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Constitucionalismo e método dialéticoebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Pdf/978-85-397-0165-0.pdf · Hesse, “o direito constitucional está em contradição com a própria essência

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Constitucionalismo e método dialético

Conselho Editorial da Série Filosofia

(Editor) Agemir BavarescoCláudio Gonçalves de Almeida

Draiton Gonzaga de SouzaEduardo Luft

Ernildo Jacob SteinFelipe Müller

Nythamar H. F. de Oliveira JuniorRicardo Timm de Souza

Roberto Hofmeister PichThadeu Weber

Urbano Zilles

ChancelerDom Dadeus Grings

ReitorJoaquim Clotet

Vice-ReitorEvilázio Teixeira

Conselho EditorialAna Maria Lisboa de MelloAugusto BuchweitzBeatriz Regina DorfmanBettina Steren dos SantosClarice Beatriz de C. SohngenCarlos Graeff TeixeiraElaine Turk FariaÉrico João HammesGilberto Keller de Andrade Helenita Rosa FrancoIr. Armando Luiz BortoliniJane Rita Caetano da SilveiraJorge Luis Nicolas Audy – Presidente Lauro Kopper FilhoLuciano KlöcknerNédio Antonio SeminottiNuncia Maria S. de Constantino

EDIPUCRSJerônimo Carlos Santos Braga – DiretorJorge Campos da Costa – Editor-Chefe

Shirlene Marques Velasco

Constitucionalismo e método dialético

Série Filosofia - 212

Porto Alegre 2012

© EDIPUCRS, 2012

CAPA Rodrigo Valls

Revisão de texto da autora

editoRAÇão eLetRÔNiCA Rodrigo Valls

V433c Velasco, Shirlene Marques Constitucionalismo e método dialético [recurso eletrônico] / Shirlene Marques Velasco. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2012. 105 p. – (Série Filosofia ; 212)

ISBN 978-85-397-0165-0 (on-line) Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader Modo de Acesso: <http://www.pucrs.br/edipucrs>

1. Constitucionalismo Contemporâneo. 2. Dialética. 3. Filosofia do Direito. I. Título. CDD 340.1

todos os diReitos ReseRvAdos. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos direitos Autorais).

APRESENTAÇÃO

O livro Constitucionalismo e Método Dialético apresenta uma novidade temática e metodológica em Filosofia do Direito Constitucional, porque, num verdadeiro tour de force, sabe conectar, ao mesmo tempo, o Constitucionalismo contemporâneo e o método dialético. A originalidade desta obra é explicitar na própria teoria constitucional o movimento dialético que a constitui em sua tensão formal e material. A autora teve o cuidado de mostrar o movimento interno da dialética, compreendida segundo G. W. F. Hegel, de modo didático, reconstruindo os momentos desse método e sua articulação com a Filosofia do Direito Constitucional.

Como superar o dualismo que coloca de um lado, a formalidade teórica e de outro, a materialidade dos Direitos Fundamentais? Qual a possibilidade de tornar eficaz a norma constitucional por meio de uma atuação efetiva da jurisdição constitucional? Qual é a importância de uma hermenêutica dialética para superar o formalismo jurídico e implementar a eficácia e efetividade dos Direito Fundamentais? Questões como estas são desenvolvidas com propriedade pela autora, propondo uma Filosofia do Direito de matriz dialética como possibilidade para avançar no âmbito do Estado Democrático de Direito.

Eis uma obra inovadora em matéria de Filosofia do Direito porque aborda com competência aspectos da teoria constitucional e o método dialético, articulando perspectivas que, na forma experimentada pela autora, não costumam ser encontradas nem na esfera da Filosofia, nem no domínio do Direito Constitucional, já que se cuida de campos nem sempre simpáticos um para com o outro. Estabelecer uma conexão dialético-constitucional como uma proposta de superação do formalismo jurídico, é uma leitura que abre novas perspectivas para a teoria e a prática no Estado Constitucional Brasileiro.

Agemir Bavaresco e Ingo Wolfgang Sarlet

SUMÁRIO

iNtRodUÇão.......................................................................... 09

1 diALetiCidAde HeGeLiANA.............................................. 14

1.1 DIALÉTICA-ESPECULATIVA............................................... 19

1.1.1 Momentos do lógico-real e organicidade constitucional hegeliana............................................................ 20

1.2 SÍNTESE DIALÉTICA NA CONSTITUIÇÃO...................... 23

1.2.1 Divisão da lógica hegeliana........................................... 26

1.2.2 Determinações da reflexão na lógica da essência...... 29

1.3 MOVIMENTO DIALÉTICO NEGADOR NACONSTITUIÇÃO....................................................................... 33

1.3.1 A Constituição enquanto reflexão exterior................... 35

1.3.2 A oposição da diferença exterior interiorizada............. 38

1.3.2.1 A oposição da diferença exterior interiorizada na Constituição.......................................................................... 40

2 A UNidAde CoNtRAditÓRiA NA CoNstitUiÇão e No estAdo CoNstitUCioNAL........................................ 43

2.1 ESTADO CONSTITUCIONAL E CONSTITUCIONALISMONA PERSPECTIVA DIALÉTICO-ESPECULATIVA: EFICÁCIADAS NORMAS CONSTITUCIONAIS....................................... 47

2.1.1 Alguns posicionamentos quanto aos graus de eficácia das normas constitucionais no âmbito do direito constitucional brasileiro............................................................. 50

2.2 A LIMITADA EFICÁCIA JURÍDICA DAS NORMASCONSTITUCIONAIS................................................................. 54

2.3 CRIAÇÃO DE CONDIÇÕES PARA A EFETIVAÇÃODOS DIREITOS........................................................................ 57

2.4 A UNIDADE CONTRADITÓRIA E A EFETIVAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS....................................... 63

2.4.1 Algumas considerações sobre a aplicação da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais..... 71

3 eFetividAde HeGeLiANA e As iMPLiCAÇÕes MetodoLÓGiCAs dos diReitos FUNdAMeNtAis NAPeRsPeCtivA dA JURisdiÇão CoNstitUCioNAL...... 78

3.1 A POSSIBILIDADE FORMAL IMEDIATA NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...................................................................... 80

3.1.1 A efetividade formal contém imediatamente a possibilidade............................................................................. 82

3.2 IMPLICAÇOES METODOLÓGICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA MEDIAÇÃO QUE OCORRE NA CONSTITUIÇÃO....................................................................... 83

3.2.1 Algumas notas sobre a caracterização de fundamentalidade em Alexy.................................................... 86

3.3 A CONTRADIÇÃO ABSOLUTA NA NECESSIDADE ABSOLUTA................................................................................ 89

3.3.1 A efetividade absoluta na Constituição........................ 90

CoNsideRAÇÕes FiNAis...................................................... 96

ReFeRÊNCiAs BiBLioGRÁFiCAs....................................... 101

INTRODUÇÃO

A trajetória em perspectiva evolutiva do Estado constitucional e, consequentemente, do Constitucionalismo sempre envolveu intensos debates teóricos e filosóficos acerca da dimensão formal e material (substantiva) dos conceitos de Constituição. A grande mutação ocorrida com o Constitucionalismo após a queda dos Estados absolutistas, no final do Estado liberal e início do Estado democrático, demonstra a problemática ainda atual acerca da eficácia normativa das normas constitucionais. Isso tem implicação direta no redimensionamento da Constituição após o advento da II Guerra Mundial, resultando em desdobramentos conceituais que têm o foco no Constitucionalismo.

A partir desses elementos preliminares, que demonstram uma atividade incessante que será analisada desde a formação do Estado constitucional, pergunta-se pela possibilidade de visualização deste fenômeno jurídico denominado de Constitucionalismo contemporâneo, sob a perspectiva da dialética-especulativa hegeliana, que trata dos momentos do movimento do real, com ênfase no momento da contradição, o qual se apresenta como célula matricial do movimento dialético hegeliano. Desta forma, busca-se compreender este fenômeno jurídico amplamente em sua realidade atual, evitando a abordagem unilateral do tema.

Portanto, o foco da presente obra se encontra, essencialmente, em visualizar o movimento dialético-especulativo no Constitucionalismo contemporâneo, de forma reflexiva e histórica. A partir da concepção de que a dialética hegeliana assume maiores proporções em relação aos seus antecessores, é possível buscar no Constitucionalismo contemporâneo este movimento. Depreende-se, assim, desta abrangência assumida pela dialética hegeliana, a sua atualidade. Então se pergunta pela possibilidade de uma releitura das questões atinentes ao direito constitucional suscitadas no decorrer do processo evolutivo do Constitucionalismo. É possível reler as questões mais prementes do direito constitucional sob a ótica da dialética-especulativa? Ou seja, é possível analisar o conceito de Constituição a partir do desenvolvimento do aspecto metodológico da dialética-especulativa?

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Assim, diante dos devidos esclarecimentos do que seja a dialética é possível ver que o movimento dialético, segundo a definição de Hegel, é contributivo para uma das questões prementes da teoria do direito constitucional moderno e de relevância na atualidade: a necessidade de formular uma concepção adequada da Constituição.

O Constitucionalismo contemporâneo é caracterizado pelo primado da Constituição devido a sua eficácia normativa, que busca imprimir ordem e conformação à realidade política e social, não sendo apenas determinada pela realidade social, mas também determinante em relação a ela. A dimensão dialética na Constituição engloba as duas dimensões da Constituição (normativa e sócio-política). A boa dialética se mostra inclusiva, nunca excludente. O Direito, enquanto função de uma sociedade dada, recebe e sanciona valores materiais que a sociedade lhe oferece. Contudo, tais valores, uma vez incorporados a um Direito positivo determinado, são submetidos a uma dinâmica própria das regras do Direito (desempenham na sua aplicação os valores estritamente jurídicos), cuja autonomia (que nada tem a ver com o famoso “formalismo”) não é posta em dúvida, pelo menos por alguém minimamente informado. Portanto, não se trata de excluir a dimensão política entendida aqui como realidade política, como também não se trata de excluir as valorações extras jurídicas (econômicas, sociais, políticas etc.), as outras dimensões da realidade, mas de definir âmbitos de atuação. Neste sentido, a Constituição não é vista de forma unilateral, sendo, portanto, não só instrumento de governo, enunciador de competências e regulador de processos, mas, também, enuncia diretrizes, fins e programas a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Isto ainda sob o contexto de um Constitucionalismo do tipo dirigente (ainda que reconstruído e relido), em que se busca uma vinculação especialmente do legislador e do administrador aos direitos fundamentais sociais (denominação que abrangem os direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais) e aos deveres de proteção e promoção de tais direitos em um Estado Constitucional, na sua formatação de um Estado Democrático de Direito; também é possível observar a relação existente entre as dimensões da Constituição em seu aspecto formal-material que implica em um movimento dialético.

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As relações entre as dimensões da Constituição, se analisadas sob o prisma da dialética-especulativa, suscitam questionamentos no âmbito do direito constitucional. O direito constitucional, que é uma ciência normativa em que as normas constitucionais se encontram em uma tensão dialética-especulativa permanente com a mutabilidade fática, estaria apenas cumprindo a função de justificar as relações de poder dominantes, geradas pelos fatos criados pela Realpolitik? Nas palavras de Rudolf Sohm, citadas por Korand Hesse, “o direito constitucional está em contradição com a própria essência da Constituição”. Isto analisado à luz do movimento lógico na essência é a contradição como movimento da negação na Constituição.

A contradição, que na Ciência da Lógica é o cerne estrutural de seu conteúdo, nas palavras de Hegel, é o que move o mundo, e na Constituição ela será analisada enquanto movimento dialético negador na lógica da essência. A escolha por esta opção de análise se justifica pelo fato de que, na Doutrina da essência, a contradição se torna um movimento de negação interior, sendo que o negativo, enquanto relação ou mediação ao outro na essência pela reflexão, engendra uma tensão relacional que corresponde à relação que existe entre as dimensões normativa e sócio-política da Constituição. Desta forma, percorrem-se os principais momentos da reflexão na essência, apresentando seu correspondente na Constituição. A intenção desta análise é procurar compreender o fenômeno jurídico do Constitucionalismo contemporâneo de modo relacional, isto é, enfatizar a relação existente entre as dimensões da Constituição que o caracterizam.

O primeiro capítulo vai tratar dos variados aspectos da dialética hegeliana e apresentar esse movimento ainda de forma generalizada no Constitucionalismo. De início, procura-se fazer breve distinção entre a dialética hegeliana e a de alguns de seus antecessores e enfatizar o alcance adquirido por esta. Busca-se ainda, antes de desenvolver o tema proposto, justificar o porquê da não-escolha da abordagem do tema da dialética na Constituição orgânica de Hegel.

Assim, procura-se definir a dialética-especulativa, apresentar suas características principais e definir seu núcleo matricial. Porém, ao mesmo tempo, tem-se a preocupação em destacar o aspecto metodológico do dialético

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nos momentos do lógico-real, que se encontram na organicidade constitucional hegeliana. Em seguida, ao tratar do elemento negativo na essência, é possível verificar a síntese dialética na Constituição, em que o conceito de Constituição pode ser visto de forma abrangente, sendo a Constituição a ordem jurídica fundamental da comunidade, não só do Estado. Para aprofundar as diretrizes apresentadas por este conceito de Constituição, busca-se desenvolver a partir da divisão da lógica, como apresentada por Hegel, as determinações na reflexão da lógica da essência, com destaque para o elemento reflexivo negador que aparece como célula matricial do movimento dialético-especulativo, sendo, então, necessária a abordagem da contradição. A partir destas considerações, a Constituição será analisada enquanto reflexão exterior e oposição da diferença exterior interiorizada.

O segundo capítulo dá continuidade ao desenvolvimento do tema da contradição. Neste momento, é possível articular de forma mais direta o movimento dialético-especulativo com as especificidades constitucionais. Com a abordagem da reflexão autônoma, a qual é uma relação não exterior entre opostos refletidos em si que são desiguais e que mantém a tensão dialética, sempre atuando na força do conceito e da realidade, tem-se para a Constituição o que corresponde à tensão que deve existir e permanecer na relação entre a “Constituição jurídica” com “a natureza singular do presente”.

Em um segundo momento, a reflexão autônoma suprassume-se em cada termo diferente em si de cada lado, o positivo e o negativo. Trata-se do que é denominado de o negativamente-racional ou o momento da resolução da contradição, em que a Constituição se transforma em força ativa. O momento seguinte, denominado de positivamente-racional ou a unidade do fundamento, é correspondente a uma nova configuração constitucional.

Por fim, com a unidade contraditória, que é a contradição no fundamento, tem-se o momento que equivale à problemática da eficácia (sistema jurídico) e da efetividade (eficácia social) das normas constitucionais. Neste estágio da pesquisa, é possível apresentar e desenvolver algumas das questões mais prementes do direito constitucional.

O terceiro capítulo, conclui o desenvolvimento do tema proposto com a efetividade hegeliana e as implicações metodológicas dos direitos fundamentais

Constitucionalismo e método dialético 13

na perspectiva da jurisdição constitucional. Na sequência, a apresentação de um caso emblemático que destaca a existência de uma conexão entre a proibição de retrocesso e o ‘avanço’ do Poder Judiciário, e, em continuidade ao movimento lógico dialético-especulativo, que no capítulo anterior tratou do momento da unidade contraditória na Constituição e no Estado constitucional, faz-se necessário abordar a Jurisdição constitucional como forma de implementação dos direitos fundamentais e dar prosseguimento ao movimento da contradição que leva à efetividade.

Para tratar do movimento efetivo na Constituição, considerando a importância fundamental da contradição na dialeticidade da efetividade, a efetividade será analisada enquanto (1) contradição formal, (2) contradição real e (3) contradição absoluta. Portanto, primeiro, busca-se desenvolver a possibilidade formal imediata nos direitos fundamentais, em que a efetividade formal contém imediatamente a possibilidade. Depois, no momento da efetividade real, é possível observar as implicações metodológicas dos direitos fundamentais na mediação que ocorre na Constituição. Por último, com a contradição absoluta na necessidade absoluta, é possível tratar da efetividade absoluta na Constituição.

A efetividade absoluta (hegeliana) na Constituição é o momento em que todas as condições estão reunidas e a Constituição se efetiva através das ações constitucionais, em que a constitucionalização do direito se dá por via da Jurisdição constitucional e abrange a aplicação direta da Constituição para determinadas questões, evidenciando, assim, sua força normativa.

1 DIALETICIDADE HEGELIANA

Este capítulo tem por objetivo esclarecer, sucintamente, o que é a dialética-especulativa para Hegel. De início, pode-se adiantar que a dialeticidade perpassa todo o sistema hegeliano e que, pelo fato de ser a contradição a propulsora do movimento dialético, será sob esta perspectiva que se desenvolverá o tema da dialeticidade hegeliana.

Podemos, a título de introdução, fazer uma breve distinção entre a dialética hegeliana e a de alguns de seus antecessores. A dialética como método de diálogo foi usada pela primeira vez por Sócrates-Platão. Porém, em relação a este aspecto, a dialética como método de discussão é tão antiga quanto a própria filosofia.

Para Sócrates-Platão, só se chega à verdade una e única através do embate de opiniões diversas e adversas. Contudo, o objetivo do embate de opiniões é se chegar ao uno único, que não está em oposição a um outro, porque ele é o todo, a ideia das ideias ou o bem.1

Mas, no que se refere mais ao Platão do que a Sócrates, nos chamados “diálogos posteriores” de Platão, “a forma dialogal tende a tornar-se relativamente pouco importante e a dialética perde o seu vínculo com a conversação (exceto na medida em que pensar é tido como um diálogo da pessoa consigo própria)”.2

Já em Aristóteles, o método dialético torna-se o método aporético: “a solução do problema resulta de uma discussão (e, às vezes, de uma simples justaposição) de todas as opiniões possíveis, isto é, coerentes ou não contraditórias consigo mesmas”.3 As discussões aporéticas de Aristóteles tiveram continuidade com os aristotélicos escolásticos e, assim, o método dialético conservou-se até nossos dias tanto nas ciências quanto na filosofia.

Na linha de diálogos, pode-se ainda citar Descartes que passou a dialogar e discutir consigo mesmo. A dialética tornou-se meditação. “Sob a forma de meditação cartesiana é que o método dialético foi utilizado pelos autores dos

1 Cf. KOJÉVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2002, p. 430.2 INWOOD, Michael. Dicionário Hegel. RJ: Jorge Zahar Ed., 1997, p. 99.3 Id. Ibid., p. 432.

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grandes sistemas filosóficos dos séculos XVII e XVIII: de Descartes a Kant-Fichte-Schelling”.4

Hegel considera que Platão e Kant trataram de maneira grandiosa a dialética, vindo a mostrar as insuficiências abstratas do entendimento e o seu converter-se em um outro. Contudo, é com Hegel que a dialética assume maiores proporções, tanto em relação a sua presença que se encontra também em qualquer outra consciência além da filosófica, e aqui se refere a Platão, como também, a dialética, para Hegel, encontra-se na experiência universal, e aqui parece tratar da amplitude que esta assume em relação à dialética apresentada por Kant.

Tudo o que nos rodeia pode ser considerado como um exemplo do dialético. Sabemos que todo finito, em lugar de ser algo firme e último, é antes variável e passageiro; e não é por outra coisa senão pela dialética do finito que ele, enquanto é em si o Outro de si mesmo, é levado também para além do que ele é imediatamente, e converte-se em seu oposto.5

A dialética para Hegel se mostra, assim, de forma imanente em todas as coisas e neste aspecto se distingue de seus antecessores. O “Outro de si mesmo” faz menção ao negativo que remete a contradição imanente a tudo que existe. Neste aspecto, distingue-se da aporética aristotélica, que não admite a contradição para se chegar à solução de um problema.

Além do mais, a dialética se faz vigente em todas as esferas e formações do mundo natural e do mundo espiritual [...]. No que toca à presença da dialética no mundo do espírito, e mais precisamente no âmbito do jurídico e do ético, basta recordar aqui como, em virtude da experiência universal, o extremo de um estado ou de um agir costuma converter-se em seu contrário; [uma]

4 Id. Ibid..5 HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio. Vol. I. § 81 Adendo.

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dialética que com frequência encontra seu reconhecimento nos adágios. Diz-se, assim, por exemplo: summum jus, summa injuria; pelo que se exprime que o direito abstrato, levado a seu extremo, se converte em agravo.6

Nesta perspectiva, a dialética assume dimensões que até então não havia atingido. Mas, no que se refere a essa passagem, em específico sobre o direito abstrato, Hegel a desenvolve em sua Filosofia do Direito. Importa aqui destacar que a atualidade da dialética hegeliana é preservada pela abrangência assumida. Desta forma, usando de algumas apropriações contemporâneas para o conceito de dialeticidade em Hegel, é possível pensar o mundo sob esta perspectiva. Trata-se de lançar um olhar – dialético-especulativo – sobre as instituições sociais, em específico, sobre o direito e o Estado.7

Mas, para tanto, é preciso tratar mais detidamente da dialética hegeliana, pois é sob esta perspectiva que se procura olhar o Constitucionalismo do novo milênio. Isto é, a partir da abordagem desta intuição originária de Hegel, que “explica todo movimento e toda a mudança tanto no mundo quanto em nosso pensamento sobre ele”8, e assim pensar o fenômeno do Constitucionalismo contemporâneo.

Contudo, para iniciar esta trajetória, faz-se necessário esclarecer o conceito de Estado em Hegel, mesmo que de forma sucinta, e justificar o porquê da não-escolha da abordagem do tema da dialética na Constituição orgânica de Hegel, já que este a desenvolve em sua Filosofia do Direito.

O Estado hegeliano é fruto da realização das instâncias da família e da sociedade civil-burguesa, em que “os indivíduos elevados à condição de cidadãos, nele se realizam”.9 Destaca-se, assim, que o Estado hegeliano devido a esta sua formação nada tem a ver com um Estado autoritário/totalitário, que invade os domínios da família e da sociedade civil-burguesa. Neste sentido, fica claro que não cabe opor a liberdade individual à instância estatal, sendo

6 Id. Ibid., § 81 Adendo. 7 Faço, aqui, uma paráfrase da citação de Otfried Höffe sobre o característico olhar de filósofos, olhar de caráter moral, sobre as instituições sociais, em particular sobre o direito e o Estado.8 INWOOD, op. cit., p. 101.9 ROSENFIELD, Denis. In: Apresentação, HEGEL, G. W. F. Filosofia do Direito, Trad. Paulo Meneses et alii. São Paulo: UNISINOS, UNICAP, LOYOLA, 2010, p. 16.

Constitucionalismo e método dialético 17

que, para Hegel, a liberdade está presente nos vários momentos da formação do Estado, vindo a se realizar plenamente neste.10

Outro destaque, digno de nota, é a necessidade que o Estado hegeliano tem de uma Constituição. Segundo Hegel, a Constituição tem a função de regrar as relações internas do Estado consigo mesmo e desse com a sociedade. Ela possui caráter liberal no sentido de limitar o arbítrio do príncipe, “forçando-o a fazer da Prússia um Estado representativo moderno”.11 Faz-se, ainda, notar que Hegel “procurava fazer com que a Prússia – e a Alemanha – fosse um verdadeiro Estado Constitucional”.12 Contudo, salienta-se que “não há Poder Judiciário segundo a concepção hegeliana”13, por se situar, enquanto Tribunais, na própria sociedade civil-burguesa, tendo como função regular juridicamente os conflitos que nascem dos processos sociais.

Por isso, ao observar que o Estado Constitucional do século XVIII e XIX, no que se refere à limitação do poder dos governantes, operava com grande eficácia jurídica, pergunta-se: Como ter um Estado Constitucional que, entre seus objetivos maiores, busque a limitação dos poderes dos governantes sem a existência de um Poder Judiciário?

