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Constituicoes Brasileiras v2 1891

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Constituição brasileira de 1891.

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  • AlexNotahttp://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/137570/Constituicoes_Brasileiras_v2_1891.pdf?sequence=5
  • No Governo Provisrio de 15 de novembro de 1889, Rui Barbosa exerceu a funo de Ministro da Fazenda. Dois fatos marcaram sua presena na gesto Deodoro: a Constituio de 1891, quase toda de sua autoria, e o encilhamento.

  • 1891

    Senado FederalSecretaria especial de editorao e Publicaes

    Subsecretaria de edies Tcnicas

    3a edioBraslia 2012

    CONSTITUIES BRASILEIRASVoluMe II

    Aliomar Baleeiro

  • edio do Senado FederalDiretora-Geral: Doris Marize Romariz Peixoto Secretria-Geral da Mesa: Claudia lyra Nascimento

    Impresso na Secretaria especial de editorao e PublicaesDiretor: Florian Augusto Coutinho Madruga

    Produzido na Subsecretaria de edies TcnicasDiretora: Anna Maria de lucena RodriguesPraa dos Trs Poderes, Via N-2, unidade de Apoio IIICeP: 70165-900 Braslia, DFTelefones: (61) 3303-3575, 3576 e 4755Fax: (61) 3303-4258e-mail: [email protected]

    organizador da coleo: Walter Costa PortoColaborao: elaine Rose MaiaReviso de original: Angelina Almeida Silva e Marlia ColhoReviso de provas: Maria Jos de lima Francoeditorao eletrnica: Rejane Campos limaFicha catalogrfica: Marilcia Chamarelli

    ISBN: 978-85-7018-425-2

    Baleeiro, Aliomar. 1891 / Aliomar Baleeiro. 3. ed. Braslia : Senado Federal, Subsecretaria

    de edies Tcnicas, 2012.103 p. (Coleo Constituies brasileiras ; v. 2)

    1. Constituio, histria, Brasil. I. Brasil. [Constituio (1891)]. II. Srie.

    CDDir 341.2481

  • A COLEO CONSTITUIES BRASILEIRAS

    A elaborao da Constituio Brasileira de 1988 se deu sob condies fundamental-mente diferentes daquelas que envolveram a preparao das Cartas anteriores.

    em primeiro lugar, foi, de modo extraordinrio, alargado o corpo eleitoral no pas: 69 milhes de votantes se habilitaram ao pleito de novembro de 1986. o primeiro recenseamento no Brasil, em 1872, indicava uma populao de quase dez milhes de habitantes, mas, em 1889, eram somente 200.000 os eleitores. A primeira eleio presidencial verdadeiramente disputada entre ns, em 1910, a que se travou entre as candidaturas de Hermes da Fonseca e Rui Barbosa, contou com apenas 700.000 eleitores, 3% da populao, e somente na escolha dos constituintes de 1946 que, pela primeira vez, os eleitores representaram mais de 10% do contingente populacional.

    em segundo lugar, h que se destacar o papel dos meios de comunicao da televiso, do rdio e dos jornais , tornando possvel a mais vasta divulgao e a discusso mais ampla dos eventos ligados preparao do texto constitucional.

    Desses dois fatores, surgiu uma terceira perspectiva que incidiu sobre o relacionamento entre eleitores e eleitos: da maior participao popular e do dilatado conhecimento da elaborao legislativa resultou que a feitura de nossa atual Constituio foi algo verdadeiramente partilhado; e que o mandato representativo, que estabelecia uma dualidade entre eleitor e eleito, teve sua necessria correo, por acompanhamento, e uma efetiva fiscalizao por parte do corpo eleitoral, com relao s ideias e aos programas dos partidos.

    o conhecimento de nossa trajetria constitucional, de como se moldaram, nesses dois sculos, nossas instituies polticas, , ento, indispensvel para que o cidado exera seu novo direito, o de alargar, depois do voto, seu poder de caucionar e orientar o mandato outorgado a seus representantes.

    Walter Costa Porto

  • SUmRIO

    I Os Prdromos da Repblica (1889-1891) o clima emocional de 1889-1891 .......................................................................... 11Institucionalizao do Governo Provisrio ........................................................... 14Governo Provisrio ................................................................................................ 18Faces sem partidos organizados ......................................................................... 21oposio a Deodoro ............................................................................................... 23os projetos ............................................................................................................. 24o projeto do Governo Provisrio .......................................................................... 24A Constituinte ........................................................................................................ 25o Apostolado Positivista e a Constituio ............................................................. 26II A Constituio Literria de 1891 linhas gerais .......................................................................................................... 28o Poder legislativo .............................................................................................. 29O Presidente e o Vice-Presidente da Repblica .................................................... 30A dualidade da Justia ........................................................................................... 31Discriminao das rendas ...................................................................................... 32estados: competncia, interveno, etc. ................................................................ 32Municpios ............................................................................................................. 33Superior Tribunal Militar ....................................................................................... 33Declaraes de Direitos ......................................................................................... 34III Evoluo Poltico-Constitucional do Brasil o militarismo na 1a Repblica ............................................................................... 35Revisionismo parlamentarista ................................................................................ 38o impacto da guerra de 1914 1918 ..................................................................... 39Poltica do caf com leite ................................................................................... 40A Constituio Positivista do Rio Grande do Sul .................................................. 40Prdromos da legislao social ............................................................................. 41Classes mdias e proletariado na 1a Repblica. Os coronis e a estrutura rural .... 41IV As Causas do malogro da Constituinte de 1891 efeitos retardados da pregao de Rui .................................................................. 44As desiluses sobre o Regime de 1891 .................................................................. 46o parto da montanha Reforma Constitucional de 1926 ...................................... 49Crise econmica de 1929 ....................................................................................... 50Aliana liberal ...................................................................................................... 51o estopim da PB e a Revoluo de 1930 ............................................................... 52O Autor ................................................................................................................. 55Ideias-Chaves ....................................................................................................... 57

  • Questes Orientativas para Autoavaliao ....................................................... 59Leituras Recomendadas ..................................................................................... 61A Constituio Brasileira de 1891Constituio da Republica dos estados unidos do Brasil .................................... 65Emendas Constituio Federal de 1891 ......................................................... 91Crdito das Ilustraes ....................................................................................... 99Bibliografia ......................................................................................................... 101

  • O Congresso e a Constituio 1891

  • 11Volume II 1891

    A CONSTITUIO DE 18911ALIOMAR BALEEIRO

    I OS PRDROmOS DA REPBLICA (1889-1891)

    O clima emocional de 1889-1891

    o povo brasileiro cansara-se da monarquia, cuja modstia espartana no incutia nos espritos a mstica e o esplendor dos tronos europeus. o Imperador vestia trajes civis, pretos, como qualquer sujeito respeitvel da poca, sem as fardas de dourados, de almirante e general, as condecoraes, crachs que impressionam o homem da rua. Conta-se que a Princesa Imperial trazia consigo, no decote, fsforos para acender ela mesma as velas boca da noite.

    o Conde Deu era cordialmente detestado e temia-se que viesse a manter sua copa--e-cozinha poltica quando o sogro fechasse os olhos. e a molstia do Imperador, em 1888, tornava esse perigo muito prximo.

    Passada a euforia da promulgao da lei de 13 de maio de 1888, com a qual D. Isabel acreditara ganhar durvel popularidade, o Pas sentiu na carne as consequncias do gesto generoso que, como o Baro de Cotegipe profetizou Princesa, lhe custaria a perda do trono.

    No foram previstas medidas de gradual adaptao dos ex-escravos ao trabalho livre, nem de amparo produo agrcola, a bsica do Pas na poca.

    Em sua ingenuidade primitiva, muitos africanos ou filhos deles, recm-libertados, pensavam que poderiam subsistir sem a dureza do trabalho quotidiano e rduo.

    Depois de dias de festejos e batucada, quase todos abandonaram as fazendas e procu-raram viver de biscates nas cidades, saturando o mercado de trabalho. o impacto sobre a produo foi tremendo, embora para os estados do Sul, nos dois anos anteriores a 1888, fossem importados milhares e milhares de imigrantes italianos. A substituio do brao escravo pelo livre importava a necessidade de aumento do numerrio para pagamento semanal e regular dos trabalhadores assalariados.

    Por outro lado, Afonso Celso (Visconde de Ouro Preto), o ltimo Presidente de Gabi-nete, procurou aplacar a ira dos fazendeiros desapossados dos escravos, facilitando--lhes o crdito para manuteno do trabalho agrcola por homens livres. Como isso exigia vultosas emisses, manifestou-se, desde 1888 e primeiro semestre de 1889, um impulso inflacionrio com inevitvel reflexo no valor do mil-ris, que estava, antes ao par, na relao de 27 pence por Rs. 1$000. logo o cmbio baixou, subindo celeremente o valor da libra esterlina em relao ao mil-ris.1 Ne: Artigo submetido para publicao em 1999, quando da organizao da primeira edio da Coleo.

  • 12 Constituies Brasileiras

    Afonso Celso, estadista enrgico e competente, lutou como um leo na arena econ-mica e na poltica, metralhado pelos artigos que Rui escrevia, cada manh, no Dirio de Notcias, na lenta eroso do que restava do prestgio do trono e do regime.

    As questes militares dos anos anteriores destruram a disciplina do exrcito, soli-darizando generais com subalternos, nas hostilidades ostensivas ao Ministrio Civil.

    Por outro lado, o establishment dos velhos polticos, dos bares, viscondes e marque-ses, banqueiros e exportadores, desfalcadas as fileiras pela desero dos fazendeiros e militares, no conseguira captar a lealdade dos filhos, os jovens, que desde 1870 se deixavam fascinar pela sereia republicana, ou pelo positivismo e pelas instituies norte-americanas, s quais creditavam o formidvel desenvolvimento econmico dos estados unidos nos dois decnios aps o trmino da Guerra de Secesso. Nas classes mdias, muitas crianas nascidas por esse tempo ganhavam como prenome Washington, Hamilton, Jefferson, do mesmo modo que um menino nascido em meio do sculo XIX, no fastgio da Carta de 1824, fora batizado Benjamin Constant Botelho de Magalhes.

    os que esperavam ascenso social e poltica com o prximo 3o reinado armaram o brao ameaador dos libertos da Guarda Negra e dos capoeiristas contra os propa-gandistas da Repblica. Um deles, Silva Jardim, escapou do assassnio.

    E, por fim, a velha estrutura monrquica, que, somada tradio portuguesa, contava oito sculos, desmoronou-se toda em poucas horas na madrugada de 15 de novembro.

    Ficou clebre a crnica de Aristides lobo, descrevendo para os leitores dum jornal paulista como o povo assistira atnito e bestificado a sbita e rpida queda do trono.

    em verdade, os republicanos constituam minoria na opinio pblica. E estavam divididos: Silva Jardim, s vsperas da Repblica, hostilizava Quintino Bo-caiva. No havia, entre eles, um lder carismtico, dos que arrastam multides. Rui Barbosa combatia o Governo e at a Coroa, mas no empregara suas armas poderosas numa pregao nitidamente republi-cana. Defendia a Federao com o trono, se possvel, ou mesmo sem ele ou contra ele. Por outro lado, era e foi toda vida um ctico em relao s formas de Governo, tendo dito que uma Repblica poderia ser a de Francia ou a de Solano lopez do mesmo modo que a monarquia poderia ser livre e democrtica como a da Rainha Vitria.

