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- Revista dos Alunos do Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião - UFJF Considerações sobre o Pecado Original em Sören Kierkegaard: uma explicação do conceito e seus reflexos no mundo André Luiz Salles * Sinopse O escopo deste trabalho é tentar mostrar de que forma a angústia pode lançar luz sobre o conceito de pecado herdado. Por conseguinte, “mostrar” o conceito de pecado herdado segundo Sören Kierkegaard. Buscaremos mostrar como a reflexividade da angústia problematiza os conceitos relativos ao pecado herdado na raça humana e em que sentido estes problemas podem ajudar na explicação destes conceitos. Palavras-chave: Dogmática, Psicologia, Pecado Hereditário, Soren Kierkegaard. Abstract The aim of this paper is to make an attempt to show how anxiety can throw light on the concept of original sin. More specifically, it wants to “show” the concept of inherited sin according to Sören Kierkegaard. We will try to show how the reflective nature of anxiety creates problems for the concepts of inherited sin in the human race, and in which sense these problems can help us to explain these concepts. Key-words: Dogmatics, Psychology, Hereditary Sin, Anxiety, Sören Kierkegaard Introdução Um estudo sobre a pecabilidade e o pecado herdado parece ser algo que beira a intriga, mas se corretamente compreendido pode servir para, pelo menos, * Mestre em Ciência da Religião, PPCIR-UFJF.

Considerações Sobre o Pecado Original

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Considerações sobre o Pecado Original em Sören Kierkegaard

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  • - Revista dos Alunos do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio - UFJF

    Consideraes sobre o Pecado Original em Sren Kierkegaard: uma explicao do conceito e seus reflexos no mundo

    Andr Luiz Salles*

    Sinopse O escopo deste trabalho tentar mostrar de que forma a angstia pode lanar luz

    sobre o conceito de pecado herdado. Por conseguinte, mostrar o conceito de

    pecado herdado segundo Sren Kierkegaard. Buscaremos mostrar como a

    reflexividade da angstia problematiza os conceitos relativos ao pecado herdado

    na raa humana e em que sentido estes problemas podem ajudar na explicao

    destes conceitos.

    Palavras-chave: Dogmtica, Psicologia, Pecado Hereditrio, Soren Kierkegaard.

    Abstract The aim of this paper is to make an attempt to show how anxiety can throw light

    on the concept of original sin. More specifically, it wants to show the concept of

    inherited sin according to Sren Kierkegaard. We will try to show how the

    reflective nature of anxiety creates problems for the concepts of inherited sin in the

    human race, and in which sense these problems can help us to explain these

    concepts.

    Key-words: Dogmatics, Psychology, Hereditary Sin, Anxiety, Sren Kierkegaard

    Introduo

    Um estudo sobre a pecabilidade e o pecado herdado parece ser algo que

    beira a intriga, mas se corretamente compreendido pode servir para, pelo menos,

    * Mestre em Cincia da Religio, PPCIR-UFJF.

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    sinalizar para o estudante do assunto a existncia de uma possibilidade e a

    capacidade inerente grande maioria dos seres humanos: a capacidade de

    deliberar sobre um determinado objeto. Haja vista a liberdade do ser humano em

    ponderar, no deveria nos espantar se diante de ns fosse apresentado um outro

    significado concernente ao pecado original. Porm, no que diz respeito queda,

    no nosso escopo examinar o pecado de Ado, tampouco fazer uma anlise do

    livro do Gnesis. , sim, abordar a angstia em sua relao com o pecado, a

    partir da obra O Conceito de Angstia de Sren Kierkegaard.

    Nesta obra, escrita em 1844, Sren Kierkegaard utiliza o pseudnimo

    Vigilius Haufniensis para a sua publicao. O motivo para a utilizao do

    pseudnimo , hoje em dia, amplamente debatido. Apresentamos, aqui, a razo

    na viso de Gregory R. Beabout. Segundo ele, O Conceito de Angstia uma

    obra completamente diferente dos outros trabalhos estticos de Sren

    Kierkegaard e constitui uma deliberao educativa direta1, onde o objetivo final

    o de mostrar e no o objetivo de dizer. Tudo isto mostra-nos o uso do

    pseudnimo com o escopo de estar ele se eximindo de um objetivo de deliberar

    sobre categorias que pertencem somente ao indivduo.2 Sren Kierkegaard queria

    mostrar que todo e qualquer indivduo subseqente a Ado pode ser educado

    pela angstia do possvel.

