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  CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ORDENAMENTO JURÍDICO, VALOR, PRINCÍPIOS, NORMAS E CLÁUSULAS GERAIS Sumário: 1- Ordenamento jurídico; 2 - Composição e fundamentos do ordenamento jurídico; 3 - Valores, princípios e regras; 4 - As cláusulas gerais; 5 - O instrumentalismo jurídico e sua relação com a axiologia jurídica no campo do Processo Civil  HELENA TA FAS DA NÓB REGA Pós-Graduanda pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Advogada em Porto Alegre/RS 1. O ordenamento jurídico A gênese da expressão “ordenamento jurídico” é de difícil determinação, visto que seu conceito associou-se a variadas acepções no decorrer do desenvolvimento do pensamento jurídico. A necessidade de se estudar as normas jurídicas como elementos do ordenamento jurídico, originou-se do fato de que, na realidade, as normas jurídicas jamais existem isoladamente (embora em certo período tenham sido estudadas dessa forma). 1  A esse contexto de normas denomina-se ‘ordenamento’. 2  A introdução no pensamento jurídico dessa expressão, conforme menciona Norberto Bobbio, se deu através de Santi Romano, no ano de 1917, na obra intitulada, “O ORDENAMENTO JURÍDICO”. 3  Entende Norberto Bobbio, que a teoria do ordenamento  jurídico não suplantou a teoria da norma jurídica, estudada anteriormente, sendo considerada aquela, pelo autor, como uma continuação desta. 4  Deve-se ao positivismo jurídico a formulação da teoria do ordenamento jurídico, teoria que se dedicou à apreciação do direito como sendo um complexo conjunto de elementos, constituído por um agregado coordenado de normas e não apenas como uma ciência feita por normas jurídicas singulares ou por um aglomerado de normas isoladas. 5  O ordenamento jurídico é conceituado, pela doutrina majoritária, como um sistema harmônico, complexo e sistemático, constituído por uma infinidade de normas 1  GABRIEL, José.  Resolução contratual por inadimplemento antecipado. Porto Alegre: PUCRS, 2003. Dissertação (Conclusão de curso de Direito), Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2003, p. 11. 2  BOBBIO, Norberto.  Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. 10. ed., Brasília: UNB, 1997, p. 19. 3  O Positivismo Jurídico. Lições de Filosofia do Direito. Tradução de Márcio Pugliese; Edson Bini; Carlos E. Rodrigues. 9. ed., São Paulo: Ícone, 1995, p. 198. 4  Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 21. 5  GABRIEL, José. Op. Cit., p. 12.

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CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ORDENAMENTO JURÍDICO, VALOR, PRINCÍPIOS,NORMAS E CLÁUSULAS GERAIS

Sumário: 1- Ordenamento jurídico; 2 - Composição e fundamentos do ordenamento jurídico; 3 -Valores, princípios e regras; 4 - As cláusulas gerais; 5 - O instrumentalismo jurídico e sua relação coma axiologia jurídica no campo do Processo Civil

 HELENA TAFAS DA NÓBREGAPós-Graduanda pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Advogada em Porto Alegre/RS

1. O ordenamento jurídico

A gênese da expressão “ordenamento jurídico” é de difícil determinação, vistoque seu conceito associou-se a variadas acepções no decorrer do desenvolvimento dopensamento jurídico. A necessidade de se estudar as normas jurídicas como elementos doordenamento jurídico, originou-se do fato de que, na realidade, as normas jurídicas jamaisexistem isoladamente (embora em certo período tenham sido estudadas dessa forma).1 A essecontexto de normas denomina-se ‘ordenamento’.2 

A introdução no pensamento jurídico dessa expressão, conforme mencionaNorberto Bobbio, se deu através de Santi Romano, no ano de 1917, na obra intitulada, “OORDENAMENTO JURÍDICO”.3 Entende Norberto Bobbio, que a teoria do ordenamento

 jurídico não suplantou a teoria da norma jurídica, estudada anteriormente, sendo consideradaaquela, pelo autor, como uma continuação desta.4 

Deve-se ao positivismo jurídico a formulação da teoria do ordenamento jurídico,teoria que se dedicou à apreciação do direito como sendo um complexo conjunto deelementos, constituído por um agregado coordenado de normas e não apenas como uma

ciência feita por normas jurídicas singulares ou por um aglomerado de normas isoladas.5 

O ordenamento jurídico é conceituado, pela doutrina majoritária, como umsistema harmônico, complexo e sistemático, constituído por uma infinidade de normas

1 GABRIEL, José.   Resolução contratual por inadimplemento antecipado. Porto Alegre: PUCRS, 2003.Dissertação (Conclusão de curso de Direito), Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do RioGrande do Sul, 2003, p. 11.

2 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. 10. ed.,Brasília: UNB, 1997, p. 19.

3 O Positivismo Jurídico. Lições de Filosofia do Direito. Tradução de Márcio Pugliese; Edson Bini; Carlos E.Rodrigues. 9. ed., São Paulo: Ícone, 1995, p. 198.

