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Conhecimento científico e interesse militar.
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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Instituto de História – IH
Programa de Pós-Graduação em História Social – PPGHIS
Conhecimento científico e interesse militar:
a dinâmica das associações da National Geographic Society
para observações de eclipses do Sol nas décadas de 1930 e 1940
Heráclio Duarte Tavares
Maio de 2012
ii
Conhecimento científico e interesse militar:
a dinâmica das associações da National Geographic Society
para observações de eclipses do Sol nas décadas de 1930 e 1940
Heráclio Duarte Tavares
Orientador: Drº Carlos Ziller Camenietzki
Rio de Janeiro
Maio de 2012
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História Social,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em História Social.
Orientador: Drº Carlos Ziller Camenietzki
iii
Conhecimento científico e interesse militar:
a dinâmica das associações da National Geographic Society
para observações de eclipses do Sol nas décadas de 1930 e 1940
Heráclio Duarte Tavares
Orientador: Drº Carlos Ziller Camenietzki
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História
Social, Instituto de Historia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.
Aprovada por:
_________________________________________
Presidente, Professor Drº Carlos Ziller Camenietzki
_________________________________________
Professora Dra Christina Helena da Motta Barboza
_________________________________________
Professor Drº Renato Luís do Couto Neto e Lemos
Rio de Janeiro
Maio de 2012
iv
À minha mãe e à minha filha, com amor.
v
Agradecimentos
Quero deixar registrado o apoio incondicional de minha família. Sei que se não fosse o
apoio que recebo de meus familiares mais próximos, a tarefa de realizar o curso de mestrado
teria sido muito mais difícil. Agradeço em especial à minha mãe, Jecimar, por todo amor,
compreensão e paciência que dedica a mim. Estou em dívida também com Armando, meu pai
desde quando eu tinha 10 anos de idade. Armando sempre me deu o suporte necessário para
que eu, aos poucos, seguisse meu caminho ao longo dos anos. Agradeço à minha querida
filha, Iany, por ter compreendido que, apesar de eu estar em casa, o tempo que me dediquei à
leitura não poderia sempre ser investido em passeios e brincadeiras. Na esfera familiar, quero
também agradecer ao meu irmão, Igor, por ter sempre me apoiado.
Muito deste trabalho foi fruto da insistência que o Professor Ziller teve comigo em um
determinado ponto da minha formação. Por mais que, no fundo no fundo, saibamos o que
temos que fazer, Ziller foi o dono da voz que não esmoreceu e continuamente dizia: “esta é a
hora. Você tem tudo em mãos. Coragem!” Ao professor Ziller, meu muito obrigado por ter
me ajudado a ver soluções ao invés de problemas.
Desejo tornar público meu agradecimento a todos meus companheiros do PPGHIS,
vindos de diferentes cidades brasileiras, com os quais tive o privilégio de compartilhar dois
anos de minha trajetória acadêmica. Acho que a Aline Carrijo e a Raquel Campos me
deixaram um pouco goianiense ao tentarem, sem sucesso, me ensinar a usar o “uai!”. A todos,
deixo registrado meu obrigado pela paciência com a pessoa difícil que sou.
Agradeço a todos os bocaiuvenses que me receberam de forma bastante cordial nas
vezes em que fui à sua cidade. No início do meu curso de mestrado, esta pesquisa se restringia
ao eclipse total do Sol visível em Bocaiuva em 1947. Creio que os ares do Norte de Minas
Gerais me ajudaram a entender Bocaiuva como o ponto de inflexão de um processo histórico
que passou pelas Ilhas do Oceano Pacífico, Ásia e Nordeste brasileiro.
Por fim, manifesto meu agradecimento a todas as pessoas que me ajudaram nos
arquivos que pesquisei, e ao CNPq, pelo suporte financeiro.
vi
Resumo
Conhecimento científico e interesse militar:
a dinâmica das associações da National Geographic Society
para observações de eclipses do Sol nas décadas de 1930 e 1940
Heráclio Duarte Tavares
Orientador: Dro Carlos Ziller Camenietzki
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
História Social, Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.
Desde a Antiguidade Clássica, a ocorrência de eclipses do Sol desperta interesse no
homem. Em 1780, ocorreu um eclipse total do Sol cuja historiografia aponta como o primeiro
a ser observado por uma expedição científica. Desde então, missões científicas foram
enviadas a diferentes locais do mundo para estudar eclipses solares. Estas missões possuíam
planos de observação que estavam ligados às teorias científicas em vigor e eram dependentes
do desenvolvimento técnico que seus instrumentos possuíam.
A partir da segunda metade do século XIX, é possível identificar um crescimento no
número de expedições que observaram eclipses do Sol. Diferentes observatórios e instituições
dos EUA construíram uma tradição na observação deste fenômeno. O National Bureau of
Standards (NBS) e a National Geographic Society (NGS) são instituições norte americanas
que formaram parcerias de exploração científica durante os anos 1930 e 1940, que, grosso
modo, tinham como objetivos aparentes construir conhecimento sobre o mundo e divulgá-lo
através da revista da NGS. A história pessoal dos cientistas do NBS envolvidos nas missões
para observações de eclipses do Sol e a própria história institucional do NBS sugerem que
havia uma inclinação deste órgão e de seu staff ao desenvolvimento de pesquisas para as
forças militares dos EUA.
A partir do entendimento que a ciência é socialmente condicionada, utilizei
documentos produzidos por instituições civis e militares para analisar o processo histórico das
expedições científicas da NGS-NBS para a observação de eclipses do Sol nos anos 1930 e
vii
1940, em uma visão em que privilegio os interesses não divulgados (por vezes secretos), bem
como as relações individuais e institucionais envolvidas.
Palavras-chave: Eclipse do Sol; National Bureau of Standards; mísseis intercontinentais.
Rio de Janeiro
Maio de 2012
viii
Abstract
Scientific knowledge and military interest:
The dynamics of the National Geographic Society’s associations
for observations of eclipses of the Sun in the 1930s and 1940s
Heráclio Duarte Tavares
Advisor: Dro Carlos Ziller Camenietzki
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
História Social, Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.
Since Antiquity, the occurrence of eclipses of the Sun awakens interest in human
being. In 1780, there was a total solar eclipse whose historiography points out as the first to
be observed by a scientific expedition. Since then, scientific missions were sent to different
locations around the world to study solar eclipses. These missions had observation’s plans
which were linked to current scientific theories and were dependent on the technical
development that their instruments had.
From the second half of the nineteenth century, it is possible to identify a growing
number of expeditions to observe eclipses of the Sun. Different observatories and institutions
from the U.S. built a tradition of observing this phenomenon. The National Bureau of
Standards (NBS) and the National Geographic Society (NGS) are North American institutions
that formed partnerships during the 1930s and 1940s, which, roughly speaking, had the
apparent objectives to build knowledge about the world and disseminate it through the journal
of the NGS. The personal history of the scientists of the NBS involved in expeditions to
observe eclipses of the Sun and the institutional history of the NBS suggest that there was an
inclination to develop researches for the U.S. military.
Based on the understanding that science is socially conditioned, I used documents
produced by civil and military institutions to analyze the historical process of NGS-NBS
scientific expeditions for the observation of eclipses of the Sun during 1930s and 1940s, in a
ix
perspective that I privilege the interests not disclosed (sometimes secret) as well the
individual and institutional relationships involved.
Keywords: Eclipse of the Sun; National Bureau of Standards; intercontinental missiles.
Rio de Janeiro
Maio de 2012
x
Ficha catalográfica
Tavares, Heráclio Duarte.
Conhecimento científico e interesse militar: a dinâmica das associações da
National Geographic Society para observações de eclipses do Sol nas décadas
de 1930 e 1940/ Heráclio Duarte Tavares. – Rio de Janeiro: UFRJ/ IH, 2012.
xiv, 145 f.; 22 il.;1,2 cm.
Orientador: Carlos Ziller Camenietzki
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ IH / Programa de Pós-Graduação em
História Social/ 2012.
Referências bibliográficas: f. 138 – 145.
1. National Bureau of Standards. 2. Expedições científicas 3. Eclipse do
Sol. 4. National Geographic Society.
I. Camenietzki, Carlos Ziller. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, /
Programa de Pós-Graduação em História Social. III. Título.
xi
Sumário
Lista de Figuras......................................................................................................................xiii
Introdução............................................................................................................................. ...15
1 Instituições norte americanas, cientistas e eclipses do Sol ............................................. 18
1.1 Aspectos principais para observar um eclipse total solar ............................................. 18
1.2 Observando o céu e construindo uma tradição............................................................. 20
1.3 National Geographic Society e o National Bureau
of Standards: um pouco de História .................................................................................. 27
1.4 A Sociedade e o Bureau: parcerias científicas e
o mundo à beira da Guerra nos anos 1930 ......................................................................... 32
1.5 Organização: a chave para observar eclipses e para vencer a Guerra ........................... 47
2 As observações científicas do eclipse total do Sol de 1947 em perspectiva histórica .... 61
2.1 Ciências básica e aplicada: pragmatismo e diletantismo científicos para o NBS .......... 61
2.2 O Sol e a atmosfera terrestre como objetos de estudo .................................................. 64
2.3 Outras relações entre eclipses do Sol e interesses militares:
a busca pela precisão dos contatos .................................................................................... 69
2.4 A ação da natureza sobre os instrumentos: George Van Biesbroeck
e o teste da Relatividade Geral .......................................................................................... 74
xii
3 Usos da Ciência: eclipses do Sol em nome da Guerra .................................................... 80
3.1 A Segunda Guerra Mundial e eclipses do Sol alcançam o Brasil nos anos 1940 .......... 80
3.1.1 A expedição da National Geographic Society em foco:
quem vem? Fazer o que?........................................................................................... 83
3.1.2 Informações necessárias ou dissimulação? O Projeto Bocaiuva ........................ 92
3.2 Eclipses do Sol como ferramenta geodésica .............................................................. 100
3.3 Mísseis mais precisos, mais eficientes e mais mortais ............................................... 104
3.4 Astrônomos e militares: sugestões e interesses .......................................................... 108
3.5 A ciência no escuro: a organização de uma expedição para eclipsar a paz ................. 112
Considerações finais .............................................................................................................118
Fontes.....................................................................................................................................136
Glossário................................................................................................................................137
Referências Bibliográficas....................................................................................................138
xiii
Lista de Figuras
Figura 1 Foto aérea do National Bureau of Standards – 1931 ....................................... 122
Figura 2 Lyman James Briggs, em 1933, ao assumir a Direção
do National Bureau of Standards ................................................................................... 122
Figura 3 Lyman James Briggs no inicio dos anos 1950....................................................122
Figura 4 Navio da Marinha dos EUA – Avocet – julho de 1937 .................................... 123
Figura 5 Irvine Gardner a bordo do Avocet – julho de 1937 .......................................... 123
Figura 6 Marinheiros em um momento de distração
a bordo do Avocet – julho de 1937 ................................................................................ 123
Figura 7 Cidadãos da Cidade de Patos, PB, interagem
com cientistas e instrumentos, outubro de 1940 ............................................................. 124
Figura 8 Cidadãos da Cidade de Patos, PB, interagem
com cientistas e instrumentos, outubro de 1940 ............................................................. 124
Figura 9 Instrumentos astronômicos da expedição da National Geographic Society prontos
para capturar imagens do eclipse total do Sol de outubro de 1940, em Patos, PB ........... 124
Figura 10 Ford Station Wagon do National Bureau of Standards que continha um
laboratório de rádio portátil – outubro de 1940, em Patos, PB ........................................ 124
Figura 11 Cidadãos da Cidade de Patos, PB, interagem
com cientistas e instrumentos, outubro de 1940 ............................................................. 124
Figura 12 Eppley pyrheliometer usado por Lyman Briggs no
eclipse de maio de 1947 ................................................................................................. 125
Figura 13 Dr. Sahade, do Observatório de Córdoba, na ocasião
da observação do eclipse total do Sol realizada em 20 de maio de 1947 ......................... 125
Figura 14 Reino A. Hirvonen, chefe da missão finlandesa que ficou instalada no Brasil, em
Bocaiuva, MG, maio de 1947 ........................................................................................ 125
Figura 15 Pavilhões do Brasil, dos EUA e da NGS tremulando juntos no acampamento da
expedição da National Geographic Society em Bocaiuva, MG, em maio de 1947 .......... 125
xiv
Figura 16 Faixa do eclipse anular de 08-09 de maio de 1948. ....................................... 126
Figura 17 Câmera de Banachiewicz – fevereiro de 1948 ............................................... 126
Figura 18 Representação dos comprimentos de ondas ................................................... 127
Figura 19 Representação da alta atmosfera em função da altitude e
da densidade de elétrons livres por centímetro cúbico .................................................... 127
Figura 20 a 22 Segundo e terceiro contatos do eclipse anular de 31 de maio de 1984.....128
Mapas dos eclipses solares que aparecem ao longo da dissertação
(em ordem cronológica) ............................................................................................... 129
15
Introdução
Inquestionavelmente, eclipses solares são um dos mais belos espetáculos naturais
testemunhados pelo homem. Devido a coincidências astronômicas, os privilegiados situados
em uma estreita faixa de sombra da Lua projetada na superfície terrestre experimentam alguns
minutos de escuridão gradual durante o dia, que mostram a mecânica celeste em uma situação
única, no apogeu do alinhamento do Sol, da Lua e da Terra. Como esta experiência ocorre em
circunstâncias históricas, seus significados e suas práticas alteram-se ao longo do tempo, de
acordo com as particularidades das culturas locais. Era comum algumas civilizações antigas
acreditarem que grandes bestas ameaçavam engolir o Sol durante eclipses solares. Na China
Antiga, havia a crença de que um dragão gigante ameaçava devorar o Sol ou a Lua. Durante a
ocorrência de eclipses, os chineses tocavam freneticamente sinos, faziam um imenso barulho
usando tambores, e arqueiros lançavam flechas em direção ao céu para afastar o terrível
monstro que ameaçava os corpos celestes.1 A mitificação do fenômeno era observada em
diversas culturas em sociedades passadas. Hoje em dia, os significados de eclipses do Sol são
bem diferentes. Entre eles, é possível encontrar empresas de turismo que oferecem pacotes de
viagem para a observação de eclipses solares visíveis em locais distantes dos grandes centros
urbanos, incluindo hospedagem em hotéis luxuosos, palestras proferidas por astrônomos e
souvenires de toda ordem. Isto sem contar a utilização de observações de eclipses do Sol em
propagandas.
Porém, a humanidade não vem apenas apreciando o fenômeno. Nós estudamos
eclipses solares há bastante tempo. Há registros que mostram que filósofos na Antiguidade
Clássica já estudavam eclipses. Atualmente, astrônomos, físicos e cientistas de diversos
campos de conhecimento investigam as relações naturais propiciadas por este fenômeno.
Durante um eclipse do Sol, são criadas condições para a condução de observações que não
podem ser realizadas em laboratório, principalmente as que envolvem a natureza solar. Neste
sentido, construímos instrumentos para a realização de observações de melhor qualidade e
para lançarmos nosso olhar cada vez mais distante através da imensidão do Universo.
Acompanhando as transformações dos instrumentos, nossas dúvidas envolvendo eclipses do
Sol também sofrem mudanças. Isto significa que na história de observações científicas de
eclipses, como em qualquer outra observação científica, há transformações das técnicas de
observação e dos instrumentos utilizados, bem como transformações das interrogações que
direcionaram a elaboração dos planos de estudo.
1 BRUNIER, Serge. LUMINET, Jean Pierre. Glorious Eclipse: Their past, present and future. Cambridge:
Cambridge University Press, 2000, p. 26. Translated by Storm Dunlop.
16
Nas próximas páginas, eu analiso as relações históricas de expedições científicas
organizadas por instituições dos Estados Unidos da América (EUA), que observaram eclipses
do Sol durante os anos 1930 e 1940. Eu mantenho o foco nas expedições organizadas pela
National Geographic Society em parceria com o National Bureau of Standards, por entender
que os cientistas envolvidos e a estrutura logística destas missões tinham uma inclinação a
estabelecer relações históricas diferentes das estabelecidas por expedições organizadas por
astrônomos e astrofísicos de observatórios espalhados pelo mundo. Eu direciono minhas
atenções às circunstâncias históricas pré e pós–Segunda Guerra Mundial e trato algumas
relações entre os EUA e o Brasil durante este período, já que nos anos 1940 foi possível
observar três eclipses totais do Sol por aqui.
Faço uma ressalva ao leitor que este é um trabalho historiográfico. Transito entre as
micro e macro circunstâncias históricas e tento dar sentido a relações entre sujeitos,
instituições científicas e acontecimentos. Ou seja, as perguntas que elaborei para analisar as
expedições científicas da National Geographic Society - National Bureau of Standards
partiram de uma interpretação relacional. Após algum tempo desconfiando de situações não
muito comuns que envolviam as expedições financiadas pela National Geographic Society
para observar eclipses do Sol nos anos 1940, respondi a algumas questões e elaborei outras,
que ainda não tenho respostas.
O eclipse total do Sol de 1947 foi o ponto de partida para que eu entendesse o
processo histórico no qual ele estava enquadrado. O fato das circunstâncias deste eclipse
aparecerem em maiores detalhes não significa que ele tenha sido mais importante. Entretanto,
sem dúvidas, este eclipse foi o ponto de inflexão para os sujeitos históricos por trás de sua
organização. Por mais que os militares dos EUA tivessem uma tradição em oferecer um
importante apoio logístico a expedições científicas para observação de eclipses, normalmente
realizando o transporte do equipamento científico em seus navios a lugares de difícil acesso, a
expedição de 1947 contou com um apoio bem maior e com a presença de muitos militares.
Para as observações do eclipse de maio de 1947, a US Army Air Force transportou o
equipamento e pessoal da expedição da National Geographic Society para o Brasil e alguns de
seus generais estavam presentes para a observação do eclipse em Bocaiuva, uma Cidade de
4.000 habitantes no Norte de Minas Gerais. Normalmente, em uma situação como esta, os
militares envolvidos eram alguns marinheiros, que ajudavam na montagem dos equipamentos
científicos e na construção de suportes para os mesmos, e poucos oficiais, que se envolviam
no apoio aos experimentos ou realizando observações, na maior parte das vezes, relacionadas
a melhorias da navegação. Mas, levando-se em conta que o eclipse total do Sol de 1947 foi o
17
primeiro a ser observado após a Segunda Guerra Mundial, as condições de apoio logístico que
as Forças Armadas dos EUA podiam oferecer eram bem diferentes
Será que somente a observação de um eclipse total do Sol tinha força para tirar físicos
do primeiro escalão de instituições dos EUA, com históricos de envolvimento com
desenvolvimento de armamentos de destruição em massa, de seus escritórios e fazer com que
eles, literalmente, se embrenhassem no meio do mato no Norte de Minas Gerais? Do mesmo
modo, é aceitável que somente a possibilidade de mensurações geodésicas feitas a partir do
eclipse anular de maio de 1948, de menos de um minuto de duração, mobilizasse uma multi-
expedição da National Geographic Society, com um gigantesco apoio logístico oferecido
pelas US Air Forces e pelo US Army, com sete bases de observação espalhadas por ilhas no
Oceano Pacífico? Recusei-me a tomar estes fatos como versões inquestionáveis.
Observações científicas de eclipses justificavam sim a organização e envio de
expedições. Ainda mais se levarmos em conta o papel decisivo que a pesquisa científica
desempenhou durante a Segunda Guerra. A questão é que em algumas ocasiões as
justificativas não foram apenas observar eclipses cientificamente. O processo histórico de
como estas observações ocorreram, como as expedições foram organizadas, os estudos
realizados e, principalmente, as intenções de uso dos dados obtidos revelam uma rede de
interesses; uma intersecção de projetos científicos, civis e militares orientados por diferentes
objetivos, onde somente a perspectiva científica vinha a público. Mas, quem eram estes
cientistas e militares envolvidos? Quais foram as instituições que fizeram parte das
observações de eclipses do Sol promovidas pela National Geographic Society? Como elas se
envolveram? O que elas queriam fazer com as informações conseguidas? Quais foram os
interesses que motivaram estas ações?
Em um primeiro momento, pode parecer, como pareceu a mim, uma ideia infundada
imaginar que estudos de eclipses do Sol pudessem contribuir para os esforços de guerra.
Desde o início deste trabalho eu me perguntava: como foram as relações entre os cientistas e
os militares dos EUA que deram apoio logístico às observações do eclipse em 1947? Neste
trabalho, tento responder a esta questão e a tantas outras que formulei ao longo do caminho.
18
1 Instituições norte americanas, cientistas e eclipses do Sol
O objetivo deste capítulo é analisar o processo histórico da parceria firmada entre a
National Geographic Society e o National Bureau of Standards para a observação de eclipses
totais do Sol nos anos 1930. Através de documentos produzidos pelo Diretor desta instituição
e pelo Presidente daquela, além de registros históricos dos principais sujeitos envolvidos,
analiso as relações institucionais e pessoais que revelam alguns interesses que motivaram a
constituição e envio de expedições científicas para a observação de eclipses do Sol pelos
órgãos em questão. As observações de eclipses solares feitas por observatórios astronômicos
norte americanos desde o século XIX foram importantes por terem ajudado, em certa medida,
a National Geographic Society e o National Bureau of Standards no que diz respeito a trocas
de informações e sobre o planejamento de suas missões. Assim, as próximas páginas são
dedicadas às relações sociais em torno das expedições da National Geographic Society e do
National Bureau of Standards.
***
1.1 Aspectos principais para observar um eclipse total solar
O planejamento de expedições para observação de eclipses solares passou por um
processo de profissionalização mais acentuado nos últimos 30 anos do século XIX. Levando-
se em conta que para observar um eclipse total do Sol, o observador tem que estar situado
dentro de um estreito cone formado pela sombra da Lua projetada na Terra, estas expedições
viajavam para os mais variados, distantes e isolados locais do mundo levando instrumentos
científicos com dimensões e pesos consideráveis. O planejamento é uma das principais etapas
para o alcance do sucesso das observações científicas de eclipses do Sol. A primeira
expedição científica organizada para estudar um eclipse solar na história cometeu um sério
erro nesta etapa. A expedição foi organizada pela, então recém-criada, Universidade de
Harvard1 para observar o eclipse total do Sol de 27 de outubro de 1780, quando os Estados
Confederados estavam em guerra contra a Inglaterra. Durante a ocorrência do eclipse, a
missão viu apenas o eclipse parcial do Sol, o que significa que ela não estava posicionada
dentro da faixa de totalidade. Até hoje não se sabe ao certo se houve um erro de cálculo dos
planejadores da missão ou se os mapas utilizados – feitos na Europa – continham
1 Em 1636 foi criado o Harvard College, que recebeu o nome de Harvard University em 1780.
19
imprecisões.2 O fato é que mesmo pequenas falhas na organização de missões desta natureza
podem arruinar todos os esforços realizados para sua constituição. Alex Soojung-Kim Pang
analisou, em parte de seu trabalho, as organizações de expedições científicas inglesas para a
observação de eclipses totais do Sol com o suporte da Royal Astronomical Society e Royal
Society nas últimas décadas do século XIX. Há três aspectos que Pang considerou essenciais
para o planejamento destas missões.3
O primeiro correspondia à fase de apresentação de propostas de financiamento ao
governo. Nesta fase, os responsáveis pela organização tinham que justificar a constituição da
missão e apresentar um orçamento aceitável, na esperança de sua aprovação. O que era
ligeiramente diferente das expedições financiadas pela National Geographic Society (NGS),
já que se trata de uma instituição privada, e as justificativas para a aceitação de uma proposta
passam por interesses diferentes. Havia, ainda, a necessidade de negociações que cuidassem
da legalidade da entrada dos cientistas e dos seus instrumentos nos países em que o eclipse
total ia ser visível, o que era uma característica comum a expedições organizadas por
instituições de qualquer país. Estas negociações nem sempre foram favoráveis aos cientistas,
pois eclipses totais do Sol ocorrem em tempos de paz ou de guerra, em períodos de
estabilidade política ou de convulsões sociais. Estas situações, de maneira inevitável,
condicionam os rumos dos acontecimentos em torno das observações do fenômeno e podem
produzir registros que permitem aos historiadores um olhar mais voltado às relações sociais
travadas por estas expedições astronômicas.4
O segundo aspecto, assinalado por Pang, envolvia a organização logística da
expedição. Nesta etapa, ocorriam as escolhas dos meios de transporte do equipamento
científico – levando-se em conta as rotas existentes –, e a análise dos possíveis locais de
observação, tendo como base os locais em que o eclipse ia ser total, que eram previstos
antecipadamente através de cálculos de mecânica celeste. Com estas informações em mãos, os
organizadores das missões consideravam os históricos das condições meteorológicas dos
locais cogitados como destino, suas condições de acomodações, a disponibilidade de mão de
2 Ver: STEEL, Duncan. Eclipse: The celestial phenomenon that changed the course of History. Washington: The
Joseph Henry Press, 2001, pp. 174 – 195.; Ver também: BRUNIER, Serge. LUMINET, Jean Pierre. Glorious
Eclipse: Their past, present and future. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. Translated by Storm Dunlop, pp. 48 e 49. 3 Ver em particular: PANG, Alex Soojung–Kim. “Planning eclipse expeditions.” In: Empire and the Sun:
Victorian Solar Eclipse Expeditions. Stanford: Stanford University Press, 2002, pp. 11 – 48. 4 O caso do astrônomo francês Bernard Lyot, que morreu em plena missão astronômica para a observação do
eclipse total do Sol de fevereiro de 1952, que foi visível em um Egito mergulhado em uma guerra civil, ilustra
bem este ponto. Ver: GUILLERMIER, Pierre; KOUTCHMY, Serge. Total eclipses: science, observations, myths
and legends. New York: Springer, 1999, pp. 109 – 113.
20
obra existente, etc. Esta era a fase da organização em que os planejadores necessitavam da
ajuda dos órgãos locais e é uma das características que afirma a importância da cooperação
internacional na prática da Astronomia.
Por fim, havia as ações que consideravam os estudos a serem realizados, pensando no
interesse científico da época, nos instrumentos disponíveis para a realização de coletas de
dados, na técnica e na metodologia científica empregadas e nas estratégias de construção de
conhecimento elaboradas pelos cientistas, que podiam se deparar com imprevistos durante
suas observações. Esta fase dependia do poder de articulação dos planejadores e dos grupos
em que eles estavam inseridos. Muitas vezes, ocorria a situação de instrumentos serem
emprestados e expedições conjuntas serem organizadas como uma medida de conciliação de
interesses.
De uma forma geral, estes eram os passos tomadas por planejadores de expedições
científicas para observação de eclipses solares. As particularidades destas fases mudavam de
eclipse em eclipse e podem revelar aspectos históricos não perceptíveis a um primeiro olhar.
Os observatórios astronômicos norte americanos realizaram estas ações especificadas acima
um sem número de vezes desde o final do século XVIII. Em meados do século seguinte,
houve tentativas de criar algumas associações em Astronomia nos EUA. Mas, estas tentativas
foram repletas de conflitos entre astrônomos amadores e profissionais. Porém, o apoio
institucional para organizar expedições científicas para observar eclipses do Sol em condições
de contribuir para a construção de conhecimento pesou e, apesar de alguns astrônomos
amadores terem feito relevantes contribuições científicas ou financiando a construção de
observatórios, os astrônomos profissionais prevaleceram no jogo de poder para a organização
do grupo de Astronomia oficial nos EUA, a American Astronomical Society. 5
1.2 Observando o céu e construindo uma tradição
Recentemente, documentos relacionados a expedições astronômicas que observaram
eclipses solares têm servido como base para historiadores explorarem relações políticas,
militares e outras particularidades históricas relacionadas à prática científica.6 Ao tentar
entender as especificidades das expedições organizadas pela NGS em conjunto com o
National Bureau of Standards (NBS), encontrei um amplo leque de interesses das instituições
5 ROTHENBERG, Marc. “Organization and control: professionals and amateurs in American Astronomy, 1899
– 1918.” In: Social Studies of Science. London, Vol. 11, 305 – 325. 6 Ver: PANG, Alex Soojung–Kim. Empire and the Sun: Victorian Solar Eclipse Expeditions. Stanford: Stanford
University Press, 2002.; e: BARBOZA, Christina Helena da Motta. “Ciência e natureza nas expedições
astronômicas para o Brasil (1850 – 1920).” In: Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas.,
Belém V.5, nº2, pp. 273 – 294, Mai – Ago. 2010.
21
e cientistas que faziam parte destas missões. Desde o início, era evidente para mim que nas
expedições científicas para observação de eclipses do Sol que a NGS financiou, os cientistas
do NBS, devido à sua natureza institucional, ocupavam, na maioria das vezes, posições de
liderança e decisão. Frequentemente, estas expedições contavam com a participação de
astrônomos de diferentes observatórios dos EUA, que já estavam envolvidos em observações
de eclipses solares em anos anteriores.
A tradição norte americana em observar eclipses do Sol começou a ser construída ao
longo da segunda metade do século XIX, por expedições que eram organizadas por
observatórios como, por exemplo, o Harvard College Observatory, United States Naval
Observatory, Lick Observatory além das que o Coast and Geodetic Survey organizou. O
Harvard Observatory organizou a primeira expedição astronômica que se tem registro, para
observar o eclipse total do Sol de 1780, e C. A. Young – astrônomo com uma posição na
Universidade de Princeton –, compunha uma expedição do Harvard Observatory para
observar o eclipse de 1870, quando descobriu o flash spectrum.7 Já as observações de eclipses
do Sol feitas pelo Coast and Geodetic Survey em 1854, 1860, 1870 e 1871 tiveram ligações
com a expansão norte americana para o Oeste e a delimitação de novas fronteiras ao longo do
século XIX.8 Somente na ocorrência do eclipse total do Sol de 11 de janeiro de 1889 que é
possível observar o início de uma regularidade em observações, feitas pelo Lick Observatory.9
O banqueiro C. F. Croker financiou doze expedições científicas organizadas pelo Lick
Observatory para observações de eclipses do Sol entre 1889 e 1918 em várias partes do
mundo.10
Na segunda metade do século XIX, o interesse científico em observar eclipses do Sol
passou, se assim podemos chamar, por uma redescoberta. Astrônomos tiveram que dividir
espaço com físicos e químicos devido ao emprego do espectrógrafo, que possibilitava a
captura de feixes luminosos e a identificação dos elementos químicos que os constituem.
Muito desta redescoberta foi devido ao trabalho do químico R. Bunsen e do físico teórico G.
Kirchhoff. Eles perceberam que os gases produzidos por corpos celestes em alta temperatura
criam feixes de luz que, quando atravessam um prisma, geram espectros coloridos que
7 GINGERICH, Owen (ed.). Astrophysics and twentieth-century astronomy to 1950 – (The General History of
Astronomy; v.4 Part A). Cambridge: Cambridge University Press. 1984, pp. 122 e 123. 8 Ver: THEBERGE, Albert E. Coast Surveyors on the pioneer coast. Disponível em
http://www.lib.noaa.gov/noaainfo/heritage/coastandgeodeticsurvey/Coast_Surveyors_Mainsl_Haul.pdf Página
da Internet consultada em 10 de novembro de 2011. 9 MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of the Sun. New York: Greenwood Press, 1969, p. 119. 10 GINGERICH, Owen (ed.). (1984), op. cit., p. 128.
22
correspondem aos elementos químicos contidos no corpo celeste que emitiu a luz.11
Na
ocorrência de um eclipse do Sol, as diferentes camadas do Sol vão ficando visíveis conforme
o disco da Lua vai cobrindo o disco solar. Deste modo, é possível direcionar o espectrógrafo
para uma camada específica do Sol e estudar sua composição química. Com a análise dos
espectros, os eclipses do Sol deixaram de ser um fenômeno científico que permitia somente o
estudo da mecânica celeste e passou a oferecer oportunidades de saber que elementos da
natureza compõem os corpos celestes. K. Hufbauer afirmou que nestas circunstâncias é que a
chamada física solar começou ser desenhada como um campo de estudo na segunda metade
do século XIX. Após a invenção do espectrógrafo, os planejamentos de observações de
eclipses do Sol voltaram suas atenções à coroa solar, já relacionando seu formato ao ciclo de
manchas solares de onze anos (descoberto em 1843 por Heinrich Schwabe, um próspero
farmacêutico e astrônomo amador alemão), ao flash spectrum e à cromosfera solar, descoberta
a partir dos dados coletados nas observações do eclipse total do Sol de julho de 1860.12
A maioria dos observatórios dos EUA que organizou expedições para observar
eclipses do Sol no século XIX era privada. Contrastando com esta tendência, havia o US
Naval Observatory (USNO), que enviou expedições científicas para observar eclipses do Sol
no final do século XIX e em toda a primeira metade do século XX. Para a observação do
eclipse de 1900, o Naval Observatory concentrou atenções no estudo da coroa solar, no flash
spectrum e na radiação solar. Nos eclipses do Sol de 1901, 1905 e 1918 o USNO conseguiu
verba do Congresso dos EUA e organizou expedições que usavam navios de guerra da
Marinha norte americana para o transporte dos equipamentos. As expedições do Naval
Observatory tiveram a presença de astrônomos de outros observatórios em muitas
oportunidades, como Samuel Mitchell, do McCormick Observatory – vinculado à
Universidade de Virgínia –, e constantemente conseguiam instrumentos científicos de outras
instituições, como o Smithsonian Institute. É possível entender que o envolvimento dos
militares dos EUA na observação de eclipses solares ao final do século XIX ia além da
questão logística e de apoio às missões científicas. Havia uma clara intenção em coletar
informações sobre o movimento lunar e terrestre, visando uma melhor compreensão do tempo
de rotação da Terra e do posicionamento dos corpos celestes. Estas informações eram
importantes para a navegação marítima e para os sistemas de transporte de uma forma geral.
11 HERRMANN. Dieter B. “The origin of astrophysics.” In: The history of astronomy from Herschel to
Hertzsprung. Translated and revised by Kevin Krisciunas. London: Cambridge University Press, 1984, pp. 76 –
80. 12 Ver: HUFBAUER, Karl. Exploring the Sun – Solar science since Galileo. Baltimore: The Johns Hopkins
University Press, 1991. pp. 46 – 59.; Ver também: MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of the Sun. New York:
Greenwood Press, 1969, pp. 98 – 104.
23
Apesar de ser uma instituição científica, o USNO estava preso às atribuições de preparação e
publicação do Nautical Almanac e da American Ephemeris, e responsável pela manutenção do
tempo oficial no país. Estas atribuições utilitárias direcionavam os campos de pesquisa do
USNO e foram motivos de desentendimentos constantes entre astrônomos dos EUA, que
queriam utilizar os instrumentos científicos do USNO e sua verba pública para pesquisas
básicas, e militares da Marinha, mais inclinados ao conhecimento prático.13
Entre os eclipses do Sol que ocorreram nas duas primeiras décadas do século XX, o
eclipse solar de 1919 é o mais conhecido, por ter fornecido os primeiros dados que
corroboraram um ponto da Teoria Geral da Relatividade (TRG), de Albert Einstein. Em uma
perspectiva histórica, o trabalho de Matthew Stanley põe os esforços de organização da
expedição do astrônomo inglês A. S. Eddington unidos à sua crença nas ideias religiosas
difundidas pelos Quakers – principalmente a posição pacifista – e à necessidade de
cooperação internacional científica. Stanley entendeu que Eddington, tomado pelas doutrinas
dos Quakers, viu no teste da TRG, que podia ser feito no eclipse de 1919, a possibilidade de
aproximar duas as nações em conflito, (principalmente a Inglaterra e o Império Alemão)
através da cooperação científica.14
A situação de conflito armado como pano de fundo
histórico durante observações de eclipses solares voltou a acontecer nos anos 1940, como
veremos a diante. Por outro lado, a necessidade de cooperação internacional em pesquisas em
Astronomia era uma condição essencial, não apenas para a observação de eclipses solares,
mas, também, para outras investigações como a construção de grandes mapeamentos celestes.
O eclipse total do Sol de 24 de janeiro de 1925 foi visível na costa Leste dos EUA,
com sua faixa de totalidade estabelecendo limites entre a Cidade de Nova York e o Sul do
Estado de Massachusetts. Este eclipse foi observado pela maioria das instituições científicas
dos EUA que já estava envolvida nos trabalhos de observação dos fenômenos anteriores e
recebeu muita atenção por parte da imprensa e de populares. O eclipse de 1925 é importante
para o objetivo deste trabalho porque entre as expedições enviadas para observá-lo estava uma
organizada pelo NBS. Até onde sei, esta foi a primeira vez que o NBS enviou uma missão
científica para observar um eclipse total do Sol.15
13 GINGERICH, Owen (ed.). Astrophysics and twentieth-century astronomy to 1950 – (The General History of Astronomy; v.4 Part A). Cambridge: Cambridge University Press. 1984, pp. 124 – 127. 14 STANLEY, Matthew. “An expedition to heal the wound of war.” In: Isis. Vol. 94, 2003, pp. 57 – 89. 15 MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of the Sun. New York: Greenwood Press, 1969, p. 163.; Irvine Gardner
realizou observações deste eclipse, conforme informou a um funcionário da NGS. Ver: Memorandum from
Irvine Gardner to Mr. McFall Kerbey (NGS). May 19, 1937. In: Record Group (RG) 167 – Entry 44 – Division
520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. National Archives Records and Administration (NARA)/
College Park – Maryland (MD)/ United States (US).
24
Nos anos 1920, algumas instituições dos EUA estiveram envolvidas em observações
de eclipses do Sol a partir de aviões. Se estas observações tinham a vantagem de estar acima
das nuvens, e com isso evitar a má sorte de ter a visão do eclipse encoberta por um tempo
nublado, o equipamento para a obtenção de fotografias ainda não possuía uma boa adaptação
nos aeroplanos. Isso sem contar todas as dificuldades que a tripulação passava enfrentando
cockpits abertos, nos quais a influência da pressão atmosférica e o frio intenso, gerado por
altitudes de um pouco mais de 5 quilômetros acima do nível do mar, tornavam a simples ação
de tirar fotos em uma tarefa árdua.16
Via de regra, estas expedições tinham como objetivo
fotografar a coroa solar e a sombra da Lua projetada na superfície da Terra. Este último
objetivo era para tentar identificar o centro da sombra lunar para ajudar na realização de
correções teóricas sobre a real posição da Lua no espaço.
O capitão do Army Air Corps Albert Stevens esteve na expedição que envolveu 16
aviões da US Navy para observar o eclipse total do Sol de 10 de setembro de 1923, visível na
costa Oeste dos EUA e em boa parte do México. Apesar das fotografias que Stevens obteve
não terem sido de boa qualidade, o evento serviu para chamar atenção do público e mostrar a
possibilidade de realização de observações de eclipses a partir de aviões. Sete anos depois,
Stevens novamente se envolveu em observações de um eclipse solar, desta vez conseguindo
fotografias de qualidade da sombra da Lua sobre a Terra no eclipse de 21 de outubro de 1930.
Stevens, ainda, trabalhou em pareceria com a NGS em algumas ocasiões nos anos 1920, como
a que ele conseguiu o recorde de altitude atingida durante um voo em um avião, e no
lançamento de balões gigantes tripulados nos anos 1930.17
As condições históricas destes acontecimentos, dentre os quais se destacaram as
expedições do US Army Corps para observar eclipses solares – despertando o interesse do
público –, aliadas à já existente relação de amizade entre Gilbert Grosvenor (presidente da
NGS) e o capitão Stevens e à inclinação da Sociedade em publicar fotos relacionadas à
aviação,18
podem ter colaborado para que a NGS se interessasse em financiar expedições para
estudar eclipses do Sol nos anos seguintes. Nas observações do eclipse total do Sol de 31 de
agosto de 1932, Stevens fez excelentes fotos da sombra da Lua e da coroa solar e escreveu um
16 STEVENS, Albert W. “Photographing the eclipse of 1932 from the air.” In: National Geographic Magazine.
1932, November, pp. 581 – 596. 17 DOLCI, Wendy Whiting. Milestone in Airborne Astronomy – from the 1920s to the present. World Aviation
Congress, Anaheim, CA, October. 13 – 16, 1997, p. 1. Disponível em www.phys-
astro.sonoma.edu/.../LowRefs.html Acessado no dia 20 de julho de 2011. 18 DeVORKIN, David. Race to the stratosphere: manned scientific ballooning in America. Washington DC:
Smithsonian Institution, 1989, p. 133.
25
artigo publicado pela revista da NGS descrevendo a missão.19
Durante este mesmo eclipse,
Paul McNally liderou uma expedição do Georgetown College Observatory em conjunto com
a NGS, que se deslocou até o Estado de Maine nos EUA, para estudar a diminuição da luz
solar durante o eclipse e escreveu um artigo que explica a ocorrência do fenômeno,
fornecendo detalhes dos instrumentos usados e relatando as ações realizadas pelos cientistas
nos momentos de observação.20
Estas são algumas situações do início do envolvimento da NGS com observações de
eclipses do Sol. A NGS não deixou de financiar expedições de outra natureza ao mesmo
tempo em que se interessava por eclipses solares. Durante o financiamento de missões para
alcançar a estratosfera usando balões tripulados em 1934 e 1935, nas quais o Capitão Stevens
foi a figura central, o NBS providenciou o apoio científico fundamental. Lyman Briggs,
Diretor do NBS, foi uma das pessoas mais próximas a Stevens nos momentos de preparação –
e de depressão – do piloto, e uma das figuras centrais no planejamento das observações
científicas que iam ser realizadas durante o voo. Briggs ocupou a vaga no Comitê Executivo
da NGS, que era do antigo Diretor do NBS, Burgees, e ficou em uma posição privilegiada
para aconselhar os executivos da NGS sobre os projetos de pesquisa e exploração que a
Sociedade recebia. A posição de Briggs, tendo todo o corpo de cientistas do NBS como
suporte, deixava o Bureau cada vez mais próximo da NGS.
