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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
CONFLITOS HOMOFÓBICOS NA ESCOLA E A TEORIA DO
RECONHECIMENTO
Grasiela Cristine Celich
Resumo: O presente artigo trata de pesquisa que procurou explicitar de que modo a teoria do
reconhecimento, desenvolvida por Hegel (1807/2008), na obra “Fenomenologia do Espírito” e,
posteriormente, reatualizada por Honneth (2009), em “Luta por Reconhecimento: a gramática
moral dos conflitos sociais”, pode contribuir no enfrentamento das violências e dos conflitos
homofóbicos que ocorrem na escola entre alunos do Ensino Médio. A pesquisa também buscou
fortalecer reflexões não somente entre os alunos, mas também entre professores, diretores,
coordenadores e demais membros da comunidade escolar, através de propostas de atividades
práticas que objetivam e trabalham o reconhecimento intersubjetivo. Tal reconhecimento, que é
sempre recíproco, tem por finalidade, possibilitar a preservação da identidade dos homossexuais
na escola, como também a elevação de sua estima de maneira que possam obter um grau positivo
de autorrealização individual neste ambiente, contando, além disso, com o alcance da promoção
do direito à igualdade e às diferenças.
Palavras-chave: Conflitos homofóbicos, Reconhecimento intersubjetivo, Preservação da
identidade, Igualdade e diferenças.
1 – Considerações Iniciais
O presente artigo tem por objetivo explicitar como a teoria do reconhecimento,
desenvolvida inicialmente por Hegel (1807/2008) e, posteriormente, reatualizada por Honneth
(2009) pode contribuir para compreender e solucionar os conflitos homofóbicos na escola. Para
isso, será levado em consideração o principio da igualdade bem como o direito à diferença. Direito
à diferença que possibilita a preservação da identidade, tanto particular quanto coletiva dos
homossexuais, enquanto grupo social minoritário, frente aos outros grupos e também à sociedade
como um todo. Havendo a preservação da identidade e, como conseqüência, o reconhecimento das
diversas diferenças é que se estará promovendo e proporcionando uma maior igualdade social
entre os membros de uma sociedade.
Para que se chegue a essa explicitação, tomam-se por base as ideias de Hegel
(1807/2008), encontradas no clássico “Fenomenologia do Espírito” que foram, de alguma
maneira, reatualizadas por Honneth (2009), em sua obra filosófica: “Luta por Reconhecimento: a
Gramática Moral dos Conflitos Sociais”. Após, será apresentado o que é, para os autores, um
conflito social, qual conflito é passível de reconhecimento e por quais motivos se fala em
reconhecimento. Para isso, então, é que será entrelaçado, com o reconhecimento, o princípio da
igualdade e o direito à diferença. Por fim, serão apresentadas as considerações finais.
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2 – Reatualizando a Teoria do Reconhecimento: de Hegel a Honneth
Hegel (1807/2008), para realizar a sua teoria do reconhecimento, baseou-se em Fichte.
Este filósofo concebeu o reconhecimento como “uma ação recíproca” entre sujeitos. Isso significa
que entre os indivíduos precisa haver uma consciência comum e universal. Tendo em vista tal
pensamento, Hegel (1807/2008) aplica esta teoria sobre a ação recíproca entre os indivíduos.
