrário, temos visto a intervenção e o termo de ajustamento de conduta elaborado entre as prefeituras de Sorocaba e região e a promotoria pública como saída para a problemática dos hospitais que atendem aos pacientes do Sistema Único de Saúde. A própria prefeitura de Sorocaba, ao assumir a gestão de um dos hospitais, por força de ordem judicial, constatou que, a priori, a verba repassada é por demais insufi-ciente para uma prestação de serviços minimamente qualitativa. Foi preciso decidir por uma verba complementar para que possa operar a entidade. O SINDHOSP vem denunciando há anos a hipossuficiência dos hospitais, mas o poder público só nos ouve quando tem de assumir de fato uma dessas unidades.

Outro tema que tomou conta dos noticiários foi o acordo assinado pela Secretaria Estadual da Saúde, OAB, Tribunal de Justiça e Ministério Público, para dar início em 21 de janeiro às internações involuntárias ou compulsórias aos dependentes químicos em situação extrema, iniciativa essa que revelou a falta de assistência por parte dos recursos alternativos da rede de atenção psicossocial e o quanto a população clama por informação e tratamento. O que chama a atenção são os inúmeros casos de internação voluntária que o programa atraiu, embora o escopo fosse justamente o contrário, ou seja, objetivava a internação dita compulsória. O plantão judiciário que se estabele-ceu e que deveria decidir pelas internações forçadas foi relegado a segundo plano, uma vez que a voluntariedade dos atendimentos imperou, sem sombra de dúvida. Ainda nesta edição tratamos de conhecer o Clin-A, um espaço de capacitação e de tratamento dos transtornos de ansiedade, a partir de uma abordagem lacaniana, que muito tem impressionado em termos de eficácia e de positividade das ações. An-gelina Harari, diretora presidente desta OSCIP, é simplesmente uma lição de vida. Vale a pena conferir.

Por fim, entramos no artigo de Lucinda Trigo, intitulado “O primeiro passo para a recuperação do dependente químico” que, de maneira inteligente e absolutamente centrada em relação à realidade, analisa a polêmica discussão de cunho sociocultural versus o que pen-sam os acadêmicos, sobre internar ou não internar o que restou do flagelo da sociedade dependente de crack e de outras substâncias psicoativas.

De qualquer modo não pretendemos esgotar os assuntos, já que o conhecimento que temos em saúde mental está apenas engatinhando com todo um universo a ser desbravado por esta e pelas futuras gerações. Há muito por vir. Boa leitura!

Ricardo Mendes écoordenador do departamento de Saúde Mental do SINDHOSP

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CANAL ABERTO EXPEDIENTE

Há muito por virDIRETORIA:

EFETIVOYussif Ali Mere Jr. (presidente)

EDITORA:

Ana Paula Barbulho (MTB 22170)

REDAçãO E REVISãO:

Ana Paula Barbulho, Aline Moura e Fabiane de Sá

EDITORAçãO ElETRônIcA:

Carlos Eduardo, Thiago Alexandre(Marketing)

cOlAbORARAm nESTA EDIçãO:

Ricardo Mendes, coordenador de Saúde Mental do SINDHOSP, e Lucinda Trigo, diretora da Clínica Conviver e do SINDHOSP

TIRAGEm:

2.000 exemplares

cIRculAçãO:

Entre diretores e administradores de hospitais psiquiátricos e clínicas

PERIODIcIDADE:

Trimestral

FOTOS mATÉRIA cAPA:

Thinkstock

DEmAIS FOTOS:

Thinkstock e divulgação

cORRESPOnDêncIAS PARA:

Assessoria de Imprensa R. 24 de Maio, 208 - 9º andarCEP: 01041-000 - São Paulo - SPTel. (11) 3331-1555 - Fax: (11) [email protected]

Saúde mental em Foco é uma publicação do SInDHOSP

preocupante. Parte dos pacientes que são internados nos hospitais psiquiátricos de Sorocaba saem do Hospital Regional, local aonde chegam doentes em crise e em situações emergenciais. Muitos pacientes precisam esperar dias por uma vaga em um centro especializado. Mas, segundo os próprios parentes, o Hospital Regional não tem estrutura para essa espera.

