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Consideramos que o comprometimento de cada diretor como “líder
para a coordenação do esforço humano coletivo na escola” (PARO, 2001,
p. 67) na defesa de um projeto de gestão articulado ao PPP da escola, foi
fundamental para a continuidade do processo de formação e, a partir dele,
a qualificação do planejamento e do conselho de classe e a construção de
um novo currículo.
Vale ressaltar que os projetos de gestão dos diretores foram
legitimados pelo voto de pais, profissionais e estudantes do 6º ao 9º ano
da escola. Diretores eleitos em processos democráticos que, mesmo com
as dificuldades diante da apresentação de uma única candidatura,
conseguiram mobilizar um grande número de votantes e obter um elevado
percentual de preferência83. Portanto, podemos considerar que, mais que
um momento de avaliação de um projeto de gestão, a cada dois/três anos,
o que estava em evidência, avaliação e controle pela comunidade
escolar84 era o próprio projeto de escola em construção.
Neste sentido, Barroso (1997, p. 74) ressalta que a formação
continuada na escola, implica, entre outras coisas, o desenvolvimento de
uma gestão participativa e a existência de lideranças (individuais e
coletivas) “capazes de ‘empreenderem’ as mudanças necessárias para que
a formação se possa finalizar na inovação e no desenvolvimento
organizacional da escola”, de tal forma, que se construa um “cenário
organizacional onde os indivíduos queiram e possam mudar”.
Evidentemente que, ao enfatizar a importância do compromisso
assumido pelos diretores eleitos com o processo de formação da Escola
Beatriz, não estamos minimizando a importância de outras lideranças.
Pelo contrário, mostraremos, no decorrer deste e do próximo capítulo, que
a liderança exercida por uma das componentes da equipe pedagógica na
organização, coordenação e articulação do Curso foi fundamental, assim
83.É importante lembrar que o voto para diretor não é obrigatório, não implica
sanções individuais e que, portanto, “pressupõe um certo nível de
conscientização, capaz de mobilizar pais, alunos e profissionais a deixarem
suas casas num sábado (dia em que normalmente acontecem as eleições para
diretor nas escolas da rede municipal de ensino) para irem à escola votar neste
ou naquele candidato” (CARMINATI, 2002, p. 106). Somente as eleições de
2010 ocorreram em uma sexta-feira, dia de aula normal, o que pode explicar o
maior número de votantes neste pleito, pois 87,87% dos estudantes votaram.
(EBMBSB, 2010a). 84.Neste estudo utilizaremos a expressão “comunidade escolar” para designar os
estudantes, seus pais ou responsáveis e os profissionais que atuam em uma
determinada unidade escolar, sem a pretensão de buscar um significado
sociológico mais rigoroso para o termo.
159
como a liderança de alguns professores na materialização dessa proposta
em sala de aula e sua socialização e defesa junto aos demais profissionais.
Tampouco estamos desconsiderando os limites que o próprio processo de
eleição encerra. Sobre isto, nos chama a atenção a análise feita por Paro
(2001, p. 67):
as causas do autoritarismo existente nas unidades
escolares não advêm exclusivamente do
provimento do diretor pela via da nomeação
política [partidária]. Antes, é preciso considerar
que tal autoritarismo é resultado da conjunção de
uma série de determinantes internos e externos à
unidade escolar que se sintetizam na forma como
se estrutura a própria escola e no tipo de relações
que aí têm lugar. Por isso, mais uma vez é preciso
ter presente que, também neste caso, não se trata
em absoluto de culpar a eleição, mas de
reconhecer que ela tem limites que só podem ser
superados quando se conjuguem, ao processo
eletivo, outras medidas que toquem na própria
organização do trabalho e na distribuição da
autoridade e do poder na escola. (grifos nossos).
Desta forma, a eleição de diretores, embora fundamental para a
democratização da gestão escolar, não é suficiente. De acordo com
Carminati (2002, p. 182), “como parte constitutiva desse processo faz-se
necessário a implantação dos Conselhos de Escola, ou seja, a criação de
um instrumento capaz de organizar e viabilizar a participação dos
diferentes segmentos da escola, nos seus diversos espaços de discussão e
decisão”. Além disso, o conselho de escola, para manter-se atuante,
precisa estar articulado a um projeto de escola que se pretenda e se
construa democraticamente. Mais do que colaborar com a escola, é
preciso garantir que a comunidade escolar tenha espaços de participação
na tomada de decisões. Por essa razão, afirma Paro (1997, p. 16), “um dos
requisitos básicos e preliminares para aquele que se disponha a promovê-
la é estar convencido da relevância e da necessidade dessa participação,
de modo a não desistir diante das primeiras dificuldades”.
Analisando os projetos de gestão referidos anteriormente,
identificamos em todos eles um item que trata especialmente das ações
voltadas para a construção e o fortalecimento da gestão democrática. A
este respeito, e com pouquíssimas alterações no conteúdo, encontramos o
seguinte texto:
160
Gestão Democrática: ** respeito e fortalecimento
das instâncias deliberativas existentes na Escola85:
assembleia geral, conselho de escola/APP,
reuniões de pais/responsáveis, reuniões
pedagógicas, conselho de classe, reunião da
coordenação pedagógica e direção; ** trabalho
articulado com o conselho de escola/APP; **
publicização da prestação de contas dos recursos
gerenciados pela APP/conselho de escola.
(EBMBSB, 2004e; 2006b; 2008a; 2010a).
A consolidação desses espaços possibilitou maior agilidade aos
encaminhamentos das questões ou problemas suscitados pelo cotidiano,
conferindo maior legitimidade e força às decisões tomadas pela escola. E
foi no próprio exercício que essa prática democrática foi sendo aprendida
e aprimorada, pois “não obstante guiada por alguma concepção teórica do
real e de suas determinações e potencialidades, a democracia só se efetiva
por atos e relações que se dão no nível da realidade concreta” (PARO,
1997, p. 18). Não existe um manual com receitas de como construir uma
gestão democrática, esse é um caminho marcado por contradições,
tensões e disputas, que precisa ser percorrido.
3.2.1 Lutando por um espaço de qualidade
Em 2004, a Escola Beatriz possuía uma boa estrutura física, bem
diferente daquele prédio com quatro salas de aula, cozinha, sala de
direção, banheiros e um pátio coberto, onde funcionava o Grupo Escolar
nos anos 1960, ou da Escola Básica, já nas novas instalações, construídas
na metade dos anos 1980, ou ainda da flagrante condição de abandono e
precariedade em que se encontram muitas escolas públicas brasileiras.
Essa boa estrutura pode ser caracterizada por salas de aula amplas,
arejadas e bem iluminadas, uma biblioteca ampla e localizada na parte
85.É interessante perceber que a preocupação com a criação de instâncias
deliberativas na Escola Beatriz não é algo novo. Na ata da reunião pedagógica
de 19 de março de 1998, encontramos o seguinte excerto: “Vamos pontuar as
instâncias deliberativas: reunião pedagógica; reunião semanal da equipe
pedagógica e direção; conselho de classe; reuniões da APP; grêmio estudantil;
conselho de escola (em construção); comissões. Não é possível discutir tudo a
toda hora, tem que ter instâncias para resolução. [...] Janete [diretora] diz que
nunca toma decisões isoladas, mesmo que seja urgente ela recorre à equipe
pedagógica. A instância seria o fluxo de decisões [...]” (EBMBSB, 1998a, p.
39).
161
central da Escola86, um auditório amplo e com cadeiras confortáveis, uma
sala informatizada com bons computadores e acesso à internet, uma
quadra polivalente descoberta e um ginásio de esportes, um refeitório com
mobiliário adequado para as refeições dos estudantes, sala multiuso, sala-
polo (antiga sala de recursos e atual sala multimeios), secretaria, direção,
sala dos professores e de planejamento, coordenação pedagógica, sala das
auxiliares de ensino e uma ampla área externa que totaliza 32.585m2
(FLORIANÓPOLIS, 2016).
A planta a seguir apresenta com mais detalhes as mudanças que
ocorreram no espaço físico da Escola Beatriz de 1986 para 2004 (Figura
3):
86.Destacamos este aspecto porque até o ano 2000 a biblioteca “Paulo Freire”,
como é chamada, era muito menor e estava situada, como informamos no início
do primeiro capítulo, no último bloco da Escola.
162
Figura 3 – Planta baixa esquemática da Escola Básica Municipal Beatriz de
Souza Brito, 2004
Legenda
Espaços construídos após 1986
Espaços cuja função foi modificada de 1986 para 2004
Fonte: Desenho realizado pelo estudante de arquitetura da UFSC, Thiago Aguiar
Demaria, com a colaboração da pesquisadora (2017), a partir dos dados coletados
nos documentos: Florianópolis (1982), EBMBSB (2004c).
163
Em 1986, ano em que a Escola Beatriz começou a funcionar em
suas atuais instalações, a área construída era de 1.343,32m2
(FLORIANÓPOLIS, 1982), chegando em 2004 a 3.684m2
(FLORIANÓPOLIS, 2016). Porém, é importante destacar que esse
aumento substancial da área construída (2.340,68m2), ao contrário do que
normalmente ocorre com as escolas públicas brasileiras, não significou
um aumento no número de salas de aula, que permaneceu em 12, e sim a
criação e qualificação de diferentes espaços pedagógicos, como as salas
multiuso e informatizada e o auditório. Aspecto que certamente tem
relação com a história de luta dos profissionais, pais e estudantes por uma
escola pública de qualidade.
Uma luta traduzida em ações cotidianas de manutenção e limpeza
ou na realização de atividades mais pontuais, como o Dia da
Humanização (Figura 4). Destacamos esse dia, pois era uma atividade
coletiva que ocorria duas vezes ao ano, sempre aos sábados, reunindo
todos os profissionais e um grande número de pais e estudantes com o
objetivo de cuidar da área externa da escola, por meio de ações de
limpeza, capinação, recolhimento de entulho, plantio de árvores frutíferas
e plantas ornamentais, adubação e poda. Lembramos que a Escola Beatriz
foi construída na encosta de um morro, onde a cobertura vegetal foi
totalmente retirada, deixando o terreno suscetível aos efeitos erosivos das
águas pluviais.
Figura 4 – Dia da Humanização – 07 de junho de 2008
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2008).
164
Uma luta que também envolvia ações junto à SMEF e a outros
órgãos da Prefeitura, no sentido de buscar a implementação de reformas,
ampliações e/ou construções que levassem “a qualificação dos espaços
existentes, uma qualificação pedagógica” (EBMBSB, 2005a, p. 4).
Assim, a última reforma da Escola, em fase de conclusão neste ano de
2017, por exemplo, vem sendo reivindicada há mais de uma década. E
sobre essa reforma, vale ressaltar, que o número de salas de aula, foi
reduzido de doze para nove, a fim de que outros espaços pedagógicos
pudessem ser criados ou ampliados, como ocorreu novamente com a
biblioteca Paulo Freire, que passou de 96,5m² para 145,14m².
As transformações que o espaço físico da Escola Beatriz foi
sofrendo ao longo dos anos, seja em sua área construída ou em sua área
externa, mereceu destaque em nossa discussão, porque, como explicitado
no documento elaborado por seus profissionais e encaminhado ao Diretor
de Ensino Fundamental da SMEF, Pedro Rodrigues da Silva, em 2012,
ter “um espaço físico bonito e estimulante” é uma das condições
fundamentais, além de “muito estudo”, de “tempo para reflexão” e de um
“grupo de profissionais comprometido e permanente”, para que se possa
“dar conta desta tarefa complexa, repleta de contradições, e desafiadora,
que é a construção de um projeto político-pedagógico” (EBMBSB,
2012a).
3.3.A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA E O SEU PAPEL DE
LIDERANÇA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO
Autores como Garcia (1999), Oliveira-Formosinho e Formosinho
(2002) apontam a existência de lideranças como uma das condições
fundamentais para o desenvolvimento de processos formativos na escola.
Condição que também consideramos essencial para que o curso Ler e escrever: compromisso da escola, compromisso de todas as áreas tenha
sido realizado ao longo de uma década e se constituído em um processo
de desenvolvimento profissional docente capaz de promover mudanças
na escola.
Neste sentido, ao nos debruçarmos sobre a documentação
existente, identificamos que esse papel foi desempenhado não por uma,
mas por três lideranças que apresentavam especificidades importantes e
complementares: os diretores eleitos, conforme já destacamos
anteriormente, alguns professores, como mostraremos no quarto capítulo,
e uma das componentes da equipe pedagógica, cujo trabalho de
organização, coordenação e articulação em torno do Curso será o foco de
análise deste item.
165
Para tanto, consideramos importante destacar que o papel de
liderança desenvolvido por esta profissional deve ser compreendido no
contexto de (re)organização do próprio trabalho da equipe pedagógica
diante da centralidade que o Curso assumiu na construção do Projeto
Político-Pedagógico da Escola Beatriz. Ou seja, essa responsabilidade
individual se insere em um contexto de colaboração de um grupo que
tinha objetivos comuns a atingir.
Em 2004, a Escola possuía uma equipe pedagógica formada por
duas orientadoras educacionais, uma supervisora escolar e uma
administradora escolar, que, diferentemente de muitas unidades de ensino
fundamental da RMEF, atuavam e ainda atuam em uma perspectiva de
coordenação pedagógica87, na qual o acompanhamento sistemático do
processo de ensino e aprendizagem implica em uma concepção que
necessariamente envolve a relação com e entre os professores e os
estudantes, pois são processos e sujeitos que não podem ser
compreendidos de forma isolada. O coordenador, nesse contexto,
constitui-se em uma referência para a análise, a discussão, a reflexão, a
problematização, o planejamento e os encaminhamentos cotidianos
envolvendo o trabalho pedagógico das turmas que coordena, ou seja, uma
referência pedagógica para os professores, os estudantes e seus familiares,
que assume junto com o professor a responsabilidade pela qualidade do
processo de ensino e aprendizagem.
Sendo assim, a partir de 2005, o acompanhamento cotidiano das
turmas e professores, conforme consta no documento Organização
87.É importante esclarecer que nos limites desta pesquisa não entraremos na
discussão, bastante complexa, em torno da função (que inclui pensar a
formação inicial e continuada) do coordenador pedagógico ou dos chamados
especialistas em assuntos educacionais. Destacaremos apenas os aspectos de
(re)organização do trabalho da equipe pedagógica da Escola Beatriz (e mais
especialmente do orientador educacional e do supervisor escolar) que nos
permitem compreender melhor o processo de organização, coordenação e
articulação do Curso.
166
pedagógica/administrativa88 (EBMBSB, 2005e), era feito pela
supervisora escolar Maria Aparecida Aguiar Demaria, coordenadora das
séries iniciais, e pela orientadora educacional Maria Stela Bardini Eller,
coordenadora das séries finais. Essa nova organização do trabalho da
equipe pedagógica89 possibilitou que a orientadora educacional Márcia
Bressan Carminati tivesse o tempo necessário para assumir e desenvolver
as inúmeras tarefas que a organização, coordenação e articulação do
Curso demandavam.
Tal organização indica que o processo de formação também era
uma prioridade para a equipe pedagógica, o que vem ao encontro da
assertiva feita por Domingues (2014, p. 51): “cada vez mais a
coordenação pedagógica nas escolas públicas vai assumindo a formação
desenvolvida na escola como algo inerente ao seu trabalho”. Para a
autora, este é um dos aspectos que favorece a formação continuada na
escola, ou seja, o fato de nela existir um profissional específico para
promovê-la.
Priorizar a formação implicou em um esforço permanente por parte
da Equipe em focar o pedagógico no trabalho de coordenação90, pois as
demandas administrativas e burocráticas, assim como as intercorrências e
88.Durante o período de 1998 a 2008, a cada início de ano letivo a equipe
pedagógica organizava e distribuía a todos os profissionais da Escola um kit,
intitulado Organização pedagógica/administrativa, que continha os principais
documentos orientadores do trabalho pedagógico a ser desenvolvido naquele
ano, tais como: a proposta de calendário escolar aprovada, as metas para aquele
ano letivo, os projetos a serem desenvolvidos, a organização do
acompanhamento cotidiano das turmas e dos professores, a forma como seria
elaborado e organizado o planejamento de ensino de 1ª a 8ª série, a proposta de
metodologia para o conselho de classe do I bimestre, a proposta de avaliação e
os indicadores educacionais da escola, o horário de atendimento aos
pais/responsáveis, o horário de plantão de dúvidas e o formulário para
avaliação do ano letivo. 89.Até o ano de 2004, o acompanhamento cotidiano das turmas e professores era
feito pelas três profissionais: as turmas de 1ª a 3ª série eram coordenadas pela
supervisora Maria Aparecida Aguiar Demaria, as de 4ª e 5ª séries pela
orientadora Márcia Bressan Carminati; e as de 6ª a 8ª série, pela orientadora
Maria Stela Bardini Eller. 90.Lembramos que a priorização do pedagógico (na elaboração do planejamento
estratégico situacional, nas discussões das reuniões pedagógicas, nas metas
estabelecidas a cada ano letivo, nos projetos de gestão dos diretores eleitos, na
construção do projeto político-pedagógico) foi um desafio enfrentado pela
Escola Beatriz ao longo de sua trajetória, especialmente a partir da segunda
metade dos anos 1990.
167
os imprevistos, que não podem ser erradicados completamente do
cotidiano escolar, podem absorver facilmente todo o tempo dos
profissionais na escola, especialmente os que ocupam o espaço não
docente do fazer pedagógico.
É preciso ter cuidado permanente, um olhar centrado no projeto
político-pedagógico e no papel de liderança, que deve e precisa ser
desempenhado pela coordenação pedagógica nesta construção coletiva, a
fim de evitar a realização de um trabalho fragmentado e por isso, muitas
vezes, de pouca relevância para a escola. É preciso forjar o “tempo para
tratar o pedagógico, que é a alma da escola (informação oral”91).
Neste sentido, Barcelos (2014, p. 210) afirma que “demarcar
claramente o campo de atuação [dos especialistas], para si e para os
outros, se constitui numa ação importante para qualificar a natureza das
relações estabelecidas entre os profissionais que atuam na unidade
educativa”. Uma ação que, de acordo com a autora, contribui para o
projeto coletivo de escola e envolve a compreensão da prática pedagógica
enquanto prática social. A este respeito, Veiga (1989, p. 16), esclarece
que a prática pedagógica
é uma prática social orientada por objetivos,
finalidades e conhecimentos, e inserida no contexto
da prática social. A prática pedagógica é uma
dimensão da prática social que pressupõem a
relação teoria-prática, e é essencialmente nosso
dever, como educadores, a busca de condições
necessárias para sua realização.
É neste contexto que as funções de organização, coordenação e
articulação do Curso puderam ser desenvolvidas e como tal precisam ser
compreendidas. Um trabalho que buscamos sintetizar no quadro a seguir,
elaborado a partir dos registros pessoais das ações realizadas pela
pesquisadora na condição de responsável por essas funções nos dez anos
de implementação desse processo formativo. As inúmeras ações foram
agrupadas didaticamente em eixos de atuação, com o intuito de enfatizar
e de melhor explicitar as diferentes dimensões deste trabalho. Isto não
91.Afirmação feita durante uma reunião da equipe pedagógica, no dia 2 de abril
de 2007, na qual o grupo discutia a necessidade de rever o fluxo de atendimento
cotidiano aos estudantes, especialmente das séries iniciais, para que questões
não especificamente pedagógicas, mas também importantes, como as relativas
ao bem-estar físico das crianças, fossem encaminhadas por outros profissionais
da escola (os auxiliares de ensino e os professores readaptados, por exemplo),
e não necessariamente pelo coordenador pedagógico (CARMINATI, 2007).
168
significa que todas elas tenham sido realizadas em todos os anos, mas
todas as ações que constam do quadro foram efetivadas em pelo menos
cinco dos dez anos do Curso.
Quadro 5 - Eixos de atuação e ações envolvendo o trabalho de organização,
coordenação e articulação do processo de formação
Eixo 1:.elaboração de um projeto de formação que atenda às
necessidades da escola e do próprio processo formativo
Ações:
elaboração do projeto de formação a ser desenvolvido em cada ano
letivo;
proposição de conteúdos e metodologias a partir da avaliação do
Curso, de indicações de professores (em conversas ou comentários
formais e informais), da observação de dúvidas e equívocos
conceituais nas apresentações dos conselhos de classe ou no
acompanhamento de alguns trabalhos em sala de aula, da
constatação de dúvidas, fragilidades ou discordâncias expressas
pelos novos profissionais em conversas específicas;
discussão da proposta de conteúdos e metodologias com a equipe
pedagógica, direção, bibliotecária e alguns professores;
discussão, definição e redefinição, sempre que necessário, do
conteúdo e da metodologia do Curso com a formadora;
definição e redefinição, sempre que necessário, das datas do Curso
compatibilizando a agenda da formadora e o calendário da Escola.
Eixo 2: desenvolvimento de estratégias para aprovação do projeto
de formação e garantia dos recursos financeiros
necessários
Ações:
apresentação, discussão e aprovação do projeto de formação junto
ao Conselho de Escola/APP;
busca de apoio fora da estrutura administrativa da PMF para
viabilizar a proposta de divisão dos custos financeiros entre
diferentes apoiadores;
aprovação da prestação de contas do Curso junto ao Conselho de
Escola/APP e publicização da prestação para a comunidade
escolar; (continua)
169
(continuação)
realização de audiência com o Secretário de Educação e o Diretor
do Departamento de Educação Fundamental para entrega do
projeto de formação e do relatório do Curso realizado no ano
anterior e definição do apoio da SMEF;
encaminhamento do projeto aos apoiadores externos à estrutura
administrativa da PMF e acompanhamento dos trâmites e
discussões em torno de sua aprovação;
encaminhamento de ofício de agradecimento e relatório do Curso
aos apoiadores externos.
Eixo 3: articulações para a realização do Curso
Ações:
reserva de passagens aéreas e hotel para a formadora;
encaminhamento de ofício para SMEF pedindo a compra das
passagens aéreas e o pagamento da hospedagem (nos anos em que
a SMEF assumiu essa responsabilidade);
pagamento do hotel (nos anos em que a Escola assumiu essa
responsabilidade);
garantia de transporte para o translado da formadora;
elaboração e entrega do bilhete comunicando aos pais a dispensa
das aulas nos dias do Curso;
convite aos professores da Escola Beatriz em licença temporária
(licença-prêmio ou para aperfeiçoamento) para participar do
Curso;
levantamento dos profissionais da escola com carga horária de 10,
20 ou 30 horas que necessitavam de dispensa de outro local de
trabalho para participar do Curso em período integral;
elaboração e encaminhamento através do próprio profissional de
ofício solicitando a sua dispensa da outra escola (realização de
contato telefônico, quando possível e necessário, com a direção
e/ou equipe pedagógica para reiterar a importância dessa dispensa e estabelecer o compromisso de também liberar o professor
quando a escola necessitasse);
(continua)
170
(continuação)
definição, com os profissionais da Escola que atuavam nas/nos
séries/anos iniciais e finais (professores de Educação Física, Artes
e Inglês, auxiliares de ensino, professor da sala informatizada e
bibliotecário), de sua participação em um dos módulos (isso
ocorreu a partir de 2009, quando o Curso foi separado em dois
módulos: séries/anos iniciais e séries/anos finais);
organização, a partir de 2009, de um horário especial para garantir
a participação desses profissionais no Curso e, ao mesmo tempo,
as aulas aos estudantes das/dos séries/anos iniciais ou finais cujos
professores específicos não estavam em formação;
elaboração e colocação de cartazes de divulgação do Curso;
conversas frequentes, principalmente no horário do recreio,
enfatizando a importância da participação de todos no Curso e
(re)lembrando as tarefas e os materiais solicitados pela formadora.
Eixo 4: organização do espaço, do lanche e disponibilização dos
equipamentos e materiais didático-pedagógicos
necessários
Ações:
organização do auditório: disposição adequada das cadeiras e
disponibilização dos equipamentos e materiais didáticos
solicitados pela formadora;
empréstimo dos equipamentos necessários à realização do Curso
(a Escola só conseguiu ter um notebook e um projetor multimídia
em 2008, quando os comprou com recursos do Programa Dinheiro
Direto na Escola – PDDE);
organização de exposições no auditório, local de realização do
Curso, e nos murais externos da Escola de trabalhos desenvolvidos
pelos professores juntos aos estudantes, com foco no ensino da
leitura e da escrita;
organização do lanche para os quatro períodos de Curso: definição
do cardápio e compra dos ingredientes necessários para sua
confecção por parte das merendeiras;
disponibilização de água, café, suco, chá e biscoitos para todos os
participantes durante todo o Curso;
coleta entre os participantes de uma contribuição para o lanche. (continua)
171
(continuação)
Eixo 5:.inclusão dos novos profissionais da Escola (e outros
interessados) no processo de formação
Ações:
definição do roteiro para as reuniões/conversas com os novos
profissionais: contextualização histórica do processo de formação
e sua importância para o PPP, um pouco da história da formadora
e seu vínculo com a Escola, concepção teórica e estrutura geral do
Curso (organização em duas etapas, carga horária, critérios para
certificação), conteúdos já discutidos e leituras já realizadas pelo
grupo, importância do comprometimento com a realização das
tarefas, possibilidade de participação em tempo integral (ênfase na
importância desse aspecto e nas ações que a Escola pode realizar
para que isso ocorra), percepção da familiaridade ou não dos novos
profissionais com essa discussão e de suas primeiras impressões e
ideias a respeito da proposta de envolvimento de todas as áreas
com o ensino da leitura e da escrita;
reuniões específicas com os novos profissionais da Escola –
substitutos, efetivos ou designados –, para discussão do projeto de
formação (a partir do roteiro elaborado);
disponibilização aos novos profissionais dos documentos
existentes na Escola sobre o Curso: relatórios, DVDs com as
filmagens, atas, sínteses parciais das discussões realizadas na
formação;
entrega de cópia de todas as atas elaboradas até o ano de ingresso
do novo profissional na Escola;
entrega de cópia dos principais textos indicados e discutidos ao
longo do processo de formação até o ano de ingresso do novo
profissional na Escola;
disponibilização aos novos profissionais dos livros indicados pela
formadora (empréstimo da biblioteca);
inclusão dos novos profissionais no processo de compra coletiva
dos livros indicados pela formadora, como forma de obter maiores
descontos e um prazo maior para o pagamento;
(continua)
172
(continuação)
realização de reuniões específicas com estagiários, bolsistas do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid)
e professores da UFSC e da Udesc, que estavam na Escola e
tinham interesse em participar da formação, para contextualizar o
projeto de formação em desenvolvimento e, quando necessário e
possível, repassar cópia do material existente ou facilitar o acesso
a ele.
Eixo 6: viabilização da participação de outras escolas de Ensino
Fundamental no Curso e compromisso com a ampliação
dessa discussão para a RMEF
Ações:
contato (telefônico ou por e-mail) com as escolas para divulgação,
convite e confirmação da participação no Curso;
elaboração e entrega de comprovante de presença no Curso aos
participantes externos;
realização de reunião com a equipe pedagógica e/ou direção das
escolas, sempre que solicitado, para tratar do processo de formação
e de como viabilizar a participação delas no Curso;
apoio às escolas interessadas em organizar processos formativos
com a mesma temática (contato com a formadora, acesso ao
material existente na Escola Beatriz, partilha de informações e
contatos, sugestões de conteúdos e metodologias, entre outros);
encaminhamento de cópia das atas, das sínteses parciais sobre o
processo de formação, dos textos discutidos e das sugestões de
referências feitas pela formadora;
encaminhamento, por escrito, das tarefas e suas orientações às
escolas e aos profissionais avulsos que participavam do Curso;
convite aos assessores e ao Diretor do Departamento de Ensino
Fundamental da SMEF para participação e acompanhamento do
Curso;
indicação da formadora e defesa junto ao Departamento de
Educação Fundamental da importância e necessidade de
ampliação da temática do projeto de formação da Escola Beatriz
para a Rede;
(continua)
173
(continuação)
acompanhamento da formadora, sempre que possível, nas
discussões, palestras ou cursos realizados em escolas da Rede e na
Secretaria Municipal de Educação;
convite aos professores de Língua Portuguesa da Rede e ex-
professores da Escola Beatriz que demonstraram interesse em
continuar participando do Curso, mesmo estando em outras
unidades;
inclusão dos profissionais das outras escolas da Rede que
participavam do Curso no processo de compra coletiva dos livros
indicados pela formadora, como forma de obter maiores descontos
e um prazo maior para o pagamento.