4 Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 21.5 GABRIEL, José. Op. Cit., p. 12.

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  jurídicas, as quais correspondem a uma totalidade. Norberto Bobbio indica que a unidade,assim como a coerência e a completude são aspectos essenciais do ordenamento jurídico.6 

A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen fornece uma explicação da “unidade” de

um ordenamento jurídico complexo. Seu núcleo se dá no sentido de que as normaspertencentes a um ordenamento não ficam todas no mesmo plano. Existem normas superiores,assim como normas inferiores. As normas inferiores dependem das superiores, definindo-seuma estrutura hierárquica, tendo como pressuposto a existência de uma norma fundamental.

Nesse aspecto, entende Norberto Bobbio:

Sem uma norma fundamental, as normas de que falamos até agoraconstituiriam um amontoado, não um ordenamento. Em outras palavras, pormais numerosas que sejam as fontes do direito num ordenamento complexo,tal ordenamento constitui uma unidade pelo fato de que, direta ouindiretamente, com voltas mais ou menos tortuosas, todas as fontes do direitopodem ser remontadas a uma única norma.7 

Além de responder pela unificação de todas as outras normas, a normafundamental, por meio do critério da validade, autoriza que uma norma faça parte de umordenamento, portanto, a norma fundamental representa o fundamento da validade de todas asnormas, sendo esse o motivo que leva Norberto Bobbio a não acreditar na existência de umordenamento sem norma fundamental.

A coerência não é condição da validade, mas é sempre condição para a justiça doordenamento. Corresponde, essencialmente, a concepção de sistema ordenado, portanto, umconjunto de entes entre os quais exista uma certa ordem. Para que se possa falar de umaordem, é necessário que os referidos entes que a constituem não estejam somente emrelacionamento com o todo, mas também num relacionamento de coerência entre si. Assim,entende-se que um ordenamento jurídico constitui um sistema porque não podem coexistirnele normas incompatíveis.

A incompatibilidade origina-se das contradições do sistema, esclarecidas porNorberto Bobbio quando explica que “é aquela situação na qual são colocadas em existência

duas normas, das quais uma obriga e a outra permite ou uma proíbe e a outra permite omesmo comportamento”.8 

Um dos maiores desafios para o intérprete sistemático concerne às antinomias, quepodem ser conceituadas como uma situação em que as normas são incompatíveis entre si. Acircunstância de existirem prescrições incompatíveis, tem sido percebida como agressiva à“medula” do sistema jurídico, que deverá se alicerçar com um mínimo de racionalidade,

6 O Positivismo Jurídico. Lições de Filosofia do Direito, p. 198.7 Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 49.8 Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 86.

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fazendo-se concretamente dotado de pressuposta harmonia.9 Assim, em considerando oordenamento jurídico uma unidade sistêmica, o direito não tolera antinomias.

Segundo Norberto Bobbio existem três regras fundamentais para a solução dasantinomias, quais sejam a cronológica (que estabelece ser a norma posterior, quando daexistência de um conflito, a que irá preponderar sobre a anterior), o critério hierárquico ou Lex

superior (aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamentesuperior) e o critério da especialidade ou lex specialis (o que manda fazer preponderar a leiespecial sobre a lei geral).

Maria Helena Diniz justificando a relevância da unidade sistemática afirma que

esse princípio da unidade pode levar-nos à questão da correção do direito

incorreto. Se apresentar uma antinomia, ou um conflito entre normas, ter-se-áum estado incorreto do sistema, que precisará ser solucionado, pois opostulado desse princípio é o da resolução das contradições. O sistema

  jurídico deverá, teoricamente,  formar um todo coerente, devendo, por isso,excluir qualquer contradição lógica nas asserções feitas pelo jurista,elaborador do sistema, sobre as normas, para assegurar sua homogeneidade egarantir a segurança na aplicação do direito. Para tanto, o jurista lançará mãode uma interpretação corretiva, guiado pela interpretação sistemática, que oauxiliará na pesquisa dos critérios, para solucionar a antinomia, a seremutilizados pelo aplicador do direito.10 

O posicionamento doutrinário acerca da existência ou não de lacunas noordenamento jurídico não é pacífico. Há os que defendem a inexistência de lacunas e os quedefendem a concepção do ordenamento jurídico como um sistema aberto e incompleto;

Sobre a completude, Norberto Bobbio expõe que:

Por completude entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurídicotem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de umanorma se chama geralmente “lacuna”, “completude” significa falta de

lacunas. Em outras palavras, um ordenamento é completo quando o juiz podeencontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se lhe apresente, oumelhor, não há caso que não possa ser regulado com uma norma tirada dosistema.11 

Assim, a corrente que nega a existência de lacunas no ordenamento, possui comoexpoente máximo Hans Kelsen. Para essa, o ordenamento não possui lacunas, “se apresenta

9 FREITAS, Juarez. A interpretação Sistemática do Direito. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1998., p. 84.10 Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 1996., p. 13.11 Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 115.