Sendo hoje com outra significação, mas com maior gravidade a necessidade de limitação jurídica para o exercício do poder político14 do que ocorria no século XVIII, intensifica-se a atuação do Poder Judiciário no que se refere ao controle da constitucionalidade. A partir da compreensão e afirmação de que a Constituição é a Lei Maior do ordenamento jurídico, qualificada de normatividade e eficácia jurídica, e que somente foi construída através da Jurisdição constitucional, ou seja, através da dicção do direito constitucional na solução dos conflitos sociais existentes, mediante a aplicação de sua exata concepção de normas e princípios, sejam eles implícitos ou expressos. Cabe ao Judiciário, no desempenho de sua função de aplicar o Direito (Jurisdição), afirmar a supremacia da Constituição, negando a aplicação de lei ou ato normativo inconstitucional. 10 ROSENFIELD, op. cit., p. 17.11 Id. ibid.12 Id. ibid. p. 18.13 Id. ibid.14 Neste sentido, destacam-se duas espécies de arbitrariedades do governo hoje prementes, segun-do Dallari: “aquelas que visam beneficiar os indivíduos que exercem ostensivamente as funções de governo e existem outras que são praticadas para atender aos interesses de grupos econômicos po-derosos” (DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e constituinte. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 62).

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Essas implicações, portanto, parecem dificultar o desenvolvimento do tema do Constitucionalismo contemporâneo em relação ao Estado hegeliano. Sendo melhor evitar. E, ainda, como reitera Bobbio:

Falando de modo não valorativo de usar o termo Constituição, refiro-me à diferença entre o uso hegeliano e o uso predominante após as grandes Constituições, segundo o qual mais precisamente tem uma Constituição – isto é, é um Estado constitucional, um Estado não absoluto – um Estado em que: a) estão garantidos alguns direitos fundamentais de liberdade; b) os três poderes do Estado não estão mais concentrados numa só pessoa ou num só órgão público, mas estão diversamente distribuídos e separados. Mais uma vez, para Hegel cada formação política tem uma Constituição, e não somente o Estado chamado constitucional.15

Mesmo que tal posicionamento de Hegel seja devido a certas circunstâncias históricas de seu tempo, como, por exemplo, quanto a sua posição não favorável ao conceito de democracia, pois esta correspondia à democracia direta, que possuía o significado do “terror jacobino”, da falta de mediação dos cidadãos com aqueles que decidem no nível do Estado16, mesmo assim, consideramos melhor evitar tratar do Constitucionalismo em um Estado Constitucional sem o poder judiciário. Assim, do constitucionalismo monárquico, que se encontra em Hegel, fazemos, portanto, a opção pelo constitucionalismo republicano.

Nota-se, neste sentido, a limitação da teoria do Estado em Hegel para a compreensão da problemática atual do Constitucionalismo contemporâneo. Porém, conserva-se o interesse pelo aspecto metodológico hegeliano no que se refere à Constituição, como veremos, a seguir, com os momentos do lógico-real e da organicidade constitucional hegeliana.

15 BOBBIO, Norberto. Estudos sobre Hegel: Direito, Sociedade Civil, Estado. São Paulo: Brasilien-se, 1991, p.97-98.16 Cf. ROSENFIELD, op. cit, p. 18.

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1.1 DIALÉTICA-ESPECULATIVA

De início, sobre a dialeticidade hegeliana, faz-se necessário destacar e deixar em evidência que o negativo ou negador é chamado de dialético em sentido estrito. Mas, este dialético em sentido estrito é um dos aspectos do lógico, isto é, o lógico só é dialético em sentido amplo na simultaneidade de seus três aspectos: “o aspecto abstrato revelado pelo entendimento (Verstand), o aspecto negativo propriamente dialético e o aspecto positivo”, sendo os dois últimos revelados pela razão (Vernunft).17

No volume I da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, que trata da Ciência da Lógica, Hegel apresenta os momentos de todo o lógico-real. Apresenta o lógico, segundo a forma, em três aspectos e salienta que tais aspectos não constituem partes, porém, momentos de todo o lógico-real. Pelo fato de tal apresentação ter uma noção mais precisa dos referidos momentos, pode-se, como forma de estratégia heurística, perguntar sobre o que seriam estes ‘momentos de todo o lógico-real’ antes mesmo de apresentá-los.

O lógico (das Logische), do qual Hegel se refere, nada tem a ver com “o pensamento lógico considerado em si mesmo”, mas, sim, com “o Ser (Sein) revelado (corretamente) no e pelo pensamento ou discurso (Logos)”.18 Por isso, não se refere apenas às regras do pensamento e às abstrações relativas aos conteúdos diversos, porém, o lógico se apresenta como a forma absoluta da verdade19, que sem prescindir das abstrações, que correspondem às simples formas do pensar, penetra no que tem sido pensado.

O verdadeiro (das Wahre) é uma entidade real. O real se apresenta no conceito, isto é, “realidade compreendida conceitualmente”.

17 KOJÉVE, 2002, p. 421.18 Id. ibid., p. 421. 19 A forma absoluta da verdade, aqui, não se refere a um dogmatismo sem precedentes, já que “nenhuma entidade finita está em total concordância com seu conceito [...] nada pode ser estri-tamente verdadeiro exceto o todo, aquilo que não tem complicações externas e está, portanto, em total acordo com o seu conceito. Na Lógica, é pela Ideia absoluta, na qual o conceito está em total concordância com a realidade” (INWOOD, Michael. Dicionário Hegel. RJ: Jorge Zahar Ed., 1997, p. 318). O lógico-real é, desta forma, “o conceito ou o verdadeiro, isto é, o Ser revelado pelo discurso ou pelo pensamento” (KOJÉVE, Alexandre. op. cit., 2002, p. 421).

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O verdadeiro e o conceito são, como diz o próprio Hegel, um Logisch-Reelles, algo de lógico e real ao mesmo tempo, um conceito realizado ou uma realidade concebida. Ora, o pensamento lógico que se supõe verdadeiro, o conceito que se supõe adequado apenas revelam ou descrevem o Ser tal como ele é ou tal como ele existe.20

Portanto, é inadequado dizer que a Lógica faz abstração de qualquer conteúdo, que ensina apenas as regras do pensamento, sem penetrar no que tem sido pensado, e sem poder considerar a sua natureza.21 Por isso, cabe ressaltar que, em relação à lógica especulativa, a lógica formal representa apenas um momento desta, a saber, é o momento em que ocorre a abstração. Isto se deve ao dialético e racional como se pode observar nos momentos do lógico-real.

1.1.1 Momentos do lógico-real e organicidade constitucional hegeliana

Para conceber a relação existente entre os momentos do lógico-real com a organicidade constitucional hegeliana, parte-se do elemento comum que se encontra presente em ambos, isto é, a Unidade como forma positiva do resultado obtido da passagem a uma outra coisa e que é precedida de um elemento negador. Assim, é possível observar que o movimento presente nos momentos do lógico-real também se encontra na organicidade constitucional hegeliana. Contudo, para apresentar esta relação é necessário demonstrar em cada momento do lógico-real um momento da organização constitucional do Estado e, assim, observar o movimento dialético em ambos.

Os três lados do lógico ou “momentos de todo [e qualquer] lógico-real, isto é, de todo conceito ou de todo verdadeiro em geral”22, no que se refere à Unidade, podem manter-se separados se juntamente se encontrarem sob o primeiro momento, o intelectual (do entendimento); porém, assim mantidos isolados, um fora do outro, não se encontram em sua verdade. Mas, 20 KOJÉVE, 2002, p. 421.21 HEGEL, G. W. F. Ciencia de la Lógica. Tradução Augusta e Rodolfo Mondolfo. 3. ed. Argentina: Solar/Hachette, 1974, p. 24. 22 HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio. Vol. I. § 79.

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no que se refere à organização constitucional do Estado em Hegel, tem-se “dois momentos, a partir da articulação dos interesses privados (organização sócio-jurídica) e dos interesses públicos (organização ético-política)”.23

O primeiro momento, o da organização sócio-jurídica constitucional, corresponde ao momento da Constituição, dita Constituição jurídica. Esta serve para garantir a segurança das pessoas e da propriedade. Este primeiro momento está em consonância com o primeiro momento do lógico-real, no sentido deste se referir a uma teoria da Constituição, que é fundamento da unidade estatal24, e que não pode manter-se separado do segundo momento, o da organização ético-política; e isso se dá pelo fato do primeiro momento resultar das relações das instituições da família e da sociedade civil-burguesa, que correspondem às raízes éticas do Estado. Tem-se, aqui, a concepção de organismo político, vinculado à perspectiva constitucional da eticidade.

O segundo momento do lógico-real é o momento dialético ou negativamente-racional. Na Enciclopédia, no § 81, diz-se que o momento dialético é o próprio suprassumir-se das determinações finitas do entendimento, isto é, o ultrapassar imanente destas determinações finitas para as opostas. A dialética por considerar as coisas em si e para si descobre a finitude das determinações unilaterais do entendimento e, como já foi dito (§ 81 Adendo), é pela dialética que se vai além do que se é imediatamente e se converte em seu oposto.

A forma exterior, abstrata, carece de superação da relação estabelecida pelo pensamento finito, isto é, do pensamento do entendimento, que corresponde, como visto anteriormente, ao aspecto formal da Constituição. Aquele que se apresenta de forma unilateral, destituído dos elementos éticos segundo Hegel, e que se constitui apenas no conjunto de leis formais, somente enquanto um documento escrito, é este que pela dialética é suprassumido e convertido em seu oposto.

Com a dialética, descobre-se a finitude das determinações unilaterais do entendimento e isto, em relação à Constituição formal, mostra que o intelecto abstrato deixa de fora vários aspectos da vida e dos problemas constitucionais enfrentados a todo o momento na realidade de uma sociedade.

23 BAVARESCO, Agemir; et. al. Metamorfoses do Estado constitucional e a teoria hegeliana da Constituição. Obtido: http;//www.robertexto.com/archivo2/metamorfose_do.htm24 BOBBIO, 1991, p. 110.

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Querer dar a priori a um povo uma constituição, ainda que mais ou menos racional quanto a seu conteúdo, – essa fantasia negligenciaria precisamente o momento pelo qual ela é mais do que um ente de pensamento. É por causa disso que cada povo possui a constituição que lhe é adequada e que lhe compete.25

Neste momento, o aspecto formal da Constituição que é destituído de determinação, o não-ser no sentido de nada, de vazio, é pensado como sendo a constituição em si e aparece como uma negação da finitude do conceito formal. No terceiro momento, “o especulativo ou positivamente-racional apreende a unidade das determinações em sua oposição: o afirmativo que está contido em sua resolução e em sua passagem [a outra coisa]”.26

No que se refere à Constituição, trata-se do que resultou do confronto da autoafirmação da Constituição formal com as autoafirmações da Constituição material. Trata-se da Constituição formal-material, em que se compreende a Constituição de forma racionalmente positiva. A dialética apresenta um resultado positivo, pois seu resultado não é um nada vazio, abstrato, “mas a negação de certas determinações que são contidas no resultado”.27

Isso implica na condição em que se encontra a dialética diante do abstrato, sendo que esta abstração não é senão a realidade morta e esvaziada de sua própria substância. Para que isso não aconteça, o real deve aparecer sob um aspecto no qual se negue a si mesmo e este aspecto é o dialético.28 Seu resultado é positivo, porque possui a negação de certas determinações contidas no resultado, não sendo, portanto, um nada imediato.

O terceiro momento, tornado claro pela autoposição da razão positiva, totalidade do ser refletindo-se sem resto, especulativamente, nesta sua posição e por ela mesma, constitui o momento especulativo em que se completa a dialética-especulativa hegeliana.29

25 HEGEL, G. W. F. Filosofia do Direito, 2010, § 274. 26 HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio. Vol. I. § 82.27 Id. Ibid.28 MORA. J. Ferrater. Dicionário de Filosofia – tomo I (A-D) – São Paulo: Editora Ariel AS, 1994. 29 Dialética e absoluto em Hegel. Obtido: http://www.robertexto.com/archivo/dialetica_hegel.htm

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Tem-se a efetivação plena do método dialético quando este alcança o momento especulativo ou o positivamente-racional. Aí são apreendidos os momentos do entendimento e do dialético em uma unidade relacional.

1.2 SÍNTESE DIALÉTICA NA CONSTITUIÇÃO

No segundo livro da Ciência da Lógica, ‘A Doutrina da essência’, Hegel apresenta a síntese dialética como sendo a única que expressa a verdade. A síntese dialética se dá por meio da reflexão impulsionada pela razão especulativa. A essência que se origina do ser, em primeiro lugar, é o não-essencial; em segundo lugar, é algo mais que simplesmente não-essencial, é aparência. Em terceiro lugar, essa aparência não é algo extrínseco, ou diferente da essência, mas é sua própria aparência. Este aparecer da essência em si mesma é a reflexão.30

Mas, segundo Hegel, a aparência, no fenômeno do ceticismo e no idealismo kantiano, está determinada de forma múltipla e, por conseguinte, carece de uma base constituída pelo ser, pela coisa ou pela coisa em si. Até pode ter um outro conteúdo, porém, qualquer conteúdo que tenha não está posto por ela mesma.31 Não ocorre, portanto, nenhuma transformação em si, mas, apenas, o mesmo é transferido do ser à aparência. Esta aparência não considera o momento dialético no que consiste a imediação do não-ser, sendo o não-ser a negatividade da essência em si mesma, isto é, a aparência que é reflexão.

O negativo dialético pressupõe a síntese dialética; neste aspecto, o elemento negador desempenha um papel preponderante no que se refere ao desenvolvimento da unificação, que se caracteriza na concepção verdadeira que se dá em um conceito mais alto e mais complexo. A essência pelo negativo é o ser mediatizado; a essência é, portanto, o conceito enquanto conceito posto.32

O absoluto é a essência. Essa definição é a mesma que a definição de que o absoluto é o ser, enquanto o ser é igualmente a relação simples a si

30 HEGEL, 1974, p. 173.31 Id. ibid, p. 173-174.32 HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio. Vol. I. § 112.

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mesmo; mas é ao mesmo tempo mais elevada, porque a essência é o ser que foi para dentro de si [...]. Mas porque a negatividade não é exterior ao ser, e sim sua própria dialética, então é sua verdade: a essência, enquanto é o ser que foi para-dentro-de-si, ou essente dentro-de-si. Aquela reflexão, seu aparecer dentro de si mesmo, constitui sua diferença em relação ao ser imediato, e é a determinação própria da essência.33

A reflexão é o movimento próprio da lógica da essência. A reflexão do ser na essência permite o absoluto tornar-se um movimento de relação. A essência é esse movimento de reflexão em relação, que fluidifica toda a realidade e todos os conceitos. Então, a síntese dialética da essência é a relação. Da mesma forma, pode-se dizer, grosso modo, a síntese dialética no que se refere à Constituição; trata-se da ampliação do campo constitucional para abranger toda a sociedade se referindo, assim, a uma compreensão que procura abarcar as várias dimensões da Constituição que se encontram dentro dela própria, não sendo exterior e não sendo, portanto, unilateral. Esta preocupação que, ao longo dos tempos, resultou na criação de várias teorias da Constituição, em que muitas delas avançaram até os dias de hoje, sendo usadas, largamente, pelos constitucionalistas, sempre esteve em busca do real significado para a Constituição.

Neste sentido, é interessante destacar, em Maurizio Fioravanti, o fato de que as Constituições do século XX são políticas e não apenas estatais como as que se apresentam no século XIX34. Possuem, portanto, conteúdo político já 33 HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio. Vol. I. § 112.34 Cf. FIORAVANTI, Maurizio. Constituizione. Bologna: Mulino, 1999, p. 137: “Le costituzione del XIX secolo non volevano essere democratiche e popolari, ma neppure monarchiche nel senso del modello costituzionale prussiano: volevano essere semplicemente Costituzione statali”: Contudo, Fioravanti destaca o sentido de Constituição estatal em Hegel: A ideia de constituição estatal encontra-se em Hegel, nos primeiros escritos políticos, dedicado A Constituição da Alemanha, in: HEGEL, G. W. F. Escritos Políticos. A Constituição da Alemanha. Atas da Assembleia dos Estados do Reino de Würtemberg em 1815 e 1816. A propósito da Reformbill inglesa (trad. Pierre Quillet e Michel Jocob. Paris, Champ Libre, 1977). Aqui, Hegel critica a Alemanha, porque há uma opinião errada do que seja uma Constituição. Eles pensavam que uma Constituição era o resultado de contratos ou de jurisprudências dos tribunais, ou um instrumento de defesa dos próprios privilégios e direitos individuais. O que falta para Alemanha, diz o autor, é uma autoridade que represente o Estado para dar legitimidade militar e tributária. O que havia era uma Constituição jurídica, que estabelecia os procedimentos dos tribunais, mas não uma Constituição estatal para expressar a

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que englobam os princípios de legitimação do poder e, principalmente, sendo ainda digno de nota, o desenvolvimento dos direitos sociais no séc. XX e hoje em grande expansão. Um autêntico Estado (Constitucional) Democrático de Direito tem a preocupação com os direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais relacionados à igualdade, à dignidade da pessoa humana e à cidadania. A evidência de “o quanto, em certo sentido, todos os direitos fundamentais são sempre também direitos sociais”35, desperta para o sentido de unidade inclusiva da dialética entre as dimensões sócio-política e de normatividade. Para desenvolver este tema, pode-se ainda recorrer ao recurso representativo de um caso emblemático instigante, como ao que se refere sobre o necessário reconhecimento de uma proteção contra o retrocesso em matéria de direitos sociais.36 Isto, porém, será desenvolvido mais adiante, com a intenção de apresentar uma forma representativa de busca da unidade inclusiva das dimensões normativa e sócio-política, sem a pretensão de esgotar o tema, evidentemente.existência de um Estado com um princípio político unitário (cf. Fioravanti, 1999, p. 132). Na França há um Estado, constata Hegel, pois há uma administração, um sistema financeiro e tributário, um exército, enquanto não existem essas estruturas no seu próprio país. Aqui, o que existe é uma Constituição feudal, incapaz de enfrentar os novos tempos. Na França há um Estado, porém falta uma Constituição, ao contrário, na Alemanha há uma Constituição, mas falta um Estado, ou seja, uma burocracia de funcionários, uma administração financeira, um exército. A Alemanha tem que superar a sua Constituição feudal, presa ao direito privado, ao invés de proceder de um direito pú-blico estatal, fundamento da Constituição estatal (cf. p. 133). Depois, Hegel, na sua obra clássica de 1821, Filosofia do Direito (Trad. Paulo Meneses et alii. São Paulo: UNICAP/UNISINOS/LOYLA, 2010), elabora o conceito de Constituição estatal de forma explícita. Essa opõe-se ao reducio-nismo privatista contratual, tanto feudal como moderno, pois isto acaba destruindo o princípio de unidade política, uma vez que entende a Constituição como um mero resultado de um contrato feito entre indivíduos e a qualquer momento revogável. A Constituição estatal valoriza o conceito do silogismo do poder, ou seja, a universalidade, a particularidade e a singularidade dos poderes: legislativo, governo e monarca. “Enfim, o que deveria produzir-se e afirmar-se na constituição estatal era a soberania do Estado” (cf. Fioravanti, 1999, p. 134). Nesse sentido, a Constituição não é algo já pronto, como resultado de um indivíduo particular, mas a expressão do espírito do povo, como núcleo estável de sua convivência cidadã (id., p. 134-5). Hegel faz um diagnóstico da situação política de seu país, analisa a realidade política e apreende conceitualmente o sentido do político, sob o ponto de vista da necessidade da Constituição estatal, como condição de esta-bilidade, em particular, da Alemanha e de um Estado em geral. A Constituição é uma necessidade de um Estado soberano, capaz de dar primazia aos interesses públicos sobre os interesses parti-culares, sem que isto signifique a simétrica dialética entre público-privado, a garantia dos direitos da pessoa-sociedade, a autonomia do sujeito-poderes e o reconhecimento do cidadão-Estado. 35 “[...] visto sempre terem uma dimensão comunitária, mas em especial por serem todos, em maior ou menor medida, dependentes de concretização também por meio de prestações estatais”. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais entre proibição de retrocesso e “avanço” do poder judiciário? Contributo para uma discussão, nota (32), p. 388, Estado Constitucional e organização do poder, (Org.) André Ramos Tavares et al., São Paulo: Saraiva: 2010. 36 Id. ibid., p. 395.

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Nas palavras de Konrad Hesse, com o fito de reforçar esta concepção, encontramos que a Constituição também é a “ordem jurídica fundamental da comunidade”37, não só do Estado. Assim, é Constituição do Estado e da sociedade. É sob este conceito de Constituição, desenvolvido por K. Hesse, que se procurar apresentar a dialeticidade hegeliana. Neste diapasão, ocorrem implicações que envolvem concepções mais elaboradas do conceito de Constituição, que não se limita mais a uma concepção abstrata de sua normatividade, mas isto será desenvolvido no segundo capítulo. Aqui cabe ressaltar que o significado de Constituição “não se esgota na regulação de procedimentos de decisão e de governo, nem tem por finalidade criar uma integração alheia a qualquer conflito e nenhuma de suas funções pode ser entendida isoladamente ou absolutizada”.38 Portanto, é importante frisar que a Constituição só pode ser plenamente compreendida em sua totalidade.

No que se refere à dialética hegeliana, é importante ressaltar que não se trata de um método a ser aplicado de modo externo para interpretar a Constituição de uma sociedade. Porém, trata-se de compreender tal Constituição observando seu movimento interno que é composto pelos momentos da lógica dialético-especulativa, que é denominado de dialética do real. Diferenciando-se, assim, “de um método dialético de busca da verdade ou de sua demonstração que não afeta em nada o real revelado por essa verdade”.39

Na divisão da lógica, essa ideia de síntese dialética se apresenta de forma mais desenvolvida, possibilita acompanhar o movimento da síntese e, assim, facilita a visualização deste na Constituição de uma sociedade.

1.2.1 Divisão da lógica hegeliana

As referências anteriores nos remetem a uma divisão triádica da lógica hegeliana, como apresenta o § 83 da Enciclopédia e, também, a Introdução à Ciência da Lógica, na seção “Divisão geral da lógica”. Ser-Essência-Conceito: Ser – momento imediato; Essência – momento mediatizado; Conceito – superação dos momentos anteriores e conservação destes em sua unidade superior.37 Cf. HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. (Tradução de Gilmar Ferreira Mendes). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 22. 38 Cf. HESSE, 1991, p. 22. 39 KOJÉVE, 2002, p. 433.

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Contudo, tal divisão não trata apenas de uma tricotomia exposta de forma estática e mecânica, tal como se pôde observar anteriormente, pois ela também é dialética e isto significa “que o terceiro membro tem de ser interpretado como síntese dos dois primeiros”.40 Esta síntese é a superação da abstração da lógica do entendimento que culmina na razão especulativa; portanto, trata-se da dialética-especulativa. Enquanto o conhecimento do entendimento é abstrato e as diversas esferas do objeto se mantêm separadas e opostas, o pensamento racional especulativo as mantém reunidas em perspectiva ideal.

Porém, a unidade absoluta da ideia, a unidade concreta, é uma dimensão da Lógica que se apresenta de forma pressuposta, como uma antecipação da verdade, que, entretanto, se efetiva nos desdobramentos dos momentos da Lógica, Ser-Essência-Conceito. Nela, o Conceito se apresenta de forma antecipada como sendo a verdade do Ser e da Essência, sendo o ser e a essência tomados em seu isolamento correspondentes ao não-verdadeiro. Contudo, o objetivo aqui, é mostrar o movimento dialético presente na Constituição, compreendida em sua totalidade a partir da originária intuição da dialeticidade hegeliana, com foco na negatividade que é imanente ao ser e, desta forma, trata de sua essência, isto é, apresenta-a como mediatizada. Por isso, a preocupação é com as essencialidades ou determinações da reflexão, tal como aparecem na Ciência da Lógica.

Para Hegel, a abstração da lógica do entendimento precisa ser superada. A razão especulativa, que busca a unidade de forma imanente, reage diante da imposição da forma de pensar dicotômica do entendimento. Devido ao fato da unidade da razão especulativa estar ancorada nela mesma, tende a impulsionar a reflexão para a unidade em busca de seu autodesenvolvimento integral.