    Este trabalho contemplar uma reflexo com vistas ao entendimento da

    angstia e sua relao com o pecado original. Este, conforme a narrativa do

    Gnesis, pode referir-se tanto ao pecado cometido por Ado, quanto

    conseqncia deste pecado, ou seja, a mancha hereditria com a qual todos

    nascemos. Se o homem no tivesse comido o fruto proibido, no teria sido

    expulso do paraso (perdido a graa divina). Tambm, dele no teria se acercado

    o mal.

    O tratamento da angstia no ser humano, em nosso caso, exige

    preliminarmente uma delimitao. Cumpre, desde j, esclarecer o lugar do qual

    1 Gregory R. BEABOUT, Freedom and its misuses: Kierkegaard on anxiety and despair, p. 31: The concept of Anxiety is different from the other aesthetic works primarily in that it is explicitly educative. 2 Como o pecado entra no mundo, por exemplo, no de interesse ou competncia de nenhuma cincia. Portanto, nenhuma cincia pode deliberar sobre a entrada do pecado no mundo. A categoria do pecado concerne ao indivduo. Somente a Dogmtica pode pressup-lo.

    Sacrilegens, Juiz de Fora, v.1, n.1, p.51-66, 2004 - Andr Salles - http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2009/08/1-5.pdf 52

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    estaremos partindo. A exemplo, a angstia (como sofrimento pungente) pela

    realizao de uma guerra entre os Estados Unidos da Amrica e o Iraque, em

    virtude de que tal ansiedade possa trazer prejuzos diretos ou indiretos a um

    determinado indivduo ou grupo, est fora de nossa descrio. Quero dizer com

    isto, neste caso, que o objeto de tal angstia refere-se a alguma coisa precisa:

    guerra entre dois pases; a angstia de nossa considerao a angstia

    existencial que no tem, em princpio, um objeto especfico, no se refere a nada,

    porm mantm uma relao com o pecado. Portanto, para este primeiro momento

    introdutrio, estaremos talhando a angstia da moderna psicologia e qualquer

    outra definio ou tratamento da angstia que possua um objeto diferente do

    indicado. Assim, esta atitude coloca-nos diretamente no cerne de uma angstia

    que uma possibilidade, mas uma possibilidade que pode explicar o pecado

    herdado progressivamente.

    Contudo, uma angstia como possibilidade e relacionada com o pecado

    pode ou no preparar o indivduo para um retorno ao Eterno (Deus)? Existe

    alguma validade de garantia absoluta de uma possvel inverso da queda descrita

    no livro do Gnesis? Como pode a angstia do pecado ser sofrimento e no ter

    objeto? Possui a angstia uma qualidade nica? Ela pode deixar de ser um

    sofrimento pungente? A angstia explica o Pecado Herdado Progressivamente?

    Como? Para este momento, por motivos particulares, tentaremos responder

    apenas a esta ltima, argumentando em torno da Psicologia, da Dogmtica, do

    pecado original (pecado herdado), das interpretaes sobre o pecado herdado e o

    indivduo ps-admico.

    1 A pecabilidade segundo Vigilius Haufniensis

    A sexualidade tornou-se efetiva com a pecabilidade e, neste mesmo

    momento, a histria da raa teve seu incio. Assim, no incio da histria da raa, o

    primeiro homem colocou a qualidade. Portanto, Ado, como o primeiro homem,

    posicionou o seu pecado para si mesmo. Com e neste movimento, cuja

    precedncia angstia, Ado tambm tornou efetivo o pecado para toda a raa.

    Neste ato est toda a importncia que Ado possui em relao aos outros

    Sacrilegens, Juiz de Fora, v.1, n.1, p.51-66, 2004 - Andr Salles - http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2009/08/1-5.pdf 53

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    indivduos subseqentes. Dessa forma, a pecabilidade refletiu na raa e o pecado

    adquiriu significado para a criao inteira.

    Por intermdio de Ado, foi ento estabelecida uma diferena e uma

    similaridade entre ele e os demais indivduos subseqentes. A similaridade

    consiste na relao entre o primeiro pecado de Ado e o primeiro pecado de cada

    indivduo. Esta similaridade repousa, sempre, no fato do primeiro pecado de cada

    indivduo ser singular, ou seja, tanto Ado quanto os indivduos subseqentes

    tornam-se pecadores pela proclamao do prprio pecado. A diferena est na

    angstia, cujo estado afetivo precede ao pecado: a angstia conforme se deu em

    Ado nunca mais ir se repetir. Somente neste sentido o pecado de Ado

    essencialmente diferente do primeiro pecado de cada indivduo subseqente. Na

    viso de Vigilius Haufniensis, Ado um membro da raa humana. Portanto,

    nenhum ser humano pode ser essencialmente diferente de outros seres humanos

    com respeito origem do mal: o homem individuum e, como tal, ao mesmo

    tempo ele mesmo e a raa inteira.3

    Vigilius Haufniensis, desta forma, rejeita todas as interpretaes do

    dogma cristo do pecado herdado, uma vez que elas posicionam a figura de Ado

    fora da raa humana. Ele critica o Catolicismo que contempla uma viso de Ado

    como sendo um ser em um estado essencialmente diferente do estado humano.