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como uma totalidade organizada e harmônica, onde seus elementos internos apresentamvínculos de interação e interdependência”.12 

Já a que entende que no direito existe, além da dimensão normativa, também uma

dimensão axiológica, tem entre seus defensores, Miguel Reali, o qual prega que “o sistemanormativo é dinâmico e aberto, havendo, portanto, possibilidades para a existência daslacunas, pois é impossível para o legislador prever todas as hipóteses fáticas de aplicabilidadeda norma, não havendo solução expressa neste caso”.13 

2. Composição e fundamentos do ordenamento jurídico

O ordenamento jurídico, na posição de Norberto Schwartz, é o conjunto

sistematizado e organizado das normas jurídicas positivas, tuteladas pelo Estado, vigentesnum determinado momento e aplicáveis num determinado âmbito territorial.14 NorbertoBobbio entende que as normas jurídicas são comparadas a mecanismos de proibição deconduta, de permissão ou de imperativos, visto dirigirem comandos que ordenam determinadaconduta, e que ocasionam conseqüências na esfera jurídica. Argumenta que as ações sãodirigidas pelas normas, “desde o nascimento até a morte dos homens”.15 

Angel Latorre, sobre o assunto, expõe que as normas jurídicas, “são enunciadosque estabelecem a forma porque há de ordenar-se uma determinada relação social, quer dizer,uma relação entre duas ou mais pessoas”.16 Entende que as espécies de normas jurídicasdevem ser diferenciadas em normas de “ordens, proibições e permissivas (instrumentais)”.17 

A primeira abordagem sobre o tema “ordenamento jurídico” foi feita por  HansKelsen, na obra “Teoria Pura do Direito”. Nas palavras de Norberto Schwartz, o pensamentode Hans Kelsen dava-se no sentido de que “as normas componentes do ordenamento jurídicoestatal, refletem a existência de uma gradação, ou de uma estrutura escalonada”.18 Para ele asmanifestações ideológicas, assim entendidas a inserção de juízos de valor ético-políticos ou ossociais, tanto na análise do ordenamento jurídico como do direito e das normas, não eraadmitida.19 

Esse era o pensamento da doutrina positivista, que teve nele seu maior expoente.Angel Latorre assevera que

a ciência jurídica tem por objeto o conhecimento do conjunto de normas queconstituem o direito vigente ou positivo. Para este conhecimento, o jurista há

12 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 1999, p. 41.13 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. “A eqüidade no Direito do Trabalho”. Disponível em:

<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2026>. Acesso em: 18.mai.2005. 14  Noções de Direito. Curitiba: Juruá, 1997, p. 71.15 Teoría General Del Derecho. Tradução de Jorge Guerrero R. Santa Fé de Bogotá: Temis, 1999, p. 3.16  Introdução ao Estudo do Direito. Tradução de Manuel de Alarcão. 3. ed., Coimbra: Almedina, 1997, p. 19.17 Ibidem, p. 20.18 Op. Cit., p. 71.19  Apud LATORRE, Angel. Op. Cit., p. 160.

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de usar e desenvolver um sistema de conceitos e uma ordenação sistemáticados dados que encontre na lei.20 

Angel Latorre afirma, que a atitude positivista era no sentido de estudar o direitocomo sendo um sistema de normas, nada além disso.21 Nesses termos, para Norberto Bobbio,o positivismo jurídico julgava o direito como sendo um “fato e não como um valor”.22 Assim,sob essa ótica, ao jurista caberia privar-se da expedição de juízos de valor, quando do estudodo direito.

No positivismo jurídico, o jurista deveria julgar os casos apresentados segundo oestipulado na lei, a qual não deveria ser questionada por ele. Seu procedimento dava-semecanicamente, havia a subsunção da lei ao caso concreto e inexistia uma atividade produtivaou criativa do direito, haja vista que todos os embates sociais possuíam solução nas leis.23 

Assim, percebe-se que no positivismo não existiam categorias ético-sociais oupolíticas na ordem, a qual se fundará somente, nas normas jurídicas positivadas, ou regras

  jurídicas. As características atribuídas atualmente aos princípios, como mandados deotimização ou institutos de vagueza semântica, não eram as mesmas. Os princípios eramcompreendidos como regras jurídicas positivadas.

A Escola de Exegese, oriunda do pensamento francês e contemporâneo ao Códigode Napoleão, datado de 1804, teve sua formação assentada na doutrina positivista. Esta Escolaconsiderava que as soluções para qualquer caso ou acontecimento da vida social estavamprevistas na lei positiva.24 O dever do intérprete seria somente o de tornar explícito aquilo que

 já estava implícito na mente do legislador. Isso se daria por meio da interpretação do direito eda extração do sentido verdadeiro dos textos das leis (ignoravam, pois, a funçãohermenêutica), o que Norberto Bobbio denominou de “fetichismo da lei”.25 Ao juiz, não seriapossível invocar a máxima do non liquet  nem tampouco interpretar a norma, quando nãoencontrasse a solução positivada para o caso posto a sua interpretação.

