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1 Fundação Universidade Federal do Tocantins Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em Ciências do Ambiente CONHECIMENTO TRADICIONAL INDIGENA E BIODIVERSIDADE BRASILEIRA: OS KRAHÔ. Suyene Monteiro da Rocha Diniz Palmas Janeiro, 2006

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Fundação Universidade Federal do Tocantins Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em Ciências do Ambiente

CONHECIMENTO TRADICIONAL INDIGENA E BIODIVERSIDADE

BRASILEIRA: OS KRAHÔ.

Suyene Monteiro da Rocha Diniz

Palmas Janeiro, 2006

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Fundação Universidade Federal do Tocantins Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em Ciências do Ambiente

CONHECIMENTO TRADICIONAL INDIGENA E BIODIVERSIDADE

BRASILEIRA: OS KRAHÔ.

Suyene Monteiro da Rocha Diniz Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente para obtenção de título de Mestre Orientador: Prof Dr Odair Giraldin.

Palmas Janeiro, 2006

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP)

D585c Diniz, Suyene Monteiro da Rocha

Conhecimento tradicional indígena e biodiversidade brasileira: Os Krahô. / Suyene Monteiro da Rocha Diniz. – Palmas : UFT, 2006.

219p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Tocantins, Curso

de Pós-Graduação em Ciência do Ambiente, 2006. Orientador: Prof. Dr. Odair Giraldin

1. Convenção Diversidade Biológica. 2. Recursos Gen éticos. 3. C onhecimento

Tradicional. I.Título.

CDU 504

Bibliotecário: Paulo Roberto Moreira de Almeida

CRB-2 / 1118 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

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Aos meus pais com gratidão e reconhecimento, ao meu marido com amor, por fazerem dos meus sonhos, os seus também, propiciando que eles se tornassem realidade em nossas vidas.

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AGRADECIMENTOS

- Gostaria de agradecer a Deus a dádiva da vida e a faculdade de ter uma família tão amorosa que ao longo de minha jornada está sempre ao meu lado. Agradeço as conquistas e os desafios que me propiciam ser melhor como ser humano a cada dia. - Aos meus irmãos por terem compreendido minha ausência em diversas reuniões da família. Às Avós que tanto vibraram com mais essa conquista em minha vida, e que me incentivaram diversas vezes. Aos meus Tios pela ajuda desde o primeiro projeto para a inscrição no mestrado até os livros para o desenvolvimento do trabalho, pelas conversas longas e produtivas que travamos na construção de meu conhecimento. - Ao Profº Dr. Odair Giraldin sou grata pela orientação acadêmica deste trabalho. Sua calma e paciência foram importantes nos caminhos percorridos até a obtenção do trabalho final. - Foram tantos os amigos, Galileu, Miliana, Luciana, Gustavo, Érica, Jailson, Rosana, Arthur, Paulo Benincá, José Nicolau muitas foram às ajudas, muitos foram os que passaram a viver comigo as minhas incertezas, os medos, as angustias, a todos sou grata. - Aos colegas do Mestrado pelo companheirismo e aprendizado, mas em especial ao César companhia constante nesses dois anos, nosso caminho foi longo diversos sorrisos e lágrimas, agradeço os conselhos, a paciência, a compreensão e principalmente a amizade. - Agradeço ao Josué Amorim, pois sua compreensão foi fundamental para que pudesse conciliar trabalho e estudo. - Não poderia deixar de ofertar o meu obrigada mais que especial a Aline, ao Geraldo que foram mais que amigos foram meus co-orientadores. Ouviram incansavelmente minhas reflexões e meus questionamentos e buscaram comigo as respostas. Caso tenha me esquecido de alguém, antecipo minhas desculpas. - Aos Krahô, sou grata pela forma com que me acolheram, pelo carinho e amizade que recebi. Em especial a Dodanim Krahô Pükên por ter gentilmente engrandecido e ampliado meus horizontes no deslinde da dinâmica da sociedade Krahô. - Aos componentes da Kapey quero agradecer pelo apoio neste trabalho. - Fernando Schiavinni, obrigada pelo incentivo, apoio e continua troca de informações. - Ao Guilerme Amorim do Ministério do Meio Ambiente, que tão gentilmente atendeu as minhas solicitações, propiciando-me desenvolver o trabalho com maior clareza e exatidão nos propósitos que me firmei, ao nos facultar o acesso ao contrato de utilização e repartição de benefícios do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético.

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SUMÁRIO

LISTA DE ABREVIATURA E LISTA DE SIGLAS .......................................................v LISTA DE SIMBOLOS ................................................................................................vi RESUMO....................................................................................................................vii ABSTRACT .............................................................................................................. .viii INTRODUÇÃO..................................... ...................................................................... 9 CAPÍTULO I - A QUESTÃO AMBIENTAL NA EVOLUÇÃO DO PEN SAMENTO POLÍTICO...................................................................................................................16 1. A política e suas nuances.................................................... ..................................16 1.1. O poder...............................................................................................................19 1.2. A Política e a Política Ambiental........................................................................ 21 2. Gênese da retórica do Desenvolvimento Sustentável............................................23 3. Surgimento do Conceito de Desenvolvimento Sustentável...................................28 4. A Eco-92 marco na política ambiental mundial.....................................................31 4.1. Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e sua aplicabilidade no Brasil...........................................................................................................................35 4.2.O conhecimento das comunidades tradicionais e a CDB...................................40 CAPÍTULO II – REGULAMENTAÇÃO DO ACESSO AO CONHECIME NTO TRADICIONAL INDÍGENA ....................................................................................... 49 1.Acesso a Biodiversidade brasileira: caminhos e formulações ................................54 2. A Medida Provisória nº 2186-16/01........................................................................59 2.1. Proteção ao Conhecimento Tradicional Indígena ...............................................62 2.2. Acesso ao conhecimento Tradicional e da Remessa de material genético ....................................................................................................................................64 2.3. Repartição de benefícios.....................................................................................66 3. Do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético na Medida Provisória................77 3.1 Análise dos Decretos regulamentadores do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético.....................................................................................................................79 3.2. Resoluções pertinentes ao conhecimento tradicional editadas pelo CGEN.........................................................................................................................85 3.2.1. Resolução nº 6 de 26.06.2003.........................................................................85 3.2.2. Resolução nº 9 de 18.12.2003.........................................................................89 3.2.3. Resolução nº 11 de 25.03.2004.......................................................................90 3.2.4. Resolução nº 12 de 25.03.2004.......................................................................93 4. Conselho de Ética em pesquisa.............................................................................96 5. Do contrato de utilização do patrimônio genético e repartição de benefícios registrados no CGEN.................................................................................................98 CAPÍTULO III - DO CONHECIMENTO TRADICIONAL INDÍGENA ........................104 1. O caso de acesso ao conhecimento tradicional Krahô........................................104 1.1. Os Krahô...........................................................................................................114 1.2. O saber tradicional e a troca de informações relacionadas à biodiversidade para os Krahô...................................................................................................................122 2. O universo das trocas...........................................................................................131 CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................139 REFERÊNCIAS........................................................................................................146 ANEXOS..................................................................................................................151

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LISTA DE ABREVIATURA E LISTA DE SIGLAS

Art. artigo Dec. Decreto CDB Convenção sobre Diversidade Biológica CEP Comitê de ética em pesquisa CGEN Conselho de gestão do Patrimônio Genético COMARU Cooperativa Mista dos produtores e extrativistas do Rio Iratapuru CONEP Comitê Nacional de ética em pesquisa CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CNS Conselho Nacional de Saúde DS Desenvolvimentos Sustentável ECO- 92 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento FUNAI Fundação Nacional de Amparo ao índio IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IFF Empresa Essências e Fragrâncias ltda. MP Medida Provisória ONU Organização Mundial das Nações Unidas PROBEM Programa Brasileiro de Biologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia Res. Resolução UNIFESP Universidade Federal de São Paulo SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente

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LISTA DE SÍMBOLOS @ arroba § parágrafo % por cento

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RESUMO O presente estudo procurou analisar a implementação no Brasil da Convenção sobre Diversidade Biológica, enfocando os artigos normativos sobre o conhecimento tradicional e do acesso aos recursos genéticos e da repartição dos benefícios provenientes da sua utilização, especificamente a partir da Comunidade Indígena Krahô, no Estado do Tocantins, além da criação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) no âmbito do Ministério do Meio Ambiente. Para tal busca descrever e entender a estrutura da política, do poder, bem como os caminhos percorridos pelas nações, especialmente o Brasil, na formação da política ambiental, para evidenciar o atual estágio dos instrumentos normativos. Entretanto, lacunas se fazem existir entre os textos jurídicos e as realidades diferenciadas das populações indígenas. Deste modo, este estudo alia instrumentais teóricos e metodológicos da antropologia, das ciências sociais, ciências ambientais e direito para, numa ótica interdisciplinar, refletir sobre acesso ao conhecimento tradicional nas Comunidades Krahô, destacando as peculiaridades presentes nos sujeitos enquanto portadores de direito da norma. Em concomitância visa estabelecer parâmetros de validade e eficácia da norma no alcance de seus imperativos legais, ou seja, o resguardar da cultura, identidade e estrutura social dos povos indígenas.

Palavras-chave: Convenção Diversidade Biológica, recursos genéticos,

conhecimento tradicional.

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ASTRACT The present study aimed analysis the nationwide enforcement of the Convention on Biological Diversity, address respectively traditional knowledge and access to genetic resources and distribution of the benefits deriving from it’s utilization, specifically on Krahô Indigenous Community, besides the creation inside the Ministry of the Environment of a national competent authority – the Genetic Heritage Management Council (CGEN). It searched to describe and understand the policy’s power structures and the trajectory made by the nations, like a brazilian case, in the environemental politic to express the qualities and status of normatives and juridical skills. However, spaces are existing between juridical texts and the diversity realities of Indians Community. This study unified theoretical and methodological skills from Antropology, Social Sciences, Environemental Science and Juridical Sciences by an interdisciplinarity action to debate about the traditional knowledge and access to genetic resources at Krahô’s Community. And finally to discuss the relations about law and rights for the persons, like a central subject of the Righs. The text aimed to stablish validity and efficient measures about the law for aid the cultural, identity and social structure rescue of the Indians people. Key words: Convention on Biological Diversity, genetic resources, Traditional Knowledge.

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INTRODUÇÃO

O acesso ao conhecimento tradicional e a biodiversi dade.

O interesse pelo assunto biodiversidade e acesso a conhecimento tradicional

surgiu quando, em meados de 2002, meu tio, que já trabalha junto aos Krahô a

mais de uma década, procurou a mim e minha mãe para nos informar sobre uma

coleta de materiais genéticos realizada por pesquisadores da UNIFESP junto à

comunidade indígena citada. Após a narrativa, nos perquiriu sobre o interesse de

trabalharmos de forma dativa, na defesa dos interesses indígenas. De pronto nos

interessamos pelo caso e, passamos a estudá-lo.

A busca de material sobre o assunto foi a nossa primeira dificuldade, visto as

raras publicações nessa área, principalmente na esfera jurídica. O tema foi se

tornando cada vez mais intrigante e complexo, dado à diversidade de informações

que teríamos que buscar, pois, verificamos a necessidade de trazer outros ramos

da ciência ao estudo, na busca de não só compreender a abordagem normativa.

Em 2002, a Universidade Federal do Tocantins, publica o primeiro edital do

Mestrado em Ciências do Ambiente. Ao ter notícia do fato pensei em concorrer ao

processo seletivo, mas meus estudos estavam ainda no inicio, entendi por salutar

procrastinar minha inscrição. Já no segundo processo de seleção inscrevi como

proposta de estudo o acesso ao conhecimento tradicional relacionado à

biodiversidade, uma vez que o assunto, além de ser instigante, é também relevante

para o mundo da ciência, principalmente para o Tocantins, pois estamos inseridos

num bioma rico em biodiversidade.

As primeiras reflexões surgiram no tocante à pesquisa e produção de novos

medicamentos e cosméticos, os conglomerados industriais têm contribuído para

acirrar determinados temas nas discussões sobre a biodiversidade e o meio

ambiente. As indústrias têm tido acesso a recursos genéticos, e isso levanta

inúmeras problemáticas, entre elas a que se relaciona com os conhecimentos

tradicionais dos povos indígenas, o disciplinamento e ordenamento do acesso aos

saberes tradicionais.

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O referencial teórico, da pesquisa se torna amplo, uma vez que o assunto

acesso ao conhecimento tradicional indígena relacionado à biodiversidade, requer

as interfaces do Direito, da Antropologia e das Ciências do Ambiente. Não há como

disciplinar o assunto sem se buscar as estruturas disciplinares de outros ramos da

ciência, visto a peculiaridade de que é portador o sistema social indígena. O Direito

integra essa tríade estabelecendo os mecanismos de formação e estruturação da

política e acaba refletindo na questão social no qual se encontra imerso o indivíduo.

A Antropologia traz todo o olhar contextualizado e particularista que debruça sobre

as comunidades indígenas, auxiliando o operador do direito a entender a dinâmica

de seus sujeitos de direito. Já as Ciências do Ambiente amplia os horizontes

humanos na concepção de espaço, localização e contextualização, permitindo um

amadurecimento dos normatizadores quanto à necessidade de se preservar o meio

ambiente em que estão inseridos, mas não com o intuito de endeusamento da

natureza, mas com princípios e conceitos capazes de incutirem no homem uma

exploração racional e equilibrada do meio ambiente. É nessa miscelânea de valores,

princípios, conceitos e estruturas que se faz necessário refletir o acesso ao

conhecimento tradicional indígena relacionado à biodiversidade.

Para maior compreensão, do sujeito de direito (os indígenas) buscamos o

significado dos símbolos. Giraldin (2004) cita Descola e a Ecologia Simbólica para

demonstrar que as relações dos povos com o meio ambiente é simbolicamente

referenciada. A partir da proposição da ecologia simbólica, Descola apresenta três

modos diferentes de identificação dos elementos do meio ambiente: animismo,

totemismo e naturalismo e três modos diferentes de relação entre os humanos e o

meio ambiente: predação, reciprocidade e proteção.

A abordagem que foi feita pela presente dissertação é a da reciprocidade.

Sendo essa um meio de relação do homem com o meio ambiente, podemos passar

a entender os mecanismos de relação que se estabelece com outras comunidades

como forma de se estabelecer uma relação, um vínculo. Mesmo que não se tenha

uma equivalência na relação no que tange a subordinação do que oferta em relação

ao que retribui, mas está estabelecida de forma clara a reciprocidade.

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Utilizamos aqui a noção de “campo” elaborada por Bourdieu (2000), que se

trata de um espaço em que as posições dos agentes encontram-se estruturadas,

em que os indivíduos ocupam seus espaços, estando em constante competição, e

cuja estrutura apresentada independe da vontade desses. E nos baseamos nos

estudos de Mauss (1975) para a estruturação e concepção do dom, dádiva ou troca,

bem como os estudos de Godelier (2001) sobre o dom.

Traçamos o que vem a ser a estrutura estruturada, ou seja, o contexto

formado pela sociedade, que possui espaços sociais com posições e estratos

definidos, independentes da pessoa (MARTINO, 2003: 28).

Para avançarmos na estrutura de campo e habitus buscamos a noção de

símbolo de Bourdieu, (2000). Para ele o poder simbólico não reside nos sistemas

simbólicos, em forma de uma “illocutionary force”, mas se define numa relação

determinada – e por meio desta – entre os que exercem o poder e os que lhe estão

sujeitos, ou seja, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a

crença.

Na teoria do campo se insere o conceito de habitus que vem a ser a forma

pela qual se prática determinadas ações, que podem ser fruto de uma assimilação

de valores impostos pela sociedade ou desenvolvidas de forma individual, a partir

das experiências e vivências pessoais. Tem-se, então, a estrutura estruturante, que

são os valores individuais de cada um, seu modo de agir, entender e se relacionar

com a sociedade. Isso reflete nas práticas realizadas pelos indivíduos.

A realidade social é fruto das relações humanas. E essas relações não se dão

de forma livre, arbitrária. Ao contrário, suas condições de existência são fruto do

espaço, da geografia, da profissão, da classe social, do grau de instrução, dos

interesses diversos (MARTINO, 2003. p. 28).

O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser

exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos

ou mesmo que o exercem (BOURDIEU, 2000:07). Tem a função de construir a

realidade e estabelecer uma ordem, em virtude disso estabelece as funções sociais

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de cada indivíduo. Todavia, tem-se estruturas estruturadas que são as concepções

assimiladas pelo indivíduo a partir dos valores, conceitos, condutas e posturas

sociais permitidas ou rechaçadas pela sociedade.

Levi Strauss, na introdução da obra de Mauss (1975:29) sobre a dádiva,

estabelece que os símbolos são mais reais do que aquilo que simbolizam, o

significante precede e determina o significado. Não é o objeto que cria as diferenças,

são as diversas lógicas dos domínios da vida social que lhe conferem sentidos

diferentes na medida em que se desloca de um para outro e troca de função e de

emprego (GODELIER, 2001:165).

Quem dá, dá algo de si. Ao aceitar, aquele que recebe, pelo ato da troca

passa, mesmo que momentaneamente, ser um pouco do outro; a dádiva os

aproxima, tornando-os semelhantes.

Tão próximo da ideologia da generosidade e do altruísmo, o ato de dar,

mostra-nos Mauss, não é um ato desinteressado. Isso não se limita a prática dos

"chefes". Não existe a dádiva sem a expectativa de retribuição. Dar o caráter

altruístico é mistificar a dádiva, por ser ela um ato simultaneamente espontâneo e

obrigatório.

Ao refletir sobre o dom, podemos estabelecer que os atos da troca são

concebidos de formas diversas pelas diferentes civilizações, fatos que nos revelam

que trocar é mesclar almas, permitir a comunicação entre os homens, a inter-

subjetividade, a sociabilidade. Essas regras manifestam-se simultaneamente na

moral, na literatura, no direito, na religião, na economia, na política, na organização

do parentesco e na estética de uma sociedade qualquer.

Mauss (1975: 57) reserva ao potlatch a denominação "prestação total de tipo

agonístico", ou seja, implica um desenvolvimento da rivalidade, uma maior

institucionalização da competição, e ainda, não há como os fatos da economia se

dissociarem dos do direito.

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Mauss se ateve em especial a prática do dom na Polinésia, sobretudo, em

função da noção de mana, que também é observado em determinadas tribos da

Melanésia, mas em um contexto de menor desenvolvimento da chefia como

instância centralizadora da vida social. Seu estudo possibilitou comparações não só

entre essas regiões próximas, mas também do potlatch da costa noroeste americana

que apresentaria noções semelhantes, implicando honra, prestígio e autoridade. A

não retribuição implica perda do mana.

No contexto das obrigações não se trata apenas de dar e de receber. Mauss

traz uma terceira vertente, que é a obrigação de retribuir. A obrigação de dar é a

essência do potlatch1. Um chefe deve dar potlatch, para si mesmo, para o seu filho,

para o seu genro ou para a sua filha, para os seus mortos. Pois caso aja em

contrário ele poderá vir a perder sua autoridade sobre a tribo, até mesmo sobre a

sua família, não mantendo sua posição de chefe.

Na obrigação de receber não há a possibilidade de se recusar uma dádiva. A

recusa a um potlatch torna o que negou um vencido. Há uma relação de hierarquia e

dignidade no dom nas comunidades estudadas por Mauss. A recusa importa na

declaração expressa de incapacidade, é vislumbrada como humilhação.

Abster-se de dar, com abster-se de receber é faltar a um dever – como

abster-se de retribuir (MAUSS, 1975:107). Na obrigação de retribuir essa relação

deve ser estabelecida de maneira usuária, há que se retribuir o que recebeu de

forma digna.

1 Potlatch a denominação dada por Mauss a "prestação total de tipo agonístico", no contexto das obrigações não se trata apenas de dar, e de receber, traz o autor uma terceira que é a obrigação de retribuir. potlatch é uma cerimônia praticada entre tribos índigenas da América do Norte, como os Haida, os Tlingit, os Salish e os Kwakiutl. Também há um ritual semelhante na Melanésia. Consiste num festejo religioso de homenagem, geralmente envolvendo um banquete de carne de foca ou salmão, seguido por uma renúncia a todos os bens materiais acumulados pelo homenageado – bens que devem ser entregues a parentes e amigos. A própria palavra potlatch significa dar, caracterizando o ritual como de oferta de bens e de redistribuição da riqueza. A expectativa do homenageado é receber presentes também daqueles para os quais deu seus bens, quando for a hora do potlatch destes. O valor e a qualidade dos bens dados como presente são um sinal do prestígio do homenageado. Originalmente o potlatch acontecia somente em certas ocasiões da vida dos indígenas, como o nascimento de um filho; mas com a interferência dos negociantes europeus, os potlaches passaram a ser mais frequentes (pois haviam bens comprados para serem presenteados) e em algumas tribos surgiu uma verdadeira guerra de forças baseada no potlatch. Em alguns casos, os bens eram simplesmente destruídos após a cerimônia.

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A presente pesquisa focaliza-se na análise dos instrumentos normativos

vigentes no Brasil que disciplinam o acesso ao conhecimento dos povos indígenas,

tendo como ponto de reflexão o caso Krahô. Para tal, no primeiro capítulo estudos

de Bobbio (2000) e Moura (1996) nos auxiliam na estruturação do panorama

político como forma de demonstrar a evolução do pensamento político, como

mecanismo de contextualização do objeto de nosso estudo. Na análise da Política

ambiental, buscou-se salientar a discussão ambiental estabelecida a partir da

segunda metade do século XX. Para construção de tal referencial teórico focalizou-

se nas contradições entre racionalidade ecológica e racionalidade capitalista de Leff

(2004) e nas discussões que se deram no cenário político seja nacional ou

internacional com a cronologia estabelecida por Camargo (2003) e Lílian Duarte

(2003). A construção do conceito de desenvolvimento sustentável fundamentou-se

nas contribuições de Sachs (1993; 2002), de Giansanti (1998) e de Capra (2003).

Para se compreender o estágio atual no qual se encontra a sociedade

nacional frente à lei de acesso à biodiversidade, precisa-se compreender a trajetória

realizada pelo país para o reconhecimento do saber tradicional como mecanismo de

manejo ambiental. De acordo com tal intuito o presente trabalho fundamentou-se na

pesquisa dos principais eventos ambientais e documentos do século passado:

Conferência de Estocolmo, Relatório “Nosso Futuro Comum”, Clube de Roma,

Relatório “limite do crescimento” e Conferência do Rio de Janeiro.

E ainda, como o reconhecimento do saber tradicional e o manejo ambiental se

dão na ECO-92, com a assinatura de diversos países da Convenção de Diversidade

Biológico, sendo dado grande ênfase sobre o texto desta, a fim de demonstrar como

a se deu e se concebeu o direito das comunidades tradicionais em relação ao seu

saber em face da diversidade biológica em que estão inseridos.

O segundo capítulo tem o objeto de análise centrado na forma como foi

internalizada pelo Brasil a Convenção. Todavia, antes de narrar esse processo,

realizamos uma reflexão do que vem a ser Direito (Lei e Norma) para que se possa

entender os mecanismos que foram utilizados pela Política Brasileira na

normatização do acesso aos saberes tradicionais. Os estudos de Santilli (2001) e

Rocha (2003) são de grande importância para a compreensão do projeto de

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normatização do acesso à diversidade biológica através do conhecimento

tradicional.

Como o objeto da pesquisa são os instrumentos normativos que disciplinam o

acesso á biodiversidade analisamos a Medida Provisória nº 2186-16/01, os decretos

regulamentadores do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, o 3.945 de

28.09.2001, o 4.946 de 31.12.03, o 5.439 de 03.05.2005 e o 5.459 de 07.06. 2005,

bem como as resoluções do Conselho de Patrimônio Genético que disciplinam o

acesso ao saber tradicional (Resolução nº 6 de 26.06.2003, Resolução nº 9 de

18.12.2003, Resolução nº 11 de 25.03.2004, Resolução nº 12 de 25.03.2004). Para

finalizar o capítulo, fazemos uma breve abordagem do que vem a ser o Comitê de

Ética em pesquisa, trazendo também a análise de um Contrato de Utilização e

Repartição de Benéficos que está registrado no Conselho de Gestão do Patrimônio

Genético.

O terceiro capítulo, por sua vez, traz o caso de acesso ao conhecimento

Krahô. Fazemos uma breve exposição da cultura Krahô, bem como narramos o caso

de acesso a conhecimento tradicional relacionado à biodiversidade ocorrido entre os

Krahô e a UNIFESP. Para suscitar a reflexão sobre a relação de troca das

comunidades “primitivas” como dinâmica de interação entre esses e o ambiente, tal

fim analisamos as informações contidas em entrevista com Dodanin Krahô Pükên.

Os esforços empreendidos na construção da dissertação se basearam na

análise dos instrumentos normativos vigentes a partir do seu sujeito de direito, neste

caso os povos indígenas.

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CAPITULO I

A QUESTÃO AMBIENTAL NA EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO POLÍT ICO.

Para possibilitar um maior entendimento sobre o conteúdo que estamos nos

propondo a desenvolver, a Política ambiental, vamos iniciar a explanação com uma

breve construção do que vem a ser política e seus poderes. Para compreender o

ordenamento jurídico que disciplina o acesso ao conhecimento tradicional há que se

remontar a sua origem, ou seja, o poder político, no ato de disciplinar as relações

sociais.

1. A política e suas nuances.

O aprofundamento dos estudos e o amadurecimento intelectual do termo

Política vão se complementando com mais elementos e uma abrangência mais

consistente ao termo. A política refere-se a vida na e da cidade (polis), ou seja, todo

o conjunto de regras de ordenamento que garantem consensualmente a

convivência, as tomadas de decisões pelos cidadãos por meio de seus

representantes no governo.

O exercício do viver na cidade e estar sob um conjunto de regras de

ordenamento consensual possibilitam vislumbrar instâncias e acontecimentos nos

quais se manifesta o poder, enquanto elemento de disputa dos grupos socialmente

divididos tendo seus representantes na arena política, enquanto um de seus

possíveis cenários de encontro e confronto. A organização consciente dos grupos e

sua contínua articulação permitem os embates pela conquista do poder. Os grupos

que se mantêm nos poderes constituídos possuem comunidades hegemônicas

fortes de sustentação. Com isso, o fazer política é estar participando da arena dos

embates sociais.

A política se manifesta como a atividade pela qual a sociedade reflexiona e

questiona a validade de suas instituições, com suas normas e comportamentos. Os

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grupos se organizam em luta pelo campo do poder. De um lado os representantes

dos dominantes-hegemônicos e, do outro, os subordinados. (ABAD, 2002).

A língua inglesa traz alguns sentidos de política que na língua portuguesa

torna-se difícil perceber, porque está tudo embutido na mesma palavra. Em inglês,

politics é a política que se expressa nas relações de luta pelo poder e a busca de

acordos de governabilidade. O outro termo que também se refere a política é policy,

todavia, no sentido de programa de ação governamental (WEBSTER, 2000). Uma

racionalidade política implica, com isso, em um projeto político de desenvolvimento

de um governo (por sua vez, do grupo dominante que ocupa o poder

governamental).

Esse projeto político deve responder as demandas e interesses da população.

Para tal obtenção deverão estar disponíveis: recursos técnicos, materiais,

econômicos e humanos. Essa racionalidade implica em analisar gastos, custos e

benefícios, articulando-se com grupos não hegemônicos e buscando, pelo menos, o

desenvolvimento institucional da sociedade. Junto a esta racionalidade política o

contexto internacional acaba tendo um peso forte, pois pactos e alianças acabam

sendo realizados.

A política e a civilidade ficam sob a guarda do Estado, havendo todo um

conjunto de normativas reguladoras para as relações sociais (uma cidadania, por

exemplo, que se faz representar pela igualdade jurídica). As pessoas são iguais

perante a lei e unicamente perante a lei, porque a cidadania consiste em

instrumento criado pelo capitalismo para compensar a desigualdade social,

isto é, a situação em que alguns acumulam riquezas, acumulam propriedades,

enquanto outros, não. Não existe cidadania sem garantia de direitos e nem

sem igualdade jurídica.

Dessa forma, ao focalizar a tipologia do Estado de direito democrático2

logra-se perceber que embates e conquistas históricas foram efetuados para

2 A doutrina do Estado possui diversas classificações quanto a forma de governo: a de Aristóteles, a de Maquiavel e de Montesquieu. A classificação aristotélica dividia-se em três Monarquia, Aristocracia e

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sua instalação, colocando em movimento também o próprio conceito de

política.

Sendo o Estado uma organização jurídica precária, mutável3, destinada a

realizar os fins dos nacionais, como tal deve reger-se pela vontade soberana da

nação. O detentor do poder político tem como função atingir os interesses sociais,

bem como desenvolver a sociedade em seus eixos sócio-econômico-cultural de

forma ordenada. O poder é do povo e é outorgado aos representantes que são

eleitos para que organizem ações positivas no sentido de realizar o bem estar social.

Todavia, o tomador de decisões não se imbui da função que exerce como

representante popular e passa a buscar interesses particularizados que o desviam

de sua função original (MOURA, 1996:32).

Fazer política, então, na sociedade contemporânea, pode significar inúmeros

posicionamentos e defesas teóricas, mas como pano de fundo, ainda continua

imperando a necessidade de alguns grupos sociais se manterem sobre os outros no

Democracia sendo que suas formas impuras de governo respectivamente são a Tirania, a Oligarquia e a Demagogia. Já Maquiavel estabelecia as forma de governo em termos dualistas: uma parte a monarquia, o poder singular e de outra parte a República ou poder plural. E Montesquieu enumera em sua obra Espírito das Leis, as formas de governo como: república, monarquia e despotismo. O Brasil é de uma Democracia Social (promover justiça social, promovendo o bem de todos e erradicando a pobreza, com diminuição das desigualdades), participativa (caminha para democracia semi-direta) e pluralista (pluralismo político). O Estado Democrático de Direito reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, não como simples reunião formal dos respectivos elementos, revela um conceito novo que os supera, na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo.Podemos conceituar a democracia como um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo. A democracia não necessita de pressupostos especiais; basta a existência de uma sociedade; se seu governo emana do povo, é democracia; se não, não o é. A Constituição estrutura um regime democrático consubstanciando esses objetivos de igualização por via dos direitos sociais e da universalização de prestações sociais; a democratização dessas prestações, ou seja, a estrutura de modos democráticos, constitui fundamento do Estado Democrático de Direito. A doutrina afirma que a democracia repousa sobre três princípios fundamentais: o princípio da maioria, o princípio da igualdade e o princípio da liberdade; em verdade, repousa sobre dois princípios fundamentais, que lhe dão a essência conceitual: o da soberania popular, segundo o qual o povo é a única fonte do poder, que se exprime pela regra de que todo o poder emana do povo; a participação, direta e indireta, do povo no poder, para que este seja efetiva expressão da vontade popular; nos casos em que a participação é indireta, surge um princípio derivado ou secundário: o da representação; Igualdade e Liberdade, também, não são princípios, mas valores democráticos, no sentido que a democracia constitui instrumento de sua realização no plano prático; a igualdade é valor fundante da democracia, não igualdade formal, mas a substancial. 3 Pessoa Jurídica de Direito Público – Estado – sua existência tem uma razão histórica, sua criação é constitucional, parte de uma necessidade social.O animus de constituir um corpo social diferente dos membros integrantes é fundamental para que o Estado exista, todavia, a roupagem que possui é atributo único e exclusivo dos indivíduos integrantes do Estado, em função disso diz-se que a sua estrutura é precária e mutável.

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cenário da polis/urbes/cidade e com a extensão para os grupos sociais que

passaram também a ter influência direta dos grandes núcleos de disputa pelo poder.

Então, ao poder nesse quadro de acercamento sobre a política, tem-se a idéia

de que ele traz consigo a prática de submissão (a imagem da relação entre dois

indivíduos, sendo que um impõe ao outro a sua vontade e lhe determina certo

comportamento), uma noção que carrega a sujeição do indivíduo. Conforme Bobbio

(2000) para que se exerça o poder, o detentor dele há que possuir os meios para

sua realização.

1.1. O poder

O poder é algo inerente à natureza humana, tanto como ato ou como

potencial. Essa capacidade ou possibilidade de agir, de produzir efeitos, como

demarca Bobbio (2000, 933) “designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de

produzir efeitos”. Ele existe em diversos graus e pode ser exercido por vários meios

e agir sobre infindáveis objetos. Bobbio nos traz a seguinte classificação para o

poder: o poder econômico, poder ideológico e o poder político. O primeiro se

sustenta na posse de certos bens. Na posse dos meios de produção reside uma

enorme fonte de poder. Já o segundo se baseia na influência que as idéias

formuladas e expressas em determinadas circunstâncias por indivíduo (ou grupo-

classe) investido de algum tipo de autoridade interfere no comportamento social. O

poder qualificado como político refere-se ao poder do homem sobre o homem.

Baseia-se na posse de instrumentos mediante os quais se exerce a força física, é o

poder coercitivo no sentido mais e estrito da palavra.

O elemento diferenciador entre as formas de poder e o poder político é a ação

de recorrência à força4 como arbitro na composição dos conflitos e impasses. Tal

4 A recorrência à força nos remete ao uso da violência, mas esta última entendida não como um ato isolado, psicologizado pelo descontrole, pela doença, pela patologia, mas como um desencadear de relações que envolvem a cultura, o imaginário, as normas, o processo civilizatório dos grupos e coletividades que compõem o todo social. A relação poder e violência a partir da contribuição de Foucault (1979, 2001) conduzem-nos a perceber que além dos mecanismos de vigilância, reclusão e punição sistematizada pela burguesia e o modo de produção capitalista na sociedade moderna, ao redor da submissão do corpo (escolas, prisões, hospitais, lugares de trabalho), ela se faz presente também na definição e controle dos indivíduos no tempo social, por meio dos

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uso não é suficiente para a existência do poder político. O que diferencia o poder

político é o uso da força em relação à totalidade dos grupos que atuam num

determinado contexto social e histórico.

Localizando a Política nesse prisma, pode-se perceber que ela não possui

fins estabelecidos. Muito menos um fim que compreenda a todos e que possa ser

considerado como verdadeiro. Os fins da Política são tantos quantos forem as metas

que um grupo organizado se propõe, de acordo com o tempo e as circunstâncias.

No prisma sociológico, as teorias de Max Weber e recompiladas por Bobbio

(2000, 940) continuam esclarecedoras sobre as tipologias do poder, ou seja, o poder

tradicional, poder carismático e poder legal.

O poder tradicional se estrutura na concepção sacrilegada, sendo sua fonte a

tradição que impõe vínculos aos súditos em relação a seu senhor. Já o poder

carismático se baseia na dedicação afetiva a pessoa do chefe e ao caráter sacro, ao

valor exemplar ou ao poder do espírito e da palavra que se destacam de modo

especial. O poder legal é característico da sociedade moderna. Baseia-se na

legitimidade dos ordenamentos jurídicos como forma de definição da função e ações

dos detentores do poder. A fonte do poder é a lei, que estabelece as estruturas e as

ordenamentos morais e mais sofisticamente pelos ordenamentos jurídicos. A força torna-se um árbitro tanto físico como discursivo. A presença de um discurso que enuncia a força (pela coercitividade e punição) dirige o acontecer social pelos planos jurídico-normativos, comunicacionais, sanitários, educacionais etc. A noção de poder não é exclusiva ao governamental, mas contém uma multiplicidade de poderes que se exercem na esfera social, as quais podem ser definidas como poder social. Essa duplicidade do conceito de força encontra-se nas subdivisões do poder, ou seja, nos sub poderes microscópicos na sociedade – que não é o poder político, nem os aparelhos do Estado e nem uma classe privilegiada, mas é o conjunto de pequenos poderes e instituições situadas em nivéis mais baixos. Uma “microfísica do poder” se faz presente como um fenômeno que se estabelece por contrato-opressão de tipo jurídico, fundamentado na legitimidade ou ilegitimidade do poder; e pela dominação-repressão presente na relação luta-submissão. O poder é construído e funciona a partir de outros poderes, dos efeitos destes, independentes do processo econômico. As relações de poder encontram-se ligadas estreitamente com as relações familiares, sexuais, produtivas; intimamente entrelaçadas e desempenhando um papel de condicionante e condicionado. O uso da força faz-se presente na relação contrato-opressão, da mesma maneira que na outra relação, dominação-repressão. A força é um dos dispositivos disciplinares que faz parte do conjunto das sanções normalizadores. Cada sistema disciplinar possui um mecanismo penal, sendo que a disciplina já possui os elementos força-punição. O castigo é corretivo e redutor de desvios. A força auxilia ao poder da norma em sua constituição discursiva, pois não se necessita mais a codificação dos comportamentos, e sim a normalização das condutas. Nesse sentido, na composição dos conflitos e impasses, a força exerce uma função discursiva de arbitragem e mediação, ou seja, cumprir o normatizado, e nisso o poder político possui o poder de proferir legalmente o que deve e o que não deve ser realizado.

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funções de cada indivíduo no processo de construção das ações políticas, bem

como estabelece todo o sistema de burocracia e hierarquia.

É preciso compreender determinadas nuances do poder para que se possam

vislumbrar as características sociais presentes na política, tendo em vista que o

poder não é uma coisa ou um objeto, mas sim uma relação que se estabelece entre

as pessoas. E essa relação determina quem tem o comando. No caso em estudo, de

um Estado e os meios pelos quais o mesmo possui para o País.

1.2. A Política e a Política Ambiental.

No contexto atual do mundo, em que inúmeras forças e interesses de grupos

se manifestam cada vez mais sofisticados à força das tecnologias complexificados e

informatizadas, as teias de interesses não são concebidas como redes, mas como

rizomas, nos quais cada parte desmembra-se, ramifica-se em outros sentidos e

intencionalidades, mas tendo como pano de fundo a luta pelo poder na esfera do

política (GOMES, 2004).

O contexto histórico atual, aquilo que ocorre na cotidianidade, nas histórias

ordinárias das pessoas, dos grupos organizados e das organizações sistematizadas,

contribui para que a análise da política não se restrinja a aspectos únicos.

Vivemos em um mundo em que o estado de destruição material e ambiental

está continuamente em vias de se efetivar plenamente. Mesmo não assumindo uma

posição discursiva apologética ou apocalíptica, os efeitos indesejáveis do

desenvolvimento econômico, sobretudo sobre a qualidade do meio ambiente

tornaram crescente a deterioração da qualidade da água e do ar, o acúmulo de

resíduos sólidos, os ruídos nas áreas urbanas e o mau uso da terra, oriundos

nitidamente da industrialização das economias (SACHS, 1993).

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As contradições entre racionalidade ecológica5 e racionalidade capitalista6 se

dão através de um conflito de diferentes valores e potenciais, arraigados em esferas

institucionais e em paradigmas de conhecimento. Racionalidade ambiental ou

racionalidade ecológica não é a expressão de uma lógica, mas o efeito de um

conjunto de interesses e de práticas sociais que articulam ordens materiais diversas

que dão sentidos e organizam processos sociais através de certas regras, meios e

fins socialmente construídos (LEFF, 2004).

As contradições dos conceitos, requer a busca de um denominador comum

no processo de construção de matrizes teóricas que se fazem presentes nas

correntes ecológicas7, manejam a discussão da problemática ambiental em caráter

global, mobilizando governantes e cientistas.

5 Leff (2004:136) afirma que a racionalidade ecológica questiona a realidade científica como instrumento de dominação da natureza e sua pretensão de dissolver as externalidades do sistema através de uma gestão racional do processo de desenvolvimento. 6 Para o referido autor a racionalidade capitalista esteve associada a uma racionalidade científica e tecnológica que busca incrementar a capacidade de certeza, previsão e controle sobre a realidade, assegurando uma eficácia crescente entre os meios fins.. 7 ECODESENVOLVIMENTO Debate sobre ecodesenvolvimento prepara a adoção posterior do desenvolvimento sustentável.O ecodesenvolvimento deu origem a economia ecológica. Uma crítica da sociedade industrial e da modernização conservadora como método de desenvolvimentos das regiões periféricas visaram parte integrante da concepção de ecodesenvolvimento. Para Sachs (2002) a ocorrência do desenvolvimento sustentável depende da obediência de três critérios fundamentais de forma simultânea: a equidade social, a prudência ecológica e eficiência economia. Estabelece critérios para a sustentabilidade sendo eles: social, cultura, ecológico, ambiental, territorial, econômico, política (nacional) e política (internacional). ECONOMIA AMBIENTAL NEOCLASSICA-Tenta incorporar o viés ambiental na questão econômica, mas como externalidades. Possibilidade se implantar o DS. Foi a primeira ciência que tocou na questão ambiental, isso porque num dado momento da historia USA o problema de acúmulo de dejetos e a degradação ambiental chegou a índices alarmantes. Para solucionar tal situação desenvolve-se ações políticas, com a Teoria dos Recursos Renováveis passam a criar modelos de gestão com o intuito de minimizar a problemática ambiental e solucionar o caos social.Inspirou mecanismo de políticas ambientais de comando e controle – leis, regulamentos. O sistema econômico em si se baseia no fato de que os recursos podem ser substituídos por outros, e que a tecnologia poderá propiciar uma recuperação da perda. Considera o sistema econômico circular por se tudo reversível. ECONOMIA ECOLOGIA – Na década de 70 Goergesco, Rougen, Bouding, Alier se revelaram criticando a concepção neoclássica ambiental, ou seja, medindo os impactos e busca de alteração do modelo (multa). Não há recursos naturais suficientes para manter o crescimento econômico, e o planeta não comporta a quantidade de dejetos despejados no sistema. A critica radical dos economistas ecológicos que se faz é a base do DS na sua teoria. A simples conceituação de DS não dá a ele a face de modelo. O modelo de DS pressupõe uma nova estrutura social, política e econômica.Deve se considerar a degradação ambiental dentro do contexto do sistema. Deve-se incorporar os gastos dentro do processo de produção. Traça como base duas teorias: Teoria da Termodinâmica– A EE surgiu a partir da leitura biofísica do sistema econômico.Um sistema utiliza recursos de baixa entropia, mas o resultado final, ou seja, os resíduos são fatores que geram alta entropia. Lei da entropia - medida da desorganização de um sistema. Baixa entropia, um sistema tende a se manter organizado, quando organizado a tendência é ter uma baixa entropia, e alta entropia é o resultado final com a soma dos dejetos expelidos no sistema. Quando o sistema líbera energia para obter o equilíbrio.Lei da conservação das massas energias - no mundo nada se perde tudo se cria, tudo se transforma.

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As políticas públicas formam um conjunto de atividades desempenhadas pelo

Estado destinadas a execuções de ações que visem o bem estar social,

satisfazendo os interesses públicos. A questão ambiental passou a ser assunto de

pertinência da esfera governamental, mas também é um problema social, já que o

ambiente é o local no qual todos estamos inseridos e o uso irracional dos recursos

por determinada pessoa ou grupo não gera efeitos somente para si. Há um efeito em

cadeia, que torna a problemática de caráter social e política. As ações saem da

decisão individual, do caráter técnico-econômico, transpondo a barreira dos

interesses individuais e desembocando nas questões coletivas, sociais, invadindo a

esfera legislativa, administrativa e jurídica, ou seja, materializando-se na esfera

política.

2. Gênese da retórica do Desenvolvimento Sustentáve l

A problemática advinda da conturbada relação ocidental homem/natureza

desencadeou reflexões nos diversos setores da sociedade no que tange a

necessidade de se preservar o meio ambiente. Ao longo do tempo e dos caminhos

percorridos nestes debates temos formações de teorias e conceitos. O que obteve

maior expoente no cenário político institucional mundial é o que se denomina

desenvolvimento sustentável.

Uma narrativa histórica positivista credita a um engenheiro florestal

estadunidense – Gifford Pinchot, primeiro chefe do serviço de florestas do país, no

século XIX - as idéias precursoras do que viria a ser o desenvolvimento sustentável.

ECOLOGIA PROFUNDA- Critica ao modelo capitalista.Há um realce do aspecto conflitivo da relação pobreza e Meio Ambiente. O bem estar e o pleno desenvolvimento da vida humana e não humano são valores em si. Esses valores são independentes da utilidade do mundo não humano para os fins do homem.A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a realização desses valores e são também por conseqüência valores em si. Os homens não têm nenhum direito a reduzir essa riqueza e essa diversidade, salvo se for para necessidade vital. Percebe-se uma clara orientação do tipo biocêntrica, retirando o homem do centro das coisas. Aproxima-se de um pensamento neo-malthusiano mais conservador no tocante a presença do homem e à questão demográfica, defendem a contenção dos índices populacionais por meio do controle de natalidade e o planejamento familiar como forma de erradicar a pobreza. Defendem os direitos da natureza, alegando que a mesma deveria ter status jurídico de ser humano, assumindo o lugar de sujeito de direito. Lembram ainda, que o problema demográfico estaria na distribuição desigual da riqueza e no excesso de pessoas.A única possibilidade de DS é só com a mudança no padrão civilizatório.

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Segundo Giansanti (1998:09), para o engenheiro a conservação dos recursos

deveria ser embasada em três princípios: “o uso dos recursos naturais pela geração

presente, a prevenção do desperdício e o desenvolvimento dos recursos naturais

para muitos e não para poucos cidadãos”. A formulação de tal conceito reflete o

antônimo em relação à concepção vigente naquela época, a do “desenvolvimento a

qualquer custo”.

A preocupação ambiental no início do século XX teve suas bases de

questionamento e reflexão na questão do acúmulo de dejetos, mais

especificamente, na busca de se minimizar o aumento da poluição e não nas

conseqüências dos atos destrutivos que estavam sendo deferidos à natureza

(GIANSANTI, 1998).

A década de 1950 do século XX, herdeira de duas grandes guerras mundiais

recentes naquele momento, vivendo entre o espanto e a surpresa da ciência

atômica, da eminência neurótica ideológica da guerra fria, também trouxe alguns

pontos de preocupação com as questões ambientais.

Entretanto, essa sensibilização decorreu da criação, em 1948, da União

Internacional para Conservação da Natureza por um grupo de cientista vinculados à

ONU e, em 1949, da realização da Conferência Científica das Nações Unidas sobre

a conservação e a utilização dos recursos (CAMARGO, 2003:45), trazendo para a

década de 1950 elementos políticos e ideológicos às questões ambientais.

A comunidade científica internacional buscava comprovar que o uso

desequilibrado do meio ambiente pelo homem desencadeava um abalo ambiental.

Para tal, embasavam o discurso no desenvolvimento de técnicas nas diversas áreas,

indústria, agricultura. A exemplo citavam Londres e outras cidades européias que

possuíam índices de poluição que provocavam graves doenças na população e a

contaminação hídrica na Europa atingia níveis preocupantes (DUARTE, 2003:12).

Como forma de expressão da preocupação política, social e cientifica com as

questões ambientais tem-se o surgimento de organismos governamentais e não

governamentais, tais como Secretarias de Estado, Departamentos. Todavia, na

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década de 60, não se buscava somente discutir as formas de produção, mas ampliar

os horizontes ambientais, interfaceando os diversos matizes que envolvem a

questão. O Clube de Roma8 foi pioneiro no caminho para a consciência internacional

dos graves problemas mundiais.

Passo expressivo para a construção do que viria a ser o conceito de

desenvolvimento sustentável ocorreu nos anos de 1970. A pedido do governo da

Suécia, a ONU organizou a Conferência da Organização das Nações Unidas para o

Meio Ambiente, ou Conferência que Estocolmo, em 1972, que contou com a

participação de 113 países, inclusive o Brasil (GIANSANTI, 1998). O processo de

preparação para a Conferência de Estocolmo foi o Encontro de Founex em junho de

1971. Esse teve como pauta a análise da relação entre o meio ambiente e o

desenvolvimento. O Relatório de Founex identificou os principais tópicos9 dessa

problemática, presentes até hoje na agenda internacional (SACHS, 1993:11).

Na conferência de Estocolmo a dicotomia de interesses e preocupações

existentes entre os hemisférios Norte e Sul fizeram-se sentir. Ocorreram discussões

sobre as questões relacionadas ao processo de industrialização e de crescimento.

Os países do hemisfério Norte empregavam um discurso pautado no crescimento

zero10 para os países do Hemisfério Sul, sendo defensores dessa posição, também,

os membros do Clube de Roma. E em contraposição os países do Sul, também

denominados desenvolvimentistas11, reclamavam o seu direito a crescimento e

desenvolvimento, qualquer que fosse o preço. Esse embate trouxe para o foco

central as discrepâncias vividas pelos dois hemisférios. Os países do Norte se

preocupavam com a emissão de gases poluidores e o acúmulo de dejetos, os países

do hemisfério sul se viam as voltas com o grande número de miseráveis e a fome

latente (GIANSANTI, 1998).

8 O Clube de Roma foi criado na década de 1960 era uma organização não governamental. Composta por 30 indivíduos de 10 países que contava com a colaboração dos diversos setores da ciência tais como: economistas, humanistas, industriais, pedagogos e funcionários públicos nacionais e internacionais. A fonte geradora do referido órgão é do economista e industrial Arilio Peccei, que tinha o intuito de propiciar o debate sobre as questões humanas em seus diversos aspectos e o futuro da humanidade. (Camargo, 2003:46) 9 Acumulo de resíduos sólidos, poluição, uso excessivo dos recursos. 10 Defendiam os países do Norte que os países do Sul deveriam conter os índices de crescimento econômico, diante da ameaça de esgotamento dos recursos naturais , tendo em vista o ritmo de exploração ambiental que era empregado. 11 Composto pelos países do Terceiro Mundo que reivindicavam o direito ao desenvolvimento.

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Lílian Duarte (2003) salienta que o Brasil desempenhou papel expressivo na

defesa dos interesses dos países em desenvolvimento e, em virtude disso, foi foco

de ataques constantes dos Estados do Hemisfério Norte no sentido de denegrir sua

imagem no campo internacional. No que cinge as preocupações brasileiras com as

questões ambientais, o tema mais discutido foi a degradação na Amazônia.

Segundo a autora:

“ O Brasil contestava as postulações do Norte afirmando que o conceito de soberania absoluta deveria ter precedência sobre as análises da comunidade internacional acerca do meio ambiente e da população. [...] as teses brasileiras levadas à conferencia podem ser assim resumidas:a poluição não é um conceito absoluto (como a soberania), mas relativo, e se a interferência humana sobre o meio ambiente fosse tomada em termos absolutos, seria necessário eliminar a humanidade; os países em desenvolvimento não são poluidores, apenas possuem pequenos cistos de poluição; nos países menos desenvolvidos, a degradação ambiental deriva da pobreza, que origina fenômenos como erosão do solo, favelas e queimadas. (p. 17-18)

Conforme relato, um general brasileiro que acompanhava a delegação no

evento, respondeu as críticas sofridas quanto ao manejo e utilização da Amazônia,

dizendo que a questão amazônica era problema único e exclusivo do Brasil. Tal

afirmativa não agradou aos ambientalistas.

O Clube de Roma, no mesmo ano da Conferência de Estocolmo, patrocinou o

relatório intitulado Os limites do crescimento (The limits to growth) em que projetava

num prazo de 100 anos o crescimento populacional, poluição e esgotamento dos

recursos naturais da Terra, afirmando que a manutenção dos níveis de

industrialização, poluição, produção de alimentos e exploração dos recursos naturais

estava imensamente comprometida (CAMARGO, 2003: 48).

O relatório Clube de Roma alertou para a finitude dos recursos naturais

focando-a na perspectiva econômica, formando uma nova perspectiva. Seu alcance

foi maior do que o pretendido, pois popularizou de maneira antes impensada, a

questão ambiental desencadeando uma reflexão generalizada da problemática da

poluição e da utilização de recursos naturais como variáveis fundamentais do

processo econômico e social (NOBRE, 2002: 29).