O problema foi constatado pelo Ministério Público, que recentemente entrou com uma ação exigindo do governo do Estado a criação de 15 leitos de internação psiquiátrica. O promotor Jorge Marum diz que a ação pede agilidade da Central Regional de Vagas para encaminhar pacientes e a criação de leitos específicos, com base em uma Lei Estadual de 2005.

Douglas Parra, presidente de uma associação que oferece apoio às famílias de pacientes psiquiátricos em Sorocaba, a AFDM, concorda que a medida melhoraria o atendimento, mas não resolve a crise de vagas nos hospitais.

(Do G1 Sorocaba e Jundiaí)

Núcleo de clíNicas realiza primeira reuNião de 2013

pareNtes temem fecHameNto do Hospital meNtal em sorocaba

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Ano novo, velhos problemas. Este pode ser um re-sumo da primeira reunião do Núcleo de Clínicas de Saúde Mental, realizada em 20 de fevereiro. O grupo se reúne mensalmente na sede da Fehoesp, na capital paulista, sob a tutela do coordenador de Saúde Mental do SINDHOSP, Ricardo Mendes.

Apesar da divulgação da agenda regulatória 2013 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que incorporou mais três eixos de atuação, os prestadores de serviços em saúde mental ainda enfrentam antigos dilemas. Para Claudio Lopes, do Hospital Bezerra de Menezes, as operadores protelam os reajustes. “Quando vence um período para se reajustar, as ne-gociações são demoradas, burocratizadas e adiadas de maneira contumaz. A cada quatro reajustes demo-rados, a operadora ganha um. Faz parte da estratégia dos planos e isto nos penaliza”, queixou-se. Danilo Bernik, coordenador do departamento de Saú-de Suplementar do SINDHOSP, explicou que o objeti-vo da agenda é o de proporcionar um desenvolvimento saudável do setor saúde. “Para a construção da agenda foi realizada uma consulta pública, de número 52, em que a sociedade civil foi convidada a oferecer ideias e diretrizes”. Bernik ainda lembrou da existência da Instrução Normativa nº 49, que trata da adequação da previsibilidade e dos cálculos de reajustes em contratos. Segundo ele, o prazo para que as operadoras proponham um novo contrato aos prestadores (e isso vale para os que atuam em saúde mental) foi adiado

para maio de 2013. “Mas oriento que vocês estabe-leçam contato formal com os convênios, solicitando proposta concreta em ter-mos de reajuste. É impor-tante essa contratualização para que se mantenha o equilíbrio econômico-finan-ceiro dos contratos”.

Ainda sobre a ANS, Danilo Bernik lembrou que 2013 (ano ímpar) é o período em que se fará a revisão do Rol de Procedimentos, para que uma nova edição seja publicada em 2014. “Façamos então uma revisão do que consta do Rol em relação aos procedimentos em saúde mental. O SINDHOSP tem uma cadeira nesse grupo e poderá levar considerações à agência”, informou.

Outro tema abordado, por Ricardo Mendes, foi a criação do Instituto de Ensino e Pesquisa na Área da Saúde (IEPAS), ligado ao SINDHOSP e à Fehoesp. O órgão tem como objetivos centrais organizar treinamento, seminários e cursos, além de firmar parcerias com escolas e universidades, desenvolver programas de atualização e capacitação profissional, realizar programas de estágios, entre outras atribuições.

Para Ricardo Mendes, apesar das perspectivas adversas do mercado, o Núcleo de Clínicas em Saúde Mental tem recebido cada vez mais quórum, o que demonstra maior união entre os prestadores que atuam na área. “Os gestores perceberam que, antes de serem concorrentes, podem atuar como aliados frente à falta de sincronia do segmento”.

AÇÕES DO DEPARTAMENTO

DEU NA IMPRENSA

Os hospitais psiquiátricos em Sorocaba (SP) estão de novo no centro das discussões. De um lado, a alegação da falta de dinheiro para manter os pacientes. De outro, a falta de vagas e políticas de tratamentos mais ade-quadas. A mais recente crise atinge o Hospital Mental.

A instituição, que atende 280 pacientes, enfrenta problemas. David Haddad, diretor administrativo da unidade, explica que as contas não batem. O valor da diária repassada atualmente pela prefeitura, por paciente, é de R$ 38,59. Quantia que, segundo ele, não é suficiente.