Os defensores dessa escola asseveravam que os usos e costumes não poderiamvaler, a não ser que expressamente previstos na lei. Acreditavam, equivocadamente, que pormeio de raciocínios lógico-formais, seria possível descobrir a solução para todos os casosapresentados pela prática e a realidade social.

Contrariamente a esta doutrina foi criada, em 1906, por Herman Kantarowicz(com o pseudônimo de Gnaeus Flavius), através da obra  A Luta pela Ciência do Direito,26 aEscola de Direito Livre, que buscou adaptar o direito às novas exigências sociais.

20 LATORRE, Angel. Op. Cit., p. 151.21 Op. Cit., p. 151.22 O Positivismo Jurídico. Lições de Filosofia do Direito, p. 131.23 GABRIEL, José. Op. Cit., p. 15.24 Ibidem, p. 17.25 Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 121.26 A aludida obra traz uma revolucionária concepção de interpretação e aplicação do Direito que defende a plena

liberdade do juiz no momento de decidir os litígios, podendo, até mesmo, confrontar o que reza a lei.

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Os defensores da Escola do Direito Livre afirmavam que o direito contém lacunasque serão sanadas principalmente através do poder criativo do juiz. Sendo o direito vistocomo um fenômeno social, o juiz e o jurista tinham que tirar as regras jurídicas, adaptadas àsnovas necessidades, do estudo da sociedade e da dinâmica das relações sociais e não das

regras mortas e cristalizadas nos Códigos. Dessa forma foram introduzidos no ordenamento jurídico, elementos extrajurídicos, o que acabou por afastar o critério essencialmente dedutivoquando na busca de solução para os novos problemas sociais que se apresentavam e que nãotinham respaldo legislativo.

Nesta senda, Herman Kantarowicz afirma que

las necessidades de la vida jurídica exigen que otras potencias, em primerlugar la ciencia jurídica, se coloquen libremente y em función creadora allado del legislador, precisamente em atención a la importancia del mismo

para satisfacer-las. Llegó la hora de tomar em serio el tema de la cienciacomo fuente del derecho, com el cual la Escuela Histórica em su principio hacoqueteado con frecuencia.27 

Segundo a teoria, quando da aplicação do direito ao caso concreto, o que deveprevalecer é a idéia do Direito enquanto Justiça, podendo o juiz agir não apenas através daCiência Jurídica, mas também pela sua convicção pessoal. Nessa ocasião o magistrado nãoestaria usando apenas seu poder de decidir, mas sua função de legislador, seu poderlegiferante, com o animus de aplicar o Direito que sua concepção perceber justo.

O ordenamento jurídico passou a ser visto, através deste novo pensamento, nãoapenas como um conjunto de normas em sentido estrito, também denominadas regras, e simcomo um conjunto de princípios, valores e conceitos jurídicos indeterminados. Portanto, oselementos que integram o sistema jurídico são as normas jurídicas em sentido  lato, as quaiscompreendem os princípios gerais do direito, as regras jurídicas (ou normas em sentido

estrito), além das cláusulas gerais e dos enunciados normativos, juntamente com os valores.28 

Acerca do assunto, Eros Roberto Grau argumentou que “um sistema ouordenamento jurídico não será jamais integrado exclusivamente por regras. Nele se compõem,também, princípios jurídicos ou princípios de Direito”.29 

Dessa forma, considerando-se que o direito moderno opera no sentido de buscar aobservação do sistema como um todo e não como um simples conjunto lógico-formal,conclui-se não ser suficiente a aplicação do direito somente com base em suas regras, logo,nas normas jurídicas em sentido estrito, ou ainda, nos enunciados normativos. Ademais, émister que o juiz, na apuração do caso concreto, busque outras categorias axiológicas, assimentendidas os valores, princípios e cláusulas gerais.

O entendimento de Juarez Freitas dá-se nesse sentido, ao estabelecer que,

27 SAVIGNY, Karl von; et alii. La ciencia del Derecho. Buenos Aires: Losada, 1949, p. 342.28 GABRIEL, José. Op. Cit., p. 19.29  A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica). São Paulo: RT, 1990, p. 94.

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diversamente do que afirmava a escola de exegese, o sistema jurídico não éfechado. E não o é, inclusive, porque a validade do Direito como sistema, ouseja, sua qualidade de ser obrigatório, não se aplica de maneira diferente, pelamera referência a parâmetros formais. Em outras palavras, a validade formalde um sistema jurídico dado, ou a sua conformidade com as regras de

reconhecimento, funda-se, em última instância, sobre valores, sendo inegávela concorrência de múltiplos princípios ou fatores em todas as construções

 jurisprudenciais. Sem sombra de dúvida, a seara da hermenêutica jurídica, amaterialidade é o que determina a forma, prévia ou superveniente. E osistema não é dotado de estreitos e definitivos contornos, também porque odogma da completude não resiste sequer à constatação de que as contradiçõese lacunas acompanham as normas à feição de sombras irremovíveis.30 

O sistema não deve ser fechado e sim aberto, flexível, conforme requer o direitomoderno, o que se dá através da introdução de princípios, cláusulas gerais e valores jurídicos,onde se relativiza a ligação do juiz à lei e onde estes recursos intervenham como meios deflexibilização e interpretação. O dogma da completude (propriedade pela qual umordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso) não pode prevalecer. Seassim o fosse todo o acontecimento social novo, que ocasionasse efeitos jurídicos e que fossedesprovido de previsão legal, ficaria despido ao manto de aplicação do direito, em face daausência de previsão legislativa para tal caso concreto.