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No ponto de vista de Sachs (1993) o Norte deveria ajudar o Sul e o Leste a

acelerarem seus progressos social e econômico, evitando custos ambientais

exorbitantes.

É nesse contexto conturbado entre os interesses dos países desenvolvidos e

dos países em desenvolvimento que temos aflorando no cenário político a discussão

das questões ambientais, com uma expressiva quantidade de opiniões que em boa

parte não conseguiam ser unânimes ou sequer consenso da maioria. A dificuldade

na formação das estratégias políticas está na complexa estruturação de um projeto

que acarretasse o desenvolvimento econômico almejado pelos países em

desenvolvimento, gerando o mínimo de impacto ambiental.

“Mas o crescimento não é um objetivo per si, como se tem pensado há décadas, internalizando livremente seus custos sociais e ambientais e ampliando a desigualdade econômica e social entre as nações e dentro delas. O crescimento pela desigualdade baseado em uma economia de mercado sem controles, pode somente aprofundar a cisão entre Norte e Sul e dualidade interna de cada sociedade. A rigor, sua tendência é exacerbar o circulo vicioso da pobreza e da degradação ambiental.” (SACHS, 1993: 19)

No cenário brasileiro temos o ataque direto de ativistas a política ambiental

empregada no país. Na década de 1980, ocorreu a exibição de imagens das

queimadas na Amazônia que correram o mundo.

“[..] Primeiro, a tela exibia o exuberante verde, o paraíso terrestre, com gotículas translúcidas nas folhas de verde profundo e os animais vivendo em harmonia; depois, os gritos de animais desesperados, em fuga; finalmente, as áreas desérticas, imprestáveis para a sobrevivência de qualquer espécie. Eram imagens impressionantes capazes de convencer os habitantes dos países ricos de que os problemas do planeta residiam, sim, nas péssimas políticas praticadas no Brasil, e não no excesso de consumo, principalmente de combustíveis fósseis” (LILIAN DUARTE, 2003: 29).

Todo esse embate sofrido pelo Brasil se deu em virtude de sua posição na

Conferência de Estocolmo, o que lhe gerou grandes problemas como o boicote

sofrido por parte dos Estados Unidos e outros países desenvolvidos, o que dificultou

sua entrada no mercado protecionista euro-americano. Ressalvando as novas

preocupações do cenário político, que requeria nas negociações de produtos para a

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exportação a demonstração de tomada de posição em questões trabalhistas e

ambientais.

Apesar de toda discussão e controvérsias existentes entre os países, no final

da década de 1970, havia um número significativo de edições de leis que

disciplinavam questões que envolvessem o meio ambiente, bem como o número de

órgãos responsáveis pela proteção ambiental (MARISE DUARTE, 2003). Como

exemplo, pode-se citar a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos ter

estimulado a criação de leis e regulamentos, tais como: a lei do ar puro, a lei da

água pura, a lei de recuperação e conservação dos recursos (CAMARGO: 2003:47).

Tal fato demonstra que, apesar de não se saber bem, naquele momento,

onde se queria chegar ou que fim se queria dar, as políticas institucionais passaram

a estabelecer uma mudança na concepção quanto ao manejo ambiental em todos os

setores sociais.

3. Surgimento do Conceito de Desenvolvimento Susten tável.

Conforme discorrido anteriormente, a gênese da concepção de

desenvolvimento sustentável foi atribuída a um engenheiro florestal norte-americano.

Entretanto, o conceito de desenvolvimento sustentável foi formulado pelo fundador

do Wordwatch Institute, Lester Brawn, no início da década de 1980, que definiu

comunidade sustentável como a que é capaz de satisfazer às próprias necessidades

sem reduzir as oportunidades das gerações futuras (CAPRA, 2003:19). Foi a partir

de 1987 que a idéia de desenvolvimento sustentável ganha reconhecimento efetivo

com a publicação do Relatório Nosso Futuro Comum ou Relatório Brundtland, que

carrega o nome de Gro Herlem Brundtland, primeira ministra da Noruega que foi a

Coordenadora da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, ao usar

a mesma definição (GIANSANTI, 1998:53)

“O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidade do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades Ele contém dois conceitos chave: 1. o conceito de “necessidades” sobretudo as necessidades essenciais dos pobres no mundo, que devem receber a máxima

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prioridade; 2. a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender as necessidades presentes e futuras.” (GIANSANTI, 1998:10)

O Relatório apresenta 109 recomendações visando concretização das

propostas definidas na Conferência de 1972.

“[...] Nosso Futuro Comum registrou os sucessos e as falhas do desenvolvimento mundial. Entre os resultados positivos estavam a expectativa de vida crescente, a mortalidade infantil decaindo, o maior grau de alfabetização, inovações técnicas e científicas promissoras e o aumento da produção de alimentos em relação ao crescimento da população mundial. Por outro lado, nosso Futuro Comum apontou uma série de problemas, como aumento da degradação dos solos, expansão das áreas desérticas, poluição crescente da atmosfera, desaparecimento de florestas, fracasso dos programas de desenvolvimento, entre outros. (CAMARGO, 2003:52)

Reflexões começaram a ser produzidas12 sobre a proposta de que um futuro

comum estava sendo criado. Camargo (2003) alicerçou numa visão comparativa das

situações vividas no início e no final do século XX, estabelecendo que o modo de

vida e as tecnologias existentes no início do século não representavam ofensa ao

meio ambiente de forma significativa. Todavia, no final do século o processo de

produção tecnificada e as inovações tecnológicas que surgiram mudaram o

panorama e a situação ambiental de forma preponderante.

12 É interessante resgatar, cronologicamente, determinados eventos e acontecimentos que marcaram o crescimento da reflexão sobre o meio ambiente até o ano de 1973, um ano após a Conferência de Estocolmo, tais como: 1933- Publicação da Carta de Atenas redigida por um grupo de arquitetos, na qual se pode ler, entre outros assertivas atualíssimas, uma critica à maioria das cidades por eles estudadas, caracterizadas como uma imagem do caos. 1934- A realização da 1ª Conferência Brasileira de Proteção à natureza no Brasil. 1937- Em pleno Estado Novo, no Brasil, foi criado o primeiro Parque Nacional Brasileiro, o Parque de Itatiaia. 1945- Marcado pela criação da Organização das Nações Unidas. 1948- Criação da União Internacional para conservação da Natureza por um grupo de cientistas vinculados à ONU. 1949- Realização da Conferência Científica das Nações Unidas sobre a Conservação e a Utilização de Recursos. 1958- Estabelecimento da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza. 1962 –Publicação da obra Silent Spring de Rachel Carson nos Estados Unidos, denunciando o uso de pesticidas. 1968- Criação do Clube de Roma e realização da Conferência da Biosfera, em Paris. 1972- Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, em Estocolmo.O Clube de Roma divulga o relatório The limits to growth. 1973- Estabelecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.No Brasil, criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente.

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O que se apregou em Estocolmo (1972) era o crescimento zero dos países

em desenvolvimento como forma de se equilibrar os impactos ambientais já

existentes no planeta. O relatório Brundtland (1987) trouxe em seu texto o oposto,

visto que advoga de forma contundente o crescimento como uma necessidade

urgente aos países, como forma de obtenção da diminuição da pobreza e

minimização dos impactos ambientais.

Entretanto, o que poderia ser compreendido como crescimento econômico e

desenvolvimento econômico? O desenvolvimento não é sinônimo de crescimento

mesmo que, no discurso de muitos, seus conceitos possam parecer similares.

Enquanto crescimento caracteriza-se pelo acúmulo de riquezas, geradas pelos

agentes econômicos instalados em um país, uma região ou mesmo uma localidade,

baseando-se na maior eficiência dos meios produtivos, sem maiores preocupações

com os aspectos ambientais ou sociais, o desenvolvimento econômico caracteriza-

se pela busca da melhoria da alocação de recursos, o fomento à equidade na

distribuição da riqueza, levando-se em conta uma adequada utilização dos recursos

naturais e do meio ambiente. É a distribuição eqüitativa dos benefícios auferidos à

sociedade, a expansão econômica com a distribuição equânime ao corpo social.

Se o crescimento não agrega a questão ambiental em sua visão, no

desenvolvimento não há como excluir, uma vez que o ambiente desestruturado

desencadeará uma série de problemáticas que influenciarão na qualidade de vida.

Assim vemos que o termo desenvolvimento abrange o crescimento.

Neste contexto, é possível perceber que crescimento econômico e

desenvolvimento econômico são conceitos distintos, mas que o segundo necessita

do primeiro para que ocorra, pois não há desenvolvimento econômico sem que haja

geração de riqueza. Com isso, o crescimento é sim uma condição necessária ao

desenvolvimento, mas não suficiente, pois podemos ter geração de riquezas,

aumento de produto, aumento na soma de riquezas e aumento na renda gerando

um crescimento, sem que haja uma distribuição de renda, uma equidade e qualidade

de vida, ou seja, desenvolvimento.

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É importante destacar que o conceito de desenvolvimento econômico carrega

toda uma ideologia de desenvolvimento sustentável, atualmente tão em evidência,

nos pontos em que objetiva o fomento à equidade social e a racionalidade na

utilização dos recursos naturais.

Traçamos essa conceituação entre crescimento e desenvolvimento para que

se possa vislumbrar as discrepâncias de concepções e preceitos que vigoravam à

época do The limits to growth e da Conferência de Estocolmo para a publicação do

Relatório Brudtland. O que demonstra um amadurecimento das visões, que refletem

de forma direta na formulação das políticas.

4. A Eco-92 marco na política ambiental mundial.

Em 1992, no Rio de Janeiro, ocorreu o maior evento mundial até hoje

realizado sobre meio ambiente: a Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92). O que levou o Brasil a sediar o encontro foi

baseado em dois fatores. Primeiro, a oportunidade para mudar a imagem de “vilão

ambiental” que havia se formado ao longo da década de 70 e 80 que lhe geraram

transtornos na esfera internacional; e o segundo foi a oportunidade de capacitar-se

como articulador, negociador e ator internacional habilitado para organizar eventos

de tal magnitude (MARISE DUARTE, 2003).

Um fato que demonstrou o amadurecimento das posições político-

institucionais do Brasil foi a mudança de discurso quanto ao que tange a alegação

de ser a pobreza a responsável pelo agravamento dos problemas ambientais.

(LILIAN DUARTE, 2003).

A Conferência tinha como objetivo avaliar o estado do planeta nos últimos

vinte anos e analisar as estratégias regionais e globais, nacionais e internacionais

para que pudesse se estabelecer um equilíbrio do meio ambiente evitando a

degradação de forma contínua. Os temas abordados no evento refletem a

preocupação dos Estados e a complexidade da problemática que foi argüida em

Estocolmo. Foram temas de discussão: proteção aos solos, por meio de combate ao

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desmatamento, desertificação e seca; proteção da atmosfera por meio do combate

às mudanças climáticas, ao rompimento da camada de ozônio e à poluição

transfronteiriça; proteção das terras oceânicas, conservação da diversidade

biológica; controle de dejetos químicos e tóxicos; erradicação de agentes

patogênicos e proteção das condições de saúde, (LILIAN DUARTE, 2003).

Após as discussões, ao final foram aprovados os seguintes documentos:

Convenção sobre mudanças climáticas13, a Convenção sobre diversidade

biológica14, a Declaração sobre o manejo das florestas15, a Declaração do Rio16 e a

Agenda 21 (GIANSANTI, 1998).

Dessa maneira, o evento acabou tendo, como ápice midiático, a apresentação

e a assinatura, por diversos países, da Agenda 21. Esse vem a ser um plano de

ação estratégica, que constituiu a mais ousada e abrangente tentativa já feita para

promover, em escala planetária, novo padrão de desenvolvimento, conciliando

métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Sua

proposição só foi possível em virtude da colaboração de governos e instituições da

13 A Convenção sobre Mudança do Clima de 1992 é uma de uma série de acordos recentes por meio dos quais países de todo o mundo estão se unindo para enfrentar esse desafio.A Convenção sobre Mudança do Clima enfoca um problema especialmente inquietante a mudança da forma com que a energia solar interage com a atmosfera e escapa dela. Entre as conseqüências possíveis, estão um aumento na temperatura média da superfície da Terra e mudanças nos padrões climáticos mundiais.Cento e oitenta e um governos participaram da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU realizada em 1992, demonstrando um compromisso global para a estabilização de concentrações atmosféricas seguras de gases causadores do efeito estufa. 14 A Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB - foi assinada por 156 países incluindo o Brasil durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ou Rio 92. Além de preconizar a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável de seus componentes, a CDB ressalta a necessidade da repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados dos usos diversos dos recursos genéticos, e busca a compatibilização entre a proteção dos recursos biológicos e o desenvolvimento social e econômico. O que inova sobremaneira as ações de conservação da biodiversidade. 15 A Declaração dos princípios para o manejo sustentável das florestas, que não tem força jurídica obrigatória, foi o 'primeiro consenso mundial' sobre a questão. A Declaração diz, fundamentalmente, que todos os países, especialmente os países desenvolvidos, deveriam esforçar-se por recuperar a Terra mediante o reflorestamento e a conservação florestal, que os Estados têm o direito de desenvolver suas florestas conforme suas necessidades sócio-econômicas, e que devem garantir aos países em desenvolvimento recursos financeiros destinados concretamente a estabelecer programas de conservação florestal com o objetivo de promover uma política econômica e social de substituição 16 A Declaração do Rio define os direitos e as obrigações dos Estados em relação aos princípios básicos do meio ambiente e do desenvolvimento. Inclui, entre outras, as seguintes idéias: a incerteza científica não deve adiar a adoção de medidas de proteção ao meio ambiente; os Estados têm o 'direito soberano de aproveitar seus próprios recursos' mas sem causar danos ao meio ambiente de outros Estados. A eliminação da pobreza e a redução das disparidades entre os níveis de vida em todo o mundo são indispensáveis para o desenvolvimento sustentável, e a plena participação das mulheres é imprescindível para se alcançar o desenvolvimento sustentável.

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sociedade civil que ficaram envolvidos em sua produção durante 2 anos, e o

resultado final foi apresentado no Rio de Janeiro.

A ECO-92 representou um avanço no sentido de reforçar a idéia segundo o

qual desenvolvimento e meio ambiente constituem um binômio central e indissolúvel,

e como tal deve ser incorporado às políticas públicas e às prática sociais de todos os

países.

Na formulação das bases das políticas, urge o conceito de desenvolvimento

sustentável como uma ferramenta pra a reflexão na formação das ações

governamentais, o que estabelece uma alteração no modelo tradicional de

desenvolvimento econômico, caracterizado pelo forte impacto negativo na sociedade

e no ambiente. A Eco-92 foi fator determinante na estruturação de uma nova postura

governamental frente às questões ambientais, foi ela o palco de discussões e

reflexões de como se implementar um desenvolvimento sustentável no seio social.

Surge uma nova concepção de sociedade e de meio ambiente no cenário

político-social. Passa a vigir no sistema novos paradigmas sobre a relação

homem/ambiente. No conceito de meio ambiente passa o homem a figurar como

elemento. Elemento esse que gera agressões que repercutem em distorções do

ecossistema causando efeitos devastadores. A mudança de postura é urgente.

Os modelos de políticas públicas necessitam de alterações e o indivíduo

necessita mudar sua posição quanto aos seus anseios individuais, para que se

possa vislumbrar a existência humana sobre o globo terrestre. GOMES (1995:10)

afirma “que para ser sustentável o desenvolvimento deve ser capaz de prosseguir,

de forma praticamente permanente, como um processo de aumento do produto,

melhoria dos indicadores sociais e preservação ambiental.”.

A ocorrência do desenvolvimento sustentável depende da obediência de três

critérios fundamentais de forma simultânea: a equidade social, a prudência ecológica

e eficiência econômica (SACHS, 2002). Dessa maneira, Sachs (2002:85) estabelece

oito critérios para que se alcance a sustentabilidade:

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1.Sustentabilidade Social – para sua obtenção deve se ter como meta alcançar um patamar razoável de homogeneidade social, promover uma distribuição eqüitativa de renda justa, igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais; 2.Sustentabilidade Cultural - essa se baseia na mudança no interior da continuidade, ou seja, o equilíbrio entre respeito à tradição e inovação; 3.Sustentabilidade Ecológica – necessidade da preservação do potencial do capital natureza na sua produção de recursos renováveis e no limitar do uso dos recursos não-renováveis; 4.Sustentabilidade Ambiental - baseia-se no respeito e conscientização da capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais; 5.Sustentabilidade Territorial - insere as feições pertinentes as configurações urbanas e rurais, a melhoria do ambiente urbano e a superação das disparidades inter-regionais; 6.Sustentabilidade Econômica – necessário se faz traçar um desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado, segurança alimentar, com capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção, razoável nível de autonomia na pesquisa cientifica e tecnológica; 7.Sustentabilidade política nacional - determina a importância da democracia definida em termos de apropriação universal dos direitos humanos, a capacidade do Estado em desenvolver projetos nacionais em parceiras com todos os empreendedores e um nível de coesão social razoável; 8.Sustentabilidade política internacional - traz a eficácia do sistema de prevenção de guerras da ONU na garantia da paz e na promoção da cooperação internacional, bem como um controle institucional efetivo do sistema internacional financeiro e de negócios, um pacote Norte-Sul de co-desenvolvimento, baseado no princípio da igualdade, sistema efetivo de cooperação científica e tecnológica e um controle institucional efetivo da aplicação do princípio da precaução na gestão do meio ambiente e dos recursos naturais.

O desenvolvimento sustentável é um desafio planetário (SACHS, 1993:85). A

conservação da biodiversidade entra em cena a partir de uma longa e ampla

reflexão sobre o futuro da humanidade. A biodiversidade necessita ser protegida

para garantir os direitos das futuras gerações (SACHS, 2002:67).

Sachs (1993:21), ainda estabelece que de Founex a Estocolmo e ao relatório

Brundtland as questões que envolvem a necessidade de crescimento econômico

foram discutidas fervorosamente pelos diversos setores sociais, chegando a

conclusão que a mudança de postura, ou seja, formas, conteúdos e usos sociais

devem ser completamente transformados, para que se possa atender as

necessidades das pessoas, tendo como objetivo a distribuição mais justa da renda,

a conservação dos recursos e primando pelo desenvolvimento de técnicas limpas de

produção.

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Mas para que o crescimento venha aliado ao desenvolvimento há um longo

caminho de transição a se percorrer. Os países necessitam estabelecer novas

soluções às questões ambientais, implementando estratégias que se enquadrem a

realidade nacional, levando em conta os fatores naturais, culturais e sócio-políticos.

Todavia, a ação deve ser global e em diversas frentes. (SACHS, 1993). O que se

observa no contexto é que muito foi discutido, vários tratados assinados17, mas as

mudanças no quadro global nos últimos 30 anos são inexpressivas. Há um abismo a

separar os compromissos assumidos e as ações implementadas. Como exemplo,

temos o Brasil que foi signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica,

assinada em 1992, sendo que sua normatização em território nacional se deu em

2001, conforme veremos mais detalhadamente adiante.

4.1. Convenção sobre Diversidade Biológica e sua ap licabilidade no Brasil

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) foi adotada durante a

Conferência de Nairóbi, em 22 de Maio de 1992, e aberta para assinatura no Rio de

Janeiro, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento - RIO 92. A Convenção sobre Diversidade Biológica entrou em

vigor internacionalmente no dia 29 de Dezembro de 1993 e, para o Brasil, passou a

vigorar a partir de 28 de Maio de 1994.

Quando assinou a Convenção sobre Diversidade Biológica, o Brasil

comprometeu-se a implementar várias ações para a conservação e uso sustentável

da sua biodiversidade. A CDB, que atualmente conta com 187 Países-Parte, mudou

a percepção mundial para o acesso aos recursos biológicos.

17 Destacamos, algumas das conferências ocorridas no cenário mundial após a ECO 92: 1993- Conferência de Direitos humanos, em Viena. 1994- Conferência sobre população e desenvolvimento, no Cairo. 1995- Conferência sobre desenvolvimento social, Copenhague, Conferência sobre mudanças climáticas, Berlim; Conferência sobre a mulher, Pequim. 1996 -Conferência sobre assentamentos urbanos, Istambul. 1997-Assinatura do Protocolo de Kyoto por diversos países. 2002- Rio + 5, Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em Joanesburgo.

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A CDB tem três objetivos: a conservação da diversidade biológica; o uso

sustentável de seus componentes; e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios

resultantes da utilização dos recursos genéticos. A Convenção adotou um único

princípio, segundo o qual se reconhece a soberania dos Estados na exploração de

seus próprios recursos naturais de acordo com suas políticas ambientais.

Conforme afirmamos anteriormente, diversos foram os documentos assinados

durante a Eco-92, mas para o desenvolvimento de nosso trabalho vamos nos ater à

Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)18. A Convenção sobre Diversidade

Biológica foi ratificada no território brasileiro pelo Decreto Legislativo n. 219, 3 de

fevereiro de 1994, e promulgada pelo Decreto no 2.519, de 16 de Março de 199820 ,

trazendo uma nova consideração ao sistema político, ante a importância do tema.

A CDB estabelece normas a serem seguidas pelos Estados seja em relações

internacionais, seja em relações internas. É um documento que define posturas e

medidas a serem adotadas pelos Estados no âmbito legislativo, técnico e político.

(ANTUNES, 2002:11).

Ao realizarmos uma análise mais detalhada da CDB, destacamos os

argumentos utilizados em seu preâmbulo, que mesmo sem possuir força coercitiva

de norma reguladora, apresenta um acordo entre as partes referendando critérios a

serem observados caso seja necessário dirimir controvérsias. De acordo com

Antunes (2002), tal força argumentativa concede à Convenção um teor de

jurisprudência implícito mas que pode ser acatado ou não, dependendo da boa

vontade das partes. Nesse sentido, reafirma-se um princípio de subjetividade na

interpretação do que poderia vir a ser uma controvérsia.

O preâmbulo da Convenção21 possui uma série de afirmativas e

considerações que estabelecem um termo de acordo, sendo que a estrutura mais

18 É relevante informar que os Estados Unidos da América não ratificaram a CDB (ANTUNES, 2002:09). Fato importante tendo em vista a problemática que pode surgir em virtude da importância política e econômica de referido país. Os termos da CDB não possuem o caráter obrigatório àqueles que não são seus signatários. 19 Disponível em http://www.mct.gov.br/legis/decretos/2_94.htm. Acesso em: 11.març.2004 20Disponível no endereço eletrônico www.redegoverno.gov.br., capturado em 11 de março de 2004. 21 Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/sbf/chm /cd b/decreto1.html> Acesso em: 11.març.2004

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geral do texto procura defender ou referendar princípios do Direito Internacional,

enquanto instituto jurídico. Destacamos os aspectos relevantes do Preâmbulo (texto

em itálico) para o nosso estudo, que seguem a seguinte lógica.

Afirmação da conservação da diversidade biológica enquanto uma

preocupação comum à humanidade a base de afirmação consensual e de respeito

ético. O ir contra o argumento deduz o estar se indo contra a própria ética.

Reafirmação de que os Estados têm direitos soberanos sobre os seus

próprios recursos biológicos. Caracteriza-se pelo retorno à discussão filosófico-

política iluminista dos Estados modernos, na qual a soberania é parte preponderante

sobre a autonomia; entretanto, a soberania deixa de ser totalizante quando se

ameaça a diversidade biológica enquanto preocupação da humanidade. A soberania

dos países em relação a sua biodiversidade é um traço marcante na redação do

preâmbulo, e que suscita a questão de acesso e retirada de material genético,

dando aos signatários a faculdade de gerarem normas que disciplinem o acesso à

biodiversidade de seus países.

O preâmbulo reafirma, igualmente, que os Estados são responsáveis pela

conservação de sua diversidade biológica e pela utilização sustentável de seus

recursos biológicos, o que demonstra o reforço à idéia de continuidade do Estado

como organização-instituição responsável pela diversidade e seus recursos.

Os Estados estão preocupados com a sensível redução da diversidade

biológica causada por determinadas atividades humanas, demonstração do

amadurecimento da visão humana quanto a utilização dos recursos e as

conseqüências dos atos praticados.

Os Estados estão conscientes da falta geral de informação e de

conhecimento sobre a diversidade biológica e da necessidade urgente de

desenvolver capacitação científica, técnica e institucional que proporcione o

conhecimento fundamental necessário ao planejamento e implementação de

medidas adequadas, tal afirmação demonstra a necessidade de se desenvolver

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mecanismos que sejam capazes de ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade

como forma de desenvolvimento socioeconômico e institucional.

Observando que é vital prever, prevenir e combater na origem as causas da

sensível redução ou perda da diversidade biológica, os Estados predispõem-se ao

desenvolvimento de ações que minimizem os impactos negativos causados pela

exploração irracional do ambiente.

Reconhecem a estreita e tradicional dependência de recursos biológicos de

muitas comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais,

e que é desejável repartir eqüitativamente os benefícios derivados da utilização do

conhecimento tradicional, de inovações e de práticas relevantes à conservação da

diversidade biológica e à utilização sustentável de seus componentes, fato que

consolida na sociedade envolvente a interação homem/meio ambiente das

comunidades tradicionais, e das estruturas fundantes que tal relação desenvolve.

Estabelecem o acesso aos saberes tradicionais como forma de se gerar

conhecimento científico, todavia norteia a assimilação da informação com a divisão

justa e eqüitativa dos benefícios auferidos.

Os Estados, enfatizam também, a importância e a necessidade de promover a

cooperação internacional, regional e mundial entre os Estados e as organizações

intergovernamentais e o setor não-governamental para a conservação da

diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes. A

conseqüência da preocupação com a situação do meio ambiente deixa de ser

exclusivamente dos entes não governamentais ou dos entes políticos, alçando

patamares de problema da humanidade.

Eles reconhecem que cabe esperar que o aporte de recursos financeiros

novos e adicionais e o acesso adequado às tecnologias pertinentes possam

modificar sensivelmente a capacidade mundial de enfrentar a perda da diversidade

biológica. Reconhecem, ainda, que investimentos substanciais são necessários para

conservar a diversidade biológica, que há expectativa de um amplo escopo de

benefícios ambientais, econômicos e sociais resultantes desses investimentos e que

o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são as

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prioridades primordiais e absolutas dos países em desenvolvimento.Tais

argumentações são educativas, sendo que os questionamentos da problemática

ambiental são diversos.

A busca de solução para as questões ambientais está na mudança de

valores. Mas a obtenção de dados, informações, indicadores disponíveis suficientes

e confiáveis para poder direcionar as ações, ainda são incipientes. Mas, a solução

para determinadas questões se faz emergente. A camada de ozônio não tem como

esperar. O efeito estufa não vai estancar, em virtude da humanidade não ter

chegado a um consenso quanto às ações a serem tomadas; as necessidades

básicas do ser humano, de uma grande maioria do globo, não têm como serem

esquecidas. Há que se gerar capacitações científicas, técnicas e institucionais para

que se obtenha um conhecimento mínimo sobre a diversidade biológica e sua

relação intrínseca com as ações humanas, sejam elas destrutivas ou construtivas,

para que se possa propor medidas adequadas às necessidades.

Os Estados estão conscientes de que a conservação e a utilização

sustentável da diversidade biológica são de importância absoluta para atender as

necessidades de alimentação, de saúde e de outra natureza da crescente população

mundial, para o que são essenciais ao acesso e a repartição de recursos genéticos

e tecnologia. Assim como, a preocupação com os danos ambientais que estão

sendo gerados pela ação humana e, principalmente, com as conseqüências da

permanência de tais posturas.

E, por último item de nosso interesse temos que a conservação e a utilização

sustentável da diversidade biológica fortalecerão as relações de amizade entre os

Estados e contribuirão para a paz da humanidade.

Para que haja a conservação da diversidade biológica e a utilização

sustentável de seus componentes é necessário o estabelecimento da importância e

da necessidade de promover a cooperação internacional, regional e mundial entre

os Estados e as organizações intergovernamentais e o setor não-governamental.

Investimentos substanciais são necessários para conservar a diversidade biológica,

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e que tal atitude gera uma expectativa de um amplo escopo de benefícios

ambientais, econômicos e sociais resultantes desses investimentos.

Reporta-nos à discussão da Conferência de Estocolmo entre os interesses do

Sul e do Norte, quando os países do sul reclamavam da falta de cooperação e

interesse dos países do norte, ante as necessidades prementes de suas

populações. A cooperação transcende as especulações e as questões econômicas,

traz um grau de entrosamento e a busca de uma igualdade real entre os habitantes

do globo terrestre. Mas, para tal, os governantes devem se despir da postura

protecionista na busca dos interesses de seu país, independentemente da situação

do restante dos indivíduos do globo.

A conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica fortalecerão

as relações de amizade entre os Estados e contribuirão para a paz da humanidade.

Entretanto para que haja amizade e paz entre os Estados há que se respeitar a

soberania de cada ente público.

4.2.O conhecimento das comunidades tradicionais e a CDB

Ao reconhecer a estreita e dependente ligação dos recursos biológicos em

relação às comunidades locais e as populações indígenas, a CDB deu um salto

expressivo em defesa dos conhecimentos tradicionais. As comunidades tradicionais

são portadoras de saberes não conhecidos pelas comunidades ocidentais em

relação à biodiversidade em que estão inseridos.

No prisma teórico de Zamudio (2004:4) sobre o conhecimento tradicional,

pode-se assumí-lo como “una creación intectual há tenido lugar por la acumulación

de experiências y prácticas comunes de los miembros de um grupo cultural o pueblo,

como respuesta a su entorno y necessidades.”

O conceito de Zamudio expressa que as práticas geram o conhecimento

tradicional, ou seja, esses são agregados ao mundo dos saberes tendo em vista

principal mas não somente as necessidades da comunidade. Mas esse não é um

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conhecimento que se desenvolve e se incorpora num curto espaço de tempo. Ao

contrário, da descoberta ao aprimoramento tem-se um lapso temporal significante,

tornando-se na maioria das vezes secular.

A manutenção e a propagação desse saber dentro da comunidade indígena,

ribeirinha ou quilombola é oral, não há manuscritos. O que difere as comunidades

tradicionais da sociedade ocidental encontra-se na construção de significados que

se estabelecem na relação de interação direta com o meio ambiente. São eles, os

indivíduos, elementos do meio e o homem é um membro do conjunto, está

interligado com os demais (fauna e flora). Sua existência (seja física, seja espiritual)

está intrinsecamente ligada ao meio. Enquanto na sociedade ocidental, o ambiente é

concebido como objeto de sua propriedade, instrumento de sua satisfação e

subordinação, sobretudo a partir da cosmologia estabelecida pela burguesia

industrial pós-século XIX.

Quando Estados almejam uma repartição eqüitativa dos benefícios derivados

da utilização do conhecimento tradicional, acabam levantando uma questão

controvertida e complicada. O ente que desenvolverá o ordenamento jurídico, que

disciplinará a forma de repartição de benefícios, na maioria das vezes desconhece a

forma de vida e as concepções das comunidades que serão afetadas pelo acesso

ao seu saber. Relevante ainda se faz ressaltar que o conhecimento em relação à

biodiversidade que os envolve é de domínio coletivo, o que dificulta a forma de

direcionamento dos benefícios, tendo em vista que o ordenamento jurídico que

disciplina a propriedade intelectual não reconhece o saber coletivo, somente o

individual. Então temos uma disparidade entre o que se deseja e o que efetivamente

está em vigor. Voltaremos a abordar essa temática mais adiante.

A CDB traça no art. 1º seus objetivos que são:

1.A conservação da diversidade biológica; 2.A utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos; 3.A transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado.

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A CDB visa “estabelecer – pelo menos em tese - um fluxo contínuo de

informações, tecnologia e recursos genéticos.” (ANTUNES, 2002:17). O que se

busca é criar um vínculo, desenvolver um entrosamento linear, entre os Estados

para que se possa ter um desenvolvimento contínuo de forma equilibrada e

igualitária. Todavia a obtenção de tal relação é complexa, tendo em vista as

peculiaridades de cada ente envolvido na relação.

Nos termos da Convenção, o artigo 2º estabelece que diversidade biológica

vem a ser

“a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas”.

No artigo 3º estão transcritos princípios norteadores para o Estados.

Determina que os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos

segundo suas políticas ambientais, respeitando a Carta das Nações Unidas e os

princípios de Direito Internacional. Os Estados são responsáveis pelas atividades

desenvolvidas sob sua jurisdição e controle de suas ações para que não causem

dano ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição

nacional.

Todavia a CDB reconhece que a diversidade biológica ultrapassa as fronteiras

nacionais, porém a sua exploração não pode implicar em danos além-fronteira. Há o

princípio da solidariedade e responsabilidade entre as nações para a conservação

(ANTUNES, 2002).

De acordo com o artigo 6º, as condições financeiras, econômicas e institucionais

de cada Estado devem:

1.Desenvolver estratégias, planos ou programas para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica ou adaptar para esse fim estratégias, planos ou programas existentes que devem refletir, entre outros aspectos, as medidas estabelecidas nesta Convenção concernentes à Parte interessada;

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2. Integrar, na medida do possível e conforme o caso, a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica em planos, programas e políticas setoriais ou intersetoriais pertinentes.

Importante se faz que os Estados identifiquem os componentes da

diversidade biológica para sua conservação e sua utilização sustentável, levando em

conta a lista indicativa de categorias constante no anexo I22 da CDB, que elenca as

espécies que devem ser monitoradas e/ou identificadas. Sendo que para tal, de

acordo com o arts. 6º “a” e “b” e 7º, “a” e “b”, os Estados devem criar estratégias,

planos ou programas para a conservação e a utilização sustentável da diversidade,

prestando especial atenção aos que requeiram urgentemente medidas de

conservação e aos que ofereçam o maior potencial de utilização sustentável.

Estabelece a CDB no art. 8º , “J” que de acordo com as normativas vigentes

no País, devem as partes respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações

e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida

tradicionais, sendo essas práticas relevantes à conservação e à utilização

sustentável da diversidade biológica. Devem os Estados incentivar aplicação dos

saberes tradicionais na formulação de novas tecnologias, tudo com a aprovação e a

participação dos detentores do conhecimento, tudo calcado na repartição eqüitativa

dos benefícios oriundos da utilização do saber.

Existem marcas textuais que nos chamam atenção na leitura dos artigos.Por

exemplo: O “caput” do art. 8º traz a seguinte redação, “as partes devem na medida

do possível e conforme o caso” seguindo a construção de itens que vão da letra “A”

até a “M”. O “caput” traz uma imposição controversa, imposição que está no verbo

“dever”, pois estabelece uma obrigatoriedade para os dirigentes de Estado quanto

às ações que irão executar. Assim o termo “medida do possível” é antagônico, pois

o que é possível a uns é impossível a outros. Tal redação deixa uma lacuna no que

22 Ecossistemas e hábitats: compreendendo grande diversidade, grande número de espécies endêmicas ou ameaçadas, ou vida silvestre; os necessários às espécies migratórias; de importância social, econômica, cultural ou científica; ou que sejam representativos, únicos ou associados a processos evolutivos ou outros processos biológicos essenciais;2. Espécies e comunidades que: estejam ameaçadas; sejam espécies silvestres aparentadas de espécies domesticadas ou cultivadas; tenham valor medicinal, agrícola ou qualquer outro valor econômico; sejam de importância social, científica ou cultural; ou sejam de importância para a pesquisa sobre a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, como as espécies de referência; e3. Genomas e genes descritos como tendo importância social, científica ou econômica.

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tange a disciplinar o respeito e as forma de aceso ao conhecimento tradicional que

está explicitado no inciso J.

Outra controvérsia se estabelece, no item “J” do art. 8º, ao dispor que cabe ao

Estado “encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse

conhecimento, inovações e práticas”. A palavra encorajar indica a idéia de que está

se fazendo esforço para que alguém faça algo, mas o desinteresse não permite. E é

justamente isso que percebemos quando se fala de divisão eqüitativa dos benefícios

advindo dos conhecimentos tradicionais. Vivemos num mundo capitalista, em que o

acúmulo de riquezas é a máxima que nos rodeia. E repartir os dividendos, ainda

mais com índios, caboclos, sertanejos, não faz parte dos planos dos que buscam os

saberes tradicionais, embora isso, não seja autoevidente pela própria lógica de

produção do conhecimento da academias científicas e grupos de pesquisas

profissionais.

Os Estados devem ainda, de acordo com o art. 7 “C”, identificar processos e

categorias de atividades que tenham ou possam ter sensíveis efeitos negativos na

conservação e na utilização sustentável da diversidade biológica e monitorar seus

efeitos, por meio de levantamento de amostras e outras técnicas, bem como manter

e organizar, por qualquer sistema, dados derivados de atividades de identificação e

monitoramento.

No que diz respeito à utilização sustentável de componentes da diversidade

biológica, o art. 10 define que as partes contratantes devem: incorporar o exame da

conservação e utilização sustentável de recursos biológicos no processo decisório

nacional; adotar medidas relacionadas à utilização de recursos biológicos para evitar

ou minimizar impactos negativos na diversidade biológica; proteger e encorajar a

utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas culturais

tradicionais compatíveis com as exigências de conservação ou utilização

sustentável; apoiar populações locais na elaboração e aplicação de medidas

corretivas em áreas degradadas onde a diversidade biológica tenha sido reduzida; e

estimular a cooperação entre suas autoridades governamentais e seu setor privado

na elaboração de métodos de utilização sustentável de recursos biológicos

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O art.12 reza que o Estado e a sociedade como um todo, devem estabelecer

e manter programas de educação e treinamento científico e técnico para a

identificação, conservação e utilização sustentável da diversidade biológica e seus

componentes, tendo que proporcionar apoio a esses programas de educação.

A promoção e o estímulo a pesquisas que contribuam para a conservação e a

utilização sustentável da diversidade biológica, especialmente nos países em

desenvolvimento, são formas de se obter um uso racional e sustentável do ambiente

e está previsto no art. 12, “B”. Contudo, um dos caminhos a se percorrer para que se

obtenha uma sociedade que usa seus recursos de forma equilibrada é o da

educação. A promoção e o estímulo da compreensão da importância da

conservação da diversidade biológica, pelos meios de comunicação numa

linguagem clara e acessível é indispensável, bem como a inclusão desses temas

ambientais nos programas educacionais. É nessa visão que o art 13, “A” foi

estruturado.

De acordo com o art. 14, 123, “A” compete aos Estados estabelecerem

procedimentos adequados que exijam a avaliação de impacto ambiental, para

verificar se os projetos estarão reduzindo os efeitos negativos na diversidade

biológica. Um fator inovador na questão dos projetos governamentais é a

necessidade de se prever a participação pública nos procedimentos que envolvam

as questões ambientais. Mas é preciso que análises das políticas e programas

sejam realizados para que se assegure a utilização racional da diversidade

biológica, de acordo com a alínea “B” do referido artigo.

Sobre as partes envolvidas24 no processo, conforme o art. 14, 1, “D”, devem,

ainda, notificar imediatamente, no caso em que se originem sob sua jurisdição ou

controle, perigo ou dano iminente ou grave à diversidade biológica em área sob

jurisdição de outros Estados ou em áreas além dos limites da jurisdição nacional. Os

23 As convenções não possuem uma construção de artigos conforme estamos acostumados a verificar nos instrumentos normativos do Brasil, ou seja, temos em primeiro plano o “caput” ou cabeça do artigo, via de regra, temos o parágrafo (§), os números romanos (I, II, III) são denominados incisos, e as letras (a, b, c) são as alíneas. Conforme podem observar o art. 14 possui item 1 (um) e não incisos, nesse caso sua estrutura é artigo 14, item 1 (não inciso) letra “a”. 24 Partes envolvidas pode se interpretado como sendo: Estado – Estado; Estado – Ente Privado.

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Estados que possam ser afetados por esse perigo ou dano, necessitam tomar

medidas para prevenir ou minimizá-los.

Já no item 1, letra “E” do art. 14, ficou na competência dos Estados o estimulo

de ações nos casos que são considerados de emergência ou que representem

perigo grave e iminente à diversidade biológica. Caberá aos Estados minimizar os

impactos negativos sobre o meio ambiente, bem como, a necessidade de se buscar

promover a cooperação internacional para complementar os esforços nacionais em

acordo com os Estados ou organizações regionais de integração econômica, como

forma de se reverter ou minimizar os impactos ambientais.

No que cinge a responsabilidade e reparação, restauração e indenização por

danos causados à diversidade biológica, segundo o item 2 do art. 14, devem as

partes envolvidas estabelecer estudos para que se possa aferir a responsabilidade e

a forma de reparação do dano, exceto quando a responsabilidade for de ordem

estritamente interna.

Os recursos genéticos, como demonstrado anteriormente, são domínio de

cada Estado, que devem regulamentar a forma de acesso dos demais Estados. Para

tal devem respeitar os preceitos estabelecidos no art. 15:

1.Deve procurar criar condições para permitir o acesso a recursos genéticos para utilização ambientalmente saudável por outros Estados, e não impor restrições contrárias aos objetivos da CDB; 2.Para que os propósitos da CDB sejam respeitados que os recursos genéticos providos por uma Parte Contratante, a que se referem os artigos 15, 16 e 19, são apenas aqueles providos por Partes Contratantes que sejam países de origem desses recursos ou por Partes que os tenham adquirido em conformidade com esta Convenção; 3.O acesso, quando concedido, deverá sê-lo de comum acordo e sujeito ao disposto no art 15; 4.O acesso aos recursos genéticos deve estar sujeito ao consentimento prévio fundamentado da Parte Contratante provedora desses recursos, a menos que de outra forma determinado por essa Parte; 5.Cada Parte Contratante deve procurar conceber e realizar pesquisas científicas baseadas em recursos genéticos providos por outras Partes Contratantes com sua plena participação e, na medida do possível, no território dessas Partes Contratantes; 6.Cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas, conforme o caso e em conformidade com os arts. 16 e 19 e, quando necessário, mediante o mecanismo financeiro estabelecido pelos arts. 20 e 21, para compartilhar de

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forma justa e eqüitativa os resultados da pesquisa e do desenvolvimento de recursos genéticos e os benefícios derivados de sua utilização comercial e de outra natureza com a Parte Contratante provedora desses recursos. Essa partilha deve dar-se de comum acordo.

Criar um ordenamento jurídico que respeite todos os preceitos acima

demonstrados não é tão simples assim. Há todo um conjunto de fatores políticos e

econômicos que podem vir a dificultar a formação de preceitos normativos

adequados aos interesses da preservação ambiental. Mais dificuldade, ainda,

quando a parte contratante (seja Estado ou mesmo pessoa jurídica de direito

privado) não foi uma das signatárias da CDB.

A parte da Convenção que trata do acesso e transferência de tecnologia,

recursos e mecanismos financeiros, relação com outras convenções internacionais,

conferência das partes, secretariado, relatórios entre outros, não serão analisados

aqui por entendermos não terem pertinência com o tema abordado nesta

dissertação.

Segundo Antunes (2002:30), um dos aspectos mais complexos da CDB é o

que diz respeito à gestão da biotecnologia que está previsto no art. 19. Este

estabelece parâmetros para a gestão de biotecnologia e a distribuição de seus

benefícios.

1.Cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas, conforme o caso, para permitir a participação efetiva, em atividades de pesquisa biotecnológica, das Partes Contratantes, especialmente países em desenvolvimento, que provêem os recursos genéticos para essa pesquisa, e se possível nessas Partes Contratantes; 2.Cada Parte Contratante deve adotar todas as medidas possíveis para promover e antecipar acesso prioritário, em base justa e eqüitativa das Partes Contratantes, especialmente países em desenvolvimento, aos resultados e benefícios derivados de biotecnologias baseadas em recursos genéticos providos por essas Partes Contratantes. Esse acesso deve ser de comum acordo; 3.As Partes devem examinar a necessidade e as modalidades de um protocolo que estabeleça procedimentos adequados, inclusive, em especial, a concordância prévia fundamentada, no que respeita a transferência, manipulação e utilização seguras de todo organismo vivo modificado pela biotecnologia, que possa ter efeito negativo para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica; 4.Cada Parte Contratante deve proporcionar, diretamente ou por solicitação, a qualquer pessoa física ou jurídica sob sua jurisdição provedora dos organismos a que se refere o parágrafo 3 acima, à

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Parte Contratante em que esses organismos devam ser introduzidos, todas as Informações disponíveis sobre a utilização e as normas de segurança exigidas por essa Parte Contratante para a manipulação desses organismos, bem como todas as Informações disponíveis sobre os potenciais efeitos negativos desses organismos específicos.

A Convenção traz como sujeito nas relações “as parte contratantes”, isso

porque a sua aplicação não se restringe aos Estados. Como o fim precípuo que

possui é o manejo equilibrado e a utilização racional dos recursos naturais, não

importa se a relação de acesso à diversidade biológica será entre Estado- Estado,

Estado- Empresa, Empresa - Empresa. “O meio ambiente é uma questão de Estado,

é pública, o que não significa obviamente, uma atuação isolada em relação ao

mesmo” (MOURA, 1996:49).

Importante ressaltar que apesar do Brasil ter internalizado completamente o

texto da CDB, a mesma se caracteriza como fonte de princípios. Na prática ela não

possui força normativa ou coercitiva. Assim sendo, cada país deve criar seu

arcabouço legal, baseado nas premissas da Convenção.

Assim, para que se possa compreender como o acesso ao conhecimento

tradicional foi normatizado no Brasil, é preciso entender a estrutura do Direito, o

modo de construção da norma. Essas são informações básicas para que se possa

adentrar à analise que nos propomos, visto que o nosso objeto de estudo são os

instrumentos normativos que prevê o acesso ao saber tradicional. Desta forma, no

capítulo seguinte abordaremos esses itens, antes de iniciarmos uma análise do texto

legal.

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CAPITULO II

REGULAMENTAÇÃO DO ACESSO AO CONHECIMENTO TRADICIONA L

INDÍGENA.

Com a assinatura da Convenção de Diversidade Biológica, o Brasil passa a

ter a incumbência de normatizar a relação de acesso à biodiversidade local não só

em conformidade com o disposto pela CDB, mas também em consonância com o

texto constitucional. Para normatizar o assunto, o Estado tem que iniciar sua jornada

num contexto de interesses pessoais em contraposição aos anseios sociais que o

Estado Brasileiro, para a estruturação de um compêndio normativo, seja capaz de

estabelecer diretrizes à exploração da fauna e flora de seu território.

Conforme Venosa (2005)

O Direito coloca-se no mundo da cultura, isto é, dentro da realidade das realizações humanas. (...) O Direito é o ordenamento das relações sociais. Só existe Direito porque há sociedade (ubi societas, ibi ius). Assim, não Direito para um único homem isolado em uma ilha. Existirá o Direito, porém, no momento em que esse homem receba a visita de um semelhante. Isto porque, não mais estando o indivíduo só, irá relacionar-se com o outro homem, e essa relação é jurídica. (...) o homem atribui valor a tudo o que circunda. (p.21) (...) A relação jurídica estabelece-se justamente em função da escala de valores do ser humano na sociedade (p.22)

Se formos buscar as raízes etimológicas e filosóficas do termo Direito e

Justiça nos universos grego e romano, vamos nos deparar com determinadas

narrativas míticas na Grécia (a deusa Themis, do conselho e da prudência, e sua

filha Diké, da execução, da penalidade; ambas voltadas para a justiça e o direito);

nas reflexões de Sócrates, Platão, Aristóteles tem-se a justiça focalizada no centro

das discussões sobre a felicidade dos cidadãos na polis enquanto plano ético e

virtuoso. No universo romano, o termo Direito ganha uma noção de directus, vinda

da influência estóica de Cícero e da procura da recta ratio, ou seja, reta razão.

Direito é um vocábulo com múltiplas conotações: do latim jus que se projeta para

as noções de ordem, sagrado, juramento; também deriva do jus de justitia (da idéia

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aristotélica de dar a cada um o que é seu, enquanto correção ou distribuição)

(BITTAR & ALMEIDA, 2002).

O Direito pode ser dividido em duas grandes correntes: Direito Natural e

Direito Positivo, sendo o primeiro aquele que o homem aprendeu a prática por meio

de sua vida cotidiana na natureza. São princípios eternos e imutáveis que geram a

idéia de justiça, razão, eqüidade, liberdade, honra. Princípios que se fazem

presentes na mente humana e que se projetam no desenrolar dos acontecimentos.

Uma primeira fase do Direito Natural deu-se de forma de um jus non scriptum,

baseando-se nas tradições e costumes relatados oralmente pelos grupos sociais.

Direito Positivo é o direito tal como ele é: objetivo, escrito (jus scriptum) ou

consuetudinário, imposto como regra social obrigatória sob coação ou sanção de

força pública em qualquer dos aspectos que se manifeste. Conjunto de normas

elaboradas por uma sociedade determinada, para reger sua vida externa, com a

proteção da força social.

Entretanto, o Direito e a Moral nascem juntos. O Direito está contido na Moral.

O Direito é uma parte da Moral. Tudo o que é jurídico é moral, mas nem tudo que é

moral é jurídico. O campo de ação do Direito é restrito, um ato exterior,

compreendendo os deveres do homem com seus semelhantes, estabelecendo

sanções externas e imediatas. O objetivo do Direito é evitar que haja lesão nas

relações da sociedade. Todo Direito implica em um dever. O campo de ação da

Moral é irrestrito, pois comporta as sanções internas do ser humano (remorso,

arrependimento, desgosto, sentimento de reprovação). A moral é individual e social,

é inerente à constituição do ser humano. A moral visa a abstenção do mal,

buscando a prática do bem. O Direito nasce da moral.

