Considerações sobre a Arte de Viver - Krishnamurti

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Ignorante no aquele que no tem instruo mas sim o que no possui auto-conhecimento. Do mesmo modo o letrado torna-se estpido ao buscar a compreenso na autoridade e o saber dos livros. A compreenso sucede unicamente por via do auto-conhecimento, o que representa o conhecimento da totalidade do nosso processo psicolgico. Desse modo, o verdadeiro sentido da educao consiste na autocompreenso porquanto todo o indivduo rene a totalidade da existncia. Krishnamurti in Education and The Significance of Life (1953)

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Desde os anos vinte do sculo passado at os oitenta do presente, Krishnamurti viajou pelo mundo todo at idade madura de 91 anos, sempre a dar conferncias, a escrever, a dialogar com eruditos e religiosos, ou ento a reunir-se em silncio junto de homens e mulheres que buscavam a sua presena compassiva e curativa. Os seus ensinos no se baseavam no conhecimento livresco nem na erudio mas na sua compreenso intuitiva da condio humana e na sua percepo do sagrado. Ele no expunha nenhuma filosofia mas reportava-se antes a factos do viver dirio que dizem respeito a todos ns- os problemas concernentes ao viver numa sociedade moderna com a sua corrupo e violncia, busca individual por segurana e felicidade, e da necessidade do Homem se libertar dos jugos internos da raiva, da ganncia, do medo e da tristeza. Krishnamurti viveu ao longo da mais tumultuosa parte de um sculo que viu duas guerras mundiais, o despoletar do tomo, o rompimento de diversas ideologias, a destruio selvagem da terra, e da degenerao de todos os aspectos do viver humano. Tratou-se tambm de um sculo que foi capaz de reclamar um progresso fenomenal nos mais variados campos tecnolgicos. A viso proftica de Krishnamurti preveniu-nos com relao a eventos largamente adiantados no tempo. Dcadas antes que pudssemos ter noo do perigo que o planeta corria, ele j vinha a exortar as crianas da escola a cuidarem da terra e para agirem com delicadeza no que lhe concerne. L pela dcada dos 70 ele perguntava: " Que acontecer aos seres humanos se o computador tomar a seu cargo as funes do crebro?" Aquilo que mais impressiona na abordagem de krishnamurti, contudo, que, ao mesmo tempo que se dirigia s questes sociais, polticas e econmicas da altura, as suas respostas radicam numa viso sem tempo sobre a vida e a verdade. Ele mostrava que, por detrs de cada problema reside o "criador" desse problema, e at que ponto a fonte de todo o conflito e violncia residem na mente humana. Ele no apresentava solues medida para estas questes contemporneas, pois percebia com clareza que no passavam de sintomas de um mal estar mais profundo que reside embutido na mente e no corao de todo o ser humano. Apesar de ser reconhecido tanto no Oriente como no Ocidente como um dos maiores lderes espirituais de todos os tempos, Krishnamurti no pertencia a nenhuma religio, seita ou pas. Tampouco subscrevia ele qualquer escola de pensamento, poltico ou ideolgico. Ao contrrio, sustentava que isso constitui factores que dividem o homem e produzem o conflito e a guerra. Enfatizou repetidas vezes que ns, seres humanos, somos a coisa primordial, que cada um de ns semelhante, e no distinto do resto da humanidade. Salientou a importncia de conferirmos nossa vida diria uma qualidade profundamente meditativa e religiosa. S assim uma mudana radical, dizia, poder fazer emergir uma mentalidade e uma civilizao novas. Desse modo o seu ensinamento transcende todas as fronteiras de crenas religiosas, sentimento nacionalista e perspectiva sectria criadas pelo homem, ao mesmo tempo que conferem um novo significado e uma nova direco busca de significado e da Verdade. Alm dos seus ensinamentos serem de relevncia para a era actual, so intemporais e universais.

A. Duarte

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26th January 1962 "The clouds began to gather in the morning, light, fleecy ones; they were gathering from different directions, mostly from south-west; the sun raced between them and shadows covered the land. Towards the evening, the sky was dark and rain was in the air. The road by the house is not an important thoroughfare, it connects two main streets; there were a great many children on it what evening, all dirty, all in rags, all in torn shoes or barefoot. One or two smiled, the rest were solemn, sad and cold; a small boy was playing with a small piece of iron table; he had it on a string with several knots on it; he would run, holding on to the string and the small cylinder would chase after him; he would look back to see if it was following and each time he looked back, he was delighted to see it was still there; he would smile and talk to it and race off again. He was thin, dark with lack of nourishment, his head covered in a filthy rag. His eyes were far away and would never come back. They would always be poor, always labouring, always hungry; they would never take the salute in the big military and nationalistic parade; they would die without much resistance and live amid squalor, uneducated and lost. The big people, who were always in the papers who ruled and thought they were shaping the world would never know them; there was no affection and no tear and tears only when you died; they seldom laughed and their eyes never smiled. It was a sad world and it began to drizzle; it laid the all-pervading dust, washed the leaves clean and it brought that fragrance of rain on dry earth. It was a pleasant smell and the birds had taken shelter for the night. The buffaloes were getting wet and that was not a nice smell. Suddenly, two forks of lightning tore through darkness and for a second in great clarity (were) the naked branches of the trees and the straight electric poles and a man crouching under a tree. And now it had settled down to rain for the night. The little boy with the string was no longer on the road. Attention is seeing. Seeing is an art as listening. But one hardly ever listens or sees; everyone is so occupied, so busy with the things that have to be done, with one's joys, problems and tears. One has no time to see. But time does not give you sight; time hinders seeing, listening. Time is the space for experiencing and experience only dulls the mind and heart. The mind is filled and the heart has turned away and so there is no seeing. To see knowledge must be kept in the books and not in the mind; knowledge interprets, chooses, giving colour, opinion, weighing, criticising, choosing and then there is no seeing. When the mind is so crowded and the heart dull with sorrow, how can there be seeing? What you see is your own projections, your own desires, your own fears but you don't see what is. It goes by and you are lost with your own toys. But when you do see, do listen, then that act is the miracle that transforms, that has emptied the mind and the heart of the past. You don't to do anything, thought is incapable of this miracle; then that seeing is love, as listening is. You cannot come by these through any exertion, through the dullness of discipline, through any bargaining nor through the shock of unanswerable questions. There must be emptiness to see, to listen there must be a quietness. It was rather late in the night; lightning and rain were making great noise. Again, the brain was aware of the lightning, and the rain on the window, but it was motionless, astonishingly still, for that immensity was there with clarity ans unapproachable strength. in "Journal" Jiddu Krishnamurti

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Excertos"A verdade, uma terra sem caminhos". Os homens dela no se podem aproximar por intermdio de nenhuma organizao, nenhum credo, dogma, sacerdote, ritual, ou conhecimento - seja ele filosfico, tcnico ou psicolgico. Tm de encontrar a verdade atravs do espelho das relaes, por meio do percebimento do contedo da prpria psique, pela observao e no por qualquer acto de disseco intelectual ou analtica! O homem construiu para si prprio imagens como uma cerca de segurana - imagens religiosas, polticas e pessoais. Estas manifestam-se como smbolos, ideias e crenas. Mas a carga destas imagens domina o pensamento do homem, as suas relaes e a sua vida diria. Estas imagens so a causa real dos problemas pois dividem o homem do seu semelhante. A sua percepo da vida foi "moldada" por estes conceitos estabelecidos na sua mente. Este contedo comum a toda a humanidade. A "individualidade", consiste no nome, na forma e na cultura superficial que adquire por intermdio da tradio e do ambiente. A unicidade do homem no se encontra na superfcie, mas sim na completa liberdade do contedo da sua conscincia, conscincia essa que comum a toda a humanidade. Ele no portanto, um "indivduo" . A liberdade no uma reaco; a liberdade no uma escolha. pretenso do homem achar que livre por poder escolher. A liberdade reside na pura observao sem direco, sem medo de castigo nem recompensa. A liberdade isenta de motivo; a liberdade no se encontra no fim da evoluo do homem, mas est presente desde o primeiro passo da sua existncia. Por meio da observao, podemos aperceber-nos da falta dessa liberdade. A liberdade reside na conscincia sem escolha da nossa existncia e actividade dirias. O pensamento tempo. O pensamento nasce da experincia e do conhecimento, inseparveis que so do tempo e do passado. O tempo, o inimigo psicolgico do homem. Sendo as nossas aces baseadas no conhecimento - no tempo, portanto o homem sempre um escravo do passado. O pensamento sempre limitado; da vivermos em constante conflito e luta. No existe evoluo psicolgica. Quando o homem se tornar consciente do movimento dos seus prprios pensamentos aperceber-se- da diviso existente entre o pensador e4

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aquilo que pensado, entre o observador e a coisa observada, entre o experimentador e o que ele experimenta. Ele descobrir que tal diviso no passa de uma iluso. Ento, existir apenas pura observao interior, isenta de qualquer sombra do passado e do tempo. Este vazio temporal interior, provoca uma mutao radical profunda na mente. A negao completa, a essncia do positivo. Quando se d a negao de todas as coisas que sobrevm psique- pelo pensamento- s ento pode o amor existir- o que equivale compaixo e inteligncia.

A Liberdade tem incio quando nos apercebemos de sua falta.

H muitas coisas que podeis aprender nos livros, mas h um aprender que infinitamente claro, rpido e livre de ignorncia. A ateno implica sensibilidade e esta confere percepo uma profundidade que nenhum conhecimento- com a sua ignorncia- pode dar.

Existe todo um campo - o da verdadeira vida - que completamente negligenciado (...) Ganhar a vida a verdadeira negao da vida!

A lembrana no tem lugar na arte de viver. A arte de viver consiste no relacionamento. Se neste interferir a lembrana, deixa de ser relacionamento. A relao existe entre seres humanos, ao invs de ser entre suas recordaes. So, portanto, estas memrias que dividem e criam os desentendimentos, a oposio do tu e eu. Assim, o pensamento, que memria, no tem lugar no relacionamento. Nisto reside a arte de viver.

Se me interessar de modo profundo e vital em produzir ordem em meu ser e no mundo que me rodeia, ento isso tornar-se- o meu maior deleite.

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A resposta definitiva ao problema humano est em ver as coisas como elas so, de facto, livres do engano do interesse (ou preocupao) pessoal.

Geralmente, a experincia tem a finalidade de nos despertar, por nos conferir um desafio a que devemos responder. Se o respondemos adequadamente- ou seja, de modo total- ento ns mesmos tornmo-nos o desafio; no sofreremos nenhuma intimao mas o prprio desafio tornarse- ns mesmos. Desse modo, se respondermos de modo adequado e continuo a cada coisa deixaremos absolutamente de necessitar de qualquer desafio.