Escreve o filósofo, em sua Fenomenologia do Espírito, que a consciência, mais especificamente,
quando ela for consciência-de-si, tanto em si e para si, bem como para uma Outra consciência-de-
si, é que ela será reconhecida. Hegel (1807/2008) então, traça a base do movimento de
reconhecimento, isto é, reconhecimento é quando um indivíduo conhece e reconhece um outro tal
como este é em suas características, essência e personalidade. Em outras palavras, a dinâmica do
reconhecimento ocorre quando os indivíduos ao perceberem-se como sujeitos, veem de maneira
mútua, que a particularidade de cada um é reconhecida pelo outro. Eles necessitam saber que a sua
própria essência, a diferença de cada um, precisa também estar no outro. Aduz-se que cada sujeito
está certo de sua diferença. Porém, cada um precisa compreender que o outro também tem a
certeza da sua própria diferença e quer vê-la confirmada por este outro. Quando Hegel
(1807/2008) traça as bases da dinâmica do reconhecimento, passa a construir as relações éticas
que qualquer sociedade que se compreenda como igualitária, preservadora da diversidade e que
conceba a dignidade como princípio que a norteia, deva, obrigatoriamente, aceitar. Assim, a
dinâmica do reconhecimento, concebida por Hegel (1807/2008) avança em relação às ideias de
Fichte, pois aquele entende que os sujeitos, quando há uma relação ética estabelecida, preservam,
respeitam e reconhecem a identidade particular sua e do outro, de modo que cada um perceba que
o seu Eu é confirmado pelos outros indivíduos.
Mais tarde, já no século XX, nas décadas de 20 e 30, há uma retomada das ideias de
Hegel (1807/2008), bem como do idealismo alemão, pelos filósofos da Escola de Frankfurt,
através da Teoria Crítica. Esta teoria, ao preservar o legado do idealismo alemão, objetiva que os
sujeitos sejam produtores de suas próprias vidas no interior da sociedade. Ocorre que, essa teoria,
após muitos debates, desde a sua criação sofreu muitas reformulações, que, embora relevantes,
não cabe discutí-las neste artigo. Apenas é necessário mencionar que, atualmente, a Teoria Crítica
trabalha com “as questões sobre os ideais de uma sociedade justa colocados pelas lutas
contemporâneas, pelo reconhecimento social e jurídico das identidades particulares e formas de
vida culturais”. (WERLE e MELO, 2008, p. 183). Em outras palavras, é possível dizer que “os
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pressupostos teórico-explicativos e crítico-normativos estão ancorados no processo social de
construção intersubjetivo da identidade (pessoal e coletiva)”. (WERLE e MELO, 2008, p. 184).
Sendo assim, Honneth (2009), filósofo relacionado à Teoria Crítica, reatualizou as ideias
de Hegel (1807/2008) para uma época pós-metafísica e, por se preocupar com a identidade
particular de cada pessoa dentro da sociedade, o filósofo reflete acerca dos fundamentos da Teoria
Crítica, tendo por base as experiências de injustiças sofridas por determinados grupos sociais por
se verem de uma maneira positiva no interior da sociedade na qual vivem. Nesse sentido, Honneth
(2009) concebe que o reconhecimento implica a intersubjetividade. Portanto para o filósofo,
As formas de uma intersubjetividade prática na qual o vínculo complementário e, com
isso, a comunidade necessária dos sujeitos contrapondo-se entre si são assegurados por
um movimento de reconhecimento. A estrutura de tal relação de reconhecimento
recíproco é para Hegel, em todos os casos a mesma: na medida em que se sabe
reconhecido por um outro sujeito em algumas de suas capacidades e propriedades e nisso
está reconciliado com ele, um sujeito sempre virá a conhecer, ao mesmo tempo, as partes
de sua identidade inconfundível e, desse modo, também estará contraposto ao outro,
novamente como um particular. (HONNETH, 2009, p. 46-47).
Diante do fragmento, cabe esclarecer que a atitude de reconhecimento do outro não
ocorre ao nível de ideias, de pensamentos, de intelectualidade, ou até mesmo ao nível da
linguagem. O reconhecimento ocorre em um nível superior. Ele se constitui no momento em que
os sujeitos conseguem compreender o vínculo complementar que há entre igualdade e diferença,
bem como, entender que diferença não é sinônimo de desigualdade. A diferença é sempre uma
igualdade, jamais uma desigualdade.