Eixo 7: registro, sistematização e socialização do processo de
formação
Ações:
registro fotográfico e filmagem do Curso;
empréstimo de equipamentos necessários ao registro do Curso (a
Escola só adquiriu uma filmadora em 2008, com recursos do
PDDE);
transformação das fitas VHS (Video Home System) utilizadas para
filmagem do Curso até o ano de 2008 em material digital (Digital Versatile Disc – DVD);
busca de apoio financeiro para edição das filmagens (são
aproximadamente 460 horas de gravação);
disponibilização dos DVDs para empréstimo aos participantes;
elaboração das atas envolvendo o seguinte processo: anotações
pessoais feitas pela coordenadora durante a realização do Curso,
transcrição das filmagens, elaboração de uma primeira versão a
partir da transcrição das filmagens e das anotações pessoais da
coordenadora, revisão feita por uma professora de Língua
Portuguesa da Escola, diagramação feita por outra profissional da
Escola, revisão da formadora, elaboração da versão final;
elaboração do relatório final contendo: projeto, descrição das atividades realizadas, imagens, recursos financeiros e, em anexo,
as atas das duas etapas do Curso, a sistematização das avaliações
entregues pelos participantes, a lista de presença e os documentos
e as informações necessários para emissão dos certificados;
(continua)
174
(continuação)
elaboração de sínteses parciais em torno dos conteúdos
trabalhados, do referencial teórico estudado, das tarefas realizadas,
das metas envolvendo o processo de formação, dos
encaminhamentos e deliberações em torno da articulação entre a
formação, o planejamento e as discussões do currículo;
realização de cópias com qualidade das atas (garantindo, sempre
que necessário, a impressão colorida das páginas), utilizando os
recursos da própria Escola e/ou buscando apoio externo;
distribuição de cópia das atas e das sínteses parciais a todos os
participantes do Curso.
Eixo 8: sistematização, organização, acompanhamento e apoio na
realização das tarefas do Curso
Ações:
discussão e definição, em colaboração com a formadora, das
tarefas a serem realizadas pelos participantes entre a 1ª e a 2ª etapa
do Curso;
elaboração e entrega, por escrito e com antecedência, das tarefas
aos participantes;
reunião com os professores para discussão das tarefas,
especialmente aquelas envolvendo a realização de uma prática
pedagógica em sala de aula;
apoio aos professores para a realização das tarefas por meio de:
compra de materiais didático-pedagógicos necessários,
esclarecimento de dúvidas, discussão da proposta elaborada pelo
professor, disponibilização de outros profissionais da Escola para
a realização da tarefa, participação no planejamento,
implementação e organização da apresentação do trabalho
realizado no Curso e/ou no conselho de classe;
apresentação e discussão com os participantes do roteiro elaborado
pela formadora para leitura dos textos indicados por ela;
organização de grupos de estudos, no horário de trabalho e fora
dele, para leitura e discussão dos textos indicados na formação;
organização da compra coletiva dos livros indicados pela
formadora, através da APP, para obtenção de descontos de até
40%, dependendo da editora, e parcelamento do pagamento do
livro conforme possibilidades do professor;
(continua)
175
(continuação)
incentivo à aquisição, pelos participantes, dos livros indicados pela
formadora, facilitando o acesso e a forma de pagamento,
principalmente aos professores substitutos e aos estudantes
(bolsistas Pibid e estagiários);
elaboração de sínteses de livros indicados para leitura e discussão
no grupo de estudos, como mais uma forma de incentivar os
professores à leitura do texto integral;
aquisição e disponibilização dos livros indicados, para empréstimo
na biblioteca da Escola;
busca, disponibilização e/ou sugestão de outras referências que
pudessem ajudar os professores das diferentes áreas a enfrentar a
discussão em torno do ensino da leitura e da escrita em uma
perspectiva interdisciplinar e, ao mesmo tempo, facilitar a
realização das tarefas.
Eixo 9: avaliação sistemática do processo de formação
Ações:
elaboração do instrumento de avaliação para cada ano de Curso;
incentivo e controle da entrega da avaliação do Curso pelos
participantes;
sistematização das avaliações devolvidas pelos participantes;
atenção permanente para com as conversas e/ou comentários dos
professores ao longo do ano em torno da avaliação do Curso,
especialmente em relação ao conteúdo e à metodologia;
realização de conversas mais informais e pontuais com os novos
profissionais, principalmente após a sua participação na 1ª etapa
do Curso, para buscar perceber as suas primeiras impressões em
torno da temática discutida, as resistências, as dúvidas e as
fragilidades mais importantes;
análise das apresentações realizadas nos conselhos de classe do I e
II bimestres, tendo em vista o acompanhamento do impacto da
formação no trabalho desenvolvido na sala de aula, especialmente
os aspectos e/ou conteúdos que deveriam ser tratados ou retomados
pela formadora no Curso;
seleção, organização e encaminhamento dos materiais mais
significativos referentes às apresentações dos professores nos
conselhos de classe, para análise e avaliação da formadora;
(continua)
176
(continuação)
seleção, organização e encaminhamento dos materiais mais
significativos produzidos pela Escola em torno da articulação do
Curso e também das discussões sobre o planejamento e o
currículo, para análise e avaliação da formadora
Eixo 10: controle da frequência, organização e encaminhamento
da documentação para emissão dos certificados
Ações:
encaminhamento e aprovação do projeto de formação junto à
SMEF, como condição primeira para emissão dos certificados;
controle da frequência e assinatura da lista de presença;
distribuição do documento Dados de Identificação do Participante
a ser preenchido pelos participantes e controle de seu recebimento;
organização da documentação necessária para a emissão dos
certificados: lista de presença devidamente assinada,
preenchimento do formulário Identificação do evento para
expedição e registro de certificados, elaborado pela Coordenadoria
de Eventos da SMEF, e elaboração da lista de participantes com
direito a certificado, contendo os seus dados de identificação e a
carga horária do certificado;
encaminhamento da documentação à SMEF e acompanhamento
dos trâmites para emissão dos certificados, a fim de entregá-los aos
participantes no mesmo ano de realização do Curso;
entrega dos certificados aos participantes da Escola (os certificados
dos participantes da Rede eram encaminhados pela SMEF
diretamente às suas unidades).
Eixo 11: articulação do processo de formação com as discussões do
conselho de classe, do planejamento e do currículo
Ações:
discussão, elaboração e distribuição aos professores dos
documentos orientadores da metodologia dos conselhos de classe
do I e II bimestres, tendo em vista a sua articulação com o processo
de formação;
definição do cronograma das apresentações nos conselhos de
classe, com especial atenção aos novos professores, que poderiam
optar por apresentar apenas no conselho do II bimestre;
(continua)
177
(conclusão)
apoio aos professores para o planejamento e a realização do
trabalho a ser apresentado no conselho de classe;
organização do material em torno das apresentações e síntese das
discussões realizadas no conselho (com levantamento de questões
a serem esclarecidas, conteúdos a serem retomados, introduzidos
ou aprofundados), para encaminhamento à formadora e
planejamento do Curso;
organização e seleção, em colaboração com os professores e
conforme orientação da formadora, de textos produzidos pelos
estudantes e apresentados no conselho para análise no Curso;
realização de reuniões sistemáticas com os professores
(individualmente, por área de atuação, ano ou disciplina) para
discussão e acompanhamento do planejamento, tendo em vista a
sua articulação com o processo de formação;
acompanhamento e apoio, sempre que necessário, ao trabalho
desenvolvido pelos professores, principalmente com foco no
ensino da leitura e da escrita;
realização de reuniões sistemáticas com os professores (por área de
atuação, ano ou disciplina) para discussão e definição do currículo
da Escola Beatriz, tendo em vista a sua articulação com o processo
de formação;
discussão com a formadora sobre o currículo em construção.
Fonte: elaborado pela autora (2017), a partir dos documentos: Carminati (2004,
2005, 2006, 2007b, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013).
O quadro apresentado evidencia que muitas das ações realizadas
pela coordenação contavam com o apoio e o envolvimento da formadora,
cuja atuação ao longo dos dez anos não esteve circunscrita ao Curso
propriamente dito, e o mesmo pode ser dito sobre os outros profissionais
da Escola, em especial da equipe pedagógica, do diretor, da bibliotecária
e de alguns professores que desempenharam o papel de liderança neste
processo de formação.
E certamente foi essa perspectiva coletiva de trabalho na escola,
como já destacamos em outros momentos desta pesquisa, que possibilitou o próprio exercício de liderança, assumido não só pela coordenação do
Curso, mas também pelos diretores eleitos e pelos professores.
178
3.4.ANALISANDO ASPECTOS DA ESTRUTURA
ORGANIZACIONAL DO CURSO
O curso Ler e escrever: compromisso da escola, compromisso de
todas as áreas foi realizado no período de 2004 a 2013, conforme as datas
que constam do quadro a seguir:
Quadro 6 – Datas de realização do Curso no período de 2004 a 2013
Ano
letivo Módulo(1)
Datas do Curso
1ª etapa 2ª etapa
2004 --- 13 e 14 de maio 18 e 19 de agosto
2005 --- 30 e 31 de maio 17 e 18 de outubro
2006 --- 3 e 4 de abril 21 e 22 de setembro
2007 --- 16 e 17 de abril 21 e 22 de setembro
2008 --- 5 e 6 de maio 15 e 16 de setembro
2009 Anos Iniciais92 22 e 23 de junho 5 e 6 de outubro
Anos Finais 25 e 26 de junho 1º e 2 de outubro
2010 Anos Iniciais 26 e 27 de abril 27 e 28 de setembro
Anos Finais 22 e 23 de abril 23 e 24 de setembro
2011 Anos Iniciais 14 e 15 de abril 19 e 20 de setembro
Anos Finais 18 e 19 de abril 21 e 22 de setembro
(continua)
92 A RMEF iniciou o processo de implantação do Ensino Fundamental de nove
anos em 2007. De acordo com o art. 4º, item II, da Resolução nº 01, de 8 de
dezembro de 2010, “os estudantes que em 2006 já estavam matriculados e
cursando o Ensino Fundamental regular de oito anos, continuarão seus estudos
na matriz curricular dessa modalidade até a extinção total em 2014, devendo
ocorrer a coexistência do ensino de oito anos com o de nove anos, sendo
gradual a extinção do primeiro”. A partir desse período, então, os professores
das séries iniciais e finais passaram a ser denominados professores dos anos
iniciais (1º ao 5º ano) e professores dos anos finais (6º ao 9º ano). Assim,
informamos que deste momento em diante, utilizaremos essa mesma
nomenclatura em nossa pesquisa.
179
(conclusão)
Ano
letivo Módulo(1)
Datas do Curso
1ª etapa 2ª etapa
2012 Anos Iniciais 19 e 20 de abril 17 e 18 de setembro
Anos Finais 16 e 17 de abril 20 e 21 de setembro
2013 Anos Iniciais 18 e 19 de abril 23 e 24 de setembro
Anos Finais 15 e 16 de abril 26 e 27 de setembro
Fonte: elaborado pela autora (2017) a partir dos relatórios do Curso dos anos de
2004 a 2008 (EBMBSB, 2004a, 2005b, 2006c, 2007a, 2008b) e dos documentos
Identificação do evento para expedição e registro de certificados (EBMBSB,
2009c, 2010c, 2011, 2012d, 2013).
Nota: (1) o Curso passou a ser ofertado em dois módulos de 2008 em diante.
A este respeito, é importante pontuar que, embora se tratasse de
um único processo de formação para a Escola, a cada ano letivo, por
exigência da SMEF, era necessário enviar um projeto específico, cuja
aprovação fazia parte das condições para a emissão dos certificados aos
participantes. No entanto, apesar dessa exigência, a estrutura proposta
para o primeiro projeto, elaborado em 2003, permaneceu praticamente a
mesma ao longo dos dez anos de realização do Curso. E é sobre aspectos
importantes dessa estrutura, como a carga horária, a organização em duas
etapas anuais, os participantes, a certificação e os recursos financeiros
envolvidos, que trataremos neste item.
3.4.1 Da carga horária
O Curso possuía uma carga horária anual de “50 horas, sendo 32
horas presenciais (4 dias de 8 horas) e 18 horas não presenciais, destinadas
à leitura e implementação de atividades práticas em sala de aula (durante
o intervalo entre a primeira e a segunda etapa)” (EBMBSB, 2004a).
No primeiro capítulo, já nos referimos às dificuldades que a
implantação dos 200 dias letivos trouxe para a realização de momentos
coletivos envolvendo todos os profissionais da escola e que esta
exigência, na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis, significou a
restrição do número de reuniões pedagógicas durante o ano letivo,
limitadas a quatro. Essa condição legal foi determinante para a definição
da carga horária presencial do Curso (32 horas anuais, distribuídas em
180
quatro dias de oito horas) e para a decisão de ocupar os quatro dias
destinados às reuniões pedagógicas no calendário escolar com a
formação.
No entanto, gostaríamos de pontuar que tal decisão, assim como
sua manutenção ao longo de uma década, só foi possível em função de
algumas condições criadas pela Escola. Uma delas refere-se ao processo
de qualificação das reuniões pedagógicas, que desde 1996 deixaram de
ser espaço destinado a recados administrativos ou a assuntos burocráticos
relativos às constantes demandas do dia a dia para tornar-se efetiva e
prioritariamente um espaço coletivo de discussão e reflexão sobre temas
pedagógicos e formativos.
Esse processo foi fundamental para que a proposta da equipe
pedagógica de ocupar as reuniões pedagógicas com o Curso fosse bem
aceita pelo grupo de professores. Além disso, avaliamos que articuladas
a ele, outras condições, já discutidas anteriormente, possibilitaram a
aceitação e manutenção desse encaminhamento. Referimo-nos
especificamente à prioridade dada ao projeto de formação, à maneira
como a escola foi organizando os seus espaços de discussão e tomada de
decisão e à confiança dos professores no trabalho de acompanhamento e
apoio sistemático por parte da equipe pedagógica, principalmente no
enfrentamento dos problemas e desafios que a sala de aula suscita
cotidianamente.
Além das 32 horas presenciais, que ocuparam as reuniões
pedagógicas, esse Curso instituiu uma novidade para a Escola Beatriz,
que foi a inclusão das 18 horas não presenciais no total de sua carga
horária. A inclusão dessas horas pode ser explicada por duas razões, que
de certa forma se articulam: a necessidade de formalizar o tempo
destinado à leitura e implementação de atividades práticas em sala de aula
(no período entre a primeira e a segunda etapa) e, com isso, buscar um
maior comprometimento dos profissionais com a sua realização e o
complemento da carga horária necessária para que os profissionais
pudessem obter uma promoção por aperfeiçoamento.
De acordo com o Plano de Vencimentos e de Carreira do
Magistério Público Municipal de Florianópolis, Lei nº 2.915/1988
(FLORIANÓPOLIS, 1988b), depois de concluído o período de estágio
probatório, que atualmente é de três anos, o profissional do magistério
181
poderá ser promovido “por aperfeiçoamento93 (mudança de referência),
através da apresentação de certificados até duas vezes ao ano. Cada
referência equivale a 100 horas de aperfeiçoamento (na primeira
promoção) e 50 horas de aperfeiçoamento (a partir da segunda
promoção)” (SMEF, 2016, online). Atualmente a mudança de referência
representa um aumento médio de 2% no vencimento do profissional do
magistério, e entre a primeira e a última referência (1 - 10) a diferença
média é de 22% no vencimento, considerando a tabela para quem possui
o título de Graduação94.
Esse aspecto é particularmente relevante se considerarmos as
dificuldades que os professores da educação básica, especialmente os que
atuam nos anos iniciais (e na educação infantil), têm para serem liberados
da sala de aula a fim de participar de cursos de formação, mesmo aqueles
promovidos pela SMEF. Embora essa situação, com a conquista do tempo
destinado à hora-atividade para todos os professores da Rede Municipal
de Ensino de Florianópolis em 2013, tenha melhorado significativamente.
A partir desse ano, assim como os professores dos anos finais, todos os
93.Além da promoção por aperfeiçoamento, o profissional do magistério também
poderá ser promovido por acesso (mudança de nível/tabela), através da
apresentação do diploma de conclusão da formação superior a exigida para o
ingresso no cargo (especialização, mestrado ou doutorado), por tempo de
serviço e assiduidade (mudança de classe), a cada dois anos de tempo de
serviço no magistério público municipal. Para mais informações, conferir:
<http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/educa/index.php?cms=carreira+do+mag
isterio>. Acesso em: 20 out. 2016. 94.O Plano de Vencimentos e de Carreira do Magistério Público Municipal de
Florianópolis, implantado em 1988, é composto por quatro tabelas específicas:
graduação, especialização, mestrado e doutorado. Vale registrar, no entanto,
que em janeiro de 2017, o prefeito eleito Gean Loureiro, do PMDB, enviou e
aprovou em tempo recorde (apenas cinco dias) na Câmara de Vereadores um
Projeto de Lei Complementar suspendendo os efeitos do Plano de Carreira e
retirando outros direitos conquistados pelos trabalhadores municipais ao longo
de sua história. E, somente após 38 dias de greve, que contou com a
participação de mais de 9 mil trabalhadores, representando 95% da categoria,
firmou-se um acordo em audiência de conciliação no Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina (TJ/SC) entre o Sintrasem e a Prefeitura. Nesse
acordo, houve a “revogação da maioria absoluta das medidas que atacavam os
trabalhadores do serviço público municipal e a retirada das ações que
criminalizavam a direção e a entidade sindical” (SINTRASEM, 2017, p. 2).
Dentre as medidas revogadas, destacamos a que suspendia o Plano de Carreira
do Magistério Público Municipal.
182
professores dos anos iniciais e da educação infantil passaram a ter em sua
jornada de trabalho 30% de hora-atividade fixada em tempo95.
A avaliação feita pelos participantes a cada final de ano de
formação também corroborava para a manutenção da carga horária do
Curso em 50 horas. Durante os dez anos de realização do processo de
formação da Escola Beatriz, as formas de avaliação foram variando. No
ano de 2004, foi solicitado aos participantes que fizessem um pequeno
depoimento por escrito; nos anos de 2005 a 2012, a coordenação elaborou
um instrumento de avaliação, também por escrito, que era entregue a
todos os participantes no início da segunda etapa do Curso; no ano de
2013, a avaliação foi realizada ao final da segunda etapa, apenas
oralmente.
Conforme demostrado na Tabela 3, podemos constatar que, do
total de 358 avaliações devolvidas à coordenação do Curso durante os oito
anos de formação em que este item foi avaliado, em 350, ou seja, em
97,8% delas, a carga horária foi considerada entre boa e ótima. A tabela
nos mostra também que essa média praticamente se repetiu em todos os
anos:
95.De acordo com o § 2º do art. 2º da Portaria nº 11, de 31 de janeiro de 2017
(FLORIANÓPOLIS, 2017), “Os profissionais ocupantes dos cargos de
professor dos Anos Iniciais, professor de Apoio Pedagógico, professor de
Educação Infantil e professor auxiliar (de todas as áreas), com jornada semanal
de 40 horas, terão as atividades pedagógicas inerentes ao exercício do cargo e
função de 6h40min (seis horas e quarenta minutos) por turno.”
183
Tabela 3 – Resultado da avaliação da carga horária do curso Ler e escrever:
compromisso da escola, compromisso de todas as áreas, feita pelos participantes
ao final de cada ano. Escola Básica Municipal Beatriz de Souza Brito,
Florianópolis, SC – 2005 a 2012
Avali
açã
o
Não
avali
ou
- - 2
1 - 1 - 1
5
1,4
Pés
sim
o
- - - - - - - - - -
Reg
ula
r
1
1 - - - - 1 - 3
0,8
Bom
10
6
8
12
16
35
12
19
118
33
Óti
mo
22
17
21
33
30
35
44
30
232
64,8
Nº
de
avali
açõ
es
dev
olv
idas
33
24
31
46
46
71
57
50
358
48,7
Nº
de
part
icip
an
tes
59
53
78
65
104
123
98
155
735
-
An
o
do C
urs
o
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Un
d
%
Tota
l
Fonte: elaborado pela autora a partir dos dados coletados nos seguintes
documentos: EBMBSB (2005b; 2006c; 2007a; 2008b) e a síntese das avaliações
do Curso (EBMBSB, 2009d, 2010d, 2011b e 2012e).
Nota – Sinal convencional utilizado:
- Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
184
Além de todos esses aspectos envolvendo a discussão da carga
horária, é importante esclarecer que a partir de 2009, para dar conta da
especificidade do processo de ensino e aprendizagem da leitura e da
escrita nos anos iniciais e nos anos finais, como mostraremos no quarto
capítulo, houve a necessidade de ampliação da carga horária do Curso de
50 para 100 horas, a fim de possibilitar a sua separação em dois módulos:
um destinado aos professores dos anos iniciais; o outro, aos professores
dos anos finais.
Desta forma, com exceção da equipe pedagógica e da direção, que
participavam dos dois módulos, e dos professores dos anos iniciais e
finais cuja participação também já estava definida em razão da sua
especificidade, os demais profissionais da Escola Beatriz tinham que
optar por um dos módulos. Neste grupo estavam incluídos, por exemplo,
os professores de Educação Física e os auxiliares de ensino, que atuavam
tanto nos anos iniciais quanto nos finais.
Esta opção era necessária porque o novo formato do Curso, a partir
de 2009, implicava em uma mudança importante na organização escolar:
enquanto os professores dos anos iniciais estavam em formação, os dos
anos finais estavam em sala de aula e, depois, o contrário, enquanto os
professores dos anos finais estavam em formação, os dos anos iniciais
estavam em sala de aula. Portanto, para que toda essa dinâmica pudesse
ser viabilizada, era preciso garantir uma estrutura mínima, especialmente
em relação ao pessoal de apoio pedagógico/administrativo, para que as
duas atividades ocorressem sem prejuízo da sua qualidade.
3.4.2 Da organização em duas etapas anuais
O Curso era realizado em duas etapas: dois dias no primeiro
semestre letivo e dois dias no segundo semestre. Essa organização estava
articulada à proposta de uma carga horária de 50 horas, das quais 32 eram
presenciais, e 18 não presenciais, na consecução do objetivo da Escola
Beatriz de desenvolver um projeto de formação que buscasse uma maior
articulação entre teoria e prática e que estivesse comprometido com
mudanças no processo de ensino e aprendizagem, especialmente no que
diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
em todas as áreas do conhecimento. Desta forma, o período compreendido
entre a primeira e a segunda etapa, previsto pelas 18 horas não presenciais
e considerado parte constitutiva do próprio processo de formação, era
destinado à “leitura e implementação de atividades práticas em sala de
aula” (EBMBSB, 2004a).
185
A tarefa, como era denominada no Curso, envolvia sempre a leitura
e o estudo de um texto de referência e o desenvolvimento de uma
atividade prática em sala de aula, o que normalmente demandava um
tempo muito maior do que as 18 horas formalmente previstas. Além disso,
durante os primeiros cinco anos (2004-2008) também era recomendada a
leitura das atas dos anos anteriores.
Essa recomendação, no entanto, deixou de ser feita nos últimos
cinco anos (2009-2013), pois, em função da intensificação do trabalho de
coordenação e articulação do Curso, que neste período teve sua carga
horária dobrada, a transcrição das filmagens e a consequente elaboração
das atas não foram realizadas. Assim, para amenizar um pouco essa
situação na Escola, especialmente em relação aos novos profissionais,
fossem eles substitutos ou efetivos96, foi desenvolvida uma série de ações,
como a distribuição de cópias das atas elaboradas e dos textos que haviam
sido estudados, a disponibilização das filmagens do Curso, a elaboração
e distribuição de sínteses das discussões realizadas a partir de 2009 e a
realização de reuniões específicas com os novos profissionais para
entrega de material, breve relato da história de discussão e construção da
proposta pedagógica da Escola e do Curso, esclarecimento de dúvidas e,
principalmente, mobilização para a participação no processo de formação.
No Quadro 7, podemos conferir todas as tarefas e orientações
dadas pela formadora durante esse processo de formação:
96.No item 3.4.3 é possível verificar que a cada ano de formação o número de
novos participantes era bastante significativo.
186
Quadro 7 – Transcrição das tarefas e orientações dadas aos participantes, por ano
de formação, entre a primeira e a segunda etapa do Curso
Ano Tarefas e Orientações
2004
leitura da ata da 1ª etapa do Curso;
leitura do livro e levantamento de questões e dúvidas para
a próxima etapa do Curso: ZILBERMAN, Regina;
SILVA, Ezequiel Theodoro (org.). Leitura: perspectivas
interdisciplinares. São Paulo: Ática, 2002. (Série
Fundamentos);
realizar com uma turma o estudo de um texto envolvendo
os três níveis da leitura: compreensão imediata,
interpretação e extrapolação. Algumas orientações:
buscar desenvolver este trabalho com outro gênero de
texto (notícia, artigo de opinião, anúncio, folhetos, texto
de enciclopédia, etc.), que não o utilizado cotidianamente;
relatar a atividade como um todo, buscando discorrer
sobre as etapas do trabalho, os recursos utilizados, o
envolvimento dos alunos, os aspectos positivos, as
dificuldades;
entregar cópia do relato com o material utilizado e as
produções dos alunos anexadas;
recolher o material dos alunos para apresentar, se possível,
no Curso.
2005
leitura das atas;
leitura e estudo dos textos:
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática.
Campinas, SP: Pontes, 2004.
BARBOSA, Jacqueline Peixoto. Do professor suposto
pelos PCNs ao professor real de língua portuguesa: são os
PCNs praticáveis? In: ROJO, Roxane (org.). A prática de linguagem em sala de aula. São Paulo: EDUC, Campinas:
Mercado das Letras, 2001;
levantamento de questões (dúvidas, destaques, discordâncias, contribuições para o fazer pedagógico) a
partir das leituras feitas. As questões deverão ser feitas, por
escrito, para facilitar a organização do material a ser
encaminhado para a professora Terezinha;
(continua)
187
(continuação)
Ano Tarefas e Orientações
2005
exercício: criar uma estratégia de leitura para o estudo de
um texto com uma turma durante o III bimestre;
analisar o texto escolhido com base no esquema da “esfera
de comunicação”, definindo: tema, intenção,
circunstância comunicativa, contexto, gênero e escolhas
linguísticas (esta última, se possível);
relatar a atividade como um todo buscando discorrer
sobre as etapas do trabalho, os recursos utilizados, o
envolvimento dos alunos, os aspectos positivos, as
dificuldades, os resultados alcançados e desdobramentos
(se houver);
entregar cópia do relato com o material utilizado e a
produção dos alunos;
preparação da apresentação da atividade para o grupo da
Escola:
1ª à 4ª série – dia 26 de setembro, segunda-feira, das 7h30
às 11h30 e das 13h30 às 17h30.
5ª à 8ª série – dia 23 de setembro, sexta-feira, das 7h30 às
11h30 e das 13h30 às 17h30.
Para facilitar e qualificar a apresentação, recomendamos
que o professor faça transparências do texto escolhido, dos
objetivos, da estratégia de leitura criada (detalhes da
metodologia) e de toda informação que considerar
importante socializar/enfatizar durante sua apresentação ao
grupo.
o resultado dos dois dias de discussão juntamente com o
material trazido pelos professores serão encaminhados
para a professora Terezinha a fim de orientar melhor o
trabalho a ser realizado na 2ª etapa do Curso.
2006
leitura das atas;
leitura dos dois primeiros capítulos do livro: KOCH,
Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e
compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto,
2006. (os capítulos são: “Leitura, texto e sentido” e
“Leitura, sistemas de conhecimento e processamento
textual”); (continua)
188
(continuação)
Ano Tarefas e Orientações
2006
exercício: criar uma estratégia de leitura para o estudo de
um texto com uma turma durante o II bimestre;
analisar o texto escolhido com base no esquema da “esfera
da comunicação”, definindo: tema, intenção,
circunstância comunicativa, contexto, gênero e escolhas
linguísticas (esta última, se possível);
relatar a atividade no conselho de classe, observando a
seguinte sequência: objetivo(s), conteúdo, texto escolhido
(verbal ou não-verbal), identificação do gênero,
metodologia, suporte da informação, ambiente e
avaliação. Além disso, o professor também deverá relatar
as dificuldades encontradas no papel de mediador da
leitura.