    Sua censura vai tambm para as demais explicaes onde Ado visto como

    uma pessoa com pleno poder para agir em favor de algum. De igual forma,

    contrrio s explicaes onde todo indivduo vtima do pecado herdado,

    excetuando Ado. Portanto, lanar Ado fora da histria da raa, mediante uma

    interpretao do dogma cristo do pecado herdado , para Vigilius Haufniensis,

    um erro fundamental.4

    E, se acontece do primeiro pecado de Ado ser essencialmente diferente

    do primeiro pecado de outras pessoas? Simplesmente, Ado deixaria de ser

    humano. O primeiro pecado de Ado foi livremente escolhido a partir da angstia

    que uma necessidade para que haja a culpa. a partir deste fato, o ato livre,

    que se pode atribuir ao pecado de Ado e de todos os indivduos subseqentes

    uma qualidade. Dessa forma, a pecabilidade da raa e a angstia movem-se em

    3 Sren KIERKEGAARD, The concept of anxiety, p. 28: "(...) That man is individuum and such a way that the whole race participates in the individual and the individual in the whole race".

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    determinaes quantitativas, isto , a angstia e o pecado assumem, hoje no

    mundo, caractersticas peculiares. Contudo, fica estabelecida uma relao entre

    angstia e pecado que, segundo Vigilius Haufniensis, possvel de ser explicada:

    a conseqncia do pecado herdado ou a presena do pecado herdado no

    indivduo em particular angstia.5 Mas, como ele lana luz sobre estas

    explicaes?

    2 A apropriao da angstia pela Psicologia

    Qual seria o mtodo de estudo da angstia que est relacionada com o

    pecado? Vigilius Haufniensis6 delibera de maneira singular sobre este mtodo em

    O conceito de Angstia. Na introduo deste livro, ele mostra a presena da

    angstia no ser humano. Tambm, estabelece uma relao entre angstia e

    pecado: O propsito deste trabalho tratar psicologicamente o conceito de

    angstia, mantendo constantemente na mente e a frente dos olhos o dogma do

    pecado hereditrio.7 A angstia est relacionada com a experincia humana

    (alma) e seu mtodo de estudo, segundo ele, se liga descrio do estado

    psicolgico que precede ao pecado. O pecado, por sua vez, pertence ao domnio

    da Dogmtica que tem suas categorias baseadas na revelao. Enquanto a

    Psicologia explora completamente a possibilidade real do pecado, a Dogmtica

    explica o pecado herdado [pressupondo-o] que a possibilidade ideal do pecado.8

    O debate sobre o pecado, portanto, est fora do domnio da Psicologia e

    de todo e qualquer outro ramo do conhecimento9 que procure apropriar-se do

    conceito de pecado. A Dogmtica, que explica10 o pecado hereditrio somente

    pressupondo-o, o ambiente correto para a discusso do conceito de pecado.

    4 Gregory R. BEABOUT, Freedom and its misuses, p. 39-40. 5 Sren KIERKEGAARD, The concept of anxiety, p. 52. 6 Pseudnimo de Sren Kierkegaard [1813-1855]. 7 Ibid., p. 14: The present work has set as its task the psychological treatment of the concept of 'anxiety,' but in such a way that it constantly keeps [in mind] and before its eye the dogma of hereditary sin.

    in mente

    8 Ibid., p. 23. 9 Dentre estes ramos do conhecimento, Vigilius Haufniensis, cita a Metafsica, a Esttica e a tica. 10 Ibid., p.19.

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    um ambiente onde o indivduo fala como indivduo ao indivduo.11 Assim, h uma

    distino metodolgica entre Psicologia e Dogmtica, mas a relao entre

    angstia e pecado permanece: a angstia o estado que antecede o pecado,

    portanto corretamente apropriada pela deliberao Psicolgica. Atravs do

    entendimento da angstia, diz Vigilius Haufniensis, ns chegamos a um

    entendimento melhor do pecado e do pecado hereditrio.