Para exemplificar o exposto acima, toma-se por base a pesquisa acadêmica realizada por
Celich (2015). A autora pesquisou, através de questionário, como que alunos de Ensino Médio
enxergavam os homossexuais no ambiente escolar. Um dos alunos que respondeu à pesquisa
afirmou, referindo-se aos homossexuais que “tem que matar tudo, ou são homens, ou são
mulheres”. (CELICH, 20015, p.22). Outro aluno, respondeu que a homossexualidade é “uma falta
de vergonha” (CELICH, 2015, p.22). Um terceiro estudante afirmou que a homossexualidade é
algo “errado. Deus criou Adão e Eva, homem e mulher. Se o plano de deus fosse pessoas do
mesmo sexo, então, ele criaria um só sexo” (CELICH, 2015, p.26). Cabe mencionar, ainda, um
quarto estudante que participou da pesquisa. Ele disse que “deus fez o homem e a mulher para
ambos se relacionarem” (CELICH, 2015, p.27).
Além destes exemplos, é necessário mostrar outros exemplos, desta vez, felizes, para
após explicar como que o reconhecimento se faz e se fundamenta. Um dos alunos que respondeu à
pesquisa, escreveu que os homossexuais “são pessoas iguais a todos nós seres humanos, porém
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sentem atração por pessoas do mesmo sexo” (CELICH, 2015, p.67). Outros dois alunos
responderam que considera “os homossexuais pessoas iguais à qualquer ser humano. Cada um têm
as suas diferenças, seja em qualquer situação ou caso” (CELICH, 2015, p.67) e, “que deve haver o
respeito em primeiro lugar, ninguém gosta de ser discriminado(a), excluído(a)” (CELICH, 2015,
p.194). Há, ainda, a concepção de mais um estudante, qual seja: “eu agiria com ele como eu agiria
com os outros, não seria mal educada com ele, até porque todos tem os mesmos direitos,
independente da sexualidade” (CELICH, 2015, p.200).
Através destes exemplos, percebe-se a falta ou mesmo o não reconhecimento que os
estudantes citados nos quatro primeiros exemplos possuem. Expõe-se isso, visto que, as
afirmações dos quatro primeiros estudantes em relação às afirmações dos quatro últimos alunos
não são consideradas, pela teoria do reconhecimento, respostas que possuem a mesma validade,
resultando em um igual teor valoração. Aduz-se isso, posto que, se fornecer o mesmo grau de
valoração tanto para as quatro primeiras respostas, quanto para as quatro últimas, recai naquilo
que o reconhecimento não é. Em outras palavras, recai-se no relativismo, em um campo onde
“tudo pode e tudo é permitido”. Portanto, se houver a concepção de que as afirmações dos quatro
primeiros estudantes tem o mesmo valor e a mesma validade das afirmações dos quatro últimos
estudantes, então, não há abertura para a diversidade, para a igualdade, mas abre-se possibilidade
para a desigualdade, para o aprisionamento das diferenças, para o não reconhecimento.
Aduz-se isso, pois as afirmações dos quatro primeiros alunos, são proposições que negam
a reciprocidade do reconhecimento mantendo teor unilateral e pela pura incapacidade de respeitar
o outro. Portanto, se aceitar que reconhecer o outro é aceitar as ideias homofóbicas, se reconhecer
o outro é aceitação do que este outro pensa, mesmo ele mantendo ideias pré-concebidas, se aceitar
que acolhimento e respeito às diferenças é aceitar que algumas pessoas pensem e exponham que é
normal matar homossexuais, que é normal apenas o homem se relacionar com a mulher e esta com
ele, visto que isso é criação divina, bem como normalizar que os homossexuais são vergonhosos,
então não há reconhecimento. O que existe é um mecanismo perverso, no qual a alteridade, a
diversidade são anuladas e não podem se expressar. Portanto, quando se fala em diversidade, não
se quer dizer diferença de ideias, de pensamentos, mas se quer dizer diversidade de propriedades,
de essência, de identidade. Neste caso, a diversidade, as diferenças estão alocadas nas
características humanas, ou seja, para este artigo, enquanto um indivíduo é homossexual, outro é
heterossexual, outro é bissexual e assim por diante. Sendo assim, o reconhecimento, quando
aplicado de modo correto, afasta qualquer atitude negativa que alguém possa ter.