O Direito objetivo na atualidade é um conjunto de normas obrigatórias

vigentes, de uma determinada sociedade, podendo ser dividido em Direito Público25,

Direito Privado26 e Direito Difuso27 (SOUZA FILHO, 2002)

25 Direito Público: são as regras que organizam politicamente a sociedade. Os organismos públicos e privados possuem direitos e deveres de cumprimento obrigatório para uma melhor organização social. O Direito Público organiza os interesses gerais da coletividade, garantindo os direitos individuais dos cidadãos, reprimir delitos e estabelecer normas de relações internacionais. Os ramos do Direito Público assim podem ser estabelecidos: Direito Constitucional: regulamenta a estrutura básica do Estado, disciplinando sua organização e seus poderes, a

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Dessa maneira, é importante resgatar os significados de norma jurídica (Do

latim norma, oriundo do grego gnorimos esquadria, esquadro). Na linguagem jurídica

é tido como regra, modelo, paradigma, tudo o que se estabelece em lei ou

regulamento para servir de pauta ou de padrão na maneira de agir. A coercibilidade,

isto é, a qualidade da norma de exercer coerção é ação de reprimir, de refrear,

usada para indicar a punição imposta aos delinqüentes, como atributo da Justiça;

força que emana da soberania do Estado é capaz de impor o respeito à norma

legal. Coação indica os meios de que dispõe o titular de um direito para que se

conserve íntegra a relação jurídica, que o liga ao objeto do mesmo, podendo-se ter

coação ilegal -física e psicológica - e legal - imposta pela lei; sanção é a

conseqüência jurídica que atinge o destinatário da norma jurídica e da Lei, tanto a

norma constitucional, quanto à lei ordinária, ou uma claúsula contratual. A um liame

entre as partes como leis constitucionais, leis complementares, leis ordinárias,

medidas provisórias, leis delegadas, decretos legislativos, resoluções, decretos

regulamentares, portarias, circulares, ordens de serviços28.

função de cada um deles, e a relação entre governantes e governados;Direito Administrativo: conjunto de normas que regulam a atividade estatal, definindo a forma como se dará a atuação governamental, a administração dos bens públicos, a estrutura e atuação do funcionalismo público, entre outros; Direito Penal: conjunto de normas que definem os crimes e as contravenções, bem como as sanções a elas aplicáveis; Direito Judiciário: subdivide-se em direito processual civil, direito processual penal e direito processual do trabalho. Conjunto de normas que organizam a atividade judiciária, estabelecendo a organização do poder judiciário e suas formas de atuação; Direito Internacional Público: cuida da negociação, elaboração e consolidação entre os estados, das Convenções, dos Tratados, Pactos, Convênios e Acordos Internacionais; Direito Processual: direito adjetivo, ferramenta do direito material (direito substantivo), é o responsável por regulamentar todo o processo judicial, cuidando da organização judiciária; Direito Eleitoral: sistematização das normas jurídicas que cuida da escolha de todos os membros do Poder Executivo; Direito Militar: é o que rege as organizações, os postos, os comandos e os serviços militares, bem como os civis que trabalham a seu serviço. 26 Direito Privado: conjunto de normas que regulam as relações horizontais dos particulares entre si, situados todos no mesmo plano, ou seja, dos indivíduos, nacionais ou estrangeiros, em suas atividades cotidianas e em suas relações pessoais ou comerciais. Ao Direito Privado compete o estabelecimento de normas para o casamento entre as pessoas, o direito de propriedade, o direito de sucessão, o exercício da liberdade individual e comercial, entre outros. Os ramos do Direito Privado assim podem ser estabelecidos: Direito Civil: é o que rege as relações familiares, patrimoniais e obrigacionais que se estabelecem entre os indivíduos de uma determinada sociedade; Direito Comercial: é o que regula entre as diversas categorias de comerciantes em sua atividade profissional. 27 Direito Difuso: enfoca assuntos relacionados ao direito público como ao privado. Os ramos do Direito Difuso são: Direito Previdenciário: vincula-se ao Direito do Trabalho, focalizando as normas pertinentes ao sistema da Previdência Social; Direito do Trabalho: conjunto de normas que regulam as relações de trabalho em um determinado estado, em especial, relações entre empregadores e empregados; Direito Econômico: trata da produção, dos serviços, circulação de produtos e serviços diretamente ligados ao desenvolvimento econômico do país; Direito do Consumidor: aquele que trata das relações jurídicas entre o consumidor e fornecedor de forma pública e de interesse social; Direito Ambiental: trata da articulação da legislação vigente, da doutrina e da jurisprudência voltados para os temas ambientais; Direito Internacional Privado: integrado por leis que tutelam as relações privadas no âmbito internacional. 28 A presente construção propedêutica baseou-se em nas sinalizações de: SOUZA FILHO, Cleto Delgado de Souza Filho. Introdução ao estudo das instituições de Direito. São Paulo: Letra Legal Editora, 2002.

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O Direito está na sociedade, construindo-a e estando por ela também em

constante reelaboração. A regulamentação, então, passa por diversos olhares,

concepções e pré-concepções sobre o que uns têm sobre os outros. Mas quem

possui o poder na arena política delimita quem é o “Eu” e o “Outro”, podendo-se

estabelecer uma relação entre Direito e Alteridade. Por exemplo: a Antigüidade

grega trouxe a imagem do bárbaro, o mundo hebráico a figura do estrangeiro e o

mundo hindu o “outro” como o paria, o intocável. Essas matrizes ficaram muito

presentes no pensamento europeu. Quais eram as características daqueles que

eram considerados os “estranhos”, os “selvagens”? Andavam nus ou vestidos de

peles de animais, praticavam o canibalismo, comiam carne crua, não possuíam

escrita, não tinham moral, nada de objetivo na vida, nem tinham passado e futuro.

No século XVIII, Cornelius de Pawn, assim mencionava sobre as populações

autóctones da América do Norte: sem barba, sem sobrancelhas, sem pêlos, sem

espírito, sem ardor para com sua fêmea. Oviedo, em 1555, descreveu na História

das Índias:

As pessoas desse país, por sua natureza, são tão ociosas, viciosas, de pouco trabalho, melancólicas, sujas, de má condição, mentirosas, de mole constância e firmeza (...). Nosso Senhor permitiu, para os grandes abomináveis pecados dessas pessoas selvagens, rústicas e bestiais, que fossem atirados e banidos da superfície da Terra (OVIEDO Apud CUCHE, 1999: 35).

O filósofo Hegel apud Cuche (1999:45), tão importante para a Filosofia

ocidental, também produziu suas considerações na História da Filosofia, no ano de

1830:

Tudo, na África, é nitidamente visto sob o signo da falta absoluta: os “negros” não respeitam nada, nem mesmo eles próprios, já que comem carne humana e fazem comércio da “carne” de seus próximos. Vivendo em uma ferocidade bestial que é inconsciente de si mesma, em suma selvageria em estado bruto, eles não têm moral, nem instituições sociais, religião ou Estado. O fato de devorar homens corresponde ao princípio africano. Ou ainda: são os seres mais atrozes que tenha no mundo, seu semelhante é para eles apenas uma carne como qualquer outra, suas guerras são ferozes e sua religião pura superstição.

Os “outros” eram vistos como animais selvagens ou vistos como bons

selvagens e maus civilizados. Cristóvão Colombo manifestou-se: Eles são muito

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mansos e ignorantes do que é o mal, eles não sabem matar uns aos outros (...) Eu

não penso que haja no mundo homens melhores, como também não há terra melhor

(CUCHE: 1999, 37).

No resgate documental bibliográfico, Gomes (1995) traz considerações de

Fernando Mitre:

“O termo “índio” é um erro que virou realidade. Pois “índio” é o habitante das Índias, logo, uma designação incorreta por parte dos “descobridores” da grande empresa chamada América. Conceitualmente “índio” é um termo homogeneizante sem característica própria, sendo utilizado como uma referência para designar todas as populações pré-colombianas e pré-cabralinas (mesmo que tivessem costumes, idiomas, histórias, governos, territórios e civilizações diferenciadas). Enfim, na história dos “colonizadores” europeus, o índio surgiu não como a afirmação de si mesmo, mas como a negação do europeu. Seres humanos despojados de suas particularidades para a ratificação da particularidade do sujeito pensante moderno europeu. O índio é um produto da imaginação de seus “descobridores”. Cristóvão Colombo foi um dos mais criativos nessa produção. Ele inventou as Índias Atlânticas, mesmo que tenha sido um acidente de seu percurso e instaurou uma grande empresa comercial. Sua tripulação representava os interesses das forças e dos poderes para o início da empresa América. Representada por Don Pedro Margarit, militar; Frei Fernando Boyl, sacerdote e Don Pedro de Las Casas, comerciante, ou seja, a milícia, a religião e o comércio ou: a guerra, a evangelização e os interesses comerciais; cada uma das personagens inventaria um índio próprio, de acordo com suas fantasias, projetos e interesses. Como o conceito dos “descobridores”, o índio é cambiável, ora uma personagem abominável, ora a mais bela criatura a ser admirada. Em suma, através da linguagem inserida numa cultura, os nomes passam a ser produções simbólicas para simplificar a realidade. A palavra índio resumiu todos os milhões de seres humanos das Américas. No caso da imaginação sobre o índio na visão miliciana, este era visto ou inventado como o guerreiro cruel e sedento de sangue, o qual deveria ser derrotado pela espada em nome da Monarquia espanhola; na visão religiosa: os anjos assexuados à espera da mensagem divina e da propagação da doutrina e poderes católicos; na visão do mercantilismo: o trabalhador forçado carregando pesados pedaços de ouro para os barcos espanhóis. (...) A “descoberta” do índio como propriedade pelo seu descobridor permitiu sua morte (o genocídio biológico, social, cultural desde a primeira empreitada da conquista do outro aos dias atuais); sua escravidão (nas grandes propriedades dos colonizados); sua submissão (através da religião, vista como uma ideologia a serviço do império e apregoando a superioridade de uns em detrimento de outros)” (MITRE Apud GOMES: 1995, 28-29).

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Dessa maneira, quando se reflete sobre desenvolvimento sustentável,

biodiversidade, povos indígenas e Direito necessita-se ter essas considerações de

suporte inicial, tanto para elucidar determinadas questões antropológicas, históricas

e também jurídicas, além de compreender como, nos textos constitucionais (em

especial, a partir da Constituição Federal de 1988) a temática foi se estabelecendo

enquanto tela aberta para várias interpretações.

1. Acesso a Biodiversidade brasileira: caminhos e f ormulações

Na Constituição Federal, no caput do art. 225 encontra-se esculpido o princípio

do desenvolvimento sustentável :

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”(CF, 2005:141)

Há que se fazer ponderações acerca da construção do pensamento que

norteou a redação do referido artigo. Observa-se uma relação antropocêntrica em

sua gênese, ou seja, o ambiente deve se encontrar equilibrado com propósito de se

obter uma melhor qualidade de vida humana.

Existe a ausência de visão do legislador ao estruturar o texto, pois o ser

humano não é concebido como parte integrante do sistema ambiental, mas sim que

esse existe para que de forma direta possa ser manipulado a seu favor, gerando

uma situação de satisfação das necessidades humanas, sem se ater aos sutis laços

que une a nossa existência à “estabilidade“ do meio ambiente.

É sobre esse aspecto de preservação e interação com o meio que segue nossa

reflexão sobre a proteção à biodiversidade brasileira. Como já mencionado no

capítulo anterior, um dos passos mais expressivos dessa defesa, após a

Constituição Federal, foi a Convenção sobre Diversidade Biológica.

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Não basta, somente, interiorizar uma convenção no ordenamento jurídico

nacional. Necessário se faz que normas venham a ser editadas, até mesmo porque

a Convenção não possui um caráter disciplinador, apenas norteador. Em que pese

toda a tentativa de se normatizar o tema por vias normais29, foi o mesmo regulado,

primeiramente, pela Medida Provisória nº 2.052 de 30 de junho de 2000.

A postura adotada pelo governo com a edição da Medida Provisória

fundamentou-se na urgência e relevância30 em disciplinar o acesso ao conhecimento

tradicional relacionado à biodiversidade. O atropelar de toda uma discussão política,

econômica e social se deu em virtude da criação da Organização Social

denominada Bioamazônia, em 27 de maio de 2000, que tinha como função

coordenar a implantação do Programa Brasileiro de Biologia Molecular para o uso

sustentável da Biodiversidade da Amazônia – Probem (ROCHA, 2003).

29 Os tramites legais de uma lei são divididos em três espécies de processos ou procedimentos, o comum ou ordinário, sumário e os especiais, entretanto, um jogo político de medidas provisórias acaba deturpando esse possível caminho jurídico considerado normal e legal pela positividade do Direito. Na época da primeira edição da MP tramitavam no Congresso Nacional quatro projetos legislativos acerca da mesma matéria. Para esclarecer os mecanismos de tramitação do instrumentos normativos podemos conceituar procedimento comum, destinado à elaboração das leis ordinárias; desenvolve-se em 5 fases, a introdutória, a de exame do projeto nas comissões permanentes, a das discussões, a decisória e a revisória. Se o Presidente solicitar urgência, o projeto deverá ser apreciado pela Câmara dos Deputados no prazo de 45 dias, a contar do seu recebimento; se for aprovado na Câmara, terá o Senado igual prazo, tem-se então o rito sumário. Os procedimentos especiais são os estabelecidos para a elaboração de emendas constitucionais, de leis financeiras, de leis delegadas, de medidas provisórias e de leis complementares. 30 Medida Provisória não é lei, porque não é ato nascido no Poder Legislativo, mas tem a força da lei, porque cria direitos e obrigações. É unipessoal. Podem versar, portanto, sobre todos os temas que possam ser objeto de lei, à exceção, naturalmente, das seguintes matérias: a) aquelas entregues à lei complementar; b) as que não podem ser objeto de delegação legislativa; c) a legislação em matéria penal; d) a legislação em matéria tributária. As medidas provisórias só podem ser editadas pelo Presidente da República. Não podem adotá-las os Estados e os Municípios. É que a medida provisória é exceção ao princípio segundo o qual legislar compete ao Poder Legislativo. Sendo exceção, a sua interpretação há de ser restritiva, nunca ampliativa. No processo de criação da medida provisória tem-se a particularidade de nascer como diploma normativo pela tão-só manifestação do Chefe do Executivo. A discussão é posterior. Já em vigor, produzindo efeitos, é submetida ao Congresso Nacional, que deverá apreciá-la para aprová-la ou rejeitá-la no prazo de 30 dias a contar de sua publicação.Se o Congresso Nacional estiver em recesso, deverá ser convocado extraordinariamente no prazo de cinco dias para o exame da medida provisória. A aprovação há de ser expressa, no prazo aludido. A aprovação converte medida provisória em lei. A não-apreciação importa rejeição. Rejeitada, o Congresso Nacional deve regulamentar as relações jurídicas que dela decorram. E o instrumento para essa regulamentação é a lei. Não há, pensamos, outra forma de corporificar a regulamentação. Não há sanção, visto que não há projeto. O diploma já nasce informado. De igual maneira, não se cogita da promulgação. Cuida-se, apenas, de publicação, ato que, na verdade, dá nascimento à medida provisória, porque veicula a vontade do Presidente da República. E a conversão da medida em lei também dispensa a sanção.

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A Organização firmou contrato de exploração dos recursos genéticos com a

Novartis Pharma AG (multinacional de biotecnologia) para a implementação das

ações que previam a exploração da biodiversidade brasileira. A edição da medida

provisória, dois meses após o acordo com a Novartis, deixou clara a intenção do

governo em trazer garantias reais e legais para o acordo. A realização da referida

parceria gerou diversos questionamentos e discussões em todos os setores da

sociedade31. Uma vez que o mesmo estabelecia um acesso irrestrito e direitos

patentários sobre toda a biodiversidade da Amazônia Brasileira a Novartis.

A discussão sobre a regulamentação do acesso aos recursos genéticos

brasileiros iniciou se em 1995, com a apresentação do projeto de lei 305/95, da

então Senadora Marina da Silva, que já havia sido aprovado pelo Senado Federal na

forma de substitutivo apresentado pelo relator deste na Comissão de Assuntos

Sociais, Senador Osmar Dias.

Em 1998, outro projeto de lei sobre o tema foi apresentado pelo Deputado

Jacques Wagner, que, à época, tramitava na Câmara dos Deputados. Também o

Poder Executivo enviou um projeto de lei ao Congresso, que dispunha sobre o

“acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado e sobre a

repartição de benefícios derivados de sua utilização” fruto de discussões

interministeriais. E tramitava, ainda, uma proposta de ementa constitucional

encaminhada pelo Poder Executivo que pretendia incluir os recursos genéticos entre

os bens da União arrolados no art. 29 da Constituição (ROCHA, 2003:425-426).

A Bioamazônia tinha como função na relação recolher o material genético,

processá-lo, levantar as informações, isolar os componentes naturais da plantas,

fungos ou microoganismos da Amazônia brasileira e repassá-los à Novartis. A

contrapartida oferecida pela Novartis era treinamento e transferência de tecnologia

ao Brasil (ROCHA, 2003). Esses termos do contrato firmado entre as partes

estabelecem uma discrepância entre as obrigações a serem cumpridas, sendo a

empresa de fármacos a maior beneficiada com a relação.

31 Podemos citar como exemplo, o manejo da biodiversidade brasileira por empresas estrangeiras, a parceria entre o Estado Brasileiro e outros organismos internacionais para o estudo da biodiversidade, discute-se a propriedade de patente na busca de se definir o detentor do direito ante a lei de patentes. E ainda, a falta de incentivo do Brasil para o desenvolvimento de ciência e tecnologia.

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Vejamos alguns indícios do favorecimento, conforme expressa a redação dos

art. 10 e 14 da referida medida provisória. O art. 10 estabelece que “a pessoa de

boa fé que até 30 de junho de 2000, utilizava ou explorava economicamente

qualquer conhecimento tradicional no País será assegurado o direito de continuar a

utilização ou exploração, sem ônus, na forma e nas condições anteriores”. Se

pararmos para observar, verificamos que o contrato entre a Bioamazônia e a

Novartis foi firmado em 29/05/2000 e a Medida Provisória foi editada em 30 de junho

de 2000. Podemos concluir que, a redação do artigo tinha como intuito maior

“legalizar” a exploração dos recursos naturais que estava se operando para

beneficiar a Novartis. Essa opinião é corroborada por Santilli (2001:235).

A outra irregularidade está no art. 14 que determina que em

“Casos de relevante interesse público, que seria caracterizado pela autoridade competente, o ingresso em terras indígenas, área pública ou privada para acesso a recursos genéticos dispensaria prévia autorização das comunidades indígenas e locais e de proprietários”,

Ao redigir nesses termos o texto normativo, o Executivo permitia invadir as

propriedades sejam publicas, privadas e áreas indígenas sem se preocupar com os

que nas áreas se encontram, tudo com base no interesse público. O termo

“relevante interesse público” possui uma carga de abstração muito grande e a

materialização das diversas formas de se estabelecer interesse público fica ao alvitre

do Governo.

Em face desses dois artigos foi impetrado, pela Contag – Confederação

Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, com assessoria dos advogados do

Instituto Socioambiental, uma ação de inconstitucionalidade. Apesar do Supremo

Tribunal Federal não ter se manifestado sobre a inconstitucionalidade, as edições

posteriores ao ingresso da Ação de Inconstitucionalidade, tiveram o teor dos artigos

alterados, adequando-os as normativas da Carta Magna. Mas inúmeras foram as

reedições da medida provisória. Sendo a última regulamentação, e derradeira, a

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Medida Provisória nº 2.186-16 de 23 de agosto de 200132 que hoje possui força de

lei em virtude da Emenda Constitucional 3233, de 11 de setembro de 2001.

Foi em 28 de setembro de 2001 que o decreto nº 3.945/01 regulou a

composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) estabelecendo

sua forma de funcionamento, bem como dispondo sobre o acesso ao patrimônio

genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição

de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para a sua

conservação e utilização. Foi editado o decreto nº 4.946 em 31 de dezembro de

2003 que alterou algumas disposições do decreto n° 3.945/ 01, conforme veremos

mais adiante.

Foi publicado no Diário oficial da União de 08 de junho de 2005 o Decreto nº

5.45934, que regulamenta o art. 30 da Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de

agosto de 2001, disciplinando as sanções aplicáveis às condutas e atividades

lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado.

Hoje, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético conta com 17

resoluções, que regulamentam a questão de exploração do patrimônio genético

brasileiro. Sendo que as de número 6, 9, 11 e 12 são matérias específicas para o

acesso ao conhecimento tradicional.

O intuito ao normatizar tal questão está no fato de que a concepção hoje é de

que cada país é soberano sob sua biodiversidade, ou seja, todo o patrimônio

genético de nossa fauna e flora é protegida juridicamente e, se ameaçado por

terceiros sejam nacionais ou não, estes sofrerão sanções.

32 Vide anexo 07 33 Vide anexo 01 34 Vide no anexo nº 02 a 06 inteiro teor dos Decretos.

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2. A Medida Provisória nº 2186-16/01

Partindo para uma análise do teor do que chamamos, hoje, impropriamente de

Medida Provisória, já que se trata de uma lei, como já explicamos anteriormente em

virtude da emenda Constitucional 32, vamos observar que a referida tem como

função regulamentar o inciso II do § 1º e o §4º do art. 225 da Constituição , os

artigos 1º, 8º aliena “J” , art. 10 , alínea “C”, arts. 15 e 16 alíneas 3 e 4 da

Convenção sobre Diversidade Biológica, e dispor sobre o acesso ao patrimônio

genético, a proteção e ao acesso conhecimento tradicional associado, a repartição

de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua

conservação e utilização, conforme pode se observar no anexo.

Em seu artigo 1º encontramos o estabelecimento da área de atuação e

abrangência da norma, sendo eles o:

“I - ao acesso a componente do patrimônio genético existente no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção; II - ao acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, relevante à conservação da diversidade biológica, à integridade do patrimônio genético do País e à utilização de seus componentes; III - à repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração de componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado; IV - ao acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para a conservação e a utilização da diversidade biológica. §1º- O acesso a componente do patrimônio genético para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção far-se-á na forma desta Medida Provisória, sem prejuízo dos direitos de propriedade material ou imaterial que incidam sobre o componente do patrimônio genético acessado ou sobre o local de sua ocorrência. §2º- O acesso a componente do patrimônio genético existente na plataforma continental observará o disposto na Lei no 8.617, de 4 de janeiro de 1993”.35

35 A nosso entender há uma impropriedade do Executivo (já que a MP é editada pelo referido poder) ao disciplinar em um instrumento normativo que tem como premissa o acesso ao conhecimento tradicional o acesso a componentes do patrimônio genético existentes na plataforma continental. Os assuntos coabitam regiões totalmente diversas, e a forma como foi exposto pelo redator numa leitura menos desatenta do texto normativo o leitor se confunde, sem saber de qual tema está o mesmo se referindo. Se o objeto da MP é o acesso ao conhecimento tradicional, que seja só esse o tema disciplinado, não se entrelaçando assuntos de áreas diversas.

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Para maior entendimento da abordagem que daremos em nosso estudo faz-se

necessário compreender determinados conceitos estabelecidos pela MP, que se

encontram explicitados no artigo 7º e seus incisos, que são as seguintes

conceituações:

“ I - patrimônio genético: informação de origem genética, contida em amostras do todo ou de parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e de extratos obtidos destes organismos vivos ou mortos, encontrados em condições in situ, inclusive domesticados, ou mantidos em coleções ex situ, desde que coletados em condições in situ no território nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; II - conhecimento tradicional associado: informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético; III - comunidade local: grupo humano, incluindo remanescentes de comunidades de quilombos, distinto por suas condições culturais, que se organiza, tradicionalmente, por gerações sucessivas e costumes próprios, e que conserva suas instituições sociais e econômicas; IV - acesso ao patrimônio genético: obtenção de amostra de componente do patrimônio genético para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando a sua aplicação industrial ou de outra natureza; V - acesso ao conhecimento tradicional associado: obtenção de informação sobre conhecimento ou prática individual ou coletiva, associada ao patrimônio genético, de comunidade indígena ou de comunidade local, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando sua aplicação industrial ou de outra natureza;(....) VII - bioprospecção: atividade exploratória que visa identificar componente do patrimônio genético e informação sobre conhecimento tradicional associado, com potencial de uso comercial; (...) XI - Autorização Especial de Acesso e de Remessa: documento que permite, sob condições específicas, o acesso a amostra de componente do patrimônio genético e sua remessa à instituição destinatária e o acesso a conhecimento tradicional associado, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos; XI - Autorização Especial de Acesso e de Remessa: documento que permite, sob condições específicas, o acesso a amostra de componente do patrimônio genético e sua remessa à instituição destinatária e o acesso a conhecimento tradicional associado, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos; XII - Termo de Transferência de Material: instrumento de adesão a ser firmado pela instituição destinatária antes da remessa de qualquer amostra de componente do patrimônio genético, indicando, quando for o caso, se houve acesso a conhecimento tradicional associado; XIII - Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios: instrumento jurídico multilateral, que qualifica as partes, o objeto e as condições de acesso e de remessa de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado, bem como as condições para repartição de benefícios.” (grifo nosso)

Entender esses conceitos é o primeiro passo para que possamos fazer uma

reflexão do acesso ao conhecimento tradicional e sua relevância nos dias atuais,

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como meio de obtenção de novos caminhos para o desenvolvimento de produtos

que são em sua maioria rentáveis.

Percebermos a necessidade premente de questionar os mecanismos

implementados pelo governo como forma de acesso a tais saberes e,

principalmente, verificar as conseqüências sociais que sofrem as populações

afetadas.

Partindo para uma análise do texto normativo, vamos nos ater a análise dos

textos legais que tratam da questão de acesso ao saber tradicional relacionado a

biodiversidade.

A Medida Provisória nº 2.186-16 estabelece no art 2o que o

“acesso ao patrimônio genético existente no País. Somente será feito mediante autorização da União e terá o seu uso, comercialização e aproveitamento para quaisquer fins submetidos à fiscalização, restrições e repartição de benefícios nos termos e nas condições estabelecidos nesta Medida Provisória e no seu regulamento.”

O texto do referido artigo só vem reafirmar a soberania de cada país sobre

sua diversidade biológica, e que o patrimônio genético não mais é visto como

domínio comum da humanidade. Como já dissemos acima, não se trata de uma

soberania governamental, mas popular. Mas para que isso aconteça é necessário

nos investirmos (sociedade) desse bem que nos rodeia e no qual estamos inseridos.

Outra questão que vem de encontro com o artigo 2º é o fato de estar em

consonância com as recomendações da CDB (no artigo 3º), que dá aos Estados o

direito de explorar seus recursos em conformidade as suas políticas ambientais,

responsabilizando-se de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não

causem dano ao meio ambiente de outros Estados ou em áreas além dos limites da

jurisdição.

Preserva, no artigo 4º, o intercâmbio e a difusão de componentes genéticos

do conhecimento tradicional associado entre comunidades indígenas e comunidades

locais como meio de perpetuação dos saberes e assimilação de novos. Todavia, ao

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longo da redação normativa os parâmetros ou mecanismos para tal troca não fica

bem estabelecido.

Importante ressaltar que o art.3º da MP deixa expresso que ela não se aplica

ao patrimônio genético humano.

2.1. Proteção ao Conhecimento Tradicional Indígena.

O Executivo ao se valer da MP para disciplinar o acesso ao conhecimento

tradicional, das comunidades indígenas e das comunidades locais, tinha o intuito de

legalizar o contrato que se estabelecia entre uma organização nacional e a Novartis.

Mas a função da norma é proteger os saberes tradicionais em relação à diversidade

biológica no qual estão inseridos, na tentativa de impedir a utilização e a exploração

ilícita de pessoas ou instituição. Entretanto, mesmo sendo polêmica a atuação do

governo, a normatização do assunto era necessária.

Estabelece a MP que o conhecimento tradicional associado ao patrimônio

genético é parte integrante do patrimônio cultural brasileiro. O Estado assim procede

por reconhecer a importância dos saberes seculares que essas comunidades

possuem e transmitem ao longo de suas vidas.

Ao buscar situar questões indígenas, logo vem a mente um grupo de

indivíduos que estão sob a chancela do Estado, que possuem os seus direitos

tutelados por esse, bem como a defesa deles caso haja violação. Mesmo tendo a

União o dever de defender os interesses indígenas, a MP, no artigo 8º, § 1º,

reconhece às comunidades o direito de decidir sobre os usos de seus

conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético.

Tal disposição não possui nada de excepcional, não fosse o fato de estarmos

falando de um universo diferente do nosso, que possui um sistema social, cultural e

valores diferentes dos nossos, no qual a concepção de indivíduo, de acúmulo de

riquezas é antagônica ao do capitalismo.

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Essa ponderação se faz necessária quando o Ente que deve resguardar os

direitos indígenas não possui uma estrutura de fiscalização ou acompanhamento

dos procedimentos que envolvem o acesso ao conhecimento tradicional associado à

biodiversidade. Isso remete à questão sobre o patenteamento de medicamentos a

partir de saber tradicional indígena, a retirada ilegal de material genético das áreas

indígenas. Todas essas ações são conseqüência do não acompanhamento do

processo de entrada de pesquisadores em áreas indígenas de forma mais efetiva.

O fato de possuir o pesquisador a anuência da comunidade para o ingresso e

pesquisa não quer dizer que aquela tenha noção da amplitude da pesquisa, mesmo

que saibam os direitos que ela possui com o estudo. E informar ou explicar, quando

for o caso, é função da União que trouxe para si a responsabilidade nas questões

indígenas. Outra disposição relevante é a do art. 9º que garante às comunidades

indígenas o direito, uma vez acessado o conhecimento tradicional, às publicações,

utilizações, explorações e divulgações que surgirem em virtude do acesso, deverão

ter citado o nome da comunidade acessada.

Podem os indígenas, ainda, a partir de não cumprimento contratual ou de

irregularidades detectadas, impedir terceiros não autorizados de utilizar, realizar

testes, pesquisas ou exploração, relacionados ao conhecimento tradicional

associado, bem como divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou informações que

integram ou constituem conhecimento tradicional associado. Para que tal direito seja

exercido há, em toda Procuradoria da República, um procurador com atribuições

específicas na defesa dos direitos indígenas. Mas caso a comunidade tenha

condição financeira, podem ingressar em juízo ou como acontece algumas vezes, a

assessoria jurídica aos interesses das comunidades indígenas é obtida através das

organizações não governamentais.

A redação da MP estabelece em seus artigos 8º e 9º que as comunidades

indígenas possuem o direito de receber benefícios pela exploração econômica por

terceiros, direta ou indiretamente, de conhecimento tradicional associado, cujos

direitos são de sua titularidade, não importando se esse conhecimento é comum a

todos ou se tem como portador um único membro da comunidade.

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2.2. Acesso ao conhecimento Tradicional e da Remess a de material genético.

Para podermos entender a disposição do acesso e da remessa do material

referente ao conhecimento tradicional indígena temos que compreender duas

expressões utilizadas que são: in situ e ex situ. A definição dessas expressões

está da CDB no artigo2º:

"Condições in situ" significa as condições em que recursos genéticos existem em ecossistemas e hábitats naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características. "Conservação ex situ" significa a conservação de componentes da diversidade biológica fora de seus hábitats naturais. "Conservação in situ" significa a conservação de ecossistemas e hábitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características.

Só será possível a emissão da autorização para o acesso do patrimônio

genético existente em condições in situ relacionado ao conhecimento tradicional,

para instituição nacional (publica ou privada) que exerça atividade de pesquisa e

desenvolvimento nas áreas biológicas e afins. Sendo a emissão da autorização

competência do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (instituído pelo Decreto

3.945) e essa só será concedida se houver a anuência prévia da comunidade para

o desenvolvimento da pesquisa.

Uma ressalva importante deve ser feita sobre a questão da emissão da

autorização para o acesso ao conhecimento tradicional em relação à biodiversidade.

A primeira MP foi editada em junho de 2000.

A ultima edição da referida norma é de agosto de 2001, sendo que o decreto

que define a composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético36 (CGEN)

36 Conselho de Gestão do Patrimônio Genético - CGEN, órgão com a responsabilidade de coordenar a implantação das políticas para gestão do patrimônio genético e estabelecer normas técnicas para a sua gestão. Novas Regras para Autorizações de Acesso e Remessa do Patrimônio Genético, a fim de simplificar o processo de obtenção de autorização para a pesquisa científica foram adotados novos procedimentos referentes à MP 2.186-16: 1O Ibama foi credenciado pelo CGEN (agora as autorizações de coleta, acesso e remessa deverão ser requeridas unicamente ao Ibama); 2.Quando a coleta ocorrer em áreas privadas, não é mais necessária a apresentação de anuência prévia formal como requisito para a autorização de acesso, desde que atendido o disposto no art. 1º da Resolução 08 do CGEN, de 24 de setembro de 2003. A partir de agora as solicitações de autorização de acesso e remessa terão duas entradas: IBAMA (Pesquisa científica que envolva acesso a

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é de setembro de 2001 e a primeira resolução a estabelecer diretrizes para a forma

de obtenção da anuência prévia do acesso ao conhecimento tradicional associado

ao patrimônio genético é de junho de 2003. Se pararmos para fazer um cálculo do

lapso temporal desde a primeira MP até a resolução do CGEN veremos que foram 3

anos até que o assunto obtivesse instruções normativas, o que gera um limbo

jurídico para o pesquisador e para as comunidades.

Os mais afetados com o lapso temporal para a normatização são os

indígenas que se vêem à margem da norma, sem um instrumento legal que os

resguarde, uma vez que a competência de se estabelecer os critérios para a

anuência é do CGEN. O CGEN tem ainda, conforme o art. 12, § único, a função de

supervisionar as atividades desenvolvidas pelas instituições que estejam

pesquisando a biodiversidade a partir do conhecimento tradicional indígena.

O art. 16, no seu parágrafo 2º, estabelece que o responsável pela coleta de

material genético deverá, ao término das atividades em cada área acessada, assinar

com o representante da comunidade uma lista em que esteja especificado o material

acessado. E na ausência ou impossibilidade de se encontrar o titular da área, a lista

deve ser encaminhada ao CGEN. Essa, a nosso entender, é outra disposição que

sofre de inexecutibilidade, visto não possuírem os órgãos governamentais estrutura

fiscalizadora, ou mesmo acompanhamento constante.

Se o componente genético acessado possuir perspectiva de uso comercial a

instituição que move a pesquisa deve, antes de desenvolver o projeto, firmar

contrato de utilização do patrimônio genético e de repartição de benefícios com a

comunidade acessada.

componente do patrimônio genético, não seja para fins de bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico e não envolva acesso a conhecimento tradicional associado). CGEN (Pesquisa científica que envolva acesso a componente do patrimônio genético, com potencial de uso econômico, como bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico). Pesquisa científica que envolva acesso a conhecimentos tradicionais associados, independentemente de haver potencial de uso econômico. Este processo está em fase de implantação, em breve o CGEN irá disponibilizar novas informações.

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Caso o material genético associado não possua à época da pesquisa,

potencial econômico, a instituição que acessou o conhecimento fica obrigada a

comunicar ao CGEN ou a instituição onde se originou o processo de acesso e de

remessa, a formalização do contrato de utilização do patrimônio genético e de

repartição de benefícios verificado o potencial econômico.

Para a coleta de amostra de patrimônio genético in situ relacionado ao

conhecimento tradicional, por pessoa jurídica estrangeira, necessário se faz que haja

uma instituição pública nacional envolvida na pesquisa para que seja autorizada a

coleta. A coordenação das atividades é de competência da instituição brasileira,

devendo todas as instituições envolvidas exercer atividades de pesquisa e

desenvolvimento nas áreas biológicas e afins.

2.3. Repartição de benefícios.

A repartição de benefícios é matéria geradora de controvérsias na MP ao

estabelecer, no art 24º, de forma clara, que a exploração econômica por instituição

nacional ou estrangeira, de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de

componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado serão

repartidos de forma justa e eqüitativa, entre os contratantes.

O ponto controverso é o que vem a ser justo e eqüitativo e para quem? Justo

e eqüitativo para a sociedade envolvente que adentra as terras indígenas na busca

de novos elementos para produção de cosméticos e fármacos, ou justo e eqüitativo

para a comunidade que detém o conhecimento?

Vale a pena lembrar a questão intercultural. São universos distintos com

concepções, muitas vezes, antagônicas, realidades díspares que se baseiam nos

valores sociais e individuais que se formam ao longo da História.

Para entendermos essas realidades diferentes, remetemos a discussão ao

simbolismo tal como proposto por Bourdieu.

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Os sistemas simbólicos podem ser entendidos como uma dupla função:

estrutura estruturante e estrutura estruturada. No primeiro caso, os universos

simbólicos (mito, língua, arte, ciência) são tratados como instrumentos de

conhecimento e de construção do mundo dos objetos. No segundo, os universos

simbólicos são tratados como estruturas dadas, passíveis de serem analisadas com

base em suas imanências.

Os símbolos são os instrumentos por excelência da integração social:

enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, eles tornam possível o

consenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a

reprodução da ordem social. A integração lógica é a condição da integração moral.

O estatuto de validade do poder simbólico reside na legitimação do

desconhecimento de sua arbitrariedade, por parte de quem o sofre (BOURDIEU,

1989:45).

Para Bourdieu, a realidade social não se compõe apenas por um conjunto de

relações de força entre os agentes sociais, ela também é um associação conjuntiva

de relações de sentido, que constituem a própria dimensão simbólica da ordem

social.

Existe um capital simbólico, que transcende a qualquer redução do capital à

esfera do econômico. Todas as formas de capital (social, econômico, político,

cultural) fazem-se existir e atual como capital simbólico, na medida em que são

legitimados como tal. O capital simbólico é uma propriedade qualquer que se

presencia na sociedade e é percebida pelos agentes sociais dotados de categorias

de percepção e de valoração permitindo-os perceber, conhecer ou reconhecer

aquilo como eficiente, algo que responde às expectativas coletivas socialmente

constituídas (BOURDIEU, 1989, 171-172).

O capital simbólico traz consigo um sistema simbólico que auxilia os agentes

sociais no reconhecimento do valor e do poder que lhe vem agregado.

Sistematicamente para que esse reconhecimento se produza é necessário um

consenso social sobre o valor do valor.

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Para que um valor seja reconhecido e assumido como tal, uma série de ações são

geradas nos atores sociais para a construção de uma crença que abalize aquele

valor. O capital simbólico necessita desse movimento para poder funcionar e se

fazer presente, com os valores simbólicos, nas esferas do Estado, da burocracia,

das instituições eclesiásticas, do universo acadêmico.

Nesse sistema simbólico, a categoria de habitus garante que as experiências

sejam reconhecidas e valorizadas em cada um dos campos sociais, ou seja,

contribui para a interiorização do capital simbólico. O corpo social, por meio de seus

agentes nos diversos campos, incorporam as estruturas valoradas e constroem as

ações conseqüentes e coerentes a elas.

As estruturas sociais são modeladas por elementos diacronicamente

construídos no tempo histórico, com capacidade de organização da vida dos

indivíduos. A motivação pessoal de interação estruturada, chamada de habitus por

Bourdieu, pode ser compreendida como o modus operandi – um exercício de

escolha em relação com a posição que ocupam na estrutura os diversos

agentes/atores sociais e como operam suas existências, isto é, sua dimensão de

atualidade. Essa é a noção de campo considerada como um marco, sendo que o

habitus é o seu efeito, sua interiorização, cumprindo a função de corpo estruturado

que incorporou as estruturas pelos diferentes campos.

Bourdieu assinalou diversos campos: o campo intelectual, o campo político, o

campo da arte, o campo da filosofia, o campo religioso, da alta costura. No fundo as

pessoas ocupam posições nesses espaços, que se transformam em sistema de

posições.

As fronteiras entre os campos podem ser determinadas pelos seus efeitos

empiricamente na relação com os outros campos. Essa característica permite

averiguar o quanto cada campo se transforma ou não pelo enfrentamento com outro

campo. O objetivo sempre centra-se na conquista da autoridade. De acordo com

Bourdieu, a estrutura de um campo é o estado de relações de força entre os

agentes, as instituições comprometidas na distribuição e alocação do capital

específico.

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Cada campo social possui uma relação com o poder. Ao se mencionar a

sociedade envolvente deve-se detectar os campos que se fazem presentes e qual

deles é o hegemônico no que tange à posse do poder. Nessa sociedade envolvente

quais são as estruturas objetivas e posições ocupadas pelos agentes e instituições

existentes no campo social hegemônico? E como o habitus de seus agentes devem

ser analisados nos diferentes sistemas de disposições que eles adquiriram por meio

da interiorização de um determinado tipo de condições econômicas e sociais, bem

como seus estados de atuação nas ocasiões de enfrentamento com os agentes de

campos diferenciados?

Ao canalizar a reflexão para nosso universo de investigação, é possível

considerar afirmativamente que a maioria das populações indígenas nos últimos

séculos vem vivendo em sociedades organizadas em áreas envolvidas por

atividades ao redor de produção agrícola e pecuária no Brasil. As cidades que se

desenvolveram em proximidade a essas populações indígenas trouxeram modelos

paradigmáticos de organização socioeconômica que os impregnou com outros

valores. Relações entre o universo indígena (econômico, político, social, cultural-

simbólico) com a sociedade envolvente caracterizam-se como embates entre

campos sociais distintos, e habitus distintos.

Uma repartição de grupos humanos foi progressivamente institucionalizada,

disciplinada e adaptada às práticas divisórias dos discursos políticos, econômico e

acadêmico submetidos aos aparelhos e à ideologia do Estado Nacional brasileiro.

O Estado brasileiro estabeleceu expedientes de controle cultural e social,

gerando formas distintas de lidar com a alteridade representada por indivíduos não-

brancos, considerados “incivilizados”, ”inferiores” em termos mentais e culturais que,

no entanto, precisavam ser assimilados ou absorvidos pela nação brasileira, com

isso estabelecendo uma história objetivada e institucionalizada adequando os

agentes ou grupos sociais na pele do personagem social que deles se espera e que

eles esperam de si próprios (BOURDIEU: 1989, 87). Trata-se da adequação dos

corpos em que está inscrita uma determinada história às novas funções e leituras

que lhe são atribuídas. Essa história deve ser tanto apreendida quanto aprendida,

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retomada, revitalizada, retirada da dinâmica dos corpos que, eventualmente, a

levaria por outros caminhos para assumir suas novas funções.

A diferença de valores não está somente entre a comunidade envolvente e a

sociedade indígena. Há entre os indígenas uma grande diversidade de etnias, que

possuem concepções de mundo próprias constituídas por elementos simbólicos que

representam formas de interpretação do mundo e da vida, as quais criam

identidades entre grupos de indivíduos. Essas formas simbólicas são as

interpretações concorrentes em determinada formação social e elas se referem,

portanto, também ao poder de se manter ou de se subverter a ordem social.

Então, que o justo e o eqüitativo seja de acordo com o sujeito da norma, que

no caso vem a ser os indígenas. Em nossa concepção haveria uma discrepância

entre o ofertado aos detentores do saber e o que as empresas que desenvolvem

pesquisa nessa área auferem, o que corrobora para a diferença de campos

existentes. É nesse diapasão que a presença de organismos governamentais

comprometidos com os interesses e a causa indígena se faz necessário para o

assessoramento e esclarecimento de toda a comunidade sob os riscos e os

benefícios que possam advir com o desenvolvimento da pesquisa. O sistema de

controle e fiscalização, ou mesmo acompanhamento das pesquisas que envolvem o

saber tradicional indígena e os elementos do meio ambiente são carecedores de um

olhar mais próximo.

E a questão se torna mais delicada, pois ao final da redação do referido artigo

o mesmo dispõe que a repartição se dará conforme regulamentação e a legislação

pertinente. Mas se a regulamentação e a legislação brasileira é a MP, o que dizer

dessa afirmação? A lei tem como objeto delimitar as questões de exploração do

conhecimento tradicional relacionado à biodiversidade brasileira, e imputa a uma

outra norma a regulamentação.

Há um particular na divisão de benefícios na qual a União chama para si uma

parte desses “lucros” quando estabelece que nos Contratos de Utilização do

Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, será assegurada, no que

couber, a participação do ente governamental. Questionamentos surgem ao se

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perquirir qual e em quais circunstâncias “cabe” a União ser parte recebedora dos

dividendos, e como resposta surge, mais uma vez ,conforme o regulamento.

Como forma de benefícios decorrentes da exploração econômica de produto

ou processo, a MP elenca um rol de repartições que não é taxativo, pode-se ofertar

benefícios diversos dos estabelecidos, sendo esses:

I - divisão de lucros; II - pagamento de royalties; III - acesso e transferência de tecnologias; IV - licenciamento, livre de ônus, de produtos e processos; V - capacitação de recursos humanos.

Além de não deixar claro o que vem a ser justo e eqüitativo, a MP traz outra

questão controversa na esfera de estruturação política, social e cultural das

comunidades indígenas que estão sendo acessadas quanto ao disposto como

benéficos, que é: quem será o beneficiado? O informante? A comunidade

informante? E se o conhecimento acessado em determinada aldeia for de domínio

comum de outras? E se além de outras aldeias, outras etnias possuírem a mesma

prática acessada? Partindo do raciocínio que a lei de patentes só reconhece o saber

individual, como fica essa situação sendo que o saber é coletivo? Com certeza

essas são perguntas que não possuem respostas claras e objetivas, mas a busca

por uma solução “justa” vem sendo perseguida.

O que se observa é que os benefícios são destinados à comunidade que

informou e favoreceu o acesso, o que, a nosso ver, gera certa animosidade entre as

demais aldeias da mesma etnia, já que o saber é coletivo. E situações geradoras de

conflitos devem ser evitadas, para que maiores transtornos não venham a surgir.

Contudo, a MP expressa uma outra lógica.

A MP, no art. 26, estabelece que no caso de acesso realizado em desacordo

com as disposições, o infrator está sujeito ao pagamento de indenização

correspondente a, no mínimo, vinte por cento do faturamento bruto obtido na

comercialização de produto ou de royalties obtidos de terceiros pelo infrator, em

decorrência de licenciamento de produto ou processo ou do uso da tecnologia,

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protegidos ou não por propriedade intelectual, sem prejuízo das sanções

administrativas e penais cabíveis.

O ordenamento no art. 28 enuncia que o pesquisador interessado em

desenvolver pesquisa na área de saber tradicional associado à biodiversidade,

encontra as cláusulas essenciais que devem conter no Contrato de Utilização do

Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios:

I - objeto, seus elementos, quantificação da amostra e uso pretendido; II - prazo de duração; III - forma de repartição justa e eqüitativa de benefícios e, quando for o caso, acesso à tecnologia e transferência de tecnologia; IV - direitos e responsabilidades das partes; V - direito de propriedade intelectual; VI - rescisão; VII - penalidades; VIII - foro no Brasil.

O registro dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de

Repartição de Benefícios é de competência do Conselho de Gestão, e a eficácia do

mesmo só se implementará um ano após a anuência do Conselho quanto ao teor do

contrato. E qualquer contrato que contrarie o disposto na MP será nulo de pleno

direito, não gerando qualquer efeito jurídico.

O Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de

Benefícios deve indicar e qualificar com clareza as partes contratantes. Tendo em

um pólo do contrato o proprietário da área pública ou privada, ou o representante da

comunidade indígena e do órgão indigenista oficial, ou o representante da

comunidade local e, no outro pólo, a instituição nacional autorizada a efetuar o

acesso e a instituição destinatária.

A MP ainda traz um rol de sanções de caráter administrativo, que serão

aplicadas aos que incorrerem na violação dos dispositivos legais. As sanções

previstas são: advertência; multa; apreensão das amostras de componentes do

patrimônio genético e dos instrumentos utilizados na coleta ou no processamento ou

dos produtos obtidos a partir de informação sobre conhecimento tradicional

associado; apreensão dos produtos derivados de amostra de componente do

patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado; suspensão da venda

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do produto derivado de amostra de componente do patrimônio genético ou do

conhecimento tradicional associado e sua apreensão; embargo da

atividade; interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou

empreendimento; suspensão de registro, patente, licença ou autorização;

cancelamento de registro, patente, licença ou autorização; perda ou restrição de

incentivo e benefício fiscal concedidos pelo governo; perda ou suspensão da

participação em linha de financiamento em estabelecimento oficial de

crédito; intervenção no estabelecimento; proibição de contratar com a Administração

Pública, por período de até cinco anos. As sanções estabelecidas pela MP serão

aplicadas na forma processual, sem prejuízo das sanções civis ou penais cabíveis.

O Decreto nº 5.459/2005 manteve as mesmas sanções.

No que cinge a aplicação da multa, sendo o infrator pessoa física será

arbitrada pela autoridade competente, de acordo com a gravidade da infração e na

forma do regulamento (regulamentação cabe ao Conselho de Gestão do Patrimônio

Genético), podendo variar de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil

reais). Sendo a infração cometida por pessoa jurídica, ou com seu concurso, a multa

será de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de

reais), de acordo com a gravidade da infração. Sendo o infrator reincidente a multa

será aplicada em dobro.

Foram ratificados os valores a serem cobrados na aplicação de multa pelo

Decreto nº 5.459/2005. O que traz de inovador é a redação do art. 14 que prevê a

forma de repartição dos valores arrecadados em pagamento das multas, sendo que

se a infração for cometida em área sob jurisdição do Comando da Marinha

cinqüenta por cento do valor será destinado ao Fundo Naval e, o restante, repartido

igualmente entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico,

regulado pela Lei no 8.172, de 18 de janeiro de 1991, e o Fundo Nacional de Meio

Ambiente, criado pela Lei no 7.797, de 10 de julho de 1989. E nos demais casos de

infração os valores arrecadados serão repartidos, igualmente, entre o Fundo

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o Fundo Nacional do Meio

Ambiente.

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Os recursos auferidos com a aplicação de multas deverão ser utilizados

exclusivamente na conservação da diversidade biológica, incluindo a recuperação,

criação e manutenção de bancos depositários, o fomento à pesquisa científica, o

desenvolvimento tecnológico associado ao patrimônio genético e a capacitação de

recursos humanos associados ao desenvolvimento das atividades relacionadas ao

uso e à conservação do patrimônio genético.

O § 2º do art. 14 estabelece que o uso apropriado do recurso para a

conservação da diversidade biológica é a aplicação do Fundo Naval na aquisição,

operação, manutenção e conservação pelo Comando da Marinha de meios

utilizados na atividade de fiscalização de condutas e atividades lesivas ao meio

ambiente, dentre elas as lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento

tradicional associado.

Do art. 15 ao 19 o Decreto 5.459 disciplina as infrações contra o patrimônio

genético, e do art. 20 ao 24 as infrações específicas ao conhecimento tradicional

associado. Vamos nos ater a esse segundo rol.

O art. 20 estabelece ser infração o acesso ao conhecimento tradicional

associado para fins de pesquisa científica sem a autorização do órgão competente

ou em desacordo com a obtida, prevendo a aplicação de multa que varia entre R$

20.000,00 (vinte mil reais) e R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), quando se tratar

de pessoa jurídica, e multa R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil

reais), quando se tratar de pessoa física.

Para acessar o conhecimento tradicional associado para fins de

bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico sem a autorização do órgão

competente ou em desacordo com a obtida, o art 21 prevê uma multa mínima de R$

50.000,00 (cinqüenta mil reais) e máxima de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de

reais), quando se tratar de pessoa jurídica, e quando se tratar de pessoa física a

multa será de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e a R$ 100.000,00 (cem mil reais), sendo

que, a pena prevista deverá ser aumentada de um terço caso haja reivindicação de

direito de propriedade industrial de qualquer natureza relacionado a produto ou

processo obtido a partir do acesso ilícito junto a órgão nacional ou estrangeiro

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competente, e será aumentada de metade se houver exploração econômica de

produto ou processo obtido a partir de acesso ilícito ao conhecimento tradicional

associado.

Ao divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou informações que integram ou

constituem conhecimento tradicional associado, sem autorização do órgão

competente ou em desacordo com a autorização obtida, quando exigida, o infrator

poderá ser multado em no mínimo de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e no máximo de

R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), quando se tratar de pessoa jurídica, e multa

mínima de R$ 1.000,00 (mil reais) e máxima de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais),

quando se tratar de pessoa física.

O indivíduo que omitir a origem de conhecimento tradicional associado em

publicação, registro, inventário, utilização, exploração, transmissão ou qualquer

forma de divulgação em que este conhecimento seja direta ou indiretamente

mencionado sofrerá com a aplicação de uma multa no valor de R$ 10.000,00 (dez

mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quando se tratar de pessoa jurídica,

e sendo pessoa física o infrator a multa terá piso de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e

teto de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

E por último, o art. 24 prevê que a omissão ao Poder Público de informação

essencial sobre atividade de acesso ao conhecimento tradicional associado, por

ocasião de auditoria, fiscalização ou requerimento de autorização de acesso ou

remessa o infrator será apenado com multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais)

chegando ao máximo de R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa

jurídica, e multa de no mínimo de R$ 200,00 (duzentos reais) e máximo de R$

5.000,00 (cinco mil reais), quando se tratar de pessoa física.

O Decreto 5.459 prevê que o processo administrativo para a apuração da

infração contra o patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado será

de atribuição da autoridade competente, mediante a lavratura do auto de infração e

respectivos termos, assegurado o direito a ampla defesa e ao contraditório.E , que

qualquer pessoa poderá dirigir representação às autoridades relacionadas no art.

4o, que são o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

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Renováveis - IBAMA; e o Comando da Marinha, do Ministério da Defesa. Todavia, o

agente público do órgão e entidade acima mencionados que tiver conhecimento de

infração prevista no Decreto é obrigado a promover a sua apuração imediata, sob

pena de responsabilização.