Ser a verdadeira causa da infelicidade humana outra coisa que no a estrutura psicolgica que se baseia no tornar-se alguma coisa alm daquilo que se - alm daquilo que j somos? Assim, ser possvel vivermos neste mundo sem nos tornarmos coisa alguma, psicologicamente- sem que nos tornemos coisa nenhuma? No somos outra coisa alm desse vir a ser. Alguma vez j aprofundastes esta questo de no nos tornarmos coisa nenhuma psicologicamente? Isso implica o completo trmino do processo psicolgico da comparao e da imitao, do ajustamento. Mas depois disso que ser do homem? Ser coisa nenhuma? Segui atenta e cuidadosamente! Seremos alguma coisa pelo mero processo de nos tornarmos algo? Refiro-me a tornar-nos algum psicologicamente. No final no seremos nada, no entanto temos receio de tomar conscincia disso. Portanto, qualquer movimento que a mente empreenda quer no sentido de se tornar, ou deixar de tornar, dar no mesmo. Desse modo, poder o movimento do pensamento deixar de se mover numa determinada direco?

No poderemos ascender valendo-nos do conhecimento. necessrio termos um vislumbre imediato (insight) de modo a podermos compreender instantaneamente a coisa.

A segurana significa posse de estabilidade, firmeza e consolidao; no flutuao nem alterao, mas estabilidade e perseverana, um sentido de enorme fora e vitalidade. S atravs da inteligncia podemos encontrar completa segurana.

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Onde existir escolha tem de haver conflito, porque a escolha baseia-se na nsia e no desejo de preenchimento do vazio que existe em ns- e na subsequente fuga desse vazio. Mas, ao invs de procurarmos compreender a causa desse sofrimento tentamos sempre conquist-lo ou escapar-lhe, o que d no mesmo. Porm, aquilo que digo que procurem descobrir onde reside a causa do sofrimento, e descobrireis que est no contnuo querer, a contnua nsia que cega toda a capacidade de discernimento. Se o compreenderdes- no s intelectualmente mas com todo o vosso ser- ento as vossas atitudes brotaro da liberdade com relao s limitaes da escolha. Ento vivereis de verdade, com naturalidade e de modo harmonioso, no individualista e no mais completo caos, como no presente. Se levarmos uma vida plena, do nosso viver no resultar nenhuma discrdia porque as nossas aces brotaro dessa riqueza e no da pobreza.

Se no mantiver nenhum conflito (...) poderei reunir energias em abundncia. Se no andar continuamente amedrontado e deixar de sentir medo da vida, disporei de energias abundncia. Portanto, ns desperdiamos as nossas energias. Mas viver a vida sem desperdiar energias uma coisa extraordinria. O que quer dizer que, enquanto desperdiarmos energias a nossa vida tornar-se- muito estreita, egosta, fragmentada. Se no a desperdiarmos nem mantivermos conflitos ento conheceremos uma arte de viver que no se aprende na escola, na faculdade, nem com especialistas. E temos de nos tornar conscientes disso, e ser atentos. Essa mesma ateno assemelhar-se- a uma chama que consome todo o desperdcio de energias.

Todos os problemas podem ser resolvidos luz do silncio. Essa luz porm, no provm do movimento milenar do pensamento, nem sequer brota do conhecimento auto-revelador. Essa luz no pode ser acesa nem pelo tempo nem por meio de nenhuma aco da vontade, mas sucede pela meditao... Na meditao a linha divisiva existente entre vs e eu desaparece e essa luz do silncio destroi o conhecimento do "eu"... Silncio liberdade, mas a liberdade vem com uma ordem total possuidora de um carcter definitivo.

Os problemas da sociedade no terminam por meio do uso da moralidade que ela inventou. O amor no tem moralidade, o amor no reforma. Quando o amor se torna prazer, ento torna inevitvel a dor. o pensamento que confere prazer, mas o amor no pensamento... O amor no pensamento, nem o produto do desejo, e por isso que temos7

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que penetrar numa dimenso diferente. Nessa dimenso todos os nossos problemas e questes so resolvidas. Sem isso, faa-se o que se fizer, haver sofrimento e confuso.

Podemos formular uma questo e deixar que actue, sem tentarmos acharlhe a resposta- sem tentarmos achar uma "soluo" para os nossos problemas? Existir uma soluo total, completa, para todos os nossos problemas, como o da morte, o amor, o findar das guerras, o racismo, as lutas de classes, enfim, todos os absurdos da mente?

Essa soluo existe mas muito importante formularmos correctamente a questo, e isso parece dificlimo. No geral, temos tanta nsia por encontrar a resposta, que s nos interessa o imediato- o que pode acontecer j. Mas assim, a impacincia dita essa resposta; essa resposta confere sempre satisfao e conforto, e assim julgamos t-la encontrado.

Desejamos conhecer o verdadeiro significado das coisas, conhecer a extraordinria complexidade da existncia, porm no escutamos de verdade. S podemos escutar quando a nossa mente permanece silenciosa, quando deixa de reagir imediatamente e surge um intervalo entre a reaco e o que se escuta. Nesse intervalo h, ento, quietude e silncio. E s nesse silncio h compreenso, que no compreenso intelectual.

Se existir um intervalo entre aquilo que dito e a nossa reaco ao que dito, nesse intervalo- quer o prolonguemos por um perodo longo, quer por alguns segundos apenas- nesse intervalo- como poderemos observarsurge a clareza. Esse intervalo constitui o crebro novo. A reaco imediata representa o crebro "velho". S o novo capaz de compreender, no o velho. S quando esse crebro velho se aquieta, se torna possvel descobrir a existncia dum movimento de qualidade completamente diferente, e esse movimento que h de trazer clareza, porquanto s ele clareza.

Escutar, ouvir atentamente, uma arte. Na verdade, escutar um som uma arte extraordinria. Ao escutarem sem julgar e sem interpretar vero como se tornam extraordinariamente sensveis. A mente torna-se8

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excepcionalmente desperta quando escutamos simplesmente- sem identificar nem traduzir aquilo que ouvimos, pois tudo isso nos impede de escutar de modo simples. Se escutarmos os nossos pensamentos, as nossas exigncias, o desespero em que podemos nos encontrar, veremos ento, sem procurar fazer coisa alguma com relao a isso, quo a nossa mente se torna extraordinariamente lcida.

A inteligncia no coisa pessoal, nem o produto da argumentao ou da crena, opinio, discusso. A inteligncia sucede quando o crebro descobre a sua falibilidade e descobre aquilo de que ou no capaz.

Quando o pensamento percebe a prpria incapacidade de descobrir algo novo, essa mesma percepo torna-se a semente da inteligncia- no ser? Inteligncia dizer: "No consigo; julgava ser capaz de fazer muito mais, e num certo sentido at posso, mas no numa direco completamente nova". A descoberta disso constitui inteligncia.

Quando a mente, o corao e o corpo se acham em verdadeira harmonia, ento surge a inteligncia... Quando essa suprema vitalidade, essa inteligncia, se faz presente, poder haver morte?

A vida exige-nos que sejamos srios, pois no podemos viver neste mundo de forma leviana. No podemos preocupar-nos com as prprias aflies, nem com os nossos divertimentos, os nossos prprios medos. Fazemos parte do mundo e temos de compreender-nos a ns bem como ao mundo. Essa compreenso exige uma seriedade extraordinria e isso uma tarefa imensa. E quando somos srios temos de levar ao mximo essa compreenso e ver tudo o que a existncia implica.

Ns, seres humanos estamos sempre preocupados com a mortejustamente porque no vivemos. Os velhos aproximam-se da sepultura mas os mais novos no lhes ficam muito atrs...

H diferena entre aprender e acumular conhecimentos. A aprendizagem sobre ns mesmos- esse aprender- infinito. Desse modo a mente que no est a acumular e se acha constantemente a aprender capaz de observar os prprios conflitos, tenses, dores, medos e desejos. Se pudermos fazer isso9

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o que possvel, no de vez em quando mas todos os dias e a cada minutose observarmos constantemente, veremos ento que possumos uma energia extraordinria. Porque ento estaremos a compreender as contradies inerentes.

Quando permanecemos atentos- se nos dado ir to longe- estaremos livres de toda a labuta do pensamento, com seus medos, agonias e desespero. E isso a base de tudo o mais. O contedo da conscincia exaurido e ns experimentamos uma libertao. A meditao o esvaziar desses contedos da conscincia; o esvaziamento,o trmino do pensamento representar todo o significado e profundidade da meditao.

A sede de poder, posio, autoridade, ambio e tudo o mais so formas do eu em todas as suas diferentes expresses. Por "eu" refiro a ideia, a lembrana, a concluso, a experincia, as vrias formas de inteno, nomeadas ou no, as tentativas conscientes a fim de ser ou no-ser, as lembranas acumuladas do inconsciente, as lembranas raciais grupais, individuais, e do cl. Tudo isso- quer seja projectado externamente como aco, ou espiritualmente sob a forma de virtude- a luta por tudo isso constitui o "eu". Nele se inclui a competio e o desejo de ser. E na verdade temos conscincia de estar diante de tudo isso como de uma coisa maligna- uso o termo intencionalmente, pois o eu divisivo- o eu auto-restritivo e as suas actividades, conquanto nobres, so separativas e isolantes.

Ao transformar a si prprio, transformar o outro, porque voc o outro. Para se ir longe temos de comear perto; voc o mais perto.

Se fordes benevolente sereis de igual modo sensato. No sendo sensato no podereis ser bom. Dever ser devido a que sejais benvolo que sereis sensato.

A inteligncia brota do amor e da compaixo; no se trata de trs actividades separadas mas de um s movimento. Essa verdade pode unicamente ser percebida quando o "eu" estiver ausente. Onde estiver o "eu" presente no estar a beleza nem a verdade.

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Compreenso isto: apreender instantaneamente e de modo no verbal a totalidade da coisa. Quando a apreendemos no seu todo, compreendemo-la completamente e nada mais restar fazer. Assim, ficamos fora, livres desse campo. E essa compreenso possui significado; ela produz aco.

O nico silncio que conhecemos o silncio que sobrevem quando cessa o rudo, o silncio que vem quando cessa o pensamento; mas isso no silncio. O silncio coisa completamente diferente, do mesmo modo que a beleza ou o amor.

Compaixo significa paixo por toda a gente.

A mente religiosa uma mente assente em factos.

Requer-se muita inteligncia para se ser simples j que a simplicidade no aparncia externa, nem retiro, renncia, adaptao a um padro de vida, frugalidade no vestir, nem moderados gastos monetrios.