2007
leitura das atas;
leitura do livro: LEITE, Marli Quadros. Resumo. São
Paulo: Paulistana, 2006. (Coleção aprenda a fazer);
exercício: criação de uma estratégia de leitura, a ser
desenvolvida durante o II bimestre e apresentada no
conselho de classe, utilizando um texto cujo gênero seja
o mais recorrente na disciplina e que possibilite a
elaboração de um resumo;
como forma de materializar o trabalho desenvolvido, cada
professor apresentará amostras das produções dos alunos.
2008
leitura das atas;
leitura do livro: COLL, César; POZO, Juan Ignácio et al.
Os conteúdos na reforma: ensino e aprendizagem de
conceitos, procedimentos e atitudes. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1998.
2009
Anos Iniciais
(re)leitura do 1º fascículo do Programa de Formação
Continuada de Professores das Séries Iniciais do Ensino
Fundamental (Pró-letramento) – Alfabetização e
Linguagem. Foco na análise dos eixos necessários à
aquisição da língua escrita e na compreensão e distinção
entre INTRODUZIR, TRABALHAR
SISTEMATICAMENTE, RETOMAR E CONSOLIDAR
os conteúdos ministrados; (continua)
189
(continuação)
Ano Tarefas e Orientações
2009
organização de uma listagem dos conteúdos de Língua
Portuguesa trabalhados no I semestre (fevereiro a julho)
em torno dos eixos mais relevantes para a apropriação da
língua escrita:
compreensão e valorização da cultura escrita;
apropriação do sistema de escrita;
leitura;
produção de textos escritos;
desenvolvimento da oralidade.
classificação desses conteúdos de acordo com as
seguintes noções: introduzir, trabalhar sistematicamente,
retomar e consolidar. Preencher formulário específico e
entregar para Cida até o dia 14 de setembro.
Previsão de data da 2ª etapa do curso de formação: 05 e
06 de outubro de 2009.
Anos Finais
(re)leitura da introdução e do primeiro capítulo do livro
Os conteúdos na reforma;
Comentários da professora Terezinha Bertin em torno
dessa primeira tarefa: “como essa introdução e o primeiro
capítulo são a base para a apropriação dos conceitos de
conteúdo conceitual, procedimental e atitudinal, é sempre
importante que isso possa ser reconhecido na proposta de cada
área. Em determinado tema, por exemplo, Os ecossistemas: o
que o professor espera que o aluno se aproprie como conceito,
o que ele fará para garantir essa apropriação, o que deve ser
garantido como procedimento e que tipo de atividade o
professor desenvolverá para garantir isso. O conteúdo
atitudinal talvez seja mais difícil de avaliar, mas um debate,
uma argumentação, pode servir de referência para checar esse
tipo de conteúdo, quando for necessário. Será importante
também que os professores atentem para o fato de que não há
uma fronteira rígida entre esses tipos de conteúdos e que um
conteúdo conceitual pode tornar-se procedimental, por
exemplo, em determinadas experiências ou ao fazerem um
relatório de observação do meio”. (conforme e-mail
encaminhado à coordenadora do Curso) (continua)
190
(continuação)
Ano Tarefas e Orientações
2009
planejamento de uma sequência didática a ser desenvolvida
durante os meses de agosto e setembro e apresentada no
segundo momento do conselho de classe do II bimestre. É
importante salientar que a sequência didática deverá prever
os seguintes momentos: antecipação/mobilização de
conhecimentos prévios, problematização, construção,
consolidação, sistematização e avaliação. Vale ressaltar,
que esses momentos não são rígidos ou estanques, podendo
estar ou não presentes em sua totalidade na sequência.
E para a discussão da 2ª etapa do curso de formação o
professor, com base na leitura do Coll, deverá explicitar os
conteúdos conceituais e/ou procedimentais e/ou atitudinais a
serem apropriados através dessa sequência e o que será feito
para garantir essa apropriação.
leitura dos eixos de articulação do currículo elencados
durante o Curso e identificação, se possível, de quais
eixos estão sendo garantidos na sequência didática
planejada.
2010
Anos Iniciais (re)leitura da introdução, dos dois capítulos iniciais do
livro Os conteúdos na reforma;
planejamento de uma sequência didática a ser apresentada
no conselho de classe do II bimestre envolvendo um
trabalho realizado no 1º semestre em torno de
procedimentos de leitura e produção escrita considerados
comuns às diferentes áreas: sublinhados, resumos,
anotações a partir de uma exposição oral, mapa
conceitual, esquemas;
como forma de materializar o trabalho desenvolvido, cada
professor apresentará amostras das produções dos alunos.
Anos Finais leitura do livro: ZABALA, Antoni (Org.). Como
trabalhar os conteúdos procedimentais em aula. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1999; (continua)
191
(continuação)
Ano Tarefas e Orientações
2010
planejamento de uma sequência didática a ser apresentada
no conselho de classe do II bimestre envolvendo um
trabalho realizado no 1º semestre em torno de
procedimentos de leitura e produção escrita considerados
comuns às diferentes áreas: sublinhados, resumos,
anotações a partir de uma exposição oral, mapa
conceitual, esquemas;
como forma de materializar o trabalho desenvolvido, cada
professor apresentará amostras das produções dos alunos;
definição de dez conteúdos procedimentais específicos da
disciplina.
2011
Anos Iniciais
planejamento e implementação de uma sequência didática
para que os alunos produzam um texto narrativo levando
em consideração os momentos (situação inicial, conflito
ou complicação, clímax do conflito ou suspense, desfecho
ou final da história) e os elementos da narrativa
(personagens, tempo, espaço, ação ou enredo);
exposição da sequência desenvolvida no conselho de
classe do II bimestre, previsto para agosto. Na exposição
o professor deverá relatar os seguintes aspectos:
identificação da turma;
objetivo(s) (capacidades e habilidades esperadas);
conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais
trabalhados;
cronograma (período/número de aulas utilizadas);
sequência didática desenvolvida para a produção do texto
narrativo (passo a passo metodológico);
avaliação do trabalho realizado (aspectos positivos e
facilitadores, ganhos pedagógicos, dificuldades
encontradas);
(continua)
192
(continuação)
Ano Tarefas e Orientações
2011
síntese contendo o resultado da avaliação dos textos
escritos (conteúdos já dominados e os que ainda não
foram dominados). Nesse item é interessante a
apresentação de amostras representativas da produção dos
alunos (na forma de slides): * instrumentos e critérios de
avaliação utilizados durante o processo;
avaliação do trabalho realizado (aspectos positivos e
facilitadores, ganhos pedagógicos, dificuldades
encontradas).
Anos Finais leitura do texto “Construindo a Compreensão... Durante a
leitura”. In: SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto
Alegre: Artmed, 1998;
planejamento e implementação de uma sequência didática
desenvolvida em uma determinada turma/série, a critério
do professor;
exposição da sequência desenvolvida no conselho de
classe do II bimestre, previsto para agosto. Na exposição
o professor deverá relatar os seguintes aspectos:
identificação da turma;
objetivo(s) (capacidades e habilidades esperadas);
conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais
trabalhados;
cronograma (período/número de aulas utilizadas);
delimitação da unidade do livro didático a ser trabalhada
no II bimestre;
identificação dos textos dessa unidade que serão lidos e o
objetivo da leitura de cada um deles;
descrição sucinta da(s) estratégia(s) utilizada(s) para a
leitura do(s) texto(s) que não tem como objetivo “ler para
estudar e aprender”;
identificação/classificação dos textos dessa unidade de
acordo com o objetivo da leitura;
definição do(s) texto(s) da unidade que seja(m)
específico(s) para estudo do aluno (ler para aprender); (continua)
193
(continuação)
Ano Tarefas e Orientações
2011
sistematização de estratégias de leitura e compreensão
do(s) texto(s) (as estratégias de leitura deverão ser
detalhadas na apresentação);
produção de mapa conceitual e/ou resumo, pelos alunos,
como forma de estudo do(s) texto(s);
instrumentos e critérios de avaliação utilizados durante o
processo;
apresentação de amostras representativas da produção dos
alunos (preferencialmente na forma de slides para análise
do grupo);
avaliação do trabalho realizado (aspectos positivos e
facilitadores, ganhos pedagógicos, dificuldades
encontradas).
2012
Anos Iniciais
leitura do texto e levantamento de questões para a 2ª etapa
do curso de formação, prevista para setembro. As
questões poderão ser encaminhadas por e-mail ou
entregues pessoalmente para Márcia até o dia 31 de
agosto. Texto “Fala e escrita”. In: KOCH, Ingedore
Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias
de produção textual. São Paulo: Contexto, 2011. p. 13-30;
planejamento e implementação de uma sequência didática
que favoreça a compreensão do estudante de que se fala
de um jeito e se escreve de outro. Ao final do trabalho é
importante que se faça o registro das conclusões (ou
regularidades da língua) construídas pelo grupo;
exposição da sequência desenvolvida no conselho de
classe do II bimestre, previsto para agosto. Na exposição
o professor deverá relatar os seguintes aspectos:
identificação da turma;
cronograma;
objetivo(s); (continua)
194
(continuação)
Ano Tarefas e Orientações
2012
conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais
trabalhados;
metodologia/estratégia de ensino (passos ou etapas do
trabalho desenvolvido);
identificação dos momentos presentes na sequência
didática desenvolvida;
avaliação: apresentação dos critérios utilizados para
avaliar os conteúdos trabalhados e de amostras
representativas da produção escrita dos alunos;
considerações em torno do planejamento e do
desenvolvimento da sequência didática: aspectos
positivos e facilitadores, ganhos pedagógicos,
dificuldades encontradas.
Anos Finais
leitura dos textos e levantamento de questões para a 2ª
etapa do curso de formação, prevista para setembro. As
questões poderão ser encaminhadas por e-mail ou
entregues pessoalmente para Márcia até o dia 31 de
agosto. Textos:
“Escrita e práticas comunicativas”. In: KOCH, Ingedore
Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias
de produção textual. São Paulo: Contexto, 2011. p. 53-63;
“Gêneros textuais no ensino da língua”. In:
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial,
2008. p. 146-163.
planejamento e implementação de uma sequência didática
envolvendo um conteúdo definido pelo professor, mas que
tenha como resultado final uma produção escrita. É
importante salientar que:
o gênero textual a ser produzido deverá ser recorrente na
área de conhecimento ou disciplina (por exemplo, na
disciplina de ciências os gêneros mais recorrentes são:
texto expositivo, relatório técnico-científico, resumo); (continua)
195
(continuação)
Ano Tarefas e Orientações
2012
a sequência didática deverá prever os seguintes
momentos: antecipação/mobilização de conhecimentos
prévios, problematização, construção, consolidação,
sistematização e avaliação. Vale ressaltar, que esses
momentos não são rígidos ou estanques, podendo estar ou
não presentes em sua totalidade na sequência.
exposição da sequência desenvolvida no conselho de
classe do II bimestre, previsto para 6 e 7 de agosto. Na
exposição o professor deverá relatar os seguintes
aspectos:
identificação da turma;
cronograma;
objetivo(s);
conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais
trabalhados;
metodologia/estratégia de ensino (passos ou etapas do
trabalho desenvolvido). Nesse item, além das outras
etapas, é importante que o professor descreva o processo
de produção e refacção do texto;
identificação dos momentos presentes na sequência
didática desenvolvida;
avaliação: apresentação dos critérios utilizados para
avaliar os conteúdos trabalhados e de amostras
representativas da produção escrita dos alunos;
considerações em torno do planejamento e do
desenvolvimento da sequência didática: aspectos
positivos e facilitadores, ganhos pedagógicos,
dificuldades encontradas.
2013
Anos Iniciais e Anos Finais planejamento e implementação de uma sequência didática
tendo em vista os seus diferentes momentos:
antecipação/mobilização de conhecimentos prévios,
problematização, construção, sistematização,
consolidação e avaliação; (continua)
196
(conclusão)
Ano Tarefas e Orientações
2013
exposição da sequência desenvolvida no conselho de
classe do II bimestre, previsto para agosto. Esse
momento, por solicitação do grupo, envolverá todos os
professores dos anos iniciais e finais, que em seus relatos
deverão contemplar os seguintes aspectos:
identificação da turma;
objetivo(s);
conteúdos conceituais e procedimentais trabalhados na
sequência apresentada (se o professor considerar
importante poderá especificar também os conteúdos
atitudinais);
metodologia/estratégia de ensino (passos ou etapas do
trabalho);
cronograma (período/número de aulas utilizadas);
avaliação (apresentação dos critérios e dos instrumentos
utilizados para avaliar o(s) conteúdo(s) trabalhado(s);
apresentação de amostras de material dos alunos, como
forma de ilustrar e materializar o trabalho desenvolvido). Fonte: elaborado pela autora (2017) a partir dos dados coletados nos seguintes
documentos: EBMBSB (2004a, 2005b, 2006c, 2007a, 2008b, 2009e, 2010e,
2011c, 2012f, 2013b).
Os textos indicados para leitura tinham o propósito de possibilitar
o aprofundamento em torno do conteúdo que estava sendo tratado naquele
ano de formação, uma vez que o tempo presencial era sempre inferior ao
tempo desejável e necessário. No entanto, ao longo dos dez anos do
Curso, a escolha e indicação desses textos constituiu-se um grande
desafio para a formadora, pois quase toda produção bibliográfica sobre
leitura e escrita ou era muito especializada e de difícil compreensão para
os professores das outras áreas, ou direcionada especificamente ao
professor da disciplina de Língua Portuguesa. Aspecto que poderia se
configurar em um verdadeiro obstáculo para o envolvimento dos
professores com a proposta de formação e, portanto, precisava ser de
alguma forma superado.
Tal situação pode explicar o caráter das leituras indicadas como
tarefa, ou seja, leituras de aproximação ao referencial teórico, com
levantamento de questões, dúvidas, destaques, que balizariam as
discussões e as estratégias de (re)leitura dos textos, mediadas pela
197
formadora, durante a segunda etapa do Curso. Esse era um aspecto
metodológico importante, que buscava, ao mesmo tempo, mostrar a
importância da mediação do professor no processo de apropriação da
leitura97 e possibilitar a retomada da leitura feita individualmente (ou em
grupos de estudos), com o esclarecimento das dúvidas e discussão das
diferentes interpretações. Os comentários a seguir, selecionados das
avaliações dos Cursos de 2005 e 2008, mostram um pouco deste
movimento de leitura individual, discussão coletiva mediada pela
formadora e releitura dos textos, que se pretendia provocar nos
professores/participantes:
[Participante 1]: Li apenas uma vez o livro [Oficina
de leitura: teoria e prática], sinto a necessidade de
ler mais vezes. Gostaria de ter discutido no grupo
alguns parágrafos mais importantes.
[Participante 2]: Não fiz o Curso em 2004. Deveria
ter feito mais leituras do livro. Não reli o texto.
[Participante 3]: Na verdade, todo material (atas,
textos) deveriam ser leitura obrigatória para todos.
Seria bom deixar um dossiê por ano na biblioteca
para consulta e estudo.
[Participante 4]: Preciso retomar a leitura do livro:
agora [depois da discussão do texto durante a 2ª
etapa do Curso de 2005] os textos fazem mais
sentido, os pressupostos pedagógicos estão um
pouco mais claros. (EBMBSB, 2005b).
[Participante 1]: Ainda vou terminar a leitura do
livro [Os conteúdos na reforma: ensino e
aprendizagem de conceitos, procedimentos e
atitudes], apenas consegui ler a introdução e o
primeiro capítulo.
[Participante 2]: O livro é ótimo.
[Participante 3]: O estudo do livro foi ótimo,
principalmente após a discussão e estudo do
resumo feito pela Márcia, em 29/08. (EBMBSB,
2008b).
Por isso, dependendo da necessidade e da disponibilidade de tempo
e recursos materiais, eram desenvolvidas diferentes estratégias ao longo
do ano letivo (como a elaboração de resumos dos textos indicados –
97.No quarto capítulo discutiremos com mais profundidade essa questão, pois a
importância do papel do professor como mediador da leitura constituiu um dos
conteúdos formativos do Curso.
198
aspecto destacado no excerto anterior), tendo em vista a mobilização dos
professores para a realização das leituras, pois, de acordo com Giovanni
(2003, p. 214),
situações de formação continuada na escola são
situações de natureza coletiva. O esforço reflexivo
empreendido por cada um dos profissionais
envolvidos nessas situações é, sem dúvida
individual, mas demanda perseverança, necessita
de apoios. E, sendo assim, tais situações são tanto
mais efetivas, quanto mais coletivas e solidárias
puderem ser.
Sendo assim, tornar a escola um ambiente de formação, um
contexto incentivador da aprendizagem dos professores e favorável ao seu
desenvolvimento profissional, para além dos quatro dias presenciais do
Curso, repensando e reestruturando velhos espaços de discussão coletiva
como os conselhos de classe (aspecto que trataremos no quarto capítulo)
ou criando novos espaços de reflexão como grupos de estudos, constituiu-
se um desafio permanente para a equipe pedagógica e a direção da Escola
Beatriz.
Já as atividades práticas, que faziam parte das tarefas e estavam
sempre articuladas ao conteúdo formativo do Curso, estas procuravam
incentivar e fortalecer o compromisso do professor com a mudança do
seu fazer pedagógico ou, de acordo com as palavras de Nóvoa (2002, p.
60), com esse “esforço de inovação e de procura aqui e agora dos
melhores percursos para a transformação da escola”. Ao mesmo tempo
em que a realização dessas atividades – cujas orientações entregues por
escrito demandavam escolhas, planejamento, sistematização, registro,
reflexão individual, socialização e análise coletiva do trabalho
desenvolvido –, buscava também fazer com que se tonassem uma prática
reflexiva para os participantes.
Com isso, não estamos afirmando que os professores não
(re)planejavam suas aulas a partir de escolhas, registros pessoais e
reflexões sobre o próprio trabalho. O elemento que destacamos nessa
proposta é a intencionalidade formativa desse processo e seu caráter
coletivo. Uma intencionalidade traduzida na exigência de um trabalho
sistemático de planejamento, registro e socialização da prática
pedagógica definida e realizada pelo professor como tarefa do Curso, cuja
análise crítica, envolvendo sempre as dimensões individual e coletiva,
deveria ser realizada a partir do referencial teórico estudado.
Evidentemente que a realização dessas tarefas suscitou dificuldades e
199
resistências, principalmente nos primeiros anos de formação, mas, aos
poucos, principalmente após a sua articulação com os conselhos de
classe98, os professores foram compreendendo esse momento como mais
uma oportunidade de aprendizagem.
O destaque para a necessidade de uma prática reflexiva vai ao
encontro da afirmativa de Candau (1997), sobre ser essa uma condição
necessária para que a prática seja capaz de mobilizar um processo
formativo, o que não é possível, de acordo com a autora, com ações
repetitivas e mecânicas. Aspecto que também é ressaltado por Contreras
(2012, p. 93) ao enfatizar que “a análise e a reflexão sobre a prática
profissional que se realiza constitui um valor e um elemento básico para
a profissionalidade dos professores”, mas que precisa dispor de um
referencial teórico e de uma dimensão moral e ética que a fundamente,
pois, do contrário, “a reflexão dos docentes, deixada a seu próprio curso,
pode se encontrar impedida de ir além de seus próprios limites, isto é, de
ir além da experiência e dos círculos viciosos nos quais se encontra atada”
(CONTRERAS, 2012, p. 172).
Desse modo, apesar de elevar os custos e trazer mais dificuldades
a muitos profissionais, especialmente aos que não eram da Escola Beatriz,
os quais, muitas vezes, conseguiam liberação de suas unidades para
participar de apenas uma das etapas, a organização do Curso em duas
etapas anuais foi considerada entre ótima e boa em 94,31% das avaliações
devolvidas pelos participantes nos anos de 2005, 2006 e 2007 (nesse
período, de 190 participantes, 88 devolveram a avaliação). A partir de
2008, esse item não foi mais incluído no instrumento de avaliação
entregue aos profissionais. Porém, a manutenção dessa forma de
organização, mesmo após o desdobramento do Curso em dois módulos –
anos iniciais e anos finais – em 2009 e o consequente aumento dos
recursos financeiros necessários e das demandas em termos de
organização e estrutura, também nos indica que esta era uma opção
metodológica considerada importante e necessária pela Escola Beatriz.
3.4.3 Dos participantes e da certificação
O curso Ler e escrever: compromisso da escola, compromisso de
todas as áreas envolveu todos os professores e profissionais de apoio
98 Esse aspecto será melhor tratado no quarto capítulo.
200
pedagógico/administrativo da Escola Beatriz99 (diretor, equipe
pedagógica, bibliotecário, auxiliar de ensino e professor coordenador da
sala informatizada), conforme designação dada em seu Projeto Político-
Pedagógico. Além desses, também participaram do Curso estagiários e
bolsistas do Pibid100 da UFSC e da Udesc, profissionais de outras escolas
de ensino fundamental da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis,
assessores pedagógicos da SMEF, professores da educação infantil e
educação de jovens e adultos da RMEF e professores de escolas
pertencentes à Rede Estadual de Ensino de SC e à rede particular.
No período de 2004 a 2013, 463 profissionais participaram desse
processo formativo, 40,6% composto por profissionais da Escola Beatriz,
e 59,4% por profissionais de outras unidades escolares e estudantes
universitários, que nesta pesquisa estamos chamando de participantes
externos. Esses dados estão mais bem detalhados nas Tabelas 4 e 5,
apresentadas a seguir, as quais foram elaboradas pela pesquisadora, assim
como todas as demais tabelas e quadros que constam deste item, a partir
de informações coletadas nos quadros constantes do Apêndice A desta
99.Os demais funcionários (secretária, merendeiras, auxiliares de serviços gerais
e vigias), considerados no PPP como profissionais de apoio
administrativo/pedagógico, após participarem da formação em 2004, optaram
por frequentar, no período de 2005 a 2013, apenas os cursos específicos
oferecidos pela SMEF. 100.Esse programa foi lançado pelo Ministério da Educação em dezembro de 2007,
durante o segundo mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido
dos Trabalhadores, e dentre os seus objetivos “destacam-se aqueles voltados
para a formação de professores, qualificando as ações acadêmicas a esta
destinada: fortalecer a escola pública como espaço de formação e promover a
necessária articulação das universidades com as redes públicas de ensino. É
assim, um Programa que tem como finalidade a formação inicial dos
licenciandos, proporcionando a estes experiências pedagógico-formativas,
articulando seu percurso formativo na universidade com a realidade local das
escolas” (UFSC, 2009, p. 2).
201
pesquisa101, que contêm o registro, por ano de formação, do nome
completo dos participantes, da unidade escolar de atuação, do vínculo
empregatício (efetivo ou substituto), da carga horária na unidade escolar,
do cargo ou função que exerce, da série/ano de atuação, da disciplina e da
carga horária do certificado.
101.É importante informar que esses quadros também foram elaborados pela
pesquisadora, com a colaboração da orientadora Maria Stela Bardini Eller e da
professora Juliana da Silva Euzébio, a partir da lista de presença dos
participantes e do documento contendo a lista de participantes com direito a
certificado e seus dados de identificação, organizados pela Escola Beatriz em
cada ano de realização do Curso. Além disso, nesta pesquisa, estamos
considerando apenas os participantes que tiveram direito ao certificado, de
acordo com os critérios estabelecidos pela SMEF, ou seja, os participantes que
obtiveram uma frequência mínima de oito horas no ano em que realizaram o
Curso e que preencheram a documentação necessária para certificação.
202
Tabela 4 – Número total e percentual de participantes, internos e externos, do
curso Ler e escrever: compromisso da escola, compromisso de todas as áreas.
Escola Básica Municipal Beatriz de Souza Brito, Florianópolis, SC – 2004 a 2013
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Fonte: elaborado pela autora (2017).
Notas: (1) Refere-se a professores da educação infantil e educação de jovens e
adultos da RMEF, professores de escolas pertencentes à Rede Estadual de Ensino
de SC e à rede particular.
– Sinal convencional utilizado:
* Não se aplica dado numérico.
203
Tabela 5 – Número e percentual de participantes do curso Ler e escrever:
compromisso da escola, compromisso de todas as áreas, por ano de formação, da
Escola Beatriz e externos. Escola Básica Municipal Beatriz de Souza Brito,
Florianópolis, SC – 2004 a 2013 P
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206
(conclusão)
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20
13
Fonte: elaborado pela autora (2017).
Notas: (1) Refere-se a professores da educação infantil e educação de jovens e
adultos da RMEF, professores de escolas pertencentes à Rede Estadual de Ensino
de SC e à rede particular.
– Sinais convencionais utilizados:
* Não se aplica dado numérico.
--- Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
207
A carga horária dos certificados dos participantes, em cada ano de
formação, pode ser verificada na Tabela 6, a seguir. Nela constatamos que
nos primeiros cinco anos de formação, dos 309 certificados emitidos,
60,8% tinham uma carga horária superior a 40 horas, 20,1% uma carga
horária entre 20 e 38 horas; e 19,1%, até 16 horas. Já nos últimos cinco
anos de formação, a situação se inverteu: dos 585 certificados emitidos,
53,2% tinham uma carga horária de até 16 horas, 6,1% uma carga horária
entre 20 e 38 horas; e 40,7%, acima de 40 horas.
208
Tabela 6 – Número de certificados emitidos, por ano de formação e carga horária,
curso Ler e escrever: compromisso da escola, compromisso de todas as áreas.
Escola Básica Municipal Beatriz de Souza Brito, Florianópolis, SC – 2004 a 2013 N
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209
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(continua)
210
(conclusão)
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Fonte: elaborado pela autora (2017).
Notas – Sinais convencionais utilizados:
* Não se aplica dado numérico.
--- Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
211
O aumento significativo no número de certificados emitidos com
carga horária de até 16 horas nos últimos cinco anos, como pudemos
observar na tabela anterior, certamente tem relação com a ampliação do
número de vagas para os participantes externos neste período. Tal
situação acaba, por um lado, reiterando as dificuldades que os professores
da educação básica têm para sair da escola a fim de participar de
atividades formativas e, por outro, indica que a realização de projetos de
formação na/da escola pode se constituir em um caminho interessante
também para viabilizar a participação dos professores em processos de
formação continuada. Aparte isso, veremos no próximo item, o qual trata
especificamente sobre a participação dos profissionais da Escola Beatriz
no Curso, que a indicação desse caminho não é por si só uma garantia,
tornando necessário que outras condições estejam articuladas a ela.
3.4.3.1 Participantes da Escola Beatriz
A participação dos profissionais de apoio
pedagógico/administrativo e dos professores efetivos da Escola Beatriz
pode ser melhor analisada nas próximas três tabelas (7, 8 e 9), que
apresentam, por ano de formação, a carga horária dos certificados
recebidos por eles ao longo dos dez anos de realização do Curso.
Na Tabela 7, que apresenta a carga horária dos certificados dos
profissionais de apoio pedagógico/administrativo, gostaríamos de chamar
a atenção para dois aspectos. O primeiro deles refere-se à presença da
mesma equipe pedagógica (em especial das duas orientadoras
educacionais e da supervisora escolar) e a sua participação integral em
praticamente todos os anos de realização do Curso, o que corrobora e ao
mesmo tempo possibilita a afirmação feita no item 3.3 deste capítulo,
sobre este grupo ter assumido a formação como parte constitutiva e uma
prioridade de seu trabalho, desenvolvendo o importante e necessário
papel de liderança na organização, coordenação e articulação desse
processo na Escola. O segundo aspecto diz respeito à participação da
bibliotecária Zuleide Figueiredo Patrício em todos os anos do Curso, até
a sua aposentadoria, cujo trabalho junto às turmas e aos professores dos
anos iniciais no desenvolvimento de projetos com foco no ensino da
leitura e da escrita e na ampliação do universo cultural dos estudantes
pode ser considerado uma importante contribuição desse processo de
formação para a Escola Beatriz.
212
Tabela 7 – Carga horária dos certificados, por ano de formação, dos profissionais
efetivos de apoio pedagógico/administrativo da Escola Beatriz, curso Ler e
escrever: compromisso da escola, compromisso de todas as áreas. Escola Básica
Municipal Beatriz de Souza Brito, Florianópolis, SC – 2004 a 2013 A
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(continua)
213
(conclusão)
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Fonte: elaborado pela autora (2017).