O especulativo racional é o caráter de unidade da razão, é a força unificadora das cisões. Tais cisões se referem ao espírito dilacerado, imerso na infinitude fenomenal, fruto da forma equivocada do pensamento filosófico da época de Hegel.41 A racionalidade do entendimento é incapaz de solucionar o referido problema, pois parte imediatamente de um dualismo; a contraposição é intransponível para ela, a forma de pensar da filosofia da reflexão se mostra, 40 HÖSLE, Vittorio. O sistema de Hegel: o idealismo da subjetividade e o problema da intersubjeti-vidade. Trad: Antônio Celiomar Pinto de Lima. São Paulo: Edições Loyola, 2007, p. 243.41 HEGEL, G. W. F. Diferencia entre el sistema de filosofía de Fichte y el de Schelling. Madrid: Alianza Universidad, 1989a, p. 12.

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assim, incapaz de tal intento. Hegel apresenta o quadro cultural de sua época, em que “se tem isolado do Absoluto aquilo que é a aparição fenomênica do Absoluto, e se tem fixado, assim mesmo, como coisa independente”.42

A proposta de Hegel é a de uma matriz racional, que se caracteriza por estruturar uma unidade que se autoreflete no mundo fenomênico. Sendo, porém, que a multiplicidade fenomenal e a diversidade cultural não mais expressam a separação, a fragmentação como vista pela racionalidade do entendimento, mas, a unidade da razão, esta é a reflexão da razão, que se constitui como uma autoreflexão, podendo ser vista em cada manifestação empírica e particular, se, porém, esta for de forma racional especulativa. Assim, a reflexão da razão vista de forma racional especulativa não possui as demarcações fronteiriças entre o fenômeno e o absoluto da reflexão, que são construídas pelo pensamento do entendimento.

Este demonstrativo aponta para um caminho a ser percorrido pela razão para se alcançar o absoluto. A razão se põe a caminho, quando se afasta desta essência fragmentada da forma do entendimento.43 É próprio da razão este desvencilhar-se, libertar-se, da essência fragmentada do entendimento, já que subjaz nesta multiplicidade uma força de unidade, que é inquietante e que quanto mais é mutilada mais se inquieta. Esta força se denomina “necessidade” e estabelece um movimento autodestrutivo da razão fragmentada.44 Assim, a razão especulativa está sempre em busca da unidade, do absoluto, da verdadeira natureza das coisas, pois tem em si mesma a força de seu desenvolvimento.

A reflexão da razão especulativa tem consistência, isto é, está relacionada ao absoluto e se diferencia da reflexão, que está relacionada à exterioridade, que tem seu ser fora de si e, portanto, é defeituosa, limitada. Assim, segundo Hegel, o conhecimento empírico produzido pelo entendimento, que tem a forma analítica da lógica formal, é insuficiente para atingir o verdadeiro saber, o científico.45

[...] não são um saber científico porque tem sua justificação numa identidade limitada e relativa e porque nem buscam

42 Id. ibid., p. 13.43 HEGEL, 1989ª, p. 12.44 Id. Ibid., p. 13.45 Id. Ibid., p. 21.

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sua legitimação como partes necessárias de um todo de conhecimentos organizado na consciência, nem ainda menos reconhece a especulação nelas a identidade absoluta, a referência ao absoluto.46

O verdadeiro saber tem como meta alcançar o absoluto, através da produção da razão especulativa. Faz-se necessário o rechaçamento da pura subjetividade produzida pelo entendimento, a fim de que se alcance o verdadeiro saber.

A dialética, segundo Hegel, deve ser objetiva e científica, como apontam os “Diálogos” de Platão, “rigorosamente científicos, pelo tratamento dialético em geral, a finitude de todas as determinações fixas do entendimento”.47 Ademais, a dialética é entendida como um conceito de necessidade interna, em que o pensamento abstrato se transforma imediatamente em seu oposto. Para Hegel, portanto, toda a experiência se mostra dialética e o entendimento tenta reduzir a dialética ao puro pensamento, como se este não existisse na realidade. Mas, o que ocorre é que um pensar mais reflexivo revela que o momento da dialética é constitutivo da realidade universal, tanto na linguagem da lógica, quanto do ser.48

1.2.2 Determinações da reflexão na lógica da essência

Na Ciência da Lógica (Vol. I, A lógica objetiva; livro segundo: A doutrina da essência; capítulo segundo: As essencialidades ou determinações da reflexão), encontra-se maior desenvolvimento sobre o dito reflexivo não-imediato. Este, por sua vez, tem relevância na apresentação das determinações do entendimento como sendo sua negação.

A reflexão por ser determinada, a essência também o é, ou seja, é essencialidade. Assim, a reflexão é o aparecer da essência em si mesma. Esta, como infinito retorno a si, é uma simplicidade não imediata, porém negativa; é um movimento através de diferentes momentos, uma absoluta mediação consigo 46 Id. Ibid., p. 20-21.47 HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio. Vol. I, § 81 Adendo.48 HEGEL, 1989a, p. 23-24.

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mesma. Porém, aparece em seus momentos; por isso, são os momentos eles mesmos determinações refletidas em si.49

Em primeiro lugar, enquanto simples referência em si mesma, a essência é pura identidade. Esta é sua determinação, segundo a qual é, sobretudo, a falta de determinação. Em segundo lugar, a própria determinação é a diferença e, assim, precisamente, por uma parte, como diferença extrínseca ou indiferente, representa a diversidade em geral, mas, por outra parte, está como diversidade oposta ou como oposição. Em terceiro lugar, como contradição, a oposição se reflete em si mesma e volta ao seu princípio.50

Hegel expõe, em nota, uma interpretação dada às determinações reflexivas, em que estas eram postas na forma de proposições, em que se dizia terem validade a respeito de tudo. Estas proposições valiam como leis universais do pensamento, se achavam na base de todo pensamento, sendo em si mesmas absolutas e indemonstráveis, porém reconhecidas e aceitas de imediato e sem discussão como verdadeiras por todo pensamento que houvesse entendido seu significado.51

Tendo, no entanto, desta forma, incluído em proposições as determinações reflexivas, a determinação essencial da identidade acha-se expressa na proposição: Tudo é igual a si mesmo, A = A. Ou em forma negativa: A não pode ser ao mesmo tempo A e não-A.52

Contudo, sendo que não só estas simples determinações da reflexão tenham de ser incluídas nesta forma particular, mas também as outras categorias, todas as determinações próprias da esfera do ser, disto resultariam as proposições: “Tudo existe, tudo tem uma existência, ou é um ser determinado, ou também: Tudo tem uma qualidade, uma quantidade, etc. De fato, o ser ou existir, o ser determinado, etc., são como determinações lógicas em geral, predicados do todo”.53

Assim, pelo fato de ser uma categoria tudo aquilo que se diz ou se afirma do existente, isto segundo a etimologia como também conforme a definição de Aristóteles, estas categorias estão formuladas em tais proposições. 49 HEGEL, 1974, p. 179.50 Id. Ibid.51 Id. Ibid.52 Id. Ibid.53 HEGEL, 1974, p. 179.

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No entanto, sendo a determinação do ser um transpor ao seu oposto, o negativo da determinação também é necessário como o é a determinação mesma. Como determinação imediata frente a cada uma delas acha-se imediatamente a outra. Nisto, as proposições opostas aparecem de igual modo nas proposições relativas ao ser; ambas se apresentam com a mesma necessidade e tem, como afirmações imediatas, ao menos a igualdade de direitos. Cada uma precisaria, portanto, de uma apresentação frente à outra, e não se poderia, por conseguinte, atribuir a estas afirmações o caráter de princípios do pensamento, verdadeiros e incontestáveis de modo imediato.54

As determinações reflexivas, ao contrário, não são de natureza qualitativa. São determinações que se referem a si e, por isso, estão, ao mesmo tempo, subtraídas à determinação frente ao outro. Ademais, por serem determinações, que em si mesmas são relações, elas contêm já a forma da proposição. De fato, a proposição se diferencia do juízo principalmente pelo fato de que nela o conteúdo constitui por si mesmo a relação, ou seja, é uma relação determinada. Ao contrário, o juízo transfere tal conteúdo ao predicado, como uma determinação universal, que existe por si, sendo diferente de sua relação, isto é, da simples cópula. Quando uma proposição tem de ser transformada em juízo, então, em seguida, o conteúdo determinado, se for, por exemplo, um verbo, tem que ser transformado em um particípio, a fim de poder, desta maneira, separar cada determinação mesma e sua relação com um sujeito. Em vez disso, a forma da própria proposição é similar às determinações reflexivas, porque é um ser posto refletido em si. Todavia, uma vez que estão expressas como leis universais do pensamento, necessitam, todavia, de um sujeito de sua relação, e este sujeito é Tudo, ou também um A, que significa tanto “tudo” e “cada ser”.55

Tais proposições se mostram como algo supérfluo ao desconsiderar as determinações reflexivas em si e para si. Apresentam um aspecto defeituoso ao ter como sujeito o ser, ou algo qualquer. Por isso, elas voltam a despertar o ser e expressam as determinações reflexivas, a identidade etc. de “algo”, em forma de uma qualidade, que este tenha nele; porém, não no sentido especulativo, mas no sentido de que algo, como sujeito, permaneça em uma 54 Id. Ibid.55 HEGEL, 1974, p. 179.

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tal qualidade como existente, e não de que tenha transposto a identidade, etc., como a sua verdade e essência.56

O equívoco, aqui, mostra-se nesta reflexão que se faz sobre o real, que é de forma externa a ele; fixa-se em uma qualidade do sujeito sem apresentar e sem se deter ao movimento imanente deste, isto é, do movimento dialético-especulativo que é o único capaz de mostrar sua verdade e essência.

No prefácio da Fenomenologia, Hegel esclarece alguns pontos sobre o que ele apresenta como sendo o verdadeiro conhecimento científico:

Entretanto o conhecimento científico requer o abandono à vida do objeto; ou, o que é o mesmo, exige que se tenha presente e se exprima a necessidade interior do objeto. Desse modo, indo a fundo em seu objeto, esquece aquela vista geral que é apenas a reflexão do saber sobre si mesmo a partir do conteúdo. Contudo, submerso na matéria e avançando no movimento dela, o conhecimento científico retorna a si mesmo; mas não antes que a implementação ou o conteúdo, retirando-se em si mesmo e simplificando-se rumo à determinidade, se tenha reduzido a um dos aspectos de um ser-aí, e passado à sua mais alta verdade.57

Pode-se, com isso, perceber que, a partir das considerações feitas por Hegel, as determinações reflexivas são mais apropriadas para tratar do que se designa de conhecimento científico, e que as proposições são insuficientes para tratar do real concreto, do dialético, daquilo que é um elemento constitutivo negativo ou negador do ser.

Ao finalizar o item sobre as determinações reflexivas, Hegel diz, finalmente, que as determinações reflexivas tem, sem dúvida, a forma de ser igual a si mesmas e, por conseguinte, de não estar relacionadas com outro, e de não ter antítese; porém, como resultará ao examiná-las mais detidamente, ou como resulta de modo imediato nelas com respeito a identidade, diferença,

56 Id. Ibid.57 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do espírito. Vol. I, p. 51.

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contradição, elas são determinadas umas contra as outras; portanto, não estão subtraídas, por sua forma de reflexão, ao movimento e à contradição. As numerosas proposições que se estabelecem como leis absolutas do pensamento, por conseguinte, se examinadas mais de perto, estão em antítese recíproca, se contradizem entre elas e se eliminam mutuamente. – Se tudo é idêntico consigo mesmo, então não é diferente, não está em oposição, não tem fundamento. Ou se aceita que não há duas coisas iguais, ou seja, que todas são diferentes umas das outras, assim A não é igual a A e, portanto, A não está tão pouco em oposição, etc. Assim, a aceitação de cada uma destas proposições já não permite a aceitação das outras. A mera consideração delas, desprovidas de pensamento lógico, enumera-as uma depois da outra, de modo que não parecem estar em nenhuma relação entre si; contempla delas somente seu ser refletido em si, sem tomar em consideração seu outro momento, isto é, seu ser posto ou sua determinação como tal, que as leva em sua passagem e na sua negação.

1.3 MOVIMENTO DIALÉTICO NEGADOR NA CONSTITUIÇÃO

Diante das considerações anteriores, no que se refere ao elemento reflexivo negador que aparece como célula matricial do movimento dialético-especulativo, torna-se necessário a abordagem da contradição, que na lógica da essência é um movimento de negação interior. A essência, em seu trajeto reflexivo no ser, inicialmente, se identifica, se diferencia, tendo, a seguir, a oposição e, por fim, põe a contradição.58

Enquanto movimento dialético negador na Constituição, a contradição, em um primeiro momento, refere-se ao aspecto da oposição da aparência do ser imediato, que aqui corresponde à diferença externa do movimento reflexivo relacional. Para tratar deste momento do movimento dialético negador na Constituição, faz-se uso das palavras de Konrad Hesse, no que se refere ao condicionamento recíproco existente entre a Constituição jurídica e a realidade político-social.59 Em que o ser da Constituição (força normativa), pela negação, 58 HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio. Vol. I § 114.59 A questão aqui se apresenta da seguinte forma: “A Constituição contém, ainda que de forma limi-tada, uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado?” Isto diz respeito à força nor-

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converte-se em um outro, isto é, o inessencial60; e do essencial mediatizado que se refere, neste caso, à diferença e negação dos aspectos: da ordenação jurídica e da realidade político-social, que são considerados “em sua relação, em seu inseparável contexto, e no seu condicionamento recíproco”61 do próprio ser da Constituição, não só determinado como um outro. Neste tipo de contradição, isto é, a contradição da lógica da essência, que possui um movimento negador, o essencial e o inessencial, como identidade e diferença, põem-se como reflexão no processo relacional entre as dimensões da Constituição jurídica e da realidade político-social. Digno de nota é que o modelo, contudo, não é visto de forma dualista, no sentido de preservar aí uma dicotomia62, já que, neste momento do movimento dialético-especulativo, identidade e diferença

mativa da Constituição. “Existiria, ao lado do poder determinante das relações fáticas, expressas pelas forças políticas e sociais, também uma força do Direito Constitucional? Qual o fundamento e alcance dessa força do Direito Constitucional? Não seria essa força uma ficção necessária para o constitucionalista, que tenta criar a suposição de que o direito domina a vida do Estado, quando, na realidade, outras forças mostram-se determinantes? Estas questões surgem particularmente no âmbito da Constituição, uma vez que aqui inexiste, ao contrário do que ocorre em outras esfe-ras da ordem jurídica, uma garantia externa para execução de seus preceitos” (HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio An-tônio Fabris Editor, 1991, p. 11-12). 60 O inessencial é a diferença que nega e que se apresenta como o outro; seria, então, a relação entre Constituição jurídica e realidade político-social, neste constante converter-se em um outro, isto é, Constituição jurídica em relação constante com realidade político-social se converte em um outro e realidade político-social em relação constante com a Constituição jurídica se converte em um outro em relação dinâmica. Contudo, é importante destacar que a dialética-especulativa hegeliana não é uma relação dualista nem mecânica. Portanto, da relação entre Constituição jurídica e realidade político-social tem-se o constante converter-se em um outro: Constituição jurídica-real (política-so-cial) que é conditio sine qua non para a força normativa da Constituição, como apresenta K. Hesse.61 HESSE, 1991, p. 11-12.62 Marcelo Neves apresenta este modelo de Hesse como ainda vinculado, em parte, a esse du-alismo, “na medida em que, no seu modelo, trata-se apenas da ‘relação da Constituição jurídica com a realidade’”, e que, neste aspecto, “Luhmann critica, por sua vez, a discussão tradicional sobre a discrepância entre texto e realidade constitucionais, pois, ‘para isso, não se precisaria de nenhuma teoria da Constituição’ (1973b:2)”. E ainda, “[...] na perspectiva da teoria dos sistemas, a distinção entre Direito e realidade constitucionais só pode ser concebida como expressão jurídico--constitucional da diferença ‘sistema/meio ambiente’“. Cf. NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. Ed. Acadêmica, São Paulo: 1994, nota (114), p. 76. Contudo, para contrapor esta teoria de sistema ou da autoorganização que pressupõem a diferença sistema/entorno, como consti-tutiva da própria noção de sistema, podemos tratar do argumento da “falácia da generalização indevida”, que se refere ao “erro de atribuir à esfera ontológica universalíssima propriedades que se aplicam apenas às ontologias regionais”. Sendo o caso da diferença ‘sistema/entorno’ “apenas um problema secundário do ponto de vista, por exemplo, de certa teoria celular (já que toda célula pressupõe um entorno), resulta em contradição na perspectiva cosmológica, já que o Universo não pode, por definição, possuir um entorno”. In: LUFT, Eduardo. Ontologia deflacionária e ética objetiva. Revista Veritas, Porto Alegre, v. 55, n. 1, jan/abr. 2010, p. 117-8.

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são uma unidade relacional, em que, ao mesmo tempo, são a reflexão total e os momentos. Tem-se, aqui, a natureza essencial da reflexão, como também o fundamento-originário determinado de toda atividade e automovimento.63

O movimento lógico reflexivo é observado, no que se refere à essencialidade da Constituição (força normativa), nos momentos da reflexão em si, que é a identidade; e da reflexão exterior, que é a diferença que se torna o ser-posto da reflexão, a diferença determinada ou a reflexão exterior da reflexão em si. A reflexão exterior na Constituição, vista sob a ótica deste movimento lógico reflexivo, não pode estar separada da unidade da reflexão total, pois isso seria uma interrupção do movimento dialético-especulativo, que co-engendra imediatidade e mediação. O perigo, aqui, é quanto à exposição da diversidade, em que igualdade e desigualdade se apresentam como determinações relacionadas por um terceiro nas coisas comparadas (o ato de comparar do entendimento), tendo assim a ruptura entre a reflexão em si e a reflexão exterior. Assim, a reflexão, mais que exterior, é “alienada de si”.64

Tendo a diversidade como diferença em si, a igualdade e a desigualdade, estas não permanecem mais uma fora da outra de modo indiferente. Os lados indiferentes da diversidade vêm, por meio da indiferença ou da reflexão existente em si, a uma unidade negativa consigo mesma; isto é, a reflexão que constitui em si mesma a diferença entre a igualdade e a desigualdade, ou seja, o ser posto, é, ao mesmo tempo, nada mais do que o momento de uma única unidade negativa, e isto já é a oposição.65

1.3.1 A Constituição enquanto reflexão exterior

A Constituição na sua diversidade se determina, enquanto reflexão exterior, no isolamento entre norma e realidade, tal como o que predominou no passado recente, “como o que se constata tanto no positivismo jurídico da Escola de Paulo Laband e Georg Jellinek, quanto no ‘positivismo sociológico’ de Carl Schmitt”.66 Neste sentido, haverá ênfase em uma das direções e os extremos se mostram inevitáveis: por um lado, “norma despida de qualquer 63 HEGEL, 1974, p. 183.64 HEGEL, 1974, p. 183.65 Id. Ibid., p. 185.66 Cf. HESSE, 1991, p. 13.

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elemento da realidade” e, de outro lado, “uma realidade esvaziada de qualquer elemento normativo”.

Ferdinand Lassalle, em conferência sobre a essência da Constituição (Über das Verfassungswesen), de 16 de abril de 1862, tem em sua tese fundamental que “questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas”.67 Com o autor do célebre ensaio O que é uma Constituição, há mais de um século, tem-se o dissídio dos constitucionalistas no que se refere à teoria formal e à teoria material da Constituição.68

Neste aspecto, Paulo Bonavides apresenta uma classificação para a teoria formal e material da Constituição, em que constitucionalistas modernos ou sustentam, com Laband, Jellinek e Kelsen, uma teoria formal da Constituição, abraçados ao positivismo que culminou, por fim, com a Escola de Viena, ou se repartem em posições distintas, quais as de Schmitt, Smend, Hsü Dau-lin, Heller, Schindler, Kägi e Haug. Destes resultou a teoria material da Constituição.69

Diante deste quadro, K. Hesse tem a preocupação de buscar um caminho para estas questões que seja desvinculado de uma alternativa rigorosa para esta realidade. As dimensões que constituem este quadro se apresentam em relação dinâmica, sendo, porém, que existe uma indiferença recíproca entre elas neste primeiro momento, porque

A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade. Essa pretensão de eficácia (Geltungsanspruch) não pode ser separada das condições históricas de sua realização, que estão, de diferentes formas, numa relação de interdependência, criando regras próprias que não podem ser desconsideradas.70

Neste sentido, norma constitucional e realidade sócio-política são iguais segundo o aspecto de “pretensão de eficácia (Geltungsanspruch)”, porque ela 67 Id. Ibid., p. 9.68 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 170.69 BONAVIDES, 2008, p. 170.70 HESSE, 1991, p. 14-15.

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é o reflexo da diversidade social e cultural do povo, e desiguais no aspecto de não se confundir a “pretensão de eficácia de uma norma constitucional [...] com as condições de sua realização; a pretensão de eficácia associa-se a essas condições como elemento autônomo”.71 Assim, a Constituição configura, ao mesmo tempo, “a expressão de um ser e também de um dever-ser”, porque ela reflete a diferença e produz no exterior a diversidade sócio-política, que, porém, não é um simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas, porque, “graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social”.72 Isto, contudo, será desenvolvido no segundo capítulo, que trata da unidade contraditória na Constituição e no Estado constitucional. O que se destaca, neste nível, é a diferença que se interioriza e tende já para a oposição e a contradição interiores. Para reiterar este movimento da reflexão exterior, que se interioriza na Constituição, podemos tomar a lição do professor J. J. Gomes Canotilho.

Segundo Canotilho, o que existe são tendências teoréticas fundamentais que dizem respeito a uma compreensão formal-processual e a uma compreensão material da Constituição:

1. De forma geral, a ideia de compreensão formal-processual da Constituição é apresentada por uma significativa parte da teoria da Constituição, como sendo as constituições “instrumentos formais de garantia, despidos de qualquer conteúdo social e econômico”73, e sendo tais conteúdos correspondentes ao aspecto material, que deve ser evitado para não por em risco a estabilidade do direito constitucional. Igualmente, a defesa de que “as leis constitucionais deveriam preocupar-se com o processo da decisão e não com o conteúdo, a substância da decisão”74, é uma posição que tem pontos de contato com a anterior, no que se refere à inaceitabilidade do aspecto material.

2. Para a compreensão material da Constituição, Canotilho apresenta uma das concepções de Constituição, que, segundo ele, é a mais aplaudida pela moderna juspublicística, a saber, a ‘teoria material de Constituição’. Esta, porém, está intimamente relacionada com o estado democrático-71 Id. Ibid.72 Id. Ibid.73 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2000, p. 1288.74 Id. Ibid., p. 1289.

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constitucional, pelo fato de procurar conciliar a ideia de Constituição com duas exigências deste:

(a) Legitimidade material – A lei fundamental tem a necessidade de “transportar os princípios materiais informadores do Estado e da sociedade”.75

(b) A abertura constitucional – “A Constituição deve possibilitar o confronto e a luta política dos partidos e as forças políticas”76 e, assim, fomentar a concretização dos fins constitucionais.

Contudo, ressalta Canotilho, a proposta aqui não é restringir a Constituição a um “instrumento de governo” ou a uma simples “lei do Estado”. Mas, sim, estar em conformidade com as mudanças e, para isso, o conteúdo da lei básica deve estar apto a permanecer “dentro do tempo”.