Lembrando que cada uma dessas entidades age no âmbito de suas

competências, sendo que o âmbito de atuação do Comando da Marinha os das

águas jurisdicionais brasileiras e da plataforma continental brasileira, em

coordenação com os órgãos ambientais, quando se fizer necessário, por meio de

instrumentos de cooperação.

A atividade de apuração dos atos infracionais poderá sofrer descentralização.

Para tal os órgãos ambientais estaduais e municipais integrantes do Sistema

Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, poderão firmar convênio com o IBAMA e

com o Comando da Marinha.

O decreto estabelece prazos para a apuração das infrações no art. 6o. e

incisos, sendo de vinte dias para o autuado oferecer defesa ou impugnação contra o

auto de infração, contados da data da ciência da autuação; trinta dias para a

autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da ciência da

autuação, apresentada ou não a defesa ou a impugnação; vinte dias para o autuado

recorrer da decisão condenatória à instância hierarquicamente superior ao órgão

autuante, contados da ciência da decisão de primeira instância; vinte dias para o

autuado recorrer da decisão condenatória de segunda instância ao Conselho de

Gestão do Patrimônio Genético; e cinco dias para o pagamento de multa, contados

da data do recebimento da notificação.

O teor do auto de infração está previsto no art. 7o e requer que o agente

autuante, ao lavrar indique as sanções aplicáveis à conduta, bem como a gravidade

dos fatos, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para o

patrimônio genético, o conhecimento tradicional associado, a saúde pública ou para

o meio ambiente; os antecedentes do autuado, quanto ao cumprimento da legislação

de proteção ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado; e a

situação econômica do autuado.

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3. Do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético na Medida Provisória.

A MP criou o Conselho de Patrimônio Genético que tem seu âmbito de

existência no Ministério do Meio Ambiente. Possui o conselho caráter deliberativo e

normativo, composto de representantes de órgãos e de entidades da Administração

Pública Federal. O presidente do Conselho de Gestão é um representante do

Ministério do Meio Ambiente. Sendo de sua competência firmar, em nome da União,

Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.

São de competência do Conselho: coordenar a implementação de políticas para

a gestão do patrimônio genético; estabelecer normas técnicas; critérios para as

autorizações de acesso e de remessa; diretrizes para elaboração do Contrato de

Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios; bem como

formular os critérios para a criação de base de dados para o registro de informação

sobre conhecimento tradicional associado.

Compete, ainda, acompanhar, em articulação com órgãos federais, ou

mediante convênio com outras instituições, as atividades de acesso e de remessa de

amostra de componente do patrimônio genético e de acesso ao conhecimento

tradicional associado.

Seu caráter deliberativo, conforme art. 11, IV, se atem a função de estabelecer

os requisitos a serem cumpridos pelas instituições interessadas ao patrimônio

genético brasileiro, para a emissão de:

“a) autorização de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético, mediante anuência prévia de seu titular; b)autorização de acesso a conhecimento tradicional associado, mediante anuência prévia de seu titular; (...) d) autorização especial de acesso a conhecimento tradicional associado à instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e à universidade nacional, pública ou privada, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos, nos termos do regulamento; e) credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa e desenvolvimento ou de instituição pública federal de gestão para autorizar outra instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins;

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1. acesso a amostra de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado; 2. a remessa de amostra de componente do patrimônio genético para instituição nacional, pública ou privada, ou para instituição sediada no exterior; f) credenciamento de instituição pública nacional para ser fiel depositária de amostra de componente do patrimônio genético; (...) V - dar anuência aos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios quanto ao atendimento dos requisitos previstos nesta Medida Provisória e no seu regulamento; VI - promover debates e consultas públicas sobre os temas de que trata esta Medida Provisória; VII - funcionar como instância superior de recurso em relação a decisão de instituição credenciada e dos atos decorrentes da aplicação desta Medida Provisória; (...) § 1o Das decisões do Conselho de Gestão caberá recurso ao plenário, na forma do regulamento. § 2o O Conselho de Gestão poderá organizar-se em câmaras temáticas, para subsidiar decisões do plenário.”

No âmbito do Ministério do Meio Ambiente foi criada uma unidade executora,

a Secretaria Executiva do Conselho de Gestão para o desenvolvimento das

funções: implementar as deliberações do Conselho de Gestão; dar suporte às

instituições credenciadas; emitir, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão

e em seu nome, autorização de Acesso e de Remessa, acompanhar, em articulação

com os demais órgãos federais, as atividades de acesso e de remessa de amostra

de componente do patrimônio genético e de acesso ao conhecimento tradicional

associado; credenciar, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão, em seu

nome instituição pública nacional de pesquisa e desenvolvimento ou instituição

pública federal de gestão para autorizar instituição nacional, pública ou privada;

registrar os Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de

Benefícios, após anuência do Conselho de Gestão.

Tem atribuição de criar e manter: base de dados para registro de informações

obtidas durante a coleta de amostra de componente do patrimônio genético; base de

dados relativos às Autorizações de Acesso e de Remessa, aos Termos de

Transferência de Material e aos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de

Repartição de Benefícios; divulgar, periodicamente, lista das Autorizações de

Acesso e de Remessa, dos Termos de Transferência de Material e dos Contratos de

Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.

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3.1. Análise dos Decretos regulamentadores do Conse lho de Gestão do

Patrimônio Genético.

Para a estruturação do Conselho de Patrimônio Genético, o governo Federal

editou, até a presente data, três decretos, sendo eles: o 3.945 de 28.09.2001, o

4.946 de 31.12.03 e, o último, o 5.439 de 03.05.2005.

O decreto n.º3.945 de 2001 teve a função de definir a composição do

Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, bem como de estabelecer as normas

para o seu funcionamento, mediante a regulamentação dos arts. 10, 11, 12, 14, 15,

16, 18 e 19 da Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de agosto de 2001.

A MP estabeleceu as competências e atribuições do Conselho de Gestão do

Patrimônio Genético (CGEN) que é composto por um representante e respectivo

suplente dos seguintes órgãos e entidades da Administração Pública Federal, que

detêm competência sobre as matérias da Medida Provisória no 2.186-16, de

2001: Ministério do Meio Ambiente; Ministério da Ciência e Tecnologia; Ministério da

Saúde; Ministério da Justiça; Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento; Ministério da Defesa; Ministério da Cultura; Ministério das Relações

Exteriores; Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA; Instituto

de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro; Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq; Instituto Nacional de Pesquisas

da Amazônia - INPA; Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária -

Embrapa; Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz; Instituto Evandro Chagas; Fundação

Nacional do Índio - Funai; Instituto Nacional de Propriedade Industrial -

INPI; Fundação Cultural Palmares.

Com o advento do Decreto nº 5.439/2005 a composição do Conselho de

Gestão do Patrimônio Genético foi alterada passando a ser composto por um

representante e dois suplentes. Os órgãos que o compõe continuam a ser os

mesmos.

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A presidência do Conselho de Gestão, tem um representante titular do

Ministério do Meio Ambiente e, no seu impedimento ou afastamento, o respectivo

suplente. Os membros que compõe o Conselho de Gestão, titulares e suplentes, são

indicados pelos representantes legais dos Ministérios e das entidades da

Administração Pública Federal para compor o Conselho. Não há remuneração no

exercício das funções de membros do Conselho de Gestão, pois é considerado

serviço público relevante.

As reuniões do Conselho de Gestão realizar-se-á, ordinariamente, uma vez

por mês e, extraordinariamente, a qualquer momento, mediante convocação de seu

Presidente, ou da maioria absoluta de seus membros, fazendo-se necessário para a

convocação um documento escrito que venha acompanhado de pauta justificada.

Quanto a matéria que pautar a reunião for de temática específica fica a

critério do Presidente do Conselho de Gestão convidar especialistas para participar

de reunião plenária ou de câmara temática como forma de subsidiar tomada de

decisão.

O art. 3º do decreto estabelece as competências do Conselho em

conformidade com a MP, sendo sua natureza deliberativa e normativa. Suas ações

são assim previstas:

“I - coordenar a implementação de políticas para a gestão do patrimônio genético; II - estabelecer: a) normas técnicas, pertinentes à gestão do patrimônio genético; b) critérios para as autorizações de acesso e de remessa; c) diretrizes para elaboração de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios; d) critérios para a criação de base de dados para o registro de informação sobre conhecimento tradicional associado; III - acompanhar, em articulação com órgãos federais, ou mediante convênio com outras instituições, as atividades de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado; IV- deliberar sobre: a) autorização de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético, mediante anuência prévia de seu titular; b) autorização de acesso a conhecimento tradicional associado, mediante anuência prévia de seu titular; c) autorização especial de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos, a instituição pública ou

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privada nacional que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e a universidade nacional, pública ou privada; d) autorização especial de acesso a conhecimento tradicional associado, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos, a instituição pública ou privada nacional que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e a universidade nacional, pública ou privada; e) credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa e desenvolvimento, ou de instituição pública federal de gestão, para autorizar outra instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, a acessar amostra de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado, e bem assim a remeter amostra de componente do patrimônio genético para instituição nacional, pública ou privada, ou para instituição sediada no exterior; f) credenciamento de instituição pública nacional para ser fiel depositária de amostra de componente do patrimônio genético; g) descredenciamento de instituições pelo descumprimento das disposições da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, e deste Decreto; V - dar anuência aos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios quanto ao atendimento dos requisitos previstos na Medida Provisória no 2.186-16, de 2001; VI - promover debates e consultas públicas sobre os temas de que trata a Medida Provisória no 2.186-16, de 2001; VII - funcionar como instância superior de recurso em relação a decisão de instituição credenciada e dos atos decorrentes da aplicação da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001; VIII - aprovar seu regimento interno. Parágrafo único. O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético exercerá sua competência segundo os dispositivos da Convenção sobre Diversidade Biológica, da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, e deste Decreto.”

O Decreto nº 5.439/2005 alterou a redação do art 4º que dispõe quanto a

quantidade mínima de membros a compor a reunião do Plenário do Conselho de

Gestão, necessária a presença de no mínimo, dez Conselheiros, e suas

deliberações serão tomadas pela maioria absoluta dos votos dos Conselheiros

presentes. O parágrafo único manteve sua redação anterior, ou seja, se ao final as

opiniões formarem resultado igualitário o voto de Minerva, ou desempate, é de

competência do presidente.

A inconformação no que toca as deliberações do Conselho dá ao requerente a

possibilidade de apresentar recurso para o Plenário, cuja decisão será tomada por

dois terços de seus membros. Tendo a deliberação do Plenário caráter irrecorrível.

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O art. 7o do Decreto 3.945 traz a criação e atribuição da Secretaria-Executiva

do Conselho de Gestão que foi criada pela MP no âmbito do Ministério do Meio

Ambiente.

O decreto 4.946 de 31 de dezembro de 2003 alterou, revogou e acrescentou

alguns dispositivos no Decreto 3.945 sendo um dos casos, o artº 8º que teve a

redação do seu “caput” do inciso I, II, V, VI, alterada, sendo o §2º uma renumeração

do parágrafo único, sofrendo alteração dos incisos I, II, III, IV, V do referido

parágrafo. E o acréscimo das alíneas a e b do inciso I, o inciso VIII, IX, X, o § 1º e

3º.

Numa análise comparativa da redação do artigo 8º e 9º no decreto de 2001

para a redação final com o implemento do decreto de 2003, observamos que

alterações significativas foram feitas pelo legislador. A abordagem conferida pelo

decreto de 2003 demonstra um amadurecimento do assunto.

O art. 9º sofreu alterações mais bruscas que o 8º. Além de ter o seu teor mais

esmiuçado passou a ter os artigos 9-A, 9-B e 9-C. O “caput” do art. 9 passou a ter

nova redação com o decreto de 2003, assim como o inciso I, II, III, IV, V, VI, o §1º,

inciso I, II, III, IV. Todas as demais disposições foram inclusões resultantes da

entrada em vigor do decreto 4.946/03.

O artigo 9º que trata da pesquisa científica sem potencial de uso econômico, a

instituição interessada em realizar acesso a componente do patrimônio genético

determina que cabe a instituição comprovar a sua constituição sob a égide das leis

brasileiras e o exercício de atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas

biológicas e afins. A qualificação técnica para o desempenho das atividades de

acesso e remessa de amostra de componente do patrimônio genético ou de acesso

ao conhecimento tradicional associado. No caso de manuseio de amostras deve

demonstrar que possui estrutura disponível para tal atividade.

Para o acesso e remessa do patrimônio genético necessário se faz obter o

termo de anuência prévia junto a comunidade a ser pesquisada nos termos do art.

16, §§ 8º e 9º, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001. A anuência prévia da

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comunidade indígena ou local envolvida deve, ainda, observar o disposto nos arts.

8º, § 1º, art. 9º, inciso II, e art. 11, inciso IV, alínea "B". Há que se ter um termo de

compromisso assinado pelo representante legal da instituição, comprometendo-se a

acessar patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado apenas para fins

de pesquisa científica sem potencial de uso econômico.

O artigo refere-se a necessidade de se apresentar um portifólio, devendo este

trazer a descrição sumária das atividades a serem desenvolvidas, bem como os

projetos resumidos, que devem conter as seguintes informações:

I - objetivos, material, métodos, uso pretendido e destino da amostra ou da informação a ser acessada; II - área de abrangência das atividades de campo e, quando se tratar de acesso a conhecimento tradicional associado, identificação das comunidades indígenas ou locais envolvidas; III - indicação das fontes de financiamento; IV - identificação da equipe e curriculum vitae dos pesquisadores envolvidos, caso não estejam disponíveis na Plataforma Lattes, mantida pelo CNPq.

A apresentação de relatórios mensais ao Conselho ou a Instituição credenciada

a que está vinculada à pesquisa se faz necessária nos termos do art 14 da MP,

sendo que a periodicidade dos relatórios está prevista no cronograma de execução

que ficou fixado na autorização, sendo que o prazo máximo é de 12 meses. O

relatório deve conter:

“I - informações detalhadas sobre o andamento dos projetos e atividades integrantes do portfólio; II - indicação das áreas onde foram realizadas as coletas, por meio de coordenadas geográficas; III - listagem quantitativa e qualitativa das espécies ou morfotipos coletados em cada área; IV - cópia dos registros das informações relativas ao conhecimento tradicional associado; V - comprovação do depósito das sub-amostras em instituição fiel depositária credenciada pelo Conselho de Gestão; VI - apresentação dos Termos de Transferência de Material; VII - indicação das fontes de financiamento, dos respectivos montantes e das responsabilidades e direitos de cada parte; e VIII - resultados preliminares.“

A inserção de novas atividades ou projetos no portifólio por parte da instituição

beneficiada pela autorização é possível durante a vigência da autorização, desde

que comunique a alteração realizada ao Conselho de Gestão ou à instituição

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credenciada na forma do art. 14 da M P, no prazo de sessenta dias a partir do início

da nova atividade ou projeto.

O art. 9-A trata da relação de acesso a patrimônio genético com finalidade de

constituir e integrar coleções ex situ que visem as atividades com potencial de uso

econômico, como a bioprospecção ou o desenvolvimento tecnológico. Para tal a

instituição interessada deve ao ingressar pedido ao Conselho preencher os mesmos

requisitos do art. 9º

No que diz respeito ao relatório que deve ser apresentado, esse deve indicar

o andamento do projeto trazendo informações como: indicação das áreas onde

foram realizadas as coletas por meio de coordenadas geográficas, bem como dos

respectivos proprietários; listagem quantitativa e qualitativa das espécies ou

morfotipos coletados em cada área; comprovação do depósito das sub-amostras em

instituição fiel depositária credenciada pelo Conselho de Gestão; apresentação dos

termos de transferência de material assinados; indicação das fontes de

financiamento, dos respectivos montantes e das responsabilidades e direitos de

cada parte; resultados preliminares.

O art. 9-B. trata das autorizações especiais de que trata de acesso e de

remessa de amostra de componente do patrimônio genético à instituição nacional,

pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas

biológicas e afins, e à universidade nacional, pública ou privada, com prazo de

duração de até dois anos, renovável por iguais períodos e da autorização especial

de acesso a conhecimento tradicional associado à instituição nacional, pública ou

privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e

afins, e à universidade nacional, pública ou privada, com prazo de duração de até

dois anos, renovável por iguais períodos. Dispondo que para tais permissões não se

aplicam às atividades de acesso ao patrimônio genético com potencial de uso

econômico, como a bioprospecção ou o desenvolvimento tecnológico, salvo se

preencherem o disposto no art. 9-A.

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Para o art. 9-C.o pedido de acesso e remessa pode ser isolada ou

conjuntamente, de acordo com o requerimento formulado pela instituição interessada

e com os termos da autorização concedida pelo Conselho ou pela Instituição

credenciada, para querer autorização deve se atentar ao previsto os arts. 8º, 9º e 9-

A.

Para que seja realizado o credenciamento de instituição pública nacional de

pesquisa e desenvolvimento, de instituição pública federal de gestão para autorizar

outra instituição nacional - pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e

desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, no que concerne ao acesso e

remessa de amostra de componente do patrimônio genético e para acessar

conhecimento tradicional associado nos termo da MP, deve a instituição remeter

documentação solicitando o credenciamento, nos termo do art. 10 do decreto. E o

credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa e desenvolvimento como

fiel depositária, conforme dispõe o art. 11. O art. 12 foi revogado com o decreto

4.946/03. E o art 13 dispõe que o Regimento Interno do CGEN disporá, pelo menos,

sobre a forma de sua atuação, os meios de registro das suas deliberações e o

arquivamento de seus atos.

3.2. Resoluções pertinentes ao conhecimento tradici onal editadas pelo CGEN.

Como já demonstrado anteriormente, uma das funções do Conselho de

Patrimônio Genético é disciplinar as formas de acesso à biodiversidade brasileira.

Sendo o objeto de nosso trabalho o conhecimento tradicional acessado em relação

à biodiversidade, iremos realizar estudo pertinente às resoluções do CGEN que

disciplinam o assunto.

3.2.1. Resolução nº 6 de 26.06.2003.

A resolução nº 6 tem como finalidade estabelecer diretrizes para a obtenção

de anuência prévia para o acesso ao conhecimento tradicional associado ao

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patrimônio genético com potencial ou perspectiva de uso comercial. Sua publicação

no Diário Oficial da União foi no dia 23.07.03, na seção 1 página 65 e 6637

Os textos constitucionais que respaldam a Resolução encontram-se nos

artigos 215, 216 e 225 assim como no art. 68 do Ato das Disposições Transitórias,

além do disposto na Medida Provisória 2.186-16/ 01. Para que o leitor possa

entender a função e a necessidade da resolução, iremos transcrever o texto

constitucional, sendo que todo o ordenamento jurídico deve estar em consonância

com a Carta Magna. Via de regra, a Constituição Federal estabelece diretrizes para

que o legislador discipline o assunto, surgi, então uma lei, depois um decreto, que

vem a regulamentar a lei.

“ Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. § 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. § 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. § 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. § 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. § 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e

37 Vide anexo nº 08

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projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I - despesas com pessoal e encargos sociais; II - serviço da dívida; III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados. (....) Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.”

O art. 1º da resolução reincidiu mais uma vez na problemática observada

anteriormente na MP que é sobre conhecimento tradicional e insere outros objetos

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normativos. Esta preconiza que ao disciplinar o acesso esse afeta todas as

instituições nacionais interessadas em acessar saber tradicional associado ao

patrimônio genético, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva.

Esses três são objetos díspares que necessitam de ordenamentos jurídicos que se

adeqüem as particularidades que possuem.

São requisitos para o processo de obtenção de anuência sem prejuízos de

outras exigências: o esclarecimento à comunidade que será informante, em

linguagem acessível sobre o objeto da pesquisa, a metodologia que será utilizada, o

valor orçamentário do projeto, a forma como vai ser usado o conhecimento

tradicional acessado, a área de abrangência da pesquisa; e quais as comunidades

que serão envolvidas para a realização. Há que se deixar evidente que toda vez que

solicitado ao pesquisador pela comunidade, esse deve fornecer as informações no

idioma nativo.

Além desses requisitos deve o pesquisador respeitar a organização social que

está sendo estudada, bem como a representação política tradicional. Esclarecendo a

comunidade sobre os impactos sociais, culturais e ambientais resultantes do

desenvolvimento do processo.

Como essa resolução se estabelece em razão do acesso ao conhecimento

tradicional ao patrimônio genético com potencial ou perspectiva de uso comercial,

não pode ficar de fora os termos do contrato de repartição de benefício que deverá

ser construído com a comunidade.

Para que o projeto tenha eficácia para o desenvolvimento da pesquisa, o

interessado deve apresentar ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético laudo

antropológico independente, que se destina a apresentar relatório do

acompanhamento do processo de anuência prévia. Para que esse relatório seja

válido determina a resolução que o mesmo deve ter no mínimo as seguintes

informações: indicação das formas de organização social e de representação política

da comunidade; avaliação do grau de esclarecimento da comunidade sobre o

conteúdo da proposta e suas conseqüências; avaliação dos impactos sócio-culturais

decorrentes do projeto; descrição detalhada do procedimento utilizado para

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obtenção da anuência; avaliação do grau de respeito do processo de obtenção. (art.

4º) Obstante o pesquisador, deve estar em consonância com o que estabelece os

artigos 8º e 9º do Decreto 3.945/01.

Dispositivo bastante peculiar na resolução, o art. 6º, determina que mesmo

não sendo previsto o acesso ao patrimônio genético ou a remessa de amostra, como

no caso de pesquisa que tem como objetivo levantar as forma de manipulação do

patrimônio genético, deverá o requerente coletar junto à comunidade envolvida

amostra do componente do patrimônio genético ao qual o conhecimento esteja

associado, mesmo que esse não seja o fim a que se destina a pesquisa.

Devendo ser fiel depositário da integralidade das amostras instituição

credenciada pelo Conselho, que poderá ser indicada pelo requerente no ato da

solicitação de acesso. Cada acesso pretendido gera ao requerente novo processo

de anuência, não tendo efeito o pedido anterior, caso haja.

3.2.2. Resolução nº 9 de 18.12.2003

Na resolução nº 9 tem o Conselho o fim de disciplinar o processo de obtenção

de anuência prévia junto às comunidades indígenas e locais, aos pesquisadores que

desejem acessar componente do patrimônio genético para fins de pesquisa que não

tenham potencial ou perspectiva de uso comercial. No Diário Oficial da União sua

publicação ocorreu em 14.01.04, na seção 1, páginas 71 e 72.38

Essa anuência nos termo do art. 1º será para acessar patrimônio genético

situado em terras indígenas; áreas sob posse ou propriedade da comunidade local e

unidades de conservação da natureza de domínio público onde haja comunidades

locais residentes cuja permanência seja permitida por lei. As previsões normativas,

quanto aos requisitos para a obtenção do termo de anuência prévia dessa

resolução, seguem os moldes da resolução nº6 que acabamos de discorrer.

38 vide anexo nº 09

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Na questão indígena essa se diferencia da primeira quanto ao laudo

antropológico que é substituído pelos procedimentos administrativos estabelecidos

pelo órgão indigenista oficial no que concerne ao ingresso em terra indígena.

Ela se diferencia quando vem a adotar diretrizes que estabelecem o acesso

ao patrimônio Genético em Unidades de Conservação em área de domínio público

em que haja comunidades locais residentes definindo que deverá o órgão ambiental

competente emitir o termo de anuência prévia, sendo ouvidas as comunidades

envolvidas através do conselho consultivo ou deliberativo, devendo o termo

preencher os requisitos mínimos estabelecidos na resolução.

Como regra todo termo de anuência prévia obtido deve ser apresentado ao

Conselho de gestão do patrimônio genético. Não podendo esquecer que o termo

deve conter as condições de acesso estabelecidas entre as partes.

Há a necessidade de se apresentar um relatório que trace o resultado da

consulta realizada junto às comunidades envolvidas no projeto conjuntamente com o

termo de anuência prévia.

No anexo da resolução há um questionário que tem como finalidade avaliar o

cumprimento das diretrizes estabelecidas, sendo as questões a serem respondidas:

1. Que mecanismos foram adotados a fim de esclarecer a comunidade anuente sobre a pesquisa? 2. Quais pessoas, organizações sociais ou políticas foram consultadas? De que foram consultadas e o que representam? 3. Quais possíveis impactos sociais, ambientais e culturais decorrentes da pesquisa forma informados à comunidade anuente? 4. Quais são os direitos e as responsabilidades das comunidades anuente e dos pesquisadores na execução do projeto? 5. Foram estabelecidas, em conjunto com a comunidade, modalidade e formas de contrapartida derivadas da execução do projeto? Quais?

3.2.3. Resolução nº 11 de 25.03.2004

A resolução nº 11 publicada pelo CGEN em 25 de março de 2004 tem como

objetivo estabelecer diretrizes para a elaboração e análise dos contratos de

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utilização do patrimônio genético e de repartição de benefícios que envolvam acesso

ao componente do patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado

providos por comunidades indígenas ou locais. Tendo sido publicada no Diário

Oficial da União em 05.04.04, seção 1, página 55.39

Para que haja validade e eficácia nos termos constantes do contrato de

utilização do patrimônio genético e de repartição de benefícios, deve o contrato

obedecer aos critérios estabelecidos pelo Conselho como forma de aferição de

justiça e equidade.

No que cinge aos prazos (lembrando que o uso do verbo dever pelos

normatizadores impõe aos que se valem da norma uma obrigação) estes deverão

ser especificados demonstrando os períodos previstos para o acesso, a

bioprospecção, o desenvolvimento do produto ou o processo e a exploração

comercial, sempre que tais etapas estiverem contempladas no projeto. Via de regra,

o prazo para o recebimento dos benefícios se dará a partir do início da exploração

econômica do produto ou processo desenvolvido, salvo se as partes dispuserem em

contrário.

No contrato deve guardar coerência com a anuência obtida, sendo o benefício

pecuniário calculado em percentual. Deve se estabelecer a base e a forma do

cálculo do pagamento, se será sobre a receita ou sobre o lucro decorrente do

projeto, sendo esse bruto ou líquido. Se a incidência for sobre o liquido especificar

as deduções a serem efetuadas. As formas de repartição de benefícios devem estar

claras e expressas no contrato podendo ser as previstas no art. 25 da MP, ou se as

partes consentirem determinar outras.

Na questão da repartição dos benefícios há no art. 2º, VI, “D” a determinação

de que as partes deverão prever equilibro entre os benefícios de curto, médio e

longo prazo, determinando o momento da execução de cada benefício. Tal

disposição tenta estabelecer um dos princípios básico do Direito, nas relações

contratuais, que é a equidade entre as prestações a serem ofertadas pelas

39 vide anexo nº 10

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contratantes, ou seja, uma harmonia entre o que é contratado e o valor a ser pago,

(no caso em estudo a informação acessada gerará para o receptor divisas

avantajadas com a comercialização de produtos fabricados a partir da biodiversidade

recolhida) assim, um pagamento único não seria condizente com o princípio da

eqüidade e justa repartição prevista pela MP.

As partes devem acordar quanto a cláusula de exclusividade, tendo essa

objeto e prazo determinado, devendo seguir critérios de razoabilidade, de acordo

com as especificidades de cada caso.

Quanto à instituição responsável pelo acesso, deverá essa se comprometer a

fornecer periodicamente relatório do andamento do projeto, bem como da

exploração do produto ou processo, ao que disponibiliza o componente do

patrimônio genético ou do conhecimento tradicional devendo a apresentação do

documento levar em conta as peculiaridades da comunidade, devendo ser em

linguagem acessível e, se solicitado pela comunidade, apresentar relatório no idioma

nativo.

O acompanhamento das expedições de coleta de amostras, bem como o

acompanhamento das atividades do projeto por parte dos provedores ou de terceiros

ou de indicados pela comunidade acessada, não pode ser bloqueada pela

instituição.

Fica a instituição proibida de transmitir a terceiros informações decorrentes da

pesquisa ou transferir direitos decorrentes do contrato de utilização do patrimônio

genético e de repartição de benefícios a terceiros sem prévia anuência do provedor

do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado. A única

possibilidade de tal ato se encontra na decorrência de uma imposição legal.

Há a previsão de que, cabendo, deve o contrato definir a titularidade de

propriedade intelectual ou outros direitos relacionados ao seu objeto, assim como os

deveres decorrentes destes direitos. E a questão de titularidade do conhecimento

que está sendo acessado, se torna mais complexa, visto as peculiaridades do

sistema sócio-cultural.

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Como todo contrato, deve ficar estabelecido de forma clara, as formas de

rescisão negocial, ressalvando que não poderá o deslinde do contrato prejudicar

direitos adquiridos. Deve, ainda, as partes fixarem as penalidades no caso de

descumprimento das cláusulas contratuais.

Quanto ao que a norma determina como foro de eleição que está previsto no

art.78 do Código Civil, a resolução é expressa ao impor às partes que as

controvérsias derivadas do contrato serão resolvidas no domicílio do provedor do

componente genético ou do conhecimento tradicional. Essa determinação perde sua

eficácia quando se verificar a auto-suficiência do informante de se defender em foro

diferente do seu, ficando ao alvitre das partes a escolha do foro.

Para a alteração do uso do componente genético acessado a instituição deve

requerer nova autorização prévia, que deverá estabelecer termo de aditivo ao

contrato de utilização de patrimônio genético e repartição de benefícios ou se for o

caso celebrar novo contrato

A exploração indevida de patrimônio genético dá aos provedores do saber ou

do patrimônio genético a capacidade de comunicar imediatamente o fato às

autoridades competentes a fim de que essas tomem as medidas cabíveis.

O art. 6º da resolução determina que casos omissos ou dúvidas de

interpretação da resolução serão submetidos ao Plenário do Conselho.

3.2.4. Resolução nº 12 de 25.03.2004

A resolução nº 12 tem como objetivo estabelecer diretrizes para a obtenção

de anuência prévia para acesso ao componente do patrimônio genético com

finalidade de bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico. Publicada no Diário

Oficial da União de 05.04.04 , na seção 1, página 56.40 Observamos que existe uma

similitude de tratamento na resolução 6 e 12. Ambas têm como objetivo traçar

40 vide anexo nº 11.

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diretrizes para a obtenção de anuência prévia para o acesso ao conhecimento

tradicional associado ao patrimônio genético com potencial ou perspectiva de uso

comercial.

Podemos observar que as duas têm como finalidade normatizar a

determinação do art. 16, § 9º, I da MP, trazem o mesmo objeto. A diferença que se

observa é que quanto ao teor Constitucional a resolução nº 12 se embasa também

no art 215, 216, 225, acrescentando o art. 231, sendo justamente, esse agregar do

texto constitucional que traz o acréscimo.

“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. § 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.”

A disposição do art. 1º da resolução 6 tem como base disciplinar a obtenção

de anuência prévia das instituições nacionais para acesso a conhecimento

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tradicional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva. A resolução

12 no art. 1º define que sua finalidade é orientar o processo de obtenção de

anuência para instituições nacionais interessadas em acessar componente genético

em terras indígenas, áreas protegidas, áreas privadas, áreas indispensáveis à

segurança nacional e mar territorial brasileiro, plataforma continental e zona

econômica exclusiva. O que a resolução 12 faz é ampliar sua esfera de atuação.

O processo para obtenção da anuência prévia segue os mesmos trâmites da

resolução 6, inclusive no que concerne ao laudo antropológico. Quando a

comunidade envolvida for indígena obrigatório se faz que se preencham os

requisitos administrativos necessários para o ingresso as terras indígenas, conforme

dispõe o órgão oficial indigenista.

O art. 4º da resolução 12 repete o teor do que dispõem a resolução 9 quanto

ao procedimento de obtenção de anuência prévia nas unidades de conservação da

natureza de domínio público onde haja comunidades locais residentes cuja

permanência seja permitida por lei, ou seja, será a anuência prévia emitida pelo

órgão ambiental competente, ouvidas as comunidades envolvidas.

Sendo a área de incidência unidade de conservação, mas não incidir sobre

direitos de propriedade ou posse de comunidades locais sobre as terras, a anuência

prévia será obtida junto aos detentores da área.

Como em todas as outras resoluções analisadas o termo de anuência prévia

firmado pelos provedores do componente do patrimônio genético deverá ser

apresentado ao CGEN, devendo o mesmo respeitar os preceitos do art. 8º do

decreto 3.945/01, alterado pelo decreto 4.946/03.

No caso de novo acesso esse segue os moldes das outras resoluções, novo

pedido de anuência prévia deve ser realizado. Os casos omissos ou dúvidas de

interpretação que surjam o plenário do CGEN terá competência para dirimir.

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4.0. Conselho de ética em pesquisa.

Há ainda, que se refletir sobre o papel da Comissão Nacional de Ética em

Pesquisa- CONEP e a nova visão de desenvolvimento de pesquisas que envolvem

seres humanos.

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP, criada pela Resolução

CNS 196/96, de 10/10/9641, é uma instância colegiada com abrangência nacional, de

natureza consultiva, deliberativa, no âmbito da emissão de pareceres sobre

protocolos de pesquisas, normativa, nos termo das Resoluções do Conselho

Nacional de Saúde vinculada ao Conselho Nacional de Saúde – CNS.

Os Comitês de ética em pesquisa podem ser criados por toda instituição que

realize pesquisa envolvendo seres humanos, cabendo a essa sua organização.

Devendo seguir as disposições da Res. CNS 196/96 quanto à composição e suas

atribuições. O CEP deve ser registrado na Comissão Nacional de Ética em pesquisa

via pedido devidamente documentado, com formulário da relação dos membros e

41 O CONEP é uma instância superior, antes de chegar a apreciação desse órgão o projeto de pesquisa deve ser encaminhado ao Comitê de ética em pesquisa – CEP´s. A remessa ao CONEP só se faz necessária em alguns tipos de pesquisas, como no caso de estudos em áreas de povos indígenas, conforme dispõe a há a Resolução 304, de 09 de agosto de 2000. Após a aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa, com aprovação do projeto, esse é remetido para a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para analise e registro. Que somente, após a apreciação do CONEP e, conseqüente aprovação do mesmo, se faz possível o desenvolvimento da pesquisa. O projeto para ser submetido a avaliação ética do CEP e do CONEP deve trazer outras informações e documentos. Além da estrutura básica de um projeto de pesquisa – introdução, justificativa, objetivos, revisão de literatura, metodologia conclusão, cronograma de execução e referências, deve o projeto ter análise critica de riscos e benefícios, orçamento financeiro. E ser, anexado o termo de livre consentimento esclarecido que será apresentado aos indivíduos que farão parte da pesquisa, contendo título da pesquisa, universidade de desenvolve, professor orientador e nome e telefone de contato do pesquisador, trazer os objetivos da pesquisa, informando os riscos ou a ausência desses que a pesquisa venha a gerar, bem como os benefícios que se pode esperar E óbvio de que a pesquisadora manterá sigilo absoluto sobre as informações, assegurará o anonimato quando da publicação dos resultados da pesquisa, além de dar permissão ao indivíduo o direito desistir, em qualquer momento, sem que isto me traga qualquer prejuízo para a qualidade do atendimento que me é prestado. Devendo o pesquisado ao final ter espaço para assinatura de anuência na participação da pesquisa.Além do termo de livre consentimento esclarecido deve ter o documento denominado Processo de obtenção e registro do termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE, narra como será desenvolvimento da pesquisa, ex. comunidades tradicionais. O Processo deve trazer o objetivo do trabalho, a qualificação das partes envolvidas na pesquisa, o processo de obtenção de anuência, a metodologia que será aplicada, via de regra, esse processo é utilizado quando a comunidade pesquisada possui uma entidade que os represente, como o caso de associações. O processo é encaminhado a essa entidade para que manifeste sua anuência na pesquisa, todavia, a concordância da representante não exclui a autorização individual dos pesquisados. E como último documento a ser acostado ao projeto está o Protocolo de intenções que alem dos itens constantes no processo deve trazer o prazo em que será realizada a pesquisa. Importante se faz ressaltar que no que se refere a anuência deve se estabelecer as contra partidas que serão destinadas a comunidade ou de forma individual quando couber pelo auxilio à pesquisa.

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dados da instituição, bem como do coordenador do Comitê; ato de criação do

Comitê pela diretoria da instituição; breve descrição da missão e atividades gerais da

instituição solicitante; e as atividades de pesquisas desenvolvidas. Deve, ainda,

anexar documento da entidade da sociedade civil organizada apresentando o

representante de usuários. Após análise no CONEP esse envia documento

aprovando o registro ou solicitando o atendimento de requisitos que entenda

necessário.

O manual operacional para comitês de ética em pesquisa (CNS 2002:13)

estabelece que “a existência de um CEP na instituição qualifica-a e legitima sua

vocação para a pesquisa”. Essas disposições têm como objetivo estabelecer

mecanismos que concedão proteção à sociedade contra possíveis abusos que

possam ser cometidos por pesquisadores descomprometidos com o bem estar do

ser humano.

Senão vejamos. Para a resolução 196/96 todos os projetos que envolvam seres

humanos devem ser submetidos à análise do CEP e, em determinados casos,

encaminhado ao CONEP. Define a resolução no item II. 2 que “pesquisa envolvendo

seres humanos é a pesquisa que, individual ou coletivamente, envolva o ser

humano, de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo o

manejo de informações ou materiais.” Assim sendo, todas as pesquisas

independente de qual seja a área do conhecimento, salvo as que se baseiem única

e exclusivamente em revisão de bibliografia, estão sujeitas a análise do Comitê.

O CONEP foi criado na esfera do Ministério da Saúde, isso porque sua função

primeira seria regular e analisar os projetos na área da saúde. Tais pesquisas

envolvem, na maioria das vezes, coleta de materiais humanos, tratamentos

hospitalares. Essas são situações delicadas que envolvem um universo amplo, aqui

nessas situações temos pesquisas em seres humanos. Outra coisa é você fazer

pesquisa com seres humanos, com informações, respostas aos questionários

identificados ou não. Se o pesquisador ao entrar em determinada comunidade tem

como objetivo observar as manifestações sejam culturais, sociais ou religiosos

daqueles indivíduos, a análise do CEP e em certos casos do CONEP podem

dificultar o cumprimento dos prazos estipulados para a pesquisa.

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A análise do projeto pelo CEP e/ou CONEP não é condição suficiente para que

a ética seja cumprida. O controle das ações perpassa pela fiscalização dos

procedimentos previstos na pesquisa pelo órgão responsável. Não é o controle no

papel da ética que vai trazer mais decência ou moralidade aos indivíduos que fazem

“ciência”, pois, o pesquisador que diz ir para recolher material “x” na comunidade “y”,

pode muito bem recolher o “w, k e o z”, pois não há um controle efetivo no que se

precisa observar. O fato de se ter “um projeto ético” não quer dizer que o

pesquisador também o seja.

5. Do contrato de utilização do patrimônio genético e repartição de benefícios

registrados no CGEN.

Para melhor entender as reflexões feitas acerca da repartição de benefícios,

no que toca ao “eqüitativo e justo” previsto na Medida provisória 2186-16/01, vamos

traçar as linhas norteadoras do termo de anuência prévia e do Contrato de utilização

do patrimônio genético e repartição de benefícios firmado entre a Natura Inovação e

Tecnologia de Produtos Ltda e a Cooperativa mista dos produtores e extrativistas do

Rio Iratapuru, denominada COMARU, município de Laranjal do Jarí - AP.

Como já vimos o termo de anuência prévia tem como objetivo informar a

comunidade tradicional o modus operandi da pesquisa, buscando o consentimento

dessa para ser desenvolvida. Após a obtenção da anuência é que se elabora o

contrato de utilização do patrimônio genético e repartição de benefícios, esmiuçando

os termos previstos na anuência.

O termo e o contrato em análise, não têm como parte uma comunidade

indígena, mas o conhecimento acessado é tradicional. Trata-se da extração da

resina do Breu Branco “Protium pallidum”. Tal fato se ratifica pela própria redação

dada ao item IX do termo de anuência prévia:

“Considerando que, a titularidade do conhecimento tradicional relacionado à resina de Breu Branco (ex. uso para perfumação de ambientes, repelência de insetos, calefação de barcos, entre outros) é

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de origem difusa, pois o referido conhecimento é detido por diversas comunidades no Brasil, em especial nos Estados do Norte, a comunidade declara e reconhece que eventual repartição de benefícios à este título, deverá ocorrer de forma difusa, nos termos de posterior regulamentação da legislação brasileira, sobre o acesso ao conhecimento tradicional, não havendo nada a reclamar à Natura neste aspecto.”

A pesquisa conta com um orçamento de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) entre

valores aplicados pela Natura e pela Empresa Essências e Fragrâncias Ltda (IFF).

O objeto do contrato é a coleta de uma amostra de 20 kg de resina de Breu

Branco pela qual a Natura pagou o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em parcela

única em nome da COMARU, pelo acesso ao patrimônio genético, independente do

resultado da pesquisa, a título de benefícios de curto prazo.

O termo de anuência prévia prevê que o acesso ao material genético se deu

em três etapas. A primeira foi pesquisa e desenvolvimento de essências e

fragrâncias a partir da amostra colhida pela empresa Essências e Fragrâncias Ltda

(IFF). Esta ficou responsável pela realização da identificação da composição química

do óleo essencial da resina de Breu Branco, bem como a verificação da existência

de algum componente no óleo cujo uso seja proibido pela legislação nacional e

internacional, bem como a determinação do perfil toxicológico do óleo essencial.

A segunda etapa da pesquisa foi responsabilidade da Natura que utilizou a

essência desenvolvida pela IFF para compor a fórmula de cosméticos. A função foi

integrar a essência extraída da resina do Breu Branco como parte da fragrância do

cosmético desenvolvido pela Natura.

A última etapa se configura como a avaliação e comprovação da viabilidade

industrial e comercial da resina do Breu Branco pela Natura que designou uma

empresa responsável para posterior aquisição e pagamento da resina citada junto a

COMARU.

A COMARU do Contrato de utilização do Patrimônio genético e Repartição

de benefícios na cláusula terceira item 3.1.1 autorizou a Natura a transmitir

informações e direitos decorrentes do contrato a IFF.

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A pesquisa teve a duração prevista em um ano e meio tendo iniciado suas

atividades em 2002 e finalizado em 2003. O termo de anuência prévia foi assinado

em 13 de abril de 2004, e o contrato de utilização do patrimônio genético e

repartição de benefícios foi assinado em 01 de dezembro de 2004. Não sendo

possível precisar a data da entrada e análise do CGEN dos mesmos.

Quanto aos prazos, a 4ª cláusula do Contrato prevê que o mesmo entra em

vigor da data de sua assinatura. Sendo que o acesso, bioprospecção e

desenvolvimento do produto acorreram entre 2002 e 2003, e o prazo de exploração

comercial será determinado pela demanda de mercado.

A 5ª cláusula do contrato traz os direitos e responsabilidade da Natura que

são:

“1.O cumprimento integral do objeto do presente contrato. 2.Adquirir os 20 Kg do Breu Branco para fins do contrato. 3.Receber e pagar pelo material acessado nos prazos estipulados. 4.Na hipótese de viabilidade do uso industrial e comercial do material acessado, utilizar a resina de Breu Branco para fabricar e comercializar uma linha de produtos cosméticos no Brasil e no Exterior. 5.Realizar a repartição de benefícios resultantes da exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a partir do componente do patrimônio genético acessado previsto no contrato. 6.Divulgar a linha de produtos por qualquer forma publicitária no Brasil e exterior sem quaisquer restrições, observada a repartição de benefícios prevista neste contrato. 7.Depositar sub-amostra do material coletado na instituição credenciada como fiel depositária do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGEN. 8.Não transmitir a terceiros informações, amostras de material biológico ou do patrimônio genético, sem anuência da COMARU, salvo para a IFF. 9.Não transmitir direitos decorrentes deste contrato, sem a anuência da COMARU e a avaliação do CGEN. 10.Fornecer relatório anual informando o andamento da pesquisa, bem como da exploração de produto ou processo.”

Já a cláusula 6º prevê os direitos e responsabilidade da COMARU sendo de

sua competência:

“1.Cumprir integralmente o objeto do contrato. 2. Coletar a amostra de resina do breu branco de forma sustentável nos prazos estabelecidos pelas partes. 3. Permitir a entrada de pessoas indicadas pela Natura, na área da comunidade para acompanhar a coleta e transporte do material.

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4. Manter a comunidade organizada na forma de associação ou cooperativa, bem como reverter em favor da comunidade os valores aferidos em razão do contrato. 5. Emitir nota fiscal de produtos para a Natura ou terceiro em seu nome, bem como fornecer todas as informações necessárias para a elaboração dos documentos fiscais de transporte. 6. Não utilizar trabalho infantil no exercício das atividades da COMARU. 7. Aplicar os valores recebidos à título de repartição de benefícios em proveito da comunidade com o objetivo de conservar a diversidade biológica local, bem como preservar os direitos das gerações futuras.”

Como repartição de benefícios, já dissemos que em curto prazo ficou

estabelecido o pagamento de R$10.000,00 (dez mil reais) pelos 20 kg de resina de

breu branco, enquanto os benefícios de médio e longo prazo ficou acordado entre as

partes que, verificada a viabilidade industrial e comercial da resina com perspectivas

de produção da Natura (análise de mercado), a COMARU terá exclusividade no

fornecimento da resina de Breu Branco, estabelecendo que a exclusividade de

fornecimento não terá efeito caso sobrevenha algum impedimento na relação

comercial entre as partes, tais como, questões de ordem política, legal, econômica,

social, técnica, capacidade produtiva, entre outros.

A Natura comprometeu-se a financiar a certificação de parte da Reserva de

Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, para tal contratará entidade

capacitada para viabilizar a obtenção do certificado FSC (Forest Stewardship

Council) e, por último, prevê o acesso da COMARU aos recursos do Fundo para o

Desenvolvimento Sustentável da Natura, como forma de possibilitar a

implementação de projetos geradores de renda, desenvolvimento e capacitação da

comunidade e seus membros.

Quanto ao Fundo Natura para desenvolvimento sustentável das

comunidades, previsto na cláusula 9ª, no item 8.1, há a previsão de estruturação de

um novo contrato que disporá sobre os itens, regras de administração do fundo que

será estabelecida pela Natura, que à comunidade caberá o valor correspondente a

0,5% (meio por cento) da receita líquida aferida através das vendas dos produtos

que contem a resina de breu branco pelo período em que ocorrer o fornecimento do

produto por parte da comunidade. Os valores serão calculados de maneira

proporcional à quantidade de matéria-prima fornecida pela comunidade. Até esse

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ponto do contrato nenhuma controvérsia foi observada. Surgem-nos dúvidas quanto

ao item 8.2 que diz:

“Tendo em vista que a criação do fundo terá efeitos para o ano de 2004, com valores estimados para referido exercício e que os produtos com resina de breu branco foram lançados em setembro de 2003, a Natura, por liberalidade (grifo nosso), pagará à comunidade em parcela única o valor de R$ 101.222,00 (centro e um mil e duzentos e vinte e dois reais) referente à 0,5% (meio por cento) da receita líquida aferida com a venda dos produtos que contem a resina de breu branco no exercício de 2003.”

A dúvida está na palavra liberalidade usada no texto, isso porque esse termo

quer nos dizer liberdade, doação, espontaneidade, benesse, o que não é o caso. O

que vislumbramos é que a ocorrência do contrato se deu depois do acesso e

posterior á fabricação dos produtos e que a empresa não havia instituído o Fundo,

ainda. Nesse cenário nada mais justo do que pagar a COMARU os 0,5% que lhe

foram acordados ante a comercialização de produtos no mercado. Não há

liberalidade, há cumprimento de uma obrigação por parte da Natura, caso não

procedesse assim estaria incorrendo em equívoco.

Há, na cláusula nona, a estipulação que dá a Natura, no uso comercial dos

produtos provenientes do breu branco seja no Brasil ou no exterior, o direito de

divulgar a origem geográfica e o nome da comunidade que teve o material genético

acessado.

No tocante ao direito de propriedade intelectual a cláusula décima estabelece

que o contrato não gera direitos para nenhuma das partes e repete o teor do item IX

do termo de anuência quanto a titularidade do saber.

Como penalidade para o não cumprimento dos termos do contrato fica

disposto, que caso a COMARU venha a não fornecer ou fornecer de forma irregular

ao previsto nas disposições contratuais, a sanção será a suspensão imediata da

repartição de benefícios previstos; já para a Natura a ausência ou a indevida

repartição de benefícios esta se sujeitará ao pagamento de um multa no valor de

10% do débito vencido e não pago a titulo de pena convencional,As partes elegeram

como foro de eleição para dirimir as controvérsias que venham a surgir no

desenvolver do projeto a Comarca de Laranjal do Jarí – AP.

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Foi feito um aditivo para o contrato de utilização do patrimônio genético e

repartição de benefícios. A Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amapá –

SEMA-AP passa a figurar conjuntamente com a COMARU no contrato com a Natura.

Esse termo se fez necessário tendo em vista que é a SEMA o órgão gestor da

unidade de conservação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio

Iratapuru local onde ocorreu o acesso ao patrimônio genético breu branco. A SEMA

integra o contrato na figura de anuente.

O termo acrescenta a redação da cláusula 7ª do contrato que prevê a

repartição de benefícios a médio e longo prazo, passando a mesma a possuir um

item a mais que prevê a anuência do Estado do Amapá na forma em que se

estabeleceu a repartição de benefícios com a Comunidade de São Francisco do

Iratapuru.

A Natura se compromete a divulgar as riquezas naturais e culturais, as

políticas de conservação e o uso sustentável da biodiversidade do Estado do

Amapá, sempre que possível em suas campanhas de marketing, sejam nacionais ou

internacionais.

Esse é um exemplo de contrato de utilização de patrimônio genético e

repartição de benefícios que foi devidamente analisado e autorizado pelo CGEN. A

partir desse contexto podemos começar a traçar norteadores capazes de nos dizer o

que possa ser “justo e eqüitativo” quando se discutir a bioprospecção.

O contrato, ora analisado, nos serve de parâmetro para reflexão do caso

Krahô, objeto de nossa pesquisa, sendo necessário compreender o que no entender

do CGEN vem a ser o “justo e eqüitativo” quanto à repartição de benefícios.

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CAPITULO III

O CONHECIMENTO TRADICIONAL INDÍGENA.

1. O caso de acesso ao conhecimento tradicional K rahô.

Iremos expor o fato ocorrido entre os Krahô e a UNIFESP a partir dos das

informações e documentos que possuímos, tendo em vista que o caso, hoje, se

encontra na esfera Federal e não nos foi possível ter acesso ao processo de forma

integral.

A pesquisadora Eliana Rodrigues que estudava o uso, nos rituais Krahô, de

plantas que indicam ações sobre o Sistema Nervoso Central, adentrou as terras

indígenas entre julho de 1999 e julho de 2001, como a própria relata em sua tese de

doutorado. Foram realizadas 10 viagens com duração de aproximadamente 20 dias

cada, divididas entre as três aldeias pesquisadas: sete na Aldeia Nova, no

município de Goiatins e três às aldeias Serra Grande e Forno Velho, município de

Itacajá. (RODRIGUES, 2001:37). Foram coletadas 548 (quinhentas e quarenta e

oito) receitas e 400 plantas (Idem:60-62)

Rodrigues (2001) além de descrever a quantidade material genético acessado,

traz referencia às indicações terapêuticas de cada um, Ávila (2004:26) transcreve:

“(...)Das 139 indicações terapêuticas têm 548 receitas, mostrando que cada indicação terapêutica pode ter várias receitas. As 51 indicações terapêuticas catalogadas nas 14 categorias estudadas formam um conjunto de 292 receitas (Ibid. 61). Do conjunto de 51 indicações, 25 podem estar relacionadas com o sistema nervoso central e estão reunidas em sete categorias, correspondendo a um total de 98 receitas diferentes. A tese apresenta interessantes informações etnográficas sobre as práticas medicinais dos Krahô (...)”