Notas: (1) Ingressou como profissional efetivo na Escola Beatriz antes de 2004.
(2) Ano de ingresso como profissional efetivo na Escola Beatriz (posterior
a 2004). (3) Ano de saída da Escola por motivo de aposentadoria.
214
(4) Ano de saída da Escola por motivo de remoção ou designação para
outra unidade escolar ou órgão central da SMEF.
Sinal convencional utilizado:
* Não se aplica dado numérico.
Comparando os dados das tabelas 8 e 9, apresentadas a seguir,
podemos perceber que havia duas situações bem distintas em relação aos
professores dos anos iniciais e os professores dos anos finais. Enquanto
este último grupo era composto basicamente por profissionais efetivos na
Escola Beatriz, que de fato estavam exercendo a docência e mantinham
uma regularidade na participação no Curso, o grupo dos professores dos
anos iniciais apresentava um quadro bastante deficitário em termos de
profissionais efetivos e em exercício na sala de aula e, consequentemente,
na participação nesse processo de formação.
215
Tabela 8 – Carga horária dos certificados, por ano de formação, das professoras
dos anos iniciais efetivas na Escola Beatriz e em exercício na sala de aula, curso
Ler e escrever: compromisso da escola, compromisso de todas as áreas. Escola
Básica Municipal Beatriz de Souza Brito, Florianópolis, SC – 2004 a 2013
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(continua)
216
(conclusão)
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Fonte: elaborado pela autora (2017).
Notas:-(1) Ingressou como professora efetiva dos anos iniciais na Escola Beatriz
antes de 2004. (2) Ano de ingresso como professora efetiva dos anos iniciais na Escola
Beatriz (posterior a 2004). (3) Ano de ingresso como professora efetiva dos anos iniciais na Escola
Beatriz (posterior a 2013).
217
(4) Ano de saída da sala de aula por motivo de aposentadoria
(5) Ano de saída da sala de aula por motivo de readaptação, remoção ou
designação para outra escola ou para a SMEF.
Sinal convencional utilizado:
* Não se aplica dado numérico.
218
Tabela 9 – Carga horária dos certificados, por ano de formação, dos professores
dos anos finais efetivos na Escola Beatriz e em exercício na sala de aula, curso
Ler e escrever: compromisso da escola, compromisso de todas as áreas. Escola
Básica Municipal Beatriz de Souza Brito, Florianópolis, SC – 2004 a 2013
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Fonte: elaborado pela autora (2017).
Notas: (1) Ingressou como professor efetivo dos anos finais na Escola Beatriz
antes de 2004.
220
(2) Ano de ingresso como professor efetivo dos anos finais na Escola
Beatriz (posterior a 2004). (3) Ano de saída da sala de aula por motivo de aposentadoria. (4) Ano de saída da sala de aula por motivo de readaptação, remoção ou
designação para outra escola ou para SMEF. (5) Diretor da Escola Beatriz no período de 2005 a 2010. (6) Diretor da Escola Beatriz no período de 2011 a 2016.
Sinal convencional utilizado:
* Não se aplica dado numérico.
Os dados apresentados na Tabela 10, contendo o número de
professores substitutos por área ou disciplina e o número de anos em que
eles participaram do Curso, ratificam a afirmação feita anteriormente de
que a situação dos professores dos anos iniciais era bem mais complicada
e precária: dos 105 professores substitutos que atuaram na Escola no
período de realização do Curso, com direito a certificado, 42 (40%) eram
dos anos iniciais.
221
Tabela 10 – Número de professores substitutos, por área de atuação ou disciplina,
e o número de anos de participação no curso Ler e escrever: compromisso da
escola, compromisso de todas as áreas. Escola Básica Municipal Beatriz de
Souza Brito, Florianópolis, SC – 2004 a 2013
Área ou
disciplina
Nº de
professores
substitutos
Anos de participação no Curso
1 ano 2 anos 3 a 5
anos
Anos Iniciais 42 (40%) 31 11 -
Artes 16 (15,2%) 14 - 2
Ciências 3 (2,9%) 3 - -
Educação
Física 16 (15,2%) 15 1 -
Geografia 1(1%) 1 - -
História 8 (7,6%) 8 - -
Língua
Inglesa 2 (1,9%) 2 - -
Língua
Portuguesa 12 (11,4%) 10 2 -
Matemática 5 (4,8%) 5 - -
Total 105 89
(84,8%)
14
(13,3%) 2 (1,9%)
Fonte: elaborado pela pesquisadora (2017).
Nota – Sinal convencional utilizado:
- Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
A Tabela 10, mesmo sem explicitar a carga horária da participação
dos professores no(s) ano(s) em que realizaram o Curso, contém dados
que enfatizam a importância da luta travada pela Escola Beatriz, durante
o ano de 2011, para ter um quadro de professores dos anos iniciais efetivo
222
e permanente102 na sala de aula. Principalmente se considerarmos o fato
de que 84,8% dos professores substitutos, pela sua condição de
precariedade e provisoriedade, participaram de apenas um dos dez anos
em que esse processo de formação foi realizado. A grande rotatividade
dos professores também nos ajuda a compreender porque a inclusão dos
novos profissionais e o registro, sistematização e socialização do processo
de formação se constituíram em eixos de atuação do trabalho de
organização, coordenação e articulação do Curso. Era absolutamente
necessário, sob pena de inviabilizar o próprio processo de formação, que
a Escola encontrasse formas e estratégias que possibilitassem a esses
professores as condições e o apoio necessários para que pudessem
acompanhar e participar das discussões que estavam sendo efetivadas.
Além disso, é importante lembrar que a formação ocorria no
horário de trabalho e, por esta razão, a frequência dos profissionais,
conforme sua carga horária na Escola Beatriz, era obrigatória. Portanto,
não se tratava de um curso cuja participação pudesse ser por adesão
individual, mas de um processo, fruto de uma decisão coletiva, que exigia
um compromisso pedagógico e ético, pois eram recursos públicos que
estavam sendo investidos, além de tempo e dedicação de vários
profissionais. Assim, se por um lado a institucionalização das reuniões
pedagógicas enquanto espaço de formação significou uma conquista
importante para a Escola, por outro representou um enorme desafio, pois
demandou um grande esforço, principalmente por parte da formadora e
da coordenação (e da equipe pedagógica e direção), para encontrar
estratégias que garantissem não só a presença, mas a participação de todos
os envolvidos, fossem eles efetivos ou substitutos.
102 Em 2011, a Escola Beatriz iniciou o ano letivo com 11 turmas dos anos iniciais
e apenas 1 professora efetiva de 40 horas. As demais, embora efetivas e lotadas
na Escola, estavam afastadas em função de diferentes motivos (readaptação,
designação para outra escola e órgão central da SMEF e a disposição de outra
Secretaria da PMF). Diante dessa situação, o Conselho de Escola/APP, realizou
um movimento junto a SMEF no sentido de que houvesse “a priorização do
trabalho em sala de aula com o retorno de todas as professoras para a Escola
Beatriz em 2012” (EBMBSB, 2011d). Após um longo processo de debate e
embate, o Secretário de Educação Municipal, Rodolfo Joaquim Pinto da Luz,
determinou o retorno das professoras para a Escola no ano de 2012.
223
3.4.3.2 Participantes externos
Uma das primeiras observações que podemos fazer em relação aos
participantes externos refere-se à confirmação da consideração feita no
final do segundo capítulo, sobre o envolvimento dos profissionais de
outras escolas ter se intensificado ao longo dos dez anos de formação. A
Tabela 5, apresentada anteriormente, mostra que no ano de 2004 o
percentual de participantes externos era de apenas 11,1%, alcançando em
2012 (penúltimo ano em que o Curso foi realizado) um total de 72,9%.
Essa situação se repete quando verificamos, na mesma tabela, a média do
percentual de participantes externos nos primeiros cinco anos em relação
aos últimos cinco, quando o Curso foi separado em dois módulos (anos
iniciais e anos finais) e o número de vagas disponíveis para as demais
unidades escolares foi aumentado consideravelmente. Essa média passou
de 26,28%, no período de 2004 a 2008, para 60,4%, no período de 2009
a 2013.
O compromisso da Escola Beatriz com a ampliação da discussão
em torno do ensino da leitura e da escrita como uma responsabilidade de
todos os professores para a RMEF, especialmente para as escolas de
ensino fundamental, pode ser observado também no aumento
significativo da média de participação dos profissionais dessas unidades,
que passou de 15,8% nos primeiros cinco anos para 49,6% nos últimos
cinco anos (conforme tabela 5). De acordo com as tabelas 11 e 12,
apresentadas a seguir, marcaram presença no Curso os profissionais de 8
(oito) escolas desdobradas, com atendimento do 1º ao 4º/5º ano, e 19
(dezenove) escolas básicas, com atendimento do 1º ao 9º ano, da Rede.
224
Tabela 11 – Número de profissionais, por função e ano de formação, das escolas
desdobradas da Rede que participaram do curso Ler e escrever: compromisso da
escola, compromisso de todas as áreas. Escola Básica Municipal Beatriz de Souza
Brito, Florianópolis, SC – 2004 a 2013
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Fonte: elaborado pela pesquisadora (2017).
Notas: AI – Professor dos anos iniciais.
EP – Equipe pedagógica.
O – Outros profissionais da escola (auxiliar de ensino, coordenador da
sala informatizada, professor da sala de recursos, entre outros).
Sinal convencional utilizado:
--- Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
226
Tabela 12 – Número de profissionais, por função e ano de formação, das escolas
básicas da Rede que participaram do curso Ler e escrever: compromisso da
escola, compromisso de todas as áreas. Escola Básica Municipal Beatriz de
Souza Brito, Florianópolis, SC – 2004 a 2013
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Fonte: elaborado pela pesquisadora (2017).
Notas: AI – Prof. dos anos iniciais.
EP – Equipe pedagógica.
229
AF – Prof. dos anos finais (disciplina que ministra).
(1) História
(2) Língua Portuguesa
(3) Artes
(4) Ciências
(5) Língua Estrangeira (Espanhol) (6) Matemática (7) Todas as áreas
O.–.Outros profissionais da escola (auxiliar de ensino, coordenador da
sala informatizada, professor da sala de recursos, entre outros).
Sinal convencional utilizado:
---.Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
Porém, os dados apresentados nas tabelas anteriores (11 e 12)
também nos mostram que até o ano de 2009, mesmo depois da ampliação
das vagas disponibilizadas para as escolas de ensino fundamental da
Rede, os participantes externos eram basicamente professores dos anos
iniciais e de Língua Portuguesa. No período de 2004 a 2009, do total de
89 participantes, considerando a soma de cada ano de formação das duas
tabelas, 35 (39,3%) eram professores dos anos iniciais e 25 (28,1%) eram
professores de Língua Portuguesa. Os demais participantes eram: 16
(18%) membros da equipe pedagógica, 2 (2,2%) professores de Artes, 1
(1,1%) professor de História, 1 (1,1%) de Língua Estrangeira – Espanhol
–; e 9 (10,2%), outros profissionais da escola.
Uma das possíveis razões da presença predominante dos
profissionais dessas duas áreas no Curso certamente está relacionada à
concepção dos professores das demais disciplinas (e das próprias escolas),
construída, desde a formação inicial ou até mesmo antes dela, na
experiência dos professores enquanto estudantes da educação básica, a
qual assevera que o ensino da leitura e da escrita seria uma
responsabilidade exclusiva dos professores dos anos iniciais e de Língua
Portuguesa103. Portanto, trata-se de uma discussão nova e difícil, que, se
por um lado indica que o seu enfrentamento precisa extrapolar os muros
da escola, espraiando-se para contextos mais amplos como os cursos de
licenciatura nas universidades, por outro reitera a importância e a
103 Embora seja importante destacar que, nos últimos anos, algumas áreas do
conhecimento como Química, Física, Biologia e Ciências têm discutido e
produzido pesquisas em torno da leitura e da escrita. O maior evento da área de
Educação em Ciências, o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em
Ciências (Enpec), consolidou recentemente a linha de Linguagem em Ensino
de Ciências, na qual são apresentados diversos trabalhos abordando a leitura e
a escrita.
230
necessidade de processos de formação como o desenvolvido na/pela
Escola Beatriz.
Neste sentido, a Tabela 12 nos mostra que, a partir do ano de 2010,
duas escolas da Rede – a Escola Básica Municipal Paulo Fontes e a Escola
Básica Municipal Maria Conceição Nunes – marcaram presença de forma
mais intensa e coletiva no Curso, apesar de não constante, com a
participação da direção, equipe pedagógica e dos professores dos anos
iniciais e das diferentes disciplinas dos anos finais. Um primeiro passo
que, embora não possa ser aprofundado nesta pesquisa, deixa claro que o
esforço da Escola Beatriz em incluir outras unidades educativas da Rede,
ainda que a presença dos participantes externos não tenha tido a
regularidade esperada ou desejada104, foi importante e necessário.
3.4.4 Dos recursos financeiros
Como afirmamos no segundo capítulo, ao discutirmos as
articulações político-pedagógicas em torno da aprovação do primeiro
projeto de formação, em 2004, a Escola Beatriz tinha como principal
estratégia para garantir a realização do Curso a busca de apoio financeiro
fora da estrutura administrativa municipal, para, a partir disso, viabilizar
a proposta de divisão dos custos entre a Secretaria Municipal de
Educação, a Escola e os apoiadores externos.
Essa estratégia, pensada inicialmente em função de uma
conjuntura política marcada pelas dificuldades e incertezas de um ano de
eleições municipais, acabou se mantendo ao longo dos dez anos de
realização do Curso. E possivelmente esse foi um dos fatores que
garantiram à Escola Beatriz o desenvolvimento de seu projeto de
formação por uma década, enfrentando, inclusive, mais um período
complicado de eleições municipais em 2012, quando foi eleito o prefeito
Cesar Souza Junior, do Partido Social Democrata (PSD), após oito anos
de gestão do prefeito Dário Berger, eleito no primeiro mandato pelo
PSDB; e no segundo, pelo PMDB. Embora seja importante registrar que
essa alteração de nomes à frente da Prefeitura Municipal de Florianópolis
não implicou em mudança do Secretário de Educação Municipal, cujo
104.Lembramos que, conforme demonstrado na Tabela 6, nos últimos cinco anos
do Curso, período em que a presença dos participantes externos aumentou
significativamente, dos 585 certificados emitidos, 53,2% possuíam uma carga
horária de até 16 horas.
231
cargo permaneceu sendo ocupado pelo ex-reitor da UFSC Rodolfo
Joaquim Pinto da Luz105.
Tal situação, no entanto, não descartou a necessidade de luta para
a aprovação do projeto de formação a cada ano letivo, fosse para a
manutenção e/ou ampliação dos apoios recebidos ou para a busca de
novos apoiadores. Principalmente a partir de 2009, quando, por um
critério fundamentalmente pedagógico, que dizia respeito à necessidade
de aprofundamento do debate sobre o ensino da leitura e da escrita nos
anos iniciais e nos anos finais, a Escola decidiu pela reorganização do
Curso em dois módulos, o que resultou em um aumento de sua carga
horária de 50 para 100 horas.
Essa decisão pedagógica implicou em um aumento considerável
dos recursos financeiros e só pôde ser mantida porque, como já
afirmamos, esse processo de formação era uma prioridade para a Escola
Beatriz, que mais uma vez “tomou a palavra” e assumiu a luta para
garantir as condições necessárias para a sua realização. E certamente a
qualidade teórico-metodológica do Curso e a importância de sua temática
constituíram-se em elementos que favoreceram a construção de um
verdadeiro mosaico de apoiadores, que em determinado momento
envolveu inclusive as duas universidades públicas de Santa Catarina –
UFSC e Udesc –, através de projetos desenvolvidos por professores cuja
relação com a Escola se dava em razão do Pibid e dos estágios curriculares
obrigatórios. Aliás, a Tabela 6 apresentada anteriormente, mostra que a
partir de 2009 um número significativo de bolsistas Pibid e estagiários
marcou presença no Curso, apesar das dificuldades na conciliação dos
horários com a universidade.
O Quadro 8, a seguir, representando este mosaico de apoiadores,
foi elaborado a partir de registros pessoais da pesquisadora, realizados
entre os anos de 2004 a 2013, de dados coletados nos relatórios do Curso
entre os anos de 2004 a 2008 e das prestações de contas da APP dos anos
de 2005 a 2013. A consulta a esses documentos nos permitiu identificar
com precisão os valores pagos pela Escola Beatriz, porém isto não foi
possível em relação aos valores pagos pela SMEF e pelos apoiadores
externos. Desse modo, levando em consideração as dificuldades para
obtenção de todos os dados, optamos por identificar apenas os valores em
105.Para Barcelos (2014, p. 191), “a trajetória do Secretário, e seu intenso trânsito
na esfera federal, conferiram-lhe reconhecimento e respeito na esfera
municipal”. Rodolfo Joaquim Pinto da Luz permaneceu no cargo de Secretário
da Educação Municipal de Florianópolis de 2005 a julho de 2016, quando se
afastou para concorrer ao cargo de vice-prefeito no pleito de 2016.
232
reais referentes ao apoio da Escola e a contribuição dos participantes.
Assim, nesse quadro/mosaico, as cores representam, conforme legenda,
cada um dos apoiadores e qual o tipo de apoio dado em cada ano de
realização do Curso:
233
Quadro 8 – Identificação dos apoiadores por ano e etapa de realização do curso
Ler e escrever: compromisso da escola, compromisso de todas as áreas, Escola
Básica Municipal Beatriz de Souza Brito, Florianópolis, SC D
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2008
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)
2009
(104
)
2010
(123
)
(continua)
234
(conclusão)
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Fonte: Elaborado pela autora (2017).
235
Legenda
Secretaria Municipal de
Educação
Formadora
* não cobrou pró-labore da Escola
** comprou suas passagens aéreas
*** hospedou-se na casa da
coordenadora
Editora Ática
APP Escola Beatriz
Hotel Valerim
UFSC (Pibid – Pedagogia) Udesc – Programa de apoio à
Extensão (2013)
O quadro/mosaico explicita que o apoio financeiro da APP teve um
aumento significativo ao longo dos anos, passando de quatrocentos e
setenta reais (R$ 470,40), em 2005, para mil, duzentos e setenta reais (R$
1.270,87), em 2013, atingindo, em 2012, em função do grande número de
participantes, o valor máximo de dois mil e cinquenta e cinco reais (R$
2.055,72). Para uma escola de ensino fundamental de porte relativamente
pequeno e com recursos próprios limitados, esse pode ser considerado um
investimento muito alto, que de fato expressa uma decisão política dos
profissionais e dos pais, de comprometimento com esse processo de
formação.
Os recursos financeiros da APP da Escola Beatriz provêm de três
fontes distintas: do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), que é
financiado pelo Governo Federal, do Programa de Descentralização
Financeira e Escola Aberta, mantido pela Prefeitura Municipal de
Florianópolis, ambos com recursos programados e carimbados, e de
eventos e/ou ações106 desenvolvidas pela própria escola, que por isso são
chamados de recursos próprios. Cada fonte de recurso é depositada em
uma conta bancária específica, e a sua aplicação é discutida e aprovada
em reuniões mensais do Conselho de Escola/APP, tendo em vista que os
gastos com o projeto de formação só poderiam ser efetuados com recursos
próprios.
Neste sentido, cabe enfatizar que parte considerável desses
recursos tinha origem em uma iniciativa que reitera o fortalecimento da
perspectiva coletiva de trabalho da/na Escola Beatriz, configurada no
repasse para a APP da bolsa de professor-supervisor do Pibid, vencimento
recebido por alguns professores da Escola. Esse repasse teve início em
2009 com o Pibid da Pedagogia (UFSC), cujo projeto apresentado para a
Escola, sob a coordenação da professora Jucirema Quinteiro, possuía
106.Dentre as ações, podemos citar a realização de bingos, cujos brindes eram
doados pelos profissionais, e a solicitação de uma contribuição espontânea dos
pais.
236
apenas uma bolsa para professor-supervisor no valor de seiscentos reais
(R$ 600,00)107, mas previa o envolvimento de todos os cinco professores
dos anos iniciais que atuavam no período matutino (cada professor seria
responsável por uma estudante-bolsista).
Em função dessa situação, o grupo de professores decidiu que o
melhor caminho seria o repasse do valor dessa bolsa para a APP, pois
assim todos poderiam usufruir desse recurso para qualificar o trabalho na
sala de aula. Essa decisão foi avaliada tão positivamente pela Escola, que
em 2011 adotou-se o mesmo procedimento com a bolsa do professor-
supervisor do Pibid de Música (Udesc), coordenado pela professora Vânia
Beatriz Müller, e, em 2012, com a bolsa do Pibid de Educação Física
(UFSC), coordenado pelo professor Fábio Machado Pinto, mesmo diante
do fato de esses dois Programas, diferentemente do Pibid de Pedagogia,
envolverem apenas um professor-supervisor da disciplina na Escola. Com
esse encaminhamento, a APP da Escola Beatriz, a partir de março de
2012, passou a ter uma arrecadação mensal mínima de dois mil, duzentos
e noventa e cinco reais (R$ 2.295,00). Falamos em uma arrecadação
mínima, porque em maio de 2012, por exemplo, a APP arrecadou três mil,
cento e cinquenta e um reais (R$ 3.151,00), dos quais dois mil, duzentos
e noventa e cinco reais (R$ 2.295,00) eram referentes às três bolsas Pibid,
e oitocentos e cinquenta e seis reais (R$ 856,00) foi o montante arrecado
com a contribuição espontânea dos pais (EBMBSB, 2012b).
Outro aspecto que destacamos no quadro/mosaico apresentado
anteriormente diz respeito ao apoio da SMEF, que foi se intensificando
ao longo dos anos, com o pagamento das passagens aéreas, da
hospedagem108 e, em algumas situações, do pró-labore da formadora. No
entanto, salientamos que esse apoio não tem relação com uma política da
SMEF de incentivo e fortalecimento de processos de formação
continuada na escola, especialmente a partir de 2005, quando a formação
voltou a ser praticamente toda centralizada, e sim em função do
reconhecimento do trabalho desenvolvido na Escola Beatriz por parte de
alguns profissionais da Rede, que no período de realização do Curso
107.A partir de maio de 2010, o valor da bolsa para o professor-supervisor passou
para setecentos e sessenta e cinco reais (R$ 765,00). 108.Informamos que a partir do segundo semestre de 2009, a Escola, por opção,
assumiu a responsabilidade pela hospedagem da formadora, porque a SMEF,
nesta ocasião, passou a utilizar os serviços do Hotel Morro das Pedras, que
havia vencido o processo de licitação. O Hotel, localizado em um bairro no sul
da Ilha de Florianópolis, dificultava o translado da formadora, que era feito
pelos próprios profissionais da Escola Beatriz.
237
ocuparam cargos estratégicos na SMEF. Referimo-nos especificamente
aos ex-diretores do departamento de Ensino Fundamental Vânio Cesar
Seemann (1997/2004), Pedro Rodrigues da Silva (2006/2012) e Claudia
Cristina Zanela (2013/2016); à ex-diretora Administrativa e Financeira
Marli Lorensetti Gomes (2009/2016) e ao diretor do departamento de
Administração Escolar Marcos Roberto de Abreu (2005/2016).
Além disso, a discussão envolvendo os recursos financeiros reitera
o compromisso da professora Terezinha Bertin com esse processo
formativo, ao defender a sua necessidade e importância junto à Editora
Ática, posição que certamente contribuiu para a manutenção do apoio ao
projeto por meio do pagamento integral de seu pró-labore durante seis
anos e parcial nos últimos quatro anos. Nesse período, a formadora
demonstrou, mais uma vez, o seu compromisso com a Escola Beatriz ao
participar concretamente de seu esforço para garantir a continuidade do
Curso nos anos de 2012 e 2013, abdicando de seu pró-labore e comprando
suas passagens aéreas.
O forte vínculo que se estabeleceu ao longo dos anos entre a
formadora e a Escola Beatriz também será evidenciado no quarto e último
capítulo desta pesquisa, no qual discutiremos os conteúdos e as
contribuições desse processo formativo para a escola.
239
4 A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO E MUDANÇA:
CONCEPÇÕES E CONTRIBUIÇÕES DO CURSO LER E
ESCREVER: COMPROMISSO DA ESCOLA, COMPROMISSO
DE TODAS AS ÁREAS
Não é trajeto fácil esse que leva
da ilusão ao Projeto, do sonho à História.
(José de Souza Martins)
Neste capítulo, abordaremos os fundamentos teórico-
metodológicos do curso Ler e escrever: compromisso da escola,
compromisso de todas as áreas, com especial atenção para os primeiros
cinco anos de sua realização. Esse recorte, necessário em função do tempo
disponível para esta pesquisa, foi possível após analisarmos todos os
documentos do Curso (relatórios, atas, filmagens, entre outros) e
constatarmos que nesse período inicial (2004 a 2008) foram discutidos os
principais referenciais teóricos e metodológicos que sustentaram o projeto
de formação desenvolvido na/pela Escola Beatriz.
Sendo assim, as contribuições do Curso para a Escola Beatriz serão
apresentadas em articulação com essa discussão, pois são processos que
se constituem durante o próprio caminho percorrido. E nesse caminho,
feito de muitos sonhos e projetos, ganha destaque a construção de uma
nova concepção de ensino da leitura e da escrita, a mudança na
metodologia dos conselhos de classe e as discussões em torno do
currículo.
4.1 UMA NOVA CONCEPÇÃO DE ENSINO DA LEITURA E DA
ESCRITA
Conforme exposto no terceiro capítulo, nos primeiros anos de
realização do Curso, todos os profissionais da Escola Beatriz
participavam do mesmo momento de formação, pois “era necessário
compreender a formação de leitores e usuários competentes da escrita
como uma tarefa de todos, e não apenas do professor de Língua
Portuguesa [ou do professor alfabetizador], e perceber as implicações
desta concepção na prática pedagógica” (EBMBSB, 2004d, p. 119). O
principal desafio neste período era, portanto, o envolvimento de todos os
professores na construção de uma nova concepção de ensino da leitura e
da escrita.
Um trabalho extremamente difícil, que precisou ser desenvolvido
com muito cuidado para não causar justamente o efeito contrário, ou seja,
240
o afastamento dos professores dessa proposta, especialmente aqueles das
diferentes áreas dos anos finais do Ensino Fundamental, cuja formação
inicial e a prática escolar tradicionalmente contradiziam essa perspectiva,
atribuindo a eles exclusivamente a responsabilidade pelo ensino dos
conhecimentos/conteúdos específicos da disciplina. Além disso, esse
grupo, como afirmamos anteriormente, constituía-se basicamente de
profissionais efetivos e que atuavam há muitos anos na Escola Beatriz,
portanto tinham uma história, conhecimentos e saberes, necessidades,
dúvidas e certezas, inseguranças, crenças e concepções, que precisavam
ser respeitadas e consideradas no debate.
Era fundamental que o professor se sentisse partícipe desse
processo formativo, por isso o caminho teórico-metodológico escolhido
priorizou a efetivação de um trabalho coletivo de estudo, discussão,
produção e análise. Esse caminho, sempre com a mediação da formadora,
buscava uma maior articulação entre o referencial teórico e a prática, por
meio da realização de exercícios de leitura e escrita desenvolvidos tanto
no próprio Curso quanto nas tarefas que os professores deveriam realizar
em sala de aula no entre as suas etapas. A reflexão/problematização era
construída, portanto, no espaço efetivo da práxis, do conhecimento e do
agir humano.
4.1.1.Níveis de abordagem do texto: compreensão imediata,
interpretação e extrapolação
Em 2004, a discussão do conteúdo “níveis de abordagem do texto
ou níveis de proficiência na leitura: compreensão imediata, interpretação
e extrapolação” (BERTIN, 2000), durante a primeira etapa do Curso,
iniciou-se com a realização de um exercício de leitura coletiva do poema
Mistério de Amor, de José Paulo Paes, que apresentamos a seguir. Num
primeiro momento, o grupo, por solicitação da formadora, levantou
algumas hipóteses de leitura: “o beija-flor beija a flor [1ª hipótese]; ambos
se beijam [2ª hipótese]; o beija-flor não beija, ele suga [3ª hipótese]”
(EBMBSB, 2004e, p. 4).