    Mas, o pequeno grupo de vencedores a 15 de no-vembro, quando alguns reivindicavam o ttulo de

    histricos, porque vindos do Manifesto de 1870 ou pouco depois nos Clubes Re-publicanos, foi engordado por adesistas de toda a parte, inclusive os que, na vspera,

    Rui Barbosa

  • 13Volume II 1891

    militavam nos partidos monrquicos e solicitavam ou recebiam mercs, prebendas e nobilitaes da Coroa. Alis, no seria provvel a sobrevivncia da Repblica sem essas ondas de adesismo, pois um ms depois de 15 de novembro se esboavam reaes saudosistas.

    Rui Barbosa, no cair da noite de 15 de novem-bro, sentou-se, de caneta em punho, defronte duma resma de papel almao, institucionali-zando os fatos da manh. e assim, antes que voltasse ao solo toda a poeira da cavalgada de Deodoro, comeou este a assinar o Decreto orgnico que institua o Governo Provisrio da nova Repblica. Seguiram-se a separao da Igreja e do estado e, dia a dia, inovaes polticas e jurdicas de toda a espcie. o novo regime em plena atmosfera inflacionria excitou os banqueiros e empresrios, que se dividiram em duas faces, uma ao lado do Ministro da Fazenda, outra a mano com o Ministro da Agricultura, Demtrio Ribeiro, o jovem positivista do Rio Grande do Sul.

    o talento, a cultura e a espantosa capacidade de trabalho de Rui Barbosa seduziram o velho Deodoro no primeiro semestre de 1889, mas por isso mesmo despertaram cimes de outros membros do Governo Provisrio. Demtrio Ribeiro, desavindo-se com Rui, exonerou-se, encerrando uma carreira poltica que prometia ser brilhante. Nunca perdoou a Rui.

    os positivistas que, incontestavelmente, haviam trazido tambm sua picareta de-molio do regime, batiam porta de Benjamin Constant, para que incorporasse ao novo regime, como discpulo fiel e aplicado, a filosofia poltica do mestre. Muitos militares, desde a primeira hora, estavam com a boca cheia da ditadura cientfica, segundo o figurino de Augusto Comte.

    os lderes vencidos e seus simpatizantes, emigrados, zurziam o Governo Provisrio e alvejavam sobretudo a Rui Barbosa, que sabiam ser o mais eficiente arquiteto da nova estrutura poltica a ser edificada. E a imprensa estrangeira martelava o novo regime.

    As medidas financeiras, intencionalmente meditadas para atrair ao novo regime a riqueza mobiliria como fizera Alexander Hamilton no governo de Washington , as classes urbanas do comrcio, indstria, bancos, exportao, navegao etc., excitavam as iniciativas desenvolvimentistas e com elas as especulaes febris. Toda a gente queria enriquecer depressa. lanavam-se empresas e as classes mdias se embriagavam com o jogo da Bolsa, na esperana de ganhos rpidos, fceis e gordos. Era o encilhamento num quadro que recordava o de John Law, na Frana, cerca de dois sculos antes. o Visconde de Taunay, em O Encilhamento, e Afrnio Peixoto, em Uma Mulher como as Outras, descrevem coloridamente o clima emocional da poca.

    Deodoro

  • 14 Constituies Brasileiras

    Como por um toque da varinha mgica, o pas agrrio queria, de improviso, transfor-mar-se numa potncia industrial servida por largo setor tercirio de comrcio e Bancos, embora no dispusesse de know-how, nem de capitais suficientes. Multiplicavam-se as sociedades annimas, companhias e iniciativas industriais. E a inflao disparou num clima de especulao geral.

    Institucionalizao do Governo Provisrio

    uma leitura dos primeiros atos ou decretos dos vencedores mostra como eles rapida-mente institucionalizaram a Repblica, fundaram um Governo Provisrio, criaram os smbolos nacionais, proveram a manuteno da famlia imperial, alargaram o elei-torado a todos os cidados alfabetizados e dissolveram os rgos vetustos do Poder legislativo da Nao e das Provncias:

    DeCReTo No 1, De 15 De NoVeMBRo De 1889

    Proclama provisoriamente e decreta como frma de governo da Nao Bra-zileira a Republica Federativa, e estabelece as normas pelas quaes se devem reger os estados Federaes.O Governo Provisrio da Repblica dos Estados Unidos do Brazil decreta:Art. 1o Fica proclamada provisoriamente e decretada como a frma de governo da nao brazileira a Repblica Federativa.Art. 2o As Provncias do Brazil, reunidas pelo lao da federao, ficam consti-tuindo os estados unidos do Brazil.Art. 3o Cada um desses estados, no exerccio de sua legitima soberania, de-cretar opportunamente a sua constituio definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus governos locaes.Art. 4o emquanto, pelos meios regulares, no se proceder eleio do Congresso Constituinte do Brazil e bem assim a eleio das legislaturas de cada um dos Estados, ser regida a nao brazileira pelo Governo Provisrio da Repblica; e os novos estados pelos governos que hajam proclamado, ou, na falta destes, por governadores delegados do Governo Provisorio.Art. 5o os governos dos estados federados adoptaro com urgencia todas as providencias necessarias para a manuteno da ordem e da segurana publica, defesa e garantia da liberdade e dos direitos dos cidados, quer nacionaes quer estrangeiros.Art. 6o em qualquer dos estados, onde a ordem publica for perturbada e onde faltem ao governo local meios efficazes para reprimir as desordens e assegurar a paz e tranquilidade publicas, effectuar o Governo Provisrio a interveno necessaria para, com apoio da fora publica, assegurar o livre exercicio dos direitos dos cidados e a livre aco das autoridades constituidas.Art. 7o Sendo a Republica Federativa Brazileira a frma de governo proclamada, o Governo Provisorio no reconhece nem reconhecer nenhum governo local contrrio frma republicana, aguardando, como lhe cumpre, o pronunciamento definitivo do voto da nao, livremente expressado pelo suffragio popular.

  • 15Volume II 1891

    Art. 8o A fora publica regular, representada pelas tres armas do exercito e pela Armada nacional, de que existem guarnies ou contingentes nas diversas provincias, continuar subordinada e exclusivamente dependente do Governo Provisorio da Republica, podendo os governos locaes, pelos meios ao seu al-cance, decretar a organizao de uma guarda civica destinada ao policiamento do territorio de cada um dos novos estados.Art. 9o Ficam igualmente subordinadas ao Governo Provisorio da Republica todas as reparties civis e militares at aqui subordinadas ao governo central da nao brazileira.Art. 10. O territorio do Municipio Neutro fica provisoriamente sob a adminis-trao immediata do Governo Provisorio da Republica e da cidade do Rio de Janeiro constituida, tambem provisoriamente, sde do poder federal.Art. 11. Ficam encarregados da execuo deste decreto, na parte que a cada um pertena, os secretrios de estado das diversas reparties ou ministerios do actual Governo Provisorio.Sala das Sesses do Governo Provisrio, 15 de novembro de 1889, 1o da Repblica.Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio S. Lobo. Ruy Barboza. Q. Boccayuva Benjamin Constant. Wandenkolk.

    DeCReTo No 2, De 16 De NoVeMBRo De 1889

    Prev decencia da posio da familia do ex-imperador e s necessidades do seu estabelecimento no estrangeiro.Art. 1o concedida familia imperial, de uma vez, a quantia de cinco mil contos de ris.Art. 2o esta concesso no prejudica as vantagens asseguradas ao chefe da dynastia deposta e sua familia na mensagem do Governo Provisorio, datada de hoje.

    DeCReTo No 4, De 19 De NoVeMBRo De 1889

    estabelece os distinctivos da bandeira e das armas nacionaes, e dos sellos e sinetes da Republica.Considerando, pois, que essas cres, independentemente da frma de governo, symbolizam a perpetuidade e integridade da patria entre as outras naes:Art. 1o A bandeira adoptada pela Republica mantem a tradio das antigas cres nacionaes verde e amarella do seguinte modo: um losango amarello em campo verde, tendo no meio a esphera celeste azul, atravessada por uma zona branca, em sentido obliquo e descendente da esquerda para a direita, com a legenda Ordem e Progresso e ponteada por vinte e uma estrellas, entre as quaes as da constellao do Cruzeiro, dispostas da sua situao astronomica, quanto distancia e o tamanho relativos, representando os vinte estados da Re-publica e o Municipio Neutro; tudo segundo o modelo debuxado no annexo n.1.Art. 2o As armas nacionaes sero as que se figuram na estampa annexa n. 2.

  • 16 Constituies Brasileiras

    Art. 3o Para os sellos e sinetes da Republica, servir de symbolo a esphera celeste, qual se debuxa no centro da bandeira, tendo em volta as palavras Republica dos Estados Unidos do Brazil.

    DeCReTo No 5, De 19 De NoVeMBRo De 1889

    Assegura a continuao do subsidio com que o ex-imperador pensionava do seu bolso a necessitados e enfermos, viuvas e orphos.Considerando que o Sr. D. Pedro II pensionava, do seu bolso, a necessitados e enfermos, viuvas e orphos, para muitos dos quaes esse subsidio se tornara o unico meio de subsistncia e educao;Considerando que seria crueldade envolver na queda da monarchia o infortunio de tantos desvalidos;

    Considerando a inconveniencia de amargurarcom esses soffrimentos immerecidos a fundao da Republica:Art. 1o os necessitados, enfermos, viuvas e orphos, pensionados pelo imperador deposto, continuaro a perceber o mesmo subsidio, emquanto durar a res-peito de cada um a indigencia, a molestia, a viuvez ou a menoridade em que hoje se acharem.Art. 2o Para cumprimento desta disposio, se or-ganisar, segundo a escripturao da ex-mordomia da casa imperial, uma lista discriminada, quanto situao de cada indivduo e quota que lhe couber.

    DeCReTo No 6, De 19 De NoVeMBRo De 1889

    Art. 1o Consideram-se eleitores, para as camaras geraes, provinciaes e munici-paes, todos os cidados brazileiros no gozo dos seus direitos civis e politicos, que souberam ler e escrever.Art. 2o o Ministerio do Interior, em tempo, expedir as instruces e organisar os regulamentos para a qualificao e o processo eleitoral.

    DeCReTo No 7, De 20 De NoVeMBRo De 1889

    Dissolve e extingue as assemblas provinciaes e fixa provisoriamente as attri-buies dos governadores dos estados.Art. 1o Ficam dissolvidas e extinctas todas as assemblas provinciaes creadas pelas leis de 12 de outubro de 1832 e 12 de agosto de 1834.Art. 2o At a definitiva constituio dos Estados Unidos do Brazil, aos gover-nadores dos mesmos estados competem as seguintes attribuies: 1o estabelecer a diviso civil, judicial e eclesiastica do respectivo estado e ordenar a mudana de sua capital para o logar que mais convier.