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Além disso, como o reconhecimento é ação recíproca entre sujeitos, isso quer dizer que,
aquele que não reconhecer o outro em suas características que este outro desejou ser reconhecido,
não pode desejar ser reconhecido em suas características. Explicitando melhor: aquele indivíduo
que afirma que é normal matar homossexuais, não pode reivindicar vida para si próprio. Aquele
estudante que aduz que o homem deve se relacionar com a mulher e esta com ele, não pode
constituir, nem construir qualquer relacionamento afetivo. Aquele que pensa que os homossexuais
são vergonhosos, apenas explicita o que ele próprio é. Dito de outro modo, aquele que não
reconhece as diversidades, perde o respeito por si mesmo, perde a dignidade de ser reconhecido
por aquilo que deseja que os outros o reconheçam. Diante do exposto até o momento, na
compreensão de Honneth (2009, p.78), o
Desenvolvimento da identidade pessoal de um sujeito está ligado fundamentalmente à
pressuposição de determinadas formas de reconhecimento por outros sujeitos, pois, com
efeito, a superioridade da relação interpessoal sobre a ação instrumental consistiria
manifestamente em que ela abre reciprocamente para os sujeitos comunicantes a
possibilidade de se experienciar em seu parceiro de comunicação como o gênero de
pessoa que eles reconhecem nele a partir de si mesmos. (HONNETH, 2009, p. 78).
Isso significa que, “um indivíduo que não reconhece seu parceiro de interação como um
determinado gênero de pessoa, tampouco pode experienciar-se a si mesmo integral ou
irrestritamente como um tal gênero de pessoa.” (HONNETH, 2009, p. 78). Assim, qualquer
afirmação que prejudique a identidade dos homossexuais, é porque um dos sujeitos não consegue
perceber que o outro possui uma identidade própria e que lhe é inerente à sua condição de
indivíduo digno e capaz de ser reconhecido. Assim, aquele sujeito que não reconhece a diferença
dos outros, perde o direito de ser reconhecido em sua essência, justamente porque não reconhece o
outro e não procura formar uma comunidade ética que seja capaz de consolidar todas as
identidades inerentes aos sujeitos. Portanto, Honneth (2009) diz que
Se eu não reconheço meu parceiro de interação como um determinado gênero de pessoa,
eu tampouco posso me ver reconhecido em suas reações como o mesmo gênero de
pessoa, já que lhe foram negadas por mim justamente aquelas propriedades e capacidades
nas quais eu quis me sentir confirmado por ele. (HONNETH, 2009, p. 78).
Desse modo, quando houver o reconhecimento intersubjetivo dos diversos sujeitos é que
eles terão a sua identidade reconhecida. Ocorre que, tanto na escola, quanto na sociedade, muitas
pessoas compreendem eu tanto afirmações positivas, quanto afirmações negativas acerca dos
homossexuais e da homoafetividade possuem o mesmo valor e querem obter um falso
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reconhecimento; isto é, querem ter reconhecimento através daquilo que não pode ser reconhecido.
Ou seja, querem ter respeito por suas ideias, seu comportamento homofóbico. O que conforme
explicitado, implica em linguagem, pensamento e, portanto, não cabe reconhecimento. Não se
reconhece pensamentos. Reconhece-se características inerentes à pessoa humana. Portanto,
quando esse reconhecimento é falso, ou não ocorre para Honneth (2009), surgem conflitos sociais
que desembocam em uma luta por reconhecimento, visto que, aqueles sujeitos que insistem em
discriminar as diferenças, desequilibram a ordem social. Portanto, no próximo item, será
apresentado qual tipo de conflito social que ocorre ou possa ocorrer na escola, é a base para uma
luta por reconhecimento.
