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PROJETO AÇUDES PROJETO AÇUDES UFRPE UFRPE -- CNPCNPqq/IRD/IRD

AS CONSEQAS CONSEQÜÜÊNCIAS DOS AÊNCIAS DOS AÇÇUDES UDES SOBRE A SASOBRE A SAÚÚDE HUM ANA : DE HUM ANA :

A SITUAA SITUAÇÇÃO NO NORDESTE DO BRASIL ÃO NO NORDESTE DO BRASIL

UFPEUFPE

AS CONSEQÜÊNCIAS DOS AÇUDES SOBRE A SAÚDE HUMANA :

A SITUAÇÃO NO NORDESTE DO BRASIL

Relatório técnico final Junho 2000

Coordenação: Dr Pierre Gazin Institut de Recherche pour le Développement (IRD) Département Santé 213 rue La Fayette PARIS 75480 Cedex 10 FRANÇA

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Convênio de cooperação bilateral Brasil-França CNPq-UFRPE / IRD Projeto: Valorização dos Recursos Aquáticos dos açudes no semi-árido de Pernambuco. Sub-projeto: As conseqüências dos açudes sobre a saúde humana: a situação no Nordeste do Brasil.

Coordenação: Dr Pierre Gazin Institut de Recherche pour le Développement (IRD) Département Santé Endereço atual: 213 rue La Fayette – PARIS 75480 Cedex 10 [email protected] Participantes: Alfonso Albuquerque Médico do Hospital Oswaldo-Cruz, UPE, Recife Cintia Andrade Pesquisadora do Departamento de Genética, UFPE, Recife Constança Simões Barbosa Pesquisadora do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, FIOCRUZ, Recife Cristina Ledebour Médica, Fundação Nacional de Saúde, Recife Emilia Perez Pesquisadora do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, FIOCRUZ, Recife Gloria de Melo Médica do Hospital Oswaldo-Cruz, UPE, Recife Maria Esmeralda Sousa Pesquisadora do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, FIOCRUZ, Recife Otamires da Silva Pesquisadora do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, FIOCRUZ, Recife Paulo Andrade Pesquisador do Departamento de Genética, UFPE, Recife Renata Pradines Acadêmica do Departamento de Medicina, UFPE, Recife Silvio Lima Técnico Fundação Nacional de Saúde, Recife Sylvia Lemos Hinrichsen Médica do Núcleo de Doenças Infeciosas, Hospital das Clínicas, UFPE, Recife. Wilson Oliveira Médico do Hospital Oswaldo-Cruz, UPE, Recife

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RESUMO

Nas áreas tropicais, varias doenças infecciosas são ligadas à água, através de uma transmissão por vetores ou direta em um meio quente e úmido. O crescimento da quantidade dos açudes leva a repensar o risco de desenvolvimento de endemias ou epidemias. A abordagem das conseqüências dos açudes no Nordeste sobre a saúde humana apoia-se sobre as observações no campo das patologias presentes e de indicadores de saúde. As patologias buscadas são a esquistossomose mansonica, a malária, as verminoses intestinais, a amebiase, a leishmaniose tegumentar. Os indicadores de saúde são o estado nutricional das crianças, o uso e a capacidade da rede publica de saúde, os dados demográficos. Os lugares observados entre 1997 e 1999 são os povoados de Ingazeira (Venturosa), de Cajueiro e Caatingueira (Tuparetama), esse ultimo como grupo testemunha, todos localizados no Agreste e no Sertão de Pernambuco, ou seja um total de 750 indivíduos.

Alguns caramujos hospedeiros potenciais de Schistosoma mansoni têm sido observados somente em um açude cujas características físico-químicas são originais na região. Nenhum ser humano foi observado com essa infeção. Os portadores de vermes intestinais são raros : menos de 10% com Ascaris, menos de 1% com ancilostomes. Por enquanto, cistos de amebas estão presentes em perto da metade das fezes, evidenciando uma falta de saneamento. A malária é totalmente ausente e provavelmente jamais a sua transmissão ocorreu nessa região. Raros portadores de cicatrizes de leishmaniose foram encontrados. Nem a dengue nem o cólera estão atualmente presentes.

A situação nutricional tem sido medida por análise dos índices de peso/tamanho e

tamanho/idade. Aquelas crianças são de baixa estatura e de peso normal relativamente à altura (15% e 5% abaixo de -2 standard deviations dos dados de referencia), sem nenhuma diferença entre aqueles que vivem perto ou longe dos açudes.

O sistema publico de saúde permite o acesso a um atendimento medico primário capaz de

tratar a maioria das patologias comuns. A taxa de mortalidade infanto-juvenil é abaixo de 30‰, o quarto daquela observada na zona canavieira da Mata Atlântica.

Só uma endemia grave está presente nessa população, a doença de Chagas. Essa infeção

atinge menos de 1% dos jovens abaixo de 20 anos e mais de um quarto daqueles acima de 40 anos. Sua transmissão não tem ligação com a água, mas depende do meio ambiente natural favorável aos insetos vetores assim como o tipo de moradias e a ignorância.

Nenhuma patologia que seja uma conseqüência da multiplicação atual da quantidade dos açudes tem sido observada nessa população. O estado de saúde é globalmente bom, especialmente em comparação com aquele da população rural da zona canavieira próxima. Inquéritos com uma população mais numerosa poderia talvez evidenciar diferenças entre aqueles que vivem perto das represas e os outros, em favor dos primeiros. A única endemia grave presente é a doença de Chagas. A sua transmissão tem sido muito reduzida nesses últimos anos. Um incremento da renda familiar, resultado possível de uma agricultura com irrigação, poderia ajudar, a longo prazo, a melhorar a situação geral da saúde. Essa conclusão não pode ser aplicada a outras regiões tropicais sem inquéritos prévios.

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Introdução 1 – Os dados existentes

1 - 1 : As doenças infeciosas transmitidas por vetores A esquistossomose A malária A filariose de Bancroft

A dengue e outras arboviroses 1 - 2 : As doenças infeciosas não transmitidas por vetores

Os verminoses intestinais O cólera

1 - 3 : Outras patologias ligadas à água A intoxicação por cyanobacterias

1 - 4 : As doenças infeciosas sem ligação direta com a água A leishmaniose A doença de Chagas

A amebiase e outros protozoários intestinais 1 - 5 : Os indicadores de saúde

O estado nutricional Os dados demográficos

2 – As observações no campo

2 - 1 : Os sítios observados

Barragem de Ingazeira Barragem de Cajueiro Povoado de Caatingueira

2 – 2 : As doenças infeciosas transmitidas por vetores A esquistossomose A malária A filariose de Bancroft

A dengue 2 - 3 : As doenças infeciosas não transmitidas por vetores

Os verminoses intestinais 2 - 4 : Outras patologias ligadas à água

Intoxicação por cyanobacterias 2 - 5 : As doenças infeciosas sem ligação direta com a água

A leishmaniose A doença de Chagas

A amebiase 2 - 6 : Os indicadores de saúde

O estado nutricional Os dados demográficos

3 – Discussão e conclusão Referencias Produção do programa “ Pequenos açudes ” na área da saúde humana

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Introdução Nas áreas tropicais existem varias patologias infeciosas ligadas à água e o calor. Os agentes

etiológicos são transmitidos por vetores criados na água ou vivendo ali de maneira permanente. Para outras doenças, os agentes etiológicos têm uma parte de sua vida no meio exterior e precisam por isso de humidade ou de água livre. A intensa multiplicação de represas de água no interior do Nordeste brasileiro pode levar a temer a instalação de epidemias ou de endemias localizadas bem como a sua extensão regional (1). Alem disso, aberrações na concepção de infraestruturas são freqüentes, especialmente quando elas são efetuadas por engenheiros sem capacidade em saúde. Elas poderiam ser facilmente evitadas. Essa situação pode ser observada em vários países em desenvolvimento (2). A questão colocada pelo programa de pesquisas “ Pequenos açudes no semi-árido ” é a seguinte :

Têm a multiplicação dos açudes e o seu uso nas áreas semi-áridas do Nordeste conseqüências

na saúde dos usuários desses represas ? Quais são essas conseqüências ? Será o resultado mais positivo ou mais negativo ? Como podem ser controladas eventuais patologias ou pelo menos como reduzir os efeitos delas ?