Como defende Juarez Freitas, o direito deve ser “visto como um sistemacaracteristicamente aberto e, pois, potencialmente contraditório no qual as lacunas econtradições deverão ser sanadas com o emprego dos princípios jurídicos”. 31 

3. Valores, princípios e regras

3.1 Valores

Os valores são elementos que inspiram um determinado ordenamento jurídico eque apresentam um grau de abstração mais elevado, não sendo possíveis de seremquestionados e observados como coisas em si, pois o seu sentido varia de acordo com sua

vinculação com outro ente. A inserção em um determinado contexto é que dará o valorinerente a uma coisa, é de onde será tirado seu significado. Nesse sentido, para Nagib Slaibi“o valor é produto da ética”.32 

Nesse diapasão, Raquel Denize Stumm estabelece que o sistema jurídico exibeuma “ordem de valores que o norteia, incumbindo-lhe, como função, protegê-la”.33 

30 Op. Cit., p. 29.31 Op. Cit., p. 36.32 “Texto, norma e valor. A evolução na Constituição de 1988”. Disponível em

<www.abdpc.org.br/artigos.htm>. Acesso em 16.mai.2005.33 O Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

1995, p. 38.

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Segue a autora assegurando que “o valor em si constitui uma abstração em que aespecificidade de seu conteúdo apresenta-se fluida. Constitui apenas uma idéia de direito.” Arealidade axiológica, então, acontece por meio deste evento de valoração, a que estipuladascondutas, objetos ou procedimentos encontram-se subjugados pelo ser humano e o processo

de valoração corresponde, efetivamente, à atividade subjetiva consistente em valorar, darsignificado ou efeito a determinado ser ou objeto. Difere do valor, quando esse for analisadocomo objeto cultural e categoria abstrata.

Os valores contribuem, demasiadamente, na criação, compreensão e execução dasnormas em concreto, não importando, para a ocorrência de tal contribuição, que esses sejamobjetos ideais (sem existência concreta). Isso porque podem ser caracterizados comodefinições eminentemente situadas no plano axiológico, não correspondendo a uma definiçãodeontológica, onde existe a idéia de proibição, permissão (deve ser) ou mandado.34 

Nesse aspecto, Giuseppe Lumia esclarece que, “o valor de uma norma jurídicaconsiste na sua conformidade àqueles princípios ideais julgados necessários para regular asrelações intersubjetivas e que se resumem na noção de justiça (...). Com relação ao seu valor,uma norma pode ser justa ou injusta”.35 

Juarez Freitas, por sua vez, acredita que os valores stricto sensu se materializampor meio dos princípios e os empregam como meios para incidir no sistema jurídico.36 Impõe,ainda, esclarecimento acerca da distinção atinente aos valores e regras dos princípios,afirmando que não se opera a distinção somente pela “fundamentalidade” do princípio, mas apartir do reconhecimento da existência de uma diferença substancial de grau hierárquico.37 

Os valores são veiculados no ordenamento jurídico tanto por normas jurídicaspositivas, assim entendidas os enunciados normativos ou princípios explícitos, como pornormas não positivas, nesse caso, os princípios implícitos ou as cláusulas gerais.

3.2 Princípios e regras

A entendimento doutrinário atual é o de que tanto as regras como os princípios jurídicos são espécies do gênero norma jurídica. Sobre o assunto, Nagib Slaibi explica que a“norma, quanto a sua abrangência, pode se denominar princípio (a norma dotada de maiorabstração, como princípios fundamentais constantes do Título I da Constituição) e regra oupreceito (a norma mais específica, como o disposto no art. 242, § 2º)”.38 

34 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997,p. 141.

35  Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Tradução Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.60.

36 Op. Cit., p. 42.37 Ibidem, p. 57.38 Op. Cit..

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A existência de princípios que possuem papel de importância definitiva noprocesso de aplicação do direito, no ordenamento jurídico, e que não estão enunciados emnenhum texto legal, é indiscutível.39 

Os estudos de Robert Alexy e Ronald Dworkin, fundamentalmente, estabeleceramque a moderna hermenêutica jurídica deveria analisar os princípios como categorias oudiretrizes destinadas a orientar o intérprete ou o aplicador da lei na determinação semânticados textos legais.40 Assim, os princípios deixaram de ser vistos apenas como fonte de direito,passando a ser utilizados na importante tarefa de solucionar conflitos entre regras, eliminarantinomias jurídicas e suprir lacunas existentes no ordenamento.