3 – O Conflito
Conforme explicitado no item anterior, foi demonstrado do que a teoria do
reconhecimento trata, bem como o que é reconhecimento. Foi exposto também que, quando não
há reconhecimento entre os sujeitos, surgem conflitos que levam a uma luta por este
reconhecimento. Sendo assim, o conflito e, como consequência, a luta por reconhecimento ocorre
posto que, as relações éticas de qualquer sociedade, bem como as relações interpessoais na escola,
ao implicarem em igualdade, dignidade, também conjecturam em abertura e acolhimento de
qualquer identidade. Entretanto, abrir-se, acolher e reconhecer o outro como ele se compreende,
implica em abandonar e superar a eticidade que se possui até o momento. Significa, portanto,
abandonar padrões discriminatórios e preconcebidos ao que se refere aos homossexuais. É por isso
que esta luta, esse conflito que Honneth (2009) defende,
Não pode ser um conflito pela pura autoconservação de seu ser físico; antes o conflito
prático que se acende entre os sujeitos é por origem um acontecimento ético, na medida
em que objetiva o reconhecimento intersubjetivo das dimensões da individualidade
humana. (HONNETH, 2009, p.48).
Sendo assim, não é qualquer conflito que merece ser estudado sob a ótica do
reconhecimento, até porque alguns não valorizam a luta social, prendendo-se à auto conservação
bem como ao aumento de poder, como é o caso das afirmações homofóbicas dos primeiros quatro
alunos expostas no item anterior. Os conflitos que interessam para Honneth (2009) são aqueles
Que se originam de uma experiência de desrespeito social, de um ataque à identidade
pessoal ou coletiva capaz de suscitar uma ação que busque restaurar relações de
reconhecimento mútuo ou justamente desenvolvê-las num nível evolutivo superior.
(HONNETH, 2009, p. 18)
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Se analisar as palavras de Honneth (2009), ver-se-á que o conflito no qual desrespeite,
desmereça, rebaixe e não valorize a identidade pessoal e coletiva dos homossexuais, encaixa-se
perfeitamente na ideia do filósofo. De acordo com comentadores de Honneth (2009), o conflito é
“a base da interação social [...] e a gramática moral desse conflito é a luta por reconhecimento”
(WERLE e MELO, 2008, p. 186). Afirmam Werle e Melo (2008) que Honneth se ancora no “fato
de que há uma suposição básica de reconhecimento social à qual os sujeitos se vinculam com suas
expectativas normativas quando entram em relações comunicativas.” (WERLE e MELO, 2008, p.
186). Essa relação comunicativa é a base para o reconhecimento de grupos sociais minoritários,
como, por exemplo, os homossexuais. Afirma-se isso, pois, para o referido filósofo, a relação
comunicativa não pode ser desenvolvida em “termos de uma teoria da linguagem, mas com base
nas relações de reconhecimento formadoras da identidade, isto é, da constituição intersubjetiva da
identidade pessoal e coletiva.” (WERLE e MELO, 2008, p. 186). Werle e Melo (2008) aduzem,
portanto, que Honneth parte dessa concepção de conflito, pois há nos relacionamentos entre as
pessoas, situações às quais são eivadas de desrespeito e injustiça, justamente porque agridem a
identidade de uma pessoa e, como consequência, a todo um grupo social que tenha essa mesma
identidade, como é o caso dos homossexuais. Isso ocorre, pois, de acordo com Honneth (2009),
aos sujeitos, pertencentes aos grupos sociais minoritários, em sua autodescrição
Se veem maltratados por outros, desempenham até hoje um papel dominante de
categorias morais que, como as de “ofensa” ou de “rebaixamento”, se referem a formas de
desrespeito, ou seja, às formas de reconhecimento recusado. Conceitos negativos dessa
espécie designam um comportamento que não representa uma injustiça só porque ele
estorva os sujeitos em sua liberdade de ação ou lhes inflige danos, pelo contrário, visa-se
àquele aspecto de um comportamento lesivo pelo qual as pessoas são feridas numa
compreensão positivas de si mesmas, que elas adquiriram de maneira intersubjetiva.
(HONNETH, 2009, p. 213).