Esse estudo das conseqüências sobre a saúde humana dos açudes baseia-se sobre : - a abordagem dos dados disponíveis nas publicações cientificas, nos relatórios das

instituições nacionais ou estaduais de saúde, nas estruturas locais de saúde ; - a observação no campo das patologias presentes e de indicadores de saúde em grupos de

moradores na proximidade de açudes e usuários deles assim como em grupos de controle morando mais longe de represas.

Os indicadores buscados são : - aqueles das doenças infeciosas transmitidas por vetores ligados à água ou cuja transmissão

precisa de água ou humidade : taxa de prevalência dessas infeções, morbidade, fauna de vetores e risco de transmissão da esquistossomose, da malária, da filariose, dos verminoses intestinais ;

- aqueles que permitem de conhecer a situação geral da saúde de uma população : estado

nutricional das crianças, dados demográficos. As áreas observadas têm sido escolhidas no Agreste e no Sertão de Pernambuco por causa de

uma relativa proximidade de Recife e para complementar as outras atividades do programa de pesquisas. Porem, o trabalho pretende apresentar resultados validos para todo o Nordeste semi-árido.

As atividades de campo foram efetuadas a partir de Julho de 1997 em parceria com o

departamento de Doenças tropicais da Universidade federal de Pernambuco (UFPE), mais precisamente com o Núcleo de Doenças Infeciosas do Hospital das Clinicas. Colaborações de trabalho foram progressivamente estabelecidas com médicos e biologistas da Universidade de Pernambuco (UPE, Hospital Oswaldo Cruz, ambulatório da doença de Chagas), da Fundação Nacional de Saúde (FNS) de Recife, do Centro Aggeu-Magalhaes da Fundação Oswaldo Cruz e do departamento de genética da UFPE.

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1 – Os dados existentes 1 - 1 : As doenças infeciosas transmitidas por vetores A esquistossomose

A esquistossomose é uma infeção parasitaria rigorosamente dependente de contatos entre homens e água doce. A multiplicação de represas e da irrigação durante esses últimos 50 anos nas áreas quentes tem favorecido a infeção de novas populações. A esquistossomose da bexiga no vale do Nilo depois da construção da barragem de Assuam, mais recentemente a mansonica desenvolvida no baixo Senegal depois da construção de uma barragem contra a entrada do fluxo da maré são os exemplos mais conhecidos (3).

A esquistossomose mansonica é presente no litoral do Nordeste na zona canavial com taxas

de prevalência que podem ser altas. Um inquérito em 1950 tinha mostrado que um terço dos escolares estava infectado nesse litoral assim como um decrescimento da prevalência com o afastamento da zona rumo ao interior (4). A esquistossomose continua freqüente até hoje na Zona da Mata, as prevalencias variam de 30% a 90% de infectados segundo os lugares e os inquéritos apesar de atividades de luta contra os caramujos hospedares e do tratamento dos infectados (5). O temor da extensão da doença foi à origem de vários inquéritos no Sertão desde 1979. Eles têm mostrado a raridade da infeção tanto nos raros caramujos hospedares potenciais como nos moradores de lá (6). O controle da transmissão é baseado sobre a redução dos contatos dos homens com a água, a parada da defecação nas beiras, portanto sobre a construção de banheiros com fossas e seu uso, assim como sobre o uso de veneno moluscicides e o tratamento dos infectados, considerados únicos reservatórios dos agentes etiologicos (7).

A esquistossomose é uma doença de acumulação. As manifestações clinicas crescem com a

quantidade de infeções. Por outro lado, os tratamentos atuais são eficientes em uma tomada única, são bem tolerados e podem ser usados em tratamento sistemático de massa. Geralmente, eles não resultam em uma importante redução da prevalência mas permitem uma redução drástica de altas cargas parasitarias. Assim, o oxamniquine (Vansil®) tem permitido um quase desaparecimento das formas graves da doença nos Estados de Rio Grande do Norte, de Pernambuco, de Alagoas e da Bahia (8, 9). Porem a prevalência continua elevada em outros lugares de Pernambuco (10, 11).

A malária A malária tem sido presente em uma grande parte do Brasil incluído no sul do pais. A partir

de 1870, a atenção se focalizou sobre as epidemias alcançando os emigrantes do Nordeste que iam para a floresta amazonense em busca do látex de hevea selvagem. As planícies litorais de Rio de Janeiro e de São Paulo foram também atingidas por varias e graves epidemias. A segunda guerra mundial foi na origem de um novo pedido de látex acompanhado de um crescimento de casos. Com uma população 55 milhões de habitantes, o numero anual de casos nos anos quarenta foi avaliado entre 4 et 5 milhões, mais da metade provenientes da Amazônia (12, 13).

Umas cinqüenta espécies de anofeles têm sido observadas no Brasil. Os dois mais

importantes vetores da malária são Anopheles darlingi e An. aquasalis. An. darlingi pode ser observado em quase todo o território a excepção das zonas áridas do Nordeste. Suas larvas crescem em água profunda, límpida, pobre em chlorure de sodium e em materiais orgânicas. An. aquasalis é endêmico em tudo o litoral, da Amazônia até o Sul do Estado de São Paulo. Suas

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larvas crescem em abrigos de qualquer tamanho com água podendo ter uma concentração de sal até de 10 g/l. Ele foi descrito no interior nordestino até 200 km do litoral e 600 m de altura (14).

A filariose de Bancroft

A filariose de Bancroft é presente no Brasil onde a sua transmissão é realizada por muriçocas

do gênero Culex. Em conseqüência das preferencias ecológicas desse mosquito cujas larvas crescem em água suja e rica em matérias orgânicas, ela é uma doença essencialmente urbana. Em bairros pobres de Recife, 11% dos habitantes são infectados ; em Maceió (Alagoas), são 5% (15, 16). Até hoje, a transmissão não parece ter sido observada nas cidades afastadas do litoral mas ela poderia aparecer aproveitando a extensão de abrigos favoráveis e a presença de portadores da filariose.

O controle da transmissão é baseado sobre a luta contra os vetores, essencialmente graças ao

saneamento urbano. Doença de acumulação, a filariose de Bancroft é asintomática em caso de infeções pouco freqüentes. Ao contrario, as infeções repetidas podem resultar em formas graves. O tratamento pela diethyl-carbamazine reduz o risco de evolução em formas graves. O seu uso em tratamento de massa permite também diminuir a transmissão graças a sua ação contra o reservatório de parasitas (17). A dengue e outros arboviroses

A dengue é uma arbovirose cujo agente etiológico é um vírus pertencendo ao gênero

Flavivirus e cujos vetores são muriçocas do gênero Aedes. O único vetor conhecido no Brasil é Ae. aegypti. O mais freqüentemente, a transmissão ocorre em meio urbano por razão das preferencias ecológicas das larvas do vetor. Por enquanto, ela pode acontecer em pequenas cidades e até em casas isoladas com uma cisterna de água sem tampa ou mal fechada. Ela foi quase controlada até 1967, mas a partir de então, os vetores são cada vez mais presentes (18). As larvas crescem em abrigos com água parada, limpa, água da chuva ou de uso domestico.