Para alcanarmos a quarta dimenso da existncia, a mente tem de aprender, em vez de se mover no plano horizontal, e disparar numa subida vertical, por assim dizer, numa exploso, a fim de tornar possvel o intemporal, o desconhecido- na sua capacidade de estar aberta quilo que novo, por meio da sensibilidade.

Se chegarmos a permanecer lucidamente atentos, haveremos de dispor de uma extraordinria energia... Essa energia, que a energia da ateno, liberdade.

Amar os nossos filhos permanecer em plena comunho com eles.

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Como educadores no possus noo de importncia nem superioridade; sois um ser humano com todos os problemas da vida exactamente do mesmo modo que o aluno. No momento em que vos pronunciais a partir de um status desses, estareis na verdade a destruir a relao humana. Qualquer posio, reputao ou categoria implicar poder; e quando, consciente ou inconscientemente vos devotais no seu encalo, penetrais num mundo de crueldade.

Possus uma enorme responsabilidade, meus amigos, e se a assumirdes total- que significa amor- ento as razes do "eu" extinguir-se-o. No refiro isso como uma forma de encorajamento nem persuaso; que enquanto seres humanos que somos, somos completamente responsveis, quer escolhamos s-lo ou no. Podeis tentar evadir-vos da questo, porm esse mesmo movimento aco do "eu". E clareza de percepo liberdade do "eu".

Aqui no h ningum a ensinar nem ningum a ser ensinado- cada um de ns est a aprender... No estais a aprender sobre o orador, nem sobre o vosso vizinho; estais a aprender sobre vs prprios; nesse caso sois tambm o orador e o vizinho. Assim podeis amar o vosso vizinho. Isso no acontecer de outro modo porque nesse caso tudo no passar de mero amontoado de palavras. E no podereis amar o vosso vizinho se fordes competitivos. Toda a nossa estrutura social, econmica, poltica e moral, religiosa baseia-se na competio e depois dizemos que devemos amar o nosso vizinho. impossvel!

O auto-conhecimento importante, mas se levardes tempo a vos compreenderdes- quer dizer, se disser que eventualmente me compreenderei por meio de um exame ou atravs de uma anlise- pela observao de toda a minha relao com os outros, etc., isso envolver tempo. Eu digo que h um outro modo de olhar a coisa toda sem tempo: que quando o observador o observado. Nessa observao no h tempo.

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Como poderemos chegar a conhecer-nos? Trata-se de uma boa questo. Prestai ateno. Como havereis de saber aquilo que sois? Olhais ao espelho, e passados alguns dias ou semanas olhais de novo e dizeis: "C estamos". De modo idntico, poderemos obter conhecimento sobre o que somos observando-nos desse modo? No poderemos olhar os nossos gestos, o nosso modo de andar, de falar, o comportamento pessoal- quer sejamos cruis, rudes ou pacientes? Porque nesse caso comearemos a conhecer-nos. Conhecemo-nos olhando-nos no espelho do que fazemos, do que pensamos e sentimos. O espelho isso: o sentir, o fazer e o pensar. E nesse espelho comeamos a perceber o que somos. O espelho aponta os factos mas ns no gostamos deles e a procuramos alter-los e distorc-los, e no percebemos como eles so. Sempre que prestamos ateno e observamos o silncio aprendemos. A aprendizagem passa a existir quando ficamos em silncio e usamos de total ateno. Nesse estado comeamos a aprender. Assim, sentem-se quietos, no por que vos pea, mas por que esse o modo de aprender. Sentem-se e deixem-se ficar quietos e sossegados, no s fsica e corporalmente imveis mas tambm mentalmente. Deixem-se ficar imveis e nessa imobilidade fazei uso da ateno. Dem ateno aos rudos que vm do exterior, o cantar do galo, os pssaros, algum que passa a tossir etc. Tenham ateno primeiro pelas coisas exteriores a vs e depois prestem ateno ao que ocorre na vossa mente. E vero, ento, se escutarem com toda a ateno, que nesse silncio o som exterior e o interior formam um s.

Desse modo se compreenderdes que, quando buscamos o prazer tem de existir dor, podero muito bem viver desse modo, mas com plena conscincia do facto. Se, entretanto, desejarem pr fim ao prazer, o que significa pr fim dor, ento devem usar de completa ateno para com a estrutura total do prazer. Todavia, no devem repeli-lo, como fazem os monges... que no olham para uma mulher por acharem que pecado, e assim destroem a vitalidade da prpria compreenso. O que importa perceber todo o significado e sentido do prazer. Desse modo, habilitar-seo a descobrir uma alegria infinita no viver. No se pode pensar na alegria. A alegria h de ser imediata, e se nela pensarmos transformmo-la em prazer. Viver no presente significa a percepo imediata da beleza e da enorme alegria que nela se encontra, sem dela procurar extrair prazer.

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Aprendam a distinguir o bem em cada pessoa ou coisa, no obstante todo o "mal" que exista superfcie. De tosas as qualidades o amor a mais importante, pois que se for suficientemente forte no homem, forlo- a adquirir tudo o mais. Mas sem isso, jamais teremos o suficiente.

Ficar em comunho significa amor. Se no existir amor no poderemos apagar o passado. Amai e o tempo deixar de existir. A vida a imortalidade do amor. No amor no existe "tu" nem "eu". A bondade na vida diria, significa duas coisas: primeira, que tratamos de ser cuidadosos por no magoar ningum; segunda, que sempre estaremos atentos a uma oportunidade para ajudar. Primeiro, no provocar qualquer mgoa... H trs faltas que provocam mais malefcio que tudo o mais neste mundo: a bisbilhotice, a crueldade e a superstio. Essas faltas atentam contra o amor. Aquele que quiser preservar-se dessas trs falhas, deveria preocupar-se com o altrusmo, vigiar sem cessar, e perceber aquilo que a bisbilhotice provoca. Comea pelo pensamento maledicente e isso, em si, ofensa. Porque, em tudo e em cada indivduo existe o bem, da mesma maneira que existe o "mal". E se pensarmos em conformidade ao que for, podemos refor-los, e assim, auxiliar ou impedir a nossa evoluo conjunta. Ou exercemos a vontade do Logos ou lhe resistimos. Se pensardes no mal com relao a outra pessoa estaremos ao mesmo tempo a levar a cabo trs coisas perversas: estaremos a atribuir causa de inteno vizinhana, ao invs de pensamentos justos, e estaremos a aumentar a tristeza do mundo. Se ,nesse homem existir a perversidade que notarmos nele, ento estaremos a fortalec-la e a aliment-la. E desse modo estaremos a contribuir para que o nosso irmo seja pior, em vez do oposto. Mas, geralmente o mal no est nele, e fomos apenas ns que o imaginamos; desse modo o nosso pensamento perverso induzir o nosso irmo a proceder mal, pois apesar de ser imperfeito podemos influenci-lo exactamente do mesmo modo como dele pensamos. Preenchemos a mente com maus pensamentos em vez de pensarmos no bem e desse modo causamos impedimento prpria progresso, e tornmo-nos, aos olhos de quantos o podem notar, um ser abjecto e penoso, no lugar de belo e adorvel. E, ainda no contentes por ter causado tal dano a si prprio, e sua vtima, o bisbilhoteiro procura com todas as suas foras fazer do outro um parceiro nessa ofensa, e conta a sua histria, com toda a avidez, aos demais, esperando com isso que o acreditem e se lhe juntem a descarregar maus pensamentos sobre o pobre14

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sofredor. Isso ocorre todos os dias e perpetrado por milhares de indivduos. Estaremos a comear a perceber como isto inquo, terrvel, e mesmo um pecado? Devemos verdadeiramente procurar fazer isso e jamais falar mal de quem quer que seja. Devemos recusar escutar falar mal de outro, corrigindo gentilmente: "Talvez isso no seja verdade, e, se for, mais simptico da nossa parte no falar nisso.

Meditao a vida!

O crebro deve obter conscincia de si prprio, e por conseguinte deve investigar sem buscar respostas- porque toda a resposta se projectar do seu prprio passado. Por conseguinte, quando vos interrogais com interesse numa resposta, essa resposta ainda far parte dos limites da mente condicionada. Desse modo, ao interrogarmos- o que significa que estamos conscientes de ns mesmos, e das nossas actividades, da nossa maneira de pensar, sentir, falar, andar, etc.- no busquemos resposta mas observemos apenas. Vereis que, como resultado dessa observao, o crebro comear a ver-se livre desse condicionamento.

A mudana implica tempo, esforo, continuidade, e uma modificao que requer tempo. Na mutao no existe tempo: ela imediata. E o que nos interessa a mutao e no a mudana. O que nos interessa a completa e imediata cessao da ambio, e essa quebra significa mutao, mutao que ocorre imediatamente e que no comporta tempo.

Costumamos observar, ver e ouvir a partir da dimenso do tempo. Observamos tudo atravs do tempo- no s o tempo cronolgico, como tambm o tempo que a mente inventou- o amanh. Na realidade no existe amanh, ns inventmo-lo psicologicamente. S h amanh no sentido cronolgico. Ns olhamos o pensamento, a avidez, a inveja, a ambio, a nossa estupidez, a nossa brutalidade e violncia, o prazer, atravs da dimenso do tempo, e servimo-nos dele como meio para a transformao daquilo que observamos. Da se origina a contradio

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entre o facto- que uma coisa viva- e o tempo, que esttico. Devemos, pois, olhar aquilo que a vida - esse imenso campo da vida... Devemos olhar essa vida imensa, palpitante, plena de fora e ilimitadasomente com olhos de ver, e por conseguinte, agir totalmente e com todo o nosso ser, a todo o momento. Ento no resultar nenhuma contradio, porque teremos compreendido inteiramente a natureza da dualidade e contradio.

Viver com "o que " requer energia. Perguntar-se-: como haveremos de obter essa energia? Investigai a questo. Adquirimos energia quando no h conflito, violncia, quando a mente no se acha em contradio, nem em luta; quando no somos empurrados em diferentes sentidos, por inmeros desejos. Mas, quando adoramos o bom xito, quando desejamos ser algum, ser famosos, satisfazer-nos, etc., essa energia dissipa-se. Sabeis quantas coisas fazemos que produzem contradio. Dissipamos a nossa energia quando visitamos o psiquiatra, ou vamos Igreja, ou buscamos refgio de inmeras maneiras. Se no existir contradio, se no tivermos medo dos deuses, da realidade nua e crua ou do vizinho, nem daquilo que se diz a nosso respeito, ento possuiremos energia, no em dose modesta mas em abundncia. Mas necessitamos dessa energia, dessa paixo para seguirmos "at ao fim" cada pensamento e sentimento, todo o pressentimento ou ntima sugesto.

