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CONSOLAÇAM AS TRIBULAÇOENS DE ISRAEL A reflexão de Samuel Usque em torno de uma interpretação da história Francisco Caramelo Samuel Usque tem uma concepção de história que, no essencial, radica na noção bíblica de tempo. Reflectindo sobre a situação contem- porânea dos Judeus, o autor procura na longa e milenar história de Israel a explicação para o sofrimento do seu povo. Parte do princípio de que toda a história de IsraeP, desde os tempos patriarcais até à sua época, se caracteriza pela continuidade e por uma lógica de unidade e de coerência intrínsecas, relativamente aos acontecimentos marcantes na vida do povo. Este princípio determina a sua leitura da história e confere-lhe um sentido, na medida em que a vivência histórica de Israel se enquadra assim num plano providencial que a sistematiza. Este plano providencial tem início na Criação, a qual principia a intervenção de Deus na história. O povo eleito vive, originalmente, uma idade de ouro suscitada por Deus. Esta idade mítica caracteriza-se pela harmonia bucólica de uma vida pastoril, quadro ideal que simboliza um estado de ordem social e religiosa. Todavia, esta idade de ouro é inter- rompida por um processo de degradação dessa harmonia original. Samuel Usque descreve, deste modo, o processo: 1 Quando nos referimos a Israel, pretendemos significar o povo, realidade que ul- trapassa a sua existência como Estado e que admite, em Samuel Usque e na tradi- ção judaica, a relação continuada entre os tempos patriarcais e a época do autor. Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, n" 9, Lisboa, Edições Colibri, 1996, pp. 177-185.

CONSOLAÇAM AS TRIBULAÇOENS DE ISRAEL A reflexão de

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CONSOLAÇAM AS TRIBULAÇOENS DE ISRAEL

A reflexão de Samuel Usque em torno de uma interpretação da história

Francisco Caramelo

Samuel Usque tem uma concepção de história que, no essencial, radica na noção bíblica de tempo. Reflectindo sobre a situação contem­porânea dos Judeus, o autor procura na longa e milenar história de Israel a explicação para o sofrimento do seu povo. Parte do princípio de que toda a história de IsraeP, desde os tempos patriarcais até à sua época, se caracteriza pela continuidade e por uma lógica de unidade e de coerência intrínsecas, relativamente aos acontecimentos marcantes na vida do povo. Este princípio determina a sua leitura da história e confere-lhe um sentido, na medida em que a vivência histórica de Israel se enquadra assim num plano providencial que a sistematiza.

Este plano providencial tem início na Criação, a qual principia a intervenção de Deus na história. O povo eleito vive, originalmente, uma idade de ouro suscitada por Deus. Esta idade mítica caracteriza-se pela harmonia bucólica de uma vida pastoril, quadro ideal que simboliza um estado de ordem social e religiosa. Todavia, esta idade de ouro é inter­rompida por um processo de degradação dessa harmonia original. Samuel Usque descreve, deste modo, o processo:

1 Quando nos referimos a Israel, pretendemos significar o povo, realidade que ul­trapassa a sua existência como Estado e que admite, em Samuel Usque e na tradi­ção judaica, a relação continuada entre os tempos patriarcais e a época do autor.

Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, n" 9, Lisboa, Edições Colibri, 1996, pp. 177-185.

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«Passando assi alguns tempos esta ydade douro, debaxo do cajado do summo pastor, cujos rebanhos pasce todo o vniverso, e doutros terres-tes, que de sua mão postos eram, e fielmente guardauam as ouelhas, leuantouse destes propios meus filhos daly a alguns annos, hua com­panhia de péssimos pastores, que nam se curando do guado o deixauam pascer eruas peçonhentas, e beber aguoas amargas, e elles tomauam outra vida áspera e gentia, caçando e perseguindo siluestres animaes».-̂