Prováveis casos de dengue foram indicados no Brasil já no século 19. Epidemias foram

descritas de maneira certa desde 1982. O numero de casos notificados tem crescido muito desde 1995. De 1986 a 1993, 53 500 casos foram assim notificados só no Estado de Ceará, sem nenhum óbito conhecido. Em 1994, a incidência tem sido de 1010 casos/100 000 habitantes na cidade de Fortaleza. Dentre os 19 000 casos registrados, 26 foram confirmados com a forma hemorrágica, entre aqueles 14 fatais. A cepa DEN-2 parece especialmente responsável nos casos de forma hemorrágica (19).

Entre as outras arboviroses presentes no Brasil, a febre amarela é a mais temida. Transmitida

pelo mesmo vetor que a dengue, ela poderia ainda provocar epidemias. O temor que ela provoca foi a origem de grandes atividades de luta contra o vetor, já a o inicio do século 20 e de campanhas de vacinação. Ela aparece atualmente na forma de casos isolados no centro do pais.

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1 - 2 : As doenças infeciosas não transmitidas por vetores Os verminoses intestinais

Os verminoses são o resultado do crescimento de vermes nematodes adultos no intestino, entre os mais freqüentes, encontra-se os Ascaris e os ancilostomes. Uma parte de seus ciclos de vida se realiza no chão onde eles precisam de humidade e calor. Infeções com fracas cargas parasitarias são bem suportadas e são geralmente asintomáticas. As suas taxas de prevalência são assim mais indicadores do nível de saneamento que da situação da saúde por si mesmo.

O controle da transmissão é baseado sobre o uso sistemático de banheiros para a defecação, o

abandono das fezes humanas como adobe. Varias remédios são bastante eficientes para eliminar os vermes do tubo digestivo. Eles não têm efeito ao nível de uma comunidade para parar a transmissão e não vão ter enquanto medidas de saneamento não são realizadas e os comportamentos não mudam. Pois a produção cotidiana de uma só fêmea de nematode é da ordem de 200 000 ovos (20, 21). Raros portadores desses vermes são assim suficientes para permitir a continuidade da transmissão no caso de condições ambientais favoráveis. O cólera

A região litoral do Nordeste é regularmente atingida por acessos localizados de cólera (22). A transmissão dos Vibrio pode ser realizada pela água (água para refeição, também água contaminada de riachos, várzeas ou represas onde a louça, a roupa são lavadas, áreas de brincadeiras), mais raramente pela comida contaminada (23). Assim em Pernambuco, teve epidemias em 1992, 1993 e 1994 (25 850 casos confirmados, taxa de letalidade de 1,2%). No fim de 1998 e durante 1999, casos tinham sido observados em algumas cidades (1066 casos em 1998, letalidade de 0,4%) (24). Esses casos de óbitos muito raros são a prova da eficiência das estruturas de tratamento. São a prevenção e o saneamento que até hoje apresentam carências. 1 - 3 : Outras patologias ligadas à água A intoxicação por cyanobacterias

As cyanobacterias (ou algos azuis) são organismos phytoplanctonicos comuns nos ecossistemas aquáticos. O conjunto de fatores eutrophes com condições ambientais favoráveis pode conseguir em um crescimento intenso de sua população até blooms quem concentram-se perto da superfície. Essas condições podem especialmente aparecer no Nordeste no fim da estação seca (25). As cianobacterias podem liberar no meio aquático dois grupos de toxinas : neurotoxinas e hepatotoxinas. Essa ultimas podem talvez favorecer a longo prazo o aparecimento de canceres primitivos do fígado nos homens quem as ingerem (26, 27). Além do mais, elas têm efeitos agudos imediatos. Assim uma importante epidemia de gastroenterites graves tem sido observada em 1988 na população ribeirinha do rio São Francisco na proximidade da barragem Itaparica (Bahia). A responsabilidade das cyanobacterias nessa epidemia tem sido provada (28). As cianobacterias tornaram-se um assunto de atenção depois do dramático acidente acontecido entre fevereiro e agosto de 1996 em um centro de hemodiálise de Caruaru (Pernambuco), a primeira observação da responsabilidade direta e completa de cianobacterias para uma patologia letal (29). Precisa não esquecer que, em caso de dialise são cerca de 150 litros de água transferidos em 24 horas dentro do organismo, uma situação bastante diferente de uso fisiológico da água para beber.

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1 - 4 : As doenças infeciosas sem ligação direta com a água A leishmaniose

A leishmaniose é presente nas Américas. Duas formas clinicas são encontradas no Nordeste: as lesões tegumentares, as mais freqüentes, com evolução que pode ser espontaneamente rumo à cura e as lesões viscerais, sem cura no caso de ausência de tratamento especifico. Leishmania brasiliensis é o agente etiológico o mais freqüentemente encontrado no Nordeste. A sua transmissão é efetuada por flebotomias pertencendo ao gênero Lutzomyia a partir de reservatórios de parasitas em mamíferos cujos mais importantes são o cão e os roedores, animais vivendo no espaço domestico (30, 31). Ela existe sobretudo nas zonas montanhosas onde as chuvas fortes e a densa cobertura vegetal são favoráveis à multiplicação desses vetores. A incidência anual da leishmaniose tegumentar é assim na ordem de 200 a 2500 casos para 100 000 habitantes nas serras, enquanto é de menos de 20 para 100 000 no Sertão (32). A leishmaniose visceral é presente no mesmo meio ambiental mas com uma freqüência muito mais baixa. O seu agente etiológico o mais freqüente é L. chagasi (33). A doença de Chagas

A doença de Chagas ou tripanossomíase americana é uma infeção provocada por um protozoário flagelado, o Trypanosoma cruzi, cuja transmissão é efetuada por insetos hematófagos da família Reduviidae. A doença ocorre apenas no continente americano, distribuindo-se numa grande parte do continente, desde o Sul dos Estados Unidos até a pampa argentina, ao Sul de Buenos Aires. Ela atinge a população rural e as estimações, pouco exatas, da quantidade de infectados atualmente vivos é da ordem de 16 a 18 milhões (34). No Brasil, um inquérito nacional já antigo, efetuado em meio rural com todas as faixas etárias tem mostrado uma prevalência sorológica da infeção chagásica entre 5% e 8% no Nordeste, em torno de 1% na Amazônia, entre 2% e 7% no Centro-Oeste e entre 2% e 8% no Sul do pais (35). O número de infectados atualmente vivendo no Brasil é provavelmente entre 4 e 8 milhões. As seqüelas cardiológicas ou no tubo digestivo aparecem em cerca de um terço dos infectados, cuja esperança de vida é menor que aquela dos não infectados (36, 37, 38).

