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II Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Mestrado e Doutorado Santa Cruz do Sul, RS – Brasil - 28 setembro a 01 de outubro. CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA DA PAISAGEM DA AGRICULTURA FAMILIAR NA REGIÃO DO MÉDIO ALTO URUGUAI, RS 1 Flamarion Dutra Alves 2 Vera Maria Favila Miorin 3 RESUMO Considerando os estudos já realizados na Região e que exibiram o diagnóstico de sua realidade e o valor de seus recursos naturais, humanos e econômicos, em nível qualitativo e quantitativo, destacando a cana-de-açúcar, selecionada no estudo como um elemento importante para a definição dos territórios, acrescentou-se a este um outro elemento: a estrutura fundiária das propriedades rurais na região do Médio Alto Uruguai. Como metodologia, utilizou-se informações dispostas no Banco de informações BNAF/ LEPeR sobre os produtos do meio rural, referentes ao instrumento de pesquisa aplicado em 2001/2003 nos municípios estudados. O uso deste procedimento também contribuiu para demonstrar o comportamento dos elementos humanos e de sua ação relacionados com os recursos naturais que compõem o geossistema regional. No tocante a estrutura fundiária, os Imóveis Rurais dos municípios correspondem a um expressivo número de imóveis com pouca dimensão de área, determinados pelas classes minifúndio e pequena propriedade. Em muitos municípios a grande propriedade praticamente inexiste e a média propriedade tem pouca significância no conjunto das propriedades existentes, sendo que a distribuição fundiária, por categoria de imóveis exploráveis na região do Médio Alto Uruguai, apresenta as seguintes características: a classe minifúndio representa 80,36% dos imóveis, a classe pequena propriedade representa 19,03% dos imóveis e, somando o minifúndio e a pequena propriedade, tem-se quase que todos os imóveis da Região, isto 1 Pesquisa desenvolvida no LEPeR/GCC/CCNE/UFSM com bolsa PIBIC/CNPq 2003/2004 2 Bolsista PIBIC/CNPq, aluno do Curso de Geografia LEPeR/GCC/CCNE/UFSM e- mail<[email protected]>

CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

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II Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Mestrado e Doutorado Santa Cruz do Sul, RS – Brasil - 28 setembro a 01 de outubro.

CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA DA PAISAGEM DA AGRICULTURA FAMILIAR NA REGIÃO DO MÉDIO ALTO

URUGUAI, RS1

Flamarion Dutra Alves2

Vera Maria Favila Miorin3

RESUMO

Considerando os estudos já realizados na Região e que exibiram o diagnóstico

de sua realidade e o valor de seus recursos naturais, humanos e econômicos, em nível

qualitativo e quantitativo, destacando a cana-de-açúcar, selecionada no estudo como um

elemento importante para a definição dos territórios, acrescentou-se a este um outro

elemento: a estrutura fundiária das propriedades rurais na região do Médio Alto

Uruguai. Como metodologia, utilizou-se informações dispostas no Banco de

informações BNAF/ LEPeR sobre os produtos do meio rural, referentes ao instrumento

de pesquisa aplicado em 2001/2003 nos municípios estudados. O uso deste

procedimento também contribuiu para demonstrar o comportamento dos elementos

humanos e de sua ação relacionados com os recursos naturais que compõem o

geossistema regional. No tocante a estrutura fundiária, os Imóveis Rurais dos

municípios correspondem a um expressivo número de imóveis com pouca dimensão de

área, determinados pelas classes minifúndio e pequena propriedade. Em muitos

municípios a grande propriedade praticamente inexiste e a média propriedade tem pouca

significância no conjunto das propriedades existentes, sendo que a distribuição

fundiária, por categoria de imóveis exploráveis na região do Médio Alto Uruguai,

apresenta as seguintes características: a classe minifúndio representa 80,36% dos

imóveis, a classe pequena propriedade representa 19,03% dos imóveis e, somando o

minifúndio e a pequena propriedade, tem-se quase que todos os imóveis da Região, isto

1 Pesquisa desenvolvida no LEPeR/GCC/CCNE/UFSM com bolsa PIBIC/CNPq 2003/2004

2 Bolsista PIBIC/CNPq, aluno do Curso de Geografia LEPeR/GCC/CCNE/UFSM e-mail<[email protected]>

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é 99,39%. A média propriedade representa 0,53% dos imóveis e a grande propriedade

representa 0,08% dos imóveis. (INCRA, 2000). Após constatar a predominância da

pequena propriedade rural na região, analisou-se o principal produto cana-de-açúcar

produzido nos municípios selecionados para o estudo permitindo organizar a identidade

da Região.Como alternativa sugere-se que os agricultores adotem a pluriatividade como

saída para a realização socioeconômica.

ABSTRACT

Considering the studies done in the region and that show the diagnosis of its

reality and the value of the natural, human and economic resources, in the qualitative

and quantity level, emphasizing the sugar cane, selected in the study as an important

element to the definition of the territories, adding to this another element: the landed

structure of the rural properties in the Médio Alto Uruguai (Medium High Uruguay)

region. Information disposed in the Bank of Information BNAF/LEPeR of the products

in the rural area was used as methodology, referring to the research instruments applied

in 2001/2003 in the studied cities. The use of this procedure also contributed to

demonstrate the behavior of the human elements and of its action related to the natural

resources that compound the regional geo-system. Related to the landed structure, the

landed properties in the rural area of the cities correspond to an expressive number of

small landed properties, classified as very small and small properties. In many cities the

big properties almost does not exist and the medium property does not have much

significance in the group of the existing properties, in a way that the land distribution

for the explorable landed property category in the Médio Alto Uruguai region, present

the following characteristics: the very small properties category represents 80,36% of

the landed properties, the small property has almost all landed properties in the Region,

that is, 99,39%. The medium properties represent 0,53% of the landed properties and

the big properties represent 0,08% of the (INCRA, 2000). By checking the

predominance of the small rural properties in the region, the main product, the sugar

cane, produced in the selected cities to this study was analyzed, which allowed the

organization of the identity of the region. As an alternative, we suggest that farmers

adopt the pluriactivity as an issue to the socioeconomic realization.

3 Orientadora, Prof.ªDr.ª LEPeR/GCC/CCNE/UFSM

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INTRODUÇÃO

A competitividade de determinados setores da economia nacional, em particular

devido às redes de produção que se desenvolvem a partir de cada um dos produtos da

agropecuária depende, portanto, não só de sua própria intensidade de produção e de

qualidade, mas da produtividade e da qualidade dos segmentos que as antecedem nas

distintas redes produtivas, além da maneira como se integram os componentes de um

determinado sistema agroalimentar, incluindo toda a gama de serviços privados e de

políticas públicas complementares e/ou de sistemas de produção.

Considerando o sistema agroalimentar e nele destacando o setor agroindustrial

existe um número razoável de ofertas de produtos que concorrem entre si e com os

importados, exibindo níveis bastante diversos de capacitação de recursos humanos,

adequação tecnológica, tamanho, capacitação gerencial para empreender estratégias

empresariais que empregam desde tecnologias artesanais até as de ponta na geração e na

produção dos bens de consumo. Por outro lado, as pequenas economias procuram

acelerar seus processos produtivos como garantia para se manterem nos mercados frente

à concentração do processo de desenvolvimento sustentável, alicerçado na

competitividade, na busca da eqüidade social e na proteção ambiental. Em decorrência

destes níveis propõe-se que o desenvolvimento seja expresso pela capacidade das

sociedades locais em se organizarem de modo eficiente e econômico, atreladas ao

potencial de recursos naturais e tecnológicos que possuem, os quais se tornam

condições de garantia do sustento das gerações atuais e futuras.

Seguindo nesta reflexão, entende-se que existe uma estrutura paisagística com

tendência a produção de certas especificidades rurais. Visto assim discute-se as

oportunidades em torno de planos de desenvolvimento rural que possam manter a

“ecologia da paisagem”, a qual para muitas unidades familiares é o elemento suficiente

para assegurar suas economias e dar a elas certa competitividade.