    A angstia, que precede ao pecado, estudada por todas as disciplinas

    que queiram acercar-se da alma humana. A Psicologia12 uma delas, mas

    possui, segundo Vigilius Haufniensis, a sua demarcao de competncia, bem

    como a sua peculiaridade: deve tratar de algo que permanece estvel no

    indivduo. Mais alm da ambincia que prepara o salto qualitativo do pecado, a

    Psicologia no ir e no poder ir. O objeto de estudo desta deliberao

    psicolgica explicitado por ele:

    O assunto do qual a psicologia explora necessita ser alguma coisa

    em repouso, que permanea em um repouso inquietante e no

    algo inquietante que sempre produz a si mesmo, ou reprimido.

    Mas, a partir deste algo que permanece em um repouso

    inquietante, o pecado surge constantemente, no por meio de

    uma necessidade (pois um nascimento necessrio um estado,

    como, por exemplo, um estado o ciclo completo da planta); mas,

    atravs da liberdade este algo que permanece em um repouso

    inquietante, esta pressuposio predisposta, a real possibilidade

    do pecado, um assunto do interesse da Psicologia.13

    Assim, a deliberao psicolgica, ao estudar a angstia como

    pressuposio do pecado, no deve ser designada como um ramo da cincia que

    11 Ibid., p.16. 12 A Psicologia referida por Vigilius Haufeniensis a uma disciplina onde pode existir uma descrio e explanao da alma humana, ou seja, da natureza essencial para o ser humano. Portanto Vigilius Haufeniensis no aborda a Psicologia como cognitivismo, como o estudo do comportamento humano da maneira que feita pela Psicologia moderna. 13 Ibid., p. 21: The subject of which psychology treats must be something in repose that remains in a restless repose, not something restless that always either produces itself or is repressed. But this abiding something out of which sin constantly arises, not by necessity (for a becoming by necessity is a state, as, for example, the whole history of the plant is a state) but by freedom this abiding something, this predisposing presupposition, sins real possibility, is a subject of interest for psychology. (Traduo do Autor)

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    trata do conceito de pecado, explicando-o. No se trata disto. Pelo fato da

    proximidade do pecado com o objeto de estudo da Psicologia, tambm no

    poderamos dizer que ela uma cincia deficiente, ou seja, uma cincia que se

    apropria indevidamente de uma categoria (o pecado) diversa de sua competncia.

    Ela poderia ser qualificada como imperfeita no tratamento do conceito de pecado

    se o debate do pecado estivesse em sua ambincia, o que no verdade14. Em

    fim, a Psicologia a disciplina que mediante o estudo da angstia como

    pressuposio do pecado hereditrio fornece-nos uma ltima aproximao ao

    conceito de pecado e de pecado herdado lanando um esclarecimento sobre eles.

    A distino entre o bem e o mal entrou no mundo atravs da

    mordida do fruto da rvore do conhecimento. Tambm, a

    diferena sexual como apetite. Como isto aconteceu, nenhuma

    cincia pode explicar. A Psicologia veio como a mais prxima e

    explica a ltima aproximao: a liberdade, mostrando-se para si

    mesma, na angstia da possibilidade ou no nada da possibilidade

    ou no nada da angstia.15

    Verificarmos, com isto, que o salto qualitativo, posterior angstia, um

    ato livre. Nele o indivduo precisa posicionar o seu pecado. A Psicologia pode

    ocupar-se de como surgir o pecado, de toda a ambincia da angstia, mas no

    poder explicar como o pecado entrou no mundo. Tambm, no poder ocupar-

    se do nascimento do pecado no indivduo, por ser este um ato de liberdade e no

    uma necessidade. O repouso inquietante, ento, pode preparar o salto qualitativo

    do pecado. Portanto, a angstia a possibilidade para a possibilidade do pecado.

    14 O conceito de pecado, segundo Vigilius Haufeniensis, no pertence propriamente a nenhuma cincia. 15 Ibid., p. 76-77: By the eating of the fruit of the tree of knowledge, the distinction between good and evil came into the world, but also the sexual difference as a drive. How this came about, no science can explain. Psychology comes closest and explains the last approximation, which is freedoms showing-itself-for-itself in the anxiety of possibility, or in the nothing of possibility, or in the nothing of anxiety. (Traduo do Autor)

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    3 A conseqncia do Pecado Herdado em cada Indivduo

    Subseqente

    3.1 A reflexividade da angstia

    A angstia no indivduo subseqente a Ado mais reflexiva como uma

    conseqncia, ou seja, como um efeito da sua participao na relao da histria

    da raa. Isto pode ser comparado a um costume, semelhante a uma segunda

    natureza; no uma nova qualidade. A qualidade, por sua vez, ocorreu no caso de

    Ado e tambm pode ocorrer a todo indivduo subseqente. A prpria ambincia

    da angstia no uma suficiente condio para a ocorrncia do pecado. Dessa

    forma, a angstia, quando se trata do indivduo subseqente a Ado, difere da

    angstia de Ado somente de forma quantitativa.