Quanto à forma da coleta, identificação e depósito do material vegetal

acessado, a pesquisadora narra que as mesmas se deram com

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“saídas ao mato em que o entrevistado indicava aleatoriamente as plantas que conhecia (pelo nome timbira) e seus usos (indicação terapêutica e receitas em português. (...) Eram coletadas entre duas a três amostras de cada planta em um determinado evento, ou seja, em uma das saídas ao mato com um determinado entrevistado. Amostras da mesma planta poderiam ser coletadas em outros eventos e locais, com o mesmo entrevistado ou com outros que a citassem para compor as receitas de seus conhecimentos. (RODRIGUES, 2001: 42)

As informações foram registradas em fichas de dados etnofarmacológicos e

em fichas de dados botânicos. Sendo que

“uma amostra de cada planta coletada foi depositado no Herbário do IBt-SP, a outra foi devidamente acondicionada em um armário localizado no Depto. de Psicobiologia da UNIFESP, devendo servir como fonte para futuros projetos. As amostras restantes serviram de reserva, caso fosse necessário envia-las para taxonomistas de outros Institutos.” (RODRIGUES 2001: 43)

Para a realização da pesquisa teve a pesquisadora a autorização de

determinados índios de algumas aldeias, para entrar na reserva. Foi arrolado pela

autora como instrumento probatório e legitimador para seu ingresso na área, uma

carta redigida por um Krahô consentindo com a pesquisa, com data de junho de

2000. Outra, de julho de 2000, e uma carta de consentimento da Associação

Makraré de março de 2000. Todavia, o protocolo de intenções foi assinado em 2001

pelo então presidente da Associação VYTY-CATY A autorização da FUNAI para

ingresso na terra indígena foi expedida em julho de 2001 e essa permitia o acesso

de junho de 2001 a julho de 200442.

No que cinge os procedimentos previstos para as questões éticas em pesquisa

o parecer do CONEP foi emitido em junho de 2001. A tese da pesquisadora foi

apresentada à instituição a que estava vinculada em 2001. Portanto, os

procedimentos empregados pela pesquisadora não coadunam com os apropriados,

o que gerou um problema junto aos Krahô.

Ao se direcionar somente a Associação VYTY-CATY e a Makraré pedindo

anuência das mesmas para o desenvolvimento da pesquisa, sob a argumentação de

representarem a nação Krahô, a pesquisadora equivoca-se na colocação uma vez

42 Lembre-se que a entrada na área e coleta deu-se entre julho de 1999 e julho de 2001.

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que existe uma terceira associação (KAPEY) que integra um número expressivo de

aldeias Krahô, as quais não foram consultadas quanto a concordância ou não de

terem suas práticas ritualísticas, que envolvem plantas medicinais pesquisadas.

Desta forma, o conjunto do povo Krahô não anuiu com a pesquisa, mas apenas

parte dele.

Essa questão vai além da anuência ou não. Como bem prevê o protocolo de

intenções os Krahô, no caso do desenvolvimento e patenteamento de algum

medicamento fitofármaco ou fitoterápico oriundo das informações por eles prestadas,

teriam garantido a parcela de royalties. O valor seria revertido a favor da Associação

VYTY-CATY. Há que se ponderar no que diz respeito às práticas ritualísticas. Se

essas práticas e as plantas utilizadas são conhecimentos dominados por todo o

povo Krahô, a divisão dos benefícios deveria ser para todos e não destinado a uma

parte somente. Há quem faça a reflexão de que o informante é que faz juz aos

benefícios oriundos da relação. Mas quando se fala de conhecimento coletivo a

discussão direciona-se numa outra vertente, que ainda não possui posições

definidas seja entre os pesquisadores, seja na lei.

Estipulava o contrato que aos pajés que acompanhassem a pesquisadora

durante as entrevistas e a coleta das plantas receberiam entre R$ 100,00 e 150,00,

o que dependeria da freqüência das saídas para a coleta e seria acordado com cada

um; já os professores responsáveis pela tradução dos termos da língua timbira

receberiam R$ 50,00 por viagem; e os moradores das aldeias que estavam sendo

pesquisadas receberiam diárias entre R$ 200,00 e 350,00 por aldeia, valores que se

altera conforme o numero de moradores de cada aldeia.

Na busca de uma solução para o impasse surgido, em meados dos de

setembro de 2002, realizou-se uma reunião na KAPEY, em que se fizeram presentes

representantes de várias aldeias Krahô, as advogadas da KAPEY43, um

Representante da FUNAI e um Representante Ministério Público Federal de São

Paulo que colheu depoimento dos índios, e redigiu uma carta com a solicitação dos

mesmos para que a pesquisa fosse paralisada com pedido do pagamento da taxa de

43 Eu e minha mãe como dito anteriormente.

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bioprospecção, que ao final foi assinada pelos caciques e pajés presentes. Tendo

como documento final o que aqui segue transcrito:

“... Nos dias 25 e 26 de maio de 2002, reuniram-se na KAPEY, sede da associação de todas as aldeias Krahô, situadas no Estado do Tocantins, a maioria dos caciques das aldeias, os pajés e demais integrantes do povo Krahô com o objetivo de obter esclarecimento a respeito da pesquisa realizada pela pesquisadora e pós-graduanda em Psicobiologia Sra. Eliana Rodrigues da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – Escola Paulista de Medicina, e discutir eventuais medidas cabíveis no intuito de regularizar a sua atuação na Área Indígena Krahô de forma a incluir todas as aldeias no processo de discussão e repartição de eventuais benefícios advindos da referida pesquisa que se utiliza de recursos naturais e conhecimentos tradicionais associados. Também estiveram presentes, entre outros, representantes da FUNAI, EMBRAPA, CIMI, do Ministério Público Federal e as advogadas da Associação KAPEY. A Reitoria da citada universidade se manifestou informando que não poderiam comparecer, uma vez que assim foram aconselhados pelo vice-presidente da Associação VYTY-CATY, que firmou protocolo de intenções visando a realização de pesquisa sobre uso de plantas pelo povo Krahô com fins terapêuticos, e que congrega, entre outros, apensa três aldeias Krahô, de um total de dezoito. Diante disto os caciques presentes dando prosseguimento a pauta da reunião deliberaram que: Não foram consultados previamente e devidamente informados a respeito da pesquisa em andamento, com recursos naturais recolhidos na Terra Indígena Krahô, demarcada pela União; A ausência de consulta prévia à todas as aldeias causou-lhes profundo sentimento de desrespeito e indignação; A retirada dos recursos naturais sem sua prévia autorização é considerada um “furto”; O benefício prometido pela Instituição de Pesquisa deverá necessariamente ser repartido entre todos sem exclusão de um único Krahô, diferentemente do que consta no Protocolo de Intenções acima referido e que beneficia apenas a Associação VYTY-CATI; Não reconhece a Associação VYTY-CATI como seu único representante; A autorização concedida pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, à pesquisadora Sra. Eliana Rodrigues foi emitida sem a prévia consulta aos representantes de todas as aldeias existentes na Terra Indígena Krahô; O conhecimento associado ao uso dos recursos naturais pesquisados pela UNIFESP é de domínio de todo o povo Krahô e não apenas das três aldeias associadas à VYTY-CATI; As três aldeias Krahô associadas da VYTY-CATI também são associadas da KAPEY Recentes reportagens a respeito da citada pesquisa em revista especializada e jornal de circulação nacional não retratam de forma verdadeira os usos e costumes do povo Krahô, causando um sentimento de indignação em todos. E por isso decidiram que: Que não autorizam a continuidade da pesquisa acima referida, solicitando das autoridades presentes a adoção das medidas cabíveis visando sua imediata interrupção; Que tem direito a uma indenização estimada em R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reias) a título de danos morais;

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Ao recebimento da Taxa de Bioprospecção no valor estimado de R$ 20.000.000 (vinte milhões de reais) devida pelo trabalho de coleta das plantas e do conhecimento a elas associado repassado pelos pajés Krahô; Que a retomada das discussões acerca da continuidade da pesquisa somente será possível após o recebimento tanto da indenização quanto da taxa acima referidas. Itacajá – KAPEY, 26 de maio de 2002 ...”

Apesar de termos iniciado nossa participação no acontecimento como

advogada dos indígenas, após verificarmos os caminhos que seriam necessários

percorrer, tais como, viagens e movimentações processuais por São Paulo e

Brasília, entedemos por conveniente e mais apropriado que os procedimentos

executados pelo Ministério Público Federal, visto ser o mesmo, titular da

preservação e manutenção dos direitos indígenas, e detentor de mecanismos de

atuação mais abrangentes. Passamos a partir daí a acompanhar o curso dos

acontecimentos e das reuniões que foram acontecendo. Sendo que, atualmente, o

Ministério Público Federal de São Paulo trabalha em parceria com o do Estado do

Tocantins na busca da composição do conflito.

Para Ávila (2004:51) Carta Aberta do Povo Krahô foi o estopim do conflito.

Para entender a dinâmica do que ocorreu durante as reuniões e a situação como se

encontravam os indígenas envolvidos na questão do acesso, transcrevo o ponto de

vista de Ávila para maior esclarecimento.

“Naquele momento eu ia para a área krahô a convite da associação Kapey para uma assessoria antropológica. Esta associação planejava atuar na questão da saúde indígena e pediu-me para ajudar na elaboração de um projeto de estímulo à medicina tradicional krahô. Este projeto contou com o apoio inicial da FUNASA, através do Departamento de Saúde Indígena, e seria realizado em três etapas ao longo de um ano. As conjunturas específicas desta reunião inviabilizaram a continuidade de suas atividades, principalmente pela idéia dos Krahô de gerenciar um projeto de saúde conjugando geração de renda e estímulo aos trabalhos dos wajacá. A antropóloga da FUNASA argumentou que um ‘salário’ para os xamãs krahô exigia mudanças legais e abriria um precedente para que outros povos reivindicassem isso. Em suma, ela mostrou aos índios que era uma idéia muito difícil de ser concretizada. Os Krahô não gostaram de perceber que a antropóloga não estava apoiando suas idéias e um krahô que representava a aldeia Riozinho levantou e disse como dedo em riste: “... eu sou pequeninho e me zango rapidinho. Já que a senhora não quer ajudar então Hamrém, Hamrém (acabou)...” A antropóloga sentiu-se intimidada porque os índios diziam que ela era rica, possuía fazenda e não queria ajudar os mehĩ (índios). Estavam trazendo uma representatividade bastante comum no seu imaginário sobre o branco de longe, ou seja, rico como são os comerciantes e

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fazendeiros do entorno da Terra Indígena. Vale lembrar que Aukê, o personagem mítico que representa o aparecimento do branco, nasce indígena e se transforma em civilizado, mais precisamente um fazendeiro (Schultz 1950, Melatti 1972, Da Matta 1970). Aukê dá muitos presentes aos índios e esta imagem, do branco como doador de bens, ainda está bastante presente entre os Krahô. Assim, após momentos tensos, a representante do governo decidiu retirar-se da área e dormir em Itacajá. Os Krahô organizaram uma corrida de toras. Apesar do ocorrido no lugar-evento, os indígenas não abandonaram o desejo de um projeto envolvendo geração de renda e medicina tradicional e, ao final desse processo de crise, estas idéias tornaram-se a base das exigências dos índios para a continuidade da pesquisa da UNIFESP. A maior conseqüência da carta foi à suspensão das atividades de pesquisa e a inserção de novos atores políticos locais na negociação. Mas o processo de crise envolveu a rede de atores mais ampla que, em maior ou menor grau, estava relacionada com as atividades de pesquisa da UNIFESP. O CTI e a UNIFESP não firmaram nenhum contrato oficial, embora a organização não governamental estivesse indiretamente envolvida na negociação. Com o tempo, seus dirigentes passaram a não concordar com a posição da UNIFESP (CTI n/d). O envolvimento não oficial da ONG começou em 1999 quando a então doutoranda procurou o antropólogo do CTI que trabalha com os Timbira. Este passou, informalmente, a participar de reuniões com a UNIFESP. Quando, em 2001, a legislação em vigor relativa ao acesso de recursos genéticos com conhecimentos tradicionais associados foi severamente questionada, mudaram as relações entre esses dois atores institucionais. Em meados de 2001, a doutoranda da UNIFESP considerou encerradas suas atividades de campo. Porém, a Assembléia Geral da Vyty-Cati, realizada em agosto, atendeu às recomendações do CTI e decidiu não assinar qualquer documento relacionado à continuidade das atividades de pesquisa da UNIFESP antes da aprovação do Estatuto do Índio (que regulamentaria este tipo de questão) e a continuidade da pesquisa dependeria de um parecer positivo do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGEN, instaurado pela MP 2186 como o instrumento de controle do Estado sobre os seus recursos genéticos (Ibid.). Em novembro, a Vyty-Cati encaminhou um novo documento a UNIFESP reafirmando as decisões tomadas em assembléia. Em fevereiro de 2002, a Vyty-Cati solicitou nova reunião em São Paulo para maiores esclarecimentos acerca da divulgação, em revistas científicas, de partes da pesquisa, bem como de promessas de sua continuidade. Essa divulgação havia sido impedida e proibida pela Vyty-Cati em uma reunião anterior. Além disso, uma agrônoma havia sido enviada, pela UNIFESP para o território Krahô sem a autorização dos índios (CTI n/d). Em resposta, a UNIFESP agendou nova reunião marcada para março. Nesse encontro estiveram presentes o antropólogo do CTI, o advogado indicado para assessorar os índios e a antropóloga do Ministério Público de São Paulo, representando a procuradora formalmente convidada. O resultado da reunião foi à reiteração da posição da Vyty-Cati. O grande ponto de discórdia entre CTI e o projeto de pesquisa desenvolvido pela UNIFESP não está em posturas éticas ou no não cumprimento do consentimento prévio informado pela instituição requerente (como manda a legislação específica). O problema é que a UNIFESP pretendia usar o protocolo de intenções firmado com a Vyty-Cati, um instrumento de eficácia jurídica reduzida, para dar continuidade ao seus empreendimentos farmacológicos entre os Krahô, ignorando a legislação em vigor. Mais incisivamente, a posição

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oficial do CTI não concordava com o modo como a UNIFESP vinha conduzindo a sua pesquisa com os índios principalmente quando “... pretendeu gerar um fato que suscitaria, a posteriore, seu embasamento jurídico ...” (ibid.). Portanto, para o CTI “...ficou patente, a partir dessa posição do Chefe do Departamento de Psicobiologia da UNIFESP, que a relação com os índios – tidos como meros fornecedores de matéria prima básica – era apenas um detalhe e não o foco principal de seu interesse ...” (Ibid.). A crise de representatividade política expressa no conflito foi ganhando espaço na mídia, principalmente pelo volumoso pedido de indenização solicitado pela Kapey. A imprensa lançou notícias esporádicas sobre mais esta tensão envolvendo povos indígenas brasileiros e, desta maneira, acabou por expor a multiplicidade de significados que os processos de representatividade indígena alcançam no atual cenário interétnico. A vontade de saber qual era a posição krahô sobre a pesquisa motivou as matérias jornalísticas que acompanharam o conflito entre representantes desse povo indígena do Tocantins contra uma respeitável e renomada instituição de pesquisa científica de São Paulo. O Estado de São Paulo, no dia 07 de abril de 2002, lança uma matéria intitulada “Como é difícil pesquisar no Brasil”, justificando que um projeto socialmente responsável, como o da UNIFESP, vinha sendo vítima de uma legislação indefinida. (2002a) Ainda não havia sido elaborada a Carta Aberta da Kapey e não havia, pelo menos fora do contexto local, conhecimento das rivalidades entre associações indígenas. Em junho, o mesmo jornal publicou outra matéria já trazendo o conflito entre associações como um complicador a mais do caso, chegando a levantar suspeitas de biopirataria (2002b). Um mês depois, outra matéria divulgou que os Krahô não eram contra a pesquisa da UNIFESP e que o pedido de indenização era mais uma invenção do indigenista da FUNAI do que um desejo dos índios (2002c). Logo em seguida os jornais veicularam que o indigenista da FUNAI processaria o pesquisador da UNIFESP (FSP 2002). A grande indefinição consistia na multiplicidade de significados presentes em situações interétnicas hiper-reais. Um dos problemas era que os Krahô não sabiam quem deveria representá-los em uma negociação daquele porte. Jornalistas e UNIFESP procuravam uma posição única dos Krahô e exigiam deles um comportamento político ainda em construção. A curta história do associativismo krahô mostra que as pretensões de representatividade geral sucumbiram às dinâmicas da sua política interna. Basta vermos os exemplos da associação Mãkraré – que passou a representar somente a Aldeia Nova – e da associação Kapey – que tem seu papel questionado. Mas este evento específico, que acabou provocando conflitos internos, aguçou a consciência dos Krahô para a necessidade de se tomar posições que contemplassem as realidades políticas existentes no seu território, e necessárias para o jogo das relações interétnicas atuais. A percepção local da exigência de fomentar processos de construção nacionalitária foi o grande ganho local que este conflito possibilitou. Estimulados pela situação conjuntural específica, e em sinal de maturidade política, as associações indígenas decidiram deixar suas divergências políticas de lado e passaram a articular consensos mínimos para encaminhamento da negociação da UNIFESP. Esta união não foi derivada de uma relação estrutural como a sugerida por Evans-Pritchard sobre os Nuer (1993 [1940]). Ela está relacionada com a habilidade política de Apuhi e o convencimento de que naquelas circunstâncias um posicionamento único seria interessante. Passaram a articular suas forças na promoção de um projeto que teria a UNIFESP como primeira

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depositária do Fundo de Saúde Krahô. Porém, esse projeto expresso no termo de anuência prévia não teve o apoio da UNIFESP. O conflito girou em torno do comportamento da UNIFESP que não considerava os Krahô, em suas múltiplas representatividades, como um sujeito político na negociação. Os Krahô, por sua vez, afirmavam constantemente a polifonia de sua política. Essa vontade de enfatizar diversos pontos de vista políticos, no processo de negociação com a UNIFESP, produziu uma nova conjuntura na área. Até 2002 havia duas associações indígenas na T.I Krahôlandia, mas durante este processo de negociação interétnica com a UNIFESP e o Estado brasileiro surgiram mais três associações indígenas”.

Além das Associações Kapey e VYTY-CATY. Surge no cenário da discussão a

Associação Mãkraré que tem sede na Aldeia Nova; a Associação Aukeré que foi

criada pela Aldeia Cachoeira e a Associação Wohran que foi fundada pela Aldeia

Rio Vermelho.

Em um arquivo de power point denominado “A experiência da UNIFESP e o

conhecimento tradicional”, elaborado por Cristina Theodore Assimakopoulos, do site

da própria Universidade, pode se obter as seguintes informações sobre o projeto

Krahô44:

1. Pesquisadores Envolvidos: Prof. Dr. Elisaldo Carlini e Dra. Eliana Rodrigues, do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP . 2. Objetivos: Identificar plantas que tenham atuação sobre o sistema nervoso central - SNC; identificar comunidades tradicionais que façam uso de plantas relacionadas aos problemas do SNC; reconhecer cientificamente os conhecimentos tradicionais, de acordo com a “nossa” ciência; 3. Identificação de comunidades tradicionais: Caboclos - região do Parque Nacional do Amazonas - 1995 - não indicavam o uso com essa finalidade - nada foi coletado ou acessado; Índios Bakairis; Índios Krahôs - comunidade tradicional escolhida, pois preenchia os seguintes critérios: 4. Critério para a escolha dos Krahô: Populações que ocupassem os biomas: cerrado e ou Pantanal, por serem pouco estudados em comparação à mata Atlântica e floresta Amazônica; áreas ocupadas por negros ou índios, por serem populações que, aparentemente, dispõem de um conhecimento maior em relação ao uso de plantas que alteram o comportamento; grupos humanos que tivessem a prática de rituais associada ao uso de plantas medicinais; presença de “especialistas em práticas de cura” (pajés, xamãs, curadores, rezadores, benzedores, entre outros) no grupo humano escolhido; isolamento geográfico em relação às redes públicas de saúde ou a qualquer tipo de atendimento médico-convencional. 5. Fases do projeto: Encaminhamento de solicitação de autorizações aos órgãos competentes e de solicitação de financiamento à FAPESP; contato com a etnia por meio de uma das 6 ONG’s que representam a etnia (Vyty-Cati), pois além da questão territorial a ONG escolhida abrangia mais de uma etnia; Assinatura de protocolo

44 Acesso em www.unifesp.br

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de intenções com a Vyty-Cati, com previsão de pagamento de contrapartida e repartição de benefícios para TTOODDAASS as aldeias Krahô – 2001; Fevereiro de 2002: surgem os primeiros entraves: representação da etnia e inexistência do Cgen; Suspensão imediata do projeto; Contato com a ONG Kapéy; reunião na Kapéy - decisão da UNIFESP em não participar, dadas as circunstâncias; 6. Noticias na impressa acerca do fato: 9/6/2002 - Jornal o Globo “Suspeita de Biopirataria” - Vale dizer que o MPF negou que houvesse qualquer investigação envolvendo a UNIFESP; 15/6/2002 - Jornal do Tocantins - “Professor da UNIFESP nega Biopirataria”; 19/6/2002 - Jornal Folha de São Paulo “Tribo quer R$ 25 mi por ervas medicinais”; 13/8/2002 - Jornal Folha de São Paulo - “Técnico da FUNAI afirma que vai processar pesquisador da UNIFESP”; 7. Reuniões: 10/12/2002 - Reunião em Araguaína - TO; 20/12/2002 - CPI - a UNIFESP não foi considerada “Biopirata”!, Março de 2003 - reunião na Aldeia Krahô - Sede da Kapey, com a participação do MPF, FUNAI e UNIFESP; 8. Fatos e acordos desde o surgimento do impasse: Assinado termo de Anuência Prévia, elaborado pela UNIFESP e pelo MPF, por todos os líderes presentes; Projeto de Medicina Tradicional - apoio da UNIFESP como contrapartida; 6 meses aguardando projeto oficial, (pois o primeiro foi enviado por um antropólogo que estava acessando a área sem autorização), da FUNAI para encaminhamento do contrato ao Cgen. 9. Proteção dos Conhecimentos Tradicionais: Obtenção de consentimento prévio e informado da etnia, fornecendo o maior número possível de dados; Respeito aos costumes da etnia evitando-se qualquer ato que possa provocar lides entre as diversas lideranças da mesma etnia; Respeito à liderança indicada como representante da etnia; Redação de inventário de todo material retirado na área com número de cada parte de cada espécie retirada de campo; Elaboração de documento assinado por todas as lideranças da escolha do representante da etnia; Trocar o máximo de informações com a etnia para que haja o devido intercâmbio de conhecimentos; Sigilo das informações obtidas e cuidado no armazenamento; Troca de documentos com órgãos oficiais sempre com aviso de entrega; Encaminhamento do projeto de pesquisa ao Cgen antes do acesso ao material e ao conhecimento; Encaminhamento do projeto de pesquisa ao órgão competente como FUNAI para acessar a área.

A revista Exame da Editora Abril, na edição 825, ano 38, nº 17 de setembro de

2004, publicou uma reportagem intitulada “Índio quer lucrar” que traz o seguinte

texto de abertura “O caso da tribo que quis receber 25 milhões de reais por seus

conhecimentos de ervas medicinais paralisa uma pesquisa pioneira.” Ao ler o título

da reportagem essa nos induz a conclusões diversas das que são ofertadas após a

leitura do texto.

O repórter Ricardo Arnt nos informa que na lide em questão encontra se

envolvida de um lado a Universidade Federal de São Paulo e os laboratório Ache,

Biolab e Eurofarma e do outro os Krahô e a FUNAI. E o empreendedor do Projeto

de Pesquisa, como diz a revista, é o Prof. Dr. Elisaldo Carlini que propôs à Fundação

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de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo e aos três laboratório farmacêuticos

uma parceria para financiar a pesquisa, orçada em 1,5 milhões de reais.

A revista ainda traz que em função das irregularidades os Krahô ameaçavam

pedir uma indenização de 25 milhões de reais. Contudo, como se pode observar na

transcrição do documento formulado pelos caciques e pajés o pedido se divide em

duas questões, a indenização e a taxa de bioprospecção, que juntas somam os 25

milhões de reais citados, todavia são respectivamente 5 milhões e 20 milhões.

Após a situação formada o mesmo pesquisador afirma à revista que “Foi um

erro não ter negociado com todos os Craôs (...) Mas nem sabíamos que existiam 17

aldeias.” No fato em exposição, não se trata de imputar ou não uma prática delitiva a

pesquisa desenvolvida, mas sim, em se fazer uma reflexão tanto sobre os

mecanismos implementados pelos instrumentos normativos na proteção da

propriedade intelectual indígena, quanto ao objetivo do instrumento legal em

preservar o conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, que é

mecanismo relevante na conservação da diversidade biológica, e conseqüente

integridade do patrimônio genético do País.

Ávila (2004:27) em sua dissertação traça que

“A tese de doutorado de Rodrigues representa apenas um pequeno conjunto dos dados que a pesquisadora coletou em campo e que são propriedade exclusiva da UNIFESP. Os Krahô não possuem este material, mas o Estado brasileiro sim, na medida que o CGEN o solicitou à pesquisadora. Na verdade, somente uma pequena parte do conhecimento medicinal Krahô interessou à pesquisadora e foi devidamente analisada em sua tese de doutoramento. A equipe do projeto da UNIFESP está de posse, portanto, de uma quantidade de informações baseadas no conhecimento dos wajacá Krahô e que transcendem às informações disponibilizadas na tese O volume de dados coletados é impressionante, visto que somente oito wajacá foram pesquisados. A equipe do projeto pretendia utilizar esse volume de informações para que algum laboratório, com recursos suficientes, se interessasse em desenvolver alguma nova substância com atuação no sistema nervoso central. Cerca de 37 % das indicações terapêuticas podem estar relacionadas a ele, e correspondem a um interessante universo a ser explorado científica e comercialmente. É difícil encontrar dados confiáveis sobre ao mercado mundial de fármacos, mas todos concordam que ele é um dos mais lucrativos do mundo. É bem possível que esta imagem de lucros milionários tenha se tornado um fetiche para a associação Kapey, influenciando assim

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suas ações. Certamente a isto se deve o valor da indenização que consta na Carta Aberta do Povo Krahô”.

Como forma de composição da situação em discussão os Krahô requerem

que a UNIFESP que a mesma financie um projeto de revitalização da medicina

tradicional nas aldeias, e a divisão do recurso seria feita entre as Associações.

Atualmente, o caso encontra-se sob os cuidados da FUNAI e do Ministério

Público Federal, que já realizaram algumas reuniões entre os Krahô e a

Universidade para que se chegasse a um consenso, mas esse caso está longe de

ter fim.

1.1. Os Krahô.

Para podermos traçar algum comentário acerca do fato em análise necessário

é compreender a história dos Krahô. O primeiro contato com os “cupem” (termo

indígena para denominar os não índios) foi na segunda metade do século XVIII.

Viviam no Maranhão, mais precisamente, como nos narra Melatti (1978:22) “(...) na

região banhada pelo curso inferior do rio Balsas e seus afluentes que é um dos

tributários do Parnaíba. A medida que os civilizados ocupavam a região, iam

empurrando os Krahô para oeste, na direção do Rio Tocantins” Vários foram os

conflitos e problemas enfrentados pelos Krahô, até que em 1848 fossem transferidos

para o aldeamento de Pedro Afonso, cidade atualmente situada na confluência do

rio do Sono com o Tocantins, pelo missionário capuchinho Frei Rafael de Taggia.

Com a morte deste em 1892, começaram a deslocar-se, na direção nordeste, para o

lugar onde hoje estão.

Oliveira Júnior (2000 :33) nos descreve que os Krahô foram “(...) empurrados

pelo avanço da colonização, adentram a província do Maranhão, atravessando todo

o território de Pastos Bons, no sentido leste-oeste, até se instalarem nas margens do

rio Tocantins, à custa de incansáveis disputas, tanto com os fazendeiros, quanto

com sua própria gente”. A expansão da fronteira agropastoril foi a responsável pelo

deslocamento contínuo.

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Durante esse processo de retirada, por força do avanço dos criadores de

gado, os Krahô se viram obrigados a disputar territórios com outros índios que

encontravam em seu caminho.

Desde a pacificação dos Krahô, inicialmente em Carolina-MA, até a

transferência dos mesmos para Pedro Afonso, esses serviram de tropa de choque

dos fazendeiros de gado contra os demais índios, Timbira ou Akuen. Por essa razão

eram tolerados pelos não índios.

O encontro da frente de expansão com as comunidades indígenas teria como

resultado, violentos conflitos que, sem dúvida, trariam mudanças profundas, tanto

nas formas de ocupação do espaço, bem como nas relações estabelecidas entre

ambas as partes.

Podemos citar como sendo o fato mais expressivo da história Krahô com a

sociedade envolvente o ocorrido em 1940. Estratégias de ataque contra os Krahô

foram planejadas e executadas por fazendeiros de Pedro Afonso e Carolina,

promovendo um violento massacre de seus habitantes. Na madrugada de 25 de

agosto daquele ano, um grupo de 22 jagunços comandados por José Santiago

atacou a aldeia Cabeceira Grossa, enquanto outros comparsas atacaram a Pedra

Branca. Esse episódio foi determinante, num primeiro momento, para o rompimento

definitivo das alianças entre os Krahô e seus vizinhos fazendeiros, mas significou

uma aproximação a outros segmentos da sociedade desvinculados política e

economicamente da região. (MELATTI, 1970:24)

O episódio teve como conseqüência, a imediata criação de um posto do SPI –

Serviço de Proteção ao Índio que, a priori, deveria ser localizado na aldeia de

Cachoeira, juntamente com os sobreviventes do recente massacre. Tinha o posto

como finalidade, marcar a presença do Estado brasileiro na região, face ao referido

massacre sofrido pelos Krahô. Além disso, havia a evidente necessidade do SPI

executar atividades que preservassem a imagem de eficiência na proteção aos

índios.

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Passados quatro anos após o episódio do massacre das aldeias, o então

interventor do estado, Dr. Pedro Ludovico Teixeira, preocupado com os conflitos

ocorridos no local e com o aumento das tensões entre índios e fazendeiros da

região, providencia a demarcação de uma área de terras onde os Krahô pudessem

se estabelecer. O território possuía uma área total de 319.827 hectares, 61 hares e

cinco centiares, marcado pelas linhas divisórias definidas ao norte, pelo ribeirão dos

Cavalos e rio Riozinho; ao sul, pelo ribeirão Cachoeira e rio Gameleira; ao leste,

pelos rios Vermelho e Sussuapara e ao oeste, pelo rio Manoel Alves Pequeno.

O decreto lei número 102 de 5.08.1944, publicado no Diário Oficial do Estado

de Goiás de 10 de agosto de 1944, ano I, número 150, página 1, cria definitivamente

o território denominado Craolândia, conforme transcrição do texto original que se

segue, transcrito por Oliveira Júnior (2000: 106 e 108):

“O Interventor Federal no Estado de Goiás, usando da atribuição que lhe confere o art. 6º, nº. V, do decreto-lei federal nº. 1.202, de 8 de abril de 1939, e devidamente autorizado pelo Presidente da República, decreta:

Art. 1º. – São concedidos aos índios Craôs o uso e gozo de um lote de terras pertencentes ao Estado denominado “Craolândia”, situado no distrito de Itacajá, do Município de Pedro Afonso, medindo trezentos e dezenove mil oitocentos e vinte e sete (319.827) hectares, sessenta e hum (61) ares e cinco centiares, e limitado: ao norte pelo ribeirão dos Cavalos e rio Riozinho; ao sul, pelo ribeirão Cachoeira e rio Gameleira; ao este, pelos rio Vermelho e Suçuapara e ao oeste, pelo rio Manoel Alves Pequeno, ficando, todavia, ressalvado expressamente que a união regularizará as ocupações, porventura existentes nesse terreno.

Art. 2º. – O lote indicado no artigo anterior fica sujeito ao regime estabelecido pelo artigo 154 da constituição para as terras em que os índios já se acham localizados em caráter permanente.

Art. 3º. – O Governo do Estado, para a perfeita execução deste decreto-lei, entrará em entendimento com o Serviço de Proteção aos Índios e porá em prática as medidas que se tornarem necessárias.

Art. 4º. – O presente decreto-lei entra em vigor no dia de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. (Diário Oficial do Estado de Goiás, ano I, nº. 150, p. 1, 10/08/1944)

Os Krahô vivem no nordeste do Estado do Tocantins, na Terra Indígena

Kraolândia que foi homologada pelo Decreto nº 99.062, de 7.3.90. Com uma área

de 302.533 ha, situada nos municípios de Goiatins e Itacajá, entre os rios Manoel

Alves Grande e Manoel Alves Pequeno, a margem direita do Tocantins. Sendo a

vegetação predominante o cerrado, cortado por estreitas florestas que acompanham

os cursos d’água. É mais larga a floresta que acompanha o rio Vermelho, que faz o

limite nordeste do território indígena.

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Quanto ao significado e origem do nome Krahô, Melatti citado por Oliveira

Júnior (2000), nos reporta a 1930, quando o etnólogo Curt Nimuendajú indaga um

Krahô sobre o significado de seu nome o traduziram como "pêlo (hô) de paca (cra)".

Sendo que três décadas depois, indivíduos dessa mesma etnia discordavam dessa

tradução, sob o argumento de que a denominação Krahô era nome de origem

civilizada.

Os Krahô denominam-se de Mehim, um termo que no passado era

provavelmente também aplicado aos membros dos demais povos falantes de sua

língua e que viviam conforme a mesma cultura. A esse conjunto de povos se dá o

nome de Timbira. Hoje, Mehim é aplicado a membros de qualquer grupo indígena. A

esta ampliação correspondeu uma redução do sentido do termo oposto, Cupe(n),

que, de não-Timbira, passou a significar civilizado. (MELATTI, 1978)

A língua falada pelos Krahô é a mesma dos demais Timbira, língua que faz

parte da família Jê, por sua vez incluída no tronco Macro-jê. A língua timbira é a

primeira que aprendem a falar. Em tempos mais remotos somente os rapazes

aprendiam o português, dada a necessidade de se comunicarem com a sociedade

envolvente. Todavia, essa realidade vem se alterando de forma significativa.

As aldeias Krahô seguem o ideal timbira da disposição das casas ao longo

de uma larga via circular, cada qual ligada por um caminho radial ao pátio central. A

forma de suas casas indicam uma forte influência do convívio com os civilizados.

Externamente são muito similares a dos sertanejos. O teto das casas é de duas

águas, coberto com folhas de buriti ou de piaçava, as paredes são feitas de estacas

fincadas no chão uma ao lado da outra, que são preenchidas com palha de buriti ou

barro. Porém, as casas são dispostas tradicionalmente ao redor do grande pátio

central, formando um círculo, se observado num anglo superior. No seu interior

vêem-se, dependurados, grande número de cestos de folhas de buriti, utilizados

como transporte ou para guardar alimentos e objetos. Vê-se também esteiras

trançadas com fibra de buriti, com franjas que forram os estrados de troncos de açaí

bravo que servem de leito.

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Há uma estrutura social, que segue a regra de residência pós-nupcial, é

uxorilocal, ou seja, o homem passa a residir na casa da mulher, após o casamento.

Dentro de uma casa Krahô é possível observar três tipos de grupos: a família

elementar, o grupo doméstico e o segmento residencial. Como Melatti (1970:102)

nos descreve é raro encontrar um único núcleo familiar em uma casa Krahô, visto

ser a residência uxorilocal, ou seja, a linha feminina é que liga os componentes da

família elementar. Na família elementar são os pais os responsáveis pela

alimentação dos filhos. “O cuidado em lembrar das mulheres sem marido e dos

meninos sem pai bem mostra como a sociedade reconhece a importância do pai ou

do marido para manter a subsistência do indivíduo e, por conseguinte, a importância

da família elementar.”(MELATTI, 1970:103) Interessante informação nos traz o autor

que mesmo coabitando o mesmo local no momento da refeição pode se observar

que os membros de uma mesma família elementar formam um grupo em relação

aos demais. Fazem parte, ainda, da unidade em análise as crianças adotadas pelo

casal, os filhos de um dos cônjuges, nascido de casamento anterior.

Melatti (1970:104) ao buscar definir grupo doméstico define como sendo a

união de indivíduos pertencentes a três gerações. “Representa a geração mais

antiga o casal que não mais procria. A geração intermediária é constituída pelos

filhos e filhas solteiras do referido casal, alem das filhas casadas e seus, maridos.

Finalmente, a geração mais nova é formada pelos filhos e filhas das filhas do casal

mais antigo.” Como se pode observar nessa caracterização o grupo familiar conclui-

se que a própria classe é a unidade de concentração dos indivíduos de linha reta, ou

seja, ascendentes e descendentes. O autor faz uma ressalva pertinente quanto a

possibilidade de se encontrar um grupo familiar completo, afirmando que no

cotidiano os casos concretos não são exatamente conforme se estabelece no

esquema acima narrado, visto observar-se em alguns conjuntos, a ausência de um

dos cônjuges em função da morte, ou mesmo por que a filha saído de casa para ir

morar com os sogros.

Por último temos uma definição de segmento residencial:

“quando um grupo doméstico se cinde, os moradores que deixam a casa constroem uma outra ao lado dela. Sendo a regra de residência entre os Krahô uxorilocal, os diversos grupos domésticos originados

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de uma só casa têm por força de operação da própria regra, todas as suas mulheres e todos os seus homens solteiros ligados entre si por linha feminina.” (Idem 1970:109)

Como se pode observar o segmento familiar é um tipo de grupamento fixado

na periferia da aldeia.

Quanto a origem dos Krahô, esses a entendem a partir de duas metades os

que podemos chamar de metades sazonais, pois uma está associada à estação

seca (e também ao dia, ao leste, ao pátio central) e a outra à chuvosa (e também à

noite, ao oeste, à periferia). Essa divisão se faz presente principalmente nos ritos,

pois em cada período cada um deles é responsável pelas festas. Os Catâmjê

representam a seca e os integrantes desta metade pintam o corpo nas festividades

com linhas horizontais; já os Wacamejê que representam o período chuvoso sendo

que seus integrantes fazem pinturas corporais com linhas no sentido vertical.

O que define se um indivíduo será Catâmjê ou Wacamejê é o nome que

recebe. Todavia, um mesmo ser pode ter nome de ambas as partes. Assim, na

adolescência faz a escolha do partido que quer pertencer. Por pertencerem a essas

metades cada indivíduo dispõe de um conjunto de nomes pessoais; homens e

mulheres pertencerão a uma ou a outra de acordo com os nomes pessoais que

receberem.

Para pintura corporal os Krahô utilizam urucu, jenipapo e carvão fixado com

pau-de-leite, e o padrão de pintura à metade a que está afiliado o usuário, sendo

Catâmjê listras horizontais e Wacamejê listras verticais, conforme já exposto.

Sua alimentação é baseada no consumo de beijú (alimento feito a base de

mandioca), arroz, fava, carne cozida com água e o bolo tradicional (paparuto), que é

assado com o auxílio de pedras aquecidas. A procura de frutos silvestres

comestíveis é tarefa das mulheres, que a executam geralmente em grupos. As

principais frutas consumidas são: buriti, bacaba, oiti, caju do cerrado. Há, ainda, as

que não possuem em grande quantidade na área, tais como: buritirana, mangaba,

bacuri. Já a coleta do mel é tarefa dos homens da aldeia.

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Para a obtenção da carne praticam a caça, que antes era feita com arco e

flecha e foi substituído pela espingarda. Os animais comumente encontrados são os

de pequeno porte tais como: manbira (tamanduá mirim), coati, macacos, cutia, tatu,

tatu peba, e diversas variedades de veado. No período da seca preferem caçar na

mata. Já durante as chuvas, preferem o cerrado, em função da grande quantidade

de cobras que se encontra nesse período na mata. A pesca não ocupa lugar

relevante na alimentação Krahô. Essa é realizada, de maneira expressiva, no

período da seca, quando as águas dos ribeirões estão baixas e correm

vagarosamente, através do uso do tingui que entorpece os peixes.

A relação com o ambiente os faz ter conhecimento de quais os animais

freqüentam a mata e quais freqüentam o cerrado, quais andam à noite, e quais se

movimentam durante o dia. Conhecem, ainda, quais as plantas consumidas pelos

animais, o que parece servir de fundamento para certos rituais para a captura da

espécie.

Na agricultura, sua relação é de subsistência plantando milho branco, inhame,

batata doce, amendoim, arroz, fumo, fava e mandioca.

Para os Krahô, os homens, os animais, os vegetais e mesmo os minerais e

objetos manufaturados tem uma Karõ, que se pode traduzir aproximadamente como

“alma”. Ao morrer a alma humana vaga por algum tempo (ou vai para uma aldeia

dos mortos, situada a oeste) até que se transforma num animal de grande ou médio

porte; quando esse animal morre, transforma-se num animal inferior; quando esse

outro morre, transforma-se em um cupinzeiro ou toco de pau. Quando o fogo queima

esse cupinzeiro ou toco, o aniquilamento é completo.

No que diz respeito aos ritos, cada aldeia Krahô dispõe de uma padré. Trata-se

do diretor dos ritos. É a pessoa que sabe como realizar os diversos ritos dos Krahô.

Todos aqueles que exercem ou exerceram as tarefas de padré nas diversas aldeias

Krahô, de que se tem notícia, foram ou são considerados também como líderes

políticos, sem dúvida por causa do conhecimento que possuem das tradições Krahô.

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No que diz respeito ao xamanismo entre os Krahô, relata Melatti (1978: 92)

que:

“(...) assim como o xamã tem poder de provocar as doenças, pode também cura-las. O xamã recebe seus poderes mágicos de um animal, vegetal ou algum outro processo. A maior parte dos indivíduos, entretanto, conhece alguns vegetais que podem ser utilizados para curar determinadas doenças ou aplicados magicamente de modo a facilitar a captura de certos animais de caça. Conhecem também as restrições alimentares que tem a fazer para obter boa colheita de certas plantas cultivadas.”

Para os indígenas o ambiente é mais que uma forma de se alimentar, é um

local sagrado. É onde se estabelecem a suas relações anímicas, há um vínculo

estreito entre eles e os elementos formados da natureza.

É da fauna e da flora que tiram seu sustento. É na crença de serem parte do

meio que se desenvolve sua cultura. É na junção de tudo isso que os faz detentores

do conhecimento de todo o sistema que os envolve. Cada planta que os rodeia tem

um valor. Eles sabem qual é nociva ou não. Sabem se é amassada ou fervida que

deve ser utilizada para curar determinado mal. São as comunidades tradicionais os

portadores do saber, mesmo que esse saber seja tido como empírico, do potencial e

variedade da diversidade biológica que nos rodeia, pois o olhar que eles debruçam

sobre a natureza é outro.

Como exemplo dessas formas diferentes de olhar o ambiente tomamos a

passagem citada por Leff em seu livro Saber Ambiental (2004: 30) que foi a resposta

dada pelo Chefe Seattle em 1854, à oferta do Grande Chefe Branco de Washington

para comprar as terras dos índios e transferi-los para uma reserva :

“Como se pode comprar ou vender o firmamento ou o calor da terra? Se não somos donos do ar nem do brilho das águas, como poderiam vocês compra-los? Cada parcela desta terra é sagrada para o meu povo. Cada floresta reluzente de pinheiros, cada grão de areia das praias, cada gota de orvalho nos bosques fechados, cada outeiro e até o som de cada inseto é sagrado à memória e ao passado do meu povo. A seiva que circula pelas veias das árvores leva consigo as memórias dos peles-vermelhas. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs. Os penhascos escarpados, os prados úmidos, o calor do corpo do cavalo e do homem, todos pertencem à mesma família (...) A água cristalina que corre nos rios e regatos não é simplesmente água, mas também representa o sangue de nossos antepassados. O murmúrio da água é a voz do pais do meu pai (...) e cada reflexo fantasmagórico nas

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claras águas dos lagos conta os fatos e memórias das vidas de nossa gente. Sabemos que o homem branco não compreende nosso modo de vida. Ele não sabe distinguir entre um pedaço de terra e outro, pois é um estranho que chega de noite e toma da terra o que precisa. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e uma vez conquistada, segue o seu caminho, deixando para trás a tumba de seus pais. Seqüestra a terra, arranca-a de seus filhos. Pouco lhe importa. Tanto a tumba de seus pais como o patrimônio de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e o seu irmão, o firmamento, como objetos que se compram, se exploram e se vendem como ovelhas ou como contas coloridas. Seu apetite devorará a terra deixando atrás de si só um deserto. (...) Mas vocês caminharão para a destruição, rodeados de glória, inspirados na força de Deus que os trouxe a esta terra e que por algum desígnio especial lhes deu domínio sobre ela e sobre os peles-vermelhas. Onde está a floresta? Onde está a águia? Termina a vida e começa a sobrevivência.”

A relação ou interação com o Meio Ambiente é uma estrutura estruturada

dentro da comunidade indígena, por mais que se tente estabelecer novas formas,

maneiras de se compreender o mundo e sua dinâmica, o local em que estão

inseridos será o ponto de referência de suas histórias.

1.2. O saber tradicional e a troca de informações r elacionadas à biodiversidade

para os Krahô

Havíamos proposto no projeto de pesquisa realizar o levantamento dos

mecanismos de elaboração e transmissão do conhecimento tradicional krahô sobre

a biodiversidade, a partir de interlocução com lideranças políticas e religiosas da

Aldeia Manoel Alves Pequeno. Assim como verificar os níveis de significação

atribuídos pelos Krahô ao saber tradicional sobre a biodiversidade tendo como

referencial, anos de contato dessa sociedade indígena com a sociedade envolvente

Pretendíamos agregar dados que fornecem informações e saberes sobre a

caracterização do conhecimento tradicional, ou seja, com o registro histórico das

narrativas dos interlocutores, mediante entrevistas, com o intuito de recuperar a

história dos atores envolvidos, procurando também, levantar as significações sobre

a importância do conhecimento tradicional.

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O projeto de pesquisa previa a visita a aldeia indígena Manoel Alves Pequena

em 3 momentos específicos. Os encontros terão uma variância de 3 a 7 dias,

podendo estender-se conforme a necessidade da pesquisa.

Para que tal anseio fosse concretizado, antecipamos a defesa do projeto de

pesquisa em um semestre, para então encaminhar o mesmo para a avaliação do

Comitê de ética em pesquisa e registro no Cnpq. Tendo sido protocolado no Comitê

de ética em pesquisa (CEP), do Centro Universitário Luterano de Palmas, em 22 de

setembro de 2004, sendo que o parecer emitido em 06 de outubro do mesmo ano

foi favorável sem restrições. Quanto ao registro do Cnpq, fomos informados meio

digital que o projeto havia sido analisado quando ao rigor científico e havia sido

devidamente registrado.

Como é de previsto na Resolução 196/96 da Comissão Nacional de Ética em

pesquisa, o projeto necessita ser apreciado e aprovado pelo mesmo para que possa

a pesquisa ser desenvolvida. O encaminhamento do projeto de pesquisa é via CEP.

Até que o CONEP emitisse o seu parecer, realizamos no mês de outubro

juntamente com meus colegas de turma e o Prof. Odair uma viagem até a aldeia

Manoel Alves Pequeno para a realização de um trabalho para a disciplina

Diversidade Cultural e Meio Ambiente. Aproveitando a oportunidade realizamos uma

reunião no pátio central com os integrantes da Aldeia explicando o projeto e nossa

contra-partida para as informações que seriam obtidas através de nossa visita,

iríamos a cada visita entregar compras no valor de R$ 200,00 (duzentos reais) em

alimentos. Todos consentiram.

Para que problemas posteriores não surgissem, no começo de novembro foi

realizada uma reunião, em Palmas, com todas as lideranças política Krahô.

Explanamos novamente os objetivos do projeto, a metodologia que seria

empregada durante a estada na aldeia, a contra-partida. Todos os caciques

anuíram e foi emitido um documento assinado pelo representante da Kapey.

Todavia, houveram empecilhos na realização de tal objetivo. O nosso projeto

de pesquisa havia sido analisado pelo CONEP na ultima reunião de dezembro de

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2004. Encaminharam um fax ao Centro Universitário notificando do resultado da

análise por ele realizada, entretanto, não enviaram qualquer e-mail de confirmação

ao CEP ou a mim. Somente em meados de fevereiro chega a Coordenadora do

CEP o parecer via correio, e observamos então que o prazo para resposta as

questões suscitadas no parecer 2446/2004 já havia transcorrido e o projeto havia

sido arquivado.Buscando orientação junto ao CONEP, nos informaram que uma vez

arquivado o processo de análise, somente com novo pedido abriria a discussão.

Faremos algumas ressalvas quanto a análise do projeto realizada pelo

CONEP: a primeira consideração traçada pelo relator diz da metodologia, afirma que

a mesma não está clara e possui informações vaga. Essa é uma análise de cunho

científico e não ético, o Cnpq já havia avaliado o mesmo projeto e não questionou a

metodologia apresentada. Numa segunda consideração pergunta se a estrutura do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido com assinatura do participante em

língua portuguesa era a melhor forma de documentação, em que pese ser essa a

forma determinada pela Resolução.

Posteriormente afirma que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

indica que algumas ações já foram tomadas, solicitando informação se o protocolo já

havia iniciado, caso que não poderia estar acontecendo tendo em vista que a

pesquisa só pode ser iniciada no trabalho de campo se o CONEP já houver

registrado o projeto.

Por último, afirma que oferecimento de cestas básicas como contra partida

pelas informações quanto à elaboração e transmissão do conhecimento, para os

representantes da aldeia não possui função ética descrita ou adequada.

Apresentando a seguinte pergunta “é uma necessidade cultural indígena o

oferecimento de brindes para autorização de coleta de informações?”

Estabelece o item III.1 da Resolução 304 que os

“benefícios e vantagens resultantes do desenvolvimento da pesquisa, devem atender às necessidades de indivíduos ou grupos alvo do estudo ou da sociedade afim e/ou da sociedade nacional, levando-se em consideração a promoção e manutenção do bem-estar, a conservação e proteção da

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diversidade biológica, cultural, a saúde individual e coletiva e a contribuição ao desenvolvimento do conhecimento e tecnologias próprias.”

A entrega de alimentos à comunidade a cada ida nossa à aldeia era uma

forma de benefício, tendo em vista a carência alimentar dos membros integrantes

daquele grupo. Sem falar no benefício maior para todos os Krahô que vem a ser a

análise dos instrumentos normativos na busca de uma solução para o problema

vivido.

Mas entendemos que a forma de construção e transmissão do conhecimento

Krahô em relação à biodiversidade se torna imprescindível em nosso estudo, visto

que nos propomos a verificar os instrumentos normativos vigentes no Brasil com

análise dos dispositivos de acesso ao conhecimento tradicional indígena associado

à biodiversidade através do episódio ocorrido com os Krahô.

Para obter informações acerca da construção e transmissão do conhecimento

Krahô, mesmo que de forma parca, realizamos uma entrevista com Dodanim Krahô

Pükên, durante sua visita a Palmas. Entregamos os alimentos conforme o

estabelecido no termo de contra partida, apesar de não termos realizado a pesquisa

conforme o previsto.

Em nossa conversa buscamos estabelecer a forma de aprendizado em relação

biodiversidade; quem são os envolvidos no processo ensino/aprendizagem e se há

na sociedade Krahô o sistema de dom/contradons e de que forma.

Para iniciarmos a vislumbrar os mecanismos de estruturação da sociedade em

estudo, buscamos saber como o Krahô aprende e quem ensina as coisas

relacionadas a vida cotidiana de forma geral. Dodanim nos respondeu que

“os homens que fazem a roça, primeiro broca, segunda derruba, nós aprendemos a trabalhar na roça com os pais desde pequeno, que é os homens, né. As mulheres aprende com as mães na colheita, colheita é que aprende. As vezes ela ajuda até a planta, colhe elas também ajuda. Nós homem só brocamo, derrubamo, coivaramos. Mas as mulheres ajuda quando a roça tiver pronta, plantada, né. E nós tambem colhemo, muitas das vezes, e no plantio também, elas

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ajudam também. E nós aprendemos desde pequeno na roça, aprendendo com os pais. É criança menina.”