Analisando a agroindústria familiar rural, observa-se que ela tem como

características uma das mais elevadas taxas de informalidade, pouco aporte tecnológico

e gerencial e um enfoque empresarial voltado para a produção. Em decorrência dessas

características, encontram dificuldades de adaptação às mudanças de ambiente

econômico mesmo durante períodos de relativa estabilidade do mercado. Elas acabam

fechando seus negócios devido à ocorrência de mudanças acentuadas nas estruturas de

oferta e demanda.

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A diversificação das atividades rurais é definida, hoje, pelos seguintes itens:

emergência da agricultura familiar, multiplicação das atividades não agrícolas no espaço

rural e formação de novas unidades produtivas diferenciadas e crescentemente

identificadas com a agregação de valor a produção das famílias rurais (Schneider,

1999). A respeito disso o autor salienta que a pluriatividade é uma estratégia de

reprodução social das unidades que se utilizam o trabalho da família, em contextos onde

sua integração à divisão social do trabalho não decorre, exclusivamente, dos resultados

da produção agrícola, mas, sobretudo, dos recursos das atividades não agrícolas e

mediante a articulação com o mercado de trabalho.

Dentro desse mesmo assunto Schneider aborda a pluriatividade como uma

estratégia de reprodução social de unidades que se utilizam fundamentalmente do

trabalho da família, em contextos onde sua integração à divisão social do trabalho não

decorre exclusivamente dos resultados da produção agrícola, mas, sobretudo, através do

recurso às atividades não agrícolas e mediante a articulação com o mercado de trabalho.

Nesse sentido, assim argumenta-se, embora integradas ao ordenamento social e

econômico, as formas familiares encontram espaços e mecanismos não apenas para

subsistir, mas muitas vezes para afirmar uma forma social de características variadas e

diversas em um regime social capitalista.

A renda auferida na produção é o elemento preponderante para que a agricultura

familiar possibilite a permanência do homem no campo, pois a renda da produção

representa a base da sobrevivência nas pequenas unidades familiares.

Deve-se considerar que a produção familiar, devido a sua importância e

capacidade em obter produtos que identificam sua dimensão criativa, se destaca em

esfera regional como alicerce de produção e como fonte de referência para os mercados

artesanais. Com isso o desenvolvimento local se torna o elemento primordial na

definição de metas da produção familiar e exerce influência sobre as decisões na

formação da paisagem regional.

Considerando os estudos já realizados na Região e que exibiram o diagnóstico

de sua realidade; o valor de seus recursos naturais, humanos e econômicos em nível

tanto qualitativo quanto quantitativo; os graus tecnológicos aplicados e em uso corrente

em seu território. A seleção neste estudo do produto cana-de-açúcar vem permitir

compreender uma realidade até aqui considerada promissora, mas pouco conhecida, e

que é capaz de, através de seu potencial, alicerçar programas como o de Segurança

Alimentar desenvolvido pelo Governo Federal, porém necessitando de aportes

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tecnológicos que permitam sobrepor a produção à exigüidade de área disponível como

bem demonstrou o estudo referente a sua estrutura fundiária.

Para estabelecer esse conhecimento regional foram abordadas as dimensões

geográficas quantificáveis e de equilíbrio, expressas pela divisão territorial do trabalho,

pela estrutura fundiária regional além dos intercâmbios econômicos e das forças de

trabalho produtivo existentes. Aceitando-se que o desenvolvimento seja expresso pela

capacidade das sociedades locais em se relacionarem com o ambiente e se organizarem

de modo eficiente do ponto de vista produtivo, atreladas ao seu potencial de recursos

naturais, humanos e tecnológicos que se tornam condição de garantia e de sustento para

os mercados existentes e de melhoria de condições para as comunidades. Assim posto, o

estudo permitiu reconhecer o potencial possível à integração sustentável das

comunidades determinado em sua natureza imediata, enquanto recursos técnicos e as

possibilidades de produção econômica e de reprodução social.

Nesta pesquisa se procurou interpretar o espaço da produção e das relações de

reprodução social e econômica que se desenvolvem segundo uma relação íntima com os

recursos naturais promovendo a valorização da paisagem ao mesmo tempo em que a

altera. Para isto foram traçados determinados objetivos como o de definir a

espacialização territorial das atividades de produção e de transformação do produto

mais importante, analisar a estrutura fundiária dos municípios abordados utilizando as

variáveis qualitativas e quantitativas que, em interação com elementos sociais e

econômicos, determinam o caráter de sua territorialidade; além de identificar os

derivados mais importantes nas atividades agroindustriais da agricultura familiar, além

de apontar os avanços técnicos e sua inserção nos mercados urbanos, bem como revelar

os problemas e desafios a serem superados na direção da organização espacial.

1 DEFINIÇÕES E CONCEITOS

1.1 Agricultura familiar e sustentabilidade

O estímulo à diversificação dos sistemas produtivos goza de plena unanimidade

entre aqueles que se preocupam com a sustentabilidade da agricultura. Provavelmente, o

padrão sustentável substituirá em larga escala os sistemas simplificados ou

monocultores por outros diversificados que permitam ainda integrar a produção animal

a vegetal. É claro que essa possibilidade não deve ser apontada como “receita”

generalizada. Existem diferentes meios de se promover a diversificação de um

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agrossistema, desde o chamado “manejo do mato”, isto é, manutenção controlada de

plantas invasoras em meio às lavouras, passando pelas consorciásseis e pelas rotações

de culturas indo até os sistemas agroflorestais. O desafio, portanto, é conhecer não

apenas as características dos agrossistemas, mas também as formas mais apropriadas de

diversificá-las.

A forma de ocupação da terra e sua distribuição entre os produtores rurais

assumem importância no entendimento e conhecimento da estrutura fundiária de uma

localidade ou região, o qual permite a realização de “diagnósticos” que indicam as

dificuldades, os embaraços e, até mesmo, os impedimentos encontrados e que se

relacionam com a estrutura fundiária, explicando as causas das profundas desigualdades

sociais, pobreza e miséria, nas áreas onde a presença de terras disponíveis é condição

determinante para a reprodução social e econômica dos grupos familiares.

As discussões em torno da agricultura sustentável apontam, de forma

inequívoca, os agricultores familiares como sujeitos preferenciais e com maior aptidão

para a consecução dos preceitos da agricultura sustentável. É necessário, entretanto,

precisar o significado da expressão agricultor familiar. A caracterização deste sujeito

dada pelo adjetivo familiar, passa a ser feita por um conceito sociológico, que

representa papéis diferentes em função do contexto espaço-temporal da sociedade em

que está inserido e necessita ser mais bem entendida.

Como é comum em tais circunstâncias, a própria noção de agricultura

sustentável envolve diversos dilemas teóricos e práticos, fazendo com que proliferem as

tentativas de conceituá-las. Estão disponíveis dezenas de definições que se diferenciam

mais pela ênfase em determinado aspecto, do que pela exclusão de algum atributo de

durabilidade dos agrossistemas. Pode-se dizer que todas as definições transmitem a

visão de um sistema produtivo de alimentos e fibras que seja capaz de garantir:

- a manutenção, em longo prazo, dos recursos naturais e da produtividade

agrícola;

- o mínimo de impactos adversos ao ambiente;

- retornos adequados aos produtores;

- otimização da produção com um mínimo de insumos externos;

- satisfação das necessidades humanas de alimentos e rendas;

- atendimento às demandas sociais das famílias e das comunidades rurais.

Não será fácil implantar uma agricultura que preserve os recursos naturais e o

meio ambiente, já que as soluções consideradas sustentáveis são específicas dos

ecossistemas e exigentes em conhecimento agroecológico, portanto, de difícil

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multiplicação. São raras as práticas sustentáveis que podem ser adotadas em larga

escala. Existe, portanto, uma relação dialética entre inovação e conflito, estando em

questão não apenas o ritmo das inovações, mas, também, as modalidades de regulação

dos conflitos, tanto para a força das tendências inovadoras quanto para os tipos de

inovação. É provável que a transição seja mais rápida em ecossistemas menos

permeáveis às variedades de alto rendimento, engendrando uma diversidade de

ecossistemas agrários comparável à que prevalecia no início do século.