Os vetores são percevejos de tamanho grande, conhecidos como “barbeiros, bicudos, potós

ou chupões”. Os dois sexos são hematófagos desde os estádios ninfais. As várias espécies vivem nas fendas das crostas das arvores, dentro da copa das palmeiras, embaixo das pedras, dentro das rochas, nos rachados do solo seco, dentro dos terreiros. Esses abrigos secos e escuros são os esconderijos diurnos para ninfas e adultos e também os ninhos para postura de ovos. Eles se encontram perto das presas que podem ser mamíferos ou aves. Ao anoitecer, os barbeiros saem em busca de suas vitimas. Visto os lugares de vida dos vetores, naturais ou fabricados pelos homens, a doença de Chagas não tem nenhuma ligação com à água. Por enquanto, ela foi observada ao longo desse inquérito por ser a doença endêmica mais importante no interior nordestino em respeito à freqüência e às conseqüências. A amebiase

A amebiase é uma infeção cosmopolita especialmente observada nas regiões quentes e pobres. O agente etiológico é um protozoário, Entamoeba histolytica, que vive no intestino. As amebas são evacuadas no meio exterior pelas fezes onde as formas resistentes, os cistos, podem viver vários dias nos excrementos, na lama ou na água livre. A difusão esta assim se realizando

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através de numerosos portadores sem sintomas e pela falta de saneamento que favorece os contatos entre a comida ou a bebida e os excrementos. A infeção asintomática pode ser freqüente, cerca de 10% da população mundial sendo infectada (39). Ela é freqüentemente ligada ao uso das fezes com adubo ou a ausência de sanitários com fossas fechadas. Precisa diferenciar essas infeções asintomáticas da amebiase-doença porque elas têm agentes etiológicos diferentes, apesar de não poder ser separadas em microscópia ótica (40). 1 - 5 : Os indicadores da situação da saúde O estado nutricional

O estado nutricional de uma população depende em parte da quantidade e da qualidade de

comida disponível assim como da sua repartição, do seu preparo e de seu uso. As crianças são especialmente sensíveis a toda insuficiência. É nesse grupo que a malnutrição proteino-energetica aparece primeiro. Uma situação de malnutrição facilita então a chegada de series de episódios infeciosos e a gravidade deles (41). As medidas antropometricas são as medidas mais usadas para quantificar os déficits nutricionais, pelo menos quando eles são intensos. Os dados observados são o peso, o tamanho e a idade exata em meses. O peso em função do tamanho e da idade, o tamanho em função da idade são geralmente analisados em comparação com os dados de referencias estabelecidas pelo National Center for Health Statistics (USA) cujo valor é comumente aceito (42). Os dados demográficos

A taxa de mortalidade infanto-juvenile, do nascimento até o primeiro aniversário, é um bom

indicador da situação de saúde e do funcionamento das estruturas de saúde. Em 1965, ela estava no Brasil de 118 para 1000 nascidos vivos, na mesma ordem de que aquela da África tropical atual. Em 1994, essa taxa tinha decrescido de maneira notável até 40‰. A situação fica bem diferente de uma região à outra com uma taxa de 26‰ no Sul do pais e de 63‰ no Nordeste, ou seja 2,5 mais importante (43).

Em 1993, no Pernambuco inteiro, os números corrigidos de nascimentos estavam de 168 948

nascimentos e de 11 412 óbitos de crianças abaixo de um ano. A taxa de natalidade estava assim de 22,8‰ e aquela de mortalidade infanto-juvenile de 67,5‰, perto do valor médio no Nordeste inteiro. Para a metade dos óbitos, as causas não estavam conhecidas dos serviços de estatística. Entre as causas notificadas, 50% estavam ligadas às infeções perinatais, 20% às diarréias, 9% às infeções respiratórias, 2% à malnutrição. Essa taxa presenteava importantes diferenças entre as regiões do Estado. Na Região Metropolitana de Recife, ela estava de 40‰. Na Zona da Mata, ela estava acima de 120‰. Na bacia do Pajeú, 8068 nascimentos e 249 óbitos foram notificados em 1993, ou seja uma taxa de 31‰. Essa taxa, duas vezes a taxa media no Estado, é a ilustração de uma situação globalmente bem melhor no sertão em comparação com a região canavial.

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2 - As observações no campo 2 - 1 : Os sítios observados

Os três sítios observados têm sido escolhidos para fazer parte do programa Pequenos açudes no semi-árido em suas atividades sobre a limnologia das represas, os peixes, a pesca e a produção de vazante. Não se tinha nenhuma noticia preliminar sobre a situação da saúde da população. Esses lugares não podem ser considerados representativos no senso estastitico mas ilustrações da situação em zonas rurais do interior do Nordeste (figura 1).

Barragem de Ingazeira

A barragem de Ingazeira fica a 250 km no Oeste de Recife no Agreste no limite dos municípios de Venturosa e de Pedra, fechando o rio Ipanema. A represa foi enchida de água nos anos 1980, essencialmente com o objetivo de permitir o abastecimento da cidade de Venturosa em água. Um grupo de pescadores estabeleceu-se depois em barracas precárias na margem mesmo da represa. A atividade principal da região continue sendo a criação de gado (carne e leite).

Barragem de Cajueiro

A barragem de Cajueiro fica a 390 km no Oeste de Recife no Sertão do Alto Pajeú, na

confluência de dois riachos temporários, numa região ondulada e limitada ao Norte pela Serra dos Cariris, com uma altitude media de 600 m pertencendo ao município de Tuparetama. A represa foi enchida em 1995. Os usos principais são os cultivos de vazante e de irrigação. Não têm pescadores.

Povoado de Caatingueira

A escolha de um controle onde não teria nenhuma represa seria o ideal mas isso é

impossível: não existe no interior semi-árido povoados sem pelo menos uma barragem na proximidade das moradias. O grupo controle é assim definido não por ausência completa de água livre na proximidade mas pela sua raridade e a ausência de uso fora o abastecimento do gado. Caatingueira é um povoado situado a 9 km a Oeste de Cajueiro que pertence ao município de Iguaraci. As atividades de produção agrícola são ali mais tradicionais do que em Cajueiro, unicamente na dependência das chuvas e traz consequentemente uma criação de gado mais extensiva. A população tem a mesma origem e a mesma composição etária que aquela de Cajueiro. Por enquanto, a distancia maior até as cidades, a mal qualidade da estrada de terra são causa de um maior isolamento.

Nesses três lugares, foi realizado um levantamento das moradias e de seus habitantes. Os

dados observados foram a identidade, a idade, o sexo e a atividade principal daqueles acima de 15 anos de idade. Ingazeira é composto de um povoado situado na proximidade da represa, de fazendas disseminadas e de algumas barracas de pescadores de lona e madeira (tabela 1). Cajueiro é composto também de um povoado e de fazendas disseminadas, tudo anterior à barragem. Caatingueira é uma aldeia um pouco maior organizada ao redor de uma igreja e de uma rua principal. Tem também fazendas isoladas.

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Figura 1 : Os sítios observados em Pernambuco

Tabela 1 : Tipos de moradias em Ingazeira, Cajueiro e Caatingueira em 1997

Tipo de moradia Ingazeira Cajueiro Caatingueira Tijolos e alvenaria 24 32 38 Casa de taipa 15 8 12 Barracas de madeira e lona de plástico 8 0 0 Total 47 40 50

Tabela 2 : Equipamento das moradias em Ingazeira, Cajueiro e Caatingueira em 1997

Equipamento Ingazeira Cajueiro Caatingueira Numero de moradias 47 40 50 Com energia 28 33 38 Com sanitários ligados a uma fossa 17 14 10 Com uma geladeira 11 9 11

Esses povoados têm cada um menos de 250 habitantes (tabelas 3 e 4). Os 0-14 anos

representam 37,0% da população. Com uma pirâmide de idades côncava e uma retirada leve da faixa dos 0-4 anos, a população apresenta um composição clássica para o Nordeste onde a transição demográfica esta se realizando (44).