A Constituição formal e a Constituição material, desta forma, apresentam-se como imediatamente exteriores; elas encontram-se indiferentes uma da outra. Mas, quando a Constituição, entendida como instrumento de governo, não é contraposta a uma Constituição concebida como lei da sociedade e do Estado, a diversidade se apresenta nas Constituições iguais e desiguais. A preocupação passa a ser em busca de um equilíbrio entre elas, que deve ser formado por uma lei básica, a fim de que esta não se converta “num instrumento totalizador, integracionista e identificador de concepções unidimensionalizantes do Estado e da sociedade”.77 A partir desta concepção de busca de equilíbrio, a diferença se interioriza e tende para a oposição e a contradição interiores. A reflexão exterior torna-se reflexão interior e os dois termos da diversidade da Constituição – a igualdade e a desigualdade – retornam, pela reflexão interior, numa unidade negativa consigo, e isso já é o momento da oposição da diferença que se torna interior.78

1.3.2 A oposição da diferença exterior interiorizada

A oposição é a unidade da identidade e da diversidade; seus momentos são diferentes em uma única identidade. Eles estão, assim, contrapostos.79 75 Id. Ibid., p. 1290.76 Id. Ibid.77 CANOTILHO, 2000, p. 1290.78 HEGEL, 1974, p. 186. 79 Id. Ibid.

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Os momentos da oposição são o ser posto refletido em si, ou seja, a determinação em geral. O ser posto é a igualdade e a desigualdade, os quais, refletidos em si, constituem as determinações da oposição.

A diferença refletida em si é a diferença essencial, que contém nela o positivo e o negativo. O positivo se mantém em relação a si como idêntico a si e, portanto, não é o negativo. O negativo é diferente por si mesmo, pois não é o positivo. Assim, na diferença da essência, tem-se a oposição, que é a diferença da diferença nela mesma. O diferente não tem diante de si um outro indiferente em geral exterior, mas seu outro oposto. Cada um está apenas refletido em si, na medida em que está refletido no outro oposto. Em resumo, cada um é o outro ou o diferente do outro e vice-versa.80

A igualdade e a desigualdade são a reflexão exteriorizada; sua identidade consigo mesma não é só a indiferença de cada momento frente ao outro diferente dele, mas frente ao ser-em-si e para-si como tal; é uma identidade consigo mesma frente a identidade refletida em si; por conseguinte, é a imediação não refletida em si. O positivo é o ser posto como refletido na igualdade consigo mesmo, isto é, a negação como negação. Assim, esta reflexão contém em si, como determinação sua, a relação com o outro. O negativo é o ser posto como refletido na desigualdade; porém, o ser posto é a desigualdade mesma; assim, esta reflexão resulta ser, pois, a identidade da desigualdade consigo mesma e um absoluto relacionado consigo mesmo. Por conseguinte, ambos contém seu contrário, isto é, o ser posto refletido na igualdade consigo mesmo tem em si a desigualdade, e o ser posto refletido na desigualdade consigo mesmo tem em si também a igualdade.81

O positivo e o negativo constituem, assim, os dois lados da oposição que se põem independentemente. São independentes pela forma como são a reflexão do todo em si; e pertencem à oposição pela forma da determinação, que, como um todo, está refletida sobre si.82

A oposição se desenvolve em três momentos, como o movimento da reflexão: (1) o positivo e o negativo são postos pelo ser e o não-ser de si mesmo e do outro; (2) o positivo e o negativo são indiferentes um ao outro,

80 Id. Ibid.81 HEGEL, 1974, p. 187.82 Id. Ibid.

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enquanto produto de uma reflexão exterior; e (3) o positivo e o negativo, enquanto cada um está na sua reflexão própria, gera uma reduplicação em si; tem-se a totalidade determinada que inclui a si mesmo e o seu outro.83

Como determinações da reflexão, positivo e negativo, estão em si e para si, como unidade autônoma consigo. Os opostos, aqui, estão além de seu oposto ao outro; alcançam a totalidade contraditória em si mesmo. O positivo é o diverso que é para si mesmo e, ao mesmo tempo, não-indiferente a respeito de sua relação ao seu outro. O negativo é, também, um ser subsistindo-por-si, como relação negativa a si, e um ser para ele mesmo, como relação negativa pura e simples, que mantém a relação a si e no outro. Assim, ambos são a contradição posta. O positivo é o que ele é – totalidade contraditória determinada, porque o negativo se afirma positivamente como totalidade igualmente contraditória.

A interiorização da diferença que é a oposição pode ser vista em uma relação de coordenação entre “Constituição real” e “Constituição jurídica”, como veremos a seguir.

1.3.2.1 A oposição da diferença exterior interiorizada na Constituição

Enquanto oposição, no que se refere à Constituição, seguindo a terminologia usada anteriormente por Hesse, “Constituição real” e “Constituição jurídica” estão em uma relação de coordenação.

Elas condicionam-se mutuamente, mas não dependem, pura e simplesmente, uma da outra. Ainda que não de forma absoluta, a Constituição jurídica tem significado próprio. Sua pretensão de eficácia apresenta-se como elemento autônomo no campo de forças do qual resulta a realidade do Estado. A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia. Essa constatação leva a uma outra indagação, concernente às possibilidades e aos limites de sua realização no contexto amplo de interdependência no qual esta pretensão de eficácia encontra-se inserida.84

83 Id. Ibid. 84 HESSE, 1991, p. 15-16.

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Consideradas as determinações em sua reflexão, ver-se-á que a “Constituição jurídica” é essencialmente o aparecer de si na “Constituição real”, e esta na “Constituição jurídica”. A reflexão exterior as toma e as compara uma em face da outra e disso resulta uma contradição imediata não-refletida. Por causa de uma falta de conhecimento do pensar reflexivo, permanece-se no ato de passar do positivo ao negativo e do negativo ao positivo, o que impede de ter a consciência da necessidade da relação de transformação entre “Constituição real” e “Constituição jurídica”. Mas, o fato de serem postas em oposição refletida permite perceber, na determinação da Constituição jurídica e real, que cada uma é o que ela é, incluindo a outra junto a si.85

Segundo K. Hesse, como visto anteriormente, as possibilidades e os limites da força normativa da Constituição, que busca realizar a pretensão de eficácia, somente podem resultar da relação da Constituição jurídica com a realidade. Porém, trata-se de “uma obviedade para a Teoria do Estado do Constitucionalismo, para a qual uma separação entre a Constituição jurídica e o Todo da realidade estatal ainda se afigura estranha”.86 Isto, contudo, será desenvolvido no capítulo dois: A unidade contraditória na Constituição e no Estado constitucional, como veremos a seguir.

Por ora, importa concluir este capítulo ressaltando que a determinação da reflexão em si e para si se apresentam como unidade das dimensões jurídica e político-social, cujos momentos são constituídos pela identidade de cada uma destas dimensões. A articulação da oposição destas dimensões, no interior da Constituição, e que tem implicações na busca de pretensão de eficácia pela força normativa da Constituição, resulta da dialética da diferença exterior interiorizada. Tais dimensões se constituem enquanto autônomas, graças a sua reflexão em si, pela qual cada uma inclui a oposta. Uma unidade que, para salvar sua própria identidade, inclui sua diferença constitutiva, isto é, a contradição.

85 “A lógica hegeliana não é fundada sobre a representação, e não tira, portanto, seus argumen-tos desse domínio. Mas Hegel não deixa de recorrer, cada vez que é possível, aos dados mais imediatos da consciência, a fim de permitir, seja por uma analogia inadequada, o movimento as essencialidades. Que se possa apenas representar o positivo e o negativo sob o modo de uma oposição recíproca não dá conta, certamente, de sua unidade conceitual; mas eis que se coloca, entretanto, sobre a via da transgressão, sua unilateralidade opositiva” (CL, II, nota 173, p. 77). In: BAVARESCO, Agemir. O movimento lógico da opinião pública: a teoria hegeliana. São Paulo: Loyola, 2011, p. 64.86 HESSE, 1991, p. 16.

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Pode-se, assim, dizer que a força normativa da Constituição decorre das determinações da reflexão autônomas umas em relação às outras, constituindo-se enquanto unidade contraditória.

2 A UNIDADE CONTRADITÓRIA NA CONSTITUIÇÃO E NO ESTADO CONSTITUCIONAL

O momento da unidade contraditória é o movimento que cada dimensão da Constituição jurídico-real reflete em si, inclui a outra e não se encontra fechado em si mesmo de forma unilateral. Contudo, para mostrar este momento da unidade contraditória na Constituição, é necessário reconstituir os momentos anteriores, a fim de mostrar sua relação, já que estes momentos não se encontram isolados em si.

Assim, como foi visto anteriormente, a diferença aparece, inicialmente, como diversidade indiferente, no isolamento entre ordenação jurídica e realidade, em uma análise isolada, unilateral, que leva em conta apenas um dos aspectos87, sendo estes comparados, somente, pelo ato exterior da reflexão. Isto, como salienta K. Hesse, não proporciona condições de fornecer resposta adequada à questão que busca o significado da ordenação jurídica na realidade.88

Em seguida, tem-se a interiorização da oposição da diferença exterior com a relação de coordenação entre “Constituição jurídica” e “Constituição real”, como apresentado por Hesse; a diferença entre elas, porém, vai se revelar como oposição autônoma89 entre a Constituição jurídica e o Todo da realidade estatal no Estado Constitucional. Assim, ambos os aspectos mencionados coabitam na oposição. A Constituição jurídica considerada em si mesma exclui o Todo da realidade estatal; este, por sua vez, é por si unidade que exclui de si o primeiro. Contudo, a dualidade dos referidos pólos é reunida sob o termo da autonomia. A contradição é a unidade da inclusão e da exclusão na autonomia. A contradição não é a justaposição nem o fechamento unilateral destes pólos, mas a contradição autônoma90 destes.

Desta forma, podemos acompanhar a passagem das determinações da reflexão autônomas – o positivo e o negativo – que passam da diferença – contradição em si – à contradição propriamente dita, posta enquanto tal. Para acompanhar este movimento, que é observado na relação dos respectivos pólos, 87 Cf. HESSE, 1991, p. 13.88 Id. Ibid.89 A oposição autônoma diz respeito aos dois aspectos correlativos da oposição.90 A contradição aí é a unidade da exclusão e da inclusão na autonomia. A autonomia é uma na dualidade oposta. Cf. HEGEL, 1974, p. 187.

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como referido anteriormente, podemos usar a compreensão que se encontra nos escritos de Humboldt, como cita K. Hesse. Como afirma Humboldt, uma Constituição política “resulta da luta do acaso poderoso com a racionalidade que se lhe opõe”91 e só assim consegue se desenvolver.

Porém, esta oposição entre o acaso poderoso e a racionalidade pode ser vista, aqui, como contradição posta, pois existe uma alteridade essencial entre a identidade e a diferença autônoma, que é a contradição posta. Trata-se da “alteridade essencial do processo de identificação e da diferenciação”92, como veremos a seguir.

Inicialmente, o positivo é o ser posto ou a essência como refletida na igualdade consigo como a identidade a si que exclui de si o negativo. A reflexão do positivo exclui o outro ou o negativo como oposto. O negativo, de seu lado, é também o ser posto como refletido na desigualdade a si, o negativo como negativo, em que a reflexão negativa se relaciona a si.93

Aqui, tanto o positivo quanto o negativo encontram-se um em oposição ao outro, sendo uma contradição posta; são autônomos, refletidos neles mesmos, sendo dois iguais ou idênticos a si. Além disso, o positivo e o negativo na sua relação recíproca são desiguais.

Então, trata-se de uma relação não exterior entre opostos refletidos em si que são desiguais. A diferença entre os opostos (positivo e negativo) é mantida na contradição, a fim de que o movimento da relação entre os pólos (como citados anteriormente) continue, mantendo-se na tensão dialética e sempre atuando na força do conceito e da realidade. Isto no que se refere às assertivas de Humboldt, como citado por Hesse, trata-se da tensão que deve existir e permanecer na relação entre a “Constituição jurídica” com a “natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der Gegenwart94)”, a fim

91 Cf. HESSE, 1991, p. 16.92 BAVARESCO, 2011, p. 64.93 Id. Ibid.94 A tradução de “individuelle Beschaffenheit der Gegenwart” é “característica individual do presente”.

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de que a Constituição, entendida aqui como “Constituição jurídica”, não seja “eternamente estéril”, vindo a construir o Estado de forma abstrata e teórica. Tais assertivas de Humboldt, segundo Hesse, têm, ainda, implicações que logram explicitar os limites da força normativa da Constituição.95

Em um segundo momento, a reflexão autônoma suprassume-se em cada termo diferente em si de cada lado – o positivo e o negativo –, constituindo sua essência. Trata-se do que é denominado de o negativamente-racional ou o momento da resolução da contradição. O estado da oposição está na sua autonomia fixa, que, depois, coincide com ela mesma no ato de se suprassumir e põe a unidade da essência como fundamento. O movimento da essência no seu ápice de tensão, que quase tende a se fixar na sua autonomia, porém, avança para o fundamento, isto é, para a relação. E a dialética continua do negativo para o positivo, ou seja, para a nova mediação do conceito.

Neste momento, que é o momento de unidade primeira que se opera pela contradição, no que se refere à Constituição, aqui denominada de “Constituição jurídica”, “definem-se, ao mesmo tempo, a natureza peculiar e a possível amplitude da força vital e da eficácia da Constituição”.96

A norma constitucional somente logra atuar se procura construir o futuro com base na natureza singular do presente. Tal como exposto por Humboldt alhures, a norma constitucional mostra-se eficaz, adquire poder e prestígio se for determinada pelo princípio da necessidade. Em outras palavras, a força vital e a eficácia da Constituição assentam-se na sua vinculação às forças espontâneas e às tendências dominantes do seu tempo, o que possibilita o seu desenvolvimento e a sua ordenação objetiva. A Constituição converte-se, assim, na ordem geral objetiva do complexo de relações da vida.97

O positivo e o negativo, enquanto essências autônomas da “Constituição jurídica”, em que elas são autônomas em si e por sua relação negativa ao outro, isto é, 95 Cf. HESSE, 1991, p. 18. 96 HESSE, 1991, p. 18.97 Id. Ibid.

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em relação negativa à “natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der Gegenwart)”, demonstram que “a força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade”.98

Neste sentido, fala-se do suprassumir-se do negativo e do positivo nela mesma, isto é, “a Constituição jurídica logra, converte-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der Gegenwart)”99; mas, aqui, ela não se fixa na sua autonomia, já que a Constituição não pode por si só realizar nada. Contudo, ela pode impor tarefas e se forem efetivamente realizadas, a Constituição transforma-se em força ativa, isto é, a dialética continua para a nova mediação do conceito.

Já no momento denominado de positivamente-racional ou a unidade do fundamento, em que, de forma simplificada, pode-se dizer que a essência tornou-se pura relação, vindo a alcançar uma nova realidade efetivada do conceito. Ela ingressa num novo patamar conceitual e que significa também uma nova efetivação da realidade. Ou ainda, uma nova configuração constitucional.

A mediação dos pólos da Constituição, enquanto movimento próprio da contradição, é o fundamento100 enquanto determinação da unidade dos opostos autônomos – o positivo e o negativo –, que se suprassumem, se tornam o outro de si e coincidem com eles mesmos.101 Tem-se, aqui, a essência refletida em si, que realiza a unidade contraditória da efetivação das tarefas impostas pela “Constituição jurídica”, dotando-a de força ativa.

Inclusive, Hesse enfatiza que “a Constituição converter-se-á em força ativa”, mediante, o que ele chama, a “vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)”.102 Segundo Hesse, a “vontade de Constituição” trata da compreensão abrangente da problemática do Estado. É necessário abarcar 98 Id.Ibid., p. 19.99 Id. Ibid.100 O fundamento é a mediação real da essência consigo mesma (...) o fundamento é a mediação real, porque ele contém a reflexão como reflexão suprassumida; ele é a essência retornando em si pelo seu não-ser e se pondo. Cf. HEGEL, 1974, p. 196. 101 Id. Ibid.102 Essa vontade de Constituição origina-se de três vertentes diversas. Baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. Reside, também, na compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos (e que, por isso, necessita estar em constante processo de legitimação). Assenta-se, ainda, na consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana. Essa ordem adquire e mantém sua vigência através de atos de vontade. Cf. HESSE, 1991, p. 19-20.

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“a totalidade desse fenômeno e sua integral e singular natureza”. Em outras palavras, é a compreensão não unilateralizada da realidade do Estado. A singular natureza do Estado, portanto, não se apresenta apenas como problema decorrente das forças aparentemente inelutáveis, nas palavras de Hesse, “mas também como problema de determinado ordenamento, isto é, como um problema normativo”.103

Para dar desenvolvimento a essa problemática normativa, seguindo a ênfase, dada por K. Hesse, de que “a Constituição não deve assentar-se numa estrutura unilateral, se quiser preservar a sua força normativa num mundo em processo de permanente mudança político-social”104, tendo a compreensão de que a essência refletida em si realiza a unidade contraditória da efetivação das tarefas impostas pela “Constituição jurídica”, dotando-a de força ativa, como visto anteriormente, é que se desenvolverá o próximo item.

2.1 ESTADO CONSTITUCIONAL E CONSTITUCIONALISMO NA PERSPECTIVA DIALÉTICO-ESPECULATIVA: EFICÁCIA DAS

NORMAS CONSTITUCIONAIS

Em continuidade ao que foi exposto anteriormente, pode-se dizer que o que constitui a negatividade e o lado ativo e produtivo da contradição na Constituição se determina, de início, (1) com a limitada eficácia jurídica das normas constitucionais, depois, (2) a criação de condições para efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais e, enfim, (3) com a abrangência universal da constituição sobre os diversos ramos do direito, em que a Constituição deixa de ter um caráter abstrato e retórico, passando a ser mais efetiva, referindo-se, aqui, à unidade contraditória e à efetivação das normas constitucionais.

Neste sentido, segue-se a esteira da indagação feita por Dallari:

Tendo sido a Constituição uma criação do século XVIII, sendo, então, a expressão das aspirações de liberdade e de garantia dos direitos individuais que marcaram aquele século, poderá ser ainda, no início do

103 Id. Ibid.104 HESSE, 1991, p. 21.

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século XXI, o instrumento político ideal para a limitação do poder e a garantia dos direitos?105

Como se verá a seguir, a resposta para esta indagação apresenta-se num processo ascendente, que aqui, também, cabe falar, em uma elevação do conceito de Constituição, tal como vimos em K. Hesse, dotando-a de “força normativa” em direção ao que Dallari chama de “efetivação dos direitos”, referindo-se, porém, ao processo desenvolvido no decorrer da história.

Contudo, além deste aspecto que trata do desenvolvimento histórico, como o que é proposto por Dallari, faz-se necessário tratar, ainda que de forma sucinta, da falta de isonomia, no que se refere às normas constitucionais, quanto a sua eficácia, já que se percebe a existência de uma graduação de eficácia das normas constitucionais. Sendo este tema de relevância, por implicar na conduta da interpretação constitucional, que segundo K. Hesse, “está submetida ao princípio da ótima concretização da norma (Gebot optimaler Verwirklichung der Norm) [...], a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição”.106 Ainda neste sentido, fala-se “da dinâmica existente na interpretação construtiva”, que é “condição fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade”107. Isto é fundamental, pois a falta da dinâmica existente na interpretação construtiva causa a ruptura da situação jurídica vigente.

Se o direito e, sobretudo, a Constituição têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles tábula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.108

105 DALLARI, 2010, p. 101.106 HESSE, 1991, p. 19-20.107 HESSE, 1991, p. 19-20.108 Id. Ibid.

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A interpretação construtiva, como proposta por K. Hesse, contempla as condicionantes dos fatos concretos da vida, correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição, sendo este um processo dinâmico possuidor de uma tensão dialético-especulativa que se situa no plano teórico-hermenêutico (texto normativo). Também existe uma dialética interna à realidade que trata da tensão entre o diferenciar-se de sua identidade, a fim de que o conceito de Constituição seja efetivo. A dialética norma/realidade vive esta tensão bipolar, que a faz avançar na efetividade da Constituição. Portanto, a interpretação construtiva é aquela que vai construindo mediações hermenêuticas para efetivar a dialética entre norma e realidade constitucionais.

Daí entende-se a dinâmica da interpretação construtiva, que preserva a tensão entre norma e realidade. Faz-se, portanto, necessário abordar a problemática atual do tema da eficácia das normas constitucionais, que apresenta a crítica da concepção clássica de inspiração norte-americana da classificação das normas constitucionais, em autoaplicáveis e não-autoaplicáveis.

A crítica da concepção clássica assume relevância para a dinâmica da interpretação construtiva ao apresentar dois aspectos a serem considerados:

(1) No que tange ao aspecto terminológico – “na medida em que a expressão ‘autoaplicável’ transmite a falsa impressão de que estas normas não podem sofrer qualquer tipo de regulamentação legislativa”.109 Sendo que, pelo contrário, não se põe em dúvida a possibilidade de regulamentação das normas diretamente aplicáveis, com o fito de que possam ter “maior executoriedade ou com o objetivo de serem adaptadas às transformações e às circunstâncias vigentes na esfera social e econômica”.110 Neste aspecto, a crítica contribui para a dinâmica da interpretação construtiva, pois destaca a importância da preservação do elemento central sob o qual a interpretação constitucional está submetida, que é “o princípio da ótima concretização da norma (Gebot optimaler Verwirklichung der Norm)”, o qual implica na correlação das proposições normativas com os fatos concretos da vida, como visto anteriormente.

(2) Na mesma linha de raciocínio que a anterior, a crítica à concepção clássica – de inspiração norte-americana – considera “insustentável o entendimento de que as normas denominadas de não-autoaplicáveis (ou não-109 SARLET, 2010, p. 244.110 SARLET, 2010, p. 245.

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autoexecutáveis) não produzem efeito algum, uma vez que completamente destituídas de aplicabilidade direta”.111 Argumenta-se, porém, “que inexiste norma constitucional destituída de eficácia, na medida em que toda e qualquer norma da Constituição sempre é capaz de gerar algum tipo de efeito jurídico”.112 Sendo, aqui, o aspecto de relevância para a dinâmica da interpretação construtiva, a verificação de que “uma norma não-autoaplicável, mesmo tendo caráter eminentemente programático e contendo princípios de natureza geral, no mínimo estabelece alguns parâmetros para o legislador, no exercício de sua competência concretizadora”.113 Isto ajuda a compreender que a “Constituição jurídica” impõe tarefas e ela própria se transforma em força ativa, se essas forças forem efetivamente realizadas e se a abordagem da problemática da eficácia jurídica se faz necessária.

Ademais, como veremos a seguir, a abordagem das características de eficácia das normas constitucionais contribui para a compreensão da preservação da tensão (norma/realidade). Ainda neste aspecto, o de formar “uma consciência jurídica ou sua focalização intensiva sobre a real impositividade normativa das regras constitucionais existentes”114, reitera Celso Antônio Bandeira de Mello que isto “concorre para induzir a uma aplicação mais ampla dos comandos”115, que concernem às normas constitucionais.

2.1.1 Alguns posicionamentos quanto aos graus de eficácia das normas constitucionais no âmbito do direito constitucional brasileiro

A partir da ideia de que seja graças ao elemento normativo que a “Constituição jurídica” ordena e conforma a realidade política e social, e que, por isso, não configura apenas a expressão desta realidade116, é que, neste item, procura-se apresentar alguns posicionamentos quanto aos graus de eficácia das normas constitucionais no âmbito do direito constitucional brasileiro.

111 Id. Ibid.112 Id. Ibid.113 Id. Ibid.114 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. Ed. Malheiros, São Paulo: 2010, p. 11.115 Id. Ibid.116 MELLO, 2010, p. 24.

Constitucionalismo e método dialético 51

Neste viés, parte-se de uma classificação das normas constitucionais que destaca dois grupos de normas: as “que dependem, para a geração de seus efeitos principais, da intervenção do legislador infraconstitucional, e aquelas que, desde logo, por apresentarem suficiente normatividade, estão aptas a gerar seus efeitos e, portanto, dispensam uma interpositio legislatoris”.117 Isso porque todas as classificações, mesmo as que sugerem uma classificação em três e quatro categorias, como é o caso de José Afonso da Silva e Maria H. Diniz, preservam o destaque para estes dois grupos de normas.118

Neste sentido, destaca-se a importância das classificações de natureza dúplice, tais como as que se encontram expostas por Meirelles Teixeira, Celso Bastos e Carlos A. Britto. Sendo importante ressaltar que esta classificação dúplice contorna as pertinentes críticas feitas às concepções clássicas (normas autoaplicáveis e não-autoaplicáveis). Existindo graus de eficácia jurídica das normas, isto é, graus em relação aos aspectos de aptidão para gerar efeitos, todas as normas constitucionais possuem eficácia jurídica, que, por sua vez, são suscetíveis a restrições, isto é, concernente à necessidade de uma interpositio legislatoris.119 Isto, porém, não será aqui desenvolvido, pois o objetivo é apenas apresentar alguns posicionamentos quanto aos graus de eficácia das normas constitucionais no âmbito do direito constitucional brasileiro.