    Por ser a angstia mais refletida, qual seria ento a relao desta

    angstia com o pecado, no indivduo subseqente? Segundo Vigilius Haufniensis,

    no obstante a reflexividade da angstia, a verdade de que o indivduo

    permanece culpado somente atravs de si mesmo permanece. Ele afirma,

    tambm, que esta segunda natureza da angstia apenas um sentimento

    derivado da angstia do pecado, ou seja, reflexo da pecabilidade da gerao no

    mundo inteiro. Assim, haver, sempre, um sentimento que talvez possa significar

    um mais ou um menos devido reflexividade da angstia: a realidade do pecado

    no tem, nesta segunda natureza da angstia, poder de sustentao.

    A angstia, em uma participao posterior, mais reflexiva como

    uma conseqncia da participao do indivduo na histria da

    raa algo que pode ser comparado com o costume, que algo

    como uma segunda natureza, no como uma qualidade, mas

    simplesmente como uma progresso quantitativa porque a

    angstia agora entrou no mundo com um novo significado. O

    pecado entrou na angstia; mas, por sua vez, o pecado trouxe,

    com ele e atravs dele, angstia. A bem da verdade, a realidade

    do pecado uma realidade que no tem poder de manter-se. Se

    por um lado, a continuidade do pecado a possibilidade que traz

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    angstia; de outro lado, a possibilidade de salvao ainda um

    nada, o qual o indivduo ama e teme porque isto sempre, para o

    indivduo, relao de possibilidade. Somente no momento que a

    salvao realmente colocada esta angstia superada.16

    Temos assim, na reflexibilidade da angstia, uma realidade do pecado

    que sempre uma relao de possibilidade para o indivduo e somente quando

    a salvao realmente colocada, esta angstia, que no a angstia do pecado,

    superada juntamente com a possibilidade. Portanto, a reflexividade da angstia,

    ou seja, a angstia no indivduo subseqente mostra-nos a acumulao

    quantitativa e o salto qualitativo.

    Esta refletividade predisposio que, antes do indivduo tornar-

    se culpado, significa essencialmente nada; enquanto que, quando

    atravs do salto qualitativo ele se torna culpado a pressuposio

    atravs da qual o indivduo vai alm de si mesmo, porque o

    pecado se supe a si mesmo, obviamente no antes dele ser

    posicionado (o que a predestinao), mas no momento em que

    colocado.17

    O fenmeno da segunda natureza da angstia no aconteceu no caso de

    Ado, porm a partir da sua pecabilidade. Assim, a acumulao quantitativa e o

    salto qualitativo devem estar claros para que o indivduo possa compreender a

    segunda natureza da angstia (relativa ao indivduo subseqente). Vigilius

    Haufniensis afirma que esta diferena entre a acumulao quantitativa e o salto

    qualitativo est presente de forma obscura na histria quantitativa da raa. Porm,

    16 Ibid., p. 53: Anxiety in a later participation is more reflexive as a consequence of his participation in the history of the race something that can be compared with habit, which is something of a second nature, not a new quality but simply a quantitative progression because anxiety has now entered into the world with a new significance. Sin entered in anxiety, but sin in turn brought anxiety along with it. To be sure, the actuality of sin is an actuality that has no endurance. On the one hand, the continuity of sin is the possibility that brings anxiety. On the other hand, the possibility of salvation is again a nothing, which the individual both loves and fears, because this is always possibilitys relation to individuality. Only in the moment that salvation is actually posited is this anxiety overcome. (Traduo do Autor) 17 Ibid., p. 62: This reflectiveness is predisposition that, before the individual becomes guilty, signifies essentially nothing; whereas when by the qualitative leap he becomes guilty, it is the presupposition by which he goes beyond himself, because sin presupposes itself, obviously not before it is posited (which is predestination), but in that it is posited. (Traduo do Autor)

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    se bem compreendida nos mostra uma angstia com dois significados18: a

    angstia na qual o indivduo torna efetivo o seu pecado atravs do salto

    qualitativo (angstia do pecado) e a angstia que entrou e entra com o pecado19.

    Vigilius Haufniensis recusa afirmar que um dos efeitos da pecabilidade de Ado

    a pecabilidade da raa humana e afirma a reflexividade da angstia no indivduo

    subseqente.