Como é possível perceber, durante as primeiras décadas do século XX, existiam
diferentes grupos de observadores e de instituições dos EUA interessados em realizar estudos
de eclipses do Sol. Havia grupos de astrônomos dos observatórios de Lick, Harvard College,
Georgetown, Mount Wilson, McCormick Observatory, entre outros, que tinham,
primordialmente, interesses voltados a investigações das condições naturais propiciadas pela
ocorrência do fenômeno e não se preocupavam com uma aplicação imediata de seus
resultados. As expedições sob a égide do Coast and Geodetic Survey e do Naval Observatory
tinham um caráter mais utilitário, que, aparentemente, era comum entre os objetivos dos
cientistas de instituições oficiais do governo dos EUA que estavam presentes em missões para
observações de eclipses. Obviamente que entre os grupos específicos de astrônomos de cada
um dos observatórios havia uma divisão de interesses científicos, que não tenho a intenção de
19 DOLCI, Wendy Whiting. Milestone in Airborne Astronomy – from the 1920s to the present. World Aviation
Congress, Anaheim, CA, October. 13 – 16, 1997. Disponível em www.phys-astro.sonoma.edu/.../LowRefs.html
Acessado no dia 20 de julho de 2011, p. 3., e: STEVENS, Albert W. “Photographing the eclipse of 1932 from
the air.” In: National Geographic Magazine. 1932, November, pp. 581 – 596. 20 McNALLY, Paul A. “Observing a total eclipse of the Sun: Dimming solar light for a few seconds entails years
of work for science and attracts throngs to ‘nature’ most magnificent spectacle.” In: National Geographic
Magazine. 1932, November, pp. 597 – 607.
26
aprofundar neste trabalho. Pelo lado dos militares ligados ao Naval Observatory, até aquele
momento, é clara a intenção de dar um uso prático ao conhecimento que podia ser gerado a
partir de observações de eclipses totais do Sol. Via de regra, os militares se envolviam nestas
observações para marcar os momentos dos quatro contatos dos eclipses totais do Sol e
conseguir dados que melhorassem o conhecimento geodésico através dos astros. Este último
objetivo era compartilhado, também, pelos investigadores do Coast and Geodetic Survey.
Outro ponto que emerge deste grupo de instituições norte americanas envolvidas em
observações de eclipses é a participação da NGS a partir do início da década de 1930. Esta
instituição tem uma tradição em financiar expedições científicas que responde a anseios
exploratórios e expansionistas norte americanos. Ao mesmo tempo, as expedições
astronômicas para observação de eclipses financiadas pela NGS geravam fotografias bem
atraentes visualmente, que despertavam o interesse do público. Os artigos na Revista da NGS
continham relatos das explorações científicas que punham a prática da ciência e o espírito
desbravador junto a valores e crenças do corpo editorial da Sociedade, que não podem ser
tomados fidedignamente como valores da sociedade norte americana da época. De uma forma
geral, a prática de observação de eclipses do Sol que surgiu no século XIX nos EUA foi
transformada em um produto cultural nas páginas da NGS.
Mas, o que atraía o National Bureau of Standards para organizar expedições para
observar eclipses do Sol? Tenho poucas informações sobre as expedições do NBS para
observar o eclipse do Sol antes da parceria com a NGS. No entanto, no eclipse total do Sol 24
de janeiro de 1925, Irvine Gardner, Chefe da seção de instrumentos óticos do NBS, realizou
fotografias da coroa solar, como também ocorreu no eclipse total do Sol de 31 de agosto de
1932.21
O NBS foi a primeira instituição em pesquisas físicas dos EUA e ostentava uma
posição de confiança dentro do Governo Federal por ser seu órgão científico oficial. A relação
entre o NBS e a NGS foi processual, e é a partir do entendimento deste processo, onde as
expedições que buscaram eclipses ocupam um lugar de destaque, que os motivadores desta
parceria se tornam visíveis.
As atividades científicas realizadas nos laboratórios do NBS nas décadas de 1930 e
1940 têm relações com os interesses desta instituição em observar eclipses do Sol e têm que
ser levadas em conta. O fato é que, na década de 1930, o NBS e a NGS começaram a
constituir e enviar missões para observações de eclipses totais do Sol visíveis em lugares
distantes do território dos EUA. Nos anos 1940, esta associação continuou e assumiu, em
21 Documento sem identificação. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 6, Folder: Releases and
correspondences. NARA/ College Park – MD/ US.
27
termos quantitativos, proporções maiores do que as testemunhadas nos anos 1930 e tinha
características que a diferenciou das anteriores. Mas, afinal, como este processo ocorreu e que
características são estas?
1.3 National Geographic Society e National Bureau of Standards: um pouco de História
Na década de 1930, ocorreu a aproximação entre o NBS e a NGS com o objetivo de
constituir expedições científicas para viajarem o mundo em busca de um melhor
conhecimento da natureza que nos cerca. Os enviados pela NGS exploravam locais não muito
bem conhecidos pelos norte americanos e escreviam artigos para a Revista da Sociedade sobre
suas pesquisas científicas e experiências de viagem. Neste período, as lentes dos fotógrafos da
NGS já eram usadas para a construção de uma ideia do mundo que eles observavam. O
significado do conjunto de fotos publicadas era elaborado, em última instância, pelos leitores
da Revista, mas a produção de cada número seguia a orientação editorial do grupo que tomava
as decisões pela Sociedade. Os cientistas do National Bureau of Standards também davam
atenção à natureza, mas buscando compreender sua estrutura e funcionamento.
Tanto as sedes do NBS e da NGS ficavam na grande região de Washington DC e a
circulação pelos mesmos meios sociais e eventos, organizados, principalmente, no Cosmos
Club,22
de pessoas com interesses em comum pode ter contribuído para a aproximação destas
instituições. A história da NGS contém elementos que a identificam como uma empreitada
familiar. A união das famílias Hubbard, Bell e Grosvenor, ao final do século XIX e início do
XX, através de matrimônios é o núcleo da Sociedade. O casamento de Alexander Graham
Bell com Mabel Gardiner Hubbard, filha de Gardiner Greene Hubbard, foi o ponto de partida
para que estes dois homens se aproximassem através da inventividade do primeiro e do
incentivo financeiro à pesquisa praticado pelo segundo.
A NGS foi fundada em janeiro de 1888 com o propósito de ser um espaço para trocas
de experiências culturais, científicas e geográficas entre os homens da elite tradicional de
Washington. O grupo fundador da Sociedade era composto por cientistas, empresários
proeminentes e políticos. Estes últimos, quando estavam envolvidos em missões oficiais
22 Cosmos Club é uma entidade civil formada em 1878, em Washington DC, por cientistas que desejavam um
espaço para a troca de conhecimento. Como já havia a definição de alguns campos de pesquisa específicos, o
Cosmos Club serviu como um espaço para seus membros criarem associações em áreas mais específicas, como
Chemical and Entomological Society, em 1884, a Geological Society of Washington, em 1893, e a National
Geographic Society, em 1888. Ver: FLACK, James Kirkpatrick. apud SCHULTEN, Susan. The geographical
imagination in America, 1880 – 1950. Chicago: University of Chicago, 2001, p. 47.
28
expansionistas, reportavam suas ações à NGS.23
Seus membros atuavam como colaboradores
para que os objetivos da NGS fossem alcançados e, por vezes, assumiam o papel de
palestrantes ou convidavam alguém para proferir palestras, que podiam gerar artigos sobre
suas apresentações. Estes artigos eram publicados com uma periodicidade irregular nos
primórdios da Sociedade e possuíam um caráter estritamente técnico, o que restringia o
público que se interessava pela Revista.
Após a morte de Hubbard, Bell assumiu a presidência da Sociedade em 1898. Bell
tinha a intenção de expandir a NGS a um nível nacional, em contraste ao caráter local que sua
instituição possuía àquela época. Para isto, na visão de Bell, era necessário que uma pessoa se
dedicasse integralmente à Revista da Sociedade, o que era particularmente difícil para Bell
realizar, tendo em vista que ele estava sempre muito envolvido com suas invenções e
atividades de criação paralelas à NGS. Nestas circunstâncias, Bell pede a Edwin Augustus
Grosvenor, professor de História, sócio da NGS e amigo dos Hubbard, que desse sua opinião
sobre o preenchimento do cargo de editor da Revista da NGS por um de seus dois filhos
gêmeos de 23 anos de idade. Após algumas trocas de correspondência, Gilbert Hovey
Grosvenor, que iniciava sua carreira como professor, se reuniu com Bell e aceitou o emprego
na NGS. Sob a orientação de Bell, Gilbert Grosvenor empreendeu profundas transformações
na Revista da Sociedade.
O novo editor adotou uma nova política de adesão à Sociedade, que passou a
funcionar por um sistema de indicação dos membros, e procurou simplificar a linguagem dos
artigos para que alcançassem um público maior. Entretanto, a grande inovação ocorreu por
acaso. A introdução das grandes fotografias na Revista da NGS aconteceu na edição de
janeiro de 1905. O responsável pela impressão da Revista informou a Grosvenor, em
dezembro de 1904, que havia uma lacuna no conteúdo da edição que estava no prelo, que
totalizava onze páginas. Diante de tal problema, e sem saber o que fazer, Grosvenor revirava
sua mesa quando encontrou um grande envelope que fora enviado como cortesia pela
Imperial Russian Geographical Society of St. Petersburg. O envelope continha fotos da
Capital do Tibet, Lhasa, que impactaram Gilbert. O editor da NGS resolveu o problema da
falta de conteúdo para a primeira edição de 1905 enviando estas fotos para impressão. O
sucesso inesperado desta atitude foi sentido por Grosvenor que foi constantemente
23 SCHULTEN, Susan. The Geographical Imagination in America, 1880 – 1950. Chicago: The University of
Chicago Press, 2001, pp. 53 – 57.
29
parabenizado pela publicação das fotografias ao encontrar associados da NGS pelas ruas de
DC.24
Segundo Susan Schulten, no primeiro terço do século XX, a fotografia se tornou uma
marca da Revista da NGS e deu forma a uma representação sobre as ações exploratórias dos
EUA através de missões científicas que salientavam as diferenças étnicas e culturais entre os
norte americanos e outras populações, tanto do Ocidente como do Oriente. A atuação da NGS,
em uma circunstância histórica de disseminação de ideias imperialistas norte americanas,
buscou legitimar junto à população dos EUA as ações de guerra então realizadas, da mesma
forma que ofereceu aos cientistas novas formas de servir aos interesses do Governo dos EUA.
Já sobre os anos 1930 e 1940, Schulten fez uma análise da emergência do mapa no cotidiano
do norte americano para acompanhar a movimentação militar que precedeu – e existiu durante
– a Segunda Guerra Mundial. Segundo Schulten, os mapas impressos pela NGS tiveram um
papel decisivo em algumas situações de combate, devido à sua fácil leitura e precisão. Nesta
perspectiva, os mapas baseados no modelo de Mercator dividiam o Oceano Pacífico e davam
uma ideia equivocada da extensão dos pólos terrestres.25
De uma forma geral, as expedições científicas financiadas pela NGS geraram
resultados que foram usados de formas diferentes. Entre as relações estabelecidas pela NGS,
que existiram em torno das expedições para observação de eclipses do Sol, havia as que
tinham um fundo científico, outras com uma conotação mercantil, e é possível perceber que
algumas tinham uma inclinação militar. Estas missões tiveram como fio condutor a produção
de artigos para a Revista da NGS, que se enquadravam em uma linha editorial que
privilegiava o “exótico” e o “lugar distante” na visão do homem norte americano médio, a
descoberta científica, a primazia na execução de ações diante de outros exploradores e o
relaxamento mental. Mas, a NGS não trabalhava sozinha enquanto instituição. Sua própria
origem em um espaço associativo (o Cosmo Club) pode ter deixado lições de como atuar em
relação a outras instituições, como será visto a diante.
Deixando a NGS momentaneamente de lado, uma visita à produção historiográfica
sobre o NBS revela que ele foi criado numa perspectiva histórica de expansão comercial, que
ocorreu em meados do século XIX, na qual alguns países tinham a preocupação de padronizar
medidas de comprimento, peso, volume etc. Apesar de, àquela época, os EUA já serem uma
24 A maior parte destas informações foi extraída de: POOLE, Robert M. Explorers House – National Geographic
and the world it made. New York: Penguin Press, 2004.; e BRYAN, C. The National Geographic Society – one
hundred years of adventure and discovery. New York: Abradale Press. 25 SCHULTEN, Susan. The Geographical Imagination in America, 1880 – 1950. Chicago: The University of
Chicago Press, 2001, pp. 204 – 214.
30
das grandes forças industriais mundiais – com base na máquina a vapor, nas ligações férreas e
nos crescentes avanços da eletrificação –, não havia um padrão de aferição para alguns
produtos que eram comercializados e nem para muitos equipamentos industriais básicos,
como, por exemplo, o tamanho dos parafusos usados na construção de ferrovias e as medidas
das entradas nos hidrantes para mangueiras contra incêndio. Até 1901, as atribuições
relacionadas à padronização de medidas nos EUA foram confiadas ao Office of Weights and
Measures, que fazia parte da estrutura do United States Coast and Geodetic Survey. O
crescimento da demanda por serviços de padronização de pesos e medidas levou o Governo
dos EUA a criar uma instituição voltada primordialmente a esta finalidade.26
Apesar de ter uma missão claramente definida, ao eclodir a Primeira Guerra Mundial,
o NBS realizou investigações de caráter militar sobre a qualidade do aço para navios de
guerra e sobre a padronização de munições.27
Por mais que o NBS não fosse um instituto
voltado oficialmente a questões de guerra, sua história mostra que o Governo Federal dos
EUA requisitou seus serviços nesta área em mais de uma oportunidade.28
Na verdade, o NBS
era a instituição responsável pela avaliação da possibilidade de se levar a diante ideias que
surgiam e que podiam ter a necessidade de investigações científicas de padronização que
incluíam a indústria de guerra.
Nos anos 1930, as investigações científicas em Física foram importantes para a
recuperação da economia dos EUA. Através da ênfase em pesquisas que contribuíram para o
desenvolvimento de materiais de construção, foi estabelecida uma ligação com a política de
incentivo à construção civil adotada pelo Governo. Em 1932, diante da morte do Diretor do
NBS, George K. Burgees, o físico Lyman James Briggs foi indicado pelo então Presidente dos
EUA, o republicano Herbert Hoover, ao cargo de Diretor do NBS. Lyman James Briggs (1874
– 1963) foi um cientista norte americano com formação interdisciplinar em Agronomia e
Física. Briggs serviu ao Governo dos EUA em diferentes órgãos por 49 anos, atuando em
pesquisas que interessavam às indústrias e às Forças Armadas. Briggs se aposentou em 1945
com uma indicação para o recém-criado cargo de Diretor emérito do NBS.29
Quando o
democrata Franklin Delano Roosevelt ganhou as eleições de 1932 e foi perguntado sobre o
fato de Briggs ser republicano, ele respondeu: I haven’t the slightest idea wheter Dr. Briggs is
26 “Weights and Measures Standards of the United States – a brief history.” NBS Special publication. Nº 447. 27 RG 167 – UD – Entry 2 – Scientific work – Office Files Briggs – Box 7, Folder: Photographs of Naval
Gunnery Exercise, NARA/ College Park – MD/ US.; Ver também: NIST at 100: foundations for progress.
Gaithersburg: NIST, 2000. Disponível em http://www.100.nist.gov/cent_toc.htm Acessado em 09/07/2010. 28
Em 1939 Lyman Briggs, Diretor do NBS, foi designado pelo Presidente Roosevelt para estudar a possibilidade
de liberação de energia a partir da fissão de um átomo de Urânio com vistas a produzir uma arma nuclear. 29 MYERS, Peter Briggs; SENGERS, Joahanna M. H. Lyman James Briggs (1874 – 1963) A Biographical
memoir. Washington, D.C.:The National Academy Press, 1999.
31
a Republican or a Democrat; all I know is that he is the best qualified man for the job.30
Após
este episódio, o nome de Briggs foi aprovado no Senado norte americano tanto por
democratas como por republicanos. Briggs sucedeu George K. Burgees na Diretoria do NBS
e, também, no Conselho Executivo da NGS, atravessando a depressão econômica e a Segunda
Guerra Mundial em posições institucionais que lhes eram favoráveis para conciliar os
interesses científicos do NBS aos da NGS.31
Briggs teve uma inclinação aos trabalhos práticos
e manuais, além de um grande envolvimento nas expedições financiadas pela NGS. Seu
laboratório supervisionou o desenho e a construção de muitos instrumentos científicos
necessários a estas expedições, que ele pessoalmente liderou ou se envolveu de forma muito
próxima.32
Desta aproximação entre a NGS e o NBS, é possível perceber que, por um lado,
havia um periódico que realizava reportagens pelo mundo sobre explorações e descobertas
científicas em diversos campos, e, por outro, que existia uma instituição científica que se
empenhava, desde sua criação, à realização de pesquisas voltadas aos interesses do Governo
dos EUA. O lema da NGS, The world and all that is in it,33
combina perfeitamente com os
anseios investigativos de uma instituição de pesquisa em Física.
O NBS e a NGS enviaram as chamadas National Geographic – Bureau eclipse
expeditions, compostas por jornalistas, cientistas, câmeras fotográficas e instrumentos de
pesquisa, para observar os eclipses totais do Sol de 1936, 1937, 1940 e 1947. O eclipse de
1937 teve o apoio da Marinha dos EUA, e se encaixou em uma já tradicional ação de oferta de
apoio logístico a expedições deste tipo. Na década de 1930, a United States Army Air Force se
envolveu no apoio a algumas expedições científicas também financiadas pela NGS, como a
que teve a finalidade de estudar a estratosfera terrestre através do lançamento de balões
gigantes.34
Com a participação da United States Army Air Force na oferta de apoio logístico à
expedição da NGS para estudar o eclipse de 1947, houve, pela primeira vez, a inserção de um
apoio aéreo a uma missão científica para a observação de um eclipse solar.35
O que fica
30 Eu não tenho a menor ideia se o Dr. Briggs é republicano ou democrata; tudo que sei é que ele é homem mais
qualificado para o trabalho. Ver: BRODE, Wallace R. “Lyman J. Briggs: Recognition of his eightieth birthday,
May 7, 1954.” In: The Scientific Monthly, 1954, May, pp. 270, tradução nossa. 31 Ver: DeVORKIN, David. Race to the stratosphere: manned scientific ballooning in America. Washington DC:
Smithsonian Institution, 1989, p. 141. 32 COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards.
Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, pp. 355 – 357. Lyman Briggs liderou pessoalmente a expedição científica da NGS que veio ao Brasil observar o eclipse total do Sol de maio de 1947. 33 O mundo e tudo que há nele. Ver: POOLE, Robert M. Explorers House – National Geographic and the world
it made. New York: Penguin Press, 2004, p. 6, tradução nossa. 34
BRIGGS, Lyman. “Laboratories in the stratosphere.” The Scientific Monthly, 1935, April, pp. 295 – 306.; Ver
também: DeVORKIN, David. (1989), op. cit. 35 COLTON, F. Barrows. “Eclipse Hunting in Brazil´s Ranchland.” In: National Geographic Magazine. 1947,
Sept, p. 286.
32
evidente a partir destas situações de apoio logístico é a participação constante de militares em
expedições científicas organizadas pela NGS. O que não é tão evidente são as particularidades
em que estas participações foram estabelecidas.
As expedições com a participação da NGS e do NBS nos anos 1930 e 1940 salientam
um interesse em uma melhor compreensão das camadas mais altas da atmosfera, que operam
largos efeitos sobre a rádio comunicação e estão diretamente ligados às transmissões de longa
distância. Investigações neste campo revelam uma perspectiva militar envolvida. Os aspectos
dos condicionamentos históricos no período entre guerras até o pós-Segunda Guerra Mundial
aparecem entre a documentação e leituras sobre o tema, às vezes, de forma visível e, por
outras, de forma não tão evidente.
1.4 A Sociedade e o Bureau: parcerias científicas e o mundo à beira da Guerra nos anos
1930
Um dos mais bem conhecidos experimentos científicos feitos em tempos modernos foi
o teste da Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein. Durante o eclipse total do Sol de
1919, visível no Brasil, os astrônomos ingleses Charles Davidson e Andrew Crommelin
fizeram os primeiros registros que mostraram a estrutura curva do Universo nas redondezas de
corpos sólidos. Davidson e Crommelin capturaram luzes emitidas por estrelas que revelaram
um trajeto curvilíneo ao passar nas proximidades do Sol eclipsado pela Lua. É importante
salientar que Einstein pensou este experimento de acordo com suas necessidades, o que
implica assumir um uso científico do fenômeno natural relacionado a um interesse específico.
Estas observações comprovaram um ponto da Teoria da Relatividade Geral e estabeleceram
para o público o uso de eclipses totais do Sol a favor da construção do conhecimento
científico.
Todavia, existem muitos experimentos diferentes que podem ser feitos na ocasião de
um eclipse solar, como será visto no segundo capítulo deste trabalho. Tanto na ocorrência de
eclipses anteriores bem como na ocasião de eclipses posteriores ao de 1919, os cientistas
envolvidos realizaram investigações distintas. Nos eclipses ocorridos na década de 1930,
algumas instituições nos EUA organizaram expedições astronômicas e as enviaram a lugares
de difícil acesso ao redor do mundo. A utilização de diferentes emulsões fotográficas para a
obtenção de fotos mais nítidas da coroa solar e o uso de espectrógrafos para o estudo da
composição química das camadas do Sol eram os interesses mais constantes entre as
expedições que observavam eclipses do Sol nesta época. Outro campo de estudo que
começava a atrair a atenção dos cientistas envolvidos em expedições para observar eclipses do
33
Sol era o estudo da ionosfera terrestre, que, desde os anos 1910, tinha um alto grau de
importância no meio científico norte americano. Uma intersecção de motivos explica o porque
da importância dada ao estudo da ionosfera. Entre estes motivos, há o interesse industrial e
das companhias de rádio transmissão, mas vou concentrar atenções na perspectiva militar.
O uso do rádio estava sendo estudado nos EUA por Louis Austin, no NBS, desde
1908. Austin investigava a aplicação do telégrafo para a Marinha dos EUA e liderou o US
Naval Radiotelegraph Laboratory, instalado nos prédios do NBS, até 1932. No mesmo
período, E. Cramm, engenheiro do US Army Signal Services, também ocupou espaço nas
instalações do NBS, estudando aplicações militares dos sinais de rádio.36
No fim dos anos
1910, os cientistas do NBS sabiam que os sinais de rádio podiam ser transmitidos e recebidos,
mas eles ainda não entendiam como este fenômeno era possível.37
Mesmo assim, o
treinamento do pessoal envolvido com as operações de emissão e recepção de rádio sinais foi
reconhecido oficialmente como necessário à navegação marítima. Conferências que
determinaram as frequências a serem usadas pelas agências e órgãos oficiais do governo dos
EUA e a criação de uma lei que obrigava a existência de rádio transmissor em navios que
transitavam por águas norte americanas ocorreram nesta época.38
Ao longo dos anos 1920, houve um crescimento do número de investigações da
capacidade de reflexão de ondas de rádio pela ionosfera terrestre. Como o campo de estudo
ainda estava em construção, os pesquisadores envolvidos buscavam parâmetros
investigativos.39
Por volta do fim da década de 1920, início dos anos 1930, é que a ligação
entre a ionosfera e estudos de eclipses solares começou a ser explorada por expedições
científicas norte americanas. Neste período, físicos solares acreditavam que a camada de
ozônio (O3) era a responsável por impedir que a maior parte dos raios ultravioletas alcançasse
a superfície da terra, o que despertou o interesse nas relações entre o Sol e as altas camadas da
atmosfera.40
Cientistas dos EUA e da Inglaterra realizaram testes através de rádio sondas e
descobriram que em altas altitudes a atmosfera possui diferentes quantidades de ionização. O
36 COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards.
Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, p. 140. 37 DELLINGER, Howard. “Bureau of Standards’ radio work.” The Federal Employee, 4, pp. 531 – 533. In: RG
167 – NC – 76 Entry 75 – Records of H. Dellinger – Box 8, Folder: Dellinger Lectures 1918 – 1924, NARA/
College Park – MD/ US. 38 COCHRANE, Rexmond C. (1974), op. cit., p. 142. 39 Sidney Chapman publicou um artigo em 1931 no qual são descritos os processos de ionização nas altas
camadas da ionosfera. Este artigo foi tomado como o modelo a ser seguido. Ver: GILLMOR, Stewart. “Early
studies of the ionosphere.” In: HANLE, Paul A. CHAMBERLAIN, Von Del. Space comes of Age – Perspectives
in the History of the Space Sciences. Washington: National Air and Space Museum. 1981, p. 106. 40 HUFBAUER, Karl. Exploring the Sun – Solar science since Galileo. Baltimore: The Johns Hopkins
University Press, 1991, p. 123.
34
fato de não haver um conhecimento preciso naquele tempo, nem sobre os elementos que
compunham a ionosfera, nem do espectro solar que dava origem aos elétrons livres naquela
região, deram espaço a diversas teorias sobre o que de fato ocorria. Entre os cientistas que
participaram destas discussões, E. O. Hulburt, do Naval Observatory, ocupou um papel
central em meados dos anos 1930.41
Em 1935, por diversas vezes, ocorreram interrupções por longos períodos (por dias,
em algumas situações) nas transmissões de rádio, que não tinham suas causas totalmente
conhecidas pelos cientistas. Imediatamente, foram levantadas questões sobre o perigo que
seria se estas falhas de comunicação acontecessem em situações de emergência ou de guerra.
Howard Dellinger, Chefe do Setor de Rádio do NBS, conduziu investigações sobre o
fenômeno da interrupção das transmissões de rádio, desde os anos 1910 até meados de 1950, e
afirmou que ele estava relacionado à emissão de diferentes descargas de energia solar que
alteravam as condições elétricas da ionosfera.42
De fato, as investigações científicas
ionosféricas recebiam bastante atenção e os pesquisadores identificaram que havia a
necessidade de novos instrumentos que ajudassem em seu trabalho. T. R. Gillialand – do
Setor de Rádio do NBS – desenvolveu o primeiro equipamento que enviava sinais de rádio em
diferentes frequências automaticamente. Era o chamado Automatic multifrequency ionosphere
sounder. Este aparelho permitia que Gillialand enviasse pulsos de rádio em diferentes
frequências de forma automática e o provia com os resultados sobre os pulsos/frequências
refletidos com horários e períodos do ano determinados. A reflexão de uma dada frequência
variava de acordo com a concentração de elétrons livres na atmosfera, que se relacionava com
os diferentes graus de absorção do espectro solar pela atmosfera, que alterava de acordo com
a altitude. Logo, existiam diferentes trabalhos a ser feitos para que as condições de reflexão
das ondas de rádio na ionosfera fossem bem entendidas. O estudo da ionosfera era tão
41 DeVORKIN, David. Science with a vengeance: how the military created the US space sciences after World
War II. New York: Springer – Verlag, 1992, p. 12. 42 Diversos documentos em: RG 167, NC – 76 Entry 75 Records of H. Dellinger - Box 8, Folder: JHD lectures.
NARA/ College Park – MD/ US. Dellinger tinha razão. Mas, experimentos conduzidos no International Geophysical Year de 1956-1957, através de lançamentos de foguetes, identificaram que apenas a energia contida
no raio-X, emitido pelas explosões solares, seria suficiente para impedir os processos químicos que originam
íons na alta atmosfera. Diferente do que se pensava por volta dos anos 1930 e 1940, os raios ultravioletas não são
os responsáveis pela causa do fadeout (eles não tem energia suficiente para isto), mas, sim, os raios-X. Ver:
FRIEDMAN, Herbert. “Rocket Astronomy – an overview.” In: HANLE, Paul A. CHAMBERLAIN, Von Del.
Space comes of Age – Perspectives in the History of the Space Sciences. Washington: National Air and Space
Museum. 1981, p. 39.
35
importante no período aqui analisado que um mês após o ataque japonês a Pearl Harbor as
publicações do NBS sobre o assunto foram postas em sigilo.43
Em um documento com data de 19 de abril de 1946, Briggs fez um balanço dos
principais trabalhos realizados pelo NBS relacionados à Segunda Guerra Mundial. De acordo
com Briggs, no início desta Guerra, as transmissões de rádio, com uma qualidade aceitável,
sobre os oceanos eram quase impossíveis. Ele colocou luz sobre o problema, afirmando que o
uso de muitas frequências de rádio em horas específicas entre os aviões – voando em
diferentes longitudes e latitudes e, principalmente, sobre os oceanos – e suas bases em solo
não tinham grande eficiência. As investigações conduzidas pelo NBS resolveram o problema.
Briggs afirmou que o ataque a Pearl Harbor colaborou para que o NBS fosse transformado em
uma zona proibida e pusesse cerca de 90% do seu pessoal a serviço dos trabalhos relacionados
à defesa nacional.44
A circulação de resultados de pesquisa ainda não sofria restrições no início dos anos
1930 e o interesse no estudo da ionosfera que ocorria nos EUA também pôde ser observado
em outros países. Nas décadas de 1920 e de 1930, pesquisadores alemães que giravam em
torno do físico solar Karl-Otto Kiepenhauer desenvolveram pesquisas voltadas à influência da
atividade solar nas altas camadas da atmosfera. As observações da atividade solar feitas por
este grupo de pesquisadores alemães geraram relatórios que chegaram ao conhecimento de
físicos solares dos EUA após a Segunda Guerra Mundial. Estes documentos revelaram que
desde antes da eclosão da Segunda Guerra havia um grupo de cientistas na Alemanha com
interesse em estudar a ionosfera terrestre, ligando seus resultados à rádio transmissão e ao
rádio controle de foguetes, que era desenvolvido em um projeto a parte.
O astrônomo norte americano Donald Menzel, que havia proposto que a coroa solar
tem uma temperatura mais elevada do que a superfície do Sol – usando dados coletados no
eclipse de agosto de 1932 –,45
fundara, em 1940, o Harvard’s High Altitude Observatory, em
Clímax, Colorado (EUA),46
e monitorava a atividade solar com a intenção de coligir dados
43 COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards.
Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, p. 351. 44 The war work of the National Bureau of Standards. By L. Briggs. In: RG 167 – UD – Entry 2 – Scientific
work – Office Files Briggs – Box 6, Folder: The war work of the National Bureau of Standards. NARA/ College Park – MD/ US. 45 LITTMANN, Mark; WILLCOX, Ken; ESPENAK, Fred. Totality: eclipses of the Sun. New York: Oxford
University Press, 1999, p. 236. 46
Menzel foi um químico que recebeu treinamento em Astronomia e Física durante seus estudos de
doutoramento. Seus interesses e sua rede de contatos o habilitaram a conseguir suporte financeiro para a
construção do Harvard’s High Altitude Observatory com a companhia de produtos químicos Clímax
Molybdenum Company. Ver: DeVORKIN, David. “Menzel, Donald Howard.” Complete Dictionary of Scientific
36
que acusassem com alguma antecedência distúrbios na ionosfera, do mesmo modo que Karl-
Otto Kiepenhauer e Johannes N. Plendl fizeram na Alemanha no mesmo período.47
A busca
pelo entendimento da influência da cromosfera e da coroa solar sobre a ionosfera, e seus
efeitos sobre a rádio comunicação, por parte de países que potencialmente iam se envolver no
conflito que tomava forma, criou uma dificuldade para que estes resultados circulassem entre
a comunidade científica mundial. Isto acabou gerando uma lacuna de dados, conforme foi
discutido em uma Assembleia da International Astronomical Union (IAU) no pós-Segunda
Guerra:
Diverse effects of the war on study of the Sun’s outer layers emerged from
discussions in Commission 11. On the one hand the well-nigh complete pre-war
surveillance of the chromosphere by spectrohelioscopes distributed in many
longitudes was seriously hindered, and only recently has the watch attained its
former level of completeness. On the other hand, coronal observations were pursued
with vigour by the belligerents [countries] in the hope that they would lead to
increased knowledge of ionospheric radio communication.48
Ou seja, havia grupos de cientistas que realizavam pesquisas para gerar resultados
sobre as condições de reflexão da ionosfera terrestre, desde os anos 1930, em ao menos dois
dos principais países beligerantes na Segunda Guerra Mundial. Estes resultados eram
interessantes para as Forças militares de seus países e as circunstâncias históricas dos anos
1930 ajudaram a limitar sua livre circulação. Veremos a diante que, alguns anos antes deste
período de restrição de circulação de informações, pesquisadores dos EUA, interessados em
Biography. 2008. Encyclopedia.com. Disponível em http://www.encyclopedia.com Página da Internet consultada
em 01 de Março de 2011. 47 DeVORKIN, David. Science with a vengeance: how the military created the US space sciences after World
War II. New York: Springer – Verlag, 1992, p. 51. 48 Diversas consequências da guerra, sobre o estudo das camadas externas do Sol, surgiram das discussões na
Comissão 11. Por um lado, o completo acompanhamento da cromosfera no pré-guerra, feito com
espectrohelioscópios distribuídos por várias longitudes, foi seriamente prejudicado e só recentemente as
observações atingiram seu nível anterior de abrangência. Por outro lado, observações da coroa foram realizadas com vigor pelos [países] beligerantes na esperança que elas levassem a um melhor conhecimento sobre a rádio
comunicação ionosférica. Ver: The Observatory. The International Astronomical Union - Seventh General
Assembly at Zurich, 1948, August 11 – 18. Vol. 68, October 1948, Nº 846, p. 164, tradução nossa. Antes da
assembleia da International Astronomical Union (IAU) em 1948, houve uma assembleia da IAU em 13 de junho
de 1946, em Copenhagen, Dinamarca, mas com poucos participantes devido aos custos de viagem e à recente
situação se conflito na Europa. Ver: BLAAUW, Adrian. History of the IAU: birth and first half century of the
International Astronomical Union. Kluwer, 1994, p. 141.
37
questões de rádio transmissão, começaram a realizar alguns experimentos relacionando a
ionosfera terrestre à ocorrência de eclipses do Sol.49
Nos anos 1930, ocorreram sete eclipses totais do Sol. A NGS trabalhou em conjunto
com o NBS para formar expedições para a observação científica de dois deles, em 1936 e em
1937. Mas, antes desta parceria ser firmada, o NBS enviou expedicionários para observar os
eclipses totais do Sol de 24 de janeiro de 1925 e o de 31 de agosto de 1932. Irvine Gardner,
observou os dois fenômenos.50
O eclipse total do Sol de 31 de agosto de 1932 foi uma ótima
oportunidade para que muitos observatórios dos EUA fizessem alguma observação, pois sua
faixa de totalidade ia passar pelo Norte da costa Leste dos EUA. Entre as várias expedições,
além da já citada missão do Capitão Stevens, as do Warner and Swasey Observatory e os
professores S. Chapman, do Imperial College of Science, e E. Appleton, do King’s College,
iam realizar observações do comportamento da ionosfera terrestre durante a ocorrência do
fenômeno,51
da mesma forma que um grupo de cientistas do NBS havia planejado. Deste
grupo, T. R. Gillialand foi enviado ao Estado de Nova Escócia (EUA) e emitiu sinas de rádio
para testar algumas frequências nas camadas “E” e “F” em comparação com os dias
posteriores e anteriores ao eclipse. Outra parte do grupo ficou nas instalações do NBS em
Washington DC, com Howard Dellinger liderando os trabalhos.52
Portanto, antes do NBS
firmar uma parceria investigativa com a NGS para observar eclipses solares, a ligação entre a
rádio transmissão e eclipses do Sol já estava estabelecida.
Já a expedição para as observações do eclipse total do Sol de 19 de junho de 1936,
visível em boa parte ao Sul do território russo, foi liderada por Irvine Gardner53
e o principal
objetivo era a obtenção de fotografias da coroa solar, normalmente invisível devido ao grande
brilho emitido pelo Sol. O plano de observação da expedição da NBS era diferente do da
49 O desdobramento destas relações gerou, nos anos 1940, um crescente interesse em estudar a ionosfera usando
metodologias anteriormente impossíveis, como, por exemplo, o lançamento de foguetes a grandes altitudes
carregados com equipamentos de medição de condições de temperatura e pressão (por vezes, carregados com
espectrógrafos adaptados), inclusive durante a ocorrência de eclipses do Sol. Ver: ZIRKER, J. B. Total eclipse of
the Sun. New Jersey: Princeton Press, 1995, pp. 144 – 147.; e: DeVORKIN, David. Science with a vengeance:
how the military created the US space sciences after World War II. New York: Springer – Verlag, 1992. 50 Document from Irvine Gardner to Mr. McFall Kerbey (NGS). May 19, 1937. In: RG 167 – Entry 44 –
Division 520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. 51 Science News Letter – Eclipse of Sun edition. Edited by Watson Davis. Vol. XXII, Nº 590, July 30, 1932, p.
75. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 6, Folder: Eclipse 1932. NARA/ College Park – MD/
US. 52 Science News Letter. Edited by Watson Davis. August 20, 1932, p. 117. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520
I. Gardner – Box 6, Folder: Eclipse 1932. NARA/ College Park – MD/ US. 53 Gardner entrou para o corpo de cientistas do NBS em 1922, após realizar seus estudos na Universidade de
Harvard e na De Pauw University. Ele passou pelos quadros do Exército dos EUA, durante a Primeira Grande
Guerra, onde trabalhou no desenho e construção de instrumentos óticos para sua utilização em armamentos. Ver:
Documento sem identificação. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 6, Folder: Releases and
correspondences. NARA/ College Park – MD/ US.
38
expedição conjunta do Harvard-Massachusetts Institute of Technology, liderada por D.
Menzel, que, na ocorrência do eclipse total de 1936, instalou sua base de observação no
mesmo local que a missão da NGS-NBS. Menzel pretendia coletar dados sobre o flash
spectrum usando um equipamento que ele desenvolvera com a equipe de físicos do
Massachusetts Institute of Technology. Além disso, ele convidou uma equipe de rádio físicos
do Cruft Physics Laboratory para examinar os efeitos do eclipse sobre a ionosfera.54
David
DeVorkin sustentou que Menzel [...] was the first astrophysicist to collect optical and radio
phenomena to explore how solar activity controlled the Earth’s ionosphere.55
Apesar das observações realizadas pela expedição da NGS-NBS em 1936 serem
distintas das feitas pela missão do Harvard-Massachusetts Institute of Technology, as áreas
pesquisadas estão ligadas e sofrem influências uma das outras. Estes planos de observações
revelam interesses específicos distintos de expedições norte americanas na ocorrência do
eclipse de 1936. Apesar do NBS ter interesse nas condições de rádio transmissão desde a
década de 1900, o eclipse de 1936 não foi utilizado para estudá-la. Esta lacuna no plano de
observações do NBS chama atenção, levando-se em conta que, além do NBS ter realizado
testes de rádio reflexão em várias frequências durante o eclipse de 1932, praticamente todos
os artigos publicados por Harold Dellinger de 1930 a 1940 tratam a ionosfera e suas relações
com a rádio transmissão.56
O plano de investigação da expedição do NBS para o eclipse de
1936 tem que ser entendido na perspectiva de uma associação com a NGS, que,
aparentemente, tinha mais interesse nas imagens que um eclipse podia gerar (e que poderiam
ser publicadas) do que em investigações de rádio transmissão.
Voltando ao sigilo de circulação que foi imposto sobre as publicações que tratavam a
ionosfera em 1941, Dellinger registrou que:
In recent past years there was only one confidential project in the Radio Section; [...]
Since the beginning of the national emergency this fiscal year a number of additional
confidential projects, all for national defense, were handled. These were in most the
cases for the National Defense Research Committee and the Navy.57
54 GARDNER, Irvine. “Observing an eclipse in Asiatic Russia.” In: National Geographic Magazine. 1937,
February, pp. 184 e 193. 55 [...] foi o primeiro astrofísico a coletar fenômenos óticos e de rádio para investigar como a atividade solar tem controlado a ionosfera terrestre. Ver: DeVORKIN, David. “Menzel, Donald Howard.” Complete Dictionary of
Scientific Biography. 2008. Encyclopedia.com. Disponível em http://www.encyclopedia.com Página da Internet
consultada em 01 de Março de 2011, tradução nossa. 56
A lista dos artigos publicados por H. Dellinger pode ser encontrada em: RG 167 – NC – 76 Entry 75 – Records
of H. Dellinger – Box 7, Sem folder *papeis avulsos. NARA/ College Park – MD/ US. 57 Nos últimos anos, havia apenas um projeto confidencial na Seção de Rádio; [...] Desde o início da emergência
nacional neste ano fiscal, um número extra de projetos confidenciais, todos para a defesa nacional, foram
39
Após listar os projetos conduzidos pelo NBS e a forma que eles circulariam pelas
instituições autorizadas a recebê-los, Dellinger especificou os nomes dos cientistas da seção
que comandava que estavam envolvidos nestas investigações. Ao menos um deles, T. R.
Gillialand, aparece, também, na realização de testes de rádio no eclipse do Sol em 1932.