Contudo, esta classificação dúplice destaca a existência de uma graduação de eficácia normativa nas normas constitucionais, que demonstra a “íntima vinculação da noção de densidade normativa com a da eficácia (e aplicabilidade) da norma”.120 Assim, fala-se em normas constitucionais de alta e baixa densidade normativa; respectivamente, as dotadas de suficiente normatividade, que, diretamente sem a intervenção do legislador ordinário, estão aptas “a gerar os seus efeitos essenciais (independentemente de uma ulterior restringibilidade)”121, e as que não possuem normatividade suficiente para gerar seus efeitos principais de forma direta sem uma interpositio legislatoris.122 Destaca-se, ainda, que todas as normas constitucionais 117 SARLET, 2010, p. 251.118 Cf. Id. Ibid.119 SARLET, 2010, p. 252.120 Id. Ibid.121 SARLET, 2010, p. 252.122 Id., Ibid., p. 252-253.

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possuem uma normatividade mínima e, por isso, sempre apresentam certo grau de eficácia jurídica. Aqui, o critério da densidade normativa aparece como fator decisivo (embora não exclusivo) para a graduação da eficácia das normas constitucionais.123

Diante deste quadro, que não tem a pretensão de esgotar todas as possíveis manifestações da eficácia e aplicação das normas constitucionais, mas se apresenta como meio mais acertado por ter preponderância didática e operacional124, reforça-se que

[...] convém relembrar que todas as normas constitucionais, sendo dotadas sempre de um mínimo de eficácia, sendo esta variável consoante seu grau de densidade normativa, também podem considerar-se – em certa medida – diretamente aplicáveis, naturalmente nos limites de sua eficácia e normatividade.125

Advoga-se, portanto, que “mesmo as assim denominadas normas de eficácia limitada são, neste sentido, imediatamente aplicáveis”.126 E ainda,

Basta lembrar que desde a superação, entre nós, da concepção clássica sustentada pelo grande Ruy Barbosa, não se discute que cada norma constitucional possui um mínimo de eficácia e aplicabilidade, dependente, por sua vez, de sua suficiente normatividade. Neste sentido, todas as normas constitucionais são sempre eficazes e, na medida de sua eficácia (variável de acordo com cada norma), imediatamente aplicáveis.127

Portanto, para finalizar este item, apresentamos esta concepção que ressalta o critério de densidade normativa como fator decisivo, porém não

123 Id. Ibid., p. 253.124 Id. Ibid., p. 255.125 Id. Ibid.126 Id. Ibid.127 Id. Ibid.

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exclusivo, para a graduação da eficácia das normas constitucionais, como sendo a mais acertada. Isso no sentido de coadunar com a ideia até então desenvolvida, a partir de Hesse, como já citado anteriormente. Já que esta concepção enfatiza que mesmo as normas de eficácia limitada são, neste sentido, imediatamente aplicáveis, sendo que tal constatação parte da premissa de que todas as normas são eficazes.128

Isso reforça a concepção de que é graças ao elemento normativo da “Constituição jurídica”, responsável pela ordenação e conformação da realidade política e social, que a “Constituição jurídica” não é apenas a expressão de uma dada realidade. Se todas as normas constitucionais são eficazes, como advoga a concepção apresentada, reforça-se o argumento de que são extensivas as implicações na conservação da tensão (norma/realidade) oferecidas pelo elemento normativo da “Constituição jurídica”, vindo a caracterizar o que compete ao Direito Constitucional, como afirmado por K. Hesse: “explicitar as condições sob as quais as normas constitucionais podem adquirir a maior eficácia possível, propiciando, assim, o desenvolvimento da dogmática e da interpretação constitucional”.129

Além disso, como cita K. Hesse, é de competência do Direito Constitucional “realçar, despertar e preservar a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)”130, sendo esta a maior garantia de sua força normativa. Também é de competência do Direito Constitucional estabelecer seus limites de atuação, tendo clara a consciência destes, já que “a força normativa da Constituição é apenas uma das forças de cuja atuação resulta a realidade do Estado”.131

Neste sentido, faz-se notória a compreensão de que a Constituição jurídica “não está desvinculada da realidade histórica concreta do seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade”.132 Sendo, portanto, interessante abordar, no próximo item, o movimento que constitui a negatividade e o lado produtivo da contradição na Constituição, em relação ao plano histórico, a partir da indagação feita por Dallari, como citado anteriormente.128 Cf. SARLET, 2010, nota 63.129 HESSE, 1991, p. 27.130 Id. Ibid.131 Id. Ibid.132 Id. Ibid., p. 25.

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2.2 A LIMITADA EFICÁCIA JURÍDICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Em continuidade ao que foi exposto anteriormente, seguem-se os períodos de evolução do Estado constitucional e, consequentemente, os da Constituição dentro da visão apresentada do que seja o que constitui a negatividade e o lado ativo e produtivo da contradição na Constituição, como, também, dentro da visão que, por ser “de natureza mais estritamente política e jurídico-positivista, reconduz o Estado a um processo político e jurídico de agir”.133 Enfatiza, portanto, “a legitimidade política, a organização e a técnica de limitação do poder dos governantes” e “os direitos e deveres atribuídos aos governados”134, em cada período de evolução como se verá a seguir.

Assim, de início, tem-se o que encontramos a partir da indagação feita por Dallari, (1) a limitada eficácia jurídica das normas constitucionais – que, aqui, corresponde ao período denominado de “Estado constitucional, representativo ou de Direito”135 e, consequentemente, no que se refere ao Estado liberal burguês, o Estado constitucional no século XIX. Depois, (2) a criação de condições para a efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais – no denominado Estado social de Direito, “que sucede o Estado liberal burguês (ou com ele parcialmente coexiste)”.136 E, enfim, (3) a unidade contraditória e a efetivação das normas constitucionais, com a abrangência universal da constituição sobre os diversos ramos do direito, em que a Constituição deixa de ter um caráter abstrato e retórico, passando a ser mais efetiva, – neste sentido, toma-se como referência “a situação do Estado no século XX”137 e alguns “problemas no início do século XXI”.138

Quanto ao item (1), a limitada eficácia jurídica das normas constitucionais, que se refere ao constitucionalismo moderno, o qual está “estreitamente ligado a certa ideia de Direito – a ideia de Direito liberal, de liberdade política e de

133 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 28.134 Id. Ibid.135 Id. Ibid., p. 32.136 Id. Ibid., p. 42.137 Id. Ibid., p. 38.138 Id. Ibid.

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limitação do poder”139, é que se determina o início do que constitui a negatividade e o lado ativo e produtivo da contradição na Constituição.

O Estado constitucional é também denominado de Estado racionalmente constituído, “desde que os indivíduos usufruam liberdade, segurança e propriedade e desde que o poder esteja distribuído por diversos órgãos”.140 Esta concepção de Estado se encontra no art. 16º da Declaração de 1789: “Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.141

A partir deste modelo de Estado é que se pretende falar do processo evolutivo do Estado constitucional e do constitucionalismo, consequentemente, na perspectiva da dialética-especulativa. Por um lado, a constituição operava com grande eficácia na limitação dos poderes e garantia contra a violação dos direitos. Por outro lado, mesmo os direitos individuais tendo, em quase todos os Estados constitucionais, o sentido de expressão e síntese dos direitos fundamentais, eles careciam de efetividade.142

[...] tendo-se generalizado, na teoria constitucional, a ideia de que as normas constitucionais relativas ao exercício dos direitos individuais cuja efetivação dependia de ações de terceiros, fossem estes os Estados ou indivíduos, necessitavam de complementação por lei ordinária para se tornarem judicialmente exigíveis.143

Neste sentido, as normas constitucionais possuem limitada eficácia jurídica. A limitada eficácia jurídica das normas constitucionais deste período, contudo, são as expressões de uma Constituição desenvolvida e complexa, já que o poder não é mais mero atributo do Rei. “Em vez de um órgão único, o Rei, passa a haver outros órgãos, tais como Assembleia ou Parlamento, Ministros e Tribunais

139 Id. Ibid.140 Id. Ibid., p. 166.141 MIRANDA, 2009, p. 166.142 DALLARI, 2010, p. 203.143 Id. Ibid.

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independentes – para que, como preconiza Montesquieu, o poder trave o poder”.144 Contudo, em relação à eficácia jurídica das normas constitucionais, elas, pelo visto, encontram-se classificadas como não-autoaplicáveis e apresentam limitada eficácia jurídica por dependerem da ação de terceiros, os Estados ou indivíduos, para terem eficácia plena. A Constituição, neste aspecto, não passa de um meio para atingir a “proteção que se conquista em favor dos indivíduos, dos homens e cidadãos”.145 Assim, a Constituição pode ser denominada de “Constituição formal”, por ser apenas o meio para atingir os interesses dos indivíduos, tendo, por conseguinte, suas normas limitada eficácia jurídica.

O Constitucionalismo liberal, portanto, busca sua legitimidade se contrapondo à antiga legitimidade monárquica, em que a Constituição é a auto-organização de um povo.146 Neste aspecto, o fenômeno constitucional não se encontra universalizado, pois encontra sua referência em um conteúdo liberal. Portanto, pode-se falar em um processo evolutivo do Estado constitucional e do constitucionalismo, que, de início, privilegiavam e se restringiam aos interesses individuais, possuindo, consequentemente, limitada eficácia jurídica das normas constitucionais.

Estes interesses (individuais) podem vir a se relacionar com os interesses sociais (econômicos, culturais etc.), mas, de início, visam apenas os interesses individuais. Inicialmente na sua reflexão interna, o fenômeno constitucional liberal constitui sua própria identidade e desenvolve as condições nas quais se buscam e se opõem seus interesses, enquanto eles são trabalhados pelo movimento da negatividade e da alteridade essencial. O resultado dessa dialética contraditória, que move o interior do fenômeno constitucional liberal em seus interesses opostos, é a unidade do movimento reflexivo e negativo dos interesses que caracterizam o fenômeno do constitucionalismo liberal.

Os aspectos mencionados podem ser considerados como o início do processo evolutivo do Estado constitucional e do constitucionalismo, que tem seu desenvolvimento a partir da determinação da Constituição enquanto unidade contraditória dos dois movimentos de saída e de retorno em si, porque o movimento de reflexão se determina pelo jogo da identidade e da diferença, que podem ser

144 MIRANDA, 2009, p. 167.145 Id. Ibid.146 Id. Ibid.

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observados nos movimentos que buscam os interesses individuais que deram início a este processo evolutivo. Da identidade consigo mesma passa para uma relação com os interesses opostos aos interesses que caracterizam o fenômeno constitucional liberal e retornam a si como unidade. Isto implica em unidade dialética de dois processos opostos: os interesses individuais que são internos ao fenômeno constitucional liberal, que podem ser traduzidos como sendo os ideais constitucionais deste período histórico – a identidade –, e os interesses opostos, neste caso, os interesses de concretização destes ideais – a diferença –, postos em unidades opostas, que ainda não se encontram em unidade de fundamento, por isso tem por resultado a limitada eficácia jurídica das normas constitucionais.

2.3 CRIAÇÃO DE CONDIÇÕES PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS

Para tratar do tema da (2) criação de condições para a efetivação dos direitos, em continuidade ao que constitui a negatividade e o lado ativo e produtivo da contradição na Constituição, em concordância com o processo evolutivo do Estado constitucional e, consequentemente, do constitucionalismo, destaca-se a acentuada preocupação do Estado social de Direito com os direitos sociais, econômicos e culturais e, ainda, “um esforço de aprofundamento e de alargamento concomitantes da liberdade e da igualdade em sentido social, com integração política de todas as classes sociais”.147

O Estado social de Direito é denominado como sendo a segunda fase do chamado Estado constitucional, representativo ou de Direito.148 Isto se dá por dois motivos:

1º) porque, para lá das fundamentações que se mantêm ou se superam (iluminismo, jusracionalismo, liberalismo filosófico) e do individualismo que se afasta, a liberdade – pública e privada – das pessoas continua a ser o valor

147 MIRANDA, 2009, p. 42.148 Id. Ibid.

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básico da vida coletiva e a limitação do poder político um objetivo permanente; 2º) porque continua a ser (ou vem a ser) o povo como unidade ou totalidade dos cidadãos, conforme proclamara a Revolução Francesa, o titular do poder político.149

Enfim, como salienta Jorge Miranda, busca-se, neste momento histórico, “articular direitos, liberdades e garantias [...] com direitos sociais (direitos cuja função imediata é o refazer das condições materiais e culturais em que vivem as pessoas)”.150 Como também tratam de articular igualdade jurídica (a partida) com igualdade social (a chegada) e segurança jurídica com segurança social etc.151

É neste diapasão que se busca a criação de condições para a efetivação dos direitos. Em meio às lutas e resoluções de classes, econômicas, trabalhistas, enfim dos problemas sociais de toda espécie. A resolução do conflito de interesse passa pela negação da autonomia de cada grupo de interesses, a fim de alcançar a unidade dos interesses contraditórios numa nova autonomia. Esta, porém, conhece, ao mesmo tempo, o não-repouso incessante da contradição, porque a decisão dos grupos nunca é estática, mas, ao contrário, trata-se de uma relação mediatizada pelos interesses dos diversos grupos que caracterizam a pluralidade social. Isto vem caracterizar o aspecto democrático que está presente no Estado social de Direito. O Estado social e o Estado democrático são agrupados de forma que sejam tratados como um conjunto orgânico, visto que compartilham seus atributos, sendo que muitos deles se encontram em ambos.

Neste sentido, é interessante destacar a observação feita por K. Hesse sobre a coordenação de democracia e Estado social de direito na Lei Fundamental Alemã:

Democracia e estado de direito social, no sentido da Lei Fundamental, produzem efeito, ambos objetivamente, formador de unidade por sua

149 Id. Ibid.150 Id. Ibid.151 Cf. Id. Ibid., p. 43.

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legitimidade; eles fundamentam, ambos em seu modo de funcionar específico respectivo, funcionalmente unidade política; eles são, ambos, formas de racionalização, de conservação da continuidade, da divisão de poderes e do rechaço ao abuso de poder. Se suas ordens, nisso, se completam e, em certos pontos, cruzam-se mutuamente, então democracia e estado de direito social não devem, contudo, ser equiparados ou, sem diferenciações pormenorizadas, unidos à “democracia estatal-jurídica” ou ao “estado de direito democrático”.152

Tais caracterizações têm relação com a “conexão estreita entre democracia e estado de direito”.153 Contudo, tais caracterizações assumem prevalência em relação a esta conexão, na estrutura da Constituição.154

Quanto à luta incessante que se dá entre os diversos grupos que buscam seus interesses, na sociedade plural-democrática, é interessante citar, apenas como ilustrativo da ordem democrática, presente no Estado social e democrático de direito, a formação de uma opinião pública. A opinião pública desempenha importante papel no processo de formação da vontade política, sendo parte integrante da ordem democrática da Lei Fundamental.155 “Pelo direito fundamental da liberdade de opinião (artigo 5º da Lei Fundamental) cria a Lei Fundamental um corretivo importante, e que não deve ser desatendido, da mediatização pelos ‘órgãos especiais’ do artigo 20, alínea 2: ela possibilita a formação de uma opinião pública”.156 De forma bem resumida, pode-se dizer que, com a opinião pública, o povo pode participar, fora das eleições e votações, da direção geral política.157 Isto caracteriza um processo democrático que se encontra presente em um Estado social e democrático de direito. Já que,

152 HESSE, 1998, p. 216.153 Id. Ibid., p. 217.154 Id. Ibid.155 Id. Ibid., p. 131.156 Id. Ibid.157 Id. Ibid, p. 130.

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Opinião pública pressupõe conhecimento das situações públicas. Formação preliminar da vontade política somente é possível em discussão pública das opiniões e aspirações diferentes. [...] Em tudo, democracia é, segundo seu princípio fundamental, um assunto de cidadãos emancipados, informados, não de uma massa ignorante, apática, dirigida apenas por emoções e desejos irracionais que, por governantes bem-intencionados ou mal-intencionados, sobre a questão do seu próprio destino, é deixada na obscuridade.158

A participação dos cidadãos na vida pública é imprescindível. Como se pôde notar, para a organicidade do Estado social e democrático de direito, a dialética que se aplica à Constituição, neste sentido, refere-se ao debate, aos grupos, os poderes, a sociedade, etc. Então, o processo de determinação da opinião se confirma enquanto unidade contraditória dos dois movimentos de saída e de retorno em si, porque o movimento de reflexão se determina pelo jogo da identidade e da diferença da formação das opiniões formais do grupo. As opiniões formais se produzem como a identidade do grupo; depois, se propagam enquanto diferenciação comunicativa recíproca nos outros espaços públicos e, enfim, retornam como unidade, implicando identidade e diferença ou a unidade dialética de dois processos opostos: a opinião interna do grupo – a identidade – e a opinião do outro grupo – a diferença – postas em unidades opostas, pois os grupos defendem interesses opostos.159

É neste aspecto que “a Lei Fundamental não normaliza ‘democracia’ no sentido de um modelo completo e perfeito, senão somente em certos traços fundamentais”.160 O conteúdo da democracia fica a cargo da discussão política livre, que possui a lógica da dialética-especulativa, como visto anteriormente, em que há espaço para a realização de ideias diferentes.

No que se refere às questões de ordem democrática, ainda é possível destacar as contribuições teoréticas da teoria democrática de Nancy Fraser, que busca a garantia da participação paritária na vida cotidiana e na vida pública, em que todos devem possuir direitos iguais a ter estima social com uma condição

158 HESSE, 1998, p. 133.159 Cf. BAVARESCO, 2011, p. 82.160 HESSE, 1998, p. 117.

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de oportunidades iguais161. Tal teoria se apresenta como reflexo dos elementos de formação, que caracterizam o Estado social e democrático de direito, e demonstram a estreita relação que existe entre os direitos fundamentais e a democracia. Isto advém das reflexões, por vezes, denominadas de “antiliberais”, inspiradas na defesa da igualdade, típica do século XX, que, além de abranger as necessidades humanas básicas, constituem condições para a cooperação democrática. Isto, contudo, encontra maior desenvolvimento no âmbito do constitucionalismo, podendo-se destacar as contribuições teoréticas de Konrad Hesse e Peter Häberle, de Paulo Bonavides e Ingo W. Sarlet162, de Luís Roberto Barroso e Gustavo Binenbojm, dentre outros.

Chega-se, assim, ao que se pode denominar “de um certo consenso na atualidade sobre o papel central das noções de direitos fundamentais e democracia como fundamentos de legitimidade e elementos constitutivos”163 do Estado social e democrático de direito, “e que irradiam sua influência por todas as suas instituições políticas e jurídicas”.164

Contudo, é digno de nota, para o tema que trata da perspectiva evolutiva do Estado constitucional e do constitucionalismo, a abordagem que se refere à expansão das tarefas das Constituições contemporâneas. No passado, as constituições limitavam-se a tratar, geralmente de forma sintética, da estrutura básica do Estado e da consagração de direitos individuais e políticos, como visto anteriormente. Já no constitucionalismo contemporâneo, que se edifica a partir do advento do Estado Social, e que tem como marcos iniciais as Constituições do México, de 1917, e de Weimar, de 1919, as leis fundamentais passam a imiscuir-se em novas áreas, não só instituindo direitos de caráter prestacional, que reclamam atuações positivas dos poderes públicos e não mais meras abstenções, como também disciplinando assuntos sobre os quais elas antes silenciavam, como ordem econômica, relações familiares, culturais, etc. Neste contexto, as constituições deixam de ser vistas apenas como as leis

161 FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da Justiça na Era pós-socia-lista, in J. Souza (org.) Democracia Hoje: Novos Desafios para a Teoria Democrática Contempo-rânea. Brasília: UnB, 2001.162 Quanto a alguma referência feita à existência de tensões entre os direitos fundamentais e algu-mas das dimensões da democracia. Cf. SARLET, 2010, p. 61-62.163 BINENBOJM, 2008, p. 61.164 HESSE, 1998.

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básicas do Estado, circunscritas às temáticas do direito público, convertendo-se no estatuto fundamental do Estado e da sociedade.165

Vislumbra-se, portanto, neste patamar de vertente contemporânea, notória evolução tanto em nível conceitual como em relação às diversas mudanças de paradigmas, no que se refere às relações sociais e ao papel assumido pelas Constituições. Com o pós-positivismo jurídico, rótulo assumido pela doutrina contemporânea, os princípios constitucionais têm força normativa. Com tal reconhecimento, pelo fato dos princípios constitucionais “promoverem a incorporação à ordem jurídica dos mais importantes valores humanitários”166 e por proporcionarem, ao ordenamento jurídico, “a ductibilidade necessária para acomodação de novas demandas que surgem numa sociedade em permanente mudança”167. Tem-se, assim, a impossibilidade “do emprego de uma metodologia jurídica estritamente mecanicista, asséptica em relação aos valores, baseada exclusivamente na subsunção e no silogismo, reforçando a importância da argumentação e da racionalidade prática no domínio do Direito”.168

A partir desta perspectiva, pode-se falar numa supremacia não apenas formal, mas também material da Constituição, relacionada ao fato de que os valores mais caros a uma comunidade política costumam ser exatamente aqueles acolhidos pela sua Lei Maior, e que, exatamente por isto, são postos ao abrigo das vontades das maiorias legislativas de ocasião. Estes valores, densificados através de princípios e regras constitucionais, devem, pela sua relevância não apenas jurídica, como também moral, irradiar-se por todo o ordenamento, fecundando-o com sua axiologia transformadora.169

Com tamanha ênfase na supremacia da Constituição, é imprescindível que se leve em consideração seu conteúdo, principalmente no que se refere às 165 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e Relações Privadas, 2003, pp. 70-78.166 DWORKIN apud BINENBOJM, 2008, p. 64.167 BINENBOJM, 2008, p. 64.168 ALEXY apud BINENBOJM, 2008, p. 64.169 Id. Ibid., p. 65.

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questões sobre a relação entre indivíduo e sociedade. Diante de “ancestral disputa no curso da história do pensamento político”, há de se buscar, na sistemática constitucional vigente, sua posição em relação aos interesses particulares, como também em relação aos interesses públicos. Tendo nos fundamentos estruturantes do Estado social e democrático de direito suas cláusulas pétreas, torna-se evidente, portanto, o caminho a ser percorrido para uma posição que seja condizente com a Lei Maior.170

Assim, é possível ver os resultados deste processo evolutivo que possibilitam a criação de condições para a efetivação dos direitos, e isto culmina em uma maior efetividade da Constituição.

2.4 A UNIDADE CONTRADITÓRIA E A EFETIVAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

A unidade contraditória é a contradição no fundamento; neste momento do movimento dialético, identidade e diferença estão em unidade. É através da mediação das dimensões autônomas que se tem a dissolução das autonomias fixas ou a resolução das contradições. A unidade contraditória, em relação à efetivação das normas constitucionais, encontra sua mediação naquilo que Dallari chama de “mudanças que vêm sendo objeto de inovações teóricas [...] dentro da rubrica de sentido muito amplo que é o neoconstitucionalismo”.171 Como exemplo cita: “O Judiciário passou a ser muito mais do que um garantidor do respeito à legalidade estrita, para ser, em muitos casos, um complementador de normas constitucionais, visando dar-lhes efetividade”.172

Segundo Paulo Ricardo Schier, não se trata de “uma nova teoria constitucional ou um movimento doutrinário” o que a doutrina tem designado de neoconstitucionalismo, mas, parece tratar-se “de um momento teórico em que os constitucionalistas buscam a superação de modelos jurídicos positivistas e formalistas projetados ao discurso e dogmática constitucionais”173. Por isso,

170 Id. Ibid., p. 81.171 DALLARI, 2010, p. 204.172 Id. Ibid.173 SCHIER, Paulo Ricardo. Novos desafios...op. cit., p. 5.

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o neoconstitucionalismo também é denominado de neoconstitucionalismo pós-positivista. Ao destacar, nos modelos positivistas e formalistas, uma espécie de descaso com o direito constitucional, o neoconstitucionalismo apresenta-se como um “momento teórico” que, diante das insuficiências positivistas, busca enfatizar a importância da constitucionalização do Direito.