241
Figura 5 – Poema Mistério de Amor, de José Paulo Paes
Fonte: Paes (2003).
Este é um texto que combina diferentes linguagens: verbal e não
verbal. Portanto, a próxima etapa do processo de leitura, que se configura
no nível da compreensão imediata, ou seja, na exploração dos dados
imediatos, no levantamento dos elementos mais marcantes e passíveis de
serem localizados/constatados na superfície do texto, supôs, como
podemos observar a seguir, a explicitação de aspectos que envolviam não
apenas a palavra, o texto verbal, mas também as cores, os sons
produzidos, a distribuição espacial do texto na página (para confirmar,
por exemplo, os aspectos de simetria).
[Formadora]: o que chama mais atenção [no
conjunto do texto]? [Grupo]: a ilustração.
[Formadora]: na ilustração qual a cor que chama
mais atenção? [Grupo]: o vermelho, depois o
verde.
242
[Formadora]: [como] podemos analisar o
movimento?
[Grupo]: no primeiro desenho a flor espera/aguarda
e o beija-flor vai ao encontro da flor; no segundo
desenho ocorre o contrário – o beija-flor aguarda a
flor, a pétala se estica para ele.
[Formadora]: no espaço?
[Grupo]: há uma simetria no encontro das figuras.
[Formadora]: no som?
[Grupo]: relação do “b” do beija-flor com o beijo.
(EBMBSB, 2004e, p. 4).
Após o levantamento dos dados explícitos e a partir deles, como
mostraremos no próximo excerto, o grupo, chegou à etapa ou nível da
interpretação propriamente dita, inferindo significados e construindo
sentidos que não estavam explícitos no texto. A construção de sentidos
para o texto é, conforme afirmam Koch e Elias (2006), o principal
objetivo do leitor. Construir sentidos que não estão explícitos a partir dos
dados explícitos supõe o desenvolvimento da habilidade de estabelecer
relações entre os dados do texto, entre o texto e os conhecimentos prévios
do leitor, entre o texto e outros textos.
[Formadora]: o vermelho do bico e das pétalas
parece:
[Grupo]: continuidade, troca, identidade, diálogo
(entre as cores que se misturam, harmonizam...).
[Formadora]: o amor requer reciprocidade,
equilíbrio (ora eu vou ao encontro, ora eu devo
aguardar).
[Formadora]: como posso provar, no texto, que há
equilíbrio?
[Grupo]: através da figura colocada nas páginas
centrais do livro de forma simétrica, do uso das
mesmas cores nos desenhos, do efeito provocado
no fechamento das páginas, sugerindo uma união.
[Formadora]: depois de toda esta discussão
podemos entender melhor o título “Mistério de
amor”, daí a pergunta do texto ganha sentido: “é o
beija-flor que beija a flor ou é a flor que beija o
beija-flor?”. O professor não deve queimar a etapa
da constatação. [...]. (EBMBSB, 2004e, p. 4).
Finalmente, o grupo pode verificar, isto é, comprovar ou rejeitar as
hipóteses levantadas no início da leitura:
243
[Formadora]: feito todo este trabalho de leitura,
devemos retornar às hipóteses e verificar qual será
mantida, eliminada ou alterada:
O beija-flor beija a flor. (eliminada [pelo grupo])
Ambos se beijam. (mantida [pelo grupo])
O beija-flor não beija, ele suga. (eliminada [pelo
grupo]) (EBMBSB, 2004e, p. 5).
Somente após o trabalho envolvendo as etapas de compreensão
imediata e interpretação propriamente dita do texto, como enfatizou a
formadora, “podemos perguntar para o aluno se ele gostou ou não do
texto, qual a sua opinião sobre ele” (EBMBSB, 2004, p. 5), isto é, só então
se poderia falar em apreciação de forma mais consistente, o “ir além do
texto”, favorecendo que o estudante/leitor estabeleça relações entre o
texto lido e sua experiência, seus gostos.
Desde o início desse processo de formação, foi importante e
necessário chamar a atenção dos participantes para dois aspectos
fundamentais envolvendo o ensino da leitura em uma perspectiva
interdisciplinar. O primeiro dizia respeito ao fato de que o ensino da
leitura é um processo que implica a sistematização de estratégias para que
o estudante desenvolva habilidades de criação, confirmação ou refutação
de hipóteses, o reconhecimento de códigos e imagens, retrocessos e
avanços, o levantamento/localização de dados, o estabelecimento de
relações, a produção de deduções e inferências, o desvelamento do que
está implícito. E o segundo aspecto referia-se à defesa de que um trabalho
que tenha como foco o desenvolvimento da leitura, o estudo e a
interpretação de textos deve buscar a sistematização de procedimentos
que tornem claras as possibilidades de sistematização deste processo.
Como destaca Kleiman (2004, p. 7), “o ensino da leitura é
fundamental para dar solução a problemas relacionados ao pouco
aproveitamento escolar” e, como discutimos no primeiro e segundo
capítulos desta pesquisa, o enfrentamento de uma realidade assombrada
pelo fracasso escolar constituiu-se em uma prioridade para a Escola
Beatriz a partir da segunda metade dos anos 1990, e foi neste contexto
que o ensino da leitura e da escrita ganhou a dimensão de uma necessidade
formativa para a escola.
Tais argumentos justificam, em certa medida, a proposição dos
níveis de abordagem do texto como primeiro conteúdo formativo do
Curso, cuja descrição, feita a partir dos estudos de Bertin (2000), foi
apresentada aos participantes de forma mais sistemática, conforme
podemos conferir a seguir, logo após o exercício de leitura do poema
Mistério de Amor.
244
Compreensão imediata/literal: entendimento do
sentido literal; decodificação imediata; localização
de informações; levantamento de dados; relação
imediata com o texto; reconhecimento do
gênero/sequência.
Interpretação: estabelecer relações; fazer
inferências; verificar se as deduções podem ser
sustentadas com elementos do texto; reordenação
da linguagem em nova configuração; leitura das
entrelinhas, do implícito, do que quis dizer;
conclusão a partir do referencial do texto. Nesta
instância o leitor fluente, competente, deve efetivar
o movimento de verificação de sua própria leitura:
analisar se suas deduções podem ser sustentadas
com elementos do próprio texto. (PCN – LP)
Extrapolação: estabelecer relações entre o texto e
extratexto; compreender/ler a realidade a partir da
leitura do texto; criticar, apreciar, posicionar-se
frente ao tema/texto; elaborar raciocínios, abstrações
a partir do referencial e da interpretação sobre o
texto. (EBMBSB, 2004e, p. 7).
Evidentemente que esses níveis de abordagem do texto, esclarece
Bertin (2000), têm uma finalidade apenas didática, já que um leitor
proficiente, em muitas situações, faz interagir esses momentos
simultaneamente. No entanto, afirma a autora, é preciso destacar que o
primeiro nível, a compreensão imediata, embora seja considerado
desnecessário por muitos professores, por se tratar de uma etapa de
localização de informações e/ou levantamento de dados que podem ser ou
parecem bastante óbvios, à medida que os textos se complexificam torna-
se fundamental para que o estudante consiga chegar à dedução de
significados. E é justamente a dedução de significados, a realização de
inferências justificadas e/ou fundamentadas nos elementos do texto um
dos maiores desafios de um trabalho de sistematização envolvendo a
prática da leitura.
Outro exercício proposto pela formadora no Curso de 2004
demonstrou o quanto o professor, muitas vezes, não desenvolve a etapa
de interpretação do texto, privilegiando um trabalho envolvendo a
localização de informações e/ou dados explícitos ou, o que pode ser ainda
mais grave, exigindo um posicionamento crítico do estudante/leitor em
relação ao texto, por supor que ele faz – sozinho e sem mediação – a sua
interpretação. Neste exercício, foi solicitado aos participantes que, em
pequenos grupos, lessem e elaborassem três questões sobre o texto A
245
fadiga da informação, de Augusto Marzagão (Anexo A), selecionado em
função de sua temática atual e, a princípio, de interesse de professores de
todas as áreas.
Na sequência, cada um dos sete grupos apresentou suas questões
e, em conjunto, formadora e participantes analisaram se elas, na relação
com o texto, eram de compreensão imediata, interpretação ou
extrapolação. A análise resultou na constatação de que, das 21 questões
elaboradas, 8 eram de compreensão imediata, 5 de interpretação e 8 de
extrapolação. Em todos os grupos, como podemos perceber na amostra
que escolhemos para apresentar a seguir, houve o predomínio de questões
de compreensão imediata e extrapolação.
GRUPO I
a) Retire do texto as frases que justifiquem o seu
título. (predomínio da relação de compreensão)
[Formadora]: questão muito ampla, seria
importante delimitá-la, “retire 2 ou 3 frases do
texto que justifiquem o seu título e transcreva no
seu caderno”. Ou então, poderia ser “quais as
palavras que estabelecem relação de sentido com
fadiga – presente no título? Stress, cansaço,
doença, sobrecarga, ...
b) Relacione o conteúdo do texto com sua
ilustração, mostrando o que representa a imagem.
(compreensão indo para interpretação)
[Formadora]: sempre que fazemos relação entre a
linguagem verbal e não-verbal, acionamos
elementos de dedução, interpretação.
c) Em algum momento você se identificou com a
problemática do texto? Dê um exemplo do seu
cotidiano. (extrapolação)
[Formadora]: toda vez que solicito a opinião do
aluno estou no nível da extrapolação.
d) Explique a relação dessa “enxurrada” de
informações com o mercado de trabalho. Isso
causaria alguma fadiga? (extrapolação)
[Formadora]: para o aluno responder a essa questão
ele precisa dominar o conceito de mercado de
trabalho, fazer relações (o professor deve ter
clareza de que o aluno domina este conceito).
(EBMBSB, 2004e, p. 8).
O resultado desse exercício nos possibilita refletir sobre a forma
como os professores das diferentes áreas normalmente
246
compreendem/ensinam a leitura em sala de aula: como um processo mais
intuitivo, marcado por subjetividades, ou como se os textos fossem
autoexplicativos e de apreensão mais fácil, bastando para isso que o
estudante domine os processos mais mecânicos da leitura, que
supostamente teriam sido desenvolvidos na fase inicial da alfabetização.
Para Borgatto, Bertin e Marchezi (2006, p. 5):
A má compreensão do que está subentendido no
processamento da leitura gerou práticas calcadas
em modismos que enfatizavam processos intuitivos
de compreensão de textos, pelo emprego de
mecanismos de verificação, tidos como
procedimentos para a compreensão, que se
reduziram a clichês, como “O que você achou do
texto?”, ou “Qual a mensagem do autor?”, ou a
comparações superficiais entre o texto e a realidade
que cerca o aluno. Interpretar identificou-se com
abordagens espontaneístas [...]. Não se percebeu a
insuficiência desses procedimentos para o
reconhecimento e a apropriação de mecanismos de
linguagem contextualizados por intenções e
circunstâncias. Igualmente não se favoreceu um
exercício que estimulasse a compreensão das
relações internas que o texto estabelece em sua
tessitura.
Neste sentido, afirmam as autoras, é importante que o professor
tenha clareza que a interpretação propriamente dita é o momento “em que
a interlocução texto-leitor mais instiga o terreno das inferências possíveis
e não únicas ou exclusivas. É um dos aspectos que fortalece a prática de
leitura como prática essencialmente dialógica” (BORGATTO; BERTIN;
MARCHEZI, 2006, p. 6, grifos das autoras).
Para que a interação sujeito-texto seja fonte de
criação, elaboração de uma palavra pessoalizada,
singular, é necessário que a leitura passe a fazer
parte de nossos gestos diários: é preciso sentir
necessidade de ler.
Necessidade de ler suscitada por desafios diversos:
querer conhecer, apoderar-se de bens culturais
guardados pela escrita, descobrir outros mundos,
perceber e buscar outras leituras que “conversem”
com sua leitura (intertextualidade), ou que
conversem com o leitor [...]. São desafios que
podem gerar prazer, estimular repertórios ativos ou
247
latentes, fazer sonhar, ajudar a ler/ver o mundo.
(BORGATTO; BERTIN; MARCHEZI, 2006, p. 1-
2, grifo das autoras).
Assim, buscando dar continuidade a essa discussão e, ao mesmo
tempo, tornar a leitura parte do cotidiano do professor e da sala de aula,
foram solicitadas como tarefa para a segunda etapa do Curso de 2004 a
realização do estudo de um texto, com uma turma, ambos escolhidos pelo
professor, envolvendo os três níveis de abordagem – compreensão
imediata, interpretação e extrapolação – e a leitura do livro Leitura: perspectivas interdisciplinares, organizado por Zilberman e Ezequiel
Silva (2002), com o objetivo de aproximar um pouco mais os
participantes do debate em torno de algumas questões teóricas,
metodológicas e políticas envolvendo uma perspectiva interdisciplinar da
leitura e seu ensino.
Dos 54 participantes, 29 compraram o livro, o que indica o
interesse do grupo por esta temática, embora, pelo número bastante
reduzido de questões e destaques feitos por eles durante a segunda etapa
do Curso, conforme o registro da ata, podemos supor que muitos não
leram o texto. No entanto, apesar das dificuldades para a superação dessa
situação de pouco envolvimento dos professores com práticas de leitura
(e escrita) consistentes, a qual certamente não é exclusividade da Escola
Beatriz, o excerto do livro Leitura: perspectivas interdisciplinares, destacado por um dos participantes durante a segunda etapa do Curso, em
agosto de 2004, é bastante significativo e vai ao encontro da concepção
de ensino da leitura que estava sendo discutida:
Se um aluno só aprende a ler lendo, e se o material
de que ele dispõe é o livro didático, segue-se que o
texto didático deve ser elaborado levando em conta
sua função alfabetizadora. Em outras palavras, um
livro de estudos sociais ou de ciências é, também –
e, diria eu, antes de tudo –, um instrumento para a
aquisição da leitura funcional; e como tal precisa
ser planejado. Vejo, portanto, em um texto didático
dos primeiros níveis uma dupla função: primeiro,
sua função geralmente reconhecida de fonte de
informação de caráter técnico; e, depois, uma
outra função, na verdade em princípio a mais
importante, que é a de fornecer o material para
que o aluno, lendo, aprenda a ler. Como
consequências, temos que a responsabilidade de
ensinar a leitura funcional é da escola como um
248
todo, e não apenas da disciplina e do professor
de Língua Portuguesa; e temos que os autores de
livros didáticos de qualquer disciplina precisam
sensibilizar-se para as exigências da função
alfabetizadora de seus textos. (PERINI, 2002, p. 82
apud EBMBSB, 2004f, p. 8, grifos nossos).
Aliás, fazer do professor um leitor efetivo e pleno foi outro desafio
enfrentado ao longo de todo o processo de formação, pois, como
explicitado na justificativa do projeto de 2005,
uma formação de professores praticantes de leitura
e escrita, capazes de evidenciar perante as crianças
o comportamento de leitor e escrevente, é condição
para mudarmos os preocupantes indicadores de
desempenho escolar, pois a ninguém é dado o dom
de ensinar o que não sabe fazer. (EBMBSB,
2005b).
Esse desafio, com certeza, tem relação com a indicação das leituras
como tarefa entre as etapas da formação e com as estratégias
desenvolvidas pela Escola, mais especialmente pela coordenação do
Curso, para que elas de fato ocorressem – aspectos que já detalhamos no
terceiro capítulo. Além disso, em todas as etapas, os participantes foram
envolvidos em práticas sistemáticas de leitura, como podemos observar
nas imagens que selecionamos a seguir (Figuras 06 e 07):
249
Figura 6 – Participantes lendo o texto A fadiga da informação, de Augusto
Marzagão, durante a 1ª etapa do Curso de 2004
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2004).
Figura 7 – Participantes lendo o texto Se eu fosse pintor, de Cecília Meireles,
durante a 1ª etapa do Curso de 2005
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2005).
A segunda etapa do Curso de 2004 centrou-se na continuidade do
debate em torno dos níveis de abordagem do texto, a partir da análise das
250
apresentações de três professores das disciplinas de Ciências, Geografia
e Língua Portuguesa, que desenvolveram a tarefa durante o II bimestre e
se dispuseram a socializá-la. A seguir apresentamos a transcrição da letra
da música A saga da Amazônia, de Vital Farias, as questões elaboradas
pelo professor de Geografia sobre essa letra e o relato da análise feita pelo
grupo:
Era uma vez na Amazônia a mais bonita floresta
mata verde, céu azul, a mais imensa floresta
no fundo d'água as Iaras, caboclo lendas e mágoas
e os rios puxando as águas
Papagaios, periquitos, cuidavam de suas cores
os peixes singrando os rios, curumins cheios de
amores
sorria o jurupari, uirapuru, seu porvir
era: fauna, flora, frutos e flores
Toda mata tem caipora para a mata vigiar
veio caipora de fora para a mata definhar
e trouxe dragão-de-ferro, pra comer muita madeira
e trouxe em estilo gigante, pra acabar com a
capoeira
Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar
pra o dragão cortar madeira e toda mata derrubar:
se a floresta meu amigo, tivesse pé pra andar
eu garanto, meu amigo, com o perigo não tinha
ficado lá
O que se corta em segundos gasta tempo pra vingar
e o fruto que dá no cacho pra gente se alimentar?
depois tem o passarinho, tem o ninho, tem o ar
igarapé, rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um
mar
Mas o dragão continua a floresta devorar
e quem habita essa mata, pra onde vai se mudar?
corre índio, seringueiro, preguiça, tamanduá
tartaruga: pé ligeiro, corre-corre tribo dos
Kamaiura
No lugar que havia mata, hoje há perseguição
grileiro mata posseiro só pra lhe roubar seu chão
castanheiro, seringueiro já viraram até peão
251
afora os que já morreram como ave-de-arribação
Zé de Nata tá de prova, naquele lugar tem cova
gente enterrada no chão:
Pois mataram índio que matou grileiro que matou
posseiro
disse um castanheiro para um seringueiro que um
estrangeiro
roubou seu lugar
Foi então que um violeiro chegando na região
ficou tão penalizado que escreveu essa canção
e talvez, desesperado com tanta devastação
pegou a primeira estrada, sem rumo, sem direção
com os olhos cheios de água, sumiu levando essa
mágoa
dentro do seu coração
Aqui termina essa história para gente de valor
pra gente que tem memória, muita crença, muito
amor
pra defender o que ainda resta, sem rodeio, sem
aresta
era uma vez uma floresta na Linha do Equador...
(FARIAS, 1982, lado B, faixa 1).
Questões elaboradas pelo professor da disciplina:
a) Esclareça o título da música “A saga da
Amazônia” de Vital Farias, retirando partes da
música que o justifiquem.
b) Identifique os “povos da Amazônia” (atores
sociais) citados na música e que são responsáveis
pela organização do espaço territorial da
Amazônia.
c) Explique qual a intenção do autor em usar a
figura do dragão para tratar da derrubada da
floresta.
d) “O que se corta em segundos gasta tempo pra
vingar...”. Você concorda ou discorda da
afirmação? Justifique sua resposta.
Contexto em que o texto será utilizado, de acordo
com o professor da disciplina: a música servirá para
“encerrar” a discussão do conteúdo – Região
Amazônica. Os alunos ouvirão a música, farão um
252
pequeno glossário, discutirão o texto e responderão
as questões.
Análise feita pelo grande grupo:
O assunto envolve conhecimentos prévios, de
séries anteriores. Relaciona aspectos culturais e
ambientais. Favorece também o conhecimento de
outros ritmos musicais, no caso, o regionalista. A
fotocópia entregue aos alunos dificulta a leitura, a
compreensão discursiva (letra muito pequena e
itálica). As questões de número 1 e 3 são de
interpretação. A questão de número 2 é de
compreensão imediata e a de número 4 de
extrapolação.[...].
Gênero do texto “A saga da Amazônia”: música.
(EBMBSB, 2004f, p. 9-10).
Na análise do grupo, a necessidade da ativação de conhecimentos
prévios foi um dos aspectos destacados, indo ao encontro da afirmação de
Kleiman (1999), de que durante a leitura diferentes níveis de
conhecimentos prévios – o linguístico, o textual, o conhecimento de
mundo – devem ser mobilizados para que o leitor consiga construir o
sentido de um texto. Para a autora, “a ativação do conhecimento prévio é,
então, essencial à compreensão, pois é o conhecimento que o leitor tem
sobre o assunto que lhe permite as inferências necessárias para relacionar
diferentes partes discretas do texto num todo coerente” (KLEIMAN,
1999, p. 25, grifo da autora).
Já a formadora ressaltou dois aspectos em sua análise: os níveis de
abordagem do texto envolvidos nas questões elaboradas pelo professor e
a necessidade de reconhecimento do gênero para o processamento da
leitura. O conteúdo gêneros do discurso, por sua importância para a
formação de professores comprometidos com o ensino da leitura e da
escrita, constituiu-se então no foco dos estudos realizados no Curso em
2005 e 2006.
Neste sentido, é importante enfatizar que a discussão de conteúdos
de maior complexidade, considerados centrais para a concretização da
proposta de tornar o ensino da leitura e da escrita um compromisso da
escola e uma responsabilidade de todos os professores, como o estudo dos
gêneros, deu-se de forma bastante gradativa e balizada pelas necessidades
que o próprio grupo apontava à medida que o processo de formação se
desenvolvia, pois havia o entendimento de que “a apropriação dessas
novas matrizes teóricas por parte dos professores das séries iniciais e dos
professores das diferentes áreas do conhecimento, constitui-se em um
253
desafio que requer muito estudo e tempo para ser incorporado a uma nova
prática” (EBMBSB, 2006).
Tal entendimento encontra respaldo na compreensão de Garcia
(2009) sobre o desenvolvimento profissional docente ser um processo que
tem lugar em contextos concretos, que requer tempo e continuidade para
produzir mudanças. Portanto, mais do que um curso de formação, o que
se buscava na Escola Beatriz era a realização de um processo de formação
necessariamente articulado ao projeto de escola em construção e que
tivesse continuidade não só para a instituição, mas para os profissionais
que nela atuavam. O que tornava a existência de um grupo de
profissionais efetivos e permanentes uma condição da qual não se poderia
prescindir.
Além disso, a preocupação constante por parte da formadora e da
coordenação do Curso com a inclusão dos novos participantes contribuía
para que os encontros ocorressem em um ritmo mais pausado e de
permanente retomada de conteúdos fundamentais. Essa estratégia
favorecia a todos os participantes e à Escola, já que possibilitava o
aprofundamento dos estudos e a constante reflexão e revisão de práticas
e encaminhamentos que eram realizados a partir do próprio processo
formativo.
4.1.2 Gêneros do discurso109
De acordo com a formadora, na primeira etapa do Curso de 2005,
realizada nos dias 30 e 31 de maio, a teoria dos gêneros do discurso
demonstrou ser um conteúdo formativo imprescindível para todos os
professores que assumem a tarefa de ensinar a ler e a escrever, uma vez
que
para ser um bom leitor é preciso ler de tudo e
sempre. Gostar mais de um gênero ou de outro é
uma questão de gosto, uma opção pessoal. A
escola, no entanto, precisa desenvolver
competências e habilidades de leitura em todos os
gêneros e isso deve ser conteúdo de ensino em
todas as áreas, pois se cada área trabalha mais com
um gênero de texto, a difícil tarefa de formar um
leitor proficiente não pode estar restrita à disciplina
109 Nesta pesquisa, assim como no curso de formação realizado na Escola Beatriz,
utilizaremos a terminologia gênero do discurso e gênero textual como
equivalentes.
254
e ao professor de Língua Portuguesa. De acordo
com os PCNs, o papel da escola é sistematizar um
trabalho com os gêneros de circulação social real.
(EBMBSB, 2005c, p. 1).
O reconhecimento do gênero configura-se uma importante chave
para a interpretação do texto. Ao determinar o gênero ao qual pertence o
texto, o leitor, pela sua experiência anterior de leitura, pode fazer
antecipações sobre o que buscar ou o que esperar do texto. Dessa maneira,
se estiver lendo um artigo de opinião, sabe que a sua compreensão
depende da identificação da ideia ou tese defendida pelo autor; se for uma
crônica, buscará os elementos de crítica social que deverão estar
presentes, mesmo que implicitamente.
Neste sentido, durante a leitura do poema Raridade, de José Paulo
Paes (2003), em que a repetição do som “ra” foi identificada pelos
participantes como fruto da intenção do autor:
255
Figura 8 – Poema Raridade, de José Paulo Paes
Fonte: Paes (2003).
A formadora chamou a atenção para o seguinte aspecto:
256
É conteúdo e deve ser ensinado o fato de que a
repetição num texto informativo, num texto
científico não é pertinente, mas que num texto
literário, muitas vezes, a repetição contribui ou
mesmo pode ser fundamental para que a intenção
do autor se concretize. A percepção por parte da
criança de que dependendo da intenção do autor, do
contexto, a repetição pode ou não ser válida só
acontece na perspectiva do trabalho com gênero.
Qual a intenção do texto: instruir? Informar?
Contar? Divertir? Convencer? Persuadir? Qual é a
circunstância comunicativa: é um texto escrito? É
um texto oral? É um livro didático? É um jornal de
circulação nacional? É um jornal da escola?
Mudando a circunstância comunicativa, muda o
gênero. [...] um texto não é apenas um produto
linguístico, ele é produto da história, da intenção do
autor, das motivações circunstanciais e
contextuais, das motivações ideológicas, do
público receptor, etc. O trabalho com gênero
considera a interlocução dos sujeitos – quem
produz, quem recebe, as alterações do produto
feitas pelo receptor. O gênero é, portanto, condição
para leitura de todas as áreas. (EBMBSB, 2005c, p.
11).
Também a respeito desta discussão, Magda Soares, no prefácio da
obra de Sérgio Roberto (2008, p. 7) enfatiza que
a teoria dos gêneros, no quadro da teoria do
discurso, trouxe para o ensino da língua o
reconhecimento e a prática de gêneros textuais e/ou
discursivos, que vieram acrescentar-se aos tipos
textuais, até então dominantes na leitura e na
escrita escolares: punha-se o foco na natureza
linguística de segmentos textuais – descrição,
narração, dissertação, argumentação –, ignorando-
se aquilo que verdadeiramente institui e constitui o
texto: os aspectos sócio-históricos e interativos que
definem seu funcionamento e resultam de seu
contexto de produção e recepção, ou seja:
ignorando-se o gênero do texto. Acolhendo-se o
conceito de textos como representando gêneros, e
não apenas tipos, o ensino da língua materna passa
a reconhecer e desenvolver diferentes práticas
discursivas – aos gêneros literários, únicos
257
admitidos até então nas salas de aula, e aos gêneros
de circulação exclusivamente escolar,
acrescentam-se aqueles muitos outros domínios
discursivos, gêneros que circulam nas práticas
sociais fora das paredes da escola.
Tendo em vista que todo o professor, como afirma Kleiman (1999),
é um professor de leitura, é importante, então, que tenha um
conhecimento mais aprofundado (não diríamos especializado) em torno,
sobretudo, dos gêneros mais recorrentes na sua disciplina. Para a autora,
é necessário que todos os professores conheçam as características e
dimensões do ato de ler, pois “menores serão as possibilidades de propor
tarefas que trivializem a atividade de ler, ou que limitem o potencial do
leitor de engajar suas capacidades intelectuais, e, portanto, mais próximo
estará esse professor do objetivo de formação de leitores” (KLEIMAN,
1999, p. 11).
A abordagem de textos na perspectiva dos gêneros do discurso,
conforme destacam Borgatto, Bertin e Marchezi (2006, p. 7), possibilita
o desenvolvimento da percepção de que, “no mundo das linguagens, a
produção de sentidos é sempre contextualizada, circunstancializada em
situações específicas de comunicação e carregada de intenções. É a
dimensão social da linguagem, dos textos”. Tal abordagem ancora-se na
concepção de gênero defendida por Bakhtin. Para esse autor,
Todas as esferas da atividade humana, por mais
variadas que sejam, estão sempre relacionadas com
a utilização da língua. Não é de surpreender que o
caráter e os modos dessa utilização sejam tão
variados como as próprias esferas da atividade
humana, o que não contradiz a unidade nacional de
uma língua. A utilização da língua efetua-se em
forma de enunciados (orais e escritos), concretos e
únicos, que emanam dos integrantes duma ou
doutra esfera da atividade humana. O enunciado
reflete as condições específicas e as finalidades de
cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo
(temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela
seleção operada nos recursos da língua – recursos
lexicais, fraseológicos e gramaticais –, mas
também, e sobretudo, por sua construção
composicional. Esses três elementos (conteúdo
temático, estilo e construção composicional)
fundem-se indissoluvelmente no todo do
enunciado, e todos eles são marcados pela
258
especificidade de uma esfera de comunicação.