Consoante anteriormente elucidado, as regras jurídicas são consideradascomandos gerais porque são estabelecidas para um número indeterminado de atos ou fatos.Não obstante, são também especiais, na medida em que não regulam senão tais atos ou tais

fatos, sendo, portanto, aplicadas a situações jurídicas determinadas.

Os princípios, assim como as regras, portam em si pressupostos de fato. Contudo,ao contrário das regras, são comandos gerais porque comportam uma “série indefinida deaplicações”.41 Trazem ponderações sobre as incontáveis possibilidades de fato e de direitoaplicáveis a um determinado caso.

A colisão entre princípios torna ainda mais evidente a diferença entre ambos. Nodizer de Juarez Freitas,

diferenciam-se das regras (os princípios) não propriamente por generalidade,mas por qualidade argumentativa superior, de modo que, havendo colisão,deve ser realizada uma interpretação em conformidade com os princípios(dada a “fundamentalidade” dos mesmos), sem que as regras, porsupostamente apresentarem fundamentos definitivos, devam preponderar. Aprimazia da “fundamentalidade” faz com que – seja na colisão de princípios,seja nos conflitos de regras – um princípio, não uma regra, venha a sererigido como preponderante. Jamais haverá um conflito de regras que não seresolva à luz dos princípios, a despeito de este processo não se fazertranslúcido para boa parte dos observadores.42 

Nesse sentido, Eros Roberto Grau apontou, com muita precisão, afirmando acercados princípios queo princípio introduz uma razão a argüir em determinada direção, porém, nãoimplica uma decisão concreta a ser necessariamente tomada, mas pode haveroutros princípios apontando a direção oposta, de modo que, em determinadocaso, aquele mesmo princípio não prospere.43 

As antinomias não são resultantes da colisão entre princípios. Contudo, ErosRoberto Grau entende a colisão de princípios como sendo “antinomias jurídicas

39 GRAU, Eros Roberto. Op. Cit., p. 92.40 GABRIEL, José. Op. Cit., p. 22.41 GRAU, Eros Roberto. Op. Cit., p. 112.42 Op. Cit., p. 56.43 Op. Cit., p. 110.

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impróprias”.44 Quando se entrecruzarem vários princípios, o julgador que for resolver acolisão deverá levar em consideração o peso concernente a cada um deles. A ocorrência decolisão exigirá a aplicação do princípio de maior peso em relação ao caso concreto, escolhidoapós ponderação e análise proporcionais, no sentido de verificar qual conduz à melhor

solução jurídica.

Em relação às regras jurídicas, o conflito entre elas, ao contrário da colisão entreprincípios, resulta em “antinomia jurídica própria”.45 Haverá, portanto, incompatibilidadeentre as normas, havendo a necessidade de que uma delas seja eliminada do sistema, o queocasionará a declaração de invalidade, para o caso concreto, da norma excluída.

Assim registrou Robert Alexy ao asseverar que

un conflicto entre reglas solo puede ser solucionado o bien introduciendo enuna de las reglas una cláusula de excepción que elimina el conflicto odeclarando inválida, por lo menos, una de las reglas .

46   Segue o autor

afirmando que “con la constatación de que en caso de un conflicto de reglas,cuando no es posible la inclusión de una cláusula de excepcion, por lo menosuna de las reglas tiene que ser declarada inválida.47  

Essa forma de eliminação ocorre “através de critério hierárquico”  (lex superior 

derogat inferiori), “critério cronológico” (lex posterior derogat priori) e “critério daespecialidade” (lex specialis derogat generali).48 

Os princípios, como restou observado, são considerados normas jurídicas comgrande força, que possuem, até mesmo, a capacidade de afastar a eficácia de outra norma(regra). Não obstante, servem também, como “critérios para a interpretação” dessas regras.

Ainda, os princípios podem ser positivados de forma expressa ou implícita noordenamento jurídico. Os positivados expressamente possuem força de lei para o casoconcreto. Quanto aos implicitamente positivados, são conceituados como inspirações lógicaspara o desenlace jurídico do caso, operando, como já mencionado, como critériohermenêutico e de harmonização do sistema.49 

Assim, é em face dos princípios que um sistema jurídico efetiva-se de formaaberta e flexível, superando as lacunas e contradições existentes. Com eles, enfim, o juristaabandona uma técnica lógico-formal de interpretar o ordenamento e insere-se numa mecânicade atenção à multiplicidade dos fatos sociais.

44 Op. Cit., p. 115.45 GRAU, Eros Roberto. Op. Cit., p. 115.46 Op. Cit., p. 88.47 Ibidem, p. 88.48 FARIAS, Edílson Pereira de. Colisão de Direitos. A honra, a Intimidade, a Vida Privada e a Imagem versus a

Liberdade de expressão e Informação. Porto Alegre: Fabris, 1996, p. 25.49 GABRIEL, José. Op. Cit., p. 26.

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Com o surgimento de novas demandas, associadas às transformações sociais, odogma de que o direito positivo é auto-suficiente para solucionar todos os conflitos, nãodevendo o julgador dele se afastar, começa a ceder espaço ao pensamento de que noordenamento não estavam previstas as soluções para todos os conflitos. Os princípios

começam, então, a serem utilizados como instrumentos de hermenêutica capazes desolucionar esses inumeráveis casos não previstos pelas normas.