Esse conflito ocorre, pois os indivíduos desrespeitados, no entendimento de Honneth
(2009), construíram uma imagem positiva de si mesmos frente ao ambiente social onde se
encontram. Agora, esses mesmos indivíduos, quando são vítimas de homofobia, tem violada a sua
identidade, bem como a possibilidade de serem eles mesmos. É por isso que Werle e Melo (2008,
p.188) destacam
A ideia fundamental de que os indivíduos só podem se formar e construir suas identidades
pessoais quando são reconhecidos intersubjetivamente. O indivíduo só pode ter uma
relação positiva consigo mesmo se for reconhecido pelos demais membros da
comunidade. Quando esse reconhecimento não é bem sucedido (pela ausência ou falso
reconhecimento), desdobra-se uma luta por reconhecimento na qual os indivíduos
procuram estabelecer ou criar novas condições de reconhecimento recíproco. (WERLE e
MELO, 2008, p. 188).
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Diante do fragmento, percebe-se que o conflito surgido pela busca de reconhecimento
Representa uma espécie de mecanismo de comunitarização social, que força os sujeitos a
se reconhecerem mutuamente no respectivo outro, de modo que, por fim sua consciência
individual da totalidade acaba se cruzando com a de todos os outros, formando uma
consciência “universal”. Essa consciência que veio a ser “absoluta” fornece [...] a base
intelectual para uma coletividade futura e ideal: proveniente do reconhecimento recíproco
como um médium da universalização social, ela constitui o “espírito de povo” e, nesse
sentido, também a “substância viva” de seus costumes. (HONNETH, 2009, p. 64).
Visto o que é reconhecimento, bem como quais os conflitos que são passíveis de
reconhecimento é que no próximo item será trabalhado o direito à diferença e igualdade, tomando
por base o reconhecimento para a compreensão e solução dos conflitos homofóbicos na escola.
4 – Todos são diversos e iguais entre si
Para que seja alcançada uma consciência universal e, como conseqüência, o mútuo
reconhecimento entre os sujeitos é necessário expor acerca do princípio da igualdade bem como
ao direito à diferença. Aduz-se isso, posto que, é o princípio insculpido no art. 5º, caput da
Constituição Federal1 e a sua observação ao direito à diferença que será construído o
reconhecimento. É por isso que o fato de um sujeito ser diverso do outro, não significa que ele é
desigual à esse outro para receber tratamento diferente (nesse caso, desigual) dele.
Tomando por base que o reconhecimento se dará quando as diferenças entre os sujeitos
forem entendidas como iguais e não desiguais é que se começa a discussão com a máxima de
Aristóteles: “a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.”
(MELLO, 2004, p. 10). Diante desta questão, Celich (2011, p. 149) aduz que esta “assertiva [...]
traz implícita uma pergunta: quem são os iguais e quem são os desiguais?” A resposta para tal
indagação aparece em Mello (2004), quando afirma que
O que permite radicalizar alguns sob a rubrica de iguais e outros sob a rubrica de
desiguais? Em suma qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia
– que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos
[...] diversos? Afinal, que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a
discriminação de situações e de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos
transfundidos no princípio constitucional da isonomia. (MELLO, 2004, p. 11).
Diante disso, Celich (2011) aduz que
1 Art. 5ª, caput/CF – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se [...] a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade [...].”
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Há grupos de pessoas sob um ponto de vista comum, que devem ser tratados de maneira
igual, porque são iguais sob este referencial comum. E há outros grupos, sob outro ponto
comum, que devem ser tratados de forma desigual se comparadas com aquele (grupo de
pessoas iguais) porque estes são desiguais. [Desta forma], é aplicando de maneira correta
essa máxima aristotélica que será encontrada a verdadeira igualdade entre os indivíduos.