Deste cenário idílico, evolui-se para um quadro em que a caça sim­boliza a degenerescência no plano das relações sociais e a degradação nas relações com Deus. Este processo degenerativo, que implica a perda da inocência e da harmonia originais, revela-se estmtural e a sua expressão fundamental será o afastamento de Deus e a adesão ao modus vivendi do outro. Esta dialéctica entre a afirmação da diferença e a necessidade de integração marcará, estmturalmente, a evolução histórica do povo eleito. Aspecto sintomático desta dialéctica é a intro­dução da Realeza em Israel. Para Usque, glosando a visão anti--monárquica presente em 1 Sam.8, a implantação da Realeza é sinto­mática da assimilação aos costumes e crenças estrangeiros: «queria Rei, pera cõ elle me asemelhar As outras getes, O resposta péssima, cousa que o sefíor tanto aborreceo sempre e vedou»^. Já na passagem anterior, Samuel Usque se referira aos reis como «pastores péssimos» que em lugar de cuidarem do seu povo se dedicavam e incentivavam a guerra. Por conseguinte, a introdução da Realeza é apenas um dos aspectos que caracterizam Israel após a idade de ouro, traduzindo a sua degradação espiritual e justificando a intervenção punitiva de Deus: «aqui comecei loguo apaguar o Rei que pidi»."^

A idolatria e a assimilação geral aos costumes e práticas dos outros povos estão na origem da intervenção sistemática de Deus na história, procurando preservar a ordem e evitar a deterioração do seu plano providencial. É este o sentido da história que Samuel Usque nos narta e em que assenta a própria estmtura da sua obra. A primeira etapa ter­mina com a queda de Jemsalém às mãos de Nabucodonosor, a que se sucede um período de «cativeiro». O povo recuperará a sua liberdade e autonomia, mas mercê da transgressão sistemática do pacto firmado

2 I, V v. A edição consultada é a de Mendes dos Remédios, editada em 1906 por França Amado em Coimbra.

3 I, XXVI-XXVI v.

4 I, XXVI V.

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com Deus tomará a perdê-la com a destmição do Segundo Templo, na época de Tito, iniciando-se um novo período de «cativeiro» que se prolonga até à época de Samuel Usque.

Por conseguinte, a história de Israel é marcada pela recorrência des­tas fracturas, as quais traduzem a entrada do povo em períodos de so­frimento e de dispersão. O sofrimento que atinge os Judeus da Diáspo-ra, desde a queda do Segundo Templo até à época de Samuel Usque, assemelha-se, no entendimento do autor, ao padecimento vivido pelo povo, após a tomada de Jemsalém por Nabucodonosor.

Em ambos os casos, a origem da intervenção punitiva de Deus está na transgressão da Aliança e nos desvios à conduta moral e religiosa que devia condicionar Israel. Embora as situações que originam a inter­venção punitiva de Deus sejam diferenciadas, a verdade é que Samuel Usque procura no passado a justificação e a explicação para os tor-mentos do presente. Nesta reflexão, Usque percebe que o povo passou já por situações análogas, as quais motivaram a intervenção divina. Por conseguinte, implícita na exploração destas analogias está uma função pedagógica no discurso histórico de Usque. A história é depositária de exemplos para o presente e para o futuro. Samuel Usque perspectiva a história numa visão pragmática, na medida em que ela providencia paradigmas que permitem orientar o homem. No entanto, esta perspec­tiva pragmática ocorre ainda a um outro nível, visível no início do prólogo da obra. Aí, Usque socorre-se do pensamento socrático quando afirma:

«Pello que Sócrates (...) dezia q vendose as pessoas em fadiguas cotejasem os males q atras ficauam cõ os presentes & facilmente lhe achariam consolaçam».^

Como vemos, o passado e a história servem de consolação para o presente. Um pouco mais adiante Usque reforça esta idéia:

«ynda que nestes nossos dias padeça graues tributações, toda uia muito moores foram aquellas que ja pellos nossos antiguamete, pelo que estas se pode reputar por piquenas».^

A desvalorização do sofrimento actual, comparativamente aos pade-cimentos passados, insufla o homem de esperança no futuro.