O diretor conta que o repasse não é reajustado há cinco anos e que a verba chega com atraso todos os meses. Por isso, o hospital também fechou as portas para novas internações. E a situação é ainda mais

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Yussif Ali mere Jr.

seguirá ao menos se desintoxicar. “É preciso que o paciente se organize mentalmente primeiro”, expli-ca Ronaldo Laranjeira. Mas este é apenas o início de uma longa jornada. “A alta hospitalar também sig-nifica o retorno às ruas e o risco de reincidência. É preciso encontrar um trabalho para esta pessoa, um abrigo, e proporcionar o tratamento ambulatorial”, resume a coordenadora de Saúde Mental do Estado, Rosângela Elias. No entanto, ela mesma admite: “A procura tem sido infinitamente maior do que esperá-vamos. E hoje a rede de atendimento ambulatorial não é suficiente mesmo”. Segundo ela, a cidade de São Paulo possui 80 Centros de Atendimento Psi-cossocial (CAPS), sendo 25 voltados para o trata-mento de álcool e drogas. “É pouco para uma cidade como São Paulo”, rende-se Rosângela. “No entanto, estamos lidando com uma política nova, que tem apenas 10 anos. O primeiro CAPS veio em 2002. Em 2008 tínhamos 40 CAPS no total na cidade, sen-do apenas 11 para álcool e drogas”, relativiza.

Rosângela ainda aponta o desconhecimento da po-pulação sobre os serviços ambulatoriais de aten-dimento em saúde mental como um fator que tem levado multidões ao Cratod. “As pessoas têm che-gado de van. Desconhecem as alternativas e acredi-tam ser a internação o único meio. É uma mudança de paradigma muito difícil de ser alcançada. Por isso é importante o apoio social, tirar as pessoas da situação de risco e vulnerabilidade em que se en-contram, propor escolas integrais”, afirma.

Para o desembargador Antonio Carlos Malheiros, a questão social é preponderante, mas não avança. O juiz iniciou uma peregrinação pela região da cra-colândia, no primeiro semestre de 2011, e fala com conhecimento de causa sobre a situação dos usu-ários. “Naquela época, na região da Rua Helvétia, assistia a duas mil pessoas reunidas - entre crian-ças, adolescentes, idosos - consumirem crack deli-beradamente. A grande maioria era de miseráveis. Uns 10% eram de classe média. Vi uns cinco ou seis atos sexuais, consumados em plena calçada”, revela. Cenário tão desolador, segundo ele, é fruto do abandono de todas as instâncias da sociedade no cuidado com as pessoas.

O juiz passou meses percorrendo as principais ruas da cracolândia, para conhecer de perto o estrago cau-sado pela droga. Após ampla observação, conversas e algumas intervenções, o plano do desembargador era levar audiências multidisciplinares para as ruas do centro da capital paulista, formadas por promotores, defensores públicos, voluntários da OAB e psiquia-tras, a fim de oferecer soluções dignas para a vida da-quelas pessoas. Uma espécie de consultório de rua. “Então, em janeiro de 2012, veio aquela ação policial maluca, que não serviu absolutamente para nada”, diz, referindo-se à ação da polícia que afugentou os usuários de crack, prendeu alguns pequenos trafican-tes, mas não resolveu o problema em si.

Meses mais tarde, ao tomar conhecimento que o governador elaboraria nova ação na cracolândia, Malheiros procurou as secretarias de Saúde e de Assis-tência Social a fim de propor um plano mais efetivo e humanizado. Foi quando nasceu a parceria com o Cratod, que embora tenha virado o estandarte da inter-nação compulsória, está longe de ser apenas isso. O próprio desembargador ad-mite que a internação compulsória deve ser a exceção da exceção. Mas defende a necessidade de internar e/ou tratar ambulatorialmente, conforme o caso, todos os usuários de crack da cidade.