    D. Pedro II

  • 17Volume II 1891

    2o Providenciar sobre a instruco publica e estabelecimentos proprios a promovel-a em todos os seus gros. 3o Determinar os casos e regular a frma da desapropriao da propriedade particular por utilidade publica do estado, nos estados em que a materia j no esteja regulada por lei. 4o Fixar a despeza publica do estado e crear e arrecadar os impostos para ella necessarios, comtanto que estes no prejudiquem as imposies geraes dos estados unidos do Brazil. 5o Fiscalisar o emprego das rendas publicas do estado e a conta de sua despeza. 6o Crear empregos, provel-os de pessoal idoneo e marcar-lhes os vencimentos. 7o Decretar obras publicas e prover sobre estradas e navegao no interior do es-tado; sobre a construco de casas de priso, trabalho, correco e regimen dellas; sobre casas de soccorros publicos e quaesquer associaes politicas ou religiosas. 8o Crear a fora policial indispensavel e necessaria, e providenciar sobre seu alistamento, organisao e disciplina, de accordo com o Governo Federal. 9o Nomear, suspender e demitir os empregados publicos dos respectivos estados, excepo dos magistrados perpetuos, que podero ser suspensos para serem de-vidamente responsabilisados e punidos, com recurso necessario para o Governo. 10. Contrahir emprestimos e regular o pagamento dos respectivos juros e amortisao, dependente da approvao do Governo Federal. 11. Regular a administrao dos bens do estado e autorisar a venda dos que no convier conservar, mas sendo esta feita em hasta publica. 12. Promover a organisao da estatistica do estado, a catechese e civilisao dos indigenas e o estabelecimento de colonias. 13. Representar ao Poder Federal contra as leis, resolues e actos dos outros estados da unio, que offenderem os direitos do respectivo estado.Art. 3o o Governo Federal Provisorio reserva-se o direito de restringir, ampliar e supprimir quaesquer das attribuies que pelo presente decreto so con-feridas aos governadores provisorios de estados, podendo outrossim substituil-os conforme melhor convenha, no actual periodo de reconstruco na-cional, ao bem publico e paz e direito dos povos.

    e, logo depois, foi nomeada a Comisso dos 5 para elaborar o projeto de Constituio Republicana, inte-grada por Saldanha Marinho, presidente, o velho estadista que servira altos cargos do Imprio e inscrevera-se entre os primeiros histricos; Amrico Brasileiense de Almeida Melo, outro histrico como vice-presidente; e ainda Antnio Lus dos Santos Werneck, Francisco Rangel Pestana e Jos Antnio Pedreira de Magalhes Castro.

    Saldanha (de cartola) e Zacarias

  • 18 Constituies Brasileiras

    Governo Provisrio

    o Governo Provisrio, institudo pelo Dec. no I/1889, era chefiado pelo Marechal de Campo Manoel Deodoro da Fonseca, alagoano, heri do Paraguai, e teve como subchefe, em princpio, Rui Barbosa, baiano (1849-1923), advogado e jornalista, tambm Ministro da Fazenda. Meses depois, a vice-chefia coube ao General Floriano Peixoto, outro alagoano e tambm heri da Guerra do Paraguai. os outros membros foram Aristides da Silveira lobo, alagoano (1838-1896), ex-deputado, jornalista, como Ministro do Interior; Manoel Ferraz Campos Sales (1841-1913), paulista, ex--deputado republicano no Parlamento do Imprio, na Pasta da Justia; Quintino de Sousa Bocaiva (RJ, 1836-1912), jornalista, na Pasta dos Negcios Estrangeiros; Ten.-Cel. Benjamin Constant Botelho de Magalhes, positivista, professor da escola Militar (1851-1891), na Pasta da Guerra; chefe da esquadra Eduardo Wandenkolk, na Marinha, e, finalmente, Demtrio Ribeiro, gacho, positivista, na Agricultura.

    Aristides Lobo, Campos Sales e Bocaiva, juristas, integravam o grupo de republi-canos histricos de 1870; entendiam-se bem, embora de temperamentos diversos: o primeiro, apaixonado e radical; o segundo, tenso e voluntarioso; o ltimo, mais suave, conciliante e hbil.

    um bem-informado e culto observador da poca, dado a estudos histricos, traou os perfis dos homens do Governo Provisrio Lobo, o esprito mais radical do Governo; cedo se incompatibilizaria e o combateria Bocaiva:

    esprito essencialmente diplomtico, bem--educado, incapaz de excessos agressivos das lutas ardentes, em que a paixo domina a calma, tem uma educao intelectual mais ou menos idntica dos colegas (cincias sociais com alheamento s naturais), possuindo, entretanto, disposies mais francamente analistas, mais aproximadas do mundo prtico. Inimigo das medidas radicais, pouco estvel em face de contingncias extremas, e um esprito profundamente indefinvel, a quem nunca apraz ser achado de perfil, com os contornos definidos luz da crtica e das conseqncias da responsabilidade de Chefe do Partido (republi-cano); pela posio proeminente que ocupou na imprensa, teve a rara habilidade de, durante longos anos, ser o redator-chefe do jornal de mais peso poltico do Pas, sem entretanto atrair sobre si o dio dos ulicos e da dinastia, como republicano que era.O Sr. Rui Barbosa o esprito verdadeiramente culto do Governo. Bacharel fora do tipo comum, a quem no so estranhos os problemas de cincia, Benjamin Constant

  • 19Volume II 1891

    a quem no so desconhecidos os sistemas filosficos dos sbios da poca, aproximado da verdade da doutrina daqueles que consideram o Direito como um produto de seleo, e as cincias sociais como um campo vasto em que intervm as cincias naturais, a fora mental mais poderosa do Governo.Com armas to fortes e parte integrante de um corpo coletivo, em que h de dominar a influncia de uma unidade, venceu os companheiros, absorvendo--os... Para os espritos se uniformizarem, precisam da absoro do mais forte. Foi isto o que fez o Dr. Rui Barbosa.Por mais que alardeie o seu desapego s posies polticas, sua resistncia sugesto das ambies, sua indiferena florificao dos contemporneos, ningum mais orgulhoso, ningum tem mais conscincia do prprio valor em relao ao meio em que vive e, por isso mesmo, ser sempre, sem o querer, uma vtima de seu orgulho.Esprito no to erudito, porm profundamente conhecedor das cincias natu-rais e portador de uma slida educao cientfica, era o Dr. Benjamin Constant... Figura saliente, mais do que qualquer dos seus colegas e camaradas, na obra da revoluo, da qual foi no s a cabea que elaborou o plano, como o esprito que semeou na fora pblica a idia republicana, compreende-se o prestgio que o rodeava no seio do Governo e o peso moral com que sua palavra influiu nas deliberaes da ditadura.

    e sobre Deodoro:

    Se no passado do chefe do governo no se nos deparam os luminosos vestgios de um esprito adestrado nas especulaes da cincia e das doutrinas filosficas, encontramos, entretanto, a vida gloriosa de um soldado amigo de sua ptria. o seu maior ttulo a coragem posta em prova nos campos de batalha. Sem educao de Governo, sem os hbitos que a vida governamental exige, nunca esquecia sua educao militar, acreditando resolver as questes de estado como quem resolve negcios da vida interna de um batalho.Irascvel, incandescente, sujeito s tempestades que passavam com a mesma facilidade com o que o agitavam, submetia-se convico franca e leal da verdade e da justia, assim como sugesto da amizade.Sem competncia para julgar por si os problemas com que se enfrentou o Governo Provisrio, mudava de opinio a capricho dos que melhor o pudessem convencer, explorando o lado fraco de sua organizao. Seu esprito sofria mu-taes rpidas nas mos do melhor artista. Sem o seu brao, sem a sua audcia e ousadia, a revoluo no seria uma verdade a 15 de novembro.

    Concedendo a competncia tcnica a Wandenkolk, afirma que nele

    est um esprito profundamente feminil e sujeito s mil impresses da suges-to. Muda de resoluo com a mesma facilidade com que manobra um navio. Na vida da Repblica, tendo ocupado posio saliente, deixou-se arrastar pela influncia do meio a um plano incompatvel com a sua posio social.

  • 20 Constituies Brasileiras

    o juzo desse contemporneo, que conviveu com os lderes do Governo Provisrio, da Constituinte e do perodo posterior de Floriano (Helisbelo Freire, His-tria Constitucional da Repblica dos Estados Unidos do Brasil, Rio, Tip. Moreira Maximino, Chagas e Cia., 1894, vol. II, pgs. 68 a 72), coincide at certo ponto com o de Rui Barbosa, a propsito de Deodoro, no obstante palavras de carinho que lhe dedicou vrias vezes:

    Na carreira do Marechal Deodoro, porm, do esprito civil nenhum vestgio srio e real se encontra.

    Toda a sua benemerncia est nos servios da sua espada, fazendo a Revo-luo e assegurando ao Governo Revolucionrio a coeso, a tranqilidade, o respeito essenciais consumao do seu trabalho criador. esses ttulos ao nosso reconhecimento so inestimveis. Mas, nenhuma das iniciativas civis deste Governo, em todos os seus grandes atos de poltica ou administrao, pertence ao seu chefe. A sua figura histrica a da encarnao inteligente, honesta, desinteressada, humana de uma ditadura benfazeja e necessria na transio entre os dois regimes, ditadura na qual entrou com o contingente capital do seu prestgio no elemento militar, com a sua confiana nos seus Ministros e a sua lealdade a eles na obra da primeira construo republicana. Mas, das qualidades mais indispensveis ao exerccio constitucional do poder numa Repblica liberal, no lhe deu a natureza nenhuma.

    De Quintino Bocaiva, depois dos maiores elogios ao propagandista, ao tribuno, ao chefe do partido de Rui, que

    reunia todas as condies para ter ocupado, na administrao do Pas, sob as formas atuais um dos primeiros lugares.Contudo, no passou da autoridade ornamental entre as instituies reinantes. De cada vez que elas necessitavam de um smbolo, todos os olhos, na milcia das ambies, se voltavam para esse tipo ereto e sereno. De cada vez que tinham de encarnar-se numa investidura, ativa, todos o evitavam.

    Demtrio e lobo cedo se desligaram do Governo Provis-rio. o prprio Benjamin dizem chegou a pr a mo no cabo da espada numa discusso com Deodoro.

    Francisco Glicrio, histrico, rbula campineiro, substituiu Demtrio. Benjamin, depois da desavena, foi transferido para a recm-criada Pasta da Instruo, tocando a Guerra a Floriano. Cesrio Alvim, mineiro, ex-deputado, celebrizado Francisco Glicrio

    Floriano Peixoto

  • 21Volume II 1891

    no tempo da monarquia por um discurso violento contra Cotegipe no caso das pope-lines, veio fazer parte do Governo e teve papel de relevo no preparo do regulamento eleitoral que asseguraria uma Constituinte de republicanos e federalistas sem uma s voz dissonante dos vencidos em 1889.

    Do meio para o fim, a influncia de Rui Barbosa sobre Deodoro declinou. Crises se sucederam e, em janeiro de 1891, um ms antes da promulgao da Constituio de 24-2-1891, todo o Governo Provisrio se exonerou quando Deodoro exigia concesso do porto de Torres (RS) para um amigo dele e os Ministros a recusaram. Deodoro queixou-se que isso no passou de pretexto.

    Da por diante, o soldado herico entrega-se a velhos monarquistas que aderiram na 25a hora, chefiados por um amigo e compadre, o baro de Lucena (Henrique Pereira de lucena, de Pernambuco, 1834-1913, ex-magistrado, ex-deputado), que, alis, obscuro, jamais atingira postos de maior relevo no regime anterior, ao qual sempre servira.