A partir dessa formulação podemos visualizar que o processo de

aprendizagem no que cinge a manutenção da vida pela alimentação parte dos pais

que se comprometem a ensinar aos filhos o que sabem, como forma de organizarem

e produzirem em suas roças.

“Dos homens além de roça, caça, ensina a caçar, pescar. Ensina a ser bom curador como eu falei, curador não, caçador, pescador. Que todas as coisas tem que ter certa informação, que pega do pai, do homem, peguei tudo do meu pai, como caçar, como pescar, como trançar esteira, como é que faz o arco, a flecha, é essas coisas que nós fazemos burduna, trançado de qualquer trança. É isso ai tudo que os homens faz. E as mulher da mesma forma, elas vão pro mato acompanha a mãe, vão pra roça, faz aqueles cesto né, É faz primeiro o cesto né, aprender a fazer o cesto, segundo eles vão lá na roça aprender com a mãe a rela mandioca, como enxuga, é assim. A criança aprende o que as mulher faz, ensina pros filhos, porque elas também aprenderam com os pais, né. Vai passando a informação para informação. As mulheres ensinam para as filhas mulher, e os homens pros filhos homens.”

Questionado sobre a relação dos demais membros da família (em especial

os irmãos do pai) em relação a possibilidade de ajuda na educação e nos

ensinamentos dos menores o informante foi taxativo ao nos dizer esses não podem

interferir, pois se ainda são solteiros, ainda estão aprendendo; e se forem casados

eles deveram ensinar a seus filhos. O saber é do segmento residencial.

No que cinge ao aprendizado relacionado mais especificamente com as

plantas medicinais esse fica a cargo do pajé ou wayaca ,“(...) a gente, aprende ,é

com os pajé, curador, que ensina conforma a doença que vem, aí os curador vem, é

tipo médico, vem e passa o remédio né. Eles também, os pajé são da mesma forma,

vem vê o que se ta tendo e passa aquele remédio, um raiz, casca.” O detentor do

saber tradicional de manejo do ambiente como forma de cura é o pajé e só ele

transmite em princípio, a relação de transferência está no observação se “aquele

remédio deu certo, ai você passa a ensinar a outro, mas o primeiro que ensina são

os pajé.”

Quanto à relação de troca entre os Krahô e o pajé nosso informante traça

alguns caminhos. A princípio ele não requer retribuição pelo remédio ofertado ao

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doente, mas ”quando é curador que não é nada de dentro da sua família né, ele

pede, assim, quando você estiver curado, que cura com o remédio que ensinou, aí

com o remédio que ele ensinou, ele quando depois de curado, você ta curado, ele

pede algum gratificação. Mas não cobra.” Observe na assertiva que a relação é

interpretada por ele como gratificação, não cobrança pelo serviço ofertado, mas já

surge no cenário uma outra vertente. Numa terceira ramificação das possíveis

situações que possam surgir em sendo “de dentro, seu parente, a maioria dos

homens que ensina, agora nos tamo até as mulheres que ensina, que ensina

tradicional, que faz raiz, se é dentro da família eles não costuma cobrar não, só

passou essa informação. Ta, para aprender.” Voltamos mais uma vez na questão

que envolve o segmento residencial, se a quem se ensina é membro da família do

pajé a relação é livre.

Informou-nos que a regra é o não cobrar, contudo existem pajés que só

curam mediante o recebimento de algo. No início se cobra saco de arroz, bola de

urucum, mas com o contato da sociedade envolvente “essas coisas compradas com

cupem, agora ele recebe facão, machado, panela essas coisas tudo. Mas, na época

era arco, flecha, quem vai lá curar aquele paciente, aí se ele ficar bom ele vai dar

arco, flecha, as vezes dava até urucum de pintar a bola. Tudo isso custa trabalho,

né. Ele dá aquilo.” Veja que o produto de troca ou dom/contradom existe seja de

forma voluntária, partindo da família receptora do remédio, seja mediante cobrança.

O que nos chamou a atenção na construção da troca “medicamentosa” é a

colocação de nosso informante que afirma ser costume dos krahô agradar ao

wayaca “pra ele sair animado né. É o trabalho que ele exerce, ele é curador para

isso. Mas ele não cobra, agente já sabe que ele precisa. Todos nós sabemos, sabe

que ele precisa. Curou, ficou bom entrega a coisa e dá pra ele.” O reconhecimento

do papel do curador em sua comunidade e de ser tal função uma “profissão”.

Ao ser questionado sobre a transmissão da informação dada pelo pajé para a

cura de determinada dor a terceiros nos informou que “e ai depende da dor de

barriga. Que sempre dentro da família, porque remédio a gente não pode, a gente

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tem medo. Se for dentro da família45, for irmão, irmã, sobrinho, aí eu posso, mas por

que daí é dentro da família, mas eu não posso ensinar outra, porque aí prejudicar,

aí já fica arrumada a confusão.” Em seu discurso ele deixa claro que o medicamento

indicado circula livremente entre os membros de sua família, mas não é fornecido a

outra unidade familiar, mesmo que a doença ou o mal que abate outro indivíduo,

seja similar ao sofrido em sua família. As características e peculiaridades do quadro

clinico do paciente só quem sabe definir é o pajé, assim sendo o remédio indicado a

membro da família “A” para dor “X”, poderá não ser o mesmo para a família “B” no

caso de uma dor similar a “X”. Assim, veja bem, não se interfere no outro segmento

pelo medo de ser acusado de feitiçaria.

Fato a se ressalvar quanto a utilização do saber tradicional como forma de cura

de doenças é o de “algumas que ainda não toma, tem medo de tomar’, ou seja, há

membros krahô que não procuram o wayacá para solucionar o mal que o aflige,

prefere buscar tratamento de cupem.

Do cupem, mas isso ai já é poucos, a maioria só que tomar remédio do cupem. É pouco que ainda toma, é os mais novo de hoje quase não conhece mais remédio do mato, porque todos, qualquer coisa já é direto pro hospital ou toma remédio de antibiótico, como é que fala. Mas nós tamo voltando a resgatar tudo aquilo que a escola Katiekoi lá na Kapey está ensinando que remédio do mato mata a doença, mas remédio do cupem talvez cura uma doença e prejudica outra, talvez só causa, não cura, e a doença volta, volta mais forte. É por isso que nos estamos voltando a aprender mais remédios com os pajés. Porque primeiro antigamente nos não tinha remédio do cupem, os remédio era tudo do mato e curava, então ta pouco mais tem mas é mais medicamento do cupem do que do índio. É assim falando, explicando, explicando que o remédio do cupem não cura, não cura, só faz aliviar. Já remédio do mato cura mesmo, não custa poré e nós temos na nossa reserva, remédio ali e nós passando mal. Bom tem certos remédio que pode ser curado por la, mas tem alguma coisa que pode ser com cupem, não vou dizer que tudo no mato tem, mas talvez algumas coisas como picada de cobra, nós temo os dois remédios completo, todos os problemas, só que não cura rápido igual o medicamento, devagar mais cura, cura mesmo, sara, cura mesmo, e assim com outras coisas mais, da mesma forma, não cura de uma vez, o merim que ficar bom logo é por isso que logo toma remédio, talvez injeção, é isso que nos tamo falando, nos tamo trazendo da escola o mais velho explicar a respeito da raiz do mato, porque é só atravez do velho que nos vamo aprender a resgatar, porque senão o novo, eu mesmo não sei, sei pouco remédio, mas sei procurar folha de chá no mato e é como os mais novos na verdade quase não sabe, nos tamo voltando o velho pajé

45 Quanto Dodanin se refere a família entende-se segmento residencial.

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pra explicar e voltar a conhecer mais remédio, nós não podemo perder é muito importante pra nós.todos tem que aprender.

O contato interético é o responsável por esse dilacerar ou abandono da crença

nos poderes dos pajés. O revitalizar da prática medicinal fitoterápica articulada pelos

Krahô não significa somente o reavivar de uma prática antiga de seu povo, mas

principalmente impedir o desaparecimento de um “livro” precioso de sua cultura.

Uma informação interessante nos fornecida durante a entrevista que nos amplia

o entendimento da vida krahô,

“E os mais velhos ensina assim varias coisas, remédio assim do mato, assim pra nos, mas não para curar, eles ensina outra forma pra, ser bom corredor, ser bom caçador, pa esses tipo de cabelo, cuida assim da do corpo, pra ficar como é que se previne, pra previne todas as coisas que vem, por exemplo, como é que faz pra evitar pra não envelhecer logo, né. Pele, cabelo.Saber quando a mulher tive menstruada, é que tem um certo tipo de época que eles pode cozinha. Tem um certo tipo de remédio que eles passa. Mas, pra doença é só os curador que passa.”

Para se formar integrantes mais fortes ou mesmo para prevenir algum mau

entendido por ele como rotineiro (como no caso da mulher menstruada) os anciões

difundem informações, mas a cura é de domínio exclusivo do wayacá.

Entender o surgimento e a sucessão do posto de wayacá é importante.

“Olha só os pajé que sabe como que surge, eu sei que de repente já, a pessoa já. Na historia que os pajé conta né, que eu já tive um avô que era pajé bom, ele falava que quando a pessoa vai caçar muito, caçar muito, vai pescar muito, de repente diz conversa com os animais, e aquele animais que passa a informação para ele, e assim que ele recebe, eu não sei explicar bem, mas eu sei que é por ai. Diz que orientações é dos animais, aves, qualquer deles conversa, e aquele animal que conversou com ele vai ser o chefe daquele pajé, qualquer coisa ele busca informação. É isso que eles diz, é por ai. E conversa com os animais.”

A partir de nosso informante a capacidade do indivíduo de se comunicar com

o mundo dos animais e o aprimoramento dessa faculdade faz com que um pajé surja

na comunidade. Mas há outra situação de formação de curador, seria o que a nosso

ver é a formação de um especialista, isto é se um krahô desejar aprender os meios

de curar picada de cobra, o pajé o ensinará, passa o aprendiz a conviver com o pajé

e a assimilar os ensinamentos.

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Quando questionado a cerca da troca de informações consideradas mais

simples

“tem algumas remédios, algumas folhas, que todo mundo conhece eu não sei todos. Folha de carne que é muito bom, chá de raízes que é nunca mais gripar, aliviar dor de barriga, comida fez mal, aí toma aquele chá. Isso é assim eles guarda, acha raiz, seca no sol, e guarda ali. Depois pega faz o chá e toma, comida fez mal toma raiz fica bom na mesma hora,.pra quem ta com dor de barriga também serve, todo mundo conhece. (...)São remédios simples, né, que eu posso ensinar. Que ce pode tomar hoje e tem resultado hoje mesmo. Mas, assim o remédio que toma, exemplo, remédio que é forte, começa a tomar hoje, e uma semana que termina, esse remédio de longo tempo eu não passo, não ensino. Só aquele remédio tipo calmante, que eu posso ensinar, porque aquele não é nada, se não serviu, também não fez mal.”

Já o fornecimento de informações para sociedade envolvente pudemos

observar a partir das declarações de nosso informante que essas vão estar sujeitas

a cobrança ou não de acordo com a interação que o interlocutor tenha com a

comunidade.

.

“Não, esse negócio de procurar e tudo assim, não é proibido de ensinar não. Não tem problema não. Fala as coisas, não é proibido não. Ensina, ensina. (...) Ah depende, né. Tem cupem que eu cobro, tem cupem que eu não cobro não.(...) É o que cupem dá de agrado também, porque eu vou ajudar , eu vou ensinar, o que ele quiser dar pra mim tá bom. Faz igual os pajé, o que recebe tá bom. Porque esses negócio de saúde, doença, tem fé também. Tá ajudando o outro, Deus tá vendo. Por isso que não pode cobrar muita coisa, você ta fazendo o bem pro outro. Sabe que depois no dia Deus dá. Que nós tá querendo, tá querendo ensina você a fazer remédio Ele tá vendo.E o que eu quero mais é saúde, também. Cura você na mesma hora e o dia, eu também tô doente, Ele também vai me dá. Tem que pensa no outro, a maioria pensa assim. Mas tem muito índio que não pensa isso, vai cura e vai pede poré. Mas aí é poucos que não tem fé em Deus, a maioria cura, com gosto mesmo, com coração. Que qué você fica bom, ele não cobra nada não. Se quise dá alguma coisa, deu. Mas tem índio que cobra.”

A fala acima transcrita demonstra a influência dos dogmas religiosos da

sociedade envolvente na comunidade indígena em análise, observe que a entrega

da informação relacionada a plantas com princípios curativos está na ciência de

Deus do bem que o indivíduo está a fazer.

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2. O universo das trocas.

Um sistema de trocas, tendo como base e suporte, o capital simbólico. Para

funcionar na sociedade contemporânea, ele traz consigo o princípio de uma visão

dominante, isto é, não se baseia somente nas representações mentais que os

indivíduos possam ter ou em ideologias, mas no sistema de estruturas

duradouramente inscritas nos corpos. Muito embora, os grupos indígenas estejam

passando por movimentos de reconhecimento de sua identidade e organizações,

ainda perdura o ponto de vista dos dominantes no estabelecimento dos contratos de

trocas, sejam elas materiais ou simbólicas.

Neste sentido, uma visão de ordem hegemônica da sociedade envolvente e

do campo que está se manejando na esfera do poder está sempre imputando aos

outros campos, às disposições de seu habitus.

Esse habitus está contido nas normas de comportamentos construídas pelo

campo jurídico. Os saberes normativos (gerais como específicos para o universo da

trocas) circunscrevem-se processos de embates e conflitos, e não de consenso, não

atuam “sobre” o sujeito, mas “constituiram” o sujeito “juridificado” (permitindo-nos um

neologismo, para evidenciar que o próprio estabelecimento da figura da persona

física para o Direito é produto de grupo que possui o poder hegemonicamente).

Dessa maneira, no universo da troca não há uma paridade entre os sujeitos.

Os sujeitos não se relacionam diretamente, porque um dos atores concebe-se

e legitima-se juridicamente como tal, e os outros são ainda compreendidos e

assumidos com submissos e tutelados. Essa identidade abstrata e jurídica não se

expressa apenas em papéis desempenhados num cenário histórico datado. Ela

comporta uma certa noção de longevidade na qual os corpos dominados têm

inscritas características dos habitus de outrem.

O universo das trocas expressa formas de poder que elucidam a vida

cotidiana e os micro-poderes ali existentes. Estes micro-poderes possuem

características e histórias específicas, que se relacionam ao Estado, mas que não

podem ser reduzidas como uma extensão de seus efeitos.

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As trocas passam por discursos formados no interior de saberes que se

caracterizam pelo domínio de determinados objetos. Não há saber sem poder, assim

como não há saber sem conflito, sem embate entre várias posições distintas.

Conforme Foucault, a produção de uma verdade é sempre conflituosa (FOUCAULT,

1979; 2001).

A sociedade envolvente, assumida enquanto um campo social total, possui

um discurso que entra em conflito com à sociedade indígena. Isto porque, os

campos e habitus da sociedade envolvente são dispares dos existentes entre os

indígenas. As categorias de campo social e habitus possuem distinções e

manifestações diferenciadas nas sociedades indígenas, tendo-se em vista a sua

própria diversidade cultural (cosmológica). No entanto, os elementos de similitude

passam pelo desempenho de cada um dos atores sociais e pela valoração que os

mesmos possuem no seio da comunidade.

Os discursos produzidos nas relações de troca representam as posições de

cada ator nos cenários de ambas as sociedades em contato. Os discursos se

movimentam como jogos estratégicos em constante luta e confronto. Desta luta

entre “verdades” saem os discursos considerados verdadeiros e os discursos

considerados falsos. Consequentemente, na visão hegemônica somente o

considerado verdadeiro e válido é o discurso dos pares legitimados pelo poder; de

certa forma, a própria Antropologia vem levantando essa disparidade entre discurso

e alteridade auxiliando o próprio Direito a melhor estruturar as lógicas jurídico-

normativas.

Nas sociedades primitivas as trocas, tanto de pessoas quanto de coisas,

possuem uma carga simbólica diversa da sociedade ocidental. Mauss, em sua obra

“Ensaio sobre a dádiva”, reflete sobre o caráter voluntário, livre e gratuito do ato de

dar, e das prestações vividas como ato forçado e interessado no ato de dar nas

sociedades primitivas.

Para Mauss (1975), a dádiva não se trata de retribuir ao indivíduo a coisa

recebida, trata-se da coletividade que se obriga mutuamente. A troca nas

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sociedades possui concepções diversas das nossas. Estabelecem-se os fenômenos

de troca e de contrato nessas sociedades de caráter moral e econômico.

“Eles não trocam exclusivamente bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas úteis economicamente. São antes de mais, amabilidades, festins, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras, cujo mercado não é senão um dos seus momentos e em que a circulação das riquezas mais não é do que um dos termos de um contrato mais geral e muito mais permanente.(Idem, 1975:56) ”

A dádiva gera um vínculo de paz ou guerra entre os envolvidos. Há uma

subordinação, forma-se um status de inferioridade naquele que recebe. Há uma

obrigação moral estabelecida que obriga a retribuição do presente recebido. Mauss

contextualiza toda essa relação estudando as comunidades “primitivas” da Polinésia

e da Melanésia. Há nesse contexto um contrato estabelecido de forma incisiva entre

as partes envolvidas, e o não cumprimento de cada obrigação pode em

determinadas situações desencadear conflitos.

Há nessas sociedades primitivas estudadas por Mauss o que ele denomina

de prestações totais, uma vez que a troca é assim um fato social "total", uma vez

que estão interligados instituições religiosas, jurídicas, morais , políticas, familiares e

econômicas.

“Se chama sistema das prestações totais, de clã para clã, sistema segundo o qual indivíduos e grupos fazem todas as suas trocas – constitui o mais antigo sistema de economia e de direito possível de constatar e conceber. Forma o fundo sobre o qual se destacou a moral da dádiva-troca.” (MAUSS, 1975:91)

Mas a prestação total não implica só a obrigação de retribuir os presentes

recebidos, ela supõe dois outros igualmente importantes: a obrigação de os dar, por

um lado, obrigação de os receber, por outro. Mauss (1975) ainda verifica que

“recusar-se a dar, negligenciar o convite, como recusar receber, equivale a declarar

guerra, é recusar a aliança e a comunhão”

Godelier (2001:75) na reflexão sobre o dom ou prestação total do tipo

agonísitca, estabelece uma relação de dons-contradons de tipo não agonísticos.

“a coisa ou a pessoa dada não é alienada. Dar é transferir uma pessoa ou uma coisa, da qual se cede o “uso” mas não a propriedade.Por isto, um dom cria uma dívida que um contradom

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equivalente não pode anular.A divida obriga a dar de volta, mas dar de volta não é restituir; é dar por sua vez.Dons e contradons criam um estado de endividamento e de dependência mútuos que oferece vantagens para cada uma das partes.Dar é portanto partilhar endividando ou, o que dá no mesmo, endividamento partilhando.”

Observando as relações de trocas descritas por Mauss pode ser vislumbrar a

caracterização de uma relação contratual de caráter oneroso e comutativo entre as

partes, visto que a parte que recebe deve de forma eqüitativa retribuir o recebido

como forma de se adimplir a obrigação pactuada. Mas os dons nessas sociedades

não são apenas um mecanismo que faz circular bens e as pessoas, assegurando

assim sua repartição, sua distribuição entre os grupos compõem a sociedade (Idem,

2001:76).

No ato de dar postula a constituição da vida social por um constante dar-e-

receber. A universalmente, dar e retribuir são obrigações organizadas de modo

particular em cada caso. Esse contexto denota a necessidade de entendermos como

as trocas são concebidas e praticadas nos diferentes tempos e lugares, uma vez

que elas podem obter formas variadas, da retribuição pessoal à redistribuição de

tributos.

Em trabalho de campo na Aldeia Manoel Alves Pequeno, junto aos Krahô,

pudemos presenciar uma forma de dom e contradom que demonstra a estrutura

social a partir da complementaridade das funções desenvolvidas por homens e

mulheres. Essa forma de dom e contradom é denominada pela comunidade como a

festa da Cabaça, para que tal ritual ocorra não há um motivo em especial.

Após a corrida da tora realizada pelos dois sexos, direcionam-se todos ao

pátio central, o cantador entoa uma música que uma vez concluída as mulheres se

direcionam a suas casas. Os homens se concentram no centro do pátio e em

conjunto direcionam-se as casas para buscar a cabaça (ou vasilha de água), para

que possam ser preenchidas com água. Tendo passado por todas as casas se

direcionam ao rio para encher as mesmas. Enquanto isso as mulheres estão nas

casas preparando um prato de comida para ser entregue ao homem que pegou sua

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vasilha. Os homens retornam ao pátio central com as cabaças cheias e as mulheres

com o prato de comida para ser trocado.

As dádivas perpassam e organizam diferentes funções na esfera social, não

restringindo sua abrangência no campo da formação de alianças ou na declaração

de guerra. A visão que tivemos da festa da cabaça destoa em completo do significa

atribuído pelo índio Dodanim em entrevista:

“É um ritual. Quando é festa, né. Todas as casas a água leva. É isso que faz mulheres e os homens. Pode ser que as mulheres pega cabaça em todas as casas ou então pode ser os homens, ela faz o mesmo que você viu,né. Foi as mulheres que pegaram ou os homem? (...) Até criança faz, da mesma forma. Faz de fruta do mesmo jeito da cabaça. Eles pega, eles vão, as mulher, por exemplo, elas sai num dia, hoje, hoje a tarde eles vão em todas as casas pega os coifo, os coifo, pede pros homem dá, eles pega dois, três, quatro, cinco coifo em cada casa, até circular a aldeia toda. Ai no outro dia seguinte cedo eles vão pro mato, e os homem fica fazendo cukrê. Ai quando chega umas 5 horas, eles marca o lugar, e junta tudo ali, é caju, é bacaba, essas fruta do mato. Ai vem tudo pro pátio, chega no pátio, senta, do jeito que você viu com cabaça eles vai come, vai come. Eles leva as fruta pra casa, as mulheres come lá, canta até certa hora. (...) Faz festa com água, toda festa que faz. Aquele que faz isso é pra, eu acho de água, que é de água. Tem das frutas, faz isso, ai ao mesmo tempo que come de noite, come fruta, de noite brinca, por que tem muita fruta, por que todo mundo saiu, toda vez sai pra busca. Os homem também faz, do mel, eles sai, os homem sai pra pega os garrafa né, que tem todas as casa, no outro dia sai pra pega mel, todo mundo só que esse ai é mais demoroso, as fruta é só um dia, o mel tem vez que é três dia, dois dia pra pode inche garrafa de mel. Ai junta, vem de novo e troca por cukrê, e a festa começa.”

Como se vê através do relato a festa da cabaça, pode ser de mel, fruta,

carne, ser iniciada pelas mulheres, pelos homens ou mesmo pelas crianças. Para os

Krahô o seu significado se restringe a vontade de se ter uma festa.

Analisando a prática do dom na Polinésia Mauss (1975), divide a dádiva a

partir dos gêneros a relação de receber e retribuir um oloa (bens masculinos) e o

tonga (bens femininos). Numa síntese da relação temos que a criança, bem uterino,

é o meio pelo qual os bens de família uterina se trocam pelos da família masculina.

Não só objetos mas também conhecimentos rituais são classificados como

tonga; são as esteiras de casamento, herdadas pelas filhas, os tesouros, talismãs,

brasões, tradições, cultos e rituais. Eles pouco circulam. Proibições impedem-nos de

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serem repassados a qualquer um; ligam-se assim ao poder, daí serem bens de

prestígio, freqüentemente marcas da chefia, carregados de mana, que nada mais é

do que a autoridade, o talismã, que se perde quando não se retribui um dom.

A transmissão cria um vínculo jurídico, moral, político, econômico, religioso e

espiritual.

Há uma força na coisa dada é essencialmente a da relação que continua a liga-lá à pessoa daquele que a deu. Ora essa relação é dupla pois o doador continua a estar presente na coisa que é dá, que não está desligada de sua pessoa, e sua presença é uma força, a força dos direitos que ele continua a exercer sobre ela e através dela, sobre aquele a quem ela foi dada e que o aceitou. (GODELIER, 2001:70)

Tanto a quantidade e a qualidade do que é trocado tem importância no

estabelecimento da superioridade política e moral como também a iniciativa do

oferecimento de uma primeira dádiva que irá estabelecer a relação. Há algo de

perigoso no ato de dar, há sempre o perigo de não sermos aceitos. A ascendência

do doador se relaciona assim também à iniciativa da troca.

O valor de certos objetos pode não ser no sentido de sua generalização

quantitativa, como padrão ou medida da troca. Por exemplo, seu valor pode estar em

uma capacidade emblemática para representar todo um clã ou linhagem (caso das

esteiras polinésias mencionadas por Mauss). Nesse caso, tratam-se de valores

"subjetivos e pessoais", freqüentemente inalienáveis. O que distingue a moeda

capitalista das "moedas" hierárquicas é que estas são menos alienáveis. Claro que

elas também não são totalmente inalienáveis, pois por definição são passíveis de

serem trocadas, apesar dessa troca ser sempre cercada de proibições e condições

(ocorrer só quando há um casamento real, por exemplo).

Lanna (2000:184) apresenta uma reflexão pertinente a questão que envolve o

capitalismo e o mundo das trocas.

“Já no capitalismo, a moeda destrói as esferas de troca, acabando com a possibilidade de uma dessas esferas vir a ser hierarquicamente superior. A divisão fundamental passa a ser entre o

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que é ou não é mercadoria, isto é, passível de compra e venda, ser trocado por dinheiro; no mercado, a moeda passa a ser uma medida geral. No capitalismo, a própria alienabilidade passa a ser um valor; todos desejam a moeda por esta ser aquilo que pode, potencialmente, tudo alienar. Assim, se a lógica da mercadoria define uma esfera extremamente ampla de troca –, o mercado, a da dádiva define sempre várias esferas restritas, fechadas em si mesmas, mas em relação hierárquica entre elas. Mauss poderia ser criticado por não distinguir a generalização de valores hierárquicos (no sentido dumontiano do termo) da generalização capitalista do valor e do valor-moeda (no sentido marxista do termo).”

No que concerne ao valor atribuído ao cobre pelos índios da costa noroeste

da América do Norte entende Mauss que esse tem um significado construído

localmente. Tem-se uma estrutura estruturada pela capacidade atribuída ao cobre

de representar um todo, ao serem associados ao chefe. O cobre seria uma moeda

personalizada, que inclusive fala e isso, para Mauss, o diferiria fundamentalmente da

nossa moeda.

Estabelecendo a questão da moeda para Mauss e a sua relação dentro das

práticas do dom

“A concepção de moeda de Mauss leva-o então a tratar a dádiva como comércio. Mas ele deixa claro que, se a dádiva também é comércio, ela não é exclusiva nem principalmente comércio; seria apenas um dos seus sentidos, seu "aspecto econômico". O kula, por exemplo, pode ser entendido como um comércio intertribal, por implicar uma troca circular que ocorre entre várias ilhas melanésias. Mas, como Malinowski mostra, ele é distinguido pelos próprios trobriandeses das trocas puramente econômicas "de mercadorias úteis", denominadas gimwali, e que ocorrem paralelamente a ele (idem, p. 74). Mauss nota que os trobriandeses sempre foram comerciantes. Em resumo, para Mauss, como para Malinowski, as trocas podem ter um caráter mais ou menos comercial.” (LANNA, 2000:185)

Podemos, complementar tal concepção com a própria descrição de Mauss

(1975:204).

“Os povos lograram substituir a aliança, a dádiva e o comércio à guerra, ao isolamento e à estagnação. (...) As sociedades progrediram na medida em que elas próprias, os seus subgrupos e, enfim, os indivíduos, souberam estabilizar as suas relações, dar, receber e, enfim, restituir. (...) Foi só depois que as pessoas souberam criar para si, satisfazer-se interesses mútuos e, enfim defende-los sem terem que recorrer às armas.”

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E nesse sentido reafirma Godelier (2001:203) ao escrever que suas análises o

levam a concluir que:

“não poderia haver uma sociedade sem dois domínios: o das trocas, não importa o que se troque e qual seja a forma desta troca, do dom ao potlatch, do sacrifício à venda, à compra, ao mercado; e aquele em que os indivíduos e os grupos conservam preciosamente para eles mesmos, e depois transmitem a seus descendentes ou àqueles que compartilham a mesma fé, coisas, relator, nomes, formas de pensamento. Pois o que se guarda sempre são “realidades” que arrastam os indivíduos e os grupos para um outro tempo, que os remetem às suas origens, à origem. É a partir desses pontos de referência, dessas realidades “fixas na natureza das coisas” que se constroem, se desdobram as identidades, individuais e coletivas.”

Os diversos olhares que se debruçam no “simples” ato de dar, nas diversas

sociedades a partir de suas práticas sociais e culturais, entender o ato nos faz refletir

sobre o modo como lidamos e estabelecemos relações com as diferenças. Há que

se depurar o sentido das coisas que nos rodeiam para que não encarceremos nosso

senso crítico nas estruturas estruturadas. Pois só assim poderemos construir as

estruturas estruturantes, que com sua propagação e disseminação poderão se

transformar em estruturas estruturadas, alterando a ótica vigente.

Como já discorremos no item anterior as trocas no universo Krahô podem

estar relacionadas com a manutenção da vida, como no caso dos pais que ensinam

aos filhos a forma de cultivo da roça, ou das mães para as filhas quanto a colheita

dos alimentos; ou mesmo a vontade de se confraternizar, como na festa da cabaça;

pode ser realizada única e exclusivamente pelo wacajá em relação a determinado

manejo de planta para a cura de males, ou no circular rotineiro de remédios

“caseiros” para doenças comuns, como a dor de cabeça, dor de barriga, corte no pé,

mas há que se fazer uma ressalva, existem inúmeras formas de se manipular a

mesma planta, e por conseqüência há um reflexo direto em quem será o informante.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação direito e meio ambiente, no Brasil, ainda tem muito que se

desenvolver, isto porque as discussões sobre temas como desenvolvimento

sustentável, formação de políticas públicas direcionadas a questões ambientais,

desenvolvimento e ocupação territorial de forma ordenada são recentes no cenário

político e social, e um consenso quanto às diretrizes de estruturação das ações não

estão solidificadas.

Observamos que o conceito e classificação de política não possuem

consenso entre os doutrinadores. Mas, na estrutura social vigente, um fator há que

ser unânime a política é um conjunto de ações que tem como premissa a busca da

igualdade entre os indivíduos que se encontram sob égide do Estado, visto que o

poder político objetiva os interesses sociais com fim a um desenvolvimento ordenado

sócioeconômico e cultural.

O poder emana do povo, é exercido para o povo, e pelo povo. Essa é uma

das concepções mais prolatadas como forma de se ratificar o poder democrático no

qual está inserida a sociedade. Tal assertiva demonstra que o ser imbuído do poder

estatal, independente da esfera em que esteja, é portador de um ônus, e não de um

benefício. O exercício da política a partir das ferramentas que são ofertadas com o

poder para que se dinamize a vontade social há que ser vista como um

compromisso.

É na formação de ações e de novos paradigmas sociais, que surge a questão

ambiental como ponto polêmico nas discussões políticas, isto porque o olhar

direcionado ao meio ambiente, como objeto de satisfação humana, passa ser

desfocado, e a partir da década de 60, do século passado, inicia-se a construção de

uma concepção biocêntrica, deixando de lado o paradigma antropocêntrico.

O homem deixa de ser o centro do universo em que está inserido e

paulatinamente começa a conceber sua existência em um conjunto, onde ele ocupa

o papel de predador de si mesmo, visto que suas ações degradantes, refletem no

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meio, porém o prejuízo maior é ele quem sofre, como a contaminação do solo, água

e ar.

A publicação da obra “Limites do crescimento”, se torna o marco do conclame

para a mudança das estruturas vigentes à época, seu texto mesmo que alarmista

desmistificava a infinitude dos recursos naturais e projetava uma situação

complicada para a humanidade caso as ações políticas e sociais não fossem

alteradas. Todavia, a busca de um crescimento econômico se tornou um ponto de

dissenso entre os países do norte e do sul, os primeiros tentavam impor um

crescimento zero aos países componentes sulista, enquanto esses pleiteavam

crescimento a qualquer custo.

Com a publicação do Relatório “Nosso Futuro Comum”, resultado da

Conferência de Estocolmo, em 1982 e o uso pela Coordenadora do mesmo do termo

desenvolvimento sustentável, como parâmetro para a obtenção de um desenvolver

equilibrado, tendo em vista que a política pública pode ser entendida como um corpo

de atividades executadas pelo Estado com fins ao bem estar social. O meio

ambiente passa a integrar, mesmo que de forma modesta, esse conjunto de ações a

serem desenvolvidas.

Todavia, o conceito de sustentabilidade até os tempos atuais, é um ponto

controverso, as discussões geram matizes teóricos diversos, não se estabelecendo

um consenso quanto ao modo de aplicabilidade de tal definição na formação das

políticas.

Se na Conferência de Estocolmo os paises discutiam como diminuir os

dejetos gerados pelo processo de consumo, na Eco-92 temos o amadurecimento da

consciência na política em relação e da necessidade de novas ações ambientais. O

evento possibilitou ao Brasil demonstrar o seu amadurecimento político e suas

preocupações com as questões ambientais.

O surgimento de institutos normativos relacionados à preservação ambiental

pode ser datado a partir da década de 70, conforme foi se desenvolvendo as

discussões, seja no âmbito social, seja no político. Novas estruturas foram se

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solidificando. Questionar a eficácia ou mesmo a aplicabilidade da norma não deve

ser o ponto nevrálgico, isto porque, a formação de paradigmas não é de uma

maneira instantânea, há todo um ciclo a ser cumprido para que o amadurecimento

das idéias possa ser obtido.

Assim, se observa na formação das políticas ambientais, a sua precariedade

de estrutura ou ausência de determinados fatores, não a invalida, diante do prejuízo

que se pode obter com a ausência completa de sua normatização. A norma reflete o

estágio em que uma sociedade se encontra, tendo em vista ser ele que a emana, a

partir de seus princípios, valores e condutas.

A Convenção de Diversidade Biológica demonstra o desenvolver da

maturidade política, além de reconhecer a importância dos saberes tradicionais

relacionados à biodiversidade fator relevante, não só para estudo, mas como forma

de preservação da identidade cultural dos indivíduos inseridos.

A nosso entender o equívoco cometido pelo Brasil, quanto a internalização da

Convenção que é signatário foi o lapso temporal para que as coisas ocorressem, ou

seja, a CDB foi assinada em 1992, somente em 1998 a partir do Decreto nº 2.519 é

que o teor da Convenção é promulgado, sendo que somente em 2000, e a partir de

Medida Provisória, a questão de acesso à biodiversidade brasileira é disciplinada.

Tendo em vista, os percalços que se formaram no caminho, é em 2001 com a MP

2.186-16 que passou a ter eficácia de lei em virtude da Emenda Constitucional nº 32

que o país passa a ter um regulamento formal. No mesmo ano é publicado decreto

regulamentador da composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético,

sendo que o órgão publica somente em 2003 resolução que disciplina assunto

pertinente a questão de acesso ao conhecimento tradicional relacionado à

biodiversidade.

Numa contagem do prazo levado pelo Governo Brasileiro para iniciar a

normatização da questão do acesso à biodiversidade de seu território temos

exatamente 11 anos. É essa morosidade que gera casos como os dos Krahô, que

tiveram no período de 1999 a 2001, 400 espécies da biodiversidade do cerrado

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acessado de forma inapropriada pela pesquisadora citada, tendo em vista os

detalhes já traçados.

É certo que a norma deixa lacunas, mas a questão crucial a nosso entender

quanto ao acesso de informações provenientes do saber tradicional está na previsão

de uma repartição de benefícios justa e eqüitativa. Isto porque, esse é um parâmetro

extremamente subjetivo, está no olhar valorativo de cada indivíduo.

Mas, fazendo uma análise tomando como base o contrato de repartição de

benefícios registrado pela Natura junto ao Ministério do Meio Ambiente,

observaremos que para o acesso de apenas uma espécie natural foi pago o

equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Pode-se questionar o fato de terem sido

20 Kg do referido material, mas o que se quer estabelecer é a quantidade de um

mesmo material acessado, o numero de espécies? Não se faz relevante dizer que

foram 2, 3 ou 100 amostras de um mesmo material biológico acessado, mas sim 1,

2,3 ou 100 espécies acessadas.

Em que pese toda a argumentação da UNIFESP de ter procedido de forma

“X” ou “Y” em virtude da ineficácia dos órgãos governamentais para a expedição dos

documentos necessários, ou mesmo que com a publicação da MP 2.186-16 o

contrato de repartição de benefícios foi realizado, mesmo o Conselho não tendo

expedido resolução a disciplinar o modo de sua constituição. A complementação de

valores em virtude do montante acessado e principalmente por ser uma

bioprospecção,há que ser feita uma adequação do contrato.

Os valores destinados aos pajés, que acompanharam a pesquisadora durante

as entrevistas e a coleta das plantas variavam de R$ 100,00 e 150,00, valor que

dependeria da freqüência das saídas para a coleta e seria acordado com da um; já

os professores responsáveis pela tradução dos termos da língua timbira receberam

R$ 50,00 por viagem; e os moradores das aldeias que estavam sendo pesquisadas

receberiam diárias entre R$ 200,00 e 350,00 por aldeia, valores que se altera

conforme o numero de moradores de cada aldeia.

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O contrato da Natura prevê a transferência a COMARU de 0,5% (meio por

cento) da receita líquida dos produtos de Breu Branco vendidos foram destinados

na forma de royalties. O contrato entre a UNIFESP e a VYTY-CATY prevê um

possível pagamento de royalties, todavia não define quanto, nem como.

Há como se afirmar que o contrato celebrado entre a pesquisadora e as

comunidades indígenas envolvidas está em consonância com o previsto pelo

ordenamento jurídico? Há que se fazer adequações para que se possa aproximá-lo

de um equilíbrio das prestações entre as partes.

Quanto à questão do destinatário dos valores a serem complementados é

outro ponto, controverso, há o entendimento de que o receptor dos valores deva ser

a aldeia informante, outro que deve ser o indivíduo que repassa os dados, já um

terceiro estabelece que deve ser toda a comunidade em que está inserida o saber,

no nosso estudo os Krahô.

Essas ponderações fazem surgir questionamentos. O fato de ser o manejo de

determinados elementos ambientais conhecido por outras comunidades tradicionais,

dariam a eles o direito em reclamar participação nos benefícios? Em sendo

afirmativa a resposta, a quem devem reclamar tal direito, a instituição acessante, ou

a comunidade acessada que recebeu os valores?

No contrato da Natura, o estabelecido é que qualquer outra comunidade

tradicional que detenha o conhecimento quanto ao modo de extração do Breu

Branco deve se insurgir em face da comunidade extrativista, isentando a Natura de

qualquer responsabilidade, o que define a postura do Cgen que o pagamento a que

ser feito a comunidade informante.

No caso da Natura o contrato foi celebrado com uma comunidade extrativista,

e não com uma sociedade indígena, o que torna o sujeito da relação diverso e

portador de peculiaridades específicas, todavia serve como parâmetro para dizer

que o pagamento dos benefícios provenientes, foi realizado de forma justa e

eqüitativa.

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Mesmo tendo sido o contrato com a VYTY-CATY firmado quando ainda não

estavam previstos em resoluções o modo de obtenção da anuência prévia, tão

pouco as especificidades do contrato de repartição de benefícios, a MP passou a

disciplinar o assunto durante o desenvolvimento da pesquisa, fato esse que levou a

Universidade a realizar tais instrumentos junto a comunidade informante. O que se

pretende é uma adequação dos valores que foram destinados e uma melhor

estruturação dos benefícios de curto, médio e longo prazo.

O assunto vem sendo discutido no cenário político há três anos. E não se

chegou a nenhum consenso, mesmo porque, nem o governo sabe muito bem como

resolver a contenda. Mas uma certeza se tem, um patrimônio vasto foi acessado, e o

valor repassado é inexpressivo. A informação já é de conhecimento da Universidade

fato que não se pode reverter, mesmo tendo sido a pesquisa paralisada, o saber foi

acessado.

O encontro do que poderia ser a principio, o inicio da composição do conflito

passa pelo universo da troca. Os dons e contra dons do mundo ocidental não possui

pontos de confluências significativas com o das comunidades indígenas. As

sociedades são diferentes, com significados por vezes similares, mas tal fato não

traz ponto passivo ao tema. As estruturas estruturadas e as estruturas estruturantes

dos dons são, historicamente, construídos a partir de valores culturais, sociais

antagônicos.

Essa disparidade torna a interpretação da norma, no que cinge a repartição

de benefícios de forma justa e eqüitativa, polêmica, pois, alguns constroem um olhar

mais ocidental, no qual a repartição de benefícios estaria beneficiando,

prioritariamente, os que acessam a informação. Em contraposição, outros

estruturam sua linha de defesa em argumentos voltados para os interesses

indígenas. A argumentação tem por alicerce o fato de ser o saber acessado uma

construção secular, são anos de estudos, testes, análises (mesmo que a olhos

ocidentais empíricas) na construção do manejo ambiental das espécies para a

retirada de princípios ativos, sendo que alguns deles são desconhecidos pela

sociedade envolvente.

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Não estamos com isso advogando a tese de que se deve pagar cifras

milionárias aos indígenas, mas a “troca de riquezas naturais por espelho” não é

mais admissível nos tempos de hoje. O Direito evoluiu, e a busca pela igualdade,

nas prestações ofertadas pelas partes, na relação contratual é premissa de equilíbrio

para o correto desenvolvimento das obrigações.

Entretanto, para que essa ou outras situações similares possam ser

solucionadas os caminhos a serem percorridos são longos e complexos. O certo é

que discussões acirradas serão travadas, interesses particulares serão postos à

frente.

As comunidades tradicionais continuam sem voz ativa no exercício de seus

direitos. O desenvolver de uma nova visão e o suprimento das lacunas existentes na

norma só surgiram, quando situações como a sofrida pelos Krahô passem a ser

questionadas de forma contundente, e principalmente, que ações concretas sejam

tomadas pelo poder público.

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ANEXO 01 - Emenda Constitucional nº32.

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Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 32, DE 11 DE SETEMBRO DE 2 001

Altera dispositivos dos arts. 48, 57, 61, 62, 64, 66, 84, 88 e 246 da Constituição Federal, e dá outras providências.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1º Os arts. 48, 57, 61, 62, 64, 66, 84, 88 e 246 da Constituição Federal passam a vigorar com as seguintes alterações:

"Art.48. ..............................................

X – criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 84, VI, b;

XI – criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública;

.................................................."(NR)

"Art.57. ................................................

§ 7º Na sessão legislativa extraordinária, o Congresso Nacional somente deliberará sobre a matéria para a qual foi convocado, ressalvada a hipótese do § 8º, vedado o pagamento de parcela indenizatória em valor superior ao subsídio mensal.

§ 8º Havendo medidas provisórias em vigor na data de convocação extraordinária do Congresso Nacional, serão elas automaticamente incluídas na pauta da convocação."(NR)

"Art.61. ................................................

§ 1º ..................................................

II- ...................................................

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;

.................................................."(NR)

"Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I – relativa a:

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;

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b) direito penal, processual penal e processual civil;

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;

II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;

III – reservada a lei complementar;

IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.

§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.

§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.

§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.

§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados.

§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.

§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto."(NR)

"Art.64. ..............................................

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§ 2º Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação.

.................................................."(NR)

"Art.66. ..............................................

§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final.

.................................................."(NR)

"Art.84. ................................................

VI – dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;

.................................................."(NR)

"Art. 88. A lei disporá sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública."(NR)

"Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive."(NR)

Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional. Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 11 de setembro de 2001

Mesa da Câmara dos Deputados Mesa do Senado Federal Deputado Aécio Neves Presidente

Senador Edison Lobão Presidente, Interino

Deputado Efraim Morais 1º Vice-Presidente

Senador Antonio Carlos Valadares 2º Vice-Presidente

Deputado Barbosa Neto 2º Vice-Presidente

Senador Carlos Wilson 1º Secretário

Deputado Nilton Capixaba 2º Secretário

Senador Antero Paes de Barros 2º Secretário

Deputado Paulo Rocha 3º Secretário

Senador Ronaldo Cunha Lima 3º Secretário

Deputado Ciro Nogueira 4º Secretário

Senador Mozarildo Cavalcanti 4º Secretário

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ANEXO 02 - Decreto n o 2.519, de 16 de Março de 1998.

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Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 2.519, DE 16 DE MARÇO DE 1998.

Promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 05 de junho de 1992. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição,

CONSIDERANDO que a Convenção sobre Diversidade Biológica foi assinada pelo Governo brasileiro no Rio de Janeiro, em 05 de junho de 1992; CONSIDERANDO que o ato multilateral em epígrafe foi oportunamente submetido ao Congresso Nacional, que o aprovou por meio do Decreto Legislativo nº 02, de 03 de fevereiro de 1994; CONSIDERANDO que Convenção em tela entrou em vigor internacional em 29 de dezembro de 1993; CONSIDERANDO que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação da Convenção em 28 de fevereiro de 1994, passando a mesma a vigorar, para o Brasil, em 29 de maio de 1994, na forma de seu artigo 36, DECRETA: Art. 1º A Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 05 de junho de 1992, apensa por cópia ao presente Decreto, deverá ser executada tão inteiramente como nela se contém. Art. 2º O presente Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 16 de março de 1998; 177º da Independência e 110º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Luiz Felipe Lampreia Este texto não substitui o publicado no D.O.U de 17.3.1998

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ANEXO 03- Decreto n° 3.945 de 28 de setembro de 20 01.

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Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 3.945, DE 28 DE SETEMBRO DE 2001.

Define a composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético e estabelece as normas para o seu funcionamento, mediante a regulamentação dos arts. 10, 11, 12, 14, 15, 16, 18 e 19 da Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e

VI, alínea "a", da Constituição,

DECRETA::

Art. 1o Este Decreto define a composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético e estabelece as normas para o seu funcionamento, mediante a regulamentação dos arts. 10, 11, 12, 14, 15, 16, 18 e 19 da Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de agosto de 2001.

Art. 2o O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético é composto por um representante e respectivo suplente dos seguintes órgãos e entidades da Administração Pública Federal, que detêm competência sobre as matérias objeto da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001:

Art. 2o O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético é composto por um representante e dois suplentes dos seguintes órgãos e entidades da Administração Pública Federal, que detêm competência sobre as matérias objeto da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001: (Redação dada pelo Decreto nº 5.439, de 2005)

I - Ministério do Meio Ambiente;

II - Ministério da Ciência e Tecnologia;

III - Ministério da Saúde;

IV - Ministério da Justiça;

V - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

VI - Ministério da Defesa;

VII - Ministério da Cultura;

VIII - Ministério das Relações Exteriores;

IX - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;

X - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;

XI - Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro;

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XII - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq;

XIII - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA;

XIV - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa;

XV - Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz;

XVI - Instituto Evandro Chagas;

XVII - Fundação Nacional do Índio - Funai;

XVIII - Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI;

XIX - Fundação Cultural Palmares.

§ 1o O Conselho de Gestão será presidido pelo representante titular do Ministério do Meio Ambiente e, nos seus impedimentos ou afastamentos, pelo respectivo suplente.

§ 2o Os membros do Conselho de Gestão, titulares e suplentes, serão indicados pelos representantes legais dos Ministérios e das entidades da Administração Pública Federal que o compõem, e serão designados em ato do Ministro de Estado do Meio Ambiente.

§ 3o As funções dos membros do Conselho de Gestão não serão remuneradas e o seu exercício é considerado serviço público relevante.

§ 4o O Conselho de Gestão reunir-se-á em caráter ordinário uma vez por mês e, extraordinariamente, a qualquer momento, mediante convocação de seu Presidente, ou da maioria absoluta de seus membros, neste caso por intermédio de documento escrito, acompanhado de pauta justificada.

§ 5o A periodicidade a que se refere o § 4o pode ser alterada por decisão do Conselho de Gestão.

§ 6o O membro que faltar a duas reuniões seguidas ou a três intercaladas, sem as correspondentes substituições pelo suplente, será afastado do Conselho de Gestão.

§ 7o O Presidente do Conselho de Gestão poderá convidar especialistas para participar de reunião plenária ou de câmara temática para subsidiar tomada de decisão.

Art. 3o Nos termos da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, compete ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, atendida a sua natureza deliberativa e normativa:

I - coordenar a implementação de políticas para a gestão do patrimônio genético;

II - estabelecer:

a) normas técnicas, pertinentes à gestão do patrimônio genético;

b) critérios para as autorizações de acesso e de remessa;

c) diretrizes para elaboração de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;

d) critérios para a criação de base de dados para o registro de informação sobre conhecimento tradicional associado;

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III - acompanhar, em articulação com órgãos federais, ou mediante convênio com outras instituições, as atividades de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;

IV- deliberar sobre:

a) autorização de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético, mediante anuência prévia de seu titular;

b) autorização de acesso a conhecimento tradicional associado, mediante anuência prévia de seu titular;

c) autorização especial de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos, a instituição pública ou privada nacional que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e a universidade nacional, pública ou privada;

d) autorização especial de acesso a conhecimento tradicional associado, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos, a instituição pública ou privada nacional que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e a universidade nacional, pública ou privada;

e) credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa e desenvolvimento, ou de instituição pública federal de gestão, para autorizar outra instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, a acessar amostra de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado, e bem assim a remeter amostra de componente do patrimônio genético para instituição nacional, pública ou privada, ou para instituição sediada no exterior;

f) credenciamento de instituição pública nacional para ser fiel depositária de amostra de componente do patrimônio genético;

g) descredenciamento de instituições pelo descumprimento das disposições da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, e deste Decreto;

V - dar anuência aos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios quanto ao atendimento dos requisitos previstos na Medida Provisória no 2.186-16, de 2001;

VI - promover debates e consultas públicas sobre os temas de que trata a Medida Provisória no 2.186-16, de 2001;

VII - funcionar como instância superior de recurso em relação a decisão de instituição credenciada e dos atos decorrentes da aplicação da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001;

VIII - aprovar seu regimento interno.

Parágrafo único. O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético exercerá sua competência segundo os dispositivos da Convenção sobre Diversidade Biológica, da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, e deste Decreto.

Art. 4o As deliberações do Conselho de Gestão serão tomadas por maioria absoluta de seus membros.

Art. 4o O Plenário do Conselho de Gestão reunir-se-á com a presença de, no mínimo, dez Conselheiros, e suas deliberações serão tomadas pela maioria absoluta dos votos dos Conselheiros presentes. (Redação dada pelo Decreto nº 5.439, de 2005)

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Parágrafo único. Cabe ao Presidente do Conselho de Gestão o voto de desempate.

Art. 5o Das deliberações do Conselho de Gestão cabe recurso para o Plenário, cuja decisão será tomada por dois terços de seus membros.

Parágrafo único. São irrecorríveis as deliberações do Plenário do Conselho de Gestão que decidirem os recursos interpostos.

Art. 6o Nas deliberações em processos que envolvam a participação direta de Ministério ou de entidade representada no Conselho de Gestão, o respectivo membro não terá direito de voto.