Os dois juízes de plantão, que se revezam todos os dias no Cratod, das 9h às 13h, têm acionado a Justiça para outros motivos que não a internação forçada. “Não vemos esta demanda lá. O que vemos são famílias despencando no Cratod, em busca de uma vaga. Tecnicamente, nem precisamos interferir na interdição de ninguém. Mas nos vemos obrigados a acionar a Justiça para garantir que se tenha vaga, por exemplo. Também precisamos de mais psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais. Outro dia um dos juízes veio me mostrar um laudo, feito por um psiquiatra, de três linhas. Três linhas! E não é culpa dele. Ele está sozinho para atender o mundo inteiro”, desabafa o desembargador.

A promessa de mais vagas, de contratação de mais profissionais e de promover cursos de capacitação já foi feita pelo governo do Estado, em diversos anúncios desde janeiro de 2013. No Cratod, atualmente, atuam 26 médicos (entre psi-quiatras, clínicos e neurologistas), 12 psicólogos, oito assistentes sociais, um terapeuta ocupacional e uma equipe de enfermagem. A procura pelo atendimen-to tem sido enorme, e a primeira barreira a ser enfrentada pelo usuário quando pisa no serviço é retirar uma senha. Se for encaminhado para internação, pode ser que tenha de aguardar. Muitos casos, relatados pela imprensa, denunciam espera de até 20 dias.

O primeiro balanço divulgado ao público, após um mês do início do plantão no Cratod, revelou aumento de 150% na procura. Segundo o governo do Estado, foram 8.171 telefonemas de orientação às famílias, 1.509 acolhimentos de depen-dentes químicos e 223 internações, das quais 206 voluntárias - e 17 involuntárias.

Na cidade de São Paulo, onde se localiza o plantão, existem 1.346 leitos psiquiá-tricos destinados ao atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), distribuí-dos em hospitais gerais ou especializados. Este número, considerado insuficiente segundo os parâmetros da Organização Mundial da Saúde, não daria conta de atender a tamanha demanda, mesmo que todos os leitos existentes fossem exclu-sivamente destinados a pacientes com dependência química. Para o presidente do SINDHOSP, Yussif Ali Mere Jr., o Brasil investe pouco e negligencia a saúde mental. “Destinamos apenas 2% de nosso recurso federal re-servado à Saúde para a assistência em saúde mental. Nosso país também ignora terminantemente as recomendações da OMS, de se manter um leito psiquiátrico para cada mil habitantes”. Segundo ele, o dinheiro que o governo federal passou a economizar com os hospitais psiquiátricos (mal remunerados e fechando as portas) não foi repassado para a construção de uma rede eficaz de atendimento. “Os nú-meros revelam um cenário sucateado, cuja rede de atenção simplesmente inexiste. É a chamada desassistência. Sem entrar no mérito da polêmica da internação compul-sória, e partindo do princípio de que haverá vaga para todos os viciados em crack, pergunto-me como a rede de CAPS dará conta”.

MATéRIA DE CAPA

Apesar da polêmica, a famigerada internação compulsória de usuários de crack – anunciada pelo governo do Estado de São Paulo em janeiro – ainda não acon-teceu. Até o fechamento da edição deste jornal, segundo a Secretaria Estadual de Saúde por meio de sua coordenação de Saúde Mental, nenhum paciente ti-nha sido encaminhado compulsoriamente para internação desde 19 de janeiro de 2013, início de uma força-tarefa que quer combater a proliferação do uso da droga. A iniciativa, amplamente divulgada pela mídia, chamou a atenção pela parceria selada entre governo, Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na qual um plantão jurídico funcionaria para tratar dos casos em que a internação seria “forçada”. Entende-se por isso a chamada internação com-pulsória, em que a pessoa, mesmo sem ter um tutor que se responsabilize por ela, é interditada pela Justiça e levada a tratamento. Mas, segundo o desembargador que coordena o plantão jurídico e que foi um dos que semeou a iniciativa, Anto-nio Carlos Malheiros, os dois juízes de plantão até agora não precisaram assinar nenhum documento interditando ninguém. “Das internações, a grande maioria foi de familiares em busca de ajuda”, afirma.