No estou certo de desejarmos essa intensidade necessria... Viver intensamente implica destruio, no verdade? Significa despedaar todas as coisas que estamos acostumados a considerar como importantes na vida. E assim, o medo talvez nos impea de vivermos intensamente. Todos ns- jovens ou velhos- desejamos ser altamente respeitveis, no mesmo? E a respeitabilidade implica reconhecimento por parte da sociedade; a sociedade s reconhece aquele que obteve xito, aquele que se tornou importante, famoso- e rejeita o resto. Por isso que adoramos o xito e a respeitabilidade. Mas quando pouco vos importais que a sociedade vos considere to respeitvel como o inverso, quando no buscais o xito nem desejais tornar-vos ningum, ento essa intensidade obtm condies para existir; isso significa que interiormente no existe medo, conflito nem contradio. Por conseguinte dispem de energia em abundncia para acompanhar o facto do "que " at ao fim.

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Uma das nossas dificuldades reside em estarmos sempre satisfeitos com as respostas bvias, e desse modo fazermos sempre as perguntas bvias. Considere-se o problema da simplicidade: ser simples. A nossa resposta imediata, bastante bvia, corriqueira, banal : possuir duas mudas de roupa e fazer apenas uma refeio diria. Ento seremos considerados como pessoas simples. Mas isso no simplicidade, absolutamente. Isso beira o exibicionismo e a aceitao tradicional daquilo que se entende por ser simples. A simplicidade algo completamente diferente. Ser simples significa possuir clareza mental sem conflitos e sem ambio, uma mente que no se deixe corromper pelo desejo... Ao tentarmos descobrir a natureza dos factores de degenerao, o indivduo no deve contentar-se com as questes e respostas suscitadas pelo que bvio. preciso empurr-las para longe e ir alm delas, escarafunchar, para poder encontrar a verdade da questo- e isso requer energia. Mas essa energia s pode surgir quando no estamos realmente preocupados com o que possa suceder nossa vida particular e formos simples. Precisamos investigar, precisamos fazer a pergunta fundamental, que : se a mente poder viver sem hbitos nem ajustamento. Isso representa uma investigao sobre a autoridade, no apenas aquela que imposta como tambm a das prprias experincias, do nosso conhecimento, da nossa sabedoria, vises e tudo o mais.

Uma pessoa no consegue pr fim s suas dores, desgraa, confuso, e assim, ela como o resto do mundo. Ela morre, e essa dor e confuso, essa infelicidade prossegue como um vasto territrio. Isso um facto. Existe a imensa dor do Homem, a assemelhar-se a um enorme caudal de gua de um enorme rio. Pelo amor de Deus, percebam esse facto. Existe muita violncia, dio, cime; isso forma uma corrente primordial; e ns, seres humanos fazemos parte dessa corrente, mas a menos que morramos para ela, essa corrente prosseguir- essa corrente que representa o mundo, dever prosseguir. Portanto, o indivduo que se arriscar fora da corrente, obter conhecimento do que existe para alm do que . Porm, enquanto permanecermos nessa corrente, ou com um p fora e outro dentro a brincar- como a maioria de ns faz habitualmente- jamais poderemos descobrir o que h para alm da morte. Isso significa que necessrio morrer para tudo, sem qualquer esperana. Compreendem? Essa uma das coisas mais difceis. Mas o indivduo que morrer para tudo, obter conhecimento do Eterno. Compreendem?17

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Para podermos compreender o que a liberdade e a verdadeira aco significam, temos de compreender todo o processo do prprio pensamento. Ou seja, temos de conhecer-nos a ns mesmos... O que requer uma mente capaz de se olhar, sem um conhecimento previamente formulado.

O crebro precisa de ficar imvel, contudo, sensvel para com cada reaco; atento msica, aos rudos, aos pssaros, sem estar sujeito a nenhuma forma de presso, tenso nenhuma, nem a qualquer influncia. Precisa ficar sereno, porque sem essa quietude- que no deve ser induzida nem provocada artificialmente- no pode resultar lucidez. S pode haver lucidez quando h espao. No momento em que o crebro est absolutamente quieto, altamente sensvel, no amortecido- obtemos espao. E, devido a essa quietude, a mente completa- a qual se inclui o crebro, capaz de ficar completamente tranquila.

No sei se algum de vocs reparou no efeito da luz do sol sobre as guas, de manh bem cedo. A extraordinria luz suave e a dana das guas enegrecidas, com a estrela vespertina sobre as copas das rvores, a nica estrela no cu. Alguma vez repararam em alguma dessas coisas? Ou esto sempre to ocupados e atarefados com a rotina do viver dirio que se esquecem ou nunca se aperceberam da beleza exuberante desta terra- esta terra em que todos temos de viver? Esta terra pertence-nos, ainda que nos demos pelo nome de comunistas ou capitalistas, hindus, budistas, muulmanos ou cristos, quer sejamos cegos ou paralticos, quer nos encontremos de sade e felizes- esta terra nossa. Entendem? Trata-se da nossa terra e no a de quem quer que seja; no a terra do homem rico somente, pois ela no pertence exclusivamente aos governantes poderosos, aos nobres do lugar, mas a nossa terra- vossa e minha! Ns no somos ningum, no entanto tambm vivemos nesta terra, e temos que viver juntos. Trata-se de um mundo do pobre do mesmo modo que do rico, o mundo do iletrado e do erudito. o nosso mundo, e penso que muito importante que sintamos isso e amemos a terra, no de forma ocasional numa manh prazenteira mas sempre. Mas s poderemos am-la e sentir que o nosso mundo representa quando compreendermos o significado da liberdade.

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Os problemas do mundo so de tal modo colossais, complexos, que para os compreendermos e os podermos resolver, devemos aproximar-nos deles de um modo bastante simples e franco. Mas essa simplicidade e franqueza no depende de circunstncias externas nem dos nossos preconceitos particulares nem humores. A sua soluo no reside em conferncias, anteprojectos, nem substituio dos velhos lderes por novos, etc. A soluo acha-se evidentemente no criador do problema, no criador de todo o mal, do dio e do enorme mal-entendido existente entre os seres humanos. O criador dessa malcia e destes problemas o indivduo- vs e eu... Ns somos o mundo, e os nossos problemas so os problemas do mundo. Nunca ser de mais repeti-lo porque ns possumos uma mentalidade to indolente que pensamos mesmo que os problemas do mundo no nos dizem respeito, devendo por isso ser resolvidos pelas Naes Unidas ou pela substituio dos velhos lderes. a mentalidade estpida que pensa assim, pois os responsveis por toda esta assustadora tristeza e confuso existente no mundo somos ns, responsveis por este estado de guerra eminente.

Para podermos transformar o mundo temos de comear por ns prprios, mas o que importante nesse comeo por ns prprios a inteno. Essa inteno deve ser dirigida para a compreenso de ns mesmos, sem esperar que sejam os outros a transformar-se a si mesmos nem deixar que produzam uma mudana modificada atravs da revoluo- seja da esquerda ou da direita. importante que compreendamos que isso da nossa responsabilidade- da vossa e da minha- pois conquanto possa ser pequeno o mundo em que vivemos se nos transformar-mos e produzirmos uma perspectiva radicalmente diferente na nossa existncia diria, ento talvez possamos afectar o mundo em geral, e o relacionamento alargado com os outros.

Como seres humanos, separados e isolados, ns no fomos capazes de resolver os nossos problemas. A despeito de sermos altamente educados, astutos, egocntricos e capazes de enormes faanhas externamente, ainda assim por dentro somos mais ou menos aquilo que fomos durante milhares de anos. Odiamos, vivemos em competio e destrumo-nos mutuamente- que o que sucede actualmente. Puderam escutar os peritos falar sobre alguma guerra recente; eles no falavam da morte de seres humanos, mas da destruio de campos de aviao, explodir isto19

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ou aquilo. Existe toda esta confuso no mundo, de que todos estamos certos de ter conscincia; e assim, que havemos de fazer? Como certo amigo disse h algum tempo atrs ao orador: " Voc no pode fazer nada, e est simplesmente a dar com a cabea na parede. As coisas continuaro tal como esto por um tempo indefinido; toda a luta, a destruio mtua, competio, todo o tipo de iluso... Tudo isso dever continuar. No desperdice a sua vida nem o seu tempo." Conscientes da tragdia por que passa o mundo, e dos terrveis acontecimentos por que podemos passar se algum louco carregar no boto, ou se o computador tomar posse das faculdades do homem, j que pensa de modo muitssimo mais rpido e preciso- que que ir acontecer ao ser humano? este imenso problema com que nos estamos a deparar.

Existe na maioria de ns uma parcela de violncia que nunca foi resolvida nem limpa de forma a podermos viver completamente sem violncia. Incapazes de nos libertarmos da violncia, criamos a ideia do seu oposto, da no-violncia. Mas a no-violncia um no- facto. S a violncia um facto. A no-violncia no existe, excepto como ideia. Aquilo que existe, aquilo que , a violncia. como aquela gente na ndia que adora a ideia da no-violncia; eles pregam-na e falam sobre ela, copiam-na; eles esto a lidar com um facto irreal, uma iluso. O facto a violncia, em maior ou menor grau, porm ainda violncia. Quando perseguimos a no-violncia, que no passa de uma iluso e uma coisa noreal, estamos a cultivar o tempo; ou seja, sou violento mas passarei a ser no-violento. Esse serei tempo, que igualmente o futuro, um futuro que no tem realidade, porque inventado pelo pensamento como oposto da violncia. o adiamento da violncia que origina o tempo. Se houver uma compreenso e o consequente trmino da violncia, no existir tempo nenhum.

No me perguntem o que o tempo psicolgico. Coloquem essa questo a vs mesmos. Talvez o orador possa sugerir-lhes, colocando-o em palavras, porm trata-se de uma questo que vos pertence. Passamos pela experincia de ter um filho, um irmo, uma esposa, pai. Mas eles foramse e jamais retornaro. Eles foram varridos da face da Terra. claro que podemos inventar a crena de que eles continuam a viver em outros planos. Porm, ns perdemo-los; resta somente a foto sobre o piano ou sobre a lareira. A recordao que preservamos deles situa-se no tempo psicolgico, na forma como vivemos, na forma como eles nos amaram,20

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do auxlio que nos valeram, e de como ajudaram a encobrir a nossa prpria solido. A sua recordao um movimento de tempo. Eles existiam ontem porm hoje esto afastados. Ou seja foi criada uma imagem no crebro. Essa recordao constitui um registo no crebro, e esse registo acha-se em constante operao; sobre o modo como passeamos com eles no bosque, as recordaes sexuais, o seu companheirismo, o conforto que colhamos da sua presena. Tudo isso se foi, mas o registo continua. Esse registo a memria, e a memria tempo. Penetrem isso em profundidade, se tiverem interesse.