Como Dellinger e nenhum cientista de sua seção participou das expedições para a observação
dos eclipses de 1936 e 1937,58
o interesse científico de Gardner era o único a justificar o
financiamento da NGS.
Para as observações do eclipse total do Sol de 08 de junho de 1937, a NGS compôs
uma expedição com astrônomos de vários observatórios dos EUA,59
que planejaram analisar
diferentes elementos da composição química do Sol e analisar seu comportamento, bem como
registrar fotografias da coroa solar. Ou seja, era uma expedição científica que possuía
diferentes experimentos a serem realizados. Irvine Gardner foi o principal cientista presente
do NBS e, como no eclipse de 1936, fez fotos da coroa solar. Para a realização das fotos no
eclipse de 1937, Gardner usou o mesmo telescópio construído pelo NBS para as observações
do eclipse de 1936, mas com algumas alterações nas placas que registram a imagem no
telescópio, e supervisionou toda a montagem do equipamento.60
Ao longo da organização
desta expedição, Briggs e Gardner entraram em contato várias vezes com membros da
Eastman Kodak Company para acompanhar o desenvolvimento do novo filme para a captura
de fotos em cores da coroa solar e para que fossem entregues em um tempo hábil dentro da
logística da missão.61
Todos os custos desta expedição ficaram a cargo da NGS, que também se preocupou
em fazer uma apólice de seguro de vida para seus integrantes e uma outra que cobria possíveis
realizados. Estes foram na maioria dos casos para o National Defense Research Committee e para a Marinha.
Ver: Confidential supplement – Fiscal year 1941. In: RG 167, NC – 76 Entry 75 – Records of J. Howard
Dellinger – Miscellaneous papers, 1875-1962 – Box 10, Folder: Annual Reports IG 1939 – 1943. NARA/
College Park – MD/ US, tradução nossa. 58 Existem menções a experiências ionosféricas feitas no eclipse de 1937 que não dizem quem as realizou e como
foram feitas em: MITCHELL, Samuel Alfred. “Nature’s most dramatic spectacle.” In: National Geographic
Magazine. 1937, September, p. 363.; e: Memorandum from Lyman Briggs to Colonel Johnson. November 13,
1939. RG 167, NC – 76 Entry 52 - Box 64, Folder: IPO – 878-C 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US. 59 A expedição foi formada por membros do Georgetown Observatory, Mount Wilson Observatory, US Naval
Observatory, Foundation for Astrophysical Research, Cornell University além de membros do NBS, da NGS, da
National Broadcast Company (NBC) e da Marinha dos EUA. 60
Memorandum from Irvine Gardner to S. Mitchell. February 02, 1937. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I.
Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. 61 Vários ofícios em: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/
College Park – MD/ US.
40
avarias no equipamento.62
As preocupações da NGS também diziam respeito às demandas
publicitárias que existiam. Thomas McKnew solicitou uma fotografia recente de Gardner,
para usá-la na divulgação da expedição e lhe enviou o planejamento das transmissões de rádio
que iam ser feitas pela NBC, direto da Ilha de Endenbury.63
Nestas transmissões, Gardner
deveria passar informações sobre os trabalhos da expedição para o grande público e, se
desejasse, enviar mensagens pessoais a seus familiares.64
O New York Times dedicou espaço à
expedição e seus objetivos, tratando, em especial, o interesse na coroa solar.65
Este interesse
que os jornais tinham nas notícias envolvendo as expedições financiadas pela NGS foi motivo
de algumas recomendações aos cientistas do NBS por parte dos executivos da Sociedade.
Quando Irvine Gardner ia chegar aos EUA pelo porto de Nova Iorque, provavelmente
jornalistas estariam esperando para entrevistá-lo. Caso Gardner concedesse entrevistas
detalhadas sobre sua expedição, a notícia em “primeira mão” não pertenceria mais à NGS. Em
23 de julho de 1936, o vice-presidente da Sociedade, John O. LaGorce, escreveu a Lyman
Briggs o seguinte:
I am re-stating a fact that you know very well with the idea that it might be advisable
to wireless Dr. Gardner, arriving on the [vessel] “Bremen” July 31 as we are advised
by your office, to sidestep the ship’s reporter who meet the liners at quarentine and
try to get stories from incoming passengers of importance which would be published
only in the New York papers, consequently [...] the story “breaks” locally [and]
becomes an old story and its news value lessened.66
62 Memorandum from Irvine Gardner to Thomas McKnew. March 11, 1937 e Memorandum from Thomas
McKnew to Irvine Gardner. March 18, 1937. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 1, Book
eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. A NGS também fez apólices de seguro para o
equipamento científico carregado pela gôndola do Explorer I e II, em 1934 e em 1935, nas missões para estudar a estratosfera terrestre que o Capitão Stevens comandou. Este seguro foi bastante útil, tendo em vista que durante
o voo de 1934 ocorreram problemas com o balão que resultaram em sua queda. Ver: DeVORKIN, David. Race
to the stratosphere: manned scientific ballooning in America. Washington DC: Smithsonian Institution, 1989,
pp. 188 e 189. 63 A base de observações da expedição da NGS-NBS no planejamento inicial para o eclipse de 1937 ia ser na
Ilha de Endenbury, cerca de 62 quilômetros da ilha de Cantão. A mudança de planos ocorreu na chegada a
Endenbury, quando os oficiais que comandavam o Avocet, navio da Marinha norte americana, perceberam que
em Endenbury não havia uma ancoragem segura. Ver: HELLWEG, J. F. “Eclipse adventures on a desert isle.”
In: National Geographic Magazine. 1937, September, pp. 380 e 381., e: MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of
the Sun. New York: Greenwood Press, 1969. 64 Memorandum from Irvine Gardner to Thomas McKnew. April 06, 1937. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. 65 New York Times, 21 de fevereiro de 1937 e em 13 de agosto de 1937. 66 Eu estou reafirmando um fato, que você sabe muito bem, que é aconselhável enviar uma mensagem de rádio
para Dr. Gardner, que está chegando no [navio] “Bremen” em 31 de julho, como nós fomos informados por seu
escritório, para ele se manter distante dos repórteres de porto que cercam os navios e tentam conseguir histórias
de passageiros que estão desembarcando para publicá-las nos jornais de Nova Iorque; consequentemente [...] a
história torna-se um “furo” local, transformando-se em uma história velha e com um menor valor como notícia.
41
Briggs não demorou a enviar a mensagem a Gardner, que ainda estava a bordo do Bremen em
sua viagem de volta. A mensagem dizia o seguinte:
WHEN ARRIVING NEWYORK DIPLOMATICALLY LIMIT STATEMENTS
REQUESTED BY PRESS THAT EXPEDITIONS RESULTS UNKNOW UNTIL
SCIENTIFIC DATA AND PHOTOGRAPHS CHECKED AND DEVELOPED BY
BUREAU AND NATGEOSOC.67
Claramente, a NGS tinha interesses mercantis em publicar com prioridade as informações que
sua expedição trazia de volta. Caso as notícias trazidas por Gardner fossem veiculadas em
outro periódico qualquer antes que a NGS as publicasse, o valor da notícia seria bem menor.
Esta preocupação da NGS com as vendas de suas publicações voltará a aparecer neste
trabalho.
Além dos aspectos que relacionam os programas de pesquisas na ocorrência de
eclipses solares aos interesses científicos de cientistas e instituições envolvidas, a própria
situação histórica específica da organização e o desenrolar das missões como um todo
marcam envolvimentos com processos históricos mais amplos. A preparação para as
observações do eclipse solar de 1936 começou com dois anos de antecedência. Este eclipse
seria largamente visível na União Soviética, particularmente na Rússia. Astrônomos
soviéticos, liderados por Alexander Mikhailov, fizeram as mensurações dos limites da faixa
de totalidade e avaliaram os locais que seriam mais apropriados para receber as expedições
internacionais, levando em conta as condições climáticas locais e outras especificidades que
são características de expedições desta natureza. Estas informações foram publicadas em
inglês, o que ajudou as missões estrangeiras a se organizarem.68
No período entre Guerras, existia um receio por parte dos países que levantavam a
bandeira da democracia de que os resultados de experimentos científicos pudessem ser usados
para o melhoramento ou criação de equipamentos de guerra por cientistas incentivados por
partidos políticos que ascenderam ao poder nos anos 1930 e colocavam em prática ações de
Ver: Memorandum from J. O. LaGorce to L. Briggs. July 23, 1936. In: RG 167 – Entry 51 NBS general
correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 67 AO CHEGAR EM NOVAYORK DIPLOMATICAMENTE LIMITE INFORMAÇÕES SOLICITADAS
PELA IMPRENSA DIZENDO QUE RESULTADOS SÃO DESCONHECIDOS ATÉ OS DADOS E
FOTOGRAFIAS SEREM ANALISADAS PELO BUREAU E NGS. Ver: Radiogram from L. Briggs to Irvine
Gardner (Bremen, at sea). July 23, 1936. In: RG 167 – Entry 51 NBS general correspondence 1901 – 1945 – Box
396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 68 GARDNER, Irvine. “Observing an eclipse in Asiatic Russia.” In: National Geographic Magazine. 1937,
February, pp. 179 – 198, p. 184.
42
expansão de território, invadindo áreas de países ou regiões vizinhas, e se preocuparam em
reequipar suas forças armadas. Esta situação conflituosa, que teve a expectativa de uma
grande guerra mundial pairando sobre o horizonte, mudou completamente a situação da livre
circulação internacional de resultados científicos. O receio que potenciais inimigos usassem
informações científicas a favor dos esforços bélicos também era compartilhado pelos próprios
governos que pretendiam expandir seus domínios territoriais, como é possível perceber ao
longo do processo de desenvolvimento do míssil V-2 pelos alemães ao longo da década de
1930, início dos anos 1940. O governo nazista da Alemanha manteve o projeto de construção
do míssil V-2 sob sigilo e receava não apenas o vazamento de informações sobre suas
pesquisas, mas, também, que a revelação do ponto de desenvolvimento em que estava seu
projeto pudesse fomentar uma corrida por desenvolvimento de mísseis por parte de outros
países interessados em se armar.69
As posições no mundo científico diante da proporção que o conflito, ainda potencial,
podia tomar, variavam muito. Apesar dos EUA terem adotado uma política isolacionista nos
anos 1930, alguns de seus maiores expoentes na ciência advogavam o rearmamento das
democracias ocidentais para enfrentar a crescente ameaça de guerra que assolava a Europa e
era observada com parcimônia pelos seus principais líderes políticos. Albert Einstein, que até
1933 defendeu a resistência ao serviço militar, passou a defender o envolvimento nos esforços
de guerra por todos que desejavam a paz no mundo em última instância e foi a favor da
manutenção do sigilo sobre as pesquisas científicas que tivessem possibilidade de uso
militar.70
Porém, temos que considerar que as condições históricas de um conflito, por mais
iminentes que ele seja, não determinam as escolhas dos indivíduos, mas, sim, as condicionam.
No pós-Segunda Guerra Mundial, é possível observar um argumento oposto ao de Einstein,
no qual a temporalidade a qual o autor faz referência é a dos anos 1930.
Jean Jacques Salomon criticou a limitação da circulação de informações científicas
que teve seu início nos anos 1930 e defendeu o supranacionalismo da ciência, como foi
testemunhado no caso do eclipse russo de 1936 e no caso da expedição inglesa para a
observação do eclipse de 1919 em Sobral, no Ceará – Brasil –, e na Ilha de Príncipe, na
África.71
Para Salomon, a prática científica deveria ser livre de qualquer implicação política e
seu desenvolvimento não poderia ser condicionado a questões governamentais. O argumento
de Salomon é que a ciência pode ser usada como um meio de ligação entre as nações. Ele
69
NEUFELD, Michael. The Rocket and the Reich – Peenemünde and the coming of the Ballistic Missile Era.
New York: The Free Press, 1995. 70 NATHAN, Otto. NORDEN, Heinz. Einstein on peace. New York: Avenel Books, 1981. 71 STANLEY, Matthew. “An expedition to heal the wound of war.” In: Isis. Vol. 94, 2003, pp. 57 – 89.
43
toma a ciência como uma linguagem universal, que pode prover a base do entendimento entre
os homens. A tomada de posição de Salomon é clara: a ciência é um bem da humanidade.72
Esta visão de internacionalização e de cooperação científica é absolutamente necessária à
prática da Astronomia, pois além da existência de uma necessidade de cooperação
internacional para a elaboração de cartas do céu, as faixas de totalidade de eclipses do Sol não
respeitam as fronteiras territoriais.
Entretanto, o curso da história mostra que a cooperação científica internacional não foi
a escolha de alguns cientistas, inclusive, como veremos a diante, de pesquisadores envolvidos
com observações de eclipses do Sol no período aqui analisado. Nos anos 1930, algumas
expedições em busca de eclipses solares foram organizadas em uma situação histórica de
desconfiança entre algumas nações e de interesses estratégicos que estavam em acordo com a
geopolítica militar da época. Se, por um lado, os astrônomos russos ajudaram as expedições
estrangeiras nos preparativos para as observações do eclipse de 1936, por outro, os japoneses
ofereceram um apoio com ressalvas aos interessados em observar o eclipse total de 14 de
fevereiro de 1934. Levando-se em conta os conflitos que o império japonês se envolveu
contra a China nos anos 1930 e a circunstância de guerra que se desenhava na Europa no
mesmo período, a ocorrência de dois eclipses solares nesta década com condições de
visibilidade em ilhas no Oceano Pacífico receberam atenções de cientistas, de políticos e de
militares das nações envolvidas em suas observações.
O eclipse total de 1934 ia ser visível em uma faixa que ia do sudeste asiático às
margens da costa Oeste do Canadá. O astrônomo Samuel Mitchell aliou-se a um membro do
Naval Observatory para propor ao Chefe de operações da Marinha dos EUA a organização de
uma missão civil militar para observar este eclipse a partir das Ilhas Carolinas, no arquipélago
indo-australiano. O almirante William Leahy, responsável pelas operações da Marinha dos
EUA, aprovou a ideia e ofereceu um navio militar para o apoio logístico à expedição.
Contudo, as Ilhas Carolinas estavam sob o domínio do governo imperial japonês desde 1920,
e era necessária sua autorização para que as observações fossem realizadas. Diante da
solicitação dos norte americanos da autorização para observar este eclipse, o Japanese
Research Council emitiu um comunicado dizendo que o governo imperial do Japão concedera
um convite aos astrônomos dos EUA para acompanhar o fenômeno junto a pesquisadores do
Observatório de Tóquio. Este convite tornaria desnecessária a “longa viagem” que um navio
de guerra dos EUA ia ter que fazer até chegar ao seu destino nas Ilhas Carolinas. Os
72 SALOMON, Jean-Jacques. “The internationale of science.” In: Science Studies. Vol. 1, nº 1. London, janeiro
de 1971, pp. 23 – 42.
44
astrônomos dos EUA e seus equipamentos iam ficar sob os auspícios de um cruzador japonês.
Segundo Mitchell, o que ocorreu foi que a região das Ilhas Carolinas estava sendo fortificada
militarmente pelos japoneses, que não queriam a presença de um navio da Marinha dos EUA
em suas águas.73
De forma clara, os militares japoneses estavam preocupados com uma possível ameaça
no entorno de seu império, gerada pela presença de um navio militar dos EUA empenhado em
uma missão científica. Pelo lado dos militares norte americanos, além da utilidade que os
resultados científicos gerados por observações de eclipses podiam ter, é possível imaginar,
através de algumas evidências que veremos a diante, que a questão da estratégia militar
relacionada ao controle de territórios na região do Oceano Pacífico também podia estar
presente em situações que envolveram missões científicas para a observação de eclipses.
No eclipse total do Sol de 08 de junho de 1937, a expedição científica da NGS-NBS
dirigiu-se à Ilha de Cantão, no Grupo de Ilhas de Phoenix, com a ajuda da Marinha dos EUA,
que providenciou o transporte à missão. Nesta ocasião, um dos objetivos existente no amplo
programa de observações era fazer experimentos sobre a reflexão de ondas de rádio na
ionosfera.74
Algum tempo depois da ocorrência deste eclipse, em uma carta com data de 13 de
novembro de 1939, dirigida a J. M. Johnson, Assistant Secretary of Commerce, Briggs
explicou que os testes de rádio que seriam feitos no eclipse total do Sol de outubro de 1940
(visível no Nordeste brasileiro) estavam conectados com os estudos que começaram na Ilha de
Cantão em 1937. De acordo com Briggs:
While these radio investigations are purely of scientific nature or will be extremely
local in character it seems wise under the circumstances to obtain formal permission
thorough the State Department to set up this little temporary station in Brazil. The
eclipse work is a extension of what the Bureau has already done in cooperation with
the National Geographic Society at Canton Island. You will recall that following its
occupancy by the eclipse party, Canton Island was later taken over as one of the sea
bases in the clipper route from Hawaii to New Zeeland.75
73 MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of the Sun. New York: Greenwood Press, 1969, pp. 185 – 188. 74 Encontrei poucas referências sobre este experimento na ocorrência deste eclipse. 75 Tendo em vista que estas investigações de rádio são puramente de natureza científica ou terão um caráter extremamente local, parece ser algo sensato que, sobre as circunstâncias, seja obtida uma permissão formal
através do Departamento de Estado dos EUA para organizar esta pequena estação de rádio temporária no Brasil.
O trabalho relacionado ao eclipse é uma extensão do que o Bureau já fez em cooperação com a National
Geographic Society na Ilha de Cantão. Você lembrará que após a ocupação pela missão científica, a Ilha de
Cantão foi usada como uma das bases marítimas na rota do Clipper do Havaí para a Nova Zelândia. Ver:
Memorandum from Lyman Briggs to Col. Johnson. November 13, 1939. RG 167, NC – 76 Entry 52 - Box 64,
Folder: IPO – 878-C 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa.
45
Briggs chamou atenção para a importância que teve a ocupação da Ilha de Cantão pela
expedição científica para observar o eclipse de 1937. Durante a estadia de cinco semanas da
expedição da NGS-NBS em Cantão, o navio inglês de patrulha Leith partiu de Suva, capital
de Fiji, com dois operadores de rádio e equipamento para estabelecer uma base de
comunicação na mesma Ilha que a expedição dos EUA estava acampada. Segundo uma
reportagem de um periódico de Nova York, os ingleses tinham a intenção de estabelecer uma
rota comercial aérea entre a Austrália e o Canadá, cuja inspeção já havia sido feita por navios
de guerra britânicos. Mas, quando o Leith chegou à Ilha de Cantão, a tripulação inglesa teve
uma surpresa: havia um navio da Marinha dos EUA, o Avocet, atracado.76
Ambos
comandantes enviaram mensagens aos seus governos e esperaram por ordens posteriores e
este episódio deu início a uma disputa pelo controle da Ilha entre os EUA e a Inglaterra.
A expedição norte americana para observar o eclipse de 1937 trouxe à cena a questão
da administração da Ilha de Cantão, já que ela era considerada um ponto estratégico no meio
do Oceano Pacífico, podendo receber aviões caso uma pista de pouso fosse construída,
conforme um boletim da NGS já afirmava em 1938 – o que era bem próximo das intenções
britânicas. Talvez, a identificação da importância da Ilha de Cantão nas circunstâncias
históricas de iminência de uma guerra tenha levado o Presidente Roosevelt a assinar uma
ordem executiva de supervisão da ilha pela Division of Territories and Insular Possessions no
Department of Interior em 03 de março de 1938. Esta medida identificou a existência de
cartas de navegação de 1828, feitas por pescadores norte americanos que já conheciam a
região.77
Este interesse dos EUA na região do Oceano Pacífico pode ser observado em outras
ocasiões no mesmo período. O Governo norte americano tinha um programa de preparação
para guerra que incluía o mapeamento gradual da região a Oeste de seus limites territoriais,
principalmente na região Norte do Oceano Pacífico, na área em que existem as Ilhas
Aleutas.78
Em 19 de dezembro de 1938, o assistente do Secretario da Marinha dos EUA,
Charles Edison, enviou um documento ao Secretary of Commerce – órgão ao qual o Coast
and Geodetic Survey era subordinado – pedindo para que os trabalhos de mapeamento da
região das Ilhas Aleutas fosse acelerado:
76 The Hawera Star. July 23, 1937. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse
memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. 77 Geographic News Bulletin. Bulletin nº 1, March 28, 1938. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner –
Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. 78 “World War II of the US Coast and Geodetic Survey – Part 5.” In: World War II History of the Department of
Commerce. United States Government Printing Office: Washington, 1951. Disponível em
www.ngs.noaa.gov/.../WWII-HISTORY-DOC-5- Página da Internet consultada em 20 outubro de 2011. p. 12.
46
From a recent conference held between representatives of the Hydrographic Office
and the U.S. Coast and Geodetic Survey, information was obtained that, while
notable progress has been made in surveying the Aleutian Islands by the latter
organization, it will still require about seven more survey seasons at the present rate
to complete this work. Due to the increase importance of Southeastern Alaska and
the Aleutian Islands as an area of strategic value to the United States, and its use as a
theater for possible future naval operations, the Navy Department is extremely
desirous that the survey work in this area be pushed to completion as expeditiously
as practible. 79
Mesmo que não tenha ocorrido uma relação direta de interesse militar dos EUA e a
expedição científica para a observação do eclipse de 1937 na Ilha de Cantão, no Pacífico Sul –
o que é um ponto importante a se destacar, pois, as Ilhas Aleutas ficavam ao Norte do Pacífico
e sua região configura uma rota entre o Extremo Oriente e os EUA bem menor do que uma
possível rota nas proximidades da Ilha de Cantão –, o conhecimento geodésico da região e a
possibilidade de controlar uma pista de pouso na Ilha se enquadram em uma política de futura
exploração mercantil de linhas aéreas e, tomando as devidas precauções, de preparação de
guerra que os EUA adotaram no período em áreas consideradas mais críticas. A questão sobre
o controle da Ilha de Cantão foi resolvida em 1939, quando os governos dos EUA e da
Inglaterra resolveram compartilhar sua administração.
Outro ponto interessante no documento de Briggs é quando ele faz referência à
autorização para a construção de uma estação de rádio observação no Brasil para as
observações do eclipse total do Sol de 01 de outubro de 1940. Entendendo que os resultados
alcançados por pesquisas sobre a ionosfera terrestre fornecem resultados que identificam as
frequências de rádio mais apropriadas a serem utilizadas de acordo com a latitude, altitude,
distância entre ponto de emissão e recepção, condições específicas de temperatura, pressão e
concentração de íons na ionosfera, os testes que iam ser realizados por esta expedição podiam
habilitar transmissões de rádio de qualidade entre o Nordeste brasileiro e os EUA. Voltarei a
este ponto a diante.
79 A partir de uma recente conferência realizada entre representantes do Hydrographic Office e do U.S. Coast
and Geodetic Survey, foram obtidas informações que, apesar do notável progresso que está sendo feito no reconhecimento das Ilhas Aleutas pela última organização, ainda há a necessidade de mais sete temporadas de
reconhecimento no ritmo atual para completar o trabalho. Devido a crescente importância do Sudeste do Alasca
e das Ilhas Aleutas como uma área de valor estratégico para os EUA, e seu uso como um possível teatro de
operações navais no futuro, o Navy Department deseja extremamente que o trabalho de reconhecimento desta
área tenha sua conclusão acelerada ao mais rápido possível. Ver: Memorandum from Charles Edison to
Secretary of Commerce. December 19, 1938. In: RG 23 – Entry 30 A – Office of the Director – Box 2265 –
Folder: Navy Department Expediting Surveys in Aleutian Is. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa.
47
Assim, temos um quadro histórico nos EUA dos anos 1930 no qual existiam condições
favoráveis a observações de eclipses do Sol: (a) havia grupos de cientistas norte americanos
interessados em estudar fenômenos ligados a eclipses solares, dentre os quais destaco Lyman
Briggs, D. Menzel, Irvine Gardner, S. Mitchell e C. Kiess;80
(b) existiam observatórios,
inclinados a estudar e dar suporte científico e técnico aos pesquisadores interessados, e
instituições dispostas a financiar investigações neste campo; (c) por fim, uma demanda de
setores da sociedade – militar, industrial, científico e público em geral – que legitimava as
missões para observações de eclipses e ajudava a formar condições favoráveis ao seu estudo.
Além disso, neste período, as observações científicas de eclipses totais do Sol podem ser
entendidas através da ideia de não separação entre ciência e política, que Salomon criticou
alguns anos depois. Mas, a natureza de observações científicas de eclipses solares requer que
contatos entre governos sejam estabelecidos para a preparação da missão, o que pode ser
prejudicado se as circunstâncias históricas são de animosidade.
Nos anos 1940, algumas instituições norte americanas, tradicionalmente envolvidas
em observações de eclipses do Sol, envolveram-se em projetos em que os usos sociais dos
resultados alcançados surgiram das possibilidades que as circunstâncias históricas
apresentaram. Um destes usos da ciência era pô-la a serviço da guerra. Só não é possível
afirmar que estas missões assumiram esta postura de forma explícita, porque suas ações,
muitas vezes, eram dissimuladas e estavam alinhadas a projetos secretos onde somente os
objetivos científicos viam a público. Se tentarmos entender o processo de negociações para a
NGS organizar expedições científicas para observações de eclipses do Sol, veremos que
somente interesses científicos não eram suficientes para justificá-las.
1.5 Organização: a chave para observar eclipses e para vencer a Guerra
Na primeira parte deste capítulo, vimos quais são as principais ações a ser tomadas
para que a organização de uma expedição para observar um eclipse solar tenha as mínimas
condições de ter sucesso. O planejamento científico, os contatos com as autoridades locais, a
reunião de elementos sobre o clima e sobre os locais que ofereciam as melhores condições de
observação do fenômeno, considerações sobre o transporte além de outros aspectos
necessários às observações. Todas estas ações são realizadas na montagem de cada expedição,
pois cada eclipse é visível a partir de uma estreita faixa de cerca de 200 km de largura que
80 É importante salientar que nas relações existentes entre os cientistas e as instituições às quais estavam
vinculados havia uma negociação de interesses, onde a missão institucional deveria estar alinhada, ou ajustada,
dentro das ações e interesses de seus cientistas (ou vice-versa).
48
avança sobre a superfície da Terra. Isto criava a necessidade de uma constante organização
das informações necessárias às expedições, pois cada local provável que ia servir como base
astronômica possuía suas próprias características. Tendo em mente esta necessidade, Floyd K.
Richtmyer, físico e professor na Cornell University, enviou um oficio a L. Briggs, em outubro
de 1937, sobre um projeto que a NGS podia financiar. Segundo Richtmyer:
Assuming that the Society is desirous of using some of its available funds for the
promotion of scientific work, it occurs to me that we do not have in America an
Eclipse Committee, similar to what I believe they have in England. [...] it seems to
me that the National Geographic Society would be in an excellent objective position
to accept leadership, in the matter of forming a sort of advisory committee on
eclipses of the Sun. This committee would have to have meetings and there would
be some expenses attached to such meetings. The Society could bear such expenses
and thereby promote cooperation. A committee so organized should be regarded as a
sort of combination of an advisory committee and a clearing house for information.
It should be quite separate from, at least from an organization standpoint, any eclipse
expedition which the Society may wish to fit out. The Society’s expedition would be
merely one several possible expeditions which would come under the purview of the
advisory committee. [...] I realize that this suggestion would not result in a very
great way of advertising the National Geographic Society to the public at large, but I
think that it would be a very fine way to help in the advancement of science.81
Briggs recebeu a ideia com entusiasmo, dizendo que ia levá-la aos membros da
Sociedade.82
Em novembro do mesmo ano, Richtmyer foi convidado pelo Diretor do Harvard
College Observatory, Harlow Shapley, para proferir uma palestra nas dependências desta
81
Assumindo que a Sociedade tem o desejo de usar uma parte dos seus fundos disponíveis para a promoção do trabalho científico, ocorre-me que nós não temos na América um Comitê de Eclipse, semelhante ao que eu
acredito que exista na Inglaterra. [...] Parece-me que a National Geographic Society estaria em uma posição
excelente para aceitar a liderança da formação de uma espécie de comitê consultivo sobre eclipses do Sol. Este
comitê teria que ter reuniões e existiriam algumas despesas associadas a elas. A Sociedade poderia assumir tais
despesas e assim promover a cooperação. O comitê, organizado desta maneira, deve ser considerado como uma
espécie de combinação de um comitê consultivo e um centro de troca de informações. Ele deve ser independente,
ao menos no ponto de vista organizacional, de qualquer expedição para eclipses que a Sociedade deseje
organizar. Uma expedição organizada pela Sociedade seria meramente uma das muitas possíveis expedições que
estariam sob a alçada do comitê consultivo. [...] Eu sei que esta sugestão não resultaria em uma grande
publicidade para a National Geographic Society junto ao público em geral, mas eu acho que isto seria uma forma
excelente para colaborar com o avanço da ciência. Ver: Memorandum from F. K. Richtmyer to L. Briggs. October 20, 1937. In: RG 167 – NC 76 Entry 52 – Box 64 Folder: D/IPO – 878 1940 Eclipse. NARA/ College
Park – MD/ US, tradução nossa. 82 Àquela época, Briggs era membro do Comitê Executivo da NGS, enquanto o Presidente do Research
Committee of the National Geographic Society, desde 1920, era o botânico F. V. Coville – do Departamento de
Agricultura, que faleceu em janeiro de 1937. Briggs assumiu a presidência do Comitê de Pesquisas da NGS após
a morte de Coville. Ver: Memorandum from L. Briggs to F. Richtmyer. January 15, 1936. In: RG 167 – Entry 51
NBS general correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US.
49
instituição sobre as observações que ele havia feito durante o eclipse de junho de 1937. A
ideia de Richtmyer era aproveitar a oportunidade para falar sobre a ideia da criação do Comitê
para Eclipses norte americano com Shapley e, assim, começar a reunir apoio ao seu projeto do
grupo de cientistas dos EUA, interessados em estudar eclipses do Sol.83
L. Briggs escreveu ao presidente da NGS, G. Grosvenor, e tratou brevemente a
proposta de Richtmyer, dizendo que os gastos da NGS com o suporte ao Comitê para Eclipses
seria de cerca de $1,000.00 anuais e que a ideia [...] is an opportunity for the Society, if it so
desires, to become identified with a field of research in which many of its members are
interested.84
Ou seja, na visão de Briggs, o investimento financeiro teria resposta através do
interesse já existente dos assinantes da NGS. Apesar da boa aceitação da ideia por parte de
Grosvenor,85
Richtmyer não estava seguro se outros cientistas interessados em eclipses
solares dariam suporte à ideia.86
Em janeiro de 1938, Richtmyer já havia conversado com
Joseph Boyce, físico lotado no Massachussets Institute of Technology (que colaborava em
algumas pesquisas sobre a atmosfera solar com D. Menzel), sobre sua ideia da criação do
Comitê para Eclipses e ainda esperava que este levasse a ideia a Shapley. Richtmyer
continuou seus esforços para conseguir aliados e expôs sua ideia a S. Mitchell, que, apesar de
ter gostado da ideia, achou que tal comitê não teria o efeito desejado para o próximo eclipse
total do Sol que ia ocorrer em 1940.87
Aparentemente, a ideia de Richtmyer não avançou muito em 1937 – 1938. Mas, na
reunião do Comitê de Pesquisas da NGS de 20 de fevereiro de 1939, ela foi discutida
oficialmente. Estiveram presentes nesta oportunidade: Lyman Briggs (presidente do Comitê
de Pesquisas da NGS), Alexander Wetmore (vice-presidente do Comitê de Pesquisas da NGS
e secretário do Smithsonian Institute, responsável pelo United States National Museum),
Gilbert Grosvenor, Floyd K. Richtmyer, George W. Hutchison (secretário da NGS) e Melvin
Payne (NGS). Briggs abriu a reunião apresentado uma proposta para a NGS assumir um papel
proeminente em observações de eclipses solares, ficando com inteira responsabilidade sobre
83 Ver: Memorandum from F. K. Richtmyer to L. Briggs. October 26, 1937. In: RG 167 – NC 76 Entry 52 – Box
64 Folder: D/IPO – 878 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US. 84 [...] é uma oportunidade para a Sociedade, se este for o desejo, de identificar-se com um campo de pesquisa no
qual muitos dos seus membros estão interessados.” Ver: Memorandum from L. Briggs to G. Grosvenor. October
27, 1937. In: RG 167 – NC 76 Entry 52 – Box 64 Folder: D/IPO – 878 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 85 Memorandum from L. Briggs to F. K. Richtmyer. November 03, 1937. In: RG 167 – NC 76 Entry 52 – Box 64
Folder: D/IPO – 878 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US. 86
Memorandum from F. K. Richtmyer to L. Briggs. November 08, 1937. In: RG 167 – NC 76 Entry 52 – Box 64
Folder: D/IPO – 878 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US. 87 Memorandum from F. K. Richtmyer to L. Briggs. January 04, 1938. In: RG 167 – NC 76 Entry 52 – Box 64
Folder: D/IPO – 878 1940 Eclipse. NARA/ College Park – MD/ US.
50
as expedições científicas que financiasse, ao invés de organizá-las em conjunto com outras
instituições científicas. Briggs afirmou que a resposta dos membros da Sociedade diante
destas expedições era bastante positiva, o que legitimava a assunção de sua organização
somente pela NGS.88
A ideia de Richtmyer foi apresentada e discutida em detalhes. Briggs apresentou a
sugestão de Richtmyer como uma proposta a ser encaminhada ao National Research Council
para a criação do Joint Eclipse Committee, que teria como objetivo coordenar o planejamento
de missões científicas organizadas por instituições dos EUA interessadas na observação de
eclipses. O Joint Eclipse Committee não teria obrigação financeira alguma com as expedições
e seu único objetivo seria o de coordenação das observações que os cientistas envolvidos
fossem fazer. Este comitê evitaria investigações repetidas e os resultados poderiam ser mais
proveitosos do que os alcançados até aquele momento. A NGS arcaria apenas com os custos
das reuniões do comitê. Para Briggs, a inexistência de uma coordenação central nos EUA que
reunisse com antecedência as informações necessárias a uma expedição para observar eclipses
solares era um grande problema. A comparação com o Comitê permanente para observar
eclipses que a Inglaterra mantinha foi lembrada, além da justificativa que o planejamento de
uma expedição desta natureza com antecedência minimizaria seus custos. Antes de passar a
palavra a Richtmyer, Briggs lembrou a importância que o uso de instrumentos científicos
modernos traria, aperfeiçoando a busca por melhores resultados e reduzindo os custos da
preparação de uma expedição.
Floyd K. Richtmyer lembrou a importância da independência entre o Joint Eclipse
Committee e a NGS, e que este comitê ia coordenar as observações de eclipses mesmo se a
NGS não mandasse expedições para observá-los. Segundo Richtmyer, a International
Astronomical Union (IAU) tinha uma comissão permanente de estudos de eclipses e comitês
nacionais com a mesma preocupação existiam em outros lugares pelo mundo. Richtmyer
também falou da importância da cooperação internacional no trabalho com eclipses e
enfatizou a ligação entre a observação de um fenômeno e de seu subsequente, criticando o
fato de não haver um programa para observar eclipses solares que cobrisse um período de
anos. Richtmyer ainda defendeu a internacionalização do planejamento:
I am not very familiar with the organization of the International Astronomical
Union but I understand there is a permanent eclipse commission and in several
88 Minutes of a meeting of the Research Committee of the National Geographic Society. February 20, 1939. p. 2.
In: RG 167 – UD Entry 2 Office files of Lyman J. Briggs: Records relating to his scientific work 1917 – 1962 –
Box 6 – Folder: Research Committee of the National Geographic Society. NARA/ College Park – MD/ US.
51
countries, including England there is a National Eclipse Committee and it attempts
to co-ordinate programs of research of British parties with those of others. We have
no such committee or commission in this country and it seems to me that eclipse
observations more than any other single scientific item involves international
cooperation because you have only one minute or three minutes, as the case may
be, to make observations, and never again. [...] I have been very much impressed in
going over the little bit of literature to which I have had access, with the unrelated
nature of the observations. There is no program over a period of years.89
Briggs e Richtmyer estavam certos. Pois, apesar da American Astronomical Society
(AAS), criada em 1899, indicar comitês para o planejamento de eclipses desde sua segunda
conferência, em 1898, estes comitês não eram permanentes, como o que existia na
Inglaterra,90
e não possuíam um programa de observações que fizesse a ligação entre eclipses
ao longo do tempo. Na 31ª Reunião da AAS, que aconteceu em 27 e 28 de dezembro de 1923,
na Cidade de Nova York, ocorreu a indicação de um comitê para organizar os preparativos
para as observações do eclipse de 24 de janeiro de 1925. Samuel Mitchell ocupou a
presidência deste comitê e este eclipse foi o primeiro observado por cientistas do NBS.
Apesar de não constar o nome de nenhum pesquisador do NBS na lista de presentes na
publicação desta reunião,91
na 33ª Reunião da AAS, que ocorreu entre 24 de dezembro de
1924 a 01 de janeiro de 1925, em Washington DC, Carl Kiess,92
do NBS, esteve presente.
Esta foi a última reunião da AAS antes do eclipse do dia 24 de janeiro de 1925 e contou com
algumas sessões realizadas nas instalações do próprio NBS.93
A AAS só voltou a organizar
um comitê para coordenar as observações de um eclipse do Sol na 46ª Reunião, que ocorreu
89 Eu não estou muito familiarizado com a organização da International Astronomical Union, mas entendo que
há uma comissão de eclipses permanente e em vários países, incluindo a Inglaterra, há um comitê de eclipse
nacional que se esforça para coordenar programas de pesquisa de expedições britânicas com os de outras [nações]. Nós não temos tal comitê ou comissão neste país e me parece que as observações de eclipses, mais do
que outro acontecimento científico, envolvem cooperação internacional porque você tem apenas de um a três
minutos, conforme o caso, para fazer observações e nunca mais novamente. [...] Eu tenho ficado bastante
impressionado, durante meu avanço sobre a pequena literatura que eu tenho tido contato, com a descontinuidade
das observações. Não há um programa que cubra um período de anos. Ver: Minutes of a meeting of the Research
Committee of the National Geographic Society. February 20, 1939. In: RG 167 – UD Entry 2 Office files of
Lyman J. Briggs: Records relating to his scientific work 1917 – 1962 – Box 6 – Folder: Research Committee of
the National Geographic Society. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 90 A Inglaterra possuía o Joint Permanent Eclipse Committee, que funcionava sob os auspícios da Royal
Astronomical Society. Ver: PANG, Alex Soojung–Kim. Empire and the Sun: Victorian Solar Eclipse
Expeditions. Stanford: Stanford University Press, 2002. 91 Popular Astronomy. Thirty-first meeting of the American Astronomical Society. Vol. 32, 1924, pp. 167 - 168. 92 Kiess recebeu treinamento em Astronomia e Astrofísica na Universidade da Califórnia e entrou para a Optics
Division do NBS em 1917. Ele observou o eclipse de janeiro de 1925 a partir de um dirigível que sobrevoou a
cidade de Los Angeles. Durante o eclipse de 1932, Kiess realizou investigações na estação de observação do
NBS que fora instalada em Maine. Ver: Documento sem identificação. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I.
Gardner – Box 6, Folder: Releases and correspondences. NARA/ College Park – MD/ US. 93 Popular Astronomy. Thirty-third meeting of the American Astronomical Society. Vol. 33, 1925, pp. 158 - 160.
52
em 1931, para os preparativos que antecederam o eclipse de 31 de agosto de 1932.94
Ao
menos até 1951, não há a formação de outro comitê para eclipses do Sol nas reuniões da AAS.
Por outro lado, a IAU organizou suas assembleias normalmente na década de 1930. Na
quarta Assembleia Geral da IAU, iniciada em 02 de setembro de 1932, a Solar Commission
foi desmembrada em quatro outras comissões, sendo uma delas voltada para as discussões
envolvendo eclipses do Sol, a Comissão número 13.95
Na Assembleia seguinte, que ocorreu
em julho de 1935, em Paris (França), a Comissão 13 da IAU discutiu as condições para as
observações do eclipse total do Sol de 19 de junho de 1936. Astrônomos da União Soviética e
do Japão falaram das condições para observar o fenômeno em seus territórios. Os astrônomos
soviéticos ofereceram detalhes das localidades que poderiam servir como base para os
expedicionários interessados, distribuíram mapas das cidades em que ia ser possível ver o
eclipse em sua totalidade e se colocaram à disposição para ajudar nos preparativos de viagem
ao seu país.96
No último encontro da IAU ocorrido antes da Segunda Guerra Mundial, em
agosto de 1938, na cidade de Estocolmo, Suécia, os destaques envolvendo a Comissão 13
foram um filme de um eclipse total do Sol (provavelmente o ocorrido em junho de 1937)
exibido pelo Capitão M. Hellweg do Naval Observatory e a presença de cientistas de
diferentes países, incluindo EUA, Alemanha, França, Japão, Inglaterra, Finlândia e outros.97
Nesta perspectiva, a AAS foi ineficiente no que diz respeito à coordenação de
informações sobre os eclipses posteriores ao de 1932, ao mesmo tempo em que os trabalhos
da Comissão 13 da IAU parecem, em alguma medida, ter sido satisfatórios apenas para o
eclipse de 1936. O fato da IAU ser uma organização de caráter internacional, a tornava
diferente do comitê que Richtmyer estava propondo. Foi justamente neste período que a
parceria entre a NGS e o NBS para observar eclipses do Sol estava no seu processo de
amadurecimento. A sugestão de Briggs e de Richtmyer para que a NGS tomasse a iniciativa
para organizar um comitê nacional de planejamento para observações de eclipses do Sol
encontrava respaldo porque, em primeiro lugar, em 1939, já existia uma sólida tradição de
observatórios dos EUA enviarem expedições para observar o fenômeno; e, em segundo lugar,
94 Popular Astronomy. Forty-sixth meeting of the American Astronomical Society. Vol. 39, 1931, pp. 439 – 443. 95 The Observatory. The International Astronomical Union - Fourth General Assembly at Cambridge, 1932,
September 02 – 09. Vol. 55, November 1932, Nº 702. 96 The Observatory. The International Astronomical Union - Fifth General Assembly at Paris, 1935, July 10 – 07.