    A influncia desta progressividade, por sua vez, no est somente no

    novo significado que o pecado adquiriu a partir da pecabilidade de Ado, mas

    tambm na relao de gerao e na relao histrica. A angstia reflexiva a partir

    da importncia da pecabilidade de Ado explicada pela angstia objetiva; a

    angstia reflexiva como efeito da relao de gerao e da relao histrica, pela

    angstia subjetiva no indivduo, conforme veremos a seguir.

    3.2 A angstia objetiva na criao

    Em toda a criao, est o reflexo da pecabilidade da gerao no mundo

    inteiro. O indivduo subseqente participa da histria da raa que comeou

    exatamente no momento em que Ado posicionou o seu pecado para si mesmo.

    A conseqncia deste ato foi o reflexo da pecabilidade em toda a gerao: Por

    angstia objetiva entendemos, por outro lado, o reflexo da pecabilidade da

    gerao no mundo inteiro.20 Temos, dessa forma o pecado adquirindo um novo

    significado, um novo status, para a criao inteira. Mas, Vigilius Haufniensis, ao

    afirmar isto, no est propondo o mesmo tipo de interpretao dado pela

    Ortodoxia: atravs do pecado de Ado a natureza e a raa caram em pecado.

    18 Ibid., p. 54. 19 A angstia que entrou e entra com o pecado, acreditamos que seja uma referncia angstia objetiva e angstia subjetiva. A primeira entrou no mundo com a pecabilidade de Ado. A segunda, entra no mundo com o pecado, ora pela afirmao da sensualidade como pecabilidade, ora como influncia do ambiente que envolve todo indivduo subseqente. 20 Ibid., p. 56-57: "By objective anxiety we understand, on the other hand, the feflection of the sinfulness of the generation in the whole world".

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    Dessa forma, o indivduo subseqente no participa do pecado atravs de uma

    relao de conseqncia com referncia ao pecado de Ado, mas atravs daquilo

    de Vigilius Haufniensis chama de salto qualitativo: o pecado entra no mundo

    como o sbito, isto , atravs de um salto.21

    Em contrapartida, o pecado, com este novo status, trouxe com ele

    angstia. Porm, esta angstia que o novo status do pecado traz com ele

    somente quando o indivduo torna efetivo para si mesmo o pecado: A rigor, a

    angstia, que o pecado traz com ela, somente quando o indivduo, atravs de si

    mesmo, torna efetivo o pecado e mais, esta angstia obscuramente presente,

    na quantitativa histria da raa, como um mais ou um menos.22

    A angstia objetiva na natureza , dessa forma, o efeito do pecado ou da

    pecabilidade que deixou o status de pressuposio para se transformar em um

    objeto, ou melhor, em um estado23 mais ou menos (aproximao quantitativa).

    Esta angstia, para Vigilius Haufniensis, no insinua um estado precedente

    (estado de inocncia). Ela relativa a uma contemplao do mundo e no

    suficiente at que o indivduo se torne culpado de forma qualitativa.

    3.3 A angstia subjetiva

    Em cada indivduo subseqente a angstia mais reflexiva, porm cada

    indivduo subseqente precisa assumir que tem um estado de inocncia anlogo

    ao estado de inocncia de Ado. Admitir tal estrutura em si mesmo e em todo ser

    humano compreender de maneira correta o que vem a ser angstia subjetiva no

    indivduo. Primeiro, saber que a angstia igual de Ado nunca mais existir.24

    Segundo, no obstante a angstia de Ado, como possibilidade para a

    possibilidade do pecado, ter tido como objeto o nada, no ser devido ao fato da

    angstia mais reflexiva no indivduo possuir um more [mais] em relao de Ado

    que ela deixar de ter o seu poder de qualidade.

    A angstia de Ado possua como objeto o nada, a gerao ainda no

    tinha sido estabelecida. No indivduo subseqente, talvez, o nada da angstia

    21 Ibid., p. 32: Thus sin comes into the world as the sudden, i. e., by a leap. 22 Ibid., p. 53: "Strictly speaking, the anxiety that sin brings with it is only when the individual himself posits sin, and yet this anxiety is obscurely present as a more or a less in the quantitative history of the race." 23 Ibid., p. 15.

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    signifique alguma coisa em virtude de sua relao de gerao. Esta relao pode

    ser traduzida no fato de que, em algum momento, a sensualidade tornou-se

    pecabilidade. Assim, qualquer coisa que se diga sobre Eva tem valor para

    qualquer outro indivduo subseqente. Portanto, o efeito da relao de gerao,

    no obstante ser um mais do qual nenhum indivduo subseqente pode escapar,

    um mais que contm tambm uma intensidade mais ou menos:

    Mas, este mais de angstia e sensualidade para cada indivduo

    subseqente em relao a Ado pode, claro, significar um mais

    ou um menos em cada individuo em particular. Aqui jazem

    diferenas que na verdade so to horrveis que certamente

    ningum ousaria pensar sobre elas no sentido profundo, isto ,

    com verdadeira simpatia humana. A no ser que esteja firme e

    convencido absolutamente de que nunca no mundo houve ou

    haver um mais tal que, atravs de uma simples transio,

    transforme o quantitativo em qualitativo.25

    Para Vigilius Haufniensis, no somente a relao de gerao que pode

    enfraquecer os conceitos relativos ao pecado original, tambm a relao histrica.