Conhecer-se a si mesmo a mais rdua tarefa em que nos podemos empenhar. Podemos fazer tudo o que for possvel fazer na vida, porm, se no nos conhecermos seremos pessoas vazias, embotadas e destitudas de inteligncia, e ainda que exeramos funes de primeiro ministro ou de engenheiro altamente qualificado, ou de habilssimo tcnico, funcionaremos apenas de modo mecnico. Assim, precisamos de sentir a importncia de nos conhecermos a ns prprios e a serenidade que isso implica. Conhecer-se a si mesmo o presente activo; aquilo que j aprendemos e j conhecemos, constitui o passado. E o passado no deve dirigir o presente activo, pois que se o fizer cria mais conflito. Mas tambm no se pode rejeitar esse passado; ele existe, tanto no consciente como no inconsciente.

Escutar uma arte. O escutar no se exercita; escuta-se em tempo real, que o instante. Alm do instante s existe o tempo cronolgico. Mas escutamos para podermos captar nesse instante todo o significado daquilo que se est a ouvir. Esse escutar do instante d origem a uma revelao extraordinria que transforma realmente toda a nossa existncia. Se escutarem desse modo- escutar num estado de vazio, por assim dizerento esse mesmo acto de escutar inicia aquele instante em que a compreenso brota. Penso que no compreendemos como importante que haja surja percepo espontnea, destituda de clculo, frmula- a percepo instantnea daquilo que verdadeiro. essa percepo que deve actuar na nossa vida, mas ela s pode surgir com o acto de escutar. A mente tem de ter ateno por aquilo que a rodeia, ter conscincia da tristeza e da sordidez como tambm da beleza da arvore ou da nuvem iluminada pelo sol- no s conscincia externa como tambm interna, de modo a escutar todos os sussurros, todos os murmrios, desejos secretos, tendncias e21

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impulsos- escut-los sem nenhum julgamento mas to s escutar, perceber o que . Isso, por si s, pode originar uma extraordinria revoluo psicolgica e, portanto, externa.

Estamos a explorar, e para que uma pessoa possa realmente o possa fazer com empenho, intensidade e compaixo, precisa dessa ateno que o acto de escutar- escutar tudo: os gritos dos corvos, daquele falco, e escutar o orador sem tentar ocupar-se em pensar se aquilo que diz verdade ou no, escutando apenas, suspendendo a capacidade de julgar, de avaliar e de condenar. Quando h afeio e cuidado atento, ento existe cooperao. Cuidado uma palavra muito simples mas de profundo significado- cuidar de algum, cuidar de uma rvore, cuidar de uma ave. Geralmente no possumos esse cuidado- cuidado como nosso quarto, ter ateno pelo nosso modo de comer, pelos nossos procedimentos, pela maneira como tratamos os outros, etc. Dar ateno nossa maneira de vestir, de falar, aos nossos gestos, ao modo como tratamos o outro, como encaramos a vida, como educamos os filhos; desse cuidado nasce a simpatia e a afeio, e podemos deixar-nos levar por essa afeio, e chegar a conhecer, assim, o que o amor.

Por que somos responsveis pela infelicidade, pela pobreza, pelas guerras e pelo eterno estado de beligerncia, o homem religioso no procura Deus. O homem religioso est preocupado com a transformao da sociedade, que ele mesmo. O homem religioso est inteira e completamente comprometido com a compreenso da sociedade, que ele mesmo.

Provocar em si uma transformao total equivale absoluta cessao da cobia, da inveja e da ambio; por conseguinte, embora possa ser um produto das circunstncias o homem no depende delas- da comida que come, do livro que l, do cinema que frequenta, dos dogmas religiosos com as suas crenas, rituais e tudo o mais. Ele responsvel e assim necessita entender a si mesmo, por ser um produto da sociedade que ele mesmo criou. A estrutura psicolgica da sociedade muitssimo mais importante que o lado institucional da sociedade. Este baseia-se na cobia, na inveja, no consumismo, na competio, na ambio, no medo, e nessa incessante necessidade do ser humano querer sentir-se seguro em todos os seus

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relacionamentos, seguro quanto propriedade, quanto s suas relaes com as pessoas, seguro em relao s ideias. E a sociedade, por sua vez, impe psicologicamente essa estrutura a cada um. Portanto, para descobrir a realidade precisamos partir desse ponto... Ento precisamos de uma energia que no resulte de nenhuma contradio nem tenso, mas que se concretize quando no existir esforo nenhum... Voc no pode ser apenas sensvel beleza; precisa tambm ser sensvel fealdade, sujeira, desorganizao da mente humana. Sensibilidade significa uma sensibilidade total e no uma sensibilidade voltada apenas para uma determinada direco... Ento, essa mente que a mente religiosa compreende a natureza da morte, porque se no entender a morte no entender o amor. A morte no o fim da vida. A morte no uma ocorrncia ocasionada pela doena, senilidade, velhice ou acidente. A morte algo com que voc convive diariamente, porque voc est todos os dias a morrer para tudo aquilo que conhece. Se voc no conhecer a morte, jamais poder saber o que o amor.

A criao s se realiza quando h completa concentrao de energia, desprovida de qualquer movimento- tanto direccionado para o interior como para o exterior... Quando a mente possui um problema pela frente procura sempre encontrar uma sada, tentando solv-lo, super-lo, contorn-lo, suplantlo, sempre a procurar fazer algo com ele, movendo-o de um lado para o outro. Se ela no o movesse de qualquer modo, (quando no existisse nenhum movimento- nem de dentro para fora nem de fora para dentro, e somente restasse o problema) poderia ocorrer a exploso desse problema... Voc no tem de objectar ou acreditar. Neste caso no existe autoridade nenhuma.

O homem que reza, assemelha-se ao fulano que mete a mo no bolso do outro. O empresrio, o poltico e toda a sociedade competitiva oram pela paz, e entretanto tudo fazem para provocar guerras, dios e antagonismo. Isso no faz sentido nem racional. A sua orao uma splica, um pedido de uma coisa que voc no tem direito de pedir- porque voc no23

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est vivendo, porque voc no virtuoso. Voc deseja algo pacfico e maravilhoso para enriquecer a sua vida, mas tudo faz para a destruir, tornando-se mesquinho, pequeno e estpido.

Ser que eu, o observador do sofrimento, o pensador, aquele que o sente e sofre, sou diferente dele? Exteriorizei-o a fim de fazer alguma coisa com relao a ele, a fim de o evitar, conquist-lo ou de lhe fugir. Mas serei diferente daquilo a que dou o nome de sofrimento? Claro que no. Logo, eu sou o sofrimento- no se trata de eu ser distinto do sofrimento; eu sou o sofrimento. S ento h possibilidade de acabar com ele. Enquanto eu for o observador do sofrimento ele no ter fim. Mas, quando se percebe que o sofrimento o eu, quando se percebe que o observador o sofrimento, quando a mente se d conta de que ela mesmo sofrimento- e no quando observa o sofrimento, nem quando o sente (sofrimento que ela mesma cria e sente) este pode chegar ao fim.

Eis a algo extraordinariamente difcil de vivenciar, algo a ter em conscincia porque h sculos que vimos a separar as coisas. Mas para o conseguirmos requer-se no o pensamento tradicional mas um estado de alerta, uma ateno vigilante e inteligente. Esse estado inteligente e integrado, o estar s.

Quando o observador o observado encontrmo-nos num estado integrado. E nesse estar s, nessa condio em que se est completamente sozinho e pleno, quando a mente no est mais em busca de coisa nenhuma, procura de recompensas nem a evitam punies, quando a mente est verdadeiramente imvel, s ento aquilo que no mensurvel pode chegar a existir.

No podereis olhar a vida como um todo? No poder a mente existir num todo, isto , sem apresentar um nico fragmento separado?... A mente que existe num todo atenta e desse modo sente enorme afeio, dotada de um profundo e duradouro senso de amor. Por favor, escutem. Trata-se das vossas vidas. Consagrem a mente e o corao descoberta de uma forma de viver diferente, o que s ser possvel se a

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mente renunciar a todo o controle. Quando h controle, passa a existir o controlador e o controlado, e isso fragmentrio.

Sendo assim, a mente deixa de ser sobrecarregada com o movimento do pensamento como um processo material, o que significa que fica absolutamente imvel e silenciosa. Mas fica imvel de modo natural, sem ter sido forada a tal. Aquilo que forado a ficar quieto torna-se estril. No que est naturalmente quieto- nessa quietude e nesse vazio pode chegar a ocorrer algo novo... somente quando a vida desagradvel se transforma numa vida boapor boa no pretendo significar posse em abundncia mas uma vida de bondade e de virtude- que no florescer dessa virtude e dessa beleza, chega o silncio.

Poderei entender directamente a vida ou preciso tentar descobrir alguma coisa que lhe d sentido? Entendem? Para apreciar a beleza precisarei saber qual ser o seu propsito? O amor precisar ter uma razo? E, se existir uma razo poder tratar-se de amor? Subentendemos que precisamos passar por uma certa experincia que d sentido nossa vida- compreendendo implicitamente que para ns a vida em si no importante. Desse modo, ao buscarmos Deus, estamos a fugir da vida, a fugir das agruras, da beleza, da feira, do dio, da pequenez, da inveja, do desejo de poder, da extraordinria complexidade da vida. A vida tudo isso, mas como ns no a entendemos dizemos: "encontrarei algo muito maior que confira um significado vida".

Que coisa ser esta nossa vida? Em que consistir esta coisa a que chamamos existncia? Muito simplesmente e sem filosofias, consiste numa srie de experincias de prazer e dor, evitar as dores e agarrar-nos ao prazer: o prazer do poder, o prazer de ser um grande homem neste mundo maravilhoso, o prazer de dominar a nossa esposa ou marido, a dor, a frustrao, o medo e a ansiedade que surgem com a ambio, o horror de adularmos um homem importante e tudo o mais- tudo o que compe a nossa vida diria. Se o conhecido cessar totalmente, tanto consciente como inconscientemente, ento vocs jamais perguntaro se existe Deus, porque essa mente incomensurvel em si mesma. E semelhana do amor, ela a sua prpria eternidade.