Art. 7o Fica criada, na estrutura do Ministério do Meio Ambiente, o Departamento do Patrimônio Genético, que exercerá a função de Secretaria-Executiva do Conselho de Gestão, e terá as seguintes atribuições, dentre outras:

I - implementar as deliberações do Conselho de Gestão;

II - promover a instrução e a tramitação dos processos a serem submetidos à deliberação do Conselho de Gestão;

III - dar suporte às instituições credenciadas;

IV - emitir, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e em seu nome, Autorização de Acesso e de Remessa de amostra de componente do patrimônio genético existente no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, bem como Autorização de Acesso a conhecimento tradicional associado;

V - emitir, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e em seu nome, Autorização Especial de Acesso e de Remessa de amostra de componente do patrimônio genético, e Autorização de Acesso a conhecimento tradicional associado, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos, a instituição pública ou privada nacional que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins e a universidade nacional, pública ou privada;

VI - acompanhar, em articulação com os demais órgãos federais, as atividades de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;

VII - promover, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e em seu nome, o credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa e desenvolvimento, ou instituição pública federal de gestão, para autorizar instituição nacional, pública ou privada, a acessar amostra de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado, e bem assim a enviar amostra de componente do patrimônio genético a instituição nacional, pública ou privada, ou para instituição sediada no exterior, respeitadas as exigências do art. 19 da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001;

VIII - promover, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e em seu nome, o credenciamento de instituição pública nacional para ser fiel depositária de amostra de componente do patrimônio genético;

IX - descredenciar instituições, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e em seu nome, pelo descumprimento das disposições da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, e deste Decreto;

X - registrar os Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, após anuência do Conselho de Gestão;

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XI - divulgar lista de espécies de intercâmbio facilitado constantes de acordos internacionais, inclusive sobre segurança alimentar, dos quais o País seja signatário, de acordo com o § 2o do art. 19 da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001;

XII - criar e manter:

a) cadastro de coleções ex situ , conforme previsto no art. 18 da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001;

b) base de dados para registro de informações obtidas durante a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;

c) base de dados relativos às Autorizações de Acesso e de Remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado, aos Termos de Transferência de Material e aos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;

XIII - divulgar, periodicamente, lista das Autorizações de Acesso e de Remessa, dos Termos de Transferência de Material e dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.

Art. 8o Para a obtenção de autorização de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado a instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, de que tratam as alíneas "a" e "b" do inciso IV do art. 11 da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, deverá encaminhar solicitação ao Conselho de Gestão ou a instituição credenciada, atendendo, pelo menos, os seguintes requisitos: I - comprovação da sua atuação em pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins; II - qualificação técnica para desempenho de atividades de coleta e remessa de amostra de componente do Patrimônio Genético ou para acesso ao conhecimento tradicional associado;

Art. 8º Poderá obter as autorizações de que trata o art. 11, inciso IV, alíneas "a" e "b", da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, a instituição que atenda aos seguintes requisitos, entre outros que poderão ser exigidos pelo Conselho de Gestão: (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

I - comprovação de que a instituição: (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

a) constituiu-se sob as leis brasileiras; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

b) exerce atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

II - qualificação técnica para o desempenho de atividades de acesso e remessa de amostra de componente do patrimônio genético ou de acesso ao conhecimento tradicional associado, quando for o caso; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

III - estrutura disponível para o manuseio de amostra de componente do Patrimônio Genético;

IV - projeto de pesquisa que descreva a atividade de coleta de amostra de componente do Patrimônio Genético ou de acesso a conhecimento tradicional associado, incluindo informação sobre o uso pretendido;

V - anuência prévia para ingresso nas áreas a serem amostradas pela expedição de coleta, na forma estabelecida nos §§ 8o e 9o do art. 16 da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001; VI - destino das amostras dos componentes do patrimônio genético a serem acessados. Parágrafo único. O projeto de pesquisa a que se refere o inciso IV deste artigo deve conter:

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I - histórico, justificativa, definição dos objetivos, métodos e resultados esperados a partir da amostra ou da informação a ser acessada; II - itinerário detalhado no Território Nacional, indicando as datas previstas para o início e término da atividade; III - discriminação do tipo de material ou informação a ser acessado e quantificação aproximada de amostras a serem obtidas; IV - indicação das fontes de financiamento, dos respectivos montantes e divisão das responsabilidades de cada parte; V - curriculum vitae dos pesquisadores e técnicos envolvidos, caso não estejam disponíveis na plataforma lattes, mantida pelo CNPq.

V - apresentação das anuências prévias de que trata o art. 16, §§ 8º e 9º, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

VI - apresentação de anuência prévia da comunidade indígena ou local envolvida, quando se tratar de acesso a conhecimento tradicional associado, em observância aos arts. 8º, § 1º, art. 9º, inciso II, e art. 11, inciso IV, alínea "b", da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

VII - indicação do destino das amostras de componentes do patrimônio genético ou das informações relativas ao conhecimento tradicional associado; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

VIII - indicação da instituição fiel depositária credenciada pelo Conselho de Gestão onde serão depositadas as sub-amostras de componente do patrimônio genético; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

IX - quando se tratar de acesso com finalidade de pesquisa científica, apresentação de termo de compromisso assinado pelo representante legal da instituição, comprometendo-se a acessar patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado apenas para a finalidade autorizada; e (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

X - apresentação de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios devidamente assinado pelas partes, quando se tratar de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado com potencial de uso econômico, como ocorre nas atividades de bioprospecção e desenvolvimento tecnológico. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

§ 1º Quando o acesso tiver a finalidade de pesquisa científica, a comprovação dos requisitos constantes dos incisos II e III do caput deste artigo poderá ser dispensada pelo Conselho de Gestão ou pela instituição credenciada na forma do art. 14 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

§ 2º O projeto de pesquisa a que se refere o inciso IV do caput deste artigo deverá conter: (Renumerado do páragrafo único pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

I - introdução, justificativa, objetivos, métodos e resultados esperados a partir da amostra ou da informação a ser acessada; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

II - localização geográfica e cronograma das etapas do projeto, especificando o período em que serão desenvolvidas as atividades de campo e, quando se tratar de acesso a conhecimento tradicional associado, identificação das comunidades indígenas ou locais envolvidas; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

III - discriminação do tipo de material ou informação a ser acessado e quantificação aproximada de amostras a serem obtidas; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

IV - indicação das fontes de financiamento, dos respectivos montantes e das responsabilidades e direitos de cada parte; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

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V - identificação da equipe e curriculum vitae dos pesquisadores envolvidos, caso não estejam disponíveis na Plataforma Lattes, mantida pelo CNPq. (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

§ 3º A instituição beneficiada pela autorização de que trata este artigo deverá encaminhar ao Conselho de Gestão ou à instituição credenciada na forma do art. 14 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, relatórios sobre o andamento do projeto, em prazos a serem fixados na autorização de acesso. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

Art. 9o Para a obtenção de autorização especial de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado a instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, de que tratam as alíneas "c" e "d" do inciso IV do art. 11 da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, deverá encaminhar solicitação ao Conselho de Gestão, atendendo, pelo menos, os seguintes requisitos: I - comprovação da sua atuação em pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins; II - qualificação técnica para desempenho das atividades de coleta e remessa de amostra de componente do Patrimônio Genético; III - estrutura disponível para o manuseio de amostra de componente do Patrimônio Genético; IV - portfólio dos projetos desenvolvidos pela instituição, destacando aqueles que serão beneficiados pela autorização solicitada, incluindo informação sobre o uso pretendido; V - anuência prévia para ingresso nas áreas a serem amostradas pelas expedições de coleta na forma estabelecida no § 11 do art. 16 da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001; VI - destino do material genético a ser acessado e indicação da equipe técnica e da infra-estrutura disponível para gerenciar os Termos de Transferência de Material a serem assinados previamente à remessa de amostra para outra instituição nacional, pública ou privada, ou sediada no exterior e os respectivos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, quando for o caso. Parágrafo único. Os projetos de pesquisa incluídos no portfólio a que se refere o inciso IV deste artigo, diretamente beneficiados pela solicitação, deverão conter: I - histórico, justificativa, definição dos objetivos, métodos e resultados esperados a partir da amostra ou da informação a ser acessada; II - itinerário detalhado no Território Nacional, indicando as datas previstas para o início e término da atividade, a ser encaminhado ao Conselho de Gestão; III - discriminação do tipo de material ou informação a ser acessado e quantificação aproximada de amostras a serem obtidas; IV - indicação das fontes de financiamento, dos respectivos montantes e divisão das responsabilidades de cada parte; V - curriculum vitae dos pesquisadores e técnicos envolvidos, caso não estejam disponíveis na plataforma lattes, mantida pelo CNPq.

Art. 9º Poderá obter as autorizações especiais de que trata o art. 11, inciso IV, alíneas "c" e "d", da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, para pesquisa científica sem potencial de uso econômico, a instituição interessada em realizar acesso a componente do patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado que atenda aos seguintes requisitos, entre outros que poderão ser exigidos pelo Conselho de Gestão: (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

I - comprovação de que a instituição: (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

a) constituiu-se sob as leis brasileiras; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

b) exerce atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

II - qualificação técnica para o desempenho das atividades de acesso e remessa de amostra de componente do patrimônio genético ou de acesso ao conhecimento tradicional associado, quando for o caso; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

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III - estrutura disponível para o manuseio de amostras de componentes do patrimônio genético; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

IV - portfólio dos projetos e das atividades de rotina que envolvam acesso e remessa a componentes do patrimônio genético desenvolvidas pela instituição; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

V - apresentação das anuências prévias de que trata o art. 16, §§ 8º e 9º, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, quando se tratar de acesso a componente do patrimônio genético; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

VI - apresentação de anuência prévia da comunidade indígena ou local envolvida, em observância aos arts. 8º, § 1º, art. 9º, inciso II, e art. 11, inciso IV, alínea "b", da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, quando se tratar de acesso a conhecimento tradicional associado; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

VII - indicação do destino do material genético ou das informações relativas ao conhecimento tradicional associado e da equipe técnica e da infra-estrutura disponível para gerenciar os termos de transferência de material a serem assinados previamente à remessa de amostra para outra instituição nacional, pública ou privada, ou sediada no exterior; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

VIII - termo de compromisso assinado pelo representante legal da instituição, comprometendo-se a acessar patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado apenas para fins de pesquisa científica sem potencial de uso econômico. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

§ 1º O portfólio a que se refere o inciso IV do caput deste artigo deverá trazer a descrição sumária das atividades a serem desenvolvidas, bem como os projetos resumidos, com os seguintes requisitos mínimos: (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

I - objetivos, material, métodos, uso pretendido e destino da amostra ou da informação a ser acessada; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

II - área de abrangência das atividades de campo e, quando se tratar de acesso a conhecimento tradicional associado, identificação das comunidades indígenas ou locais envolvidas; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

III - indicação das fontes de financiamento; (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

IV - identificação da equipe e curriculum vitae dos pesquisadores envolvidos, caso não estejam disponíveis na Plataforma Lattes, mantida pelo CNPq. (Redação dada pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

§ 2º A instituição beneficiada pela autorização de que trata este artigo deverá encaminhar ao Conselho de Gestão ou à instituição credenciada na forma do art. 14 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, relatórios cuja periodicidade será fixada na autorização, não podendo exceder o prazo de doze meses. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

§ 3º O relatório a que se refere o § 2o deverá conter, no mínimo: (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

I - informações detalhadas sobre o andamento dos projetos e atividades integrantes do portfólio; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

II - indicação das áreas onde foram realizadas as coletas, por meio de coordenadas geográficas; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

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III - listagem quantitativa e qualitativa das espécies ou morfotipos coletados em cada área; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

IV - cópia dos registros das informações relativas ao conhecimento tradicional associado; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

V - comprovação do depósito das sub-amostras em instituição fiel depositária credenciada pelo Conselho de Gestão; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

VI - apresentação dos Termos de Transferência de Material; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

VII - indicação das fontes de financiamento, dos respectivos montantes e das responsabilidades e direitos de cada parte; e (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

VIII - resultados preliminares. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

§ 4º A instituição beneficiada pela autorização de que trata este artigo poderá, durante a vigência da autorização, inserir novas atividades ou projetos no portfólio, desde que observe as condições estabelecidas neste artigo e, no prazo de sessenta dias a partir do início da nova atividade ou projeto, comunique a alteração realizada ao Conselho de Gestão ou à instituição credenciada na forma do art. 14 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

Art. 9-A. Poderá obter a autorização especial de que trata o art. 11, inciso IV, alínea "c", da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, para realizar o acesso ao patrimônio genético com a finalidade de constituir e integrar coleções ex situ que visem a atividades com potencial de uso econômico, como a bioprospecção ou o desenvolvimento tecnológico, a instituição que atenda aos seguintes requisitos, entre outros que poderão ser exigidos pelo Conselho de Gestão: (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

I - comprovação de que a instituição: (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

a) constituiu-se sob as leis brasileiras; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

b) exerce atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

II - qualificação técnica para desempenho das atividades de formação e manutenção de coleções ex situ ou remessa de amostras de componentes do patrimônio genético, quando for o caso; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

III - estrutura disponível para o manuseio de amostras de componentes do patrimônio genético; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

IV - projeto de constituição de coleção ex situ a partir de atividades de acesso ao patrimônio genético; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

V - apresentação das anuências prévias de que trata o art. 16, §§ 8º e 9º, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

VI - indicação do destino do material genético, bem como da equipe técnica e da infra-estrutura disponíveis para gerenciar os termos de transferência de material a serem assinados previamente à remessa de amostra para outra instituição nacional, pública ou privada; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

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VII - assinatura, pelo representante legal da instituição, de termo de compromisso pelo qual comprometa-se a acessar patrimônio genético apenas para a finalidade de constituir coleção ex situ ; e (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

VIII - apresentação de modelo de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios, a ser firmado com o proprietário da área pública ou privada ou com representante da comunidade indígena e do órgão indigenista oficial. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

§ 1º O modelo de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético de que trata o inciso VIII do caput deste artigo deverá ser submetido ao Conselho de Gestão para aprovação, a qual ficará condicionada ao atendimento do disposto no art. 28 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, sem prejuízo de outros requisitos que poderão ser exigidos pelo Conselho. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

§ 2º O projeto de que trata o inciso IV do caput deste artigo deverá trazer a descrição sumária das atividades a serem desenvolvidas, com os seguintes requisitos mínimos: (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

I - objetivos, material, métodos, uso pretendido e destino da amostra a ser acessada; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

II - área de abrangência das atividades de campo; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

III - indicação das fontes de financiamento; e (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

IV - identificação da equipe e curriculum vitae dos pesquisadores envolvidos, caso não estejam disponíveis na Plataforma Lattes, mantida pelo CNPq. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

§ 3º A instituição beneficiada pela autorização especial de que trata este artigo deverá encaminhar ao Conselho de Gestão relatórios cuja periodicidade será fixada na autorização, não podendo exceder o prazo de doze meses. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

§ 4º O relatório a que se refere o § 3o deverá indicar o andamento do projeto, contendo no mínimo: (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

I - indicação das áreas onde foram realizadas as coletas por meio de coordenadas geográficas, bem como dos respectivos proprietários; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

II - listagem quantitativa e qualitativa das espécies ou morfotipos coletados em cada área; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

III - comprovação do depósito das sub-amostras em instituição fiel depositária credenciada pelo Conselho de Gestão; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

IV - apresentação dos termos de transferência de material assinados; (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

V - indicação das fontes de financiamento, dos respectivos montantes e das responsabilidades e direitos de cada parte; e (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

VI - resultados preliminares. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

§ 5º O interessado em obter a autorização especial para constituição de coleção ex situ deverá dirigir requerimento ao Conselho de Gestão, comprovando o atendimento aos requisitos mencionados neste artigo e na Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

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§ 6º A instituição que pretender realizar outros acessos a partir da coleção formada com base na autorização especial de que trata este artigo deverá solicitar autorização específica para tanto ao Conselho de Gestão ou à instituição credenciada na forma do art. 14 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

Art. 9-B. As autorizações especiais de que trata o art. 11, inciso IV, alíneas "c" e "d", da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, não se aplicam às atividades de acesso ao patrimônio genético com potencial de uso econômico, como a bioprospecção ou o desenvolvimento tecnológico, ressalvado o disposto no art. 9-A deste Decreto. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

Art. 9-C. As autorizações a que se referem os arts. 8º, 9º e 9-A deste Decreto poderão abranger o acesso e a remessa, isolada ou conjuntamente, de acordo com o pedido formulado pela instituição interessada e com os termos da autorização concedida pelo Conselho de Gestão ou pela instituição credenciada na forma do art. 14 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001. (Incluído pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

Art. 10. Para o credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa e desenvolvimento ou de instituição pública federal de gestão para autorizar outra instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, para acessar e remeter amostra de componente do patrimônio genético e para acessar conhecimento tradicional associado de que tratam os itens 1 e 2 da alínea "e" do inciso IV do art. 11, da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, o Conselho de Gestão deverá receber solicitação que atenda, pelo menos, os seguintes requisitos:

I - comprovação da sua atuação em pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins ou na área de gestão;

II - lista das atividades e dos projetos em desenvolvimento relacionados às ações de que trata a Medida Provisória no 2.186-16, de 2001;

III - infra-estrutura disponível e equipe técnica para atuar:

a) na análise de requerimento e emissão, a terceiros, de autorização de:

1. acesso a amostra de componente do patrimônio genético existente em condições in situ no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, mediante anuência prévia de seus titulares;

2. acesso a conhecimento tradicional associado, mediante anuência prévia de seus titulares;

3. remessa de amostra de componente do patrimônio genético para instituição nacional, pública ou privada, ou para instituição sediada no exterior;

b) no acompanhamento, em articulação com órgãos federais, ou mediante convênio com outras instituições, das atividades de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;

c) na criação e manutenção de:

1. cadastro de coleções ex situ , conforme previsto no art. 18 da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001;

2. base de dados para registro de informações obtidas durante a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;

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3. base de dados relativos às Autorizações de Acesso e de Remessa, aos Termos de Transferência de Material e aos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;

d) na divulgação de lista de Autorizações de Acesso e de Remessa, dos Termos de Transferência de Material e dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;

e) no acompanhamento e na implementação dos Termos de Transferência de Material e dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios referente aos processos por ela autorizados;

f) na preparação e encaminhamento, ao Conselho de Gestão, de relatório anual das atividades realizadas e de cópia das bases de dados à Secretaria-Executiva do Conselho de Gestão.

Art. 11. Para o credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa e desenvolvimento como fiel depositária de amostra de componente do Patrimônio Genético de que trata a alínea "f" do inciso IV do art. 11, da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, o Conselho de Gestão deverá receber solicitação que atenda, pelo menos, os seguintes requisitos:

I - comprovação da sua atuação em pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins;

II - indicação da infra-estrutura disponível e capacidade para conservação, em condições ex situ , de amostras de componentes do Patrimônio Genético;

III - comprovação da capacidade da equipe técnica responsável pelas atividades de conservação;

IV - descrição da metodologia e material empregado para a conservação de espécies sobre as quais a instituição assumirá responsabilidade na qualidade de fiel depositária;

V - indicação da disponibilidade orçamentária para manutenção das coleções.

Art. 12. A atividade de coleta de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado, que contribua para o avanço do conhecimento e que não esteja associada à bioprospecção, quando envolver a participação de pessoa jurídica estrangeira, será autorizada pelo CNPq, observadas as determinações da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, e a legislação vigente.

Parágrafo único. A autorização prevista no caput deste artigo observará as normas técnicas definidas pelo Conselho de Gestão, o qual exercerá supervisão dessas atividades. (Revogado pelo Decreto nº 4.946, de 31.12.2003)

Art. 13. O Regimento Interno do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético disporá, pelo menos, sobre a forma de sua atuação, os meios de registro das suas deliberações e o arquivamento de seus atos.

Art. 14. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 28 de setembro de 2001; 180º da Independência e 113º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Johaness Eck José Serra

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Carlos Américo Pacheco José Sarney Filho

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. 3.10.2001

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ANEXO 04 - Decreto nº 4.946 de 31 de dezembro de 2 003.

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Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 4.946, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2003.

Altera, revoga e acrescenta dispositivos ao Decreto no 3.945, de 28 de setembro de 2001, que regulamenta a Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de agosto de 2001.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição,

DECRETA:

Art. 1º O Decreto nº 3.945, de 28 de setembro de 2001, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 8º Poderá obter as autorizações de que trata o art. 11, inciso IV, alíneas "a" e "b", da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, a instituição que atenda aos seguintes requisitos, entre outros que poderão ser exigidos pelo Conselho de Gestão:

I - comprovação de que a instituição:

a) constituiu-se sob as leis brasileiras;

b) exerce atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins;

II - qualificação técnica para o desempenho de atividades de acesso e remessa de amostra de componente do patrimônio genético ou de acesso ao conhecimento tradicional associado, quando for o caso;...........................................

V - apresentação das anuências prévias de que trata o art. 16, §§ 8º e 9º, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001;

VI - apresentação de anuência prévia da comunidade indígena ou local envolvida, quando se tratar de acesso a conhecimento tradicional associado, em observância aos arts. 8º, § 1º, art. 9º, inciso II, e art. 11, inciso IV, alínea "b", da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001;

VII - indicação do destino das amostras de componentes do patrimônio genético ou das informações relativas ao conhecimento tradicional associado;

VIII - indicação da instituição fiel depositária credenciada pelo Conselho de Gestão onde serão depositadas as sub-amostras de componente do patrimônio genético;

IX - quando se tratar de acesso com finalidade de pesquisa científica, apresentação de termo de compromisso assinado pelo representante legal da instituição, comprometendo-se a acessar patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado apenas para a finalidade autorizada; e

X - apresentação de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios devidamente assinado pelas partes, quando se tratar de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado com potencial de uso econômico, como ocorre nas atividades de bioprospecção e desenvolvimento tecnológico.

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§ 1º Quando o acesso tiver a finalidade de pesquisa científica, a comprovação dos requisitos constantes dos incisos II e III do caput deste artigo poderá ser dispensada pelo Conselho de Gestão ou pela instituição credenciada na forma do art. 14 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001.

§ 2º O projeto de pesquisa a que se refere o inciso IV do caput deste artigo deverá conter:

I - introdução, justificativa, objetivos, métodos e resultados esperados a partir da amostra ou da informação a ser acessada;

II - localização geográfica e cronograma das etapas do projeto, especificando o período em que serão desenvolvidas as atividades de campo e, quando se tratar de acesso a conhecimento tradicional associado, identificação das comunidades indígenas ou locais envolvidas;

III - discriminação do tipo de material ou informação a ser acessado e quantificação aproximada de amostras a serem obtidas;

IV - indicação das fontes de financiamento, dos respectivos montantes e das responsabilidades e direitos de cada parte;

V - identificação da equipe e curriculum vitae dos pesquisadores envolvidos, caso não estejam disponíveis na Plataforma Lattes, mantida pelo CNPq.

§ 3º A instituição beneficiada pela autorização de que trata este artigo deverá encaminhar ao Conselho de Gestão ou à instituição credenciada na forma do art. 14 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, relatórios sobre o andamento do projeto, em prazos a serem fixados na autorização de acesso." (NR)

"Art. 9º Poderá obter as autorizações especiais de que trata o art. 11, inciso IV, alíneas "c" e "d", da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, para pesquisa científica sem potencial de uso econômico, a instituição interessada em realizar acesso a componente do patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado que atenda aos seguintes requisitos, entre outros que poderão ser exigidos pelo Conselho de Gestão:

I - comprovação de que a instituição:

a) constituiu-se sob as leis brasileiras;

b) exerce atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins;

II - qualificação técnica para o desempenho das atividades de acesso e remessa de amostra de componente do patrimônio genético ou de acesso ao conhecimento tradicional associado, quando for o caso;

III - estrutura disponível para o manuseio de amostras de componentes do patrimônio genético;

IV - portfólio dos projetos e das atividades de rotina que envolvam acesso e remessa a componentes do patrimônio genético desenvolvidas pela instituição;

V - apresentação das anuências prévias de que trata o art. 16, §§ 8º e 9º, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, quando se tratar de acesso a componente do patrimônio genético;

VI - apresentação de anuência prévia da comunidade indígena ou local envolvida, em observância aos arts. 8º, § 1º, art. 9º, inciso II, e art. 11, inciso IV, alínea "b", da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, quando se tratar de acesso a conhecimento tradicional associado;

VII - indicação do destino do material genético ou das informações relativas ao conhecimento tradicional associado e da equipe técnica e da infra-estrutura disponível para gerenciar os termos de

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transferência de material a serem assinados previamente à remessa de amostra para outra instituição nacional, pública ou privada, ou sediada no exterior;

VIII - termo de compromisso assinado pelo representante legal da instituição, comprometendo-se a acessar patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado apenas para fins de pesquisa científica sem potencial de uso econômico.

§ 1º O portfólio a que se refere o inciso IV do caput deste artigo deverá trazer a descrição sumária das atividades a serem desenvolvidas, bem como os projetos resumidos, com os seguintes requisitos mínimos:

I - objetivos, material, métodos, uso pretendido e destino da amostra ou da informação a ser acessada;

II - área de abrangência das atividades de campo e, quando se tratar de acesso a conhecimento tradicional associado, identificação das comunidades indígenas ou locais envolvidas;

III - indicação das fontes de financiamento;

IV - identificação da equipe e curriculum vitae dos pesquisadores envolvidos, caso não estejam disponíveis na Plataforma Lattes, mantida pelo CNPq.

§ 2º A instituição beneficiada pela autorização de que trata este artigo deverá encaminhar ao Conselho de Gestão ou à instituição credenciada na forma do art. 14 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, relatórios cuja periodicidade será fixada na autorização, não podendo exceder o prazo de doze meses.

§ 3º O relatório a que se refere o § 2o deverá conter, no mínimo:

I - informações detalhadas sobre o andamento dos projetos e atividades integrantes do portfólio;

II - indicação das áreas onde foram realizadas as coletas, por meio de coordenadas geográficas;

III - listagem quantitativa e qualitativa das espécies ou morfotipos coletados em cada área;

IV - cópia dos registros das informações relativas ao conhecimento tradicional associado;

V - comprovação do depósito das sub-amostras em instituição fiel depositária credenciada pelo Conselho de Gestão;

VI - apresentação dos Termos de Transferência de Material;

VII - indicação das fontes de financiamento, dos respectivos montantes e das responsabilidades e direitos de cada parte; e

VIII - resultados preliminares.

§ 4º A instituição beneficiada pela autorização de que trata este artigo poderá, durante a vigência da autorização, inserir novas atividades ou projetos no portfólio, desde que observe as condições estabelecidas neste artigo e, no prazo de sessenta dias a partir do início da nova atividade ou projeto, comunique a alteração realizada ao Conselho de Gestão ou à instituição credenciada na forma do art. 14 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001." (NR)

Art. 2º O Decreto nº 3.945, de 2001, passa a vigorar acrescido dos seguintes artigos:

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"Art. 9-A. Poderá obter a autorização especial de que trata o art. 11, inciso IV, alínea "c", da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, para realizar o acesso ao patrimônio genético com a finalidade de constituir e integrar coleções ex situ que visem a atividades com potencial de uso econômico, como a bioprospecção ou o desenvolvimento tecnológico, a instituição que atenda aos seguintes requisitos, entre outros que poderão ser exigidos pelo Conselho de Gestão:

I - comprovação de que a instituição:

a) constituiu-se sob as leis brasileiras;

b) exerce atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins;

II - qualificação técnica para desempenho das atividades de formação e manutenção de coleções ex situ ou remessa de amostras de componentes do patrimônio genético, quando for o caso;

III - estrutura disponível para o manuseio de amostras de componentes do patrimônio genético;

IV - projeto de constituição de coleção ex situ a partir de atividades de acesso ao patrimônio genético;

V - apresentação das anuências prévias de que trata o art. 16, §§ 8º e 9º, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001;

VI - indicação do destino do material genético, bem como da equipe técnica e da infra-estrutura disponíveis para gerenciar os termos de transferência de material a serem assinados previamente à remessa de amostra para outra instituição nacional, pública ou privada;

VII - assinatura, pelo representante legal da instituição, de termo de compromisso pelo qual comprometa-se a acessar patrimônio genético apenas para a finalidade de constituir coleção ex situ ; e

VIII - apresentação de modelo de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios, a ser firmado com o proprietário da área pública ou privada ou com representante da comunidade indígena e do órgão indigenista oficial.

§ 1º O modelo de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético de que trata o inciso VIII do caput deste artigo deverá ser submetido ao Conselho de Gestão para aprovação, a qual ficará condicionada ao atendimento do disposto no art. 28 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, sem prejuízo de outros requisitos que poderão ser exigidos pelo Conselho.

§ 2º O projeto de que trata o inciso IV do caput deste artigo deverá trazer a descrição sumária das atividades a serem desenvolvidas, com os seguintes requisitos mínimos:

I - objetivos, material, métodos, uso pretendido e destino da amostra a ser acessada;

II - área de abrangência das atividades de campo;

III - indicação das fontes de financiamento; e

IV - identificação da equipe e curriculum vitae dos pesquisadores envolvidos, caso não estejam disponíveis na Plataforma Lattes, mantida pelo CNPq.

§ 3º A instituição beneficiada pela autorização especial de que trata este artigo deverá encaminhar ao Conselho de Gestão relatórios cuja periodicidade será fixada na autorização, não podendo exceder o prazo de doze meses.

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§ 4º O relatório a que se refere o § 3o deverá indicar o andamento do projeto, contendo no mínimo:

I - indicação das áreas onde foram realizadas as coletas por meio de coordenadas geográficas, bem como dos respectivos proprietários;

II - listagem quantitativa e qualitativa das espécies ou morfotipos coletados em cada área;

III - comprovação do depósito das sub-amostras em instituição fiel depositária credenciada pelo Conselho de Gestão;

IV - apresentação dos termos de transferência de material assinados;

V - indicação das fontes de financiamento, dos respectivos montantes e das responsabilidades e direitos de cada parte; e

VI - resultados preliminares.

§ 5º O interessado em obter a autorização especial para constituição de coleção ex situ deverá dirigir requerimento ao Conselho de Gestão, comprovando o atendimento aos requisitos mencionados neste artigo e na Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001.

§ 6º A instituição que pretender realizar outros acessos a partir da coleção formada com base na autorização especial de que trata este artigo deverá solicitar autorização específica para tanto ao Conselho de Gestão ou à instituição credenciada na forma do art. 14 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001." (NR)

"Art. 9-B. As autorizações especiais de que trata o art. 11, inciso IV, alíneas "c" e "d", da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, não se aplicam às atividades de acesso ao patrimônio genético com potencial de uso econômico, como a bioprospecção ou o desenvolvimento tecnológico, ressalvado o disposto no art. 9-A deste Decreto." (NR)

"Art. 9-C. As autorizações a que se referem os arts. 8º, 9º e 9-A deste Decreto poderão abranger o acesso e a remessa, isolada ou conjuntamente, de acordo com o pedido formulado pela instituição interessada e com os termos da autorização concedida pelo Conselho de Gestão ou pela instituição credenciada na forma do art. 14 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001." (NR)

Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Art. 4º Fica revogado o art. 12 do Decreto nº 3.945, de 28 de setembro de 2001. Brasília, 31 de dezembro de 2003; 182º da Independência e 115º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Marina Silva Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 5.1.2004

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ANEXO 05 - Decreto nº 5.459 de 07 de junho de 2005.

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Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 5.459, DE 7 DE JUNHO DE 2005.

Art. 30 da Medida Provisória no 2.186-16, 2001

Regulamenta o art. 30 da Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, disciplinando as sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 30, § 1o, da Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de agosto de 2001,

DECRETA:

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o Considera-se infração administrativa contra o patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado toda ação ou omissão que viole as normas da Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, e demais disposições pertinentes.

Parágrafo único. Aplicam-se a este Decreto as definições constantes do art. 7o da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, e da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto no 2.159, de 16 de março de 1998, bem como as orientações técnicas editadas pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético.

Seção I

Do Processo Administrativo

Art. 2o As infrações contra o patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado serão apuradas em processo administrativo próprio de cada autoridade competente, mediante a lavratura de auto de infração e respectivos termos, assegurado o direito de ampla defesa e ao contraditório.

Art. 3o Qualquer pessoa, constatando infração contra o patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, poderá dirigir representação às autoridades relacionadas no art. 4o, para efeito do exercício do seu poder de polícia.

Art. 4o São autoridades competentes para a fiscalização, na forma deste Decreto, os agentes públicos do seguinte órgão e entidade, no âmbito de suas respectivas competências:

I - o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;

II - o Comando da Marinha, do Ministério da Defesa.

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§ 1o Os titulares do órgão e entidade federal de que trata os incisos I e II do caput poderão firmar convênios com os órgãos ambientais estaduais e municipais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, para descentralizar as atividades descritas no caput .

§ 2o O exercício da competência de fiscalização de que trata o caput pelo Comando da Marinha ocorrerá no âmbito de águas jurisdicionais brasileiras e da plataforma continental brasileira, em coordenação com os órgãos ambientais, quando se fizer necessário, por meio de instrumentos de cooperação.

Art. 5o O agente público do órgão e entidade mencionados no art. 4o que tiver conhecimento de infração prevista neste Decreto é obrigado a promover a sua apuração imediata, sob pena de responsabilização.

Art. 6o O processo administrativo para apuração de infração contra o patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado deve observar os seguintes prazos máximos:

I - vinte dias para o autuado oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração, contados da data da ciência da autuação;

II - trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da ciência da autuação, apresentada ou não a defesa ou a impugnação;

III - vinte dias para o autuado recorrer da decisão condenatória à instância hierarquicamente superior ao órgão autuante, contados da ciência da decisão de primeira instância;

IV - vinte dias para o autuado recorrer da decisão condenatória de segunda instância ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético; e

V - cinco dias para o pagamento de multa, contados da data do recebimento da notificação.

Art. 7o O agente autuante, ao lavrar o auto de infração, indicará as sanções aplicáveis à conduta, observando, para tanto:

I - a gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para o patrimônio genético, o conhecimento tradicional associado, a saúde pública ou para o meio ambiente;

II - os antecedentes do autuado, quanto ao cumprimento da legislação de proteção ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado; e

III - a situação econômica do autuado.

Art. 8o A autoridade competente deve, de ofício ou mediante provocação, independentemente do recolhimento da multa aplicada, minorar, manter ou majorar o seu valor, respeitados os limites estabelecidos nos artigos infringidos, observado o disposto no art. 7o.

Art. 9o Em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.

Parágrafo único. O reincidente não poderá gozar do benefício previsto no art. 25.

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Seção II

Das Sanções Administrativas contra o Patrimônio Gen ético ou ao

Conhecimento Tradicional Associado

Art. 10. As infrações administrativas contra o patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado serão punidas com as seguintes sanções, aplicáveis, isolada ou cumulativamente, às pessoas físicas ou jurídicas:

I - advertência;

II - multa;

III - apreensão das amostras de componentes do patrimônio genético e dos instrumentos utilizados na sua coleta ou no processamento ou dos produtos obtidos a partir de informação sobre conhecimento tradicional associado;

IV - apreensão dos produtos derivados de amostra de componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado;

V - suspensão da venda do produto derivado de amostra de componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado e sua apreensão;

VI - embargo da atividade;

VII - interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou empreendimento;

VIII - suspensão de registro, patente, licença ou autorização;

IX - cancelamento de registro, patente, licença ou autorização;

X - perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal concedidos pelo governo;

XI - perda ou suspensão da participação em linha de financiamento em estabelecimento oficial de crédito;

XII - intervenção no estabelecimento; e

XIII - proibição de contratar com a administração pública, por período de até cinco anos.

§ 1o Entende-se como produtos obtidos a partir de informação sobre conhecimento tradicional associado, previstos no inciso III do caput , os registros, em quaisquer meios, de informações relacionadas a este conhecimento.

§ 2o Se o autuado, com uma única conduta, cometer mais de uma infração, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a ela cominadas.

§ 3o As sanções previstas nos incisos I e III a XIII poderão ser aplicadas independente da previsão única de pena de multa para as infrações administrativas descritas neste Decreto.

Art. 11. A sanção de advertência será aplicada às infrações de pequeno potencial ofensivo, a critério da autoridade autuante, quando ela, considerando os antecedentes do autuado, entender esta providência como mais educativa, sem prejuízo das demais sanções previstas no art. 10.

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Art. 12. A sanção de multa será aplicada nas hipóteses previstas neste Decreto e terá seu valor arbitrado pela autoridade competente, podendo variar de:

I - R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa física; ou

II - R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais), se a infração for cometida por pessoa jurídica, ou com seu concurso.

Art. 13. Os produtos, amostras, equipamentos, veículos, petrechos e demais instrumentos utilizados diretamente na prática da infração terão sua destinação definida pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, levando-se em conta os seguintes critérios:

I - sempre que possível, os produtos, amostras, equipamentos, veículos, petrechos e instrumentos de que trata este artigo deverão ser doados a instituições científicas, culturais, ambientalistas, educacionais, hospitalares, penais, militares, públicas ou outras entidades com fins beneficentes;

II - quando a doação de que trata o inciso I não for recomendável, por motivo de saúde pública, razoabilidade ou moralidade, os bens apreendidos serão destruídos ou leiloados, garantida a sua descaracterização por meio da reciclagem, quando possível; ou

III - quando o material apreendido referir-se a conhecimento tradicional associado, deverá ele ser devolvido à comunidade provedora, salvo se esta concordar com a doação às entidades mencionadas no inciso I.

§ 1o As doações de que trata este artigo não eximem o donatário de solicitar a respectiva autorização, caso deseje realizar acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado a partir do material recebido em doação.

§ 2o Os valores arrecadados em leilão serão revertidos para os fundos previstos no art. 33 da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, na proporção prevista no art. 14 deste Decreto.

§ 3o Os veículos e as embarcações utilizados diretamente na prática da infração serão confiados a fiel depositário na forma dos arts. 627 a 647, 651 e 652 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a critério da autoridade autuante, podendo ser liberados mediante pagamento da multa.

Art. 14. Os valores arrecadados em pagamento das multas de que trata este Decreto reverterão:

I - quando a infração for cometida em área sob jurisdição do Comando da Marinha:

a) cinqüenta por cento ao Fundo Naval; e

b) o restante, repartido igualmente entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, regulado pela Lei no 8.172, de 18 de janeiro de 1991, e o Fundo Nacional de Meio Ambiente, criado pela Lei no 7.797, de 10 de julho de 1989;

II - nos demais casos os valores arrecadados serão repartidos, igualmente, entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o Fundo Nacional do Meio Ambiente.

§ 1o Os recursos de que trata este artigo deverão ser utilizados exclusivamente na conservação da diversidade biológica, incluindo a recuperação, criação e manutenção de bancos depositários, o fomento à pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico associado ao patrimônio genético e a capacitação de recursos humanos associados ao desenvolvimento das atividades relacionadas ao uso e à conservação do patrimônio genético.

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§ 2o Entende-se como utilizado na conservação da diversidade biológica, a aplicação dos recursos repassados ao Fundo Naval na aquisição, operação, manutenção e conservação pelo Comando da Marinha de meios utilizados na atividade de fiscalização de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, dentre elas as lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado.

CAPÍTULO II

DAS INFRAÇÕES CONTRA O PATRIMÔNIO GENÉTICO

Art. 15. Acessar componente do patrimônio genético para fins de pesquisa científica sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:

Multa mínima de R$ 10.000 (dez mil reais) e máxima de R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 200,00 (duzentos reais) e máxima de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quando se tratar de pessoa física.

§ 1o A pena prevista no caput será aplicada em dobro se o acesso ao patrimônio genético for realizado para práticas nocivas ao meio ambiente ou práticas nocivas à saúde humana.

§ 2o Se o acesso ao patrimônio genético for realizado para o desenvolvimento de armas biológicas e químicas, a pena prevista no caput será triplicada e deverá ser aplicada a sanção de interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou empreendimento.

Art. 16. Acessar componente do patrimônio genético para fins de bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico, sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:

Multa mínima de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e máxima de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), quando se tratar de pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e máxima de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), quando se tratar de pessoa física.

§ 1o Incorre nas mesmas penas quem acessa componente do patrimônio genético a fim de constituir ou integrar coleção ex situ para bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico, sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a autorização obtida.

§ 2o A pena prevista no caput será aumentada de um terço quando o acesso envolver reivindicação de direito de propriedade industrial relacionado a produto ou processo obtido a partir do acesso ilícito junto ao órgão competente.

§ 3o A pena prevista no caput será aumentada da metade se houver exploração econômica de produto ou processo obtidos a partir de acesso ilícito ao patrimônio genético.

§ 4o A pena prevista no caput será aplicada em dobro se o acesso ao patrimônio genético for realizado para práticas nocivas ao meio ambiente ou práticas nocivas à saúde humana.

§ 5o Se o acesso ao patrimônio genético for realizado para o desenvolvimento de armas biológicas e químicas, a pena prevista no caput será triplicada e deverá ser aplicada a sanção de interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou empreendimento.

Art. 17. Remeter para o exterior amostra de componente do patrimônio genético sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a autorização obtida:

Multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e máxima de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), quando se tratar de pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e máxima de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), quando se tratar de pessoa física.

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§ 1o Pune-se a tentativa do cometimento da infração de que trata o caput com a multa correspondente à infração consumada, diminuída de um terço.

§ 2o Diz-se tentada uma infração, quando, iniciada a sua execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

§ 3o A pena prevista no caput será aumentada da metade se a amostra for obtida a partir de espécie constante da lista oficial da fauna brasileira ameaçada de extinção e do Anexo I da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES.

§ 4o A pena prevista no caput será aplicada em dobro se a amostra for obtida a partir de espécie constante da lista oficial de fauna brasileira ameaçada de extinção e do Anexo II da CITES.

§ 5o A pena prevista no caput será aplicada em dobro se a amostra for obtida a partir de espécie constante da lista oficial da flora brasileira ameaçada de extinção.

Art. 18. Deixar de repartir, quando existentes, os benefícios resultantes da exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a partir do acesso a amostra do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado com quem de direito, de acordo com o disposto na Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, ou de acordo com o Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios anuído pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético:

Multa mínima de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) e máxima de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), quando se tratar de pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e máxima de R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa física.

Art. 19. Prestar falsa informação ou omitir ao Poder Público informação essencial sobre atividade de pesquisa, bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico relacionada ao patrimônio genético, por ocasião de auditoria, fiscalização ou requerimento de autorização de acesso ou remessa:

Multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e máxima de R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 200,00 (duzentos reais) e máxima de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quando se tratar de pessoa física.

CAPÍTULO III

DAS INFRAÇÕES AO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO

Art. 20. Acessar conhecimento tradicional associado para fins de pesquisa científica sem a autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:

Multa mínima de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e máxima de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), quando se tratar de pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 1.000,00 (mil reais) e máxima de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), quando se tratar de pessoa física.

Art. 21. Acessar conhecimento tradicional associado para fins de bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico sem a autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:

Multa mínima de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) e máxima de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), quando se tratar de pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e máxima de R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa física.

§ 1o A pena prevista no caput será aumentada de um terço caso haja reivindicação de direito de propriedade industrial de qualquer natureza relacionado a produto ou processo obtido a partir do acesso ilícito junto a órgão nacional ou estrangeiro competente.

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§ 2o A pena prevista no caput será aumentada de metade se houver exploração econômica de produto ou processo obtido a partir de acesso ilícito ao conhecimento tradicional associado.

Art. 22. Divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou informações que integram ou constituem conhecimento tradicional associado, sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a autorização obtida, quando exigida:

Multa mínima de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e máxima de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), quando se tratar de pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 1.000,00 (mil reais) e máxima de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), quando se tratar de pessoa física.

Art. 23. Omitir a origem de conhecimento tradicional associado em publicação, registro, inventário, utilização, exploração, transmissão ou qualquer forma de divulgação em que este conhecimento seja direta ou indiretamente mencionado:

Multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e máxima de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quando se tratar de pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e máxima de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), quando se tratar de pessoa física.

Art. 24. Omitir ao Poder Público informação essencial sobre atividade de acesso a conhecimento tradicional associado, por ocasião de auditoria, fiscalização ou requerimento de autorização de acesso ou remessa:

Multa mínima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e máxima de R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa jurídica, e multa mínima de R$ 200,00 (duzentos reais) e máxima de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quando se tratar de pessoa física.

CAPÍTULO IV

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 25. As multas previstas neste Decreto podem ter a sua exigibilidade suspensa, quando o autuado, por termo de compromisso aprovado pela autoridade competente, obrigar-se à adoção de medidas específicas para adequar-se ao disposto na Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, em sua regulamentação e demais normas oriundas do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético.

§ 1o Cumpridas integralmente as obrigações assumidas pelo autuado, desde que comprovado em parecer técnico emitido pelo órgão competente, a multa será reduzida em até noventa por cento do seu valor, atualizado monetariamente.

§ 2o Na hipótese de interrupção do cumprimento das obrigações dispostas no termo de compromisso referido no caput , quer seja por decisão da autoridade competente ou por fato do infrator, o valor da multa será atualizado monetariamente.

§ 3o Os valores apurados nos termos dos §§ 1o e 2o serão recolhidos no prazo de cinco dias do recebimento da notificação.

Art. 26. As sanções estabelecidas neste Decreto serão aplicadas, independentemente da existência de culpa, sem prejuízo das sanções penais previstas na legislação vigente e da responsabilidade civil objetiva pelos danos causados.

Art. 27. Incumbe ao IBAMA e ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, no âmbito das respectivas competências, expedir atos normativos visando disciplinar os procedimentos necessários ao cumprimento deste Decreto.

Parágrafo único. O Comando da Marinha estabelecerá em atos normativos próprios os procedimentos a serem por ele adotados.

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Art. 28. Aplicam-se subsidiariamente a este Decreto o disposto no Código Penal, no Código de Processo Penal, na Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, na Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, e no Decreto no 3.179, de 21 de setembro de 1999.

Art. 29. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 7 de junho de 2005; 184o da Independência e 117o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Marina Silva

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.6.2005

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ANEXO 06 - Decreto nº 5.439 de 03 de maio de 2005.

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Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 5.439, DE 3 DE MAIO DE 2005.

Dá nova redação aos arts. 2o e 4o do Decreto no 3.945, de 28 de setembro de 2001.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição,

DECRETA:

Art. 1o Os arts. 2o e 4o do Decreto no 3.945, de 28 de setembro de 2001, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 2o O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético é composto por um representante e dois suplentes dos seguintes órgãos e entidades da Administração Pública Federal, que detêm competência sobre as matérias objeto da Medida Provisória no 2.186-16, de 2001:

..................................................................................." (NR)

"Art. 4o O Plenário do Conselho de Gestão reunir-se-á com a presença de, no mínimo, dez Conselheiros, e suas deliberações serão tomadas pela maioria absoluta dos votos dos Conselheiros presentes.

.................................................................................." (NR)

Art. 2o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 3 de maio de 2005; 184o da Independência e 117o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Marina Silva Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 04.5.2005

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ANEXO 07 - Medida Provisória nº2.186-16 de 23 de ag osto de 2001.

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Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

MEDIDA PROVISÓRIA N o 2.186-16, DE 23 DE AGOSTO DE 2001.

Regulamenta o inciso II do § 1o e o § 4o do art. 225 da Constituição, os arts. 1o, 8o, alínea "j", 10, alínea "c", 15 e 16, alíneas 3 e 4 da Convenção sobre Diversidade Biológica, dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1o Esta Medida Provisória dispõe sobre os bens, os direitos e as obrigações relativos:

I - ao acesso a componente do patrimônio genético existente no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção;

II - ao acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, relevante à conservação da diversidade biológica, à integridade do patrimônio genético do País e à utilização de seus componentes;

III - à repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração de componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado; e

IV - ao acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para a conservação e a utilização da diversidade biológica.

§ 1o O acesso a componente do patrimônio genético para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção far-se-á na forma desta Medida Provisória, sem prejuízo dos direitos de propriedade material ou imaterial que incidam sobre o componente do patrimônio genético acessado ou sobre o local de sua ocorrência.

§ 2o O acesso a componente do patrimônio genético existente na plataforma continental observará o disposto na Lei no 8.617, de 4 de janeiro de 1993.

Art. 2o O acesso ao patrimônio genético existente no País somente será feito mediante autorização da União e terá o seu uso, comercialização e aproveitamento para quaisquer fins submetidos à fiscalização, restrições e repartição de benefícios nos termos e nas condições estabelecidos nesta Medida Provisória e no seu regulamento.

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Art. 3o Esta Medida Provisória não se aplica ao patrimônio genético humano.

Art. 4o É preservado o intercâmbio e a difusão de componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado praticado entre si por comunidades indígenas e comunidades locais para seu próprio benefício e baseados em prática costumeira.

Art. 5o É vedado o acesso ao patrimônio genético para práticas nocivas ao meio ambiente e à saúde humana e para o desenvolvimento de armas biológicas e químicas.

Art. 6o A qualquer tempo, existindo evidência científica consistente de perigo de dano grave e irreversível à diversidade biológica, decorrente de atividades praticadas na forma desta Medida Provisória, o Poder Público, por intermédio do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, previsto no art. 10, com base em critérios e parecer técnico, determinará medidas destinadas a impedir o dano, podendo, inclusive, sustar a atividade, respeitada a competência do órgão responsável pela biossegurança de organismos geneticamente modificados.

CAPÍTULO II

DAS DEFINIÇÕES

Art. 7o Além dos conceitos e das definições constantes da Convenção sobre Diversidade Biológica, considera-se para os fins desta Medida Provisória:

I - patrimônio genético: informação de origem genética, contida em amostras do todo ou de parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e de extratos obtidos destes organismos vivos ou mortos, encontrados em condições in situ , inclusive domesticados, ou mantidos em coleções ex situ , desde que coletados em condições in situ no território nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva;

II - conhecimento tradicional associado: informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético;

III - comunidade local: grupo humano, incluindo remanescentes de comunidades de quilombos, distinto por suas condições culturais, que se organiza, tradicionalmente, por gerações sucessivas e costumes próprios, e que conserva suas instituições sociais e econômicas;

IV - acesso ao patrimônio genético: obtenção de amostra de componente do patrimônio genético para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando a sua aplicação industrial ou de outra natureza;

V - acesso ao conhecimento tradicional associado: obtenção de informação sobre conhecimento ou prática individual ou coletiva, associada ao patrimônio genético, de comunidade indígena ou de comunidade local, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando sua aplicação industrial ou de outra natureza;

VI - acesso à tecnologia e transferência de tecnologia: ação que tenha por objetivo o acesso, o desenvolvimento e a transferência de tecnologia para a conservação e a utilização da diversidade biológica ou tecnologia desenvolvida a partir de amostra de componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado;

VII - bioprospecção: atividade exploratória que visa identificar componente do patrimônio genético e informação sobre conhecimento tradicional associado, com potencial de uso comercial;

VIII - espécie ameaçada de extinção: espécie com alto risco de desaparecimento na natureza em futuro próximo, assim reconhecida pela autoridade competente;

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IX - espécie domesticada: aquela em cujo processo de evolução influiu o ser humano para atender às suas necessidades;

X - Autorização de Acesso e de Remessa: documento que permite, sob condições específicas, o acesso a amostra de componente do patrimônio genético e sua remessa à instituição destinatária e o acesso a conhecimento tradicional associado;

XI - Autorização Especial de Acesso e de Remessa: documento que permite, sob condições específicas, o acesso a amostra de componente do patrimônio genético e sua remessa à instituição destinatária e o acesso a conhecimento tradicional associado, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos;

XII - Termo de Transferência de Material: instrumento de adesão a ser firmado pela instituição destinatária antes da remessa de qualquer amostra de componente do patrimônio genético, indicando, quando for o caso, se houve acesso a conhecimento tradicional associado;

XIII - Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios: instrumento jurídico multilateral, que qualifica as partes, o objeto e as condições de acesso e de remessa de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado, bem como as condições para repartição de benefícios;

XIV - condição ex situ : manutenção de amostra de componente do patrimônio genético fora de seu habitat natural, em coleções vivas ou mortas.