Vol. 58, September 1935, Nº 736. 97 The Observatory. The International Astronomical Union - Sixth General Assembly at Stockholm, 1938,
August 03 – 10. Vol. XLVI, December 1938, Nº 460. Apesar da existência da Comissão 13 e do fato de ela ter se
reunido algumas vezes nos anos do período aqui estudado, o astrônomo holandês Adriaan Blaaun sustenta que
ela nunca funcionou. Ver: BLAAUW, Adrian. History of the IAU: birth and first half century of the
International Astronomical Union. Kluwer, 1994, p. 154.
53
porque esta proposta visou suprir a necessidade causada pela ineficiência da AAS em
coordenar os trabalhos de planejamento de forma apropriada. Por fim, ainda havia o fato de
que, segundo Briggs, o trabalho de coordenação eficaz de ações para observações de eclipses
poderia diminuir os custos necessários à constituição destas missões.
Por mais que o momento de planejamento de expedições para a observação de eclipses
do Sol tenha contribuído para o estabelecimento de uma rede de contato oficial em
Astronomia, envolvendo cientistas de países diferentes no início do século XX – conforme a
historiadora Christina Helena Barboza salienta –,98
esta rede de contatos mostrou sinais de
debilidade ao longo dos anos 1930 na visão de membros do Comitê Científico da NGS, no
que diz respeito à coordenação visando observações de eclipses do Sol. Aparentemente, o
NBS não teve muito interesse em ver seus cientistas inseridos nos canais de contatos oficiais
em Astronomia. No período em que o NBS organizou missões junto à NGS para observar
eclipses, as atas das reuniões da IAU e da AAS não registram a presença de seus cientistas.
Somente em uma oportunidade há o registro de um representante do NBS: Carl Kiess, na 33ª
reunião da AAS, de dezembro de 1924, realizada em Washington DC (cidade em que o NBS
estava instalado). Mas, os astrônomos norte americanos S. Mitchell e D. Menzel, que eram
figuras constantes nas reuniões da AAS e da IAU – e nos comitês destas organizações
relacionados a observações de eclipses –, mantinham intenso contato com os cientistas do
NBS e, inclusive, participaram de algumas observações de eclipses juntos.99
De forma
evidente, o quadro de cientistas do NBS se envolveu com observações de eclipses do Sol, mas
não participou efetivamente das discussões promovidas sobre o assunto, quando organizadas
por associações astronômicas oficiais. Entretanto, os cientistas do NBS conseguiam
informações de maneira extraoficial, através de contatos (cartas e circulação pelos mesmos
98 BARBOZA, Christina Helena da Motta. “Ciência e natureza nas expedições astronômicas para o Brasil (1850
– 1920).” In: Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas., Belém V.5, nº2, pp. 273 – 294, Mai
– Ago. 2010. 99 As relações feitas por Menzel entre pesquisas solares e pesquisas das altas camadas da atmosfera o colocaram
no centro das pesquisas ionosféricas durante a Segunda Guerra, trabalhando no Interservice Radio Propagation
Laboratory of the National Bureau of Standards, em Washington. Ver: DeVORKIN, David. Science with a
vengeance: how the military created the US space sciences after World War II. New York: Springer – Verlag,
1992, p. 51. Além disso, Menzel manteve correspondência com Gardner sobre as imagens da coroa solar que
este fez durante os eclipses totais do Sol de 19 de junho de 1936 e de 08 de junho de 1937. Gardner fala sobre o
telescópio que construiu e usou para observar o eclipse de 1936, e sobre a possibilidade de encontrar Menzel e
sua esposa em: Memorandum from Irvine Gardner to Donald Menzel. August 12, 1937. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US.; Em:
Memorandum from Irvine Gardner to Donald Menzel. March 12, 1938. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I.
Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US., Gardner fala sobre algumas
afirmações de Menzel sobre a iluminação da coroa solar.; Menzel pediu autorização a G. Grosvenor para
publicar uma fotografia que Gardner fez durante o eclipse de junho de 1936, publicada na Revista da NGS em:
Memorandum from Donald Menzel to Gilbert Grosvenor. March 02, 1938. In: RG 167 – Entry 44 – Division
520 I. Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US.
54
eventos nos EUA) com astrônomos que participavam das reuniões da AAS e da IAU. Mas,
para os membros do Comitê Científico da NGS isto não era suficiente e havia espaço para a
proposta da criação de um comitê nacional sobre eclipses solares ao final dos anos 1930, feita
por Richtmyer.
Esta entrada por canais não oficiais de cientistas do NBS na troca de informações
sobre a prática de observações de eclipses aponta para a possibilidade de existência de outros
motivadores – diferentes da justificativa de construção de conhecimento – que deem sentido
ao seu envolvimento com estudos neste campo e ajudem a explicar o financiamento
disponibilizado pela NGS para executar estas ações. O primeiro registro que encontrei de uma
proposta de parceria entre a NGS e o NBS para observação de um eclipse solar é um
documento com data de 09 de janeiro de 1936, e está inserido na circunstância histórica dos
lançamentos dos balões gigantes tripulados à estratosfera terrestre e à construção de um
telescópio – nos laboratórios do NBS – que seria capaz de fazer fotos em cores de eclipses
totais do Sol. Ocorreu uma longa troca de cartas entre S. Mitchell, L. Briggs e F. Richtmyer
entre 1934 e 1936 sobre um pedido de financiamento de uma expedição para observar o
eclipse total do Sol de junho de 1936, que Mitchell submeteu à NGS. Nestes documentos,
Mitchell acionou cientistas – como C. Abbot – e o Secretário da Marinha dos EUA – Claude
A. Swanson (ex-aluno da Universidade de Virgínia, que era a mesma universidade que
Mitchell era vinculado) – para que eles, seja escrevendo para Briggs ou conversando com os
executivos da NGS, ajudassem a legitimar seu pedido de financiamento junto à Sociedade.
Richtmyer também escreveu algumas vezes a Briggs dando apoio à proposta de Mitchell.
Apesar de toda mobilização, Mitchell teve como resposta de Grosvenor: We believe that this
kind of investigation can be more adequately furthered by an institution devoted to
astronomical research.100
Mas, quando o New York Times publicou uma matéria em 03 de janeiro de 1936
dizendo que a NGS ia financiar uma expedição organizada por F. McNally do Georgetown
College Observatory, para observar o eclipse total do Sol de junho do mesmo ano, Richtmyer
escreveu a Briggs mostrando-se surpreso com a repentina mudança de visão da NGS sobre
eclipses solares. Mais do que isto, Richtmyer saiu em defesa do amigo Mitchell e foi irônico
ao comentar o trabalho que McNally, com o apoio da NGS, fizera durante o eclipse de 1932:
100
Nós acreditamos que este tipo de investigação pode ser melhor promovida por uma instituição voltada à
pesquisa astronômica. Ver: Memorandum from G. Grosvenor to S. Mitchell. October 11, 1934. In: RG 167 –
Entry 51 NBS general correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park –
MD/ US, tradução nossa.
55
I am somewhat surprised, since you will recall that as a result of correspondence, in
which the suggestion was made that the National Geographic Society finances a
expedition headed by professor Mitchell of Virginia, it was quite definitely stated
that the National Geographic Society would be absolutely unable to finance an
eclipse expedition for 1936. Of course, I do not know what plans Dr. McNally may
have. He may be attempting real scientific work, but his 1932 photographs, beautiful
as they were, added little to the scientific data and information concerning
eclipses.101
Briggs escreveu a Richtmyer explicando que, provavelmente, o pedido de
financiamento de McNally ocorreu em um melhor momento psicológico para a NGS, pois
quando Grosvenor respondeu ao pedido submetido por Mitchell, a NGS e o NBS tinham
perdido recentemente, em 28 de julho de 1934, o balão gigante tripulado Explorer I, que se
desintegrou em pleno voo e forçou a tripulação escapar de forma extraordinária, saltando de
páraquedas de dentro da gôndola, que também levava uma grande quantidade de instrumentos
científicos.102
Briggs também levou ao conhecimento de Richtmyer que a NGS ia liberar uma
pequena verba a I. Gardner para que este usasse o novo telescópio construído pelo NBS no
eclipse de junho de 1936.103
Briggs, diferente de Mitchell, fez uma leitura mais apurada das circunstâncias que
cercavam as ações da NGS e submeteu o pedido de financiamento de uma expedição para
observar o eclipse de 1936 em um momento mais adequado usando argumentos que se
enquadravam nos interesses da NGS. Nas palavras de Briggs:
Dear Dr. Grosvenor:
Dr. I. C. Gardner of the Bureau’s staff has developed a new lens which is especially
suitable for taking pictures of an eclipse of the Sun. [...] Confidentially, we think that
the light gathering properties of the lens are such that it will be possible for the first
101 Eu estou surpreso e você lembrará que, como resultado de uma troca de correspondências, na qual foi feita
uma sugestão para que a National Geographic Society financiasse uma expedição liderada pelo professor
Mitchell da Universidade da Virginia, foi definitivamente afirmado que a National Geographic Society estaria
absolutamente incapaz de financiar uma expedição para o eclipse de 1936. Obviamente, eu não sei que planos o
Dr. McNally deve ter. Ele deve estar pretendendo fazer um trabalho científico sério, visto que suas fotografias de
1932, apesar de muito bonitas, pouco acrescentaram aos dados científicos e informações relacionadas ao eclipse.
Ver: Memorandum from F. Richtmyer to L. Briggs. January 13, 1936. In: RG 167 – Entry 51 NBS general
correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 102 DeVORKIN, David. Race to the stratosphere: manned scientific ballooning in America. Washington DC:
Smithsonian Institution, 1989, pp. 165 – 177. Mitchell havia submetido o pedido de financiamento à NGS em 06
de julho de 1934. Mas, Grosvenor só teve contato com este documento em outubro do mesmo ano. Ver:
Memorandum from G. Grosvenor to S. Mitchell. October 11, 1934. In: RG 167 – Entry 51 NBS general
correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US. 103 Memorandum from L. Briggs to F. Richtmyer. January 15, 1936. In: RG 167 – Entry 51 NBS general
correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US.
56
time to secure color pictures of an eclipse. This would be a very signal advance in
the field. As you know, an eclipse of the Sun will occur in the latter part of June of
this year visible in Siberia. I understand that the National Geographic Society is
already supporting an Expedition in cooperation with Georgetown University for the
purpose of studying this eclipse. I desire to inquire whether the Society would also
be willing to cooperate with the National Bureau of Standards in a endeavor to
obtain a color photograph of this eclipse. If the effort is successful, the Bureau
would be very glad to have the first published account of the work and the
photographs appear in the Geographic Magazine. I think it would form a notable
contribution and one which would excite much interest.104
Talvez a inserção de Briggs nos quadros da NGS o fizesse mais consciente sobre o que
Grosvenor queria ouvir para que um projeto científico tivesse chances de ser aprovado. Com
isto, Briggs propôs a Grosvenor a publicação da primeira foto em cores de um eclipse total do
Sol nas páginas da Revista da NGS. Tendo em vista que a NGS já tinha publicado artigos
sobre eclipses do Sol com fotografias em preto e branco do eclipse de 1932, a primazia da
publicação de fotos em cores do fenômeno era uma proposta que alcançava plenamente os
interesses da NGS. Além disso, a parceria com o NBS, que era um órgão do governo dos
EUA, e o fato do equipamento e os cientistas responsáveis pelas investigações estarem
prontos e treinados, atendia a anseios que podem ser percebidos nos registros da reunião do
Comitê de Pesquisas da NGS em 1939, quando a palavra foi passada a Grosvenor.
Voltando àquela ocasião, diante da proposta de Briggs para que a NGS não realizasse
mais expedições em conjunto com outras instituições e utilizasse somente cientistas e
equipamentos vinculados à Sociedade, Gilbert Grosvenor expôs um pensamento diferente. Na
visão de Grosvenor, os membros da NGS gostavam de vê-la trabalhando em conjunto com
outras instituições do Governo dos EUA, como o NBS, o Exército, a Marinha e o Smithsonian
Institution. No entendimento do presidente da Sociedade, estas associações davam aos
membros da NGS um sentimento de pertencimento ao trabalho governamental, o que fazia
104 Caro Dr. Grosvenor: Dr. I. C. Gardner do corpo de cientistas do Bureau desenvolveu uma nova lente que é
especialmente adequada para fazer fotos de um eclipse do Sol. [...] Sinceramente, achamos que as propriedades
de captação de luz da lente são tão boas que será possível pela primeira vez assegurar fotografias coloridas de
um eclipse. Isto seria um avanço bem significativo neste campo. Como você sabe, um eclipse do Sol ocorrerá no
final de junho deste ano e será visível na Sibéria. Eu entendo que a National Geographic Society já está financiando uma expedição em cooperação com a Georgetown University com a finalidade de estudar este
eclipse. Eu desejo saber se a Sociedade estaria disposta em cooperar com o National Bureau of Standards em um
esforço para obter uma fotografia em cores deste eclipse. Se o esforço for bem sucedido, o Bureau ficará feliz
em ter o primeiro relato publicado sobre o trabalho e as fotografias publicadas na Revista da National
Geographic Society. Eu acho que seria uma notável contribuição e que ela despertaria muito interesse. Ver:
Memorandum from L. Briggs to G. Grosvenor. January 09, 1936. In: RG 167 – Entry 51 NBS general
correspondence 1901 – 1945 – Box 396, Folder: IDS – (NGS). NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa.
57
crescer o prestígio da publicação da Revista da NGS. O fundamento do argumento de
Grosvenor era que as associações com outras instituições ajudariam a National Geographic
Society a conseguir novos membros e a aumentar o número de assinantes e o de vendas de
revistas avulsas.105
Em cada tipo de associação executada por estas instituições havia interesses
específicos envolvidos. Em certas passagens da ata desta reunião, o interesse mercantil da
NGS é demonstrado claramente por Grosvenor, tendo em vista que a receptividade do público
da Revista era amplamente positiva, mesmo se a NGS fornecesse apenas uma pequena
quantia em dinheiro para que as expedições que davam origem às matérias fossem
empreendidas. Segundo Grosvenor, [...] these joint expeditions are very good business for the
National Geographic Society as well as for the institutions that cooperate with the National
Geographic Society.106
A fala de Grosvenor estava alinhada à preocupação que Thomas
McKnew teve com a publicidade das expedições da NGS para as observações do eclipse de
1937 e com as transmissões de rádio que ocorreram direto da Ilha de Cantão. O historiador
David DeVorkin identificou que, durante o período de divulgação publicitária do voo do
balão tripulado Explorer II, em 1935, a série de entrevistas que Grosvenor concedeu à
National Broadcasting Company era repleta de canções patrióticas, o que deve ter causado
um senso de unidade no cidadão norte americano, capitalizado pelas expedições que a NGS
financiava, que tinha como motivadores o estabelecimento de recordes mundiais e disputas
pela primazia em alcançar localidades geográficas não alcançadas anteriormente pelo
homem.107
Dentro desta ótica, a bandeira da NGS tremulando junto à bandeira dos EUA devia
ser um ótimo agente de propaganda – e a introdução da fotografia pode ter contribuído para
isto –, pois o cidadão norte americano membro da NGS (assinante da Revista) fazia parte
daquela operação contribuindo financeiramente através do valor da assinatura.108
Uma outra ideia utilizada por Grosvenor era a de que a soma investida pela NGS para
fazer associações com outras instituições era pequena se comparada com o montante que seria
105 Minutes of a meeting of the Research Committee of the National Geographic Society. February 20, 1939. In:
RG 167 – UD Entry 2 Office files of Lyman J. Briggs: Records relating to his scientific work 1917 – 1962 – Box
6 – Folder: Research Committee of the National Geographic Society. NARA/ College Park – MD/ US. 106 [...] estas expedições em conjunto são um ótimo negócio para a National Geographic Society bem como para
as instituições que cooperam com a National Geographic Society. Ver: Minutes of a meeting of the Research
Committee of the National Geographic Society. February 20, 1939. In: RG 167 – UD Entry 2 Office files of Lyman J. Briggs: Records relating to his scientific work 1917 – 1962 – Box 6 – Folder: Research Committee of
the National Geographic Society. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 107 DeVORKIN, David. Race to the stratosphere: manned scientific ballooning in America. Washington DC:
Smithsonian Institution, 1989, p. 186. 108 Ver Figura 15. Ver também: LIMA, Raquel Vaconcellos Alves de. Jornada à semi-selva: um estudo sobre as
fotografias produzidas pela National Geographic Society na expedição astronômica a Bocaiuva em 1947.
Monografia de conclusão do Curso de graduação de História. UFRJ. Rio de Janeiro, 2009.
58
gasto para treinar e pagar cientistas para fazer o trabalho. Ou seja, era mais vantajoso
financeiramente arcar com os custos de associações a instituições de pesquisa que já possuíam
pessoal capacitado e o equipamento necessário às observações do que arcar com as despesas
de treinamento de cientistas sem experiência e que não possuíam conexões que lhes
assegurassem troca de informações e o empréstimo de equipamento para as observações. A
associação a renomadas instituições de pesquisa dos EUA dava, também, à Revista da NGS
um respaldo e uma legitimidade que fortaleciam sua atuação na área educacional, que estava
sendo questionada, como lembrou Hutchison durante a referida reunião do Comitê de
Pesquisa da NGS em 1939.109
Ao final desta reunião do Comitê de Pesquisa da NGS, Grosvenor ofereceu um total
de $20,000.00 para cobrir todos os gastos da expedição para a observação do eclipse de 1940
no Brasil, que já incluía os custos com a impressão das monografias científicas ao final dos
trabalhos.110
Deste montante, em torno de $11,000.00 foram referentes ao material necessário
à construção de novos equipamentos para a observação de eclipses realizada pelo Optical
Instruments Section do NBS. Os instrumentos iam ser construídos sem custos de mão de obra
(já que o próprio pessoal do NBS o construiria) à NGS, que ia ser a proprietária dos
equipamentos, mas os direitos de publicação relacionados ao design dos instrumentos iam
pertencer ao NBS.111
O instrumento em questão era um telescópio que possuía mecanismos
diferentes dos que existiam àquela época, que foi desenvolvido por Gardner para ser
empregado em observações de eclipses do Sol.112
Como alguns cientistas do NBS tinham uma
relação estreita com o meio industrial113
é bem possível que Gardner e Briggs (que usou a
109 Minutes of a meeting of the Research Committee of the National Geographic Society. February 20, 1939. In:
RG 167 – UD Entry 2 Office files of Lyman J. Briggs: Records relating to his scientific work 1917 – 1962 – Box
6 – Folder: Research Committee of the National Geographic Society. NARA/ College Park – MD/ US. 110 Minutes of a meeting of the Research Committee of the National Geographic Society. February 20, 1939. RG
167 – UD – Entry 2 – Scientific work – Office Files Briggs – Box 6, Folder: A1. NARA/ College Park – MD/
US. 111 Memorandum from Irvine Gardner to L. Briggs. December 01, 1938. In: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I.
Gardner – Box 1, Book eclipse memo 1937. NARA/ College Park – MD/ US. 112 Pesquisas futuras podem esclarecer se houve alguma relação entre o fato do NBS ter ficado com os direitos de
publicação sobre o instrumento e a questão sobre patentes que existiu no período. Sobre esta questão, o
historiador R. Cochrane indica que nos anos 1920, cientistas do setor de rádio do NBS não seguiram uma
tradicional postura de deixar os direitos de patente de suas criações ao órgão e registraram em seus nomes um
aparato de rádio que desenvolveram. Após algumas reviravoltas em tribunais regionais, a Suprema Corte dos
EUA decidiu, em 1933, que todos os direitos de patente pertenciam ao inventor, não à instituição em que ele estivesse lotado. Isto só foi revertido, e o direito sobre a patente voltou à instituição, em 1950, através de uma
ordem executiva. Ver: COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of
Standards. Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, pp. 347 – 349. 113
H. Dellinger prestou serviços de consultoria a empresas do ramo de comunicações, como Aeronautical Radio,
Radio Corporation of America e Electronics – Television Manufacturers Association e recebeu compensações
financeiras que chegavam a $1,000.00. Ver: Diversos documentos em: RG 167 – NC – 76 Entry 75 – Box 8,
Folder: Aviation consulting. NARA/ College Park – MD/ US.
59
capacidade de conseguir fotografias em cores do instrumento construído por Gardner como
parte de sua estratégia para conciliar os interesses do NBS e da NGS) quisessem pôr partes do
mecanismo do novo aparato à disposição das indústrias.
Durante os anos 1940, três eclipses totais do Sol puderam ser vistos no Brasil: 1940,
1944 e 1947. As observações que a expedição da NGS-NBS realizou em 1947 foram um
sucesso. O fenômeno de 25 de janeiro de 1944 não contou com a presença de expedição
científica alguma para observá-lo. Já as observações do eclipse de 1940, tiveram um êxito
parcial. Como eu mencionei antes, um dos interesses científicos da missão da NGS-NBS no
eclipse de 1940 era o estudo das condições de reflexão das ondas de rádio da ionosfera
terrestre. Para a observação do eclipse de 1940, a NGS ia enviar expedições científicas ao
Brasil e à África. Mas, em maio de 1940, ocorreu uma série de dificuldades para que fosse
conseguido um transporte seguro para a África tanto dos integrantes como do equipamento.
Os organizadores da expedição estavam receosos a respeito do recrudescimento da Guerra na
Europa e tinham dúvidas se seria possível conduzir a expedição em segurança na volta para os
EUA após as observações do eclipse. Além do mais, alguns cientistas norte americanos que
fizeram parte da organização da expedição consideraram a possibilidade de serem convocados
para comporem as fileiras militares no conflito que, aparentemente, mais cedo ou mais tarde
os EUA entrariam.114
Porém, a entrada não declarada na Guerra já alistava os homens de
ciência para executarem algumas ações.
As observações científicas de eclipses do Sol nos anos 1930 e 1940 tiveram alguma
relação com a Segunda Guerra Mundial. Tanto as instituições como os cientistas envolvidos
em observações de eclipses solares tiveram envolvimento com o conflito. Em outubro de
1939, Briggs foi designado pelo presidente Franklin Roosevelt para liderar um comitê para a
investigação da possibilidade de liberação de energia a partir da fissão de Urânio, visando a
construção de armas nucleares. Este comitê ainda foi seguido por outros que, ao final, tiveram
o Projeto Manhattan como representante de um trabalho científico que não separou a pesquisa
científica teórica, os esforços de sua aplicação e os trabalhos para administrá-la.
O que também emerge ao final da análise destas relações é que a proposta que Briggs
e Richtmyer levaram ao Comitê de Pesquisas da NGS em 1939 – para organizar as
observações de eclipses do Sol – também contém esta preocupação com a administração do
trabalho científico, percebida na designação de Briggs por Roosevelt em 1939. Além disso, as
observações científicas dos eclipses de 1937 e 1940 possuíam uma continuidade, como
114 Memorandum from Thomas W. McKnew to Lyman Briggs. May 13, 1940. RG 167 – NC – 76 Entry 52 –
Box 63, Folder: IPO – 878 – C. NARA/College Park – MD/ US.
60
afirmou Briggs ao final do trecho citado da carta dirigida ao Assistant Secretary of Commerce,
J. M. Johnson, em novembro de 1939. Os cientistas que estavam envolvidos de alguma forma
na parceria entre a NGS e o NBS tiveram uma preocupação com a organização da prática
científica, tornando-a presente nos meios em que circularam. Esta necessidade de organização
do trabalho científico acabou se tornando uma das diretrizes a ser seguida com a publicação
do relatório de Vannevar Bush sobre a reorganização da prática científica nos EUA, em
1945.115
A importância do trabalho científico coordenado pode ser percebida em um trecho de
um artigo do historiador Barton Hacker:
What made the eve of the United States’ World War II different was the
organization of proper means to convert offers of help into directed research leading
to engineering development of actual weapons and equipment. [...] the key was
directed team research.116
115 BUSH, Vannevar. Science the endless frontier: A report to the President on a Program for Postwar Scientific
Research. Washington: National Science Foundation. July 1945. Reprinted July 1960. 116 O que fez a preparação dos EUA para a Segunda Guerra Mundial ser diferente foi a organização de meios
adequados para converter a oferta de ajuda em pesquisa direcionada, o que levou ao desenvolvimento organizado
de armas e de equipamentos. [...] a chave foi um grupo de pesquisa organizado. Ver: HACKER, Barton.
“Military patronage and geophysical sciences: an introduction.” In: Historical Studies in the Physical and
Biological Sciences. Vol. 30, Part 2, 2000, pp. 309 – 314, tradução nossa.
61
2 As observações científicas do eclipse total do Sol de 1947 em perspectiva histórica
Desde o final do século XVIII, cientistas organizam expedições para a observação de
eclipses solares. A partir de então, estas observações podem ser historicizadas de diferentes
formas, dependendo do enfoque que o historiador queira dar. Especificamente sobre a
produção de conhecimento, há historiadores que tratam o processo de construção teórica e/ou
prática para o alcance de resultados. Há outros historiadores que dão ênfase às controvérsias
que surgem entre os cientistas e existe, ainda, outra abordagem que tem a intenção de
entender a construção da ciência relacionando-a a aspectos extracientíficos. Analisarei nas
páginas seguintes alguns experimentos feitos pelos cientistas da National Geographic –
Bureau eclipse expedition durante a ocorrência do eclipse total do Sol de 1947 em Bocaiuva,
Minas Gerais, tentando entender algumas relações históricas, institucionais e pessoais, na
perspectiva das investigações que foram feitas.
***
2.1 Ciências básica e aplicada: pragmatismo e diletantismo científicos para o NBS
Entendo que a principal justificativa para organizar expedições para observar eclipses
solares é o interesse científico. Obviamente, o interesse científico é histórico e com o passado
das observações de eclipses solares não é diferente. Os problemas e questões levantados pelos
planejadores das missões estavam em acordo com o que se discutia em cada área da
Astronomia e em outros campos de conhecimento em um determinado tempo. Nem sempre os
problemas teóricos investigados tinham uma aplicação direta. Como veremos, a discussão
sobre teoria e prática tangencia este trabalho na medida em que as expedições da NGS-NBS,
para observação de eclipses do Sol, revelaram uma tendência pragmática acerca dos
resultados que poderiam alcançar. Este pragmatismo estava alinhado às circunstâncias
históricas, que criavam possibilidades de usos dos resultados relacionados à aplicação militar.
A questão que se apresenta é: que investigações foram feitas e quais foram os usos (se eles
existiram) vislumbrados?
Em um documento de junho de 1936, em que Lyman Briggs aborda alguns problemas
históricos e legais relacionados à uniformização dos pesos e medidas em todo EUA e como
isto afetava a indústria e o comércio, há o problema da pesquisa básica e aplicada diante dos
olhos do NBS. Briggs entrou nesta questão falando sobre a dificuldade que existia em
conseguir fundos para projetos de pesquisa básica, diferentemente do que acontecia com
62
projetos que tem uma aplicação clara dos resultados a serem obtidos. Em seguida, ele deu
exemplos de como a pesquisa básica era importante para a pesquisa aplicada, tratando, por
exemplo, a investigação do superaquecimento do vapor e sua relação com o desenvolvimento
de turbinas de aviões.1
Em 1938, Briggs estabeleceu uma comparação entre o investimento que o Governo
Federal dos EUA fez na área da investigação voltada para a agricultura e o que foi feito em
áreas relacionadas ao comércio e indústria. No ponto em que Briggs tratou diretamente a
pesquisa básica, ele claramente incentivou o investimento em investigações no campo da
Física e da Química, através do incentivo ao desenvolvimento da indústria e do comércio,
afirmando sua importância econômica para a nação. Segundo Briggs:
The notable exception is a special appropriation for basic research in agriculture,
amounting at present to 1.2 millions a year, under which it is possible to carry out
long-range basic investigations. No similar authorithy to my knowledge has been
given to any other department of the Government. Would it not pay the government
to extend its support to other lines of basic research? Is there not an essential place
in Government for basic research in Physics and Chemistry in order to provide the
foundation for new industries?2
Seus esforços diante do NBS eram para, também, ajudar na recuperação da economia
norte americana, o que fica claro, por exemplo, quando ele menciona, em outro trecho, a
possibilidade de investimento econômico na indústria automobilística para tê-la como
geradora de empregos. É possível entender que a política de financiamento a qual o NBS
estava sujeito nos anos 1930 partia de uma dicotomia entre pesquisa básica e aplicada, e que
seu Diretor se esforçava para salientar a importância de ambas para a nação. Ou seja, é
possível inferir que a separação entre pesquisa básica e aplicada estava na mentalidade dos
governantes dos EUA naquele período e que Briggs, como Diretor de uma das mais
importantes instituições de pesquisa do país, tentava mostrar a importância de ambas para a
recuperação da economia dos EUA. A questão é que, aparentemente, Briggs tenta justificar o
1 BRIGGS, Lyman. “Some problems of the National Bureau of Standards.” In: RG 167 – UD – Entry 2 –
Scientific work – Office Files Briggs – Box 6, Folder: Some problems of the National Bureau of Standards, ca.
1941, NARA/College Park–MD/US. 2 A notável exceção é a verba especial destinada à pesquisa básica em agricultura, totalizando no momento $ 1,2
milhões por ano, com os quais é possível realizar longas pesquisas básicas. Nenhuma liberação de verba
parecida, no meu conhecimento, foi dada a qualquer outro departamento do Governo. O Governo não estaria
disposto a estender apoio financeiro a outras linhas de pesquisa básica? Não há um lugar essencial no Governo
para pesquisa básica em Física e Química que almeje fornecer a base para novas indústrias? Ver: The place of
Government in research. In: RG 167 – UD – Entry 2 – Scientific work – Office Files Briggs – Box 5, Folder:
The place of Government in research. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa.
63
investimento em pesquisa básica através de sua importância para a indústria e comércio. Esta
era uma estratégia para convencer os congressistas norte americanos a liberarem verbas para
as chamadas pesquisas básicas. Nesta perspectiva, parto da ideia de que a construção do
conhecimento não separa teoria e prática. Em outras palavras, as investigações científicas de
cunho teórico caminham lado a lado com as investigações para aplicação da teoria.
A maior parte das observações realizadas durante o eclipse de 1947 pelos cientistas da
expedição da NBS-NGS está ligada aos interesses científicos da época, especificamente às
investigações promovidas pelo NBS. O chefe desta expedição científica, Lyman Briggs,
escreveu um artigo que foi publicado em março do mesmo ano sobre as intenções de
realização de experimentos científicos da sua expedição.3 Todavia, como veremos, a
construção do conhecimento científico é feita por caminhos muitas vezes tortuosos, com
falhas, acertos e muitas surpresas. Tratando-se de observações científicas de um eclipse total
do Sol, o fator “tempo bom” é primordial. Em Bocaiuva, Cidade mineira onde a expedição da
NGS-NBS se instalou, o tempo colaborou, diferente do que ocorreu em outras cidades nas
quais outras expedições científicas montaram base.4 Como os experimentos realizados
enquadram-se em áreas nas quais é necessária uma coleta de dados da natureza, a utilização
de instrumentos para a construção do conhecimento é fundamental. Há uma relação entre
homem, instrumento, conceitos e natureza que tem que estar fundada em consensos de
aferição, de metodologia e estrutura de saber para que os dados gerem estudos que tenham
sentido na comunidade científica, ou para que sejam a base de ideias que questionem a
autoridade das teorias existentes.5 Ainda existem as chances dos instrumentos não
funcionarem adequadamente, a probabilidade de ocorrer falha humana e uma série de outras
intempéries naturais que os cientistas tentam prever, mas, às vezes, não conseguem ou não
podem evitar.
Quando Briggs publicou seu artigo na The Scientific Monthly, ele era, também, o chefe
do Comitê de Pesquisa da NGS e Diretor emérito do NBS.6 Este artigo era sobre as intenções
de realização de experiências durante o eclipse de maio de 1947. A seguir, vamos ver, de
forma um pouco mais detalhada, alguns pontos das observações que Briggs havia proposto
3 BRIGGS, Lyman. “A 1947 eclipse expedition.” The Scientific Monthly, 1947, March, pp. 208 – 210. 4 A cidade de Araxá (MG), onde a expedição da União Soviética ficou baseada, teve nuvens no céu na hora do
eclipse. 5 KUHN, Thomas. Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 2003.
6 Briggs havia se aposentado em 1945 com a indicação para o cargo de Diretor emérito do NBS. MYERS, Peter
Briggs; SENGERS, Joahanna M. H. Lyman James Briggs (1874 – 1963) A Biographical memoir. Washington,
D.C.:The National Academy Press, 1999, p. 4.
64
antes da ocorrência do eclipse de maio de 1947 e as relações que estes estudos possuiam com
as circunstâncias históricas da época.
2.2 O Sol e a atmosfera terrestre como objetos de estudo
As primeiras observações astronômicas que Briggs abordou em seu artigo são as que
iam ser realizadas pelo astrônomo C. C. Kiess, do NBS, auxiliado por Harold Weaver, do
Observatório de Lick. Kiess e Weaver iam estudar o coeficiente de absorção da atmosfera do
Sol utilizando dois espectrógrafos. Eles estavam interessados em coletar dados para análise da
coroa solar e da cromosfera. Como a luz emitida pelo Sol é muito intensa, a cromosfera só
fica visível – e consequentemente disponível para ser fotografada – em um rápido instante
antes da, e logo após a, totalidade do eclipse. Mas, obter imagens de qualidade do chamado
flash spectrum não era uma tarefa das mais fáceis. Até o início dos anos 1950, havia poucos
registros de espectros de qualidade da cromosfera solar, como afirmou o especialista no
assunto S. Mitchell,7 que discutiu diferentes técnicas e equipamentos para registrar os traços
de luz emitidos por esta camada do Sol. Logo após o término da visibilidade da cromosfera,
no momento em que o disco da Lua cobre o disco do Sol, aparecem os chamados Grãos de
Bayle,8 que são pontos de luz solar em torno do disco da Lua. Este fenômeno ocorre devido à
característica da superfície lunar, coberta de vales, montanhas e crateras. Apesar do disco do
Sol estar quase completamente coberto pelo disco lunar, sua luz atravessa algumas crateras da
superfície da Lua e causa um efeito de um colar de círculos brilhantes ao redor da Lua. A
superfície lunar influencia diretamente algumas observações específicas durante eclipses
totais do Sol, como veremos mais a frente.
Em 1947, os espectrógrafos de Kiess e Weaver estavam equipados com redes de
difração feitas especialmente para estas observações, que dariam como resultado imagens
espectrais de alta dispersão, permitindo que as ondas de luz fossem determinadas com grande
precisão, o que poderia fornecer melhores informações sobre as linhas espectrais.9 O método a
ser adotado no eclipse de 1947 consistia em fotografar rapidamente a diminuição da
iluminação quando a Lua tivesse coberto 9/10 do Sol, cobrindo o espectro solar entre 3.000
Aº de espectro ultravioleta e 10.000 Aº no infravermelho.10
Segundo Briggs, o mapeamento
da cromosfera (elementos, densidade e temperatura) ajudaria a entender os processos
7 MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of the Sun. New York: Greenwood Press, 1969, pp. 250 - 280. 8 O nome Grãos de Bayle tem sua origem na descrição das causas deste fenômeno feita pelo astrônomo inglês
Francis Bayle, em 1836. Ver: STEEL, Duncan. Eclipse: The celestial phenomenon that changed the course of
History. Washington: The Joseph Henry Press, 2001, p. 180 – 182. 9 MITCHELL, Samuel Alfred. (1969), op. cit., p. 127. 10 Ver Figura 18.
65
radiativos que ocorrem no Sol e interferem nas comunicações terrestres. O estudo que Kiess e
Weaver propuseram era importante para saber como diferentes comprimentos da luz solar são
absorvidos pelas distintas camadas da atmosfera terrestre. Estes níveis diferentes de absorção
influenciam na quantidade de energia envolvida na quebra de moléculas, que liberam os
elétrons, e nos processos de recombinação que produzem a característica de reflexão das
ondas de rádio na ionosfera. Mas, infelizmente, não consegui identificar se as investigações
de Kiess e Weaver geraram alguma publicação.
De acordo com o artigo de Briggs, E. O. Hulburt, superintendente da Optic Division
do United States Naval Research Laboratory, propôs medir o brilho do céu no zênite quando
a sombra da Lua atravessasse esta posição. Hulburt desejava medir a densidade molecular e a
temperatura do ar na altura de 60-70 quilômetros. Briggs mencionou apenas este trabalho de
Hulburt. Mas, Hulburt escreveu, em parceria com R. A. Richardson, um total de quatro
artigos relacionados à emissão de iluminação solar durante o eclipse de maio de 1947: The
brightness of the night sky; Solar illlumination and zenith sky brightness during the total solar
eclipse of May 20, 1947; The illumination from the solar crescent near totality of the eclipse
of May 20, 1947 e The Brightness and polarization of the daylight sky.11
Destes quatro, encontrei apenas um deles publicado em um periódico de livre
circulação. Os outros três estavam depositados em fundos do NBS no National Archives,
College Park e, provavelmente, circularam apenas a nível institucional. O artigo que Hulburt
publicou junto com R. A. Richardson no Astrophysical Journal trata a mensuração da
iluminação solar emitida pela borda do Sol antes da totalidade do eclipse.12
Segundo Hulburt
e Richardson, este experimento não ia ser realizado por nenhuma outra expedição durante o
eclipse de maio de 1947. A variação da emissão de luz pelas bordas do Sol tem relações com
a física teórica da atmosfera solar e está ligada ao estudo feito por Kiess e Weaver. Se Kiess e
Weaver iam estudar a atmosfera solar, Hulburt e Richardson tentaram coletar dados sobre as
ondas espectrais emitidas pela borda e pela coroa solar, que possuem elementos químicos
diferentes de outras partes do Sol e geram espectros com energia maior. Sobre o estudo de
Hulburt e Richardson, os próprios autores destacam que os resultados alcançados foram
bastante duvidosos e que pesquisas futuras poderiam comprovar ou não os dados que eles
obtiveram.
11
Artigos contidos em: RG 167 – UD – Entry 2 – Scientific work – Office Files Briggs – Box 1, Folder:
Articles on Solar Illumination. NARA/ College Park – MD/ US. 12 HULBURT, E. O. RICHARDSON, R. A. “The illumination from the solar crescent near totality of the eclipse
of May 20, 1947.” Astrophysical Journal, Vol. 111, January 1950, pp. 99 – 103.
66
Na perspectiva dos trabalhos realizados por Hulburt, Richardson, Kiess e Weaver,
entender a natureza de algumas reações químicas do Sol, e da atmosfera terrestre, podia
significar uma melhor compreensão dos processos de comunicação na Terra, o que, nos anos
1930 e 1940, levou os Governos dos EUA, da Inglaterra e da Alemanha a alocarem verbas
para estas pesquisas. De acordo com Karl Hufbauer, estudos realizados nos anos 1930
mostraram que quanto maior o número de manchas solares, menor é a frequência máxima que
pode ser usada nas transmissões de rádio de ondas curtas. Além disso, se o número e
intensidade das chamas solares crescem, a possibilidade de ocorrer interrupções na
capacidade de reflexão de ondas de rádio da ionosfera aumenta. É o chamado fadeout.
Durante o Governo do Terceiro Reich, o rádio físico alemão Johannes N. Plendl supôs –
baseado em um recente trabalho que ele desenvolvera sobre a influência da atividade solar
sobre comunicações de rádio através de ondas curtas – que previsões com acuidade sobre as
condições de rádio comunicações dependeriam de observações solares feitas com
antecedência. Plendl ganhou a confiança de um general da Luftwaffe sobre a importância das
pesquisas solares e conseguiu fundos para montar uma estação de observação solar nos Alpes
da Bavaria em 1939.
Na montagem de sua equipe, Plendl convidou o físico solar alemão Karl-Otto
Kiepenhauer para se unir ao seu grupo e os dois acabaram se tornando figuras proeminentes
na pesquisa solar na Alemanha neste período. Mais do que isto, em 1943, Plendl reuniu dados
dos observatórios das nações ocupadas pela Alemanha nazista e tinha a intenção de montar
uma rede de observação solar no Norte da Europa. O que era bastante difícil, já que Plendl
tinha para si que os cientistas das nações ocupadas não eram confiáveis. Este problema de
confiabilidade entre cientistas não ocorria do lado dos Aliados, que montaram uma vasta rede
de observação ionosférica ao redor do globo.13
O monitoramento destas variações no Sol era
importante na perspectiva militar naquele período, pois as chamas e manchas solares
alteravam a capacidade de reflexão ionosférica e poderiam causar algum efeito nas
transmissões de sinas de rádio.