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Qual ser o caminho mais fcil para chegarmos a Deus? Temo que esse caminho fcil no exista, porque chegar a Deus a coisa mais difcil que existe... Sendo preconceituosa, estreita e limitada a mente pode conceber Deus e pode imagin-lo de acordo com as prprias limitaes... Para entendermos Deus precisamos, primeiro, entender a prpria mente. E isso muito difcil. A mente muito complexa- no fcil entend-la. Mas muito fcil sentar-nos e mergulharmos numa espcie qualquer de devaneio, ter vises, iluses, e depois pensar que estamos muito perto de Deus. A mente pode enganar-se enormemente. Para chegar realmente quilo que pode ser chamado de Deus, voc precisa ficar absolutamente imvel- e no vimos j como isso extremamente difcil? J notaram como nem mesmo as pessoas idosas conseguem sentar-se quietas e esto sempre a balanar os ps e a mover as mos? difcil o corpo permanecer imvel, e muito mais difcil o para a mente. Conseguir que a mente fique calada uma grande arte, sem a menor coero. S assim existe possibilidade de chegar quilo que pode ser chamado de Deus.

Primeiro sejam inocentes, e depois ento sabero viver neste mundo; no se deve comear ao contrrio. Sejam vulnerveis ao mais alto grau. Mas nem sabem sequer o que significa ser inocente! Se forem inocentes sabero viver neste mundo ou noutro qualquer. Mas, se no forem inocentes procuraro ajustar-se a este mundo e ver-se-o no inferno. Aprendei a respeito da inocncia; no tentem conquist-la. Ela no consiste na palavra mas sim aquele estado destitudo de dissimulaes, mscaras e conflitos. Podero exercer um emprego ou fazer o que desejarem. Se souberem o que o amor, podero fazer o que quiserem. Eu expliquei-o, mas a explicao no representa a realidade; a realidade no a palavra. Como acabar com as dissimulaes? No podem. No podem fazer nada. Se alguma coisa fizerem isso ainda ser uma actividade egocntrica do eu, que constri primeiro as suas defesas e depois procura defesas de outra natureza. Mas, ao perceberem que no tm nada a fazer, ento essa prpria percepo actuar.

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No momento em que procuram ser inteligentes deixam de o ser. Isto muito importante, prestem-lhe ateno. Se eu sou estpido e todos me dizem que devo tornar-me inteligente, trato de estudar mais e de obter notas mais elevadas. E ento diro: "ele est mais aplicado" e elogiam-me. Mas eu continuo estpido, pois s adquiri uns enfeites de inteligncia. O problema, por conseguinte, no como tornar-me inteligente mas sim como livrar-me da estupidez; sendo estpido procuro tornar-me inteligente, mas estou a actuar de um modo estpido. Vejam bem, a questo bsica est relacionada com a mudana. Quando perguntamos o que a inteligncia e de que forma nos poderemos tornar inteligentes, isso implica num conceito do que seja a inteligncia, para depois nos moldarmos a esse conceito. Porm, possuir uma frmula, teoria ou conceito do que seja a inteligncia e tentar moldar-se de acordo com esse padro, isso tolo, no ser mesmo? Conquanto se formos estpidos e comearmos a descobrir em que consiste essa estupidez, sem desejo nenhum de a alterar para uma outra coisa, nem ficarmos abismados com o horror da prpria estupidez e parvoce, ento poderemos descobrir que ao deslindar o problema, sobrevem uma inteligncia livre de estupidez e destituda de esforo.

Poder o menino travesso mudar por meio da punio, ou por aco do amor? Se conseguirmos que ele mude por meio da punio- que uma forma de compulso- isso ser mudana? Vocs so uma pessoa crescida que detm autoridade como professor ou pai, porm, se o ameaarem ou assustarem, o pobre garoto poder corresponder da forma que esperarem; mas isso ainda no ser mudana. Ser? Poder haver alguma mudana atravs de uma qualquer forma de compulso? Poderemos alguma vez instituir a mudana pela legislao ou por qualquer forma de medo? Porm, quando perguntam se o amor poder produzir mudana no garoto travesso, que pretendem dizer com a palavra amor? Se amar quiser dizer compreender o garoto- compreender as causas que estiverem na base das travessuras ao invs de tratar de o mudar - ento, essa mesma compreenso produzir nele a eliminao do acto. Se quisermos modificar o rapaz de forma que pare de ser travesso, essa mesma aco de o querer mudar ser tambm uma forma de compulso, no ser assim?

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Entretanto, se comear a obter uma compreenso das razes de ele ser travesso, se puder descobrir e erradicar as causas que esto por base dessa travessura- talvez uma alimentao inadequada ou falta de descanso, carncia de afecto, o facto de estar a ser gozado por um colega, etc. , ento o garoto deixar de ser travesso. Contudo, se o nosso desejo se centrar meramente na pretenso da mudana- o que significa uma preocupao por enquadr-lo dentro de um determinado padro- ento no seremos capazes de o compreender. Isto suscita a questo do significado da mudana, compreendem? Mesmo que o garoto cesse de ser travesso por aco do vosso afecto, isso ser ainda uma mudana verdadeira? Pode tratar-se de afecto, mas ainda constituir uma forma de presso exercida sobre ele com a finalidade de que faa ou se torne algo. Que queremos dizer quando referimos que o garoto deve mudar? Mudar do qu, e para o qu? Do que ele para aquilo que deveria ser? Se ele mudar para aquilo que deve ser no significar que ele mudou meramente aquilo que era (o que no refere mudana absolutamente nenhuma)? Ou, para colocar a questo de outro modo: se eu sentir cobia e me tornar isento de cobia porque vs, a sociedade e os livros sagrados me dizem que devo ser assim, ser que eu mudei ou estarei a tratar a cobia por um outro nome? No entanto, se for capaz de investigar e puder compreender toda a questo da minha cobia, ento serei livre dela- o que completamente diferente de me tornar isento de avidez.

Religio significa explorar por meio da dvida, questionar com cepticismo, investigao da verdade. Isso religio.

Existe o medo como um facto, porm nunca chega a ser um facto actual, situando-se sempre antes ou depois do presente activo. Quando esse medo existe no presente activo, tratar-se- de medo? Ele est l e no h escape nem evaso possvel. E nesse momento actual existe ateno completa perante o momento de perigo, tanto fsica como psicologicamente. Quando h completa ateno no h medo. Todavia o facto actual da desateno gera o medo. O medo surge quando se d o evitar do facto. Nesse caso, o prprio escape constitui o medo.

Talvez economicamente possam estruturar o mundo de modo a este poder vir a tornar-se mais confortvel, possamos dispor de mais abundncia de28

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alimentos, roupa, abrigo, e cheguemos a pensar que isso produza liberdade. Conquanto essas coisas sejam essenciais no constituem a totalidade da liberdade. A liberdade um estado, uma qualidade de espirito.

Se perdermos o contacto com a natureza perderemos contacto com a humanidade. Se deixarmos de ter uma relao com a natureza ento tornar-nos-emos assassinos de baleias, focas-bebs, golfinhos, bem como do prprio homem- seja por uma questo de lucro, desporto ou conhecimento. Em resultado disso a natureza atemorizar-se- de ns e negar-nos- a sua beleza. Podero empreender longos passeios pelos bosques e acampar em stios adorveis, porm assemelhar-se-o a assassinos, e como tal perdero a sua amizade. Provavelmente no se relacionaro com coisa nenhuma; nem com a vossa esposa nem com o vosso marido.

A evoluo do homem no depende do conhecimento acumulado. Os cientistas e demais intelectuais afirmam que o homem s poder evoluir adquirindo cada vez mais conhecimento, galgando os degraus do saber. Mas o conhecimento sempre o passado e, se no tivermos liberdade com relao ao passado a evoluo do homem ser sempre limitada e restrita a um padro particular. Mas eu digo que h uma maneira diferente de aprender que consiste em observar de modo integral- holstico- todo o movimento do conhecimento. O conhecimento necessrio; no podemos viver sem ele. Contudo, no prprio acto de compreender o seu carcter limitado possumos uma percepo clara de todo o seu movimento. Tacitamente aceitamos o conhecimento como uma coisa natural, convivendo com ele e agindo com base nele pelo resto das nossas vidas. Mas nunca nos interrogamos do que seja o conhecimento em si e qual a relao dele com a liberdade, que relao ter com aquilo que de facto acontece. E ns aceitamos tudo isso numa base pacfica. Faz parte da nossa educao e do nosso condicionamento!

A inteligncia no consiste na busca de argumentao arguta, opor contradies e opinies- como se atravs de opinies fosse possvel encontrar a verdade- o que no o caso. Consiste, isso sim, em perceber que a actividade do pensamento, com todas as suas capacidades e subtilezas, a sua extraordinria e incessante actividade no significa inteligncia.

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Se no sentirem amor, faam o que quiserem- vo procura de todos os deuses da terra, participem em todas as actividades sociais, tentem acabar com a pobreza, entrem para a poltica, escrevam livros, poemas- sero seres humanos sem vida. Sem amor os vossos problemas aumentaro e multiplicar-se-o interminavelmente. Se tiverem amor faam o que quiserem e no tero conflito nem correro risco algum.

Tal como a vida, a morte tem de ser algo extraordinrio. A vida uma totalidade: sofrimento, dor, angstia, alegria, ideias absurdas, posses, inveja, amor, e o sofrimento atroz da solido. Tudo isso a vida! Mas para podermos compreender a morte precisamos compreender o todo da vida; no pegar apenas num dos seus fragmentos e viver com ele, como faz a maioria. Na prpria compreenso da vida est a compreenso da morte, pois as duas no esto separadas.

Quando se puserem a investigar as causas da guerra, estaro a questionar o seu relacionamento com os outros, e isso significa questionar toda a vossa experincia, todo o vosso modo de vida... necessrio que examinem a vossa vida espontaneamente e no por influncia do governo, ou porque algum o tenha ordenado. Precisam examin-la de modo espontneo, sem a condenar, sem classificar isto ou aquilo de certo ou errado, bastando somente olhar. Ao olhar desse modo descobriro que esto a olhar com olhos de afeio, sem condenar nem julgar mas com ateno. Olham para si mesmos com ateno e, desse modo, com um imenso afecto. S quando sentimos afecto e amor podemos enxergar a existncia total da vida.

Sensibilidade o meu equivalente para meditao; ela traz-nos as suas apropriadas formas de retribuio.... E se formos realmente aquilo que somos poderemos atingir essa sensibilidade; se tentarmos perceber o que - sem que isso tenha relao alguma com a auto-indulgncia.... No devo submeter-me minha fraqueza, mas tambm no devo cultivar o oposto da minha fraqueza de modo a libertar-me dela. Preciso indagar sobre as causas dessa minha fraqueza e permanecer nesse estado de explorao, sem fazer nenhum esforo deliberado para me libertar dela. Descobrirei subitamente que ocorrer uma transformao, sem que

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tenha havido qualquer planeamento da minha parte; transformao essa que ser criativa. A minha sensibilidade entrar ento em aco.