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Tabela 3 : Composição etária de Ingazeira, Cajueiro e Caatingueira ao fim de 1997

Faixas etárias Ingazeira Cajueiro Caatingueira Menos de 10 anos 63 39 39 de 10 a 19 anos 55 42 73 de 20 a 29 anos 46 21 36 de 30 a 39 anos 19 21 21 de 40 a 49 anos 18 15 23 de 50 a 59 anos 25 21 18 a partir de 60 anos 9 15 16 Total 235 174 226

Tabela 4 : Idades médias e sex-ratios em Ingazeira, Cajueiro e Caatingueira ao fim de 1997

Ingazeira Cajueiro Caatingueira Homens 24,9 anos 25,7 anos 25,8 anos Mulheres 22,7 anos 30,6 anos 26,6 anos População 23,8 anos 27,8 anos 26,2 anos Sex-ratio 1,01 1,26 0,93

As atividades principais a partir da idade de 15 anos são a agricultura e a criação de gado. Os

pescadores só estão presentes em Ingazeira (tabela 5). A importância da escolarização dos adolescentes é notável. Tabela 5 : Principais atividades dos habitantes de Ingazeira, Cajueiro e Caatingueira a partir de 15 anos

Atividade Ingazeira Cajueiro Caatingueira agricultor-pecuarista 39 70 70 pescador 34 0 0 do lar 34 19 39 estudante 16 26 25 técnico 2 1 6 professor 2 3 5 empregado 2 4 3

2 – 2 : As doenças infeciosas transmitidas por vetores A esquistossomose mansonica

A esquistossomose mansonica tem sido pesquisada em 1997 e 1998 pelo exame das fezes, usando a técnica de Katz e Kato, nos moradores dos três sítios. 352 exames foram efetuados, incluindo as fezes dos indivíduos com o risco mais elevado de infeção (crianças, pescadores). Nenhum ovo de Schistosoma foi achado. Essa observação permite afirmar a ausência atual de transmissão da esquistossomose mansonica nos sítios inquiridos.

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Os moluscos hospedares intermediários, do gênero Biomphalaria, têm sido procurados nas represas. Nenhum foi observado, nem em Cajueiro, nem em Ingazeira. Uma observação negativa pode sempre ser discutida. Por enquanto, ela confirme os resultados dos inquéritos efetuados nesses últimos anos no Agreste e no Sertão (6, loc. cit.). O ano de 1998 apresentou um grande déficit de chuvas com apenas 325 mm de dezembro de 1997 a dezembro de 1998 em Cajueiro. Diante destas circunstâncias, o pequeno açude de Flocos, no município de Tuparetama, com uma superfície aproximada de 4 ha e 3 m de profundidade máxima não chegava a medir mais que 2500 m2 e 0,60 m no mês de novembro de 1998. Nesta ocasião foram encontrados numerosos moluscos neste açude, numa densidade da ordem de 30/m2, a maioria fixados nas plantas macrófitas do gênero Elodea. O açude secou complemente no mês de dezembro, voltando a receber um pouco de águas pluviais em março de 1999. Nesta época, os moluscos foram novamente observados, desta vez mais no fundo do açude e menos fixados nas Elodea que estavam no início de seu crescimento. O exame da concha e do aparelho genital destes moluscos permitiu sua identificação. Pertencem à espécie B. straminea (C. Barbosa, CPqAM, Recife).

A salinidade das águas que chegam é fraca (condutividade elétrica perto de 100 µS/cm). Os

sangramentos impedem o risco de salinização que é freqüente nesta região. Mesmo em 1998, apesar da falta de chuvas e sangramentos, Flocos apresentou uma condutividade de apenas 211 µS/cm em agosto, e 350 em novembro. Comparativamente, estudos em 47 reservatórios na região semi-árida de Pernambuco, realizados entre agosto e outubro de 1998, mostraram uma condutividade média de 2098 µS/cm. Em Flocos, a concentração de clorofila (índex de biomassa de alga) é fraca, perto de 4 µg/l, um valor bem menor do que o observado entre os 47 reservatórios (média de 63 µg/l). O pH é perto da neutralidade (valor de 7,2 na superfície) enquanto que o pH médio na região é de 8,15. Assim, as características físico-químicas da água de Flocos parecem sensivelmente diferentes daquelas de outros reservatórios (trabalho de Marc Bouvy). Estas condições ambientais (presença de macrofitas, a fraca condutividade da água e a neutralidade do pH) parecem satisfazer as exigências ecológicas de B. straminea.

O açude de Flocos é um reservatório privado, cercado de arame farpado, onde as pessoas não

costumam se banhar. Os únicos que raramente entram na água são dois trabalhadores locais, para a manutenção de uma bomba de sução ou para a repicagem do capim. Não foram observados sinais de defecação humana nos arredores do açude. Duas famílias habitam nas proximidades, em casas de alvenaria que possuem sanitários com fossas fechadas. No exame parasitológico das fezes destas famílias não foram detectados ovos de Schistosoma mansoni ou de helmintos intestinais.

A simples observação de moluscos hospedeiros de S. mansoni no Sertão de Pernambuco não

é um fato alarmante em si mesmo. Contudo, os raros registros de ocorrência destes moluscos nas partes áridas do Nordeste significam um alerta de que esta situação não é imutável. Os moluscos podem proliferar em biótipos favoráveis criados pelos homens e, com a crescente multiplicação destes açudes, existe o risco da introdução da esquistossomose no Sertão, que merece sempre ser levado em consideração. Não se justifica, entretanto, uma interrupção das atividades de implementação de obras para segurar águas de superfície, essenciais para o desenvolvimento da região.

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A malária

A malária provoca uma doença aguda, muito visível nos indivíduos que não têm uma imunidade adquirida contra os Plasmodium. No caso de uma população que vive fora de uma área endêmica, não tem infeção discreta, silenciosa. Nenhum caso de malária esta conhecido nem no Agreste nem no Sertão, nem hoje nem antigamente. Quanto a zona litoral, ela é isenta de transmissão desde uns 50 anos. A única interrogação é : poderia a transmissão reaparecer no futuro ?

Não tem reposta absoluta. An. aquasalis pode crescer em águas relativamente salgadas e já

foi observado longe do litoral nordestino. As observações históricas por enquanto são em favor do surgimento da malária unicamente onde ela já foi presente. As condições ecológicas pelo crescimento das larvas de anofeles são rigorosas. Elas não podem ser reduzidas a uma taxa de salinidade. Interromper a transmissão nas regiões quentes do globo é muito difícil. Mas têm muito poucos exemplos de aparecimento da malária onde ela jamais existiu antes. O risco de instalação da malária no semi-árido do Nordeste pode ser considerado muito fraco, mesmo no caso da transmissão reaparecer na zona litoral.

A filariose de Bancroft

Não tem caso conhecido de filariose de Bancroft no semi-árido do Nordeste. Por enquanto, a relativa urbanização atualmente em realização no interior poderia no futuro conseguir a criação de biotopes favoráveis a uma intensa multiplicação de seus vetores, os Culex, já presentes nas pequenas cidades. Alguns indivíduos infectados migrantes do litoral poderiam então permitir a instalação do ciclo.

Por outro lado, a prevalência dessa parasitaria vai decrescendo na Zona Metropolitana de

Recife como em outros focos brasileiros. As atividades de luta contra os vetores, incluindo aquelas contra os vetores da dengue, e de tratamento dos parasitados são provalvamente a causa dessa situação. A probabilidade de instalação de focos de transmissão da filariose de Bancroft no interior nordestino é assim fraca. Caso aparecesse, seria nos bairros mais pobres com infra-estruturas insuficientes. A dengue

Os moradores dos sítios pesquisados não se queixavam de casos de dengue durante o tempo de nosso trabalho, ao invés de habitantes das sedes dos municípios de Tuparetama e Venturosa. Aqueles alegavam alguns casos, sem confirmação biológica. A raridade de muriçocas do gênero Aedes fala em favor da ausência de transmissão da dengue nesses povoados. Poderia ela aparecer ali ? Nada permite refutar essa eventualidade. Seria então uma conseqüência das represas ? Não, ao contrario. As larvas de Aedes não crescem em grandes abrigos de água mas em pequenos de água limpa. As cisternas presentes para armazenar a água domestica onde não têm represas são uns dos melhores abrigos. Os Aedes são sobretudo presentes onde a água é rara e conservada sem precauções especificas. A febre amarela poderia aparecer no Nordeste somente em lugares de intensa proliferação de Aedes junto à presença de indivíduos recentemente infectados, ainda portadores do vírus, a fauna simiesca reservatório dos germes sendo inexistente. Essa probabilidade é muito fraca e aconteceria mais em zonas urbanizadas que rurais.