    Faces sem partidos organizados

    o Governo Provisrio dissolveu em breve prazo as duas Casas da Assembleia Geral, o Conselho de estado, as Assembleias Provinciais, conservando, entretanto, o Su-premo Tribunal de Justia e as Relaes ou Tribunais existentes nas Provncias, pois o Judicirio se mostrou dcil e adesista.

    Como j foi exposto, havia, em 1889, trs grandes partidos nacionais, o Liberal, o Conservador e o Republicano, que, todavia, no tinham organizao interna, como os de hoje, nem havia legislao que os regulasse. Desapareceram os dois primeiros e famosos partidos monrquicos sem que houvesse qualquer ato expresso dos ven-cedores nesse sentido.

    Muitos polticos do velho regime aderiram ao novo e outros se recolheram vida particular, encerrando as respectivas carreiras polticas.

    No curso de 1890, a ciso era notria entre os republicanos, como assinala Felisberto Freire, responsabilizando-a por parte das dificuldades do novo regime a esse tempo.

    As faces se multiplicaram. No mais a dos adesistas e a dos histricos. Os republicanos anteriores a 15-11-1889 formavam contingentes de origem diversa:

    a) os juristas e profissionais de carreiras liberais, que vinham do Manifesto de 1870 e dos Clubes Republicanos;

    b) os militares;

    c) os positivistas, muitos dos quais tambm militares;

    d) os adesistas da vspera.

    e ainda h a contar os saudosistas da Monarquia, que tentaram ou, pelo menos, dese-jaram acredita-se a restaurao, ou hostilizaram a Repblica na imprensa interna e,

  • 22 Constituies Brasileiras

    depois da censura e da represso, na estrangeira, logo em dezembro de 1889, quando os exilados se manifestaram na Europa e constituram-se os cortesos da desgraa. Ainda alimentaram esperanas de restaurao pelo menos at o fim do Governo do Presidente Prudente de Morais.

    exceo destes ltimos, os demais disputaram as eleies e em maior ou menor proporo ganharam cadeiras de senadores e deputados na Constituinte de 1890-1891. Concordes em relao Repblica todos e em relao ao federalismo quase todos, dividiam-se em relao extenso deste e em vrios temas outros.

    A corrente restauradora no pode ser posta em dvida pela correspondncia de alguns elementos de prol e pelos fatos da revoluo de 1893.

    Numa carta dirigida em 12-2-1891, ao Constituinte e histrico Ubaldino Amaral (SC, 1842-1920), outro histrico, Amrico Brasiliense (1833-1896), presidente da Comisso elaboradora do projeto constitucional, diz ter ouvido de Jlio Mesquita, do Estado de S. Paulo, que a situao republicana est perdida e que a restaurao monrquica est parte, tendo militares por sustentculos.

    Dos jornais consta que J. Semeo (o Marechal e Senador) est de entente com o Pelotas (Visconde de e Marechal, chefe poltico do Rio Grande do Sul) e outros antigos monarquistas do Sul; e que o Custdio (de Melo, contra--almirante, deputado Constituinte pela Bahia) faz franca oposio atualidade e tem muita gente que o acompanha...Esto os republicanos do Governo batidos pelos de 15 de novembro e tambm pelos antigos correligionrios?

    Missivista e destinatrio acabariam como juzes do Supremo Tribunal Federal, depois de Brasiliense ter ocupado por algum tempo o Governo de So Paulo.

    A inexistncia de novos Partidos fato que se prolongou at 1946 favorecia a g-nese dessas faces na Capital e doutras de carter regional nos estados, sem outro objetivo seno a derrubada e a conquista dos cargos de Governador com o placet do Presidente da Repblica e at sem ele.

    Nessa fase inicial e breve da Repblica, todos os Estados tiveram sucessivamente dois e trs governadores. As prprias faces locais os depunham por motins adrede preparados ou pela ao dos Comandantes das Armas, quando no era obra do Governo Federal a queda dos governantes locais.

    esse desaparecimento dos velhos partidos sem que outros se formassem, a despeito de algumas tentativas, no s prejudicou a coordenao e orientao da poltica, segundo os grandes ideais e interesses da Nao, mas responsvel pelos Partidos estaduais indiferentes aos problemas do Pas e apenas embrenhados na disputa do mando local, quase sempre sombra do Governo Federal por meio de ao manu militari, como o bombardeio da Bahia em 1912.

  • 23Volume II 1891

    Sob esse ponto de vista, as prticas constitucionais e polticas desceram de nvel a partir da Repblica, se comparadas com as do Imprio depois de 1840.

    Oposio a Deodoro

    A inpcia poltica de Deodoro, a despeito de seu valor pessoal como soldado, e de sua probidade inatacvel, fato em que so acordes os historiadores e comentadores da poltica republicana.

    embora se lhe devesse a vitria e a sobrevivncia da Revoluo de 1889, logo no ano imediato conseguira provocar vrios focos de oposio, que se propagaram Constituinte.

    Muitos desconfiavam dele e de suas in-tenes, inclusive os membros do prprio Governo Provisrio. estes, no meado de 1890, temerosos dos atos do arbtrio e de desatino administrativo do Marechal, trata-ram de abreviar a elaborao da Constitui-o republicana, para pr termo ditadura.

    Tobias Monteiro, que secretariou Rui, replicando a um artigo annimo de Cam-pos Sales em outubro de 1894, conta que, quando Cesrio Alvim, Ministro do Interior, recusou-se a expedir o decreto assegurando enorme garantia de juros empresa contratante do saneamento do Rio, como lhe exigira Deodoro, os membros do Governo Provisrio secretamente se acor-daram em precipitar o preparo do projeto constitucional, tanto mais quanto o velho guerreiro pretendia impor certas ideias Constituio, incompatveis com a mesma.

    Nas entrelinhas de certos trechos do alentado discurso de Rui no Congresso Cons-tituinte em 16-11-1890, transpira a preocupao de fazer votar imediatamente o projeto constitucional que deve ser a primeira e a mais sria aspirao de todos os republicanos, de todos os patriotas.

    Contribuir para a celeridade destes debates prestar Nao o servio mais til, que ela, na conjuntura atual, poder receber dos seus melhores amigos, dos seus servidores mais esclarecidos. o interesse supremo da ptria, agora, no est em conquistar, aps lucubraes prolongadas e desanimadoras, uma constituio irrepreensvel, virginalmente pura, idealmente ilibada, que sorria a todas as escolas, e concilie todas as divergncias; no est em colher nas malhas da lgica, da eloqncia e do engenho essa fnix das Constituies; mas em dar, imediatamente, ao Pas uma Constituio sensata, slida e praticvel, poltica nos seus prprios defeitos, evolutiva nas suas insuficincias naturais, humana nas suas contradies inevitveis. Nossa primeira ambio deve consistir em entrar j na legalidade definitiva, sem nos deixarmos transviar... (Nas Obras Completas, de Rui, vol. XVII, tomo I, pgs. 371-5).

    Campos Sales

  • 24 Constituies Brasileiras

    e os receios no eram infundados. Deodoro continuou a insistir noutros projetos onero-sos e temerrios como o do Porto de Torres, dando causa ao pedido de exonerao dos Ministros republicanos do Governo em janeiro de 1891. o Marechal imediatamente os substituiu por monarquistas obscuros, que s aderiram depois do fato consumado de 15 de novembro, tendo como chefe do Grupo seu compadre o Baro de lucena , cujos conselhos cedo o levariam ao golpe destado e deposio.

    E, por ltimo, Deodoro procurou intimidar o Congresso Constituinte, a fim de impedi-lo de eleger Prudente de Morais para Presidente da Repblica e forar os deputados e senadores a sufrag-lo, como aconteceu com muitos votos contrrios.

    Os projetos

    No seio da Comisso dos cinco ou dos histri-cos, apareceram 3 projetos, que foram compri-midos num s, remetido em junho ao Governo Provisrio. Inspirava-se nas disposies expres-sas das Constituies dos euA, da Argentina e da Sua, nem outras seriam adequadas desde que a quase totalidade dos republicanos desejavam uma repblica presidencial federalista, exceto

    os positivistas desejosos da ditadura cientfica com preponderncia absoluta do executivo sobre o legislativo.

    O projeto do Governo Provisrio

    De 10 a 18 de junho de 1890, Rui debatia com os outros Ministros, tarde, em sua casa, artigo por artigo, e todos eles, noite, submetiam o trabalho vespertino frula do Marechal. Este queria unidade da magistratura, poder de o Presidente da Repblica dissolver o Congresso, enfim, disposies incompatveis com o Presidencialismo fe-derativo do figurino norte-americano ou da cpia argentina de 1853, obra de Alberdi.

    Rui poliu o projeto, imprimindo-lhe redao castia, sbria e elegante, alm de ter melhorado a substncia com os acrscimos de princpios da Constituio viva dos euA, com os resultantes da construction da Corte Suprema em matria de imunidade recproca (Maryland versus Mae Callado, de 1819), de liberdade do comrcio inte-restadual (Brown versus Maryland), recursos extraordinrios no STF e vrios outros.

    Felisberto Freire, Campos Sales e outros contestaram a importncia da colaborao de Rui ao Projeto, mas Tobias Monteiro, Homero Pires e Pedro Calmon investiga-ram o assunto nos exemplares de projeto dos cinco emendados do punho de Rui, confrontando-os com o texto afinal aprovado.

    No se pode subestimar a mo de obra do brasileiro genial ao aprimoramento da primeira Constituio Republicana (o fac-smile do projeto emendado pela mo de

    Prudente de Morais

  • 25Volume II 1891

    Rui est nas Obras Completas, cit., vol. XVII (1890), tomo I, com prefcio de Pedro Calmon).

    A Constituinte

    Instalado a 15-11-1890, o Congresso Constituinte funcionou ininterruptamente no antigo Palcio Imperial (Quinta da Boa Vista) depois de sesses preparatrias no edifcio onde existe, hoje, o Automvel Club, at 24-2-1891, quando foi promulgada a primeira Constituio republicana. Trs meses, portanto, durante os quais discutiu, artigo por artigo, o projeto que Rui Barbosa revira e acrescentara. A estrutura desse anteprojeto foi preservada em sua essncia e at em grande parte de sua redao, pois, a despeito da composio heterognea daquela Assembleia, composta de muitos republicanos histricos e dos propagandistas do novo regime nos ltimos 18 anos at 1889; adesistas, alguns dos quais provindos da monarquia; muitos militares; muitos juristas liberais e vrios jovens inexperientes. era unnime a Casa em relao ao objetivo principal, a consolidao da Repblica federativa e federal, predominando maciamente as presidencialistas do tipo norte-americano, j transplantado para a Argentina.

    Tinham experincia parlamentar apenas os que haviam feito suas primeiras armas na Cmara do Imprio.

    Eram eles, em geral, como na Constituinte de 1824, homens de profisses liberais e classes mdias: juristas formados em So Paulo e Pernambuco; mdicos diplomados na Bahia e no Rio; engenheiros civis e militares; jornalistas e homens de letras, oficiais do Exrcito e da Marinha. Vrios eram funcionrios pblicos.