Sabeis que coisa a sensibilidade? Ser sensvel, receptivo, compreensvel, ter compaixo pelos que sofrem, ser capaz de afeio, ter conscincia do que se passa ao redor. Prestam ateno ao soar do sino do templo? Reparam nos pobres, nos aldeos, dominados e pisados h sculos pelos exploradores? Sero sensveis a tudo o que se passa ao vosso redor? Ao verem uma criada a carregar um tapete iro em seu auxlio? Tudo isso implica sensibilidade. Como podem perceber, a sensibilidade destruda quando uma pessoa se torna disciplinada, quando se torna vtima do medo ou se preocupa unicamente consigo e com a prpria aparncia, pensando o tempo todo em si mesma.- como faz a maioria de ns, de um ou de outro modo- de forma que a mente e o corao se fecham e perdemos a capacidade de apreciar o belo. Ser livre de verdade implica uma enorme sensibilidade. E se se isolarem na prtica das vrias disciplinas deixaro de ter essa liberdade. Como quase tudo aquilo que fazem na vida imitao, perdem a sensibilidade e a liberdade. importantssimo que se lance a semente da liberdade para que a inteligncia possa prevalecer na vossa vida- inteligncia essa que liberdade. Com essa inteligncia podero examinar todos os problemas da vida.

Sabem que coisa a vida? Provavelmente ignoram-no, jovens como so... Vou explicar-lhes ento. J viram os aldeos vestidos de farrapos, sujos e perpetuamente esfomeados, sistematicamente a trabalhar sem descanso? Isso parte da vida. Alm disso tero notado o homem que passa de automvel, a mulher perfumada e coberta de jias, com vrios empregados. Esse outro aspecto da existncia. Vereis ento aquele outro que abriu mo voluntariamente das riquezas e que vive com simplicidade, annimo, como um desconhecido, e que no se considera um santo. Tambm isso outro aspecto da vida. Depara-se-nos algures o homem que deseja tornar-se eremita e l est o que se torna devoto, o qual no deseja pensar mas to s seguir s cegas qualquer coisa. Existe de igual modo aquele que pensa cuidadosamente, com toda a lgica e de modo so, e que, descobrindo

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que os seus pensamentos so limitados procura transcend-los. Tambm ele compe a vida. E depois a morte, a perda total, que faz igualmente parte da vida. A crena nos deuses, nos salvadores, no paraso, no inferno; tudo isso configura a vida, bem como o poder de ultrapassar todas essas trivialidades. Convm no crescer na aceitao de uma parte da vida, a parte automtica concernente aquisio de conhecimentos, o que outra coisa no que a aceitao de valores convencionados pela gerao anterior. Se os vossos pais possuem recursos podero proporcionar-lhes uma frequncia escolar, a universidade, e, mais tarde um emprego. Depois, vir o casamento e ento ser o fim de tudo. Isso representa apenas um diminuto segmento da vida. Mas existe ainda um campo vastssimo, cuja compreenso sem temor sobremodo difcil.

Seremos capazes de olhar a vida sem a tornar num problema, embora de facto existam problemas? Compreendem a diferena? H problemas reais, problemas de sade, questes de encargos, etc. Esses problemas fazem parte do quotidiano. Mas, se o crebro se achar livre de problemas psicolgicos ento poderemos ter serenidade para resolver os problemas do quotidiano. Porm, se o crebro for treinado e condicionado para tratar as coisas como problemas, ento ns iremos multiplic-los.

Poder o crebro, a conscincia humana ver-se livre do temor da morte? No poderemos viver com a morte- pelo domnio do tempo psicolgico e no afastando-a como algo a ser evitado, adiado, afastado? A morte faz parte da vida. No poderemos viver com a morte e compreender o sentido do trmino que ela representa? Isso equivale a entendermos o significado da negao; e pr fim aos nossos apegos, s nossas crenas, por meio da negao. Quando empreendemos esse acto de negao terminamos com a coisa, e desse modo passa a existir algo completamente novo. Assim, poderemos negar completamente o apego enquanto nos achamos vivos? Ou seja- viver com a morte. A morte significa um trmino, de modo que passa a haver encarnao- ocorre algo novo. Esse trmino extremamente importante na vida- compreender a profundidade e a beleza da negao de uma dada coisa que no a verdade. Negar, por exemplo, a nossa falsidade. Se vamos ao templo, neguemos a imagem que l se encontra, de forma que o crebro possa obter essa qualidade de integridade.32

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A morte, como um trmino que representa, possui uma extraordinria importncia na vida. No me refiro ao suicdio nem eutansia mas ao trmino dos nossos apegos, do nosso orgulho, antagonismo e o dio que sentimos pelo outro. Quando olhmos de modo holstico para a vida ento a morte, o viver, a agonia, o desespero, a solido, isso tudo forma um s movimento. Quando olhmos de modo holstico ento resulta um sentimento de liberdade total com relao morte, o que no quer dizer que o corpo fsico no venha a ser destrudo. Existe um sentido de trmino e assim deixa de haver continuidade- passa a haver liberdade do medo de no ser capaz de continuar.

Quando o ser humano compreende todo o significado da morte obtm a vitalidade, a plenitude que permanece por detrs dessa compreenso, e ele transcende a conscincia humana. Quando activamos a compreenso, a vida e a morte tornam-se uma s coisa- do mesmo modo que so uma s coisa quando terminamos o nosso viver porque ento estaremos a viver lado a lado com a morte- o que o feito mais extraordinrio a conseguir. Deixa de existir o assado o presente e o futuro para passar a haver s o terminar.

Estamos sempre em luta, regra geral para nos ajustarmos- como indivduos- ao meio, esperando obter dele um modo de vida; esperamos obter todos os benefcios que a sociedade a que pertencemos oferece. Por isso lutamos para nos adaptarmos e ajustarmos a ela. De que constituda essa sociedade? J pensaram a respeito? Podem viver em harmonia com uma sociedade baseada na aquisio e resultante da inveja, do medo, da avidez, do interesse por posses e ocasionais lampejos de amor? Podem viver em harmonia com ela? Se se esforarem por ser inteligentes e destitudos de temor, de toda a tendncia aquisitiva, podero adaptar-se a essa sociedade? Ento porque lutar contra ela?

Vocs tm de criar uma sociedade nova- mas isso significa que devem ser livres do desejo de aquisio, da inveja, da ambio, de toda a limitao do pensamento devido a crenas religiosas, do nacionalismo, do patriotismo; ser ento possvel deixarem de lutar para criarem uma coisa nova, uma sociedade nova. Mas enquanto procurarem o ajustamento, enquanto despenderem esforos para se ajustarem sociedade actual,

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estaro a seguir um mero padro inspirado na inveja, movidos pelo desejo de prestgio e pelas crenas que conduzem a corrupo.

Que sabemos quando samos da escola? Em geral samos to estpidos vazios e superficiais como quando entramos; os nossos estudos e a nossa vida escolar, os contactos com os professores e os deles connosco em nada nos ajudaram a compreender o complexo problema da vida. Os professores so obtusos e ns tornmo-nos iguais a eles; eles sentem medo exactamente como ns. Por conseguinte, cabe a ns, tanto quanto a vocs e aos professores atender a que, ao sarem daqui, possam ser seres humanos amadurecidos, capazes de pensar sem temor e, portanto, encontrem-se aptos a enfrentar a vida com inteligncia.

Desse modo conviria acharmos uma soluo para todos esses problemas, mas tal soluo no existe. Aquilo que podemos unicamente fazer enfrent-los com inteligncia, medida que surgem. Compreendam isso. Desejam uma soluo e desse modo pensam que lendo ou seguindo algum, estudando algum livro, encontraro a soluo de todos esses problemas extremamente complexos e subtis. Todavia no o conseguiro porque eles foram criados por seres humanos semelhantes a vs mesmos. Estas lamentveis condies- a fome, a crueldade, a ignomnia, a esqualidez, a insensibilidade horripilante, foram criados pelos prprios homens. Cabe-nos pois, compreender o corao humano, a mente humana, isto , a vs mesmos... Posto que so uma criao vossa, no os podero compreender se no se compreenderem; para se compreenderem em meio ao vosso viver, momento a momento, dia aps dia, necessitam de inteligncia, penetrao, muito amor e uma enorme pacincia.

Se eliminardes a comparao mudareis completamente. Se o homem que mora naquele pardieiro infecto continuar a comparar, continuar a morar l. Mas se conseguir chegar a dizer: "Acabemos com toda a comparao" ele sair de l. Tratar de trabalhar mais de forma mais inteligente. . Se no existir comparao, que suceder? Esta a primeira questo. Que sucede realmente quando no comparam? So condicionados desde34

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crianas a comparar- a comparar a casa grande com a casa pequena, etc. Porque comparam? Isso tem incio na escola: o vosso professor diz-lhes que no esto a ir muito bem nos estudos ou que no esto to adiantados como os outros. Todo esse processo de exames, notas, etc., tudo isso comparao. Tal o vosso condicionamento que ocasiona toda uma srie de lutas, xitos e malogros, aflies impostas pela sociedade e por vs mesmos. Trata-se do vosso condicionamento. "Um menino pobre chega a Presidente": eis aqui uma forma de propaganda formidvel! E ainda por cima dizem: "Como esta sociedade de competio maravilhosa"! o nosso condicionamento. Mas ns conservmo-lo porque s vezes lucrativo, ainda que outras seja doloroso. Mas incurvel, porm nunca indagmos porque razo comparamos.

Sejam aquilo que so. Quando perceberem a falsidade do ideal ele desprender-se- de vs, e vs sereis isso que fordes (o que ). Da deveis partir para a compreenso do que - porm no em direco a um dado fim, pois o fim, o alvo, est sempre longe do que . Isso que sois vs mesmos, no num determinado perodo nem numa determinada disposio de nimo, porm vs mesmos, tal como so, momento a momento. No vos condeneis a vs mesmos nem vos conformeis com o que em vs vedes. Conservem-se vigilantes, sem interpretar esse movimento do que . Essa vigilncia ser difcil mas tambm possui deleites. A felicidade existe somente para os que so livres; a liberdade vem com a verdade do que .

Se no gozarmos de total liberdade toda a nossa percepo e viso objectiva sero deformadas. S o homem completamente livre pode observar e ser capaz de uma compreenso imediata. Liberdade subentende a necessidade de ter uma mente completamente vazia, no mesmo? Esgotar a mente de todo o seu contedo- nisso est a verdadeira libertao. A libertao no reside na mera revolta contra as circunstncias, revolta essa que cria novas circunstncias, influncias, e ambientes que escravizam a mente. Refiro-me a uma liberdade que vem natural e facilmente, sem ser solicitada, justamente quando a mente capaz de funcionar ao seu mais alto nvel.