(CELICH, 2011, p. 150)
De outro modo, Brandão (2002) esclarece que
A regra da igualdade não consiste em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em
que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é
que se acha verdadeira a lei da igualdade. [...] Tratar com desigualdade a diferença, ou a
desiguais com igualdade, será desigualmente flagrante, e não liberdade real. O problema
do reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra de isonomia
se biparte em duas questões. A primeira diz com o elemento tomado como fator de
desigualação. A segunda reporta-se à correlação existente entre o fato erigido em critério
de discriminação e a disparidade estabelecida no tratamento. Esclarecendo melhor, tem-se
que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro, se
há justificativa para, a vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico
tratamento [...] constituído em função da desigualdade proclamada. (BRANDÃO, 2002,
p. 84).
Tomando por base as idéias expostas, Dias (2006) compreende que, frente a um caso de
desigualdade, é necessário investigar se existe diferença entre o que foi estabelecido com a
desigualdade de análogo caso. Celich (2011) diz que
Poder-se-ia avaliar uma eventual afronta ao princípio da igualdade. Assim, será agredida
a igualdade quando o fator diferencial escolhido para qualificar os indivíduos atingidos
pela norma não guardar pertinência, seja de inclusão, seja de exclusão com o benefício
concedido. (CELICH, 2011, p. 151).
Em outras palavras é necessário levar em consideração se a orientação sexual de um
sujeito, pode ser tomada como fator justificável para que ele seja tratado de modo diverso de
outros indivíduos. Isso quer dizer que, necessita discutir se a diferença de um sujeito ou de um
grupo social pode ser considerada como fator justificador para que haja um tratamento
diferenciado ou não. De outro modo, diz-se que, para alguém receber tratamento diverso de
outrem, é necessário existir uma explicação lógica, racional e plausível para que aconteça
realmente um tratamento diferente. Mello (2004), leciona que se tem de
Investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório, de outro lado,
cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do
traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento [...] construído em função da
desigualdade proclamada. (MELLO, 2004, p. 21).
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Diante do exposto, também se deve observar que, “quando se trata acerca do princípio da
igualdade, deve-se também observar o direito à diferença.” (CELICH, 2011, p. 153). Lopes (2003,
p. 30) diz que esta diferença pode ser “justamente aquilo que se quer preservar e não abolir.” Este
autor levanta um questionamento sobre o direito à diferença. Ele afirma que isso pode ser duas
coisas distintas. A primeira
Pode significar exatamente o mesmo que os direitos fundamentais implicam como
programa democrático: que se nenhuma característica individual seja levada em conta
pelo legislador e pelos tribunais para restringir os direitos de alguém sempre que esta
característica não se justifique como diferenciador suficiente. Diferenças de nascimento,
de etnia, de gênero, e assim por diante são proscritas do ordenamento jurídico. Tratar
alguém de forma diferente nestes termos significa não reconhecer a pessoa
individualmente pelo que é. O remédio jurídico para a falta de reconhecimento individual
é a proibição de tais atos pela regra da isonomia. (LOPES, 2003, p. 30).
A segunda coisa distinta, para Lopes (2003) vai significar
A valorização positiva de certa identidade. Nestes termos, o direito do indivíduo não é
apenas o de ser tratado como todos os outros, mas ver sua diferença específica
positivamente valorizada, ou não desrespeitada. O direito ao reconhecimento, neste
momento, adquire o aspecto distributivo [...] já que esta identidade não é exclusiva de um
indivíduo, mas pertence a um grupo. Este bem comum (uma identidade) é o que merece o
respeito público. (LOPES, 2003, p. 30).
Percebe-se, portanto, que qualquer característica inata de um sujeito, significa uma
diferença em relação aos demais, Sendo assim, uma diferença não é entendida como desigualdade
e, portanto, nenhum sujeito pode receber tratamento desigualitário por sua diversidade se
comparado aos outros sujeitos que o rodeiam. Verifica-se isso, pois, se a legislação, preza pela
igualdade, ou melhor, pelo tratamento igualitário para todas as pessoas, independente de qual seja
a característica diferente que esta possua, é necessário que aquele indivíduo que tem alguma
diferença, seja respeitado por essa diversidade. No momento em que um sujeito, bem como um
grupo social é respeitado por sua diferença em relação aos outros grupos sociais que compõem a
mesma sociedade, está-se falando em reconhecimento da diferença, tanto a nível social quanto
legislativo, entre todas as pessoas. Desse modo, por estar preservado o direito à diferença, também
estar-se-á acolhendo e reconhecendo a identidade de determinados grupos sociais. Assim, haverá o
alcance da consciência universal e o mútuo reconhecimento entre os sujeitos.