Além de eclipses totais do Sol oferecerem boas oportunidades de observações da
natureza solar e de como seus raios são absorvidos pela atmosfera terrestre, eles podem ser
usados para estudar outras características da ionosfera, quando a sombra da Lua cortasse
abruptamente a atmosfera terrestre, alterando suas condições normais. O interesse no estudo
da ionosfera terrestre constituía-se um dos maiores objetivos científicos àquela época entre os
13 HUFBAUER, Karl. Exploring the Sun – Solar science since Galileo. Baltimore: The Johns Hopkins
University Press, 1991, pp. 120 – 121.
67
pesquisadores que, de alguma forma, estavam ligados a investigações sobre a rádio
transmissão. As investigações de ondas de rádio se estendiam por diversas outras áreas de
pesquisa, sendo, por exemplo, largamente utilizadas nas tentativas de aperfeiçoamento de
sistemas de direção de mísseis.14
Voltando ao artigo de Briggs, engenheiros da Radio Division of the Bureau of
Standards iam medir em Bocaiuva e, simultaneamente, nos, já citados, postos de
monitoramento espalhados pelo mundo as alterações que ocorrem na ionosfera terrestre
quando há um eclipse total do Sol. Estas observações iam servir para a obtenção de dados
sobre os processos que envolvem os elétrons liberados de íons e as moléculas de diferentes
elementos que existem na atmosfera. A ionosfera terrestre é uma camada da atmosfera que
começa por volta de 60 km acima do nível do mar e possui a seguinte divisão: região D (entre
60 km e 90 km de altura do nível do mar), região E (entre 105 km e 160 km) e região F
(acima de 180 km). Estas regiões não possuem uma delimitação muito clara e suas áreas têm
diferentes quantidades de elementos químicos, como oxigênio, nitrogênio e outros, que
formam compostos moleculares. Estes, ao terem contato com a grande quantidade de energia
proveniente da radiações ultravioletas e de raios-X,15
liberam elétrons criando uma zona
eletrificada que reflete, de um dado ponto de emissão a um ponto máximo de alcance, as
ondas de rádio.
Durante a noite, há uma diminuição da incidência de espectros de raios-X e
ultravioletas nas áreas da Terra não alcançadas pela luz solar e três diferentes processos
podem ocorrer envolvendo íons, moléculas neutras e elétrons. Ou seja, os elétrons livres
diminuem, a capacidade elétrica da ionosfera diminui e, consequentemente, a capacidade de
reflexão de ondas de rádio também enfraquece. Os processos que orientam estas
transformações são: processo de recombinação, no qual um elétron e um íon positivo se unem
para formar uma molécula neutra; processo de recombinação dissociativa, onde um elétron e
um íon positivo se unem, e formam duas moléculas a partir da cisão do íon original; e o
processo de ligação, onde um elétron livre se une a uma molécula neutra e forma um íon
negativo. Durante a noite, a camada F permanece eletrificada através de transferências de
elétrons livres pela parte da atmosfera que recebe luz solar do outro lado do globo terrestre e
porque alguns elétrons demoram a ser capturados por íons. É isso que possibilita as
14 Ver: DeVORKIN, David. Science with a vengeance: how the military created the US space sciences after
World War II. New York: Springer – Verlag, 1992. 15 Ver: FRIEDMAN, Herbert. “Rocket Astronomy – an overview.” In: HANLE, Paul A. CHAMBERLAIN, Von
Del. Space comes of Age – Perspectives in the History of the Space Sciences. Washington: National Air and
Space Museum, 1981, p. 39.
68
transmissões de rádio durante a noite.16
Ao analisar estes processos de diminuição da
densidade de elétrons livres nas diferentes alturas da ionosfera, os cientistas do NBS tentaram
entender a que velocidade estes processos ocorrem e como os diferentes elementos químicos
estão envolvidos. Estas questões estão relacionadas às temperaturas a que estão sujeitas as
camadas da ionosfera e ao grau de absorção de energia proveniente dos espectros do Sol.
Segundo Briggs, engenheiros do NBS estavam interessados em entender como
ocorrem os processos de recombinação nas camadas mais altas da ionosfera, que são as que
contêm maior número de íons, pois as camadas mais baixas já possuiam uma boa quantidade
de informação, realizando observações durante o eclipse de 1947. Em seu artigo, Briggs não
disse quem eram os engenheiros do NBS que iam realizar o experimento. Contudo, Jacob
Savitt, integrante da Central Radio Propagation Laboratory do NBS, no seu artigo
Recombination and attachment in the F-Region during the eclipse of May 20, 1947,17
aponta
J. M. Watts e F. Kral, ambos do mesmo setor que Savitt no NBS, como os responsáveis pela
coleta de dados em Bocaiuva, em 1947.18
Savitt iniciou seu artigo tratando resultados discordantes de diferentes autores sobre a
diminuição da quantidade de elétrons livres na camada F2 (acima de 250 km de altura) e
explicando que o fato de ter delimitado sua abordagem a uma altura fixa na ionosfera –
diferente dos autores em desacordo – deu aos seus resultados uma margem menor de erro.
Após demonstrar as equações que ia utilizar, Savitt falou do intervalo de tempo de captura de
dados. A proposta de Savitt era experimentar equações que foram formuladas a partir dos
distintos processos de diminuição da presença de elétrons livres, levando em conta as
diferentes alturas dentro da camada F, e comparar os resultados destes modelos teóricos com
os dados coletados.
As conclusões de Savitt são dadas em gráficos, que levam em conta a hora local, a
densidade de elétrons e contém comparações entre resultados das observações feitas por
Watts e Kral e de modelos teóricos nas alturas: 220 km, 260 km, 300 km e 320 km. Savitt
concluiu, entre outras coisas, que a observação mostrou uma diminuição da densidade de
elétrons livres através do processo de recombinação entre as alturas de 320 km à 300 km, e
que a velocidade média que esta diminuição ocorreu foi mais lenta do que a calculada para o
16 ZIRKER, J. B. Total eclipse of the Sun. New Jersey: Princeton Press, 1995, pp. 138 – 140. 17 SAVITT, Jacob. “Recombination and attachment in the F-Region during the eclipse of May 20, 1947.”
Journal of Geophysical Research, Volume 55, nº 4, December, 1950. 18 Barrows Colton, do staff da NGS, também fez menção aos técnicos do NBS que realizaram as observações
ionosféricas, dizendo que eles não ficaram no acampamento principal da expedição da NGS, em Extrema, para
que os sinais de rádio que eles iam emitir não sofressem interferência dos sinais de rádio usados para a
comunicação entre Bocaiuva e Rio de Janeiro e Bocaiuva e Washington DC. Ver: COLTON, F. Barrows.
“Eclipse hunting in Brazil’s ranchland.” In: National Geographic Magazine. 1947, Sept, p. 298.
69
momento de totalidade do eclipse. Savitt também chegou ao resultado que, ao final do eclipse,
em alturas acima de 300 km, a ionosfera leva mais tempo do que o esperado para readquirir a
capacidade elétrica que era observada antes do início do eclipse. Já os resultados para as
alturas de 260 km e 220 km mostraram uma aproximação entre as observações e os modelos
teóricos.
De uma forma geral, as observações feitas por Savitt sobre as camadas mais altas da
ionosfera estão em desacordo com os modelos teóricos que ele usou. Foi justamente este
pouco conhecimento sobre as regiões mais altas da ionosfera que motivaram o estudo de
Savitt. Ou seja, mais pesquisas deveriam ser direcionadas àquela região.
2.3 Outras relações entre eclipses do Sol e interesses militares: a busca pela precisão dos
contatos
O planejamento das observações da expedição da NGS-NBS era bastante extenso.
Além dos estudos citados anteriormente, havia outro grupo de investigações que girava em
torno dos quatro contatos do eclipse. Como veremos a diante, a determinação precisa destes
contatos era uma tarefa tecnicamente complicada, mas que possuia uma grande importância
de uso civil e militar. O chamado primeiro contato do eclipse ocorre quando o disco da Lua
começa a cobrir o disco solar. Literalmente, é o início do eclipse, quando o disco da Lua toca
o disco solar e vai gradativamente se sobrepondo a ele. O segundo contato acontece quando o
disco da Lua cobre totalmente o disco do Sol, que é o momento da totalidade do eclipse e
quando a coroa solar fica visível. Este é o momento de maior beleza do eclipse total do Sol,
quando os raios solares não alcançam a área em que a sombra da Lua está tocando a superfície
terrestre, as estrelas na vizinhança solar aparecem e os animais têm a impressão de ter
anoitecido mais rapidamente. Aos pouco, o disco da Lua vai se movendo diante do disco do
Sol e o terceiro contato ocorre. Este se dá quando o disco solar reaparece por trás do disco da
Lua, pondo fim à fase de totalidade do eclipse. Por fim, o quarto contato é o momento final do
eclipse, quando o disco da Lua deixa de cobrir o disco solar.
Briggs falou um pouco das observações que iam ser feitas e estavam focadas na
determinação dos quatro contatos do eclipse de maio de 1947. Astrônomos do Observatório
de Georgetown, Paul A. McNally e seu assistente Francis J. Heyden, iam realizar observações
sobre a teoria do movimento lunar. O método consistia em medir com precisão os momentos
dos quatro contatos do eclipse através de uma grande quantidade de fotografias feitas com um
filme especial, que daria imagens de grande qualidade. Imagens de qualidade eram essenciais
para ajudar na determinação precisa dos contatos. A grande dificuldade desta operação era
70
devido às imperfeições da superfície lunar, que faziam com que o segundo contato não fosse
uma situação instantânea, mas, sim, um processo que demorava cerca de seis segundos.
McNally e Heyden também iam passar semanas antes e após o eclipse fotografando a porção
da Via Láctea visível a partir do Hemisfério Sul, para completar uma série de fotografias que
já existia a partir do Hemisfério Norte.
Tanto Paul McNally como Francis Heyden eram jesuítas. Heyden substituiu McNally
na direção do Observatório de Georgetown em 1948 e continuou a tradição de McNally na
observação de eclipses. Este, teve suporte financeiro da NGS nos anos 1930 e 1940. McNally
observou o eclipse de 31 de agosto de 1932, no Estado de Maine (Nordeste dos EUA), e
escreveu um artigo publicado na Revista da NGS sobre o espetáculo natural que o eclipse
total do Sol representava.19
McNally estabeleceu relações com a NGS e conseguiu suporte
financeiro para os interesses do Observatório de Georgetown, tendo que produzir artigos com
apelo popular. Por outro lado, após a saída de McNally da Direção do Observatório de
Georgetown, F. Heyden aceitou convites do Departamento de Defesa dos EUA para organizar
e treinar equipes de observadores da Air Force para realização de experimentos na ocorrência
de eclipses.20
Na verdade, desde o século XIX os militares norte americanos tinham interesse
em determinar os contatos de eclipses totais do Sol. O que deve ter ocorrido, é que a técnica
desenvolvida por McNally e Heyden era bastante eficiente e justificava parcerias como a que
apontou McCarthy.
As observações sobre o movimento lunar também estão relacionadas a outros
problemas em Astronomia. Segundo Zirker, algumas tentativas para conciliar registros
históricos de eclipses ao movimento lunar contemporâneo revelaram que a velocidade da Lua
no seu movimento ao redor da Terra registrava um pequeno aumento por século. Matemáticos
iluministas já haviam percebido este aumento e sugeriram que as causas poderiam ser
perturbações gravitacionais (alterações causadas por outros planetas ou pelo Sol) ou não
gravitacionais (alterações causadas pelo sistema Terra-Lua, como a fricção dos oceanos com
as camadas internas da Terra). Estes estudos podiam fornecer um melhor entendimento sobre
a História da rotação terrestre e o levantamento de dados que ajudassem a construir modelos
teóricos para a prevenção de alterações futuras na velocidade da Lua em torno da Terra. Estas
19 McNALLY, Paul A. “Observing a total eclipse of the Sun: Dimming solar light for a few seconds entails years
of work for science and attracts throngs to ‘nature’ most magnificent spectacle.” In: National Geographic
Magazine. 1932, November, pp. 597 – 607. 20 McCARTHY, M. F. “Obituary: Francis J. Heyden, S. J. 1907 – 1991.” Bulletin of the American Astronomical
Society; Vol. 24, nº 4, pp. 1325 – 1326.
71
questões estão relacionadas diretamente ao tempo que a Terra leva para completar uma volta
em torno do seu eixo, o que corresponde ao comprimento do dia terrestre.21
Outro estudo realizado durante o eclipse de maio de 1947 e que foi abordado por
Briggs foi o que ia ser feito por uma expedição que envolvia pesquisadores da Suécia,
Finlândia e Dinamarca e pretendia determinar a configuração geodésica de um trecho da
Terra. Através da identificação precisa dos momentos dos segundo e terceiro contatos do
eclipse em uma base no Brasil e outra na África, nos locais que a faixa de totalidade ia passar,
seria possível medir o intervalo de tempo que ia separar a visibilidade da totalidade do eclipse
e identificar a distância entre os continentes através da velocidade da sombra da Lua na
superfície da Terra. Briggs não deixa muito claro como seriam feitas as identificações
precisas dos contatos pela missão liderada pelo astrônomo finlandês, Diretor do Finnish
Geodetic Institute e chefe do Baltic Geodetic Commission, Ilmari Bonsdorff. Porém, Briggs
critica a margem de erro da captura das imagens dos contatos pelo equipamento que ia ser
utilizado por esta expedição, que era de cerca de 0.04 segundos – o que seria o equivalente à
distância de cerca de 60 metros na medição das distâncias entre os continentes. Segundo
Briggs, o tempo de um dos contatos do eclipse se estende por cerca de 6 segundos, devido às
irregularidades na superfície da Lua. Isso aumentaria bastante a margem de erro da distância
entre dois pontos distantes a ser medida.
Sobre este experimento, o ex-Diretor do NBS falou que, provavelmente, dois métodos
iam ser usados na tentativa de medir os contatos com uma precisão maior. O primeiro a ser
abordado foi o da realização de uma série de fotografias cronometradas dos momentos em que
os contatos estivessem ocorrendo. Se estas fotografias fossem feitas nas bases no Brasil e na
África, o momento de desaparição de um grão de Baily quando ocorresse o avanço da Lua
sobre o disco solar poderia identificar precisamente o momento do contato nas bases nos dois
continentes. O segundo método consistia em utilizar gravações espectrais da luz emitida pelo
Sol que tangencia a borda lunar para identificar os momentos em que montanhas lunares
cortam a série espectrográfica. Através de comparações entre os espectrogramas feitos no
Brasil e na África seria possível identificar momentos idênticos dos contatos e determiná-los
com maior precisão. Estas afirmações mostram que Briggs estava acompanhando as
observações anteriores de eclipses solares. As metodologias citadas por Briggs correspondem
à técnica de Bonsdorff e à técnica de Bertil Lindblad (astrônomo sueco). Estas técnicas foram
empregadas pela primeira vez durante o eclipse total do Sol de 09 de julho de 1945 (visível no
21 ZIRKER, J. B. Total eclipse of the Sun. New Jersey: Princeton Press, 1995, p. 41.
72
Hemisfério Norte, em boa parte da Europa), mas apenas a técnica de Bonsdorff alcançou bons
resultados. Como veremos no último capítulo, o interesse de Briggs por este experimento era
muito maior do que se podia imaginar. Mas, diferente do que foi pensado por Briggs, apenas o
método de Bonsdorff foi empregado.
De acordo com Briggs, durante o eclipse de 1947, a expedição de Bonsdorff ia contar
com a cortesia do Naval Observatory e do NBS no auxílio da emissão dos sinais de rádio,
essenciais para a observação que ia ser feita. O primeiro método abordado por Briggs se
aproxima muito de uma solução desenvolvida nos anos 1920 para medir grandes distâncias,
que, na verdade, foi o experimento no qual Bonsdorff se baseou. Thaddeus Banachiewicz
desenvolveu, na década de 1920, uma técnica para medir distâncias transoceânicas usando
eclipses solares. Banachiewicz foi um astrônomo polonês que liderou uma missão científica
para observar o eclipse total do Sol de junho de 1927, visível na Finlândia. O principal
objetivo desta expedição era determinar com precisão os tempos do segundo contato e o do
terceiro contato do eclipse total do Sol, usando uma câmera construída por Banachiewicz.
Esta câmera gravava um filme e associava seus quadros a uma medida de tempo marcada por
um relógio. De acordo com Banachiewicz, se duas câmeras como esta fossem colocadas em
dois locais afastados dentro da sombra da Lua projetada na Terra durante o eclipse total do
Sol, seria possível medir a distância entre estes locais com uma margem de erro de cerca de
50 metros. Como a velocidade da sombra da Lua durante um eclipse total do Sol era
conhecida através da mecânica celeste, os cientistas precisavam apenas da medição precisa do
intervalo de tempo em que ela (a sombra da Lua) leva para passar por dois pontos para que a
distância entre os mesmos seja calculada.22
Logo, a chamada técnica de Bonsdorff é um
aperfeiçoamento instrumental de uma metodologia criada por Banachiewicz e que tem
ligações com uma tradição dos países do em torno do Mar Báltico em medições geodésicas,
como será visto a diante.
Apesar de Briggs ter citado Bonsdorff como líder da expedição que viria ao Brasil
observar o eclipse de maio de 1947, quem a liderou foi Reino A. Hirvonen. Aparentemente,
Bonsdorff não veio ao Brasil nesta oportunidade. Pois, T. J. Kukkamäki publicou um artigo
em fevereiro de 1954, com os resultados da observação feita pela expedição finlandesa em
1947, no qual ele afirmou que ele mesmo supervisionou a missão que foi a Costa do Ouro, na
África, enquanto Hirvonen liderou a missão que veio ao Brasil. Kukkamäki assinalou que o
sucesso das observações que eles fizeram durante o eclipse de julho de 1945 foi importante
22 PIEGZA J. “The use of Solar Eclipse for Investigations on the Figure of the Geoid.” In: The Observatory. 66,
77, June 1945, p. 223.
73
para encorajar a construção de um novo equipamento para o eclipse de maio de 1947. Durante
o eclipse de julho de 1945, as câmeras usadas foram emprestadas por companhias
cinematográficas e não eram apropriadas para a realização da observação proposta. De acordo
com Kukkamäki, cinco câmeras foram construídas, pelo engenheiro finlandês Lauri Pulkkila
(que também estava em Bocaiuva), e postas em funcionamento na oportunidade do eclipse de
1947. Destas, duas ficaram com uma missão sueca, uma com uma missão argentina e as
outras duas com a missão finlandesa. Kukkamäki descreveu o novo equipamento, que,
basicamente, tinha um sistema de funcionamento que dava mais uniformidade ao movimento
do filme e uma maior precisão às imagens, aliando-as aos registros de sinais de rádio no
mesmo negativo fílmico. O rolo do filme era movimentado por um motor elétrico que ia
produzir 24 quadros por segundo. O objetivo principal da expedição durante as observações
em maio de 1947 era fotografar o desaparecimento e a aparição do crescente solar por um
período de 30 segundos no segundo e terceiro contatos.23
Mas, como estas observações têm sua base na visualização do fenômeno, o pesadelo
do mal tempo rondou a missão que estava na África. O geodesista finlandês J. Kakkuri
afirmou que Kukkamäki estava muito nervoso durante todo o eclipse devido a nuvens
ameaçadoras que rondavam o céu africano, enquanto que, no Brasil, Hirvonen teve que se
contentar com um sinal de rádio de baixa qualidade emitido pela estação LOL de Buenos
Aires, que ficava sob os auspícios do Observatório Nacional de Buenos Aires. Tendo em vista
que a missão de Hirvonen optou ficar cerca de 36 km do centro de Bocaiuva, em um local
diferente do acampamento da missão da NGS-NBS, justamente para não sofrer interferência
dos sinais de rádio da expedição norte americana, sua escolha não surtiu muito efeito.
A relação entre os finlandeses e argentinos foi ainda maior. Havia a presença do
astrônomo Jorge Sahade24
na base dos finlandeses e uma das câmeras construídas por Pulkkila
foi emprestada a uma expedição do Observatório Nacional de Córdoba, que fincou base na
Cidade de Corrientes na Argentina. Segundo o estudante de engenharia Álvaro Lúcio, havia
também a intenção de realizar o mesmo experimento de Bonsdorff para medir a distância
entre Corrientes e cidades brasileiras. De todo modo, o sinal de rádio que foi usado nas
observações finlandesas – que seriam emitidos em caráter de cortesia pelo Naval Observatory
em conjunto com o NBS, segundo Briggs escrevera – foi emitido por uma estação argentina.
23
Álvaro Lúcio, 4º anista da Escola de Minas, acompanhou as observações finlandesas e escreveu um artigo com
alguns detalhes sobre o equipamento e a experiência realizada. Ver: LÚCIO, Álvaro. “O eclipse do Sol em
Bocayuva.” In: Revista da Escola de Minas. Ano XII, nº 3, julho de 1947, pp. 31 - 35. 24 Ver Figura 13.
74
Apesar de esta missão ter tido mais alguns problemas, com o posicionamento do filme
em uma das câmeras no Brasil, os resultados alcançaram uma precisão de ±94 metros e foram
considerados satisfatórios. Ciente que o maior problema desta técnica era a imperfeição da
superfície lunar – Kukkamäki e Hirvonen usaram um mapa lunar de Friedrich Hayan, que não
era muito preciso –, os líderes da expedição finlandesa estavam esperando um novo mapa da
superfície lunar, com um rigor maior, que ia ser concluído por um pesquisador do US Naval
Observatory. Com este novo mapa, Kukkamäki e Hirvonen esperavam aumentar a precisão de
seus resultados para cerca de 30 – 40 metros.25
No eclipse anular de 1948, este experimento foi repetido pela expedição da NGS-NBS.
Contudo, esta missão, liderada novamente por Briggs, teve interesses que não foram trazidos
a público. As circunstâncias que envolveram este experimento em 1948 serão trabalhadas no
último capítulo deste trabalho.
2.4 A ação da natureza sobre os instrumentos: George Van Biesbroeck e o teste da
Relatividade Geral
No programa de observações científicas do eclipse de 1947 havia o teste da deflexão
da luz estelar,26
que visava corroborar um ponto da Teoria da Relatividade Geral (TRG), e ia
ser realizada pelo astrônomo belga George Van Biesbroeck, do Observatório de Yerkes.
Como o leitor deve saber, esta não foi a primeira vez que um eclipse total do Sol foi usado
para testar a TRG. Na verdade, muitos testes ocorreram em eclipses anteriores ao de 1947.
Nossa compreensão do mundo tangível mostra que a menor distância entre dois pontos é uma
reta. Não temos dúvidas quanto a isto. Aprendemos na escola as regras básicas da geometria
euclidiana que governam as ações cotidianas. Porém, esta afirmação não tem valor para
distâncias astronômicas. No século XIX, matemáticos perceberam que a geometria euclidiana
não era a única capaz de dar conta da realidade. O exemplo do desenho de um triângulo na
superfície de uma esfera com o resultado da soma dos seus ângulos internos maior do que
180° viola os postulados da geometria euclidiana e é um bom exemplo da existência de outras
geometrias.27
25 Sobre as observações finlandesas ver: KUKKAMÄKI, T. J. “Results obtained by the Finnish solar eclipse expedition, 1947.” In: Transactions, American Geophysical Union. Volume 35, Number 1, Feb. 1954, pp. 99 -
102.; Ver também: KAKKURI, Juhani. Geodetic research in Finland in the 20th Century. Disponível em
http://www.uni-stuttgart.de/gi/institute/ehrendoktor/kakkuri/festschrift.pdf Web site consultado em 10 de
novembro de 2011, p. 35. 26 A trajetória da luz emitida por uma estrela obedece à curvatura do Universo, causada pela ação da gravidade
nas redondezas dos corpos sólidos. 27 COLES, Peter. Einstein and the total eclipse. New York: Totem Books, 1999, pp. 32 – 33.
75
Levando-se em conta que a Relatividade Restrita mostrou uma relação entre energia e
massa, ao tomar um feixe de luz composto por photons, Einstein admitiu que a energia
contida nestes corpúsculos podia ser entendida como massa. Assim, quando este feixe de luz
passasse próximo a um corpo sólido, esperava-se que sua energia-massa seguisse o trajeto do
espaço deformado (campo gravitacional) no arredor do corpo sólido. De uma maneira geral,
as proposições de Einstein levavam a crer que a trajetória de um corpo no espaço ao invés de
ser retilínea era curva, ou geodésica. Em 1911, Einstein pensou em uma maneira de visualizar
a trajetória dos feixes de luz no espaço curvilíneo. As luzes emitidas por estrelas posicionadas
atrás do Sol, para um observador na Terra durante a ocorrência de um eclipse do Sol,
deveriam sofrer uma deflexão ao passar pelo enorme campo gravitacional solar. Sendo a TRG
verdadeira, um observador na Terra quando vê um feixe de luz de uma estrela passando perto
do Sol, veria, na verdade, a luz emitida por uma estrela que está encoberta pelo Sol, mas como
a trajetória de sua luz segue uma curva, gerada pela massa do Sol, o que ele vê é a posição
aparente da estrela. Ou seja, as estrelas que vemos ao lado do Sol, na realidade, estão atrás
dele.
Voltando a ideia de Einstein, o problema que se apresentava era que o Sol emite uma
grande quantidade de luz, o que impedia a observação das luzes das estrelas que passam mais
próximas a ele. Contudo, durante a ocorrência de eclipses totais do Sol, a luz solar é obstruída
pela Lua e as estrelas nos arredores do Sol ficam visíveis. Einstein sugeriu que astrônomos
fotografassem a posição aparente das estrelas ao redor do Sol durante um eclipse total solar.
Alguns meses após o eclipse, os astrônomos deveriam utilizar o mesmo instrumento, que
deveria ser deixado exatamente no mesmo local das primeiras fotografias, para registrar o
mesmo campo estelar, mas sem o Sol entre a Terra e as estrelas. Tudo correndo como previsto
teoricamente, as fotografias feitas sem a presença do campo gravitacional do Sol revelariam
as posições “reais” das estrelas. As chapas fotográficas de ambos os momentos deviam ser
comparadas para observar se existia alguma diferença de posição entre os feixes de luz
registrados. Caso houvesse, esta seria uma prova de que a força gravitacional gerada por um
corpo sólido altera a estrutura do espaço, e o caminho percorrido pelas luzes emitidas pelas
estrelas na circunvizinhança do Sol percorrem esta estrutura curva.28
Os primeiros dados que corroboraram a previsão de Einstein foram conseguidos
durante o eclipse total do Sol de maio de 1919, o que gerou muitas controvérsias, pois a
qualidade focal dos registros das estrelas, feitos em Sobral, Ceará, variavam muito. Algo que
28 ZIRKER, J. B. Total eclipse of the Sun. New Jersey: Princeton Press, 1995, pp. 168 - 169.
76
ainda agravou esta situação foi o fato das fotografias tiradas na Ilha de Príncipe também não
terem sido de boa qualidade.29
Ainda houve outro problema de cunho metodológico, onde os
astrônomos envolvidos descartaram deliberadamente os registros que mostravam uma
deflexão da luz estelar bem distante do que Einstein havia previsto.30
Zirker tratou os testes da
TRG em uma perspectiva histórica, na qual ele se deteve aos pormenores da expedição de
1919, passou superficialmente pelos testes realizados nos eclipses seguintes e detalhou o
experimento da expedição para a observação do eclipse de 1973, que coletou os dados mais
próximos do que Einstein Previu.31
O motivo da realização de tantos testes da TRG é porque
existem muitas variáveis que interferem na sua realização, como as condições de temperatura,
a pressão atmosférica e a presença de névoa durante a observação que podem acarretar
distorções nas imagens capturadas. Isso sem levar em conta a aferição do instrumento e a
metodologia adotada para a coleta e análise dos dados.
Sobre o experimento de Biesbroeck, quais foram as dificuldades por ele enfrentadas?
Biesbroeck lançou mão de quais estratégias para contornar estes problemas? Qual a ligação do
experimento de Biesbroeck com os testes que foram feitos depois do seu? A Teoria Geral da
Relatividade é aceita por astrônomos desde os primeiros testes realizados em fins dos anos
1910 e na década de 1920. Discutia-se apenas o ângulo da deflexão.32
Os resultados obtidos
até 1947 ofereciam um arco de curvatura distinto, às vezes para mais, outras para menos, do
que Einstein previu (1.75 arcos de segundo) no início do século XX. A convite de Briggs,
Biesbroeck aceitou a realização do teste da TRG e construiu um telescópio com uma distância
focal de 20 pés (cerca de 6 metros) para a realização de suas observações. Algumas medidas
foram adotadas para tentar captar a luz de estrelas que passavam mais próximas ao centro do
Sol, através da coroa solar (que é composta por gases), onde a curva sofrida pela luz estelar é
maior. Porém, a coroa solar emite uma quantidade considerável de luz verde, o que poderia
influenciar na nitidez das fotografias da luz estelar e atrapalhar as comparações das chapas
fotográficas que seriam feitas alguns meses depois.
Em seu artigo de março de 1947, Briggs diz que, para tentar contornar esta
dificuldade, Biesbroeck ia utilizar um filtro que absorvia as ondas espectrais menores (do
violeta ao laranja, de 400 nm a 640 nm) e deixaria as ondas maiores livres, captando o
29 ZIRKER, J. B. Total eclipse of the Sun. New Jersey: Princeton Press, 1995, pp. 171 - 172. 30 VIDEIRA, A. A. P. “Einstein e o eclipse de 1919.” In: Física na Escola. Vol. 6, Numero 1, 2005, p. 86. 31 Para maiores detalhes desta expedição ver, também: DeWITT, Bryce S.; MATZNER, Richard A.;
MIKESELL, A. H. “A Relativity Eclipse Experiment Refurbished.” Sky and Telescope, 1974, May, pp. 301 –
306. 32 SCHMEIDLER, F. “The Einstein Shift – An unsettled problem.” Sky and Telescope, 1964, April, pp. 217 –
219.
77
espectro vermelho (650 nm a 700 nm) da luz estelar.33
É importante ressaltar que a captação
do espectro vermelho em detrimento aos outros só foi possível devido à criação de uma nova
emulsão fotográfica. Biesbroeck ainda tinha que ajustar a objetiva do seu telescópio para a
captação mais nítida do espectro vermelho, já que o padrão focal de nitidez dos telescópios
tendia para a captação da luz azul. Este último ajuste foi feito pelo Observatório de Yerkes.
Este ponto deixa claro que a construção do conhecimento científico sobre a natureza depende
dos instrumentos utilizados e da tecnologia existente para realizar determinado experimento.
Durante o tempo entre uma observação e outra, o telescópio deve ficar na mesma
posição para que não haja variação de escala na segunda observação, já que a deflexão da luz
estelar é muito pequena e qualquer movimento no telescópio pode causar grandes alterações
nos resultados. Mesmo sabendo que seu instrumento ia ficar sob vigilância militar em
Bocaiuva, Biesbroeck pensou em um dispositivo para que a exata posição do campo estelar
além do Sol pudesse ser recuperada, caso houvesse qualquer tipo de eventualidade. Este
dispositivo era a captação de um segundo campo estelar a 90º do eixo do telescópio para
marcar a posição do instrumento.
Como o artigo de Briggs era uma projeção de algumas das intenções de observações
do eclipse total do Sol de 1947, era bem provável que ocorressem imprevistos. O artigo de
Biesbroeck revela os detalhes do seu teste.34
Logo no início, Biesbroeck afirma que só aceitou
realizar esta observação por que lhe ocorreu a ideia de posicionar na frente da objetiva do
telescópio um espelho semirrefletor a 45º do eixo ótico, que captaria um campo estelar
auxiliar a 90º do Sol. Segundo o próprio Biesbroeck, a ideia de capturar um campo estelar
para assegurar a escala já havia sido desenvolvida, sem o seu conhecimento quando da
montagem de seu telescópio e com outras características, para a observação do eclipse total do
Sol de 1936, pelo astrônomo russo A. Mikhailov.
O texto de Biesbroeck segue uma linha temporal na qual as dificuldades começaram a
surgir na fase de testes. Apesar de, no momento do teste, as imagens reveladas terem sido de
ótima qualidade, tanto do campo estelar do eclipse como do campo estelar auxiliar, houve
problemas com o filtro e com o espelho semirrefletor usado para captar a luz emitida pelo
campo auxiliar. A folha gelatinosa de 20 mm, que foi esticada, posta em uma moldura de
metal e pendurada na frente da chapa enrugou. Biesbroeck teria que trocar a folha de filtro por
outra antes do eclipse. Contudo, ele não teria como trocar novamente o filtro para realizar a
33 Ver Figura 18. 34 BIESBROECK, George van. “The Einstein shift at the eclipse of May 20, 1947, in Brazil.” Astronomical
Journal, 1950, vol. 55, January, pp. 49 – 52.
78
segunda observação meses depois. Assim, Biesbroeck resolveu trabalhar sem filtro algum,
comprometendo um pouco a qualidade das imagens devido à captação de névoa e da luz verde
da coroa solar.
O problema ocorrido com o espelho semitransparente foi mais grave. Biesbroeck
estava ciente da necessidade de proteger os espelhos da radiação solar. Quando o
equipamento não estava sendo usado, as lentes e o espelho eram cobertos com um tipo de
capuz cilíndrico feito de alumínio e com um anteparo de madeira. Somente após 20 segundos
do segundo contato do eclipse é que as proteções foram retiradas. Após o término do eclipse,
Biesbroeck teve uma surpresa: [...] when the eclipse-plate was examined I was shocked to find
the auxiliary field stars astigmatically distorted while the stars in the eclipse field remained
perfectly round”35
A ideia que motivou Biesbroeck a aceitar o convite de Briggs para realizar o teste da
deflexão da luz estelar encontrou problemas para sua concretização. A conclusão de
Biesbroeck para a ocorrência deste imprevisto foi que o calor ocasionado pelas proteções
utilizadas danificou seu espelho semirrefletor. Se, por um lado, as proteções cobriam o
instrumento da luz direta do Sol, por outro, houve uma geração de calor que foi agravado pela
não ventilação do artifício. Com este problema, Biesbroeck não tinha mais o campo auxiliar
para estabelecer com maior precisão o posicionamento das estrelas e teve que realizar suas
medidas apenas com a comparação das chapas de maio e agosto, com a desvantagem de ter
poucas estrelas nas proximidades do Sol.
Como se pode perceber, as observações de eclipses solares pelas expedições da NGS-
NBS buscavam dados que possibilitassem sua aplicação em diferentes campos. Havia uma
tendência à realização de estudos relacionados à área de comunicações de longa distância,
através de pesquisas voltadas aos diferentes processos que ocorrem durante a ionização da
atmosfera terrestre. No pós-Segunda Guerra, ocorreu um interesse crescente por parte de
militares e civis pela pesquisa geodésica a partir de observações de eclipses. O interesse em
realizar o teste da TRG não passou por tal crescimento, mas ele continuou sendo realizado nos
eclipses seguintes. Apesar de o experimento de Biesbroeck não ter saído como planejado e
suas medidas apontarem para uma deflexão de 2.17 arcos de segundos, sua experiência foi
35
[...] quando a chapa do eclipse foi examinada eu fiquei chocado ao encontrar o campo estelar auxiliar
astigmaticamente distorcido enquanto as estrelas no campo do eclipse permaneceram perfeitamente claras. In:
BIESBROECK, George van. “The Einstein shift at the eclipse of May 20, 1947, in Brazil.” Astronomical
Journal, 1950, vol. 55, January, p. 50, tradução nossa.
79
importante para as observações seguintes, na medida em que forneceu uma maior
preocupação com a ação da natureza sobre os instrumentos.36
36 Uma expedição em conjunto da Universidade do Texas e Princeton construiu uma casa com a temperatura
controlada para que não houvesse variações de temperatura que interferissem no funcionamento do equipamento
para a observação do eclipse total do Sol de 1973. Esta expedição conseguiu os dados que mais se aproximam do
que foi previsto por Einstein. Ver: DeWITT, Bryce S.; MATZNER, Richard A.; MIKESELL, A. H. “A
Relativity Eclipse Experiment Refurbished.” Sky and Telescope, 1974, May, pp. 301 – 306.
80
3 Usos da Ciência: eclipses do Sol em nome da Guerra
Neste capítulo, analiso as relações entre observações de eclipses solares e as
circunstâncias históricas da Segunda Guerra Mundial. Boa parte dos estudos e os interesses
dos cientistas envolvidos estavam em acordo com as condições de guerra que existiam nos
anos 1930 e 1940. Neste período, os eclipses totais do Sol de 1940 e 1947, visíveis no Brasil,
estavam no processo histórico de observações organizadas pela NGS e pelo NBS iniciado em
meados dos anos 1930 e são um caso a parte no capítulo. Por mais que as circunstâncias não
fossem determinantes, cientistas do NBS e de outras instituições, que ocupavam cargos de
destaque, envolveram-se nos esforços de guerra ao mesmo tempo em que se preocupavam em
observar eclipses do Sol. Nesta perspectiva, as observações de eclipses solares foram
direcionadas para resolver problemas que pudessem contribuir para o desenvolvimento de
armamentos que eram conduzidos em laboratórios científicos dos EUA. Por outro lado,
algumas expedições podem ter criado condições privilegiadas para que militares alcançassem
seus interesses estratégicos nos anos que se seguiram à Guerra, usando como pretexto a
observação de eclipses do Sol.
***
3.1 A Segunda Guerra Mundial e eclipses do Sol alcançam o Brasil nos anos 1940
Ao longo da Segunda Guerra Mundial, ocorreu uma aproximação entre os EUA e o
Brasil com claros interesses de estratégia militar. As forças do Eixo tinham tomado parte do
Norte da África em 1942 e a inglesa Royal Air Force estava resistindo para não perder
completamente aquele território. O Norte da África era importante no quadro estratégico
militar naquele momento da Segunda Guerra Mundial por dar acesso aos recursos minerais
daquela região e porque ele poderia servir como rota para que as forças aéreas do Eixo
alcançassem o continente americano através do Nordeste brasileiro. Há um estudo realizado
pelo War College, com data de 1939, que mostra que os EUA tinham conhecimento de que o
Brasil não era militarmente forte o suficiente para proteger aquela região, que era a rota mais
curta para ligar a África ao continente sul americano.1 Em um voo de apenas oito horas, os
aviões do Eixo poderiam cruzar o Oceano Atlântico e chegar ao território brasileiro. Por outro
lado, os aviões dos EUA poderiam fazer o mesmo na direção contrária. Apoiado nesta visão
1 McCANN, Frank Jr. Aliança Brasil Estados Unidos: 1937 – 1945. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,
1995, p. 43.
81
estratégica, em 1943, o Governo dos EUA negociou com o Governo do Brasil a construção da
Base militar de Parnamirim, no Estado do Rio Grande do Norte, oferecendo em troca
equipamentos e treinamento militares.2 Esta base ia fornecer apoio logístico às tropas Aliadas
no Norte da África e, na perspectiva que vem sendo construída neste trabalho, ia criar a
necessidade de os institutos de pesquisa dos EUA entenderem as condições ionosféricas de
rádio reflexão naquela parte do território brasileiro, já que as mesmas variam de acordo com a
latitude, longitude, época do ano e ciclo de manchas do Sol. O NBS era a instituição de
pesquisa dos EUA responsável pelas investigações de transmissão de rádio e utilizava,
também, eclipses do Sol para estudar a ionosfera terrestre desde o fenômeno de 1932.
Antes do eclipse de 01 de outubro de 1940, que ia ser visível nas regiões Norte e
Nordeste do Brasil, Lyman Briggs se encarregou dos detalhes de uma expedição da NGS-
NBS para realizar testes de reflexão de ondas de rádio pela ionosfera terrestre durante a
ocorrência do eclipse anular do Sol de 07 de abril de 1940. Este eclipse ia ser visível em uma
estreita faixa que ia passar pelo Sul dos EUA, abrangendo a área do Eighth Corps Area no
Fort Clark, condado de Kinney, Estado do Texas. As solicitações de Briggs ao comandante da
base não foram muitas, variando de geradores de energia elétrica a uma barraca para
acomodar os equipamentos. Diante da boa vontade do comando de Fort Clark em cooperar
com as ações do NBS, todas as solicitações de Briggs foram atendidas. As trocas de ofícios
revelam que Briggs forneceu detalhes do equipamento e a frequência que ia ser usada durante
as observações. A expedição foi composta por dois membros do staff do NBS – Theodore R.
Gillialand e Archer S. Taylor –, e o National Observatory ainda enviou um suplemento do
American Ephemeris contendo os valores específicos das medidas ionosféricas daquela região
para auxiliar nos cálculos dos resultados.
Neste meio tempo, órgãos do Governo dos EUA entraram em contato com os do
governo brasileiro sobre a autorização de experimentos que envolviam transmissões de rádio
durante o eclipse total do Sol de 01 de outubro de 1940. Em novembro de 1939, J. M.
Johnson, Assistente do Secretário de Comércio, enviou documento ao Secretário de Estado
dos EUA para que este requisitasse autorização do Governo brasileiro objetivando a
realização destes experimentos na ocorrência do eclipse. Segundo as informações passadas
por Johnson ao Secretário de Estado norte americano, era necessária uma permissão especial
para o uso de ondas de rádio em solo brasileiro, mesmo no caso destas não causarem
interferência em outras transmissões radiofônicas, como já fora assegurado em outras
2 Relatório Geral do Chefe da Delegação Brasileira à Joint Brazil-United States Defense Commission (JBUSDC).
General Estevão Leitão Carvalho, 1945. Arquivo Histórico do Exército/ Rio de Janeiro-RJ/ Brasil.