    Registrado que, dos 205 deputados (havia ainda 63 senadores), 46 eram militares, observou Felisberto Freire, lcido participante daquela Assembleia como deputado por Sergipe e governador deposto ou renunciatrio no incio do governo Provisrio em sua Matria Constitucional do Brasil, 1895, vol. 3o, pg. VI-VII:

    Como classe armada, no podia deixar de ser por sua vez objeto de prescries constitucionais. O direito pblico havia de prescrever preceitos que as afetas-sem e ento bem visvel a falta de liberdade de que se ressentiram todas as discusses que afetaram a classe, por parte do elemento civil do Congresso. No que os que nele tiveram assento impusessem essa restrio liberdade de discusso.No. Ela veio como uma conseqncia inevitvel da situao poltica, que bem se pde definir pelo predomnio da classe militar sobre qualquer outra, baixando consideravelmente a cotao poltica do jurista. e isto constitui um dos fatos mais expressivos da vida do governo republicano.A deslocao das duas classes a jurstica e a militar. Nenhum assunto que de perto afetasse questes militares foi francamente debatido na tribuna, ainda que a votao e uma ou outra emenda viessem atestar a existncia de opinies contrrias.

  • 26 Constituies Brasileiras

    Assim, as questes de que as foras de mar e terra so instituies nacionais permanentes, de que elas so essencialmente obedientes, dentro dos limites da lei, da prerrogativa do direito de votar e ser votado; da criao de um foro privilegiado, da composio do exrcito e da Armada pelo voluntariado sem prmio e na falta pelo sorteio, da obrigatoriedade do servio militar e muitos outros assuntos, no despertaram o menor debate, a mais simples polmica. e porque um deputado props em emenda que os comandantes dos distritos militares pudessem ser removidos pelo Governo Federal, por proposta dos governadores dos estados, um orador, de patente superior do exrcito, tachou essa emenda de acinte ao Exrcito.

    esse aspecto, ligado s origens militares do golpe de 15 de novembro de 1889, tendia a instilar no regime brasileiro germes do militarismo das repblicas hispano-americanas da vizinhana no continente, afastando do modelo desejado, o dos estados unidos.

    os assalariados do comrcio e os operrios ou artesos praticamente no tiveram voz na Constituinte, embora o oficial do Exrcito Tasso Fragoso, logo nos primeiros dias da Repblica, houvesse discursado, em tom positivista, no sentido de que a nova filosofia tinha como objetivo imediato o de incorporar o proletariado sociedade moderna....

    O Apostolado Positivista e a Constituio

    Como vimos, desde o primeiro dia, aps a proclamao da Repblica, os positivis-tas que tinham infiltraes nos crculos de jovens militares, os cadetes filsofos, procuraram implantar no Pas a ditadura cientfica das ideias filosficas e polticas de Augusto Comte. Alm dos pronunciamentos de Demtrio Ribeiro, Ministro do Governo Provisrio, e de alguns oficiais do Exrcito e da Marinha nos postos iniciais da carreira, batia-se, por isso, convencionada e tenazmente o Apostolado Positivista, com sede no Rio e influncias fortes no Rio Grande do Sul.

    em manifestao a Demtrio Ribeiro, sob a presidncia de Benjamin Constant, em 11-12-89, pela posse no Governo Provisrio, os militares fizeram profisso de f comtiana e ditatorial. o capito-tenente Nelson de Vasconcelos e Almeida, mais tarde deputado Constituinte, declarou com toda a franqueza:

    Para termos uma Repblica estvel, feliz e prspera, necessrio que o Go-verno seja ditatorial e no parlamentar, que seja temporal e no espiritual...

    o homenageado Demtrio agradeceu, casando o seu propsito de um

    regime da mais completa liberdade espiritual com um governo ditatorial e no desptico, constantemente fiscalizado pela opinio, provocando-a mesmo a manifestar-se sobre todos os seus atos.

    esses discursos foram publicados no Dirio Oficial e refletem o estado de esprito do grupo, cujas esperanas residiam no positivismo de Benjamin Constant.

  • 27Volume II 1891

    Mas, se os republicanos se dividiam em vrios grupos discordantes acerca da natureza da nova repblica, tambm se dividiam entre si os positivistas, a maior parte dos quais nem sempre assimilara bem as ideias de Augusto Comte, como assinala Ivan lins, o provecto historiador do positivismo no Brasil:

    Diante de to calorosas declaraes no sentido da ditadura republicana, como se explica que, havendo sido to grande, nos primeiros dias da Repblica, a influncia positivista, no haja sido ento implantada essa forma de governo vivamente aconselhada pelo Apostolado Positivista e pleiteada, como acabamos de ver, pelos cadetes filosficos representados na manifestao a Demtrio, por Nelson Vasconcellos, futuro deputado constituinte, e Tasso Fragoso, os quais, como seus colegas, completavam os ensinamentos cientficos de seu mestre Ben-jamin Constant com a pregao poltica de Miguel Lemos e Teixeira Mendes?

    que havia diretrizes e correntes nitidamente diferenciadas no Positivismo brasilei-ro. De Miguel lemos e Teixeira Mendes e de sua interpretao e maneira de aplicar os ensinos de Comte se afastara Benjamin Constant desde 1882, mantendo-se fiel diretriz do chefe do Positivismo ortodoxo na Frana, Pierre Laffitte, que, alm de Benjamin, continuou a contar no Brasil muitos aderentes, os quais, distanciados do Apostolado, faziam srias restries orientao de Miguel lemos e Teixeira Mendes.

    Pierre Laffitte influiu decisivamente sobre Benjamin Constant no sentido de ser afastada da nossa Repblica a ditadura republicana, divergindo ainda de Miguel Le-mos e Teixeira Mendes noutro ponto importante ao achar que a Constituio devia emanar de uma Constituinte, impugnando, assim, a tese do apostolado Constituio sem Constituinte. Transcrevo aqui, vertida para o vernculo, a correspondncia de Laffitte com Benjamin Constant a esse respeito:

    Ao Sr. Benjamin ConstantParis, 1o de Arquimedes 102 (26 de maro de 1890)Senhor, os erros, quase inevitveis, cometidos a esse propsito, resultam de que no se separaram suficientemente as concepes fundamentais de Augusto Comte das aplicaes, mais ou menos precisas e passageiras, que delas fez aos acontecimentos de seu tempo. o erro procede tambm de se dar a algumas expresses de Augusto Comte o sentido corrente e vulgar, enquanto ele prprio lhes atribui um sentido filosfico anlogo, embora diverso sob muitos aspectos. Deve-se reconhecer, tambm, que o pblico tem sido enganado pelos exageros de algumas pessoas que, arrogando-se o ttulo de positivistas, e crendo mesmo s-lo, no tiram de Augusto Comte seno algumas frmulas, ou algumas apli-caes que repetem indefinidamente e pode mesmo dizer-se quase maquinal-mente. esta uma tarefa muito fcil e que deviam tentar aqueles que, a uma grande validade, juntam uma capacidade muito pequena. Mas, Augusto Comte no haveria de querer instituir uma doutrina para homens sem crebro e no poderia crer que nos pudesse dispensar para sempre de toda reflexo pessoal. Se o tivesse querido, o que no se deu, ter-lhe-ia sido impossvel impor a sua vontade a esse respeito. Aplicam-se estas reflexes sobretudo aos abusos que

  • 28 Constituies Brasileiras

    vrios positivistas tm feito da palavra ditadura de que tanto se tem falado, empregando-a at contra o prprio positivismo.Augusto Comte, com efeito, proclama freqentemente a necessidade do regime ditatorial; mas, o que entende ele por esse regime? preciso reconhecer que suas vistas talvez caream de preciso. Mas as aplicaes que delas fez e a concepo que sempre estabeleceu da necessidade, na ditadura, da completa liberdade de discusso e de exposio, e da fiscalizao de uma Assemblia financeira eleita, que pode recusar o Oramento, permitem melhor precisar a teoria de Comte e despreend-la do carter por demais absoluto que lhe tem sido atribudo.Alm do mais, graas luta que, desde 1870, sustentamos em Frana para o estabelecimento de uma Repblica ao mesmo tempo orgnica e progressista, adquirimos uma experincia de que no dispunha Augusto Comte; e, enfim, sem quebra do respeito do que devemos ao grande gnio do Mestre, essa experincia pode conduzir-nos a observaes histricas que lhe faltaram.Em primeiro lugar, Augusto Comte no atribui de modo algum palavra di-tadura o sentido de poder pessoal absoluto que lhe querem conferir, porquanto chama a lus XVIII o melhor dos ditadores surgidos em Frana desde Danton, e a lus Felipe o mais imperfeito. Por conseguinte, a palavra ditadura designa, a seu ver, a preponderncia do Governo sobre as Assemblias, preponderncia que se caracteriza sobretudo pela iniciativa; e, em segundo lugar, pela concen-trao, numa nica pessoa, dessa ao diretora governamental. De certo, pode-se discutir sobre estas idias e combat-las, mas apresentam alguma coisa de que se possam assustar os partidrios sinceros de uma liberdade real? Ademais, um pensamento caracterstico vai esclarecer o meu pensamento.A Inglaterra realizou esse regime, desde Roberto Walpole at os nossos dias, e foi por isto que o parlamentarismo pde fazer na Inglaterra coisas to grandes e colocou to alto esse grande pas. No fundo, a Inglaterra foi durante esse perodo governada por uma srie de ditadores, porquanto o Parlamento sofria sempre a direo do primeiro-ministro e a recebe ainda at que o ditador provi-srio no se encontre mais de acordo com a opinio pblica. Roberto Walpole governou, creio, a Inglaterra, durante 21 anos; William Pitt presidiu tambm, durante um grande nmero de anos a seus destinos; mas nunca passou pela cabea dos sbios homens de estado da Inglaterra quererem dispensar-se da orientao poltica de um chefe nico e confiar a direo dos negcios a uma Assemblia sem responsabilidade, cuja incoerncia no pode cessar seno pela subordinao a um ministrio firme e dirigido por um chefe. Tal a verdadeira concepo da ditadura.

    II A CONSTITUIO LITERRIA DE 1891

    Linhas gerais

    A Constituio de 24 de fevereiro de 1891 era vazada em 91 artigos e mais oito das Disposies Transitrias e, por isso, caracteriza-se como a mais concisa das seis Constituies da Repblica.

  • 29Volume II 1891

    Dividia-se em cinco Ttulos, subdivididos em Sees e estas, em Captulos.

    O Ttulo I, o mais longo, tratava da Organizao Federal, estruturando a forma de governo, isto , sob regime representativo e presidencial, a Repblica Federativa, integrada pelas antigas Provncias erigidas em estados e pelo Distrito Federal (Rio, o antigo Municpio Neutro). Reservava-se logo uma zona de 14.400 km2 no pla-nalto central para a futura capital. No se fala em Territrios nacionais. o art. 69, dos mais discutidos no regime dessa Constituio, permitia interveno federal nos estados e estabelecia os princpios constitucionais que estes deveriam respeitar para no sofrerem aquela medida extrema. Nesse Ttulo I, regulavam-se os Trs Poderes nacionais, segundo a clssica diviso de Montesquieu.

    o Ttulo II era reservado aos estados-membros.

    O Ttulo III regulava os Municpios num artigo nico e breve, o 68.