A agroecologia evoca a noção de uma agricultura menos agressiva ao meio

ambiente, que promove a inclusão social e proporciona melhores condições econômicas

para aos agricultores. A agroecologia está vinculada à oferta de produtos “limpos”,

ecológicos, isentos de resíduos químicos, em oposição àqueles característicos da

Revolução Verde. Portanto, a Agroecologia nos traz a idéia e a expectativa de uma nova

agricultura, capaz de fazer bem aos homens e ao meio ambiente como um todo,

afastando-nos da orientação dominante de uma agricultura intensiva em capital, energia

e recursos naturais não renováveis, agressiva ao meio ambiente, excludente do ponto de

vista social e causadora de dependência econômica (CAPORAL & COSTABEBER,

2002).

É preciso entender que sustentabilidade significa preservação do capital

ambiental oferecido pela natureza, os possíveis usos ou funções do entorno físico, as

dificuldades da aplicação prática da definição e os problemas de sua vinculação à idéia

de desenvolvimento devem ser vistos como desafios, não como expedientes que possam

diminuir seu valor heurístico e seu profundo sentido ético. Parece fundamental que os

grandes conjuntos de agrossistemas sejam tratados separadamente, pois sua dinâmica e

seus ritmos de transição serão necessariamente diferentes. Deve-se esclarecer que a

diversidade interna desses conjuntos poderá destacar os diferentes graus de

especificidade (ou universalidade) dos problemas ambientais intrínsecos aos sistemas de

produção que predominam nos macro conjuntos de ecossistemas.

A discussão a respeito da agricultura sustentável é recente, gerando várias

posições frente ao seu conceito e, até mesmo, de seus objetivos, não havendo uma

homogeneidade no meio científico acerca desta abordagem. A este respeito Gómez

(1996, p. 153) considera que: “o conceito de sustentabilidade significa uma

reorganização das relações essenciais da sociedade e uma redefinição das ações dos

governos, das empresas e das instituições de pesquisa e de ensino”.

Na visão de alguns autores, como Ehlers (1999) e Gómez (1996), a agricultura

sustentável terá sérias dificuldades e entraves em sua consolidação em função das

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características específicas de cada ecossistema. Mas é consenso no meio científico que o

atual modelo agrícola mundial tornou-se inviável, tanto ecológica como socialmente.

Para Gómez (1996, p. 159) “os estudiosos do tema parecem concordar em que, no

processo de transição do modelo vigente para um modelo sustentável, é necessário

adotar uma estratégia que possibilite a combinação adequada dos recursos naturais,

genéticos e humanos”.

Para consolidar o desenvolvimento rural sustentável uma das metas a ser

atingida é a eqüidade, conceito que se refere ao bem-estar da população. Para a

EMATER (1996), eqüidade é entendida a partir da distribuição da renda, dos

indicadores de saúde, dos níveis de nutrição, habitação, educação, como também, dos

graus de emprego e mobilidade social da população.

Dessa forma é na contradição das relações e na produção de relações

insustentáveis que se manifesta a necessidade de se propor o desenvolvimento

sustentável, que segundo Almeida (1997) “tem como uma de suas premissas o

reconhecimento da ‘insustentabilidade’ ou inadequação econômica, social e ambiental

do padrão de desenvolvimento das sociedades contemporâneas”.

Seguindo esta linha de pensamento, Gómez (1995, p. 108-109) salienta que: “No

debate sobre a agricultura sustentável, predominam os argumentos que associam o

desenvolvimento sustentável à agricultura familiar...”, “é capaz de realizar a transição

com maior facilidade para um modelo de desenvolvimento sustentável”.

A pequena propriedade rural, que historicamente se preocupou em produzir para

o seu sustento, vendendo apenas o excedente, precisou ampliar seus conhecimentos para

competir no mercado, conhecer os mercados e os consumidores, detendo informações

acerca dos produtos e serviços disponíveis e dos hábitos e necessidades dos

consumidores.

Desta forma, os produtores rurais, de trabalho familiar, procuram obter os

conhecimentos necessários e estabelecem novas estratégias de melhoria das condições

competitivas. Obedecendo a estas mudanças, a competitividade, que pode ser definida

como sendo a participação e o desempenho de uma unidade produtiva no mercado, em

um dado tempo, foi obtida através de fatores como preços, qualidade do produto e de

transformação, habilidade de servir o mercado e a capacidade de diferenciação de

produtos. Segundo Ferraz (1997) a competitividade também pode representar a

capacidade da unidade de produção em formular e implementar estratégias de

concorrências de forma duradoura, isto é, uma posição sustentável no mercado.

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Essa necessidade de tentar solucionar as relações entre ambiente e

desenvolvimento, fez surgir uma nova expressão “Desenvolvimento Sustentável e/ou

Sustentabilidade”, onde o desenvolvimento deve conciliar o crescimento econômico e a

conservação dos recursos naturais.

Assim, inúmeras organizações não governamentais (ONGs) passaram a criticar

os efeitos do processo de desenvolvimento da agricultura intensiva em relação ao uso de

capital, insumos químicos e mecanização, e divulgando uma nova proposta sustentável

para os processos produtivos da agricultura , principalmente a agricultura familiar como

uma alternativa de equilíbrio entre o meio ambiente e o homem, gerando recursos,

produtividade e condições de competitividade com qualidade.

De acordo com Ehlers (1996), a agricultura sustentável abrange os seguintes

itens:

• Manutenção, em longo prazo, dos recursos naturais e da produtividade

agrícola; o mínimo dos impactos que degradam os recursos naturais – ecossistemas;

• Motivação e retorno adequados aos produtores – unidades de produção;

• Otimização da produção das culturas com a utilização mínima dos insumos

químicos nas áreas agricultáveis;

• Satisfação das necessidades humanas de alimentos para toda a humanidade e

de renda suficiente;

• Qualidade sustentável das condições de qualquer trabalho que necessite da

força humana;

• Vitalidade, organização social e cultura da vida rural;

• Melhoramentos tecnológicos adequados às conexões ecológicas conforme as

exigências locais;

• Atender às necessidades sociais das famílias e das comunidades rurais;

• Especificação de políticas direcionadas e voltadas para a realidade social rural.

Além disso, a sustentabilidade envolve diretamente a manutenção das unidades

familiares de produção distinguindo os planos: econômico, ecológico, social e cultural,

isto é, a busca do equilíbrio ideal da vida.

Sustentabilidade econômica é à base do equilíbrio na distribuição da renda

nacional: trabalho e salários dignos;

A sustentabilidade social e cultural é a base da educação, saúde, nível de vida,

não a passividade das causas sociais;

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Dentro deste contexto surge o conceito de sustentabilidade da agricultura

familiar. A sustentabilidade da agricultura se constitui em um novo paradigma que

busca uma ampla aplicabilidade de conhecimentos, na produção como redutor de custos

e na distribuição, favorecendo a distribuição dos incentivos, aproximando mais o

consumidor do produtor, e atendendo um novo segmento de consumidores. (Silva,

1998).

1.2 Os derivados da agroindústria familiar

A agricultura familiar está de uma ou outra forma vinculada aos processos de

transformação de sua matéria-prima e interligada a complexos agroindustriais, ou a

experiências individuais e/ou coletivas de industrialização ou ainda, através do

fornecimento da mão-de-obra.

Os aspectos que envolvem as relações de produção dos agricultores familiares

integrados aos complexos agroindustriais através da produção e/ou do beneficiamento

das matérias-primas, como aves, suínos, leite, fumo, frutas, entre outros, são específicos

como também o são as experiências associativas ou cooperativas de

agroindustrialização construídas e geridas por agricultores familiares em suas

organizações.

A agroindústria rural de pequeno porte do tipo familiar tem se caracterizado

como uma importante atividade para o desenvolvimento sustentável, através da

agregação de valor aos produtos agropecuários, pois neste momento se discute um novo

papel para o meio rural, não mais visto apenas como produtor agrícola de matéria-

prima. A agroindústria é um termo usado para designar diversas atividades produtivas

que utilizam matéria-prima originária da agricultura, e vem adquirindo importância no

meio rural, com impactos diretos no desenvolvimento rural brasileiro.