82
oportunidades em que o mesmo aparelho fora usado nos EUA. As autoridades brasileiras não
viram problema na requisição e o Ministério da Viação e Obras Públicas encaminhou
documento à Embaixada dos EUA no Rio de Janeiro, afirmando não se opor ao uso de uma
estação de rádio pelos norte americanos, desde que ela só fosse utilizada nas observações do
eclipse solar. A mesma posição foi tomada pelo Conselho de Fiscalização de Expedições
Científicas e Artísticas do Brasil.3
Se estas situações realmente possuem conexões, é possível entender que o interesse
científico da missão da NGS-NBS no eclipse de outubro de 1940 supria, também, uma
necessidade de uso militar, mesmo no caso desta necessidade não ter sido a motivadora do
planejamento deste experimento específico. Como foi visto anteriormente, uma das frentes de
pesquisa principais do NBS era a investigação da capacidade de reflexão ionosférica, que
tinha uma grande importância para as ações de guerra. Diante da deficiente força militar
brasileira na região Nordeste do seu território, a presença de tropas dos EUA já tinha espaço
para ser considerada em 1940. Se as forças militares dos EUA abrissem uma frente de
combate no Nordeste brasileiro, ia ser necessária uma melhor compreensão das condições de
reflexão ionosférica de ondas de rádio, essenciais para o sucesso nas comunicações em
operações de guerra. Se no momento da organização da expedição para observar o eclipse de
1940 isto não foi pensado (como acredito que não foi), os resultados que o teste de reflexão de
ondas de rádio em várias frequências entre o Nordeste brasileiro e as estações de rádio do
NBS nos EUA devem ter sido úteis em algum momento durante o estabelecimento das
comunicações entre estes dois locais ao longo do processo em que os militares dos EUA se
instalaram em Natal.
A Segunda Guerra Mundial aproximou a prática científica a questões políticas e
militares. Expedições para observações de eclipses solares podem ser tomadas como entrada
para perceber esta relação. Durante as observações do eclipse do Sol de 1947, a presença de
uma enorme quantidade de militares de alta patente dos EUA no campo de observação
diferenciou-se de ocasiões anteriores.4 Sobre os experimentos realizados nesta ocasião, em
linhas gerais, a expedição da NGS-NBS fez a mensuração da curvatura da luz estelar nas
proximidades do Sol, estudos de emissão de energia pelo Sol e estudos ionosféricos. A
maioria destes experimentos foi um sucesso, incluindo o experimento geodésico para medir a
3 Diversos documentos em: RG 167 – NC – 76 Entry 52 – Box 63, Folder: IPO – 878 – C. NARA/ College Park
– MD/ US. 4 O general Gordon P. Saville, Chefe da Joint Brazil United States Defense Commission estava no campo de
observação em Bocaiuva, MG, durante a ocorrência do eclipse total do Sol de 20 de maio de 1947. Ver: Jornal
do Brasil, 18 de maio de 1947, p. 6.
83
distância entre o Brasil e a África, que foi conduzido por uma expedição conjunta entre a
Finlândia e a Suécia, liderada pelo astrônomo finlandês Reino Hirvonen, como foi visto no
segundo capítulo deste trabalho.
Apesar de o motivo não estar tão claro, a realização do experimento da missão de
Hirvonen foi crucial para as ações que envolveram as decisões seguintes da NGS, do NBS e
das Forças Armadas dos EUA relacionadas a observações de eclipses solares. Alguns
documentos mostram que em abril de 1947, antes da ocorrência do eclipse de maio do mesmo
ano, militares da United States Army Air Force estabeleceram um projeto secreto para sondar
o estudo que ia ser feito pela expedição conjunta da Finlândia e da Suécia.5 Ora, o campo de
observação da NGS-NBS em Bocaiuva (MG) para o eclipse de 1947 parecia mais um
acampamento militar. A base científica contava com uma pista de pouso, tinha a presença de
militares de alta patente das forças armadas dos EUA, telescópios apontados para o céu, que
remetiam a peças de artilharia antiaérea, projetos secretos de sondagem de experimentos e
cientistas que tinham no currículo o desenvolvimento de armas de destruição em massa. É
evidente que a expedição da NGS-NBS para a observação do eclipse total do Sol de 1947 foi
bem diferente não só das suas anteriores, mas, também, das expedições organizadas por
observatórios e outras instituições de pesquisa na mesma ocasião. Afinal, como explicar estas
singularidades da expedição da NGS-NBS e suas relações com a ocorrência de eclipses do
Sol?
3.1.1 A expedição da National Geographic Society em foco: quem vem? Fazer o que?
Em 1947, existia um órgão específico do Governo Federal do Brasil que era
responsável, via Ministério das Relações Exteriores, pelas negociações com as embaixadas
dos países que tinham instituições interessadas em realizar pesquisas em solo brasileiro.
Através do Decreto nº 23.311, de outubro de 1933, foi criado o Conselho de Fiscalização das
Expedições Artísticas e Científicas do Brasil,6 que tinha a missão, como o próprio nome
sugere, de autorizar a entrada e fiscalizar as ações das expedições científicas e artísticas em
território brasileiro. Sua criação estava ligada à suspeição de que expedições científicas
estrangeiras representavam uma ameaça ao patrimônio natural do Brasil, coletando e levando
para seus países amostras de minerais e de espécies de nossa fauna e flora.
5 Memorandum from Colonel William M. Garland to the Chief of Engineers. April 01, 1947. In: RG 342 – Entry
P26 – Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse
Expedition. NARA/ College Park – MD/ US. 6 Daqui a diante usarei a sigla CFEACB, ou simplesmente “Conselho”, para fazer menção a este órgão.
84
A ação fiscalizadora do Conselho contribuiu para o aumento de coleções de museus
nacionais através do confisco de amostras coletadas de forma ilegal e de doações de
duplicatas de espécies desconhecidas, colhidas pelas expedições estrangeiras. O CFEACB
tinha a intenção de utilizar os relatórios das pesquisas elaborados pelas missões visitantes para
aumentar nosso conhecimento científico sobre nossas riquezas naturais brasileiras. Os
membros do Conselho eram “[...] especialistas em botanica systematica; geologia,
mineralogia e paleontologia; zoologia systematica; anthropologia e ethnographia; objectos
historicos; arte antiga e tradicional; topographia e cinematografia.”7 As diferentes
especialidades dos membros do Conselho davam, teoricamente, credibilidade aos seus
pareceres e ações fiscalizadoras, facilitando seus contatos com as expedições científicas e
artísticas que vinham ao Brasil. O CFEACB existiu até janeiro de 1968, e era vinculado à
Diretoria Geral de Pesquisas Científicas do Ministério da Agricultura, quando o Decreto nº
62.203 o extinguiu. Obrigatoriamente, as expedições da NGS-NBS que vieram ao Brasil
observar os eclipses do Sol de 1940 e 1947 tinham que conseguir a autorização do Conselho.
Para a organização de uma expedição astronômica para observação de um eclipse
solar, os preparativos têm que ser feitos com bastante antecedência. A escolha do local em
que era montada a base de observação passava por um meticuloso processo de análise de
fatores ligados às cidades bem como às circunstâncias históricas do período. A questão não se
resumia apenas a calcular os limites da faixa do eclipse total do Sol, mas incluía pensar em
como chegar a um local que oferecesse boas condições meteorológicas na época do ano em
que o fenômeno ia ocorrer, levando equipamentos sensíveis e pesados para serem montados
no local. Além disso, era necessário considerar o pessoal envolvido nas ações de transporte e
trabalhos de montagem do equipamento e do acampamento, que tem que comer, dormir e, por
que não, se divertir. Estas questões estão relacionadas à dimensão que a National Geographic
– Bureau eclipse expedition teve em 1947. A grande quantidade de experimentos que esta
expedição ia realizar precisava do suporte de uma mão de obra de tamanho considerável.
Em 1946, os primeiros contatos entre a Embaixada dos EUA e o CFEACB tiveram
início. O primeiro documento sobre observações científicas do eclipse de 1947 recebido pelo
Conselho acusa a chegada em 14 de junho de 1946. Este documento é um ofício8 enviado em
7 Decreto nº 1.016, Artigo 2º, § 1º, de 06 de agosto de 1936. O Decreto nº 6.735, de 21 de janeiro de 1941, que
era o que vigorava em 1947, fez algumas alterações no Decreto nº 1.016, entre as quais está a concessão do
direito de voto, nas questões que se apresentavam, aos representantes do Ministério da Fazenda e do Ministério
das Relações Exteriores, que já faziam parte do Conselho, mas sem este direito. 8 CFE.T.2.223, docs. 698 (enviado em 02 de maio de 1946 – recebido em 14 junho de 1946). Acervo do
CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.; e: 699 (enviado em 02 de maio de 1946 – recebido em 14 junho
de 1946). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.
85
02 de maio de 1946 pela Embaixada dos EUA ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil
e contém, em anexo, um memorando,9 elaborado, aparentemente, pelo Comitê Científico da
NGS que tem maiores detalhes sobre as necessidades para a organização da expedição. A
principal questão tratada neste ofício é a solicitação da permissão de entrada no Brasil da
missão organizada pela NGS, fazendo com que os outros temas abordados gravitassem no seu
entorno.
Um dos pontos tratados no ofício é o fato de que o CFEACB autorizou e facilitou as
ações de uma expedição científica norte americana, também patrocinada pela NGS, para as
observações do eclipse total do Sol ocorrido em 1940, visível na Cidade de Patos, no Estado
da Paraíba. Esta menção tinha como objetivo reforçar o pedido de licença para a observação
do eclipse de 1947, lembrando ao Conselho que, em uma oportunidade anterior, uma missão
científica da mesma natureza e financiada pela mesma instituição fora licenciada pelo órgão.
A partir deste documento fica claro que há uma mínima continuidade nos trabalhos de
organização das National Geographic – Bureau eclipse expeditions.
Já no memorando, com data de envio à Embaixada dos EUA em 16 de abril de 1946,
anexado ao ofício, há um pedido de informações sobre as condições logísticas das cidades que
poderiam receber a expedição da NGS. Enquanto o ofício citado indica que as proximidades
da Cidade de Grão Mogol (MG) era a região que os cientistas norte americanos acreditavam
ser o melhor ponto de observação, o memorando cogitava pontos de observação mais
específicos nas Cidades de Montes Claros e Bocaiuva, limítrofes uma da outra e situadas na
região Norte de Minas Gerais. A ideia era que os cientistas e o material entrassem pelo Rio de
Janeiro e depois seguissem para o local das observações. Neste ponto, os organizadores
acentuam a importância do transporte do equipamento científico do Rio de janeiro para o
Norte de Minas Gerais, solicitando informações completas dos serviços existentes. Se
atentarmos para o mapa que contém a faixa de totalidade deste eclipse,10
é fácil perceber que
havia cidades que o acesso era mais fácil e que mesmo se os planejadores quisessem uma
cidade um pouco afastada da costa, havia um sem número de opções. Assim, fica uma
pergunta: por que, logo no primeiro contato com o Conselho, os planejadores da expedição já
pedem informações sobre as três cidades citadas que ficam no Norte de Minas Gerais? A
diante voltarei a esta questão.
9 CFE.T.2.223, doc. 702 (enviado em 16 de abril de 1946 – recebido em 14 de junho de 1946). Acervo do
CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 10 Mapas dos eclipses solares que aparecem ao longo da dissertação (em ordem cronológica).
86
Enquanto nos EUA os organizadores acertavam os detalhes das observações que iam
realizar durante o eclipse solar de maio de 1947, no Brasil os trabalhos de autorização da
entrada da missão liderada por L. Briggs estavam sendo encaminhados. O parecer elaborado
pelo relator do processo do pedido de licença da missão da NGS, Azoildo Magalhães de
Oliveira (representante do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM – no
CFEACB), sugeriu que o Conselho pedisse informações às autoridades locais das cidades
citadas, ao Interventor do Estado de Minas Gerais e ao Diretor do Observatório Nacional, com
o intuito de satisfazer às solicitações da Embaixada dos EUA.11
Este parecer foi apresentado
nas reuniões do Conselho dos dias 13 e 16 de agosto de 1946,12
sendo somente após esta
última data que as diligências sugeridas foram realizadas, segundo o conteúdo da ata da 545ª
reunião do CFEACB.
O Conselho elaborou um questionário13
com os pontos a serem esclarecidos pelas
prefeituras das cidades consideradas para receber a expedição da NGS. Este questionário
contém pedidos de informações sobre as condições de hotéis e acomodações para os
integrantes da missão, sobre a existência de hospitais e de médicos, sobre a disponibilidade de
material de construção e a respeito das condições dos meios de transporte que ligavam as
cidades ao Rio de janeiro, especificando que os instrumentos tinham um grande peso e
medidas consideráveis.
As administrações municipais de Grão Mogol, Montes Claros e de Bocaiuva enviaram
os questionários respondidos ao CFEACB em setembro de 1946.14
Até este momento, o
Conselho ia realizando com sucesso o seu trabalho. Mas, o ideal era que os planejadores da
expedição da NGS-NBS tivessem o auxílio de alguma instituição científica brasileira e que
este auxílio já tivesse sido oferecido, ou ao menos que o trabalho de levantamento das
informações básicas tivesse começado com antecedência. Pois, o ON já tinha uma tradição em
11 CFE.T.2.234, docs. 908 (sem data). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.; e: 909 (sem
data). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 12 Ata da 544ª reunião do CFEACB, de 13 de agosto de 1946. CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB,
MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 62.; Ata da 545ª reunião do CFEACB, de 16 de agosto de 1946.
CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 62. 13 CFE.T.2.223, doc. 709 (sem data). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 14 CFE.T.2.223, docs. 715 (enviado em 02 de setembro de 1946). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro –
RJ / Brasil.; 718 (enviado em 02 de setembro de 1946). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.; 720 (enviado em 10 de setembro de 1946 – recebido em 24 de setembro de 1946). Acervo do CFEACB,
MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.; e: 721 (enviado em 10 de setembro de 1946 – recebido em 24 de setembro
de 1946). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.; Ata da 551ª reunião do CFEACB, de 10 de
setembro de 1946. CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, pp. 66, 67.;
Ata da 552ª reunião do CFEACB, de 17 de setembro de 1946. CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB,
MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 67.; Ata da 553ª reunião do CFEACB, de 24 de setembro de 1946.
CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 68.
87
observar eclipses do Sol em território brasileiro e sabia o que era preciso fazer em uma
situação como esta.
O Observatório Nacional preparou um documento15
destinado a municípios dos
Estados de Minas Gerais e de São Paulo, a partir dos quais ia ser possível ver o fenômeno em
sua totalidade – e tinham chances de receber alguma missão científica –, no qual ressaltou que
o estudo de um eclipse total do Sol é de extrema importância para a Ciência, atraindo
autoridades na matéria de diferentes nacionalidades. Era exatamente isto que os planejadores
de uma expedição para a observação de um eclipse do Sol esperavam dos observatórios
nacionais dos países que as recebem: colaboração. O ON era o órgão brasileiro que, além da
autoridade científica para convencer pequenas municipalidades no interior do país a fornecer
as informações necessárias, possuía capacidade para auxiliar cientificamente as missões
visitantes. Neste documento que o Observatório Nacional preparou, há a solicitação de: mapas
da região, informações sobre os meios de comunicação, sobre o serviço de transporte e de
acomodação, além de perguntas sobre as condições de distribuição de energia elétrica, mão de
obra local e acomodação em hotéis. Todas estas informações são básicas para que os
organizadores pudessem tomar decisões que dessem às observações do eclipse a maior
possibilidade de sucesso.
As respostas de todas as municipalidades às informações solicitadas pelo Observatório
estão em documentos padronizados, não datados e são bastante específicos no que concerne
às particularidades dos dados pedidos. Através da observação da padronização desta
documentação, é possível sugerir que ela foi preparada pelo próprio ON, com a intenção de
organizar as informações e repassá-las às equipes de planejamento das expedições
interessadas em estudar o fenômeno. Contudo, nem todos os municípios para os quais o
Observatório enviou um questionário em 18 de julho de 1946 enviaram resposta, e isto
motivou o ON a questionar algumas municipalidades sobre estas informações. Em 20 de
novembro de 1946, a Prefeitura de Montes Claros respondeu16
dizendo que enviara as
informações em 24 de julho de 1946. A Prefeitura de Bocaiuva respondeu somente em 19 de
novembro de 1946, afirmando que a missão do major Jerome Alexander, da US Army Air
Force, já estava na cidade e que o prefeito oferecia a ajuda necessária.17
Mas, que ajuda era
15 Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, documento de 18 de julho de 1946. MAST/ Rio
de Janeiro – RJ / Brasil. 16
Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, documento de 20 de novembro de 1946. MAST/
Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 17 Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, documento de 19 de novembro de 1946. MAST/
Rio de Janeiro – RJ / Brasil.
88
esta que o prefeito de Bocaiuva oferecia aos militares da US Army Air Force sem o
conhecimento do ON?
Mesmo com a concessão de facilidades, tanto por instituições civis, como militares,18
as organizações das expedições científicas se esforçaram para atender aos pontos da
legislação brasileira que regulamentava suas atuações. Logo nos contatos iniciais, a
organização da expedição da NGS enviou a discriminação do seu plano de observações,19
atendendo às exigências do Artigo 4º, do Decreto nº 6.734, de janeiro de 1941, para a
concessão de licenças. O plano da NGS tinha os seguintes objetivos:
– Fotografar a coroa solar em preto e branco e em cores, com uma câmera astrográfica de 9
polegadas de abertura;
– Estudar a polarização da luz da coroa solar, com 2 polarígrafos com Atar lens focal length
47 ½.;
– Realizar um estudo espectrográfico do espectro flash da coroa solar, usando dois
espectrógrafos especialmente construídos para esta finalidade;
– Medir a variação do brilho solar enquanto a totalidade se aproxima;
– Medir as mudanças nas camadas ionizadas na atmosfera da Terra enquanto o disco da lua
cobrisse o disco solar;
– Medir com precisão os tempos em que a lua faz seus quatro contatos com o disco solar, para
fornecer informações experimentais adicionais relacionadas ao movimento lunar;
– Estudar a distribuição da intensidade da luz do dia em várias altitudes durante o eclipse;
– Medir o aparente deslocamento das posições das estrelas perto do Sol. Para esta parte do
programa será necessário deixar a câmera em sua posição por quatro meses após o eclipse, até
que o mesmo campo estelar possa novamente ser fotografado à noite;
– Medir a temperatura da coroa perto do limbo do Sol.
Dos nove estudos declarados no documento, quatro estão relacionados ao estudo da
coroa solar, os outros cinco abordam questões distintas, como a ionosfera terrestre, o
movimento lunar, a intensidade da luz em diferentes camadas da atmosfera, a variação do
brilho do Sol e a curvatura do espaço causada pela existência de corpos sólidos. Se, por um
18
A Força Aérea Brasileira transportou boa parte do equipamento científico da missão da NGS-NBS do Rio de
Janeiro para Minas Gerais. Ver: Jornal do Brasil. 18 de maio de 1947. 19 CFE.T.2.223, doc. 698 (enviado em 02 de maio de 1946 – recebido em 14 junho de 1946). Acervo do
CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.
89
lado, nem todos estes estudos foram realizados, por outro, observações que não haviam sido
declaradas foram feitas.20
Já o Item 2, do Artigo 4º, do Decreto nº 6.734, de janeiro de 1941, dizia que uma lista
dos expedicionários tinha que ser enviada ao CFEACB como um dos requisitos para a
concessão da licença. O relator do processo da licença da missão da NGS condicionou a
autorização para a realização de pesquisas em 1947 ao envio da lista com os nomes dos
cientistas,21
pois os contatos já haviam sido iniciados e esta lista não tinha sido enviada. A
lista com os expedicionários da NGS só chegou ao Conselho em 06 de maio de 1947,22
mesmo dia em que a licença foi concedida.23
A relação dos integrantes desta expedição é a
seguinte:
– Dr. Lyman J. Briggs24
– National Bureau of Standards;
– Dr. Irvine Gardner – National Bureau of Standards;
– Dr. Carl. C. Kiess – National Bureau of Standards;
– Mr. James M. Watts – National Bureau of Standards;
– Mr. Franklin Kral – National Bureau of Standards;
– Mr. W. L. Scott – National Bureau of Standards;
– Mr. Oliver F. Westfall – National Bureau of Standards;
– Dr. Francis J. Heyden – Georgetown Observatory/ Georgetown University;
– Dr. Lawrence C. McHugh – Georgetown Observatory/ Georgetown University;
– Dr. E. O. Hulburt – United States Naval Research Laboratory;
– Mr. Ralph Richardson – United States Naval Research Laboratory;
– Dr. G. Van Biesbroeck – Yerkes Observatory/ University of Chicago;
– Dr. Harold Weaver – Lick Observatory/ University of California;
– Mr. Peter A Morris – Bartol Research Foundation.
20 L. Briggs fez uma observação durante o eclipse de maio de 1947 que não estava declarada nem no plano de
observação fornecido ao CFEACB nem no artigo que ele publicara em fevereiro de 1947. Briggs conduziu uma
medição da emissão de radiação solar ao longo dos quatro contatos do eclipse. Ele publicou seu artigo em 1957. Ver: BRIGGS, Lyman. “Observed and computed radiation from first to fourth contact during a total solar
eclipse.” Transactions American Geophysical Union, 1957, v. 38, n. 1, pp. 17 – 20. 21 CFE.T.2.234, doc. 908 (sem data). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 22
CFE.T.2.223, doc. 731 (enviado em 30 de abril de 1947 – recebido em 06 de maio de 1947). Acervo do
CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 23 CFE.T.2.223, doc. 728 (06 de maio de 1947). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 24 Chefe científico da expedição.
90
National Geographic Society Staff:
– Mr. Melvin M. Payne;
– Mr. F. Barrows Colton;
– Mr. Richard H. Stewart;
– Mr. Guy W. Starling;
– Mr. George C. Simpitch.
National Broadcasting Company:
– Mr. Ben Grauer;
– Mr. Harry Greleck;
– Mr. George Anderson;
– Mr. Roy G. Phelps.
A lista enviada pela organização da NGS deixa claro que o interesse da expedição não
era tão e somente científico. Além dos estudos que iam ser realizados, e do interesse militar
ainda não revelado naquele momento, esta missão planejava fazer uma matéria sobre o
acontecimento para a Revista da NGS, dentro de uma série de reportagens já existente sobre
observações de eclipses totais do Sol, e transmitir pelo rádio os acontecimentos em
Bocaiuva.25
Na perspectiva do regulamento do CFEACB, a missão da NGS especificou os itens
que iam ser trazidos, como equipamento fotográfico, pequena quantidade de medicamentos e
a bagagem pessoal dos componentes da expedição, conforme é exigido pelo Item 6, do Artigo
4º, do Decreto nº 6.734, de janeiro de 1941. Até então, parece que a organização da missão da
NGS seguiu a legislação existente para conseguir a licença para pesquisar em solo brasileiro.
Mas, será que todos os pontos foram atendidos? Entre as exigências legais que regulavam a
atuação do Conselho, uma, em particular, parece que não foi cumprida. Sobre este ponto, vale
a pena reproduzir o Artigo 14, do Decreto nº 6.734, de janeiro de 1941: “As expedições
artísticas e científicas, devidamente licenciadas pelo Conselho para procederem a estudos no
território nacional, deverão enviar ao Conselho, para sua orientação técnica, um relatório dos
25 O eclipse total de 1947 despertou um grande interesse, também, nos meios de comunicação brasileiros. Na Cinemateca Brasileira há um registro em vídeo chamado Cine Jornal Informativo. vol. 1, nº 40. “O eclipse
solar.” Encontrei referências à realização de outros filmes sobre o eclipse de 1947 no sítio da mesma instituição.
Porém, a Cinemateca Brasileira não os possui em seu acervo. Estes filmes foram feitos para a série Bandeirantes
na Tela, e para o Notícias da Semana. Há também um registro fílmico sobre o eclipse de 1947, feito por Herbert
Richers, além do programa Rádio Almanaque Kolynos nº 19, “Maravilhas do céu”, que foi transmitido pela
Rádio Nacional na noite de 28 de abril de 1947, e está depositado em um arquivo particular em Petrópolis,
Estado do Rio de Janeiro. Este programa focalizou de forma romanceada o eclipse de 1947.
91
assuntos estudados e pesquisados.” A conselheira Bertha Lutz tratou esta questão em duas
ocasiões nas reuniões do CFEACB. Na ata da reunião do dia 10 de setembro de 1946,26
Lutz
lembrou que o relatório referente às observações científicas do eclipse total do Sol de 1940,
feitas por uma expedição patrocinada pela NGS, não foi entregue àquela época, e que ele
deveria ser exigido na ocasião da concessão da licença à mesma expedição para observar o
fenômeno de 1947, o que foi aprovado pelo Conselho. Na reunião do dia 17 de setembro de
1946, Lutz propôs que em um ofício que ia ser encaminhado ao Ministério da Agricultura,
sobre as últimas deliberações do CFEACB a respeito das expedições científicas para
observação do eclipse de 1947, fosse tratada, também, a questão do relatório da observação
científica do eclipse de 1940.27
Este episódio vai ao encontro de um histórico de tentativas de Lutz de fazer valer o
aspecto fiscalizador do Conselho, que acabava ficando em segundo plano diante das
atribuições de concessão de licenças. Nesta perspectiva, Lutz realizou um estudo sobre os
processos de licença concedidas no primeiro ano de funcionamento do CFEACB (1933). Sua
conclusão aponta para falhas na fiscalização e para um movimento de oposição
(provavelmente por parte de alguns expedicionários) ao ato de fiscalizar as expedições. Este
estudo gerou modificações no regimento do Conselho, ocorridas em 1941, na tentativa de
consertar estas falhas e levaram os conselheiros a considerar a ideia de publicar os relatórios
dos expedicionários em algum periódico científico brasileiro, ou que fosse criado um
periódico do próprio Conselho com este fim.28
O fato é que não foi possível localizar na documentação do CFEACB os relatórios
referentes aos estudos dos eclipses totais do Sol de 1940 e de 1947, nem alguma referência
que aponte suas entregas ou, ao contrário, alguma justificativa por não terem sido entregues.
De toda forma, a licença para a expedição dos EUA foi concedida em 6 de maio de 1947 e,
aparentemente, as falhas que Lutz identificou nos anos 1930 persistiram nos anos 1940. A
questão maior envolvendo a expedição da NGS-NBS em maio de 1947 não foi a falha na
entrega de um documento sobre a observação do eclipse de 1940. Isto foi só um detalhe.
Havia articulações mais sérias que serão vistas na última parte deste trabalho. Por ora, vou
26 Ata da 551ª reunião do CFEACB, de 10 de setembro de 1946. CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB,
MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, pp. 66 – 67. 27 Ata da 552ª reunião do CFEACB, de 17 de setembro de 1946. CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB,
MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 67.; CFE.T.2.237, doc. 722 (sem data). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio
de Janeiro – RJ / Brasil. 28
SOMBRIO, Mariana Moraes de Oliveira. Traços da participação feminina na institucionalização de práticas
científicas no Brasil : Bertha Lutz e o Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas do
Brasil, 1939-1951. Campinas, SP: [s.n.], 2007. Dissertação apresentada ao Instituto de Geociências como parte
dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Política Científica e Tecnológica, pp. 94 – 112.
92
tentar entender o que não foi bem explicado: a construção da pista de pouso em Bocaiuva pela
expedição da NGS.
3.1.2 Informações necessárias ou dissimulação? O Projeto Bocaiuva
As condições meteorológicas dos possíveis locais de observação de um eclipse do Sol
constituem um dos principais pontos analisados nas tomadas de decisões dos planejadores de
uma expedição científica desta natureza. No final do século XIX, os astrônomos já
argumentavam que, para minimizar as chances de uma grande frustração diante de condições
climáticas ruins, as expedições deveriam ficar espalhadas ao longo da faixa do eclipse. Uma
ação que aumenta as chances de evitar locais com um clima ruim na época de ocorrência do
eclipse é a reunião dos históricos meteorológicos da região, que eram conseguidos através dos
postos de observações locais, ou por indivíduos familiarizados com as peculiaridades
climáticas de sua cidade.29
Quando não era possível recorrer a estes artifícios, os planejadores
buscavam outros meios para obter informações sobre o clima da região para o qual eles
desejavam se dirigir.30
Na ocorrência do eclipse total do Sol de 21 de outubro de 1930, a expedição
organizada pelo Naval Observatory escolheu a ilha de Niuafoou, Situada no reino de Tonga
no Oceano Pacífico, também conhecida como Tin Can, para montar sua base de observação.
O astrônomo Samuel Alfred Mitchell, Diretor do Leander McCormick Observatory, integrou
esta missão e registrou que os dados meteorológicos sobre a ilha foram coletados nas oito
semanas anteriores ao dia do eclipse, que a expedição ficou hospedada por lá. Os registros
meteorológicos mostravam que o céu não ficava coberto por nuvens em apenas um a cada três
dias. No dia do eclipse, apesar de um amanhecer chuvoso, quinze minutos antes da hora
prevista para o início da totalidade, não havia mais nuvens no céu. Tamanho era o isolamento
da ilha de Niuafoou, que o único meio de comunicação entre a ilha e o mundo era o navio
correio a vapor.31
A inexistência de dados sobre o clima da ilha já era esperada e, temos que
reconhecer, os organizadores desta expedição contavam com uma boa dose de sorte. Apesar
da sorte ser um fator importante, a organização das expedições da NGS-NBS sempre
mostraram uma preocupação com o clima do local a ser escolhido como base de observação.
O que era uma prática comum aos expedicionários que buscavam eclipses do Sol pelo mundo.
29 PANG, Alex Soojung–Kim. Empire and the Sun: Victorian Solar Eclipse Expeditions. Stanford: Stanford
University Press, 2002, p. 41. 30
A National Geographic – Bureau eclipse expedition que foi ao Cazaquistão, então república autônoma russa,
em 1936, fez uso de livros e filmes para obter conhecimento prévio sobre o local. Ver: GARDNER, Irvine.
“Observing an eclipse in Asiatic Russia.” In: National Geographic Magazine. 1937, February, pp. 179 – 198. 31 MITCHELL, Samuel Alfred. Eclipses of the Sun. New York: Columbia University Press, 1935, p. 177.
93
A importância dos dados meteorológicos foi sublinhada pela organização da missão da
NGS no primeiro documento que a Embaixada dos EUA enviou ao Conselho, no qual há um
parágrafo que lembra a frustração que a expedição organizada, também, pela NGS
experimentou na Sibéria, em 1936, encontrando um céu absolutamente coberto no momento
do eclipse, o que impediu sua observação.32
Porém, segundo o redator do documento, os
resultados científicos que podem ser alcançados através do estudo de um eclipse do Sol
justificam a assunção deste tipo de risco, caso o estudo do histórico meteorológico da região
escolhida indique uma probabilidade razoável de tempo bom no momento de ocorrência do
fenômeno.
Diante de tal necessidade, o Conselho enviou um ofício33
ao Diretor do Serviço de
Meteorologia em 21 de agosto de 1946, no qual informou a ocorrência do eclipse de 1947 e
expôs os interesses da missão da NGS, chamando atenção para a importância das condições
climáticas. O documento assinado pelo Presidente do CFEACB, Pimentel Gomes, solicitou os
históricos meteorológicos das cidades de Grão Mogol, Montes Claros e Bocaiuva, bem como
informações meteorológicas futuras, que eram colhidas pela rede de postos de monitoramento
existente no Norte de Minas Gerais.
O ofício em resposta34
do Serviço de Meteorologia revela que foram enviados 158
quadros contendo as observações meteorológicas diárias das Cidades de Grão Mogol nos
meses de abril, maio e junho, e de Montes Claros no mês de maio, em vários anos. O mesmo
documento, que tem a data de recebimento pelo CFEACB em 05 de outubro de 1946,
informou que não foi possível enviar dados sobre o clima de Bocaiuva, por não existir posto
meteorológico nesta cidade. Em uma anotação feita à mão neste documento, ao pé de página
do lado direito, lê-se: “Remetidos os quadros para a Embaixada Americana.” Este envio dos
quadros meteorológicos aos norte americanos foi decidido em 08 de outubro de 1946, de
acordo com a Ata da reunião do CFEACB do mesmo dia, e ganhou um caráter de urgência.35
Apesar dos quadros meteorológicos terem sido enviados com urgência à Embaixada
dos EUA, uma análise mais detida de documentos do Observatório Nacional sugere que,
32 Esta expedição foi liderada pelo astrônomo Paul McNally do Observatório de Georgetown, EUA. 33 CFE.T.2.223, doc. 712 (enviado em 21 de agosto de 1946). Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ /
Brasil. 34 CFE.T.2.223, doc. 723 (enviado em 04 de outubro de 1946 – recebido em 05 de outubro de 1946). Acervo do
CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 35 Ata da 557ª reunião do CFEACB, de 08 de outubro de 1946. CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB,
MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 71. Na Ata de reunião do Conselho do dia 21 de janeiro de 1947 há
menção da emissão de uma nota verbal de agradecimento pelo envio dos quadros meteorológicos por parte da
Embaixada dos EUA, e da legação da Austrália. Ata da 574ª reunião do CFEACB, de 21 de janeiro de 1947.
CFE.T.1.25, Livro 5, Acervo do CFEACB, MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil, p. 92.
94
talvez, não houvesse necessidade de tanta pressa. Pois, o cruzamento de informações
documentais indica que antes de outubro de 1946, período em que os dados meteorológicos
foram enviados à Embaixada dos EUA, a organização da expedição da NGS já tinha tomado
algumas decisões importantes.
Em 05 de agosto de 1946, o Diretor da Divisão de Orçamento do Observatório
Nacional encaminhou um documento ao Diretor Geral do ON, informando que:
[...] o Ministério das Relações Exteriores transmite solicitação da Embaixada dos
Estados Unidos da América do Norte, a fim de que seja designado um funcionário
para acompanhar um representante das fôrças aéreas daquela nação, que chegará ao
Brasil a 15 dêste mês, para estudar o futuro alojamento de uma expedição científica,
que terá como objetivo observar o eclipse solar de 1947.36
Este documento revelou aos brasileiros uma nova instituição participante da
organização da expedição: a US Army Air Force. Normalmente, a instituição militar norte
americana que fornecia apoio a expedições para observação de eclipses era a Marinha. De
todo modo, a designação de um funcionário do ON para acompanhar o militar da US Army
Air Force e o restante do survey ocorreu em 15 de agosto de 1946. O astrônomo Auto Barata
Fortes, chefe do Laboratório astrofotográfico, foi designado em 22 de agosto de 1946 e ia
ficar destacado por 40 dias.37
Apesar de toda essa movimentação para o envio de um
astrônomo do ON para acompanhar o estudo do local do alojamento da missão da NGS, Sodré
da Gama, em 15 de agosto de 1946, informou ao Ministro da Educação e Saúde, Ministério ao
qual o Observatório Nacional era vinculado, que ainda não dispunha dos dados
meteorológicos da região.38
Em outro documento, com data de envio em 30 de setembro de 1946, no qual Sodré da
Gama informou ao Chefe do Gabinete do Ministro da Educação e Saúde que, apesar do ON
não ter formado uma comissão para auxiliar as expedições estrangeiras, todas as informações
técnicas estavam sendo prestadas aos interessados, há a seguinte menção sobre a visita de
Thomas W. McKnew, secretário da NGS, e do astrônomo Carl C. Kiess, do NBS, ocorrida em
agosto de 1946:
36 Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, processo nº 67 990/46, ON 456 de 14 de agosto
de 1946a. MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 37
Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, portaria nº 15, documento nº 174, de 22 de agosto
de 1946. MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 38 Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, processo nº 67 990/46, ON 456, de 14 de agosto
de 1946b. MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil.
95
[...] Foram-lhes prestados então os necessários esclarecimentos, faltando apenas
remeter-lhes os dados meteorológicos relativos à zona escolhida de Bocaiuva (Minas
Gerais), os quais já foram solicitados ao Serviço de Meteorologia, e serão
retransmitidos logo que nos sejam fornecidos por aquêle Serviço.39
Ou seja, em fins de setembro de 1946, a missão de reconhecimento que a organização
da missão da NGS-NBS enviou para estudar um local para o acampamento havia terminado.
Mesmo não existindo dados meteorológicos sobre Bocaiuva, esta foi a cidade escolhida para
que o alojamento da expedição da NGS fosse construído. Por mais que os dados
meteorológicos sejam importantes, há outros fatores que tem que ser considerados. A rede de
transportes para alcançar Bocaiuva, em 1947, oferecia menos dificuldades, se comparada aos
caminhos para se chegar a Grão Mogol. Bocaiuva tinha uma estação de trem e contava com a
proximidade do aeroporto de Montes Claros, que é uma cidade limítrofe.
Em meio aos documentos de Irvine Gardner, há um exemplar de um folheto do
astrônomo argentino Alberto Alfredo Volsch, que tratava as especificidades do eclipse de
maio de 1947. Volsch apontou claramente as Cidades de Bocaiuva, Montes Claros e Grão
Mogol como os locais mais propícios para a realização de observações do fenômeno devido à
altura do Sol em relação ao horizonte na hora da totalidade (cerca de 40º), à altitude destas
cidades em relação ao mar (cerca de 1.000 metros acima do nível do mar) e às facilidades de
transporte que estas cidades possuíam. Além disto, Volsch incluiu um mapa em uma escala
que mostrava as cidades mineiras que veriam o eclipse de maio de 1947 em sua totalidade.40
Aparentemente, o folheto de Volsch orientou sobremaneira as decisões tomadas pela
organização da missão da NGS, pois as informações contidas em seu trabalho aparecem no
oficio que G. Grosvenor enviou ao comandante geral da US Army Air Force, general Carl
Spaatz, convidando sua instituição a fazer parte da expedição.41
39 Arquivo ON, caixa ON 106/1947, maço documental 268/46, processo nº 67 859/46, de 30 de setembro de
1946. MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 40 VOLSCH, Alfredo. Eclipse total de Sol del 20 de Mayo de 1947 – Su desarrollo em el continente
sudamericano. In: Record Group (RG) 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 6, Folder: Eclipse
material 1947. NARA/ College Park – MD/ US. 41 Os laços institucionais da NGS facilitaram a realização de um convite à Army Air Force. Segundo documentos trocados entre G. Grosvenor e o Comandante geral da Army Air Force, Carl Spaatz, a instituição militar estava
totalmente inclinada a colaborar mais uma vez em missões científicas com a NGS. Memorandum from G.
Grosvenor to Commanding General Army Air Forces Carl Spaatz. May 20, 1947. In: RG 333 – Entry 5 – Box 1,
Folder: 000.9 Natural Sciences. NARA/ College Park – MD/ US.; e: Memorandum from Commanding General
Army Air Forces Carl Spaatz to G. Grosvenor. June 11, 1947. In: RG 333 – Entry 5 – Box 1, Folder: 000.9
Natural Sciences. NARA/ College Park – MD/ US. A Army Air Force colaborara com a NGS e o NBS nas
missões de lançamento de balões gigantes à estratosfera terrestre em 1934 e 1935. Ver: DeVORKIN, David.
96
Entretanto, o transporte ferroviário pareceu não atender as demandas da expedição da
NGS. Surpreendentemente, a organização desta missão construiu uma pista de pouso em uma
localidade chamada Extrema, na Cidade de Bocaiuva, e montou um acampamento em padrões
militares ao lado da pista. Não encontrei na documentação do Conselho, nem na do
Observatório Nacional, menção alguma sobre a intenção da expedição da NGS em construir
uma pista de pouso. Mas, há alguns documentos elaborados pelos norte americanos que
tratam o assunto.