O que aconteceu, de fato, foi o surpreendente contingente de pessoas que ba-teu (e continua batendo) à porta do Centro de Referência em Tabaco, Álcool e Outras Drogas (Cratod), no centro da cidade, em busca de ajuda. Segundo Ma-lheiros, as filas que se formaram nos primeiros dias de funcionamento revelam a situação de abandono social em que vivem os dependentes e suas famílias. Os juízes de plantão têm atuado para garantir a assistência aos pacientes. “Chegou uma mãe pedindo que internassem o filho, que estava num bairro afastado, do outro lado da cidade. Foi solicitada uma ambulância, mas não tinha nenhuma à disposição. Nesta hora a Justiça tem que garantir o direito de assistência. É assim que estamos atuando”, explica o juiz.

Esta procura acima da expectativa fez com que o governo criasse uma enorme tenda, ao lado do serviço, a fim de ampliar sua capacidade física de atendimento. Também anunciou a ampliação no número de vagas disponíveis para internação. Eram 791 leitos disponíveis no início da campanha, agora são 910, em clínicas próprias ou em serviços contratados, especialmente voltados a dependentes quí-micos. A meta do governo é chegar a 1,2 mil leitos. O custo de manutenção des-ses leitos, para os cofres públicos estaduais, é de cerca de R$ 2 milhões por ano.

Nem a própria coordenadora de Saúde Mental do Estado, Rosângela Elias, espe-rava tamanha procura. Nos primeiros dias, para se ter ideia, uma fila se formou na calçada em frente à unidade, na qual as pessoas chegaram a esperar cinco ho-ras para atendimento. “Este é o diagnóstico de uma escancarada falta de acesso”, admite Rosângela. Ela considera que o problema do crack é muito mais abran-gente que uma abordagem de saúde, e que inúmeras famílias acabam procurando o serviço porque ele se tornou a única esperança. “As pessoas confundem muito

MATéRIA DE CAPA

e acham que a internação vai dar conta de um pro-blema que é multifatorial e que envolve a questão da saúde, por conta do vício, e os aspectos social, de trabalho e de educação”.

Esta opinião, inclusive, é um dos únicos pontos con-vergentes que reúnem especialistas defensores ou não da internação compulsória. Para Ronaldo Laran-jeira, psiquiatra da Unifesp que se posiciona a favor do tratamento mesmo contra a vontade, o problema da proliferação do crack e de outras drogas é uma questão social principalmente para os mais pobres, mas que leva ao adoecimento. “Sob o ponto de vis-ta médico, não há dúvida de que estas pessoas estão doentes. E em algum momento, todo dependente vai precisar de alguma internação”, defende.

Laranjeira é a favor da internação contra a vontade do paciente, sob o argumento de que um viciado em crack que chega ao ponto de se abandonar às ruas em busca de pedras para fumar já não sabe distinguir li-mites. Para o psiquiatra, quem é contra a internação dos pacientes defende mera ideologia. “A luta antima-nicomial acha a internação dispensável em qualquer situação. No entanto, ao redor do mundo, a internação forçada para tratar dependentes é uma clara tendência. Na Inglaterra, por exemplo, 80% das internações de dependentes de drogas é compulsória ou involuntária. No Brasil mesmo, nas clínicas particulares, é muito comum que a família leve o paciente, contra a vonta-de. E muitas vezes esta é a única maneira de propor o início de um tratamento”, defende Laranjeira.

Enquanto os holofotes se voltam para o debate de internar ou não à força, a fragilidade do sistema de saúde mental do Estado tem se revelado dia a dia. Segundo os especialistas, não há tempo médio ideal para que um paciente internado saia do quadro de desintoxicação. Mas certamente será num leito de hospital, isolado e medicado, que o dependente con-

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muito além da iNterNação compulsória

Antonio carlos malheiros

Ronaldo laranjeira

no cratod, a procura foi tão grande queo serviço implantou sistema de senhas

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PERFIL

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O clássico divã. Um psicanalista atento. Um paciente ansioso. Sessão que começa sem hora para terminar. Acaba de repente, quando o paciente deu sinais de que chegou a alguma descoberta importante, um insight. Hora de ir para casa, tocar a vida e refletir sobre o que foi conversado. É assim, falando, que o paciente se trata por meio da psicanálise. Na lacaniana (que segue os ensinamentos de Jacques Lacan), o tempo não é linear, e o paciente nunca sabe quando a sessão irá acabar. A intenção de Lacan, psiquiatra e psicanalista francês que subverteu o universo da análise freudiana nas décadas de 50 e 60, era captar o instante em que o inconsciente se liberta - uma bela razão para se interromper uma consulta. Outra marca de sua herança é a chamada escuta psicanalítica, na qual acontece o valioso aprendizado com o paciente. Para ele, a psicanálise era, afinal, uma via de mão dupla.