5 – Considerações Finais
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Conforme foi explicitado ao longo do artigo, a teoria do reconhecimento irá se preocupar
em fazer com que, as diferenças inatas, que fazem parte da identidade dos sujeitos e dos grupos
sociais a que eles pertencem, sejam acolhidas e reconhecidas pelos demais atores sociais. Porém,
como, ainda, muitas diferenças não foram reconhecidas, há sujeitos desrespeitados por outros,
justamente pelo fato de serem diferentes deles. É por isso que ocorre um conflito homofóbico na
escola. Conflito esse, que causa nos sujeitos e grupos sociais prejudicados um sentimento de
injustiça e, por isso
Devem ser vistos como o estopim par excellence da luta por reconhecimento. [Assim],
Honneth procura mostrar que uma experiência social de desrespeito atua como uma forma
de freio social que pode levar à paralisia do indivíduo ou de um grupo social. Por outro
lado, ela mostra o quanto o ator social é dependente do reconhecimento social. [...] A
experiência do desrespeito, então, deve ser tal que forneça a base motivacional da luta por
reconhecimento, porque essa tensão [...] só pode ser superada quando o ator social estiver
em condições de voltar a ter uma participação ativa e sadia na sociedade. (SAAVEDRA,
2007, p. 109).
Desse modo, é através do reconhecimento que haverá compreensão e solução dos
conflitos homofóbicos na escola, visto que ele possibilita que “uma pessoa desenvolva a
capacidade de sentir-se valorizada [...] quando as suas capacidades individuais não são mais
avaliadas de forma coletivista.” (SAAVEDRA, 2007, p. 106-107). Isto é, a escola bem como a
sociedade, não podem ficar esperando proteger os homossexuais quando todos os membros de
uma sociedade os aceitarem e os reconhecerem. É preciso protegê-los e dar assistência no
momento em que a sua identidade particular e coletiva ainda não é aceita pela maioria dos
sujeitos.
Fala-se isso, pois ali “são postas em relevo as propriedades que tornam o indivíduo
diferente dos demais, ou seja, as propriedades de sua singularidade.” (SAAVEDRA, 2007, p. 106).
Assim, começa a construção de uma identidade social baseada na diversidade, onde a
particularidade daqueles sujeitos que são oprimidos por outros, possam ser reconhecidos em seus
direitos. Começa um fortalecimento e uma consolidação da identidade social e coletiva.
6 – Referências
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Revista dos Tribunais, 2002.
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Maria: AGBook, 2011.
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Letras, 2015.
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São
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sociedade em Axel Honneth. In: NOBRE, Marcos. (Org.). Curso livre de teoria crítica. 2ª ed. São
Paulo: Papirus, 2008.
Homophobic conflicts in school and the theory of recognition
Abstract: The present article is a research that aimed to explicit how the theory of recognition,
that was developed by Hegel (1807/2008), in the book “Phenomenology of the Spirit”, and later
on updated by Honneth (2009), in “Fight for Recognition: the moral grammar of the social
conflicts”, can contribute in the facing of violence and the homophobic conflicts that happen in
school among high school students. The research also aimed to strengthen reflections not only
among students, but also among teachers, principals, coordinators, and the other members of the
school community, through the proposition of practical activities that aim for and work with the
intersubjective recognition. Such recognition, which is always reciprocal, has the purpose to
enable the preservation of the homosexuals’ identity in school, and also to elevate their esteem in
a way that they can obtain a positive degree of personal fulfilment in this environment, counting
with the extent of the promotion of the right to equality and to differences as well.
Keywords: Homophobic conflicts, Intersubjective recognition, Identity preservation, Equality and
differences.