A reflexão de Usque sobre a história assenta numa idéia de

5 Prólogo, III.

6 Prólogo, in-ni V.

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recortência que o esquema «condenação-salvação-condenação» parece sustentar. Efectivamente, por várias vezes, o povo é condenado, mercê do seu comportamento rebelde. No entanto, após a expiação dos seus pecados e da sua transgressão. Deus intervém, salvando-o e libertan-do-o da submissão e dos sofrimentos a que estava sujeito. Esta fase dura pouco pois o povo depressa reincide na desobediência a Deus, motivando de novo a sua intervenção punitiva. Este esquema, funda­mentado na recorrência histórica, diferencia-se, no entanto, do pensa­mento cíchco que determina a concepção grega. Apesar das caracterís­ticas de recorrência, a história progride, de forma planificada, para um fim escatológico. Em Samuel Usque, esta idéia está claramente presen­te. Paralelamente à consciência de uma re-actualização de certos even­tos decisivos, Usque sabe que a história caminha para uma salvação última e escatológica.

A história de Israel é vincada por acontecimentos estmturantes que funcionam como paradigmas no devir histórico. O catíveiro-êxodo cons­titui um desses motivos que podemos ver a funcionar em vários mo­mentos, designadamente na saída do Egipto, na descrição que em Jz.2 é feita do período dos Juizes, ou ainda da libertação do «cativeiro» da Babilônia. A verdade é que esta idéia estmturante irá marcar decisiva­mente toda a concepção judaica de história^ e irá obrigar-nos a admitir ali características de recorrência.

Este esquema recorrente de cativeiro-êxodo deriva fundamentalmen­te da transgressão da Aliança. Esta constitui a expressão da aceitação de uma ordem abrangente e universal determinada por Deus. A trans­gressão desta ordem traduz-se, inevitavelmente, na intervenção punitiva de Deus, julgando e condenando até mesmo o povo eleito. A violência com que Deus condena Israel é, no entanto, a expressão da sua eleição e do amor divino .̂ Deus procura corrigir os desvios de Israel, relati­vamente à ordem universal. A violência funciona assim como uma estratégia de comunicação divina com o povo eleito, visando orientá-lo e tomá-lo consciente do seu comportamento condenável, procurando, consequentemente, purificá-lo através do sofrimento. Esta estratégia de

7 Cf G.W. Trompf, The Idea of Historical Recurrence in Western Thought. From Antiquity to the Reformation, Berkeley, University of Califórnia Press, 1979, p. 134.

8 Cf José V. de Pina Martins, «Consolação às tributações de Israel de Samuel Usque. Alguns dos seus aspectos messiânicos e proféticos. Uma obra-prima da língua e das letras portuguesas», in Usque, Samuel, Consolação às tribulações de Israel, Lisboa, Fund. C. Gulbenkian, 1989, p. 163.

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comunicação e de orientação é valorizada, na medida em que a profe­cia, meio privilegiado de diálogo entre Deus e o povo cessou. Samuel Usque refere-se ao fim da profecia, de modo explícito, pelo menos em duas ocasiões. No Dialogo Segundo, declara a este propósito:

«A profecia com que se alcançauam os segredos de quanto nosso senor detreminaua fazer a beneficio ou dano de todolos mortaes, deseparoume, e nã tornou mais a vesitarme».^

Mais adiante, Samuel Usque completa esta idéia:

«No tempo que o senor contiguo comunicaua te era mais fácil poder este aperfeiçoar, porque te ajudaua seu manifesto fauor (...) Mas agora Auendo jaa teu pecado vedado estes meos, buscou a diuina misericórdia outro remédio pera vires nesta disposiçã e saluares tua alma; Apurandote no foguo deste mundo e dandote caa o castiguo de teus dilitos com as enfinitas fadiguas e males que padeces, e assi ficas disposto pera a saluaçam».'^

O fim da profecia significa o esgotamento de uma estratégia de comunicação que assentava no diálogo entre Deus e os homens. Signi­fica, igualmente, um sinal de que se avançava para o fim escatológico da história. Mediante o esgotamento da profecia, é a violência que surge agora como método de orientação do povo e, simultaneamente, de preparação para a salvação final.

A intervenção de Deus, por meios violentos, constitui uma estraté­gia de recomposição da ordem divina, daí estar, aos olhos de Usque, perfeitamente legitimada, do ponto de vista histórico. Uma vez que esta ordem é universal, a intervenção de Deus na história é também univer­sal.