Em um documento, com data de 31 de outubro de 1946, do War Department à Joint
Brazil United States Military Commission (Air Section) há a seguinte informação:
[...] INDICATIONS HERE THAT NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY
INTENDED SHARING EXPENSES WITH ABLE ABLE FOX FOR CAMP AND
CONSTRUCTION OF TEMPORARY AIR STRIP AT BOCAIUVA PD IT IS
DESIRE OF BOTH NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY AND ABLE ABLE
FOX TO KEEP EXPENSES AS LOW AS POSSIBLE SINCE CAMP SITE AND
AIR STRIP ARE VALUELESS AFTER JOINT EXPEDITION PD REQUEST
BREAKDOWN OF COST FOR PROJECT ESTIMATED IN URAD TWO TWO
NINE SEVEN BE FURNISHED IMMEDIATELY TO EXPEDITE DECISION42
O próximo documento a tratar o assunto foi enviado em 11 de dezembro de 1946, dizendo o
seguinte:
REQUEST FOR FUNDS APPROVED PD NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY
SENDING A THIRTEEN THOUSAND DOLLAR DRAFT BY AIRMAIL
ELEVEN DEC FOUR SIX FROM RIGGS NATIONAL BANK TO BANCO DO
BRAFIG OD AUTHORIZED COUNTERSIGNERS COL PAUL CHARLIE
SCHAUER CMA BRIG GEN BYRON EASY GATES CMA GRIG GEN
GORDON PETER SAVILLE AND COL FRED MIKE DEAN43
Race to the stratosphere: manned scientific ballooning in America. Washington DC: Smithsonian Institution,
1989. 42 [...] HÁ INDICAÇÕES AQUI QUE NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY PRETENDE DIVIDIR
DESPESAS COM ABLE ABLE FOX [ARMY AIR FORCE] PARA A CONSTRUÇÃO DO
ACAMPAMENTO E DA PISTA DE POUSO TEMPORÁRIA EM BOCAIUVA É O DESEJO DE AMBAS
NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY E ABLE ABLE FOX [ARMY AIR FORCE] MANTER OS GASTOS O MAIS BAIXO POSSÍVEL DESDE QUE O ACAMPAMENTO E A PISTA DE POUSO SERÃO SEM
VALOR APÓS A EXPEDIÇÃO MISTA SOLICITO LEVANTAMENTO ESTIMADO DO CUSTO DO
PROJETO DA URAD DOIS DOIS NOVE SETE [?] SEJA FORNECIDO IMEDIATAMENTE PARA A
TOMADA DE DECISÃO. Ver: Message from Department of War to JBUSMC RIO. October 31, 1946. In: RG
333 – Entry 5 – Box 1, Folder: 000.9 Natural Sciences. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 43 PEDIDO DE FUNDOS APROVADO NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY MANDA TREZE MIL
DÓLARES POR CHEQUE POR CORREIO AÉREO DE ONZE DEZEMBRO DE QUATRO SEIS DO
97
Como mencionado, a pista de Bocaiuva ia ser considerada sem valor de uso após sua
utilização durante as observações do eclipse e a NGS ia arcar com $13,000.00 relacionados à
construção da pista e do acampamento. Esta pista serviu para que a Força Aérea Brasileira
pousasse com aviões do 2º Grupo de Transportes carregando instrumentos e pessoal da
missão da NGS do Rio de Janeiro para Bocaiuva e para o trânsito de alguns aviões da US
Army Air Force na ocasião. O fato é que desde o início do planejamento da expedição para
observar o eclipse de 1947, em maio de 1946, a região de observação já estava decidida: seria
na região Norte de Minas Gerais. Esta decisão foi tomada levando em conta as informações
contidas no trabalho do astrônomo Alfredo Volsch. Ainda havia outro motivo que levou a US
Army Air Force a se aliar a esta missão: o interesse em realizar pesquisas sobre raios
cósmicos,44
além de um projeto secreto que será visto a diante. Ou seja, havia vários
interesses envolvidos na organização da expedição para a observação do eclipse de maio de
1947.
Tendo em vista esta complexa rede de interesses (inclusive um projeto secreto), o NBS
e a Army Air Force se envolveram em algumas pesquisas nos anos 1930 e 1940 que tem
relações estreitas com a região em que eles montaram a base para a observação do eclipse de
1947. A história de Minas Gerais denuncia a presença de diferentes tipos de minérios em seu
solo, sendo que a região do Norte e Nordeste deste Estado é rica em quartzo.45
O quartzo é um
mineral que contém a característica da piezeletricidade, que é a propriedade de conduzir
frequências de forma fixa, possibilitando a recepção ou transmissão de sinais de rádio.46
O
Brasil possuía as maiores reservas de quartzo do mundo e o quartzo brasileiro é o de melhor
piezeletricidade mundial.47
O quartzo pode ser utilizado nos instrumentos de comunicação via
rádio e em circuitos eletrônicos, o que o tornou presente em uma variedade de equipamentos
de navegação aeroespacial tanto militar como civil. Durante a Segunda Guerra Mundial, o
BANCO NACIONAL RIGGS PARA BANCO DO BRASIL SACADORES AUTORIZADOS COL PAUL
CHARLIE SCHAUER CMA BRIG GEN BYRON EASY GATES CMA GRIG GEN GORDON PETER
SAVILLE AND COL FRED MIKE DEAN. Ver: Message from Department of War to JBUSMC RIO.
December 11, 1946. In: RG 333 – Entry 5 – Box 1, Folder: 000.9 Natural Sciences. NARA/ College Park – MD/
US, tradução nossa. 44 Ver: Message from JBUSMC RIO to Department of War. October 03, 1946. In: RG 333 – Entry 5 – Box 1,
Folder: 000.9 Natural Sciences. NARA/ College Park – MD/ US. 45 Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM. Projeto Cadastro de Abastecimento por Águas Subterrâneas, Estados de Minas Gerais e Bahia: diagnóstico de Bocaiuva, MG. Belo Horizonte: CPRM, 2004,
p. 10. 46 Summary Technical Report – Division One, NDRC. In: RG 167 – UD – Entry 2 – Scientific work – Office
Files Briggs – Box 6, Folder: Summary Technical Report – Division I – Experimental Ballistic Firings. NARA/
College Park – MD/ US. 47 COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards.
Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, p. 375.
98
quartzo brasileiro foi largamente utilizado para a construção de equipamentos de comunicação
dos EUA. Sua aplicação na área de eletrônicos o manteve na lista de material estratégico dos
EUA mesmo após a Segunda Grande Guerra.48
O Governo dos EUA previu antes de sua entrada na Segunda Guerra Mundial que
seria preciso estocar quartzo, já que era necessário importá-lo e a situação de guerra poderia
dificultar tal ação. Cochrane afirmou que neste período o quartzo estava presente em todos os
equipamentos de rádio comunicação das forças armadas dos EUA, desde walkie-talkies a
radares, bem como nos recém-criados equipamentos eletrônicos. O interesse dos EUA em
aperfeiçoar as transmissões de rádio era enorme, tanto que um laboratório com equipamentos
de ponta foi construído àquela época em Beltsville, Estado de Maryland, para que todo o
território dos EUA fosse alcançado pelas ondas de transmissão, bem como outros locais
distantes ao redor do mundo.49
Se antes da entrada dos EUA na Guerra, o quartzo já era
considerado importante pelos norte americanos, após o ataque japonês a Pearl Harbor, o
quartzo brasileiro (e a borracha existente na Amazônia) ganhou um papel vital, como mostrou
Antônio P. Tota em diversas passagens de seu trabalho sobre as trocas culturais entre Brasil e
EUA no período da Segunda Guerra.50
Se o interesse no quartzo durante a Segunda Guerra
era para sua utilização em equipamentos de rádio transmissão, o uso do quartzo em
equipamentos eletrônicos justificaria sua extração e uso no pós – Guerra.
Nas circunstâncias que envolvem o eclipse do Sol de 1947, o então Diretor de
Engenharia da Aeronáutica, o engenheiro civil Alberto de Mello Flôres, esteve envolvido na
construção da pista de pouso de Bocaiuva, de acordo com os agradecimentos do general da
US Army Air Force Gordon P. Saville.51
A carreira de Flôres na Aeronáutica foi bastante
profícua. Flôres teve, entre outras participações, a oportunidade de atuar como delegado da
comissão brasileira na Conferência Internacional de Aviação Civil em 1944, conhecida
também como Conferência de Chicago, e concluiu o curso na Escola Superior de Guerra
(ESG) em 1956. Seu trabalho de fim de curso na ESG trata a conjuntura brasileira no
transporte aéreo.52
Neste trabalho, Flôres mencionou por diversas vezes a empresa aérea Tala,
que posteriormente foi transformada em Aerovias Brasil SA, fundada com capitais norte
americanos e brasileiros. Segundo Flôres, a Aerovias Brasil SA foi a empresa aérea
48 2005 Minerals Yerbook – Silica. United States Geological Survey, p. 66.5. 49 COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards.
Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, p. 375. 50 TOTA, Antônio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São
Paulo: Companhia das Letras. 2000, pp. 53, 58, 109 e 140. 51 Jornal do Brasil. 18 de maio de 1947, p. 6. 52 FLÔRES, Alberto de Mello. Análise da Conjuntura Nacional. O transporte aéreo. Escola Superior de Guerra,
1956. Trabalho de conclusão de curso.
99
responsável pelo transporte do quartzo brasileiro para os EUA em aviões fretados e que
estabeleceu a primeira rota fixa entre estes dois países.53
O interesse no quartzo brasileiro àquela época ainda aparece em outras relações com a
expedição da National Geographic Society. Em 1947, há diversos pedidos de autorização de
cidadãos brasileiros para realizarem lavras de quartzo no Norte de Minas Gerais.54
A
autorização para lavrar minerais no Brasil estava restrita a pessoas com nacionalidade
brasileira, de acordo com o Artigo 6º do Decreto Lei número 1.985 de 1940, também
conhecido como Código de Minas.55
O Ministério da Agricultura autorizava as lavras de
minério e o DNPM era o órgão responsável por fiscalizá-las. Entre as pessoas que solicitaram
autorização ao Ministério da Agricultura para lavrar quartzo em Minas Gerais está o cidadão
Geraldo Valle de Menezes. Geraldo Valle recebeu autorização do Ministério da Agricultura
para lavrar quartzo na cidade de Bocaiuva em 24 de julho de 1946. No mesmo dia da
publicação no Diário Oficial da União da autorização dada a Valle, dois outros cidadãos
brasileiros conseguiram autorização para lavrar quartzo em Montes Claros, cidade que
concorria com Bocaiuva para receber a expedição da NGS-NBS. Ou seja, na iminência da
chegada de militares da US Army Air Force, acompanhados de um cientista do NBS, cidadãos
de Bocaiuva e de Montes Claros foram autorizados a pesquisar um mineral estratégico para os
EUA em um período em que somente brasileiros recebiam autorização legal para este tipo de
lavra.
Por mais que este pedido de autorização para lavrar quartzo fosse algo rotineiro por
parte de habitantes da região do Norte de Minas Gerais e até por parte de moradores de
cidades em Estados vizinhos, a questão é que além deste mineral ser do interesse direto tanto
da US Army Air Force como do NBS, Geraldo Valle era um político influente e habilidoso na
região Norte de Minas Gerais e em 1947 tornou-se o prefeito de Bocaiuva. Quando os norte
americanos chegaram à região, Valle foi a pessoa que os ciceroneou, tornando-se, inclusive,
amigo próximo de alguns deles.56
Todas estas relações ainda têm o fato, que pode ter sido
53 FLÔRES, Alberto de Mello. Análise da Conjuntura Nacional. O transporte aéreo. Escola Superior de Guerra,
1956. Trabalho de conclusão de curso, pp. 7 e 25. 54 Há uma grande quantidade de decretos do Governo Federal do Brasil autorizando cidadãos brasileiros a
lavrarem quartzo e mica na região do Norte de Minas Gerais. Ver: Leis do Brasil – 1947 – Lei 11 a 31 – Decreto
22.411 a 22.860 ementário. In: Caixa 21 – Coleção de Leis de 1947 a 1949. Centro de Documentação da Aeronáutica (CENDOC) – Divisão de Arquivo Geral (DAG) – Arquivos da Força Aérea Brasileira (FAB)/ Rio
de Janeiro–RJ/ Brasil. 55 Decreto nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940. 56
Em carta de agradecimento pela cortês recepção que Geraldo Valle ofereceu, Ben Grauer, jornalista da rede
National Broadcasting Company, menciona danças no Palácio da Justiça de Bocaiuva e “graciosas senhoritas”
que lhes foram apresentadas. Nesta ocasião, Grauer diz que esteve acompanhado do general Ankenbrandt, que
ao longo de sua carreira no Exército dos EUA ocupou diferentes cargos de chefia em setores de comunicação.
100
mera coincidência, do relator do pedido de autorização de entrada da expedição da National
Geographic – Bureau eclipse expedition ser um membro do CFEACB lotado no DNPM,
órgão que fiscalizava as lavras de minérios no Brasil.
A documentação encontrada não aponta diretamente ligações entre a construção da
pista de Bocaiuva e a intenção na exploração de quartzo no Norte de Minas Gerais por norte
americanos envolvidos na observação do eclipse de 1947. E os próprios documentos trocados
entre as agências dos EUA que mencionam a construção da pista de pouso em Bocaiuva não
dizem nada sobre o mineral. Porém, trabalhos de alguns autores indicam uma histórica relação
de interesse entre os expedicionários do NBS e da US Army Air Force pelo quartzo brasileiro
e podem ajudar a dar algum sentido a indícios documentais – produzidos nas circunstâncias
do eclipse de maio de 1947 – que ligam de forma indireta as instituições mencionadas e
pessoas que exploravam quartzo naquela área. Em caráter hipotético, é possível pensar que
caso fossem encontradas jazidas de quartzo nas lavras da região, a bem pavimentada e de
difícil acesso pista de Bocaiuva poderia ser usada para levar de avião o minério para os EUA,
com o apoio do Prefeito da cidade, amigo dos norte americanos.
A partir da análise de um dos pontos da organização da expedição da NGS, emerge a
ideia de que o interesse científico pode ter sido utilizado, em parte, para dissimular interesses
de perspectiva militar,57
como foi feito com o projeto secreto que será visto nas próximas
páginas. Para isso, era necessário que todas as ações normais para a constituição de uma
expedição científica para observar um eclipse do Sol fossem executadas. Como se tratou de
uma questão que afetava diretamente a soberania nacional, o possível interesse dos norte
americanos no quartzo não passou pelo Conselho, ainda mais levando em conta que este
órgão foi criado tendo como um dos objetivos proteger as riquezas naturais do Brasil.
3.2 Eclipses do Sol como ferramenta geodésica
As observações do eclipse total do Sol ainda reservam algumas surpresas. A principal
delas remete a técnicas de observação desenvolvidas por finlandeses e poloneses em eclipses
do Sol que ocorreram entre as décadas de 1920 e 1940. Em 1922, a Primeira Guerra Mundial
Ver: Carta de Ben Grauer a Geraldo Valle. 08 de agosto de 1947. In: Coleção do eclipse total do Sol de 1947.
Museu Histórico de Bocaiuva/ Bocaiuva – MG/ Brasil. Em outra carta, o major da US Army Air Force Jerome Alexander expressou sua gratidão a Geraldo Valle por uma pele de jaguar que este lhe dera de presente. Ver:
Jerome Alexander a Geraldo Valle. 12 de agosto de 1947. In: Coleção do eclipse total do Sol de 1947. Museu
Histórico de Bocaiuva/ Bocaiuva – MG/ Brasil. Por fim, ainda há a carta de agradecimento do brigadeiro Byron
Gates da US Army Air Force a Geraldo Valle pela colaboração prestada. Ver: Arquivo ON, caixa ON 106/1947,
maço documental 268/46, carta do brigadeiro Byron E. Gates da US Army Air Force ao Prefeito de Bocaiuva,
com data de 29 de agosto de 1946. MAST/ Rio de Janeiro – RJ / Brasil. 57 Pesquisas futuras poderão confirmar ou refutar esta hipótese.
101
havia acabado e os países ao redor do Mar Báltico que compunham a recém-criada
International Union of Geodesy and Geophysics reuniram-se na conferência em que esta nova
associação substituiu a International Geodetic Association, que deixou de existir durante a
Grande Guerra. Neste encontro, ocorrido em 1924, em Helsink, Capital da Finlândia, a Baltic
Geodetic Commission foi fundada. Seu principal objetivo era conectar vários vértices
geodésicos e formar uma rede de triangulação entre os países membros da Comissão,
conseguindo, através destas ligações, conhecer com precisão as distâncias geodésicas dos
países membros e, consequentemente, estabelecer limites territoriais e mapas mais precisos.58
A tradição finlandesa em medidas geodésicas remete às expedições científicas que, em
meados do século XVIII, tinham como missão realizar medidas que resolvessem a questão
sobre o formato da Terra: ela era círculo ou uma elipse? Um dos locais que serviu de base
para a realização de uma das medições foi o território finlandês, então província sueca.59
A
questão foi resolvida em favor do formato elipsóide da Terra e estes experimentos deixaram a
semente da realização de pesquisas geodésicas nos países naquela região.
Em 1924, o astrônomo finlandês Ilmari Bonsdorff, Diretor do Finnish Geodetic
Institute, era o secretário da International Union of Geodesy and Geophysics e o astrônomo
polonês Thaddeuz Banachiewicz, era o principal representante de seu país entre os cientistas
envolvidos com pesquisas geodésicas. Estes investigadores estavam no grupo de trabalhos da
Baltic Geodetic Commission, cuja chefia ficara com Bonsdorff, e, paralelamente aos trabalhos
de mensuração de distâncias usando métodos tradicionais da Comissão a qual estavam
vinculados, desenvolveram novas técnicas de medição de grandes distâncias terrestres. Entre
as metodologias testadas por este grupo, existia uma que parecia ter um grande potencial, por,
teoricamente, permitir a medida de distâncias intercontinentais. Esta técnica utilizava eclipses
do Sol para sua realização.
Na ocorrência do eclipse total do Sol de 29 de junho de 1927, visível na Noruega,
Suécia e Norte da Finlândia, Banachiewicz liderou uma expedição polonesa para a realização
de um experimento que consistiu na identificação precisa do segundo e do terceiro contatos
do eclipse a partir de duas bases de observação afastadas uma da outra. Se fosse possível
determinar os momentos em que o eclipse fosse entrar na sua fase de totalidade com um
grande grau de exatidão em duas bases de observação situadas em dois pontos afastados na
58 BONSDORFF, Ilmari. “Adjustment of the Baltic polygon of the Baltic Geodetic Commission.” In: Bulletin
Geodesique. Vol. 22, Issue 1, 01/ 1949, pp. 45 – 46. Ver também: BONSDORFF, Ilmari. “Geodesy in Baltic
countries.” In: The Geographical Journal. Vol. 85, nº 5 (May, 1935), pp. 464 – 470. 59 KAKKURI, Juhani. Geodetic research in Finland in the 20th Century. Disponível em http://www.uni-
stuttgart.de/gi/institute/ehrendoktor/kakkuri/festschrift.pdf Página da Internet consultada em 10 de novembro de
2011, p. 22.
102
superfície terrestre, os pesquisadores usariam o intervalo de tempo entre as fases de totalidade
observadas nestes pontos, o valor da velocidade da sombra da lua projetada na Terra e
chegariam ao valor da distância que as separa. No quarto encontro da Baltic Geodetic
Commission, que ocorreu em 28 de setembro de 1928, Banachiewicz falou da metodologia
que usou durante as observações do eclipse de 1927 e a apresentou com o nome de
chronocinematographical method, que tinha como instrumento um aparelho de filmagem
acoplado a um cronômetro e registrava em um mesmo filme a imagem do eclipse e o passar
do tempo.60
A utilização desta metodologia na ocorrência de eclipses do Sol continuou ao longo do
tempo. Banachiewicz usou este método novamente durante o eclipse de 19 de junho de 1936,
quando quatro bases de observação foram montadas desde a Grécia até o Japão.61
Apesar de a
Segunda Grande Guerra Mundial ter atrapalhado o andamento de pesquisas científicas que
eram conduzidas em diversas partes do Mundo, as observações de eclipses solares não
desapareceram por completo. O eclipse total do Sol de 09 de julho de 1945 foi importante
nestas circunstâncias. Este eclipse foi visível em uma faixa que começou no Oeste dos EUA e
terminou na região central da União Soviética, passando pela Finlândia. Ilmari Bonsdorff se
baseou no método de Banachiewicz para medir a distância entre dois pontos distantes e,
através da utilização de câmeras de filmagem emprestadas por companhias cinematográficas,
adaptadas a receptores de sinais de rádio que marcavam o tempo,62
realizou observações
dentro do território finlandês. O experimento foi feito, mas, apesar dos dados coletados terem
sido de boa qualidade, Bonsdorff não publicou os resultados. O astrônomo sueco Bertil
Lindblad também percebeu que o eclipse total de julho de 1945 ia oferecer boas condições
para ligar geometricamente pontos entre o Canadá, Groelândia e Europa e organizou uma
expedição com tal objetivo, mas utilizou uma técnica diferente da filmagem dos contatos do
60 A utilização de “revólveres fotográficos” (câmeras de filmagem rudimentares) para o registro de eventos
astronômicos foi motivada pelo trânsito de Vênus de 1874 – 1882 e precedeu a utilização deste instrumento com
fins sociais. O que Banachiewicz fez foi adaptar esta ação para o registro dos contatos de um eclipse total do Sol.
Ver: CANALES, Jimena. “The ‘cinematographic turn’ and its alternatives in nineteenth-century – France.” In:
Isis, Vol. 93, nº 4 (December 2002), pp. 585 - 613.; Ver também: MOURÂO, Rogério. “O Brasil e a passagem
de Vênus entre o Sol e a Terra.” In: Revista Eco 21. Disponível em www.eco21.com.br/textos/textos.asp?ID=808 Página da Internet consultada em 18 de novembro de 2010. 61 PIEGZA J. “The use of Solar Eclipse for Investigations on the Figure of the Geoid.” In: The Observatory. 66,
77, June 1945. 62
LÚCIO, Álvaro. “O eclipse do Sol em Bocayuva.” In: Revista da Escola de Minas. Ano XII, nº 3, julho de
1947, pp. 31 - 35.; Ver também: KAKKURI, Juhani. Geodetic research in Finland in the 20th Century.
Disponível em http://www.uni-stuttgart.de/gi/institute/ehrendoktor/kakkuri/festschrift.pdf Página da Internet
consultada em 10 de novembro de 2011, p. 35 – 37.
103
eclipse – usada por Banachiewicz e por Bonsdorff –, que consistia em fazer fotografias do
flash spectrum.63
As observações do eclipse de 1945 trouxeram à cena algumas dificuldades que já se
apresentavam nos eclipses anteriores e continuaram nos eclipses seguintes, quando da
realização deste experimento de medição geodésica. Os principais problemas eram a distância
entre a lua e a Terra, que não era conhecida precisamente, e a topografia lunar que, com suas
montanhas e vales, afetava a determinação com uma grande precisão dos momentos de
contato do eclipse. Ainda havia a dificuldade com a precisão dos marcadores de tempo
orientados por sinais de rádio, que esbarravam na baixa qualidade do sinal que era emitido.
Diante destes contratempos, no planejamento para a observação do eclipse de julho de 1945,
Kukkamäki teve a ideia de fotografar a sombra da lua projetada na Terra a partir de aviões
voando a altitudes de cerca de 6 km para tentar determinar com maior precisão as bordas da
sombra da lua e o centro da totalidade.64
De fato, é possível tomar o experimento durante o
eclipse de 1945 como um ensaio para o próximo eclipse do Sol que ia ocorrer em maio de
1947.
O eclipse total do Sol de 20 de maio de 1947 foi visível em uma faixa que começou no
Oceano Pacífico, passou pelo continente sul americano e pelo Oceano Atlântico e terminou a
Leste do continente africano. Este eclipse oferecia as condições ideais para a utilização do
método de mensuração de distâncias, pois a faixa de totalidade ia ser vista em locais
separados por um Oceano. Esta característica do eclipse de maio de 1947 atraiu as atenções de
astrônomos de diferentes instituições pelo mundo, que instalaram diversas bases em cidades
brasileiras e deviam compartilhar uma grande expectativa pelo fenômeno, já que a eclosão da
Guerra atrapalhou sobremaneira a continuação de seguidas observações em territórios
distantes, como as que foram realizadas nas décadas anteriores ao conflito. Entre as cidades
brasileiras escolhidas para a instalação das bases científicas, Bocaiuva, no Norte de Minas
Gerais, recebeu a maior expedição internacional, que foi organizada pela da NGS-NBS, e a
missão do Finnish Geodetic Institute. Os planejamentos de observação destas expedições
científicas e das que foram instaladas em outros locais cobriam uma grande variedade de
experimentos. Contudo, a Geodésia tinha alcançado um status privilegiado no pós-Segunda
63 Aparentemente, os resultados da missão sueca não foram bons, em contraste com os resultados que os finlandeses alcançaram. Ver: WARNER, Deborah. “From Tallahassee to Timbuktu: cold War efforts to measure
intercontinental distances.” In: Historical Studies in the Physical and Biological Sciences. Vol. 30, Part 2, 2000,
p. 397.; Como foi exposto no capítulo dois deste trabalho, Briggs abordou as duas metodologias em: BRIGGS,
Lyman. “A 1947 eclipse expedition.” The Scientific Monthly, 1947, March, p. 210. 64 Kakkuri fala de aspectos detalhados destas experiências em: KAKKURI, Juhani. Geodetic research in Finland
in the 20th Century. Disponível em http://www.uni-stuttgart.de/gi/institute/ehrendoktor/kakkuri/festschrift.pdf
Página da Internet consultada em 10 de novembro de 2011, p. 35 – 37.
104
Guerra e sua utilidade militar justificava financiamentos e uma atenção redobrada dada pelas
forças armadas dos EUA. Pois, com informações geodésicas era possível aumentar a precisão
de mapas e de mísseis de longa distância, que estavam sendo desenvolvidos naquele tempo.
3.3 Mísseis mais precisos, mais eficientes e mais mortais
O princípio de funcionamento de foguetes é bastante antigo, mas a visão deste artefato
como uma arma de guerra foi concebida pelos norte americanos somente em 1916. Robert
Goddard, professor de Física da Universidade de Clark, em Worcester, Massachussets,
percebeu que os foguetes utilizados como sinais de iluminação podiam ser usados como
armas, se lançados na direção do inimigo. O foguete tomado como arma, oferecia, também, a
vantagem de causar danos ao inimigo sem que o agressor se expusesse de forma muito
próxima a um ataque. Com o suporte de C. G. Abbott, secretário do Smithsonian Institute, o
especialista em aerodinâmica do NBS, Edgar Buckingham, reconheceu o valor militar que o
foguete possuía e agiu para que uma verba de $5,000.00, do Signal Corps Funds, fosse
destinada ao desenvolvimento do artefato em 1918. Apesar de Goddard ter conseguido outra
liberação no valor de $10,000.00 nos anos seguintes, a dificuldade em encontrar assistentes de
pesquisa e a urgência do desenvolvimento de outros projetos fizeram com que a pesquisa
sobre foguetes, para sua utilização como armamento, fosse arquivada nos EUA.65
Ainda na perspectiva militar, o coronel Karl Emil Becker, doutor em Engenharia e
Chefe da seção de munições do Exército alemão, alimentou a ideia de usar foguetes como
armas de artilharia e imaginou que o desenvolvimento deste artefato podia ser uma
possibilidade de romper com as restrições militares impostas pelo Tratado de Versalhes à
Alemanha, já que a investigação científica de foguetes não sofrera impedimentos. Com as
pesquisa feitas inicialmente por grupos amadores – que incluíam Werner Von Braun –,
movidos pela ideia de viagens espaciais, o desenvolvimento de foguetes na Alemanha ganhou
impulso através das ligações de cientistas com grupos políticos que ascenderam ao poder em
1933 e da manutenção do segredo de pesquisa ao longo de suas operações.66
A continuidade
do desenvolvimento de foguetes na Alemanha com base no suporte, nem sempre constante,
que os nazistas deram ao grupo inicial de cientistas e o interesse por parte da Luftwaffe
criaram as condições para que em 1935 um passo importante fosse dado e um local
apropriado para pesquisas, testes e lançamentos fosse oficializado. Obviamente, todas estas
65
COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards.
Washington D.C.: Department of Commerce, 1974, pp. 205 e 206. 66 NEUFELD, Michael. The Rocket and the Reich – Peenemünde and the coming of the Ballistic Missile Era.
New York: The Free Press, 1995, p. 6.
105
ações estavam encobertas pela necessidade de segredo militar. O sinal verde para o início das
construções das instalações em Peenemünde, no Norte da Alemanha, fora dado, mas apesar de
o projeto alemão de mísseis ter estado muito à frente dos projetos de outros países nos anos
1930 e 1940, o problema de navegação dos artefatos se mostrou presente em todo este
período, mesmo após o final da Segunda Guerra Mundial.67
A historiadora norte americana Deborah Warner, em um artigo em que analisa o
processo histórico do desenvolvimento de aplicações de técnicas de medição de distâncias
intercontinentais, fez menção às visões de Von Braun e de W. A. Heiskanen, geodésico
finlandês, sobre a falta de dados sobre grandes distâncias terrestres e suas implicações para o
avanço dos programas de mísseis no pós-Guerra. Von Braun afirmou sobre as distâncias
continentais que:
One of the gravest handicaps in improving missile accuracy is the poor accuracy of
the geodetic survey of a great portion of the globe [...] within continents the national
survey grids are often poorly linked together [and this poor linkage alone] accounted
for error in the V-2s of approximately 140 meters.68
Heiskanen tratou a questão das distâncias intercontinentais da seguinte forma:
As recently as 1948 the coordinates of the Swedish system differed by more than 91
meters from the Danish coordinates for the same control point, and the French
differed from the English about 182 meters. [...] No one knows how great are the
difference between the geodetic systems of different continents.69
O que está evidenciado é que havia uma grande necessidade de informações sobre
distâncias intercontinentais para serem utilizadas nos sistemas de navegação, que estavam
sendo desenvolvidos nos anos 1930 – 1950, dos mísseis de longo alcance. O desenvolvimento
do chamado Intercontinental Ballistic Missile (ICBM) foi um processo lento, no qual o
67 Ver especificamente o capítulo The founding of Peenemünde. In: NEUFELD, Michael. The Rocket and the
Reich – Peenemünde and the coming of the Ballistic Missile Era. New York: The Free Press, 1995. 68 Uma das mais graves deficiências na melhoria da precisão dos mísseis é a baixa precisão do levantamento
geodésico de uma grande parte do globo. [...] continentalmente, as redes nacionais de mapeamento são
escassamente ligadas [e estas conexões ruins, sozinhas,] responderam por erros de aproximadamente 140 metros nos V-2s. Ver: WARNER, Deborah. “From Tallahassee to Timbuktu: cold War efforts to measure
intercontinental distances.” In: Historical Studies in the Physical and Biological Sciences. Vol. 30, Part 2, 2000,
p. 393, tradução nossa. 69
Recentemente, em 1948, as coordenadas do sistema sueco diferiram mais do que 91 metros das coordenadas
dinamarquesas para o mesmo ponto de controle, e as francesas diferiram das inglesas cerca de 182 metros. [...]
Ninguém sabe quão grande é a diferença entre os sistemas geodésicos de continentes diferentes. Ver: WARNER,
Deborah. (2000), op. cit., p. 393, tradução nossa.
106
aperfeiçoamento de combustíveis apropriados e o sistema de direção foram os maiores
problemas enfrentados pelas equipes de pesquisa, desde os protótipos iniciais de projéteis de
curto alcance. Os ICBMs começaram a ser construídos em projetos dos anos 1950 e 1960 pela
Air Force norte americana (desvinculada do Exército dos EUA em setembro de 1947), mas as
pesquisas básicas que os fundamentaram tiveram início décadas antes, onde observações de
eclipses solares foram usados como forma de levantamento de dados geodésicos.70
Alguns
anos antes, o míssil alemão V-2 tinha um alcance médio de cerca de 320 quilômetros,71
que
era mais do que o suficiente para alcançar cidades inglesas, principalmente Londres, a partir
de bases de lançamento no Norte da França entre 1944 e 1945. Se, por um lado, o V-2 tinha
pouca precisão, como afirmou Von Braun, por outro, o efeito psicológico sobre a população
inglesa em poder ser atingida por um destes artefatos, sem alarme e silenciosamente, foi
enorme.72
O historiador norte americano Richard Hallion pôs o V-2 alemão na base dos
programas de desenvolvimento de mísseis nos EUA e na União Soviética. Entretanto, as
diferentes forças militares nos EUA apropriaram-se de forma distinta das experiências
pessoais e materiais que o V-2 podia oferecer. O grupo que esteve em torno de Von Braun,
em Peenemünde, durante a Segunda Guerra, foi absorvido pelo Exército dos EUA. Este grupo
compôs o núcleo da Army Ballistic Missile Agency, que, ao passar dos anos, esteve por trás do
desenvolvimento do combustível adequado para lançamentos de mísseis com maior força de
propulsão, chegando a ser a base do projeto Saturno, que mandou o homem à lua. Já a
Marinha dos EUA não teve muita proximidade com o legado do V-2 e constantemente se via
envolvida em competições com outras agências do governo por fundos de financiamento a
projetos envolvendo pesquisas em mísseis. Por outro lado, a recém-criada Air Force teve um
grupo importante em seus quadros que, no imediato pós-Guerra, trabalhou no
desenvolvimento de mísseis intercontinentais nucleares.73
Para além das questões sobre o
aperfeiçoamento do sistema de direção dos ICBMs, havia a mudança na natureza da guerra,
70 Os ICBMs têm um alcance de até 13.000 km. Já o raio de ação do IRBM, Intermediate Range Ballistic
Missile, varia entre 2.400 km à 6.400 km, enquanto o MRBM, Medium range ballistic missile, podem alcançar
de 800 km à 2.400 km. Ver: HALLION, Richard. “The development of American Launch Vehicles since 1945.”
In: HANLE, Paul. CHAMBERLAIN, Von Del (editors). Space Science comes on age. Perspectives in the
History of Space Sciences. Washington: National Air and Space Museum. 1981, pp. 115 – 134.; e: PEREIRA, Antônio Celso Alves. Os Impérios nucleares e seus reféns: relações internacionais contemporâneas. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1984, pp. 75 – 98. 71 HALLION, Richard. (1981), op. cit., p. 116. 72
Ver: DeVORKIN, David. Science with a vengeance: how the military created the US space sciences after
World War II. New York: Springer – Verlag, 1992, pp. 45 – 49.; e: NEUFELD, Michael. The Rocket and the
Reich – Peenemünde and the coming of the Ballistic Missile Era. New York: The Free Press, 1995, p. 137. 73 HALLION, Richard. (1981), op. cit., p. 116.
107
que ia poder ser conduzida a distância, sem a necessidade da presença de tropas em campos
de batalha e com a possibilidade de emprego das recém-criadas ogivas nucleares.
Pelo exposto, fica evidente que o conhecimento de distâncias intercontinentais era
bastante importante na visão militar. Isto ajuda a entender o grande envolvimento que
militares dos EUA tiveram em observações de eclipses solares na década de 1940 e os
problemas que eles herdaram dos pioneiros neste campo. Entre os problemas técnicos que os
engenheiros enfrentavam no desenvolvimento de mísseis de longo alcance, a questão da
precisão dos alvos aos quais os projéteis eram direcionados tinha relações com os dados
fornecidos por estudos geodésicos. Nesta perspectiva, as aplicações dos resultados que o teste
de Banachiewicz podia oferecer impulsionaram a criação de um projeto secreto por parte dos
militares norte americanos envolvidos nas observações do eclipse em Bocaiuva.
Em 01 de abril de 1947, o Chefe da Sessão de Engenharia do Exército dos EUA
recebeu um ofício secreto do coronel William M. Garland, do Army Air Forces Headquarters,
que dizia o seguinte:
In view of the present military interest in a world-wide geodetic datum from the
standpoint of guided missile employment, it is suggested that a joint Engineer-Air
Force project be established to investigate the possibilities of intercontinental
astronomical-geodetical work during solar eclipses and […] as is practicable during
the 20 May solar eclipse.74
Ou seja, desde antes da ocorrência do eclipse total do Sol de 20 de maio de 1947,
visível no Brasil, o Exército EUA já vislumbrava utilizar os dados de um experimento
específico para o aperfeiçoamento de mísseis intercontinentais. Este interesse de militares
norte americanos contou com a colaboração de uma rede de astrônomos e físicos, que
prestaram auxílio dando sugestões quando consultados e se dispondo a se aproximar de
astrônomos finlandeses, que possuíam a experiência e os equipamentos adequados para a
realização desta observação. Ainda antes da ocorrência do eclipse de maio de 1947, em 15 de
abril de 1947, o professor Charles Smiley, Diretor da Brown University, indicou
74 Na perspectiva do atual interesse militar em dados geodésicos mundiais, no ponto de vista do emprego de
mísseis guiados, sugere-se que um projeto conjunto Engineer-Air Force seja estabelecido para investigar as
possibilidades de um trabalho astronômico-geodésico intercontinental durante eclipses solares e, bem como, ver
a possibilidade de sua realização, durante o eclipse do Sol de 20 de maio. Ver: Memorandum from Colonel
William M. Garland to the Chief of Engineers. April 01, 1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files –
Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College
Park – MD/ US, tradução nossa.
108
informalmente sua disposição em ajudar no levantamento de informações, já que ele ia estar
no Brasil em 1947 para observar o fenômeno.75
3.4 Astrônomos e militares: sugestões e interesses
Durante a Segunda Guerra Mundial, a participação de cientistas em projetos militares
ganhou proporções não testemunhadas anteriormente. O Governo dos EUA reorganizou a
estrutura dos órgãos científicos, alocando engenheiros, químicos, geodesistas e,
principalmente, físicos, em órgãos como o National Defense Research Committee e o Office
of Scientific Research and Development, que coordenavam a política científica voltada para as
necessidades de guerra.76
Com o término da Guerra, a estrutura organizacional foi desfeita,
mas o canal de trocas entre militares e cientistas estava aberto e foi utilizado de acordo com as
necessidades; fosse para algum pesquisador conseguir um contrato com alguma agência
militar; fosse para os militares consultarem os cientistas em caso de dúvidas sobre projetos de
pesquisa.
Em 11 de julho de 1947, o coronel do Air Corps George W. Goddard, da Divisão de
Engenharia do Air Material Command,77
enviou um ofício confidencial ao Perkins
Observatory, em Delaware, Ohio, ao Georgetown College Observatory, em Washington DC,
e à Brown University, em Providence, Rhode Island, afirmando o interesse do Exército dos
EUA em realizar medições intercontinentais durante um eclipse solar e solicitando
informações sobre que equipamentos utilizar, procedimentos a serem adotados, pontos de
observação apropriados e mapas que mostrassem os locais em que ia ser possível ver o eclipse
anular do Sol de 09 de maio de 1948. Em momento algum o documento menciona que o
interesse nesta observação era usar os dados com o intuito de aperfeiçoar ICBMs.78
75 Memorandum from Brig. General L. P. Whitten to Commanding General Air Material Command. April 15,
1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National
Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College Park – MD/ US. 76 KEVLES, Daniel. The Physicists: The history of a scientific community in Modern America. Massachusetts:
Harvard University Press, 1987, pp. 287 – 323. 77 O Air Material Command, anteriormente denominado Air Technical Services Command, teve estreitas
ligações com as pesquisas no Radio Research Laboratory da Universidade de Harvard, sob a chefia do físico
Marcus O’Day. O’Day trabalhou para o Air Material Command desenvolvendo sistemas de triangulação de
posição e de trajetórias de mísseis usando técnicas de emissão de pulsos de rádio. Ver: DeVORKIN, David. Science with a vengeance: how the military created the US space sciences after World War II. New York:
Springer – Verlag, 1992, p. 87. 78 Memorandum from Colonel George W. Goddard (Chief of Photographic Laboratory Engineering Division) to
Perkins Observatory.; Memorandum from Colonel George W. Goddard to Georgetown College Observatory.;
Memorandum from Colonel George W. Goddard to Brown University. July 11, 1947. In: RG 342 – Entry P26 –
Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse
Expedition. NARA/ College Park – MD/ US.
109
Smiley respondeu em 16 de julho de 1947, indicando que o eclipse de 09 de maio de
1948 ia ser um eclipse anular do Sol e que ele não era muito apropriado para a execução do
método de Banachiewicz, como o que fora feito entre o Brasil e a África em maio de 1947.79
Smiley preocupou-se em apontar alguns locais onde o eclipse anular de maio de 1948 ia ser
visível, sugeriu que o eclipse anular de 12 de novembro de 1947 poderia ser utilizado para
testar o método de Banachiewicz na direção Norte-Sul, ligando pontos entre o Peru e os EUA,
e usou o seguinte argumento para reforçar a importância deste tipo de experimento:
[...] may I say that I feel that the problem of intercontinental distance as measured by
means of a total solar eclipse is one of great importance, one whose full significance
will be better appreciated ten or twenty years from now. I feel that it is highly
important that observations as good as can be made, be made now, in full confidence
that the years will prove the value of the extra precise measures.80
Apesar de ter salientado a importância que os dados teriam no futuro, o que despertou mais a
atenção dos militares do Army Air Forces Headquarters foi a possibilidade de ligar os pontos
das redes geodésicas do Norte e do Sul das Américas.81
A resposta do Georgetown College Observatory foi assinada pelo astrônomo Francis
Heyden, então Diretor da instituição. De uma forma geral, Heyden não hesitou em passar as
informações sobre os locais que possivelmente iam oferecer boas condições de observação do
79 Enquanto em um eclipse total do Sol o disco da lua é maior do que o disco solar, e o cobre por completo, em
um eclipse anular do Sol o disco da lua é ligeiramente menor do que o solar, e no momento máximo deste
eclipse apenas a borda do Sol aparece no entorno da borda da lua, formando um anel. O que determina se um
eclipse será total ou anular é a distância em que a lua se encontra da Terra. Como a volta que a lua dá em torno
do nosso planeta forma uma elipse, há períodos em que ela está mais próxima da Terra e outros em que ela está
mais longe. Se na ocorrência de um eclipse do Sol a lua esta no seu ponto mais distante da Terra (apogeu lunar –
cerca de 400 mil km da Terra), temos um eclipse anular do Sol; se a lua está em seu ponto mais próximo da Terra (perigeu lunar – cerca de 360 mil km da Terra), temos um eclipse total solar. Desta forma, no eclipse total
do Sol o segundo contato ocorre quando o disco da lua cobre totalmente o disco solar e a coroa do Sol aparece.
Já no eclipse anular do Sol, o segundo contato ocorre quando o disco da lua já avançou o suficiente sobre o disco
do Sol e este reaparece por de trás do disco lunar e o anel solar surge. Ver: LITTMANN, Mark; WILLCOX,
Ken; ESPENAK, Fred. Totality: eclipses of the Sun. New York: Oxford University Press, 1999, p. 115.; e Figura
20. 80 [...] devo dizer que sinto que o problema da distância intercontinental medida por meio de um eclipse total do
Sol é de grande importância, cujo completo significado será melhor apreciado daqui a dez ou vinte anos. Eu acho
que é muito importante que as observações sejam feitas já, da melhor forma que elas podem ser feitas, com plena
confiança que os anos vão provar o alto valor destas rigorosas mensurações. Ver: Memorandum from Charles H.