Eros Roberto Grau, ao enfrentar o tema, expõe que “os princípios positivos queconstituem regras jurídicas correspondem aos princípios positivos do Direito; trata-se denormas explicitamente formuladas no texto do direito positivo”.50  Ainda, referindo-se aosprincípios não positivados, a que ele chama de categoria dos princípios gerais do direito,explicita: “já entre os princípios gerais do Direito, encontraremos os princípios implícitos doDireito, os princípios extra-sistêmicos do Direito, os princípios nominais do direito e osprincípios construção do direito”.51 

4. As cláusulas gerais

“O mundo que se abre ao estudioso das Cláusulas Gerais é fundamentalmentecambiante e complexo”.52 Dessa forma, tendo em vista o fato de as Cláusulas Gerais terem acapacidade de assumir uma significação diversa, dependente do ângulo em que foremanalisadas (o que acaba por não permitir a existência de consenso no que se refere à real

função exercida por elas no ordenamento jurídico e em qual proporção correlacionam-se comos princípios), serão demonstrados apenas alguns aspectos deste fenômeno.

As Cláusulas Gerais, segundo Judith Martins-Costa, possuem a função de permitira abertura e a mobilidade do sistema jurídico em uma dupla perspectiva. A duplicidademencionada, diz respeito tanto à mobilidade externa (que abre o sistema jurídico para ainserção de elementos extrajurídicos, viabilizando a ‘adequação valorativa’), como no quecondiz com a mobilidade interna, (vale dizer, a que promove o retorno, dialeticamenteconsiderado, para outras disposições interiores ao sistema).53 

Assim, sustenta a autora que as Cláusulas Gerais são um instrumento“legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípiosvalorativos, expressos ou ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas deconduta, arquétipos exemplares de comportamento, das normativas e de diretivas econômicas,sociais e políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento jurídico.54 

Existe respeitável doutrina entendendo não existir distinção entre Cláusula Geral ePrincípio. Nesse sentido explicitou Judith Martins-Costa:

50 Op. Cit., p. 96.51 Op. Cit., p. 96.52 MARTINS-COSTA, Judith. Op. Cit., p. 273. 53 Ibidem, p. 341.54 Ibidem, p. 274.

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Desde logo, deve ser advertido que há respeitável doutrina entendendoinexistir distinção entre cláusula geral e princípio. proponho, contudo, duasdiversas angulações, a saber: a equiparação entre princípios jurídicos ecláusulas gerais decorre, fundamentalmente, da extrema polissemia que atacao termo “princípios”; e as cláusulas gerais não são princípios, embora na

maior parte dos casos contenham, em seu enunciado, ou permitam a suaformulação.55 

A propósito, ao tratar-se da distinção entre Princípios e Cláusulas Gerais, não sepode olvidar que os princípios, conforme anteriormente elucidado, poderão aparecer tantoexplícita como implicitamente na lei. Tal afirmação, entretanto, não poderá ser feita quandose tratar das Cláusulas Gerais, que somente poderão ser encontradas de forma explícita nalei.56 

Há ainda a observar que, todas as Cláusulas Gerais promovem o reenvio doaplicador da lei para standards, jurídicos ou metas jurídicos, ou para valores, sistemáticos ouextra-sistemáticos. No entanto, muitos princípios expressos, como o da irretroatividade da leipenal (CP, art. 2º), por não serem dotados de vagueza semântica; não promovem o reenvioreferido.

Embora as cláusulas gerais conduzam consigo, em alguns casos, determinadosprincípios jurídicos, devem ser vistas como instituto dessemelhante desses.

Quanto à diferenciação entre cláusulas gerais e os conceitos jurídicosindeterminados, Judith Martins-Costa, entende que

estas normas buscam a formulação da hipótese legal mediante o emprego deconceitos cujos termos tem significados intencionalmente imprecisos eabertos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados. Em outros casos,verifica-se a ocorrência de normas cujo enunciado ao invés de traçarpunctualmente a hipótese e as suas conseqüências, é intencionalmentedesenhado como uma vaga moldura, permitindo, pela abrangência de suaformulação, a incorporação de valores, princípios, diretrizes e máximas deconduta originalmente estrangeiras ao corpus codificado, bem como aconstante formulação de novas normas: são as chamadas cláusulas gerais.57 

Com efeito, contempla-se que, não obstante comportar a cláusula geral, em regra,termos independentes (como, por exemplo, os conceitos indeterminados), não existe umacoincidência perfeita, haja vista o fato de a cláusula geral exigir que o julgador concorraativamente para a formulação da norma.

Nos conceitos indeterminados o juiz limita-se a atribuir ao fato concreto oelemento (vago), estabelecido na  fattispecie (devendo, pois, individualizar os confins dahipótese abstratamente posta, cujos efeitos já foram predeterminados legislativamente). Nacláusula geral o procedimento intelectivo do juiz é mais complexo.