Contudo, para melhor esclarecer sobre o referido fenômeno jurídico, é importante destacar que as diversas mudanças ocorridas no Estado e no direito constitucional encontram-se, de muitas formas, refletidas no neconstitucionalismo pós-positivista. Alguns teóricos costumam apresentar estas mudanças subdividindo-as conforme o aspecto a ser enfocado. Assim, pode-se falar de (a) marco filosófico no que se refere ao pós-positivismo; de (b) marco histórico no que se refere à formação do Estado constitucional de direito; e, ainda, de (c) marco teórico no que se refere ao

[...] conjunto de novas percepções e novas práticas, que incluem o reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional, envolvendo novas categorias, como os princípios, as colisões de direitos fundamentais, a ponderação e a argumentação.174

Pode-se, portanto, a partir desta subdivisão, compreender melhor o fenômeno jurídico denominado de neoconstitucionalismo e observar, em relação aos vários aspectos abordados, as construções desenvolvidas no decorrer da história e que ainda se encontram em desenvolvimento, que merecem o devido destaque. A necessidade urgente pela constitucionalização do Direito, como, também, a urgência pela constitucionalização do Direito Administrativo demonstram, como bem enfatiza G. Binenbojm, que a “Constituição é o instrumento por meio do qual os sistemas democrático e de direitos fundamentais se institucionalizam no âmbito do Estado”.175 Na definição de Binenbojm, constitucionalização do direito ou 174 BINENBOJM, 2008, Prefácio XVIII.175 BINENBOJM, 2008, p. 61.

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neoconstitucionalismo é o processo por meio do qual os sistemas democrático e de direitos fundamentais “espraiam seus efeitos conformadores por toda a ordem jurídico-política, condicionando e influenciando os seus diversos institutos e estruturas”.176

Destaca-se a força normativa da Constituição que se efetiva em contexto amplo de interdependência das realidades existentes, sendo que a realidade política e a jurídica se fazem presente177 e a expansão da jurisdição constitucional.

a) Marco filosófico - No que se refere ao pós-positivismo jurídico, pode-se destacar o fato deste demonstrar notória mudança em relação às “reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação”178. Trata-se de um paradigma em construção, “composto por um conjunto de ideias ricas e heterogêneas”, que incluem os elementos que o tipificam, vindo, assim, a assumir o rótulo de pós-positivismo pela doutrina contemporânea. Segundo Binenbojm, “o reconhecimento dos valores, a reaproximação entre o Direito e a Ética, a normatividade dos princípios, a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica e a centralidade dos direitos fundamentais, edificados sobre o fundamento da dignidade humana”179, são os elementos que caracterizam o pós-positivismo diante da “superação histórica do jusnaturalismo” e do “fracasso político do positivismo jurídico”.180

Em relação à normatividade dos princípios muito se tem falado e dado importância ao extremo, principalmente pela doutrina contemporânea, no que se refere ao papel dos princípios e da sua eficácia normativa. Estes são apresentados como responsáveis de “promoverem a incorporação à ordem jurídica dos mais importantes valores humanitários”181, tendo, assim, nos princípios constitucionais a possibilidade de “uma reaproximação entre as esferas do direito e da moral, infundindo conteúdo ético ao ordenamento”.182

Contudo, é plausível considerar o que alguns positivistas epistemológicos defendem, a saber, “a tese de que essas formas de argumentação devem ser 176 Id. Ibid.177 HESSE, 1991, p.28.178 BINENBOJM, 2008, Prefácio, p. XVII.179 Id. Ibid.180 Id. Ibid.181 DWORKIN apud BINENBOJM, 2008, p. 64.182 Id. Ibid.

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compreendidas simplesmente como estratégias retóricas para o exercício de poder político”.183 Ao considerar esta tese, não significa adotar os procedimentos do positivismo jurídico epistemológico, no que se refere à redução do raciocínio jurídico a uma mera dedução formal e lógica, mas, apenas, se precaver das ‘estratégicas retóricas para o exercício de poder político’ que fazem o uso de argumentos persuasivos para sua justificação. Mas, se essa preocupação de suma importância é deficitária em R. Dworkin, N. MacCormick já “trata de oferecer metodologias jurídicas que fossem ao menos compatíveis com certos aspectos do positivismo jurídico”.184 Contudo, é importante ressaltar que a proposta de “uma teoria articulada do Direito e da metodologia jurídica” rejeita a estratégia reducionista positivista, que não considera a conexão entre Direito e Moralidade. Ela tem fundamentalmente a preocupação, no caso de MacCormick, de compreensão do raciocínio jurídico, a partir da concepção de qual seja sua função, isto é, a função de justificar uma ação; a função da justificação deve ser objetiva e não orientada a um sujeito ou grupo específico, sendo, portanto, claramente diferenciada da simples persuasão.185

Assim, torna-se necessário considerar as referidas objeções, feitas por MacCormick, no que concerne à adoção irrestrita do requisito de coerência, que evoca o raciocínio por princípios, defendido por Ronald Dworkin. MacCormick faz a devida distinção entre o seu pensamento e o pensamento dworkiniano.186

Segundo MacCormick, pelo fato de Dworkin transformar a coerência no critério interpretativo supremo, ele se apresenta como um hiperracionalista.187 MacCormick, porém, apresenta três elementos que na argumentação jurídica “revelam o papel que a razão desempenha nas questões práticas”.188 O primeiro elemento envolve a justificação por dedução (conclusões a partir de premissas normativas consideradas em conjunto com premissas de fatos comprovados), em que a “comprovação” de fatos envolve uma busca racional que vai muito além “das provas presentes disponíveis

183 BARRETO, Vicente de Paulo (org.). Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo-RS: Unisi-nos / Rio de Janeiro-RJ: Renovar, 2006, verbete: Direito e Moralidade, p. 238.184 Id. Ibid.185 Id. Ibid., p. 557. 186 Id. Ibid., p. 558.187 Id. Ibid.188 MACCORMICK, 2006, p. 346.

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à percepção direta”.189 Os outros dois elementos têm maior relevância na análise de argumentos de coerência e de coesão, respectivamente.

Portanto, diz MacCormick, não se trata de negar que argumentos a partir de princípios jurídicos desempenham um papel de profunda importância na argumentação jurídica, sendo, ainda, que a interpretação de normas é muito afetada por considerações de princípios.190 O importante é salientar que o fato de transformar argumentos de coerência no critério interpretativo supremo, como faz Dworkin, torna-o deficitário.

MacCormick busca uma tentativa de encontrar uma concepção intermediária entre o hiperracionalismo dworkiniano e o voluntarismo exacerbado dos positivistas epistemológicos do século XX. O hiperracionalismo de Dworkin, ao transformar a coerência no critério interpretativo supremo, tende a obscurecer a natureza voluntarista (e, assim, é apenas coerente contingentemente) das decisões institucionais tomadas pela comunidade. Por outro lado, o voluntarismo positivista, apesar de explicar consistentemente a estrutura institucional do direito, não é capaz de produzir uma teoria satisfatória do raciocínio jurídico.191

Assim, no que se refere à normatividade dos princípios, elemento este que se encontra no centro das preocupações do pós-positivismo jurídico, nota-se a necessidade por uma análise mais aprofundada da questão, já que o pós-positivismo jurídico, como marco filosófico das mudanças ocorridas no Estado e no direito constitucional e refletidas no neoconstitucionalismo pós-positivista, ainda se mostra como um paradigma em construção.

b) Marco histórico – a formação do Estado constitucional de direito – Hoje na contemporaneidade já se fala de um Estado Constitucional e humanista de direito. Este seria o resultado da evolução do sistema jurídico, definido como fontes jurídicas que dialogam, constituindo “uma macro garantia de proteção dos direitos humanos fundamentais frente ao exercício (ilegítimo) do poder”. Este processo que advém da evolução do Estado Constitucional de direito, que é caracterizado pela constituição e jurisprudência interna, assume dimensões

189 MACCORMICK, 2006, p. 346.190 Id. Ibid., p.302.191 BARRETO, 2006, p. 558-559.

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internacionais, no que se pode dizer que o direito, agora, é feito também pelos juízes internacionais, que são os fiscais da observância das formas jurídicas humanistas desenhadas pelos tratados internacionais. Contudo, no que se refere ao neoconstitucionalismo pós-positivista como marco histórico, tem-se como referência a formação do Estado constitucional de direito. Este é originário “das Constituições modernas americana e francesa até o constitucionalismo social – de cunho compromissário e dirigente – forjado na segunda década do século XX”.192

Sobre os aspectos de sua origem, pode-se ainda falar de “três modelos de Estado constitucional modernos: Liberal de Direito, Social de Direito e Democrático de Direito”.193 A Constituição, nestes casos, “funciona como um organismo garantidor da soberania e dos direitos do cidadão”.194 Porém, o que se observa com grande clareza é que se trata de fases pelas quais o Estado constitucional tem passado, como podemos ver em relação ao Estado Social.

Neste sentido, é notório o desenvolvimento histórico em relação ao Estado constitucional de Direito e, portanto, já se fala das primeiras linhas do Estado constitucional e humanista de direito.

c) Marco teórico – O neoconstitucionalismo vê a Constituição com poder de expansão em relação a todos os ramos do Direito. Não apenas como “um sistema em si – com sua ordem, unidade e harmonia”195, mas, como marco central sob o qual todos os ramos do Direito devem estar submetidos.

A constitucionalização do Direito demonstra a força normativa da Constituição, que passa a “condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional”.196 Tem-se “a juridicização de princípios e objetivos do Estado e da coletividade, operada pela Constituição”.197 Essas mudanças em relação à Constituição, no “momento teórico” denominado de neoconstitucionalismo, visam, como é possível notar, a máxima efetivação das normas constitucionais. A Constituição assume um papel efetivo e não 192 BOLZAN DE MORAIS, José Luis (org.). O Estado e suas crises – Porto Alegre: Livraria do Ad-vogado Ed., 2005, p. 232.193 BAVARESCO. Metamorfoses do Estado constitucional e a teoria hegeliana da Constituição. Obtido: http://www.robertexto.com/archivo2/metamorfose_do.htm 194 Id. Ibid.195 BARRETO, 2006, p. 558-559. 196 BINENBOJM, 2008, p. 19.197 Id. Ibid.

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mais abstrato, sendo que as normas constitucionais possuem sentido e, assim, refletem os anseios da sociedade.

Ao observar o importante papel que a norma jurídica assume desde o surgimento do Estado Social e Democrático de Direito, pois é com a amplitude das normas sobre o exercício do poder que se tem a passagem do superado Estado-Polícia198 para um Estado de Direito, “a ideia de Estado de Direito, sem perder o conteúdo inicial, foi sendo enriquecida até se chegar, hoje, ao Estado Social e Democrático de Direito”.199 Observa-se o importante papel do sentido que a norma jurídica assume em um Estado Social e Democrático de Direito, a fim de que este venha concretizar seus ideais.

c.1) Breve digressão sobre o papel da norma no neoconstitucionalismo:

É sob a ótica do neoconstitucionalismo que se tem o ingresso dos fatos e da realidade na própria estrutura da norma jurídica. O neoconstitucionalismo evita aquilo que Konrad Hesse pontua com grande ênfase: “o isolamento entre norma e realidade”. Assim, uma vez que se trata, também, de uma questão constitucional a efetivação dos ideais do Estado Social e Democrático de Direito, e essa efetivação passa pelo sentido adquirido pela força normativa da constituição, esses assuntos competem ao neoconstitucionalismo.

A ideia de Hegel de que o povo tem a Constituição que lhe é adequada e que lhe pertence, refere-se à constituição orgânica, que, por sua vez, reflete em um conjunto de normas seu sentido. No Estado Social e Democrático de Direito a formação das normas, a partir de um ordenamento jurídico que o compõe, também devem adquirir um determinado sentido sob a ótica do neoconstitucionalismo pós-positivista.

A norma jurídica, por possuir a dinâmica de adquirir o sentido de sua época, é compreendida conforme os ideais buscados em determinados contextos sócio-econômicos, em que se encontram inseridas. Daí pode-se inferir o sentido que a norma jurídica assume no Estado Social e Democrático 198 “O Estado exercia, em relação aos indivíduos, um poder de polícia. Daí referirem-se os autores, para identificar o Estado da época, ao Estado-Polícia, que impunha, de modo ilimitado, quaisquer obrigações ou restrições às atividades dos particulares” (SUNDFELD, Carlos Ari, Fundamentos de Direito Público. 4ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 34). 199 Id. Ibid., p. 36.

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de Direito, partindo do pressuposto que o principal ideal buscado pelo referido Estado é o dever de atingir os objetivos sociais.

O Estado Social e Democrático de Direito é, em síntese, “o entrelaçamento de: constitucionalismo, república, participação popular direta, separação de poderes, legalidade, direitos (individuais, políticos e sociais), desenvolvimento e justiça social”.200 Portanto, as normas devem estar imbuídas deste sentido, tendo a ciência do direito público brasileiro (isto é, o estudo das normas jurídicas que regulam o exercício do poder político), por exemplo, o dever de tomar como base a noção de Estado Social e Democrático de Direito.

Contudo, é importante diferenciar norma imbuída de sentido-valor da lei formal, no seu sentido liberal clássico, que está totalmente em crise.201 Essa diferenciação é desenvolvida por Gustavo Binenbojm sob o título: “o princípio da juridicidade administrativa”, que nas palavras de Bonavides encontra eco: “Se o velho Estado de Direito do liberalismo fazia o culto da lei, o novo Estado de Direito do nosso tempo faz o culto da Constituição”.202 Porém, não é o objetivo do presente trabalho desenvolver tal diferenciação e, sim, apresentar o contexto em que o neoconstitucionalismo se encontra. É nesse contexto que as normas constitucionais se apresentam com caráter integracionista, no sentido de refletir uma integração ética, moral, espiritual e institucional, que visa o desenvolvimento de funções com fins comuns, e universalista, no sentido de conferir uma maior proteção aos direitos fundamentais. Culmina, assim, no que se refere ao marco teórico, como citado anteriormente, que trata da necessidade de uma análise sobre a Jurisdição Constitucional que é fundamental para a integração entre o ideal constitucional e a Constituição concretizada, como se verá no próximo capítulo.

No momento é interessante apresentar um caso emblemático para tudo o que foi apresentado, até então, sob a insígnia de neoconstitucionalismo pós-positivista. Já que este foi apresentado como fenômeno jurídico típico do Estado Constitucional na sua formatação de um Estado Democrático de Direito203, faz-

200 SUNDFELD, 2008, p. 57.201 BINENBOJM, 2008, p. 126.202 BONAVIDES, 2008, p. 362. 203 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais entre proibição de retrocesso e “avanço” do poder judiciário? Contributo para uma discussão, p. 377, Estado Constitucional e organização do poder, (Org.) André Ramos Tavares et al., São Paulo: Saraiva: 2010.

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se relevante a abordagem do tema da assim designada proibição de retrocesso na esfera dos direitos sociais, já que este “diz respeito também à controvérsia em torno da expansão do Poder Judiciário, especialmente no campo do controle das opções legislativas e administrativas”204, buscando a proteção dos direitos sociais e, consequentemente, dos direitos fundamentais, como se verá a seguir.

2.4.1 Algumas considerações sobre a aplicação da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais

Para esta abordagem, cumpre enfatizar que o objetivo aqui, ao fazer algumas considerações sobre a aplicação da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais, é apenas apresentar a importância desta temática na atualidade. Destaca-se a “existência de uma conexão entre a proibição de retrocesso e o ‘avanço’ do Poder Judiciário”, ainda que de maneira sucinta, e sua relação com o Constitucionalismo contemporâneo e, consequentemente, com o Estado Democrático (e Social) de Direito, que busca assegurar e proteger a realização dos “direitos sociais” (que, aqui, abrangem os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais).

Para tanto, parte-se da ideia da proibição de retrocesso em um sentido amplo:

[...] significando toda e qualquer forma de proteção de direitos fundamentais em face de medidas do poder público (com destaque para o legislador e o administrador!), que tenham por escopo a supressão ou mesmo restrição de direitos fundamentais (sejam eles sociais ou não) constata-se, em termos gerais, que, embora nem sempre sob este rótulo, tal noção já foi recepcionada no âmbito do constitucionalismo luso-brasileiro e, em perspectiva mais ampla, no ambiente constitucional latino-americano e mesmo alguns países europeus, sem prejuízo da evolução na esfera do direito internacional.205

204 SARLET, 2010, p. 377.205 Id. Ibid., p. 378.

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Também é importante destacar a verificação da garantia constitucional (expressa ou implícita) já presente na necessidade de Segurança Jurídica nas relações, sendo expressões desta os três institutos: direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos e coisa julgada. E, ainda, o que se refere às vedações constitucionais de atos retroativos, “ou mesmo – e de modo todo especial – as normas constitucionais, em especial, todavia, a construção doutrinária e jurisprudencial, dispondo sobre o controle das restrições e direitos fundamentais”.206 Demonstra que “a questão da proteção de direitos contra a ação supressiva e mesmo erosiva por parte dos órgãos estatais encontrou ressonância”.207 Semelhante é a proteção contra a ação do poder constituinte reformador, concernente à previsão de limites materiais à reforma, como também é notória a manutenção do cerne material da ordem constitucional “ou pelo menos daqueles dispositivos (e respectivos conteúdos normativos) expressamente tidos como insuscetíveis de abolição mediante a obra do poder de reforma constitucional”.208 Tais limites, ainda que com significativa variação, possuem expressiva atuação no direito constitucional contemporâneo.

No direito constitucional brasileiro, é importante destacar o que se refere a um direito subjetivo negativo, a fim de ampliar as considerações sobre a aplicação da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais. Isto, porque, trata-se “de impugnação de qualquer medida contrária aos parâmetros estabelecidos pela normativa constitucional”.209 Com ênfase em considerar “que mesmo na seara das assim designadas normas constitucionais programáticas (impositivas de programas, fins e tarefas) ou normas impositivas de legislação”210, tem-se uma proibição de atuação contrária às imposições constitucionais, assim como se verifica “no âmbito da proibição de retrocesso”211. Trata-se, então, de uma eficácia negativa das normas constitucionais, em que os direitos sociais, no âmbito da eficácia negativa, encontram-se “em face de uma importante possibilidade de exigibilidade judicial”.212 Desta forma, os direitos sociais estão como direitos subjetivos de defesa, “em outros termos, 206 Id. Ibid.207 Id. Ibid.208 SARLET, 2010, p. 379.209 Id. Ibid.210 Id. Ibid.211 Id. Ibid.212 Id. Ibid., p. 380.

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como proibições de intervenção ou proibições de eliminação de determinadas posições jurídicas”.213

Contudo, diante do que foi exposto, é importante destacar que, em relação à proibição de retrocesso, mesmo que se reconheça uma função autônoma, no que se refere à seara dos direitos sociais, tal autonomia sempre será parcial e relativa. Visto que não há confusão entre a noção de proibição de retrocesso “com a de segurança jurídica e suas respectivas manifestações (com destaque para os direitos adquiridos e a proteção à confiança)”214, tendo, porém, “uma incensurável conexão entre ambas as figuras (proibição de retrocesso e segurança jurídica)”.215

Neste aspecto, faz-se necessário enfatizar e reconhecer que, “embora a proibição de retrocesso, segurança jurídica (incluindo a proteção à confiança, os direitos adquiridos e as expectativas de direitos) e dignidade da pessoa humana não se confundem”216, isto não significa, porém, que se trata de uma aplicação isolada e sem qualquer relação com os outros institutos, como bem se vê na doutrina e na jurisprudência.217 E, ainda, mesmo que tal princípio não se encontra com este rótulo de forma expressa nas Constituições, ele é, sem dúvida, um princípio implícito, já que “a proibição de retrocesso se encontra referida ao sistema constitucional como um todo”.218

Torna-se, portanto, digno de nota, a percepção de que,

[...] a proibição de retrocesso atua como baliza para a impugnação de medidas que impliquem supressão ou restrição de direitos sociais e que possam ser compreendidas como efetiva violação de tais direitos, os quais, por sua vez, também não dispõem de uma autonomia absoluta no sistema constitucional.219

213 Id. Ibid.214 Id. Ibid., p. 382.215 Id. Ibid.216 SARLET, 2010, p. 382.217 Id. Ibid., p. 383.218 Id. Ibid.219 Id. Ibid.

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Assim, no que se refere à aplicação concreta da proibição de retrocesso, “isto é, na aferição da existência, ou não, de uma violação da proibição de retrocesso, não se poderiam [...] dispensar critérios adicionais, como é o caso da proteção da confiança (a depender da situação, é claro)”220 e, também, dos demais institutos já citados anteriormente.

No que se refere à segurança jurídica e aos institutos que lhe são inerentes, aqui, em relação aos direitos adquiridos, destaca-se a exigência de uma compreensão “que dialogue com as peculiaridades dos direitos sociais, inclusive no que diz respeito com a própria proibição de retrocesso”.221 Busca-se uma exegese afinada com a proteção de justiça social, com o abandono de uma perspectiva individualista sem prejuízo da tutela dos direitos individuais, vindo a se sustentar a necessidade de se reconhecer um direito social adquirido.222

Ainda neste contexto, importa salientar, que,

O que se afirma é que a própria noção de segurança jurídica, no âmbito de uma constituição que consagra direitos sociais, não pode ficar reduzida, às tradicionais figuras da tutela dos direitos adquiridos ou da irretroatividade de certas medidas do poder público, exigindo, portanto, uma aplicação em sintonia com a plena tutela e promoção dos direitos fundamentais em geral, incluindo os direitos sociais.223

Chega-se, assim, ao “reconhecimento de uma proibição de retrocesso como princípio-garantia jurídico (seja qual for o rótulo utilizado)”224, que

[...] se revela, portanto, como necessário, pois parte das medidas que resultam em supressão e diminuição de direitos sociais ocorre sem que ocorra uma alteração do texto constitucional, sem que se verifique a violação de

220 Id. Ibid.221 Id. Ibid.222 Id. Ibid.223 Id. Ibid, p. 384.224 SARLET, 2010, p. 384.

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direitos adquiridos ou mesmo sem que se trate de medidas tipicamente retroativas.225

Cabe ressaltar, ainda, que o princípio da proibição de retrocesso mantém diálogo permanente com outros princípios e regras, “tendo assumido uma posição de destaque, seja na esfera constitucional, seja na esfera do direito internacional dos direitos humanos, como importante ferramenta contra uma evolução regressiva (retrocessiva)”226, no que se refere aos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais.

Contudo, faz-se necessário compreender, por diversas razões que não serão aqui desenvolvidas, e reconhecer que a proibição de retrocesso não possui a natureza de uma regra de cunho absoluto, mas que sua aplicação é proporcional à preservação do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Se este não se encontra em risco, em determinada situação, não é possível caracterizar uma restrição como sendo sujeita à proibição de retrocesso.