O sofrimento que Israel vive em diáspora resulta da intervenção universal de Deus que manipula a história de acordo com o seu plano providencial. Serve-se dos inimigos de Israel como instmmentos da sua punição, como os verdugos que concretizam a sua condenação. No entanto, o verdugo é também ele castigado:

«E pera tua vingança, que quis o seííor que fossem punidos estes teus ymigos Babilônios da maneira que elles em ti sua yra esecutarom»."

9II, IV V.

'O III,XLVniIv.

'1 II,IIv.

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Com a diáspora, entendemos a especificidade de Israel. A dispersão traduz a fragilidade humana perante os planos de Deus e reflecte a expiação dos pecados praticados por Israel. O povo disperso, longe da sua terra, está só, sentindo-se desenraizado e à mercê das perseguições dos seus opressores, clamando incessantemente por Deus, embora sem obter a resposta e o socorro esperados. A visão que Samuel Usque pre­coniza da situação de Israel é de natureza abrangente e universal. O autor defende uma perspectiva geo-histórica, na medida em que vê os Judeus dispersos pelas nações e vítimas da perseguição e do sofrimen­to:

«O atrebulado corpo se toda a terra he chea de minhas misérias e tra­balhos; nas riquesas e deleites da feliçe Ásia, ali me acho pobre e afa­nado pelegrino, na abundância do ouro e grossura da terra da abrasada África, lazrado faminto, e sequioso desterrado. Pois Europa Europa (meu inferno, na terra) q direi de ty, se de meus membros tens feito a mor parte de teus triunfos».'^

Os Judeus, dispersos pelas nações, são vítimas de um conluio uni­versal, parecendo que todos os povos se aliaram com o objectivo de os perseguir e maltratatar. No entanto, esta situação deriva do seu com­portamento iníquo, tendo merecido a intervenção universal de Deus, à qual não podem escapar:

«Quem poderá escapar de tua yra O senor? quãdo com tãta causa se moue como meus dilitos a espertarõ; que tee caa nestas vitimas partes da terra mabranje».'^

A diáspora, expressão da condenação divina, é universal. Até em Portugal, a Finisterra da Europa, «vitimas partes da terra», os Judeus estão à mercê da punição de Deus. O rei de Portugal é o verdugo, o executor da condenação divina''*, tal como outros o foram ao longo da história de Israel.

Esta reflexão conduz, inevitavelmente, à consciência da especifici­dade dos Judeus e da situação inaudita em que se encontram relati­vamente a todos os outros povos. Samuel Usque chega a reflectir sobre a natureza diferente dos Judeus, relativamente aos outros:

12 1,1 V.

•3 III,XXXv.

14 III,XXXII.

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«De maneira que nam posso deixar por esta via de muito ao mundo aborrecer, pois eu ynda disto cõtra o curso de toda outra sua natureza rodo».'̂

Esta reflexão encaminha-se para uma consciência da alteridade dos Judeus através da história e onde quer que se encontrem.

Paralelamente à justificação da situação única em que se encontram na história, reflexão que permite compreender e até aceitar a opressão e o sofrimento de que são objecto, é na esperança que reside a essência da sua sobrevivência. No Dialogo Terceiro, não obstante, Samuel Usque manifesta receios contraditórios, relativamente ao futuro de Israel:

«Natural he a todalas cousas criadas fazer mudança; senam ysrael, que seu ynfehce estado jaa mais varia ne se abala: Conuertido sou hua ynuenciuel e dura rocha no mar, onde as ymportunas ondas batem contino».'^

E uma de várias metáforas com que Samuel Usque pretende signifi­car a situação de Israel e a incerteza quanto ao fim das suas tribula­ções. O tempo implica mudança e a criação reflecte o princípio da história e a incessante transformação do mundo. Samuel Usque está consciente desta verdade, mas questiona-se quanto à evolução da situação do seu povo e quanto ao momento em que ocorrerá a salvação. Recorre a uma imagem assaz eloqüente para explicar a persistência do «cativeiro» e, consequentemente, o adiamento da salvação:

«por que a tea das vidas que os mãos hiam cada dia desfazendo e de voltar a roda dos setenta anos em catiueiro de Babel esforçandose, entre fachados entrelles estes oito bõs com sua justedade, alguá parte do destecido tornauam a tecer, e de quando em quando com a mão de suas santas obras detinham a roda do catiueiro que com ympeto queria começar a voltarse: mas contra a grande pressa e legeireza com que os mãos se dauam a desfazer, e contra a poderosa força que tantos delles puserom a voltar, nam bastou toda a resistência dos jus­tos a defendelo.»'"'