Qualquer enunciado considerado isoladamente é,
claro, individual, mas cada esfera de utilização da
língua elabora seus tipos relativamente estáveis de
enunciados, sendo isso que denominamos gêneros
do discurso (BAKHTIN, 1997, p. 279).
Portanto, sempre que possível, deve-se enfatizar a situação de
produção e de circulação dos textos, para que os estudantes se apropriem,
paulatinamente, do conceito de gênero do discurso, percebendo “no
estudo dos recursos linguísticos a apropriação de uma ferramenta que o
habilitará a fazer escolhas conscientes de linguagem para dar conta de
seus propósitos de comunicação” (BORGATTO; BERTIN; MARCHEZI,
2006, p. 7).
A partir desta perspectiva teórica, que considera o texto não apenas
como um produto linguístico, a formadora propôs a realização de um
exercício no qual os participantes, em pequenos grupos, deveriam analisar
um texto com base nos aspectos da constitutividade dos gêneros
apontados por Bakhtin (1997). Um esquema que contempla esses
diferentes aspectos, elaborado por Borgatto, Bertin e Marchezi (2006) foi
apresentado aos participantes na primeira etapa do Curso de 2005. Porém,
nesta pesquisa, optamos por apresentar uma versão mais atualizada deste
esquema:
259
Figura 9 – Representação da constitutividade dos gêneros do discurso,
elaborada por Borgatto, Bertin e Marchezi (2015)
Fonte: Borgatto, Bertin e Marchezi (2015, p. 5).
Desta forma, foram organizados quatro grupos para, com base no
esquema anterior, proceder à análise de sete textos sugeridos pelos
professores. No entanto, a leitura da ata dessa etapa do Curso de 2005
indica que as muitas dificuldades percebidas pela formadora ao
acompanhar as discussões nos grupos, uma relação formador-participante
só possível em uma proposta de formação não massificada, levou a uma
mudança na metodologia com a interrupção dos trabalhos desses grupos
e a continuidade da análise dos textos pelo grande grupo. Assim, aspectos
importantes envolvendo os níveis de abordagem do texto (conteúdo do
Curso de 2004), como o significado das chamadas inferências simples
e/ou justificadas, puderam ser retomados; e os referentes à teoria dos
gêneros do discurso em estudo – tema, intenção, contexto, circunstância
260
comunicativa, escolhas linguísticas e identificação do gênero – puderam
ser melhor explicitados e compreendidos a partir dos textos analisados.
A realização de trabalhos em pequenos grupos ao longo dos dez
anos de realização do Curso é um aspecto metodológico que gostaríamos
de ressaltar, pois essa estratégia, que buscava uma maior participação de
todos nas discussões e ao mesmo tempo um diálogo mais próximo entre
os participantes e entre estes e a formadora, possibilitava, como
descrevemos no parágrafo anterior, o (re)planejamento das ações de
formação, tendo em vista atender principalmente às necessidades do
grupo que, lembramos, era constituído por profissionais de diferentes
áreas do conhecimento.
Figura 10 – Formadora acompanhando as discussões nos pequenos grupos
durante a 1ª etapa do Curso de 2005
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2005).
Esses momentos de maior proximidade e partilha entre a
formadora e os participantes e entre os próprios participantes favorecia a
construção de uma relação de confiança no/do grupo. Elemento
fundamental para a construção de uma cultura de colaboração, que, como
defende Pérez Gomes (2001), não se estrutura de forma espontânea. É
preciso vontade e um processo intencionalmente planejado e
desenvolvido, capaz de fornecer suporte para o enfrentamento das
demandas de um cotidiano que converge para o individualismo e o
isolamento. A imagem a seguir, com toda a sua poesia, representa a
261
perspectiva de trabalho colaborativo que se buscava construir neste
processo formativo e na Escola Beatriz:
Figura 11 – Exercício de leitura do texto Se eu fosse pintor, de Cecília
Meireles, realizado durante a 1ª etapa do Curso de 2005
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2005).
Essa imagem captura um momento do processo de criação coletiva
de um dos grupos, ao realizarem o exercício de leitura do texto Se eu fosse
pintor (Anexo B), de Cecília Meireles. O texto, identificado pelos
participantes como “prosa literária”, desenvolve a percepção de um
espaço pelo eu-lírico, apresentando diferentes planos desse espaço; é
quase uma descrição figurativa. O que possibilitou a proposição de um
exercício de leitura no qual os grupos deveriam reproduzir visualmente
(por meio de um desenho) os diferentes planos descritos no texto. A
leitura como produção de sentido, como terreno das inferências possíveis
ficou mais uma vez explicitada no resultado deste exercício em que
diferentes grupos identificaram diferentes planos. Dos nove grupos
formados, quatro identificaram cinco planos; três grupos identificaram
seis planos; dois identificaram sete planos, um grupo identificou oito
planos; e dois grupos, nove planos. A seguir apresentamos a produção de
um dos grupos, que foi selecionada para constar da ata do Curso:
262
Figura 12 – Produção de um dos grupos de participantes, a partir do exercício
de leitura do texto Se eu fosse pintor, durante a 1ª etapa do Curso de 2005
1º plano: trepadeiras com pequenos jasmins e uma borboleta;
2º plano: pombos e pássaros;
3º plano: casa fechada, uma mangueira com frutos e folhas;
4º plano: várias casas coloridas com vários varais carregados
de toalhas e a lavadeira;
5º plano: os castelos;
6º plano: encostas com palmeiras e arbustos. Fonte: EBMBSB (2005c, p. 21).
Ao final da primeira etapa do Curso de 2005, dando continuidade
à discussão sobre o ensino da leitura em uma perspectiva interdisciplinar,
mais especialmente sobre os gêneros do discurso, a formadora indicou
como tarefa o estudo de dois textos. Um deles, o livro Oficina de leitura: teoria e prática, escrito por Angela Kleiman, que de acordo com a autora
“pressupõe um professor que lê, mas não um especialista em leitura”
(KLEIMAN, 2004, p. 12). Nele, são apresentadas sugestões de atividades
para o ensino e a aprendizagem da leitura no ensino fundamental,
resultado de diversas oficinas realizadas com professores de diferentes
áreas. A autora também trata de um aspecto fundamental para as
discussões da Escola Beatriz, a qual diz respeito à importância do papel
do professor enquanto mediador desse processo:
Para orientar o processo de desenvolvimento de
estratégias de leitura eficientes dessa criança, o
professor precisa definir tarefas cada vez mais
complexas, porém passíveis de resolução desde
263
que ela tenha a orientação de um adulto ou de um
colega mais proficiente. Aos poucos, o professor
vai retirando os suportes, e a criança redefine as
tarefas para si própria, constituindo-se aí a
aprendizagem de estratégias de leitura.
A compreensão, nessas etapas iniciais, não se dá
necessariamente durante o ato de ler da criança,
mas durante a realização da tarefa, na interação
com o professor, ao propor estas atividades que
criam condições para o leitor em formação retomar
o texto e, na retomada, compreendê-lo.
(KLEIMAN, 2004, p. 9).
O segundo texto, “Do professor suposto pelos PCNs ao professor
real de língua portuguesa: são os PCNs praticáveis?”, de Jacqueline
Peixoto Barbosa (2000), embora direcionado aos professores de Língua
Portuguesa, apresenta argumentos importantes na defesa do trabalho com
os gêneros do discurso em sala de aula, sintetizados pela autora nas
seguintes razões:
– os gêneros do discurso permitem capturar, para
além de aspectos estruturais presentes em um texto,
também aspectos sócio-históricos e culturais, cuja
consciência é fundamental para favorecer os
processos de compreensão e produção de textos;
– os gêneros do discurso nos permitem concretizar
um pouco mais a que forma de dizer em circulação
social estamos nos referindo, permitindo que o
aluno tenha parâmetros mais claros para
compreender ou produzir textos, além de
possibilitar que o professor possa ter critérios mais
claros para intervir eficazmente no processo de
compreensão e produção de textos de seus alunos;
– os gêneros do discurso e seus possíveis
agrupamentos fornecem-nos instrumentos para
pensarmos mais detalhadamente as sequências e
simultaneidades curriculares nas práticas de uso da
linguagem (compreensão e produção de textos
orais e escritos). (BARBOSA, 2000, p. 158).
Além desses estudos, houve a indicação de uma atividade prática,
na qual o professor deveria, ao longo do III bimestre letivo, criar uma
estratégia de leitura para o estudo de um texto com uma turma,
analisando-o com base no esquema da “esfera de comunicação”: tema,
intenção, circunstância comunicativa, contexto, gênero e escolhas
264
linguísticas, esta última se fosse possível. O relato dessa atividade,
conforme orientação por escrito, deveria discorrer sobre as etapas do
trabalho, os recursos utilizados, o envolvimento dos estudantes, os
aspectos positivos, as dificuldades, os resultados alcançados e os
desdobramentos (se houvesse), além de trazer anexado a ele a produção
dos estudantes. Nessas orientações também constava a previsão de duas
datas (23 de setembro para os anos finais e 26 de setembro para os anos
iniciais) para a apresentação e discussão desses relatos, cujo resultado
“juntamente com o material trazido pelos professores, serão
encaminhados para a professora Terezinha, a fim de orientar melhor o
trabalho a ser realizado na 2ª etapa do Curso” (EBMBSB, 2005c, p. 23).
Não localizamos o registro desses encontros, porém a leitura da ata
da segunda etapa do Curso de 2005, realizada nos dias 17 e 18 de outubro,
indica uma preocupação muito grande, por parte da formadora e da Escola
(particularmente da equipe pedagógica), com a forma como o grupo
estava se sentindo e se apropriando dos conteúdos trabalhados até aquele
momento. Essa preocupação pode explicar a opção da formadora de
iniciar os trabalhos dessa etapa com a organização dos professores em
pequenos grupos, por ano (1º ao 5º) e por disciplina (6º ao 9º), com o
objetivo de “levantar questões em relação a esse eixo de trabalho –
gênero, percebendo/avaliando em que ponto cada um, individualmente,
está neste processo” (EBMBSB, 2005d, p. 1). As questões apresentadas
pelos grupos podem ser conferidas a seguir:
Grupo I – Educação Física: a Educação Física
caracteriza-se pela cultura do movimento, que usa
a linguagem corporal. Os alunos normalmente não
têm paciência para trabalhar com outras linguagens
– a escrita, por exemplo.
Grupo II – Artes: em Artes trabalha-se muito com
os textos não-verbais. Como esses textos são
tratados na teoria dos gêneros? O conteúdo
determina o gênero ou o gênero determina o
conteúdo?
Grupo III – Matemática: precisamos encontrar um
caminho diferente da repetição de listas de
exercícios. Em que momento se deve enfatizar o
algoritmo, em que momento se deve enfatizar o
texto?
Grupo IV – 1ª e 2ª série: uma das professoras expôs
a estratégia de leitura de uma receita realizada com
uma turma de 1ª série, afirmando que a maior
dificuldade dos alunos na leitura foi com relação à
265
compreensão de alguns termos específicos e não
com o gênero propriamente dito (a criança
reconheceu o gênero).
Grupo V – 3ª e 4ª série: como trabalhar as
estratégias de leitura de maneira a atingir todos os
alunos? É muito difícil envolver os alunos que não
gostam de ler. Como trabalhar com os poucos
alunos que não estão no nível da 3ª série? Como
desenvolver o prazer da leitura em sala de aula?
Grupo VI – História e Geografia: tivemos
dificuldades para identificar o gênero, para saber
que tipo de questão seria mais adequado para cada
tipo de texto. Além disso, em sala de aula surgem
dificuldades como estas: na oralidade os alunos vão
muito bem, temos a impressão que dominam o
conteúdo, mas quando este conhecimento precisa
ser registrado, escrito (uma prova, por exemplo),
muitos têm dificuldades (parece que não
entenderam nada); ensinar o aluno a ler um texto
que apresenta um vocabulário difícil, muitas vezes,
no caso das disciplinas de História e Geografia, que
utilizam palavras cujo significado envolve a
compreensão de um conceito.
Grupo VII – Ciências: na disciplina de Ciências há
uma predominância do texto científico,
informativo, com uma linguagem formal, o que
dificulta a leitura por parte dos alunos que vivem
num mundo onde predomina a linguagem informal.
(EBMBSB, 2005d, p. 1-8).
Esse primeiro momento foi importante para que o grupo
partilhasse suas dúvidas e angústias diante de um conteúdo tão complexo
quanto os gêneros do discurso. E, a partir da partilha dessas dificuldades
e questões, que passaram a ter uma dimensão coletiva, para que o grupo
encontrasse a disposição e a força necessárias para continuar com esse
estudo, o que de fato ocorreu. A avaliação dos participantes ao final desta
etapa do Curso, assim como a avaliação do ano letivo realizada em 13 de
dezembro de 2005, reiterou o interesse do grupo pela continuidade dos
estudos sobre esta temática no ano de 2006.
Neste sentido, consideramos relevante pontuar que essa discussão
esteve presente durante os dez anos desse processo de formação, pois,
como defendeu a formadora ao ser questionada por uma professora no
início da primeira etapa do Curso de 2008, se esse conteúdo poderia se
tornar uma moda pedagógica passageira:
266
Há dois conceitos que na minha opinião
permanecerão no debate educacional: o conceito de
letramento e de gêneros textuais, pois fica cada vez
mais evidente que um excelente leitor de conto
policial, não é, necessariamente, um excelente
leitor de texto informativo, uma vez que as
condições de leitura são diferentes. Portanto, o
termo gênero poderá até ser mudado, mas o estudo
dessa condição de leitura, que é fundamental para
a formação de um bom leitor, deverá permanecer.
Quais são as condições que um leitor de histórias
em quadrinho tem? Enredo ficcional, linguagem
coloquial, apoio da imagem. Essas condições não
estão presentes em um texto informativo, por
exemplo. Neste gênero o leitor dispõe de outras
condições, quais sejam: é um texto mais
expositivo, detalhando aspectos sobre um assunto
ou tema, com orações encadeadas de uma forma
mais lógica, possui termos científicos. As
condições para a leitura da história em quadrinho
não são as mesmas do texto informativo. No
entanto, um bom leitor deverá dar conta dos dois
gêneros. Esta necessidade agregou um conteúdo de
ensino, que é o reconhecimento de gêneros, e, ao
mesmo tempo, um instrumento de trabalho para os
professores. (EBMBSB, 2008c, p. 2).
No entanto, apesar da importância desse conteúdo, também foi
necessário deixar claro, como uma forma de diminuir um pouco a
ansiedade dos professores, fato observado pela coordenadora do Curso
em reuniões de planejamento e avaliação da Escola e em conversas mais
informais dos e com os professores, que, como explicitou a formadora na
primeira etapa do Curso de 2006,
O estudo do gênero não deve suplantar, sobrepor-
se a um outro aspecto fundamental da linguagem
que é a interpretação. Conhecer o gênero de um
determinado texto, suas características, constitui-se
em um aspecto facilitador do processo de
interpretação. A quem cabe a sistematização do
gênero? O reconhecimento do gênero dá ao aluno
as condições necessárias para que ele leia com
proficiência? A preocupação excessiva com a
identificação do gênero não deve se tornar uma
barreira para a própria leitura, para a interpretação.
267
O ler como, o ler por quê? O professor deve ter
como meta levar o aluno a fazer inferências
justificadas. (EBMBSB, 2006d, p. 1).
A preocupação com o entendimento dos professores das diferentes
áreas com o estudo dos gêneros como um elemento facilitador para o
ensino da leitura permeou as reflexões do Curso de 2006, cujo conteúdo
formativo esteve centrado na retomada dos níveis de abordagem do texto,
na importância do papel do professor como mediador da leitura e na
escolha de estratégias de leitura adequadas ao gênero, pois “o grande
desafio para o professor continua sendo mediar o processo de
interpretação dos textos junto aos alunos” (EBMBSB, 2006d, p. 22).
Esses conteúdos foram abordados já no primeiro exercício de
leitura proposto pela formadora na etapa inicial do Curso, realizada nos
dias 3 e 4 de abril de 2006, do livro Abrindo caminho, de Ana Maria
Machado (2003). Nesse exercício, a estratégia de leitura definida foi a
seguinte: o livro, desconhecido para os participantes, foi dividido em 13
“pranchas”110, que foram distribuídas aleatoriamente para os treze grupos
formados. Cada grupo recebeu uma prancha para, no primeiro momento,
“analisar, perceber todas as suas relações, explorando o máximo possível
suas imagens: o que representam, o que lembram, quais as relações e
interpretações possíveis” (EBMBSB, 2006d, p. 2). Uma das pranchas e a
respectiva análise, apresentada pelo grupo, podem ser conferidas a seguir:
110 No Anexo C, apresentamos as 13 pranchas do livro Abrindo caminho, de Ana
Maria Machado (2003), utilizadas neste exercício de leitura.
268
Figura 13 – Análise da prancha nº 2, do livro Abrindo caminho, de Ana Maria
Machado, feita por um grupo de participantes durante a 1ª etapa do Curso de
2006
Análise do grupo: na prancha aparecem montanhas
verdes, o texto tem relação com o poema “No meio do
caminho”, de Carlos Drummond de Andrade. O homem
seria Drummond; está de terno, com uma maleta, lápis e
papel, caracterizando o funcionário público do período.
Aparece também uma pedra, o local parece ser Itabira, no
sul de Minas, uma região montanhosa onde nasceu o
escritor. Na imagem da prancha não aparece o caminho
descrito no poema, a pedra não está colocada como um
problema, um obstáculo. A expressão do poema no meio do
caminho, pode significar o caminho entre Itabira e o mundo
Fonte: EBMBSB (2006d, p. 3).
O levantamento dos dados explícitos na prancha (etapa da
compreensão imediata) é um aspecto que se destaca na análise, o qual,
articulado aos conhecimentos prévios do grupo sobre o poema No meio
do caminho, seu autor e a região do Brasil em que ele nasceu, possibilitou
o estabelecimento de relações entre os dois textos: o livro e o poema (etapa da interpretação). Na esteira dessa discussão, o comentário da
formadora, após a apresentação do grupo, enfatizou a responsabilidade do
professor e da escola neste processo.
[Formadora]: não há processamento de leitura se
não houver uma mobilização interna dos
269
conhecimentos anteriores do leitor. E se o aluno
não tem esses conhecimentos, cabe ao professor
mediar (possibilitar) essa mobilização: 1º passo: mobilizar os conhecimentos anteriores
para o processamento da leitura;
2º passo: quais as relações entre os elementos do
texto e os conhecimentos do leitor a serem feitas
para possibilitar inferências possíveis.
O papel de sistematização dos processos de
apropriação do conhecimento é da escola. Os
professores são mediadores diretos entre o aluno e
o conhecimento.
O professor precisa fazer intervenções
qualificadas. Precisa estar capacitado para
reconhecer o momento certo para fazer essas
intervenções. Se o aluno não conhece o poema “No
meio do caminho”, de Carlos Drummond de
Andrade (1902 – 1987), não sabe quem foi Alberto
Santos Dumont (1873 – 1932), não tem pelo menos
uma ideia da obra “A Divina Comédia”, de Dante
Alighieri (1265 – 1321), não escutou a música
“Águas de março“, de Antonio Carlos Jobim (1927
– 1994), não viajou lendo Marco Polo, ele não
conseguirá ou terá muitas dificuldades para ler essa
obra de Ana Maria Machado. E, neste caso,
fornecer todos esses conhecimentos é tarefa do
professor como mediador da leitura. (EBMBSB,
2006d, p. 3).
Ao final, como parte da estratégia de leitura do livro, os
participantes levantaram inúmeras hipóteses de sequência para as
pranchas até chegarem àquela que correspondia ao texto original, que só
neste momento foi apresentado ao grupo. Neste sentido, a escolha de
estratégias de leitura adequadas ao gênero constitui-se em uma tarefa do
professor, que, como explicitou a formadora, precisa ter o discernimento
de que
não lemos todos um mesmo texto da mesma
maneira – o professor precisa ter clareza disto
quando pensar estratégias de leitura. A leitura é
sempre o espaço do possível. É claro que a leitura
de uma receita, de um manual não possibilita
muitas interpretações. Ler é estabelecer relações
para construir sentidos para o texto. Podemos
perceber isso na estratégia utilizada para a leitura
270
do livro [Abrindo caminho, de Ana Maria
Machado]”. (EBMBSB, 2006d, p. 10).
A leitura como um processo profundamente dialógico e situado no
terreno das possibilidades continuou sendo objeto de discussão e reflexão
no Curso de 2006, cuja tarefa, entre a primeira e a segunda etapa,
consistiu-se do estudo dos textos “Leitura, texto e sentido” e “Leitura,
sistemas de conhecimento e processamento textual”, que constam do livro
Ler e compreender: os sentidos do texto, escrito por Ingedore Villaça
Koch e Vanda Maria Elias (2006)111. Além disso, os professores deveriam
criar uma estratégia de leitura para o estudo de um texto com uma turma
durante o II bimestre, buscando identificar e analisar as dificuldades
encontradas por eles para a realização do trabalho como mediador desse
processo.
A respeito dessa última tarefa, é importante destacar que pela
primeira vez aparece a orientação sobre a necessidade de o relato do
exercício de leitura desenvolvido em sala de aula ser apresentado no
conselho de classe do II bimestre; portanto, antes da realização da
segunda etapa do Curso, prevista para os dias 21 e 22 de setembro de
2006. Essa orientação estava articulada à mudança na metodologia dos
conselhos de classe, ocorrida a partir desse ano letivo, cuja importância
para os objetivos desta pesquisa exige uma discussão mais detalhada, feita
no item 4.2 deste capítulo.
4.1.3.O professor como mediador do processo de ensino e
aprendizagem da leitura e da escrita
A partir das reflexões da pesquisadora Telma Weisz (1988) sobre
as contribuições da psicogênese da língua escrita e a prática educativa na
alfabetização, a formadora iniciou a segunda etapa do Curso de 2006,
enfatizando que, de acordo com a autora, um mediador “é alguém que em
cada momento, em cada circunstância, toma decisões pedagógicas
conscientes” (WEISZ, 1988, p. 41); e a mediação, uma intervenção
planejada e qualificada para favorecer a ação do aprendiz sobre o objeto
da escrita (ou sobre o objeto do conhecimento). Ainda com base nesse
estudo, a formadora destacou que, para o professor poder exercer o papel
111 Esse livro foi comprado por 21 dos 53 participantes (cerca de 40% dos
participantes), mesmo a Escola Beatriz garantindo a reprodução e distribuição
dos textos a todos.
271
de mediador, é preciso que ele reúna algumas condições, as quais foram
assim sintetizadas:
* conhecimento consistente do conteúdo, do objeto
do conhecimento [no caso, a língua escrita em toda
a sua complexidade];
* informação sobre o processo de aquisição do
conhecimento que lhe permita antecipar o caminho
através do qual o aluno vai se apropriar desse
conhecimento;
* construção da própria competência para planejar
e implementar situações de aprendizagem
significativas e pertinentes: em relação ao objeto
do conhecimento e em relação ao ponto em que se
encontra o aluno no seu processo de aprendizagem;
* reflexão permanente sobre sua própria prática.
(EBMBSB, 2006e, p. 2).
É necessário, portanto, que o professor tenha instrumentos que lhe
possibilitem avaliar o que os estudantes já sabem e o que eles ainda não
sabem e, por isso, precisa ser ensinado e aprendido para que o ato de
ensinagem, como afirma Anastasiou (2015)112, de fato se efetive. O
trabalho docente, nesta perspectiva, valoriza o que o estudante já sabe,
pois a mobilização desse conhecimento é uma das condições para as
novas aprendizagens; e o que os estudantes não sabem é entendido como
um conteúdo que ainda não aprenderam, ou porque não lhes foi ensinado,
ou porque não foi ensinado da forma mais adequada e necessária para
aquele estudante naquele momento.
Novamente, o desafio que se coloca para os professores (e demais
profissionais) da Escola Beatriz é o combate à ideia imobilizadora,
pautada em diagnósticos generalizados, nos quais tudo se reduz a
dificuldades de aprendizagem dos estudantes, porém sem desconsiderar o
fato de que, evidentemente, em algumas situações elas existem e também
que a qualidade do trabalho docente e do processo de ensino e
aprendizagem dependem igualmente de condições materiais e de trabalho
que precisam ser garantidas na escola.
112 A autora cunhou o termo ensinagem para indicar “uma prática social complexa
efetivada entre os sujeitos, professor e aluno, englobando tanto a ação de
ensinar quanto a de apreender, em processo contratual, de parceria deliberada
e consciente para o enfrentamento na construção do conhecimento escolar,
resultante de ações efetivadas na, e fora da sala de aula.” (ANASTASIOU,
2015, p. 3).
272
A partir dessas reflexões iniciais, a formadora propôs então a
realização de um exercício com o objetivo de retomar a leitura dos dois
primeiros capítulos do livro Ler e compreender: os sentidos do texto, indicados como tarefa para esta etapa do Curso. O exercício, realizado
em pequenos grupos, consistia na elaboração de um diagrama sobre um
dos capítulos, o que demandava a (re)leitura e discussão coletiva dos
textos. E, neste sentido, é importante destacar que esse aspecto teórico-
metodológico foi sistemática e intencionalmente buscado durante todo o
processo formativo desenvolvido na Escola Beatriz.
Assim, foram organizados cinco grupos, dos quais dois ficaram
responsáveis pela elaboração de um diagrama sobre o primeiro capítulo;
dois, sobre o segundo capítulo; e um grupo, sobre o terceiro, pois vários
participantes haviam comprado o livro e lido o terceiro capítulo, “Texto
e contexto”. A seguir, apresentamos o resultado do trabalho de um dos
grupos responsáveis pelo primeiro capítulo, que trata das diferentes
concepções de leitura, uma vez que nele é apontada aquela que estava
sendo assumida pela Escola, ou seja, a concepção com foco na interação
autor-texto-leitor.
273
Figura 14 – Diagrama elaborado por um grupo de participantes sobre o
primeiro capítulo do livro Ler e compreender: os sentidos do texto, durante a 2ª
etapa do Curso de 2006
Fonte: EBMBSB (2006e, p. 6).
De acordo com Koch e Elias (2006, p. 10-11), na concepção com
foco na interação autor-texto-leitor “os sujeitos são vistos como
atores/construtores sociais, sujeitos ativos que – dialogicamente – se
constroem e são construídos no texto, considerado o próprio lugar da
interação e da constituição dos interlocutores”. Assim, enfatizam as
autoras, é na interação texto-sujeitos que o sentido de um texto é
construído, o que torna a leitura “uma atividade altamente complexa de
274
produção de sentidos” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 11), pois envolve
estratégias sociocognitivas como antecipação, seleção, inferência,
comparação, verificação, crítica e avaliação. Tais estratégias, no entanto,
não são espontâneas ou inerentes ao estudante/leitor em formação: elas
precisam ser ensinadas e exercitadas.
Essa concepção vai ao encontro da perspectiva apontada nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que toma a leitura como o
processo
no qual o leitor realiza um trabalho ativo de
compreensão e interpretação do texto, a partir de
seus objetivos, de seu conhecimento sobre o
assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a
linguagem etc. Não se trata de extrair informação,
decodificando letra por letra, palavra por palavra.
Trata-se de uma atividade que implica estratégias
de seleção, antecipação, inferência e verificação,
sem as quais não é possível proficiência. É o uso
desses procedimentos que possibilita controlar o
que vai sendo lido, permitindo tomar decisões
diante de dificuldades de compreensão, avançar na
busca de esclarecimentos, validar no texto
suposições feitas. (BRASIL, 1998, p. 69-70).