Com isso, pode-se dizer que a preservação do núcleo essencial dos direitos sociais, que se encontra constitucionalmente garantido, é o que delimita a aplicação da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais. É o responsável pela vinculação do poder público ao que se refere a uma proteção contra o retrocesso, representando, assim, “aquilo que efetivamente se encontra protegido”.227

Para desenvolver esta temática, ainda é possível tratar das possibilidades de relações em que está vinculada a noção de núcleo essencial dos direitos sociais e que contribuem para uma análise mais pormenorizada “da problemática do alcance da proteção contra o retrocesso em matéria de direitos sociais”.228 Podendo, assim, dar aprofundamento “no que diz respeito com a vinculação do problema às noções de dignidade da pessoa e da garantia das condições materiais mínimas para uma vida digna”.229 Porém, é preferível não tratar de nenhuma vinculação, no momento, por entender

225 Id. Ibid.226 Id. Ibid., p. 386.227 Id. Ibid., p. 399.228 Id. Ibid.229 Id. Ibid.

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que a preservação do núcleo essencial dos direitos sociais apresenta-se como âncora para a proibição de retrocesso, sendo, aqui, suficiente um enfoque que apresente a preservação do núcleo essencial dos direitos sociais como ponto de fuga para a problemática do alcance da proteção contra o retrocesso em matéria de direitos sociais.

Nota-se, aqui, mais uma consideração quanto à aplicação da proibição de retrocesso, a qual se refere a um conjunto de critérios, como também é o caso dos princípios de proporcionalidade e razoabilidade, que devem levar em conta, em qualquer medida restritiva, a preservação do núcleo do direito fundamental afetado. Contudo, definir qual seja o núcleo do direito fundamental afetado, em uma dada situação, requer outro tipo de análise. Aqui, porém, importa destacar que o ponto nodal para a aplicação da proibição de retrocesso aparece como sendo o núcleo do direito fundamental afetado em determinada situação. Este aparece como limite último ou, melhor dizendo, como sendo o limite dos limites.

Assim, podemos avançar para concluir este item, que objetivou, apenas de forma sucinta, apresentar algumas considerações quanto à aplicação da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais, com a abordagem, também sucinta, da “existência de uma conexão entre a proibição de retrocesso e o ‘avanço’ do Poder Judiciário”. A existência de tal conexão pode ser vista em um “manejo constitucionalmente adequado e responsável do princípio da proibição de retrocesso”230, não sendo, evidentemente, esta

[...] a única via para proteger os direitos fundamentais sociais, também não restam dúvidas de que se trata de uma importante conquista da dogmática jurídico-constitucional (notadamente mediante o labor da doutrina e crescente incidência na esfera jurisprudencial) para assegurar, especialmente no plano de uma eficácia negativa, a proteção dos direitos sociais contra a sua supressão e erosão pelos poderes constituídos, ainda mais num ambiente marcado por acentuada instabilidade social e econômica, como é o caso – também – do espaço latino-americano.231

230 SARLET, 2010, p. 409.231 Id. Ibid.

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Por fim, no que se refere ao ‘avanço’ do Poder Judiciário, especificamente, nota-se que “um controle judicial das opções legislativas e administrativas”232, no que tange aos deveres de proteção, necessita da atuação responsável do Poder Judiciário, que deve estar em consonância com a permanente reconstrução do princípio da separação dos poderes (fundamento da democracia), “no âmbito de uma lógica político-jurídica pautada pela cooperação e integração entre as funções, órgãos e agentes que representam a esfera estatal”233, sem esquecer de manter, evidentemente, a interlocução com a sociedade civil. Desta forma, pode-se falar em um suposto “avanço” do Poder Judiciário, principalmente no que se refere ao dever de progressiva realização dos direitos sociais, que aqui foram apresentados como direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

Com a apresentação deste caso emblemático, que destaca a existência de uma conexão entre a proibição de retrocesso e o ‘avanço’ do Poder Judiciário, e em continuidade ao movimento lógico dialético-especulativo, que, no presente capítulo, tratou do momento da unidade contraditória na constituição e no Estado constitucional, faz-se necessário abordar o que se refere à Jurisdição constitucional como forma de implementação dos direitos fundamentais e dar prosseguimento ao movimento da contradição que leva à efetividade. Isto, porém, será desenvolvido no próximo capítulo, como veremos a seguir.

232 Id. Ibid., p. 411.233 SARLET, 2010, p. 411.

3 EFETIVIDADE HEGELIANA E AS IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA

PERSPECTIVA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

Hegel trata da efetividade na 3ª seção da Doutrina da essência. A efetividade é a unidade da essência e da existência; nela, a essência sem configuração e a aparência inconsistente, ou seja, o subsistir sem determinação e a multiplicidade instável, tem sua verdade.234 Isto significa que, na efetividade, tem-se para os aspectos da essência e da aparência uma relação de unidade, em que a essência não é destituída da forma, mas tem uma configuração e um desdobramento objetivo; suas propriedades têm mobilidade. Por um lado, a aparência tem consistência interna e determinação essencial, por outro lado, desaparece a concepção de que a aparência é a dispersa multiplicidade aparente sem conteúdo.

Nesta relação, existe uma dialética no duplo movimento da essência na aparência e da aparência na essência. É o suprassumir-se de uma na outra, que tem na efetividade sua totalização; isto é, cada uma desenvolve, em seu interior, a identidade negativa, que culmina na superação da essência na exterioridade da aparência com o retorno da exterioridade para a interioridade, quando esta transpõe o momento de efetividade das determinações externas. A efetividade se mostra, assim, em um movimento circular contínuo de passagem da interioridade na exterioridade e da exterioridade na interioridade. Por se tratar de uma dialética da mútua integração e da mútua superação, o aspecto negativo contraditório deve ser evidenciado, por ser este o elemento fulcral do movimento dialético.

Pode-se verificar que a efetividade se dispõe em três momentos: no primeiro, refere-se à efetividade, entendida como unidade do possível e do efetivo imediato, a identidade formal; a seguir, ela se determina como exterioridade concreta, a diferença real; e, por último, ela se apresenta como o círculo da possibilidade e da efetividade, o fundamento ou a unidade absoluta.235 Contudo, como observado anteriormente, a contradição tem importância

234 HEGEL, 1974, p. 237.235 BAVARESCO, Agemir. O movimento lógico da opinião pública: a teoria hegeliana. São Paulo: Loyola, 2011, p. 95.

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fundamental na dialeticidade da efetividade. Assim, para tratar do movimento efetivo na Constituição, torna-se necessário analisar a efetividade enquanto (1) contradição formal; (2) contradição real; e (3) contradição absoluta.236

Portanto, falar da efetividade hegeliana na Constituição significa falar do momento gerador do movimento dialético, que é a contradição na efetividade contida na própria Constituição. Vê-se, então, a efetividade hegeliana imanente à Constituição de um Estado (social) e democrático de direito. Assim, os direitos fundamentais, “como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos”237, apresentam-se como núcleo substancial (parte orgânica e organizatória) das Constituições, tendo, assim, implicações metodológicas em cada movimento da contradição analisado nos momentos da determinação da efetividade na Constituição. Contudo, sob um outro aspecto que deve ser mencionado, os direitos fundamentais também assumem um significado a ser desenvolvido, a saber, a partir da delimitação de algumas de suas características próprias nas Constituições e, aqui, refere-se especificamente ao âmbito do Direito. Neste sentido, porém, entende-se que os direitos fundamentais têm implicações metodológicas na efetividade (que se refere à eficácia social das normas constitucionais) das Constituições na perspectiva da Jurisdição constitucional, porque esta é cunhada para conferir maior proteção aos direitos fundamentais, sendo fundamental para a integração entre o ideal constitucional e a Constituição concretizada. “A jurisdição constitucional passa a ser a condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito”.238

Então, ao se falar de efetividade hegeliana e das implicações metodológicas dos direitos fundamentais na perspectiva da Jurisdição constitucional, pretende-se, em continuidade ao movimento lógico dialético-especulativo que no capítulo anterior tratou do momento da unidade contraditória na Constituição e no Estado constitucional, abordar a Jurisdição constitucional como forma de implementação dos direitos fundamentais e, além disso, dar prosseguimento ao movimento da contradição que leva à efetividade. Começamos com a análise da efetividade enquanto contradição formal.

236 BAVARESCO, 2011, p. 95.237 SARLET, 2010, p. 61.238 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 27.

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3.1 A POSSIBILIDADE FORMAL IMEDIATA NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A efetividade analisada enquanto contradição formal corresponde ao primeiro momento da efetividade, entendida como unidade do possível e do efetivo imediato e sua determinação é a contingência. A efetividade é formal, porque existe só nesta determinação da forma, mas não como totalidade da forma. Assim, não é mais que um ser ou uma existência em geral. Mas, desde que não é essencialmente pura existência imediata, senão que existe como unidade da forma do ser-em-si, ou seja, da interioridade e da exterioridade, contém, assim, de modo imediato, o ser em si ou a possibilidade. “O que é efetivo é possível”.239 Esta possibilidade é a efetividade refletida em si. Todavia, este primeiro ser refletido é também o formal, pois isso é em geral só a determinação da identidade consigo mesma, o do ser-em-si em geral.

Mas, pelo fato de que a determinação é aqui totalidade da forma, este ser-em-si se acha determinado como algo superado ou como relacionado essencialmente só com a efetividade, como o negativo desta, posto como negativo. A possibilidade, por conseguinte, contém os dois momentos: primeiro, o momento positivo, que consiste em um ser refletido em si mesmo. Porém, ao estar reduzido no momento à forma absoluta, este ser refletido em si não vale mais como essência, tendo, em segundo lugar, o significado negativo, isto é, que a possibilidade é incompleta, que aponta para um outro, isto é, para a efetividade, e se completa nesta.240

A possibilidade é a pura determinação da forma da identidade consigo mesma, ou seja, a forma da essencialidade. Assim, é um receptáculo carente de relação, indeterminado, que pode conter o todo em geral. No sentido desta possibilidade formal, é possível tudo o que não se contradiz; o reino da possibilidade consiste na ilimitada multiplicidade. Porém, cada termo variado está determinado em si e se diferencia do outro e tem em si a negação. Essa variedade dos termos forma uma diversidade indiferente que passa à oposição e desta à contradição.241

239 HEGEL, 1974, p. 244.240 Id. Ibid.241 Id. Ibid.

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O momento negativo da possibilidade, por sua vez, designa que a não-contradição é insuficiente para definir o efetivo, pois o possível é mais do que a proposição da identidade; ele é a contradição nele mesmo. O possível é o ser refletido em si, que tem o dever-ser da totalidade da forma. A possibilidade como forma absoluta tem um conteúdo nela que é possível e também um outro conteúdo que é seu contrário.242

A contingência é a relação unificante e contraditória do possível e do efetivo. É a unidade da possibilidade e da efetividade. A absoluta inquietude do devir destas duas determinações é a contingência. Todavia, porque cada uma se transforma de imediato em seu oposto, e volta a coincidir de maneira absoluta consigo mesma, esta identidade das duas determinações, uma na outra, constitui a necessidade.243

Neste primeiro momento, em que a verdade da efetividade segue a determinação da possibilidade formal imediata na Constituição, algumas notas a respeito da posição e do significado dos direitos fundamentais, na Constituição de um Estado democrático e social de direito, contribuem para mostrar as implicações metodológicas dos direitos fundamentais neste momento. A forma da Constituição em sua imediatidade formal deve passar pela contradição, a fim de que todo tipo de desvio que conduz a um dualismo, que caracteriza a fragmentação das dimensões (formal-material) da Constituição, seja superado e, assim, torne-se efetividade.

Neste sentido, destaca-se que os direitos fundamentais integram, junto à “definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do Estado constitucional, constituindo, assim, não apenas parte da Constituição formal, mas também elemento nuclear da Constituição material”.244 Com este destaque, percebe-se que o possível da efetividade na Constituição é mais do que a proposição da identidade; ele é a contradição nele mesmo, tendo, assim, os direitos fundamentais implicações metodológicas neste momento em que se define que apenas a proposição da identidade é insuficiente para a efetividade na Constituição. Eles aparecem como que ressaltando o “momento negativo da possibilidade” na Constituição.

242 HEGEL, 1974, p. 245.243 Id. Ibid.244 SARLET, 2010, p. 58.

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3.1.1 A efetividade formal contém imediatamente a possibilidade

Na efetividade formal que contém imediatamente a possibilidade, observa-se que essa possibilidade contém dois momentos: o positivo e o negativo, como visto anteriormente. Assim, primeiramente, com a possibilidade formal no princípio da identidade, que é o positivo, tem-se o momento em que a possibilidade formal da Constituição é idêntica a si e diversa ao outro; ela é vista em si mesma, desprovida de relação e indeterminada. No princípio da identidade, a possibilidade formal afirma ser possível somente o que não se contradiz; isto em relação à Constituição seria dizer que Constituição é Constituição, A é A. Mas, constata-se que cada termo variado que é idêntico a si e diverso em relação ao outro tem a negação nele. Assim, essa variedade dos termos forma uma diversidade indiferente que passa na oposição e desta à contradição.245

Contudo, o momento negativo da possibilidade designa que a não-contradição é insuficiente para definir o efetivo, pois o possível é mais do que a proposição da identidade; ele é a contradição nele mesmo, como visto acima. Assim, “estava definitivamente consagrada a íntima vinculação entre as ideias de Constituição, Estado de Direito e direitos fundamentais”246, em que “o Estado constitucional determinado pelos direitos fundamentais assumiu feições de Estado ideal, cuja concretização passou a ser tarefa permanente”.247 Neste sentido, também, os direitos fundamentais são contemplados na perspectiva da Jurisdição constitucional, pois a esta compete resguardar a concretização destes direitos.

Assim, as determinações da Constituição são postas em relação (como suprassumidas): “elas são postas em relação e, por consequência, se tornam expressivas do real em sua racionalidade efetiva”.248 Contudo, a efetividade formal é imediata e não-refletida; ela não tem ainda a unidade do interior e do exterior. Esta unidade se dá na efetividade real, como veremos a seguir.

245 HEGEL, 1974, p. 245.246 SARLET, 2010, p. 59.247 Id. Ibid.248 BAVARESCO, 2011, p. 98-99.

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3.2 IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA MEDIAÇÃO QUE OCORRE

NA CONSTITUIÇÃO

A efetividade real é, de início, a coisa com propriedades múltiplas, o mundo existente; portanto, ela não é a existência que se dissolve no fenômeno, mas, como efetividade, ela é ao mesmo tempo ser-em-si e reflexão-em-si. A efetividade é, portanto, a unidade de um conteúdo e de uma forma, de determinações modeladas pela reflexão e pela ação. O que é efetivo pode agir; sua efetividade faz conhecer algo pelo que ele produz.249

A possibilidade real de uma coisa se encontra nas determinações múltiplas –circunstâncias, condições –, nas quais se constitui sua unidade. Esta possibilidade é o ser em si, ou a reflexão do efetivo nele mesmo cheio de conteúdo, isto é, não a identidade abstrata, mas a reflexão sob a forma de determinações exteriores. A possibilidade real de uma Coisa é, de início, o conjunto de suas condições, uma existência imediata, enquanto ela é uma realidade dispersa, sem unidade, como uma efetividade formal. Depois, a possibilidade real totaliza nela a forma e dota-se de um conteúdo a respeito da efetividade, e ela é o ser em si efetivo de uma outra efetividade. Assim determinada, ela se reflete em si a partir dessa alteridade.250

Quando as condições de uma coisa se acham completamente presentes, então ela entra na realidade. A existência completa de todas as condições é a totalidade respectiva ao conteúdo, e a coisa mesma é este conteúdo que está determinado tanto para ser algo real, como para ser algo possível. Na esfera do fundamento condicionado, as condições têm a forma, isto é, o fundamento ou a reflexão que existe por si, fora delas e a forma se refere aos momentos da coisa, e produz nelas a existência. Aqui, ao contrário, a realidade imediata não está determinada, para ser condição, por uma reflexão que pressupõe, mas se acha estabelecido que ela mesma seja possibilidade.251

Assim, a possibilidade real é determinada como condição nela, em virtude de sua natureza imediata contraditória, e não por meio da reflexão que

249 HEGEL, 1974, p. 248.250 BAVARESCO, 2011, p. 100.251 HEGEL, 1974, p. 247.

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pressupõe, como era o caso na emergência da existência a partir do fundamento. É nelas que as condições se refletem em si, como possibilidade concreta e real. Não se tem mais um interior que pressupõe, para existir, um exterior, mas um exterior que se pressupõe ele mesmo em nível de sua razão de ser, em nível de seu fundamento concreto e efetivo. Não há, nas coisas, um além explicativo das coisas; a profundeza é a superfície tomada na verdade, isto é, como realidade que veio a ser.252

A contradição, neste momento, chegou à sua forma estruturada, pois a possibilidade é a efetividade ela mesma, e a efetividade é a possibilidade retornada à unidade determinada; ou seja, possibilidade e efetividade são uma só realidade e esta realidade é da ordem do necessário: a “necessidade real”.

Para Hegel, a necessidade não é uma propriedade ontológica, mas o modo de organização das relações que concernem ao efetivo e ao possível. A passagem da possibilidade real para a necessidade real não tem nenhum sentido de se tornar um gerador de uma nova determinação. Essa passagem é apenas, na realidade, a explicação, no desenvolvimento da contradição interna à possibilidade real, da identidade de conteúdo que ela pressupõe.253

Inicialmente, a identidade formal era a possibilidade e a efetividade posta na contradição formal a partir da imediatidade; depois, a efetividade e a possibilidade se refletem pelo jogo da diferença e da negatividade em cada uma delas e retornam a si através do outro, e essa identidade como alteridade é a necessidade real. O último passo é a necessidade absoluta que consistirá em reduzir essa exterioridade restante de cada uma das reflexões em relação ao outro.

No que concerne às implicações metodológicas dos direitos fundamentais em relação à efetividade na Constituição, neste momento, se refere à mediação. A Constituição, de início, tem necessidade de se refletir e de se mediatizar, a fim de fazer emergir dela mesma o elemento substancial ou essencial que permanece implícito na sua primeira imediatidade. Por isso, a 252 Id. Ibid. 253 J. Biard et alli, apud BAVARESCO, 2011, p. 101.

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posição de independência é uma primeira condição formal para que o conjunto das condições imediatas, dispersas na Constituição, se reflita em si a partir do outro, isto é, da efetividade enquanto totalidade da forma e do conteúdo. Esta efetividade enquanto o outro da Constituição é o elemento objetivo que oferece a possibilidade da mediação à Constituição imediata. A Constituição enquanto possibilidade de se efetuar contém nela um conteúdo diverso que se opõe e, portanto, que leva à contradição. A partir desta, a Constituição é uma possibilidade geradora de efetividade, pois, desde o processo da mediação da contradição e quando todas as condições racionais estão presentes, pode-se produzir algo de grande na efetividade e na ciência. Ou seja, a atividade estruturante e produtiva da contradição faz com que a possibilidade da Constituição se efetue tanto no campo jurídico quanto no político numa ação histórica essencial; isto, por exemplo, no que se refere ao domínio da ciência, assume a composição das verdades científicas.254

Portanto, se a primeira condição formal é de independência em relação à Constituição, a segunda condição é concreta, isto é, que a entrada da Constituição na ação da contradição real vai estruturar a possibilidade na ordem da necessidade real; ou seja, num modo de organização das relações entre a possibilidade que se efetua politicamente e, depois, essa efetividade histórica imediata torna-se uma possibilidade nova para a hermenêutica jurídica da Constituição, que, por sua vez, encontra seus limites na própria Constituição. Assim, o verdadeiro e o falso se misturam na diversidade imediata e, ao mesmo tempo, se opõem e se contradizem na Constituição formal-material. A oposição, neste momento, se mostra entre o imediato formal e o material que estão em relação, sendo este movimento considerado verdadeiro; o falso seria o movimento metodológico isolado. Isto pode ser visto, também, na mediação do social, do político e do científico, que se dá através dos direitos fundamentais na Constituição, pois se encontra a possibilidade efetiva implícita na imediatidade que contém em si mesma a Constituição.

Este processo de mediação que ocorre na Constituição (formal-material), em que as implicações metodológicas dos direitos fundamentais se fazem presentes, pode ser desenvolvido a partir da consideração feita quanto

254 Cf. BAVARESCO, 2011, p. 101.

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à fundamentalização, que Robert Alexy define como sendo a preservação da proteção de certos direitos num sentido formal e num sentido material.255 A fundamentalidade, tal como apresentada por Alexy, possibilita a visualização das implicações metodológicas dos direitos fundamentais na mediação. Assim, é interessante tratar do tema da fundamentalidade formal e material dos direitos fundamentais, segundo a concepção de Alexy, porém, de forma sucinta, pois se objetiva, aqui, apenas contemplar as implicações metodológicas destes na mediação que se dá na Constituição formal-material.

3.2.1 Algumas notas sobre a caracterização de fundamentalidade em Alexy

Num sentido formal, a fundamentalidade apresenta os seguintes aspectos: a) as normas definidoras dos direitos fundamentais são consideradas normas fundamentais, que se situam no ápice do ordenamento jurídico; b) sujeitam-se, portanto, a procedimento especial de reforma; c) manifestam-se, em regra, como limites materiais ao poder de reforma; d) e, finalmente, vinculam imediatamente os poderes públicos. Num sentido material, a fundamentalidade dá ênfase ao conteúdo dos direitos. Isto, porém, adaptado ao direito constitucional português, por José Joaquim Gomes Canotilho, e ao direito constitucional brasileiro, por Ingo Wolfgang Sarlet, sofreu certo aprofundamento em relação às peculiaridades correspondentes aos direitos dos respectivos países. Contudo, não é de interesse aqui, adentrar nestas questões, como já enfocado anteriormente.

O que importa, no momento, é destacar que a ideia de fundamentalidade decorre da circunstância de serem os direitos fundamentais elementos constitutivos, também, da Constituição material. Só a fundamentalidade material pode fornecer suporte para a abertura da Constituição a outros direitos, também fundamentais, mas não positivados, Direitos materiais, mas não formalmente fundamentais, conforme os art. 5º, § 2º, da CF – (Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que 255 Cf. ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997, p. 503 -506.

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a República Federativa do Brasil seja parte) e art. 16, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) – (Âmbito e sentido dos direitos fundamentais. 1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional).

Neste aspecto, observa-se que os direitos fundamentais são considerados de possuírem fundamentalidade material, “isto é, da circunstância de conterem, ou não, decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade, de modo especial, porém, no que diz com a posição nestes ocupada pela pessoa humana.”256 Isso vem a revelar o conteúdo destes, isto é, a matéria propriamente dita, dos direitos fundamentais, sendo estes, elementos constitutivos da Constituição material, pois eles contêm decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade.257 Vê-se, assim, que com a abertura material a outros direitos fundamentais não previstos expressamente no texto constitucional, tem-se o reconhecimento da fundamentalidade material por meio da Constituição formal. Neste reconhecimento, ocorre uma mediação entre Constituição formal e Constituição material e os direitos fundamentais, desta forma, possuem implicações metodológicas no processo da mediação que se dá na Constituição (formal-material).

Neste sentido, cabe ressaltar que, aqui, Constituição formal-material, como vem sendo citado, refere-se à concepção de uma teoria constitucional que busca implementar a ‘força normativa da constituição’ em vista de sua efetivação. É nesta perspectiva que é possível ater-se às implicações metodológicas dos direitos fundamentais no processo de mediação que ocorre na Constituição formal-material. Assim, foi possível ver que os direitos materialmente fundamentais, sendo elementos constitutivos da Constituição material, têm implicações na mediação que ocorre entre esta e a Constituição formal, com a abertura material. Mas, também, é possível contemplar as implicações que os direitos formalmente fundamentais, que integram a Constituição formal, exercem na mediação que ocorre entre ambas.

Os direitos formalmente fundamentais têm força jurídica, prevalência e prioridade em face dos poderes constituídos, com destaque no Brasil, à aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais e o fato de

256 SARLET, 2010, p. 75.257 Cf. Id. Ibid.

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serem limites materiais ao poder de reforma constitucional. Além destas consequências, ainda por vincularem imediatamente os poderes públicos, os direitos formalmente fundamentais têm implicância metodológica na mediação que ocorre na Constituição formal-material, com a limitação dos poderes públicos através da força jurídica, prevalência e prioridade dos direitos formalmente fundamentais. Desta forma, destaca-se a atuação da jurisdição constitucional que é absolutamente necessária para a concretização dos direitos previstos na Constituição.