CAPÍTULO III

DA PROTEÇÃO AO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO

Art. 8o Fica protegido por esta Medida Provisória o conhecimento tradicional das comunidades indígenas e das comunidades locais, associado ao patrimônio genético, contra a utilização e exploração ilícita e outras ações lesivas ou não autorizadas pelo Conselho de Gestão de que trata o art. 10, ou por instituição credenciada.

§ 1o O Estado reconhece o direito das comunidades indígenas e das comunidades locais para decidir sobre o uso de seus conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético do País, nos termos desta Medida Provisória e do seu regulamento.

§ 2o O conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético de que trata esta Medida Provisória integra o patrimônio cultural brasileiro e poderá ser objeto de cadastro, conforme dispuser o Conselho de Gestão ou legislação específica.

§ 3o A proteção outorgada por esta Medida Provisória não poderá ser interpretada de modo a obstar a preservação, a utilização e o desenvolvimento de conhecimento tradicional de comunidade indígena ou comunidade local.

§ 4o A proteção ora instituída não afetará, prejudicará ou limitará direitos relativos à propriedade intelectual.

Art. 9o À comunidade indígena e à comunidade local que criam, desenvolvem, detêm ou conservam conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, é garantido o direito de:

I - ter indicada a origem do acesso ao conhecimento tradicional em todas as publicações, utilizações, explorações e divulgações;

II - impedir terceiros não autorizados de:

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a) utilizar, realizar testes, pesquisas ou exploração, relacionados ao conhecimento tradicional associado;

b) divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou informações que integram ou constituem conhecimento tradicional associado;

III - perceber benefícios pela exploração econômica por terceiros, direta ou indiretamente, de conhecimento tradicional associado, cujos direitos são de sua titularidade, nos termos desta Medida Provisória.

Parágrafo único. Para efeito desta Medida Provisória, qualquer conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético poderá ser de titularidade da comunidade, ainda que apenas um indivíduo, membro dessa comunidade, detenha esse conhecimento.

CAPÍTULO IV

DAS COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS

Art. 10. Fica criado, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, de caráter deliberativo e normativo, composto de representantes de órgãos e de entidades da Administração Pública Federal que detêm competência sobre as diversas ações de que trata esta Medida Provisória.

§ 1o O Conselho de Gestão será presidido pelo representante do Ministério do Meio Ambiente.

§ 2o O Conselho de Gestão terá sua composição e seu funcionamento dispostos no regulamento.

Art. 11. Compete ao Conselho de Gestão:

I - coordenar a implementação de políticas para a gestão do patrimônio genético;

II - estabelecer:

a) normas técnicas;

b) critérios para as autorizações de acesso e de remessa;

c) diretrizes para elaboração do Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;

d) critérios para a criação de base de dados para o registro de informação sobre conhecimento tradicional associado;

III - acompanhar, em articulação com órgãos federais, ou mediante convênio com outras instituições, as atividades de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;

IV - deliberar sobre:

a) autorização de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético, mediante anuência prévia de seu titular;

b) autorização de acesso a conhecimento tradicional associado, mediante anuência prévia de seu titular;

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c) autorização especial de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético à instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e à universidade nacional, pública ou privada, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos, nos termos do regulamento;

d) autorização especial de acesso a conhecimento tradicional associado à instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e à universidade nacional, pública ou privada, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos, nos termos do regulamento;

e) credenciamento de instituição pública nacional de pesquisa e desenvolvimento ou de instituição pública federal de gestão para autorizar outra instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins:

1. a acessar amostra de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado;

2. a remeter amostra de componente do patrimônio genético para instituição nacional, pública ou privada, ou para instituição sediada no exterior;

f) credenciamento de instituição pública nacional para ser fiel depositária de amostra de componente do patrimônio genético;

V - dar anuência aos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios quanto ao atendimento dos requisitos previstos nesta Medida Provisória e no seu regulamento;

VI - promover debates e consultas públicas sobre os temas de que trata esta Medida Provisória;

VII - funcionar como instância superior de recurso em relação a decisão de instituição credenciada e dos atos decorrentes da aplicação desta Medida Provisória;

VIII - aprovar seu regimento interno.

§ 1o Das decisões do Conselho de Gestão caberá recurso ao plenário, na forma do regulamento.

§ 2o O Conselho de Gestão poderá organizar-se em câmaras temáticas, para subsidiar decisões do plenário.

Art. 12. A atividade de coleta de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado, que contribua para o avanço do conhecimento e que não esteja associada à bioprospecção, quando envolver a participação de pessoa jurídica estrangeira, será autorizada pelo órgão responsável pela política nacional de pesquisa científica e tecnológica, observadas as determinações desta Medida Provisória e a legislação vigente.

Parágrafo único. A autorização prevista no caput deste artigo observará as normas técnicas definidas pelo Conselho de Gestão, o qual exercerá supervisão dessas atividades.

Art. 13. Compete ao Presidente do Conselho de Gestão firmar, em nome da União, Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.

§ 1o Mantida a competência de que trata o caput deste artigo, o Presidente do Conselho de Gestão subdelegará ao titular de instituição pública federal de pesquisa e desenvolvimento ou instituição pública federal de gestão a competência prevista no caput deste artigo, conforme sua respectiva área de atuação.

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§ 2o Quando a instituição prevista no parágrafo anterior for parte interessada no contrato, este será firmado pelo Presidente do Conselho de Gestão.

Art. 14. Caberá à instituição credenciada de que tratam os números 1 e 2 da alínea "e" do inciso IV do art. 11 desta Medida Provisória uma ou mais das seguintes atribuições, observadas as diretrizes do Conselho de Gestão:

I - analisar requerimento e emitir, a terceiros, autorização:

a) de acesso a amostra de componente do patrimônio genético existente em condições in situ no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, mediante anuência prévia de seus titulares;

b) de acesso a conhecimento tradicional associado, mediante anuência prévia dos titulares da área;

c) de remessa de amostra de componente do patrimônio genético para instituição nacional, pública ou privada, ou para instituição sediada no exterior;

II - acompanhar, em articulação com órgãos federais, ou mediante convênio com outras instituições, as atividades de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;

III - criar e manter:

a) cadastro de coleções ex situ , conforme previsto no art. 18 desta Medida Provisória;

b) base de dados para registro de informações obtidas durante a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;

c) base de dados relativos às Autorizações de Acesso e de Remessa, aos Termos de Transferência de Material e aos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, na forma do regulamento;

IV - divulgar, periodicamente, lista das Autorizações de Acesso e de Remessa, dos Termos de Transferência de Material e dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;

V - acompanhar a implementação dos Termos de Transferência de Material e dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios referente aos processos por ela autorizados.

§ 1o A instituição credenciada deverá, anualmente, mediante relatório, dar conhecimento pleno ao Conselho de Gestão sobre a atividade realizada e repassar cópia das bases de dados à unidade executora prevista no art. 15.

§ 2o A instituição credenciada, na forma do art. 11, deverá observar o cumprimento das disposições desta Medida Provisória, do seu regulamento e das decisões do Conselho de Gestão, sob pena de seu descredenciamento, ficando, ainda, sujeita à aplicação, no que couber, das penalidades previstas no art. 30 e na legislação vigente.

Art. 15. Fica autorizada a criação, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, de unidade executora que exercerá a função de secretaria executiva do Conselho de Gestão, de que trata o art. 10 desta Medida Provisória, com as seguintes atribuições, dentre outras:

I - implementar as deliberações do Conselho de Gestão;

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II - dar suporte às instituições credenciadas;

III - emitir, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e em seu nome:

a) Autorização de Acesso e de Remessa;

b) Autorização Especial de Acesso e de Remessa;

IV - acompanhar, em articulação com os demais órgãos federais, as atividades de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;

V - credenciar, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e em seu nome, instituição pública nacional de pesquisa e desenvolvimento ou instituição pública federal de gestão para autorizar instituição nacional, pública ou privada:

a) a acessar amostra de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado;

b) a enviar amostra de componente do patrimônio genético para instituição nacional, pública ou privada, ou para instituição sediada no exterior, respeitadas as exigências do art. 19 desta Medida Provisória;

VI - credenciar, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e em seu nome, instituição pública nacional para ser fiel depositária de amostra de componente do patrimônio genético;

VII - registrar os Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, após anuência do Conselho de Gestão;

VIII - divulgar lista de espécies de intercâmbio facilitado constantes de acordos internacionais, inclusive sobre segurança alimentar, dos quais o País seja signatário, de acordo com o § 2o do art. 19 desta Medida Provisória;

IX - criar e manter:

a) cadastro de coleções ex situ , conforme previsto no art. 18;

b) base de dados para registro de informações obtidas durante a coleta de amostra de componente do patrimônio genético;

c) base de dados relativos às Autorizações de Acesso e de Remessa, aos Termos de Transferência de Material e aos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios;

X - divulgar, periodicamente, lista das Autorizações de Acesso e de Remessa, dos Termos de Transferência de Material e dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.

CAPÍTULO V

DO ACESSO E DA REMESSA

Art. 16. O acesso a componente do patrimônio genético existente em condições in situ no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, e ao conhecimento tradicional associado far-se-á mediante a coleta de amostra e de informação, respectivamente, e somente será autorizado a instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividades de pesquisa

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e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, mediante prévia autorização, na forma desta Medida Provisória.

§ 1o O responsável pela expedição de coleta deverá, ao término de suas atividades em cada área acessada, assinar com o seu titular ou representante declaração contendo listagem do material acessado, na forma do regulamento.

§ 2o Excepcionalmente, nos casos em que o titular da área ou seu representante não for identificado ou localizado por ocasião da expedição de coleta, a declaração contendo listagem do material acessado deverá ser assinada pelo responsável pela expedição e encaminhada ao Conselho de Gestão.

§ 3o Sub-amostra representativa de cada população componente do patrimônio genético acessada deve ser depositada em condição ex situ em instituição credenciada como fiel depositária, de que trata a alínea "f" do inciso IV do art. 11 desta Medida Provisória, na forma do regulamento.

§ 4o Quando houver perspectiva de uso comercial, o acesso a amostra de componente do patrimônio genético, em condições in situ , e ao conhecimento tradicional associado só poderá ocorrer após assinatura de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.

§ 5o Caso seja identificado potencial de uso econômico, de produto ou processo, passível ou não de proteção intelectual, originado de amostra de componente do patrimônio genético e de informação oriunda de conhecimento tradicional associado, acessado com base em autorização que não estabeleceu esta hipótese, a instituição beneficiária obriga-se a comunicar ao Conselho de Gestão ou a instituição onde se originou o processo de acesso e de remessa, para a formalização de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.

§ 6o A participação de pessoa jurídica estrangeira em expedição para coleta de amostra de componente do patrimônio genético in situ e para acesso de conhecimento tradicional associado somente será autorizada quando em conjunto com instituição pública nacional, ficando a coordenação das atividades obrigatoriamente a cargo desta última e desde que todas as instituições envolvidas exerçam atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins.

§ 7o A pesquisa sobre componentes do patrimônio genético deve ser realizada preferencialmente no território nacional.

§ 8o A Autorização de Acesso e de Remessa de amostra de componente do patrimônio genético de espécie de endemismo estrito ou ameaçada de extinção dependerá da anuência prévia do órgão competente.

§ 9o A Autorização de Acesso e de Remessa dar-se-á após a anuência prévia:

I - da comunidade indígena envolvida, ouvido o órgão indigenista oficial, quando o acesso ocorrer em terra indígena;

II - do órgão competente, quando o acesso ocorrer em área protegida;

III - do titular de área privada, quando o acesso nela ocorrer;

IV - do Conselho de Defesa Nacional, quando o acesso se der em área indispensável à segurança nacional;

V - da autoridade marítima, quando o acesso se der em águas jurisdicionais brasileiras, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva.

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§ 10. O detentor de Autorização de Acesso e de Remessa de que tratam os incisos I a V do § 9o deste artigo fica responsável a ressarcir o titular da área por eventuais danos ou prejuízos, desde que devidamente comprovados.

§ 11. A instituição detentora de Autorização Especial de Acesso e de Remessa encaminhará ao Conselho de Gestão as anuências de que tratam os §§ 8º e 9º deste artigo antes ou por ocasião das expedições de coleta a serem efetuadas durante o período de vigência da Autorização, cujo descumprimento acarretará o seu cancelamento.

Art. 17. Em caso de relevante interesse público, assim caracterizado pelo Conselho de Gestão, o ingresso em área pública ou privada para acesso a amostra de componente do patrimônio genético dispensará anuência prévia dos seus titulares, garantido a estes o disposto nos arts. 24 e 25 desta Medida Provisória.

§ 1o No caso previsto no caput deste artigo, a comunidade indígena, a comunidade local ou o proprietário deverá ser previamente informado.

§ 2o Em se tratando de terra indígena, observar-se-á o disposto no § 6o do art. 231 da Constituição Federal.

Art. 18. A conservação ex situ de amostra de componente do patrimônio genético deve ser realizada no território nacional, podendo, suplementarmente, a critério do Conselho de Gestão, ser realizada no exterior.

§ 1o As coleções ex situ de amostra de componente do patrimônio genético deverão ser cadastradas junto à unidade executora do Conselho de Gestão, conforme dispuser o regulamento.

§ 2o O Conselho de Gestão poderá delegar o cadastramento de que trata o § 1o deste artigo a uma ou mais instituições credenciadas na forma das alíneas "d" e "e" do inciso IV do art. 11 desta Medida Provisória.

Art. 19. A remessa de amostra de componente do patrimônio genético de instituição nacional, pública ou privada, para outra instituição nacional, pública ou privada, será efetuada a partir de material em condições ex situ , mediante a informação do uso pretendido, observado o cumprimento cumulativo das seguintes condições, além de outras que o Conselho de Gestão venha a estabelecer:

I - depósito de sub-amostra representativa de componente do patrimônio genético em coleção mantida por instituição credenciada, caso ainda não tenha sido cumprido o disposto no § 3o do art. 16 desta Medida Provisória;

II - nos casos de amostra de componente do patrimônio genético acessado em condições in situ, antes da edição desta Medida Provisória, o depósito de que trata o inciso anterior será feito na forma acessada, se ainda disponível, nos termos do regulamento;

III - fornecimento de informação obtida durante a coleta de amostra de componente do patrimônio genético para registro em base de dados mencionada na alínea "b" do inciso III do art. 14 e alínea "b" do inciso IX do art. 15 desta Medida Provisória;

IV - prévia assinatura de Termo de Transferência de Material.

§ 1o Sempre que houver perspectiva de uso comercial de produto ou processo resultante da utilização de componente do patrimônio genético será necessária a prévia assinatura de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.

§ 2o A remessa de amostra de componente do patrimônio genético de espécies consideradas de intercâmbio facilitado em acordos internacionais, inclusive sobre segurança alimentar, dos quais o

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País seja signatário, deverá ser efetuada em conformidade com as condições neles definidas, mantidas as exigências deles constantes.

§ 3o A remessa de qualquer amostra de componente do patrimônio genético de instituição nacional, pública ou privada, para instituição sediada no exterior, será efetuada a partir de material em condições ex situ , mediante a informação do uso pretendido e a prévia autorização do Conselho de Gestão ou de instituição credenciada, observado o cumprimento cumulativo das condições estabelecidas nos incisos I a IV e §§ 1o e 2o deste artigo.

Art. 20. O Termo de Transferência de Material terá seu modelo aprovado pelo Conselho de Gestão.

CAPÍTULO VI

DO ACESSO À TECNOLOGIA E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGI A

Art. 21. A instituição que receber amostra de componente do patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado facilitará o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para a conservação e utilização desse patrimônio ou desse conhecimento à instituição nacional responsável pelo acesso e remessa da amostra e da informação sobre o conhecimento, ou instituição por ela indicada.

Art. 22. O acesso à tecnologia e transferência de tecnologia entre instituição nacional de pesquisa e desenvolvimento, pública ou privada, e instituição sediada no exterior, poderá realizar-se, dentre outras atividades, mediante:

I - pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico;

II - formação e capacitação de recursos humanos;

III - intercâmbio de informações;

IV - intercâmbio entre instituição nacional de pesquisa e instituição de pesquisa sediada no exterior;

V - consolidação de infra-estrutura de pesquisa científica e de desenvolvimento tecnológico;

VI - exploração econômica, em parceria, de processo e produto derivado do uso de componente do patrimônio genético; e

VII - estabelecimento de empreendimento conjunto de base tecnológica.

Art. 23. A empresa que, no processo de garantir o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia à instituição nacional, pública ou privada, responsável pelo acesso e remessa de amostra de componente do patrimônio genético e pelo acesso à informação sobre conhecimento tradicional associado, investir em atividade de pesquisa e desenvolvimento no País, fará jus a incentivo fiscal para a capacitação tecnológica da indústria e da agropecuária, e a outros instrumentos de estímulo, na forma da legislação pertinente.

CAPÍTULO VII

DA REPARTIÇÃO DE BENEFÍCIOS

Art. 24. Os benefícios resultantes da exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado, obtidos por instituição nacional ou instituição sediada no exterior, serão

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repartidos, de forma justa e eqüitativa, entre as partes contratantes, conforme dispuser o regulamento e a legislação pertinente.

Parágrafo único. À União, quando não for parte no Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, será assegurada, no que couber, a participação nos benefícios a que se refere o caput deste artigo, na forma do regulamento.

Art. 25. Os benefícios decorrentes da exploração econômica de produto ou processo, desenvolvido a partir de amostra do patrimônio genético ou de conhecimento tradicional associado, poderão constituir-se, dentre outros, de:

I - divisão de lucros;

II - pagamento de royalties;

III - acesso e transferência de tecnologias;

IV - licenciamento, livre de ônus, de produtos e processos; e

V - capacitação de recursos humanos.

Art. 26. A exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente do patrimônio genético ou de conhecimento tradicional associado, acessada em desacordo com as disposições desta Medida Provisória, sujeitará o infrator ao pagamento de indenização correspondente a, no mínimo, vinte por cento do faturamento bruto obtido na comercialização de produto ou de royalties obtidos de terceiros pelo infrator, em decorrência de licenciamento de produto ou processo ou do uso da tecnologia, protegidos ou não por propriedade intelectual, sem prejuízo das sanções administrativas e penais cabíveis.

Art. 27. O Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios deverá indicar e qualificar com clareza as partes contratantes, sendo, de um lado, o proprietário da área pública ou privada, ou o representante da comunidade indígena e do órgão indigenista oficial, ou o representante da comunidade local e, de outro, a instituição nacional autorizada a efetuar o acesso e a instituição destinatária.

Art. 28. São cláusulas essenciais do Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, na forma do regulamento, sem prejuízo de outras, as que disponham sobre:

I - objeto, seus elementos, quantificação da amostra e uso pretendido;

II - prazo de duração;

III - forma de repartição justa e eqüitativa de benefícios e, quando for o caso, acesso à tecnologia e transferência de tecnologia;

IV - direitos e responsabilidades das partes;

V - direito de propriedade intelectual;

VI - rescisão;

VII - penalidades;

VIII - foro no Brasil.

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Parágrafo único. Quando a União for parte, o contrato referido no caput deste artigo reger-se-á pelo regime jurídico de direito público.

Art. 29. Os Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios serão submetidos para registro no Conselho de Gestão e só terão eficácia após sua anuência.

Parágrafo único. Serão nulos, não gerando qualquer efeito jurídico, os Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios firmados em desacordo com os dispositivos desta Medida Provisória e de seu regulamento.

CAPÍTULO VIII

DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS

Art. 30. Considera-se infração administrativa contra o patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado toda ação ou omissão que viole as normas desta Medida Provisória e demais disposições legais pertinentes.

§ 1o As infrações administrativas serão punidas na forma estabelecida no regulamento desta Medida Provisória, com as seguintes sanções:

I - advertência;

II - multa;

III - apreensão das amostras de componentes do patrimônio genético e dos instrumentos utilizados na coleta ou no processamento ou dos produtos obtidos a partir de informação sobre conhecimento tradicional associado;

IV - apreensão dos produtos derivados de amostra de componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado;

V - suspensão da venda do produto derivado de amostra de componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado e sua apreensão;

VI - embargo da atividade;

VII - interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou empreendimento;

VIII - suspensão de registro, patente, licença ou autorização;

IX - cancelamento de registro, patente, licença ou autorização;

X - perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal concedidos pelo governo;

XI - perda ou suspensão da participação em linha de financiamento em estabelecimento oficial de crédito;

XII - intervenção no estabelecimento;

XIII - proibição de contratar com a Administração Pública, por período de até cinco anos.

§ 2o As amostras, os produtos e os instrumentos de que tratam os incisos III, IV e V do § 1o deste artigo, terão sua destinação definida pelo Conselho de Gestão.

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§ 3o As sanções estabelecidas neste artigo serão aplicadas na forma processual estabelecida no regulamento desta Medida Provisória, sem prejuízo das sanções civis ou penais cabíveis.

§ 4o A multa de que trata o inciso II do § 1o deste artigo será arbitrada pela autoridade competente, de acordo com a gravidade da infração e na forma do regulamento, podendo variar de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar de pessoa física.

§ 5o Se a infração for cometida por pessoa jurídica, ou com seu concurso, a multa será de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais), arbitrada pela autoridade competente, de acordo com a gravidade da infração, na forma do regulamento.

§ 6o Em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.

CAPÍTULO IX

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 31. A concessão de direito de propriedade industrial pelos órgãos competentes, sobre processo ou produto obtido a partir de amostra de componente do patrimônio genético, fica condicionada à observância desta Medida Provisória, devendo o requerente informar a origem do material genético e do conhecimento tradicional associado, quando for o caso.

Art. 32. Os órgãos federais competentes exercerão a fiscalização, a interceptação e a apreensão de amostra de componente do patrimônio genético ou de produto obtido a partir de informação sobre conhecimento tradicional associado, acessados em desacordo com as disposições desta Medida Provisória, podendo, ainda, tais atividades serem descentralizadas, mediante convênios, de acordo com o regulamento.

Art. 33. A parcela dos lucros e dos royalties devidos à União, resultantes da exploração econômica de processo ou produto desenvolvido a partir de amostra de componente do patrimônio genético, bem como o valor das multas e indenizações de que trata esta Medida Provisória serão destinados ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado pela Lei no 7.797, de 10 de julho de 1989, ao Fundo Naval, criado pelo Decreto no 20.923, de 8 de janeiro de 1932, e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, criado pelo Decreto-Lei no 719, de 31 de julho de 1969, e restabelecido pela Lei no 8.172, de 18 de janeiro de 1991, na forma do regulamento.

Parágrafo único. Os recursos de que trata este artigo serão utilizados exclusivamente na conservação da diversidade biológica, incluindo a recuperação, criação e manutenção de bancos depositários, no fomento à pesquisa científica, no desenvolvimento tecnológico associado ao patrimônio genético e na capacitação de recursos humanos associados ao desenvolvimento das atividades relacionadas ao uso e à conservação do patrimônio genético.

Art. 34. A pessoa que utiliza ou explora economicamente componentes do patrimônio genético e conhecimento tradicional associado deverá adequar suas atividades às normas desta Medida Provisória e do seu regulamento.

Art. 35. O Poder Executivo regulamentará esta Medida Provisória até 30 de dezembro de 2001.

Art. 36. As disposições desta Medida Provisória não se aplicam à matéria regulada pela

Art. 37. Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória no 2.186-15, de 26 de julho de 2001.

Art. 38. Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

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202

Brasília, 23 de agosto de 2001; 180o da Independência e 113o da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

José Gregori

José Serra

Ronaldo Mota Sardenberg

José Sarney Filho

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 24.8.2001

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ANEXO 08 - Resolução 6 do Conselho de Gestão do Pat rimônio Genético.

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204

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO

RESOLUÇÃO Nº 6, DE 26 DE JUNHO DE 2003.

Estabelece diretrizes para a obtenção de anuência prévia para o acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, com potencial ou perspectiva de uso comercial

O CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO , no uso das competências que lhe foram conferidas pela Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, e pelo Decreto nº 3.945, de 28 de setembro de 2001, e tendo em vista o disposto na Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada por meio do Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998,

considerando a necessidade de estabelecer critérios para a obtenção de

anuência prévia para o acesso a conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, com potencial ou perspectiva de uso comercial, conforme determina o art. 16, § 9º, inciso I, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001;

considerando a necessidade de proteger os direitos culturais de comunidades locais e indígenas, em especial o direito à proteção do conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, previstos nos artigos 215 e 216 da Constituição e nos artigos 8º e 9º da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, resolve:

Art. 1º Estabelecer diretrizes para orientar o processo de obtenção de anuência prévia junto às comunidades locais ou indígenas por instituições nacionais interessadas em acessar conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético existente no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, com potencial ou perspectiva de uso comercial, em conformidade com o art. 16, § 9º, inciso I, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001.

Parágrafo único. Para efeitos desta Resolução, aplicam-se as definições estabelecidas no art. 7º da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001.

Art. 2º O processo de obtenção de anuência prévia a que se refere o art. 1º desta Resolução pautar-se-á pelas seguintes diretrizes, sem prejuízo de outras exigências previstas na legislação vigente:

I – esclarecimento à comunidade anuente, em linguagem a ela acessível, sobre o objetivo da pesquisa, a metodologia, a duração e o orçamento do projeto, o uso que se pretende dar ao conhecimento tradicional a ser acessado, a área geográfica abrangida pelo projeto e as comunidades envolvidas;

II – fornecimento das informações no idioma nativo, sempre que solicitado pela comunidade;

III – respeito às formas de organização social e de representação política tradicional das comunidades envolvidas, durante o processo de consulta;

IV – esclarecimento à comunidade sobre os impactos sociais, culturais e ambientais decorrentes do projeto;

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V – esclarecimento à comunidade sobre os direitos e as responsabilidades de cada uma das partes na execução do projeto e em seus resultados;

VI – estabelecimento, em conjunto com a comunidade, das modalidades e formas de repartição de benefícios;

VII – garantia de respeito ao direito da comunidade de recusar o acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, durante o processo de obtenção da anuência prévia;

VIII – provisão de apoio científico, lingüístico, técnico e/ou jurídico independente à comunidade, durante todo o processo de consulta, sempre que solicitado pela comunidade.

Art. 3º O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético adotará as diretrizes estabelecidas no art. 2º desta Resolução como critérios para a aferição do efetivo respeito aos direitos culturais das comunidades indígenas ou locais envolvidas e para a salvaguarda do conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético.

Art. 4º O requerente deverá apresentar ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético laudo antropológico independente, relativo ao acompanhamento do processo de anuência prévia, que contenha, no mínimo, as seguintes informações:

I – indicação das formas de organização social e de representação política da comunidade;

II – avaliação do grau de esclarecimento da comunidade sobre o conteúdo da proposta e suas conseqüências;

III – avaliação dos impactos sócio-culturais decorrentes do projeto;

IV – descrição detalhada do procedimento utilizado para obtenção da anuência;

V – avaliação sobre o grau de respeito do processo de obtenção de anuência às diretrizes estabelecidas nesta Resolução.

Art. 5º O Termo de Anuência Prévia, devidamente firmado pela comunidade, respeitando as suas formas de organização social e de representação política tradicional, deverá ser apresentado ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, juntamente com o laudo antropológico independente a que se refere o art. 4º desta Resolução e com a solicitação a que se referem os artigos 8º e 9º do Decreto nº 3.945, de 28 de setembro de 2001.

§ 1º Caso os signatários não possam, por qualquer circunstância, firmar o Termo de Anuência Prévia, tomar-se-ão suas impressões datiloscópicas.

§ 2º O Termo de Anuência Prévia deverá conter as condições estabelecidas entre as partes, especialmente quanto aos aspectos indicados pelos incisos I, IV e V do artigo 2º desta Resolução.

Art. 6º Ainda que, na solicitação de acesso ao conhecimento tradicional associado de que trata esta Resolução, não esteja previsto o acesso ao patrimônio genético ou a remessa de amostra deste, o requerente deverá coletar junto à comunidade indígena ou local envolvidas, amostra do componente do patrimônio genético ao qual o conhecimento tradicional esteja associado, observando-se o disposto no art. 16, §§ 1º e 9º, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001.

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§ 1º A amostra a que se refere o caput deste artigo deverá ser coletada em quantidade suficiente para a identificação taxonômica do material.

§ 2º A amostra a que se refere o caput deste artigo deverá ser integralmente depositada em instituição fiel depositária credenciada pelo Conselho, a ser indicada pelo requerente na oportunidade da solicitação de acesso.

Art. 7º Para cada novo uso pretendido, o requerente deverá promover novo processo de obtenção de anuência prévia, ainda que já tenha recebido a anuência sobre outro uso relativo a um mesmo conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético.

Art. 8º O descumprimento dos procedimentos estipulados nesta Resolução sujeitará o infrator a sanções previstas na legislação vigente.

Art. 9º A Secretaria Executiva do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético adotará os procedimentos necessários à aplicação do disposto nesta Resolução.

Art. 10. Os casos omissos ou de dúvida de interpretação desta Resolução serão resolvidos pelo Plenário do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético.

Art. 11. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

MARINA SILVA

Ministra de Estado do Meio Ambiente

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ANEXO 09 - Resolução 9 do Conselho de Gestão do Pat rimônio Genético.

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208

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO

RESOLUÇÃO Nº 9, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2003.

Estabelece diretrizes para a obtenção de Anuência Prévia para o acesso a componente do patrimônio genético situado em terras indígenas, em áreas privadas, de posse ou propriedade de comunidades locais e em Unidades de Conservação de Uso Sustentável para fins de pesquisa científica sem potencial ou perspectiva de uso comercial.

O CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO , no uso das competências que lhe foram conferidas pela Medida Provisória no2.186-16, de 23 de agosto de 2001, e pelo Decreto no 3.945, de 28 de setembro de 2001, e tendo em vista o disposto na Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada por meio do Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998, e

considerando a necessidade de estabelecer critérios para a obtenção de anuência prévia de que trata o art. 16, § 9º, incisos I, II, III, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, junto a comunidades indígenas e locais;

considerando a necessidade de proteger o patrimônio genético e os direitos culturais de comunidades locais e indígenas, em especial o direito à proteção do componente do patrimônio genético, previstos nos artigos 215, 216 e 225 da Constituição e nos artigos 8º e 9º da Medida Provisória nº 2.186-16/01, resolve:

Art. 1º Estabelecer diretrizes para orientar o processo de obtenção de anuência prévia junto às comunidades locais ou indígenas por instituições nacionais interessadas em acessar ao componente do patrimônio genético existente em terras indígenas, áreas privadas de posse ou propriedade de comunidades locais, bem como para a anuência prévia do órgão ambiental competente quando o acesso se der em Unidade de Conservação de Uso Sustentável , para fins de pesquisa científica sem potencial ou perspectiva de uso comercial em conformidade com o art. 16, § 9º, inciso I, II e III da Medida Provisória n o 2.186-16/01.

Parágrafo único. Para efeitos desta Resolução, aplicam-se as definições estabelecidas no art. 7º da Medida Provisória n o 2.186-16/01.

Art. 2º O processo de obtenção de anuência prévia a que se refere o art. 1º desta Resolução pautar-se-á pelas seguintes diretrizes, sem prejuízo de outras exigências previstas na legislação vigente:

I – esclarecimento à comunidade anuente, em linguagem a ela acessível, sobre o objetivo da pesquisa, a metodologia, a duração, o orçamento, os possíveis benefícios, fontes de financiamento do projeto, o uso que se pretende dar ao componente do patrimônio genético a ser acessado, a área geográfica abrangida pelo projeto e as comunidades envolvidas;

II – respeito às formas de organização social e de representação política tradicional das comunidades envolvidas, durante o processo de consulta;

III – esclarecimento à comunidade sobre os impactos sociais, culturais e ambientais decorrentes do projeto;

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IV - esclarecimento à comunidade sobre os direitos e as responsabilidades de cada uma das partes na execução do projeto e em seus resultados;

V – estabelecimento, em conjunto com a comunidade, das modalidades e formas de contrapartida derivadas da execução do projeto;

VI – garantia de respeito ao direito da comunidade de recusar o acesso ao componente do patrimônio genético, durante o processo da Anuência Prévia.

Art. 3º O órgão indigenista oficial adotará os procedimentos administrativos necessários ao ingresso em terra indígena para a obtenção da devida anuência prévia pelo interessado.

Art. 4º Quando o acesso ao componente do patrimônio genético se der em Unidade de Conservação de Uso Sustentável prevista pelo artigo 14 e seguintes da Lei 9.985 de julho de 2000, a anuência prévia de que trata o art. 16, § 9°, II da Medida Provisória 2.186-16/01 deverá ser emitida pelo órgão ambiental competente , ouvidas as comunidades locais abrangidas pela Unidade de Conservação, por meio de seus representantes, diretamente ou no respectivo Conselho Consultivo ou Deliberativo, quando constituído.

§1° No caso previsto pelo caput, o órgão ambiental oficial competente adotará as diretrizes estabelecidas no art. 2° desta Resolução.

§2 Nos casos em que a incidência da Unidade de Conservação de uso Sustentável não implique em supressão dos direitos de propriedade ou posse da(s) comunidade(s) local(is) sobre suas terras, a anuência prévia será obtida pelo interessado no acesso junto aos detentores da área, observado o disposto no artigo 16, §§ 8º e 9º, III da Medida Provisória 2.186-16/01

Art. 5º O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético e a instituição credenciada na forma do artigo 10 do Decreto 3.945/01, adotarão as diretrizes estabelecidas no art. 2º desta Resolução como critérios para a aferição do efetivo respeito aos direitos das comunidades indígenas ou locais reconhecidos pela MP 2.186-16/01em seus artigos 8°, 9º e 16, §9º, I e III.

Art. 6º O Termo de Anuência Prévia, devidamente firmado pela, comunidade, em respeito às suas formas de organização social e de representação política tradicional, ou pelo órgão ambiental competente pela gestão da Unidade de Conservação de Uso Sustentável, deverá ser apresentado ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético ou à instituição credenciada, juntamente com a solicitação a que se referem os art.8 o e 9 o do Decreto nº 3.945/01. (Redação revogado pela Resolução nº 19, de 22.09.2005)

Art. 6º O Termo de Anuência Prévia deverá ser apresentado à deliberação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético ou à instituição credenciada a que se refere o art. 11, inciso IV, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, devidamente firmado pela comunidade, respeitando suas formas tradicionais de organização social e de representação política, ou pelo órgão ambiental responsável pela gestão da Unidade de Conservação a que se refere o art. 4º desta Resolução. (NR) (Redação Incluída pela Resolução nº 19, de 22.09.2005)

§ 1º Caso os signatários não possam, por qualquer circunstância, firmar o Termo de Anuência Prévia, tomar-se-ão suas impressões datiloscópicas.

§ 2º O Termo de Anuência Prévia deverá ser acompanhado de relatório que explicite o procedimento adotado para obtenção da anuência, atendendo às questões estabelecidas no anexo. (Redação revogado pela Resolução nº 19, de 22.09.2005)

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§ 2º O Termo de Anuência Prévia deverá conter as condições estabelecidas entre as partes, especialmente quanto aos aspectos indicados no art. 2º, incisos I, IV e V, desta Resolução. (Redação Incluída pela Resolução nº 19, de 22.09.2005)

§ 3° No caso previsto pelo art. 4°, o Termo de Anuência Prévia do órgão ambiental competente deverá ser acompanhado de relatório sobre o resultado da consulta feita à comunidade local abrangida. .(Redação revogado pela Resolução nº 19, de 22.09.2005)

§ 3º O Termo de Anuência Prévia, quando obtido junto a comunidades locais ou indígenas, deverá ser acompanhado de relatório que explicite o procedimento adotado para a obtenção da anuência, atendendo aos quesitos indicados no Anexo desta Resolução. (Redação Incluída pela Resolução nº 19, de 22.09.2005)

§ 4º O Termo de Anuência Prévia deverá conter as condições de acesso estabelecidas entre as partes. (Redação revogado pela Resolução nº 19, de 22.09.2005)

§ 4º A fim de atender ao disposto no art. 4º desta Resolução, o Termo de Anuência Prévia, emitido pelo órgão ambiental competente, deverá ser acompanhado de relatório sobre o resultado da consulta realizada junto às comunidades envolvidas. (Redação Incluída pela Resolução nº 19, de 22.09.2005)

§ 5º Caso, excepcionalmente, a comunidade concorde em participar do projeto proposto pelo solicitante mas não queira firmar o Termo de Anuência Prévia nas formas previstas no caput deste artigo e em seu § 1º, poderão ser apresentados à deliberação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, a título de comprovação do procedimento de anuência prévia, outros meios de prova, que demonstrem o atendimento ao disposto no art. 2º desta Resolução, acompanhados de Termo de Responsabilidade firmado unilateralmente pelo requerente, e da manifestação do órgão indigenista oficial, quando o acesso ocorrer em terra indígena. (NR) (Redação Incluída pela Resolução nº 19, de 22.09.2005)

Art. 7º O descumprimento dos procedimentos estipulados nesta Resolução sujeitará o infrator às sanções previstas na legislação vigente.

Art. 8º A Secretaria-Executiva do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético adotará os procedimentos necessários à aplicação do disposto nesta Resolução.

Art. 9º Os casos omissos ou de dúvida de interpretação desta Resolução serão resolvidos pelo Plenário do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético.

Art. 10º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

MARINA SILVA

Ministra de Estado do Meio Ambiente

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ANEXO

Questionário para avaliação do cumprimento das diretrizes

estabelecidas na Resolução nº 9, de 18 de dezembro de 2003.

1. Que mecanismos foram adotados a fim de esclarecer a comunidade anuente sobre a pesquisa?

2. Quais pessoas, organizações sociais ou políticas foram consultadas? De que forma foram consultadas e o que representam?

3. Quais possíveis impactos sociais, ambientais e culturais decorrentes da pesquisa foram informados à comunidade anuente?

4. Quais são os direitos e as responsabilidades da comunidade anuente e dos pesquisadores na execução do projeto?

5. Foram estabelecidas, em conjunto com a comunidade, modalidades e formas de contrapartida derivadas da execução do projeto? Quais?

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ANEXO 10 - Resolução 11 do Conselho de Gestão do Pa trimônio Genético.

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MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO

RESOLUÇÃO Nº 11, DE 25 DE MARÇO DE 2004. Estabelece diretrizes para a elaboração e análise dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios que envolvam acesso a componente do patrimônio genético ou a conhecimento

tradicional associado providos por comunidades indígenas ou locais.

O CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO , no uso das competências que lhe foram atribuídas pela Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, e pelo Decreto nº 3.945, de 28 de setembro de 2001, e tendo em vista o disposto na Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada por meio do Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998, especialmente seu art. 8º, alínea “j”,

Considerando a necessidade de estabelecer diretrizes para a elaboração dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios submetidos à anuência do Conselho, conforme determina o art. 29 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, à luz do disposto no art. 231 da Constituição e no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;

Considerando a necessidade de estabelecer critérios objetivos para a aferição dos requisitos de justiça e eqüidade dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios submetidos à anuência do Conselho, de acordo com o art. 1º, inciso III, e art. 24 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, e arts. 1º e 15, § 7º, da Convenção sobre Diversidade Biológica, resolve:

Art. 1º Estabelecer diretrizes para a elaboração de Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, que envolvam o acesso a componente do patrimônio genético ou a conhecimento tradicional associado providos por comunidades indígenas ou locais e para a análise dos pedidos de anuência relativos a estes Contratos pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, em conformidade com os arts. 24 a 29 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001.

Parágrafo único. Para efeitos desta Resolução, aplicam-se as definições contidas no art. 7º da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001.

Art. 2º A elaboração de Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios a que se refere esta Resolução pautar-se-á pelas seguintes diretrizes, sem prejuízo de outras exigências previstas na legislação vigente:

I – presença das cláusulas essenciais dispostas no art. 28 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001;

II – identificação e qualificação de todas as partes envolvidas, nos termos do art. 27, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001;

III – regularidade do instrumento de procuração, quando as partes constituírem procuradores para representá-las em qualquer etapa da negociação do Contrato;

IV – com relação ao objeto do Contrato:

a) discriminação do componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado a ser acessado e quantificação aproximada de amostras a serem obtidas;

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b) descrição do uso pretendido;

V – com relação aos prazos:

a) deverão ser especificados os períodos previstos para o acesso, a bioprospecção, o desenvolvimento do produto ou processo e a exploração comercial, sempre que tais etapas estiverem contempladas no projeto;

b) salvo se diferente e expressamente acordado entre as partes, o prazo para recebimento dos benefícios será contado a partir do início da exploração econômica do produto ou processo desenvolvido;

VI – com relação à forma de repartição de benefícios e, quando for o caso, acesso à tecnologia e transferência de tecnologia:

a) o Contrato deve guardar coerência com a anuência prévia obtida;

b) na hipótese de benefício pecuniário calculado em percentual, o Contrato deverá esclarecer a base e a forma de cálculo e, quando for o caso, determinar se o percentual será calculado sobre a receita ou o lucro decorrente do projeto, bruto ou líquido, devendo, ainda, neste último caso, especificar claramente as deduções a serem efetuadas;

c) as formas de repartição de benefícios deverão estar expressas e claras, podendo ser aquelas já previstas no art. 25 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, ou outras escolhidas pelas partes, ainda que anteriores à exploração econômica de produto ou processo derivado do acesso realizado;

d) ao eleger as formas de repartição de benefícios, as partes deverão procurar o equilíbrio entre benefícios de curto, médio e longo prazo, determinando o momento de sua execução;

e) contratos ou acordos que, de algum modo, afetem a repartição de benefícios deverão ser apresentados juntamente com o Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, e, quando for o caso, com a comprovação de ciência da parte não-signatária acerca da existência destes contratos ou acordos;

VII – a instituição responsável pelo acesso deverá comprometer-se a:

a) fornecer periodicamente ao provedor do componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado, relatório do andamento do projeto, bem como da exploração do produto ou processo, cuja apresentação deverá levar em conta as especificidades das comunidades, sendo realizada em linguagem acessível e, sempre que solicitado pela comunidade, no idioma nativo;

b) viabilizar o acompanhamento das expedições de coleta de amostras de componentes do patrimônio genético bem como permitir e viabilizar o acompanhamento das demais atividades do projeto pelos provedores envolvidos ou por terceiros ou por eles indicados, observado o disposto no art. 6º da Resolução nº 6, de 26 de junho de 2003, do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético;

c) não transmitir a terceiros qualquer informação ou direito decorrente do Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios sem prévia anuência do provedor do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado, salvo por imposição legal;

VIII – o Contrato deverá definir, quando couber, a titularidade dos direitos de propriedade intelectual ou outros direitos relacionados ao seu objeto, bem como os deveres decorrentes

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215

destes direitos;

IX – o Contrato estipulará claramente as formas de rescisão, as quais não poderão prejudicar direitos adquiridos anteriormente à rescisão;

X – o Contrato fixará as penalidades a serem aplicadas às partes no caso de descumprimento de suas cláusulas, salvaguardada, em todo caso, a aplicação das penalidades previstas na legislação vigente;

XI – o foro competente para a resolução de controvérsias derivadas do Contrato será o de domicílio do provedor do componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado, salvo quando as circunstâncias evidenciarem a auto-suficiência deste para defender-se em foro diferente do seu, hipótese em que o foro poderá ser livremente escolhido pelas partes, observado o disposto no art. 28, inciso VIII, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001;

XII – eventual cláusula de exclusividade deverá ter objeto e prazo determinados, estabelecidos pelas partes de comum acordo, segundo critérios de razoabilidade a serem aferidos caso a caso;

XIII – a adoção de eventual cláusula de sigilo deverá preservar o intercâmbio e a difusão de componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado praticado internamente ou entre si por comunidades indígenas e comunidades locais, para seu próprio benefício e baseados em prática costumeira.

Art. 3º Qualquer alteração relativa ao uso de componente do patrimônio genético ou de conhecimento tradicional associado acessado deverá ser objeto de nova anuência prévia entre as partes, as quais deverão estabelecer termo aditivo ao Contrato original ou celebrar novo Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios, devendo os mesmos, em qualquer hipótese, ser apresentados ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, observado o disposto no art. 29 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001.

Art. 4º O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético adotará as diretrizes estabelecidas no art. 2º desta Resolução como critérios para aferição dos requisitos de justiça e eqüidade dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, a que se refere esta Resolução, submetidos à sua anuência.

Parágrafo único. Ao comunicar o deferimento do pedido de anuência às partes interessadas, a Secretaria Executiva advertirá os provedores de que, ao ter ciência da exploração indevida do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado acessado, deverá comunicar imediatamente os órgãos competentes a fim de que estes adotem as medidas cabíveis.

Art. 5º A Secretaria-Executiva dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético adotará os procedimentos necessários à aplicação do disposto nesta Resolução.

Art. 6º Os casos omissos ou de dúvida de interpretação desta Resolução serão resolvidos pelo Plenário do Contratos de Utilização do Patrimônio Genético.

Art. 7º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

MARINA SILVA

Ministra de Estado do Meio Ambiente

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ANEXO 11 - Resolução 12 do Conselho de Gestão do Pa trimônio Genético.

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MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO

RESOLUÇÃO Nº 12, DE 25 DE MARÇO DE 2004

Estabelece diretrizes para a obtenção de anuência prévia para acesso a componente do patrimônio genético com finalidade de bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico

O CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO, no uso das competências que lhe foram conferidas pela Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, e pelo Decreto nº 3.945, de 28 de setembro de 2001, e tendo em vista o disposto na Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998,

considerando a necessidade de estabelecer critérios para a obtenção da anuência prévia de que trata o art. 16, § 9º, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001;

considerando a necessidade de proteger o patrimônio genético e os direitos culturais de comunidades indígenas e locais, previstos nos arts. 215, 216, 225 e 231 da Constituição, no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e na Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, resolve:

Art. 1º Esta Resolução tem por finalidade orientar o processo de obtenção de anuência prévia para fins de bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico, por instituições nacionais interessadas em acessar componente do patrimônio genético situado em:

I – terras indígenas;

II – áreas protegidas;

III – áreas privadas;

IV – áreas indispensáveis à segurança nacional; e

V – no mar territorial brasileiro, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva.

§ 1º Para efeitos desta Resolução, aplicam-se as definições constantes do art. 7º da Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001.

§ 2º Para fins do disposto nesta Resolução, incluem-se entre as áreas mencionadas no inciso III, do caput deste artigo, aquelas sob a posse ou propriedade de comunidades locais.

Art. 2º O processo de obtenção de anuência prévia a que se refere o art. 1º desta Resolução pautar-se-á pelas seguintes diretrizes, sem prejuízo de outras exigências previstas na legislação vigente:

I – esclarecimento aos anuentes, em linguagem a eles acessível, sobre o objetivo do projeto, a metodologia, a duração, o orçamento, os possíveis benefícios, fontes de financiamento, o uso que se pretende dar ao componente do patrimônio genético a ser acessado, a área abrangida pelo projeto e as comunidades envolvidas;

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II – esclarecimento aos anuentes, em linguagem a eles acessível, sobre os impactos ambientais decorrentes do projeto;

III – esclarecimento aos anuentes, em linguagem a eles acessível, sobre os direitos e as responsabilidades de cada uma das partes na execução do projeto e em seus resultados;

IV – estabelecimento, em conjunto com os anuentes, das modalidades e formas de repartição de benefícios;

V – informação aos anuentes, em linguagem a eles acessível, sobre o direito de recusarem o acesso a componente do patrimônio genético durante o processo de anuência prévia.

Parágrafo único. Quando se tratar de acesso a componente do patrimônio genético provido por comunidades indígenas e locais, o processo de obtenção da anuência prévia deverá observar, além dos incisos do caput deste artigo, as seguintes diretrizes:

I – respeito às formas de organização social e de representação política tradicional das comunidades envolvidas, durante o processo de consulta;

II – o esclarecimento à comunidade sobre os impactos sociais e culturais decorrentes do projeto.

Art. 3º Quando o componente do patrimônio genético a ser acessado situar-se em terra indígena, o órgão indigenista oficial estabelecerá os procedimentos administrativos necessários ao ingresso nesta para a obtenção da anuência prévia junto à comunidade indígena envolvida, bem como para a assinatura do Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.

Art. 4º Quando o componente do patrimônio genético a ser acessado situar-se em Unidade de Conservação de domínio público onde haja comunidades locais residentes cuja permanência seja permitida em lei, a anuência prévia de que trata esta Resolução será emitida pelo órgão ambiental competente, ouvidas as comunidades envolvidas, observado o disposto no art. 42, § 2º, da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e as diretrizes estabelecidas no art. 2º desta Resolução.

§ 1º A fim de atender ao disposto no caput deste artigo, o órgão ambiental competente deverá ouvir as comunidades envolvidas diretamente, por meio de seus representantes ou do respectivo Conselho Consultivo ou Deliberativo, quando constituído.

§ 2º Quando a incidência da Unidade de Conservação não implicar a supressão dos direitos de propriedade ou posse das comunidades locais sobre suas terras, a anuência prévia será obtida pelo interessado diretamente junto aos detentores da área, observado, cumulativamente, o disposto no artigo 16, §§ 8º e 9º, inciso III da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001.

Art. 5º O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético adotará as diretrizes estabelecidas no art. 2º desta Resolução como critérios para a aferição do efetivo respeito ao direito dos anuentes reconhecido pelo art. 16, § 9º, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001.

Art. 6º O Termo de Anuência Prévia firmado pelos provedores do componente do patrimônio genético deverá ser apresentado ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, juntamente com as solicitações a que se refere o art. 8º do Decreto nº 3.945, de 28 de setembro de 2001, alterado pelo Decreto nº 4.946, de 31 de dezembro de 2003.

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§ 1º Caso os signatários não possam firmar o Termo de Anuência Prévia, tomar-se-ão suas impressões datiloscópicas.

§ 2º Quando se tratar de anuência prévia obtida junto a comunidades locais ou indígenas, o requerente deverá apresentar, juntamente com o Termo de Anuência Prévia, laudo antropológico independente, relativo ao acompanhamento do processo de Anuência Prévia, demonstrando o atendimento dos requisitos do art. 2º, o qual deverá conter:

I – indicação das formas de organização social e de representação política da comunidade;

II – avaliação do grau de esclarecimento da comunidade sobre o conteúdo da proposta e suas conseqüências;

III – avaliação dos impactos sócio-culturais decorrentes do projeto;

IV – descrição detalhada do procedimento utilizado para obtenção da anuência prévia;

V – avaliação do grau de respeito do processo de obtenção de anuência prévia às diretrizes estabelecidas nesta Resolução.

§ 3º A fim de atender ao disposto no art. 4º desta Resolução, o Termo de Anuência Prévia emitido pelo órgão ambiental competente deverá ser acompanhado de relatório sobre o resultado da consulta realizada junto às comunidades envolvidas.

§ 4º O Termo de Anuência Prévia deverá conter as condições de acesso estabelecidas entre as partes.

Art. 7º Para cada uso diferente daquele definido na anuência prévia já obtida, o requerente deverá promover novo processo de obtenção de anuência prévia.

Art. 8º O descumprimento dos procedimentos estipulados nesta Resolução sujeitará o infrator às sanções previstas na legislação vigente.

Art. 9º A Secretaria-Executiva do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético adotará os procedimentos necessários à aplicação do disposto nesta Resolução.

Art. 10. Os casos omissos ou de dúvida de interpretação desta Resolução serão resolvidos pelo Plenário do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético.

Art. 11. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

MARINA SILVA Ministra de Estado do Meio Ambiente

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