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2 - 3 : As doenças infeciosas não transmitidas por vetores Os verminoses intestinais

Amostras de fezes foram fornecidas por 55% dos moradores dos sítios com uma repartição por sexo e idade semelhante próxima daquele da população geral, e examinadas em microscópia com a técnica de Katz-Kato. Em Ingazeira, ovos de Ascaris são presentes em somente 10% das fezes, ovos de ancilostomes em 3%, em todas faixas etárias e com cargas parasitárias fracas, entre 50 e 4000 ovos por grama, principalmente em moradores de barracas ou de casas de taipa (15/18). Em Cajueiro e Caatingueira, os helmintos são rarissimos e com cargas muito fracas. Uma criança tem sido achada portadora de ovos de Taenia, parasitose conhecida na região para ser a origem de vários casos de cisticercose cerebral (tabela 6). Tabela 6 : Exames de fezes de moradores de Ingazeira, Cajueiro e Caatingueira em 1998

Ingazeira Cajueiro Caatingueira Exames realizados 146 110 96 Idade media 24,7 anos 28,2 anos 24,8 anos Ausência de parasita 60 64 48 Ascaris 14 1 0 Ancilostomes 4 0 1 Trichuris trichiura 2 0 2 Cistos de amebas 73 46 45 Cistos de Giardia 2 0 0 Ovos de Taenia 0 0 1

Essas observações falam em favor de condições ambientais e também de saneamento

desfavoráveis à transmissão de helmintos. As moradias as menos pobres têm banheiros com fossas. Os outros podem usar o mato para defecar mas isso é feito atras das moitas, a distancia das represas, das zonas de lama e humidade. O ardor do sol cuida de matar os eventuais embriões emitidos. Por enquanto existe um risco de transmissão de protozoários intestinais ilustrado por a forte prevalência de portadores de amebas. Uma disponibilidade maior em água poderia somente favorecer mais higiene. 2 - 4 : Outras patologias ligadas à água Intoxicação por cyanobacterias

A progressiva secagem da represa de Ingazeira em 1998 foi associada à blooms de cyanobacterias. Essa situação foi a origem de um certo temor especialmente na população da cidade de Venturosa. Na realidade, essa água, rica em matérias orgânicas, suja, parada desde muito tempo, sem renovação, teve um muito mal cheiro. Nenhum morador de Ingazeira usava-lhe para beber ou preparar a refeição. Depois que os poços de cacimba esgotavam, é água em barricas quem foi usada. Ela estava entregue por camiões a partir da região vizinha de Garanhuns pelo preço de 0,5 real os cinqüenta litros. Essa situação, apesar de difícil para a população, trouxe uma vantagem : a água do açude não sendo usada para o consumo humano, não aconteceu risco para a saúde humana ligado à proliferação de cyanobacterias.

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A pesca ainda sendo ativa, os peixes capturados contam uma certa quantidade de toxinas produtas para as cianobacterias. Podiam ter efeitos sobre o consumidor ? Esses peixes são sempre comidos bem cozidos. Portanto, as neurotoxinas tipo Paralytic Shellfish Poison responsáveis da ciguateira no Oceano Pacifico não são destruídas pelo cozimento. As toxinas presentes em Ingazeira são próximas daquelas (M. Bouvy, comm. pers.). Existe assim um risco teórico de intoxicação mas não tem manifestação conhecida. E importante notar que a cota dos peixes na alimentação jamais é importante nessa população.

Um inquérito tem sido efetuado pela Secretaria da Saúde do município de Venturosa sobre o

consumo de água pelos moradores da cidade ao fim de 1998. 226 famílias, de todos os bairros, foram pesquisadas. Entre aquelas, 194 ou seja 86%, têm então respondido que usavam água mineral para a bebida. Somente nove tem dito usar a água encanada, proveniente de Ingazeira, e dois a água de uma outra represa mais próxima. Alem de algumas imprecisões nas respostas, é possível afirmar que a grande maioria repugna usar a água encanada para o uso alimentario e procura água de melhor qualidade.

Fora um acidente do tipo daquele de Caruaru, conseqüência de um uso muito particular da

água, a evidencia de efeitos agudos das cyanobacterias sobre a saúde é sempre complicada (26, loc. cit.). Um risco de favorecer a longo prazo o câncer do fígado é suspeitado. Poderia ser demonstrado somente com um inquérito prospectivo das patologias hepáticas (cirroses, câncer), com um estudo preciso de cada caso e de seus fatores associados.

2 - 5 : As doenças infeciosas sem ligação direta com a água A leishmaniose

A leishmaniose tegumentar é conhecida da população pelo apelido de ferida braba. Ela é nem freqüente nem receada. Entre os moradores de Cajueiro e de Caatingueira, ou seja cerca de 400 indivíduos, dois homens de 36 e 50 anos têm sido achados com lesões cutâneas nas pernas evocando uma leishmaniose. O diagnostico tem sido confirmado por um teste sorológico (Otamires A. Silva, CPqAM). Essas lesões estavam antigas, tinham mais de dez anos, e haviam recebido tratamentos inadequados. Os dois homens jamais tinham vivido fora da região. Os flebotomias vetores têm sido buscados em Cajueiro em Outubro de 1998. Uma vintena foram achados na vegetação densa a beira do leito seco de um rio, a jusante da barragem, perto das casas dos dois casos diagnosticados. Todos foram identificados como Lutzomyia longipalpis (V. Balbino, departamento de Genética, UFPE). Assim existiu no sitio de Cajueiro, bem antes da construção da barragem, uma transmissão de leishmaniose tegumentar, com pouco casos humanos.

A excepcional seca dos anos 1998 e 1999 tem desfavorecido os flebotomias. Eles precisam

de humidade para permitir o crescimento das larvas. A atual raridade não impede que, durante os anos de chuvas fortes e de crescimento da vegetação, uma proliferação possa acontecer. São as chuvas e a vegetação natural que fazem o biotope desse insetos, não a barragem nem a represa com a suas beiras nuas ou com plantas cultivadas de ciclo curto. A leishmaniose não aparece nessas regiões como uma endemia freqüente. Nas regiões mais úmidas da Zona da Mata, os flebotomias são observados tanto nos bosques residuais como perto ou dentro das casas. Eles adaptavam-se a esse novo meio antropisado (Otamires A Silva, com. pers.). Pode se imaginar o Sertão na mesma situação ? Precisaria de uma real perenisação das águas e do crescimento de uma cobertura vegetal densa. A realidade é bastante diferente. A região não tem tendência a se tornar um oásis de verdura farta !