55 Op. Cit., p. 316.56 GABRIEL, José. Op. Cit., p. 28.57 Op. Cit., p. 286.

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Finalmente, ao julgador caberá, além de efetuar a averiguação da possibilidade desubsunção de uma série de “casos-limite” na fattispecie, observar a exata individualização dasvariáveis regras sociais às quais o remete a “metanorma jurídica”. Caberá, por fim, determinartambém quais são as conseqüências que ocorrem no caso concreto, ou, se essas já vierem

indicadas, qual a graduação que lhes será atribuída nesse caso, à vista das prováveis soluçõesexistentes no sistema.

5. O instrumentalismo jurídico e sua relação com a axiologia jurídica no campo doProcesso Civil

Atualmente há uma necessária ligação entre a efetividade e a configuração de umprocesso eticamente correto, para o que contribui a axiologia, por meio de sua provocação, afim de que seja realizada uma reflexão acerca da necessidade de que o processo seja visto

como um instrumento de uso da ética, a qual deve regrar as posições políticas e ideológicas deuma determinada sociedade, em um determinado período.

Esse pensamento é conseqüência da fase instrumentalista, a qual preocupa-se coma efetiva produção da justiça. Evana Soares, em monografia sobre o tema alude que ascaracterísticas da fase instrumentalista são:

Existência de dois planos, relativamente separados, sendo que o plano dodireito processual é um instrumento do direito material; autonomia do direitoprocessual para com o direito material em termos relativos, e não absolutos,verificando-se uma conexão entre eles; o processo deixou de ser mero

instrumento técnico de resolução dos conflitos de interesses, constituindo,também, um instrumento ético capaz de realizar, além dos fins jurídicos, ossociais e políticos; é marcante a preocupação com o resultado e com aefetividade do processo, com decisões úteis e que sejam cumpridas; o sistemaprocessual é concebido a partir da visão dos consumidores dos serviços

 jurisdicionais, e não dos operadores do direito; acesso à ordem jurídica justa;processos sem óbices econômicos; relatividade do valor das formas;existência de processos de massa (coletivos); concepção do direito processualcomo sistema técnico e de natureza política e social; e ondas renovatórias dodireito processual normativo.58 

A relação entre o instrumentalismo59

processual e a axiologia jurídica surgiu comoconseqüência do afastamento do pensamento, essencialmente positivista, existente no discurso  jurídico, o qual apresentava-se em “completo descompasso com os dados da modernainvestigação jurídica voltada ao campo social”.60 

O ponto atinente ao valor deve ser levado em consideração quando do estudo eaplicação do direito, haja vista que esse deve retratar as situações encontradas, como já sedisse, na sociedade. Sendo assim, é inaceitável que o direito seja visto sob uma ótica de

58 “Os pólos metodológicos de sistematização do Direito Processual”. Disponível em<http://www.prt22.mpt.gov.br/trabevan33.htm>. Acesso em 10.mai.2005.

59 Na fase do instrumentalismo do processo é marcante a preocupação com a realização dos escopos da jurisdição (jurídicos, políticos e sociais). 

60 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do Direito e Contexto Social. São Paulo: RT, 1996, p. 13.

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neutralidade axiológica, como a que predominou, por exemplo, no Direito Processualpositivista.

O estudo jurídico, analisado sob um enfoque teleológico, foi realizadoinicialmente por Ihering, que trouxe o pensamento de que na norma jurídica sempre existe ainserção de um determinado valor (trazido por meio da ação do legislador).61 

Norberto Bobbio afirma que as definições valorativas podem ser determinadas porterem uma estrutura teleológica, por meio da qual se faz possível entender o sentido de umaação.62 É este, também, o pensamento de Miguel Reale, que diz serem os valores “entidadesvetoriais, porque apontam sempre para um sentido, possuem direção para um determinadoponto reconhecível como fim”.63 

O Processo Civil, até a sua autonomia estava ligado apenas com o direito material.A partir dessa, “passou a servir-se a si mesmo, em um esquema estéril e de pura abstração, atéatingir, com perspectiva instrumentalista, uma nova e significativa valoração, forçada a partirdo compreender o que representava a realidade jurídica, e da necessidade de o processoadequar-se a ela. Nessa nova conjuntura, o valor dominante passou a ser o da efetividade (e semudou o valor, mudou também o papel que o processo então desempenhava)”.64 

O estabelecimento de um processo onde a posição axiológica era consideradarelevante trouxe à tona a evolução do pensamento acerca do direito, visto, a partir de então,como uma estrutura delineada pela sociedade, que sobre ele opera.65 

61 ANDRADE, Valentino Aparecido de. Litigância de má-fé . São Paulo: Dialética, 2004, p. 24.62 O Positivismo Jurídico. Lições de Filosofia do Direito, p. 138.63 Filosofia do Direito. 16. ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p. 190.64 ANDRADE, Valentino Aparecido de. Op. Cit., p. 26.65 Ibidem, p. 26.

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