A partir dessa perspectiva, outro exercício proposto pela
formadora buscava explicitar ainda mais a importância e a necessidade de
uma intervenção qualificada por parte do professor na condição de
mediador (papel desempenhado pela formadora no Curso) da relação
entre o estudante (sujeito) e o texto (objeto do conhecimento). Para tanto,
o exercício foi realizado em dois momentos.
No primeiro momento houve a apresentação de um texto, uma
tirinha, para que o grupo, coletivamente, mas sem a mediação da
formadora, fizesse a sua leitura, como mostramos a seguir:
275
Figura 15 – Tirinha Aventuras da Família Brasil
Fonte: Veríssimo (1995) apud EBMBSB (2006e, p. 10).
[Leitura do grupo sem a mediação da formadora]:
* os dois personagens são marido e mulher (pista
para deduzir isso: pelo título Família Brasil e pelo
fato de o homem estar tomando um cafezinho,
provavelmente feito pela mulher, depois da
refeição);
* o marido não notou as mudanças da mulher, só
uma pequena mudança no cafezinho, que parece
mais um chá;
* a mulher fala no “japonês”, mas na imagem não
aparece um japonês, então que personagem seria
esse?;
* a tecnologia, os costumes, a cultura do Japão
estariam influenciando o brasileiro, no caso a
mulher, mudando a sua maneira de ser;
* é a cultura japonesa influenciando o dia a dia do
brasileiro;
* o marido não notou as mudanças da mulher;
* nas outras tirinhas das “Aventuras da família
Brasil” o homem é o debochado e a mulher percebe
as coisas, mas não explicita. Ainda aparecem como
personagens a filha e o genro;
* o homem faz uma chacota com a tal grande
transformação da mulher, fazendo relação com a
mudança no cafezinho;
* a mulher faz de tudo: plástica, fica mais bonita e
o marido nem percebe;
* enquanto a mulher vai em busca de uma nova
cultura, uma nova filosofia de vida, o marido pensa
276
em aspectos mais práticos, no que a mulher pode
lhe servir. (EBMBSB, 2006e, p. 10-11 ).
No segundo momento, a leitura da tirinha foi realizada com a
mediação da formadora, que iniciou com a identificação do gênero, da
circunstância comunicativa e do contexto sócio-histórico em que ela foi
produzida, pois eram aspectos fundamentais para o entendimento do
texto, mas não haviam sido mencionados pelo grupo. No caso de um leitor
em formação, a necessidade desses conhecimentos precisa ser antecipada
pelo professor para que, na condição de mediador, ele possa planejar
estratégias que possibilitem a sua mobilização. Razão pela qual, destacou
a formadora, a leitura, especialmente no ensino fundamental, “é
considerada não só uma estratégia, mas um conteúdo de ensino [de todas
as disciplinas]” (EBMBSB, 2006e, p. 9).
* gênero: tirinha humorística – esse gênero
pressupõe humor, ironia, crítica a uma situação
atual, sendo, portanto, fundamental a leitura do
contexto sócio-histórico do texto;
* circunstância comunicativa: jornal “O Estado de
São Paulo”;
* contexto sócio-histórico: ano de 1995, Fernando
Henrique Cardoso era o Presidente do Brasil,
período de implementação do Plano Real, era da
globalização, discurso oficial defendendo a
necessidade de abertura do mercado nacional para
importações e exportações. (EBMBSB, 2006e, 11).
A partir da identificação dos elementos anteriores, que constituem
a situação de produção e de circulação da tirinha humorística, tendo como
diferencial a mediação da formadora, foi possível a ampliação das
relações entre os conhecimentos prévios dos leitores, o contexto de
produção da tira humorística e os elementos mais imediatos presentes no
texto. Essa ampliação, por sua vez, permitiu que as inferências textuais
fossem enriquecidas, favorecendo a multiplicidade de leituras “possíveis”
para o mesmo texto – efetivamente a compreensão do processo de
interpretação como possibilidade de sentidos possíveis.
[Leitura do grupo com a mediação da formadora]:
* título: “Aventuras da Família Brasil” – portanto,
já delimita também o espaço, trata-se de uma
família brasileira e sendo assim o leitor pode inferir
algumas de suas características;
* autor: Luiz Fernando Verísssimo;
277
* a expressão “o japonês” pode significar (são
possibilidades, inferências que encontram
sustentação no texto): um indivíduo (terapeuta,
amante, cabelereiro, feirante), o idioma, a cultura,
a tecnologia, o padrão de produção, a filosofia de
vida. Se o autor tivesse escrito “um japonês”, o
leitor só poderia concluir tratar-se de um indivíduo.
Na gramática tradicional “um” é artigo indefinido
e “o” é definido, mas nesse contexto isso foi ao
contrário, por isso, hoje se fala em gramática de
uso;
* o cafezinho: o que pode representar o cafezinho
para a família Brasil? Pode ser um hábito, um
produto brasileiro, uma tradição, uma identidade
nacional, uma marca de nacionalidade. Que relação
pode existir entre os dois personagens da família
Brasil, na qual um deles percebe a influência da
cultura japonesa, do mundo globalizado e o outro
apenas uma pequena mudança no cafezinho? E por
que no cafezinho? Com essa tira o autor pode estar
fazendo uma crítica à globalização, aos padrões
internacionais de produção que estão diretamente
ligados ao modelo japonês?;
* a mulher – da primeira para a segunda imagem o
que se percebe: a imagem da mulher cresce,
melhora, fica mais bonita, se aproxima do leitor
(vai para um primeiro plano), enquanto a do
homem permanece no mesmo plano, apenas
pensando. A mulher está de costas para o homem,
o que pode indicar uma certa indiferença;
* é possível inferir a partir do texto que a mulher é
a primeira a perceber as transformações culturais e
o homem ou não as percebe ou não dá importância
para as mudanças que estão ocorrendo, fazendo
menção apenas a uma leve alteração do cafezinho.
(EBMBSB, 2006e, p. 11).
Após esse exercício, para concluir a segunda etapa do Curso de
2006, os professores foram reunidos em grupos, definidos por série nos
anos iniciais, e por disciplina nos anos finais, a fim de escolher um texto
e delinear uma estratégia de leitura para trabalhá-lo com os estudantes no
IV bimestre. Das apresentações registradas em ata, selecionamos a dos
professores da disciplina de Artes, por se tratar de um texto não verbal,
cuja qualidade nos possibilita a discussão de uma questão importante para
278
o processo de formação de professores comprometidos com o ensino da
leitura – a escolha de bons textos:
Figura 16 – Estratégia de leitura da fotografia Ossos, de Sebastião Salgado,
elaborada pelos professores da disciplina de Artes, durante a 2ª etapa do Curso
de 2006
[Estratégia de leitura
proposta pelo grupo]:
Gênero: imagem,
fotografia.
Foto de Sebastião Salgado.
Objetivo: despertar o olhar
da criança para perceber a
foto como arte.
1º passo: apresentar um
pouco da história dessa
fotografia – isso seria o
conhecimento
enciclopédico e também
pode ser considerado um
bom mecanismo de
antecipação de
informações sobre o
trabalho do autor para que
o aluno leia e compreenda
melhor o texto.
2º passo: apresentar alguns questionamentos ao grupo para orientar
melhor o olhar sobre a foto: o que as crianças veem? Onde a foto foi
feita (local, cidade, país)? Que elementos apontam, indicam a classe
social à qual as crianças pertencem? O que as crianças estão fazendo?
Essa é uma foto documental ou artística? A escolha do foco é
intencional ou casual? Por que em preto e branco e não colorida?
3º passo: proceder à leitura de elementos mais de superfície: contraste,
simetria, luz e sombra. 4º passo: apresentar, no final, o texto escrito pelo autor sobre a foto,
para confirmar ou não as hipóteses iniciais do grupo. Fonte: Salgado (1997) apud EBMBSB (2006e, p. 12-13).
279
A seleção de bons textos, que “sejam desafiadores e resistam a um
trabalho de interpretação” (EBMBSB, 2006e, p. 13), fundamental para o
processo de formação de leitores, é uma tarefa dos professores, que pode
ser facilitada com a escolha de bons materiais didáticos. Portanto, essas
escolhas também precisam ser balizadas por critérios que considerem a
qualidade do material oferecido, pois deve-se levar em conta que para
muitos estudantes poderá ser uma das poucas possibilidades de contato
com parte do legado cultural organizado pela humanidade. Dentre esses
materiais, destacamos o livro didático que, especialmente nas escolas
públicas, pode ser “o único tipo de material escrito com o qual os alunos
têm oportunidade de um convívio relativamente intenso e prolongado”
(PERINI, 2002, p. 81).
A função alfabetizadora dos livros didáticos de todas as áreas
(PERINI, 2012) é um aspecto que precisa ser observado pelos autores,
assim como pelos professores que, comprometidos com a formação de
leitores, não podem basear suas escolhas em critérios como a
simplicidade ou facilidade dos textos para os estudantes. Principalmente
porque esses critérios, normalmente, têm como pressuposto a ideia de que
os estudantes devem conseguir ler os textos didáticos sozinhos e fora da
sala de aula. O que indica uma concepção incompatível com a perspectiva
da leitura como objeto de ensino, além de uma compreensão equivocada
de que uma aula expositiva sobre determinado tema (discurso oral) é
condição suficiente para que o estudante leia e compreenda o texto do
livro didático (ou outro texto indicado pelo professor) sobre o mesmo
tema (discurso escrito).
Sendo assim, a partir de 2006, a discussão na Escola Beatriz para
a escolha dos livros didáticos dos anos iniciais e finais, pelo Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD), começou a contemplar essa
preocupação com a função alfabetizadora dos livros, especialmente os de
Geografia, História, Ciências e Matemática. Além disso, neste mesmo
ano de realização do processo de formação, como mostraremos a seguir,
outro espaço importante de discussão coletiva começou a ser repensado e
reestruturado.
4.2.O CONSELHO DE CLASSE COMO ESPAÇO DE
ARTICULAÇÃO DO PROCESSO DE FORMAÇÃO
O ano letivo da Escola Beatriz é organizado em quatro bimestres,
sendo que ao final de cada bimestre, que possui em média 50 dias letivos,
é realizado um conselho de classe sob a coordenação da equipe
280
pedagógica. Até o ano de 2005, os conselhos eram constituídos
basicamente de três momentos. No primeiro, dois representantes de cada
turma apresentavam o resultado da avaliação feita em momento anterior
ao conselho propriamente dito. Essa avaliação do bimestre, que também
era coordenada pela equipe pedagógica, envolvia todos os estudantes de
uma determinada turma e tratava de aspectos como os conteúdos
trabalhados, a metodologia das aulas, o material didático-pedagógico
utilizado, a relação professor-aluno, os processos de avaliação, entre
outros. O segundo e o terceiro momentos, sem a presença dos
representantes, mas levando em consideração os aspectos apontados por
eles, eram dedicados à avaliação das turmas e dos estudantes
individualmente e também à definição de encaminhamentos para os
próximos bimestres.
Neste espaço de decisão sobre a vida escolar dos estudantes, suas
possibilidades e dificuldades de continuidade, prevalecia, até este
período, um discurso permeado por queixas e acusações entre professores
e estudantes. Na avaliação da equipe pedagógica e de alguns professores,
esse era um espaço coletivo para reflexão/problematização e
redirecionamento do processo de ensino e aprendizagem, garantido no
calendário escolar, que estava sendo desperdiçado e precisava ser
repensado.
Assim, a partir de 2006, foi implementada uma mudança
importante na metodologia dos conselhos de classe do I e II bimestres,
que, como destacado no Projeto Político-Pedagógico da Escola Beatriz,
deixou de ser
um espaço exclusivo para queixas por parte dos
professores sobre a indisciplina e a indiferença dos
alunos com relação ao estudar, para tornar-se
[mais] um momento de socialização das práticas
pedagógicas e de reflexão e aprofundamento dos
estudos feitos [no curso de formação]. (EBMBSB,
2012c, p. 22).
Os conselhos de classe desses bimestres passaram a ser
constituídos de dois momentos fundamentais: o momento de socialização,
análise e discussão coletiva de práticas pedagógicas realizadas ao longo
do bimestre e o momento de avaliação e definição de encaminhamentos
referentes às turmas e aos estudantes individualmente. Nesta pesquisa,
discutiremos o primeiro momento, pois ele articulava-se ao processo de
formação da Escola Beatriz, ocupando o maior tempo do conselho de
281
classe e envolvendo todos os professores dos anos iniciais ou dos anos
finais113.
Evidentemente que a introdução dessa nova metodologia não foi
aceita com tranquilidade por todos os professores. Muitos resistiram no
início, mas depois, ao vivenciarem a proposta, acabaram percebendo a
sua importância. Outros, no entanto, mantiveram-se em uma posição de
resistência e/ou discordância, mesmo que velada, já que não participavam
desse momento, utilizando, em muitas situações, subterfúgios como a
apresentação de atestado médico para justificar a ausência no dia
destinado à socialização das práticas pedagógicas.
A avaliação feita pelos professores dos anos iniciais sobre o
conselho de classe do II bimestre de 2006114, cujo registro transcrevemos
a seguir, nos mostra um pouco da resistência inicial e progressiva
aceitação, por parte do grupo, desta nova proposta de trabalho:
Dora: valeu a experiência, geralmente o Conselho
fica em torno dos problemas dos alunos. É
importante conhecer o trabalho dos demais
professores;
Beth: no início achei ruim a proposta, mais uma
cobrança, mais trabalho para o professor, depois fui
percebendo como ela é positiva, uma oportunidade
de trocar experiências;
Silvana: também não gostei da ideia, pois tenho
dificuldades em falar em público. Porém, a
proposta é interessante, um bom momento para o
professor avaliar o seu próprio trabalho;
Raquel: como auxiliar de ensino pude perceber
melhor o trabalho do professor, entendendo muitas
situações que acontecem em sala de aula;
Cristina: o pré-conselho é muito importante, mas
com as discussões do conselho, o auxiliar pode
perceber melhor as possibilidades de contribuir
com o trabalho na sala de aula;
113 Em função do cumprimento dos 200 dias letivos, os conselhos de classe dos
anos iniciais e dos anos finais eram organizados em dias diferentes, para que
pudessem ser considerados de efetivo trabalho escolar e educativo. 114 Na ata contendo o registro das apresentações do conselho de classe do II
bimestre de 2006 não consta a avaliação dos professores dos anos finais sobre
esta nova proposta.
282
Luciane: mostrar o trabalho, discutir com os
colegas é muito importante [...]. (EBMBSB, 2006f,
p. 2).
O primeiro desafio a ser enfrentado pelos professores com esta
nova proposta de conselho de classe era o registro, a sistematização e a
reflexão sobre a própria prática pedagógica, aspectos que neste momento
inicial, conforme avaliação anterior, foram considerados por uma
professora (e certamente não apenas por ela) como “mais uma cobrança,
mais trabalho para o professor”. Por um lado, isso pode ser explicado,
porque o registro, que em si é uma prática bastante difícil, apesar de já ter
sido vivenciado em outras situações, ainda não se constituía como parte
da cultura da escola. Os professores, habituados normalmente ao relato
oral e mais espontâneo, precisavam de tempo, formação e exercício, para
tornar o registro escrito e mais sistematizado uma prática cotidiana. Por
outro, essa explicação pode ter relação com o pouco tempo disponível na
carga horária do professor para o desenvolvimento dessas ações.
Além disso, era preciso ter coragem para submeter a própria prática
à análise dos colegas. Uma tarefa dificílima para qualquer profissional,
que demandava muita confiança no grupo e a certeza de que não se tratava
de um momento para julgar ou fiscalizar o trabalho do professor, mas de
uma oportunidade para aprender uns com os outros, para, como também
ressaltaram as professoras dos anos iniciais na avaliação que
apresentamos anteriormente, “conhecer o trabalho dos demais
professores”, “trocar experiências”, “avaliar o seu próprio trabalho”,
“perceber melhor o trabalho do professor, entendendo muitas situações
que acontecem em sala de aula”, “perceber as possibilidades de contribuir
para o trabalho na sala de aula [demais profissionais da escola], “mostrar
o trabalho” e “discutir com os colegas” (EBMBSB, 2006f, p. 2).
Apesar de terem sido destacados pelas professoras já na avaliação
do primeiro ano em que esta proposta foi realizada, esses são aspectos
fundamentais, que precisavam ser constantemente reiterados e
estrategicamente vivenciados, para que de fato esse momento do conselho
de classe de socialização e reflexão coletiva em torno das práticas
pedagógicas se constituísse em mais um espaço de articulação do e com
o processo de formação.
A exposição oral do trabalho se configurava em um terreno
desconhecido para a grande maioria dos professores, especialmente os
que já estavam a um bom tempo exercendo a profissão e afastados da vida
acadêmica, assim como os que, na condição de substitutos, estavam
conhecendo e experimentando pela primeira vez essa nova metodologia
283
de conselho de classe. Por isso era preciso que a Escola apoiasse o
professor, de tal forma que ele se sentisse seguro e, principalmente, em
condições de comprometer-se com esta nova proposta. Esse apoio
envolvia desde a elaboração e entrega, no início de cada bimestre letivo,
de documento contendo orientações detalhadas sobre os objetivos e o
objeto das apresentações, até a discussão do planejamento e compra de
materiais didático-pedagógicos, e, quando necessário e solicitado, a
participação na realização das atividades em sala de aula e na preparação
da exposição.
Os professores substitutos, por exemplo, poderiam optar por
apresentar apenas no conselho do II bimestre, após participarem do
primeiro conselho daquele ano letivo e acompanharem a exposição de
outros professores e a discussão que era feita no grupo, normalmente
muito respeitoso e receptivo. A necessidade de se criar um clima o mais
favorável possível às apresentações, no entanto, muitas vezes, acabava
dificultando uma postura mais crítica em relação ao trabalho, tornando-se
um desafio e um aprendizado permanente para todos os envolvidos neste
processo, pois, como afirma Giovanni (2003, p. 208), “ser capaz de
indagar/refletir é condição profissional por excelência do professor, a ser
aprendida e exercitada ao longo de sua formação”.
Apesar de todo esse apoio e cuidado, as fragilidades e inseguranças
que alguns professores, efetivos e substitutos, ainda demonstravam no
momento da sua apresentação, fizeram com que a equipe pedagógica
encontrasse outras estratégias para garantir não só a participação de todos,
mas a articulação das discussões e reflexões do conselho com o processo
de formação, uma vez que, conforme documentos contendo a proposta de
metodologia para os conselhos de classe de 2007 e 2008, entregue aos
professores no início de cada ano letivo, o momento de socialização das
práticas pedagógicas durante o conselho de classe tinha como objetivos
principais:
* perceber, através da apresentação do trabalho de
cada professor, até que ponto o referencial teórico-
metodológico estudado, desde 2004, no Curso de
Formação, baliza o cotidiano da sala de aula (ou se
materializa na sala de aula). (EBMBSB, 2007b, p.
37).
* possibilitar a aprendizagem de estratégias que
deram certo e, ao mesmo tempo, permitir a
explicitação das dificuldades, cujo caminho para
sua superação poderá estar no debate com o próprio
284
grupo ou no estudo durante a 2ª etapa do Curso de
Formação. (EBMBSB, 2008d, p. 45).
A principal estratégia definida pela equipe pedagógica configurou-
se então no levantamento de dúvidas, dificuldades, tensões, resistências,
incoerências e possíveis equívocos que a apresentação do trabalho pelo
professor ou o seu debate no grupo suscitava, para que fossem retomadas
e aprofundadas, de forma a tornar-se menos pessoal e mais coletiva,
durante o processo de formação. A realização desse levantamento, assim
como a organização e síntese da documentação apresentada pelos
professores para encaminhamento à formadora, como já mencionamos no
terceiro capítulo, era responsabilidade da coordenadora do Curso.
E essa era uma das razões que tornava o registro do trabalho
realizado com a inclusão de amostras ou de toda a produção dos
estudantes um aspecto tão importante e valorizado nos documentos
orientadores da metodologia dos conselhos de classe, como podemos
constatar a seguir:
Considerando que na primeira semana de trabalho
de 2007 todos os educadores elaboraram
individualmente ou com seus pares o planejamento
do I semestre [...], orientamos para que no decorrer
de cada bimestre ocorra o registro mais detalhado
do que de fato foi aplicado em sala de aula, e que
sejam anexados os textos, recortes de jornais,
revistas, desenhos, gráficos, modelos de relatório,
figuras... (que não constam do livro didático)
utilizados.
Para dar consistência ao registro do trabalho
realizado, não basta identificar o gênero dos textos
utilizados, é preciso descrever os desdobramentos,
a sequência didática envolvida no ensino dos
conteúdos [...]. É imprescindível registrar, também,
os possíveis ajustes na execução das aulas
planejadas – necessidade de acréscimos,
supressões, etc. (EBMBSB, 2007b, p. 36).
Esse registro, ao mesmo tempo em que exigia do professor e lhe
possibilitava um debruçar-se mais atento e reflexivo sobre o próprio fazer
pedagógico, permitia ao grupo e à formadora conhecer e acompanhar um
pouco melhor as práticas pedagógicas e as mudanças que estavam
ocorrendo (ou não) em função do processo de formação.
Neste contexto, identificamos alguns professores que, assim como
os diretores eleitos e uma das componentes da equipe pedagógica,
285
desempenharam um papel de liderança fundamental neste processo de
construção e consolidação de uma nova concepção de ensino da leitura e
da escrita. Ou seja, professores que não apenas participaram de todas as
apresentações nos conselhos e reiteradamente se dispuseram e foram
solicitados a expor seu trabalho no Curso, mas que conseguiram
efetivamente desenvolver e mostrar práticas pedagógicas que buscavam
a materialização desta nova concepção. Referimo-nos especificamente
aos professores da disciplina de Ciências, José Pedro Simas e Gládis
Helena Machado, e da disciplina de Língua Portuguesa, Ângela Beirith115.
O registro das apresentações desses professores, assim como dos
demais, compõe a documentação existente na Escola Beatriz em torno do
curso de formação e dos conselhos de classe. Esses registros, todos eles,
por sua importância, merecem ser objeto de uma pesquisa específica. Por
isso, optamos por apresentar neste estudo uma pequena amostra desse
material, muito mais como uma forma de valorizar o esforço de mudança
de todos os profissionais e, ao mesmo tempo, enfatizar a necessidade do
papel de liderança de professores em um processo de formação na escola,
do que com a pretensão de uma análise crítica. Principalmente levando
em consideração a assertiva defendida por Garcia (1999, p. 48) de que “as
crenças e atitudes dos professores só se modificam se [eles] perceberem
resultados positivos na aprendizagem dos alunos”, o que torna a
socialização de práticas exitosas uma condição imprescindível para os
processos de formação em contexto. Neste sentido, apresentaremos nesta pesquisa, o relato do trabalho
sobre Sexualidade Humana, desenvolvido pela professora da disciplina
de Ciências, Gládis Helena Machado, com duas turmas de 8º ano/7ª série,
no período de 31 de agosto a 25 de setembro de 2009, cujos objetivos e
conteúdos eram os seguintes:
[Objetivos]: compreender a sexualidade humana
sobre aspectos culturais e sociais, além dos
biológicos, com destaque para os comportamentos
sexuais em diferentes sociedades e épocas; ler
textos expositivos; elaborar, em pequenos grupos,
um resumo do texto estudado; socializar as
informações de cada grupo através da apresentação
dos trabalhos (ou resumos); produzir,
individualmente, um texto (gênero a ser escolhido
pelo estudante) a respeito do tema estudado.
115 Lembramos que esses professores eram efetivos e atuavam na Escola Beatriz
há muitos anos.
286
[Conteúdos]: sexualidade humana; leitura de texto
expositivo; apresentação oral formal; produção de
resumo; produção textual – processo de escrita e
reescrita de textos (gênero escolhido pelo
estudante); trabalho em grupo. (EBMBSB, 2009a,
p. 45).
Esse relato foi elaborado a partir das atas do conselho de classe e
das filmagens do Curso. E com o objetivo de torná-lo um pouco mais
didático e significativo, a descrição de seus diferentes momentos foi
complementada com imagens do trabalho em sala de aula e amostras da
produção dos estudantes116.
A sequência do trabalho desenvolvido contemplou os seguintes
momentos:
1º momento: problematização inicial, a partir das imagens e
questões que constam do livro didático de Ciências do 8º ano/7ª série,
adotado pela Escola Beatriz.
116 A este respeito gostaríamos de informar que as amostras que constam desta
pesquisa foram escolhidas pela própria professora e o nome dos estudantes foi
mantido porque houve a autorização dos mesmos, na época, para que seus
trabalhos fossem apresentados pela professora Gládis no conselho de classe e
no curso de formação, tornando-se parte da documentação da Escola Beatriz.
Aliás, essa era uma prática dos professores e uma orientação da coordenação
pedagógica para a apresentação dos trabalhos dos estudantes.
287
Figura 17 – Imagens sobre a temática Sexualidade Humana, apresentada e
discutida com os estudantes do 8º ano/7ª série, durante a aula de Ciências
Fonte: CARO et al. (2006, p. 133).
Trocando ideias
Em sua casa quem faz o quê?
1. Em sua casa algumas tarefas são caracterizadas
como essencialmente femininas e outras
masculinas? Quais são as tarefas consideradas
essencialmente femininas e quais são as
masculinas?
2. Você concorda com essa divisão? Justifique.
3. Comparando sua geração com a geração de seus
pais e a de seus avós, indique algumas diferenças
entre o jeito de ser, de agir e de se comportar de
homens e mulheres. (CARO et al., 2006, p. 133).
2º momento: leitura e estudo dos textos do livro didático
Construindo Consciências – “Sexualidade e Cultura”, “O desejo sexual:
permissões e proibições” e “Fazendo a corte: o ser humano e os afetos”
(CARO et al. 2006, p. 134-138) (Anexo D) –, que foram sorteados entre
288
os grupos. Para a realização desse estudo, a professora entregou a seguinte
orientação aos estudantes:
1ª etapa (individual): a) cada aluno deverá ler com
atenção o texto sobre o tema que coube ao grupo;
b) observar a autoria do texto; c) levantar o
vocabulário do texto (termos e conceitos) e buscar
significados nos dicionários ou enciclopédias.
2ª etapa (em pequenos grupos): d) fazer nova
leitura, anotando ou transcrevendo as ideias
principais do texto; e) produzir esquema,
retomando as ideias anotadas ou transcritas e
procurando relacioná-las; f) o esquema deverá
garantir clareza: sobre o tema, respondendo a
pergunta: do que o texto trata?, as ideias-chave do
texto: os tópicos mais importantes, as ideias que
detalham e ampliam as informações mais
importantes; g) escolher a forma que deverá ser
dada ao esquema para melhor visualização do
assunto: itens, letras, pontos, traços, quadros
interligados com setas, cores diferentes, chaves...
consulte as páginas 116 e 117 do livro didático de
Língua Portuguesa. (EBMBSB, 2009a, p. 46).
3º momento: a partir da leitura individual do texto sorteado, em
pequenos grupos, os estudantes produziram um esquema (conforme as
orientações anteriores) para subsidiar a elaboração de um cartaz que
serviria de apoio para a apresentação na turma. O cartaz elaborado por um
dos grupos consta a seguir:
289
Figura 18 – Cartaz “Masturbação”, elaborado por um grupo de estudantes do 8º
ano/7ª série a partir da leitura do texto O desejo sexual: permissões e proibições
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2009).
4º momento: apresentação oral com apoio do cartaz elaborado
anteriormente. A imagem a seguir mostra um dos grupos fazendo a sua
apresentação, utilizando para isso o cartaz e o retroprojetor, para mostrar
uma imagem confeccionada pelas estudantes sobre o tema do texto
estudado:
Figura 19 – Grupo de estudantes do 8º ano/7ª série apresentando o texto
Fazendo a corte: o ser humano e os afetos, durante a aula de Ciências
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2009).
290
Figura 20 – Lâmina elaborada por um grupo de estudantes do 8º ano/7ª série,
para apresentação do texto Fazendo a corte: o ser humano e os afetos, durante a
aula de Ciências
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2009).
5º momento: releitura do texto sorteado e produção, em pequenos
grupos, de um resumo. A seguir apresentamos os resumos produzidos por
dois grupos:
291
Figura 21 – Resumo do texto O desejo sexual: permissões e proibições,
elaborado por um grupo de estudantes do 8º ano/7ª série, durante a aula de
Ciências
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2009).