É justamente esta simbiose que compõe o trabalho desenvolvido pelo Centro Lacaniano de Investigação da Ansiedade (Clin-A), fundado há exatamente 10 anos na cidade de São Paulo, e que concentra suas atividades no bairro do Pa-caembu. Lá, psicanalistas e pacientes encontram as ferramentas adequadas para crescerem enquanto indivíduos.

A psicóloga e psicanalista Angelina Harari, diretora-presidente da Organização Social de Interesse Público (OSCIP), é quem nos conta a história do projeto. Segundo ela, fundar uma organização que pudesse reunir os elementos da psi-canálise lacaniana, isto é, promover o ensino e o atendimento ao mesmo tempo, era um sonho antigo. “Lacan pensava a psicanálise como uma ética, não como uma técnica. Uma ética de tratamento. Foi ele quem abriu a psicanálise, que antes era algo muito fechado e restrito como em uma casta”, resume.

Nascido em 1901, Lacan rompeu com a escola tradicional, a Sociedade Psicanalíti-ca de Paris, e fundou a própria, chamada Escola Freudiana de Paris, em 1964. Não abriu mão da premissa que diz que um analista precisa fazer análise durante muitos anos para estar apto a clinicar. Mas foi um dissidente da sociedade tradicional, entre outros motivos, por não aceitar o modo como as coisas funcionavam. “An-tigamente, se você quisesse ser psicanalista tinha que fazer análise com uma lista

de profissionais que a sociedade indicava. Somente com aqueles. Tinha que ser assim. Além disso, esses psicanalistas cobravam uma nota preta, e era preciso fazer quatro sessões por semana, durante cinco anos. Então veio Lacan, cheio de novidade, dizendo que ninguém iria autorizar ninguém a ser psicanalista. Ele tem uma frase célebre que diz: `o analista só se autoriza por si mesmo`”, relembra Angelina.

No Clin-A, os mecanismos se inspiram nesta ideia. Enquanto o centro mantém atendimentos gratuitos oferecidos à população em geral, os psicanalistas que lá atuam têm a oportunidade de serem supervi-sionados por profissionais mais experientes, através da discussão de casos. O Clin-A também oferece, em outra vertente de atuação, uma diversidade de cursos, seminários, núcleos de estudo e de investigação e ate-liês de leitura, a fim de promover a capacitação con-tinuada dos psicanalistas. “É uma especialização em Lacan, e é preciso ter interesse na leitura, porque não é um curso no qual transmitimos uma técnica. Nós ensinamos a ler. E não é uma leitura fácil. Costumo dizer que fornecemos algumas chaves de leitura, que abrem portas. O que vai acontecer depois de aberta a porta, é de responsabilidade do aluno. E cada um lida

No divã dePERFIL

com isso de uma forma muito singular”, explica a diretora. As atividades acontecem na sede, na capital paulista, e pelo interior do Estado, nas cidades de Campinas, Ribeirão Preto e São José dos Campos. Entre os temas estudados, estão psicanálise em crian-ças e adolescentes, psicanálise e RH, psicanálise e toxicomania, diagnóstico e suas consequências no tratamento, psicanálise e corpo, e outros.

Em geral, os profissionais que atendem no Clin-A não recebem remuneração em espécie. “É uma troca, mas não um trabalho voluntário. Mantemos o centro com a receita dos cursos, que são pagos. Por outro lado, oferecemos ao psicanalista conhecimento e supervisão”, conta Angelina, que fundou a OSCIP ao lado de sete colegas, todos ligados à Escola Brasileira de Psicanálise. Além dos membros fundadores, a organização possui 81 associados efetivos. Os psica-nalistas mais experientes ainda atuam num trabalho que vem modificando a realidade das instituições psiquiátricas, que é a supervisão e a propagação da prática lacaniana. “Trabalhamos com os profissionais das instituições, estudando os casos dos pacientes. Muitas vezes, chegamos a avaliar o próprio serviço em si como um paciente, apontando seus problemas, seus dilemas”. Os supervisores também realizam, em alguns casos, a escuta psicanalítica. “Em geral, a ordem psiquiátrica atua, ainda hoje, pela suposição de que o saber está no médico e a ignorância no doente. A apresentação do paciente sob a ótica lacaniana não tem nada a ver com isso. Nela, o paciente não é um objeto a ser estudado, a fim de demonstrar os sintomas de sua doença”, explica Angelina.