    A existncia de um ambiente histrico onde a sensualidade talvez signifique

    pecabilidade tem, de igual forma, influncia mais ou menos (quantitativa) no

    indivduo subseqente: o pecado torna a sensualidade pecabilidade. Esta

    influncia histrica possibilita ao indivduo tornar-se culpado na angstia, vendo o

    seu ser como culpado a partir da influncia do ambiente no qual est inserido.

    Isto, porm, quantitativo, acumulao histrica; somente o que vale ser

    culpado por si mesmo, ou seja, mediante o salto qualitativo. A diferena entre

    conhecimento histrico da pecabilidade e a pecabilidade individual aqui, mais

    uma vez, importante para a explicao do que o pecado original.

    24 Ibid., p. 60. 25 Ibid., p. 72: But this more of anxiety and sensuousness for every subsequent man in relation to Adam may, of course, signify a more or a less in the particular individual. Here lie differences that in truth are so appalling that surely no one would dare to think about them in a deeper sense, i.e., with true human sympathy, unless he was firmly and unshakable convinced that never in the world has there been or ever will be a more such that by a simple transition it transforms the quantitative into the qualitative. (Traduo do Autor)

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    A sensualidade, ento, no pecabilidade. Portanto, desde que o

    pecado foi colocado e continua sendo colocado, a sensualidade

    torna-se pecabilidade. compreensvel que a pecabilidade seja

    geralmente aceita ou entendida como alguma outra coisa. Mas, o

    que o pecado significa alm de tudo isto no est no objetivo de

    nossa investigao. A tarefa imergir o si mesmo

    psicologicamente no estado que precede o pecado.

    Psicologicamente falando, a tarefa imergir o si mesmo no estado

    que predispe a si mesmo mais ou menos para o pecado.26

    Posto isto, a angstia, cujo objeto um mais em relao angstia de

    Ado, insinua um estado precedente (de inocncia) em cada indivduo

    subseqente. A angstia subjetiva no o reflexo de uma contemplao do

    mundo, mas um efeito da relao de gerao e da relao histrica que

    transforma o nada da angstia, em cada indivduo subseqente, em um algo

    mais. De maneira anloga angstia objetiva, tambm no suficiente para que

    o indivduo se torne culpado com propriedade. A angstia s tem qualidade

    quando o indivduo, atravs de si mesmo, mergulhando em seu prprio ambiente,

    cujo estado de dificuldade psicolgica27, proclama a si mesmo na angstia e

    obtm a revelao da liberdade para si mesmo na possibilidade28. Por

    conseguinte, mediante o salto qualitativo, por si mesmo, torna-se culpado de seu

    prprio pecado.

    Concluso

    A angstia e o pecado so mais reflexivos no indivduo subseqente.

    Existe uma intensidade (mais ou menos), devido contemplao do mundo

    (angstia objetiva na natureza); ou relativo ao estado de inocncia do indivduo

    26 Ibid., p. 76: Sensuousness, then, is not sinfulness, but since sin was posited and continues to be posited, it makes sensuousness sinfulness. That sinfulness consequently signifies something else as well goes without saying. But what sin further signifies is not within the scope of our investigation, the task of which is to immerse oneself psychologically in the state that precedes sin and, psychologically speaking, predisposes more or less to sin. (Traduo do Autor) 27 Ibid., p. 77. 28Alastair HANNAY e Gordon MARINO D., The Cambridge companion to Kierkegaard, p. 317.

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    subseqente (angstia subjetiva no indivduo). A angstia como aconteceu em

    Ado no mais ocorrer, uma vez que a angstia em cada indivduo subseqente

    est mais reflexiva.