Com o desenvolvimento do processo de valorização dos mercados de produtos

alimentícios provenientes das zonas rurais, antigas áreas coloniais, abrem-se novas

oportunidades para a produção da agricultura familiar, especialmente para o leite e seus

derivados nos mercados urbanos. Deste modo é possível prever novas estratégias de

produção e incorporá-las ao gerenciamento da produção e na administração técnica

rural.

Por sua vez os mercados consumidores são acionados resultando teoricamente

no aumento de renda rural e urbana, maximizando o setor da produção e da circulação.

Isto traz vantagens comparativas para as populações do meio rural, principalmente das

Page 11: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

unidades produtivas familiares, até então marginalizadas pelos modelos

macroeconômicos vigentes. Deve-se considerar, portanto, a necessidade em pressupor a

ocorrência de novos paradigmas para o desenvolvimento, devendo eles estarem

alicerçados na competência das empresas agrícolas em vencer os limites das fronteiras

municipais ou até mesmo rurais, quebrando, assim, as dificuldades de domínio do

conhecimento técnico e de informação que se apresentam como desafio às

administrações municipais.

1.3 Estrutura Fundiária

Alguns conceitos e definições são pertinentes para a melhor compreensão da

estrutura fundiária brasileira, segundo o INCRA:

• imóvel rural: para fins de Cadastro Rural, é o prédio rústico, de área

contínua, formado de uma ou mais parcelas de terra, pertencentes a um mesmo

proprietário, que seja ou possa ser utilizado em exploração agrícola, pecuária,

extrativa vegetal ou agro-industrial, independentemente de sua localização;

• módulo fiscal: unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada

município, considerando os seguintes fatores:

- tipo de exploração predominante no município;

- renda obtida com a exploração predominante;

- outras explorações existentes no município que, embora não predominantes,

sejam significativas em função da renda e da área utilizada; e

- o conceito de propriedade familiar.

• minifúndio: conceito oriundo do Estatuto da Terra, Lei n.º 4.504, de 30

de novembro de 1964, que definia minifúndio como o imóvel rural com dimensão

inferior a 1 (um) módulo rural. Por definição, o módulo rural é a área máxima fixada

para cada região e tipo de exploração. Com o advento da Lei n.º 6.746/80, que estava

diretamente vinculada ao ITR, o módulo considerado passou a ser o módulo fiscal,

estabelecido para cada município e que contempla: o tipo de exploração predominante

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no município, a renda obtida no tipo de exploração predominante, outras explorações

existentes no município e o conceito de propriedade familiar.

• pequena propriedade: o imóvel rural de área compreendida entre 1 (um) e

4 (quatro) módulos fiscais;

• média propriedade: o imóvel rural de área superior a 4 (quatro) e até 15

(quinze) módulos fiscais;

• grande propriedade: o imóvel rural de área superior a 15 (quinze)

módulos fiscais;

• área cadastrada: é o somatório das áreas de todos os imóveis rurais

cadastrados no INCRA;

• área explorável: área com culturas permanentes, reflorestadas com

essências nativas, culturas temporárias, horticultura, extração vegetal, pastagens

naturais, pastagens plantadas, pastoreio temporário, exploração granjeira ou agrícola e

aproveitável mas não utilizada;

• área explorada: área com culturas permanentes reflorestadas com

essências nativas, culturas temporárias, horticultura, extração vegetal, pastagens

naturais, pastagens plantadas, pastoreio temporário, exploração granjeira ou agrícola, do

total de imóveis cadastrados;

• área das propriedades produtivas: área dos imóveis que atingem 80% de

Grau de Utilização da Terra-GUT e 100% de Grau de Eficiência na Exploração-GEE.

Não sendo computadas as áreas exploradas dos imóveis classificados como não

produtivos;

• estabelecimento agropecuário (Censo Agropecuário de 1985): todo

terreno de área contínua, independente do tamanho ou situação (urbana ou rural),

formado de uma ou mais parcelas, subordinado a um único produtor, onde se processe

uma exploração agropecuária, ou seja: o cultivo do solo com culturas permanentes ou

temporárias, inclusive hortaliças e flores: a criação, recriação ou engorda de animais de

grande e médio porte; a criação de pequenos animais; a silvicultura ou o

reflorestamento e a extração de produtos vegetais. Excluindo-se da investigação os

quintais de residência e hortas domésticas.

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1.4 Identificação de territórios

Sobre a dinâmica territorial identificam-se, pelo menos, duas perspectivas de

valorização das diferenças e especificidades territoriais, no atual quadro de forças. Uma

investe-se de caráter eminentemente instrumental e é predominantemente movida por

interesses externos ao território sobre o qual se pretende atuar; outra emerge de forma

mais comprometida com objetivos de desenvolvimento local e endógeno. Tais

perspectivas podem até ser complementares, mas há sempre o predomínio de uma

lógica sobre a outra. Elas representam orientações distintas nas formas de estruturar,

gerir e intervir sobre o território, apresentando reflexos e implicações diferenciados

sobre o mesmo.

De acordo com Albagli (2002), sobre a perspectiva instrumental, o território

constitui peça-chave para a reprodução do capital, que, se hoje exige ser globalizada,

também necessita de ancoragens físicas para os empreendimentos produtivos, ao mesmo

tempo em que requer uma fronteira em constante movimento que atenda às contínuas

transformações nas condições de sua reprodução. Diferenciação e especificidades

territoriais são aqui vistas fundamentalmente como formas de atrair investimentos e

gerar novas lucratividades; por sua vez, a territorialidade é valorizada como mero objeto

de interesse mercantil e especulativo. Essa forma de abordar e atuar sobre o território

tende a apropriar e a consumir, de forma predatória, logo insustentável em longo prazo,

aquilo que a territorialidade pode significar e gerar como ganhos econômicos em curto

prazo. O resultado tende a ser um tipo de exploração econômica corrosiva da

territorialidade, destruidora do capital social e depredadora do meio ambiente e dos

recursos naturais locais.

Na perspectiva do desenvolvimento local o território atua como elemento de

transformação sócio-político-econômica, representando o locus privilegiado para novas

formas de solidariedade, parceria e cooperação entre os diferentes agentes econômicos,

políticos e sociais. Constitui-se em espaço para o estabelecimento de redes sociais

fundadas em novas territorialidades e estabelecendo uma dinâmica virtuosa entre o

moderno e o tradicional. Essa perspectiva pode contribuir para desenvolver e fortalecer

a territorialidade, fazendo-a reverter em favor do dinamismo e da sustentabilidade

social, econômica e ambiental.

Segundo a autora, como passos fundamentais, a serem considerados para as

organizações que desejem atuar no fortalecimento da capitalização na formação de

territórios em favor do desenvolvimento local e sustentável, recomenda-se:

Page 14: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

1. Identificar as unidades territoriais pertinentes, enquanto áreas passíveis de

desenvolverem ações que permitam promover o “empreendedorismo” local com base

em potencialidades endógenas, pautadas nessa "unicidade" territorial. Trata-se de

reconhecer seus contornos geográficos, a partir das territorialidades já existentes, do

senso de identidade e pertencimento territorial, da concepção de exclusividade e/ou de

tipicidade, tipos e intensidades de interações entre atores locais. E, ainda que

entendendo que o território e a territorialidade não são dados, nem predeterminados por

divisões político-administrativas, é normal tê-los como ponto de partida, por serem

relativamente mais estáveis e de mais fácil visualização e reconhecimento e, por serem

já objetos de estratégias territoriais que propiciam o desenvolvimento dessas unicidades

e territorialidades decorrentes.

2. Gerar conhecimento sobre o território, enquanto sistema de objetos e sistema

de ações e relações. Trata-se de identificar e caracterizar aquelas especificidades que

melhor traduzem e distinguem o território, bem como as que representam

potencialidades de vantagens comparativas, de dinamismo socioeconômico local e de

desenvolvimento sustentável. Este conhecimento pode se estruturar a partir das quatro

dimensões, as quais já referidas anteriormente. De forma inicial e como tentativa,

sugere-se considerar nos estudos:

a) a configuração natural e física - a base de recursos naturais e infra-estrutura

disponível;

b) a configuração político-institucional-organizacional de quem faz o quê (os

atores e suas práticas territoriais); quais processos levam a essas ações localizadas (suas

motivações); suas redes de relações (com quem e como desenvolve ações de

cooperação; hierarquias, conflitos e desigualdades);

c) a dimensão simbólico-cultural definida pelas crenças, mitos, representações,

valores, símbolos, que lhes dão sentido de identidade e pertencimento;

d) a dimensão econômica determinada pelas potencialidades e tipicidades; a

base técnica; base de conhecimentos (tácitos e codificados); estrutura produtiva local.