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Meditarmos no quer dizer uma meditao deliberada porque tal coisa no existe. O que podemos fazer assemelha-se a abrir a janela e a deixar entrar o ar- qualquer que seja a corrente de ar, o que quer que ela traga. Mas se desejarem que essa corrente entre simplesmente porque abriram a janela, ela nunca vir. Portanto, tm de a abrir com amor, com afeio, com liberdade- e no com o desejo de uma determinada coisa. Esse o estado de beleza, o estado da mente que percebe e jamais pede. Perceber constitui a posse de um extraordinrio estado mental; perceber tudo o que os rodeia, as rvores, o pssaro que canta, o sol por detrs de vs, perceber os rostos, os sorrisos, perceber a lama da estrada, a beleza da paisagem, a beleza da palmeira sobre o fundo rubro do poente, as guas crespas- to s perceber sem escolha. Peo-lhes que o faam ao longo da vida. Escutem o cantar daqueles passarinhos, no lhes dem nomes mas escutem simplesmente o som que fazem. Escutem o movimento dos vossos pensamentos; no os controleis nem digam: "Isto certo, isto errado". Movam-se junto com eles. Esse o percebimento em que no h escolha, nem condenao, julgamento, comparao, interpretao mas simples observao. Isso deixa a vossa mente sobremodo sensvel. Nesse estado de percebimento h ateno ao invs de controle e concentrao. Ficam atentos de modo total e ilimitado, consciente e inconscientemente.

Percepo imediata e intensa consiste em compreendermos com a totalidade do nosso ser, sem o tempo, a lembrana; compreender o completo significado da coisa num claro. Essa percepo no pode advir da vontade nem deve conter nenhum motivo. A sua essncia liberdade e consiste em se estar liberto de todo o pensamento e reaco. A capacidade nascida da percepo imediata e profunda nunca poder tornar-se mecnica; ela lcida e lgica mas nunca pessoal. A inteligncia no vossa nem minha. A pequena parte do crebro que utilizamos cria problemas e, portanto, leva a que eles se multipliquem. Ao invs, porm, essa percepo consiste na actividade do crebro todo.

O pensamento constitui a reaco da memria, memria essa que mecnica. O conhecimento sempre incompleto e por isso todo o pensamento nascido do conhecimento limitado, parcial, condicionado. Logo, no existe liberdade de pensamento. Mas podemos comear por descobrir uma liberdade que no processo do pensamento, liberdade na qual a mente unicamente obtm conscincia de todos os seus conflitos e de todas as influncias que a afectam.

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Afinal de contas, qual o objectivo da educao que actualmente sofremos? Deve ser o de moldar a mente de acordo com a necessidade, no ser? Neste momento a sociedade necessita de certo nmero de engenheiros, cientistas, fsicos, de modo que, mediante variadas formas de recompensa e compulso a mente influenciada a moldar-se a essa demanda. E a isso chamamos ns educao. Embora o conhecimento seja necessrio e no possamos viver sem educao, ser possvel possuirmos conhecimento sem nos tornarmos escravos dele? Tendo conscincia da natureza parcial do conhecimento, ser possvel no permitir que a mente seja aprisionada nele, de modo a ser capaz de uma aco total- que aco no baseada num pensamento ou numa ideia? O conhecimento vem do tempo, porm no o conhecer. O conhecimento vem de uma fonte de acmulo, de uma concluso, ao passo que conhecer todo um movimento.

Como a nossa generosidade natural, especialmente nos campos ou nas pequenas aldeias afastados das cidades! A vida mais sugestiva entre os menos educados, onde a febre da ambio ainda no prolifera. O garoto sorri-nos, a mulher velha queda-se maravilhada enquanto hesitais e seguis caminho. Um grupo de pessoas suspende a conversa em voz alta e volta a cabea para olhar com um interesse surpreendido, enquanto uma outra mulher vos cede a vez de passagem. Como sabemos to pouco acerca de ns! Sabemos com efeito, porm no possumos qualquer comunho com o outro. Ns no conhecemos a ns mesmos. Desse modo, como haveremos de conhecer o outro? Podemos conhecer os aspectos sem vida mas no os que tm vida; aquilo que sabemos dele o passado morto, e no o lado vivente. Para podermos ter conscincia do lado que possui vida, devemos sepultar o lado morto existente em ns.

A vida essencialmente simples; no entanto, quanto a complicamos! A vida complexa mas ns no sabemos como ser simples com relao ela. A complexidade deve ser abordada de modo simples, porque de outro modo nunca a entenderemos. Sabemos demasiado e essa a razo porque a vida nos ilude; e na posse dessa demasia, que to pouco, fazemos frente ao Imensurvel. Mas como haveremos de poder medir o imensurvel? A nossa vaidade entorpece-nos, a experincia e o conhecimento sujeitam-nos, de modo que vemos passar por ns as guas da vida. Cantar com aquele garoto, arrastar-se pesadamente com aqueles pescadores ou tecer as redes sobre a perna; ser aqueles aldees ou o casal37

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no carro- ser tudo isso sem que se trate de nenhum truque de identidaderequer amor. O amor no complexo, muito embora a mente o possa tornar complexo. Mas ns permanecemos demasiado ancorados mente, no podendo assim conhecer o caminho do amor.

A verdade no sobrevem pela autoridade, ela precisa de ser descoberta a cada momento. No se trata de algo duradouro nem permanente, contnuo. Ela precisa ser descoberta a cada minuto e isso requer uma grande dose de ateno, uma mente bastante alerta. Voc no pode, por processo nenhum nem por intermdio de qualquer disciplina ou forma de meditao chegar verdade, a Deus, seja qual for o nome que lhe derem. Trata-se de algo imenso que no se pode conceber nem livro algum pode conter ou abranger. Tudo o que a mente pode fazer manter-se em silncio- porm no com a inteno de receber a verdade. Mas isso dificlimo pois acreditamos que se fizermos certas coisas podemos conhecer a verdade de imediato. Mas tal qual o amor, a verdade no pode ser adquirida. A mente precisa achar-se livre, sem fronteiras, limites e condicionamentos. Toda a compulso de adquirir tem de terminar, mas no de modo a receber.

Era uma coisa estranha experimentar to grande sensao de afecto, no devido a determinada coisa ou pessoa, mas a plenitude do que se pode chamar amor. Importa unicamente sondar a sua prpria profundidade, no com a pequena mente tonta mais os incessantes murmrios do pensamento, mas com o silncio. O silncio o nico instrumento que pode penetrar aquele algo que escapa a uma mente contaminada. No sabemos o que seja esse amor; conhecemos os seus sintomas, o prazer, a ansiedade, o pesar, etc. E tentamos resolver esses sintomas mas isso torna-se um vagar pelas trevas. Gastamos os nossos dias nisso e a breve trecho isso culmina na morte. Todos os problemas humanos, instituies, as relaes que o homem mantm com o seu semelhante- o que perfaz a sociedade- tudo isso encontraria o seu exacto lugar se pudssemos penetrar silenciosamente nesta coisa a que chamamos amor... Na verdade estropiamos o sentida da palavra carregando-a de significado sem sentido, o significado dos nossos prprios eus mesquinhos e estreitos; nesse estreito contexto tentamos ns encontrar o outro para depois dolorosamente tornarmos nossa confuso e tristeza38

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de todos os dias. O silncio a nica coisa que dar resposta a todos os nossos problemas. Resposta no o termo porque nesse caso no haveria problemas. Possumos problemas de todo o gnero e tratamos de os resolver sem esse amor, de modo que assim, eles s crescem e multiplicam-se.

Silncio No h maneira de nos aproximarmos do amor ou de o deter porm, s vezes, se permanecermos margem do caminho, ou junto ao lago a observar uma flor, uma rvore ou o lavrador a lavrar a terra; se permanecermos em silncio sem devaneios nem fantasias, num silncio intenso isento de cansao, ento talvez o amor venha a ns. Se vier a ns no procuremos ret-lo nem o entesour-lo como uma experincia. Uma vez que nos toque j no voltaremos a ser os mesmos. Deixemo-lo actuar, no a nossa cobia, a nossa ira nem a nossa correcta indignao social. ele muito bravio e indmito, e a sua beleza nada possui de respeitvel. Todavia nunca o desejamos por sentirmos que poderia tornarse demasiado perigoso. Somos animais domesticados s voltas na jaula construda por ns prprios- com as nossas contendas, as nossas disputas, os nossos lderes polticos impossveis, os gurus que exploram a nossa vaidade, bem como a deles- com modos refinados ou crueza. Nessa jaula podem ter anarquia ou ordem, o que por sua vez abre caminho desordem; isso tem sofrido continuidade atravs dos sculos, avanando explosivamente ou retrocedendo, modificando os padres da estrutura social, talvez pondo fim pobreza aqui ou acol. Todavia se situarem isso como a coisa essencial nesse caso perdero o outro. Fiquem ss de vez em quando e se forem afortunados isso eclodir, numa folha cada ou naquela rvore brilhante no campo vazio.

Meditao A meditao o processo de compreenso da vossa prpria mente. Se no compreenderem o prprio pensar- o que representa o autoconhecimento- o que quer que pensem ter muito pouco significado. Sem as fundaes do auto-conhecimento, o pensar conduz ao dano. Todo o pensamento possui um significado; mas se a mente for incapaz de perceber esse significado, no s de um ou dois pensamentos porm de cada pensamento medida que ele surge, ento concentrar-se- numa ideia particular, numa imagem ou grupo de palavras- processo a que

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geralmente se chama meditao- o que constitui uma forma de autohipnose. Aquilo de que falo inteiramente diferente; libertar a mente de todas as suas reaces por meio de uma intensa vigilncia, ocasionando assim- e sem qualquer controle deliberado da vontade- um estado de serenidade interior. Somente a mente muito intensa e altamente sensvel pode na realidade ficar tranquila e no a mente paralisada pelo medo nem pela mgoa, pela alegria, ou insensibilizada pela acomodao s inmeras exigncias sociais e psicolgicas.

A verdadeira meditao constitui a mais elevada forma de inteligncia. No se trata da questo de se sentar de pernas cruzadas a um canto, com os olhos fechados, nem de fazer o pino, ou o que quer que seja. Meditar estar completamente consciente enquanto caminham, ou viajam de autocarro, enquanto esto a trabalhar no escritrio ou na cozinhacompletamente cons