Atualmente, o Clin-A conta com 17 profissionais realizando atendimento e acolhimento, na sede, em SP. Em 2012, foram 91 pacientes atendidos, sendo que 25 ainda estão em tratamento. Mais nove pessoas aguardam pela triagem neste início de 2013, para serem encaminhadas ou não à psicanálise. Angelina explica que o foco do trabalho não é a quantidade. “Não temos filas de espera. A questão é: a pessoa

tem que querer fazer análise. Chega aqui, passa por uma triagem, e pode ser encaminhada ao analista. Não existe espaço para medicamento. A psicanálise é a terapia da fala. Mas eles são orientados a procurar ajuda medicamentosa quando necessário. Muitos chegam do medicamento, porque o medicamento não deu conta sozinho”, conta.

O tratamento de quem é atendido no Clin-A dura, em média, seis meses. O retorno, após a alta, pode acontecer, mas a ideia da psicanálise lacaniana é que ela tenha um fim. “A psicanálise, na visão de Lacan, não é para sempre. Se for, deixa de ser um tratamento. Ela não tem um tempo determinado, cada elabora-ção é muito particular, mas é feita para acabar”, define a fundadora do Clin-A. Segundo ela, os profissionais da área acabam fazendo muito anos de análise, mas com o objetivo de terminar. Também foi Jacques Lacan o criador de um novo mecanismo de admissão nas escolas de psicanálise, chamado de “passe”. Nele, o analista que se considera apto submete sua própria experiência psicanalítica a outros dois profissionais, considerados “passadores”. Estes transmitem isso a uma banca, formada por psicanalistas experientes, que considerará ou não se o avaliado é merecedor do título. Transposta esta etapa, o profissional recebe um título de analista da escola, e é obrigado a passar três anos contando sua experiência em congressos. “Depois deste período, ele desaparece, a fim de que novos venham”, conta Angelina. Para ela, este dispositivo garante que o grupo é sério. “Afinal, como você garante que o sujeito que ouve os problemas de um paciente não joga os próprios problemas de volta? O que garante a formação é a análise pessoal”, define.

A ideia de tornar as experiências psicanalíticas públicas talvez tenha sido a maior invenção de Lacan, que ficou conhecido por promover concorridos seminários, nos quais palestrava e promovia debates com os mais variados públicos. O analista tinha o dom da palavra, e conseguia levar aos ouvintes seus conhecimentos acerca, sobretudo, de Freud. Foi o maior estudioso de Freud e, segundo dizem, o maior psicanalista depois do austríaco. Jacques Lacan morreu em 1981, em Paris.

NOTA DA REDAÇÃO: Recomendamos o documentário “Um Encontro com Lacan”, rodado em 2011, e dirigido por Gérard Miller (disponível na internet).

Onde encontrarO Centro Lacaniano de Investigação da Ansiedade, Clin-A, fica à Rua Professor Ernesto Marcus, 91, Pacaembu.Telefone: (11) 3675-7689Site: www.clin-a.com.br E-mail: [email protected]

Por Aline Moura

lacaN

Jacques lacan

Angelina Harari, fundadora do clin-A, no divã onde atende seus pacientes

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OPINIÃO

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Há que se pensar também onde esses pacientes serão internados. Imaginar que o tratamento oferecido por Comunidades Terapêuticas sem suporte médico dará resultado é uma falácia fadada ao insucesso. Sendo a dependência química uma doença crônica, ela tem que ser tratada como tal. O enfoque necessariamente tem que ser médico, associado ao suporte psicossocial fornecido pelas equipes multiprofissionais.