3. Promover sociabilidades, identificando e mobilizando particularmente

aqueles atores e segmentos sociais locais que imprimem um dinamismo local e que se

caracterizam por serem genuínos e com tradição. Buscar possíveis modalidades de ação

coletiva.

4. Estimular o reconhecimento e valorização da formação territorial, como

elemento não apenas de dinamização produtiva e comercial, mas como forma de

desenvolvimento local sustentável. Resgatar e valorizar imagens e símbolos. Definir

Page 15: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

níveis de intervenção dos poderes públicos e organizações locais. Estabelecer

parâmetros de qualidade e de sustentabilidade em todos os níveis.

1.5 Do desenvolvimento local à segurança alimentar

Apesar de se referirem a idéias diferenciadas, os conceitos de desenvolvimento

agrícola, desenvolvimento rural, desenvolvimento local, desenvolvimento local baseado

na agricultura familiar, e outros similares são utilizados na linguagem coloquial de

modo pouco diferenciado. Para melhor entendimento das idéias é interessante esclarecer

estes conceitos. O conceito de desenvolvimento agrícola pode ser entendido como o

enfoque tradicional, ou produtivista, que é hegemônico no setor técnico e na

administração pública desde a Era Vargas e focaliza o aumento da produção e da

produtividade agrícola. Já o conceito de desenvolvimento rural é bem mais abrangente,

englobando fatores econômicos, fatores sociais, políticos e, ainda, elementos não-

agrícolas, como, por exemplo, o turismo rural. O conceito de desenvolvimento local

surge do entendimento de que o meio rural, exatamente por não ser apenas agrícola,

engloba também as pequenas cidades que apesar de constituírem o espaço urbano,

estão, via de regra, essencialmente ligadas ao meio rural e dele dependendo para

sobreviver e para ele prestando todo o tipo de serviços. O IPEA, por exemplo, trabalha

para as pequenas áreas urbanas no meio rural com os conceitos de microaglomeração,

ou microurbano rural, uma sobreposição dos espaços urbano e rural que caracteriza a

maioria dos municípios que contam em média com menos que 20.000 habitantes.

Os adjetivos que atualmente costumam ser acrescentados ao conceito de

desenvolvimento, como: sustentável, integrado, participativo, baseado na agricultura

familiar ou outros, na verdade deveriam estar já contidos no conceito. No geral, como

Brose (1999) afirma, ao se referir aos indicadores de impacto nos projetos e programas

de fortalecimento do desenvolvimento local determinados pela manutenção e criação de

postos de trabalho, início de novas atividades econômicas, pluratividade na agricultura

familiar, estabilidade na renda familiar, manutenção de uma paisagem rural equilibrada,

ativa participação da população nas decisões nos seus espaços econômicos, novas

formas de gestão pública, entre outros.

A definição de desenvolvimento local, integrado e sustentável, deve ser vista

como uma nova dinâmica sócio-econômica capaz de partir de encontro de ações do

Estado e da sociedade, potencializar resultados em virtude das parcerias

interinstitucionais que ali podem ser acordadas e da convergência e integração das

Page 16: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

políticas e programas que acabam coincidindo no espaço local, mencionado

(Comunidade Solidária, 1998), o que pode remeter às políticas públicas adotadas pelo

Governo Federal.

Sobre o futuro de programas como o de segurança alimentar e as condições de

reprodução do meio rural em regiões do Rio Grande do Sul, pode demonstrar o

tratamento conferido a espaços geográficos detentores de um setor rural significativo e

estruturado na produção familiar.

A descoberta de regiões que possuem um mercado para os produtos advindos

das Unidades de Produção da Agricultura Familiar em áreas tipicamente definidas e

baseadas na diversificação da produção, do emprego da força de trabalho familiar e

apresentando condições de colaborar no abastecimento interno com a geração de

alimentos, faze parte das metas a serem atingidas pelo Projeto “Fome Zero”. Com isso

os alicerces de produção dos produtos da agricultura familiar devem estar

eminentemente ligados à paisagem cotidiana de sua região.

2 A REGIÃO DO MÉDIO ALTO URUGUAI, RS

2.1 Histórico da estrutura fundiária na Região Sul do Brasil:

Essa é a região mais ocupada do Brasil, do ponto de vista fundiário, mesmo

tendo sido colonizada há quase duzentos anos, mais tarde do que as regiões Nordeste e

Sudeste, e tendo por experiência de colonização por estrangeiros italianos e alemães,

principalmente, nas três últimas décadas do século XIX.

A superfície total da região Sul é de 57,5 milhões de hectares, dos quais 39,8%

milhões de hectares estão cadastrados no INCRA/92, o que representa 69,0% de toda a

superfície. Esta é a maior taxa de ocupação do País. Do ponto de vista territorial, é a

menor região do País, possuindo somente 6,7% do território nacional. Mas, em

compensação, em área cadastrada, dobra a sua representação, para 12,8%, em relação ao

total de área cadastrado do País.

A alta ocupação evidencia-se, ainda mais, considerado o número de imóveis. A

região Sul possui 1,0 milhão de imóveis, o que representa 35,5% do total de imóveis

cadastrados no Brasil. Desses, praticamente a metade está no Rio Grande do Sul.

A área explorável, na região Sul, representa 84,0% da área cadastrada, num total

de 33,6 milhões de hectares. E a área explorada, totaliza 32,6 milhões de hectares e

representa 97,1% da área explorável. Esse indicador esgota a demonstração da alta

Page 17: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

ocupação agrícola da região Sul, ou seja, do que nela é "explorável", (97,0%), e o que

está sendo "explorado".

A distribuição fundiária, por categoria de imóveis, na região Sul tem as

seguintes características:

O "minifúndio" representa 61,0% dos imóveis e ocupa 15,4% da área cadastrada.

Participação significativa só, levemente, superada no Nordeste. Mas a pequena

propriedade, que representa 30,9% dos imóveis, ocupa 26,8% da área cadastrada. Juntos

- minifúndio e pequena - tem a maior representação em termos de área, de uma região:

31,3% (INCRA,1998).

A "grande propriedade", na região, em torno de 18 mil imóveis, representa, tão

somente, 0,9% dos imóveis. Mas, ocupa 36,5% da área cadastrada. Mesmo assim, é a

menor representação regional da grande propriedade, tanto em número de imóveis,

quanto em área cadastrada.

Como se evidencia, a característica fundamental da região Sul, é sua alta taxa de

ocupação, e também, a ocupação é altamente produtiva. Com base nas declarações dos

proprietários rurais, temos que, na região Sul, 46,6% das pequenas propriedades são

consideradas "produtivas". Para as médias propriedades, esse índice é de 45,5% e das

grandes propriedades, 53,8% são classificadas como "produtivas", com uma área de

59,0% do total. Temos que, nas três categorias de imóveis, a representação das

"produtivas" sobre o total, tanto em termos de número de imóveis, como em área, é a

maior do País.

2.2 Características do Rio Grande do Sul

Esta Região localiza-se na porção norte do Estado do Rio Grande do Sul, entre

as coordenadas geográficas de 52º43’4” a 53º44’34” de longitude Oeste (W) e 27º5’1” a

27º47’31” de latitude Sul (S). (Figura 01).

Page 18: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

Figura 01 - Mapa de localização da região do Médio Alto Uruguai, RS

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A ciência geográfica estuda as estruturas, as relações e sua dinâmica, bem como

as inter-relações do homem com a natureza e dos homens entre si, sobre o espaço,

definindo o que denominamos de espaço geográfico. É também do campo de estudo da

ciência geográfica a organização resultante destas relações, sejam elas de caráter

Page 19: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

natural, determinadas pelos elementos naturais, isto é, oriundas da ordenação dos

elementos em seu ecossistema (sistemas ambientais primeira natureza) e as definidas

pelas relações dos homens entre si, (segunda natureza).