    A angstia mais reflexiva no indivduo subseqente, diferindo da angstia

    de Ado somente quantitativamente, a explicao sustentvel de Vigilius

    Haufniensis, para mostrar que: (1) No existe uma relao de conseqncia entre

    o pecado de Ado e o pecado de cada indivduo subseqente; portanto, a

    angstia que possibilita o salto qualitativo do pecado no indivduo subseqente

    conserva a mesma forma de qualidade da angstia de Ado. Para que as

    interpretaes relativas ao pecado original pudessem ter clareza do que

    realmente o pecado herdado de forma a no incorrerem em erros fundamentais,

    no deveriam apropriar-se do pecado sob qualquer forma, em seu ambiente

    prprio de pesquisa. Antes, a atitude deveria ser a do discernimento adequado

    entre a acumulao quantitativa e o salto qualitativo e saber que a Psicologia a

    disciplina que, ao explorar a angstia, mantm uma proximidade ltima ao pecado

    de todo indivduo subseqente. (2) Existe uma intensidade (um mais ou menos)

    da angstia na qual nenhum indivduo subseqente pode escapar. Tal intensidade

    no conserva nenhum tipo de qualidade, porm apenas determinao

    quantitativa na raa humana. Assim, o reflexo da pecabilidade na raa inteira e a

    situao de cada indivduo inserido no mundo (suas relaes de gerao e

    relaes histricas), representados pela angstia objetiva na natureza e angstia

    subjetiva no indivduo, respectivamente, no conservam nenhuma forma

    qualitativa. Nem por isto deixam de ter importncia: a apreenso do salto

    qualitativo a assimilao do fato de que todo indivduo subseqente tem um

    estado de inocncia anlogo ao de Ado. Assim, da mesma forma que Ado, todo

    indivduo precisa proclamar-se na angstia, a possibilidade real do pecado,

    mediante um ato livre, no se deixando enganar por determinaes quantitativas.

    Estas, por sua vez, influenciam nas interpretaes do pecado herdado, tornando-

    as imprecisas e incorretas, ou seja, confundem-se todos os conceitos de pecado

    herdado na raa.

    O que valeu para Ado tem que valer para todo indivduo. A angstia a

    condio necessria, mas no suficiente para a possibilidade do pecado. Saber

    distinguir o salto qualitativo da acumulao quantitativa fundamental para que

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    cada indivduo evoque uma realidade de maneira precisa e correta onde a relao

    entre Ado e cada indivduo subseqente deixe de ser uma relao de

    conseqncia. A relao de semelhana de funo: o que aconteceu a Ado

    tambm acontece ao indivduo subseqente e a reflexividade da angstia e do

    pecado, bem como o seu aumento quantitativo, no devem entusiasmar.

    Assim, a angstia como explicao do pecado herdado progressivamente,

    apresentada por Vigilius Haufniensis, no uma explicao do pecado herdado a

    partir do pecado de Ado, porm, uma explicao do pecado herdado em termos

    de suas conseqncias: no como uma causa do passado (do indivduo Ado)

    que produz seus efeitos na humanidade (no indivduo subseqente), mas o

    pecado herdado ou a pecabilidade como algo presente em todo indivduo. Para

    entender isto, Vigilius Haufniensis quer que deixemos de lado a unilateralidade do

    pensamento que, de modo fantstico segundo ele, posiciona o indivduo Ado

    fora da histria da raa. Contudo, a caracterstica da angstia, segundo Vigilius

    Haufniensis, lana luz sobre o pecado herdado (pecado original) mediante as

    explicaes da reflexividade da angstia em todo indivduo subseqente; porm,

    lana luz atravs de sua forma ambgua: a angstia em todo indivduo

    subseqente est mais reflexiva, portanto uma questo de quantidade (mais ou

    menos) e no capaz de instaurar a qualidade: tem poder de confundir todos os

    conceitos relativos ao pecado herdado. A confuso pode ser via contemplao do

    mundo ou mediante as relaes de gerao e relaes histricas. No obstante, a

    angstia no indivduo subseqente conserva a mesma responsabilidade da

    angstia de Ado e, dessa forma, ela qualidade necessria, no como suficiente

    condio, mas como condio de possibilidade real do pecado. Na compreenso

    deste estado afetivo est a possibilidade de no se confundir o que pecado

    herdado progressivamente na raa.

    Referncias Bibliogrficas

    BEABOUT, Gregory R. Freedom and Its Misuses: Kierkegaard on Anxiety and

    Despair. Milwaukee: Marquette University Press, 1996.

    Sacrilegens, Juiz de Fora, v.1, n.1, p.51-66, 2004 - Andr Salles - http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2009/08/1-5.pdf 65

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    HANNAY, Alastair, MARINO D., Gordon, The Cambridge Companion to

    Kierkegaard, Cambridge University Press, 1998.

    KIERKEGAARD, Sren. The Concept of Anxiety: a Simple Psychologically

    Orienting Deliberation on The Dogmatic Issue of Hereditary Sin. Princeton, N.J.:

    Princeton University Press, 1980.

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