    O Ttulo IV tratava dos cidados brasileiros, dizendo quais os que gozavam dos respectivos direitos e inclua a grande naturalizao, isto , a de todos os estran-geiros que, achando-se no Brasil a 15-11-1889, no declarassem, dentro de 6 meses aps a Constituio, o nimo de conservar a nacionalidade de origem. Nesse Ttulo IV, est a Declarao de Direitos assegurados pela Constituio aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas.

    o Ttulo V cuida das Disposies Gerais e acompanhado das Transitrias. Regula o estado de stio, especificando as restries que comporta nas medidas de represso; responsabilidade dos funcionrios, no se falando em direitos ou garantias a estes; servio militar obrigatrio e organizao do Exrcito e da Armada; proibio de guerra de conquista; instituio dum Tribunal de Contas; modo de reforma da Cons-tituio. Nas Disposies Transitrias, determinava-se a eleio do 1o Presidente e do 1o Vice-Presidente pelo Congresso; concesso de uma penso vitalcia a D. Pedro II; compra da casa em que faleceu Benjamin Constant, colocando-se nela uma lpide em homenagem ao grande Patriota, o Fundador da Repblica, cabendo o usufruto desse imvel viva daquele estadista.

    O Poder Legislativo

    o Poder legislativo era exercido pelo Congresso com a sano do Presidente da Re-pblica, que, todavia, poderia vetar projetos de lei, mas s no todo, como nos euA. S depois de 1926, foi admitido o veto parcial. A legislatura era de trs anos. os deputados eleitos diretamente na proporo de um para 70.000 habitantes e os senadores, trs para cada estado, eram eleitos por 9 anos, renovando-se pelo tero em cada trinio. uns e outros eram inviolveis por suas palavras e opinies no exerccio do mandato e gozavam de imunidade, no podendo ser presos nem processados sem licena da Cmara, salvo flagrante. O naturalizado podia ser eleito depois de quatro anos para deputado e de seis para senador. o Congresso votava o oramento anual, autorizava emprstimos, regulava o comrcio exterior e interno, a guerra e a paz, resolvia sobre tratados com naes estrangeiras, fixava as foras de terra e mar, declarava o estado de stio, concedia anistia e legislava sobre todas as matrias de competncia da unio.

  • 30 Constituies Brasileiras

    estabeleceu-se o regime presidencialista de tipo norte-americano e, em consequncia, o Poder executivo no podia dissolver a Cmara dos Deputados, nem era obrigado a escolher Ministros de confiana desta ou exoner-los se perdessem essa confiana: dife-rena fundamental entre a Constituio escrita de 1891 e a Constituio viva de 1824.

    O Presidente e o Vice-Presidente da Repblica

    Declarava-se que o Executivo seria exercido pelo Presidente da Repblica, como chefe eletivo da Nao (art. 41). Substitua o Presidente nos impedimentos e suced-lo-ia no de falta o Vice-Presidente, que tinha a incumbncia de presidir o Senado. Se a vaga por morte ou outra causa do Presidente ocorresse nos dois primeiros anos do quatrinio, para o qual fora eleito, far-se-ia nova eleio. Mas, decorridos dois anos, sucedia o Vice. Deodoro renunciou no 1o ano e Floriano no mandou preceder nova eleio, o que representou um golpe destado e provocou revolta da Armada e turbulncia no Pas.

    Presidente e Vice deveriam contar mais de 35 anos, ser brasileiros natos e estar no exerccio dos direitos polticos. A eleio de ambos era direta e por maioria absoluta. o Presidente nomeava e demitia livremente os Ministros destado o que caracterizava o presidencialismo norte-americano e contrastava com as prticas gerais do reinado de Pedro II, ressalvado o poder pessoal, que se increpava a este. Chefiava Exrcito, Armada como comandante supremo, nomeava funcionrios, declarava guerra e fazia a paz, prestava contas anualmente. Diferentemente do Presidente do Conselho de Mi-nistros do Imprio, no poderia ser destitudo, salvo impeachment. o mesmo ocorria com seus Ministros destado, que eram responsveis exclusivamente para com ele e no para com a Cmara: outro contraste com o Imprio. o Deputado, ou Senador, que aceitasse um Ministrio perderia o mandato. os Ministros, diversamente do Imprio, no poderiam comparecer s sesses do Congresso, comunicando-se com este por escrito. Mas, poderiam conferenciar pessoalmente com as Comisses Parlamentares.

    o Ministro no era responsvel pelos conselhos dados ao Presidente, mas respondia pelos crimes qualificados em lei.

    o impeachment foi regulado maneira da Constituio norte-americana. o Presidente seria processado e julgado pelo Senado, nos crimes de responsabilidade, depois de declarada procedente a acusao pela Cmara dos Deputados, caso em que ficaria desde logo suspenso de suas funes. Nos crimes comuns, depois de declarada procedente a acusao, o processo e julgamento caberiam ao Supremo Tribunal.

    os crimes de responsabilidade seriam regulados em lei logo na 1a Sesso legislativa. Assim, fez a Cmara, mas afirma-se que Deodoro desconfiou de que isso fora tramado para conden-lo e isso o teria levado ao golpe fatal de dissoluo do Congresso em novembro de 1891.

    os Ministros, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, seriam processados e julgados pelo Supremo, salvo nos crimes de responsabilidade conexos com os do Presidente, caso em que, com este, seriam julgados pelo Senado. este julgaria tambm, nos crimes de responsabilidade, o Ministro do Supremo Tribunal.

  • 31Volume II 1891

    A lei dos crimes de responsabilidade foi aprovada pelo Congresso em 1891 e como Decreto no 30, de 8 de janeiro de 1892, foi sancionado por Floriano Peixoto logo depois de restaurado o Congresso, aps a renncia de Deodoro, em funo da revolta da Ar-mada, comandada por Custdio de Melo como reao ao golpe de novembro de 1891.

    A dualidade da Justia

    A Constituio de 1891 consagrou os dois decretos de Campos Sales no Governo Pro-visrio, instituindo a Justia Federal, ao lado da estadual e tambm o Supremo Tribunal Federal. Deste e dos Juzes Federais ditos seccionais compunha-se a Justia Federal, embora a lei pudesse criar outros Tribunais da unio. Mas, ela no os criou.

    os Juzes e Tribunais Federais julgariam as causas fundadas na Constituio, as de interesse da Unio; os crimes polticos e os contra a Unio (moeda falsa, contraban-do etc.); causas entre um Estado e cidado de outro; as de Direito Martimo; as de estrangeiro fundadas em contrato com a unio ou em tratados internacionais.

    o Supremo julgaria originariamente os crimes comuns do Presidente e de quaisquer dos Ministros; os dos Ministros diplomticos; causas entre Unio e Estados, ou de um destes contra outro; as naes estrangeiras e a Unio ou Estado, conflitos entre juzes federais ou entre estes e os estaduais.

    em grau de recurso, as causas julgadas pelos juzes e tribunais federais, competia-lhe a reviso criminal. e, em recurso extraordinrio, as decises dos Tribunais e juzes dos estados quando se discutisse vigncia e validade de leis federais negadas pela Justia Estadual: divergncia de interpretao entre Tribunais Estaduais; questes de Direito Criminal ou Civil Internacional.

    Nenhuma disposio proibia a atividade poltico-partidria dos juzes, e alguns a exer-ceram. Havia garantia constitucional da vitaliciedade, salvo sentena condenatria, e irredutibilidade de vencimentos.

    Foi abolida a suspenso de Juzes que, no Imprio, o executivo podia fazer por ato do Imperador.

    Diferentemente da Constituio dos estados unidos, os presidentes dos Tribunais eram eleitos por seus pares e o Procurador-Geral da Repblica seria designado pelo Presidente da Repblica entre os Ministros do Supremo. Estes deviam ser nomeados pelo Presidente da Repblica entre cidados de notvel saber e reputao, elegveis para o Senado (isto , maiores de 35 anos).

    Como o texto no dizia que o saber deveria ser especificamente jurdico, Floriano nomeou para o STF um general e um mdico. este, Barata Ribeiro, chegou a exercer o cargo. Mas o Senado assentou que s juristas poderiam ser Ministros do STF.

    e os juzes e Tribunais poderiam declarar a inconstitucionalidade de leis e decretos, mas s em caso concreto, isto , dizer que a lei era inaplicvel naquela causa por ser

  • 32 Constituies Brasileiras

    contrria Constituio. Qualquer outra pessoa na mesma situao teria que propor ao para o mesmo fim. A Justia no revogava a lei inconstitucional nem a declarava tal em tese erga omnes, como pode fazer hoje.

    Discriminao das rendas

    Grande inovao foi uma expressa diviso dos tributos entre a unio e os estados, determinando-se que estes escolheriam alguns de seus impostos para os Municpios (s pela CF de 1934, estes passaram a ter expressamente impostos exclusivos).

    unio, estados e Municpios podiam cobrar taxas (tributos como contraprestao de servios especficos prestados ao contribuinte) e as rendas de seus bens e servios no coativos (rendas industriais e comerciais). Competiam exclusivamente unio impostos de importao, direitos de entrada e sada de navios, selos, taxas de correio, telgrafo. Aos estados, exclusivamente, impostos de exportao de seus produtos; os sobre imveis rurais e urbanos; sobre transmisso de propriedade (sisa sobre bens de raiz); sobre indstrias e profisses; selos sobre os atos de seu governo e negcios de sua economia; taxas sobre seus correios e telgrafos.

    entre os impostos de transmisso de propriedade, compreendia-se o causa mortis (sobre heranas e legados) que os estados arrecadavam.

    os estados deixaram para os Municpios o imposto predial urbano (casas e terrenos) e permitiam que eles arrecadassem cumulativamente o de indstrias e profisses. Isto , os contribuintes pagavam esse imposto ao estado e aos Municpios. estes cobravam as taxas de seus servios (luz, lixo etc.).

    o Ato Adicional de 1834 havia introduzido a competncia de as Provncias decretarem seus impostos, contanto que no prejudicassem os gerais, isto , os nacionais. A CF de 1891 discriminou os impostos federais e estaduais pelo nomen iuris e declarou que quaisquer outros impostos no discriminados no texto seriam de competncia concurrente, isto , poderiam ser decretados cumulativamente em via ordinria, pela unio, e pelos estados.

    estes foram de pouca iniciativa, mas a unio sucessivamente criou o imposto de consumo (alis, ampliou o j existente a vrias mercadorias); o de renda; e o de vendas mercantis.

    os estados, com as antigas Provncias, insistiam em exigir impostos interestaduais, isto , pela importao ou pela exportao para outros estados. Desde os primeiros anos aps a vigncia, houve clamar contra isso, polemicamente: Rui e Amaro Cavalcanti, debates na Cmara etc. uma lei de 1904 ps cobro a esse abuso.

    Estados: competncia, interveno, etc.

    Cada Estado se regeria pela Constituio e leis que adotasse, respeitados os princ-pios constitucionais da Unio. Estes estavam arrolados nos doze incisos do art. 6o,

  • 33Volume II 1891

    II (forma republicana e representativa; presidencialismo; independncia e harmonia dos Poderes; temporariedade de funes eletivas; responsabilidade dos funcionrios; autonomia dos Municpios; capacidade de ser eleitor ou elegvel da Constituio; re-gime eleitoral com garantia das minorias; inamovibilidade e vitaliciedade dos juzes e irredutibilidade dos vencimentos deles; direitos polticos e individuais da Constituio a todos; no reeleio dos Presidentes e Governadores; possibilidade de o Legislativo reformar a Constituio estadual).