A ação humana em busca de sua sobrevivência tem se reproduzido sobre o

modelado da superfície terrestre determinando momentos de produção de forças e de

meios produtivos, bem como de mudanças e transformações sobre a superfície da terra

caracterizada pelas diferentes paisagens, cuja Geoecologia revela as interações sociais e

naturais. O termo Geoecologia da paisagem, ao estudar a interação Natureza-Sociedade

em seu aspecto estrutural-funcional e das relações objeto-sujeito, concentra sua atenção

nas paisagens como ecossistemas antrópicos, procurando não somente descrever a

partir da observação, mas explicar os processos naturais e humanos que se interligam e

se influenciam uns aos outros de maneira a conceber uma considerável malha de

características particulares de uma determinada área.

As mudanças que ocorrem modificando lugares também influem na evolução de

outros elementos geográficos (funções e formas) que estão no espaço em análise e,

portanto, tornam-se componentes fundamentais na alteração da totalidade social

(relações sociais, econômicas e políticas) e em seus movimentos.

Nesta perspectiva o enfoque geossistêmico assume dimensões amplas ao se

transformar em instrumento de trabalho para estudos que envolvam as relações homem

e natureza, pois eles, ampliando a totalidade social, colocam mais um componente, o

meio-ambiente. Portanto, pode-se determinar que geossistema é um sistema espacial

compreendendo os diferentes elementos do meio natural em sua interação com

elementos da totalidade social.

Nos últimos anos, o estudo dos geossistemas tem ganhado relevância frente à

consciência adquirida sobre conservação e uso racional dos recursos naturais e

tecnológicos tendo como fim o bem estar e o desenvolvimento da sociedade que vive

neste meio. Deste modo, as atividades rurais, principalmente o uso da terra determinado

pelas atividades agrícolas e pelo criatório, são entendidas como um sistema complexo e

aberto no qual seus subsistemas são interativos e permeados por outros sistemas

externos, os quais podem se integrar ao geossistema em questão.

Em estudos anteriores sobre a compreensão do Sistema da Agricultura Familiar,

dos quais foram retiradas as informações necessárias ao desenvolvimento deste

trabalho, foi possível confirmar a caracterização para as relações que se estabelecem na

Região como um Sistema Complexo e Aberto, como mostra a figura 2 e denominado

Sistema Maior.

Page 20: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

Figura 2 – Sistema da Agricultura Familiar: Estabelecimentos Rurais dos Municípios da Região do Médio Alto Uruguai, RS. (Modelo de Entrada e Saída).

Fonte: Instrumento de Pesquisa: Estabelecimentos Rurais Organização: Campos, F.M., LEPeR/UFSM, 2001.

O estudo sobre o Sistema Agricultura Familiar: Estabelecimentos Rurais dos

Municípios da Região do Médio Alto Uruguai, RS, constituiu-se de quatro subsistemas:

subsistema I, Informante; subsistema II, Produção; subsistema III, Transformação;

subsistema IV, Mercados, desenvolvidos em projetos anteriores e que fizeram parte do

projeto Desenvolvimento sustentável de Oportunidades de Mercado para Produtos “in

natura” e Agroindustrializados (semitransformados e transformados) da Região do

Médio Alto Uruguai – RS.

Para este trabalho, utilizou-se somente Variáveis do tipo: Estabelecimentos

Rurais (subsistemas I e II), onde há informações dispostas no Banco de informações

BNAF/LEPeR sobre os produtos do meio rural, produzidos da cana-de-açúcar,

horticultura, fruticultura, leite e suinocultura e dos seus derivados. Outra variável

utilizada no trabalho se refere ao tamanho da propriedade. O resultado da aplicação do

instrumento sobre os 926 estabelecimentos rurais gerou 1.126 informações pertinentes

para a elaboração dos resultados, porém, neste trabalho, abordou-se apenas a situação da

cana-de-açúcar e tamanho da propriedade, sendo esta estudada através da estrutura

fundiária de acordo com os dados coletados junto ao INCRA/RS sobre os municípios da

Região, procurando além da espacialização já realizada e que trabalhou o fenômeno

definindo a região da produção e da transformação da cana-de-açúcar atrelada à

pequena propriedade, para caracterizar a sua paisagem; destacou-se o estudo da

estrutura fundiária, que se torna um empecilho ao desenvolvimento da produção, que já

INPUT

SUBSIST. I

INFORMANTES

SUBSIST. III TRANSFORMAÇÃO

SUBSIST. IV MERCADOS

SUBSIST. II

PRODUÇÃO

Page 21: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

atinge alto grau de qualidade. O uso de procedimentos, estatísticos, georeferenciais e

dados coletados em órgãos específicos contribuiu para a demonstração do

comportamento dos elementos humanos, sua ação sobre o espaço e para que se

determinasse os limites do uso dos recursos naturais que compõem o geossistema

regional.

Deve-se ressaltar que a construção do sistema de estudo seguiu as orientações

de Christofoletti (1982), lembrando que modelo é uma estruturação simplificada da

realidade apresentando, supostamente, características ou relações de forma

generalizada. Obviamente não se pode esquecer que os modelos são aproximações,

altamente subjetivas, no sentido de incluírem todas as observações e medições

associadas, mas, como tais, são valiosas em ocultar detalhes secundários permitindo o

aparecimento dos aspectos fundamentais da realidade.

O procedimento adotado na classificação do sistema, neste estudo, está apoiado

na característica fundamental dos modelos como construção, a qual implica em uma

atitude altamente seletiva em relação às informações, pois não só as interferências

como os sinais menos importantes são eliminados a fim de permitir que se observe algo

da intimidade das coisas. Portanto, como aproximações seletivas, permitem a

eliminação de detalhes acidentais, possibilitando o aparecimento de alguns aspectos

fundamentais, relevantes ou interessantes do mundo real de forma generalizada.

As análises obtidas resultaram no zoneamento, representado através de

Cartogramas temáticos confeccionados no Programa O-CAD, para assim ser

visualizado o território formado pelas conclusões finais do presente trabalho.

A paisagem constituída na agricultura familiar na Região do Médio Alto

Uruguai, RS, pode dar início à construção da identidade da produção da agricultura

familiar regional, visando a contribuir com as políticas que irão garantir a segurança

alimentar através da determinação da espacialidade do território e de seu zoneamento,

constituído pelos sistemas de produção especializados e existentes usando as técnicas

estatísticas e software que permitam a formação de cartogramas como ferramenta que

irá facilitar as administrações públicas municipais e COREDE regional.

Obteve-se em cada município o destaque de um produto derivado da cana-de-

açúcar considerado como o mais importante no conjunto da produção e da

transformação no interior das unidades de produção da agricultura familiar local,

permitindo reconhecer as zonas de seu predomínio na Região de estudo.

Page 22: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

4 CARACTERIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E PROPRIEDADE RURAL

A complexidade da paisagem rural em áreas de agricultura familiar deve-se a

diversidade do uso dos recursos naturais (terra, água, flora e fauna) em função da

prioridade que é dedicada à produção em benefício da reprodução humana segundo seus

valores sociais, antropológicos, culturais, políticos e econômicos, enfim, de seu modus

vivendi (La Blache, 1922). A presença de diferentes tipos de agricultores, com sua

própria história carregada de uma cultura particular aciona interesses e ações

particulares de sobrevivência e de produção que respondem diferentemente aos desafios

e ao que é entendido como obstáculo à realização da reprodução humana. As diferenças

de paisagens aguçam o profissional da geografia a reconhecer e determinar este novo

território da agricultura familiar buscando seu entendimento a partir do conhecimento

de suas características e determinando a paisagem da agricultura familiar na Região de

estudo definindo seus subsistemas ambiental, social e econômico e analisando os

elementos componentes destes subsistemas segundo as dimensões geográficas

quantificadas, (de ordem ambiental que tem reflexo no quadro social e econômico) e o

equilíbrio expresso por seus atributos (produtos agropecuários) aprofundando o

conhecimento do território da agricultura familiar.