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A doença de Chagas

A doença de Chagas é uma endemia presente em tudo o Sertão assim como no Agreste. Não existe nenhuma família quem não tinha já pelo menos um caso. Cada um conhece e tema essa praga. Os percevejos vetores potenciais da doença são facilmente observados nas e ao redor das casas. Uma busca foi efetuada em Julho de 1998 com o apoio de técnicos da FNS em Cajueiro e em Caatingueira. Cerca de cinqüenta moradias foram estudadas. Vetores foram achados em nove, não nas casas por si mesmo mas nos espaços peri-domiciliares, especialmente nos galinheiros, aos estágios ninfas e adultos. A identificação de 95 adultos tem sido efetuada (Nizelia Carneiro da Silva, FNS) :

Triatoma pseudomaculata : 85 T. brasiliensis : 9 Panstrongylus lutzi : 1 A composição da fauna é clássica para a região assim como a sua localização de preferencia

ao redor das casas (44). Entre 136 vetores adultos examinados, um T. pseudomaculata estava infectado por Trypanosoma (G. Torquato, departamento de Genética, UFPE).

As metas do trabalho foram explicadas aos moradores e a cada um foi pedido a autorização

para fazer parte do grupo dos examinados. Pouquíssimos se recusaram. Seguindo o pedido da população, o inquérito no Sertão foi expandido a dois outros povoados, Monte Alegre (pertencendo por metade ao município de Cajueiro e por metade à de Iguaraci) e Bom Fim (município de São José). Foi feita uma coleta de sangue digital e o material conservado em papel de filtro, segundo uma técnica clássica. Os anticorpos contra os Trypanosoma foram procurados pelos testes da imunofluorescencia (antigenes ImmunoCruzi e FluolineG Biolab®) e da hemaglutinação (HemaCruzi Biolab®) no laboratório da Fundação Nacional de Saúde de Recife. A diluição de triagem foi de 1:20, seguida, no caso de positividade, de um teste quantitativo em imunofluorescencia com diluições até 1:640. Uma confirmação adicional foi realizada para os indivíduos soropositivos a partir de uma nova coleta e com o teste ELISA feito na Fundação de Hematologia de Pernambuco (HEMOPE).

Um total de 157 exames foi realizado no Agreste. Cinco casos foram diagnosticados (3

mulheres e 2 homens, idades de 28 até 69 anos). A taxa de prevalência observada é assim de 3,2%. No Sertão, 607 testes têm sido efetuados até hoje. A taxa de seropositividade para T. cruzi é de 0% nas crianças abaixo de 10 anos de idade. Ela cresce devagar na adolescência e na juventude até os 40 anos. A partir dessa faixa etária, ela atinge uma valor acima de 25%. Assim, 12% dos examinados são portadores de anticorpos contra T. cruzi. A idade media dos infectados é de 52 anos, a dos negativos de 30 anos. O infectado mais jovem tem 12 anos, o mais velho 89 anos. A proporção de mulheres infectadas, 11%, é semelhante àquela dos homens, 13%, e as idades medias também. Não apareceu ligação com a atividade profissional, nem com o tipo de moradia atual. As taxas de infeção são semelhantes em todos os povoados. Os infectados geralmente ignoravam a sua situação. O acompanhamento deles está se realizando no Ambulatório da Doença de Chagas, Hospital Universitário Oswaldo Cruz, no Recife (PE).

A faixa etária dos infectados fala a favor de uma redução da transmissão durante esses

últimos trinta anos : a prevalência é de 1% abaixo de 20 anos e de 30% acima de 50 anos (figura 2). De fato, essa grande diferença não pode ser explicada unicamente pelo menor tempo de exposição ao risco de ser infectado. Por enquanto, nada permite afirmar que a transmissão é agora terminada.

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A amebiase

Cistos de amebas foram observados em cerca da metade das fezes examinadas (tabela 6). raros casos de infeção por Giardia foram encontrados. Essas infeções não têm manifestações clinicas, pelo menos de manifestação barulhenta. Elas são essencialmente a ilustração da persistência de falta de higiene da comida e das mãos permitindo uma transmissão inter-humana. As armas para combater-lhes são a água, o sabão e a educação. 2 - 6 : Os indicadores de saúde O estado nutricional

O estado nutricional tem sido observado usando as medidas antropometricas clássicas do

peso e do tamanho analisados em função da idade. As medidas têm sido efetuadas com as crianças dos três sítios a partir da idade de três meses até 11,5 anos (132 meses) (46). O inquérito foi efetuado entre Outubro de 1998 e Marco de 1999, durante uma época difícil para essa comunidades visto o déficit acentuado de chuva em 1998 e em conseqüência a falta de safra.

Os malnutridos moderados são as crianças cujo peso em função do tamanho é abaixo de -2

standard deviations (SD) da valor mediana da população de referencia. Os malnutridos graves são aqueles com dados abaixo de -3 SD. Os bem nutridos são aqueles cuja relação peso/tamanho é acima de + 1 SD. O atraso de tamanho respeito à idade é calculado com a mesma técnica. Os resultados são apresentados com as crianças das comunidades aproveitando de represas agrupadas (Ingazeira e Cajueiro) em comparação com os controles (Caatingueira) (tabela 7).

Prevalencia sorológica no Alto Pajeú em 1998-2000 segundo as faxias etárias, n = 621

-5%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

Faixas etárias

Prev

alen

cia

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Tabela 7 : Dados antropometricos de crianças do Agreste e do Sertão em 1998-1999

Comunidades Efetivos Valores medias Tamanho para a idade

Peso para a idade

Peso para o tamanho

Aproveitando

de uma represa

mocas : 32

mocos : 40

idade : 81 meses

peso : 21,3 kg

tamanho : 115,0 cm

Index < 3 SD : 1

Index < 2 SD : 8

Index > 1 SD : 7

Index < 3 SD : 1

Index < 2 SD : 4

Index > 1 SD : 6

Index < 3 SD : 0

Index < 2 SD : 4

Index > 1 SD : 7

Sem represa mocas : 38

mocos : 35

idade : 80 meses

peso : 21,3 kg

tamanho : 113,5 cm

Index < 3 SD : 2

Index < 2 SD : 8

Index > 1 SD : 5

Index < 3 SD : 0

Index < 2 SD : 6

Index > 1 SD : 4

Index < 3 SD : 0

Index < 2 SD : 3

Index > 1 SD : 10

Esses dados evidenciam que não há nenhuma diferencia entre as crianças das comunidades

aproveitando de represas e as outras. O método pode faltar de sensibilidade, especialmente por razão de efetivos reduzidos. Porem, ela permite afirmar que não existem importantes diferenciais nos estados nutricionais segundo o uso ou não de água de represas. Essa situação ilustra a homogeneidade dos comportamentos, das atitudes. A melhoria das produções pode ter efeitos até para aqueles que vivem a distancia da água, já que ela permite ter um trabalho e uma renda mesmo pequena, incluindo o fato de trabalhar para quem possui terras perto da água. Por outro lado, a população do Sertão e do Agreste, acostumada às voltas regulares da seca, sabe cuidar das suas crianças mesmo em período de redução drástica da produção e da renda. A alimentação fica a despesa de prioridade. As doadas de cestas básicas ajudam os mais pobres a ultrapassar uma fase difícil. De uma maneira global, não aparece grandes déficits nutricionais nessas crianças de um tamanho geralmente pequeno.

Os dados demográficos

Os dados demográficos precisam vir de efetivos suficientemente grandes, pelo menos da

ordem de 10 000 indivíduos, para ter algum sentido. Assim são os municípios inteiros quem têm sido escolhidos como unidades de observação.

A população de Venturosa contava com 13 000 habitantes em 1999. Com 210 nascimentos

em 1997 e 212 em 1998, a taxa de natalidade parece ser especialmente baixa, somente de 16 ‰, e em contradição com a percentagem de 0-14 anos de 36,2%. Os óbitos de menos de um ano têm sido 10 em 1997 e 4 em 1998, ou seja uma taxa de mortalidade infanto-juvenil de 33 para mil nascidos vivos (fonte : Secretaria municipal de Saúde). A fraqueza do numero de nascimentos (numero esperado segundo o efetivo dos 0-4 anos em 1996 : 281) corresponde talvez a um atraso no registro, especialmente para aqueles nascidos em estruturas de saúde situadas fora do município.