    A violao desses princpios era um dos casos de interveno federal nos estados. Todavia, o Rio Grande do Sul, que adotou uma Constituio de inspirao positivista, reelegeu Borges de Medeiros durante 20 anos.

    os estados receberam pelo art. 64, para seu patrimnio, as minas e terras devolu-tas de seu territrio. At hoje as terras devolutas (exceto as situadas numa faixa de 150km ao longo das fronteiras com o estrangeiro e as necessrias s estradas de ferro e fortificaes) so estaduais.

    Os Estados no podiam recusar f a documento da Unio ou de outros Estados; rejeitar a moeda federal; guerrear entre si; denegar extradio.

    municpios

    exceto a disposio sobre rendas que lhe deviam ser atribudas e tiradas dos impostos estaduais, havia apenas o art. 68 que mandava ao estado assegurar aos Municpios a autonomia em tudo quanto respeitasse ao seu peculiar interesse.

    esse dispositivo vago trouxe muitas discusses, como se, por exemplo, o estado podia estabelecer a nomeao dos Intendentes ou Prefeitos.

    Debateu-se muito (Castro Nunes e outros) se o Municpio brasileiro continuava a tradio colonial e ibrica, anterior criao das Provncias, ou se era apenas uma projeo dos estados, como nos estados unidos.

    em geral, a Constituio de cada estado determinou que os Municpios seriam re-gulados por uma lei orgnica, aplicvel a todos. O Rio Grande do Sul tolerou que cada Municpio institusse sua prpria carta.

    Superior Tribunal militar

    Alm de instituir um Tribunal de Contas, segundo sugestes de Rui Barbosa provendo a essa lacuna de regime monrquico, a Constituio de 1891 determinava, no Ttulo Da Declarao de Direitos, que os militares de terra e mar teriam foro especial nos delitos militares, foro esse composto de um Supremo Tribunal Militar, cujos membros seriam vitalcios, e Conselhos de Justia.

    Conservava-se assim um Tribunal Militar fundado em 1808, pelo Prncipe Regente, o futuro D. Joo VI. Mas a Constituio de 1891 regulou-o fora do Captulo do Ju-

  • 34 Constituies Brasileiras

    dicirio, pondo-o entre as Disposies Gerais, no art. 77, como rgo administrativo com funes jurisdicionais, para garantia aos militares.

    Declarao de Direitos

    o art. 72 trazia um longo e solene rol dos direitos e garantias assegurados aos brasi-leiros e estrangeiros residentes no Pas no muito diversos dos que estavam inscritos na Carta de 1824, nem muito menores dos que figuraram nas Constituies de 1934, 1937, 1946, 1967 e na emenda no 1/1969.

    A Constituio de 1891, embora fosse atacada desde quase a sua vigncia pelos revisionistas, inclusive Rui, veio a ser emendada somente em 1926, e assim mesmo em poucos pontos.

    A Constituio de 1891 no obrigava os estados uniformidade de denominaes dos cargos do executivo ou das Cmaras Municipais. um estado dava o nome de Governador e outro o de Presidente ao Chefe do executivo. Prefeito era Intendente ou Superintendente; Vereador, s vezes, tinha o ttulo de Intendente.

    os estados, em geral, tinham Deputados e Senadores estaduais, pela adoo do sistema bicameral de suas Assembleias legislativas.

    El Rey, nosso Senhor, dorme o sono da indiferena. Os jornais que diariamente trazem os desmandos desta situao parecem produzir em Sua Majestade o efeito de um narctico.

    Angelo AgostiniRevista Ilustrada (1887)

  • 35Volume II 1891

    III EVOLUO POLTICO-CONSTITUCIONAL DO BRASIL

    O militarismo na 1a Repblica

    No perodo monrquico, o militarismo das repblicas hispano-americanas fonte e base do caudilhismo tpico de todas elas teve surtos espordicos no reinado de Pedro I que, depois da Independncia, logo depois de afastar os Andradas, procurou cercar-se de oficiais da tropa de linha, sobretudo os portugueses de nascimento, de permanece-rem no servio militar do Brasil. logo que, na Bahia, os portugueses foram batidos em 2-7-1823 e embarcados a pulso de volta ex-metrpole, o Imperador garantiu lugar no Exrcito brasileiro aos que quisessem ficar, fato esse gerador de desgosto entre os patriotas desconfiados das preferncias lusfilas do trono. Apoiado nesses militares, dissolveu a Constituinte de 1823, exilou deputados e reprimiu brutalmente a revoluo que os pernambucanos em 1824 opuseram ao imperial golpe de estado do ano anterior. Jos Honrio Rodrigues expe isso na Constituinte de 1823, publicada em 1974: a maioria dos oficiais era estrangeira. Para 98 oficiais portugueses, havia apenas 47 brasileiros.

    otvio Tarqunio de Sousa, historiador especializado nesse perodo e bigrafo de Pe-dro I, conta que, em festas de quartel, sem damas, ele danava de par com os oficiais. Fez vir mercenrios irlandeses e alemes e at pensou em utiliz-los para restringir as liberdades pleiteadas pelos brasileiros, atitude verberada por seu confessor e con-selheiro ntimo Frei Arrbida.

    Mas esses mercenrios, at certo ponto justificveis pela Guerra da Cisplatina, torna-ram-se incmodos e turbulentos, at que se revoltaram, e numa reao dos brasileiros, no Rio, cem deles foram mortos e feridos em combates de rua.

    Quando, afinal, a 7 de abril de 1831, o povo do Rio rebelou-se contra o primeiro Imperador no Campo de SantAna (atual Praa da Repblica, no Rio), a tropa aderiu ao movimento e o monarca teimoso e imprudente acabou sem dispor sequer de sua prpria guarda no palcio de So Cristvo.

    A Regncia, a duras penas, apoiando-se na Guarda Nacional, milcia de civis, gradu-almente reduziu a tropa de linha em nmero e, consequentemente, na possibilidade de interferir nos destinos do Pas.

    Pedro II no tinha o gosto do aparato militar pela prpria educao humanstica, que lhe fez ministrar a Regncia. Vestia-se de civil e, quando envergava uniforme, preferia o de Almirante.

    Por outro lado, os militares de prol, no Imprio, eram filiados aos dois grandes Par-tidos e dentro deles procediam como polticos civis. Francisco de lima e Silva, pai do futuro Duque de Caxias, participou da Regncia Trina. o Marqus de Barbacena, constituinte de 1823, Ministro de estado e diplomata, no foi feliz na Guerra da Cisplatina, perdendo a Batalha de Itazaig (Passo do Rosrio). Rompeu com Pedro I e escreveu-lhe carta atrevidssima, profetizando-lhe fim de vida num asilo de loucos,

  • 36 Constituies Brasileiras

    como acontecera a antepassados da dinastia dos Braganas. certo que no foi es-tranho conspirao de que resultou o 7 de Abril de 1831. Impunha-se como poltico e no como soldado.

    Caxias era um dos lderes do Partido Conservador e presidiu o Conselho de Ministros, alm de ter sido ministro, deputado e senador. osrio, o outro grande soldado do Im-prio, integrava o Partido Liberal e foi senador. No procuravam influir como chefes militares, mas como polticos civis dentro dos quadros partidrios a que pertenciam.

    Livrou-se, o Imprio, destarte, do militarismo das repblicas vizinhas. S depois da Guerra do Paraguai os oficiais comearam a apresentar, como classe e em nome desta, reivindicaes profissionais, muito embora Srgio Buarque de Holanda aponte um jornal de militares em que se revela, antes da Guerra do Paraguai, o ressentimento dos homens de farda contra a influncia dos juristas (o jornal os trata de legistas).

    Isso culminou nas questes militares, que s explodiriam na dcada de 1880, depois de mortos Caxias e osrio, quando o exrcito j no contava com os dois chefes gloriosos e de grande autoridade moral sobre a tropa. Some-se a isso a influncia positivista com os seus sonhos de ditadura cientfica, que, j vimos, impregnara os jovens oficiais liderados por Benjamin Constant.

    De tudo, resultou a Repblica, que, se tinha razes civis desde 1870, foi incontesta-velmente o produto duma conspirao de quartis e duma passeata militar.

    Todavia, o Governo Provisrio, na maioria de seus membros, era constitudo de civis e sofreu, de comeo, a influncia de Rui e dos republi-canos histricos, juristas e civis de So Paulo, isto , Campos Sales, Aristides lobo, Glicrio, ligados a Quintino Bocaiva.

    embora grande a percentagem de militares na Constituinte de 1890-1891, a sua influncia foi abafada pela dos civis, na maioria juristas e liberais.

    As tentativas militaristas, por essa poca, en-contravam palco nos governos estaduais, em que oficiais alavam e logo depois derrubavam governos fardados ou paisanos.

    Para contrabalanar o prestgio militar de Deo-doro, que, sob ameaas, se fez eleger Presidente em fevereiro de 1891, a Cmara derrotou o Vice-Presidente por ele escolhido, o Almirante Wandenkolk, e elegeu Floriano, candidato da oposio.

    Quintino Bocaiva e Pinheiro Machado

  • 37Volume II 1891

    o Governo deste, depois do golpe destado de 3-11-1891, com a dissoluo do Con-gresso, e do prprio golpe de Floriano, no convocada eleio presidencial depois da renncia de Deodoro, deu novo surto ao militarismo favorecido pela necessidade da tropa para represso da revoluo gacha de 1893 e da chamada guerra de Canudos.

    Os oficiais que fizeram a Repblica e a defenderam em 1893, muitos dos quais po-sitivistas, animados do esprit de corps, insinuaram a permanncia de Floriano e, at depois da morte deste, em 1895, secretamente conspiraram para depor Prudente e instalar a ditadura cientfica, de Augusto Comte.

    o malogro do atentado contra o Chefe da Nao e o homicdio do Marechal Bit-tencourt, ministro da guerra, na defesa da vida de Prudente, trouxeram a este sbita popularidade ao lado da condenao aos florianistas, na maioria militares.

    Isso permitiu a Prudente de Morais, ao terminar seu tormentoso perodo presidencial, dizer que pacificara o pas e consolidara a ordem civil. E foi verdade, embora se per-mitisse algumas violncias que o atritaram com o Supremo Tribunal.

    No obstante, passado o quatrinio de Campos Sales (1889-1903), sem quarteladas e nico sem estado de stio nos 40 anos da 1 Repblica, os levantes, sobretudo da escola Militar, voltaram a registrar-se no governo de Rodrigues Alves. Num deles, o General Travassos, que sublevara os rapazes daquela escola e os arrastara de armas em punho em plena rebelio pelas ruas, foi abatido do alto do seu cavalo branco frente dos amotinados. Veio a morrer do ferimento recebido na coxa, dizem que mngua de cuidados mdicos oportunos, depois de 4 horas de interrogatrio.

    H um interregno de tranquilidade dos quartis, at que o militarismo recrudesce por obra dos civis, capitaneados por Pinheiro Machado, que levantou a candidatura do Ministro da Guerra, Marechal Hermes da Fonseca, sobrinho de De-odoro, como recurso para evitar que Afonso Pena fizesse do ministro e conterrneo David Campista seu sucessor. Passou histria como Campanha Civilista a de Rui contra Hermes (1909-1910).

    o Governo de Hermes, logo de incio surpreendido por uma revolta de marinheiros que se apoderaram dos novos couraados Minas e S. Paulo, foi marcado pelas Salvaes, que, em muitos casos, eram aspiraes de militares aos cargos de go-vernadores de estado, usando a fora armada a pretexto de cumprir decises judiciais sobre duplicatas de Assembleias.

    o desastroso quatrinio do Marechal (1910-1914) gerou no pas uma repulsa a novas experincias de presidentes fardados.