No Brasil, depois de 1988, isso é denominado, por muitos, de “viragem paradigmática” dos direitos fundamentais.258 Os direitos fundamentais são dotados de eficácia imediata, “o que significa dizer que eles podem ser, desde logo, invocados pelos particulares perante o poder Judiciário”.259 Assim, “os direitos fundamentais não são instrumentos do Estado; este, sim, é instrumento dos direitos fundamentais”260, tendo como consequência a urgência dos Tribunais constitucionais. No Brasil, trata-se do fortalecimento do Poder Judiciário; a Constituinte de 1988, desta forma, concede plena credibilidade ao Judiciário. Com “novas técnicas que permitem ao Judiciário fulminar os atos normativos ou não normativos do Poder Público que estejam em descompasso com os direitos fundamentais”261, tem-se, assim, a expansão do controle jurisdicional no que se refere à proteção dos direitos fundamentais.

Desta forma, mesmo que apenas com a apresentação de algumas nuances do momento teórico pelo qual o constitucionalismo contemporâneo atravessa, como acabamos de ver, é possível observar este momento da lógica hegeliana, em que o movimento da mediação acontece na Constituição formal-material. Os direitos fundamentais possuem implicações metodologias nesta mediação, sendo que se encontram ainda na perspectiva da Jurisdição constitucional, neste processo da contradição real.

O próximo momento do movimento efetivo na Constituição formal-material é o momento em que a efetividade será analisada enquanto contradição absoluta. 258 Cf. SAMPAIO, José Adércio Leite. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Hori-zonte: Del Rey, 2003, p. 391.259 Id. Ibid.260 Id. Ibid., p. 392.261 SAMPAIO, 2003, p. 392.

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3.3 A CONTRADIÇÃO ABSOLUTA NA NECESSIDADE ABSOLUTA

A necessidade real é a necessidade determinada; a necessidade formal não tem, todavia, nenhum conteúdo nem determinação nela. Mas, a determinação da necessidade consiste que ela tem em si sua negação, isto é, a contingência. Desta forma, ela se apresenta.262

Em sua realização, a forma tem permeado suas diferenças. Como absoluta necessidade não é mais que esta simples identidade do ser em sua negação, ou seja, na essência, consigo mesma. A diferença mesma do conteúdo e da forma tem desaparecido igualmente; de fato, aquela unidade da possibilidade na efetividade e vice-versa é a forma indiferente frente a si mesma em sua determinação ou ser-posto; é o completo conteúdo da coisa transferido para o exterior da forma da necessidade. Assim, ela é esta identidade refletida de ambas as determinações; indiferente a elas é a determinação formal do ser-posto, e esta possibilidade constitui a limitação do conteúdo, que tinha a necessidade real. A resolução desta diferença, no entanto, é a necessidade absoluta, cujo conteúdo é esta diferença que está em si mesma.263

Nos momentos da contradição, a possibilidade e a efetividade são, de início, efetividades que contêm, cada uma nela mesma, a unidade absoluta desses mesmos momentos. Em segundo lugar, cada um desses momentos é totalidade independente do outro e, portanto, cada um se converte absolutamente em seu outro. Isso quer dizer que eles atingiram a mais extrema exterioridade e independência recíproca. Cada uma das efetividades tem nela mesma suprassumida sua relação ao outro e encontra nela mesma a razão de seu ser. A necessidade assim constituída suprassume todo aparecer das determinações umas nas outras, que caracterizaria a contingência e a necessidade relativa. Tem-se, aqui, a imediatidade absoluta na unidade com sua mediação, ou seja, a imediatidade que unifica nela o passar do ser e o aparecer da essência. A dualidade do ser e da essência é plenamente suprassumida e se realiza em proveito da imediatidade do ser, pois o ser ressurgiu completamente do interior do movimento contraditório da essência. 262 HEGEL, 1974, p. 248.263 Id. Ibid., p. 249.

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Então, a unidade contraditória de cada uma das efetividades (efetividade imediata e efetividade autônoma) se suprassume e a efetividade absoluta ou a unidade da imediatidade e da mediação pode ser vista. Isto, na essência, como foi analisado, é o refletir das categorias enquanto negação em que o ser se efetiva.

Contudo, o momento da contradição absoluta na necessidade absoluta, que está em análise, no que se refere à Constituição formal-material, trata-se de quando todas as condições desta são dadas e, assim, ela se torna efetividade. Como visto, as condições para a Constituição se mediatizar e, assim, se efetuar são, de início, com a Constituição em sua imediatidade formal, em que as dimensões formal e material não possuem mediação; depois, a mediação na Constituição formal-material tem as implicações metodológicas dos direitos fundamentais na perspectiva da jurisdição constitucional; e, enfim, a Constituição efetiva-se com as ações constitucionais, como se verá a seguir.

3.3.1 A efetividade absoluta na Constituição

Quando todas as condições estão reunidas, a Constituição se efetua através das ações constitucionais, em que a constitucionalização, isto é, a “difusão da Lei maior pelo ordenamento se dá por via da jurisdição constitucional, que abrange a aplicação direta da Constituição a determinadas questões”.264 Isto, contudo, tem implicações no que se refere à efetividade ou eficácia social das normas constitucionais. Segundo Luís Roberto Barroso,

Efetividade, em suma, significa a realização do Direito, o desempenho concreto de sua ação social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.265

264 BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 383.265 BARROSO, 2010, p. 221.

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Em relação à efetividade absoluta na Constituição, isso tem desenvolvimento paralelo ao momento em que “a dualidade do ser e da essência é plenamente suprassumida e se realiza em proveito da imediatidade do ser, pois o ser ressurgiu completamente do interior do movimento contraditório da essência”.266 Este ressurgir do ser na Constituição contém a possibilidade de integralidade da relação entre o dever-ser normativo267 e o ser da realidade social, isto é, contém as verdadeiras tendências da efetividade absoluta.

Neste sentido, destaca-se como pressuposto indispensável sobre o qual se assenta a efetividade da Constituição, isto é, a eficácia social das normas constitucionais, a concreta determinação de tornar realidade os comandos constitucionais com a imposição da vontade política ao Poder Público.268 A doutrina da efetividade, no âmbito do direito constitucional, com o direito subjetivo269 define o direito de ação270, que contém a possibilidade de exigir do Estado que preste jurisdição.

A própria Constituição brasileira, em seu texto, prevê várias ações constitucionais. As ações constitucionais típicas, assim denominadas por José da Silva Pacheco, possuem duas categorias271: a primeira categoria, das assim denominadas ações constitucionais típicas, compreende a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou de ato normativo federal; a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual; a ação de inconstitucionalidade por omissão; a arguição de descumprimento de preceito fundamental; e a representação interventiva. A segunda categoria das assim denominadas ações constitucionais típicas, não menos importante, abrange o habeas corpus; o mandado de segurança; a ação popular; o habeas data; o mandado de segurança coletivo; e o mandado de injunção.

266 BAVARESCO, 2011, p. 103.267 Este dever-ser é aqui entendido como uma possibilidade que se torna efetiva. É neste sentido que o dever-ser normativo contém as verdadeiras tendências da efetividade absoluta.268 Cf. BARROSO, 2010, p. 222.269 “Por direito subjetivo, abreviando uma longa discussão, entende-se o poder de ação, assente no direito objetivo, e destinado à satisfação de um interesse”. BARROSO, 2010, p. 222.270 “(...) ele próprio um direito subjetivo, consistente na possibilidade de exigir do Estado que preste jurisdição – tem fundamento constitucional”. BARROSO, 2010, p. 223.271 PACHECO, José da Silva. O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 100-101.

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O autor ainda destaca que as seis ações da segunda categoria das ações típicas, “não só foram alçadas ao nível constitucional, como arroladas entre os direitos fundamentais, o que lhes dá relevância incomum”.272 Vê-se assim, que

O direito de ação e as ações constitucionais e infraconstitucionais constituem as garantias jurídicas dos direitos constitucionais e os principais mecanismos de efetivação das normas constitucionais quando não cumpridas espontaneamente.273

Desta forma, as ações constitucionais e infraconstitucionais do ordenamento jurídico são meios pelos quais os direitos subjetivos são exigíveis do Poder Público e do particular. “O Poder Judiciário, como consequência, passa a ter papel ativo e decisivo na concretização da Constituição”.274

No que se refere aos direitos subjetivos constitucionais e suas garantias jurídicas, importa ressaltar, ainda, que “a análise do conteúdo e potencialidades das diferentes categorias de direitos constitucionais deve ser desenvolvida no âmbito do estudo dos direitos fundamentais”.275 Seguindo esta concepção de análise, importa destacar algumas especificidades relativas aos direitos sociais fundamentais, como, por exemplo, o fato destes outorgarem ao indivíduo direito a prestações sociais estatais, revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas e que tais direitos se encontram na esfera dos direitos da segunda dimensão.276

Assim, com as “liberdades sociais” na esfera dos direitos da segunda dimensão, a exemplo da liberdade de sindicalização, destaca-se, para esta análise, o direito de greve. O direito de greve, que é um direito (fundamental) social na qualidade de direito subjetivo, em primeira linha, é negativo, mas envolve uma dimensão positiva, que é a da regulação da greve, em que há proteção da pessoa que faz a greve nos limites da lei. Esta importante observação dá margem para a

272 PACHECO, 2002, p. 101.273 BARROSO, 2010, p. 223.274 Id. Ibid.275 Id. Ibid., p. 222.276 Cf. SARLET, 2010, p. 48.

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consideração de que o direito de greve talvez seja o mais dialético dos direitos. Sua função de fonte jurídica material e formal277, como também por conseguir ser, ao mesmo tempo, norma, sanção e garantia, faz com que este direito cumpra com as tendências da efetividade absoluta (hegeliana) na Constituição.

Digno de nota, para este momento, é apresentar um ilustrativo que corresponda à efetividade absoluta (hegeliana) na Constituição. Isto é, considerar algumas tendências a esta efetividade absoluta, que se encontram presentes no agir das ações constitucionais, que em análise se encontram no âmbito dos direitos fundamentais, como visto anteriormente.

Assim, para ressaltar que as garantias jurídicas dos direitos constitucionais visam à efetivação das normas constitucionais, pode-se tomar como ilustrativo a busca por efetivação que aqui assume o sentido de concretização da Constituição, com a efetivação dos assim denominados direitos sociais fundamentais. A aplicação do mandado de injunção, no caso do direito de greve do servidor público, corresponde a estas demandas. Com isso, o mandado de injunção é ‘remédio’ para um certo tipo de omissão legislativa, mas não de qualquer tipo; isto é, somente protege as garantias fundamentais constitucionalmente especificadas na CF, art. 5º, LXXI.278

Assim, “observados os parâmetros constitucionais quanto à atuação da Corte como eventual legislador positivo, o Ministro Carlos Velloso entendia ser o caso de determinar a aplicação aos servidores públicos da lei que disciplina os movimentos grevistas no âmbito do setor privado”279. Foi verificada uma omissão de norma regulamentadora para a fruição de um direito constitucional existente, sendo assim cabível o mandado de injunção. O referido Ministro apresentou algumas razões para que se estendesse aos servidores públicos o direito de greve. A ausência de regulação do direito de greve para os servidores públicos impedia a concretização de uma liberdade de sindicalização, que é

277 Assim é que no dizer de Márcio Túlio Viana, “a greve é ao mesmo tempo pressão para construir a norma e sanção para que ela se cumpra. Por isso, serve ao Direito de três modos sucessivos: primeiro, como fonte material; em seguida, se transformada em convenção, como fonte formal; por fim, como modo adicional de garantir que as normas efetivamente se cumpram”. Cf. DA SILVA, Alessandro; et. al. Direitos Humanos: Essência do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 99.278 Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. São Paulo: Malheiros, 28. ed., 2005, p. 266.279 MENDES, Gilmar Ferreira; et alii. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 4. ed., 2009, p. 1265.

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o direito de greve, o qual, por fazer parte das ‘liberdades sociais’280, deve ser protegido como consta na CF, art. 5º, LXXI.

Então, falar das verdadeiras tendências da efetividade contidas na Constituição significa falar do movimento da possibilidade que se efetiva; ou seja, é o agir diligente, por intermédio das ações constitucionais, como aqui foi ilustrado, em direção à materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais. Por isso, a Constituição em sua imediatidade formal deve passar pela contradição, a fim de ter, pela mediação, como visto anteriormente, os direitos fundamentais implicações metodológicas nesta mediação, ter a possibilidade de se efetivar.

A efetividade absoluta é, assim, a unidade da imediatidade e da mediação que faz aparecer, no mundo dos fatos, os preceitos legais. A Constituição, no Estado constitucional contemporâneo, portanto, é dotada de força normativa, pois possui a capacidade de produzir efeito determinante e regulador (os preceitos legais aparecem no mundo dos fatos) na realidade da vida histórica.281 Contudo, a força normativa está,

[...] por um lado, condicionada pela possibilidade de realização dos conteúdos da Constituição. [...] Por outro lado, a força normativa da Constituição está condicionada por cada vontade atual dos participantes da vida constitucional, de realizar os conteúdos da Constituição.282

Neste aspecto, ainda é possível destacar que “as condições de realização do Direito Constitucional, Constituição e “realidade”, portanto, não podem ser isoladas uma da outra”.283 Sendo que isto também vale para o próprio procedimento de realização da Constituição. “O conteúdo de uma norma constitucional não se deixa geralmente realizar somente sobre a base das exigências [...] que estão contidas na norma”284, mas esta realização “só

280 Cf. SARLET, 2010, p. 48.281 HESSE, 1998, p. 48.282 Id. Ibid, p. 48-49.283 Id. Ibid, p. 49.284 Id. Ibid, p. 49-50.

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é possível ao lado do contexto normativo em que as particularidades das condições de vida concretas, com as quais a norma está relacionada, sejam incluídas no procedimento”.285

A Constituição de um Estado Constitucional, isto é, que se encontra aos moldes de um Estado (social) e democrático de direito, analisada sob a perspectiva da efetividade hegeliana com as devidas implicações metodológicas dos direitos fundamentais em perspectiva da jurisdição constitucional, é assim determinada, inicialmente, “pela possibilidade formal imediata, depois, pela possibilidade real de agir e, por fim, pela possibilidade que reúne a integralidade das condições para tornar-se efetividade total”.286 Isto, na essência, como foi analisada, em que, no processo contraditório, as categorias se refletem enquanto negação.

285 Id. Ibid., p. 48.286 BAVARESCO, 2011, p. 104.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento, em que o desenvolvimento do tema já percorreu os percursos propostos, no que se refere a alguns dos principais momentos do movimento dialético-especulativo na Lógica da essência, é possível verificar, para a nossa questão inicial, aquela enfrentada pelo direito constitucional, algumas posições bem definidas. Trata-se de posições para a análise do Constitucionalismo contemporâneo.

A primeira posição, que se pode verificar, é que se trata de uma questão relacional, isto é, de uma questão sobre a relação que existe entre as dimensões relativas à normatividade constitucional e as dimensões relativas à mutabilidade fática. Por estar diretamente ligada ao direito constitucional, isto a afeta diretamente. O direito constitucional não está aí para cumprir a indigna tarefa de “justificar as relações de poder dominantes”287; por isso, a Constituição jurídica não é a expressão de uma “momentânea constelação de poder”.288 Esta é a segunda posição que se pode verificar, a saber, de que “a Constituição contém, ainda que de forma limitada, uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado”.289 O desenvolvimento deste assunto, portanto, atua no sentido de corroborar este posicionamento com a verificação de que a dialética-especulativa hegeliana é um movimento que também se encontra na Constituição.

Este movimento é imanente, isto é, existe no interior da própria Constituição, sendo ainda um movimento que consiste na relação entre suas dimensões internas que não se desvinculam, porém, do que lhe é externo e, muito menos, pressupõe o externo. A relação imanente, que se dá no interior da Constituição, efetiva-se, e isto tem um significado próprio para esta problemática do direito constitucional, que trata da relação entre a Constituição jurídica e a realidade político-social. Afinal, sendo que isto é dito de forma que se possa observar, nesta relação, a existência de uma dialética de duplo movimento da Constituição jurídica na realidade político-social e da realidade político-

287 HESSE, 1991, p. 11.288 Id. Ibid.289 Id. Ibid.

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social na Constituição jurídica, não se trata, de forma alguma, de conceber ao direito constitucional a insignificante função de “justificar as relações de poder dominantes”. Isso porque cada dimensão envolvida nesta relação desenvolve em seu interior a identidade negativa, que culmina na superação da realidade político-social na Constituição jurídica, com retorno da Constituição jurídica para a realidade político-social, expressando a força normativa da Constituição, que contém em seu interior a relação que consiste no retorno de toda exterioridade para sua interioridade, quando esta transpõe o momento da efetividade das determinações externas. Isso ocorre mais especificamente em relação à efetividade (eficácia social das normas constitucionais) da Constituição, que se refere a um movimento circular contínuo de passagem da interioridade das suas relações internas na exterioridade e da exterioridade que contém, por sua vez, relações internas à realidade político-social na interioridade da Constituição jurídica. Demonstra, com isso, que se trata de uma dialética da mútua integração e da mútua superação, com destaque para o aspecto negativo contraditório, que se apresenta como elemento fulcral do movimento dialético-especulativo hegeliano.

Tem-se, assim, tanto a possibilidade de corroborar a concepção de que a Constituição contém força ativa própria, ainda que limitada, porque advém de um movimento relacional imanente a ela, sendo, porém, não excludente, pois está em relação permanente com a realidade fática, que, por sua vez, também contém relações imanentes que se encontram em permanente relação com as dimensões da Constituição. Como, também, tem-se a possibilidade de corroborar a concepção favorável à possibilidade de análise da Constituição através dos aspectos metodológicos da dialética-especulativa hegeliana.

Portanto, dizer que a Constituição tem força normativa é dizer que a norma constitucional está investida na condição de norma jurídica e, dentre outros atributos, ela possui imperatividade. O Constitucionalismo contemporâneo comunga com esta concepção e ela é uma superação do modelo que vigorou na Europa até os meados do século passado, em que a concretização de seu conteúdo não contava com a atuação relevante do Poder Judiciário e, por isso, ficava “à liberdade de conformação do legislador ou à discricionariedade do administrador”.290

290 BARROSO, 2010, p. 219.

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A concepção favorável à possibilidade de análise da Constituição, através dos aspectos metodológicos da dialética-especulativa, corrobora-se pela abrangência que esta assume, sendo possível, a partir de algumas apropriações contemporâneas para o conceito de dialética-especulativa, pensar o mundo sob esta perspectiva.

Os três momentos do lógico, analisados em relação à Constituição orgânica de Hegel, mostraram também a necessidade de se compreender o que se denomina de organização de um Estado, de forma a ultrapassar o entendimento do intelecto abstrato, que deixa de fora os vários aspectos concernentes aos problemas constitucionais enfrentados a todo o momento na realidade de uma sociedade. A Constituição, quando compreendida de forma racionalmente positiva, pode ser vista em sua unidade relacional. A articulação dos interesses privados (organização sócio-jurídica) com os interesses públicos (organização ético-política) corresponde, portanto, à efetivação plena do método dialético, quando este alcança o momento especulativo ou o positivamente-racional. Aí são apreendidos os momentos do entendimento e do dialético em uma unidade relacional.

Com a síntese dialética, a Constituição é compreendida ao observar seu movimento interno, que se mostra composto pelos momentos da lógica dialética do real, isto é, da lógica dialético-especulativa. Sendo que a síntese dialética se dá por meio da reflexão impulsionada pela razão especulativa, a abordagem do tema que se refere às determinações da reflexão na lógica da essência encontrou grande desenvolvimento, a fim de que, assim, também ficasse claro o movimento dialético negador presente na Constituição.

Tratando-se desse tipo de contradição, isto é, da contradição da lógica da essência, que possui um movimento negador, o essencial e o inessencial (a diferença que nega e que se apresenta como o outro), a identidade e a diferença, são uma unidade relacional e, ao mesmo tempo, são a reflexão total e os momentos. Assim, não pode haver a ruptura entre a reflexão em si e a reflexão exterior. Tem-se, aqui, a natureza essencial da reflexão, como também o fundamento-originário determinado de toda atividade e automovimento. Portanto, refere-se à problemática do direito constitucional, analisado sob esta perspectiva, em que a reflexão exterior na Constituição, vista sob a ótica deste

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movimento lógico reflexivo, não pode estar separada da unidade da reflexão total, pois isso seria uma interrupção do movimento dialético que co-engendra a imediatidade e a mediação; por isso, norma e realidade devem estar em um movimento relacional de tensão permanente.

Esta tensão permanente no momento da unidade contraditória é o movimento que cada dimensão da Constituição jurídico-real reflete em si e inclui a outra e não se encontra fechado em si mesmo de forma unilateral. Este momento da unidade contraditória na Constituição foi precedido pelos momentos anteriores em uma unidade relacional. Importa destacar, portanto, que estes momentos não se encontram isolados em si.

Verificou-se, assim, que a diferença aparece, inicialmente, como diversidade indiferente, no isolamento entre ordenação jurídica e realidade; em uma análise isolada, unilateral, que leva em conta, somente, um dos aspectos, sendo estes comparados, apenas, pelo ato exterior da reflexão. Depois, a interiorização da oposição da diferença exterior com a relação de coordenação entre “Constituição jurídica” e “Constituição real”. A diferença entre elas se revela como oposição autônoma (os dois aspectos correlativos da oposição) entre a Constituição jurídica e o Todo da realidade estatal no Estado Constitucional, sendo que ambos os aspectos mencionados coabitam na oposição. A Constituição jurídica, considerada em si mesma, exclui o Todo da realidade estatal; este, por sua vez, é por si unidade que exclui de si o primeiro. Contudo, a dualidade dos referidos pólos é reunida sob o termo da autonomia. A contradição é a unidade da inclusão e da exclusão na autonomia. A contradição não é a justaposição nem o fechamento unilateral destes pólos, mas a contradição autônoma destes. Desta forma, foi possível acompanhar a passagem das determinações da reflexão autônoma – o positivo e o negativo –, que passam da diferença – contradição em si – à contradição propriamente dita, posta enquanto tal.

Em continuidade ao movimento dialético-especulativo na Lógica da essência, conclui-se com a efetividade. Sendo que falar da efetividade hegeliana na Constituição, no sentido que foi abordado, significa falar do momento gerador do movimento dialético-especulativo, que é a contradição na efetividade contida na própria Constituição. Para tratar do movimento

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efetivo na Constituição, a efetividade foi analisada enquanto contradição formal, contradição real e contradição absoluta. Os direitos fundamentais, neste sentido, têm implicações metodológicas em cada movimento da contradição analisado nos momentos da determinação da efetividade na Constituição. Em paralelo, os direitos fundamentais assumem um significado mais específico ao âmbito do Direito, em relação às implicações metodológicas destes na efetividade (eficácia social das normas constitucionais) da Constituição. Neste aspecto, as implicações metodológicas dos direitos fundamentais estão na perspectiva da Jurisdição constitucional, porque esta é cunhada para conferir maior proteção aos direitos fundamentais, sendo esta, portanto, imprescindível para a integração entre o ideal constitucional e a Constituição concretizada. A jurisdição constitucional se apresenta como condição de possibilidade do Estado democrático (social) de direito.

Assim, ao se falar de efetividade hegeliana e implicações metodológicas dos direitos fundamentais na perspectiva da Jurisdição constitucional, deu-se, então, continuidade ao momento da unidade contraditória na Constituição e no Estado constitucional. A abordagem do papel fundamental da Jurisdição constitucional, como forma de implementação dos direitos fundamentais, deu prosseguimento ao movimento da contradição que leva à efetividade.

Com a efetividade absoluta, que é a unidade da imediatidade e da mediação que faz aparecer, no mundo dos fatos, os preceitos legais, conclui-se, por ora, o desenvolvimento deste tema. Portanto, a Constituição, no Estado constitucional contemporâneo é dotada de força normativa, pois possui a capacidade de produzir efeito determinante e regulador (os preceitos legais aparecem no mundo dos fatos) na realidade da vida histórica.

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