Parte importante da economia do norte do Rio Grande do Sul estrutura-se sobre

a base da pequena propriedade, explorada através do uso intensivo da mão-de-obra

familiar, voltada para a produção de carne de origem suína e de aves, além da produção

de leite, de frutas e de fumo. Outra parte da área é ocupada pelas médias e grandes

propriedades, produtoras de grãos de trigo, de soja e de milho, adotando técnicas de

produção intensivas em capital. Os resultados atingidos até o momento indicam que a

agricultura familiar regional apresenta um comportamento diversificado de produção

em relação a seu meio ambiente e que vem produzindo e agregando valor aos produtos

através da introdução de processos artesanais de transformação, principalmente para

derivados de cana-de-açúcar, produto este que terá maior destaque nos resultados desta

pesquisa. Porém, produtos da horticultura, fruticultura, leite e suínos também terão

transformação com menor destaque, assim como a cana-de-açúcar. Com base na

produção diversificada, estruturou-se na Região um setor de beneficiamento da

produção agropecuária que se constitui na porção mais importante da geração de

alimentos. Concomitantemente destaca-se a sua importância social, como fonte

geradora de empregos em um ambiente cada vez mais intensivo de mão-de-obra

familiar e como fonte de interiorização das economias, além de permitir a criação de

Page 23: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

condições para o desenvolvimento da agroindústria familiar de pequena escala e de

transformação dos produtos em variados graus de aplicação tecnológica.

Através de dados fornecidos pelos estabelecimentos rurais da Região, acerca do

tamanho das propriedades, foi possível verificar o montante da produção entre os

derivados obtidos a partir dos produtos “in natura”: frutas, cana-de-açúcar, hortaliças,

leite e suínos e verificar o tamanho das propriedades para assim constituir a formação

do território que identificará a produção familiar na Região.

4.1 Espacialização do nível do desenvolvimento local da produção na

agricultura familiar da região do Médio Alto Uruguai

A necessidade em espacializar a produção da Região exigiu o emprego da

instrumentalização básica do profissional da geografia determinada pela cartografia,

cujas funções se prestam a este fim como coloca Berger (2001): “a cartografia tem,

entre outras, a função de representar a superfície terrestre de forma clara e precisa,

possibilitando, através da linguagem cartográfica, a identificação das características

geométricas, da natureza e de outras particularidades dos objetos e fenômenos

observados naquela superfície”.

A representação gráfica torna-se, portanto, um veículo que favorece o destaque

da utilização de mapas temáticos como meio de representar no espaço não apenas os

fenômenos, mas de dar também condições de interpretar seu comportamento e

processos atuantes contidos em um território determinado a que chamamos de região,

conforme Martinelli (1991, p. 9):

...as representações gráficas fazem parte do sistema de sinais que o homem construiu para se comunicar com os outros. Compõe uma linguagem gráfica, bidimensional, atemporal, destinada à vista. Tem supremacia sobre as demais, pois demanda apenas um instante de percepção. Até mesmo se esta representação obtiver um tema a ser exposto numa construção de imagem...

Nesse contexto, a análise dos Gráficos de Coluna de produção dos

estabelecimentos rurais, em cada um dos municípios da região do Médio Alto Uruguai,

permitiu a criação de Cartogramas para representar os produtos com significação nos

municípios estudados, nos quais a agricultura familiar encontra-se diversificada e

agregando valor aos produtos “in natura”. A representação cartográfica também

auxiliou no entendimento da distribuição do fenômeno no espaço permitindo a

compreensão do atual processo de transformação da produção rural nos municípios da

Page 24: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

Região de estudo e da distribuição quantitativa e qualitativa deste fenômeno entre os

municípios.

Apresentando elevado índice de registros, o açúcar mascavo caracteriza-se

como a maior produção dos municípios de Caiçara, Frederico Westphalen, Planalto,

Rodeio Bonito, Seberi e Vicente Dutra, os quais, por apresentarem contigüidade

espacial constituem uma zona homogênea definida por esta produção e chamada de

Primeira Zona de Transformação de Produtos da Agricultura Familiar. Outro derivado

da cana-de-açúcar, igualmente importante entre os municípios é o melado, que tem

maior significância nos municípios de Erval Seco e Pinheirinho do Vale, localizados na

contigüidade dos municípios da Primeira Zona, e formando uma Segunda Zona de

Produtos da Agricultura Familiar, porém de menor dimensão espacial. Estas duas

zonas de transformação da produção da agricultura familiar constituem o que se pode

denominar como o território da cana-de-açúcar, no contexto de região do Médio Alto

Uruguai.

Embora o estudo tenha como objetivo específico a produção de cana-de-açúcar,

deve-se mencionar a importância para os municípios de Cristal do Sul, Liberato Salzano

e Vista Alegre da presença do produto Banha (derivado do suíno), sendo o mais

produzido, mas que não se constitui em uma zona de transformação da produção

familiar por não haver contigüidade entre os municípios. Outro produto que apresenta

importância elevada é o queijo (derivado do leite) presente nos municípios de Alpestre e

Pinhal, mas, também, não constituem uma zona de transformação da produção familiar

pelas mesmas razões do caso anterior, não há contigüidade entre os municípios

produtores de queijo.

Portanto a inexistência de uma zona de transformação dentro dos outros

produtos “in natura” na agricultura familiar confirma que significativa parte dos

municípios alicerça sua produção em torno da cana-de-açúcar, justificando a

importância deste estudo para o desenvolvimento local e regional.

Examinando-se o contexto da região do Médio Alto Uruguai, observa-se que o

conjunto regional determina-se pelo processo de transformação da cana-de-açúcar e em

seu entorno ocorrem outros processos produtivos, cuja variação pode ser analisada na

figura a seguir.

Page 25: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

TABELA 1 – Tabela dos produtos derivados, mais significativos na agricultura familiar

dos municípios da Região do Médio Alto Uruguai, RS.

Produto Derivado Municípios

Açúcar Mascavo Vicente Dutra ; Caiçara ; Frederico Westphalen ; Seberi ;

Rodeio Bonito e Planalto

Melado Erval Seco e Pinheirinho do Vale

Banha Liberato Salzano ; Cristal do Sul e Vista Alegre

Queijo Alpestre e Pinhal

Fonte: Banco de Informações, BNAF/LEPeR, UFSM, 2000.

4.2 Estrutura Fundiária na Região do Médio Alto Uruguai:

Segundo as divisões e aglutinações de municípios, considerados pelo INCRA e

em obediência aos critérios mencionados é possível encontrar na Região do Médio Alto

Uruguai duas Zonas Típicas de Módulo (ZTM), a saber: uma ZTM de módulo fiscal

igual a 16 ha e outra com ZTM igual a 20 ha.

Conforme o INCRA, denomina-se minifúndio àquele imóvel que possui menos

de um módulo fiscal; como pequena propriedade o imóvel que possui um ou até quatro

módulos fiscais; é classificado como média propriedade o imóvel que possui mais de

quatro ou até quinze módulos fiscais e; classificado como grande propriedade o imóvel

com mais de quinze módulos fiscais.(Quadro 1)

Quadro 1- Distribuição da estrutura fundiária nos municípios da Região do

Médio Alto Uruguai, RS.

Municípios ZTM

(ha)

Minifúndio

(%)

Pequena

Propriedade

(%)

Média

Propriedade

(%)

Grande

Propriedade

(%)

Alpestre 20 86,5 13,4 - -

Caiçara 20 73,07 25,64 1,29 -

Erval Seco 20 73,6 23,67 2,23 0,5

Frederico

Westphalen

20 81,85 18,15 - -

Liberato

Salzano

20 84,3 15,52 0,18 -

Pinhal 16 69,07 29,93 0,5 0,5

Page 26: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

Pinheirinho

do Vale

20 86,66 13,34 - -

Planalto 20 89,6 10,24 0,08 0,08

Rodeio

Bonito

20 88,68 11,24 0,08 -

Seberi 20 77,7 20,86 1,36 0,08

Vicente Dutra 20 79,9 19,89 0,21 -

Vista Alegre 20 83,5 16,5 - -

Fonte: Estatísticas Cadastrais – Municipais, Volume 1. INCRA, 1998.

A análise da dimensão dos Imóveis Rurais dos municípios estudados possibilitou

verificar a presença expressiva do número de imóveis com pouca dimensão de área,

determinados pelas classes minifúndio e pequena propriedade.