Por conseguinte, a história de Israel é imaginada como uma teia que os justos vão tecendo, justificando assim a salvação, embora os seus

'5 ni,XLU. '6 in,xL. '̂ I,LIII. Esta imagem reporta-se ao «cativeiro» da Babilônia, mas é, na reflexão de

Usque, válida para a situação que lhe é contemporânea.

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esforços se revelem insuficientes para conter os iníquos que, através das suas acções, a desfazem continuada e sistematicamente. Samuel Usque debate assim a responsabilidade humana na salvação. Implícita está a conclusão de que a salvação depende da conduta humana. Usque introduz o factor moral como elemento importante na salvação, a qual constitui o fim escatológico da história:

«e pera que ysto presto se confirme e venha tomay esta receita, fale cadahu com seu próximo verdade e julgay juízo de paz e vossas por­tas, o qual será que nem façais mal nem peseis de fazelo nhu de vos outros contra seu próximo, e juramento falsso nam ameis porque todas estas cousas sam as que mal quero diz o senor; finalmente paz e verdade amay.»'^

A conduta moral não é um factor decisivo para a ocorrência do tempo de salvação, no entanto, pode contribuir para a sua precipitação, assumindo uma função propedêutica.

A salvação é, na leitura de Samuel Usque, o clímax do processo histórico que o autor narra. É o fim do «cativeiro» que submeteu Israel durante centenas de anos. A libertação é entendida como um novo êxodo que assume proporções mais grandiosas que o êxodo do Egipto. Deus recolherá Israel de todas as nações por onde se encontrava dis­perso e reuni-lo-á em Jemsalém:

«eu trarei o meu pouo da terra orietal, e da terra do nacimeto do Sol, e tralos ey pera que morem no mesmo yerusalaim, e elles me serã pouo e eu lhe serey D. em verdade e justiça.»'^

Jemsalém será o epicentro da salvação, o local de regresso de Israel em diáspora. A salvação conduz à convergência de Israel, o que signi­fica exactamente o contrário da anterior situação dos Judeus. A diáspo­ra sucede a convergência. Os Judeus dispersos pelo mundo são liberta­dos do «cativeiro», o que se traduz num novo êxodo, mais tranqüilo, mas mais grandioso.

Esta salvação será definitiva e Israel assumirá, no entender de Usque, o seu lugar central na história. A definitividade desta salvação, tempo escatológico da história de Israel, reflectirá a intervenção teofâ-nica de Deus, maravilhoso espectáculo em que Deus demonstrará o seu incomensurável poder e a universalidade da sua interferência na história.

18 III,LXVIv.

19 III,LXVIv.

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Este tempo último resultará na completa redenção do homem:

«hum coração nouo e hum esprito nouo porey em vossas entranhas e tirarey de vossas carnes o coração de pedra, e em seu lugar coraçam de carne porey nellas, porque com este habito andeis e meus estatu­tos, guardeis meus juizos e os façaes.»^^

Da intervenção salvífica de Deus resultará, naturalmente, um homem novo. A completa redenção espiritual do homem, traduz a idéia messiânica, reflectida ao longo da obra de Samuel Usque. Ainda que não encontremos, de modo evidente, uma idéia corporizada e indivi­dualizada do Messias, está presente ao longo de toda a reflexão de Usque a esperança na salvação, a expectativa de uma nova ordem em que Israel ocupe um lugar central e Jemsalém assuma o estatuto de centralidade na história. Por conseguinte, a idéia messiânica presente em Samuel Usque mais do que insistir na emergência de um Messias salvador, o qual protagonizaria a libertação de Israel, valoriza a ocor­rência final de um tempo novo em que se assistirá à assunção de um homem espiritualmente renovado, o qual reconhecerá Deus, com quem estabelecerá uma aliança definitiva.

20 lüLXni-LXIII V.

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