    Rodrigues Alves

  • 38 Constituies Brasileiras

    Mas, de 1922 em diante, a inquietao dos jovens cadetes e tenentes irrompeu de novo, embora no os animasse um propsito militarista, mas, antes, o de coibir a degradao da 1a Repblica, que deveria cair em 24-10-1930.

    Revisionismo parlamentarista

    Os polticos, durante os 40 anos da Constituio de 24-2-1891, alimentavam firme-mente o nimo de no reform-la e conseguiram isso pelo espao de 35 anos.

    Somente em 1910, Rui, que anos antes j se decepcionara com a obra de que foi coautor, desfraldou francamente a bandeira do revisionismo, alis tmido, expondo na plataforma da Campanha Civilista de 1910 alguns pontos que, em sua opinio, deveriam ser emendados. Onze pontos lhe pareciam intocveis: a) repblica; b) federao; c) manuteno do territrio de cada Estado em 1910; d) igualdade de re-presentaes no Senado; e) liberdade religiosa com separao entre Igreja e Estado; f) competncia da justia para julgar a inconstitucionalidade das leis; g) vedao de impostos interestaduais; h) irretroatividade das leis; i) ilegibilidade dos Ministros e livre nomeao deles pelo Presidente da Repblica; j) autonomia dos Estados; k) intangibilidade da Declarao dos Direitos e Garantias (arts. 72 a 78). esse rol exclui o parlamentarismo, que, entretanto, discutido pelo maior dos brasileiros nesse dia, parecendo-lhe que esse sistema poltico no se conciliaria com a Federao.

    os pontos a alcanar seriam: 1o) unificao da legislao processual, desaparecendo a competncia estadual para isso; 2o) unificao da magistratura; 3o) definio dos princpios constitucionais a que deviam obedecer os Estados; 4o) garantias efetivas magistratura; 5o) competncia da Unio para intervir nos conflitos econmicos e tri-butrios entre os Estados; 6o) restries ao estado de stio; 7o) polcia dos emprstimos estrangeiros aos Estados e Municpios; 8o) supresso do cargo de Vice-Presidente da Repblica; 9o) supresso das caudas oramentrias, isto , disposies legislativas estranhas receita e despesa; 10o) autorizao do veto parcial.

    Com o tempo, parece-nos, o pensamento de Rui evolveu claramente para o parla-mentarismo.

    este sistema, entretanto, marca os primeiros revisionistas, desde o 3o ano da Repblica, porque em 1893, simultaneamente, a volta do Governo de Gabinete no s serviu de pretexto ao movimento revolucionrio de Silveira Martins, conflagrando o Rio Grande do Sul, ainda que suspeitado de mascarar a restaurao monrquica, mas tambm foi exposto e advogado por um pensador indiferente ao trono cado, Slvio Romero, que publicou cartas abertas a Rui Barbosa, mostrando agudamente o erro da adoo do presidencialismo. esses pronunciamentos foram reunidos num pequeno volume sob o ttulo de Presidencialismo e Parlamentarismo, e ainda hoje merecem leitura e reflexo.

    essa aspirao do retorno ao Governo de Gabinete, pela saudade dos 50 anos de paz e liberdade do Imprio, de ento por diante reapareceria de quando em quando, con-tando com arautos em livros, como Medeiros e Albuquerque, Jos Maria dos Santos e outros, dos quais Raul Pilla continuaria a ao at a Revoluo de 1964.

  • 39Volume II 1891

    Nos ltimos anos de sua vida, em algumas frases, inclusive em 1922 no prefcio da Queda do Imprio (reedio dos artigos do Dirio de Notcias, em 1889), era bem calorosa a adeso de Rui ao parlamentarismo. Sobre este escreveu:

    ... a honra do regime parlamentarista que, em quase toda a parte, tem sido para o bem. Considerai o desenvolvimento dessa Gr-Bretanha, cuja envergadura de asas abrange os oceanos. Seu progresso o da inteligncia, o da moralidade e o da fora desses Comuns, em cujo seio reside o viveiro inesgotvel de seus estadistas................................................................................................................. s no governo parlamentar existe o terreno capaz de dar teatro a essas cru-zadas morais, a essas lutas pelas idias nas regies mais altas da palavra, onde elas se fecundam. No Presidencialismo, no h seno um poder verdadeiro: o de Chefe da Nao, exclusivo depositrio da autoridade para o bem e para o mal...............................................................................................................Com o governo parlamentar as Cmaras Legislativas constituem uma escola. Com o Presidencialismo, uma praa de negcios.

    Registre-se que, nos perodos presidenciais de Floriano e Prudente, houve um movi-mento monarquista, inclusive em So Paulo, onde havia um Centro-Monarquista e uma organizao estudantil com o mesmo colorido; ambas foram fechadas pela Polcia paulista. o STF negou habeas corpus a ambas (leda Boechat Rodrigues, Histria do Supremo Tribunal, vol. I).

    O impacto da guerra de 1914 1918

    O sculo XIX, j se disse, acabou no nos ltimos dias de 1900, mas em 1918, com o fim da guerra mundial iniciada em 1915. Ruram as velhas monarquias, como a Rssia, a Alemanha, a ustria-Hungria, a Turquia e outras, que apenas simulavam um Governo de Gabinete do tipo britnico.

    Surgiu o primeiro estado comunista com a Revoluo Russa de 1917.

    esboroaram-se imprios coloniais. As massas proletrias exacerbaram suas reivindi-caes, mais ou menos aceitas, ou toleradas, pouco a pouco, da por diante, em todas as naes civilizadas.

    As ideias democrticas dos sculos XVII e XVIII j no eram recebidas como sub-verso.

    em toda a europa, surgiram novas Constituies, contendo dispositivos relativos s garantias aos funcionrios pblicos, aos operrios, famlia, aos filhos naturais, s minorias parlamentares (p. ex. o direito de instaurar comisses de inqurito quando solicitadas por 115 ou 1/3 dos membros duma Cmara), etc.

    essa massa de fatos e ideias teve impacto fortssimo na opinio brasileira. Imediata-mente aps a guerra, apareceram agrupamentos socialistas, anarquistas e comunistas.

  • 40 Constituies Brasileiras

    Poltica do caf com leite

    era a alcunha que davam, antes de 1930, ao pacto silencioso entre Minas e So Paulo, pelo qual os dois mais populosos e fortes Estados se revezavam por seus filhos na pre-sidncia da Repblica, que, como j vimos, esteve por 12 anos nas mos de estadistas do primeiro daqueles dois estados, isto , nos 3 quatrinios seguidos de Prudente, Campos Sales e Rodrigues Alves (1895-1906).

    este no conseguiu que o sucedesse outro paulista, Bernardino de Campos, sendo obri-gado a aceitar a candidatura de Afonso Pena, tambm ex-monarquista at 1889.

    Da por diante, deveria ser a rotao SPMG, um quatrinio para um dos dois estados, embora Afonso Pena tivesse tido veleidade de conservar com Minas o cargo, transferindo-o a seu jovem e brilhante Ministro David Campista, o que teve como resultado a candidatura militarista de Hermes.

    Mas, depois deste, funcionou a poltica do caf com leite: Wenceslau Braz, de MG (1914-18); Rodrigues Alves, SP (eleito pela 2a vez, 1918-22, mas que faleceu sem tomar posse, rompendo-se o pacto e, da, surgindo Epitcio, PB (1919-22); Artur Ber-nardes, MG (1922-26); Washington Lus, SP (1926-30). Nilo Peanha tentou opor-se candidatura de MG (Bernardes) unindo o Rio de Janeiro Bahia.

    o paulista Washington lus cometeu o erro de impor, para sua sucesso, outro po-ltico de So Paulo, Jlio Prestes, que foi eleito pela fraude da mquina, como os antecessores. Mas, o Governador de MG , Antonio Carlos (da famlia do Patriarca da Independncia), ressentido com a preterio, segundo o caf com leite, instigou a candidatura do Governador do Rio Grande do Sul, Getlio Vargas. Vencido, este, aliado a Minas Gerais e Paraba, com apoio dos revolucionrios exilados desde 1922 e 1924, desfechou o movimento vitorioso de 1930, pondo por terra a 1a Repblica, da por diante chamada de Repblica Velha.

    So Paulo viria a ser proscrito da Presidncia da Repblica, a despeito de tentativas, nos 44 anos seguintes a 1930. e o Rio Grande do Sul j teve 5 Presidentes de 1930 a 1974, governando o Brasil durante 29 anos em 4 dcadas (Vargas, Jango, Costa e Silva, Mdici e Geisel).

    A Constituio Positivista do Rio Grande do Sul

    Derrotados na Constituinte de 1890-91, os positivistas poucas e secundrias emendas conseguiram introduzir na Constituio Federal de 1891. Sem lugar em So Paulo, onde predominaram juristas liberais, nem no resto do Brasil, os positivistas tiveram

    Wenceslau Braz e Rodrigues Alves

  • 41Volume II 1891

    bom xito, entretanto, no Rio Grande do Sul, graas liderana e energia de um de seus proslitos, Jlio de Castilhos, que deu cunho transparentemente comtiano Constituio gacha aproximando-a da ditadura cientfica do mestre.

    A Assembleia legislativa do Rio Grande do Sul, em contraste com a dos outros Estados, tinha poderes limitados quase que s matria financeira e oramentria.

    No se proibia a reeleio do Governador, o que permitiu a Borges de Medeiros, constituinte de 1890-91 e sucessor de Jlio de Castilhos, perpetuar-se no governo por mais de 20 anos, dele s saindo por fora do acordo de Pedras Altas, que ps fim revoluo local no reprimida pela unio. esta se limitou a promover entendimento a fim de que o velho caudilho gozasse o ltimo quatrinio em troca da promessa de no se reeleger mais.

    As profisses liberais, no Rio Grande do Sul, poderiam ser exercidas livremente, sem prova de habilitao tcnica, segundo o figurino positivista. O habeas corpus quase no existia no Rio Grande do Sul e Jlio de Castilhos promoveu o processo de juzes que o concederam. Mas aquele acordo de 1924 no impediu que o positivismo viesse a influir, indiretamente, no Brasil pela ditadura de Vargas.

    Prdromos da legislao social

    Sob o impacto das ideias nascidas ou expandidas pela vitria das naes democrticas e aliadas na guerra mundial de 1914-18, a legislao brasileira enriqueceu-se com a primeira lei de Acidentes do Trabalho, de 1919.

    em 1924, a lei eloy Chaves criou o 1o Instituto de Aposentadorias, o dos Ferrovi-rios. O Deputado Henrique Dodsworth fez passar, em 1926, a 1a lei de Frias para trabalhadores. em 1923, um projeto de Agamenon Magalhes e Pacheco de oliveira pretendia fundar um Instituto de Penses para empregados no Comrcio. outro se criou para os trabalhadores de Docas. Na Cmara, discutiu-se um Cdigo de Trabalho, participando dos debates, entre outros, Afrnio Peixoto, antes de 1930.

    Um publicista russo, Mirkine-Guetzvitch, divulgava a racionalizao do poder nas novas Constituies europeias e era traduzido no Brasil.

    Foram