No entanto, há em São Paulo pouquíssimas vagas em hospitais e clínicas equipados para dar assistência ao paciente intoxicado. E qualquer tratamento só obterá sucesso se o paciente estiver desintoxicado e preparado para aproveitar as fases seguintes da reabilitação. Será que a Secretaria da Saúde do Es-tado de São Paulo, antes de anunciar seu programa de “internação compulsória”, verificou quais são as reais condições técnicas dos locais para onde esses pacientes serão encaminhados? Será que aparelhou os serviços ambulatoriais? Será que provisionou vagas suficientes nas Residências Terapêuticas? Será que possuirá vagas de emprego suficientes? Será que haverá condição de moradia digna para todos?

Muito se fala no direito de ir e vir dos usuários. Certamente este direito tem sido respeitado. Mas e os demais direitos que lhe são assegurados pela constituição? Saúde, educação, transporte, moradia e segurança são direitos garantidos constitucionalmen-te. Quais desses direitos os dependentes químicos, e cidadãos, devem ter prioritariamente assegurados? Sem estas premissas, a internação compulsória não servirá para nada. E, mais uma vez, enorme quanti-dade de recursos será consumida, enxugando gelo.

Lucinda Trigo é médica psiquiatra, diretora da Clínica Conviver e do SINDHOSP

Muito já se falou a respeito de posições ideológicas, controversas e apaixonadas em relação à necessidade do dependente químico de crack ser internado ou não. Por razões que não são agora o foco desta matéria, sabemos que frequentemen-te, ainda na infância ou na adolescência precoce, muitos jovens iniciam o uso de substâncias psicoativas. É do conhecimento de todos que, neste percurso, a criança inicia uma jornada que dificilmente não comprometerá severamente seu desenvolvimento global.

Por outro lado, convivemos com crianças nas esquinas e semáforos, pedindo esmola, vendendo balas, limpando para-brisas dos carros, muitas vezes em grupos organizados por adultos coniventes. E o que fazem as autoridades e as inúmeras ONGs que se propõem a dar assistência às crianças em situação de risco? Muito pouco. Essas crianças permanecem nas ruas por muito tempo, até que cometem algum delito mais sério e acabam recolhidas à Fundação Casa (antiga Febem).

A repetida justificativa é de que essas crianças são membros de famílias disfun-cionais, que não lhes deram a atenção devida. Há que se perguntar que auxilio é prestado pelas autoridades e por instituições de assistência social, que sempre exis-tiram em grande quantidade, mantidas pelas verbas públicas, a essas famílias para que possam cumprir com dignidade o seu papel de pais e formadores de cidadãos?

Parece que muito pouco foi ou é efetivamente feito, senão a realidade de nossa juventude seria diferente. As consequências aí estão. Essas crianças, criadas nas ruas, transformam-se nos adultos que vivem nas cracolândias.

Agora, a discussão em pauta é se essas pessoas devem ou não ser compulsoria-mente internadas. Não é difícil perceber que esta é a mesma discussão que sempre permeou a inércia e a imobilidade do aparelho estatal e social.

Em nome do direito de ir e vir, as crianças de rua têm tido todo o direito de permanecerem abandonadas, vítimas de violência, até se tornarem os atuais dependentes de drogas, alguns até delinquentes que roubam e matam em nome do vício. E persiste o mesmo discurso de que o dependente químico tem que ter sua vontade respeitada, e não deve ser impelido ao tratamento.

E qual é a vontade de um viciado além de conseguir meios para comprar a pró-xima pedra? Quantos buscam ajuda espontaneamente? Em 35 anos de profissão, vi isso ocorrer poucas vezes, mesmo nas famílias mais abastadas, onde esse mesmo problema perdura.

É muito fácil ser contra a internação. Mas que atitudes os que defendem essa postura têm proposto? Que mecanismos de inserção social têm sido criados para dar suporte àqueles que, após tratados, possam encontrar oportunidades dignas para recomeçar uma nova vida. Afinal, não estamos falando de um problema novo. Estamos diante de um perverso ciclo de abandono e miséria.

Acredito firmemente que essa é a grande questão. A internação, seja lá de que forma ocorra, tem que ser apenas o ponto de partida rumo à reabilitação plena do sujeito.

o primeiro passo para a recuperação do depeNdeNte químicoPor Lucinda Trigo

Quais direitos os dependentes químicos devem ter

prioritariamente assegurados?"

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