292
Figura 22 – Resumo do texto Fazendo a corte: o ser humano e os afetos,
elaborado por um grupo de estudantes do 8º ano/7ª série, durante a aula de
Ciências
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2009).
6º momento: produção, individual, de um texto, cujo gênero seria
escolhido pelo estudante. A produção desse texto, em sala de aula,
293
envolveu um intenso processo de escrita e reescrita, com mediação da
professora e sem consulta aos textos estudados (quando havia a
necessidade de alguma informação específica ou referência, a professora
escrevia no quadro). A seguir, apresentamos os textos produzidos por três
estudantes, sendo cada um de um gênero específico: um poema, uma
notícia e um texto expositivo.
Figura 23 – Poema elaborado por uma estudante do 8º ano/7ª série, durante a
aula de Ciências
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2009).
294
Figura 24 – Notícia elaborada por uma estudante do 8º ano/7ª série, durante a
aula de Ciências
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2009).
295
Figura 25 – Texto expositivo elaborado por uma estudante do 8º ano/7ª série,
durante a aula de Ciências
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2009).
7º momento: preenchimento, pelos estudantes, de um instrumento,
transcrito a seguir, para a realização de uma autoavaliação sobre a
participação no trabalho.
296
Auto-avaliação do trabalho de Ciências sobre
Sexualidade Humana
A auto-avaliação permite que pensemos a respeito
da nossa atitude diante de um trabalho realizado.
Gostaria que cada um de vocês se auto-avaliasse
respondendo com responsabilidade as questões
abaixo.
1. Com relação à leitura e compreensão do texto
solicitado, como foi a sua participação (foi lido o
suficiente)? Justifique.
2. Como foi a sua participação nas discussões do
grupo em relação a alguma ideia que você não
concordava? Justifique.
3. Como foi a sua participação no grupo na
elaboração do trabalho (apresentação do texto e na
elaboração do resumo do grupo)? Justifique.
4. Pense em suas repostas a essas três perguntas e
dê uma nota para a sua participação no grupo: (
)10 a 9; ( )9 a 8; ( )8 a 7; ( ) 7 a 6; ( ) 6 a 5; (
) menor que 5. Qual? Por quê?
5. Comentário sobre o trabalho. (EBMBSB,
2009f).
A avaliação da participação, envolvimento e produção dos
estudantes neste trabalho foi feita ao longo do processo, prevendo
atribuição de uma nota específica para cada etapa: a apresentação
(inclusas neste item a leitura do texto, a produção do esquema e a
elaboração do cartaz), o resumo do grupo, a produção textual individual
e a autoavaliação (nota dada pelo estudante). Essas notas foram somadas
e divididas por quatro, e o resultado multiplicado por três, para compor a
média do bimestre117.
Esse trabalho foi apresentado no conselho de classe do II bimestre,
realizado no dia 26 de setembro de 2009, e no módulo dos anos finais do
curso de formação, no dia 2 de outubro deste mesmo ano. Nele, é possível
constatar que a leitura e a escrita se constituem objetos de ensino (de
sistematização) para a disciplina de Ciências e como tal ganham
relevância. As várias leituras e releituras (o estudo) dos textos propostas
pela professora tem sentido e objetivos claros para os estudantes. E esse
117 De acordo com a proposta de avaliação da Escola Beatriz, “O cálculo da Média
Bimestral (MB) dar-se-á através da média ponderada. Cada instrumento
avaliativo será multiplicado individualmente pelo seu peso [que, a critério do
professor, poderá variar de 1 a 3], e a somatória final será dividida pelo total
dos pesos” (EBMBSB, 2006g).
297
é um aspecto fundamental para a formação de leitores, pois, como
argumenta Solé (1998, p. 22),
sempre deve existir um objetivo para guiar a
leitura. [...] O leque de objetivos e finalidades que
faz com que o leitor se situe perante um texto é
amplo e variado: devanear, preencher um momento
de lazer e desfrutar; procurar uma informação
concreta; seguir uma pauta ou instruções para
realizar determinada atividade [...]; informar-se
sobre um determinado fato [...]; confirmar ou
refutar um conhecimento prévio; [...]. Uma nova
implicação derivada da anterior é que a
interpretação que nós leitores realizamos dos textos
que lemos depende em grande parte do objetivo da
nossa leitura. Isto é, ainda que o conteúdo de um
texto permaneça invariável, é possível que dois
leitores com finalidades diferentes extraiam
informação distinta do mesmo. Assim, os objetivos
da leitura são elementos que devem ser levados em
conta quando se trata de ensinar as crianças a ler e
a compreender.
A escrita dos estudantes, por sua vez, é tratada como um processo
que necessariamente implica em reescrita e que precisa ser alimentado,
ou seja, o estudante precisa ter o que dizer. Portanto, o fato de todos os
54 estudantes das duas turmas do 8º ano/7ª série terem produzido textos
com qualidade não é fruto do acaso ou de pura inspiração, é resultado de
muito trabalho dos sujeitos envolvidos – estudantes e professora. Para a
formadora, uma leitura mais geral dos textos indicou que todos estavam
formatados dentro das normas textuais,
apresentavam domínio de uma linguagem mais
formal e adequada ao gênero e a apropriação de um
vocabulário específico da área, além disso, os
textos não possuíam muitas marcas da oralidade e
muitos alunos utilizavam certas convenções da
escrita com intencionalidade, como, por exemplo,
o uso das aspas para marcar os implícitos no texto.
(EBMBSB, 2009b).
O fato deste trabalho ter sido bem planejado e desenvolvido
totalmente em sala de aula, com a mediação da professora, abordando
uma temática que normalmente interessa aos estudantes do 8º e 9º ano,
certamente foram elementos importantes para a qualidade não só do
298
resultado final (texto individual), mas de todo o processo. No entanto,
como destacou a formadora, consideramos que tal qualidade “não é
apenas o resultado de um ano ou de um único professor” (EBMBSB,
2009b), mas fruto de um trabalho coletivo que vinha sendo desenvolvido
há muitos anos na Escola Beatriz, o qual, necessariamente, envolve a
discussão do currículo.
4.3.FORMAÇÃO E CURRÍCULO: UMA ARTICULAÇÃO
NECESSÁRIA
Nos anos de 2004, 2005 e 2006, o Curso esteve focado, como
discutimos no primeiro item deste capítulo, na construção de uma nova
concepção de ensino da leitura e da escrita, na qual a formação de leitores
e escritores foi tomada como uma responsabilidade da escola e de todos
os professores. Essa perspectiva implicava necessariamente a discussão e
reelaboração do currículo, concebido como uma construção coletiva e
expressão de um projeto de sociedade e de formação humana, a partir do
qual se opera a seleção dos conhecimentos e das práticas sociais
consideradas relevantes em um dado contexto histórico (SILVA, M.,
2012). Sendo assim, a partir do ano de 2007, a Escola Beatriz impôs-se o
desafio de construir um currículo que de fato expressasse e materializasse
o seu compromisso com a formação de leitores e escritores em uma
perspectiva interdisciplinar.
4.3.1 Definindo eixos de articulação do currículo
No Curso de 2007 iniciou-se uma reflexão mais sistemática e
aprofundada em torno dos conteúdos escolares, compreendidos neste
processo de formação como o “conjunto de conhecimentos ou formas
culturais cuja assimilação e apropriação pelos alunos e alunas é
considerada essencial para o seu desenvolvimento e socialização” (COLL
et al., 1998, p. 12). Para tanto, a formadora propôs uma série de exercícios
envolvendo a leitura de diferentes textos, com o objetivo de problematizar
alguns procedimentos/práticas que tradicionalmente não são objeto de
ensino na escola, dentre os quais se destacaram o registro por escrito do
que é estudado ou discutido na oralidade e a elaboração do resumo,
considerados nesta discussão como conteúdos procedimentais de todas as
áreas.
De acordo com os PCNs (1998), é importante que a escolha dos
conteúdos a serem trabalhados na escola envolva não apenas os de
natureza conceitual (fatos, conceitos e princípios), mas também os
299
conteúdos de natureza atitudinal (valores, normas e atitudes) e os de
natureza procedimental, que expressam um saber-fazer,
que envolve tomar decisões e realizar uma série de
ações, de forma ordenada e não aleatória, para
atingir uma meta. Os conteúdos procedimentais
sempre estão presentes nos projetos de ensino, pois
realizar uma pesquisa, desenvolver um
experimento, fazer um resumo, construir uma
maquete, [ler ou escrever um texto], são
proposições de ações presentes nas salas de aula.
No entanto, conteúdos procedimentais são
abordados muitas vezes de maneira equivocada,
não sendo tratados como objeto de ensino, que
necessitam de intervenção direta do professor
para serem de fato aprendidos. O aprendizado
de procedimentos é, por vezes, considerado
como algo espontâneo, dependente das
habilidades individuais; outras vezes, ensina-se
procedimentos acreditando estar ensinando
conceitos. (BRASIL, 1998, p. 76, grifos nossos).
O ensino da leitura e da escrita nas diferentes áreas do
conhecimento é, nesta abordagem, um conteúdo predominantemente de
natureza procedimental, o que tornou a compreensão dos conteúdos nas
três dimensões – conceitual, procedimental e atitudinal – um referencial
teórico necessário para as discussões sobre o currículo da Escola Beatriz.
Ou seja, este referencial permite pensar e tratar a leitura e a escrita como
um conteúdo de ensino das diferentes disciplinas, pois, conforme Coll et
al. (1998, p. 15):
A distinção entre os três tipos de conteúdos e a sua
inclusão nas propostas curriculares encerra, assim,
uma mensagem pedagógica importante. Entre
outras coisas, supõe uma tentativa de romper com
a prática habitual, justificadamente denunciada em
inúmeras ocasiões, de um ensino centrado
excessivamente na memorização mais ou menos
repetitiva de fatos e na assimilação mais ou menos
compreensível de conceitos e sistemas conceituais.
Mas supõe também, o que poderia ser ainda mais
importante, uma tentativa de acabar com uma certa
tradição pedagógica que, de forma totalmente
injustificada, exclui do ensino sistemático um certo
tipo de formas e conhecimentos culturais, cuja
300
importância está fora de qualquer dúvida e cuja
assimilação é deixada inteiramente a única e
exclusiva responsabilidade dos alunos.
Essa distinção, embora os autores chamem a atenção para o fato de
que ela não deve ser interpretada de maneira rígida, foi fundamental para
que determinados procedimentos, especialmente aqueles em torno do
ensino da leitura e da escrita, se constituíssem em objetos de ensino antes
de serem objetos apenas de avaliação ou “queixa” por parte dos
professores, como era o habitual até aquele momento. Os excertos a
seguir, que constam da ata da primeira etapa do Curso de 2008, são
bastante ilustrativos dessa situação:
Comentário de uma professora de História:
considero importante que durante a aula expositiva
o aluno anote o que é fundamental, mas isto não
acontece. [Formadora]: saber fazer anotações
durante a audição de uma aula expositiva é um
conteúdo procedimental importante, que
precisa ser ensinado, exercitado. O professor
precisa primeiro fazer coletivamente, cada um
anota o que considerar relevante, depois o grupo
discute e junto com o professor elabora o texto para
ser registrado por todos no caderno. [...] Por isso,
Coll chama a atenção para uma falsa crença, a de
que “ao contrário de fatos e conceitos, os alunos
podem aprender os procedimentos e os valores, as
atitudes e as normas por si mesmos, sem
necessidade de uma ajuda pedagógica sistemática e
planejada (COLL et. al., 1998, p. 15)”. (EBMBSB,
2008c, p. 8, grifos nossos).
[Comentário da Formadora]: [...] muitas vezes, o
professor afirma que seus alunos “não sabem
raciocinar”, não sabem resolver um problema,
não sabem por onde começar. Será que “por
onde começar” não deve ser objeto de ensino,
por onde eu começo a resolução ou o
enfrentamento de uma situação-problema? Por
exemplo, tenho uma dívida para ser paga. Então,
num primeiro momento, preciso saber o valor total
da dívida e os recursos que possuo, seria um
levantamento dos dados (compreensão imediata).
A partir desses dados, do estabelecimento de
relações, do contexto, posso fazer inferências e
perceber as possibilidades de resolução do
301
problema: posso deixar de comer para pagar a
dívida toda, posso comer e reservar uma parte para
pagar a dívida de forma parcelada, posso fazer um
novo empréstimo para pagar essa dívida. Agora,
isto precisa ser dito, precisa ser ensinado para a
criança, ou seja, que enfrentar um problema
requer o levantamento de dados, o
estabelecimento de relações, a verificação das
diferentes possibilidades e a seleção da melhor
forma de solução. E desta maneira, o raciocínio,
a possibilidade de resolução do problema deixa
de ser uma condição natural de alguns
privilegiados intelectualmente e passa a ser
conteúdo de ensino. Mesmo que alguns tenham
mais facilidade que outros, o que se deve garantir
na escola é a condição de avanço para todos.
(EBMBSB, 2008c, p. 7, grifos nossos).
A análise do planejamento da disciplina de Geografia do I bimestre
para o 7º ano/6ª série, realizada pela formadora e pelos participantes logo
após essa discussão inicial, também contribuiu para mostrar que os
conteúdos procedimentais, muitas vezes, eram desconsiderados ou
tratados apenas como uma estratégia para a apropriação dos conteúdos
conceituais. Essa análise foi desenvolvida tendo em vista o referencial
teórico em torno dos gêneros do discurso, estudado nos primeiros anos de
formação, e dos três tipos de conteúdo – conceitual, procedimental e
atitudinal –, em discussão a partir de 2007.
O planejamento apresentado pelos professores, Fábio Segatto
Marchiori e Marize Lúcia Clemente Fernandes, continha, conforme
orientação dada pela coordenação pedagógica, os seguintes itens:
conteúdo específico da disciplina, gênero enquanto conteúdo, gênero
enquanto estratégia, metodologia, avaliação, suporte da informação,
ambiente de trabalho e período, embora os três últimos não tenham sido
incluídos no registro da ata da primeira etapa do Curso de 2008, como
podemos constatar a seguir:
302
Quadro 9 – Planejamento do I Bimestre de 2008 da disciplina de Geografia – 6ª
série [7º ano]
Conteúdo específico
da disciplina
Gênero
enquanto conteúdo enquanto estratégia
BRASIL
Brasil: localização
e orientação.
Brasil: aspectos
físicos.
Organização
territorial do
espaço brasileiro.
A construção e a
formação do
território brasileiro.
As origens
culturais do povo
brasileiro.
Relatar
(crônica social)
Não verbal (mapas)
Expor (texto expositivo e
exposição oral)
Metodologia
Aulas expositivas/dialogadas.
Textos resumos passados no quadro pelo professor.
Leitura de textos do livro didático;
Leitura do mapa-múndi e da América do Sul para localização e orientação
do nosso País.
Leitura e confecção de legenda dos mapas da regionalização do território
brasileiro ao longo da história até os dias atuais.
Elaboração de mapas do Brasil relacionados aos principais aspectos físicos
(clima, relevo, vegetação e a hidrografia). Para tanto, será elaborado um
mapa base com os estados e através do uso do papel vegetal serão elaborados
mapas temáticos, com a mesma escala do mapa base, para efeito de
comparação e análise e posterior confecção de texto. A técnica é chamada
de “mapa de sobreposição de informações”.
Leitura da carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei, seguindo-se explicação
e um texto resumo no quadro do que é uma crônica e suas principais
características. Após essa etapa, pesquisa de crônicas em jornais e revistas
e produção individual de uma crônica.
(continua)
303
(conclusão)
Avaliação
Teste relacionado ao conteúdo, com o uso dos mapas referentes às
regionalizações do Brasil.
Tarefas – relacionadas a questões dos textos resumos e dos textos do livro
didático.
Atividades em sala de aula – localização e orientação do Brasil com o uso
dos mapas.
Atividade com cartilha do Plano Diretor participativo de Florianópolis.
Mapas de sobreposição e texto elaborados em duplas pelos alunos;
Crônica elaborada pelo aluno.
Fonte: EBMBSB (2008c, p. 9).
Na análise do planejamento, a formadora chama a atenção para o
fato de que “a sobreposição de mapas aparece de forma significativa na
metodologia e na própria avaliação, portanto, deveria constar também
como um conteúdo procedimental” (EBMBSB, 2008c, p. 9), o que
demandaria por parte do professor a elaboração de estratégias para seu
ensino, pois, da forma como está descrito, este “saber-fazer” parece ser
tratado como se fosse decorrente de uma aprendizagem espontânea, que
se deu naturalmente durante o percurso formativo do estudante. O
planejamento está focado nos conteúdos conceituais, o que é muito
importante, mas não suficiente, principalmente em se tratando de uma
escola de ensino fundamental, pois, como afirmam Coll et al. (1998),
quanto menor o grau de ensino, maior a necessidade dos conteúdos de
natureza procedimental e atitudinal.
A realização dessa reflexão também propiciou, como mostra o
excerto a seguir, a problematização da proposta de gêneros do discurso a
serem trabalhados nas turmas de 6º ao 9º ano durante o I bimestre de 2008,
discutida e elaborada pelos professores da Escola Beatriz no início
daquele ano letivo:
[Formadora]: qual era o foco do bimestre?
Professores de Geografia: conhecer e relacionar os
aspectos físicos ou naturais do Brasil.
[Formadora]: analisando o planejamento e tendo
em vista o foco do bimestre, os gêneros a serem
estudados seriam o texto expositivo e o mapa.
Sendo assim, a crônica, que é um texto de base
narrativa, acabou contribuindo para tirar o foco do
trabalho.
304
Comentário de um dos professores de Geografia: a
utilização da crônica foi feita em função da
proposta da Escola, organizada pelo grupo de
professores em fevereiro de 2008, durante a
realização do planejamento, pela qual cada
disciplina elegeria um gênero para trabalhar no
bimestre. (EBMBSB, 2008c, p. 9-10).
De acordo com a proposta da Escola, que pretendia garantir, a
partir da combinação de duas formas de agrupamento118 – a de Dolz e
Schneuwly (2004) e a dos PCNs (1998) –, o ensino de diferentes gêneros
em todos os anos/séries, os professores de Geografia seriam os
responsáveis por trabalhar a crônica no 7º ano/ 6ª série. No entanto ficou
evidenciado durante a discussão, conforme excerto anterior, que, em
função dos objetivos dos professores para o I bimestre letivo e da
especificidade da disciplina, a crônica poderia ser utilizada para ampliar
o universo cultural dos estudantes, mas não alçada ao patamar de um
conteúdo de ensino de Geografia.
Os gêneros “texto expositivo” e “mapa”, que aparecem como
estratégia, são os que deveriam constar como conteúdo, pois, como
reiterou a formadora, “o estudo do gênero deve ser uma ferramenta para
facilitar a leitura dos textos fundamentais das diferentes áreas”
(EBMBSB, 2008c, p. 10). Portanto, a definição de quais são os gêneros
fundamentais de cada área do conhecimento é uma das questões que deve
balizar as discussões com vistas à elaboração de uma proposta de gêneros
a serem ensinados na escola, diferenciando ou identificando, inclusive, os
que devem ser objeto apenas de leitura daqueles que precisam ser objeto
de leitura e produção.
Neste sentido, Barbosa (2002), a partir dos estudos de Dolz e
Schneuwly (1996), propõe os seguintes critérios para essa seleção:
diversificação de agrupamentos [...]; [...] gêneros
da esfera pública, já que os gêneros de domínio
118 Conforme Rojo (2000, p. 34-35), dois agrupamentos de gêneros do discurso
têm sido sugeridos pela literatura da área: o de Dolz e Schneuwly (1996), no
qual os autores propõe um agrupamento “essencialmente regido pelas
capacidades de linguagem exigidas pelas práticas de uso da linguagem em
pauta e que os distribui por cinco domínios que exigem capacidades de
linguagem diferenciadas: o narrar, o relatar, o expor, o argumentar e o
instruir/prescrever”; e o dos PCNs de Língua Portuguesa (1998), que “agrupam
os gêneros textuais em função de sua circulação social, em gêneros literários,
de imprensa, publicitários e de divulgação científica”.
305
privado são, muitas vezes, aprendidos sem a
necessidade de uma situação formal de ensino; o
projeto de escola, tendo em vista o tipo de
indivíduo que se pretende prioritariamente formar
[...]; gêneros necessários para a vida escolar e
acadêmica, pois ajudam a garantir um certo sucesso
escolar; programações de outras áreas – que podem
pressupor o domínio de algum gênero; gêneros
necessários para o exercício da cidadania.
(BARBOSA, 2002, p. 171-172).
Esse momento do Curso, para além da importante discussão em
torno das diferentes dimensões dos conteúdos escolares e do ensino da
leitura e da escrita na perspectiva dos gêneros do discurso, merece
destaque em nossa pesquisa por explicitar o quanto este processo de
formação articulava e, ao mesmo tempo, era articulado pelo projeto de
escola ou, mais especialmente, de currículo, que estava sendo construído.
Assim, por se tratar de um processo de formação continuada na/da escola,
comprometido com a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem
de todas as crianças e adolescentes, a sala de aula, com todas as suas cores
e dores, foi tomada como objeto permanente de análise e
problematização. Principalmente a partir de 2006, quando os conselhos
de classe se constituíram em mais um espaço de sistematização,
socialização e reflexão coletiva sobre o trabalho docente.
O relato a seguir, sobre o trabalho realizado pelo professor da
disciplina de Ciências, José Pedro Simas, para ensinar o gênero “relatório
de experiência científica” aos estudantes do 7º ano/6ª série é um bom
exemplo do que afirmamos no parágrafo anterior a respeito da
centralidade que a prática pedagógica assumiu na formação, mas não
qualquer prática, como destacou Candau (1997). Além disso, é importante
informar que neste trabalho a escolha do relatório de experiência
científica como conteúdo para o 7º ano/6ª série também estava de acordo
com a proposta de gêneros para o I bimestre, elaborada pelos professores
no início do ano letivo de 2008; porém, ao contrário do que ocorreu com
a crônica na disciplina de Geografia, o relatório de experiência científica
é um gênero fundamental para a disciplina de Ciências.
Outrossim, optamos pela exposição desse relato, porque ele
também se mostra como um bom modelo de sequência didática – outro
conteúdo abordado no processo de formação da Escola Beatriz. Na
primeira etapa do Curso de 2008, o conceito de sequência didática, que já
havia sido discutido em anos anteriores, foi (re)apresentado, como
podemos observar a seguir, em duas perspectivas: uma mais geral,
306
envolvendo o ensino dos conteúdos, e outra mais específica, tratando do
ensino dos gêneros do discurso:
Para Heloísa Amaral [2013]119, as sequências
didáticas são um conjunto de atividades ligadas
entre si, planejadas para ensinar um conteúdo,
etapa por etapa. Organizadas de acordo com os
objetivos que o professor quer alcançar para a
aprendizagem de seus alunos, elas envolvem
atividades de aprendizagem e de avaliação. Na
perspectiva dos gêneros textuais a sequência
didática é considerada uma organização de
atividades sequenciadas, cuja finalidade é discutir
as características fundamentais do gênero do
discurso priorizado para o trabalho, de maneira a
possibilitar ao aluno um aprendizado e mestria na
escrita do mesmo [BRÄKLING, 2000]120.
EBMBSB (2008c, p. 7).
Assim, a sequência didática apresentada pelo professor da
disciplina de Ciências, José Pedro Simas, para o ensino do gênero
relatório de experiência científica121 foi a seguinte:
Sequência Didática
a) Apresentação de um roteiro de montagem e
observação do terrário.
b) Montagem do terrário e observação durante três
semanas.
119 Cf.: AMARAL, Heloísa. Sequência didática e ensino de gêneros textuais.
Comunidade escrevendo o futuro. São Paulo, [2013]. Disponível em:
<https://www.escrevendoofuturo.org.br/conteudo/biblioteca/nossas-
publicacoes/revista/artigos/artigo/1539/sequencia-didatica-e-ensino-de-
generos-textuais>. Acesso em: 20 abr. 2017. 120 Cf.: BRÄKLING, Kátia Lomba. Trabalhando com artigos de opinião: re-
visitando o eu no exercício da (re)significação da palavra do outro. In: ROJO,
Roxane (org.). A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs.
Campinas/SP: Mercado de Letras/EDUC, 2000. p. 221-227. 121 Embora seja necessário informar que, conforme registro da apresentação do
professor, esta sequência didática envolvia também os seguintes conteúdos
conceituais: “o conceito de adaptação; a diversidade de ambientes: conceitos
de biosfera, ecossistema, componentes abióticos e bióticos, biodiversidades; os
componentes dos ecossistemas e suas relações com a diversidade da vida; e os
ambientes da Terra” (EBMBSB, 2008c, p. 12).
307
c) Discussão do conceito de relatório e
apresentação dos itens que devem constar de um
relatório de experiência científica.
d) Apresentação de um modelo de relatório de
experiência científica.
e) Discussão em sala de aula dos resultados obtidos
a partir da observação do terrário.
f) Elaboração do relatório (1ª e 2ª versão).
(EBMBSB, 2008c, p. 13-17).
É importante registrar que na apresentação no Curso o professor
teve o cuidado de incluir os diferentes textos trabalhados com os
estudantes: o roteiro de montagem e observação do terrário, o conceito e
os itens que devem constar de um relatório de experiência científica e um
modelo de relatório elaborado por um estudante. Algumas imagens do
trabalho realizado, como a que selecionamos a seguir, também foram
mostradas:
Figura 26 – Terrário construído por um grupo de estudantes do 7º ano/6ª série,
durante a aula de Ciências
Fonte: Acervo da Escola Beatriz (2008).
308
Além das imagens, a segunda versão de três relatórios elaborados
pelos estudantes em grupos também foi apresentada122, como forma de
materializar o trabalho realizado. O registro de que se trata da segunda
versão dos relatórios é importante, pois indica que a prática de reescrita
de textos, discutida no início dos anos 2000, conforme relatamos no
segundo capítulo, foi assumida pelos professores das diferentes
disciplinas da Escola Beatriz. Outro aspecto a ser destacado com a
apresentação desses relatórios diz respeito a importância que o acesso à
produção dos estudantes tinha na socialização das práticas pedagógicas,
sendo esta uma orientação dada aos professores, tanto para a realização
das tarefas do Curso (conforme Quadro 7 do terceiro capítulo) quanto
para as apresentações nos conselhos de classe do I e II bimestres
(conforme item 4.2 deste capítulo)123. Os relatórios apresentados a seguir
constam da ata da primeira etapa do Curso de 2008:
122 Os demais relatórios também foram disponibilizados aos participantes do
Curso. 123 Lembramos que esses aspectos já foram enfatizados durante a discussão sobre
as mudanças na metodologia dos conselhos de classe.
309
Figura 27 – Relatório de experiência científica “Terrário”, elaborado por um
grupo de estudantes do 7º ano/6ª série, durante a aula de Ciências (I)
Fonte: EBMBSB (2008c, p. 15).
310
Figura 28 – Relatório de experiência científica “Terrário”, elaborado por um
grupo de estudantes do 7º ano/6ª série, durante a aula de Ciências (II)
Fonte: EBMBSB (2008c, p. 15).
311
A respeito desse relatório, a formadora fez o seguinte comentário:
do ponto de vista do registro está perfeito. Os
alunos já sabem o que é um relatório, conseguem
fazer o registro, utilizando sua própria linguagem.
O que o grupo não conseguiu ainda foi transpor a
linguagem própria para uma linguagem mais
formal, característica de um relatório científico.
Mas ficou claro no relato que o grupo teve um
enorme prazer em realizar a atividade e isso
também é muito importante. (EBMBSB, 2008c, p.
15).
Na sequência, mais dois relatórios foram apresentados:
Figura 29 – Relatório de experiência científica “Terrário” (I), elaborado por um
grupo de estudantes do 7º ano/6ª série, durante a aula de Ciências (I)
Fonte: EBMBSB (2008c, p. 16).
312
Figura 30 - Relatório de experiência científica “Terrário” (I), elaborado por um
grupo de estudantes do 7º ano/6ª série, durante a aula de Ciências (II)
Fonte: EBMBSB (2008c, p. 16).
313
Figura 31 - Relatório de experiência científica “Terrário” (I), elaborado por um
grupo de estudantes do 7º ano/6ª série, durante a aula de Ciências (III)
Fonte: EBMBSB (2008c, p. 16).