A população de Tuparetama contava com 8200 habitantes em 1999. Os 0-14 anos são um

terço dessa população jovem, uma situação comparável àquela de Pernambuco em geral. A taxa de crescimento é elevada, 2% por ano desde 1980 (47). Com 243 nascimentos em 1998 e 149 durante os nove primeiros meses de 1999, a taxa de natalidade é entre 24 e 30 ‰, superior à àquela do estado em geral. Têm tido três óbitos de crianças abaixo de um ano em 1998 e um em

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1999 (fonte : Secretaria municipal de Saúde). A taxa de mortalidade infanto-juvenil é assim de 10 para mil nascidos vivos, o que é especialmente fraco. Certo, com um efetivo desse tamanho, a sorte tem um papel. Por enquanto, ela confirme os dados da região inteira a favor de uma mortalidade infanto-juvenil baixa (taxa de 31‰).

O que aparece nesses dois sítios do Agreste e do Sertão é uma situação de mortalidade

infanto-juvenil baixa, inferior a 30 para mil nascimentos vivos. Ela é a prova de um relativo bom funcionamento dos serviços de saúde e dessas comunidades em geral. Apesar de dificuldades obvias, essas regiões estão atualmente longe de uma situação de miséria ou de catástrofe.

3 - Discussão e conclusão

O estudo das conseqüências sobre a saúde humana das represas no semi-árido do Nordeste

se justifica no quadro de um programa de pesquisas num âmbito pluridisciplinar. Existem patologias especialmente infeciosas transmitidas por vetores que podem aparecer ou ampliar-se onde a água esta armazenada. Porem precisa não se focalizar sobre a presença eventual de um vetor ou de um doente mas analisar a situação de maneira global, efetuando um balanço entre as falhas e as vantagens das barragens.

As observações efetuadas entre 1998 e 2000 no Agreste e no Sertão evidenciam a ausência

completa de doenças que poderiam ser conseqüências das represas. Certo, os efetivos estudados são de tamanho pequeno mas os resultados são suficientemente distintos para ter sentido e valor em todas as regiões observadas. Apareceu somente o risco, muito teórico, de intoxicação por toxinas de cianobacterias presentes em algumas represas quando o nível da água descresse. O cheiro fedorento dessas águas reduza muito o uso pelos seres humanos. Medir as vantagens das represas sobre as condições de vida, incluído a saúde, é mais difícil a efetuar. Ela é mais do campo de atuação da economia rural.

No Nordeste, a situação da saúde é atualmente boa, apesar de condições de vida difíceis,

pioradas nesses últimos anos por uma grave seca. O acesso aos tratamentos funcione. Têm ainda melhoras a fazer. Uma única endemia grave é atualmente presente nessas regiões, a doença de Chagas. A sua presencia é antiga, ligada ao meio ambiente e à suas modificações pelos homens agricultores pobres que vivem em más condições e em moradias isoladas no mato. Ela não tem nenhuma ligação com a água e a sua armazenagem. Durante esses últimos trinta anos, a sua transmissão descreceu muito e a doença é atualmente observada em indivíduos acima de quarenta anos de idade. Nessa faixa etária, a taxa de prevalência é forte, acima de 25%.

Os resultados desse trabalho não podem ser extrapolados à todas as regiões semi-áridas onde

têm represas. Podem aparecer problemas de saúde que sejam conseqüências dessas mudanças do meio. A aparição ou o crescimento das esquistossomoses em zonas de irrigação ao redor de barragens nos rios Nilo ou Senegal são ilustrações desse risco. Por enquanto, precisa não cair no catastrofismo ingênuo. Freqüentemente essas doenças podem ser prevenidas por medidas simples a realizar e isso tanto mais que a população, educada, esta capaz de entender-las e cuidar da sua continuidade. Por outro lado, essas doenças têm hoje tratamentos eficientes, de um custo compatível com a renda dos camponeses, podendo freqüentemente ser usados em tratamentos de massa. Entre o risco de esquistossomose e a possibilidade de melhorar a sua renda através de safras regulares, o habitante das regiões tropicais semi-áridas faz provavelmente a escolha de estocar a água e de usa-la segundo uma forma ou outra de irrigação. Todo isso sem preocupação excessiva pelos riscos sanitários, secundários atras da necessidade de comer, viver, pois melhorar a s condições de vida.

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Produção do programa “ Pequenos açudes ” na área da saúde humana Reuniões cientificas Gazin P, Gonçalves MA, Lima S, Ledebour C, Pradines R, Hinrichsen S : Açudes no semi-arido : as consequencias sanitarias (poster). Congresso da Sociedade brasileira de Medicina Tropical, Manaus, março de 1998 : Rev Soc bras Med trop, 1998, 31, supl. I : 225 Gazin P, Lima S, Ledebour C : Actualité de la maladie de Chagas en milieu rural du Nord-Est du Brésil. Cinquièmes actualités du Pharo, Marseille, Septembro de 1998 : Med Trop, 1998, 58, supl. II : 56 Gazin P, Lima S, Ledebour C, Andrade P, Andrade C : Present status of Trypanosoma cruzi infection among residents in a rural area of Pernambuco, Northeast Brazil (poster). Reunião anual sobre Pesquisa básica em Doença de Chagas, Caxambu, MG, Novembro de 1998. Barros MNDS, Duarte Neto AN, Melo MGA, Gazin P et al : A doença de Chagas na Zona da Mata pernambucana (poster). Reunião anual de Pesquisa aplicada em Doença de Chagas, Uberaba, MG, Novembro de 1999. Rev Soc Bras Med Trop, 1999, 32, suppl II, 112. Gazin P, Melo MGA, Albuquerque ALT, Oliveira W Jr : A doença de Chagas no Sertão de Pernambuco (poster). Reunião anual de Pesquisa aplicada em Doença de Chagas, Uberaba, MG, Novembro de 1999. Rev Soc Bras Med Trop, 1999, 32, suppl II, 112 Gazin P : Les conséquences des retenues d’eau sur la santé humaine dans le Nord-est semi-aride du Brésil. Symposium « Eau, santé et environnement », Rennes, França, Fevereiro de 2000 Artigos no prelo Gazin P, Simões Barbosa C, Bouvy M, Audry P : Registro de ocorrência de vetores da esquistos-somose mansônica em açude do Sertão de Pernambuco. Rev Soc bras Med trop. Perez E, Gazin P, Furtado A, Miranda P, Marques NM, Silva MR, Varela R : Parasitoses intestinales et schistosomose en milieu urbain, en région littorale et en région semi-aride du nord-est du Brésil. Cahiers Santé, 2, 2000. Otamires A, Silva O, Sousa ME, Santos F, Silva P, Gazin P : La leishmaniose tégumentaire américaine dans la région sucrière du Pernambouc, nord-est du Brésil. Cahiers Santé, 2, 2000. Artigos publicados em revistas de vulgarização Gazin P : A doença de Chagas numa área rural de Alto Pajeú, Pernambuco. Jornal da Integração. Hosp. Oswaldo Cruz, Recife, Abril de 1999 Gazin P, Lima S, Ledebour C : La maladie de Chagas en région rurale du nord-est de Brésil. Bull Reseau international Santé-Développement, 1999, 3 : 5-7 Gazin P, de Melo G, Albuquerque A, Oliveira W Jr. : Atualidade da doença de Chagas numa área rural do Nordeste do Brasil. França-Flash, 1999, 20 : 1-4