Em muitos municípios a grande propriedade não existe e a média propriedade

tem pouca significância no total das propriedades existentes, sendo que a distribuição

fundiária, por categoria de imóveis exploráveis na região do Médio Alto Uruguai tem as

seguintes características:

- A Classe minifúndio representa 80,36% dos imóveis e ocupa 55,56% da

área explorável. A maior representação em termos de imóveis e área da região

(figura 16).

- A classe pequena propriedade representa 19,03% dos imóveis e ocupa

37,94% da área explorável.

Somando-se minifúndio e pequena propriedade ambos detêm a representação

quase que absoluta dos imóveis e área explorável da região, 99,39% e 93,5%

respectivamente.

A classe média propriedade tem 77 imóveis na região, e representa, 0,53% dos

imóveis e 3,5% da área explorável. A classe grande propriedade destaca-se como a

menor representação, tanto em número de imóveis quanto em área explorável tendo 17

imóveis, que representam, 0,08% dos imóveis e 2,9% da área explorável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para atender aos objetivos da pesquisa, a qual se propôs a reconhecer as zonas

de concentração da produção agropecuária da agricultura familiar, definindo o produto e

o território formador da paisagem da Região. Estes elementos foram importantes para

Page 27: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

identificação da cana-de-açúcar como produto de grande importância para a atividade

agroindustrial, para assim gerar um desenvolvimento local, bem com no Médio Alto

Uruguai.

Para isso devemos considerar que a presença de uma dimensão dos

estabelecimentos agropecuários classificados como de pequeno porte, provocou uma

organização no processo de comercialização e beneficiamento dos produtos sob a forma

de cooperativas e/ou associações dando origem ao maior associativismo do Estado.

Outro elemento, que analisado permite discussões e reflexão sobre a temática

“Conseqüência da estrutura fundiária na ecologia de Paisagens” é a renda da terra, e esta

análise na Região exibe uma heterogeneidade detectada através de distintos parâmetros

definidos pela renda, pelos intercâmbios dos recursos tradicionais e pela valorização dos

meios de produção, os quais dependem das condições locais específicas e do nível de

escassez ou de abundância dos recursos que podem ser ampliados, dependendo dos

interesses dos que têm sua possessão.

No entanto, é preciso observar na interface natureza e sociedade o papel dos

agentes produtores do espaço, os quais ocasionam diferentes formas de organização

espacial baseada na produção socioeconômica. Esses distintos parâmetros são

determinados pela renda, pelas trocas dos recursos tradicionais e pela valorização dos

meios de produção, definidos pela matéria-prima empregada e pelo grau de tecnologia

adotado, dependendo das condições locais específicas e do nível de escassez ou de

abundância dos recursos que podem ser ampliados de acordo com os diferentes

interesses da sociedade.

As relações existentes nos espaços socioeconômicos assumem importância no

planejamento de área e, por se tornarem complexas, exigem equilíbrio em sua interação,

traduzido pela sustentabilidade necessária ao processo de transformação, quando este se

realiza através da exploração dos recursos naturais.

Igualmente devido ao papel social que assume este segmento do setor rural

como fonte geradora de emprego e como fonte de interiorização das economias,

destaca-se a necessidade de criação de condições para a constituição e o

desenvolvimento da agroindústria familiar de pequena escala em nível de transformação

artesanal, auxiliando no abastecimento interno alimentar de inúmeras regiões e de

garantindo a segurança qualitativa dos alimentos.

Sabendo-se da existência de um grande número de famílias em uma área

“saturada” onde o minifúndio se sobressai em relação aos demais tipos de propriedades,

é preciso gerar alternativas para estas famílias, que possuem pouca terra, para

Page 28: CONSEQÜÊNCIAS DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA ECOLOGIA

desenvolver uma sustentabilidade econômica e melhoria social. Com investimentos no

setor da produção familiar, deve-se aprofundar os estudos nesta área para que se

dinamize este setor e se reconheça a área para implantação e criação de Associações de

produção. Tal situação reforça a idéia do associativismo como necessária à permanência

dos produtores familiares no mercado, quer pela quantidade de produção ofertada, quer

pela qualidade do produto frente à concorrência.

Por isso a análise municipal esteve baseada nos dados obtidos através das

entrevistas desenvolvidas e cujos dados foram submetidos a procedimentos estatísticos,

permitindo a quantificação e a obtenção de resultados sobre o tipo de produto

característico da Região e a identificação dos processos atuantes nas relações rururbanas

no que se refere à oferta dos mesmos.

A necessidade de se regionalizar este fenômeno nos remete às palavras de

Haesbaert (1995), “denominamos rede regional, sem ignorarmos que regiões

tradicionais, moldadas pelos regionalismos, construídos frente ao Estado-nação, ao

contrário do que afirmam muitos autores, não desapareceram (e algumas vezes até se

fortalecem, como em algumas regiões no interior do Brasil)”.

Neste sentido, a Região, objeto particular da Geografia, dentro da discussão

fundamental de seu conceito, permite criar a contigüidade e a identidade, unir e separar,

criar e recriar, organizar e desorganizar a si mesma. Tendo-se como base as diferentes

concepções sobre o tema em abordagem, percebeu-se que a regionalização realizada

permitiu identificar que existe uma sub-região constituída por municípios contíguos

pela estrutura fundiária e definida pelo derivado açúcar mascavo presente em nove

municípios da Região, que são: Caiçara, Erval Seco, Frederico Westphalen, Pinheirinho

do Vale, Planalto, Rodeio Bonito, Seberi e Vicente Dutra. Este é produzido nos

estabelecimentos, pelas famílias que buscam incrementar sua renda e ocupando a força

de trabalho ociosa no intervalo de tempo que é dado à lavoura ou à criação. Os produtos

transformados identificam a presença de um processo industrial de caráter familiar não

convencional, mas que poderá se estender para níveis elevados de produção.

A partir da análise das variáveis selecionadas, fornecidas pelos estabelecimentos

rurais familiares foi possível identificar as perspectivas em torno da cana-de-açúcar

como produto imediato de aplicação de recursos financeiros para a elevação da

agroindústria regional, elevando a renda no meio rural assim como buscando

alternativas viáveis ao crescimento da renda municipal e acrescentando qualidade de

vida aos grupos socioeconômicos da agricultura familiar.

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É importante destacar a Região como produtora de cana-de-açúcar e entender as

vantagens de retorno para as famílias que não podem arriscar seus investimentos, pois

estudos de menor amplitude difundem a idéia de que o Médio Alto Uruguai é uma

região produtora de leite e de seus derivados.

Portanto, não podemos esquecer que a natureza que serve de suporte aos

processos de desenvolvimento humano do universo de estudo mostra que devem ser

preservadas as relações existentes de produção em benefício da reprodução humana que

guarda seus valores sociais, suas relações antropológicas e, principalmente sua cultura

relacionada à natureza a que está locada. As relações políticas e econômicas

desenvolvidas por estes grupos humanos residentes, mantêm a mais profunda inter-

relação com o meio ambiente, a qual foi estabelecida ao longo de um tempo onde a

marca da sociedade se confunde com o lugar, como bem lembrava Ratzel, (1912), ao se

referir sobre a importância do lugar na formação da própria história humana, esta

sempre carregada de uma simbologia cultural particular.

Nesse caso a Região do Médio Alto Uruguai, determina-se como uma

espacialidade capaz de responder às políticas de segurança alimentar e de

desenvolvimento das áreas produtoras de gêneros alimentícios. O estudo deste trabalho

mostra a importância do território como elemento definidor da ecologia desta paisagem.

Adotando os procedimentos sistêmicos e como ferramenta de análise o

geoprocessamento será possível empregar uma técnica em nível municipal e regional

visando colaborar com a tarefa de reconhecimento das capacidades regionais para assim

poder definir o pólo agroindustrial na Região, fortalecendo o cooperativismo bem como

o associativismo para com o mercado deficiente destes produtos, compatibilizando-se

com os objetivos das políticas imediatas que estão preocupadas em atender às

necessidades do Projeto Fome Zero – Uma Proposta de Política de Segurança

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