Smiley to Headquarters Air Material Command. July 16, 1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College
Park – MD/ US, tradução nossa. 81 A resposta de Smiley motivou trocas de informações entre os oficiais do Exército dos EUA sobre a chance de
ligar as redes geodésicas americanas. Ver: Memorandum from Brigadier General F. O. Carroll (Chief of the
Research & Engineering Div.) to Commanding General Air Material Command. August 01, 1947. In: RG 342 –
Entry P26 – Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar
Eclipse Expedition. NARA/ College Park – MD/ US.
110
eclipse de maio de 1948, como o Norte do Japão, a China e algumas ilhas do Pacífico. Porém,
ao tratar os métodos existentes para a determinação precisa dos contatos, Heyden apontou
dois problemas que o método Banachiewicz (identificando-o como um método sugerido pelo
astrônomo sueco Bertil Lindblad) possuía. Segundo Heyden:
1) It seems difficult to expect that the precise frame on which the beginning or end
of the eclipse can be seen will be found beyond all doubt. An uncertainty of twenty
or more frames seems to me to make the method rather inexact.
2) The method relies on only one observation at each contact, which can be spoiled
by interference on the radio time signal, by clouds or by some sudden instrumental
defect that can easily occur in field operation. One lost contact destroys over 25% of
the efforts of the whole expedition.82
Após mostrar suas ressalvas diante do método de Banachiewicz, Heyden detalhou uma
técnica de medição de momentos de contatos de eclipses totais do Sol, que os astrônomos do
Georgetown College Observatory tinham empreendido com sucesso nos dois últimos
fenômenos. Este método dava como resultado cerca de 600 exposições individuais do Sol em
chapas de vidro a partir das quais era possível determinar a posição relativa da lua e do Sol.
Heyden afirmou que apesar deste método ter sido empregado na observação do eclipse de
1940, no Brasil, em condições climáticas desfavoráveis, os resultados foram bastante
satisfatórios. Heyden colocou à disposição o equipamento do Georgetown College
Observatory para realizar as reduções após as observações de maio de 1948 e abriu as portas
de seu observatório para os militares.
Em diversos momentos, Heyden sugere um trabalho em parceria entre os astrônomos
de seu observatório e alguns militares do Air Corps que, na visão do Diretor do Georgetown
College Observatory, já possuíam experiência com os procedimentos e com o equipamento de
seu observatório. Aparentemente, Heyden aproveitou a oportunidade para tentar convencer o
comando do Air Corps da eficácia do método utilizado por seu observatório e para tentar
estabelecer parcerias de trabalho. De toda forma, a resposta do Air Material Command ao
82 1) Parece difícil esperar que o quadro exato [do filme], no qual o início ou o fim do eclipse possa ser visto,
seja encontrado sem sombra de dúvidas. Uma incerteza de vinte ou mais quadros parece, no meu ponto de vista, tornar o método inapropriado. 2) O método baseia-se somente em uma observação em cada contato, que pode ser
atrapalhado por uma interferência [no controle] do tempo fornecido pelo sinal de rádio, por nuvens ou por algum
repentino defeito no instrumento, que pode facilmente ocorrer no campo de operação. A perda de um contato
destrói mais do que 25% dos esforços de toda a expedição. Ver: Memorandum from Francis Heyden to
Commanding General Air Material Command. July 16, 1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files –
Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College
Park – MD/ US, tradução nossa.
111
ofício de Heyden foi enviada em 14 de agosto de 1947, agradecendo às informações e
lamentando por não ter à disposição a mão de obra solicitada para um trabalho em conjunto
nas dependências do Georgetown Observatory naquele momento.83
Contudo, como foi visto
no segundo capítulo, Heyden conseguiu alguns contratos com a Força Aérea dos EUA nos
anos seguintes. Nesta perspectiva, pode não ter sido tão ingênuo o fato de Heyden ter emitido
uma opinião negativa ao experimento que ia ser realizado no eclipse de maio de 1948. Da
mesma forma, a explicação da metodologia para a determinação dos contatos do eclipse total
desenvolvida pelos astrônomos de seu observatório (que Heyden afirmava fornecer resultados
mais precisos), a disponibilidade dos instrumentos de sua instituição e a sugestão de parcerias
com os militares da Força Aérea vão no mesmo sentido.
Os astrônomos J. Allen Hynek e Armin J. Deutsch assinaram a resposta do Perkins
Observatory. Nela, eles apontaram a existência de três métodos para fazer medidas entre
estações separadas por longas distâncias: (a) por medidas astronômicas convencionais, (b)
pelo uso de eclipses do Sol e (c) por ocultações de estrelas pela lua. Destes métodos, segundo
Hynek e Detsch, o de ocultação de estrelas pela lua é o que apresenta maiores possibilidades
de sucesso. Creio que Hynek e Detsch estranharam a requisição de informações por parte de
uma agência militar sobre experimentos geodésicos na ocorrência de eclipses, já que para eles
[...] a solar eclipse provides an excellent opportunity for important physical and
astrophysical observations, many of which have military implications, particularly as
pertaining to the physical state of the upper atmosphere.84
Ou seja, a relação entre os estudos
ionosféricos durante a ocorrência de eclipses do Sol e suas relações com os anseios militares
ainda estava bem viva para alguns astrônomos nos EUA. Por outro lado, nem todos os
astrônomos vislumbravam o uso no aperfeiçoamento da direção de mísseis que os resultados
destas observações poderiam fornecer.
83 Memorandum from Colonel of Air Corps George W. Goddard (Chief of Photographic Laboratory Engineering
Division) to Francis Heyden. August 14, 1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files – Box 3696,
Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College Park – MD/ US. 84 [...] um eclipse solar proporciona uma excelente oportunidade para importantes observações físicas e
astrofísicas, muitas das quais têm implicações militares, particularmente pertencentes ao estado físico da
atmosfera superior. Ver: Memorandum from J. Allen Hynek and Armin J. Deutsch to Commanding General Air
Material Command. July 31, 1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 –
Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College Park – MD/ US, tradução
nossa.
112
3.5 – A ciência no escuro: a organização de uma expedição para eclipsar a paz
O processo de organização da expedição para o eclipse de maio de 1948 teve sua fase
crucial na ocorrência de uma conferência para seu planejamento em 29 de setembro de 1947.
A minuta da conferência revela que o grande número de militares e cientistas presentes sabia
que a intenção de utilizar um eclipse do Sol para realizar medições geodésicas era uma técnica
ainda em teste, mas que tinha grandes chances de ter resultados positivos. Ao menos era o que
eles esperavam. Os participantes ouviram as impressões de Lyman Briggs, John O’Keef,
astrônomo da Geodetic Division of Maps of the US Army, e do almirante L. O. Colbert, do
United States Coast and Geodetic Survey. O’Keef externou sua preferência pela técnica de
Banachiewicz (àquela altura já tomada como técnica de Bonsdorff) e considerou que os
resultados das mensurações poderiam ter uma precisão de cerca de 50 metros. Já Briggs e
Colbert estavam preocupados com as condições climáticas no Norte do Pacífico e sugeriram
metodologias convencionais para superar o problema do mal tempo constante nas Ilhas
Aleutas. Ao final da reunião, um comitê para elaboração do plano de observação foi apontado,
sendo formado por um membro de cada instituição participante do projeto, que teve a seguinte
configuração:
– Col. Wm. H. Mills, Chairman – Army Map Service;
– Loren A. Bloom – Aero. Chart Service;
– Lyman Briggs – National Geographic Society;
– Lt. Col. F. H. Colby – Air Force Liaison to the Office of the Chief of Engineers;
– J. J. Deeg – Air Material Command, Wright Field;
– Lt. Comdr. A. J, Hoskinson – U. S. Coast and Geodetic Survey;
– G. G. Lorenz – Engineer Research & Development Lab.;
– Guillermo Median – Hydrographic Office, Navy Dept.;
– John A. O’Keefe – Army Map Service;
– John R. Richardson – Office of the Chief of Engineers;
– Col. J. C. Tison Jr. – Headquarters, Air Forces (Shoran).85
Como é possível perceber, o comitê para as observações do eclipse anular de maio de
1948 foi formado em sua maioria por militares de instituições de cartografia86
e engenharia, e
85 Minutes of Conferences on plans for observation of the eclipse of May 8 – 9, 1948, at the Army Map Service
at 09:30 hours, 29 September 1947. RG 331, Box 7422, Folder: Eclipse of Sun 1947. NARA/ College Park –
MD/ US.
113
tinha o caráter de uma expedição científico militar. A proposta preliminar que o comitê
elaborou teve as seguintes considerações iniciais:
The development of new methods of warfare and of new methods of radio
navigation involving very long distances has made it a matter of military necessity
as well as of scientific interest to determine the distances between the great
continental triangulation system of Europe, Asia and North America, as well as the
lesser system in Africa, South America, and Asia. Two principal roads are open to
us for such determinations: first, direct measurements; second, computation, using
accurate values for the size and shape of the earth. The aim, in either case, is to
make the determination of positions within a single triangulation system. At present
relative positions over long distances within a single system are known with
accuracy 6 – 9 meters. On the other hand, computed intercontinental distances may
be in error by 182 to 213 meters, and possibly more, chiefly due to the inaccuracy of
the present knowledge of the figure of the earth.87
O objetivo público desta expedição era determinar as distâncias entre os sistemas de
triangulação continentais dos EUA, Japão e Índia, e os ligar, como afirmou John O’Keefe.88
Mas, o uso que os resultados da ligação entre os sistemas de triangulação podiam oferecer
estavam sob o véu do sigilo e era [...] to determine the relation of 1927 North American
datum to the triangulation of the Far East without the necessity of connecting through eastern
Siberia.89
Nesta lógica, o método de Banachiewicz era importante tendo em vista que os
métodos tradicionais não eram capazes de estabelecer com grande precisão a distância entre
dois locais separados por oceanos. Os métodos tradicionais davam a distância entre dois
86 Ainda existia o interesse na comercialização de mapas que cresceu exponencialmente nos EUA nos anos 1940,
como assinala Schulten. Ver: SCHULTEN, Susan. The Geographical Imagination in America, 1880 – 1950. Chicago: The University of Chicago Press, 2001, pp. 204 – 214. 87 O desenvolvimento de novos métodos de guerra e de rádio navegação que envolvem grandes distâncias
tornou-os uma questão de necessidade militar, bem como de interesse científico, para determinar as distâncias
entre o grande sistema de triangulação da Europa, Ásia, América do Norte, bem como o sistema menor que há na
África, América do Sul e Ásia. Dois caminhos principais estão abertos para tais determinações: primeiro, as
medições diretas; segundo, cálculos utilizando valores precisos para o tamanho e forma da Terra. O objetivo, em
qualquer caso, é fazer a determinação de posições em um sistema único de triangulação. Atualmente, posições
relativas de longas distâncias dentro de um único sistema são conhecidas com uma precisão de 6 a 9 metros. Por
outro lado, cálculos de distâncias intercontinentais podem ter um erro de 182 a 213 metros, sendo possivelmente
maior, devido principalmente à imprecisão do conhecimento sobre a figura da Terra. Ver: Preliminary proposals
for observations of the 1948 eclipse to furnish a basis for discussion at conference of 29 Sept 47. In: RG 331, Box 7422, Folder: Eclipse of Sun 1947. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 88 O’KEEFE, John. “The National Geographic Society 1948 Eclipse Expedition to Rebun Jima.” In: Surveying
and Mapping. Washington: Imprenta Washington, Number 9, 1949, p. 168. 89
[...] determinar a ligação do sistema de informações norte americanas de 1927 ao sistema de triangulação do
Extremo Oriente sem a necessidade de conectá-los através da Sibéria. Ver: Preliminar proposals for observations
of the 1948 eclipse to furnish a basis for discussion at conference of 29 Sept 47. In: RG 331, Box 7422, Folder:
Eclipse of Sun 1947. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa.
114
pontos continentais com uma acuidade que variava entre 6,1 metros a 9,14 metros de margem
de erro. Já a precisão da distância entre dois pontos intercontinentais variava entre 213 metros
ou mais de margem de erro. A expectativa era que o método Banachiewicz reduzisse a
margem de erro para cerca de 50 - 60 metros,90
como O’Keef também assegurou
anteriormente. A importância da precisão dos dados sobre as grandes distâncias
intercontinentais é entendida se virmos sua relação com o poder de precisão dos ICBMs.
Antônio Celso Pereira, ao analisar as relações científicas e militares numa perspectiva
de política internacional na era de armas de destruição em massa, indicou que o importante
não é somente a energia liberada (potência destrutiva) da explosão de uma ogiva nuclear, mas,
também, a precisão do veículo transportador. Segundo Pereira:
A precisão de um míssil é considerada conforme o Erro Circular Provável (ECP), ou
seja, o raio de um círculo no alvo dentro do qual se espera que 50% dos petardos
devam cair. Levando em conta este dado técnico, podemos facilmente deduzir que o
importante não é a potência da ogiva, e sim a precisão do projétil. [...] se o objetivo é
destruir determinado alvo de estrutura reforçada, que exigiria uma estrutura de um
megaton lançada através de um projétil com um ECP de mil metros, poder-se-ia
fazê-lo, com a mesma eficiência, lançando um projétil cuja precisão atinge
quinhentos metros de ECP, com uma ogiva de 125 quilotons.91
Ou seja, o aumento da eficiência dos ICBMs, que estavam em desenvolvimento, era
um dos pontos que os militares norte americanos se preocuparam ao término da Segunda
Grande Guerra. Neste ínterim, eclipses solares, que já eram observados em uma perspectiva
de aperfeiçoamento de equipamentos de uso militar nos anos 1930, foram tomados como uma
possibilidade de alcançar este objetivo.
No início de novembro de 1947, circulou um ofício entre as organizações militares
envolvidas neste projeto, com as recomendações e conclusões sobre as medições
astronômico-geodésicas que iam ser feitas durante o eclipse de 09 de maio de 1948. As bases
de observação foram definidas e iam ficar localizadas em:92
– Adak, Aleutian Islands – base com um B – 29;
– Kiska, Aleutian Island – base com um B – 29;
90 Memorandum from Harry Kelly to General W. F. Marquat. January 12, 1948. In: RG 331 - Entry 2, Box 7431,
Folder: Eclipse [26]. NARA/ College Park – MD/ US. 91 PEREIRA, Antônio Celso Alves. Os Impérios nucleares e seus reféns: relações internacionais
contemporâneas. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984, p. 81. 92 Ver Figura 16.
115
– Rebun Jima, Japan – base com equipe de observadores;
– Ch’onan, Koreia – base com equipe de observadores;
– Wu-k’ang, China – base com equipe de observadores;
– Bangkok, Tailândia – base com equipe de observadores;
– Mergui, Burma – base com equipe de observadores.
A organização decidiu que haveria dois tipos de equipes de observação em cada um
dos cinco pontos de observação: uma móvel e outra fixa. Esta medida era para assegurar a
possibilidade de deslocamento da equipe em caso de más condições climáticas na base inicial.
Por outro lado, as equipes das Ilhas Aleutas iam contar com o apoio de dois aviões B – 29 da
311th
Reconnaissance Wing que iam realizar observações aéreas em Kiska e em Adak,
colocando em prática a técnica de mensuração de distâncias conhecida como Shoran.93
Já as
cinco equipes fixas iam ser compostas por astrônomos, técnicos de rádio, técnicos em
câmeras, hidrógrafos, cozinheiro e um ajudante de campo. O pessoal para preencher estas
funções ia ser recrutado nos quadros de instituições dos EUA ou da própria região de
observação, enquanto que o transporte tanto do pessoal como do equipamento ia ser feito pela
Air Force dos EUA.94
Lyman Briggs foi o responsável pela escolha dos cientistas para a condução dos
estudos em cada uma das cinco bases de observação, além de ter supervisionado o ajuste de
todo o equipamento científico. Briggs distribuiu os seguintes astrônomos norte americanos
para supervisionarem os aparelhos nos cinco pontos de observação: George Van Biesbroeck,
Charles Smiley, Edward A. Halbach, Francis Heyden e Paul McNally.95
Cada uma das
93 SHORAN (Short Range Aid to Navigation) foi uma técnica sugerida por engenheiros da RCA (que estudavam
transmissões de sinais de rádio de televisão) à Army Air Force em 1940 e consistia na emissão de pulsos de rádio
para duas bases no solo (com localizações conhecidas) que retransmitiam os sinais ao avião. A diferença de
tempo da recepção dos sinais era medida e os operadores de rádio identificavam sua posição em voo. Segundo
D. Warner, Carl Alaskon, do US Coast and Geodetic Survey, sugeriu que um avião equipado com SHORAN
podia determinar a distância entre dois pontos no solo. Bastava que ele voasse perpendicularmente e em linha
reta entre duas bases de retransmissão de sinais de rádio e gravasse a distância percorrida entre estas bases. Esta
adaptação foi chamada de HIRAN (High Precision Shoran). Ver: WARNER, Deborah. “From Tallahassee to Timbuktu: cold War efforts to measure intercontinental distances.” In: Historical Studies in the Physical and
Biological Sciences. Vol. 30, Part 2, 2000, p. 395. Esta era a técnica que Lyman Briggs e o almirante L. O.
Colbert queriam usar nas Ilhas Aleutas no programa de observação do eclipse de maio de 1948. 94
Proposed plans for observation of solar eclipse, May 1948. November 28, 1947. In: RG 331, Box 7422,
Folder: Eclipse of Sun 1947. NARA/ College Park – MD/ US. 95 Preliminary proposals for observations of the 1948 eclipse to furnish a basis for discussion at conference of 29
Sept 47. In: RG 331, Box 7422, Folder: Eclipse of Sun 1947. NARA/ College Park – MD/ US.
116
missões distribuídas ao longo da faixa do eclipse ia realizar o mesmo experimento realizado
pela expedição finlandesa em maio de 1947. 96
Entretanto, extrapolando o interesse nos resultados geodésicos que poderiam ser úteis
aos programas de desenvolvimento de ICBMs, uma das conclusões da reunião que ocorreu
em setembro de 1947 diz que:
Participation in the 09 May 1948 solar eclipse long line measurement project by Air
Force is desirable due to the very valuable data which may be obtained and political
considerations which may prevent future access to the countries involved. However,
due to the nature of method to be employed, uncertainties of weather and very short
observing time, success cannot be guaranteed.97
Se, por um lado, os militares norte americanos sabiam da possibilidade das observações
científicas não obterem sucesso, por outro, eles levaram em conta aspectos políticos dos
países da região em que o eclipse anular de maio de 1948 ia ser visível e esperavam
dificuldades para transitar por lá futuramente. O fato é que havia algum interesse (que não
aparece de forma clara) de militares dos EUA nos aspectos políticos dos países em que ia ser
montada uma base de observação para o eclipse de 1948. É importante lembrar que a missão
da NGS ia estabelecer bases em localidades na China e na Koreia, países que passavam por
situações de instabilidade politica ao final dos anos 1940. O interesse dos EUA,
especificamente através de agências que também estavam envolvidas em observações de
eclipses, na região era claro neste período. Dois anos após o eclipse de 1948, o NBS conduziu
um número crescente de projetos de mísseis guiados para a Marinha dos EUA. Segundo
Cochrane: [...] the missile staff was approaching a hundred members and its development
mission had been accelerated by the requirement for an expanded series of production models
for possible use in Pacific.98
96 Document of Civil Information and Education Sections on April 02, 1948. In: RG 331 - Entry 2, Box 7422,
Folder: Eclipse 48 – 49 [22]. NARA/ College Park – MD/ US. 97 Participação no projeto de mensuração de longas distâncias no eclipse solar de 09 de maio de 1948 da Air
Force é desejável devido à valiosa informação [científica] que deve ser obtida e às considerações políticas que
podem impedir, futuramente, acesso aos países envolvidos. Entretanto, devido à natureza do método a ser
empregado, incertezas sobre o clima e ao curto tempo de observação, o sucesso não pode ser garantido. Ver: Extract of ‘Recommendations and conclusions’ of memorandum report subject ‘Astro-Geodetic work during the
09 May Solar Eclipse’. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files – Box 3696, Folder: 361 – Geodetical
Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa. 98
[...] o grupo de trabalho em mísseis está se aproximando de cem membros e seu trabalho foi acelerado pela
exigência de uma série de maior produção para um possível uso no Pacífico. Ver: COCHRANE, Rexmond C.
Measures for progress: a history of the National Bureau of Standards. Washington D.C.: Department of
Commerce, 1974, p. 445, tradução nossa.
117
Com as observações do eclipse de maio de 1948, as autoridades científicas e militares
dos EUA esperavam ser possível produzir conhecimento que podia ajudar a solucionar
problemas no desenvolvimento de seu arsenal e alcançar outros interesses diversos, não
diretamente ligados ao aperfeiçoamento de armas. Cientistas japoneses, que estavam
envolvidos nas observações deste eclipse, propuseram vinte e três investigações com a
participação de cerca de cem pessoas. Entre estes estudos, havia a proposta de realização de
estudos ionosféricos na região do Pacífico.99
Acredito que o fato das pesquisas ionosféricas
terem sido conduzidas pelo Diretor do Observatório Astronômico de Tóquio, Doutor
Hagihara (astrônomo japonês que participou ativamente de reuniões da IAU nos anos 1930),
que também escolheu sua equipe de trabalho, pode ter sido um esforço dos EUA em interagir
com a prática científica japonesa no pós-Guerra. Um dos objetivos do Supreme Commander
for the Allied Powers (centro de comando militar que coordenou as ações no Japão pós-
Segunda Guerra) era apoiar a reconstrução da prática científica no Japão, ao mesmo tempo em
que estabelecia trocas com ela.100
Esta atitude de cooperação científica entre japoneses e norte
americanos fora observada, com restrições ao navio militar dos EUA, no eclipse total do Sol
de 1934 e é fundamental para a prática da Astronomia. De todo modo, astrônomos norte
americanos trabalharam em conjunto com astrônomos japoneses em Rebun Jima, em 1948, e
os resultados alcançados das observações ionosféricas circularam por agências cientificas e
militares dos EUA.
O resultado científico final que foi alcançado pela missão da NGS para observar o
eclipse anular de 1948 não foi tão bom. Nem todas as bases tiveram sucesso na determinação
precisa dos momentos dos segundo e terceiro contatos do eclipse. Problemas com o
equipamento em algumas estações e com o mal tempo em outras frustraram as esperanças dos
expedicionários dos EUA. Todavia, as observações em Rebun Jima e nas Ilhas Aleutas foram
um sucesso. Esta foi a primeira e última situação em que o Exército dos EUA se envolveu
com observações de eclipses para tentar alcançar medidas geodésicas mais precisas, enquanto
que a Forca Aérea norte americana se aliou a astrônomos finlandeses e norte americanos para
continuar a empregar o método de Banachiewicz nos eclipses que ocorreram no anos 1950.
99 Combined reports on radio and ionospheric observations during annular solar eclipse – 9 May 1948. Prepared
under the supervision of General Headquarters Supreme Commander for the Allied Powers (SCAP) – Civil Communications Section Research and Development Division. In: RG 331, Box 7430, Folder: 8. NARA/
College Park – MD/ US. 100 Susan Lindee escreveu sobre a difícil interação entre as práticas científicas norte americana e japonesa –
como críticas norte americanas sobre os procedimentos científicos japoneses e a desconfiança destes para com a
intenção dos norte americanos – em trabalhos realizados em conjunto para analisar os efeitos das bombas
atômicas sobre os japoneses. Ver: LINDEE, Susan, American Science and the Survivors at Hiroshima. Chicago
and London: Library of Congress, 1994.
118
Considerações finais
As relações institucionais capitalizadas pelas explorações promovidas pela National
Geographic Society reuniram cientistas vinculados a instituições civis e militares em torno de
observações de eclipses solares nos anos 1930 e 1940. Entre estas instituições, o National
Bureau of Standards, através de seu Diretor, Lyman Briggs, exerceu um papel de liderança
nas decisões do Conselho Científico da NGS e, consequentemente, nas questões acerca das
expedições para a observação de eclipses. Foi possível perceber o envolvimento da Army Air
Force dando apoio logístico à expedição para observação do eclipse de maio de 1947,
enquanto que a Marinha dos EUA esteve à disposição dos expedicionários da NGS para a
observação do eclipse de junho de 1937. Os resultados desta dissertação indicam que a Army
Air Force tinha interesse específico em usar os dados que possivelmente iam ser alcançados a
partir de observações de eclipses para aperfeiçoar sistemas de localização e melhorar os
dispositivos de precisão de seus mísseis. Já a Marinha dos EUA, que possuía um observatório
próprio, estava inclinada a aproveitar os resultados das observações dos contatos de eclipses
do Sol para melhorar suas informações sobre navegação.
A participação de outras instituições nas expedições promovidas pela National
Geographic Society estava ligada a relações pessoais entre os pesquisadores do NBS e
astrônomos de diferentes observatórios, onde D. Menzel, H. O. Hulburt, S. Mitchell, Francys
Heyden, F. Richtmyer, Paul McNally, George Van Biesbroeck e Charles Smiley foram os que
se destacaram pela quantidade de participações diretas ou indiretas na organização e
observações de eclipses. Os cientistas do NBS que aparecem como maiores interessados em
observar eclipses do Sol e responsáveis pelos contatos pessoais com outros pesquisadores
foram Irvine Gardner, C. Kiess e Lyman Briggs. Estes contatos forneciam informações ao
NBS e constituíram-se em um canal de contatos diferente do que existia nos encontros
promovidos por associações oficiais em Astronomia. Apesar de H. Dellinger e T. R.
Gillialand – ambos do setor de rádio do NBS – terem observado eclipses do Sol e se
envolvido em pesquisas da ionosfera terrestre no período aqui estudado, seus nomes não
apareceram com frequência nas trocas de informações com cientistas de outras instituições.
Aparentemente, Dellinger exercia um papel de coordenação dos trabalhos sobre rádio e,
quando o eclipse era visível em algum lugar distante dos EUA, ele não ia a “campo” realizar
observações, preferindo enviar seus subordinados, como Gillialand, nas expedições
financiadas pela NGS, que o NBS participou.
119
A participação de cientistas de outras instituições nas missões organizadas pela NGS,
cooptados de alguma forma pelos laços do staff do NBS, levou legitimidade às ações e
construiu um espaço de troca de conhecimento com pesquisadores ligados, principalmente, ao
Harvard Observatory, US Naval Observatory, McCormick Observatory (University of
Virginia), Georgetown College Observatory, Cornell University e Yerkes Observatory
(University of Chicago). O que existiu foi uma negociação de interesses, onde instituições e
pesquisadores adaptaram seus objetivos à situação de associação que se encontravam, sendo o
interesse mercantil da NGS o orientador das ações.
A característica associativa que era a base para a permanência e aquisição de novos
membros da National Geographic Society era um símbolo de distinção, que, de certa forma,
foi estendido às instituições que participavam das expedições promovidas pela NGS e dava a
todas elas um maior reconhecimento público. A NGS financiava as expedições, o staff do
NBS atraia cientistas de outras instituições para a realização de pesquisas, as Forcas Armadas
dos EUA davam o apoio logístico e os membros da NGS recebiam em suas casas as Revistas
da Sociedade que faziam parte. O espaço associativo, além de estar na base da criação da
NGS e das relações por ela promovida, é percebido na própria formação política dos EUA e,
aparentemente, constituiu-se em um traço do habitus de seus cidadãos, aparecendo nas
relações para a observação de eclipses do Sol que a NGS financiou.
A necessidade de colaboração internacional em pesquisas astronômicas atravessou
todo o período estudado. A dificuldade na obtenção de informações relacionadas a eclipses do
Sol, causada pelas circunstâncias históricas da Segunda Guerra Mundial, ratificou a
importância da cooperação entre cientistas de diferentes países para um melhor conhecimento
das relações entre o Sol e as altas camadas da atmosfera, e para a realização de medidas
geodésicas mais precisas.
O aperfeiçoamento das comunicações por sinais de rádio era o objetivo de cientistas
de diferentes nacionalidades nos anos 1930 e 1940. Apesar de este esforço ter surgido no
início do século XX, foi somente ao final dos anos 1920, inicio dos anos 1930, que
observações de eclipses do Sol foram ligadas à pesquisa da ionosfera, ao menos por
investigadores dos EUA. Neste sentido, os planos de observações de eclipses do Sol das
expedições organizadas pela NGS-NBS continham um amplo programa de investigações, que
comtemplava as características das altas camadas da atmosfera (concentração de elétrons
livres, coeficiente de absorção, temperatura, velocidade dos processos de recombinação e de
quebra molecular) e suas relações com os raios solares, que criam as condições naturais para o
estabelecimento de comunicações através de sinais de rádio. Estas investigações eram do
120
interesse das indústrias de aparelhos radiofônicos, das companhias de transmissão de
programas de rádio e da população em geral, que experimentava um novo meio de
comunicação e de lazer. Neste trabalho, privilegiei o interesse militar. A partir de uma
preocupação com a segurança nacional, observatórios de monitoramento de atividades solar
foram criados, ao mesmo tempo em que o NBS concentrava as investigações de rádio reflexão
nos EUA. Nesta perspectiva, as observações de eclipses do Sol foram utilizadas para a coleta
de dados sobre a ionosfera terrestre e suas relações com o Sol e aproximaram os cientistas a
militares, já que estes tinham uma preocupação latente com as comunicações via rádio em
situações de guerra.
Na ocasião das observações científicas do eclipse de maio de 1947, feitas pela
expedição da NGS, há o caso particular da fiscalização inadequada realizada pelo Conselho
de Fiscalização das Expedições Cientificas e Artísticas do Brasil. Os eclipses do Sol ocorridos
nos anos 1940 colocaram o Brasil como destino dos expedicionários da NGS em duas
oportunidades. Neste período, interesses militares se confundiam com interesses científicos e
escolhas científicas eram orientadas por necessidades governamentais. O interesse norte
americano de caráter militar em regiões do Oceano Pacífico ao final dos anos 1930, bem
como a possibilidade do uso dos resultados dos testes ionosféricos feitos durante as
observações do eclipse de outubro de 1940 – no Nordeste brasileiro –, e a ideia que liga a
pista de Bocaiuva à exploração do quartzo do Norte de Minas Gerais foram apresentados
como hipóteses ao longo do trabalho. Por mais que a documentação encontrada não torne
evidente algumas ideias que expus, as hipóteses não estão desprovidas de sentido se levarmos
em conta as circunstâncias históricas que as envolveram, e podem servir como direção para
pesquisas futuras.
Os resultados das medidas geodésicas que o método de observação de Thaddeuz
Banachiewicz – usando eclipses do Sol – podia oferecer supriam uma necessidade de projetos
de pesquisa que militares dos serviços de cartografia e de engenharia do US Army e da US Air
Force desenvolviam na década de 1940. O desenvolvimento de mísseis de longo alcance
carecia de dados geodésicos mais precisos do que os que existiam àquela época, com o intuito
de aumentar sua eficiência destrutiva. Na ocorrência do eclipse anular de 09 de maio de 1948,
a NGS financiou uma multi-expedição científica, que tinha como objetivo secreto alcançar
resultados e usá-los para matar pessoas e destruir instalações com mais eficiência, oferecendo
um perigo menor ao agressor. O que estava sendo alterado era a natureza da guerra, que não
exigia mais a presença de combatentes em campos de batalha e ainda contava com o uso
militar devastador da energia nuclear.
121
Astrônomos norte americanos foram consultados pelo setor de engenharia do Exército
dos EUA sobre a possibilidade de sucesso do uso da técnica de Banachiewicz para medir
distâncias geodésicas durante um eclipse anular. Estas consultas expuseram posições
diferentes entre os astrônomos, frente ao método de Banachiewicz, do mesmo modo que
ofereceu exemplos de negociações de interesses entre Francis Heyden e os militares da Forca
Aérea do Exército dos EUA. Esta negociação de interesses ainda apareceu em outros
momentos. Como o eclipse anular de 09 de maio de 1948 ia ser visível em países em que a
situação politica era instável, o comitê de planejamento, constituído por militares e cientistas
das instituições citadas ao longo do trabalho, expressou intenção em conseguir dados de
caráter político.
De uma forma geral, os trabalhos existentes para a organização e observação de
eclipses solares financiadas pela National Geographic Society ofereciam um espaço de
negociação para a conciliação de diversos interesses de instituições científicas e pesquisadores
dos EUA, que possuíam motivadores com um uso claro para os seus proponentes, mas não tão
claros para o público. A identificação destes aspectos foi o objetivo almejado por esta
dissertação.
122
Figura 3 – Lyman James Briggs no início dos anos 1950. Ver: RG 167 – UD, Entry 2 – Box 7, Folder: Photographs -
Miscellaneous. NARA/ College Park – MD/ US.
Figura 2 – Lyman James Briggs, em 1933, ao assumir a Direção do National Bureau of Standards. In: RG 167 – UD, Entry 4 – Box 26, Folder: Dr. L. J. Briggs File 1933 - 1949. NARA/ College Park – MD/ US.
Figura 1 - Foto aérea do National Bureau of Standards – 1931. In: RG 167 – UD, Entry 2 – Box 7, Folder: Aerial View of NBS. NARA/ College Park – MD/ US.
123
As figuras 4, 5 e 6 podem ser encontradas em: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 3, Folder: Miscellaneous collection of photographs during the National Geographic Society and U.S. Navy solar expedition to the Canton Island. NARA/ College Park – MD/ US.
Figura 6 – Marinheiros em um momento de distração a bordo do Avocet, em julho de 1937.
Figura 5 – Irvine Gardner a bordo do Avocet, em julho de 1937.
Figura 4 – Navio da Marinha dos EUA – Avocet. Este navio conduziu a expedição cientifica da National Geographic Society até a Ilha de Cantão, no Oceano Pacifico em julho de 1937.
124
Figura 7
Figura 9 – Instrumentos astronômicos da expedição da National Geographic Society
prontos para capturar imagens do eclipse total do sol de outubro de 1940, na área da fábrica
de algodão de propriedade de um cidadão norte americano que auxiliou a expedição.
Figura 10 – Este é o Ford Station Wagon do National Bureau of Standards que continha um laboratório de rádio portátil e foi utilizado para fazer medições de frequências ionosféricas em outubro de 1940, na Cidade de Patos, PB. Este “instrumento” era enviado pelo NBS para fazer observações em vários locais nos EUA.
Figura 11
Figura 8
Nas figuras 7, 8 e 11 cidadãos da Cidade de Patos, PB, interagem com cientistas e instrumentos na ocasião do eclipse de 1940.
As figuras 7, 8, 9, 10, e 11 podem ser encontradas em: RG 167 – Entry 44 – Division 520 I. Gardner – Box 3, Folder: Maço de fotos. NARA/ College Park – MD/ US.
125
Figura 14 – O chefe da missão finlandesa, que ficou instalada no Brasil, em Bocaiuva, MG, Reino A.
Hirvonen testa o cronômetro de seu instrumento antes da ocorrência do eclipse total solar de 20 de maio de
1947. Ver: RG 167 – UD, Entry 2 – Box 5, Folder: Observed Computed
Radiation from 1st to 4th contact during a total solar eclipse. NARA/
College Park – MD/ US.
Figura 15 – No acampamento da expedição da National Geographic Society em Bocaiuva, MG, os pavilhões do Brasil, dos EUA e da Sociedade tremulavam juntos. Esta foto foi publicada na Revista da NGS. Ver: COLTON, F. Barrows. “Eclipse hunting in Brazil’s ranchland.” National Geographic Magazine. 1947, Sept, p. 304.
Figura 13 – Dr. Sahade, do Observatório de Córdoba, que se associou à expedição finlandesa na observação do eclipse
total do sol realizada em 20 de maio de 1947. Ver: RG 167 – UD, Entry 2 – Box 5, Folder: Observed Computed Radiation
from 1st to 4th contact during a total solar eclipse. NARA/ College Park – MD/ US.
Figura 12 – Eppley pyrheliometer usado por Lyman Briggs no eclipse de maio de 1947. Abaixo da superfície circular branca e preta, há um termopar conectado. A diferença de temperatura entre as duas partes foi medida e tomada como quantidade proporcional de calor absorvido pela superfície escura. Ver: RG 167 – UD, Entry 2 – Box 7, Folder: Photographs - Miscellaneous. NARA/ College Park – MD/ US.
126
Figura 17 – Esta é a chamada câmera de Banachiewicz. Este instrumento consiste em um telescópio adaptado a uma câmera de filmagem para gravar os contatos do eclipse solar. Este foi o principal instrumento utilizado pela múltipla expedição da National Geographic Society nas observações do eclipse anular do sol de 08-09 de maio de 1948. Ver: RG 167 – UD, Entry 2 – Box 7, Folder: Photographs – Miscellaneous. NARA/ College Park – MD/ US.
Figura 16 – Faixa do eclipse anular de 08-09 de maio de 1948. No pequeno mapa, feito à mão, ao lado, é possível identificar os locais das bases de observação da missão japonesa. Uma delas ia ficar na Ilha de Rebun Jima, ao Norte do Japão, onde a expedição da National Geographic Society colocou uma das suas sete bases de observação e ia ser possível ver o anel solar no ponto máximo do eclipse. Ver: RG 331 – Box 7422, Folder: Eclipse (1948 – 49) 21. NARA/ College Park – MD/ US.
127
Figura 19 – Representação da alta atmosfera em função da altitude e da densidade de elétrons livres por centímetro cúbico. Ver: NEWELL, Homer E. Beyond the Atmosphere: Early Years of Space Science. Washington, D.C.: NASA, SP-4211. Reproduzida por: DeVORKIN, David. Science with a vengeance: how the military created the US space sciences after World War II. New York: Springer – Verlag, 1992, p. 13.
Figura 18 – Representação dos comprimentos de ondas, onde: 1 nanômetro = 10-9 metros= 0,000001 metros. Disponível em http://www.overidon.com/2010/06/invisibility-and-energy-frequency-and-wavelength/
128
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129
Mapas dos eclipses solares que aparecem na dissertação (em ordem cronológica)1
1 Imagens disponíveis no site do United States Naval Observatory.
http://astro.ukho.gov.uk/eclbin/query_usno.cgi
130
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Fontes
Toda a documentação utilizada tem sua referência indicada em notas de rodapé ao
longo do texto. O conjunto de fontes documentais desta dissertação pode ser encontrado nas
instituições abaixo:
Academia Brasileira de Ciências – Rio de Janeiro/ RJ/ Brasil;
Arquivo de História da Ciência do Museu de Astronomia – Rio de Janeiro/ RJ/ Brasil;
Arquivo Histórico do Exército Brasileiro – Rio de Janeiro/ RJ/ Brasil;
Centro de Documentação e Histórico da Aeronáutica – Rio de Janeiro/ RJ/ Brasil;
Museu Histórico de Bocaiuva – Bocaiuva/ MG/ Brasil;
National Archives and Records Administration – College Park/ MD/ Estados Unidos.
137
Glossário1
Arco de segundo – Um arco de segundo (1”) é igual a 1/60 de 1 arco de minuto (1’), que, por
sua vez, é igual a 1/60 de 1 grau (1º). Um grau (1º) é a medida angular das partes de um
círculo dividido em 360 partes iguais. Logo, 1” é igual a 1/3600 de 1º.
Coroa solar – É a atmosfera solar superior, composta de gás rarefeito. Ela aparece no
momento da totalidade do eclipse solar e tem o formato de uma aréola. Sua temperatura pode
ultrapassar 1.1 milhões de graus Celsius.
Cromosfera – É a atmosfera avermelhada do sol, situada acima da fotosfera. Sua extensão é
de até 10.000 km acima da fotosfera e sua temperatura varia entre 8.000oC e 20.000
oC.
Espectrógrafo – É um instrumento que, através de um prisma, espalha os diferentes
comprimentos de luz contidos em um único feixe de luz, permitindo sua captura e seu estudo.
Espectrohelioscópio – É um espectrógrafo solar que bloqueia as cores que o observador não
deseja ver em favor de uma linha espectral escolhida.
Fadeout – É o fenômeno que ocorre quando há uma atividade solar intensa. A emissão de
raios-X em maior quantidade do que o normal interrompe o processo de ionização nas altas
camadas da atmosfera e as comunicações de rádio que usam sinais de alta frequência.
Flash spectrum – É o momento antes da fase de totalidade, quando o disco da lua cobre a
fotosfera e somente a cromosfera fica visível. Ao final da fase de totalidade, há outro flash
spectrum, quando a cromosfera reaparece por de trás da lua.
Fotosfera – É a superfície aparente do sol com uma aparência granular. Ela consiste em uma
camada de gás a uma temperatura de 5.500oC e tem a espessura de 500 km.
Rede de difração – Consiste em um grande número de riscos ou sulcos paralelos, feitos sobre
uma película de alumínio. Os sulcos devem ter todos a mesma forma e ser absolutamente
regulares assim como regularmente espaçados. Estes sulcos geram imagens de melhor
qualidade.
Zênite – Ponto no qual a vertical do lugar, perpendicular ao horizonte, intercepta a esfera
terrestre acima da cabeça do observador.
1 Este glossário foi elaborado a partir dos trabalhos de autores com treinamento em Astronomia, que estão nas
referências bibliográficas desta dissertação.
138
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